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Epígrafo
Finn
Rey
Poe Dameron
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ERAM quatro no grupo de ataque e, como gritar “FN-dois-um-oito-sete,
proteja sua retaguarda!” era um trava-língua, especialmente quando os
disparos de laser incendiavam o ar ao redor, eles tinham criado apelidos.
Diante dos oficiais, especialmente a capitã Phasma, sempre usavam a
designação apropriada, claro. Nos alojamentos e em combate, porém,
usavam os nomes que deram uns aos outros ou que escolheram para si
mesmos.
FN-2199 era Nines, porque gostava de como o apelido soava, simples
assim. FN-2000 dissera a todos para chamá-lo de Zeroes, porque se
orgulhava do fato de um número tão redondo ter caído para a designação
dele. Ele achava que isso o tornava especial — ou ninguém lhe dissera que
ser um “zero” não era exatamente algo de que se orgulhar, ou ele não se
importava com isso.
FN-2003 era o único cujo apelido não vinha de sua designação. Eles o
chamavam de Slip. Ele sempre parecia um pouco mais lento, um pouco
mais atrapalhado que o restante do grupo de ataque. Não se tratava apenas
de um simples fator físico. Algumas vezes — nas reuniões de instrução,
durante treinamentos e simulações —, a sensação era de que as ordens não
chegavam nele, que ele não compreendia completamente ou era incapaz de
entender o que se esperava que ele fizesse ou como deveria fazê-lo.
FN-2187 era simplesmente Oito-Sete. Mas não abreviavam a
designação dele com frequência. Para seus instrutores e colegas, ele era um
dos melhores stormtroopers já vistos. Era tudo o que esperavam dele: leal,
obediente, corajoso, esperto e forte. Não importava o teste, em qualquer
avaliação FN-2187 com certeza pontuava entre os melhores dos melhores.
Assim, ele era FN-2187, caminhando bem para se tornar o stormtrooper
ideal da Primeira Ordem. Pelo menos era isso o que todos pensavam.
Todos, menos o próprio FN-2187.
Fosse qual fosse a razão para isso, quer pudessem acreditar em Zeroes ou
não, o treinamento deles de fato foi acelerado. Iam para simuladores de
duas a três vezes por dia, às vezes trabalhando com os outros membros de
esquadrões maiores. Duas vezes participaram de batalhas com múltiplas
equipes, de ataques a bases com o simulador deles sincronizado a cinquenta
outros, todos rodando ao mesmo tempo. Eram confrontos gigantescos com
apoio aéreo completo, artilharia avançada e até bombardeios orbitais das
naves maiores. Caças TIE zuniam acima deles, em combate direto contra as
X-Wings da República, com perseguições que rasgavam os céus do
simulador.
FN-2187 se viu gostando de verdade daquelas simulações, tanto que
quase se surpreendeu. As simulações eram simples. Os stormtroopers
tinham um objetivo claro, sabiam quem era o inimigo e, honestamente, por
mais sérias que as simulações pudessem parecer, no fim das contas eram
apenas jogos que ele sabia que jogava bem. Nesse tipo de ambiente, era
mais fácil se atentar ao conselho da capitã Phasma, deixar Slip prevalecer
ou cair por conta própria. Quando Slip era atingido — e ele sempre era
atingido —, não importava de verdade, porque nada daquilo era real, era?
Depois da segunda simulação com múltiplos grupos, a capitã Phasma
elogiou FN-2187 diante de todos os participantes. Ela o fez se levantar e
encarar a sala de reunião. Havia centenas deles lá no momento: todos os
pilotos, stormtroopers e instrutores… todo mundo. Ela falou sobre a
habilidade, a eficiência e a brutalidade de FN-2187, e como todos os alunos
podiam aprender algo observando-o. Isso o fez se sentir estranho, quase
envergonhado, e ele ficou grato por estar com o capacete, assim ninguém
poderia ver seu rosto.
A pessoa que ficou em pé por mais lutas foi Zeroes. Ele passou por cinco
assaltos sem cair, então FN-2187 foi chamado para encerrar a sequência. A
lança de energia dava alcance a Zeroes e ele atacava com força, mas FN-
2187 tinha seu escudo e descobriu rapidamente que, quando o utilizava no
ângulo apropriado, poderia redirecionar um golpe em praticamente qualquer
direção que desejasse. Zeroes tentou atacar quatro vezes — baixo, baixo,
baixo e então alto, mirando a lança com as duas mãos na direção do coração
de FN-2187. Ele bloqueou todos os golpes, girando seu escudo para a
direita de forma que, quando o golpe resvalou, Zeroes perdeu o equilíbrio e
ficou exposto. FN-2187 girou na direção contrária, trouxe a clava para
baixo e atingiu Zeroes bem acima do joelho, mandando-o com tudo para o
chão.
— Vitória! — gritou um dos instrutores.
FN-2187 deixou a clava no chão e foi ajudar Zeroes a se levantar,
agarrando-o pelo cotovelo. Zeroes desvencilhou-se dele; sua raiva era
evidente mesmo por trás do capacete. FN-2187 supôs que era porque tinha
quebrado sua sequência de vitórias.
Aquele, contudo, foi o início da sequência do próprio FN-2187. O
próximo aluno a enfrentá-lo era de uma turma diferente, do grupo FO,
também armado com uma clava e escudo. A luta durou três segundos. FN-
2187 simulou um golpe por cima com a clava e, quando o oponente
levantou o escudo para se defender, o derrubou com um ataque do próprio
escudo. Os dois oponentes seguintes também tinham designação FO, outro
com lança de energia e um com espada e escudo. O segundo demorou mais
para ser derrotado — quase um minuto completo antes de FN-2187 dar um
jeito de lhe arrancar o escudo, então foi só esperar por urna abertura e atacar
na hora certa.
Depois chegou a vez de Nines, com um vibromachado e um escudo. Se
FN-2187 achava que Zeroes tinha ficado bravo com a derrota, Nines
parecia já ter entrado na luta assim. Nines começou com um giro direto na
cabeça de FN-2187. A próxima coisa que 2187 viu foi o adversário se
chocando com ele, corpo contra corpo; as armaduras se arranhavam
enquanto ele era empurrado pela sala de treinamento. FN-2187 precisou de
toda sua força para se manter em pé e evitar dar outra abertura para Nines
atacar o machado. Por fim, FN-2187 largou o escudou e usou a mão livre
para controlar o punho de Nines. Trocaram de posições e FN-2187 bateu
com o ombro no peito do colega, fazendo-o perder o equilíbrio por tempo
suficiente para criar uma distância entre os dois. Antes que 2187 pudesse
recuperar o escudo descartado, entretanto, Nines lançou-se contra ele
novamente. Agora FN-2187 usava sua clava com as duas mãos, rebatendo
os ataques de Nines com a mesma rapidez que eram desferidos. Sentia o
coração batendo dentro da armadura, como um eco de sua respiração
conforme o esforço aumentava. O pensamento que lhe ocorreu, inesperado
e chocante, era que Nines pensava que aquilo era real, não um treinamento.
O vibromachado desceu cortante contra o braço dele, e FN-2187 se
esquivou. Os dois stormtroopers começaram a girar. Nines ameaçou com o
machado e então atacou corn o escudo quase acertando-o pelo lado, mas
FN-2187 deu um jeito de levantar a clava e bloquear bem a tempo. Ele viu
o golpe que viria a seguir mesmo antes de Nines lançá-lo, sabia que o
machado viria cortando novamente; então, em vez de dar um passo para
trás, FN-2187 seguiu em frente e por baixo da guarda de Nines. A clava
estava na posição errada, com sua ponta pesada em direção ao solo, então
FN-2187 usou o cabo mesmo, esmagando-o no capacete de Nines. O outro
trooper caiu de costas suavemente. Ele ficou deitado imóvel, atordoado por
um instante.
FN-2187 recuperou seu escudo. Não fez menção de ajudar Nines a
levantar.
Essa foi a quinta luta, o que o deixou empatado com o número de
vitórias de Zeroes.
O sexto embate era com Slip, e de imediato FN-2187 viu que algo
estava errado. Talvez fosse o golpe na cabeça ou alguma outra coisa, mas
ele se movia lentamente. Sua movimentação de pés, antes impecável, estava
vagarosa e desleixada. A empunhadura dele na lança de energia não parava
de escorregar; não de um jeito óbvio, mas estava solta o suficiente para que
a ponta ficasse baixa demais. Assim seria fácil para FN-2187 repelir os
golpes ou mesmo desarmá-lo de vez. Sentindo o gosto do suor, com o olhar
escondido pelo capacete, FN-2187 espiou os instrutores procurando por
algum sinal de que estavam vendo o que ele via, que Slip não estava em
condições de lutar, que aquela não seria uma luta justa. Os instrutores
estavam impassíveis, em pé com seus uniformes, as mãos nas costas. Nada
na expressão deles entregava qualquer coisa além de um vago interesse.
Não havia sinal de simpatia.
Slip atacou e FN-2187 bloqueou com facilidade, mandando a ponta da
lança para longe do escudo pela esquerda. Slip a acompanhou, incapaz de
se segurar a tempo, obviamente desequilibrado. FN-2187 deu um passo
para trás, dando-lhe espaço para se recuperar. Olhou de novo para os
instrutores. Ele supôs que um deles franzia a testa.
FN-2187 balançou a clava em um arco fácil, sem colocar força de
verdade, exagerando o movimento. Slip quase não levantou sua guarda no
lugar a tempo e falhou por completo ao lançar um contra-ataque. Eles se
circundaram. Outro olhar para os instrutores e ambos estavam franzindo a
testa. Slip tentou alternar a empunhadura dele na lança e, como se usasse
um bastão, fez um ataque de que FN-2187 se esquivou sem pensar. Teve
outra abertura e quase a aproveitou, mas por algum motivo se viu incapaz
de fazê-lo.
Veio então o pensamento de que, se ele perdesse, Slip seria deixado para
enfrentar quem quer que viesse depois.
Veio então outro pensamento, de que quem lutasse com ele seguida não
se importaria que Slip já estava machucado, que outro ferimento poderia ser
demais para ele.
Você é um de nós, FN-2187 pensou.
Atacou com a clava, um gancho que Slip bloqueou, mas sem qualquer
força na defesa. O bloqueio abriu a guarda de Slip e mandou as mãos dele e
a lança para cima, quase sobre a cabeça, deixando o torso exposto. FN-2187
avançou com o escudo na frente, mais empurrando do que atacando,
enquanto trazia a perna esquerda para a frente, por trás da direita de Slip.
Não precisou de quase nenhuma força aparente; de repente, Slip estava de
costas no chão, e FN-2187 estava parado sobre ele. O instrutor gritava:
— Vitória!
Foi nesse momento que FN-2187 viu o reflexo cromado, o rebater das
luzes na armadura polida e percebeu que a capitã Phasma estava assistindo
a tudo.
Deu um passo para trás, aguardando enquanto Slip se erguia
desequilibrado.
O próximo combatente era de outra turma de treinamento, a FL, mas
FN-2187 não reparou de verdade e nem se importou muito. Tinha certeza
de que Phasma o observava, ideia que era impossível de confirmar. O aluno
FL estava usando duas armas uma espada e um machado, e era selvagem
com ambas. Àquela altura, a mente de FN-2187 estava a mil — pensava em
Slip, Nines e Zeroes e em Phasma o observando —, e não foi realmente
uma surpresa quando o mundo explodiu em um clarão branco, o cabo da
espada colou no seu queixo e ele pôde sentir o próprio sangue. Em um
instante estava em pé, no seguinte estava deitado no chão, encarando as
luzes no teto através das lentes do capacete.
Ele levantou e voltou para seu lugar na fila.
