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A ESCOLA E O PROGRESSO SOCIAL

Temos tendência para encarar a escola segundo uma perspectiva individualista,


pondo a tónica na relação entre professor e aluno, ou entre professor e pai. Aquilo
que mais nos interessa são, naturalmente, os progressos feitos pela criança
individual que conhecemos, o seu desenvolvimento físico normal, a sua evolução no
que toca a capacidade de ler, escrever e contar, o aumento dos seus
conhecimentos de geografia e história, as suas melhorias em termos de conduta,
hábitos de higiene, ordem e zelo e com base nesses padrões que avaliamos o
trabalho da escola. E é justo que assim seja. Todavia, e conveniente que
ampliemos o alcance desta perspectiva. Aquilo que o pai mais diligente e sensato
deseja para o seu próprio filho, a comunidade devera deseja-lo para todas as
crianças que crescem no seu seio. Qualquer outro ideal para as nossas escolas e
limitado e pernicioso; posto em prática, destruirá a nossa democracia. Tudo o que
a sociedade alcançou para beneficio e posto, por intermédio da escola, ao dispor
dos seus futuros membros, bem como todas as suas utopias, que ela espera realizar
através das novas possibilidades assim abertas ao seu futuro corpo. Aqui, o
individualismo e o socialismo estão em harmonia. Só permitindo o pleno
desenvolvimento de todos os indivíduos que a com- poem podera a sociedade
eventualmente manter-se fiel a sua ra- zao de ser. E, ao impor a si propria este
rumo, nada conta tanto como a escola, pois, como disse Horace Mann: «Onde quer
que haja coisas a crescer, um formador vale por mil reformadores.»

Sempre que temos em mente a discussao dum novo movi- mento educativo, e
especialmente necessario que adoptemos o ponto de vista mais amplo, ou social.
Doutra forma, as mudan- 5as na institui^ao e nas tradi^oes escolares serao
encaradas como inven^oes arbitrarias de determinados professores, no pior dos
casos modas transitorias e, no melhor, simples melhoramentos de certos
pormenores — e e este o piano em que, demasiadas ve- zes, sao colocadas as
mudan^as na escola. E algo de tao pouco racional como conceber a locomotiva ou o
telegrafo como dis- positivos ao servi^o de um punhado de pessoas. As
modifica^oes em curso nos metodos e programas educativos sao em igual me- dida
um produto das mudan^as na situa^ao social e um esfor^o para satisfazer as
necessidades da nova sociedade que esta a formar-se, a imagem do que sucede
com as altera<joes a que as- sistimos nos campos da industria e do comercio.

E, pois, para isto que eu chamo especialmente a vossa aten- §ao: o esfor^o para
conceber aquilo que pode ser designado de forma algo simplista como a «Nova
Educa^ao», a luz das muta- §oes mais amplas que se verificam na sociedade.
Poderemos re- lacionar esta «Nova Educa^ao» com a marcha geral dos aconte-
cimentos? Se pudermos faze-lo, ela perdera o seu caracter iso- lado; deixara de ser
um assunto que brota apenas das mentes de- masiado fantasistas de pedagogos
lidando com determinados alunos. Surgira como parte integrante da evolu^ao social
no seu todo e, pelo menos nos seus tra^os mais gerais, como algo de inevitavel.
Indaguemos portanto quais os aspectos principals do movimento social e em
seguida viremo-nos para a escola, ten- tando descobrir que testemunho ela nos da
do esfor^o para acompanhar essas tendencias. E, dado que e impossivel abordar
este tema em toda a sua extensao, limitar-me-ei em grande me- dida neste
capftulo a um aspecto tfpico do movimento da escola modema — aquilo que
costuma ser designado por treino manual —esperando, caso a rela^ao entre essa
faceta e as condi- ^oes sociais em muta^ao se tome evidente, que estejais prontos
a reconhecer que o mesmo sucede no respeitante a outras ino- va^oes educativas.

Nao me sinto obrigado a abordar em pormenor as mudan^as sociais em questao.


Aquelas que irei mencionar sao tratadas de modo tao generico que podem ser lidas
quase na diagonal. A mudanya que primeiro nos ocorre, aquela que ofusca e ate
condi- ciona todas as outras, e a revolu^ao industrial — a aplica^ao pra- tica dos
conhecimentos cientfficos, traduzida nas grandes inven- ^oes que tem vindo a
utilizar as for^as da natureza numa escala tao vasta como pouco dispendiosa: o
crescimento dum mercado de dimensoes mundiais como objectivo da produ^ao, de
vastos centros de manufactura para alimentar esse mercado, de meios de
comunica^ao e distribui^ao baratos e rapidos entre todas as suas partes. Mesmo se
remontarmos aos seus primordios mais longmquos, este processo nao conta muito
mais de cem anos; muitos dos seus aspectos mais relevantes foram testemunhados
pelas pessoas que ainda hoje vivem. Custa a crer que, em toda a historia da
humanidade, tenha havido uma revolu^ao tao rapida, tao extensa e tao completa.
Em consequencia disto, a face da Terra esta a ser alterada, mesmo no que toca a
sua configura^ao fisica; as fronteiras polfticas sao apagadas e deslocadas, como se
realmente nao passassem de linhas num mapa de papel; a popu- la^ao concentra-se
apressadamente em cidades, vinda dos quatro cantos do Planeta; os habitos de vida
sao alterados com uma presteza e profundidade assustadoras; a busca das leis da
natureza e infinitamente estimulada e facilitada, e a respectiva aplica- ^ao a vida
quotidiana toma-se nao apenas possfvel, mas comer- cialmente indispensavel. Ate
mesmo as nossas ideias e propen- soes morais e religiosas, que sao as mais
conservadoras, dado que mais arreigadas da nossa natureza, acabam por ser
profun- damente afectadas. Pensar que esta revolu^ao nao afectara a edu- ca^ao
senao dum modo formal e superficial e inconcebfvel.

