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A Idade Do Sonho
A Idade Do Sonho
TONIO CARVALHO
Um dia, uma criança quis ver o circo.
Lá chegando, perguntou:
— Não vamos entrar?
E alguém responde:
— Você não disse que queria ver o circo?
E voltaram para casa.
Este texto é dedicado às crianças que não entraram no circo e aos adultos que
não compreendem os sonhos...
Personagens:
ANA
ANTONIO BOCA
BERNARDO
ELVIRA
PALHAÇO
AMÉLIA
CAMÉLIA
ALGUMAS OBSERVAÇÕES:
QUANTO AO CENÁRIO:
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QUANTO AOS OBJETOS:
Alguns objetos de cena talvez sejam necessários para melhor definir os dois
espaços, mas preferimos não indicá-los, deixando a critério de um processo
autônomo de criação. Indica-se apenas a necessidade de uma mesa tipo
penteadeira de camarim com espelho e gambiarra para a ação do Palhaço, e
também por servir em determinados momentos como anteparo para alguns efeitos
de bonecos.
CENA I
CANTO DO PALHAÇO
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CENA II
CENA III
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ANTONIO BOCA — Olha... você não viu nada! Foi tudo imaginação sua!
ANA MANJERICÃO — Sai pra lá com essa mão encardida! Passa pra cá o
meu retrato!
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ANTONIO BOCA — Ah, você tem gosto de coisa que a gente se lambuza...
jabuticaba, mel, paçoca!
ANA MANJERICÃO — Fica feliz também, meu Boca! Roubei uma garrafa
de vinho!
À força do tempo
nada lhe resiste.
Tudo tem um fim,
só o amor
persiste!
CENA IV
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ELVIRA — Mas que coisa! Só vive dormindo!
ELVIRA — As suas tias! (Ameaça sair mas Ana a impede.) (Às coxias.) Já
vou!
ELVIRA — Se você rezasse todas as noites, não ficava tendo desses sonhos!
ANA — Boca, porque tinha um dente de ouro na boca! Brilhava como o sol!
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E um brinco também... um brinco de ouro na orelha!
ELVIRA — Ih! É uma coisa que dá na goela! Que sobe, que desce! A gente
padece!
CENA V
(Ana volta a pegar sua caixa de música, dá-lhe corda, a música volta a tocar
e ela começa a dançar em volta da caixa, como se fosse a própria bailarina da
caixa. A música e a dança vão num crescendo. O vento abre a janela com força,
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que volta a existir como caixa de bonecos, onde aparecem dois bonecos que
fazem serenata para Ana. Um deles é Antonio Boca, já conhecido, e o outro é
Bernardo, um cantador apaixonado.)
Moreninha, se eu te pedisse,
de modo que ninguém visse,
de modo que ninguém visse,
um beijo, tu me negavas?
Moreninha, se eu te pedisse,
de modo que ninguém visse,
um beijo, tu me negavas?
Ou davas, ou davas?
SERENATA DE BERNARDO
Moreninha, se eu visse o mundo
da janela dos teus olhos,
da janela dos teus olhos
o mundo seria um doce.
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CENA VI
CAMÉLIA — Dá no mesmo!
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CAMÉLIA — (Dando outro cascudo em Ana) — Presente do verbo
obedecer!
CAMÉLIA — Eu obedeço?!
ANA — São catorze; três vez sete, vinte e um... tenho sete namorados mas
não gosto de nenhum!
ANA — Deus?
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CAMÉLIA — Coisas do tinhoso!
AMÉLIA — Castigo!
CAMÉLIA — Castigo!
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CAMÉLIA — E antes de dormir, rezar, rezar, rezar!
CENA VII
(Mal humorada, Ana começa a escrever e a falar em voz alta o que está
escrevendo: Não devo sonhar, não devo sonhar, não devo sonhar... A luz volta a
iluminar a penteadeira do Palhaço no proscênio e por detrás dela surge
novamente o boneco Bernardo. O boneco canta mas Ana inicialmente não se dá
conta.)
CONTO DE BERNARDO
Amor é prata
ou ouro em pó.
Às vezes lua
outras é sol.
O meu amor
que é feito a lua
é minha sina
viver tão só.
CENA VIII
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ANA — (Ao Palhaço) — Você não é Elvira!
ANA — (Assustada.) — É?
PALHAÇO — De nós?
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CENA IX
(Neste instante a janela não tem função de caixa de bonecos. É apenas uma
janela e através dela aparece o rosto de Elvira.)