Eles estavam em posição na entrada da doca havia quase três horas quando
o rádio de FN-2187 foi acionado em seu ouvido. A doca atrás deles tinha
sido esvaziada pelos stormtroopers havia muito tempo; o sargento liderou o
restante das tropas para dentro da instalação e Zeroes, Nines e Slip tinham
começado a reclamar do quanto aquela missão era chata e do quanto era
injusto terem que ficar parados ali protegendo as naves.
— FN-2187, responda. — Era a voz da capitã Phasma.
— Aqui é FN-2187. Prossiga, capitã.
— Estou mandando uma unidade para substituir vocês. Assim que
chegarem, prossiga com seu grupo para o nível alfa-sete-sete, sala zero-três.
Confirme.
— Confirmado.
Os outros o encaravam.
— Seremos substituídos — FN-2187 lhes disse. — A capitã Phasma
quer que prossigamos para outro lugar.
— Qualquer coisa deve ser melhor que isto — Nines comentou.
— Você podia ser um minerador aqui — FN-2187 falou.
— Não me faça rir. Não devemos rir quando estamos de uniforme,
lembra?
— Não estou brincando.
— Eles poderiam largar essa vida se quisessem — Slip disse.
FN-2187 pensou na área de pouso vazia atrás deles, com apenas os dois
transportes que tinham trazido eles e os outros stormtroopers até ali. Não
disse nada.
Os substitutos chegaram, outro grupo de ataque com cadetes, e FN-2187
abriu o mapa que tinha baixado no computador da armadura em seu visor.
Seguiram caminho pelo complexo, por uma passarela perimetral mais
estável, e depois por um elevador enorme que desceu mais de cinco
quilômetros antes de enfim estremecer e parar no andar alfa-sete-sete. A
porta abriu revelando uma vista similar à que tinham deixado acima, apenas
mais escura, com poças esparramadas por todo o solo, profundas o
suficiente para que suas botas espirrassem água a cada passo.
A capitã Phasma os esperava do lado de fora de uma porta com a
marcação O-3, com meia dúzia de stormtroopers.
— Nos apresentando conforme ordenado — FN-2187 anunciou.
Phasma indicou a porta fechada, e a capa deslizou pelo braço dela com
o movimento. Verde e vermelho refletiram na armadura dela.
— Os negociadores estão lá dentro — ela disse. — Você e seu grupo
acompanharão.
— Estamos negociando com a República? — A pergunta veio sem
pensar e, assim que a pronunciou, FN-2187 se arrependeu, esperando que
Phasma o repreendesse.
— Não, com os mineradores em greve. — Phasma se virou e bateu na
placa de ativação na parede, o que fez a porta abrir. Ela os guiou para
dentro.
Quatro humanoides estavam sentados na ponta de uma mesa retangular
de concreto, no lado oposto à porta. Apenas um deles era humano, com
olhos profundos e metade do queixo inchado e brilhando por causa de uma
cicatriz de queimadura. Os outros eram um rodiano sem dois dedos da mão
direita, um abednedo e um narquois. Todos se endireitaram nas cadeiras
quando Phasma entrou, e observaram conforme ela fechava a porta atrás
dos stormtroopers.
— Você considerou os nossos pedidos? — o humano perguntou.
— Dei ao seu pedido a atenção que ele merece. — Phasma olhou para
FN-2187 e o restante do grupo de ataque. — Matem-nos.
Nada aconteceu por um momento, nenhum movimento, nenhuma
palavra, como se todos — tanto os negociadores como os cadetes — não
estivessem certos do que ouviram.
Então Slip começou a atirar.
Em seguida Zeroes e Nines. FN-2187 levantou o fuzil até o ombro, pôs
o dedo no gatilho e mirou o abednedo. Viu os Olhos arregalados e todo o
medo dele e, naquele instante, uma vida cheia de sofrimento que estava
prestes a terminar; disse a si mesmo que talvez o que estava prestes a fazer
fosse misericordioso. Ainda assim, não foi capaz de puxar o gatilho.
No final, não precisou fazê-lo.
Slip atirou por ele.
Quando Rey finalmente se atreveu a sair, levou quase uma hora para
conseguir abrir a porta. A areia estava amontoada tão alta e compactada
contra a porta que no início ela só fora capaz de movê-la alguns
centímetros. A cada empurrão, mais e mais deserto invadia a casa dela.
Conseguiu abrir a porta por fim, mas precisou limpar tudo, o que lhe
consumiu mais uma hora, a causa disso, entretanto, era principalmente
porque ela estava trabalhando muito devagar: cada vez que se abaixava e
levantava, a tontura retornava, e ela tinha que parar e apoiar a mão na
parede.
O sol estava forte e cruel. Como por um milagre, a speeder tinha sido
poupado da pior parte da tempestade. Ela limpou a poeira dele, verificou a
bateria, ligou o motor e teve uma agradável surpresa quando ele funcionou
sem hesitar. Voltou para dentro apenas para pegar o bastão e algumas peças
da bancada para oferecer a Unkar. Trancou tudo, montou na speeder e fez a
viagem para Niima. Foi devagar, ciente de que não estava em suas melhores
condições.
A pequena cidade, se é que se podia chamar aquilo de cidade, e ela não
estava certa se podia, mas não tinha muito com que compará-la — ainda
estava quase deserta. As lonas por cima da estação de lavagem foram
destroçadas pela X’us’R’iia, e havia duas sentinelas do lado de fora
trabalhando nos reparos. Rey estacionou entre a estação e o escritório de
Unkar e, por puro hábito, olhou pelo pequeno campo de pouso, contando as
naves. As mesmas três naves de sempre estavam lá. Todas pareciam ter
sobrevivido à tempestade sem danos.
Ela marchou até o guichê de Unkar, sentindo o sol machucá-la. Ele já
estava lá, observando-a com os olhos esbugalhados no rosto inchado.
— Primeira a chegar — ele disse.
Rey remexeu na bolsa, tirou as três peças de sucata que tinha pegado e
as posicionou no balcão entre eles.
— O que você me dá?
Uma das mãos grossas de Unkar se estendeu, agarrando as peças uma
por vez, puxando-as pela abertura para que pudesse examiná-las mais de
perto. Rey esperou, observando ao redor. Mais pessoas chegavam,
aventurando-se depois da tempestade. Dois outros coletores deviam ter
saído para caçar antes, pois seguiam em direção à estação de limpeza para
lavar os achados. Rey se amaldiçoou em silêncio por não ter feito o mesmo.
A tempestade devia ter movido as areias de lugar no cemitério. Quem sabia
o que poderia ter revelado? Agora, quando chegasse lá, não haveria mais
nada.
— E isto aqui deveria ser o quê? — Unkar perguntou.
Rey olhou para a peça na mão dele.
— É o atuador de um compensador de aceleração Kuat-7.
— Não, pelo menos não neste estado. E isto? Isto era para ser parte de
um conjunto de processadores de dados?
— Sim.
Unkar grunhiu.
— Este aqui é bom. Regulador de baixa interferência para um Z-70.
Posso negociar isso. — Ele esparramou as três peças entre eles. — Dou três
porções, uma para cada uma delas.
— Só o Z-70 vale isso, Unkar.
— Estou oferecendo três, Rey. É pegar ou largar.
Ela tremeu. O sol fazia sua dor de cabeça piorar.
— Três porções e duas garrafas de água — Rey contra ofertou.
Ela estava comendo a nojeira que se passava por refeição, uma porção, na
sombra ao lado das cabines de vendas quando ouviu os motores. Todo
mundo olhou para cima, inclusive Rey. Todos observaram enquanto a nave
desceu preguiçosa sobre o campo de pouso e então aterrissou. Era um
cargueiro leve velho, da classe Hernon, todo quadrado e feio. Rey o tinha
visto ali talvez umas dez vezes, assim como todo mundo; com a mesma
rapidez a atenção deles dispersou de volta para as diversas tarefas que
tinham em mãos. Unkar fazia negócios recorrentes com alguns mercadores,
pessoas que queriam comprar as sucatas dele por um preço baixo e sem
registros.
Sobraram alguns pedaços da gosma azul no pacote que Rey levou aos
lábios para espremer na boca. Ela levantou e caminhou para a estação de
limpeza, agora com todas as baias ocupadas por outra meia dúzia de
companheiros coletores esperando sua vez. Ela jogou o pacote no lixo e
olhou de novo para o campo de pouso. A rampa tinha descido e a primeira
figura a emergir era exatamente quem ela esperava: o mesmo humano que
tinha visto todas as outras vezes. Ele parou na ponta da rampa e se virou
para falar com alguém a bordo. Rey viu outra figura descendo, uma garota,
seguida ainda por uma terceira pessoa, uma mulher mais velha. Aqueles
rostos eram novos para Rey, e ela percebeu que estava os encarando.
O homem apontou na direção de Unkar, falando com a mulher e a
garota. A garota tinha as mãos nos bolsos e os ombros caídos; a mulher pôs
a mão na cabeça da garota enquanto falava com o homem. O homem
segurou os ombros da garota. Ela olhou para ele e ele se reclinou em
direção a ela, talvez falando algo e apontando para dentro da nave. A garota
virou-se, seguiu a mulher rampa acima e saiu de vista. O homem se dirigiu
até Unkar.
Rey voltou para a speeder, tentando imaginar sobre o que tinha sido a
conversa, o que a garota tinha dito, o que o homem falara, o que a mulher
respondera. Ela deu a partida no motor e manobrou a speeder em direção ao
deserto ponderando sobre a cena.
Ela não tinha a menor ideia do que tinha sido tudo aquilo.
Rey não tinha muita esperança de encontrar algo bom. Já perdera a manhã e
só chegara com seu speeder à fronteira do cemitério no meio da tarde.
Qualquer coisa que a tempestade revelara mais nas proximidades já teria
sido reivindicada. Conforme rodava, podia ver pequenos grupos de
coletores trabalhando em novos destroços. Muitas pessoas trabalhavam
juntas, imaginando que poderiam cobrir uma área maior. Rey trabalhava
sozinha, como sempre. Era mais fácil quando estava sozinha; tinha menos
complicações, menos coisas com que se preocupar. A única pessoa em
quem tinha que confiar era nela mesma.
Dirigiu-se até a parte mais distante, além dos achados fáceis, para
dentro do terreno difícil. Ela estava se sentindo melhor agora que a refeição
tinha calado, pelo menos por enquanto, o grunhido da fome, e abriu
caminho com a speeder. Rey pilotou com mais rapidez e firmeza,
apreciando a emoção do poder e da aceleração da máquina. Tinha aquele
speeder havia muitos anos; ela mesma o construíra, da mesma forma que
fizera com tantas outras coisas e, até onde podia se permitir se orgulhar de
alguma coisa, tinha orgulho dele.
O cemitério não era apenas uma área; tinha, na verdade, uma vasta
extensão. Era possível atravessá-lo por quilômetros sem ver sinal de nada e,
de repente, ao escalar alguma duna, se perceber em frente a um campo de
destroços. Entretanto, a tempestade tinha feito mais do que revelar novos
achados; tinha mudado o terreno, reformulado o deserto, por isso foi só
depois de atingir a Crepitação e ver o Prego que Rey percebeu para quão
longe tinha pilotado. A Crepitação era uma das poucas constantes do
deserto, marcada pelo dorso de uma nave de comando gigante enterrada na
areia até a metade, quase perfeitamente na vertical: o Prego. Ninguém sabia
que tipo de nave tinha sido, se fora da República, do Império ou de uma
época anterior; era impossível ter certeza, porque tudo o que havia era o
eixo da quilha despontando do chão e algumas vigas de sustentação
retorcidas ainda agarradas ao que restara da estrutura. Todo o resto da nave
tinha sido destruído na explosão de plasma que irrompera com o impacto. O
calor fora tão intenso que queimara a areia na superfície do deserto, ardendo
com uma temperatura tão alta que transformara o solo em um vidro
escurecido. Com o passar dos anos, o vidro tinha se quebrado em pedaços
cada vez menores, em seu curso natural para voltar a ser areia, mas, ao
pilotar ou andar pelo terreno, podia-se ouvir um crepitar que parecia
sussurrar por quilômetros.
