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COMUNICAÇÃO
Primeira parte – Comunicação Pública
ÍNDICE
Índice .............................................................................................................................................. 1
Públicos e Individualidade.......................................................................................................... 13
Interesse Público.................................................................................................................... 16
Processo de Reprodução........................................................................................................ 20
Influência da Família Burguesa nas Categorias do Público e Privado do Ponto de Vista Material
.............................................................................................................................................. 22
Privado .................................................................................................................................. 23
Público................................................................................................................................... 24
Conclusão .................................................................................................................................. 24
Ética e Moral.......................................................................................................................... 25
Publicidade ................................................................................................................................ 32
Crítica ........................................................................................................................................ 33
Debate....................................................................................................................................... 34
Institucionalização do Debate .............................................................................................. 34
Eixo da Igualdade.................................................................................................................. 39
Como é que tudo isto se repercute ao nível do espaço público? Isto é, como é que tudo
isto reflete a mudança estrutural do espaço público?......................................................... 47
Desenraizamento ................................................................................................................. 48
Semelhanças ......................................................................................................................... 49
Diferenças ............................................................................................................................. 49
Substituição da Base Comunicacional da Opinião Pública por uma Base Técnica .................... 62
Vamos tratar uma série de assuntos conexos à Comunicação Pública. O primeiro deles é os Públicos,
teremos também os Espaços Públicos e a Opinião Pública – assuntos diretamente ligados à
Comunicação Pública.
O Espaço Público é uma entidade abstrata que se concretiza de múltiplas maneiras. Este pode ser
uma conferência aberta onde se discute um determinado assunto, pode ser também qualquer
discussão cultural disponibilizada a um público, assim como, qualquer discussão política. É formado
a partir de múltiplas realidades concretas, que são, por excelência, os públicos. Em cada espaço
concreto que constitui um espaço público, está presente um público concreto, por outras palavras,
pessoas que se reúnem enquanto público para a apreciação de determinado assunto. A existência
de cada espaço público está, necessariamente, dependente da constituição de um público.
1. Sincrónica – uma certa atenção ao percurso dos públicos na história. Isto é, a formação dos
públicos modernos e a forma como estes se afirmaram e, ainda, como estes públicos se
constituíram como uma forma de sociabilidade de referência. Quando hoje falamos de
públicos, percecionamos imediatamente como algo que é importante e intrínseco à nossa
sociedade, ou seja, tornou-se estruturante.
2. Diacrónica – os públicos hoje, o papel que detém enquanto base de sustentação da
comunicação pública. Os públicos serão a forma mais elementar sobre a qual tudo o resto
se pode construir, apesar de existirem outros conceitos que fundamentam o conceito de
Comunicação Pública. Trata-se, assim, de uma base da base. A perspetiva diacrónica não é
histórica, mas, implica sim, um corte temporal. Nesta, o que é importante é aquilo em que
consistem hoje. Um espaço público, hoje, precisa de um público atuante no momento e não
no passado, claro.
Quando Gabriel Tarde fala dos públicos como forma de sociabilidade ele procura perceber o que é
os públicos trazem de novo às relações sociais, nas suas diferentes formas. Os públicos, segundo
Tarde, vêm trazer uma novidade, eles são um fenómeno, por excelência, da modernidade,
remetendo ao final do século XVII e início do século XVIII.
As originalidades são marcas de modernidade social, são uma forma como essa modernidade se
expressa no tipo de relações que as pessoas estabelecem umas com as outras. Isto manifesta-se de
duas formas: (1) dispersão física e (2) simbolismo dos públicos.
A dispersão física não era permitida pelas multidões das sociedades tradicionais. As relações que
nestas se estabeleciam impossibilitavam a ausência. A dispersão física é, assim, característica da
modernidade e evidente nos públicos. Um exemplo disso é o público de um filme ou de um jornal,
como exemplifica Gabriel Tarde, que não tem de se concentrar num só espaço físico. Esta é uma das
originalidades trazidas pelos públicos.
A segunda originalidade é o caracter simbólico dos públicos. Há algum tipo de coesão espiritual que
une aqueles que constituem um determinado público. As formas de sociabilidade tradicionais, como
as multidões, familiares, vizinhança, etc, não revelam uma espiritualidade, isto é, não revelam a
mesma intencionalidade, ato de vontade ou interesse que está presente nos públicos. Há algum
elemento de ordem simbólica que faz com que aquelas pessoas estejam reunidas, no caso dos
públicos. As multidões têm, geralmente, um caracter furtuito, as pessoas juntam-se
espontaneamente. No caso das relações familiares não se opta pelo local onde se nasce, tal como
nas religiões. Assim, neste tipo de relações sociais não há um carácter simbólico. À família e à religião
estava tradicionalmente associada uma obrigatoriedade. [O que aconteceu, com o passar do tempo,
foi uma adaptação às sociedades modernas, os públicos penetraram as formas de sociabilidade
tradicional, elas moldaram-se à modernidade, para nela persistirem.]
Este caracter simbólico é materializado por alguma razão de ser que corresponde ao elemento
diferenciador de cada público.
O que potenciou isto foram os meios de comunicação, a sua invenção e desenvolvimento. A imprensa
foi o grande primeiro marco. A própria bíblia foi um marco nesta transformação. Durante o século
XX, o desenvolvimento de diferentes meios de comunicação veio multiplicar aquilo que a imprensa
permitiu, possibilitando a constituição de mais, e mais amplos públicos. Gabriel Tarde fala, também,
do comboio e do telégrafo, pelo facto de agilizarem o processo de transporte e de acesso à
informação.
Estes foram importantes para a projeção dos públicos, que se tornaram o padrão das relações das
sociedades modernas. Relações que não estão circunscritas a um espaço físico.
As invenções tecnológicas foram decisivas para projetarem os públicos como a referência. Esta
afirmação tem duas dimensões.
Isto cresceu em primeiro lugar de um ponto de vista físico, os públicos nasceram no meio urbano e
só puderam afirmar-se como referência quando deixaram de ser um fenómeno exclusivamente
urbano, quando se disseminam por outros espaços. Isto aconteceu quando os jornais passaram a
poder estar em todo o território.
Os públicos são para além de um fenómeno urbano, um fenómeno tipicamente burguês, estão
ligados a uma certa dinâmica de ascensão desta classe. Foi, portanto, necessário superar, ainda, essa
barreira. Por outras palavras, quando falamos de uma afirmação do público, falamos também da
necessidade de extrapolar a classe burguesa.
Sem estes dois movimentos, o de expansão física e de expansão social, não podemos compreender
esta expansão e projeção dos públicos como a referência da modernidade.
PÚBLICOS E MODERNIDADE
Esta é uma relação substancial, um aspeto decisivo. É em função desta relação que os públicos são
particularmente úteis para que percebamos outras coisas.
Mais do que a contiguidade temporal existente entre os públicos e a modernidade, a relação entre
ambos é bastante profunda. Os públicos e a modernidade constituem-se mutuamente, isto é, têm
um papel para a constituição recíproca. A modernidade cria as condições para constituição dos
públicos e partir do momento em que estes se começam a afirmar, passam a ter um grande papel
na afirmação da modernidade e na sua caracterização.
O carácter simbólico dos públicos pressupõe motivações mentais, as coisas não são por acaso, isto é
aquilo que os distingue de outras formas de sociabilidade. Isto é muito moderno, no sentido do apelo
à reflexão e à afirmação individual. Nas sociedades tradicionais encontramos relações muito
desenvolvidas face a constrangimentos, como no caso da religião ou da família. Quer num caso quer
no outro não há escolha ou capacidade de juízo próprio, não há apelo a uma motivação mental para
concretização destas relações. Esta é uma diferença que permitiu o surgimento dos públicos.
Só foi possível o surgimento deste tipo de relações num determinado espaço social. A partir do
momento em que estas se afirmam, tornam-se em responsáveis pelo agudizar e aprofundar das
sociedades modernas.
Os Públicos são, segundo Gabriel Tarde, formas de sociabilidade com afinidades seletivas,
constituídas na base de uma ação voluntária, são formas de sociabilidade mais homogéneas e mais
duradouras.
[No entanto, esta última característica pode causar uma certa hesitação, porque no caso da comparação com as
multidões facilmente compreendemos que os público são relações mais duradouras, que encontram formas de se
conservarem, enquanto que as multidões são efémeras. Logicamente, que se compararmos com determinadas
formas de sociabilidade tradicionais isto já não será tão evidente, dado que poderão ser, também, bastante
duradouras.]
Estas são características que se associam diretamente aos públicos e que refletem a relação do
público com a modernidade vai para além da contiguidade temporal. Estas são também
características que derivam das duas grandes originalidades dos públicos, mencionadas
anteriormente, a dispersão física e o simbolismo.
Todas as formas de sociabilidade têm a si inerente uma certa performatividade social. A questão que
se coloca é o que distingue a performatividade dos públicos de outras formas de sociabilidade.
Segundo Tarde esta, nos públicos, é mais potente, isto é, tem uma maior capacidade de afetar.
Os públicos de um ponto de vista axiológico são, de acordo com Tarde, uma forma de sociabilidade
superior, por outras palavras, a diferença dos públicos com outras formas é uma diferença que marca
uma superioridade.
Os dois aspetos que o autor identifica para sustentar esta diferença são a tolerância e o ceticismo
(características de ordem mais espiritual).
A tolerância é a tolerância própria que não exige a fidelidade e exclusividade. A tolerância dos
públicos contrasta com o princípio contrário, intolerância, característico das sociedades tradicionais.
O ceticismo é algo que caracteriza o espírito dos públicos e diz respeito a uma abertura ao
questionamento. O ceticismo é um ponto de partida que é de abertura ao outro. Este é expresso da
forma mais elementar da disponibilidade do próprio sujeito para o questionamento. Não há
condições para um público perdurar quando para este se entra com uma atitude dogmática.
Estas duas características revelam este lado substancial da relação com a modernidade.
Para perceber os públicos como atores sociais, é importante distinguir dois planos desta
performatividade:
A performatividade dos públicos é uma característica importante dos mesmos, mas não é uma
condição necessária. Isto porque, só reunidas determinadas condições os públicos podem emergir
como atores sociais. A performatividade é uma característica importante dos públicos, mas não é
uma condição necessária. Os públicos não têm de ser atores sociais, eles só se constituem como tal
em determinadas circunstâncias, ou seja, quanto se encontram reunidas uma serie de condições.
EXCITABILIDADE INTELECTUAL
A abordagem de Tarde desagua precisamente no termo excitabilidade intelectual. Apenas quando
os públicos atingem um grau mais elevado da mesma se constituem ou podem constituir-se como
atores sociais. Hoje, há uma leitura do ator que enfatiza a importância do pensamento
comunicacional dele e nos permite chegar a uma determinada interpretação que não está no texto
original.
O que chama à atenção de Tarde é o facto de esta performatividade ter um âmbito social e ser, por
isso, uma ação social com características singulares, nomeadamente:
− ação reflexiva – pensada, não é impulsiva, envolve uma certa racionalidade, não fazendo
dos públicos impreterivelmente racionais, claro
− orientada – tem um propósito, não é ao acaso
− calculada – faz esse jogo do cálculo dos meios para atingir os fins, como se consegue mais
facilmente um determinado objetivo
− persistente – não desvanece por encontrar um só obstáculo.
Na conjugação destes atributos conseguimos perceber que estamos perante uma ação social
singular, assim como poderosa. Os públicos, por causa destas características, têm poder. Estas são
características, no entanto, genéricas, que concretamente podem atuar de diferentes maneiras. O
seu poder, o seu carácter incisivo faz desta ação uma ação extremamente poderosa.
Quando os públicos atingem esta possibilidade atingem, também, um estádio superior. O patamar
mais elevado é, portanto, o de atores sociais, isto é, a capacidade de atuar na sociedade com estas
características. Isto é o máximo que os públicos podem aspirar enquanto atores sociais. Atingido este
patamar os públicos revelam as características que mais o singularizam.
(1) a primeira é ontogenética – uma forma de sociabilidade que se transforma num ator
social, que se adequa mais facilmente a estádios mais adultos, contrariamente às
multidões que mais facilmente atuam sobre as camadas mais jovens. Esta é uma marca
ligada ao desenvolvimento do sujeito.
(2) A segunda marca é filogenética – forma de sociabilidade que apenas os estádios mais
avançados das sociedades humanas permitem ver nascer – só as sociedades mais
desenvolvidas têm a capacidade de constituir públicos, assim, os públicos tornam-se
indicadores de desenvolvimento. Antes das sociedades modernas não existiam as
condições necessárias para o surgimento dos públicos. Na lógica do desenvolvimento da
sociedade ocidental, as sociedades modernas não são apenas sociedades diferentes, são
também sociedades mais desenvolvidas.
Sendo os públicos o conjunto de pessoas que estabelecem relações entre si, o carácter
comunicacional é fundamental, dado que para manter essas relação socias é necessária a
comunicação, são portanto relações sociais que se estabelecem com base na comunicação. Na
verdade, relações sociais são necessariamente relações comunicacionais.
Existem diferentes planos de existência dos públicos, dado que os públicos podem ser mais ativos ou
mais contemplativos, isto é, que nunca atingiram nem atingirão o estádio de ator social. No entanto,
em todos os estados possíveis de públicos, estará presente a comunicação.
Nota: esta será uma interpretação do texto de Tarde que vai um pouco para além daquilo que está no seu
texto explicitado.
A simbolicidade inerente aos públicos é a condição necessária – não há público sem qualquer fator
simbólico a juntar aquelas pessoas que se reúnem e constituem como um público. A simbolicidade
não é mística, envolve, na verdade, comunicação. É a visibilidade de um elemento simbólico que
desperta as pessoas e motiva a sua aproximação em virtude desse mesmo elemento. O elemento
simbólico constituinte do público tem de ter uma forma comunicacional, senão não conseguirá
tornar-se relevante. Este é um registo básico, porque é o que permite tornar algo apreensível ao ser
humano, seja um tema, um gosto, etc, estes têm de ser comunicáveis, apreensíveis. Não há forma
de pensar a constituição de um público sem esta componente.
Se por qualquer motivo desaparece o caracter comunicacional, o próprio público, mais cedo ou mais
tarde, deixará de existir.
Troca regular de comunicação é uma condição não só da constituição, mas também da existência
dos públicos.
O consenso, figura mais forte do entendimento, supõe unanimidade, uma vinculação convicta de
todos relativamente a uma determinada ideia. Isto quer dizer, que aquela opinião passou incólume
à já mencionada prova (apesar de poder, posteriormente, já que aquilo que hoje é um consenso
pode ser posto em causa noutro momento). Existem também outras formas de entendimento não
tão exigentes como o consenso, como compromissos ou acordos, e todas estas exigem a passagem
por uma prova de validade.
A comunicação aparece em todos estes momentos dos públicos e revela características diferentes
entre todos eles. Tudo isto é uma interpretação alternativa à ideia de excitabilidade intelectual. Os
públicos constituem-se como atores sociais quando conseguem alguma forma de entendimento
substancial em relação a um assunto, é isto que os permite agir. A possibilidade de sucesso que um
público tem enquanto ator social resulta da convergência entre a dimensão e o seu grau de
entendimento.
