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I

A ESCOLA E O PROGRESSO SOCIAL

Aquilo que mais nos interessa sao, naturalmente, os progressos feitos pel a crian^a individual
que conhecemos, o seu desenvolvimento ffsico normal, a sua evolu^ao no que toca a
capacidade de ler, escrever e contar, o aumento dos seus conhecimentos de geografia e
historia, as suas melhorias em termos de conduta, habitos de higiene, ordem e zelo — e com
base nesses padroes que avaliamos o trabalho da escola.

As modifica^oes em curso nos metodos e programas educativos sao em igual me- dida um
produto das mudan^as na situa^ao social e um esfor^o para satisfazer as necessidades da nova
sociedade que esta a formar-se, a imagem do que sucede com as altera<joes a que as- sistimos
nos campos da industria e do comercio.

E, pois, para isto que eu chamo especialmente a vossa aten- §ao: o esfor^o para conceber
aquilo que pode ser designado de forma algo simplista como a «Nova Educa^ao», a luz das
muta- §oes mais amplas que se verificam na sociedade. A mu¬danya que primeiro nos ocorre,
aquela que ofusca e ate condi- ciona todas as outras, e a revolu^ao industrial — a aplica^ao
pra- tica dos conhecimentos cientfficos, traduzida nas grandes inven- ^oes que tem vindo a
utilizar as for^as da natureza numa escala tao vasta como pouco dispendiosa: o crescimento
dum mercado de dimensoes mundiais como objectivo da produ^ao, de vastos centros de
manufactura para alimentar esse mercado, de meios de comunica^ao e distribui^ao baratos e
rapidos entre todas as suas partes. Tratava-se de ques- toes que lbes diziam respeito imediata e
pessoalmente, impli- cando da sua parte uma participa^ao efectiva.

Nao podemos menosprezar os factores de disciplina e forma-mao do caracter que este estilo
de vida fomentava: promo^ao de habitos de ordem e trabalho sistematico, bem como da ideia
de responsabilidade, da obriga^ao de fazer algo, de produzir algo no mundo. As formas
educa- tivas presentes na fia^ao e na tecelagem domesticas, na serra- ^ao, no moinho de
cereais, na tanoaria e na forja de ferreiro ope- ravam continuamente.

Um conjunto de li^oes praticas, qualquer que ele seja, prepa- rado com o fito de fomecer
informa^ao, nem por sombras po- dera servir de substituto ao conhecimento das pl antas e
animais da quinta e do jardim, adquirido por quern vive realmente no meio deles e deles tern
de cuidar. Todavia, enfrentamos um grave problema: o que fazer para, conservando estas
vantagens, introduzir na escola algo que re- presente o outro lado da vida — ocupa^oes que
impliquem res- ponsabilidades pessoais precisas e que exercitem a crian^a no contacto com as
realidades ffsicas da vida?

Ao analisarmos a escola, verificamos que uma das tendencias mais marc antes do presente e a
introdu^ao do chamado treino manual, dos trabalhos oficinais e das artes domesticas — costu-
ra e culinaria.

Isto nao foi feito «de proposito», com a plena consciencia de que a escola deve agora
proporcionar essa forma de adestra- mento que outrora competia ao lar, mas sim por instinto,
depois de varias experiencias terem revelado que esse tipo de ensino cativa imenso os alunos
e da-lhes algo que nao poderiam obter de nenhuma outra forma. Devemos conceber os
trabalhos em madeira e em metal, a tecelagem, a costura e a cu- linaria como mdtodos de vida
e de aprendizagem, e nao como disciplinas escolares distintas.