Por isso, o lugar se tornou a Crepitação.
Rey parou quando se aproximou do Prego, observando o sol com os
olhos semicerrados enquanto puxava sobre o rosto um pedaço do lenço.
Talvez restassem duas horas de luz do dia, e precisaria de mais do que isso
para voltar para casa. A temperatura despencava à noite — chegava a fazer
tanto frio quanto fazia calor durante o dia. O pouco de vida selvagem que
existia naquela parte de Jakku também surgia com a escuridão, e a maioria
era predatória, tão desesperada para sobreviver quanto todos os outros seres
vivos. Os enxames de tubarões-roedores saíam à noite, carnívoros que
corriam sobre seis patas e se alimentavam de sangue quente. Ficar preso na
escuridão não era uma boa.
Rey perdera o dia, mas talvez pudesse ganhar alguma vantagem para o
dia seguinte. Desligou a speeder, desceu e cuspiu mais areia. Bebeu metade
de uma das garrafas que conseguira com Unkar e a guardou de volta na
bolsa. Rey observou o Prego pensativa. Com certeza era possível escalá-lo.
Não muito seguro, mas possível.
Deslizando o bastão das costas, Rey o deixou apoiado na lateral da
speeder e seguiu até a base do Prego. O solo trincava sob as botas dela,
fazendo o vidro saltar e crepitar. O pilar rangeu quando ela alcançou a base
do Prego fincado na areia, como se alertasse Rey.
O metal, aquecido por ter passado o dia sob o sol, queimava as mãos
dela. Ela usou as beiradas do lenço como luvas improvisadas, mas o calor
se infiltrava por ele. Havia mais alças e degraus do que parecera a princípio,
e ela subiu depressa, focando mais em sua tarefa do que no que estava
acima ou na distância crescendo rápido abaixo. Só quando sentiu o vento
balançando as pontas do lenço que percebeu o quanto tinha subido. Parou e
se lançou em uma brecha no Prego onde podia quase sentar. Não era
confortável, mas era seguro. Pelo menos naquele momento.
A vista era incrível. Ela subira uns cem metros, talvez mais. Olhando na
direção de onde veio, podia apenas reconhecer o que supunha ser Niima,
tremeluzente e distorcida pelo calor do mormaço. Entre ela e a cidade
estendia-se a maior parte do cemitério, com a fronteira marcada pelo
Destroier Estelar caído. De lá de cima, até parecia pequeno. Rey transferiu
seu peso para o lado e puxou os macrobinóculos da bolsa — apenas uma
das lentes funcionava, então estava mais para um macrobinóculos, pensou.
Ela o levou até os olhos e analisou o deserto espalhado à sua frente.
Havia dois teedos no horizonte, a mais de cinquenta quilômetros de
acordo com o medidor de distância nos macros. Eles estavam puxando os
luggabeasts em vez de montá-los, o que significava que voltavam para casa
depois de uma longa busca fora. Ela olhou para a esquerda, para o deserto
inexpressivo. Era decepcionante. Não havia nada de novo para ver, e os
poucos destroços que sabia que estavam no caminho tinham desaparecido,
devorados mais uma vez pelo deserto.
Alguma coisa saltou na vista dela, um brilho, metal ou vidro, por um
instante, e Rey voltou-se para a frente devagar. Sentiu o batimento cardíaco
acelerar. Forçou-se a observar lentamente e tentou refazer a trajetória que
seus olhos tinham seguido, mas isso era muito difícil. O sol estava se pondo
e Rey sabia que, onde quer que a luz tivesse rebatido, tinha sido um caso de
“lugar certo na hora certa”. Em minutos, talvez até em segundos, o sol
desceria ainda mais, e o que tinha sido revelado poderia desaparecer para
sempre.
Ela viu de novo o brilho da luz do sol rebatendo no metal exposto, e
focou os macrobinóculos. Conseguiu. O que Rey encontrou quase a fez cair
do Prego.
Era uma nave.
Rey baixou os macros. Verificou a posição do sol de novo. Quando ela
descesse, teria apenas tempo suficiente para voltar para casa antes de
escurecer. Se avançasse para os destroços, chegaria ainda com luz do dia,
mas não teria a menor chance de voltar para o Walker antes de o deserto se
tornar gelado e perigoso. Podia deixar para o dia seguinte, partir ao nascer
do sol e torcer para que fosse capaz de encontrar os destroços antes que
outra pessoa pudesse reivindicá-lo para si.
Foram aquelas incertezas que definiram sua decisão. Enfiou os
macrobinóculos na bolsa e começou a longa descida.
Era uma velha nave 690 das Indústrias Ghtroc, um cargueiro leve pequeno.
Rey a reconheceu de imediato por já tê-la visto no simulador de voo; ela
voara uma versão mais recente, a 720, mais vezes do que podia contar. O
sol beijava o horizonte, banhando tudo com uma luz dourada suave que fez
cada parte da nave parecer tão preciosa quanto Rey achava que era, porque
o maior milagre de todos, maior do que o fato de ainda não ter sido
descoberta e reivindicada por ninguém, e maior do que o fato de estar quase
toda para fora da areia, era que a nave estava intacta.
Com certeza estava danificada. Podia perceber isso antes mesmo de
saltar da speeder em frente à nave para examiná-la. O disco de telemetria
fora cortado do topo da fuselagem, o escudo da cabine de comando perdera
vários painéis, certamente estilhaçados no impacto, e rachaduras se
espalhavam pelos dois que restaram. Pelo casco a estibordo, um corte que
seguia por quase dois metros expunha a fiação corroída e derretida, com
pedaços de cabos faltando. Quem quer que tivesse descido com a nave
tentara fazê-lo usando o ciclo de pouso; com isso, o suporte frontal de
pouso, pelo menos até onde Rey podia ver no local onde a areia tinha se
movido, desapareceu por completo.
Mas era uma nave, estava inteira e Rey a tinha encontrado, o que
tornava a nave dela. Sentiu algo estranho no rosto; uma dor esquisita nas
bochechas. Aproximou-se e viu o próprio reflexo no que sobrou do escudo
da cabine. Ela estava suja, mas isso era normal. O que a surpreendeu foi que
estava sorrindo; tentou parar, mas ainda sentia a dor nas bochechas, e ela
continuava sorrindo.
Unkar pagaria... Rey tentou calcular quanto Unkar pagaria pela nave,
mesmo naquele estado. Uma centena de porções? Quinhentas? Comida
suficiente para ela poder se alimentar por um ano. Além de água e talvez
outras coisas: ferramentas melhores ou quem sabe até um laser para que ela
pudesse se proteger melhor, sem precisar contar apenas com o bastão. Tudo
isso apenas por um destroço, sem nem levar em conta qualquer coisa que
Rey pudesse achar ali dentro.
As sombras começavam a se espalhar pelo cargueiro através da areia. A
luz do dia estava acabando. Rapidamente puxou a speeder para escondê-lo
embaixo da cabine que despontava em um ângulo agudo. Ela desligou o
motor e deu uma volta pela duna, tentando visualizar melhor a nave. Tinha
tombado para bombordo por causa da tempestade ou simplesmente pelo
Jeito corno descera, e uma duna grande começava a ser varrida para cima
da fuselagem naquele lado. Mais um dia, um vento mais forte, e toda a nave
poderia acabar enterrada de novo.
A areia escorregava sob os pés dela conforme avançava para a duna.
Correndo para pegar impulso, Rey saltou de lá pousando na parte de cima
do casco. O exterior da nave estava queimando de tão quente, ainda
conservando o calor do dia, e ela assobiou com a dor enquanto se reerguia.
Podia sentir o calor subindo pelas botas. A nave permaneceu estável. Não
rolou nem balançou conforme ela avançou em direção à cabine. Um dos
painéis que faltavam era largo o suficiente para ela atravessar. Olhando para
baixo, podia ver onde o deserto tinha sido cuspido para dentro do cargueiro,
praticamente formando uma rampa de areia para ajudá-la na descida.
Engatinhou para dentro, apertando os dentes enquanto o calor do metal a
queimava. Assim que atravessou, deitou-se e deslizou o restante do
caminho.
Rey terminou entre dois assentos, do piloto e do copiloto. Era bem mais
fresco dentro da nave, e estranhamente quieto. Os ruídos do deserto, que
pareciam baixos a maior parte do tempo, sumiram por completo. Não havia
nada, apenas o silêncio. Na frente dela, a porta da cabine estava suspensa,
meio aberta, os painéis divididos e arqueados, e além dali havia apenas a
escuridão.
Rey escorregou na areia conforme ficava em pé e apoiou a mão na parte
de trás da cadeira do piloto para se estabilizar. Alguma coisa caiu do apoio
para cabeça e fez um barulho ao bater contra o metal. Os olhos dela ainda
estavam se ajustando à escuridão, por isso levou um momento antes de
reconhecer o que tinha soltado. Pegou-se rindo involuntariamente de novo.
Segurou os óculos de proteção que caíram e assoprou a areia das lentes.
Ela os levantou, examinando. Não havia sequer um arranhão. Rey pendurou
os óculos no pescoço e tirou a lanterna da bolsa.
Ela começou a explorar.
Rey passou a noite no cargueiro. Desligou a energia auxiliar para evitar que
as baterias perdessem mais força e para impedir que a luz vazasse para o
exterior da nave. Ela tinha muito medo de ser descoberta e do que
aconteceria se mais alguém encontrasse a nave. Sem sombra de dúvidas
tentariam tomá-la; tentariam roubar o que agora era dela. Não deixaria isso
acontecer.
Experimentou uma das camas na cabine da tripulação, mas encontrou
duas coisas erradas. A primeira era que o ângulo em que a nave estava a
faria deslizar contra a divisória com todo o peso de um lado só, o que era
desconfortável, mas suportável. A segunda, entretanto, tinha a ver com a
cama em si: era macia demais. No fim preferiu o chão.
Logo cedo, Rey rompeu o lacre de uma das refeições rápidas e comeu o
que considerou um dos melhores alimentos que já provara. Não tinha ideia
do que era aquilo, mas tinha um preparado de carne de verdade e um molho
que era doce e picante ao mesmo tempo, com algo que pensou que
poderiam ser castanhas, que estouraram entre os dentes dela com um estalo
satisfatório. Havia também um disco pequeno envolto por um tipo de
massa; quando mordia aquilo, ele se misturava com um açúcar meio picante
que era tão intenso que ela quase engasgou com a doçura.
A próxima questão a resolver era proteger a nave de olhos curiosos. Isso
aparentemente era algo que os donos anteriores também desejaram, porque,
quando Rey vasculhou o compartimento de carga buscando alguma coisa
para cobrir o cargueiro, encontrou uma placa do piso deslocada e, depois de
fazer força e arrancá-la com uma alavanca, encontrou ali dois panos. Ao
desdobrar um, descobriu que era muito maior do que parecia. Havia uma
alavanca de um atuador em um dos cantos, e Rey a pressionou sem saber o
que esperar. Ainda segurando a borda do tecido enorme, viu-o desaparecer
diante dos olhos ou, mais precisamente, se alterar para combinar com o
ambiente ao redor. Quando pressionou o atuador de novo, o tecido se
reverteu para o tom cinza sem graça. Ela lembrou de um coletor
klatooiniano discutindo com Unkar sobre um objeto parecido com aquele,
só que bem menor. Um tecido camaleão, ele dissera.