Apesar de tudo, até este momento não pensamos na comunicação de outra forma que não a partir da
dimensão e organização interna dos públicos, portanto, não falamos ainda em comunicação pública,
apesar de estarmos bastante perto.
A figura do entendimento seja ele da forma mais fraca ou mais forte constitui a opinião do público,
já que passou o tal teste e se tornou a opinião vinculativa.
Públicos e Individualidade
A individualidade é uma questão, segundo Tarde, importante para a constituição dos públicos, assim
como para aquilo que abordaremos futuramente.
Todas as formas de sociabilidade representam necessariamente algo de forma coletiva, todas elas
têm este carácter.
O que distingue os públicos das formas de sociabilidade do passado é o facto de eles promoverem a
individualidade dos seus membros ou participantes. Por outro lado, as formas de sociabilidade
tradicionais anulavam ou eliminavam esta individualidade própria. A individualidade é uma condição
da participação dos públicos, porque estes são formas de sociabilidade de carácter voluntário – ato
próprio de cada individuo no que diz respeito a relações sociais –, ao contrário das tradicionais que
são de caracter coercivo ou furtuito.
Sem este ato de vontade individual, nada acontece. A individualidade dos públicos é também uma
condição necessária do normal funcionamento do público. Isto porque, este se alimenta das opiniões
que são, também elas, resultado da disponibilidade individual de cada um dos seus membros de se
envolver. Esta é uma condição de existência dos públicos. Mesmo no terceiro estádio do carácter
comunicacional a individualidade é uma condição necessária, dado que a argumentação depende da
capacidade e vontade que temos de sujeitar as opiniões e argumentos à validação. Ninguém pode,
em nome dos membros dos públicos, debater e validar ou não argumentos.
Nos diversos patamares da dinâmica dos públicos, podemos verificar que os públicos, sendo uma
forma de sociabilidade coletiva, valorizam incessantemente a individualidade. Esta dupla
característica irá servir como uma espécie de formulação prototípica das sociedades modernas no
seu conjunto. Nas sociedades modernas, esta dupla dimensão ficará expressa na dicotomia público
– privado, considerando que estas são categorias constituintes das sociedades modernas, que num
certo sentido se opõem, se dividem, mas são categorias que ao mesmo tempo são muito importantes
na dinâmica das nossas sociedades. Dicotomia que perpassa as sociedades, assim como em todas as
entidades que vamos abordar ao entrar no âmbito da comunicação pública. Os públicos vivem entre
esse espaço de liberdade individual sempre condicionado a uma dinâmica coletiva, são opiniões que
vão para além do domínio do singular. Isto pressupõe, logicamente, uma tensão.
Público e Massa
Nota: tópico que está um pouco à margem do texto de Gabriel Tarde.
Vamos recorrer ao conceito de massa, de modo a melhor compreender o conceito de comunicação pública.
Público e massa são duas formas de sociabilidade. Não há no texto de Tarde um pensamento sobre
este conceito, embora haja algumas referências a este termo, também pelo facto de este apenas se
ter consolidado mais tarde. Assim como os públicos, a massa é uma forma de sociabilidade, um
fenómeno da modernidade, mas de uma modernidade mais tardia, não sendo possível antes da
década de 1950 concetualizá-la, mesmo que tenha começado a desenvolver-se no século XIX.
Portanto, quando surge no texto de Gabriel Tarde, não pode ser excessivamente confiável.
Embora o texto pareça indiciar que público e massa são coisas parecidas, eles não podem ser
considerados duas formas de sociabilidade idênticas, apenas por serem ambas da modernidade. A
massa é um fenómeno de sociabilidade de um estádio de desenvolvimento mais avançada da
modernidade. Outra semelhança é o facto de ambos serem fenómenos caracterizados pela dispersão
física, as massas para se constituírem não necessitam de contacto ou proximidade física, nem sequer
interconhecimento.
Apesar destas semelhanças, a massa é uma forma de sociabilidade radicalmente distinta dos
públicos, em virtude:
Assim, a massa é uma forma de sociabilidade moderna recupera muitas das características
tipicamente associadas às sociedades tradicionais.
Poderemos, portanto, falar de uma comunicação publica de públicos e uma comunicação pública de
massas, sendo que a segunda é mais próxima da contemporaneidade.
Os públicos, a partir de determinado momento, crescem nestes dois sentidos deixando de ser uma
novidade, para se tornarem uma referência, deixa de ser exclusiva a um grupo social ou espaço.
Assim, podemos pensar na possibilidade de constituir, a partir dos públicos, uma entidade superior,
que podemos designar de espaço público. O espaço público moderno não cresce na Europa ao
mesmo tempo, claro. Estas diferentes dinâmicas dependem da força da expansão dos públicos, são
estes que permitem a formação e desenvolvimento dos espaços públicos. Daí a sua força não ser
igual.
O espaço publico é num certo sentido uma espécie de público dos públicos, na medida em que assim
os públicos se multiplicam a ideia de espaço público começa a emergir. Não há um espaço público
sem esta dinâmica dos públicos. Os públicos são a base, como já tínhamos visto anteriormente. O
elemento distintivo neste ponto da vida social é o público. Contudo, esta não é a condição única.
Uma está diretamente relacionada com esta ideia do público dos públicos, uma ideia claramente
abstrata. No entanto, isso não implica que este não seja importante. O espaço público dá-se a ver de
múltiplas formas e nuns momentos é mais ativo que noutros.
INTERESSE PÚBLICO
No entanto, não podemos esquecer que este ‘levar e trazer’ tem limites. Coisas que sejam muito
singulares de um determinado público não serão possíveis de ser transportadas nem sequer
compreendidas por outros públicos.
Isto só se torna operacional quando desperta interesse. Isto leva-nos à ideia de problemas de
interesse público. Isto progressivamente vai querer dizer que se trata de temas que dizem respeito
a todos, que não são exclusivas a um só público. Esta conceção de interesse geral será extremamente
importante para a constituição do espaço público, já que dizem respeito a interesses que são
transversais aos vários públicos.
Juntando estas três condições, podemos dar o passo e a partir de agora situar-nos num terreno que
é o do espaço público.
Estas categorias tem uma existência anterior às sociedades modernas, estas vêm trazer algo de novo
a essas mesmas categorias, apesar da matriz ser bastante mais antiga que a modernidade.
O público e o privado são a base da organização destas sociedades em termos políticos. Na Grécia
Antiga, as sociedades, as cidades gregas estão organizadas em torno destas categorias na medida
em que têm uma experiência física e concreta aqui.
Estas cidades têm verdadeiramente um espaço público – a ágora – a praça, o centro daquelas
sociedades, o local mais importante, pois é o espaço de reunião dos cidadãos para que estes possam
discutir sobre os problemas das sociedades.
O oikos, por outro lado, remete-nos para a vida privada, esta é a casa individual onde o que lá se
confina diz respeito a alguém que é o oikos desputa - o chefe de família. O oikos e a ágora são dois
espaços física e simbolicamente separados.
O problema de um mesmo indivíduo poder frequentar os dois é resolvido pela designação e poder
que a este é atribuído em cada um dos espaços. Em casa, o indivíduo é o desputa e na praça pública
esse mesmo indivíduo já é designado por cidadão.
O espaço público é o espaço do poder – neste caso do coletivo, dos cidadãos – liberdade e política.
Por outro lado, o oikos é o espaço da economia, da necessidade e subordinação à natureza – vida e
da morte, reprodução – e de dominação – aquilo que o desputa exerce não é poder, mas sim
subordinação.
A vida pública e privada, na Antiguidade Clássica, caracterizam-se por serem categorias definidas
tendo por base antagonismos.
Numa fase mais tardia das sociedades tradicionais, o espaço público é um espaço anexo ao estado
aristocrático.
Nas sociedades tradicionais, o conceito de liberdade é algo inconcebível e, nas sociedades clássicas,
a liberdade é concebido como algo de coletivo.
Hoje, temos uma concessão de liberdade muito diferente da da Antiguidade Clássica. A noção de
liberdade mais ligada ao indivíduo é património da modernidade. Pela primeira vez, na cultura
ocidental, é construída uma ideia de liberdade relacionada com o indivíduo, sujeito. Este sentido
original de liberdade nos públicos é traduzida pela liberdade individual de cada um pertencer aos
públicos que bem entender e de dentro deles expor o seu pensamento, ajuizar e criticar as outras
opiniões.
Este conceito original de liberdade é também solidário com as mudanças que acontecem a nível
económico nas sociedades modernas, é, portanto, todo um outro registo de liberdade individual.
Esta alteração no sentido de liberdade é decisiva para arrumar de outra maneira as categorias do
público e do privado. Esta vai permitir concebê-las como categorias que definem domínios distintos
da existência, esferas de vida separadas – revisitando a Antiguidade Clássica neste ponto. No
entanto, com uma ligação entre si – diferença face as sociedades clássicas –, agora não é necessária
uma administração de papéis sociais muito distintos para que estes não se cruzem, esbatem-se os
antagonismos. Há uma diferenciação, mas não um antagonismo, estabelecem-se, assim, relações de
mediação num duplo sentido. Isto é, do privado para o público e do público para o privado.
Os públicos são eles próprios uma forma de articulação entre o público e o privado. Nesta forma de
mediação é valorizada a liberdade individual do indivíduo no seu interior, mas são também os
indivíduos que permitem que o público se desenvolva. Por outras palavras, cada um funciona
procurando, de alguma forma, auxiliar o outro.
Aqui temos uma requalificação do público e do privado fora das categorias do poder. Não que o
poder não faça parte do domínio público, o que acontece é que se concebe um novo público, um
público dos indivíduos. Paralelamente, existem dois tipos de públicos, o publico no sentido
tradicional que concentra em si o poder e o público que parte do privado.
O espaço público deixa, portanto, de ser um espaço de poder, mas sim um espaço do público
constituído por indivíduos.
Habermas distingue no espaço público moderno em duas formações diferentes: espaço público
literário – literário no sentido de espaço público cultural – e um espaço público político.
Num primeiro momento, o espaço público moderno surge como um espaço público cultural e
posteriormente político. Este é portanto um espaço público maturado.
Esta dinâmica é uma dinâmica que tem de ser vista a partir da dinâmica do privado, isto é, dinâmica
que inicialmente surge como esfera da intimidade, mas que se torna mais lata, quando falamos do
ponto de vista económico, por exemplo. Nas sociedades modernas, começa a reconstruir-se o
privado numa esfera mais restrita, para se tornar mais lata. Aquilo que aconteceu no espaço público
é uma réplica do que aconteceu no espaço privado. Isto ilustra a mediação do público e do privado
e uma certa antecedência do privado sobre o público.
Hoje, fala-se imenso da globalização. Esta surge como um fenómeno económico capitalista, uma
certa forma de desenvolvimento da economia capitalista. A partir de determinado momento, deixou
de se pensar na globalização como algo simplesmente económico, para se falar, também, numa
globalização da política, por exemplo. Neste caso, já não falamos de dimensões do domínio
exclusivamente privado. A partir de um determinado momento passou a falar-se num espaço público
transnacional, global. Este é um segundo exemplo que revela como as dinâmicas do público e do
privado não estão separadas e que nos deixa perceber como existe uma alavanca do privado para o
desenvolvimento do espaço público.
É dentro das mudanças que o novo modelo familiar que se verificarão mudanças na sociedade no
seu todo. Dentro do seio familiar podemos ver a forma como o público e o privado operacionalizam.
Todas estas mudanças acontecem num ambiente social, estão diretamente ligadas a um ambiente
social.
Três alterações/aspeto sociológico que foram fundamentais para este espaço social foram:
(1) O grande desenvolvimento do comércio – economia mercantil – esta beneficia muito destas
mudanças, quando começa a ver-se a si própria como uma atividade privada
(2) Alteração na estrutura das sociedades – ascensão e afirmação da burguesia. Na
interpretação de Habermas, isto é instrumental àquela classe social, primeiramente em
termos económicos, depois culturais e por fim políticos, tornando-se a classe dominante
(3) Novo modelo familiar – muitas vezes designado por família burguesa, uma família nuclear,
família que tem no casal e filhos a sua estrutura central.
Surge a designação família burguesa, porque é um modelo familiar que surge associada a este grupo
social, que é basicamente, ainda hoje, o nosso modelo.
PROCESSO DE REPRODUÇÃO
Em função destas mudanças de carácter mais morfológico, surgem outras alterações na forma de
vida das pessoas que constituem a família, que decorre de um conjunto de processos.
Reprodução material
A reprodução material envolve uma grande multiplicidade de aspetos que, como o próprio nome
indica, têm a ver com condições materiais da vida, das quais todos nós dependemos, como a
alimentação, a reprodução física. Isto é, as condições materiais necessárias para a continuidade de
cada sociedade.
De todos estes aspetos materiais, os mais importantes são aqueles que envolvem a encomia de uma
sociedade. As condições materiais são salvaguardadas através da economia. Uma sociedade tem de
cuidar desta reprodução para a sua própria sobrevivência. Isto envolve uma certa organização, não
algo que acontece de forma natural, como as primeiras comunidades recolectoras, nas quais a
relação era diretamente com a natureza em função da supressão de necessidades básicas. Esta
organização é, hoje, muito mais sofisticada.
Reprodução imaterial
As sociedades humanas para garantirem a sua continuidade não precisam apenas de salvaguardar
estas condições. É necessária, também, uma reprodução simbólica, ou seja, uma reprodução de tudo
aquilo que é cultural. As sociedades também se diferenciam umas das outras pela sua identidade,
pelos seus aspetos culturais, como os seus valores, normas, etc. Quando falamos em reprodução
simbólica falamos em tudo o que está relacionado como uma organização cultural. Isto está
relacionado com a outra reprodução, pois uma sociedade que não consiga preservar as suas
características culturais eventualmente morrerá, será assimilada.
PORQUÊ A FAMÍLIA?
As sociedades para garantirem estes dois tipos de processos têm de se organizar. Dentro das
sociedades são criadas instituições com responsabilidades específicas na sua manutenção. Por
exemplo, a criação de empresas deve-se à crença dessa ser uma das formas mais práticas de
satisfazer necessidades da reprodução material. A religião, por seu lado, constitui uma instituição
responsável pela manutenção de normas, valores, isto é, pela reprodução simbólica.
A família é outra destas instituições e está ligada a ambos os estes processos. Qual o papel que a
família burguesa teve nestes processos? A família burguesa foi extremamente importante para a
reconfiguração moderna das categorias do público e do privado.
Como é que a família nuclear – família mais pequena, muito centrada numa figura de autoridade
bem definida, o dito chefe de família – passa a ter intervenção em cada um destes domínios? O que
acontece na esfera da reprodução material, no sentido das questões que estão implicadas, é
diferente da reprodução simbólica, mas na sua base há semelhanças.
Nota: vamos centrar-nos no papel que a família nuclear teve na economia e na cultura
Embora falemos de coisas diferentes, há uma lógica comum ao que acontece nos dois domínios que
está relacionada com a organização do Público e do Privado.
Tudo isto muda a partir do momento em que temos uma economia mercantil, o capitalismo surge
posteriormente. A economia mercantil é a transformação que permitiu a economia capitalista. A
troca, na economia mercantil, é o instrumento fundamental. Esta troca já não é feita com o intuito
de suprir necessidades de autossubsistência, mas sim num sentido de criação de riqueza.
