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Afinal) Quem Somos?

Neste livro o auto! expõe o assunto da imor~


tal idade da alma, fazendo-o em primeiro lugar sob
o ponto de vista religioso. Para tanto, consultou,
estudou e analisou a história antiga e concluiu que
duas doutrinas sempre tiveram curso no seio da
humanidade: "a doutrina simbólica" e tIa doutrina
científica" .
Desprezando a primeira, o autor justifica (} seu
ponto de vista ao afirmar que "a doutrina simbó~
lira era tida como uma espécie de dogma religioso"
onde o fé e os· rituais, num misto de beatismo e
misticismo, serviam unicamente para refrear e enco-
brir a ignorância do povo.
Compreendendo, porém, que a fé não se discute,
nem também os seus credos, procurou analisar a
história "dêsse mistério" em que o desconhecido se
manifestava em todos os povos, através da "doutrina
científica", ou seja H a doutrina secreta", que era
velada sob o mais profundo e impenetrável segrêdo.
Recorreu então aos pensadores da antiguidade, con~
sultando os Vedas, o Bramanismo e o Budismo, e
AFINAL,
verificou que êles nos seus, ensinos esotéricos afir-
mavam que a alma era imortal e se manifestava
aos vivo-s. QUEM
Dos santuários indicas, na doutrina científica"
passou para a Caldéia, nos tempos de Mitra; depois
para o Egito, nos de Osíris, e Isis, onde Hermes e SOMOS?
os pontífices revelavam no seu culto secreto na lei
de Unidade que rege a harmonia do Universo",
divulgando a pluralidade dos mundos e a reincar-
nação das almas. =
A Grécia, porém, encontra~se como que, predes-
tinada a revelar ao mundo êsses mistérios. Pitágoras,
por exemplo, na sua \'Academia de Crotona", escola De onde víemos e
admirável de iniciação laica, foi o prelúdio dês-se
grande monumento de idéias que, com Platão e para onde vamos.,.
Jesus, ia agitar as camadas profundas da sociedade
antiga. Consistiram s,eus ensinos em uma só coisa:
o conhecimento do segrêdo da morte, a revC:"lação das
vidas sucessivas neste ou noutros mundos e a
comunicação com o Além.
Na Gália, por exemplo, desde os cânticos bár-
dicas que afirmavam "a imortalidade da alma e
sua reincarnação neste e noutros mundos", o aper-
feiçoamento que o Cristianismo lhe fêz conhecer,
veio formar a síntese filosófica e moral dêsse grande
povo.
Os Hebreus, nos seus livros sagrados, como
a "Cabala" e o "Zohar", admitem a preexist.ência e
as vidas sucessivas da alma, numa abundância de
provas incomensuráveis.
No 'Cristianismo vai-se encontrar a ligação dos
Essênios; ambos divulgavam a revelação do Além
e a afirmativa de que a alma é imortal e que se
comunica com os sêres que aqui ainda se encontram.
Os apóstolos~ após a morte de Jesus" seguiram essa
orientação, vivendo em comuna~ e nas catacumbas
entravam em relação com o mundo oculto.
Historiadores avoengos afiem,am que Jesus pas-
sou a sua adolescência entre os Essênios e que
desenvolveu os seus dons espirituais entre êsses
"homens-fraternos que em suas vestes, brancas tinham
por símbolo a pureza dos lírios". Afirmam também
que todos os seus costumes foram revelados nas
ações da vida profética de Jesus, como por exem-
plo, o viver em pequenos grupos, os agapes frater-
nais, a ceia, o sacrifício, a renúncia, as prédicas, etc.
Na parte em que descreve a influência do
Catolicismo sôbre a nova civilização da humanidade,
procurou o autor ficar equidistante das opiniões
já emitidas, baseando~se somente na própria história
de seus atos, nos quais se encontram todos os defei..
PEDRO GRANJA

AFI AL,
QUEM
50 OS?

De onde viemos e
para onde vamos ...

Prefácio de
MONTEIRO LOBATO

SÉTIMA EDIÇÃO

DEPARTAMENTO EDITORIAL
DO
CENTRO ESPíRITA DO CALVÁRIO EDIÇÃO CALVÁRIO
Rua Almirante Barroso, 267 SÃO PAULO
SÃO PAULO 1972
Os direitos autorais da sétima edição desta
obra foram cedidos, gratuitamente, ao Depar-
tamento Editorial do Centro Espírita do Cal·
vário, que a publica objetivando a difusão do
A
Espiritismo.
MONTEIRO LOBATO

cuja evolução espiritual já não


mais pertence a esta geração '-

homenagem do autor.
A

NELSON PALMA TRAVASSOS

- pela inestimável colaboração e


pelo auxílio material a êste livro

os agradecimentos do autor.
AUTORES
E
OBRAS
CIT ADAS

ALFREDO MIGUEL - "As Heroínas de Hydesvílle".


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APPI..EYARD, Walter - "Au Revoír, not Good Bye".
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BONNEMERill, Engene - "L'Ame et ses Manifesmtions à travel'5- l'Histoire".
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BOSIO, Ettore - "O Que Eu Vi".
BOURNEUF, Emile; O. SHLEGEL e WILKINS - "Krishna, Daghavagita".
BOZZANO. Ernesto:
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HAnimismo ou Espiritismo";
"Xenoglossia. J\!Iediunidade Poliglota";
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liA Crise da Morte";
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12 PEDRO GRANJA

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Os santos e os fenômenos psíquicos .
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Tertuliano e as mesas proféticas . 105
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WEROORN - "Physiologie Générale".
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WILLIANS, Ed. - "Tríades".
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XAVIER, Francisco Cândido - "Missionários da Luzir - ditado pelo Espírito de André- X - A Doutrina Espírita . 131
Luís. Maus espíritas . 143
XENOFONTE - "Apologia de Sócrates". 146
Relatório da Sociedade Dialética de Londres .
ZõLLNER, J. K. Friedricb "Física Transcendental".
XI - A Teoria Espírita . 153
Vencimento da letra . 156
14 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 15

CAPÍTULOS CAPÍTULOS

XII - A Ciência e o Espiritismo . 171 Karl du PreI . 237


Ectoplasma . 171 Schrenck Notzing ,' . 239
Fluido vital . Maximiliane Perty . 241
171 241
Rudolf Lambert ',' .
XIII - Provas Científicas da Sobrevivência dos Espíritos . 179 Karl von Klinckowstrom . 242
A Verdade . 180 Ubaldo Tartaraga . 242
Alfredo Russel Wallace . ',' . 181 August Ludwig " . 242
William Crookes . 181 Missriegler . 242
As experiências com Katie King . 182 Gustav Pagenstcher . 242
Rodolfo Tieschner . 242
XIV - As Opiniões dos Sábios . 201
Cromwell Fleetwood Varley . Shroder . 242
201
William Fletcher Barrett . Adolfo Wagner . 242
202
Oliver Lodge . 203 Karl Gruber . 243
James Hervey Hyslop . 205 Karl Bruck ',' . 243
Roberto Dale Owen ............................ , . 206 Ludwig Lasky . 243
George Sexton . 207 Karl Blacker . 243
William Crawford ...................................... 207 Max Kemmerich , , . 243
William James . 207 Frederich Zõllner . 244
Frederic W. Myers . 208 Thury . 244
Frank Podmore ........................................... 208 Hoeffler . 245
E. Gurney . 208 Goldschmidt . 245
Robert Hare ............. , . 209 Cyriax ','" " . 245
Mapes . 209 Reichembach . 245
Herbert Mayo . 209 Urlich . 245
William Stainton Moses . 209 Braume . 245
P. Barkas ',' . 210 C. Ludwig . 245
Chalis . 210 Cesare Lombroso , . 246
Nassan W. Senior ',' . 210 Relatório da Comissão de Milão . 246
Benjamin Franklin . 210 Enrico Morselli . 250
Thomaz Edison . 211 Giovanni Schiaparelli . 251
August de Morgan . 211 Francesco Porro . 251
William Stead . 212 Filippo Bottazzi . 251
Homens célebres que estudaram o Espiritismo . 212 Giuseppe Lapponi ' . 251
Charles Richet . 214 Ernesto Bozzano . 252
James Maxwell . 218
César de Vesme ' . Ernesto Volpi . 256
219 Gino Trespioli ',' . 257
Eugene Osty . 220
Paul Gibier ',' . Rocco Santoliquido . 257
221
Gustave Geley . Innocencio Calderone . 257
222
Gabriel Delanne . DaI Pozzo . 258
225
Camille Flammarion . 225 Masucci . 258
E. Dupouy . 228 Amicis , ',' '" . 258
Eugene August de Rochas d'Aiglun . 228 Moroni . 258
Jules Thiebault ',' . 230 Rossi di Giustiniani . 258
Louis Jacolliot . 230 Vincenzo Galtagirone . 258
Barão de Guldenstubbé . 231 Emílio Servadio ', . 258
Joseph Ageorges . 232 Luigi Luciani . 258
Louis Figuier . 232 Giovani Schepis ',' . 259
Theodore Flournoy . 232 Alexander Aksakoff . 261
Léon Chevreuil . 232 Wagner , . 261
Julien Ochorowicz . 233 Boutlerov . 261
Hans Driesch . 236 Mendlejef . 261
Emmanuel Kant . 236 C. A. Bodisco . , , , , , , , . " ,., 26~
16 PEDRO GRANJA

