Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Unidade 5
As contribuições de Antonio
Gramsci e John Dewey para a
Sociologia da educação
5.1 Introdução
Para pensarmos em um projeto emancipatório, temos que analisar algumas questões: a so-
ciedade, o indivíduo e a educação que temos e que queremos.
O homem moderno simplesmente não consegue imaginar uma vida além do trabalho. O
homem adaptado ao trabalho, ou seja, a um padrão está fazendo com que a qualidade especí-
fica do trabalho se perca e se torne indiferente. O homem moderno não passa de mercadoria
produzindo mercadoria e vendendo sua própria mercadoria. Os homens tornam-se dependentes
de uma relação abstrata do sistema (SANTOS, 2008).
É na sociedade moderna que se forma a ideia de educação para formar cidadãos, escolariza-
ção universal, gratuita e leiga, que deve ser estendida a todos; a escola passa a ser a forma predo-
minante da educação.
De acordo com Enguita (1989), era preciso inventar algo melhor e inventou-se e reinventou-
-se a escola; criaram escolas onde não havia, reformaram-se as existentes e nelas introduziu-se a
força toda a população infantil. A instituição e o processo escolar foram reorganizados de forma
tal que as salas de aula se converteram no lugar apropriado para se acostumar às relações sociais
do processo de produção capitalista, no espaço institucional adequado para preparar as crianças
e os jovens para o trabalho.
Como já mencionamos antes, a perspectiva que temos é a constituição de um sujeito como
objetivo, capaz de construir uma sociedade igualitária, criativa, diversa, livre e prazerosa no ócio
(SANTOS, 2008).
Como podemos enfocar elementos teóricos básicos e decisivos para entendermos melhor
como podemos elaborar um projeto emancipatório, norteado pelos aspectos apresentados? Exis-
te uma enorme quantidade de autores e teorias que buscam tratar essa questão, mas aqui selecio-
namos dois autores que, dentro da Sociologia da Educação, discutem a sociedade, o indivíduo e a
educação que temos e que queremos. Estes autores são John Dewey e Antonio Gramsci.
Antonio Gramsci foi um filósofo italiano nascido em 1891 e que faleceu em 1937. Conforme
vamos poder observar adiante, Gramsci trouxe uma grande contribuição para algumas linhas te-
óricas em educação ao tentar adaptar o pensamento político marxista às exigências da socieda-
de do século 20.
John Dewey (1859-1952) é geralmente reconhecido como o educador norte americano
mais reputado do século XX. Numa carreira prolífica que trespassou sete décadas (a sua obra
completa engloba trinta e sete volumes), Dewey centrou-se num vasto leque de preocupações,
sobretudo e de uma forma notável, no domínio da filosofia, educação, psicologia, sociologia e
política.
Para melhor apresentarmos as ideias dos autores, a unidade será dividida nos seguintes
tópicos:
5.2 Biografia de Antonio Gramsci
5.3 O homem como sujeito histórico
5.4 Gramsci e a importância da escola unitária
5.5 Dados biográficos de John Dewey
5.6 John Dewey: pragmatismo e educação progressiva
65
UAB/Unimontes - 1º Período
66
Letras Inglês - Sociologia da Educação
BOX 1
Os indiferentes
▲
Odeio os indiferentes.
Acredito que viver significa tomar partido. Figura 24: Antonio
Gramsci
Indiferença é apatia, parasitismo, covardia.
Fonte: Disponível em
Não é vida. <http://educacao.uol.com.
Por isso, abomino os indiferentes. br/biografias/antonio-
Desprezo os indiferentes, também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos -gramsci.jhtm> Acesso em
23 abr. 2013.
inocentes.
Vivo, sou militante.
Por isso, detesto quem não toma partido. Odeio os indiferentes.
Com isso Gramsci “queria exatamente dizer que todos pensam, todos ligam causa e efeito,
mas de modo empírico, não organizado.” (JESUS, 1998, p.37)
Ou seja, “que todos são cultos” (JESUS, 1998, p.37).