A história da burguesia é a de uma classe que se empenha nesta transformação económica e nesta
ascensão em virtude da riqueza. Dá-se uma racionalização dos processos económicos. A economia
deixa de ser feita em virtude daquilo que passaria de geração em geração, no sentido do
conhecimento que é transmitido, e passa a exigir inovação. Desta forma, torna-se mais capaz de
responder de uma forma mais eficaz à reprodução material das sociedades, na medida em que
proporciona condições materiais mais favoráveis à sua existência.
Na economia tradicional, o mercado é aquela coisa residual que serve para efetuar as trocas
necessárias, na economia mercantil esta entidade – mercado – passa a ser abstrata. Se por um lado,
continuamos a ter um mercado de bens (1), isto é, um mercado onde se trocam bens, a troca, neste
sentido, já envolve instrumentos monetários e em volta disto surge um novo mercado, o mercado
financeiro (2). Tudo isto é uma estruturação de mercado que passa para os dias de hoje. Um terceiro
mercado que surge neste âmbito é o mercado laboral (3). Esta institucionalização do conceito de
mercado deriva da tal racionalização dos processo materiais.
INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA BURGUESA NAS CATEGORIAS DO PÚBLICO E
PRIVADO DO PONTO DE VISTA MATERIAL
Revisão O que que há de original nas organizações do Público e do Privado na
modernidade é o facto de estas voltarem a estar separadas, revisitando a
Antiguidade Clássica, mas mutuamente implicadas. Há uma mediação entre
estas categorias, que não existia na Grécia e Roma Antigas.
Privado
Esta dinâmica de desenvolvimento económico é uma dinâmica muito alavancada do Privado, no
sentido de partir da livre iniciativa das famílias, dos burgueses, daqueles que efetivamente
realizavam as trocas. Esta é uma atividade privada não só neste sentido, como também no sentido
dos resultados. O objetivo da atividade económica desenvolvida pelas famílias é o lucro, que as vai
beneficiar a si mesmas, enquanto agentes económicos. O impulso original desta mudança está muito
centrado no privado. É isto que resgata a categoria do Privado. Este já não é exclusivo de poder –
burguesia não é uma classe de poder, é na verdade, uma classe de contrapoder. Por parte dos
agentes económicos há uma ambição de um benefício próprio.
Nota: não esquecer que a base de tudo isto são as famílias, é a vida familiar que é o próprio contexto
destas atividades económicas
Público
A questão do privado é facilmente compreendida. Aquilo que está mais oculto é o Público, nesta
dinâmica económica onde é que está o público? Podemos reconhecer uma dimensão pública
sobreposta à privada, em pelo menos dois aspetos.
A lógica da economia mercantil sendo muito ligada à atividade privada, transcende os agentes
particulares, dado que tem implicações mais vastas. Uma noção de riqueza que não se reduz à
obtenção de lucro individual, mas que se traduz num bem coletivo começa a ser desenvolvida. Este
é visível, por exemplo, numa melhoria das condições de vida das sociedades.
O sucesso deste modelo está precisamente aqui. Esta é uma dimensão mais de ordem económica
que renova as categorias do Público e do Privado, como algo distinto, mas não separado. A noção de
riqueza – algo ‘público’ – está dependente do lucro – algo ‘privado’. Isto envolve interesses,
claramente.
A categoria do Público define-se de forma ambígua. Esta é por referência a categoria do poder e isso
não desaparece. Na leitura da contestação que a burguesia desenvolve em relação ao Estado,
reconhece-se a figura do mesmo e não se coloca em causa o seu lugar. Aquilo que fica no Estado é o
Público no ponto de vista do poder. No entanto, este já não é único e passa a conviver com um
Público que pretende adquirir o mesmo poder, o mesmo lugar – público da sociedade civil. A ideia
da sociedade civil é o início da ascensão da burguesia enquanto classe capaz de dialogar com o Estado
e ‘partilhar’ o poder, não só de um ponto de vista económico, como político.
Na vida da família nuclear, está impregnada a individualidade. Há toda uma reconfiguração daquilo
que é a cultura moderna para uma cultura individual, intimista. O Privado aqui é exacerbado, pois se
lhe forem facultados meios, qualquer um pode adquirir a tal individualidade. A própria educação é
uma forma de cada um se constituir um ‘eu’ individual.
PÚBLICO
Como é que nesta deriva tão individualista coexiste a figura do Público, na perspetiva
de que passamos a ter um Público e um Privado relacionados entre si? Onde está o
entrelaçamento do público com esta produção forte do privado?
Arquitetura
A questão da casa, da arquitetura – questão tangível, visível – oferece-nos a primeira materialização
daquilo que é o Público associado à família burguesa.
Se o quarto é por excelência o espaço do Privado e tudo o resto é comum à família, o salão burguês
não é só o espaço onde a família se reúne, mas também o espaço dos convidados, o espaço onde a
família burguesa se abre à sociedade. Este é um espaço comum, no sentido em que congrega toda a
família, mas se abre à sociedade.
Isto evidencia a forma como as categorias do Público e do Privado surgem na sociedade moderna. É
proporcionada uma formação individual que permite uma apresentação enquanto figura pública.
Estas categorias vão, posteriormente, organizar toda a sociedade. O Público do salão é um público
que a partir de determinado momento se vai colocar na mesma posição do público da corte – centro
da vida cultural das sociedades tradicionais. O espaço dos salões das diversas casas burguesas
passará a disputar esse espaço da cultura, não virada para a representação do poder, mas para a
valorização da individualidade. O espaço do salão passa a ser o espaço de exposição e apreciação da
arte e não de adoração da mesma, como era o caso dos espaços de cultura das sociedades
tradicionais.
Esta apropriação da cultura e da arte é ela própria sintomática daquilo que é a categoria do Público,
que já não é autoridade, mas uma representação dos interesses da sociedade. O salão burguês vem
recentrar a cultura na cidade, que tinha sido afastada pela corte, que se tinha deslocado para zonas
mais rurais. O Público volta a ser o público da cidade.
Tudo isto é uma disputa envolta na cultura. Poder afirmar-se como uma classe culta, permitir-lhe-ia
ascender a uma classe com influência, não só económica, como política. Depois do reconhecimento
económico e cultural, faltaria o reconhecimento político. Ascender a uma sociedade civil que não se
vê capaz não só de organizar a atividade económica, mas também a vida política.
Conclusão
É no âmbito da família que grande parte destes processos de reprodução são assegurados – não o
único meio, claro –, a família passa a ter um papel muito importante nestes processos. É neste modo
diferente de assegurar a reprodução material e simbólica que o Público e Privado emergem como
categorias da organização da sociedade renovadas, na modernidade.
FUNÇÃO POLÍTICA E DIMENSÃO ÉTICO-MORAL DO
ESPAÇO PÚBLICO – AULA 6 (2 DE MARÇO)
− Breve introdução (sobre Ética e Moral)
− Função política do espaço público (e questão da legitimidade)
− Uma primeira ambiguidade do espaço público moderno
− Questões públicas (e do público) no quadro de pensamento iluminista
J. H ABERMAS , C AP . III
O objetivo deste tópico é tentar perceber como é que a envolvência política se construiu. O objetivo
é também de ver em mais profundidade. É neste capítulo onde está a grande discussão das questões
políticas associadas à comunicação pública.
Há várias possibilidades para fazer esta ligação entre público e política. Uma primeira forma leva-nos
novamente a Gabriel Tarde. No pensamento deste autor, perpassa uma ideia evolucionista, no que
diz respeito às formas de sociabilidade. Os públicos são uma forma de sociabilidade superior. Como
todos os evolucionismos esta é uma questão polémica.
ÉTICA E MORAL
Isto levanta a questão acerca do que é Ética e Moral. Estas podem ser encaradas de um ponto de
vista filosófico, no entanto não é propriamente esse que aqui nos interessa, mas sim Ética e Moral
enquanto axiologia. A axiologia tem a ver com o ordenamento da sociedade e, neste caso, tem a ver
com as normas e valores sociais.
A Ética está mais associada aos valores e com uma dimensão mais individual, no sentido em que cada
um de nós tem certos valores. E, nesse aspeto, aquilo que nos diferencia são os valores individuais,
aquilo em que acreditamos e que consideramos importante na nossa vida.
Quando falamos em Moral falamos não só disto, mas em algo mais. A Moral envolve qualquer coisa
que tem de ser partilhada, tem um carácter coletivo, sendo influenciada pelos valores, ela tem a ver
sobretudo com as normas e regras. Ou seja, com aquilo que, de alguma forma, nós, como coletivo,
regulamos a sociedade. A parte mais visível desta Moral deve estar espelhada no Direito. É suposto
que as leis obedeçam à Moral. Por outras palavras, aquilo que está consagrado nas leis deve ser
aquilo que está consagrado nas leis morais. No entanto, não podemos esquecer as regras informais
da vida coletiva, que também contam do ponto de vista moral e que não estão necessariamente
consagradas em leis.
PERSPETIVA DE HABERMAS
Numa boa interpretação de uma certa ideia de evolução, reconhecemos que os públicos são uma
forma de sociabilidade construída nesta base ético-moral.
Podemos encontrar categorias do próprio Habermas para diferenciar os vários momentos ou formas
de um Espaço Público. Desta forma, a interpretação que Habermas dá é, também ela, evolucionista.
Habermas refere-se a um amadurecimento do Espaço Público moderno.
O envolvimento das pessoas na vida pública começou por um envolvimento nas questões da cultura
e apenas, posteriormente, da política. Este é o espaço público plenamente desenvolvido. Isto porque
é em função desta referência de um espaço público posicionada nas questões políticas e que põe em
marcha uma comunicação pública orientada para os assuntos públicos que vai marcar a história
destas instâncias nos séculos seguintes até aos dias de hoje. Foi isto que construiu a evidência de
que o espaço público, assim como a comunicação pública, são claramente políticas.
Ver política no espaço público é algo que todos fazemos, mas ver ética e moral no espaço público já
não está acessível a todos. O reconhecimento desta dimensão exige um olhar muito mais cuidado e
a capacidade de a identificar sob diferentes formas. A forma mais simples, mas talvez mais
improvável, diz respeito ao reconhecimento direto da importância desta dimensão na discussão
política, isto é, a ética e moral serem de forma clara trazidas para o espaço público político. A
discussão acerca da eutanásia é um exemplo desta forma mais simples. Aqui vemos a presença da
ética e da moral na construção de normas. Esta discussão é rara, estes são exemplos difíceis de
encontrar. Apesar de à primeira vista estas questões raramente serem colocadas desta forma clara,
a ética e a moral não deixam de estar presentes.
Normalmente, nessas situações em que não surgem de forma clara, a ética e a moral evidenciam-se
sob a forma de crítica, em situações em que a dimensão ético-moral não é seguida e, por isso mesmo,
é deixado espaço à crítica. Um exemplo disso é o caso do Brexit, mais precisamente o referendo que
esteve por detrás do mesmo. Este é um exemplo onde não há uma discussão pública centrada na
dimensão ético-moral, mas hoje, na reflexão de todo este processo esta surge, precisamente, nesta
dimensão autorreflexiva. Na ausência, a dimensão ético-moral está quer na autorreflexão que leva
à crítica, mas também na origem. Esta reflexão é tanto individual como coletiva, porque, por um
lado, parte do indivíduo, mas, por outro, pretende ter implicações no coletivo.
SOCIEDADE CIVIL
Esta função política está intimamente ligada a uma sociedade civil. O contexto da conversa sobre
esta era, anteriormente, apenas económico. No entanto, a consciência de uma certa ligação entre
as famílias burguesas para criar boas condições para exercer as suas atividades, neste caso muito
económica, rapidamente, passam deste registo mais económico para um registo político. Regular a
atividade económica significa confrontar o Estado, que é em si um ato político. Se numa fase inicial
é pedir licenças entre outras coisas, facilmente passa para outro tipo de exigências.
Sociedade civil está intrinsecamente relacionada com a ideia de autorregulação que rapidamente
passa para um sentido social mais lato. A definição de critérios gerais de ordenamento da vida social
está, digamos, à responsabilidade desta sociedade civil. Estes critérios devem obedecer a princípios
morais que, neste caso, vinculam a sociedade no seu conjunto. Por outras palavras, aquilo que as
pessoas daquela sociedade consideram crucial para a ordenação da si mesma.
Para todos os efeitos, esta é uma moral laica com uma grande influência religiosa, que não é tanto
católica, mas da Reforma.
QUESTÃO DA LEGITIMIDADE
A moral não é imposta, mas sim construída em coletivo. Esta encontrará a sua operacionalização
prática na questão da legitimidade.
A função política vem constituir-se como a instância da legitimidade das sociedades modernas, onde
se faz a avaliação ético-moral da política. Quando por qualquer motivo não reconhecemos esta
legitimidade, uma lei ou a ação dos atores políticos é contestada e deve ser corrigida. Perceber se
este comportamento, proposta, lei obedece à ética e moral é um jogo de forças.
É importante frisar que “o espaço público não governa”, porém os governantes do espaço público
devem obediência ao mesmo. Isto é, não deve ser o espaço a governar, mas a vida política deve
ordenar-se segundo os critérios da legitimidade e quem tem a capacidade de fazer esse juízo é o
espaço público. Apenas o espaço público tem o poder ou credibilidade para resolver controvérsias
que possam surgir.
A função política é a de juízo da legitimidade do espaço público. Esta é operada numa atitude de
vigilância sobre a governação. A sociedade tem de estar atenta – questão do controlo e da vigilância.
Claro que há diferentes variáveis que podem condicionar a operacionalização da função pública do
espaço público. Por vezes, esta funciona melhor, noutras funciona pior. Estas variáveis podem ter a
ver com o próprio espaço público, como a sua robustez, mas também pode ter a ver com o outro
lado, com o Estado. Este é um jogo de forças que difere de caso para caso.
Vigiar a atividade dos governantes é muito mais espaço público e comunicação pública que sistema
político.
Se à época foi uma rutura, estes são princípios que são, hoje, reconhecíveis. Este foi um programa
de desenvolvimento das sociedades modernas que está, ainda hoje, em funcionamento.
Onde se origina essa ambiguidade? Porque é que hoje temos situações de comunicação pública onde
tudo parece estar bem e depois a situação inverte-se? Esta ambiguidade vem de fatores quer
externos como internos.
Isto começa como um movimento de contestação – caso francês é um exemplo brutal – em resultado
de uma resistência enorme às estruturas que estão instaladas, que gera episódios de violência. O
caso inglês, por outro lado, é bastante mais pacífico.
Se olharmos do ponto de vista dos movimentos sociais, estas transformações acontecem de forma
bastante rápida, partindo da tal contestação social. Num período relativamente curto, o público
adquire esta função política que implica, por sua vez uma função institucional. O lugar do espaço
público passa a estar previsto na constituição. A função política não é somente exercida pela
sociedade civil, como é reconhecida pelas instituições estatais. Este reconhecimento constitucional
traduz a vitória da sociedade civil.
Isto aconteceu tudo tão rápido, que nestes sociedades a determinada altura já não é possível traçar
linhas claras entre aquilo uma sociedade civil a exercer funções sobre o Estado e aquilo que é a
sociedade civil a exercer funções de governação.