Devemos concebe-los em todo o seu significado social, como exemplos dos processos por
meio dos quais a sociedade perdu- ra, como ferramentas para familiarizar a crian^a com
algumas das necessidades primordiais da vida comunitaria e como meto- dos que a crescente
perspicacia e engenho do homem encontra- ram para satisfazer essas necessidades;

II

A ESCOLA E A VIDA DA CRIANÇA

No capítulo anterior tentei descrever a relação entre a escola e a vida da


comunidade no seu todo, e sublinhei a premência de certas mudanças nos métodos
e materiais usados no trabalho es- colar, por forma a adapta-los melhor as
exigências sociais dos nossos dias. Dado que é difícil relacionar princípios gerais
com coisas tão manifestamente concretas como crianças pequenas, tomei a
liberdade de introduzir numerosos exemplos ilustrativos extrai- dos do trabalho na
Escola Elementar da diversidade de Chicago, para que, em certa medida, o leitor
possa aperceber-se da forma como as ideias apresentadas resultam na prática.

Assim como o biologo pode, a par- tir de um ou dois ossos, reconstruir todo
o corpo do animal, tam- bem nos, se imaginarmos a sala de aulas usual, com as
suas fi- las de carteiras inesteticas dispostas numa ordem geometrica, bem
encostadas umas as outras para reduzir ao maximo o espa- qo disponivel, quase
todas do mesmo tamanho, em cujo tampo cabem apenas os livros, o lapis e o
papel, e se a isto acrescen- tarmos uma mesa, algumas cadeiras, as paredes nuas e
possi- velmente alguns quadros, seremos capazes de reconstituir o uni- co genero
de actividade educativa que podera ter lugar num sf- tio assim. Posso acres- centar
que a escola em causa nao se situava nesta cidade.
Outra coisa que e sugerida por estas salas de aula, com as suas carteiras em
posi§6es fixas, e que tudo foi disposto para li-dar com o maior numero possfvel de
crian^as, ou seja, para li-dar com as criangas em massa, como um agregado de
unidades, implicando, uma vez mais, que elas sejam tratadas enquanto su- jeitos
passivos. deixam de ser uma massa e convertem-se nos seres profunda- mente
singulares que se nos deparam fora da escola, em casa, no seio da famflia, no
recreio e nas ruas do bairro onde vivem.
A uniformidade de metodos e programas de estudo e explica- vel nos mesmos
termos. ela e o centro em tomo do qual es- tes se organizam.
Se tomarmos o exemplo dum lar ideal, onde o pai e suficien- temente inteligente
para reconhecer o que e melhor para a crian- ga e tern possibilidade de
proporcionar-1 ho, veremos que a crianga aprende atraves do intercambio social no
seio da estru- tura familiar. Podemos dirigir as actividades da crian^a, exercitando-
a de acordo com determinados vectores, e conduzindo-a assim a objectivos que sao
o corolario logico da via escolhida.
«Se os desejos fossem cavalos, os mendigos nunca andavam a pe.» Dado que o nao
sao, dado que satisfazer realmente um impulso ou interesse implica po-lo em
pratica, e po-lo em prati- ca envolve deparar com obstaculos, familiarizar-se com
mate- riais, dar mostras de engenho, paciencia, persistencia e vivaci- dade, isso
envolve necessariamente o exercfcio da disciplina — a canalizagao das energias — e
fomece conhecimentos. Se a crianga concretiza o seu instinto e fabrica a caixa, ha
bastas oportunidades de adquirir disciplina e perseveranga, de apren- der a
ultrapassar os obstaculos por meio do esfor^o, bem como de assimilar imensa
informa^ao.
Da mesma forma, indubitavelmente, a crian^a pequena que manifesta vontade de
cozinhar nao faz a mais pequena ideia do que isso significa ou custa, ou do que isso
exige. Feito isto, estavam prepara- das para empreender o estudo da albumina
como elemento ca- ractenstico dos alimentos de origem animal, correspondente ao
amido nos vegetais, e estavam prontas a analisar as condigoes necessarias ao
tratamento adequado dessa substancia — usando os ovos como material para as
experiencias.
A primeira experiencia consistiu em aquecer agua a diversas temperaturas,
fazendo-a atingir o ponto em que comega suces- sivamente a escaldar, a borbulhar
e a ferver em cachao, e averi- guar o efeito dos varios niveis de temperatura sobre
a clara do ovo.