O princípio educacional que mais prezou foi a capacidade de as pessoas trabalharem inte-
lectual e manualmente numa organização educacional única ligada diretamente às instituições
produtivas e culturais.
Foi histórico defensor da escola socialista, a chamava de escola única de escola unitária, evo-
cando a ideia de unidade e centralização democrática.
Criticou a escola tradicional que dividia o ensino em “clássico” e “profissional”, o último des-
tinado às “classes instrumentais” e o primeiro às “classes dominantes e aos intelectuais”. Propõe a
superação dessa divisão, defendendo que uma escola crítica e criativa deve ser ao mesmo tempo
“clássica”, intelectual e profissional. Postulou a criação de uma nova camada intelectual.
67
UAB/Unimontes - 1º Período
Assim, Gramsci reuniu elementos teóricos que lista da escola ou de uma escola do trabalho
visavam à construção da proposta teórica da – escola única. Um exemplo pode ser regis-
chamada escola unitária. trado a partir da Carta enviada a seu filho.
É no caderno do Cárcere 12 que Gramsci Nota-se a preocupação com seu processo de
apresenta sua proposta e concepção Socia- formação:
E por que essas questões estão sendo co- neamente ou de forma natural, o que significa
locadas? Porque é necessário uma contextua- dizer que ela é resultado de um intenso traba-
lização histórica de inserção de Antonio Gra- lho de penetração cultural.
msci para análise da cultura e do debate sobre Através da cultura é possível conectar-
a escola. -se ao campo de organização das massas e
A cultura, na perspectiva Gramsciana, é ter acesso à aquisição de instrumentos para o
apresentada como condição essencial à for- raciocínio lógico ou seja a “liberdade de pen-
mação da “consciência unitária do proletário”. samento”.
Essa formação implica um intenso traba- No pensamento gramsciano, a vida so-
lho cultural ou a conquista de uma “consciên- cial, na verdade a ação política libertadora é,
cia superior”; que difere do saber enciclopédi- pois, produto da ação dos homens, conscien-
co. Os sujeitos, através da cultura, reúnem as tes, capazes de provocarem transformações
condições essenciais para a implementação na realidade, organizados através da “ativida-
do seu campo organizacional. Dessa forma, de prática”, motivados pela vontade.
“a palavra cultura tem um significado bastan- O fato de ter construído seu pensamento
te amplo, a ponto de justificar toda liberdade a partir de problemas reais, estando plena-
de espírito, mas, por outro lado, tem conteúdo mente envolvido no movimento da história,
preciso...” (JESUS, 1998, p.36). da sociedade e os desafios que sua época
Assim, através da aquisição dos instru- provocou, lhe permitiu elaborar as análises
mentos apropriados, os sujeitos poderiam in- tomando como referência as mudanças nas
fluenciar novas relações sociais e, consequen- condições de vida dos menos favorecidos.
temente, alterar e transformar as condições O encaminhamento do processo de es-
de vida dos menos favorecidos, verificados truturação da hegemonia se dará a partir de
sob a orientação da construção de uma nova todas as relações sociais, fundamentalmente
hegemonia. dos campos econômico e político, pois a pró-
A concepção de cultura adotada por Gra- pria estrutura da sociedade é fortemente de-
msci propiciará o alargamento da convivência terminada por ideias e valores, ou seja, uma
democrática e independente do domínio ide- questão de cultura.
ológico e intelectual, fora da passividade e da É por isso que a esfera da cultura, en-
subordinação. A sua definição está relacionada quanto espaço de desenvolvimento da cons-
às condições do desenvolvimento da consci- ciência crítica do ser social, que o torna capaz
ência crítica do ser social, e também da “orga- de intervir na realidade, é ressignificada por
nização, disciplina do próprio interior, tomada Gramsci como reação à ideologia secular da
de posse da própria personalidade, conquista igreja e da mentalidade católico –jesuítica,
da consciência superior pela qual se consegue que criou uma postura de passividade, sub-
compreender o próprio valor histórico, a pró- serviência e conformismo aos dogmas da so-
pria função da vida, os próprios direitos e os ciedade burguesa e ao avanço do poder do
próprios deveres” (JESUS, 1998, p.32). Estado.