Rey concluiu que quem quer que tivesse possuído o cargueiro antes dela
talvez não estivesse preocupado em operar de forma legal.
Levou algum tempo e um pouco de luta em torno do casco para deixar
os dois panos posicionados sobre o cargueiro e presos com pesos para que
não voassem com um sopro de vento repentino. Uma vez ativados, a nave
praticamente desapareceu no terreno que a cercava. Rey não tinha ideia de
quanto tempo os cobertores durariam, se precisavam de recarga, se
funcionavam com bateria ou com energia solar, energia solar teria sido
bom, ela pensou.., mas cumpriram a tarefa dentro do esperado. Seria preciso
estar quase em cima do cargueiro antes de perceber que tinha algo lá além
do deserto.
Rey voltou para dentro. Estava ficando mais familiarizada com a nave e
tinha mais facilidade para se mover dentro dela. Achara um caderno velho
no alojamento da tripulação e duas canetas e os levou com ela quando
religou a energia auxiliar e reacendeu as luzes. Se ajeitou para se dedicar a
fazer um inventário bem detalhado dos sistemas da nave, dos motores à
cabine. Verificou a fiação, as ligações de energia, os cabos, os condutores,
as amarrações, os componentes blindados, os circuitos... Foi metódica e
paciente, preenchendo páginas e páginas do caderno com as descobertas: o
que funcionava, o que precisava de reparos o que podia ser improvisado, o
que precisaria ser retirado de outras naves, o que teria que ser obtido por
escambo (ou, pior, comprado).
Levou quatro dias para Rey completar a lista e, quando terminou, se
presenteou com outra refeição rápida, o estoque dela tinha baixado para
onze pacotes, e aqueles discos doces eram definitivamente as melhores
coisas que já comera. Revisou tudo o que tinha escrito e refletiu se valeria a
pena continuar. Seria um trabalho enorme. A maioria das coisas da lista ela
poderia reparar ou improvisar, mas alguns dos itens precisariam ser
trocados ou reconstruídos. Os escudos que faltavam na cabine poderiam ser
caçados em outros destroços, mas levaria tempo. A fiação corroída, assim
como engates e conduítes faltantes, poderia ser retirada de outras peças
coletadas. Mas a câmara de pré-mistura para o hiperpropulsor precisava de
uma nova unidade de contenção, e Rey não tinha o conhecimento técnico
nem os equipamentos para construir uma. O emissor do repulsor de
elevação dorsal de estibordo estava em perfeito estado e, apesar de não ser
estritamente necessário para voar, havia outros três emissores e todos
intactos.., não tê-lo tornaria a decolagem e o pouso desafiadores. Sem levar
em conta o mais crucial: a nave não tinha combustível, apenas o que restara
nas baterias auxiliares.
Sem combustível, não há como voar com o pequeno cargueiro até
Niima.
Isso era algo que Rey realmente desejava, ela percebeu. Queria estar
naquela nave que todos ficariam encarando. Queria ver as expressões no
rosto de todo mundo enquanto descesse da rampa e vissem que era ela
quem tinha pilotado aquele prêmio para casa. Queria ver os olhos de Unkar
arregalados e a expressão dele de surpresa; ouvi-lo gaguejar enquanto fazia
oferta após oferta para a nave, a nave dela, até que ela concordasse.
Quinhentas porções? Tente cinco mil porções, Unkar. Tente cinco mil
porções e uma nova speeder, um novo conjunto de ferramentas, um gerador
sobressalente e prioridade nos itens coletados que aparecessem por,
digamos, os próximos dois anos. Não, quatro! Não, cinco anos!
Ela queria muito aquilo.
O que significava que era hora de começar o trabalho.
A maioria das coisas que ela coletava, fosse para usar no cargueiro ou para
trocar com Unkar, precisava ser limpa. Rey usava a estação de limpeza em
Niima, escolhendo os horários com o menor número de pessoas por perto.
Ela escovava a imundice e a areia das peças, as deixava de lado para secar
e, então, tão sorrateira quanto era capaz, enfiava os componentes de que
precisava para os reparos de volta na bolsa. Algumas coisas, que guardava
não tinham nenhum valor óbvio para troca, mas, ainda assim, precisavam
ser lavadas. Cabos, por exemplo, eram relativamente fáceis de achar, mas
valiam menos que nada para Unkar.
— O que você está construindo?
Rey estava abaixada, escovando uma sujeira particularmente teimosa de
carvão em um limitador de frequência. Levantou a cabeça de modo brusco e
encarou os olhos acusadores de quem a questionou. A interlocutora era uma
mulher humana, menor que Rey, mas parecia ter a mesma idade dela. Seu
cabelo era curto, raspado dos lados. Rey tentou lembrar seu nome.
— Devi.
— Isso — a mulher disse. — Você é Rey, certo? O que você está
construindo?
— Não estou construindo nada.
— Unkar não vai pagar nada por isso. O pessoal do Porto trouxe uma
centena de limitadores de frequência na semana passada. Você com certeza
sabe disso.
Rey chacoalhou o componente para secar e o enfiou na bolsa, torcendo
para a conversa ter terminado.
Não tinha. Devi encarou o seu parceiro, outro humano, quase uma
cabeça mais alto que Rey, com o cabelo raspado de forma idêntica ao de
Devi, e deslizou no banco ao lado de Rey. Devi sentou do lado oposto.
— Você conhece Strunk, certo? Devi perguntou.
Rey começou a juntar as peças que tinha deixado secando. O bastão
estava à esquerda, do lado contrário ao que Strunk tinha se sentado, fácil de
alcançar. Rey ponderou se teria que usá-lo.
— Você não passa as peças para a frente. — Devi coçou o queixo, o que
a sujou de graxa. — Nós vimos. Tipo, você tinha uma caixa de junção para
um inversor de energia da série YT uns dias atrás. Aquilo teria te garantido
um monte de coisas. Mas você não trocou.
— Está fazendo o mesmo com um monte de circuitos e cabos também.
—— Strunk disse. — Como se estivesse montando alguma fiação, saca?
Rey o encarou. Strunk deu de ombros e sorriu como se estivesse se
desculpando.
— Não queremos nos meter, Rey — Devi disse. — Estamos curiosos,
só isso. Você não tem aparecido tanto quanto antes e é meio... você sabe,
estranho. Tipo, por que você não trocaria aquelas coisas, saca?
— Não estou com tanta fome — Rey disse.
Devi pareceu surpresa. Então riu.
— Claro, entendi. Cada um que cuide da sua vida. Saquei.
— Sim — Rey falou. É o que fazemos.
Strunk assentiu. Rey enfiou os componentes restantes na bolsa, agarrou
o bastão e levantou.
— O papo está bom, mas preciso ir — Rey disse.
— Ei.
Rey se virou para Devi.
— A questão é que nós percebemos — Devi falou. — Então talvez mais
alguém tenha reparado também. Entende o que estou dizendo?
Devi inclinou a cabeça de forma sutil na direção do guichê de Unkar.
Rey não podia vê-lo, mas isso não significava que ele não estava
observando. Ela olhou de volta para Devi.
— Vou tomar mais cuidado — Rey disse.
Passaram-se mais dez dias até que a encontraram. Rey sabia que esse
momento chegaria. Os dois panos que mantiveram o cargueiro escondido
tinham parado de funcionar, um após o outro, no mesmo dia em que ela
falara com Devi e Strunk em Niima; por isso ela teve que jogar areia sobre
o casco da nave. Era um disfarce fraco, e toda vez que o vento aumentava o
casco ficava exposto para qualquer um perto o suficiente.
Tentou ser mais cuidadosa, mas existiam muitos lugares para se
esconder no meio do cemitério, muitos pontos de observação. Se Devi e
Strunk de fato estavam atrás dela, tudo de que precisavam era paciência, e
eventualmente veriam Rey na speeder. Eles a seguiriam, e não faria
diferença quantas vezes Rey mudasse o caminho ou desse voltas, se
pilotasse pela manhã ou pela tarde: ela seria vista. Assim, nunca fora de fato
uma questão de se a encontrariam, mas quando, e Rey aceitava aquilo.
Ela estava deitada no espaço apertado da cabine, tentando religar os
relés do computador de navegação, quando os ouviu do lado de fora.
— Rey? — Era Devi. — Ei, Rey! Você está aí?
Rey suspirou, então levantou. Deixou a microlâmina ao lado das demais
ferramentas, agarrou o bastão e seguiu para dentro da cabine. Tanto Devi
quanto Strunk estavam parados do lado de fora. Devi sorria e a boca de
Strunk estava aberta, como se não pudesse acreditar no que via.
— O quê? — Rey perguntou. — O que vocês querem?
— Isso é incrível! — Strunk gritou, como se tivesse voltado de um
transe. — Pelas barbas de R’iia, Rey! Isso é incrível!
— É só uma nave — Rey disse.
Devi riu.
— Só uma nave? Você está louca! Olhe pra essa coisa! Como você a
encontrou?
Rey subiu no assento do piloto, saiu da cabine meio consertada e saltou
na areia. Ela segurava o bastão com as duas mãos, apoiando-se nele, mas
seria bem fácil arremessá-lo em um golpe, se necessário. Olhou primeiro
para Strunk, depois para Devi.
— Eu sabia que tinha que ser alguma coisa — Devi disse. — Sabia que
você estava trabalhando em alguma coisa grande, mas, tipo, nunca
imaginaria algo assim. Pensei que pudesse ser um veículo de solo ou um
tanque repulsor ou alguma coisa do tipo. Mas isto? Nunca! Rey, você
conseguiu uma nave, garota! Achou uma nave!
— Ainda falta muito trabalho. — A voz de Rey soava estranha aos
próprios ouvidos, como se estivesse falando por falar. Porém, havia um
toque de orgulho também.
— Não duvido nada. — Devi deu um passo para a frente, erguendo a
cabeça para olhar a parte de baixo do casco que estava exposta. — Parece
que você tem um dos repulsores inteiro. E o trem de pouso.
— Tem uma Ghtroc 720 — Strunk lembrou, falando lentamente. —
Você sabe qual é? Depois do Pontal do Feressee? Aquela que rachou
quando pousou? Está de ponta cabeça e em pedaços, mas ainda tem as
peças. Essa é uma Ghtroc, certo?
— Modelo 690 — Rey disse.
— Nós dois podemos movê-la — Devi disse animada. — Levaria um
dia de trabalho, talvez dois.
Os dois encaravam Rey.
— Esta nave é minha — Rey disse depois de uma longa pausa.
— Podemos ajudar — Devi disse. — Por favor! Strunk é grande, forte e
estúpido, ele não tem medo de nada. E, tipo, sou pequena e esperta e
consigo entrar em lugares apertados. Podemos te ajudar a consertar essa
coisa, Rey.
— E o que vocês ganham com isso?
— Você nos leva junto — Devi disse.
Rey piscou. A frase não fazia sentido para ela.
— Pra onde?
— Pra onde você está indo.
— Vou para Niima. Vou vendê-la para Unkar.
Strunk abriu a boca para falar, mas Devi mexeu a mão de um jeito que
Rey entendeu que significava que ele deveria se calar. Strunk fechou a boca
e deu de ombros.
— Unkar pagará muito pela nave, especialmente se ela for capaz de
voar no espaço. — Devi disse, assentindo. — Talvez o quê? Seis, sete mil
porções? Ele pagaria até mais se a nave viajar pelo hiperespaço.
— A câmara do conversor está quebrada — Rey disse. — Se eu achar
uma sobressalente que sirva, ela pode ir para o hiperespaço. Mas precisa de
combustível.
Devi concordou, entusiasmada.