CAPÍTULOS
Alexander Wilkins 261
Watrozwski o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o • o o o o o • o o o o o o o o 262
xv - Prova~ c;ien~íficas da Sobrevivência dos Espíritos .. o o • o •••• 263
Matenahzaçoes o. o o o o o o o o •• o o o o o o o o o o •• o o ••• o • o ••• o • o • o • o 263 PREFÁCIO
XVI - Materializações de Espíritos no Brasil o o o o o o o • o o o o o o • o ••• o
287
A conversão de Coelho Neto o o o o o o o o o o o • o o o o' o o o o o o o o o o o o • 288
O caso de Belém do Pará o o o o o o o o o o o o o o o o o • o o o o o 0,0 o o o o o 291
XVII - Materializações Assistidas pelo Autor o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o
319
Materializações dos Espíritos de Padre Zaheu Kauffman, de
Maria Martins, mais conhecida por "Irmã Noiva", e de
Terezínha Cavalcanti o o o o o o o o o o o o o • o o o • o o o o o • o • o o o o o o 334
XVIII - Desmaterializações o o o o •• o o o • o o • o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o
335 Meu caro Pedro Granja:
XIX - Transfigurações o o o o o o • o o o o o o o o o o o o o o o o o • o o o o o o o o o o o o o o o 351
XX - Vozes Diretas e Conclusão 365
o o o o o o o o o o o o o o o o • o o ••• o o o o • o • o
Pede-me V. um prefácio para êsCe livro e eu tremo! Não sei
cO.113o abordar o antigo "undiscovered country", já cão penetrado
hoje, mas cada vez mais dilatado e incompreensível. AFINAL,
QUEM SOMOS? é o: título da obra, e já aí sofro o primeiro
esbarro. Eu poria, AFINAL, QUE SOMOS? O "quem" da p'ri-
meira pergunta indica que SotrlJOS gente - mas seremos gente, Pedro
Granja? Os horrores de Dachau e Buchenwald me deL"Cam incerto.
r alvez sejamos apenas coisas vivas. E neste caso a pet'gunta seria:
"Que coisa, na ordeti'? universal, é êsse bichinbo que ora se revela
como SãQ Francisco de Assis, a pregar mnor aos peixes em vez de
pescá-los, ora como aquela Ir,ma Griese que num campo de con-
cetltração nazista amarrava as pemas das prisioneiras grávidas, para
que morressem nas dores horrendlts de um' parto impossível? Que
coisa é êsse estranho bichinho que ap'rimora a, inteligência até ao
ponto de desintegrar 'o invisível átomo,e depois vai com a bomba
acómica destruir cidades habitadas por dezenas de milhares de irmãos
inocentes de qualquer crime?
O transformismo define êsse vertebrado corno um POUM de proto-
plasma que foi evoluindo em' certo sentido, está hoje no estágio no
Homo sapiens e continuará e",'Oluindo enqzumto houver no pltmêta
condições para a vida orgânica.
- Ou enquanto as "invenções de morte" não puserem têrmo
às guerras pela extil1ção total da raça dos combatentes, dirá alguénl.
Sim, responde melancolicamente o filósofo, pensando nas armas,
em suas etapas históricas. Caminhávam'os a princípio lentamente.
Do simples facap'e inicial à flecha, quantos milhares e milhares de
anos! Já foi mais curto o cam'inbo da: flecha à espada. Depois a
progressão se fêz ge'ométrica: - arcabuz, colu~"I'Ína, cemhão, bomba
ahea e por fim bomba atómica. Ora~ a torneira da inventiva hu·
mana abre-se cada 1Jez mais com a exp:amã,o da ciência; e como a
progressão já está hoje geométrica, quem pode lJi'ever o que 1Jai
18 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 19

vir depois da bomba atômica? Êsse ttlicanho troglodita que mora na Mas a Desintegração não é um fim definitivo. Seja a de doTs
alm:a humana, o Patriotismo afana-s,e', em tôda parte, n'o apuro de astros que se chocam e voltam ao estado de nebulosa, ou seja ti
1'JOvas armas para a destruição dos que não pensam como êle. E de um corpo que passa do estado orgânico para o inorgânico, a desin-
estuda as possibilidades das "pesties di'rigidas", horrendas como a do tegração não constitui término absoluto, sim apenas parada, estação
Ano Mil de negra memória; e estuda gases asfixi,(fntes e outros. Mas de repouso. Tudo recomeça. A nebulosa vai lentamenPe se conden-
como bactéria de peste ou gás mortifero são armas de doís gumes, sando para produzir novos astros. E a matéria o'rgânica, que aj quimica
das que p'odem voltar-se contra quem as maneja, o que hoje faz o domina e maniprJla, pass,a de nôvo, ao sôpro da misteriosa energia
Patriotismo esfregar as mãos, de contente, é a rádio-eman,ação! Vida, para o estado orgânico. E novas "casas fisiológicas" surgem, em
que nossos "eus", vagos pelo espaço, i11visíveis aos nossos olhos, vêm
- Que é isso,? habitar d,e nÔvo.
Uma nova bomba atómica, cuja função não seja destruir pefa Ê o Eterno Retôrno. Ê a Roda que tanto' preocup,ava aquêle
violência do abalo, sim origínar tremendos focos de emanações radio- "lama vermelho" do Tibete, do "Kim", de Rudyard Kipling. Ê o
ativas 'mlo'rtais. Emanações imperceptíveis no momento, indect'etáveis, Círculo Perpétuo.
de modo que o "inimigo" só as perceba quando começarem a surgir A Lei da Evolução não segue' uma linha reta infinita. Deso'eve
degenerescências de tôd'a sorte, loucuras inéditas, dores nunca antes um círculo em que tôdas as Misas retornam. Tudo que boje é, já
sentidas e mil outros horrores inimagináveis, que irão encher do maís foi e será de nôvo no futuro, ou em sua forma atual ou eml formas
puro deleíte o Patriotismo da nação apUcador,a. E assim, até que outra novas imprevisíveis.
1lIação invente, por exemplo, a Fulminante Relâmpago, que em vez Sundartará a Ignorante disse um dia a um "guru" seu amigo,
de botar saltos de borracha em dez minutos, como 'o "Relâmpago" da que andava cheio de pensamentlos de morte material: "Deves ver-te
Praça da Sé, fulmine em dez 'minutos um país inteiro de cinqüenta como de fato és: um espírif!o em roupagem terrena. A verdadeira
ou cem milhões de habitantes. pessoa, o "eu" que és, não é êsse teu corpo, como eu não sou êste
meu corpo - coisas frágeis e sofredoras. SOMOS ESPIRITOS
E num tal tindar, numa tal "marcha celertfda", com todos os Esta- IMORTAIS E DIVINOS. Fortes e inalteráveis. Sempre tendentes
dos Maiores dispondo de todJos os recursos financeiros das nações para a melhorar, a aperfeiçoar, a apurar as nossas qualidades. Estamos
o aprimoramento da arte milit,ar, que é aarrte de' matar, o Patriotismo neste mO'1nento em missão aqui na Terra, que não sabemos qual sej.a,
acabará deixando o planêta nu e cdlvo como, a lua, sem o menor 'res- mas que' fatalmente será para o nosso bem."
quícto de vida orgânica. E acabou-se o homem. Sundartará era uma batlO!rina indiana reencarnada, tôda instintos
Será assim? e intuições, e o l/guru" um sábio que ainda não alcançava o doce
nirvana do perfeito cepticismo, pois ainda afirmava e negava. Jul.
- Não! responde você, 'meu cairo Pedro I Granj,çt, e responde exaus- gava-se dominador de tôdas as ciências e alrf.es - mas foi aprender a
tivamente nas copiosas lJáginas dêste livro. Porque' as bombas, as coisa suprema com a bailarina que n,ada sabia: "Somos imortais e
pestes e a rádio-letalidade destroem apenas as casas, não destroem os divinos".
moradores. Destroem a's casas de tijolo, pedra e ferro das cidades, e - E a missão?
destroem as "casas fisiológicas" em que moramos cada um de nós: - Uma só - evoluir.
- os nossos corpos. Mas não matam, não destroem, os nossos "eus". E, pois, a intuição de Sundart'arfÍ ensin:ou ao "guru", a um te1npo,
O "eu" que assiste à destruição de seu C'Orpo, dêle apenas se ttfasta, três coisas supremas - a Sobrevivência, a Divindade e o Fim'.
como se af.tlsta da gaiola o passarinho quando pilha a porta aberta. - A Sobrevivência eu comp1'eendo o que é, mas a Divindade?
Perece a casa; o morador continua vivo e eterno, em sua eterna per'e'- - O status de Deus.
grinação evolutiva. - E que é Deus?
A Lei da Evolução é a mesma Lei de Deus dos místicos. Na Lei - Uma emanação de nós mesmos em nossa totalidade espiritual.
da Evolução! não há princípio nem fim. Tudo se transformou eterna- O Deus comum, antropomórfico, feito à im..gem e semelbança do
menf'e. Tudo evolui nal direção de um término, que é a Desintegração. homem, é uma criação tão pobre que faz sorrir. Não há qualidade
A física atômica nos mostra o término do urt'i1úo, que com a desinte- ou defeito humano que êsse Deus não tenba. Vêmo~lo odiento com'O
gração dos átomos passa do elstado de matérict para o de energia. um 'r,acista, no feroz Jeová biblico. Aparece sadista como um Inquí-
AFINAL, QUEM SOMOS? 21
20 PEDRO GRANJA