O sistema de produ^ao fabril foi precedido pelo si sterna de produ^ao domesdca e


comunitaria. Aqueles que vivem no presente tem apenas de recuar uma, duas ou,
no maximo, tres ge- ra^oes para encontrar uma epoca em que o lar era
praticamente o centra no qual se desenvolviam, ou em volta do qual estavam
reunidas todas as formas tfpicas de ocupa^ao industrial. As rou- pas que as pessoas
usavam eram, na sua maior parte, feitas em casa; em ger al, os membros do
agregado familiar estavam igual- mente familiarizados com a tosquia das ovelhas, a
carda^ao e a fia^ao da la e o manejo do tear. Em vez de carregarem num bo- tao e
inundarem a casa com luz electrica, todo o processo de ob- ter ilumina^ao
implicava uma sucessao laboriosa de tarefas, desde abater o animal e derreter a
gordura ate fabricar os pavios e as velas. As provisoes de farinha, madeira,
mantimentos, materials de constru^ao, mobflias, ate mesmo de objectos de metal,
tais como pregos, dobradi^as, martelos, etc., eram produzidas na vizinban^a
imediata dos lares, em oficinas que estavam cons- tantemente abertas a inspec^ao
e funcionavam muitas vezes como centros de congrega^ao da comunidade. O
processo industrial estava patente na sua totalidade, desde a produ^ao das
materias-primas na quinta ate que os artigos acabados eram pos- tos a uso. Alem
disso, praticamente todos os membros da famf- lia executavam uma dada parcela
do trabalbo. As crian^as, a medida que adquiriam for^a e destreza, eram
gradualmente ini- ciadas nos misterios dos diversos processos. Tratava-se de ques-
toes que lbes diziam respeito imediata e pessoalmente, impli- cando da sua parte
uma participa^ao efectiva.
Nao podemos menosprezar os factores de disciplina e formamao do caracter que
este estilo de vida fomentava: promo^ao de habitos de ordem e trabalho
sistematico, bem como da ideia de responsabilidade, da obriga^ao de fazer algo,
de produzir algo no mundo. Havia sempre alguma coisa que precisava realmen- te
de ser feita e uma necessidade real de que cada um dos membros do agregado
familiar executasse a parte que lhe cabia de forma rigorosa e em colabora^ao com
os outros. Personalidades que se tomavam eficazes atraves da ac^ao eram foijadas
e pos- tas a prova em plena ac^ao. Repito: nao podemos menosprezar a
importancia, para fins educacionais, do conhecimento porme- norizado e fntimo da
natureza, adquirido gramas ao contacto di- recto com materials e objectos reais,
com os processos efectivos da sua manipula^ao e com o conhecimento das
respectivas ne- cessidades e utiliza^oes sociais. Tudo isto envoivia um exerci- tar
contmuo da observa^ao, do engenho, da imagina^ao cons- trutiva, do raciocfnio
logico e da percep^ao da realidade adqui- rida atraves do contacto direc to com os
factos. As formas educa- tivas presentes na fia^ao e na tecelagem domesticas, na
serra- ^ao, no moinho de cereais, na tanoaria e na forja de ferreiro ope- ravam
continuamente.