Ill

O DESPERDICIO NA EDUCAQAO

O primeiro capftulo abordou a escola nos seus aspectos so- ciais e os necessarios
reajustamentos que tem de ser feitos para a tomar eficaz nas actuais condi^oes
sociais. Claro que estes aspectos sao importantes, mas o principal desperdfcio diz
res- peito a vida humana, a vida das crian^as enquanto estao na es-cola e depois
disso, como resultado da sua prepara^ao inade- quada e pervertida.

Desta forma, quando falamos de organiza^ao nao estamos apenas a pensar em


aspectos extemos, tambem designados por «sistema escolar»: o quadro de
professores, o director, o ediff- cio, a contrata^ao e promogao de professores, etc.
Assim, ao falar da questao do desperdicio na educa^ao desejo chamar a vossa
aten^ao para o isolamento dos varios sectores do sistema escolar, para a falta de
unidade nos objectivos da educa^ao e pa¬ra a falta de coerencia nos seus estudos e
metodos.

Elaborei um quadro (Quadro I) que, enquanto falo dos isola- mentos do proprio
sistema escolar, pode ser visualmente atraen- te, ao mesmo tempo que poupa
algum tempo em explicates verbais. Um amigo meu que gosta de paradoxos
costuma dizer que nao ha nada tao obscuro como uma ilustra<jao, e e bem pos-
sivel que a tentativa de ilustrar a minha perspectiva se revele a prova da
veracidade desta afirma^ao.

Os blocos representam os varios elementos do sistema esco-lar e pretendem


indicar, de forma aproximada, o periodo de tempo concedido a cada sec^ao, bem
como as sobreposi^oes tanto em tempo como em assuntos estudados, das
diferentes partes do sistema. Nao estou com isto a dizer que seja actualmente uma
institui^ao medieval, mas tern as suas raizes na Idade Media e ainda nao
ultrapassou todas as tradi<joes medievais, no que con- ceme a aprendizagem.

IV

A PSICOLOGIA DA EDUCA^AO ELEMENTAR

E natural que a maioria do publico esteja interessada no que se passa dia a di a


numa escola pela sua rela^ao com as crian^as que nela se encontram. No es-
sencial, isto tambem se aplica aos visitantes de uma escola que reconhecem, em
varios graus, o que esU,de facto, a ser realiza- do com as crian^as que tern a sua
frente, mas que raramente tSm quer o interesse quer o tempo para tomar em
considera^ao o mo- do como o trabalho se articula com os problemas subjacentes.
Isto e, nela ha lugar para o estudo da mente tai como se manifesta e de- senvolve
na crian^a e para a procura de materials e procedi- mentos que pare^am mais
capazes de preencher e promover as condi?6es para o desenvolvimento normal.

Nao se trata de uma escola ou de um departamento de forma-mao de professores.


Tentar estudar os processos e leis do desenvolvimento sob condi^oes artificiais que
previnam muitos dos factos mais importantes da vida da crian^a de se po- derem
revelar, constitui uma absurdidade obvia.

Na sua vertente pratica, este laboratorio funciona segundo a constru^ao de um


programa de estudos que se harmonize com a histdria natural do desenvolvimento
da crianga no respeitante a capacidades e experiencia. A questao prende-se com a
selec^ao de tipos, variedades e propor^oes devidas de conteudos que res- pondam
mais definitivamente aos desejos e poderes dominantes de um dado periodo do
desenvolvimento e daquelas formas de apresentagao que farao com que os
materiais seleccionados im- primam vitalidade ao desenvolvimento. A ideia de
here- ditariedade tomou familiar a no^ao de que o equipamento do in- dividuo,
tanto ffsico como mental, e uma heran^a da especie: um capital herdado do
passado pelo indivfduo e que lhe e con- fiado para o futuro. ou seja, que ela se
desenvolve num ambiente que e tanto social como ffsico e que as necessidades e os
objectivos sociais foram mais fortes na sua moldagem, e a diferen?a fundamental
entre a selvajaria e a civiliza^ao nao se encontra na natureza nua com que cada
uma se depara, mas na hereditariedade e no meio social.