peerece nesse Deus cO,m possibtlidades abrasarcloras. E portanto cumpre


sidor dominicano, no Deus de Felipe II. E no Moloch dos catagineses adorá-lo e temê-lo, e mantê-lo afastado de qualquer irritação por inter-
têmo-Io como precursor dos "maestros de torturar' de Buchenwald. médio de contínua lisonja. Dai o côro de "Graças a Deus!", humíli-
A ciência ensina, com a tremenda rigidez de quem diz e prova, mos e sinceTíssimos, arrancados do imo da alma. Para o filósofo
que o Deus comum, e ainda universal, é puro antropomorfismo. êsse côro não é mais que a evolução dd fumaça e elo sangue dos
É uma idealização do homem com tôdas as suas qualidades e defeitos. sacrifícios, ou da med'rosa genuflexão do servo diante de um perigoso
Até sexo êsse Deus tem, porque saiu do misticismo do macho humano Gengis-Kharj) 'onipotent'e, com a máscara da bondade no rosto.
e o macho humano sempre puX'ou tôd:ts as brasas para a sua sardinha.
E tem figura hU,11Zmw, porque o homem nada pode conceber acima ou Mas a ciência e a filosofia vão lentamente invadindo os domínios
além de si próprio. Fôssem os homens leões, e Deus teria 'm'ajest'osa teológicos e aperfeiçoando a idéia de Deus. Para alguém Deus não
juba. E se os homens fôssem minhocas, Deus seria um minhocão. passa de uma soma, ou fusão das consciências dos nossos "eus" de'sen-
A Divindade Supuma entre 'os negros da ÃfTica tem d pele negra; carnados, que já tenham dlcançado o mais alto grme de evolução que
já os demônios africanos são alvos de pele e louros. Na multiplicidade lhes é própria. Quer dizer que a Lei da Evolução alcança também
da idéia que fazemos de Deus, persiste irredutivel o antropomorfismo, Deus. Leva Deus, do odimto Jeová bíbliC'o a umaespécíe de gme-
como persistiria: o lombricimorfismlo, se fôssemos minhocas. ) rosa e larga Opin1ião Pública Universal.. Uma espécie de Consciência
O Deus dos espíritas é feito estritamente à imagem dos diretores Cósmica, formada pela fusão de tôdas as consciências individuais já
de "sessões de caride/de". livres da roupagem terrena e já numa altíssima "estação de 'repouso"
do processo evolutivo.
Ésse Deus dos espí'rit,as é um em Allm1 Kardec, o transformador
do Cristianismo em Espiritismo. Já varria um pouco em Flammari'on, Nas sociedades humanas temos a Opinião Pública - voz da nossa
o astrónomo que na gravit1ação das esfera~s via o desígnio de um Consciência Coletiva - voz de uma soma. Quando o desvario alemão
Jongleur Supremo. E é outro para a 'massa dos freqüentadores das perm'itiu o crime de Hitler, essa consciência coletiva se ergueu e
sessões espíritas, que recebem com sinceríssim'osi "Gr.aças a Deus!" qual- "abrasou" a Alemanha, como Jeová abrasou as cidades de Gomorra
quer coisa inabítual que aconteça. Se numa sessão de "fenôm,enos e Sodom,a.
físicos" a fôrça do médium fe!z que a cometa ou o pandeiro fosfores- De degrau em degrau êsse Deus Social ascende a Deus Universal.
centes se ergam no ar em 'levitação, o côro de "Graças aDeus"! que Os nossos "eus" desencarnados e já ent altíssimo estágio de evolução
sai de tôdas as bôcas é a própria unção vocalizada. fundem-se num. Todo Divino. Numa Consciência Universal.
Para aquela gente ali reunida, Deus ainda é um Ditador Invi-
sível, Onipotente e Onisciente, relembrativo dos deuses daantigüi- O Deus ant1ropomórfico está ligado à idéiet de "criação" porque
dade. Éstes não sabiam viver sem a permanente fumigação de suas o fenômeno da criação biol.ógica está aqui no planêta sempre esfer-
celestiais narinas com o cheiro de carne assada dos animais queimados vilhando em nosso redor. Vendo o continuo nascer de sêres novos,
nas aras de sacrifício. Ou do sangue quent:e da,s vítimas. Eralm o homem esquece o princípio de Lavoisier e imagina um Pai, um
eminentemente olfativos. O Moloch de Cartago dava preferência ao Criador Suprem'o. Mas Lavoisier disse que "nada se cria, nada se
odor dos assados infantis. No "Nazareno" de Shole.m Asch há uma destrói, tudo apenas se transforma". A idéia de que "nada se o'ia"
prodigiosa descrição de uma cena sacrificial, de crianças. O Deus Cató- implica a não-existência de "criação". E, pois, também, a ele "criador".
lico da Esp,anha de Felipe II queria ~ fumaça dos judeus e mouros O Univ,erso não foi criado, sempre existiu. E não será destruído, por-
torr.ados no "Quemadel'o" de Sevilha. que "nada se destrói". Apmas evoluiráe'ternamente. Lavoisier o disse
O Deus moderno dos espíritas já é um Deus de Bondade e e fechou a questão. Ainda não apareceu argumento nenhum que
Infinita Misericárdia. É antropomórfico,porque bondade e miseri- aluísse essa tortaleza.
córdia são qu.alidades humanas. E ainda não de todo liberto da - E o' rádio! A destruição da matéria pela radiação?
17tarca antiga. A famosa Prece de Cáritas aparece 'em muitas sessões
recitada comi uma pequena alteração t'ipica: "O Tu que podes com - Não há aí destruição da matéria. A física atômica mostra
um sôpro abras.ar tôda a terra" (l). O prestígio de Jeová ainda tra115- que a matéria apenas se transforma em energia, isto é, evolui para
energia. E é de mergia que sai a matéria. O Eterno Retómo, o
(1) Forma original: "Deus! Um raio~ uma faísca do teu amor poderá iluminar a
Círculo . . ,
terra" - Prece de Cáritas.
22 l':EDRO GRANJA

- Com que então Deus . ..