Um conjunto de li^oes praticas, qualquer que ele seja, prepa- rado com o fito de
fomecer informa^ao, nem por sombras po- dera servir de substituto ao
conhecimento das pl antas e animais da quinta e do jardim, adquirido por quern
vive realmente no meio deles e deles tern de cuidar. Nenhuma forma de exercfcio
dos orgaos sensoriais na escola, concebido como mero exerci- cio, pode competir
sequer com a subtileza e plenitude da vida sensorial que advem da intimidade e
interesse diario nas ocupa- ^oes familiares. A memoria verbal pode ser exercitada
cumprin- do determinadas tarefas e uma certa disciplina das faculdades
intelectuais pode ser adquirida estudando li^oes de ciencia e matematica; no
entanto, bem vistas as coisas, tudo isto e um pouco vago e obscuro, comparado
com o treino da aten^ao e do raciocfnio que se adquire quando se e obrigado a
fazer as coisas sob o impulso duma motiva^ao concreta e tendo em vista um re-
sultado igualmente concreto. Hoje em dia, a concentragao da in- dustria e a
divisao do trabalho praticamente eliminaram as ocu- pa^oes domesticas e
comunitarias — pelo menos para fins edu- cativos. Mas e inutil chorarmos o
desaparecimento dos bons ve- lhos tempos em que as crian^as denotavam
modestia, reveren- cia e uma obediencia implfcita; os meros lamentos e
exorta^oes nao os trarao de volta. O que ocorreu foi uma mudanya radical das
condi^oes de vida, e so uma mudanya igualmente radical no campo da educa^ao
produzira resultados palpaveis. Devemos reconhecer as compensates que os novos
tempos acarretaram —um aumento da tolerancia e da liberalidade dos juizos so-
ciais, um melhor conhecimento da natureza humana, uma maior sagacidade na
leitura dos tra^os do caracter e na interpreta^ao das situa^oes sociais, uma
adapta^ao mais atenta as diferentes personalidades que se nos deparam, o
contacto com actividades comerciais mais vastas. Estas considera^oes tern grande
impor- tancia para as crian^as que nascem e crescem nas cidades de ho- je.
Todavia, enfrentamos um grave problema: o que fazer para, conservando estas
vantagens, introduzir na escola algo que re- presente o outro lado da vida —
ocupa^oes que impliquem res- ponsabilidades pessoais precisas e que exercitem a
crian^a no contacto com as realidades ffsicas da vida?

Ao analisarmos a escola, verificamos que uma das tendencias mais marc antes do
presente e a introdu^ao do chamado treino manual, dos trabalhos oficinais e das
artes domesticas — costu- ra e culinaria.

Isto nao foi feito «de proposito», com a plena consciencia de que a escola deve
agora proporcionar essa forma de adestra- mento que outrora competia ao lar, mas
sim por instinto, depois de varias experiencias terem revelado que esse tipo de
ensino cativa imenso os alunos e da-lhes algo que nao poderiam obter de nenhuma
outra forma. A consciencia da sua verdadeira im- portancia e ainda tao debil que o
trabalho e muitas vezes feito dum modo hesitante, confuso e desconexo. As razoes
apontadas parajustificd-lo sao penosamente inadequadas ou mesmo mani-
festamente erradas.

Se nos dispusessemos a interrogar os proprios indivfduos que se mostram mais


favoraveis a introdu^ao deste trabalho no nos- so sistema escolar, imagino que, na
generalidade dos casos, as principals razoes apontadas seriam o facto de essas
tarefas pren- derem o interesse e a aten^ao espontanea das crian^as. Mantem- -nas
atentas e activas, em vez de passivas e receptivas; fazem- -nas sentir-se mais
uteis, mais capazes e, portanto, mais inclina- das a mostrarem-se prestaveis em
casa; preparam-nas, ate certo ponto, para os deveres praticos que irao enfrentar
na vida adul- ta — as raparigas para serem donas de casa eficientes, quando nao
verdadeiras cozinheiras e costureiras; os rapazes (bastando para isso que o nosso
sistema educativo estivesse conveniente- mente organizado em escolas
profissionais) para as suas futuras voca^oes. Eu nao subestimo a valia destas
razoes. Acerca das que respeitam a mudan^a de postura das crian^as, terei algo a
dizer no capftulo seguinte, ao falar directamente das rela^oes entre a escola e a
crian^a. Todavia, este ponto de vista e, na sua globalidade, desnecessariamente
redutor. Devemos conceber os trabalhos em madeira e em metal, a tecelagem, a
costura e a cu- linaria como mdtodos de vida e de aprendizagem, e nao como
disciplinas escolares distintas.

Devemos concebe-los em todo o seu significado social, como exemplos dos


processos por meio dos quais a sociedade perdu- ra, como ferramentas para
familiarizar a crian^a com algumas das necessidades primordiais da vida
comunitaria e como meto- dos que a crescente perspicacia e engenho do homem
encontra- ram para satisfazer essas necessidades; em suma, como instru- mentos
gramas aos quais a propria escola sera convertida num genurno centra de vida
comunitaria activa, ao inves dum lugar isolado onde se aprendem as li^oes.

Uma sociedade e um conjunto de pessoas unidas por estarem a trabalhar de acordo


com linhas comuns, animadas dum espfri- to comum e com referenda a objectivos
comuns. As necessidades e objectivos comuns exigem um crescente intercambio de
ideias e uma crescente unidade de sentimentos solidarios. A ra- zao de fundo que
impede a escola dos nossos dias de se organi- zar como uma unidade social natural
e exactamente a ausencia desta componente de actividade comum e produtiva. No
re- creio, durante as brincadeiras e desportos, a organizagao social ocorre
espontanea e inevitavelmente. Ha algo para fazer, uma actividade para executar,
exigindo uma divisao natural do tra- balho, a selecgao de lfderes e subordinados, a
cooperagao e emulagao mdtuas. Na sal a de aula fal tarn o motivo e o cimento da
organiza^ao social. Do ponto de vista etico, a tragica debili- dade da escola de hoje
reside na sua ambigao de preparar os futures membros do tecido social num meio
em que as condigoes do espfrito social fal tarn visivelmente.