— Com certeza! Sim, perfeito! Ajudamos você a consertá-la e
dividimos o lucro; rachamos o que Unkar estiver disposto a pagar. É nisso
que estou pensando. É justo, certo? Cada um de nós recebe, tipo, um terço?
— A nave é minha.
— Certo, isso é justo também. Sua nave, você que achou. Então você
fica com metade e Strunk e eu dividimos o resto. Isso dará no mínimo cinco
mil porções para você. Unkar dará piruetas por isso, você sabe.
Rey não disse nada. Estava pensando. De alguma forma, a divisão não
lhe parecia justa, mas ela não tinha muita certeza do que significava ser
justo.
Devi olhou para o casco de novo, como se admirasse a nave.
— Na verdade, ele daria piruetas por ela no estado atual.
Strunk estava com as mãos no bolso, olhando para baixo, mas fitou
Devi por um instante antes de voltar o olhar para as botas. Devi estava
dando uma volta pelo lugar, ainda seguindo as linhas do casco.
Não era uma ameaça evidente, Rey sabia. Pelo modo como Devi falara,
talvez não tivesse a intenção de ameaçar, estava mais para uma observação,
uma afirmação sobre a ganância de Unkar e sobre o valor do pequeno
cargueiro leve. O problema era que não havia como ter certeza. Não havia
como ter certeza de que, se Rey recusasse a ajuda, eles esqueceriam a nave
e a deixariam em paz. Não havia como ter certeza de que não iriam até
Unkar e lhe contariam sobre a nave em troca de uma taxa pela descoberta.
Quanto mais Rey pensava sobre o assunto, mais entendia que não podia
confiar que não fariam algo assim. Se não podia confiar que eles
guardariam segredo, como poderia confiar que a ajudariam a consertar a
nave?
Mas não parecia haver outra opção.
— O que me diz? — Devi perguntou, encarando Rey mais uma vez. —
Sócias?
Rey olhou para suas mãos segurando o bastão. Os dedos sujos, as unhas
rachadas e manchadas de graxa. Não gostou de nenhuma das opções. Soltou
um suspiro e disse:
— Venham, vou mostrar tudo para vocês.
Era uma viagem de meio dia da Ghtroc até onde Devi dissera que achariam
a Uulshos XP. Rey dirigiu com Strunk na garupa da speeder. Os destroços
eram quase exatamente como Devi descrevera: quebrados em seis partes
que tinham sido espalhadas por um quilômetro e meio, sendo que os
motores estavam na parte mais distante. Tudo o que era aproveitável da
cabine, do setor da tripulação e dos passageiros tinha sido arrancado havia
muito tempo e, à primeira vista, Rey teria dito que a mesma coisa
acontecera na sala de máquinas. Quem quer que tenha trabalhado naqueles
destroços tinha levado até os parafusos.
— O que você acha? — Strunk perguntou.
A princípio Rey não respondeu, passando por baixo de uma viga e
entrando nos destroços. As placas do piso foram removidas, o que tornava
andar um desafio. Tirar a lanterna da bolsa e iluminou o teto e depois o
chão, tentando calcular por onde as linhas de energia tinham passado
originalmente em direção ao hiperpropulsor. Enfim as rastreou de volta para
onde o mecanismo injetor estivera em algum momento. Ela ficou parada
por vários segundos, absorvendo tudo, então desligou a lanterna e encarou
Strunk.
— Acho que vai funcionar — Rey disse. — Acho que podemos fazer
funcionar.
Eles tiraram as ferramentas e começaram o laborioso processo de
desconectar o conversor da junção. Isso exigiu paciência e cuidado, porque
Rey estava basicamente tentando remover um componente do sistema do
hiperpropulsor que nunca fora projetado para ser intercambiável. Em
qualquer outra circunstância, seria considerado mais seguro e muito mais
eficiente simplesmente puxar o conjunto inteiro do hiperpropulsor direto
dos motores e reinstalar um novo. Por razões óbvias, isso não era uma
opção para a eles. Rey sabia que poderia ter feito sozinha a separação física
da câmara do resto do motor, mas, assim que terminou de fazê-lo, percebeu
com a mesma rapidez que jamais teria sido capaz de tirá-la sozinha da nave.
Ela simplesmente não tinha força suficiente. O próprio Strunk mal
conseguia carregá-la. Trabalhando juntos, contudo, foram capazes de extraí-
la manualmente dos destroços e amarrá-la na parte de trás da speeder.
A noite já tinha caído quando retornaram para a Ghtroc. Encontraram as
luzes apagadas e Devi sentada na rampa de carga abaixada. Ela levantou
assim que os viu e balançou o punho no ar triunfante enquanto se
aproximavam. Strunk riu e Rey também. Juntos, tiraram a peça da speeder e
a levaram a bordo do cargueiro. Jantaram juntos, uma porção cada um,
sentados no chão, e Devi falou durante toda a refeição, atitude que Rey
aprovava agora. Quando terminaram, Strunk levantou para ir para a rampa e
Devi se mexeu para segui-lo.
— Vemos você de manhã, Rey — Devi disse. Então virou-se para
Strunk: — Fico com o primeiro turno.
— Vocês podem ficar na nave — Rey disse. — É mais quente.
— Eles pararam.
— Isso é verdade — Devi disse. — E também não fede tanto com o
cheiro de Strunk. Que, odeio dizer, mas empesteou totalmente o abrigo.
— Não sou fedido. — Strunk soou magoado.
— Todos nós fedemos, Strunk. Não consigo me lembrar da última vez
que tomei um banho.
Rey apontou para uma das pequenas portas fechadas do compartimento
principal.
— Funciona perfeitamente.
— Tá falando sério?
— Não tem água, mas o sônico funciona.
Devi já estava quase na porta.
— Você pode ficar com o primeiro turno, Strunk.
Ela desapareceu no chuveiro tão rápido que Rey não conseguiu conter o
riso.
Dois dias depois, Rey voou com o cargueiro leve Ghtroc 690 direto para
Niima, com Devi sentada no lugar do copiloto e Strunk pairando entre as
duas, com as mãos grandes nas costas de cada cadeira. O hiperpropulsor
estava funcional e se comunicava alegremente com o computador de
navegação. Os motores de repulsão zuniam juntos com eficiência máxima.
Os lacres de pressão em todos os acessos externos estavam firmes e a
atmosfera estava estável, equilibrada e confortável. Havia apenas duas luzes
de alerta piscando no console e nenhuma era essencial — uma dizia a Rey
que os tanques de água estavam vazios e a outra que a nave estava atrasada
para sua manutenção programada de vinte mil anos-luz. Devi tinha
gargalhado quando Rey explicara o que aquela segunda luz significava.
Eles vinham do sul, e Rey reduziu a velocidade para que todos em
Niima pudessem dar uma boa olhada na nave enquanto sobrevoava o campo
de pouso. Quase todas as naves vinham do leste, e Rey sabia que os
observadores mais atentos perceberiam a diferença e estariam se
perguntando quem eles eram e de onde tinham vindo. Ela fez uma manobra
aérea lenta em volta da pequena cidade, olhando para a atividade lá
embaixo. Devi se inclinou para a frente, fazendo o mesmo. Podiam ver as
pequenas silhuetas dos coletores e vendedores saindo dos abrigos sob os
toldos, levantando as mãos para proteger os olhos do clarão do sol.
— Acha que viram o suficiente? — Rey perguntou.
— Acho que nunca viram nada igual — Devi respondeu.
Rey girou a nave na rota e, por capricho, deu uma aceleração repentina
nos motores. O cargueiro disparou, com o horizonte desaparecendo do
campo de visão conforme levantava o nariz da nave. Ela virou a nave em
cento e oitenta graus e em seguida fez um giro e uma curva fechada para
voltar. Devi vibrou. Strunk agarrou mais forte nos assentos. Rey diminuiu a
velocidade conforme voltaram para o campo de pouso e fez o cargueiro
flutuar, deixando que ele se ajustasse em posição. Havia um espaço entre o
velho cargueiro modelo YT e uma das naves mais novas e mais limpas que
Unkar tinha adquirido. Com precisão, Rey desceu tão gentilmente que o
trem de pouso não fez barulho conforme Jakku recebia mais uma vez o peso
da Ghtroc.
Ela ajustou rápido o console, empolgada, deixando a nave em stand-by.
Unkar iria querer saber se funcionava, se tudo funcionava, e quando Rey o
trouxesse a bordo queria ser capaz de mostrar o trabalho dela sem demora.
Soltou o manche e ficou de pé, com Devi e Strunk logo atrás dela. Tinham
carregado a speeder no compartimento principal e Strunk apertou o botão
para abaixar a rampa. Conforme descia, Rey podia ver as pessoas se
aglomerando na beirada do campo de pouso, tentando dar uma olhada nos
recém-chegados.
— Não deixe mais ninguém subir a bordo — Rey disse para Devi. —
Apenas eu e Unkar, ninguém mais. Não importa o quanto ofereçam, não
importa o quanto implorem.
— Dez mil porções no mínimo — Devi disse.
— Para todos nós — Rey respondeu, sorrindo, e disparou com a
speeder, seguindo para fora do campo de pouso, dando um giro seco e
rápido em direção ao posto de Unkar. Alguém gritou quando ela passou e
uns dois coletores na estação de limpeza comemoraram quando a viram,
compreendendo de ver quão imensa era a realização de Rey. Ela ria de
novo, e as bochechas doíam, mas dessa vez isso não a incomodou.
Unkar estava esperando do lado de fora quando ela parou, Ele piscou
devagar, esperando que ela desligasse a speeder e descesse.
— É uma Ghtroc 690 — Rey disse. — Totalmente restaurada,
hiperpropulsor funcionando, tudo menos o canhão laser e os tanques de
água. Todo o restante completamente operacional, Unkar.
Ele piscou para ela de novo, então virou a cabeça pesada para o lado,
olhando em direção ao campo de pouso. Foi nessa hora que o som do motor
a alcançou e Rey se virou também, bem a tempo de ver a Ghtroc decolando
e ascendendo rápido, quase rápido demais. A nave se inclinou firme, com o
nariz apontando para cima. Os motores principais ligaram e um brilho azul
de gás ionizado disparou do final da popa.
Então a Ghtroc se tornou um ponto no céu azul.
E partiu.
Unkar grunhiu e seguiu de volta para dentro. Rey ouviu o entreposto
voltando à vida normal em volta dela. Rey ficou parada ali um bom tempo.
Quando por fim se moveu, foi para subir na speeder e dirigir para casa, de
volta para o Walker. Sabia que deveria estar brava, mas não estava.
Demorou até a noite, até estar sentada nos cobertores, forçando para fora as
lentes de um capacete quebrado de um stormtrooper, para que entendesse o
porquê. Tinha sempre sido uma questão de confiança, mas nunca em Devi e
Strunk. Fora sobre confiar nela mesma.
Devi e Strunk tinham desejado a única coisa que Rey absolutamente não
desejara; eles tinham até dito a ela logo de cara. Mas ela não ouvira. Não os
ouvira, porque era a única coisa que Rey nunca se permitiu considerar.
Eles queriam partir.
Mas Rey tinha que ficar. Pelo menos até que voltassem para buscá-la.
Se partisse, os pais dela não teriam como encontrá-la.
Ela suspirou, o som ecoou pela fuselagem estreita que era a casa dela.
Foi para a bancada de trabalho, ligou o computador e carregou o simulador
de voo. Selecionou a Ghtroc 720, um voo suborbital com condições
atmosféricas calmas e sem complicações.
Rey voou.
Mas não era a mesma coisa.
A PRIMEIRA NAVE de Poe Dameron foi a A-Wing RZ-1 da mãe dele.