- .. .'está subordinado à Lei da Evolução. Ê uma Supercons. APRESENTAÇÃO
ciência Universal que evolui, e da crueldade que foi no tem'po de DA
Jeová, de Moloch, de Baal, do deus de Felipe II, já é hoje o Deus PRIMEIRA
de Bondade e Infinita Misericórdia dos espíritas. Mas ainda "criador",
"pai" - restos do antropomorfismo. EDIÇÃO
Nós, "eus", somos - propõe o filósofo - uma diluição de Deus
porque é com ti nossa evolução individual que, no fim, contribuímos
para a formação do Deus Total, como o pequeníssimo pólipo dos
mares da Oceania vai, lentamente, inconscientemente, numa pacien- "Na longa e dura tarefa de eliminar um pouco
tíssi~ concreção calcárea, formando a gigantesca ilha de coral. da minha própria ignorância e abrir caminho para
Deus: resultante última da evolução dos nossos "eus" aepois de algumas. das úteis vel'dades da vida, vi muitas vêzes,
soltos das nossa aluais gaiolinhas fisiológicas e depois de galgado!> em imaginação, o Grande Marcador que permanece
no portão da entrada da vida e que escreve: Pobre
todos os degraus da Metempsicose. tolo na testa dos que se acreditam sábios, e Pobre
- Mas, "AFINAL, QUEM SOMOS?" pecador na dos que se julgam santos" (*).
Você responde, neste livro a esta pergunta, meu caro Pedro Granja,
ao 'm'ostrar-nos 'o gigantesco esfôrço dos espíritas, êsses cegos que não
se conformam com a cegueira, êsses aleijados que tentiJlm apal,par, êsses Leitor amigo:
surdos que tentam ouvir, por intermédio aos olhos, do tacto e dos
ouvidos interiores da mediunidade. Dêsse sexto sentido, ou o que
IMPELIDOS por determinadas contingências que nos ligam à pu-
seja, que certas criaturas possuem, e p01' meio do qual tentamos a
ligação do passarinho ainda dentro da gaiola com os passarinhos já blicação dêste trabalho, embora dominando certo constrangimento
fora da gaiola, que, livres do estado 'Orgânico, vivem a vida de ondas íntimo, somos forçados a divulgar uma passagem de nossa vida que,
hertzianas pelo espaço imenso. Ondas hertzianas dotadas de inteli- como outras, preferíamos ver s,epultada no esquecimento.
gência, consciência e memória . .. Figuremos, leitor, antes de iniciar a narrativa, que ainda pos-
O assunto é grande demais, meu caro Pedro Granja, e como suis a interesseira e infantil curiosidade ao te contarem algo de
posso eu, pretensioso át'omo dos m'ais ínfimos - átomo só conven- maravilhoso; e desculpa-nos, depois, se não soubemos descrever-te
cido de que nada sabe e nada pode saber - prefaciar um livro que uma fábula atraente, filha da imaginação, e sim, apenas, uma his-
é um quadro' imenso da nossa cegueira e da nossa impotência, nesse tória real e vivida. E se compreenderes a nossa sinceridade e qui-
desesperado esfôrço dos vivos para VER O QUE Ê INVISIVEL E seres ir até ao fim, muito agradecidos ficaremos pelo interêsse.
COMPREENDER O QUE Ê INCOMPREENSIVEL?
A história começa assim:
Em anos que já vão longe, talvez mais que a ti, a fé religiosa
nos dominava. O mundo nos sorria; era belo e fraterno. Mas
quando a necessidade de labutar pela vida passou a encaminhar os
nossos passos, chocamo-nos com as suas arestas e vimos, decepcio-
nados, que o belo e o fraterno não ,existiam. Assaltada pelos ecos
da razão a fé periclitou, e a descrença se foi infiltrando em nosso
espírito. Daí para a desilusão, para a apatia, para o não crer,

(*) Revendo velhos guardados, encontramos num pedaço de papel, descolorido


pelo tempo, êsse período. Relendo-o, veio·nos a idéia de imprimi·lo novamente, fazen-
do O upendant" desta apresep.tação, se bem que, infelizmente, não poss,amos identi·
10-11-47. ficar o autor e a übra, em virtude de não os termos anotado.
24 PEDRO GRANJA AF1NAL, QUEM SOMosr 25

para o nada, mediava apenas um passo. Êsse passo, a vida nos aspecto e pelo jeito, figurava um velhinho arcado, encarquilhado,
forçou a dar. trémulo no andar. Demonstrava, todavia, intimidade com os pre·
Foi quando em nossa lida de simples obreiro, no contacto diu- sentes - e isso já era melhor porque, menos solene e menos cir-
turno com a hipocrisia e o egoísmo, entramos a ser apontados cunspecto, sabia ser "mais igual"; mas a voz, de timbre modificado,
também como hipócritas e egoístas. aparentava o guinholesco sotaque africano e sugeria mais uma ver-
Difamados por intrigas mesquinhas, éramos mordidos pelas ser- gonhosa insinuação para nos convencer!
pes da calúnia e da inveja no mais puro dos nossos sentimentos: No entanto, se a idéia da "coisa" representada era essa, outra
a lealdade. E a acusação se estribava em atos que jamais pratica- era a idéia que se antepunha aos nossos pensamentos. Isto, num
mos e nunca nos passaram pela mente. Nem a imputação calu- teatro (refletíamos) faria entediar até as pulgas... Então, para
niosa de tais delações, nem as lágrimas inocentes que vertemos nos combater o fastio, pusemo-nos a parafusar o cérebro, fantasiando "coisas
aliviaram o espirito que sofria. Tudo suportávamos. Sofríamos lindas!" Tão lindas, que seria impróprio transcrevê-las aqui ...
em silêncio, porque seria pior se nos desabafássemos ...
Porém, enquanto divagávamos, a mente ainda podia influir sôbre
* * :I: o tédio, e tudo ia mais ou menos bem. Bem, não é o térmo adequado.
Suportável, é preferível. Mas, prostrados pelo cansaço, pusemo-nos a
Durante o período de abatimento moral fomos convidados para cochilar, vencidos pelo soporífero tema, que absolutamente não nos
assistir a uma sessão espirita. Acedemos... Acedemos, porém, mais interessava e não se harmonizava com o nosso sentir. Bah! Fé, tole-
em atenção a quem nos convidava, pois nossa idéia era que se os rância, fraternidade e demais temas eram fantasias, no estado de des-
sêres daqui representavam tão torpemente a espécie humana, os de crença em que nos encontrávamos. .. Portanto, toca a cochilar!
lá, se os houvesse, também seriam dotados das mesmas imperfeições. Eis que, em mero a êsses cochilos, o cotovelo do vizinho gen-
Chegou, afinal, o momento da experiência, mas em nós só havia tilmente nos alerta. A "coisa" estava se referindo a nós. E como
descrença e arrependimento. Que diabo! Pelo menos a "memória" passasse a falar sôbre o desgôsto que naquele tempo nos acabm-
de um morto nos parecia digna de respeito. Mas a "coisa" co- nhava, logicamente começou a interessar.
meçou ... E as primeiras palavras despertaram de tal modo a nossa
E como começou mal! atenção que, logo depois, já não tínhamos mais aquilo como "coisa",
Se a expectativa já nos predispusera ao arrependimento, muito e sim como uma intelígência desconhecida. A seguir, essa inteli-
pior estávamos depois. Isso de uma jóvem desconhecida cerrar os gência recapitulou tudo; e tudo esmiuçou de nossa vida: a origem
olhos, soltar três ou quatro suspiros, dar meia dúzia de bufos e de nosso desgôsto, os incidentes que o provocaram, os efeitos causa-
fazer alguns tremeliques para depois se dizer o espirita de Fulano dos. Analisou pequeninos detalhes de nosso gênio, de caráter, de
e ditar moral, era coisa que também poderíamos engendrar. Tão in- sentimentos, de tal modo que realmente nos "embatucou".
fantil aquilo se nos afigurava que começamos a duvidar da sani- Disse-nos mais: "que em breve, talvez menos de um ano, tería-
dade mental dos presentes. mos a alegria de estar novamente limpos da nódoa caluniosa, e
Não durou muito o azoinar da padenda e concluiu-se ela exal- que outros fatos iriam demonstrar a perversidade do seu verdadeiro
tando-se a fraternidade e a fé, como se o fizessem com o delibe- autor". Foi além: consolou-nos como bom amigo, convidando-nos
rado propósito de nos irritar ainda mais o ânimo. O sermão só a voltar.
contribuiu para cristalizar ü nosso cepticismo. E, entre suspiros, Se ao iniciar a experiência estávamos desejosos de nos safar o
bufos e tremeliques, a "coisa" lá se foi. A moça, já "consciente" mais rápido possível dali, diametralmente oposta era nossa vontade
de seu estado, arregala os olhos e pronuncia um suspirado e agra- no fim. Mas não era gratidão. Ao contrário: o que nos interes-
decido -"Graças a Deus!". Nós, sem sabermos por que, involun- sava era destrinçar as ocorrências. E ficamos. Ficamos para nossa
tàriamente resmungamos um "Amem!" - talvez mais de alívio do vergonha, pois agora chega a vez de confessarmos que executamos,
que por convicção. grotescamente, verdadeiro trabalho de sapa, inquirindo e, às vêzes,
Embora muito contra a nossa vontade o espetáculo não termi- maldosamente insinuando.
nou assim. Repete-se a encenação inicial, e tudo recomeça - mas Se é certo que a inocência se impõe pela simplicidade da boa-fé,
diferente. Diferente, pelo que dizia. O sér, ou a "coisa", pelo não menos certo é que a vileza se perde pelos enredos que cria,
26 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 27