A diferen<ja que emerge quando as ocupa(joes passam a cons- tituir os centres


articuladores da vida escolar nao e facil de des- crever por meio de palavras; trata-
se duma diferenga de motiva- §6es, de espfrito e de atmosfera. Quando entramos
numa cozi- nha onde um grupo buligoso de criangas participa activamente na
preparagao de comida, a diferenga psicologica, a mudanga duma receptividade
contida, mais ou menos passiva e inerte, para uma atitude energica, alegre e
expansiva, tudo isto e tao ob- vio que chega a meter-se-nos pelos olhos dentro.
Alias, aqueles que tern da escola uma imagem rigidamente definida nao dei- xarao
de sentir-se chocados pel a mudanga. Mas a mudanga na postura social e
igualmente marcada. A mera absorgao de factos e verdades e um processo tao
exclusivamente individual que tende, muito naturalmente, a transformar-se em
egofsmo. Nao ha qualquer motiva<?ao social obvia para a aquisi^ao de meros
conhecimentos, nao ha qualquer proveito social claro no suces- so daf resultante.
Na verdade, esse sucesso quase so pode ser medido em termos competitivos, no
pior sentido da palavra — uma comparagao de resultados na recitagao ou no
questionario, para avaliar qual a crianga que conseguiu superar as outras no
armazenamento, na acumulagao do maximo de informagao pos- sfvel. Esta
atmosfera prevalece de tai forma nas escolas que o facto de uma crian^a ajudar
outra nas suas tarefas passou a ser considerado um delito. Quando o trabalho
escolar consiste ape- nas em decorar as li^oes, a assistencia mutua, em vez de ser
a forma mais natural de coopera^ao e associa^ao, toma-se um es- for^o
clandestine para aliviar o parceiro dos deveres que lhe in- cumbem. Quando esta
em curso um trabalho activo, tudo isto muda. Ajudar os outros, em vez de ser uma
forma de caridade que empobrece o destinatario, e apenas e so um auxflio para li-
bertar as faculdades e incentivar aquele que e ajudado. Um es- pfrito de livre
comunicagao, de troca de ideias, sugestoes, resul- tados de experiencias anteriores
bem ou mal sucedidas, toma-se a nota dominante das aulas. A emula^ao, quando
surge, diz res- peito a compara^ao entre indivfduos nao no tocante a quantida- de
de informa^ao pessoalmente absorvida, mas com referencia a qualidade do
trabalho produzido — o genufno padrao comu- nitario de valor. Dum modo
informal, mas nem por isso menos nftido, a vida escolar organiza-se em bases
sociais.

E no ambito desta organiza?ao que encontraremos o principio da disciplina ou da


ordem escolares. Obviamente, a ordem e apenas algo que se refere a um fim. Se o
fim que temos em vista e por quarenta ou cinquenta crian^as a decorar
determinadas li^oes que depois serao recitadas a um professor, o tipo de disciplina
imposta devera assegurar esse resultado. Mas se o fim em vista e o
desenvolvimento dum espirito de coopera^ao social e de vida comunitaria, a
disciplina deve emergir desse objectivo e a ele ser relativa. Durante um processo
construtivo, ha um determina- do genero de ordem que esta quase ausente; reina
uma certa de- sordem em qualquer oficina em plena labora?ao; nao ha silencio; as
pessoas nao estao empenhadas em manter certas posturas ffsi- cas fixas; nao
cruzam os bravos; nao seguram livros desta ou da- quela maneira. Executam
tarefas variadas, e assiste-se a confu- sao, a azafama, que resultam da actividade.
No entanto, desta ocupa^ao, desta execu^ao de tarefas com o objectivo de produ-
zir resultados, sendo essa execu^ao social e cooperativa, de tudo isto emerge uma
disciplina com caracterfsticas muito proprias. Toda a nossa concep^ao de disciplina
escolar se altera quando al- cangamos este ponto de vista. Nos momentos crfticos,
todos compreendemos que a unica disciplina que nos fortalece, o ilni- co treino que
se convene em intui^ao, e aquele que adquirimos no decurso da propria vida.
Quando se diz que aprendemos com a experiencia, e com os livros ou conselhos dos
outros somente na medida em que estes se relacionam com a experiencia, nao se
trata de meras frases feitas. Mas a escola alheou-se, isolou-se de tai forma das
condi^oes e motivates correntes da vida que o lu- gar para onde enviamos as
crian^as com o fito de lhes incutir a disciplina e o lugar do mundo onde e mais
diffcil adquirir experiencia —a mae de toda a disciplina digna desse nome. So as
pessoas dominadas por uma imagem limitada e rfgida da disciplina escolar
tradicional correm o risco de menosprezar essa disciplina mais profunda e
infinitamente mais ampla que se adqui- re ao participar num trabalho construtivo,
ao contribuir para um resultado que, embora social na sua essencia, nao deixa de
ser obvio e tangfvel na sua forma — forma essa com base na qual se podem exigir
responsabilidades e estabelecer jufzos rigorosos.