O fator determinante na concepção gra- Assim é que a elevação cultural das mas-
msciana é que ela apresenta alguns elemen- sas assume importância decisiva nesse proces-
tos considerados bastantes significativos para so, a fim de que possam libertar-se da pressão
a formação de uma “consciência unitária” do ideológica das velhas classes dirigentes e ele-
proletariado que não pode ocorrer esponta- var-se à condição destas últimas. Neste sen-
68
Letras Inglês - Sociologia da Educação
tido, pode se dizer que “não restam dúvidas nifesta na prática política, o que foi chamado
quanto aos objetivos de Gramsci: ele idealiza por Gramsci de “reforma intelectual e moral”.
a cultura como instrumento de libertação total Nesse sentido, é que situamos a proposta
da sociedade” (JESUS, 1998, p.24). da Escola Unitária de Antonio Gramsci. Apre-
A partir daí, a vontade coletiva vai se fir- sentamos a seguir seu significado elaborado
mando e desenhando uma visão do mundo, pela professora Antônia Aranha (2000, p. 144),
formando uma nova consciência que se ma- como se segue:
O pensador considerou como escola “toda organização que desenvolve a cultura”. Assim,
69
UAB/Unimontes - 1º Período
70
Letras Inglês - Sociologia da Educação
71
UAB/Unimontes - 1º Período
flexibilidade e opor-se ao dogmatismo e, alternativas pelas quais se deve lutar, pois ten-
em particular, a sua discordância relativa- tou evitar todas as “predeterminações” basea-
mente a fins explícitos pré-determinados, das na classe, ou em algo mais.
Dewey revela-se demasiadamente “neu- Além do mais, é questionável se um de-
tro” perante aqueles que se encontram terminado tipo de propósito social comum
envolvidos ativamente na luta por uma e de cidadania ativa defendido por Dewey é
transformação social radical. A sua anti- possível numa sociedade capitalista com ta-
patia perante o ensino de crenças social- manhas e acentuadas desigualdades de poder
mente fixas revelava-se em contraste com e riqueza e dominada pelo consumismo.
as abordagens de muitos educadores so- Alguns questionaram também que a
ciais reconstrucionistas que acreditavam crença de Dewey na ciência era um equívo-
que tal defesa política era uma aspecto co. Tal como C. Wright Mills salientou, a in-
inevitável na educação (TEITELBAUN; AP- teligência científica poderia ser usada tão
▲ PLE, 2001, p. 199). facilmente tanto para servir a propósitos de-
Figura 26: Fernando de Contrariamente a Dewey, pensavam que mocráticos como para aumentar a domina-
Azevedo os estudantes deveriam identificar e exami- ção. Não obstante essas críticas, Dewey per-
Fonte: Disponível em nar problemas específicos do capitalismo manece ainda como uma das maiores figuras
<http://www.jornaldebel-
trao.com.br/blogs/brasili-
norte-americano de forma a encorajar não só da política, filosofia e educação norte-ame-
dade-paranismo-sudoest/ uma compreensão, como ainda uma aliança ricana, uma presença sólida cujo trabalho
biblioteca-de-fernando- com as relações econômicas e sociais mais merece ser lido atentamente, uma vez que a
-de-azevedo-gallo-e-
-unb-7007/> Acesso em 23
cooperativas. sua análise intensiva de muitas das questões
abr. 2013. Os educadores socialistas hesitaram ain- sociais prementes continua ainda hoje a assu-
da menos em ensinar os valores do coletivis- mir uma preocupação vital (TEITELBAUN; AP-
mo e da luta de classe aos estudantes, PLE, 2001, p. 200).