e daí o arrependimento quando a virulência do mal se volta contra Todavia, um fato interessante aconteceu: à medida que em
quem o projetou. Foi, em suma, o que nos sucedeu ... nosso espírito a perseverança acentuava e progredia a vontade de
E bem o merecemos naquele momento! Sim, porque o fato sermos sinceros, compreendíamos melhor os problemas da vida e
de tanto inquirir e insistir acabou, finalmente, por irritar os pre- da morte, e mais se afirmava o conhecimento da sabedoria de suas
sentes, a ponto de sermos advertidos pelo dono da casa de que as leis naturais e harmoniosas. Dirigimos então, sempre guiados pela
portas de sua residência só se abriam às pessoas íntimas, amigos Sombra Amiga, uma ardente invocação, a eSSa Eterna Sabedoria,
idôneos, cônscios de suas convicções e incapazes de abrigar a men- a qual nos atendeu, como atende a todos os que a procuram ani-
tira ou praticar, deliberadamente, a mistificação. mados pela vontade do amor e do bem.
Posto que adivinhássemos o alcance das palavras, agimos como
no momento se nos afigurou acertado: desculpamo-nos ràpidamente; A par desta Sombra Amiga, hoje também podemos repetir:
procuramos desfazer a má impressão de nossa ignorância e ao mes- Provas, provas evidentes, fatos, observações diretas e pessoais vieram
mo tempo "desguiar" a transcendência do assunto, ajeitando um confirmar as nossas deduções e fortalecer nossas convicções numa
tema mais terreno e material. base sólida, inabalável. Depois de duvidar, acredit,amos; depois de
Afinal de contas, filosofamos, não era preciso grande inteli- ter negado vimos. E a paz, a confiança, a fôrça moral desceram sôbre
gência para perceber que o estranho ali éramos nós, apenas cre- nós. Eis o bem que, na sinceridade do nosso coração, desej osos de
denciados pela apresentação de um amigo. sermos útil aos nossos semelhantes, oferecemos aos que sofrem e
E como na fábula de La Fontaine, ao sair tivemos a intuição desesperam.
de que reproduzíamos aquilo que o burro fizera em suas apertu- Assim, no entusiasmo absorvente dos estudos do Espiritismo,
ras, pois a carinhosa despedida e a gentil of.erta dêsse convívio e os meses se passavam velozes, e já tínhamos olvidado, talvez como
seu fraternal ,estímulo, consolidavam ainda mais a nossa desagra- pequeno indído de seus benéficos frutos, do que havia afiançado
dável impressão. a Sombra Amiga na primeira vez que nos ,encontramos. Cremos
Na rua demos plena expansão à língua, a fim de saciar a curio- hoje que nessa altura o esquecimento já era um quase perdão, pois
sidade "represada" em nosso cérebro, - tantas e tais foram as per- nos esforçávamos por julgar desapaixonadamente o fato e encarar
guntas, os comentários, as críticas, as deduções, os sofismos com que com mais simpatia o autor.
atormentamos o nosso pobre companheiro, que êle, com ares de
Eis, porém, que em menos de dez meses, '''0 desenrolar de ou-
grande arrependimento pela infeliz idéia que tivera, finalmente
tros fatos", como afirmara a Sombra Amiga, veio provar a exis.
explodiu:
tênda da Justiça Divina!
- Sei lá, homem de Deus!... Se quer saber quem antes da
galinha botou o ÔVO, volte para o lugar de onde veio, e o espí- E nunca supusêmo-Ia como se realizou ...
rito-galinha do primeiro ôvo que resolva o problema.
Despedimo-nos assim. Em casa não conseguimos dormir. Aquela * * *
estréia com os espíritos desfilava continuamente, como um filme.
Naquela noite tudo nos fôra adverso, mas voltaríamos lá quantas
vêzes fôsse preciso, até nos convencer do que era a Verdade. Leitor amigo:
Voltamos. " E, como a noite tivesse sido boa conselheira, vol. Aqui termina a história que nos propusemos contar. Terás
távamos sinceros, abrindo com tôda a franqueza e humildade as razão se acaso ela não te interessou. Compreendemos. Sempre são
mazelas de nossa alma, as fraquezas de nossas descrenças, as nossas "histórias dos outros". .. Porém, tenta ainda, num último esfôrço,
revoltas recalcadas, dispostos a renunciar ao passado se deparásse- ir até o fim destas linhas; quem sabe se a idéia final que nelas
mos um roteiro, um apoio firme, um guia para os nossos anseios. expomos despertará a simpatia de teu interêsse.
Fomos felizes. Encontramos naquela casa o carinho fraterno Daí, se acaso não queiras prosseguir na leitura, poderás fechar
e a bondade desinteressada de uma "Sombra Amiga", que passou as páginas dêste livro. Agradeceremos do mesmo modo e o por
a velar pelo nosso esclar,ecimento e guiar.nos em nossos estudos. que diremos mais adiante.
28 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 29
Acertado isto, "faz-de-conta" (I) que outra história continua
a da humanidade. Ela principia mais ou menos assim: o seu aperfeiçoamento. Tôdas as liberdades modernas pode-se dizer
Interpretações arbitrárias de hipóteses religiosas e científicas, se originaram do Espiritismo. Q,.. >~.~ê,1?i!:i1Q,,=>~~J2~11\;".>~9_Q51~.~.,,9»~L>', ,
como o catolicismo e o protestantismo, ou o materialismo e o po- "spiritus flat ubi vult".
sitiyismo, (2) etc., concepções, em suma, que invocam um deus O Espiritismo ampliou, como ciência, o v·elho axioma (e por
amorfo, um instinto ou um princípio, eis aí alguns sistemas acêrca êle se guiou) de que ':1º~lQ,".gf~it.Q,,~.1~1,U,_um~ílllSi',afirmando que
dos conhecimentos que, durante muito tempo, entretiveram as mais "todo efeito inteligente faz pressupor uma causa inteligente". Tais
absurdas ilusões e atingiram o clímax da ficção. são, em sintese, os princípios inabaláveis em que repousam as de·
Portanto, o que havia de melhor em nós, o que atenuava a monstrações espiríticas.
violência dos instintos e das paixões, era apenas a convencional e A ciência espírita foi além do que se propusera. Estudou e
arbitrária religiosidade, de um lado; e do outro, o fruto da matéria consultou a vida íntima dos povos, desde as mais remotas eras,
brutal. O próprio metapsiquismo, não podendo implantar-se no analisando profundamente as suas crenças, e em todos êles, bárbaros
seio do povo, procurou insinuar-se em uma suposta elite, e ou civilizados, achou cimentada de forma indestrutível a idéia
infiltrar-se por meio de teorias com pretensões científicas, mas salutar e grandiosa de que o homem sempre acreditou em outra
subserviente às mesmas paixões materialistas e aos mesmos impulsos vida, em muitas vidas mesmo, idéia essa "que tem resistido, a
ancestrais. despeito de tudo, ao perpassar implacável do tempo, e ao embate
Dada em sua origem como um dos mai.s notáveis acontecimentos constante das filosofias e dos cepticismos".
da ciência humana - quer pelos seus ilacionismos e agnosticismos E concluiu, então, que eSsa crença, cuja história se demonstra
criticistas e positivistas, quer pelo idealismo materialista e fenome- tão arraigada no espírito dos povos, não se firmava em meras
nista - a aparente influência da escola metapsiquista Gerá por nós
concepções metafisicas, mais ou menos transcendentais. A seu ver,
detalhadamente estudada em tempo oportuno.
resultava da certeZa vívida e positiva decorrente da existência e
Mas, a famosa ficção do eu, ardentemente desenvolvida por aparição dos mortos. E dessa convicção, determinada pelas apari-
essas teorias, ficção que reflete o cognoscente, o sujeito, o substrato, ções, assombrações, fantasmas· de mortos e vivos, visões, premonições,
(isto é, aquêle que permanece através de tôdas as modificações, a etc., tradicionalmente transmitida de gerações a gerações, é que
excretar-se, como um acaso, para fora de sr mesmo e atingindo uma nasceu a idéia universal da imortalidade e da espiritualidade.
realidade distinta, sem que nada haja que o ligue exteriormente),
é incompatível com a unidade espiritista. E fêz mais. Através dos fatos comprovou que, além da matéria,
O neomaterialismo da moderna escola metapsiquista é hoje existe no homem um sêr livre e inteligente, cuja fôrça perdurável
ainda muito mais perigoso do que o leigo, pois se funda na vontade a morte não destrói: "a alma humana".
insondável de um suposto eu, e não conhece limites. Ao passo que E a todos que queriam saber sôbre a alma - se em cada
° Espiritismo, desenvolvendo a autoridade de Deus, limitou a do criatura existia uma alma, se cada criatura era uma alma, na
eu, concorreu para incitar-lhe a atividade intelectual e, finalmente, extensão da palavra, ou unicamente um agregado de células, um
cooperou para o aparecimento científico da imortalidade da alma, corpo de carne perecível, e se "haveria outra vida", afirmou:
pois que somente as idéias morais e os sentimentos de ordem elevada "A esta dúvida, que por vêzes salteia a inteligência humana,
determinam os grandes movimentos evolutivos da humanidade. responde triunfantemente a ciência .espírita com as suas revelações
Foi, em suma, o que fêz introduzir na vida moral dos povos, de além-túmulo, confirmando assim os assertos da razão e da nossa
especialmente do século XVII em diante, as idéias de liberdade consciência, que nos arrastam à afirmativa".
religiosa e de liberdade individual, e contribuiu eficazmente para
Milhares dêsses fatos comprovativos constam dos "Anais do
(l) A lendária Emília, célebre personagem infantil criada pelo gênio de Monteiro
Espiritismo" e autorizam a proclamação da existência da alma.
Lobato, nos momentos difíceis aplica o seu misteriÜ'so "faz-de-conta" - cujo poder é tão Além disso, tais casos provam que a alma é imortal, sobrevive à
eficaz que atinge a ação do tempo e do espaço no passado, no presente e no futuro,
segundo a "sua" vontade. Daí aplicarmos o uemiliano" ft1Z~de~conta: ... morte do corpo e continua a agir independente dêsse corpo, assim
(2) A tal respeito, consulte'-se "Ontologíe", de Durand de Gros, obra notável, que como pôde agir independente dêle, quando se demonstrou, na vida
refuta tais doutrinas.
terrena, através dos fenômenos anímicos.
30 PEDRO GRANJA AFINAI., QUEM SOMOS? 31