A coisa mais importante a reter, pois, no que diz respeito a in- trodu<jao na escola
de diversas formas de ocupa^ao activa, e que, atraves destas, toda a essencia da
escola e renovada. A institui- ^ao escolar tern assim a possibilidade de associar-se a
vida, de tomar-se uma segunda morada da crian^a, onde el a aprende atraves da
experiencia directa, em vez de ser apenas um local onde decora li^oes, tendo em
vista, numa perspectiva algo abs- tracta e remota, uma hipotetica vivencia futura.
Isto e, a escola tern a oportunidade de se converter numa comunidade em mi-
niatura, uma sociedade embrionaria. Este e o facto fundamental, e dele emerge a
instru§5o enquanto processo contmuo e ordeiro. Sob o regime industrial atras
descrito, a crian^a, afinal de con- tas, participava no trabalho, mas o objectivo
primordial nao era essa participagao, mas o produto. Os resultados educativos que
se alcangavam eram reais, ainda que fortuitos e secundarios. Os trabalhos tfpicos
executados na escola, por^m, estao livres de to- da e qualquer exigencia de ordem
economica. O objectivo nao e o valor economico dos produtos, mas o
desenvolvimento da pu- janga e da capacidade de organizagao social. E esta
emancipagao em relagao a componente utilitaria restrita, esta abertura as pos-
sibilidades do espfrito humano, que transforma estas actividades prdticas na escola
em cong€neres da arte e pontos de partida para o estudo da ciencia e da historia.

A unidade de todas as ciencias encontra-se na geografia. A importancia da


geografia reside no facto de apresentar a Terra como sede permanente das
ocupa^oes do homem. Sem a sua re- lagao com a actividade humana, o mundo sen
a um mundo di- minufdo. A industria e os empreendimentos humanos, quando
desenquadrados das suas raizes na Terra, perdem significado e deixam de suscitar
emogoes. A Terra e a fonte ultima de todo o alimento do homem. E o seu abrigo e
protecgao a cada momen- to, a materia-prima de todas as suas actividades e a
morada para cuja humaniza^ao e idealiza^ao concorrem todos os seus fei- tos. E o
grande campo de cultivo, a grande mina, a grande fonte energetica de calor, luz e
electricidade; e a grande paisagem onde altemam os oceanos, os rios, as
montanhas e as planfcies, de que toda a nossa agricultura e actividade mineira e
explora- §ao florestal, todas as nossas entidades de fabrico e distribuigao, nao
constituem senao elementos e factores parciais. E atraves de ocupagoes
determinadas por este meio ambiente que a humani- dade tern feito os seus
progressos historicos e politicos. E atraves dessas ocupagoes que a interpretagao
intelectual e emocio- nal da natureza tern vindo a ser desenvolvida. E atraves
daquilo que fazemos no mundo e com o mundo que lemos o seu significado e
avaliamos o seu valor.

Em termos educativos, isto significa que, na institui^ao esco- lar, estas ocupa^oes
nao devem reduzir-se a meros expedientes praticos ou formas de ocupagao
rotineira que visem a aquisigao duma mestria tecnica no campo da culinaria, da
costura ou da tecelagem, mas deverao ser, isso sim, centros activos de desco-
berta cientffica sobre os materiais e processos naturais, pontos de partida donde as
criangas serao levadas a compreender o de- senvolvimento historico do homem. A
verdadeira importancia de tudo isto pode ser ilustrada de forma mais eloquente se,
ao inves de recorrermos a consideragoes genericas, langarmos mao de um exemplo
concreto extrafdo do trabalho escolar.

Nada parece tao bizarro aos olhos do visitante medio, atento e interessado, do que
ver rapazes de dez, doze e treze anos a executarem, em conjunto com raparigas da
mesma idade, traba- lhos de costura e tecelagem. Se encararmos isto como uma
pre- paragao dos rapazes para coserem botoes e fazerem remendos, chegamos a
uma concepgao restrita e utilitaria — com base na qual dificilmente se justificara
valorizar este tipo de trabalho na escola. Porem, se encararmos estas tarefas numa
outra perspec- tiva, verificamos que el as funcionam como um ponto de partida
que permite a crianga reconstituir e analisar o progresso da hu- manidade ao longo
da histori a, instruindo-a, alem disso, sobre os materiais usados e os principios
mecanicos envolvidos. Estas actividades sao pretextos para recapitular o
desenvolvimento historico do homem. Por exemplo, as criangas recebem em pri-
meiro lugar a materia-prima — as fibras de linho, os frutos do algodoeiro, a la tai
como e extrafda do corpo da ovelha (se pu- dermos leva-las ao local onde as
ovelhas sao tosquiadas, tanto melhor). Em seguida, e feito um estudo destes
materiais, do ponto de vista da respectiva adaptagao aos usos a que se desti- nam.
Por exemplo, a fibra do algodao e comparada com a fibra da la. Eu nao sabia, ate
as criangas mo terem di to, que o motivo para o desenvolvimento tardio da
industria algodoeira, quando comparada com a manufactura de tecidos de la, era o
facto de a fibra do algodao ser tao diffcil de separar manualmente das se- mentes.
Um grupo de criangas, trabalhando durante trinta mi- nutos a separar as fibras de
algodao da capsula e das sementes, conseguiu extrair menos de trinta gramas. Foi-
lhes facil calcu- lar que uma pessoa, usando as maos, nao conseguiria descaro- gar
mais do que meio quilo por dia, e compreenderam assim por que motivo os seus
antepassados preferiam as roupas de la as de algodao. Entre outros factores que
afectam a utilidade relativa destes dois tipos de materiais, el as descobriram que
as fibras de algodao sao mais curtas do que as de la, medindo as primeiras,
digamos, um centfmetro, ao pas so que estas ultimas atingem os oito centfmetros
de comprimento; e ainda que as fibras de algodao sao macias e nao se enrigam
umas nas outras, enquanto a la possui uma certa aspereza que emaranha as fibras,
facilitando assim a fiagao. As criangas compreenderam isto por si proprias, em
contacto com os materiais concretos, ajudadas por pergun- tas e sugestoes do
professor.