A burguesia utilizou o espaço público durante todo este processo como alavanca para seguir o seu
trajeto que culmina no Estado burguês. Neste momento, torna-se difícil identificar uma linha de
separação entre o espaço público burguês e o Estado burguês, pois não se percebe se o primeiro
está lá para vigiar ou determinar a atuação do segundo. Por outras palavras, não se percebe se se
tratam de vigilâncias aos atos de governação ou atos de governação em si. Esta é a primeira
ambiguidade – separação do espaço público burguês e o estado burguês. Esta ambiguidade é,
portanto, muito centrada numa classe social.
O espaço público, pelo lado burguês, passa a ser uma parte interessada na governação e não
consegue, portanto, ter uma perspetiva imparcial sobre a legitimidade da atuação estatal.
Na medida em que a Revolução Francesa consagra a burguesia como a classe vitoriosa, rapidamente
esta toma o poder político.
Esta ambiguidade, que na história veio a ter e tem, hoje, outros protagonistas, nunca mais
abandonou as sociedades ocidentais. É por causa de ambiguidades deste tipo que a dimensão ético-
moral não surge de forma tão evidente nem subversiva.
Foram as pessoas privadas e anónimas que na sua atividade que levaram a estas mudanças e não
propriamente autores ou figuras em particular a ter um papel claro nas mesmas.
As mudanças das quais temos vindo a falar são efeito da atuação das pessoas anónimas, no seu dia
a dia, e de forma não necessariamente intencional. Aquilo que faremos hoje será abordar autores
que trabalharam conceitos e desenvolveram teorias que se revelaram fundamentais para uma certa
clarificação destas entidades. Kant surge, pois, nesta lógica do pensamento Iluminista. O contributo
do Iluminismo para a consolidação destas entidades e o papel de grande importância de Kant é aquilo
que abordaremos. Claro que há outros autores que deixaram o seu contributo, o do Kant é visto por
muitos o mais relevante, apesar de algo paradoxal. Kant deixa-nos ideias para perceber o papel
político destas entidades, mas sem ainda recorrer aos conceitos que hoje conhecemos e usamos, na
sua teoria não vemos os termos espaço público, opinião pública, etc. Do ponto de vista lexical, ainda
não se tinham sequer desenvolvido tais conceitos. Mesmo assim, Kant contribuiu em muito para
eles. A ideia de Kant veio a revelar-se muito mais contemporânea que as de autores que já
dispunham destes conceitos. Precisamente por isto, temos de ser nós a encontrar na linguagem de
Kant os nomes que ele usava para designar coisas para as quais ainda não existiam termos, pelo
menos não como os conhecemos hoje.
A ideia de uma plenitude de realização humana é um dos pilares do Iluminismo, existindo nele um
propósito político envolvente do Estado. Um projeto de plena realização do homem, pleno
aproveitamento daquilo que são as capacidades humanas para a sua realização futura, é o projeto
do Iluminismo. Este propõe-se a esclarecer o processo da ilustração como uma possibilidade para a
plena realização das capacidades humanas. É no contexto deste programa que surgem as
considerações relacionadas com o espaço público e é por isso que é, para nós, importante
enquadrarmo-nos nesta teoria.
No pensamento de Kant, o uso público da razão é o atributo superior da condição humana, isto é,
algo que muito radicalmente distingue o homem enquanto espécie. Na interpretação dele, esta é a
forma mais potente da razão, aquilo que nos pode conduzir à emancipação. É uma capacidade do
homem e, por isso mesmo, uma capacidade superior, pois permite esse programa de emancipação.
Aquilo que há aqui de novo, é o corte com outras conceções da razão que são muito mais interiores,
virada para si mesma, conceções naturalistas da razão, onde cada indíviduo é competente de um uso
próprio, privado da razão.
O uso público da razão opõe-se, necessariamente, ao uso privado da razão – razão muito fechada
sobre o próprio indivíduo. Esta nova razão exige um trabalho coletivo. Em termos políticos, o
resultado último deste uso público da razão é a emancipação, mas o seu caminho para tal é permitir
uma organização mais sistematizada dessa mesma vida coletiva.
A racionalização da existência não envolve apenas a dimensão da vida política, no entanto é esta que
nos interessa.
1. Ideia de uma política anti absolutista – algo que é extremamente controverso à época, tendo
em conta que este era o regime que prevalecia
2. Pacifismo – ideia de uma política que tem como objetivo a manutenção da paz, a condução
da vida política de acordo com estes princípios possibilitaria a paz perpétua.
3. Ideia de uma política republicana – fim das monarquias (princípio mais equívoco). Ao
contrário daquilo que Kant conseguia imaginar, as monarquias revelaram uma capacidade
de regeneração, elas próprias adotaram o regime iluminista, monarquias constitucionais
que se opunham em grande medida às monarquias tradicionais.
O uso público da razão pode ser entendido como uma comunicação pública, não há forma de
entender este conceito sem falar em comunicação pública. A única maneira que temos de pensar as
coisas de forma racional é a partir da comunicação.
Linguistic turn corresponde a uma viragem na qual se constitui pela primeira vez a linguagem como
um objeto de estudo. Uma coisa que sempre fez parte da experiência humana passa a ser alvo de
problematização. A linguistic turn é algo posterior a Kant, portanto, não há, neste, um pensamento
comunicacional. No entanto, isto não nos impede de encontrar referências à comunicação na sua
teoria. Kant coloca-se de certa forma na iminência da linguistic turn que viria a acontecer um século
mais tarde.
Na medida em que em Kant não há a perceção da comunicação como objeto de estudo, não é,
também, evidente a discussão do uso público da razão uma perspetiva comunicacional.
Apenas quando estamos em condições de aceder a um uso público da razão ela se revela na sua
plenitude. Na diferença entre uso privado e uso público da razão está precisamente a questão da
comunicação.
Comunicação pública lida à luz do uso público da razão é uma comunicação alargada sobre o que de
interesse geral acontece no espaço público. Isto é particularmente importante quando pensamos na
dimensão ético moral e política. Isto é, quando pensamos nas consequências políticas envolvidas
nestas mudanças. Mudanças essas que começaram por ser de teor quotidiano, mas que vão
ganhando escala e que, quando atingem o patamar de ter consequências de nível mais geral, se
tornam algo que deve ser enquadrado em teorias.
Kant vê esta vontade como resultado do uso público da razão, por outras palavras, não há maneira
de aceder à vontade coletiva se não utilizarmos a razão na perspetiva do uso público da razão. Esta
é uma conceção construtivista da vontade coletiva, já que esta é, necessariamente, contruída a partir
do uso público da razão. Isto não tem nada a ver com a interpretação tradicional de vontade geral
como vontade suprema, vontade superior que é imposta sobre nós.
Tanto Kant como Rosseau foram precursores da problematização da comunicação, mesmo que de
pontos de vista antagónicos. Se o primeiro diz que a vontade geral apenas se atinge a partir da
comunicação, o segundo rejeita precisamente esta. A interpretação de Kant, portanto, é única que
se revela importante para a compreensão da comunicação pública, já que as outras a concebem
como algo que parte da interioridade.
O esclarecimento, para Kant, nasce das diferenças e desacordos passíveis de serem discutidos.
Uma comunicação pública num espaço público tem como objetivo desenvolver uma opinião pública,
fazendo o paralelismo com Kant, esta seria a vontade coletiva – matérias sobre as quais o conjunto
das pessoas manifesta concordância.
Publicidade
O conceito de publicidade no léxico kantiano significa publicitação, ato de tornar público qualquer
coisa, uma ideia, uma opinião, uma pessoa. Por outras palavras, é o instrumento de mediação moral
da política. É na medida em que podemos publicitar as nossas ideias e opiniões, dar a conhecer o
nosso saber, que a política pode passar a ser vista como uma atividade moral. A possibilidade de
conformar a política às expectativas e à vontade daqueles à qual ela se destina. Quando a publicidade
é política, há automaticamente uma abertura desta a uma dimensão moral. Aqueles que
tradicionalmente eram meros destinatários das questões políticas, tornam-se capazes de intervir. A
dimensão moral da política é o que permite abrir a política às normas sociais. Isto é, a política como
um esforço de dar uma boa ordem à sociedade e não como a imposição de uma ordem à mesma.
O uso coletivo da publicidade implica um ato individual, desta forma, temos dois registos distintos
desta publicidade. O registo individual, porque está dependente da vontade de qualquer um de
publicitar, de um impulso individual, de valores individuais. Por outro lado, temos uma registo
coletivo, já que o propósito é tornar algo público.
Construir um discurso é em si um ato de racionalidade. Tendo em conta a subjetividade inerente à
vontade própria da qual advém o tornar público e a racionalidade, podemos ver a mediação moral
da política como um processo em aberto. Por outras palavras, a política passa a ser pensada numa
forma em que o seu carácter moral pode ser sempre aperfeiçoado. Este está ligado, precisamente,
à qualidade e densidade da publicidade. A política será tanto mais moral quanto maior for a
qualidade da publicidade que a serve, assim como quantidade. Se houver mais pessoas a publicitar,
a qualidade da publicidade será, também ela, superior. Esta consciência de que a publicidade pode
ser melhorada é tanto do ponto de vista da racionalidade, assim como da subjetividade. Na medida
em que estamos a melhorar a publicidade, melhoramos também a mediação moral da política.
Crítica
A crítica é outro instrumento essencial para a construção de uma vontade coletiva. Esta é, também,
uma prática comunicacional, até porque não pode ser vista de outro modo que não o da
comunicação, ela deve ser vista como solidária com a publicidade.
A sua função específica no uso público da razão é garantir a credibilidade do ideal iluminista. Isto
porque, o seu trabalho consiste em submeter os produtos da razão a um permanente juízo de
racionalidade dos enunciados. Os objetos da crítica são, por excelência, os atos de publicidade.
Quando se trata de um assunto público, o que é normal é que várias ideias e opiniões sejam
mobilizadas, e esta mobilização é materializada na publicidade. A crítica intervém para fazer a
triagem destas ideias e opiniões, através de um juízo de racionalidade. Do ponto de vista da
construção da vontade coletiva, isto é fundamental, dado que ela é atingida quando se passa por um
escrutínio da crítica.
Como é claro, isto vai para além da publicidade, ela só por si não permite isto, porque é demasiado
individual. A crítica, apesar de ser, também ela, um ato individual, tem a pretensão de criar um
entendimento. Se cada um fizer uma crítica no mesmo sentido em que publicita, nada se consegue
atingir, a crítica implica uma interiorização do outro. Habermas fala da crítica como o mecanismo de
controlo da validade dos enunciados produzidos. Nem tudo o que é publicitado vale a mesma coisa
e é a crítica que permite avaliá-los.
A forma primitiva da crítica é uma forma de comunicação que se generaliza nos espaços dos salões,
posteriormente, ela acaba por ter uma consagração institucional. A crítica deve ser um critério do
bom funcionamento da vida política parlamentar. O fim da censura, a limitação drástica das práticas
do segredo de estado e a parlamentarização da política refletem a consagração institucional da
crítica e o aumento das possibilidades quer da crítica como da publicidade. A critica é uma garantia
moral da justiça.
Debate
Falar de debate a propósito de Kant, no mesmo sentido em que falamos dos conceitos de Crítica e
Publicidade não é possível. Isto porque, ao contrário destes que estão abundantemente nos textos
de Kant, debate não surge nunca de forma explícita, apenas podemos subentender, induzir a sua
existência e importância. Para todos os efeitos, um esclarecimento sobre o uso público da razão não
pode deixar de fora o debate. Já que este é a forma prática mais direta da própria operacionalização
da publicidade e da crítica. É normal que a comunicação, na forma conversacional, seja mais de
carácter publicista ou crítico. A forma concreta disso é o debate que as pessoas estabelecem sobre
os assuntos que elas entendem como merecedores de publicidade e crítica, isto é, do interesse
público. Reconhecendo que não há um pensamento kantiano sobre o debate, ele está lá presente
nem que seja como a forma mais concreta de operacionalizar a publicidade e a crítica. Deste ponto
de vista, podemos dizer que o debate é a forma de existência normal dos públicos. A partir do
momento em que um público se constitui o que é normal é que este se mobilize à volta de debates
sobre os temas assuntos que foram o motivo da sua constituição.
INSTITUCIONALIZAÇÃO DO DEBATE
O debate pode ser, também, visto como algo que nasceu de forma algo tímida, isto é, no contexto
das proximidades que se estabelecem de forma espontânea na sociedade e que, posteriormente, se
consagrou como um princípio mais geral de organização da sociedade e do Estado. Isto faz com que
para nós o debate seja mais do que uma prática quotidiana, e seja algo com valor normativo na
sociedade. É a isto que podemos chamar de institucionalização do debate. Isto é normalmente
acompanhado por leis e regulamentos que confirmam a sua consagração institucional, como as
práticas que regulam os processos eleitorais, as práticas parlamentares. De uma forma ou de outra,
o debate está presente e em determinados momentos é mesmo exigível, não é uma prática
meramente quotidiana, mas sim axial das nossas sociedades. Na verdade, foi este uso quotidiano
que permitiu a tal institucionalização.
NESTE CAPÍTULO A RELAÇÃO COM O CONTEÚDO DE A ULA NÃO É TÃO DIRETA . NÃO HÁ NA OBRA UM CAPÍTULO
SISTEMATIZADO SOBRE A COMUNICAÇÃO . OS APONTAMENTOS SOBRE ESTE TÓPICO FORAM JÁ DEIXADOS PARA
TRÁS .
Este tópico surge como o culminar de um trajeto que já foi feito. Desta forma, é em grande parte
uma espécie de recuperar de matéria, mas também um ponta de lançamento. A partir daqui faremos
uma abordagem muito mais próxima da realidade contemporânea. A estrutura da comunicação
pública é um elemento de partida essencial para esse trabalho.
A publicidade, a crítica e o debate são os meios práticos para fazer o uso público da razão, ou seja,
da comunicação pública. A dimensão ético moral sustenta, a partir de determinado momento, uma
função política do espaço público que pressupõe uma alteração da vida política. Tudo isto permite
antever a estrutura pública da comunicação pública como um instrumento essencial. O instrumento
que permite dar sustentabilidade à função política do espaço público é a comunicação pública. Esta
é uma ética e moral com um recorte comunicacional, não como um corpo de regras impostas de
forma dogmática, mas institucionalizadas por aqueles que são interessados. A dimensão que está no
espaço público moderno é esta.
Sobre Comunicação e Espaço Público (um ponto de vista
geral)
Ao longo da história, é evidente uma relação permanente entre a ideia de espaço público e
comunicação. Mesmo nas formas primordiais do espaço público, a constituição deste conceito, tem
agregada a si a ideia de comunicação. O espaço público tem um carácter mutável, deste modo,
também a forma da comunicação pública se vai alterando ao longo do tempo. A forma que nos diz
mais respeito é a da comunicação pública moderna.
A comunicação pública moderna reconhece e recorre ainda à retórica, mas este não é o aspeto
central, como era na antiguidade clássica. Para nem falar de uma comunicação pública num contexto
tradicional, onde a comunicação adquire um sentido completamente diferente, sendo vista
principalmente do ponto de vista representacional, de ostentação.
Um outra diferença que podemos constatar, um outro critério que podemos definir tem a ver com a
força, sendo a comunicação algo invariante, esta não surge sempre com a mesma força. A
comunicação é tanto mais intensa quanto o espaço público assuma uma maior importância social.