o moderno Espiritismo, como ciência, não se detém na esfera trarem nos postulados de sua ciência, ponto de apoio divergente para
da abstração, dos dogmas herméticos, das ortodoxias seculares, pois compreender a doutrina espírita.
não são argumentos positivos com que se possam combater a Neste ensaio, portanto, será perfeitamente compreensível a razão
dialética materialista, fria, exigente e rigorosa. Para se antepor a de preferirmos a divulgação do patrimônio científico do Espiritismo
êles .......... já dizia Allan Kardec numa de suas primeiras obras - "expõe ao patrimônio religioso. "Isso não quer dizer que desdenhamos o
fatos, mas fatos incontestáveis", ensinando que: aspecto religioso do Espiritismo; apenas deixamos de fazer-lhe refe-
"O Espiritismo não considera princípio absoluto senão o que é rências mais acentuadas porque existe em nosso país farta literatura
demonstrado com evidência, ou que ressalta logicamente da obser- a respeito, ao passo que são poucas, no vernáculo, as obras de cunho
vação. Tocando em todos os ramos da economia social, aos quais prático". (4)
presta o apoio das suas próprias descobertas, assimilará sempre tôdas Considerando-se, por outro lado, que os centros espíritas, consti-
as doutrinas progressistas, de qualquer ordem que sejam, depois de tuídos para o estudo da parte evangélica, não agremiam sábios, pois
libertadas do domínio da utopia e chegadas ao estado de verdades que dêles participam criaturas de mediana cultura ·e, em maioría, de
práticas. Sem isso pereceria; deixaria de ser o que é; degeneraria conhecimentos elementares, nestas condições seria improfícua a disser-
a sua origem e o seu fim providencial. O Espiritismo, marchando tação sôbre temas cuja elevação estivesse muito acima da capacidade
com o progresso, não será nunca ultrapassado, porque se novas desco- intelectual dos ouvintes.
bertas demonstrarem que num determinado ponto está em êrro, modi- Sôbre o assunto, vem a propósito recordar as palavras de nosso
fícar-se-á nesse ponto; se uma descoberta se positivar, aceitá-Ia-á". confrade, amigo e mestre, Professor Leopoldo Machado, a fim de
E, oitenta anos mais tarde, ao reafirmar o raciocínio do preclaro compreenderem melhor o nosso pensamento. Disse êle:
Mestre, o brilhante médico, Dr. Inácio Ferreira, esclareda-o assim: "Estudai o Espiritismo, através de seus aspectos filosófico, reli-
"Estudar, analisar, classificar e proceder com critério, nunca afir- gioso e científico, e acabareis convindo que com o seu advento, não
há os que crêem e descrêem na sobrevivência, mas os que sabem e
mando, porém, sempre recorrendo ao auxílio do mais prático, tal
os que ignoram" . ..
devemos fazer, deixando de lado o orgulho, a falsa sabedoria e o
entusiasmo, fatôres que poderosamente têm contribuído para afastar E ninguém contestará, embora comparando-se o patrimônio atual
a ciência oficial e os investigadores honestos, de cujo auxílio não como o das gerações passadas, que a humanidade ainda necessita de
prescindimos e de cujo cabedal necessitamos para maior e mais rápida melhor educação e de melhores conhecimentos para atingir os seus
evolução de nós mesmos. ideais de felicidade fraterna.
Salvo supondo ainda exato o doloroso conceito de que serão
Não queiram, porém, fazer dêstesensinamentos e dêstes recursos
banidos os idealistas que crêem não haver entre as religiões e os
teóricos, uma similar da fonte de Lourdes, de onde jorra, para todos
indivíduos um só código moral e distinto para a futura fraternidade
os tormentos e todos os defeitos orgânicos, o bálsamo milagroso que
universal, é que poderia a velha teologia, guerreira e imperialista,
tudo corrige e tudo cura. Apresentem os fatos tais quais são, pois
em seu nome, anatematizar as mentalidades jovens e bem intencio-
êles são tão sublimes e tão verdadeiros que dispensam a roupagem
nadas de outras doutrinas, frutos de uma escola essencialmente pací-
do exagêro e da fantasia berrante que apenas exterioriza ilusão e
fica e progressista.
charlatanice" . .. (3)
Neste caso, poderá, então, a antiga e cega missão civilizadora
A sua quase exclusiva preocupação é o preparo moral da huma- católica, do crê ou ,morre} dominar a penetração da inteligência, da
nidade, ainda mesmo quando tratando de pontos científicos, pois que razão e da análise, através da evolução da ciência que, talvez por
o mundo dos ,espíritos é tão natural como o nosso mundo terrestre. mais prudente, por si também mais justa, se mantém ainda impe-
O terror em relação aos fenômenos espíritas, quas·e sempre gerado netrável?
pela ignorância supersticiosa, transforma-se em profunda admiração
Se, porém, triunfar a antiga doutrina católica, tão deploràvel-
e alegria em virtude da naturalidade de suas leis, por não se encon-
mente extorquida em benefício de um clã, permanecendo sobretudo