Em seguida, executaram as tarefas necessarias para transfor- mar as fibras em


tecidos. Reinventaram o primeiro utensflio para cardar a la — um par de pranchas
com pregos afiados para desenreda-la. Num regresso as origens, conceberam o
metodo mais simples de fiar a la — uma pedra ou um outro peso perfu- rado,
atraves do qual a la passa, e que, ao ser torcido, vai pu- xando as fibras; e um piao
que, posto a girar no chao, permite que as criangas segurem a la nas maos ate esta
ser gradualmen- te puxada e enrolada a volta dele. Feito isto, as criangas sao fa-
miliarizadas com a invengao seguinte (numa ordem cronologi- ca) e trabalham-na
experimentalmente, para assim se apercebe- rem da sua necessidade e
investigarem os seus efeitos, nao ape- nas sobre essa industria em particular, mas
tambem sobre as formas de vida social — o que lhes permite passar em revista todo
o processo evolutivo que culmina no tear industrial do presente, bem como tudo o
que se relaciona com a aplicagao da ciencia no uso das fontes de energia
actualmente disponfveis. Nao pre- ciso sequer de mencionar os conhecimentos
cientificos que isto envolve — a analise das fibras, de aspectos geograficos, das
condigoes necessarias para o cultivo das materias-primas, dos grandes centros de
manufactura e distribuigao, do funciona- mento da maquinaria de produgao; a
vertente historica deste es- tudo e tambem evidente — a influencia que estas
inverses exerceram sobre a humanidade. Podemos centrar a bistoria de toda a
humanidade no modo como evoluiu ao longo dos tempos o processo de
transforma^ao em roupa das fibras de linho, de al- godao e de la. Nao quero com
isto dizer que essa seja a unica, ou a melhor, abordagem. Mas e verdade que, deste
modo, abrem-se certas perspectivas muito concretas e muito importan- tes para a
analise da historia da nossa raga — e as criangas sao iniciadas no conhecimento de
influencias muito mais fulcrais e dominadoras do que ao estudarem os registos
politicos e crono- logicos em que geralmente se baseia o ensino da historia.
Ora, o que se aplica a este exemplo das fibras usadas no fa- brico de tecidos (e,
como e obvio, referi somente uma ou duas fases elementares desse processo)
aplica-se tambem, com os de- vidos ajustes, a todos os materiais usados em todas
as outras ocupa^oes humanas e aos metodos nelas empregados. A tarefa pratica
fomece a crian^a uma motivagao genufna; da-lhe a ex- periencia directa das
coisas; poe-na em contacto com as realidades. Faz tudo isto e mais ainda, pois, ao
ser traduzida nos seus valores historicos e sociais e equivalencias cientfficas, e
total- mente liberalizada. A medida que as faculdades mentais e os co-
nhecimentos da crianga vao aumentando, a tarefa pratica deixa de ser apenas e so
um passatempo agradavel e converte-se cada vez mais num meio, um instrumento,
um orgao de compreensao —e e portanto transformada.

Isto, por seu tumo, influencia o ensino da ciencia. Nas condi- qoes actuais,
qualquer actividade, para ser coroada de sucesso, tern de ser dirigida, numa
qualquer das suas fases, pelo perito cientifico — ou seja, qualquer actividade e um
caso de ciencia aplicada. Esta liga^ao deveria de termi nar o estatuto das activi-
dades praticas na educa^ao. E que os chamados trabalhos ma- nuais ou industrials
escolares nâo se limitam a permitir a intro- duçâo da ciencia que os ilumina, que os
toma pertinentes, pre- nhes de significado, em suma, que os faz ultrapassar o
estatuto de meros exercfcios para as mâos e os olhos; para alem disso, a
compreensâo cientffica assim adquirida toma-se um instrumen- to indispensâvel de
participaçâo livre e activa na vida social mo- dema. Num dos seus textos, Platâo
fala do escravo como sendo a pessoa que, nas suas acçöes, nâo expressa as proprias
ideias, mas sim as doutrem. Hoje em dia, dum modo ainda mais pre- mente do que
na epoca de Platâo, cabe-nos assegurar que o me- todo, a finalidade e a
compreensâo existam na consciencia da- quele que executa o trabalho, que a
actividade de cada um sig- nifique algo aos olhos do pröprio.