Estudos sobre a crianga vieram tambem mostrar que esta he- ranga socialmente
adquirida so opera no indivfduo sob a pre- sen^a de estfmulos sociais. Esquecia-se
de que para se tomarem parte integral da conduta e caracter da crian^a tern de
ser assimilados, nao como meros itens de infonna^ao, mas como partes organicas
das suas necessidades e objectivos pre- sentes, os quais, por seu lado, sao sociais.
OS PRINCIPIOS DA EDUCAQAO DE FROEBEL

Uma das histdrias que se conta da Escola Elementar da Uni- versidade de Chicago e
a de uma visi tante que, nos seus pri- meiros di as, pediu para ver o jardim infantil.
Quando a res- posta as suas questoes se mostrou afirmativa, ela fez notar, de uma
forma simultaneamente triunfante e indignada, que isso era o que ela entendia por
jardim infantil e que nao percebia o que e que se pretendia ao dizer que a escola
nao tinha jardim de in- fancia.

Falando ainda de uma forma gerai, os princfpios sao os se- guintes:

1. O de que a primeira tarefa da escola consiste em treinar as criangas numa


vivencia cooperativa e de ajuda mutua; e ajuda-las na pratica a fazer os
ajustamentos que transformarao este estado de espfrito em ac^oes concretas.

2. O de que a origem principal de toda a actividade educativa encontra-se nas


actividades e atitudes impulsivas e instintivas da crian^a e nao na apresenta^ao e
aplica?ao de material exter- no seja atraves das ideias dos outros, seja atravds dos
sentidos; assim, em concordancia, uma quantidade infindavel de activi¬dades
espontaneas das crian^as, actividades criativas, jogos, es- fbr^os mfmicos, e ate os
movimentos aparentemente sem signi- ficado dos bebes, exposi^oes antes
ignoradas por serem triviais, futeis ou ainda condenadas como pemiciosas, podem
ter uma utilidade educativa, constituem mesmo as pedras fundadoras do metodo
educacional.

3. O de que estas tendencias e actividades individuals sao or- ganizadas e


direccionadas para a sua utiliza^ao na manuten^ao da vida cooperativa ja referida;
Simbolismo

E importante que se recorde que muito do simbolismo de Froebel e o produto de


duas condiijoes peculiares da sua propria vida e do seu trabalho. Em primeiro
lugar, dado o conhecimen- to inadequado naquela altura sobre os factos e
principios fisio- logicos e psicologicos do desenvolvimento da crian<?a, ele foi varias
vezes forgado a recorrer a explicates artificiais e for?a- das sobre o valor atribuido
as actividades criativas, etc., Para um observador imparcial e obvio que muitas das
suas afirma- ^oes sao embara^osas e exageradas, apresentando argumentos
filosoficos abstractos para assuntos que poderiam agora ser al- vo de uma
formulaijao simples e comum.

Imaginaçâo e jogo

A menos que sejam, para a criança, tâo reais e definidas como sâo as ac¬tividades
dos adultos para eles proprios, o resultado inevitâvel e a artificialidade, quer esta
se traduza num esforço nervoso, nu¬ma excitaçâo ffsica e emocional ou no atrofiar
de capacidades.
Tern havido uma curiosa, quase irresponsâvel, tendencia no jardim infantil para
pressupor que, jâ que o valor da actividade reside naquilo que representa para a
criança, os materials utili- zados devam ser o mais artificiais possivel, devendo
afastar-se cautelosamente as crianças dos objectos e actos reais. Praticamente
tudo o que consegue disto e o seu proprio significado ffsico e sensitivo, e com
frequencia, um desembarago escorregadio face a frases e atitudes que ela
aprendeu e que o professor espera del a: sem, contudo, qualquer contrapartida
mental.

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