Era um caça bom, pequeno e apertado, que passou por muitos reparos e
trazia cicatrizes de anos de trabalho. Por ser uma interceptadora, a A-Wing
fora projetada mais para velocidade do que para força. Os canhões laser
acoplados em cada lado do casco tinham poder de fogo suficiente para
encerrar qualquer perseguição — desde que o piloto de caça pudesse
dominar a posição de vantagem —, e dois lançadores de mísseis de
concussão acoplados na proa da fuselagem podiam arruinar o dia de
qualquer coisa menor que uma nave capital. Era incrivelmente ágil abaixo
da velocidade da luz. Parecia mais uma cabine armada com motores do que
um caça tradicional, hiper-responsivo, controlável e criado para voos solos,
sem copiloto nem apoio astromecânico.
A A-Wing fora parte da bonificação que a mãe de Poe recebera quando
fora dispensada da Rebelião uns seis meses depois da Batalha de Endor, e a
nave seguira com a família para a nova casa na colônia recém-criada em
Yavin 4. A mãe continuara voando com ela por alguns anos, quase sempre
para a defesa civil, e frequentemente levava Poe junto. Ele sentava no colo
dela, com as mãos no manche por debaixo das dela, e podia sentir a nave
respondendo aos comandos. Podia senti-los se movendo pelo ar, a
atmosfera se forçando contra eles, o empuxo da gravidade tentando repeli-
los.
Então quebravam a fina camada que protegia a lua que chamavam de lar
e o gigante gasoso Yavin brilhava de repente, muito mais luminoso contra a
escuridão do espaço. Toda a repulsão e todo o empuxo da atmosfera e da
gravidade desapareciam, e aquilo era o mais perto da perfeição que o jovem
Poe podia imaginar. Ele olhava para cima pela cabine e se perdia na
infinidade das estrelas, sentia-se livre e capaz de ir para qualquer lugar, de
fazer qualquer coisa. Foi quando percebeu que não poderia ser nada além de
piloto.
A mãe voara na Batalha de Endor, participara da frota gigantesca que
atacara a segunda Estrela da Morte, enquanto pai de Poe lutava no solo,
junto com os companheiros combatentes da infantaria, na floresta da lua
próxima. Ela não gostava de falar sobre o serviço, e quando Poe pedia mais
detalhes, ela gentilmente se recusava a responder ou mudava de assunto.
Dizia que saber que ela tinha cumprido o seu dever era o suficiente para
Poe, que tinha comparecido quando a convocaram. Ter feito o que fez era
mais importante do que o que tinha feito.
— As pessoas estavam sendo oprimidas — a mãe lhe explicara —
Estavam sofrendo. Seu pai e eu não podíamos ficar sem fazer nada.
Somente anos depois, muito tempo após ela ter falecido e Poe ter se
alistado nas tropas da Nova República como piloto, que começara a
entender o verdadeiro escopo do heroísmo dela: a tenente Shara Bey fora
condecorada com a medalha Bronze Nova de bravura notável durante a
Libertação de Gorma; tinha recebido seu terceiro título de Ás do Espaço
menos de uma semana depois, durante a Operação Mordida de Mynock,
quando invadira um depósito de combustível do Império em Beroq 4; tinha
voado em dúzias de outras batalhas, conflitos e ataques; e a ficha dela
continha inúmeros testemunhos de colegas pilotos elogiando suas
habilidades, alegando que deviam suas vidas a ela.
O pai de Poe era mais aberto em relação às histórias de guerra, apesar
de nunca falar sobre suas próprias batalhas. Preferia focar a bravura e o
heroísmo dos outros. Contara a Poe que general Solo era o melhor atirador
que tinha visto; que um dos colegas de esquadrão dele salvara todos de uma
emboscada com um comunicador reconfigurado e duas cargas de um
respirador padrão; e que uma vez o esquadrão dele estava invadindo uma
base do DSI na Orla Exterior e ninguém soubera como entrar até que, por
acidente, derrubaram um AT-ST que caiu sobre a base criando um acesso
fácil para eles.
— Você ficou com medo em algum momento? — Poe perguntara para o
pai uma vez, quando tinha nove anos. Tinha passado um ano desde a morte
de sua mãe. Até então, Poe tinha imaginado perseguições aéreas como
demonstrações perfeitas e brilhantes de luz, velocidade, graça e perspicácia.
Imaginara stormtroopers como armaduras vazias, não com homens e
mulheres dentro. A perda da mãe trouxera a morte para a vida dele de uma
forma que nunca pudera conceber antes. Foi quando entendera que a guerra
não era romântica; pessoas morriam, e os mortos não retornavam para
aqueles que os amavam, não importava o quanto desejassem.
Esse era um pensamento que o assustava tanto quanto partia seu
coração.
Tinham ido até o limite da propriedade, o pequeno rancho que os pais
construíram após se mudar para Yavin 4. Era o final da tarde, e os sons da
floresta sempre ficavam mais altos e ameaçadores com a chegada da noite.
O pai reparava um dos geradores da cerca perimetral e Poe o ajudava com o
trabalho. Tinham trabalhado em silêncio, da mesma forma que tinham
passado muitos dias desde que a mãe de Poe morrera, juntos em seu luto
compartilhado.
Por tudo isso, Poe se surpreendeu, quando o pai respondeu, sabendo
exatamente a que ele se referia.
— Se já fiquei com medo? — O pai analisou o martelo que tinha nas
mãos; a ferramenta ainda vibrava, fazendo seu estranho gemido cantante
enquanto ressoava. Ele o desligou e jogou na caixa de ferramentas aos pés
de Poe. Limpou as mãos na calça e semicerrou os olhos em direção à
floresta. No alto, o sol deslizava para trás do gigante gasoso Yavin,
deixando o mundo deles com uma tonalidade rubi. — Quando eu estava no
solo lá em Endor, os cabeças-de-balde nos pegaram. Estávamos cercados
por stormtroopers, presos. Achei que era nosso fim, que tínhamos perdido
tudo: a guerra, tudo mais. Olhei para cima, por árvores maiores que estas,
para aquele céu azul perfeito. Quase não dava para ver a Estrela da Morte
durante o dia. Eu sabia o que estava acontecendo lá, a batalha que estavam
lutando. — O pai sorriu para ele, um sorriso triste. — E pensei que sua mãe
estava olhando para mim lá de cima naquele exato instante. No meio do que
quer que ela estivesse fazendo, de qualquer que fosse a luta que estivesse
travando, era como se pudesse sentir o olhar dela sobre mim. Podia sentir o
quanto ela me amava e o quanto ela amava você.
Limpou as mãos de novo e puxou outra ferramenta da caixa, voltando a
atenção para a cerca.
— O ponto é, eu estava preocupado, mas não estava com medo.
— Então você nunca teve medo?
O pai riu com suavidade.
— Não disse isso. Estou dizendo que o que me preocupava na época
agora não me dá mais medo.
— O que te dá medo agora?
Poe observou o pai tirar os olhos da cerca e fixá-los no alto, no céu que
escurecia. O sol tinha quase se posto e, nos últimos momentos de luz do dia,
tudo era mais brilhante de uma forma estranha, com as linhas mais focadas.
— Que tudo tenha sido em vão — o pai disse.
Ele esperou até que estivessem fora de Mirrin Prime e além da fronteira do
sistema para ativar o comunicador.
— Florete Dois, Florete Três — ele chamou. — Conectem seus
astromecânicos com Florete Um e transfiram para BB-8 toda a telemetria
do combate em Suraz, por favor.
Ele ouviu Karé rindo de leve.
— Caramba, você é escorregadio, Poe.
Iolo precisou de mais um segundo antes de dizer:
— Vamos fazer isso?
— Eu vou fazer isso — Poe respondeu. — Não vou deixar vocês dois
jogarem suas carreiras fora com uma acusação de desobediência. Se alguém
vai levar a culpa por isso, que seja eu. De qualquer forma, não planejo
demorar muito. É apenas um reconhecimento. Se tudo correr bem, estarei
de volta antes que Deso saiba que nos separamos.
BB-8 apitou e iniciou uma longa melodia de assobios.
— Seu droide parece feliz — Karé disse.
— Ele descobriu a trajetória do salto da Yissira Zyde para o hiperespaço.
— Poe verificou o mapa e franziu a testa. Não havia nada na trajetória que
fizesse sentido para ele, nenhum lugar nem remotamente habitável.
Percebeu que era mais do que possível que as tropas da Primeira Ordem que
roubaram o cargueiro tivessem planejado múltiplos saltos, alterando a
direção e a trajetória de voo. Era concebível até que tivessem refeito algum
trecho. — Isso pode ser uma caça ao mynock selvagem.
— Mas pode não ser — Iolo disse.
— Não use um tom tão sombrio, Florete Três.
— Nós já perdemos um bom piloto — Iolo disse. — E não acho que
Karé esteja ansiosa para ser promovida a Florete Um.
— Com certeza — Karé concordou. — Seja esperto, Poe, e volte
correndo, certo?
Poe guiou a X-Wing para fora da formação enquanto BB-8 continuava a
planejar as coordenadas do salto para o hiperespaço.
— Você sabe que vou voltar.
— Ei, Florete Um?
— Prossiga, Florete Dois.
— Que a Força esteja com você.
Poe sorriu, então o espaço desapareceu e ele entrou no túnel.
Era a terceira parada e Poe quase a pulou, porque não havia nada de
interessante nos mapas galácticos daquela posição. Mas se a mãe dele o
ensinara a voar e a amar o espaço, o pai ensinara que, ao se comprometer a
fazer alguma coisa, devia se comprometer a ir até o fim; então Poe os
lançou de volta para o espaço real em um sistema tão desolado que os
exploradores que o descobriram não tinham se importado nem em batizá-lo
com nada além de uma designação alfanumérica: OR-Kappa-2722.
A primeira coisa que aconteceu quando as estrelas retornaram e a X-
Wing se ajustou no espaço-tempo apropriado foi BB-8 gritando. Era um
barulho surpreendente e fez Poe saltar na cadeira. Não era um grito de dor
— Poe ouvira esses antes, descobrira que o grito de morte de um
astromecânico era especialmente aflitivo —, nem era o balbuciar alegre e
frenético de um droide que falava triunfante em linguagem binária. Era um
som de choque, como se BB-8 tivesse atravessado uma porta esperando
encontrar uma sala vazia e, em vez disso, desse de cara com uma câmara de
tortura.
O que não era uma analogia ruim para onde descobriram estar.
— Bem, pelo menos não é toda a frota — ele falou para si mesmo.
Tinha soado mais engraçado na cabeça dele.
Havia — baseado no que ele podia ver, embora depois ele tenha ficado
feliz em saber que o computador de voo concordara quase totalmente com a
sua avaliação inicial — três Destroiers Estelares, um deles Imperial, quatro
fragatas, duas delas da venerável classe Lancer, dois cruzadores pesados
Maxima-A e um cruzador leve classe Dissidente. Isso sem contar a
variedade de pequenas naves que pareciam um enxame em volta da frota,
tudo desde Drones e droides de reparo sem classificação até o que Poe
estimou serem mais de setenta caças TIE.
BB-8 guinchou uma pergunta.
— Ainda não — Poe disse. — Você consegue achar a Yissira Zyde?
Você a viu?
BB-8 apitou e choramingou.
— Bem, viemos até aqui. Acho que temos a obrigação de voltar com
alguma coisa.
Outro gemido choroso seguido de outra pergunta, apenas um assobio
curto e suave.
À frente deles, em algum lugar entre o Destroier Estelar mais próximo e
o primeiro dos cruzadores pesados, cerca de uma dúzia de caças TIE atirou
ao mesmo tempo. Havia algo estranhamente bonito naquela manobra, um
grande número de caças mudando para seu novo destino juntos. Poe se
lembrou de ver bandos de pássaros-sussurro arremeterem e avançarem em
silêncio coletivo sobre a floresta de Yavin 4.