Quando as tarefas prâticas sâo encaradas desta forma ampla e generosa, nâo posso
senâo ficar estupefacto ante a objecçâo, tantas vezes formülada, de que tais
ocupaçöes nâo tem lugar na escola, pois sâo tendencialmente materialistas,
utilitârias ou ate tipicas das classes subaltemas. Parece-me por vezes que aque- les
que fazem estas objecçöes devem viver num mundo bem di- ferente do nosso. O
mundo em que grande parte de nos vive e um mundo no qual toda a gente tem uma
vocaçâo e uma ocupa- çâo, isto e, um trabalho a executar. Uns sâo dirigentes e
outros sâo subordinados. Tanto para uns como para outros, porem, a coisa mais
importante e que cada indivıduo tenha tido acesso â educaçâo que lhe permi te
destrinçar, no seu trabalho quotidia- no, tudo o que possui um significado humano
mais abrangente, Quantos empregados nâo passam hoje de meros apendices das
maquinas que operam! Isto poderâ dever-se em parte â propria maquina ou ao
regime que coloca tanta enfase nos produtos da maquina; mas deve-se certamente,
em grande medida, ao facto de o trabalhador nâo ter tido oportunidade de
desenvolver a sua imaginaçâo e a compreensâo solidaria dos valores sociais e
cientfficos inerentes ao seu trabalho. Hoje em dia, durante o periodo escolar, os
impulsos que estâo na base do sistema industrial sao ou negligenciados na pratica
ou positivamente distorci- dos. Enquanto os instintos de constru^ao e produ^ao nao
forem enquadrados de forma sistematica durante a infancia e juventu- de,
enquanto esses instintos nao forem canalizados em termos sociais, enriquecidos
pela interpreta§So historica, controlados e iluminados por metodos cientfficos,
enquanto nada disto for fei- to, nao estaremos em condi^oes sequer de localizar a
origem dos nossos males economicos, quanto mais de lidar com eles eficazmente.

Se recuarmos alguns seculos, encontramos um monopolio efectivo do saber. O


termo detentores do saber e, de facto, bas- tante feliz. A instru^ao era uma
questao de classe, um resultado inevitavel das condi^oes sociais. Nao existiam
quaisquer meios que facultassem as massas o acesso aos recursos intelectuais.
Estes encontravam-se acumulados e escondidos em manuscri- tos, dos quais, na
melhor das hipoteses, existiam apenas alguns exemplares, e era necessaria uma
longa e laboriosa prepara^ao para fazer fosse o que fosse com eles. O resultado
inevitavel destas circunst&ncias foi a forma^ao duma casta de sacerdotes do saber,
que guardava o tesouro da verdade e o distribufa par- cimoniosamente entre as
massas, sob severas restri^oes. Porem, como consequencia directa da revolu^ao
industrial de que te- mos vindo a falar, tudo isto se alterou. A tipografia foi
inventa- da; o seu uso tomou-se comercialmente rentavel. Livros, revistas e jomais
multiplicaram-se e tomaram-se mais baratos. A lo- comotiva e o telegrafo
trouxeram consigo a intercomunica^ao frequente, rapida e barata atraves dos
correios e da electricida- de. Viajar passou a ser mais facil; a liberdade de
movimentos, com a concomitante troca de ideias, aumentou enormemente. O
resultado foi uma revolu^ao intelectual. O saber foi posto em circula^ao. Embora
ainda haja, e provavelmente havera sempre, uma classe restrita que tern entre
maos a tarefa especial de in- vestigar, esta doravante fora de questao a existencia
duma classe distintamente instrufda. E um anacronismo. O conhecimento deixou de
ser um solido imovel — liquefez-se. E move-se acti- vamente em todos os fluxos
que percorrem a sociedade.

E facil de entender que esta revolu^ao, no que toca aos ele- mentos do saber,
acarreta uma mudan^a acentuada na postura do indivfduo. Os estfmulos de tipo
intelectual chovem sobre nos atraves dos mais diversos canais. A vida meramente
intelectual, a vida de estudo e aprendizagem, passa pois a ser avaliada du- ma
forma bem diferente. Academico e escolastico, ao inves de tftulos honrosos, sao
cada vez mais epftetos depreciativos.