justificando esta posição como uma ne- A sua articulação e compromisso com a
cessidade de contra-reagir à perniciosa democracia participativa nas escolas e outros
influência da cultura capitalista na vida espaços representam a grande contribuição
das crianças da classe trabalhadora. O má- de Dewey para o radicalismo norte- america-
ximo admitido por Dewey era a aplicação no. Na verdade, embora seu otimismo acerca
de uma investigação criativa e científica do progresso, liberdade, comunidade, ciência,
aos problemas sociais (TEITELBAUN; AP- etc, possa ser por vezes visto como despro-
PLE, 2001, p. 200). porcional perante a realidade da cultura he-
Na verdade, a sua orientação vol- gemônica, este serve, nestes tempos cínicos e
tada para o presente e a sua perspectiva pessimistas, para nos relembrar muitos dos
experimentalista, tende, pelo contrário, a caminhos da mudança social progressista
resultar numa descrição bastante vaga de (TEITELBAUN; APPLE, 2001, p. 200).
educação progressiva
<http://ozildoroseliafa-
zendohistoriahotmail.
blogspot.com.br/2010/12/
anisio-teixeira.html> Aces-
so em 23 abr. 2013.
Dewey propõe a educação pela ação, cri- Tendo o conceito de experiência como
tica severamente a educação tradicional, prin- fator central de seus pressupostos, chega à
cipalmente no que se refere à ênfase dada ao conclusão de que a escola não pode ser uma
intelectualismo e à memorização. Para Dewey, preparação para a vida, mas, sim, a própria
o conhecimento é uma atividade dirigida que vida. Assim, para ele, vida-experiência e apren-
não tem um fim em si mesmo, mas está dirigi- dizagem estão unidas, de tal forma que a fun-
do para a experiência. As ideias são hipóteses ção da escola encontra-se em possibilitar uma
de ação e são verdadeiras quando funcionam reconstrução permanente feita pela criança da
como orientadoras dessa ação. experiência.
A educação tem como finalidade propi- A educação progressiva está no cresci-
ciar à criança condições para que resolva por mento constante da vida, na medida em que o
si própria os seus problemas, e não as tradicio- conteúdo da experiência vai sendo aumenta-
nais ideias de formar a criança de acordo com do, assim como o controle que podemos exer-
modelos prévios, ou mesmo orientá-la para cer sobre ela. É importante que o educador
um porvir. descubra os verdadeiros interesses da criança,
72
Letras Inglês - Sociologia da Educação
para apoiar-se nesses interesses, pois, para ele, somente com base nesses interesses a experi-
esforço e disciplina são produtos do interesse e ência adquiriria um verdadeiro valor educativo.
73
UAB/Unimontes - 1º Período
Referências
ARANHA, Antônia. Escola unitária. In: FIDALGO, Fernando; MACHADO, Lucília. (Ed.) Dicionário de
Educação Profissional. Belo Horizonte: NETE- UFMG, 2000.
ENGUITA, Mariano. A longa marcha do capitalismo. In: . A face oculta da escola. Porto ale-
gre: Artes Médicas, 1989.
JESUS, Antonio Tavares. O Pensamento e a Prática Escolar e Gramsci. São Paulo: Autores Associa-
dos, 1998.
SANTOS, Rodiney Marcelo Braga dos. A sociedade, o indivíduo e a educação que temos e
queremos. Disponível em <http://www.brasilescola.com/sociologia/a-sociedade-individuo-
-educacao-que-temos-queremos.htm> Acesso em 10 set. 2008.
TEITELBAUM, Kenneth; APPLE, Michael. Clássicos: John Dewey. Currículo sem Fronteiras, v.1,
n.2, pp. 194-201, Jul/Dez 2001.
74