— Sim, BB-8 — Poe disse. — Acho que nos viram.
A única coisa que tinham a seu favor, pelo menos a princípio, era o
elemento surpresa. Não a surpresa da aparição de uma X-Wing no meio de
uma reunião da Primeira Ordem apesar de Poe sentir certo prazer em pensar
no caos que a chegada dele devia ter causado nas mais variadas pontes de
comando daquelas naves.., mas, sim, do suspense sobre o que ele e BB-8
poderiam fazer a seguir.
Eles avançaram.
BB-8 assobiou.
— Sim, também acho que aumentar a potência dos defletores é uma boa
ideia — Poe disse. — Reduza a energia das armas e direcione para os
motores.
BB-8 apitou, concordando que essa era uma ideia muito boa dada a
situação muito ruim.
— Só até a encontrarmos — Poe disse. — Só até termos uma prova.
Então o comandante Poe Dameron não tinha muito mais a dizer, porque
estava ocupado demais tentando mantê-los vivos. Fez uma pirueta
repentina, abrindo as asas antes de virar com toda velocidade para estibordo
e, quase imediatamente depois, costurou em um laço Corelliano que o
deixou com o nariz apontado em direção aos caças TIE que avançavam.
Eles se espalharam, virando em suas rotas a fim de contorná-lo e chegarem
atrás dele, então vários abriram fogo.
Iolo e Karé não estavam a postos quando ele retornou da velocidade da luz
na fronteira do sistema Mirrin e ajustou sua trajetória para Mirrin Prime.
BB-8 gaguejou, feliz consigo mesmo. O sinal do comunicador da Yissira
Zyde fora forte e claro e enquanto viajavam pelo hiperespaço, o droide tinha
sido capaz de revisar os dados de voo coletados durante o combate. BB-8
tinha localizado o cargueiro a bordo do segundo dos três Destroieres
Estelares. A missão, até o ponto que interessava a Poe, fora um sucesso.
Mas toda a sensação de triunfo foi reprimida quando o Controle de
Mirrin entrou em contato durante a aproximação dele.
— Florete Um, aqui é o Controle de Voo de Mirrin. Responda.
A voz era de um homem mais velho que Poe não reconheceu.
— Florete Um.
— Aproxime-se para pousar na doca vinte e dois. Seu pouso está
autorizado.
— Controle de Voo de Mirrin, a área do Esquadrão Florete é na doca
sete. Confirme, por favor.
— Comandante Poe Dameron?
— Correto — Poe disse.
— Você foi direcionado para a doca vinte e dois. Não desvie sua
aproximação. Controle de Voo de Mirrin desligando.
O comunicador ficou em silêncio. Atrás de Poe, BB-8 assobiou
pesaroso.
— Sim — Poe concordou. — Estamos enrascados.
A doca vinte e dois estava vazia quando Poe pousou sua X-Wing e desligou
os repulsores conforme a nave se assentava no solo. Desativou os sistemas
da nave e por um momento considerou manter os motores em um estado de
baixo consumo energético, mas decidiu que não fazia sentido. Se estava
prestes a ser preso, se a corte marcial o aguardava, não tentaria fugir.
Encararia as consequências de seus atos e se defenderia por ter agido
corretamente. Abriu a cabine e tentou aproveitar a primeira lufada de ar não
reciclado que respirava em horas. A cabine sempre ficava malcheirosa
depois de um voo longo, pior ainda depois de um combate, com uma
combinação de eletricidade, metais aquecidos e suor. Houvera vezes em que
saíra da cabine e encontrara seu traje de voo ensopado de transpiração,
sentindo-se tão espremido quanto exausto, como se tivesse corrido uma
maratona. O desgaste físico e mental do combate em caças sempre cobrava
seu preço.
Pressionou o botão para destravar BB-8, libertando o droide de seu
encaixe, então tirou o capacete e as luvas. A doca continuava vazia, algo tão
peculiar quanto as portas do local continuarem fechadas. Isso era muito
estranho. Mesmo em uma doca desativada, sempre era possível encontrar
engates de força deixados ao lado de uma parede, cabos enrolados em um
canto, pedaços de peças de reposição ou artilharia sobressalente. Sempre
havia alguma coisa.
Não tinha nada no local, como se a doca tivesse sido esterilizada, limpa
de cima a baixo.
Poe apertou o botão de liberação rápida do cinto, saltou pela borda da
cabine e pulou direto para o chão, sem se importar em usar os apoios de
mão. O som das botas atingindo o piso ecoou pelo espaço vazio. Sentiu BB-
8 encostar na panturrilha e o ouviu apitar com suavidade.
As portas da doca abriram e três silhuetas entraram, marchando na sua
direção a passos largos. A pessoa do meio estava na liderança e parecia ter
quase sessenta anos, talvez mais — era um humano de uniforme militar da
República. Os outros dois eram indubitavelmente policiais da frota, um
Devaroniano de chifre curto e uma humana. Suas armas estavam presas nos
coldres, mas eles tinham aquele olhar de quem não toleraria nenhum tipo de
problema.
O homem na liderança parou cerca de dois metros na frente de Poe e
BB-8, fitando-o de cima a baixo com rapidez. Uma insígnia presa ao seu
colarinho designava a patente de major. Poe nunca o vira antes.
— Comandante Dameron?
— E você é?
— Major Ematt. Venha conosco, por favor.
— Tenho um relatório que preciso apresentar ao major Deso.
Localizamos a Yissira Zyde.
— O major Deso está ocupado. — Ematt se voltou para a porta e
começou a andar no mesmo instante, supondo que Poe certamente o
seguiria. Os dois policiais aguardaram.
Poe seguiu com BB-8 rolando ao lado dele.
Ela ouviu atenta, com o cotovelo apoiado no joelho, o queixo na mão. Poe
não conseguia se lembrar de outra vez que tinha se sentido tão ouvido por
alguém na vida. Quando falou sobre o achado em OR-Kappa-2722, ela
levantou, foi até os mapas que demarcavam os movimentos das frotas e
tropas e os examinou enquanto pedia para que ele continuasse falando. Ela
fez anotações em cada um dos mapas antes de retornar para a cadeira e,
quando Poe terminou, ela ficou em silêncio por quase um minuto, olhando
para o nada ou, talvez, para algo que só ela podia ver. Lembrança ou
premonição, Poe não sabia o quê. Finalmente ela o encarou de novo.
— Isso foi uma tolice excepcional da sua parte — Leia disse. — Você
quase não saiu de lá vivo.
— Em minha defesa, general, não tinha como eu saber que descobriria o
ponto de encontro da Primeira Ordem.
— Mas você esperava encontrá-lo. Ou algo parecido.
— Sim — ele falou.
— É a necessidade de fazer o que é certo, e quem sabe trombar com
alguma aventura no caminho.
Poe se mexeu na cadeira.
— Você me lembra o meu irmão — Leia comentou com gentileza. —
Ao que parece, voa como ele também.
Poe olhou para ela, surpreso e lisonjeado ao mesmo tempo. A questão o
pressionou, implorou para ser formulada, mas, antes que pudesse reunir
coragem para enunciá-la, a general prosseguiu.
— Você ouviu falar da Resistência, Poe?
— Rumores, no geral.
— De que tipo?
— Há uma facção de militares da República que... que sentem que a
República não está levando certas ameaças tão a sério quanto deveria. Em
especial a ameaça representada pela Primeira Ordem.
— Essa é uma forma bem diplomática de apresentar a questão, mas não
é totalmente errada... — A general Leia Organa expirou e se recostou na
cadeira, olhando por cima dele mais uma vez. O sorriso voltou, mais
discreto, ou talvez mais triste. — Você enfureceu algumas pessoas, sabe,
Poe? Não deixar um assunto quieto quando foi ordenado e desobedecer
ordens diretas. Tecnicamente, alguém poderia argumentar que você roubou
uma X-Wing da República para uso pessoal.
— Sou um oficial da República, general. Jurei proteger a República,
jurei...
Ela levantou a mão.
— Não, você entendeu errado. Eu gostei. Foi precipitado da sua parte e,
como eu disse, uma tolice. Mas podemos usar um pouco de precipitação em
épocas como esta, e paixão é algo de que precisamos desesperadamente.
Poe piscou.
— Posso fazer sua pequena viagem para OR-Kappa-2722 desaparecer.
Posso varrê-la para debaixo do tapete. Você pode voltar para liderar o
Esquadrão Florete e ficar com as mãos atadas pelo Comando, pelo major
Deso, pelos políticos que não reconhecem o que está acontecendo bem na
frente dos olhos. Posso fazer tudo voltar a ser como era, Poe.
Ela se inclinou para a frente.
— Ou você pode se juntar à Resistência e nos ajudar a parar a Primeira
Ordem antes que seja tarde demais.
— Onde me alisto? — Poe perguntou.
No fim das contas, Karé e Iolo foram com ele, então todos os
remanescentes do Esquadrão Florete foram levados sob as asas da
Resistência. Pelos meses que se seguiram, Poe se viu passando mais horas
na cabine da nave do que o fizera desde seu treinamento, agora atrás do
manche de uma X-Wing T-70 antiga. Além dos esforços iniciais para
encontrar e recrutar mais pilotos, dedicava a maior parte do tempo às
missões de patrulhamento, longas viagens de reconhecimento e busca por
sinais de movimentos e localizações da Primeira Ordem, uma tentativa de,
como dissera a general Organa, “achar a cabeça do dragão”.
O Esquadrão Florete foi transferido de Mirrin Prime e realocado para
um cruzador adaptado de Mon Calamari chamado Eco de Esperança. Poe
descobrira que, mesmo mantendo a patente de comandante, foi posto no
comando de sua própria unidade de caças, com Iolo e Karé promovidos a
capitães sob suas ordens, cada um dos dois responsável por seu próprio
esquadrão, Adaga e Punhal, respectivamente. Entre as patrulhas havia
reuniões, relatórios e incontáveis encontros, geralmente com a própria
general Organa, com Ematt e duas vezes com o almirante Ackbar, que fora
convencido pela própria Leia a sair da aposentadoria.
A Resistência era pequena, mas entre seus membros estavam algumas
das pessoas mais dedicadas e motivadas que Poe já encontrara, oriundas de
toda a galáxia. A maior parte da equipe do núcleo de comando em torno da
general Organa era composta de veteranos, muitos com experiência em
batalhas da Guerra Civil Galáctica, e mais de uma vez ele se viu
conversando com alguém que voara ao lado de sua mãe, que estivera nas
trincheiras com seu pai. Era, de um jeito estranho, como voltar para casa
como se este fosse o lugar a que Poe sempre pertencera.
Mas havia muitos que nunca tinham visto Endor ou Hoth ou qualquer
uma das incontáveis batalhas entre elas. Dois integrantes de seu novo
esquadrão, Teffer e Jess, ambos humanos, eram mais jovens do que Poe e
cada um tinha histórias para contar sobre a Primeira Ordem que deixaram o
comandante ainda mais seguro de ter feito a escolha certa. Todos na
Resistência viam a Primeira Ordem como realmente era, acreditavam que a
ameaça que ela representava era real e urgente.
Apesar do comprometimento, a Resistência se via frustrada. espaço da
República e o da Primeira Ordem era separado por uma zona de sistemas
neutros, e a paz que tinham negociado, а paz que muitos, inclusive Poe,
acreditavam existir apenas no papel, implicava que ações militares tomadas
por um lado sobre o outro eram consideradas atos de guerra. Não pareciam
importar as evidências de que as incursões da Primeira Ordem dentro do
espaço da República continuavam aumentando; a República se recusava a
tomar qualquer atitude além dos mais formais protestos diplomáticos.