Neste caso, o espaço público da antiguidade clássica é a política, um espaço público social e político
era importante e a comunicação valorizada. Nas sociedades tradicionais, temos uma espaço público
fraco, um apêndice da representação. A forma comunicacional da representação é uma comunicação
pouco exuberante que se limita a funções representacionais. Na sociedade moderna, temos
novamente um espaço público importante e, consequentemente, uma valorização da comunicação.
Não é qualquer forma de comunicação que é comunicação pública, apenas aquilo que cumpre
determinados requisitos pode ser considerado comunicação pública. A estrutura da comunicação
deve dar-nos os instrumentos para estabelecer as diferenças entre a comunicação pública de outras
épocas ou a comunicação não pública e a comunicação pública.
Nota: não esquecer que o nosso objetivo é ver a comunicação pública moderna como algo singular e
distinto de qualquer outro tipo de comunicação.
As ambivalências do espaço público moderno decorrem do seu próprio sucesso, pois, ele surge como
exterior ao poder e acaba por se institucionalizar como tal. Ao ponto de se tornar difícil discernir qual
a função política do espaço público, se é contrapor o poder do Estado, se é servir os interesses da
burguesia.
A ambivalência tem no seu amago essa ideia de constituição de uma espaço público burguês, que é
o sinal definitivo do reconhecimento da burguesia como classe social. A parte política, que era a única
que faltava a propósito da afirmação da burguesia, vem com o Estado Burguês, este é a consagração
política desta classe social e passa a servir os interesses da própria burguesia. Assim passa a existir
um Estado Burguês e um espaço público burguês, sendo difícil distinguir ambos, perceber o que é
Estado e o que é espaço público.
O conceito espaço público burguês pode ter dois sentidos, são estes que refletem a tal ambivalência
do espaço público e da comunicação pública. Um dos significados é mais pacífico e até
preponderante na utilização que o próprio Habermas faz, já que consiste em constatar o papel que
esta classe social teve na consagração do espaço público moderno. Torna-se, portanto, num espaço
onde um grupo social tem um grande papel em toda a sociedade, mas onde toda a sociedade tem
acesso, é um espaço público para o homem. No segundo sentido, espaço público burguês passa a ser
ideológico, é um espaço que se fecha a um determinado grupo social. Com a aquisição de um sentido
ideológico, contrariando o sentido ontológico com que surge, a universalidade que defende é
contrariada. A partir de determinado momento, este vai tornar-se num espaço frequentado apenas
por uma classe, a burguesia, deixando de ser um espaço destinado a todos, como se apresenta. Nesta
oscilação de sentido está a ambivalência da comunicação pública.
Apesar da distância temporal não ser assim tão significativa, pelo facto de corresponder a uma
mudança entre a economia mercantil e capitalista, a visão de Kant e de Hegel revelam-se bastante
distintas. O que o segundo tem no horizonte, ao contrário do primeiro, não é a passagem das
sociedades tradicionais para as modernas, mas sim o desenvolvimento das sociedades modernas.
Todos os problemas do Hegel são problemas criados já na modernidade (este é muitas vezes
considerado o primeiro autor a olhar para a própria modernidade). A autorreflexividade da
modernidade é algo que a partir daqui se torna bastante frequente.
Comunicação não era para Kant um problema, houvesse a condição de liberdade, tudo estaria
garantido. O uso público da razão seria capaz de levar ao entendimento.
A opinião pública, segundo Hegel, não é suficiente para construir algo de racional, por isso é melhor
afastarmo-nos dela, rejeitá-la.
O uso público da razão em termos comunicacionais significa publicidade, crítica e debate, esta foi a
conclusão a que chegamos. Por outras palavras, as práticas da comunicação pública são a
publicidade, a crítica e o debate.
O que Hegel nos diz, é que publicidade, crítica e debate não são suficientes para chegar ao
entendimento. Este é o primeiro a ver que numa sociedade onde o exercício da razão deveria originar
a algo positivo, um melhor ordenamento racional da vida coletiva, acontece precisamente o
contrário. Hegel depara-se com uma sociedade conturbada.
Estas palavras do Hegel significam que o uso público da razão tal como pensado até àquele momento
não garante a racionalidade do que decorre da publicidade, crítica e debate. Só com o linguistic turn
há uma resposta comunicacional para este problema. E essa resposta comunicacional vai trazer
novos elementos que supostamente vão responder ao problema e garantir a racionalidade da
opinião pública. Para que uma opinião pública possa afirmar-se como algo superior precisa de outros
elementos que não somente as práticas comunicacionais. Estes elementos são apenas identificados
muito posteriormente a Hegel e são designados por critérios ou princípios ideais da comunicação.
Comunicação pública precisa de práticas comunicacionais, mas também de outros critérios que vão
para além das práticas.
Podia dar-se o caso que as palavras do Hegel decorrem de uma falha nas próprias práticas
comunicacionais, mas não há evidências disso mesmo, não há evidências de um retrocesso da
publicidade, crítica e debate. Na verdade, a sociedade de Hegel é muito mais livre que a de Kant. É
precisamente isto que nos leva a dizer que o problema está em algo para além das práticas
comunicacionais. Os critérios ou princípios ideais da comunicação surgem, em consequência disto,
como o elemento corretivo das práticas comunicacionais que pode garantir a racionalidade. A
formulação do critérios seria o elemento que faltava, aquilo que, se juntando às práticas
comunicacionais, pode atribuir essa capacitação racional.
Estes critérios ou princípios ideais da comunicação são três e podem ser organizados em função de
dois valores axiais da sociedade moderna, a liberdade e a igualdade.
EIXO DA LIBERDADE
1. Abertura do espaço público a todos
Abertura do espaço público em termos de participantes, isto é, todos podem participar da discussão.
Por outras palavras, todos têm o mesmo direito à publicidade, crítica e debate.
EIXO DA IGUALDADE
3. Paridade Argumentativa
Na comunicação pública, a priori todos os interlocutores são iguais, as únicas diferenças admitidas
são as próprias diferenças em torno da dinâmica comunicacional. Qualquer outro tipo de diferenças
não deve ser relevante em situações comunicacionais. Há todo um conjunto de diferenças sociais
que, tanto quanto possível, devem ser suspensas aquando da comunicação pública, como o estatuto
ou o poder económico. Neste sentido, aquilo que deve contar é a capacidade em termos
comunicacionais.
Vamos, portanto, tentar perceber o que é que se ganha ao ter um conceito de comunicação e em
que medida os elementos que mobilizamos para definir uma estrutura comunicacional e o modo
como se conjugam as práticas e os critérios da comunicação nos dão qualquer coisa de importante
e de racional na compreensão da sociedade. O mais habitual é falar em termos de espaço público,
porque é aí que tudo se desenrola, mas falaremos numa mudança estrutural que envolverá todas as
entidades que temos vindo a abordar.
Quais os instrumentos e os meios? As práticas comunicacionais definidas por Kant são aquilo que
permite às pessoas fazerem um uso público da razão e se esclarecerem. Não pode deixar de ser a
isto que Hegel se refere, mas não há nenhum problema nestas práticas, não houve numa regressão,
porque o processo de desenvolvimento das sociedades é um processo consistente. Deste modo, não
é válida a hipótese de existir uma perturbação nas práticas comunicacionais.
O problema que Hegel coloca não é um problema de regressão das sociedades modernas, mas um
problema da própria modernidade. Isto permite-nos especular sobre o que poderia ser aquilo que
falta, o que é que ela precisaria de ter para garantir os seus propósitos. É em função deste exercício
especulativo que podemos chegar aos princípios ideais da comunicação. Isto significa aumentar o
grau de exigência no que diz respeito à comunicação pública. Já tinham sido estabilizadas a
publicidade, a crítica e do debate, assim é necessário que a comunicação tenha outros critérios.
Aquilo que com Hegel muda é o facto de as práticas comunicacionais serem consideradas
insuficientes. Numa situação comunicacional, no que diz respeito às práticas comunicacionais pode
não haver problema nenhum, mas ainda assim a opinião pública não ser capaz de cumprir a sua
função. Isto porque, pode dar-se o caso de ser reduzido o número de pessoas que participam e de
algumas delas estarem privilegiadas, não em função da força ilocutória dos seus enunciados, mas
pela força perlocutória. Podem também haver determinados dados que são deixados de fora no
momento de discussão. Numa situação em que quer as práticas comunicacionais como os critérios
de comunicação sejam, digamos, respeitados, os resultados serão, provavelmente, bastante
diferentes de uma situação em que não sejam. Basta um critério não estar presente ou estar
presente mas de forma ‘fraca’ para que os resultados dessa situação comunicacional serem
diferentes.
Estes critérios acabam, pois, por ser princípios de ordenamento das práticas comunicacionais. Estes
critérios determinam a dinâmica que as práticas têm. A estrutura da comunicação pública não é
somente uma adição de elementos, ela implica uma relação entre eles.
A comunicação pública real é aquela que está mais próxima ou mais afastada desta estrutura, sendo
certo e sabido que é impossível cumpri-la totalmente. Isso não existe, o que existe é a possibilidade
de nós, perante cada situação concreta, avaliarmos a proximidade à ‘estrutura ideal’. Com este
conceito de comunicação podemos partir para o terreno, olhar para as situações comunicacionais
concretas e formar esse tal juízo.
É preciso saber como estes elementos interagem uns com os outros e, ainda, a forma como surge
um novo instrumento operacional para avaliar as situações comunicacionais.
Do ceticismo à crise do espaço público (e comunicação
pública)
A citação de Hegel à qual recorremos anteriormente questiona a capacidade da modernidade de
produzir alguma coisa. Pela primeira vez, o pensamento moderno dobra-se sobre si mesmo, já não
tem no horizonte o passado, e passa a discutir-se a si mesmo, a sua própria produção moderna. Nesta
‘dobra sobre si mesmo’ sobressai um ceticismo, uma desconfiança em relação à modernidade e à
capacidade das sociedades modernas concretizarem e oferecerem algo de melhor para a existência,
como prometia no seu programa – o programa de uma sociedade mais justa. Esta é uma
modernidade que ao olhar-se ao espelho não gosta daquilo que vê. O brilhantismo de Hegel está no
facto de antecipar o desenvolvimento das sociedades modernas. Do ponto de vista da dinâmica das
sociedades modernas, o século XIX é um período de conturbação, a Primeira Guerra Mundial é, ela
própria, um resultado dos problemas do século anterior. Qualquer olhar para o século XIX e início do
século XX revela um período muito complicado das sociedades modernas e é isto que Hegel, de certa
forma, antevê. Como se este já visse alguns sinais dos problemas da modernidade. Ele percebe que
havia algo que começava a correr mal e as suas palavras traduzem uma incapacidade da opinião
pública. O desencanto de Hegel é, precisamente, com isso. Aquilo que as sociedades produziam não
era algo de melhor, quer em termos de conhecimento, como em termos políticos. Nesta constatação,
o que está evidente é a perceção de uma ambivalência da modernidade. Por um lado, ela idealiza
determinadas coisas, por outro lado, os meios de realização desse objetivo, e o que constata é uma
dissonância entre o projeto da modernidade e a capacidade de realização do mesmo.
Habermas constata uma ambivalência em relação ao espaço público, que decorre da existência de
dois projetos, o ontológico e o ideológico. O projeto ontológico é, precisamente, o projeto através
do qual a modernidade se apresenta, um projeto de universalidade. O projeto ideológico remete
para a afirmação de uma ideologia burguesa. Mesmo quando falamos num projeto ontológico não
deixamos de falar no papel que esta classe teve na consolidação do espaço público. Quando falamos
num projeto ideológico, estamos a equacionar uma dinâmica social em que os interesses próprios,
egoístas vão ganhando força.
Hegel entra num momento particular de conjunção destes dois projetos, o momento em que o
interesse de uma sociedade é o mesmo que o interesse próprio de um classe. À medida que a
sociedade moderna se desenvolve, a proximidade entre estes dois projetos é cada vez menor. Hegel
apercebe-se precisamente dessa divergência, decorrente de uma crescente supremacia do projeto
ideológico sobre o plano ontológico. A realidade concreta é cada vez mais a realidade que
corresponde a um projeto ideológico, isto é, à supremacia de um dado grupo que está a conseguir
impor à sociedade um leque de interesses que já não são generalizáveis, mas próprios a si mesmo.
A componente ideológica deixa de corresponder à vontade da sociedade.
Nota: Por conveniência, falamos de um projeto ideológico burguês e espaço público burguês e com isto
queremos designar uma restrição das entidades a uma determinado grupo. O paradoxo disto é a
incapacidade de identificar a própria ideia da burguesia como algo de homogéneo. Quando o projeto
ideológico se começa a sobrepor ao ontológico já não estamos sequer perante uma burguesia, mas sim
perante uma supremacia de determinados grupos da burguesia. A pequena burguesia do comércio,
serviços, artesãos era também vítima deste projeto ideológico dos estratos superiores da burguesia.
No desenvolvimento do século XIX, as palavras de Hegel tornam-se uma evidência aos olhos de
todos, sendo este um século caracterizado por inúmeras tensões sociais, agitações, conflitos.
Temos pela primeira vez um modernidade que entra em conturbação consigo mesma, uma disputa
interna, que vai desaguar e atingir as suas formas mais intensas na luta de classes. O grande conflito
que se abre entre a burguesia – classe que faz o seu percurso, primeiro de forma discreta, e
posteriormente mais ofensiva e que consegue definir-se como o grupo superior – e o proletariado –
uma classe que surge num regime, já ele, capitalista. Há um projeto ideológico que se vai sobrepondo
a um projeto ontológico que se torna evidente neste conflito entre burguesia e proletariado. Tudo
isto é, já, pautado pela ascensão de um sistema capitalista que é caracterizado pelas crises que gera
– algo que ao longo destes anos nunca conseguiu resolver. Aquilo que começa como uma espécie de
visão de Hegel torna-se claro no século XIX e vai crescendo ao longo do mesmo.
É quando estas entidades deixam de ser incontroversas e se tornam fator de disputa dentro da
própria sociedade que emerge uma crise do espaço público. As mesmas entidades que foram a arma
para avançar tornam-se o motivo de conflito. Este deixa de ser um problema filosófico, passa a ser
uma ‘ferida exposta’, isto é, um problema social que está colocado na estrutura social.
O diagnóstico pode ser evidente através desta ideia de comunicação pública em que, em vez de
conseguirmos uma razoável conjugação de práticas e critérios, o que encontramos é uma dissonância
destes elementos. Por outras palavras, práticas comunicacionais estão muito remotamente
ordenadas de acordo com os critérios comunicacionais, a realização da estrutura da comunicação
pública revela-se muito desequilibrada.
E quais são os problemas que advém deste desequilíbrio? Um acesso ao espaço público
condicionado, isto é, ao qual determinados setores da sociedade não chegam. Ou seja, um
incumprimento do critério de acessibilidade. Há setores sociais que não se sentem representados,
porque a sua própria representação não é permitida ou é muito difícil. Como é que, em termos
práticos, os públicos concretos se abrem às classes populares? Na própria constituição física dos
espaço público, há uma matriz burguesa que dificulta o acesso a todos. Os bloqueios colocam-se
desde logo no acesso físico. Além dos espaços físicos, a imprensa que funcionava como um outro
espaço público é financiada pela burguesia e, por isso, não se abre a outros grupos sociais. Estes são
obrigados a criar os seus próprios jornais, que vêm a ser designados por imprensa operária. É
evidente, ainda, que nestas condições não é tudo discutido. Se os próprios representantes não têm
liberdade de acesso é normal que nem tudo seja alvo de discussão. A paridade comunicacional é,
logicamente, desrespeitada.