(3) Inácio Ferreira - "Inimigos do Espiritismo", (4) A. S. Tôrres - "Como Falar com os Mortos".
AFINAL, QUEM SOMOS? 33
32 PEDRO GRANJA

O nome, porém, pouco importa quando o autor dêle procura


Os dogmas rígidos e os mistérios de tal doutrina como condição primor-
se desligar. Ê que a idéia não lhe pertence. O estudo, encontrou
dial à sua existência, poderemos então falar, sem ênfase nem retórica,
pronto. E as pesquisas, já realizadas. De seu, é somente o trabalho
na falência da civilização, cuja essencia deve ser a expansão da igno-
de concatenar o que já existia e mais os erros que o leitor fàdlmente
rância e da miséria, em detrimento da confraternidade universal.
corrigira. O mais não lhe pertence . ..
Neste sentido, cabe bem recordar as palavras de Antônio de
'* * * Sousa Macedo, quando, apresentando-se ao leitor, dizia:
"Mas porque não é lícito aos país negar os filhos, pôsto que
Agora, leitor amigo, mais uma vez vamos falar de nós, portanto defeituosos, confesso que a arquitetura é minha e que me parece
ouve-nos bem, pois entregando-te as páginas que se seguem, despe- que nela sirvo como as abelhas, que fabricando do alheio, servem
dimo-nos de ti como singelo obreiro que julga cumprida a sua tarefa. mais que as aranhas, tecendo do próprio. Não é pequeno serviço
O livro é mal escrito; afeiam-Ihe as páginas inúmeros erros e ajuntar o disperso, abreviar o longo, apartar o seleto".
a deselegância do estilo lhe tira o sabor do belo, permanecendo Portanto, leitor amigo, e tu confrade e irmão, se encontrares nas
somente a narração dos fatos despidos de qualquer adôrno. Os de- páginas que se seguem algo de ti mesmo, não te perturbes com o
feitos da forma e a pobreza intelectual do autor não serão motivos descuido, que talvez por inadvertência superior à capacidade e não
para se desprezar o todo. Seria covardia moral o resguardar a nossa por má fé - isso nunca - esquecêramos de citar o verdadeiro nome
ignorância, valendo-nos de um suposto nome. Eis daí a resolução de seu autor.
- mesmo porque a concepção que fazemos da Vida um nome repre- Mas se te preocupares muito com a falha cometida, olha meu
senta muito pouco e na realidade vale tão pouca coisa ... caro amigo que para isso, ainda, há fácil reparo, pois estás autori-
Quando, na pobreza de nossa ignorância, encetamos esta obra, zado a mudar pelo teu o nome que aqui imprimimos.
parecia-nos por demais árdua; porém - a simples idéia de sermos
úteis aos desiludidos e aos que sofrem - estranhas fôrças de uma O AUTOR.
Sombra Amiga vinham, então, amparar os nossos desfalecimentos, pois
que jamais a teríamos conseguido se dependesse única e exclusiva-
mente de nós.
Não creias, finalmente, se estas páginas não te satisfizerem no
que buscas, que fizeste inútil desperdício. Pelo contrário: praticaste
uma caridade, pois o teu dinheiro irá mitigar a fome dos que a
sentem, e acalentar o inverno dos que padecem. A renda bruta
desta publicação será entregue em partes iguais ao "Abrigo Batuíra"
e ao "Instituto Padre Chico". Uma, à inocência que ainda não com-
preende as suas misérias... Outra, à cegueira que talvez, intima-
mente, compreende as misérias dos que vêem ...
A todos, enfim, que lutam, que sofrem que choram, há nestas
páginas um convite à esperança; e para os que riem, que zombam,
que fazem sofrer, há o sincero convite à meditação. Elas não têm
outro mérito. A sua origem é o estudo do espírito, o seu fim con-
vidar a que todos o estudem, para a própria evolução.
A sua publicidade não traduz preocupação de vaidade: é obra
de inúmeros autores espíritas} porque é a síntese de vários estudos
em benefício de seus irmãos terrenos, e encima o título desta obra
um nome' que a convenção literária designa como seu autor.
CAPÍTULO I

OS
VEDAS

S E consultarmos a história das religiões, veremos que, desde


as mais remotas eras, duas doutrinas tiv-eram curso no seio da huma-
nidade: a "doutrina científica" e a "doutrina simbólica"; a dos inicia-
dos, para os quais see-rguia o véu dos mistérios, e ada multidão
ingênua, à qual se dava por pasto a "lenda" ou a "mitologia".
Entretanto, evidencia-se um curioso fato: é que em tôrno de
tôdas as doutrinas r-eligiosas que daí surgiram - quer pela antigui-
dade de tradição que se conservavam nos altares, quer pela descrição
de fenômenos supranormais, até maravilhosos, que se revelavam nos
ensinos secretos - os homens, a par das obras literárias que possuiam,
para afirmarem e pregarem a imortalidade da alma têm, sem dúvida,
consultado antes de escrever.
Porém, qual a origem dessas obras? De onde vieram? Quais
foram os que as conheceram e depois fizeram a sua descrição? Se-
gundo o que pudemos apurar, foram os inici.ados védicos.
Embora a idade dos Vedas ainda não possa ser fixada com pre-
cisão, Souryo-Shiddanto, astrónomo indu, cujas observações sôbre a
posição e percursodasestrêlas remontam a 58.000 anos, fala dos
Vedas como obras já veneradas pela sua antiguidade (1).
No transcurso da iniciação o~ revelavam as leis que regem
os mistérios da imortalidade da alina, da pluralidade das existências,
dos mundos e das comunicações dos mortos, ensinando ao neófito
que as mais antigas escrituras do Universo são as que resplandecem
no céu, descritas nos signos do Zodíaco, pois aí sei encontravam velados
os segredos dêsses mistérios.
Assim é que, intérpretes da ciência oculta, da doutrina secreta,
da astronomia e dos mistérios do incognoscível, transmitiam os seus
conhecimentos, explicando:
Agni, o fogo, é o símbolo do Eterno Masculino ou Espírito
Criador.