Tudo isto, no entanto, implica necessariamente uma mudan^a na postura da


escola, mudan^a essa cuja for^a estamos ainda lon- ge de conceber. Os nossos
metodos escolares e, em grande me- dida, os nossos programas de estudos, sao
heran^as do periodo em que era de importancia fulcral a aprendizagem e o
domrnio de certos sfmbolos, que facultavam a unica via de acesso ao saber. Na
maioria dos casos, os ideais desse periodo vigoram ainda, mesmo quando os
metodos de ensino foram aparentemente alterados. Ouvimos por vezes censurar a
introdu^ao do treino manual e do ensino da arte e da ciencia nas escolas primarias,
e mesmo nas secundarias, com base no argumento de que essas materias estimulam
a produ^ao de especialistas — destoando do nosso quadro actual duma cultura
vasta e liberal. Esta objec^ao e ridfcula, e o eco que tantas vezes encontra toma-a
tragica. A educa^ao do presente, essa sim, e altamente especializada, desi- gual e
restrita. E uma educa^ao dominada quase inteiramente pe- la concep§ao medieval
do saber e que, em grande parte, faz ape- lo somente ao lado intelectual das
nossas naturezas, ao nosso de- sejo de aprender, de acumular infonna^ao e de
dominar os sfmbolos do saber; e nao aos nossos impulsos e tendencias para fa- zer,
para executar, para criar, para produzir, seja com um fim uti- litario ou artistico. O
proprio facto de se considerar que os tra- balhos manuals, a arte e as ciencias sao
demasiado tecnicos e promovem uma especializagao redutora e, por si so, o mais
es- clarecedor testemunho dos objectivos altamente especializados que presidem a
educa^ao do presente. So o facto de a educa^ao estar virtualmente identificada
com desfgnios exclusivamente in- telectuais, com a aprendizagem pela
aprendizagem, so isso explica que todos estes materiais e metodos nao sejam bem-
vindos, nao sejam acolhidos com a maior das hospitalidades.

Enquanto a forma^ao para o offcio de ensinar e encarada co- mo o prototipo da


cultura, ou duma educa^ao liberal, a forma^ao dum mecanico, dum musico, dum
advogado, dum medico, dum lavrador, dum comerciante ou dum administrador de
caminhos- -de-ferro e encarada como puramente tecnica e profissional. O resultado
e o que vemos por toda a parte a nossa volta — a divi- sao entre pessoas «cultas» e
«trabalhadores», a separa^ao entre a teoria e a pratica. Menos de um por cento de
toda a popula^ao escolar alcanna aquilo a que se convencionou chamar o ensino
superior; so cinco por cento ingressam no ensino liceal; ao pas- so que muito mais
de metade abandona o sistema ao completar o quinto ano do ensino primario, ou
mesmo antes disso. A ver- dade nua e crua e que, na grande maioria dos seres
humanos, os interesses distintamente intelectuais nao sao dominan tes. O que
predomina sao os chamados impulsos ou inclina^oes praticas. Em muitos daqueles
cujos interesses intelectuais sao por nature- za fortes, as condi^oes sociais
impedem a sua concretiza^ao ade- quada. Consequentemente, a maior parte dos
alunos abandona a escola assim que adquire os rudimentos do saber, assim que do-
mina os sfmbolos da leitura, da escrita e do calculo o suficiente para ajuda-los a
ganhar a vida. Embora os nossos responsaveis educativos falem da cultura, do
desenvolvimento da personalidade, etc., como objectivos finais da educa^ao, a
grande maioria daqueles que recebem a sua instru^ao na escola encaram-na ape-
nas como uma ferramenta estritamente pratica que lhes permite ganhar o sustento
de cada dia dum modo um pouco menos pe- noso. Se pudessemos conceber os
objectivos finais do nosso sistema educativo duma forma menos limitada, se
consegufssemos introduzir nos processos lectivos as actividades que cativam
aqueles cujo interesse dominante e fazer e executar, venamos a escola exercer
sobre quern a frequenta uma sedu^ao mais vital, mais prolongada, imbuida duma
maior componente cultural.

A que se deve, porem, esta minha exposi<jao tao pormenori- zada? E facil de ver
que a nossa vida social sofreu uma mudan- §a tao completa quanto radical. Se
queremos que a educa^ao ministrada nas nossas escolas tenha alguma influencia na
vida de todos os dias, ela devera passar por uma transforma^ao igualmente
completa. Esta transforma^ao nao surgira subita- mente, nao sera executada do dia
para a noite, de forma inten- cional. Ela esta ja em curso. As modifica^oes do
nosso sistema escolar, que parecem muitas vezes (mesmo aos olhos dos mais
activamente empenhados nelas, ja para nao falar dos seus es- pectadores) nao
passar de meras mudan^as de pormenor, sao na realidade indfcios e provas de
evolu^ao. A introdu^ao de ocupa- ^oes activas, do estudo da natureza, dos
rudimentos da ciencia, da arte, da historia; a relega^ao do meramente simbolico e
formal para uma posi^ao secundaria; a mudan^a na atmosfera moral da escola, na
rela^ao entre alunos e professores — na disci- plina; a introdu^ao de factores mais
activos, expressivos e de autonomia — tudo isto nao sao meros acidentes, sao
exigencias duma evolu^ao social mais vasta. Falta apenas organizar todos estes
factores, avalia-los na plenitude do seu significado e fazer com que as ideias e
ideais envolvidos assumam um controlo pleno e intransigente do nosso sistema
escolar. Fazer- isto signi- fica transformar cada uma das nossas escolas numa
comunida- de embrionaria, sede de ocupa^oes que reflitam a vida da sociedade no
seu todo, impregnada do espfrito da arte, da historia e da ciencia. Quando a escola
for capaz de iniciar e exercitar cada um dos novos membros da sociedade na
participagao numa comunidade tao reduzida, impregnando-os dum espfrito de al-
trufsmo e fomecendo-lhes os instrumentos duma autonomia efectiva, teremos a
melhor garantia de que a sociedade no seu todo e digna, admiravel e harmoniosa.

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