Esta é uma expressão desta mudança estrutural, já que a própria situação comunicacional replica as
diferenças sociais. A comunicação pública que devia servir como meio de esclarecimento torna-se,
também ela, um foco de tensões.
Esta mudança, ao contrário daquelas das quais temos vindo a falar, é uma mudança que ocorre
dentro do espaço público moderno e abre as portas para um período mais contemporâneo. Esta é
uma ideia que, logicamente, se pode aplicar ao espaço público à opinião pública.
Esta mudança estrutural envolve muita complexidade, tem muitas dimensões. Não sendo possível
tratar esta mudança em todas as suas dimensões, trataremos aquilo que decorre de uma escolha de
insights que nos permitem tratar desta mudança de forma mais completa dentro do possível.
Recorremos ao termo refuncionalização do espaço público neste como uma espécie de sinónimo de
mudança estrutural, ou melhor, a própria mudança implica uma refuncionalização do espaço
público. E os media são um elemento essencial nesta mudança estrutural e têm um papel muito
relevante nesta. É verdade que os media já existiam, não são algo de novo no espaço público, no
entanto, é um conceito de media mais próximo daquele que hoje conhecemos. Se até agora,
falávamos mais em imprensa escrita, aqui já nos aproximamos da atualidade, referindo também
meios de comunicação como a televisão ou rádio.
Entre finais do século XIX e inícios do século XX, ocorre esta mudança estrutural, na medida em que
esta tem diversas dimensões e cujo ritmo difere de país para país, apesar de a harmonização ser
maior nesta altura do que aquando a configuração do espaço público. Enquanto que a história da
constituição do espaço público moderno é algo que se cinge à Europa, a mudança estrutural já ocorre
também à escala norte-americana. Foram, portanto, evidentes passos significativos naquilo que
designamos por globalização.
Nesta mudança estrutural, interessam-nos os aspetos que dizem respeito ao espaço público
moderno, isto é, o espaço público, mas também todas as instâncias do público associadas ao mesmo,
como a opinião pública e a comunicação pública. A mudança estrutural do espaço público moderno
é a conjugação das mudanças estruturais das várias dimensões da modernidade. Estas são entidades
que estão entre si interligadas e por isso não é possível falar na mudança numa delas sem falar das
outras, já que elas se afetam mutuamente.
Torna-se, portanto, bastante importante olhar para fora do espaço público, isto é, a mudança
estrutural do espaço público não pode ser abordada sem referir as mudanças estruturais da
modernidade, dada a interdependência existente entre todas. Numa sociologia geral, podemos falar
assim numa viragem das sociedades ocidentais entre finais do século XIX e início do século XX. E
estamos a falar de mudanças que têm efeitos na economia, na política e por aí em diante e aquilo
que ocorre no espaço público não é independente do que acontece nestas dimensões.
Esta agudização dos conflitos tem como primeiro palco a sociedade civil. Nesta altura o grande
problema das classes, a consolidação da burguesia de forma não homogénea e com diferenças
internas, a emergência do proletariado e o conflito tanto entre estas duas classes como dentro das
próprias são tudo reflexos desta agudização do espaço público.
Estes são os aspetos de ordem morfológica. Existem, ainda mudanças de outro carácter no espaço
público.
Sociabilidade de Massa
A escolha deste primeiro tópico para explorar esta mudança estrutural traduz uma estratégia. Esta é
a mesma que usamos aquando do estudo da constituição do espaço público e é, antes de chegarmos
propriamente ao espaço público, identificar uma forma de sociabilidade que reconhecidamente teve
um papel fundamental para a formação do mesmo. Os públicos são a forma de sociabilidade que nos
acompanhou no trajeto que fizemos ao longo do programa. Esta é a base de sustentação que é
constituída pelos públicos.
O que vamos fazer agora envolve uma nova forma de sociabilidade, mas a lógica é a mesma,
simplesmente está aplicada à massa. No contexto de uma mudança estrutural profunda há aspetos
que podemos dizer que são da ordem da inversão dos processos. Do ponto de vista do espaço público
não seria plausível pensar que a base de sustentação do espaço público fosse a mesma, quando
acontecerem tais mudanças na economia, política e na própria organização da vida social. A ideia de
que os públicos são a sustentação do espaço público não faz sentido dada a mudança tão significativa
neste. É, portanto, a massa que vem substituir os públicos neste contexto. A massa passará a
constituir a base de sustentação do espaço público na sequência da sua mudança estrutural. Não só
a massa passa a ser essa base de sustentação como a própria mudança estrutural do espaço público
tem como primeiro passo a constituição da massa como forma de sociabilidade. (professor prefere
massa ao invés de massas, pelo facto de esta não ter diversidade, pelo menos não tanta quanto os
públicos)
Esta é uma forma de sociabilidade que emerge nas sociedades modernas. Por um lado, a massa cria
as condições para a mudança estrutural, da mesma forma como os públicos contribuíram para
formação do espaço público, por outro lado, ela vai configurar-se como a forma de sociabilidade por
excelência do espaço público. Não que os públicos não sejam ainda hoje evidentes, no entanto, a
massa está muito mais evidente e em muitos mais momentos que os públicos. A massa é, em parte,
a marca desta mudança.
A massa surge na viragem do século XIX para o século XX em resultado da mudança de duas
dinâmicas das sociedades modernas, a industrialização e a urbanização. Embora a massa, tal como o
público, não precise de uma agregação física, as aglomerações físicas ajudaram a consolidar a massa
mesmo em termos ‘virtuais’.
DESENRAIZAMENTO
Estas aglomerações são de indivíduos que se encontram numa situação de desenraizamento.
Desenraizamento físico resultante dos fenómenos de deslocação. E ainda um desenraizamento
cultural no sentido em que as pessoas são constrangidas a adotar novas regras e valores na vida
coletiva. Estas pessoas não só vêm do campo ou zonas rurais, como deixam lá aquilo que é deste
mundo. A vida na fábrica e na metrópole implica novas regras que têm de adotar e que, muitas vezes,
nem são compreendidas. A massa não só é uma forma de sociabilidade que implica um grande
número, mas tem, também, um lado simbólico, este é construída a partir de uma fragilidade mental
e psicológica. As pessoas são transportadas para um novo sistema de regras e valores, que podem
nem ser compreendidas e que colocam uma exigência à submissão a estes novos quadros
normativos. Neste aspeto, percebemos, de imediato, que isto é algo que difere em grande medida
dos públicos.
Os públicos foram crescendo, tornaram-se cada vez maiores, numa dinâmica que, de forma não
intencional, acabou por gerar uma coisa diferente. Os públicos, ao crescerem de forma
descontrolada acabam por tornar-se noutra coisa, dado que já não conseguem garantir o
cumprimento das suas normas de funcionamento. É a mutação entre público e massa que cria
alguma confusão em Tarde. Este ainda não conseguia compreender que esta é outra forma de
sociabilidade.
Esta é a base da mudança estrutural deste novo espaço público. Se os públicos já não são a base do
espaço público, estamos perante um novo espaço público que tem por base esta massa em
formação.
DIFERENÇAS
Para percebermos como isto é importante para a mudança estrutural do espaço público podemos
fazer um exercício infraestrutural, de modo a perceber quais as diferenças ao nível dos laços
estabelecidos entre indivíduos no modelo dos público e no modelo da massa. A lógica é perceber
como é que determinadas características básicas vão determinar ou condicionar de forma decisiva
aquilo que se define depois ao nível mais estrutural, macrossociológico. Este não é um exercício
exaustivo de comparação entre públicos e massa, é apenas o suficiente para percebermos como se
desenvolveu aquilo a que vamos designar de novo espaço público.
Base de funcionamento
A primeira diferença (apesar de isto ser aleatório e de estarem todas ligadas entre si) é ao nível da base de
funcionamento (tudo isto exige um certo esforço de rememoração daquilo que falamos a propósito do espaço
público).
Esta, no público, é, de certa forma, igualitária, apesar de existirem algumas diferenças, estas não são
significativas. Todos estão substancialmente numa situação de igualdade.
Embora o termo massa sugira a igualdade, o olhar sociológico atento imediatamente identifica
diferenças. Wright Mills explora muito o conceito de elitização. O fenómeno de massificação é
indissociável de fenómenos de elitização. Por detrás de cada massa, há sempre uma elite. Talvez
ajude pensar em situações concretas da vida onde identificamos fenómenos de massificação, como
os de consumo, ou a mobilização das massas em virtude de fenómenos políticos como no caso dos
movimentos totalitários da Segunda Guerra Mundial. Também ao nível da cultura há um fenómeno
de massificação. Todos estes fenómenos de massa tem por detrás de si alguma elite. Estas massas
são manobradas de alguma forma pelas elites, como as empresas que seduzem com o objetivo de
levar a massa a consumir, ou como um determinado partido faz a sua campanha de modo a
convencer as massas a votar em si e por aí em diante.
Esta é a primeira grande diferença, uma base igualitária do funcionamento que se perde.
No caso dos públicos, este é elevado, ninguém era obrigado a participar nos públicos, a participação
é uma escolha de cada um, fazer parte um público e não de outro é uma decisão individual, à partida.
Processos de discussão
Os processos de discussão que podíamos traduzir em comunicação pública também diferem entre
as duas formas de sociabilidade da modernidade.
Isto também muda, não é que não haja comunicação na massa, mas esta é de outro tipo, também
ele marcado por um grande elitismo.
Não encontramos, nesta, a tal intensidade comunicacional, mesmo que encontremos um maior
número de pessoas, dado que já não há esta capacidade de participação comunicacional.
A imagem dos mass media marca esta forma de sociabilidade, já que é uma comunicação de poucos
para muitos, que têm uma atitude passiva face a comunicação. Os media são identificados como
estruturas comunicacionais que consagram este novo tipo de comunicação. Há uma elite muito ativa
e que controla a produção de discursos. E do outro lado temos a grande massa que é o espetador, a
audiência. Este conceito de audiência traduz a figura de público passivo, que é, digamos, uma
negação do próprio público, pois não é participativo. Eles são espetadores passivos de uma
comunicação que veem como um espetáculo para si montado por outros. A estrutura dos media
modernos – mass media – são o paradigma deste modelo comunicacional, dado que são os
intermediários entre a informação e os espetadores.
Ação
Um quinto aspeto tem a ver com a questão da ação. A propósito dos públicos a questão da ação é
muito importante. Este lado performativo dos públicos constitui-se a partir da própria dinâmica de
constituição dos públicos. A performatividade não é uma condição necessária, nem todos os públicos
se afirmam como atores sociais, mas esta é a forma máxima dos públicos e depende da dinâmica
interna, isto é, é algo endógeno. Quando os públicos conseguem criar a partir deles próprios uma
dinâmica social intensa, é natural que se constituam como atores sociais, a partir da opinião pública.
Esta ação dos públicos é, portanto, uma ação que emana como uma força autónoma que nasce do
interior da própria forma de sociabilidade.
Na massa também há uma força de performatividade. É por isso que esta é, em diferentes
momentos, seduzida a fazer algo, seja consumir, votar ou até ir para a guerra. Em termos sociais a
ação da massa é muito valorizada. Os processo sociais a nível económico e político dependem da
ação das massas. Os grandes problemas com o funcionamento da democracia de massa, que
decorrem da abstenção, revelam como a ação da massa é importante. Em última análise, o
funcionamento da sociedade depende das massas.
Contrariamente ao público, a ação das massas não nasce dentro das próprias, ela é, na verdade,
conduzida externamente. É feita uma comunicação para as massas de modo a elas agirem de
determinado sentido. Há, pois, uma gestão estratégica das relações de poder de modo a induzir
determinadas ações. Estamos portanto perante uma performatividade de carácter completamente
diferente.
O importante dos indivíduos na massa não é mais que a importância do número. E é por este motivo
que nesta está inerente o anonimato. Os interesses individuais são reduzidos e a sua ação decorre
da influência de terceiros em função dos seus próprios interesses.
Estamos, portanto, perante uma nova forma de sociabilidade que nasceu na modernidade que será
a forma de sociabilidade que irá servir de base para as várias instâncias do público. Sem esta
mudança a nível das formas de sociabilidade, sem esta eclosão das massas a partir dos públicos e
que depois os vêm substituir, as mudanças estruturas ao nível das instâncias do público não seriam
possíveis. O aspeto mais fundamental decorre precisamente desta obliteração da individualidade, já
que este novo espaço público depende destes indivíduos massificados.
O que é que acontece ao nível da opinião pública, qual é a cara da mudança estrutural ao nível da
opinião pública assim como da comunicação pública, já que esta é o meio a partir do qual a opinião
se concretiza, será aquilo que abordaremos hoje.
Esta concretiza-se, em larga medida, com o alargamento do espaço público, com o aumento da
conflitualidade interna – a instrumentalização é, na verdade, um corolário desta conflitualidade – e
a questão da sociabilidade de massa. Só é concebível uma instrumentalização da opinião pública,
quando a base de sustentação das sociedades já não é o público, mas sim a massa e os indivíduos
desta forma de sociabilidade. A instrumentalização da opinião pública precisa, efetivamente, do
sujeito de massa. Por outras palavras, se os sujeitos se mantivessem como sujeitos de públicos esta
instrumentalização seria, pelo menos, mais difícil, se não mesmo impossível.
A instrumentalização da opinião pública consiste numa disputa geral de interesses particulares, isto
é, num conflito de interesses. A sociedade civil perde a sua homogeneidade e dentro desta passam
a ser mais importantes as disputas de interesses. Neste contexto, a partir de determinado momento,
entra a comunicação e a opinião pública. A instrumentalização da opinião pública é, precisamente,
o resultado direto das disputas de interesses entre os vários grupos. O grande conflito, na época,
entre a sociedade civil é o conflito que a própria economia capitalista abre entre as classes proletária
e burguesa. No entanto, não podemos esquecer que este é apenas um dos conflitos, existem muitos
mais, mesmo dentro da burguesia. O clima de conflito e a instrumentalização estão intimamente
relacionados.
Se isto é verdade, quer dizer também que o trabalho da opinião pública já não implica ou procura
atingir um entendimento, idealmente um consenso. Isto porque, para a criação da legitimidade, o
esforço para o estabelecimento do consenso era a exigência. O que se procura agora é um
consentimento, até porque, no contexto dos interesses, já não é sequer possível o consenso.
Porque é que os diversos interesses passam a querer ter a opinião pública do seu lado? Porque é que
querem legitimar-se através da opinião pública? Porque ter a opinião pública é ter uma vantagem
em termos de uma hegemonia social, para a atingir há que suplantar os seus adversários. Esta é uma
luta extremamente material, mas nesta há, também, questões de ordem simbólica e cultural. A
questão da hegemonia é uma questão de uma supremacia em termos simbólicos – o aparecer
perante os outros de uma forma de superioridade. Esta é a expressão de uma conflitualidade social
que se joga a partir das mundivisões, isto é das diferentes formas de ver o mundo dos vários
interesses.