ANA — Ainda bem que você voltou! Eu vi! Ele me chamou... ele me
perguntou: — Ana, você quer ser a minha Ana Manjericão? (Esquecendo que está
falando com Elvira.) Será que eu sonhei? Eu estava dançando e tudo começou a
girar, girar... (Ana gira pela cena a relembrar. Neste momento, Elvira pula a
janela e está vestida de cigana. Simultaneamente, o Palhaço entra pelo proscênio
e começa a transformar a cena, que passa a assemelhar-se à cena inicial do
espetáculo com Ana Manjericão e Antônio Boca na caixa de bonecos.)
ANA — Quero!
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transformam em Ana Manjericão.)
ELVIRA — Bem que elas podiam cair dentro da panela do feijão! (Elvira se
retira.)
CENA X
ANA MANJERICÃO —
Olha a salsa, a cebolinha!
(Insinuante.) Manjericão, pimenta, erva daninha!
Olha a canela, a malagueta,
louro e cravo de rainha!
ANA MANJERICÃO — Fica feliz também, meu Boca! Roubei uma garrafa
de vinho! (Os atores dançam ao som de um canto cigano tocado e cantado pelo
Palhaço e seu bonecão. A cena reproduz os mesmos movimentos finais da Cena
III que se passava na caixa de bonecos. Os dois bebem e adormecem ao som do
violino. A luz cai em resistência sobre os dois.)
PALHAÇO E SEU BONECÃO
À força do tempo
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nada lhe resiste,
Tudo tem um fim,
só o amor persiste!
CENA XI
ANA MANJERICÃO — Não confia nele, Boca... Olhos verdes são traição!
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ANTONIO BOCA — Bernardo nunca me traiu!
ANTONIO BOCA — O que te segura, então? Vai dizer à polícia onde nós
estamos!
ANTONIO BOCA — Pois é, quem manda aqui sou eu! (A Bernardo.) O que
eles alegam, Bernardo?
ANA MANJERICÃO — Elvira não tem nada a ver com isso! Quem tem a
ver é Antonio!
ANA MANJERICÃO — Acho bom! Mas não pensa que vai escapar de mim
não, porque não vai! (Sai.)
CENA XII
BERNARDO — É verdade!
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ANTONIO BOCA — O quê que é verdade?
BERNARDO — Ambas as coisas! (Nervoso.) Não sei o quê que você quer
com Ana!
ANTONIO BOCA — Minha paixão dura pouco mas é feito fogo em brasa!
ANTONIO BOCA — Você se queixa demais! É por isso que elas não te
querem!
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ANTONIO BOCA — (Puxando uma faca.) — Diz isso de novo!
Vive fugindo do amor! (Os dois simulam uma luta/dança cigana de facas.
No calor da luta, entra Elvira, apavorada, correndo.)
ELVIRA — Antonio! Bernardo! Parem com isso! Parem com isso! A polícia
está atrás de nós! (Os dois param, medindo-se.)
ELVIRA — Eu não estou interessada nisso! Temos que salvar a pele! Vocês
não têm vergonha na cara?
BERNARDO — Está tudo errado! Antonio quer Ana apenas por algumas
horas e eu a quero para sempre!
ELVIRA — Isso não existe! Me dêem essas facas! (Ela recebe as facas.)
Isso! Agora estendam as mãos! Estão vendo a ponta dessas facas? Elas juntam as
duas partes como as duas metades de uma mesma medalha! Elas iam tirar o
sangue para o mal e agora vão tirar para o bem! (Elvira dá um pique na ponta do
dedo de Antonio e de Bernardo e os junta num pacto de irmãos.)
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Bernardo, repita comigo:
Antonio, por detrás te vejo em cruz; e por mim, Bernardo, o sol e a luz.
BERNARDO — Prometo!
ANTONIO BOCA — Então eu vou falar com Ana! Você não se importa?
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CENA XIII
ELVIRA — Ele foi se encontrar com ela... Ela gosta dele e você gosta dela...
Antonio você sabe como ele é! (Assusta-se com o que vê.) Isso pode pôr tudo a
perder! Antônio está dando o brinco dele para Ana! Antonio não pode ficar sem o
seu brinco! Do contrário, perde a força! Todos os ciganos sofrerão com isso! É
você, Bernardo, quem tem que nos salvar! A polícia, Bernardo, as tias, estão atrás!
Não sei... não vejo muito bem... areia da grossa... areia da fina... areia da grossa...
areia da fina... areia da grossa... (Cai a luz em resistência na cena sobre Elvira e
Bernardo e sobe em resistência na janela/caixa de bonecos.)
CENA XIV
ANA — Por que você não deixa de ser cigano e casa comigo?
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ANA — É lindo! Mas é seu!