Atacar diretamente a Primeira Ordem estava fora de cogitação. Como Leia
explicara a Poe, as ações da Resistência tinham que permanecer secretas,
pelo menos até que provas irrefutáveis da violação de paz pela Primeira
Ordem pudessem ser apresentadas para o Comando da República.
Foi isso que levou a general Organa a recrutar Poe para a Operação
Golpe de Sabre.
Uma vez que a missão não era oficial, nenhum deles poderia usar naves
afiliadas à Resistência. Assim, tiveram que deixar as X-Wings para trás. Por
meio de algumas manobras, negociações e de favores devidos a ele, Poe foi
capaz de adquirir três veneráveis Incom Z-95 Caçadores de Cabeça para a
operação. A produção desses caças tinha começado durante as Guerras
Clônicas e eles eram considerados os precursores da classe X-Wing em
vários sentidos. Aposentadas do uso militar, as Z-95 tinham desde então se
dispersado pela galáxia, encontrando novos lares nas mãos de
contrabandistas, bandidos, piratas e qualquer outro que quisesse um caça
para seus negócios, legítimos ou não. Se as coisas dessem terrivelmente
erradas, pelo menos Poe, Karé e lolo não poderiam ser acusados de usar
recursos da República ou da Resistência em uma operação clandestina.
Para complicar ainda mais as coisas, nenhuma das Z-95 foi projetada
para o uso de apoio astromecânico, o que significava que todos os saltos
hiperespaciais para dentro e para fora do sistema Uvoss, onde pretendiam
interceptar a Hevurion Grace, precisariam ser pré-programados. Havia uma
vantagem nisso, pois significava que Karé e Iolo poderiam ganhar alguns
segundos na fuga. Poe teria que confiar no chip de dados que carregava
para inserir à força as coordenadas do salto no computador de bordo da
Hevurion Grace assim que tivesse tomado o controle da cabine.
BB-8 não gostava da ideia de ser deixado para trás e demonstrou seu
descontentamento para Poe.
— Vou ficar sentado na cabine de uma Z-95 vestindo um traje EVA e
você quer ficar no meu colo? — Poe indagou ao droide. — Se preocupe
menos com ser deixado para trás e mais em ter certeza de que os mísseis de
concussão estão adaptados nas ogivas apropriadas, certo, amigão?
O droide cumpriu suas ordens, mas Poe tinha a sensação de que BB-8
estava amuado. Não havia outra definição para aquilo.
— Vou voltar — Poe lhe disse. — Eu sempre volto.
Iolo e Karé estavam no hangar esperando por Poe quando ele pousou.
Assistiram enquanto ele baixava a rampa principal e descia e, por um
momento, os três pilotos apenas se olharam. Então Karé desatou a rir e
jogou os braços em volta do comandante, e Iolo deu tapinhas nas costas
dele. Todos falavam ao mesmo tempo sobre como aquilo fora voar de
verdade e que Iolo tivera sorte e Karé o tinha salvado e ele a tinha salvado e
que tinham perdido a conta de quantas vezes tinham salvado a pele uns dos
outros. Riam da ideia da Primeira Ordem tentando explicar para o general
Hux, ou fosse lá quem fosse, exatamente como foram envergonhados por
três pilotos voando em um iate de luxo e duas Z-95 arcaicas e...
— Muran adoraria ter visto aquilo — Iolo disse.
O comentário os trouxe de volta para o silêncio por um instante,
enquanto os três se lembravam do amigo ausente.
— Ele teria se orgulhado — Karé falou.
— Sim — Poe disse. — Teria.
Por entre Iolo e Karé, Poe viu a general Organa na entrada do hangar
como droide de protocolo que frequentemente a acompanhava. Ela chamou
a atenção dele, Poe acenou e apoiou as mãos nos ombros de lolo e Karé.
— Vão tomar um banho — Poe disse. — Faremos um brinde ao Muran.
Leia aguardou até que tivessem ido antes de se aproximar de Poe.
— 3PO, vá a bordo, por favor, e veja o que consegue extrair dos
computadores de voo.
— É claro, princesa Leia — o droide falou. Ele acenou para
aproximação rígida de um cumprimento humano e seguiu seu caminho pela
rampa.
Leia olhava para Poe, sorrindo discreta, como sempre.
— Garotos voadores. Vocês são todos iguais.
— Alguns de nós são garotas voadoras — Poe disse.
— A capitã Kun é uma pilota excepcional, não há dúvida. Tanto quanto
o capitão Arana, aliás. Mas são raros os pilotos que enfrentam uma fragata e
dois Destroiers Estelares e vivem para contar história.
— Histórias voam rápido.
— Sim, voam Leia disse.
— Princesa Leia? — o droide de protocolo a chamou da rampa. —
Talvez seja melhor você ver isto.
— Nunca é coisa boa quando ele diz isso — Leia falou para Poe.
Foi na manhã seguinte, antes de Poe conseguir tomar seu café da manhã,
que descobriu quão certa ela estava.
Tivera dificuldade para dormir, a euforia do sucesso da missão
desaparecia enquanto as horas se prolongavam pela noite, sua mente se
voltando para pensamentos sombrios e deprimentes. Quando enfim pegou
no sono, foi sem repouso e insatisfatório. Ao acordar, a sensação era de que
não tinha descansado nada.
Assim que Poe acendeu as luzes no seu dormitório, BB-8 rolou para a
frente, assobiando suavemente e direcionando a atenção de Poe para uma
luz piscante de aviso de mensagem no painel. Era da general, pedindo para
ele ir vê-la de imediato. Ele acatou a ordem literalmente, vestindo-se sem se
importar em tomar um banho e abrindo caminho pelos corredores até o
escritório dela.
A general Organa o recebeu na porta e a fechou assim que ele entrou.
Os movimentos dela foram deliberadamente lentos, como se estivesse
perdida em seus pensamentos. Seu gestual demonstrava tristeza se
comparado com o do dia anterior, como se estivesse lutando com algum
dilema nas profundezas do seu ser. Ela apontou uma das cadeiras para Poe,
mas ela mesma não sentou, e em vez disso ficou andando pela sala por
vários segundos, com o queixo pressionado no peito e a sobrancelha
tensionada.
— Como você está se sentindo? — ela perguntou de forma abrupta.
Estava encarando Poe.
— Estou... estou bem, general.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Vou reformular a pergunta. O que você está sentindo?
Ele se perguntou se os pensamentos que o mantiveram acordado metade
da noite estavam estampados em seu rosto. Se questionou, por um
momento, se a noite dela fora inquieta assim como a dele.
— Estou furioso — Poe admitiu. — E preocupado, general. Um
membro do Senado da República estava tão ligado à Primeira Ordem que,
quando transmitiu um pedido de socorro, eles vieram tentar resgatá-lo e,
quando o fizeram, não economizaram esforços. Dois Destroiers Estelares e
não pude nem contar quantos caças TIE. Talvez eles soubessem que ele não
estava mais a bordo, talvez não, mas queriam a Hevurion Grace destruída.
Estavam dispostos a matar seu próprio homem para nos impedir de tomar a
nave.
Ele parou, preocupado que talvez tivesse falado demais, mas Leia o
ouvia exatamente como fizera em Mirrin Prime. Depois de alguns
segundos, Poe continuou:
— Não paro de pensar que esse homem, Ro-Kiintor, é um senador. Ele
está no coração da República, da nossa República. E é um traidor. Me
pergunto quantos mais são exatamente como ele, quantos mais estão
trabalhando para a Primeira Ordem, quantos mais nos venderam.
— E ainda assim você acredita na República, Poe.
— Completamente — Poe falou sem hesitar. — Lembro meus pais
falando como era a vida sob comando do Império, general. Diziam que o
medo era como uma nuvem em todo lugar, que era tão denso que dava...
dava para senti-lo. Eles costumavam dizer que antes da Rebelião... Diziam
que dava para ver a desesperança nos olhos de todos.
— Essa é a palavra —Leia disse, mais para si mesma do que para Poe.
— A desesperança.
— Para onde a esperança foi? — ele perguntou, e a questão pareceu
muito mais importante do que deveria ser. Mas quando perguntou estava
pensando no pai e na mãe, em tudo o que tinham sacrificado e por tudo o
que tinham lutado. Pensou em Leia Organa, uma das últimas sobreviventes
de Alderaan, em pé diante dele... tudo o que ela perdera, segundo os
rumores que Poe ouvira.
— Não sei — ela respondeu. — Mas sei que temos que achá-la de novo.
Ela se endireitou, os ombros alinhados, o queixo no lugar, a
determinação pela qual ela era conhecida mais uma vez aparente. Fosse
qual fosse seu debate interno, ela chegou a uma conclusão. Poe a observou
voltar para a mesa e digitar uma sequência em um pequeno cofre construído
ali dentro. Uma gaveta saltou, a mão dela entrou e retornou com um chip de
dados, fino e tingido de azul.
— Obtivemos muitas informações nos computadores a bordo da
Hevurion Grace — Leia disse, olhando para o chip. — Uma fortuna em
informações. Contudo, tem algo a mais, algo que... outros talvez não
percebessem. Uma peça de um quebra-cabeça que tenho... tenho tentado
resolver há muito tempo.
Ela colocou o chip de dados na palma da mão de Poe.
— Acho que a Primeira Ordem também está tentando resolvê-lo, Poe.
Temos que achar a solução antes. Temos que achá-lo antes.
— Quem?
— O nome dele é Lor San Tekka.
— Lor San Tekka — Poe repetiu. — Por que a Primeira Ordem está tão
desesperada para encontrá-lo?
— Eles acham que ele sabe alguma coisa. Eu também espero que ele
saiba — Leia segurou a mão de Poe e fechou os dedos dele sobre o chip de
dados. Ela o encara nos olhos. — Espero que Lor San Tekka saiba onde está
meu irmão, Poe. E Luke Skywalker pode ser a nossa única esperança.
STAR WARS / JORNADA PARA O DESPERTAR DA FORÇA -
ANTES DO DESPERTAR
TÍTULO ORIGINAL: Star Wars / Moving Target
REVISÃO: Renata Lopes Del Negro / Marise Simões Leal / TRADUTORES DOS WHILLS
PHIL NOTO
Phil Noto começou sua carreira na Walt Disney Feature Animation, onde
trabalhou em filmes como O Rei Leão, Pocahontas, O Corcunda de Notre
Dame, Mulan e Lilo & Stitch. Em 2001, Phil começou sua carreira de
quadrinhos como o artista da capa de Birds of Prey da DC Comics. Desde
então, ele trabalhou em vários projetos, como Danger Girl, Jonah Hex,
Avengers, Uncanny X-Force, X-23, The Infinite Horizon e, mais
recentemente, a Viúva Negra da Marvel.
STAR WARS – GUARDIÕES DOS WHILLS
Greg Rucka
240 páginas
Quando Jyn Erso tinha cinco anos, sua mãe foi assassinada e seu
pai foi tirado dela para servir ao Império. Mas, apesar da perda de
seus pais, ela não está completamente sozinha – Saw Gerrera, um
homem disposto a ir a todos os extremos necessários para resistir à
tirania imperial, acolhe-a como sua e dá a ela não apenas um lar,
mas todas as habilidades e os recursos de que ela precisa para se
tornar uma rebelde.Jyn se dedica à causa e ao homem. Mas lutar ao
lado de Saw e seu povo traz consigo o perigo e a questão de quão
longe Jyn está disposta a ir como um dos soldados de Saw. Quando
ela enfrenta uma traição impensável que destrói seu mundo, Jyn
terá que se recompor e descobrir no que ela realmente acredita… e
em quem ela pode realmente confiar.