A instrumentalização da opinião pública é, portanto, uma agonística simbólica, por outras palavras,
uma conflitualidade simbólica. Claro que o que nos salta mais à vista, nesta conflitualidade, é a
questão material, mas nós debruçamo-nos pela disputa em termos da opinião pública, isto é, dos
aspetos mais simbólicos deste conflito.
Os meios, por excelência, desta instrumentalização são os mass media. Tudo aquilo de que falamos
até agora, as deslocações da legitimidade para a legitimação, do consenso para o consentimento,
evoca os media. A fábrica da ‘fabricação de consentimento’ é como se fosse os mass media.
Na sequência desta reorientação da opinião pública, a dinâmica normal dos públicos – racional
participativa, comunicativa – vê-se relegada para uma posição periférica, para a margem do mundo
político, como se de uma forma de resistência se tratasse. Criou-se um antagonismo entre a
comunicação pública da qual temos vindo a falar e comunicação pública das massas e estas parecem
ser, inclusivamente, inconciliáveis. Dentro do espaço público cria-se um registo de funcionamento
diferente daquele que existia anteriormente, não que este tenha deixado de existir, mas foi deixado
à margem, dada a incompatibilidade entre um e outro. Há dois ritmos de funcionamento da
comunicação que não são sincronizáveis.
Nota: Na exposição do professor a propósito das questões de sociabilidade, as diferenças são muito
enfatizadas e a tendência de comparar é forte. No entanto, isto dá uma certa distorção do fenómeno em
causa, dá a ideia de que se trata de uma espécie de inversão do funcionamento do espaço público. Dizer
que a massa substituiu os públicos é demasiado simplista, porque o surgimento da primeira não pressupõe
o desaparecimento dos públicos, ela vem juntar-se àquilo que existe.
A forma mais simples e direta é dar-lhe um nome e este é Comunicação de Massa. A forma da
comunicação pública resultante desta mudança estrutural é a comunicação de massa. Esta deve ser
vista como resultado da supremacia sobre o espaço público adquirida pela massa, em detrimento
dos público. A comunicação de massa está também intimamente relacionada aos mass media, algo
que não é nada de novo em função do que temos vindo a falar. Esta comunicação ocorre, portanto,
neste contexto de mudança estrutural.
Audiência é uma figura de receção, neste caso, antagónica dos públicos, já que nestes está implícita
uma atitude ativa e a participação.
Na conjugação destes elementos é possível dar uma configuração da comunicação muito diferente
da estrutura da comunicação pública a que chegamos anteriormente. Em função destas
características podemos dizer que a comunicação pública de massa não é uma comunicação pública
é pseudopública, dado o distanciamento para com a estrutura da comunicação pública. Como já
tínhamos, de certa forma, visto há uma mistificação da comunicação pública. A eficácia da
comunicação de massa está dependente de uma certa amnésia das características da comunicação
pública, por outras palavras, a comunicação de massa é tanto mais eficaz quanto mais se conseguir
fazer passar por uma comunicação pública nos moldes como dela falamos.
A lógica da comunicação de massa é orientada numa perspetiva quantitativa, isto é, numa lógica
operacional de mercado. A audiência reporta a receção num contexto em que os media já são
preponderantes. O veículo formal da comunicação passa a ser um elemento central da comunicação
dos processos comunicacionais, deixando de ser um mero instrumento da comunicação. Emissores
e recetores existem em função dos mass media. A força da linguagem torna-se essencialmente
perlocutória, uma força da linguagem que não está ligada à linguagem em si, mas sim a elementos
externos. A força que resulta, por exemplo, de transmitir um discurso num canal generalista será
totalmente diferente da força que este adquire ao ser transmitido por uma rádio local. Estamos,
portanto, perante forças da linguagem distintas que resultam não tato da linguagem em si, mas dos
instrumentos formais utilizados para a comunicação. O mesmo podemos dizer dos próprios
emissores. A força pragmática e performativa deixa de estar na linguagem, mas em fatores externos.
A comunicação de massa é uma comunicação que vive desta força perlocutória e não ilocutória.
Nota: Para poder diferenciar uma comunicação mais ligada aos públicos e uma comunicação mais
ligada à massa é preciso lembrar que comunicação pública é uma comunicação pública de públicos
e a comunicação de massa é uma comunicação pública de massas.
PUBLICIDADE DEMONSTRATIVA
O conceito de publicidade demonstrativa está intimamente associado a este novo tipo de
comunicação pública. A publicidade é uma prática comunicacional mais antiga que a comunicação
de massa, ela surge até antes dos públicos, enquanto publicidade de representação. Uma
publicidade ligada a um lado mais cerimonial e ostentatório.
Publicidade demonstrativa é uma publicidade que se faz em função de uma verdade predefinida,
como no caso na publicidade de representação. No entanto, há um aspeto fundamental na qual elas
se distinguem. Enquanto que nesta publicidade não há sequer nada para incutir, há apenas que
mostrar e renovar a figura do poder. Não há nenhum exercício de convencimento, sendo uma
publicidade autoritária. Na publicidade demonstrativa, a sua eficácia depende da sua capacidade de
incutir, de convencer. A publicidade demonstrativa é, pois, a publicidade que se destina a fabricar os
tais consentimentos. Na medida em que a publicidade seja eficaz, vai dar origem a este
consentimento e incutir a tal verdade predefinida na massa.
O modelo do Estado Social (Welfare State) começa a ganhar forma nesta altura numa relação muito
direta com esta realidade, em função de problemas que o Estado Burguês ou Liberal começa a
enfrentar. A manifesta incapacidade do Estado Liberal de fazer face às crises que dele se originam
leva ao aparecimento do Estado Social, que vem tentar remediar os problemas que estas sociedades
enfrentam. O modelo de desenvolvimento das sociedades ocidentais, que é de acordo com o da
economia capitalista, cria determinadas lacunas que o Estado Liberal não consegue suprir, como os
mercados monopolísticos e oligopólios, aumento da conflitualidade social…
Para responder a esses problemas, O Estado terá de definir uma nova posição na sociedade, falar de
Estado Liberal e Estado Social é diferente, porque é todo um outro lugar e funções na sociedade. O
segundo é um estado intervencionista, ao contrário do primeiro que é um estado mínimo. Isto quer
dizer necessariamente, que as fronteiras que foram desenhadas entre Estado Liberal e sociedade
civil mudam, são de certa forma diluídas, tendo o Estado funções de regulação social mais
significativas. Já não é manifestamente um estado mínimo, aliás o intervencionismo traduz-se no
exercício de novas funções, como regimes de proteção dos cidadãos, sendo esta é, talvez, a
prioridade das prioridades do estado social. A segunda função é a de um estado que atribui a si uma
série de serviços importantes para a sociedade, daí serem por si assegurados. O terceiro aspeto é a
regulação e controlo da economia, o Estado não é só um agente económico no sentido de ter na sua
responsabilidade determinados serviços, mas também por ser o regulador da atividade económica.
Por último, tem, ainda, uma função de planeamento e mudanças sociais.
Um Estado que muda desta forma é um Estado que passa a ter ele próprio, para o seu bom
funcionamento, exigências mínimas de legitimidade. Em termos práticos, um Estado que está
permanentemente a intervir tem de ter poder para tal, tem de ser legitimado. Tirar serviços ao
privado e assegurá-los implica maiores necessidades de legitimação. Estas novas competências serão
a porta de entrada do Estado no espaço público e na opinião pública, precisamente em virtude destas
exigências de legitimação. Isto porque, esta apenas se impõe no espaço público e na opinião pública.
O Estado não pode ficar refém da sociedade civil, a ele tem de ser concebido algum poder, alguma
capacidade de intervir no espaço público.
O Estado passa a ter uma voz ao nível do espaço público e da opinião pública, pelo papel que tem na
sociedade. Este constitui-se como agente da opinião pública.
A experiência deixa de estar confinada às categorias do privado e do público, já que surge uma nova
esfera – a esfera social. Esta nasce, precisamente, de uma reorganização destas categorias do público
e do privado, sendo uma espécie de esfera intermédia. A opinião pública deixa de gozar da sua
anterior autonomia que tinha enquanto voz da sociedade civil. Uma emanação direta do privado que
deixa de gozar desta autonomia, caindo também ela no domínio do Estado. Se anteriormente a sua
forma ideal era enquanto entidade exterior ao Estado, podendo interpelá-lo, ela passa a ser também
do Estado, nesta esfera social.
A partir de agora, a opinião pública divide-se e passa a ser disputada, por um lado, pelos interesses
privados organizados e, por outro, pelo Estado Social. Quer numa visão quer noutra esta opinião
pública é algo muito diferente daquilo que tinha sido idealizado anteriormente. É neste sentido que
a opinião pública perde a sua autonomia, autonomia em relação a Estado e enquanto voz própria de
uma sociedade. Quer seja pelo lado da captura por alguns interesses privados organizados –
interesses privados que não se expressam espontaneamente, interesses já organizados e que, por
isso, já não se posicionam numa situação de igualdade, mas com o intuito de se tornarem superiores
–, seja pelo lado do Estado Social, a anterior autonomia desaparece.
Não podemos dizer que a opinião pública desapareceu, mas ela encontra-se profundamente
enfraquecida. Este movimento de captura tende a relegar a velha forma da opinião pública para uma
posição marginal. Ela pertence, agora, a um público que apenas se manifesta esporadicamente, que
parece estar adormecido. É isto que resta do velho público. A opinião pública na sua forma original
não desaparece, mas esbate-se muito.
O que se torna visível é a opinião pública de um pseudopúblico. Não é a opinião pública de um público
grande que representa a sociedade, mas sim, um público de interesses privados organizados, que
aparenta representar a sociedade, e o público do Estado Social, que é muitas vezes uma extensão
dos interesses particulares organizados. Os detentores destes não só procuram as vantagens
próprias de forma direta – junto da massa – como de forma indireta – junto do Estado. Estes são
interesses que tentam apresentar-se como público, porque percebem que isso é uma vantagem, em
virtude da crença na persistência da tal opinião pública como autónoma.
As dinâmicas da mudança estrutural são originadas pelo Estado, mas cruzam-se com a sociedade
civil. Os interesses privados organizam-se em duas dimensões e é numa dessas que se cruza de forma
direta com o Estado.
Há uma organização desses interesses privados que tem em vista a sua atuação enquanto tal, uma
capacidade de se movimentar na sociedade civil. A organização tem em vista a competição dos
diversos interesses. As várias empresas que enquanto agentes sociais competem de modo a retirar
uma vantagem, esta é uma primeira dimensão dessa organização. A organização dos interesses
privados é, em segundo lugar, uma estratégia de modo a retirar uma vantagem da sua relação com
o próprio Estado Social. Este é um Estado negocial, isto é, procura exercer uma mediação entre os
vários interesses e quanto mais estes estiverem organizados, mais facilmente conseguirão retirar
vantagens dessa mesma negociação. Ambas as organizações têm em vista uma supremacia social.
Com o Estado Social, passa a existir uma maior intervenção ao nível da opinião pública. Tendo o
Estado um papel significativo na vida social, as exigências de legitimação tornam-se acrescidas. O
cumprimento eficaz das funções do Estado requer uma maior legitimação, o Estado depende dessa
legitimação, que apenas pode encontrar na opinião pública. Isto confere um papel de intermediação
na participação dos próprios indivíduos. A dinâmica do espaço público que outrora cabia à sociedade
civil está agora ao encargo do Estado.
Esta intervenção na opinião pode fazer-se de duas formas, uma direta e uma indireta. A primeira
consiste na criação de um conjunto de serviços de comunicação pública que são administrados de
forma mais direta pelo Estado, nessa medida este tem a última palavra, define quem participa ou
não e que conteúdos são ou não abordados. A segundo diz respeito aos media privados. O Estado
social passa a ter uma palavra a dizer aqui também aqui, no sentido em os media, que são eles
próprios interesses privados organizados, ‘sentam-se na mesa negocial’ com o Estado. O resultado
desta intervenção é a despolitização da opinião publica, que em tempos se constituíra de forma
autónoma. Esta voz da sociedade civil, por ação do Estado, desparece, despolitiza-se neste sentido.
Ela torna-se passível de uma intervenção do Estado, que é feita, ainda, através dos media privados,
dado o compactuar de responsabilidades mútuas que faz parte da lógica das sociedades de massa.
A despolitização da opinião pública tem este sentido de uma opinião pública que sendo política já
não é política no sentido que era. Há um outro tipo de registo que é também ele uma expressão da
despolitização da opinião pública pela adulteração da opinião ao assumir um carácter mais
comercial. Estamos perante uma opinião publica que perde o seu carácter político, pelo facto de se
ter diluído numa lógica de entretenimento e consumo. A grande competição dos interesses privados
é, agora, de ordem económica e no sentido de consumo.
Estas duas despolitizações têm objetivos diferentes, mas resultados semelhantes. A
instrumentalização política direta tem por objetivo o apoio ao Estado. O segundo caso tem a ver com
uma alienação, as pessoas são levadas a suspender o seu raciocínio político e crítico. A função política
do entretenimento é o de inibir o raciocínio sobre a política. O que importa reter é perceber que
estas duas estratégias sendo diferentes servem ambas o Estado naquilo que são as suas exigências
acrescidas de legitimação. No primeiro caso, é de facto mobilização e instrumentalização clara.
Enquanto que no segundo, trata-se de inibir a oposição, já que não é promovido um apoio da
sociedade à ação do Estado, mas sim uma neutralidade face à atuação do mesmo.
A democracia de massa tem muito a ver com estas questões desta rearrumação do espaço público e
ao mesmo tempo com outros aspetos que, não tendo tão diretamente a ver com o espaço público e
restantes entidades, são de alguma forma consistentes a este nível. Dois desses aspetos são:
Em que medida é que estes mesmos partidos políticos se constituem como fatores do tal
baixo perfil cívico? Na medida em que se transformaram em grandes máquinas eleitorais e,
portanto, bastante afastados dos cidadãos. Os partidos que são cada vez mais organizações
políticas, ao invés de ideológicas. Partidos que nasceram por motivações ideológicas, visões
alternativas do mundo distinguem-se cada vez mais pela sua competição pelo poder. O
partidos perderam em larga medida a mediação daquilo que são os interesses da sociedade.
Mais facilmente se constituem fatores de inibição do que meios de mediação da participação
política. Os grandes partidos políticos no qual o funcionamento da democracia se apoia
funcionalizaram-se e são, também, um elemento que contribui para distanciar os cidadãos
da vida política.
A institucionalização de uma democracia votocentrada – que estabelece uma relação clientelar com
os cidadãos, isto é, apenas procura aproximar-se dos cidadãos aquando do período de eleições –
operacionalizada por grandes partidos políticos é o mesmo que dizer a institucionalização de uma
democracia de massa.
No caso das sondagens não podemos falar em comunicação pública, estas procuram, apenas, aferir
reações. A lógica dos estudos de opinião é aferir reações de forma extremamente simplificada e
dicotómica – sim ou não, concordo ou discordo, por exemplo. As pessoas não são estimuladas a
pensar, apenas lhe é pedida uma reação instantânea dentro destas dicotomias estabelecidas.