CENA XV
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AMÉLIA — O que faz você aí na janela?
AMÉLIA — Em ordem!
AMÉLIA — De um pé!
CAMÉLIA — Ao outro!
CAMÉLIA — À outra!
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CAMÉLIA — Fugir? Mas essa é boa! Você ficou louca?
ANA — Com Antonio Boca, um cigano! E este brinco era dele! Agora é
meu!
ANA — Pois então vai atrás de mim também... eu sempre quis fugir com os
ciganos! (De alguma forma, sem que Ana o perceba, roubam-lhe o brinco de ouro
que Antonio Boca lhe dera.)
CAMÉLIA — Eu juro por tudo de mais sagrado que você não vai com ele
coisa nenhuma!
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(A luz sobe em resistência na cena e vê-se Bernardo. Esta cena toda é um
diálogo entre o ator e a boneca.)
BERNARDO — Antonio não pode ficar sem o brinco dele! Devolve, Ana!
Eu vim buscar! (Ana constata que está sem o brinco que Antonio Boca lhe dera.)
ANA — Isso não é verdade! Isso tudo é ciúme seu! (Bernardo e Ana
assustam-se com risos estridentes e coachar de sapos.)
CENA XVII
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AMÉLIA — Ah, ah... você deve ser o tal Antonio Boca!
AMÉLIA — Pois então nos diga onde está esse tal de Antonio Boca que nós
o deixamos livre!
AMÉLIA — Areia da grossa... areia da fina. Ana cigana vai virar lagartixa.
CAMÉLIA — Hi, hi, hi... areia da grossa, areia da fina faz lagartixa daquela
menina.
CAMÉLIA — Pra que que você quer o brinco? Ele não é seu. (Riem.)
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BERNARDO — Assim eu terei tudo o que ele tem!
AS TIAS — (Juntas, morrendo de rir.) — Ah, ah, ah, essa é muito boa!
CENA XVIII
(As Tias bruxas ameaçam Antonio, rodopiam à sua volta e prendem-no com
cordas.)
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CAMÉLIA — Encantador, você não acha Amélia?
CAMÉLIA — Tudo por causa de um brinco, não é Amélia? (As duas riem
estridentemente sem parar.)
AS TIAS — (Juntas.)
Pelo sim e pelo não
pelo cheiro do feijão
lugar de peixe é rede
e de rato é caldeirão!
(Repetem várias vezes até que Antonio, escondido na platéia, coloque uma
máscara de rato e um rabo comprido no traseiro.)
CAMÉLIA — Que bonitinho que ficou, ah, ah, ah! (Elas soltam as cordas de
Antonio e começam a brincar com o seu rabo pela cena num jogo maldito.)
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AMÉLIA — Quero ter o prazer de colocar na sua orelha! (Assim que elas
colocam o brinco na orelha de Bernardo, ele consegue se desvencilhar das
cordas.)
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CENA XIX
CENA XX
ANA — É verdade?
PALHAÇO — É verdade!
PALHAÇO — Não... esse brinco sempre foi dele... Não pode ser de mais
ninguém!
ANA — E a polícia?
PALHAÇO — Estava atrás deles por causa da fuga de uma menina! Mas o
compromisso que eles têm entre eles é mais forte que isso!
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ANA — Compromisso?
PALHAÇO — Você sabe... o seu coração sabe... e, olhe, eu trouxe uma carta
para você!
ANA (Boneca.) — Ana, Ana, eu tenho medo! Eu tô tão triste! (Ana- atriz se
dirige até a janela, pega a boneca Ana no colo, beija-a, acaricia-a.)
ANA (Atriz.) — Não tenha medo... eu vou cuidar para que você não tenha
medo!
ELVIRA — Ana, Ana, onde você está? (Dirigindo-se à boneca Ana enquanto
fala.) Ah, Ana, vamos para dentro! Está esfriando! Não são horas de você estar na
rua! (Ana-atriz entrega a boneca Ana para Elvira que sai de cena. Ana fica só.)
CENA XXI
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a bailarina da caixa.)
CENA XXII
A terra é linda,
é flor menina, (BIS)
é Colombina
sempre a girar.
BIBLIOGRAFIA:
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Commedia dell’arte e sobre os sonhos, a saber:
DISCOGRAFIA:
LP — Discos Marcus Pereira — Região Centro-Oeste — Moreninha se eu te
pedisse — Domínio Popular.
LP — Gipsy — Música Cigana Maravilhosa — Desmond Bradiey.
LP — Falso Brilhante — Elis Regina — Tema: Fascinação
LP — Luzes da Ribalta — Charles Chaplin
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