O lado técnico é visível na própria construção da opinião pública. A construção do próprio enunciado
“a opinião pública é favor disto” torna a tecnicização evidente, basta apenas analisar o processo a
partir do qual se chega a este enunciado. A constituição de empresas e profissionais especializados
em estudos de mercado é o índice dessa tecnicização.
A isto não podemos chamar de uma racionalidade comunicacional, esta é uma opinião pública
racional, dado que é até à disponibilização dos dados há toda uma se equacionam as diferentes
formas de o fazer. No entanto, esta é uma racionalidade de ordem estratégica e não comunicacional.
O que está por detrás disto de forma direta ou indireta são interesses particulares organizados. São
as vantagens que estes podem adquirir que vão determinar a forma como esta opinião pública será
divulgada. Há, portanto, uma manipulação das consciências para levar ao apoio dos cidadãos.
Esta opinião pública não pode ser constituída a partir de uma comunicação pública como a
conhecemos, mas sim uma comunicação pública de massas uma comunicação permeável às técnicas
de manipulação. Se a estrutura da comunicação pública de públicos tem como objetivo proteger a
população da manipulação, a comunicação pública de massas tem precisamente o objetivo
contrário. Isto é, ela procura manipular a massa e para isso recorre à publicidade demonstrativa. Dá-
se portanto um divórcio entre publicidade e crítica. O processamento das opiniões continua, os
interesses têm de processar as suas opiniões, a tecnicização precisa de opiniões, a opinião publica
continua a ser alimentada por opiniões individuais, mesmo que a diversidade destas seja reduzida
ou limitada a dicotomias. No entanto, estas são opiniões que já não são sujeitas a um escrutínio
exigente como eram na esfera pública burguesa.
É neste âmbito que surgem novas profissões do campo da comunicação, os publicitários, relações
públicas, marketing, até o próprio jornalismo passa a estar na esfera desta organização. Quem na
verdade operacionaliza a opinião pública são estas profissões em nome dos interesses privados ou
do Estado. Estes apercebem-se que para manobrarem a opinião têm de recorrer a estes serviços.
A função cognitiva da comunicação é substituída por uma função persuasiva. Por um lado, temos
esta deterioração da opinião pública, isto é, a comunicação de massa é mais pobre do que a
comunicação pública de públicos. Por outro lado, ao mesmo tempo que se dá uma enorme aumento
da robustez da rede de comunicação.
A ideia de campo dos media que se desenvolve tendendo a constituir-se como um campo social
autónomo é a base deste paradoxo. Alguns aspetos essenciais da estrutura deste campo nas
sociedades ocidentais consubstanciam este paradoxo.
Organização e propósito dos media
O primeiro tem a ver com a propriedade dos media, este aparato tem por base uma centralização da
propriedade dos media que resulta numa grande concentração destes em grandes empresas
mediáticas. Propriedade privada aqui vai além da questão de propriedade, já que envolve também a
própria dinâmica de funcionamento. A imprensa nos públicos também era privada, mas apenas a sua
propriedade era privada, já que os seus propósitos eram públicos. Hoje, a propriedade é privada e
está associada a uma lógica empresarial. Tudo isto tem consequências ao nível da opinião pública,
como a sua despolitização, resultante da despolitização da comunicação pública. A limitação da
circulação de informação politicamente relevante é um resultado desta organização em torno do
lucro.
Audiência
A questão das audiências é também muito importante. A lógica dos media passou a operacionalizar
os recetores – leitores, ouvinte, espetadores – como audiências. A lógica destas é muito diferente
do público, já que ao contrário destes não têm um sentido universal. As mensagens transmitidas
pelos mass media são formatadas para determinados segmentos da população – targeting. O público
tinha o sentido universal e ainda um sentido de participação. Este, mesmo enquanto recetor, era
aquele ao qual era reconhecida uma capacidade crítica na receção das mensagens. Quando falamos
de audiências esta expectativa deixa de existir. A audiência é aquele que simplesmente recebe. Há
uma aceleração da transmissão que elimina o tempo para a crítica, para o pensamento crítico. O
lugar da receção, no âmbito de uma comunicação pública de públicos, não é um lugar recetivo nem
fechado, dado que facilmente o recetor pode aparecer no lugar de sujeito de discurso. Isto é
totalmente impossível nas audiências. Elas são figuras estritamente da receção passiva.
A forma como os media se organizam, as novas tecnologias que surgiram com a expectativa de
romper com a comunicação de massa estão hoje ao seu serviço nesta lógica empresarial. São estas
linhas de orientação dos media que proporcionam a mudança estrutural da qual temos vindo a falar.
Em função destas características que a constituição do campo dos media é fundamental para a
mudança estrutural, que cria uma outra estrutura comunicacional.
Assim, podemos perceber que tanto a mudança estrutural dos media tem impactos noutros vetores
desta mudança estrutural, como o contrário.
Aquilo que vamos tratar hoje é como é que os próprios media foram sujeitos a uma mudança
estrutural, para perceber como estes estão presentes e cumprem um certo papel na formação do
espaço público moderno e também neste novo espaço público. O caso que Habermas acompanha é
o caso da imprensa, porque é precisamente ao nível desta que a transformação ocorre. Claro que
quando falamos em mass media não falamos apenas em imprensa, mas também na televisão, na
rádio e de forma mais marginal o cinema e a indústria discográfica. O que nos interessa perceber é
como num primeiro momento os media cumprem um papel e noutro momento outro. Em função
disto, é importante perceber o que muda na imprensa, precisamente porque é esta que está
presente nos dois momentos. Há uma mudança estrutural que envolveu os jornais e que vai dar
origem a todo um outro modelo de organização dos jornais que vai ser adotado pelos novos media
– a rádio e a televisão (em termos de invenção esta não é assim tão distante da rádio, mas apenas
após a Segunda Guerra Mundial se torna um mass media, enquanto que a rádio se difundiu
rapidamente a televisão demorou um pouco mais a fazê-lo).
No outro momento, no contexto da mudança estrutural do espaço público, temos outro tipo de
imprensa. Essa expressão de uma imprensa de opinião perde-se no tempo entre estes dois
momentos. Aqui temos uma imprensa de massa, que de um ponto de vista mais expressivo
relativamente ao conteúdo é uma imprensa informativa. Esta é um modelo da imprensa e dos media
nos dias de hoje e consiste em jornais que passam a produzir e a vender informação, a vender
notícias, sendo muito diferente da imprensa de opinião.
De um certo modo podemos dizer que a imprensa de opinião sofreu uma série de transformações,
vai sendo submetida a um conjunto de mudanças que a levam a tornar-se numa imprensa
informativa.
Com a chegada da publicidade é esta lógica que começa a ganhar forma e começa a produzir uma
série de mudanças da prática jornalística.
Organização do jornal
Primeiramente a separação de dois centros das publicações, que antes estavam amalgamados, a
direção e a redação. Hoje quando pensamos num jornal facilmente identificamos a direção do jornal
– quem manda no jornal, quem toma decisões – e, por outro lado, a redação. Estas são duas
estruturas independentes, apesar de se interligarem. A imprensa de opinião tinha, também, estas
duas funções, mas não separadas. A primeira consequência é, portanto, organizacional, com a
separação e autonomia destas duas funções. Algo que implica uma reorganização do poder, já que
se torna claro que o poder superior não está na redação, mas sim, nos proprietários.
Facilitação psicológica
De um ponto de vista dos conteúdos, Habermas usa uma expressão muito sugestiva que é ‘facilitação
psicológica’. A razão desta é precisamente servir o novo modelo de organização do jornal, a questão
da venda do jornal passa a ser determinante. Não quer dizer que na imprensa de opinião esta não
fosse importante, mas não era determinante. Na verdade, esta era importante em virtude da
proliferação de opinião. Na imprensa de massa, a venda é um interesse em si. As duas fontes de
receita deste modelo de negócio são a venda do jornal e a publicidade. A facilitação psicológica é
uma peça chave, porque permite que o jornal chegue a várias pessoas, permite que deixe de ser um
jornal de elite, aumentando as suas vendas e permite ainda que se torne mais aliciante para a
publicidade.
Um aspeto importante para a comunicação pública é o facto de esta ser uma imprensa na qual as
questões políticas, no sentido da discussão dos problemas sociais, dos assuntos públicos, tendem a
ser mitigadas, em função, precisamente, desta facilitação psicológica e do fraco potencial que as
mesmas revelam ter em termos comerciais. Estas não são questões nas quais se pensem quando se
pretende aumentar as vendas. Uma imprensa de opinião é essencialmente uma imprensa política e
crítica, por outro lado, a imprensa informativa não é, ela vai descobrir um conjunto de temas e
formatos que são mais apelativos. Esta é uma imprensa que prioriza o entretenimento e a diversão.
Mesmo as questões políticas, porque estas não desapareceram totalmente, tendem a ser mitigadas,
as trocas de opiniões que se faziam anteriormente deixam de existir. Em nome de uma objetividade
jornalística, as questões políticas são vistas enquanto notícias. Na imprensa de opinião, estamos a
falar de uma imprensa públicos, isto é, pessoas interessadas que leem jornais para trocar opiniões.
A imprensa informativa não é uma imprensa de públicos, mas sim um imprensa de audiências. Estas
são agregações de consumidores, interessa pouco ao empresário dos media o tipo de relação de
leitura que está em causa, interessa apenas quem compra o jornal em termos numéricos.
São estas mudanças que nos permitem perceber como é que os jornais estão presentes em ambos
os momentos que falamos, pois também eles mudam.
Por um lado, dá-se uma grande concentração dos jornais, assim como do ponto de vista técnico há
uma grande exuberância, algo que permite uma grande tiragem que permite aumentar as vendas,
pela redução dos custos de produção e, consequentemente, dos de venda – Penny Press.
A nova imprensa é essencialmente informativa, mas isto não quer dizer que não sejam reservados
espaços à opinião. Mas estes são claramente separados. A notícia enquanto ideologia pretende
consagrar essa diferença, assumindo-se como informação factual sem opinião. Algo que sabemos
que não é possível, porque estamos perante uma comunicação humana, algo que automaticamente
implica ponto de vista e por isso nunca é completamente objetiva. Esta separação é ela própria uma
ideologia, pois é a imposição de uma opinião de forma sub-reptícia, ao assumir-se como factual. Isto
faz-se novamente em virtude da tal lógica de negócio. A notícia é uma construção cultural que serve
um modelo de negócio. Cria-se a vontade de comprar factos, que nem sequer o são totalmente.
Estas são as linhas estruturais que marcam a mudança dos media, que está relacionada com a
mudança estrutural da comunicação pública. A comunicação pública torna-se uma comunicação
pública publicada. Esta é uma mudança que ocorre historicamente nos jornais, mas que tem um
impacto para além dos jornais, porque este modelo de organização e negócio dos jornais que será
adaptado pelos novos media – media eletrónicos, media que de uma forma ou de outra estão ligados
à eletricidade. Enquanto que na imprensa foi necessário este processo de mudança, no caso dos
media eletrónicos estes surge como o próprio modelo à partida, isto é, a sua história inicia-se neste
padrão. Os seus próprios recursos técnicos proporcionam-lhes vantagens comparativas face à
imprensa, já que lhe dão uma maior agilidade. Esta criação de efeitos de realidade proporciona-lhes
vantagens nesta ótica de entretenimento e diversão que orienta os media.
Nota: Quando pensamos numa distinção entre a imprensa popular/tabloide e os jornais de referência
podemos encontrar qualquer coisa revelante no que diz respeito aos ritmos diferentes de desenvolvimento
face a esta mudança. Nos tabloides falamos de um modelo mais avançado desta imprensa voltada para
o negócio, enquanto que na imprensa de referência há, ainda, marcas de um modelo de imprensa antigo.
Isto reflete os ritmos diferentes de mudança.
A complexidade é uma figura mais promissora para perceber a mudança que está aqui em causa.
Nesta mudança estrutural há grandes contrastes e até inversões, a questão comunicacional da
imprensa informativa reflete precisamente isto. No entanto, isso não significa que a realidade dos
media nos dias de hoje se reduz a essa dimensão da mudança estrutural enquanto inversão. O texto
de Ferry mostra precisamente isso.
Uma dupla face dos media emerge, por um lado, estes estão ligados ao lado empresarial e, por outro,
à experiência da vida e possibilidade de contestação.
Ferry tem também uma visão crítica face ao espaço público e há comunicação pública. Contudo, ele
traz uma lógica de complexidade da mudança estrutural que vem completar a ideia de mera inversão
de Habermas. Para tal, Ferry fala-nos de uma duplo aprofundamento ou extensão do espaço público.
A realidade que hoje vivemos, com a questão do Covid-19, reflete precisamente isto, assim como as
questões das alterações climáticas. A mudança estrutural do espaço público é também um
alargamento do espaço público a um nível global, algo que não tem necessariamente de ser negativo.
O aprofundamento horizontal é um reconhecimento dos problemas públicos a uma escala global.
Cada vez mais reconhecemos que somos seres semelhantes.
APROFUNDAMENTO VERTICAL
O outro eixo é o que ele designa de aprofundamento vertical e tem a ver com o conteúdo, isto é, os
assuntos e a forma de tratamento dos mesmos, que tem também a ver com os media.
Os media de alguma têm, portanto, um papel importante nesta delimitação daquilo que
reconhecemos como assuntos públicos. Ferry considera que os media têm podido enriquecer este
universo daquilo que são os assuntos públicos. Têm tido a capacidade de trazer para dentro do
espaço público assuntos que antes não eram reconhecidos como dignos desta negociação em espaço
público e que hoje identificamos como fundamentais, como as questões climáticas. As questões da
violência sobre as crianças ou entre casais que consideramos, hoje, extremamente importantes e
que devem ser discutidos na esfera pública, eram considerados assuntos da esfera privada.
A delimitação daquilo que são os assuntos púbicos vai variando ao longo do tempo. Esta tem variado
de forma positiva, porque foi trazida para a esfera pública uma ideia de problemas públicos mais
coerente e robusta, para a qual os media tiveram um papel importante. Os exemplos que falamos
são questões que foram trazidas de uma esfera entendida como sendo privada ou não eram sequer
reconhecidos e passaram para a esfera pública, foi-lhes dada escala e espessura enquanto
consciência de um problema público pelos media.
Muito sinteticamente, este é o contributo de Ferry. A ideia de que a mudança estrutural não deve
ser entendida como mera inversão, mas como algo complexo. A mudança estrutural não ocorreu em
função de somente um vetor, mas sim da conjugação de diferentes vetores que são por vezes
paradoxais, antagónicos, mesmo que exista uma vetor que se destaque. Uma mudança estrutural
que é marcada pela ambivalência e pelos paradoxos dos quais temos vindo a falar é a ideia trazida
por Jean-Marc Ferry.
Deste modo, o comentário de Ferry é, também, uma abertura face ao vetor bastante fechado da
ideia de imprensa comercial. Na medida em que há uma palavra pública que os jornalistas podem
usar para criar algo de novo, para contestar a imprensa enquanto negócio. Jean-Marc Ferry traz-nos
o espaço de abertura que se constitui no interior da estrutura mais rígida dos media comerciais. E
também uma abertura a outros media que nos anos 1960 não eram sequer possíveis de ser vistos,
os media alternativos. Embora o sistema mediático seja predominantemente frequentado ou até
controlado por media mainstream, neste subsistem media alternativos, media contestatários.