(1) Paul Gibier - "Do Faquirismo Ocidental".


36 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 37

Soma, o licor do sacrifício, é o símbolo do Eterno Feminino, Muito antes de terem aparecido os grandes reveladores dos
Alma do Mundo, substância etérea. tempos históricos, era a reencarnação da alma, ou melhor a plura-
E, em sua união perfeita, êsses dois princípios essenciais do Uni- lidade das existências, preservada na tradição oral dos seus cânticos
verso constituem o Sêr Supremo, Zi,ans, ou seja - Deus. até que a escrita permitiu fixá-la e daí ser introduzida nos livros
O Sêr Supremo se imola a si próprio e se divide para produzir sagrados, pelos iniciados, profetas e sacerdotes védicos, cujas prin-
a Vida Universal. Assim, os mundos e os sêres saídos de Deusl voltam cipais características notadamente se apresentavam como revelações
a Deus, por uma evolução constante. Daí a teoria da queda e da mediúnicas com minúcias de verdadeiras comunicações espíritas.
reascenção das almas que se encontram nas religiões. Tudo concorre para justificar esta gênese grandiosa e sublime
cuja ancianidade se que fazemos da raça védica. É fato incontestável que a Ásia central,
perde na noite dos tempos, as leis que regem as reencarnações das berço da raça ariana ou adâmica, é ao mesmo tempo berço das tradi-
almas e a pluralidade dos mundos: ções mais antigas sôbre a queda original, sôbre a encarnação de Messias
e sôbre a multiplicidade dos mundos, bem como das existências.
··§~7Y2~7. . ~9:t!:.~g~.tg~.~ .• ~Q~.Y9§§g§"fl~§~g§,",.§Q ...•fitt~i.§...sQnst~,ªJ;.:;;Y.º.§
.~. ~E5?,~.!.t.~~t.1"d!9,r.!E2'!E~E~.:.§?.~9Y~§Jig~ç§~.s ..~<:2!n ..Q1:!g~Q!.llos_~om. A história comprovou a filiação dos Egípcios, dos Iranianos, dos
,Q.R.!!9§_tn,';.tQ_<;?§•.. Celtas, simples colônias. vindas do Indostão, que levaram consigo, mais
Era, sobretudo, no sacrifício do fogo que se resumia todo o ou menos desfigurada, a Bíblia primitiva que se denomina: "Os Vedas".
culto védico: Porém, quando a escrita foi introduzida na Índia e divulgados
"Enquanto se cumpre 'Ü sacrifício, dizem os Vedas, os Assouras os livros sagrados, que a tradição iniciática transmitia através das
ou .espíritos superiores, e os Pitris ou almas dos antepassados cercam gerações, livros êsses compostos cêrca de cinqüenta séculos a. J.C;
os assistentes e se associam às suas preces". e tendo sido compilados, revistos e coordenados mais tarde por um
Partindo-se, portanto, dêsses ensinos, a ilação que daí se infere sábio brâmane, Vyasa (5), o Bramanismo e o Budismo nela s·e inspi-
é que a crença nos espíritos remonta às primeiras idades do mundo. rarame hoje, como veremos nos capítulos seguintes, setecentos ou
Ainda vêm reforçá-la, adquirindo expressiva significação, o fato de oitocentos milhões de asiáticos crêem na pluralidade das existências
os Vedas afirmarem e na dos mundos.
ar;;tIê;;s·"··dO:··..· · . ····:ci:iIt;;..~··a. ····~·~·········
imortalidade . " ~ e ., a reencarnacão
'" ~.._.._~"~,, da------.---
alma nos

"Há uma parte imortal do homem que é aquela, ó Agni, que


cumpre aquecer com teus raios, inflamar com teus fogos. De onde
nasceu a alma? Umas vêm para nós e daqui partem, outras partem
e tornar a voltar" ( 2 ).
"ó Agni! Fogo sagrado! Fogo purificante! Tu que dormes no
lenho e te elevas em chamas brilhantes sôbre o altar, tu és o coração,
a centelha divina que arde em tôdas as coisas e a alma gloriosa
do sol" (3).
Achamos elevados, e sobretudo nos causam profunda admiração,
os seus antigos conselhos:
'''Sê, para o teu inimigo, o que é a terra, que recompensa com
fartas colheitas o lavrador que lhe rasga o seio. Sê, para aquêle
que te aflige, o que é o sândalo, que perfuma o machado do lenha-
dor que o corta" (4). (5) Os livros sagrados dos Vedas, cuja origem remonta a altissima aatigüidade,
foram compilados por um sábio bramane que, por isso, re'cebeu o nome de Vyasa
(compilador) ,cêrca de 14 séculos a.].C., e fixados definitivamente pela escrita emre
os séculos IX e VIII, quando a escrita foi introduzida na ladia devido à influência
(2) Léon Denis - "Depois da Morte". fenicia, segundo alguns orientalistas. Atribui-se também a Vyasa a compilação dos
(3) Edouard Schuré - "Os Grandes Iniciados". "Puranas" e do poema épico "Maabárata". (Cf. A. Lobo Vilela - "O Problema da
(4) Padre V. Marchal - "O Espirito Consolador". Sobrevivência" .
CAPÍTULO II

o
BRAMANISMO

DURANTE a época védica, na vasta solidão dos bosques, nas


margens dos rios e lagos, anacoretas ou rishis passavam o dia em
retiro. Intérpretes da ciência oculta, da doutrina secreta dos Vedas,
êles já possuiam êsses misteriosos poderes transmitidos de século em
século, e de que gozam ainda os faquires e os iogues.
Dessa confraria de solitários saiu o pensamento inovador, pri-
meiro impulso que fêz do Bramanismo a mais colossal das teocracias.
1;:!"~educado pelos ascetas no seio das hibernais temperaturas
que coroam os píncaros nevoentos dos Himalaia, foi o inspirador das
crenças dos indus. Apoiando-se sôbre as idéias da trindade, da imor-
talidade da alma e de seus renascimentos sucessivos, renovou aS dou-
trinas védicas.
"Quando morrermos, dizia êle (1 ), nossas riquezas ficarão em
casa, mas nossas virtudes e nossos vícios, nossas boas obras e nossas
faltas, seguem-nos em a outra vida.
"O corpo, envoltório da alma que aí faz a sua morada, é uma
coisa finita; porém a alma que o habita é invisível, imponderável
e eterna.
V "O destino da alma depois da morte constitui o mistério dos
renascimentos. Assim como as profundezas do céu se abrem aos
raios dos astros, assim também os recônditos da vida se esclarecem
à luz desta verdade.
"Quando o corpo entra em dissolução, se a pureza é que o
domina, a alma voa para as regiões dêsses sêres puros que têm o
conhecimento do Altíssimo. Mas se é dominado pela paixão, a alma
vem de nôvo habitar entre aquêles que estão presos às coisas da terra.
"Todo ° renascimento, feliz ou desgraçado, é uma conseqüência
das obras praticadas nas vidas anteriores.

(1) Crisna - "Baghavad Gita" - Tradução francesa por Emile Bourneuf, C.


ShegeI e Wilkins. (Baghavad Gira quer dizer: "A sublime canção da imortalidade").
40 PEDRO GRANJA AI'lNAL, QUEM SOMOS? 41
)
"Porém há um mistério ainda maior. Para atingir a perfeição, V "O homem de bem deve cair aos golpes dos maus como o sândalo
cumpre conquistar a ciênda da Unidade, que está acima de todos que, ao ser abatido, perfuma o machado que o feriu".
os conhecimentos; é preciso elevar-se ao Sêr Divino, que está acima Quando os sofistas pediam, como o fazem ainda hoje, que expli-
da alma e da inteligência. Ês&e Sêr Divino está também em cada cas,se a natur-eza de Deus, respondia-lhes:
\ um de nós!
II "Só o infinito e o espaço podem compreender o infinito. So-
J "Trazes em ti próprio um amigo sublime que desconheces, pois mente Deus pode compreender Deus".
Deus reside no imo de cada sêr, porém poucos sabem procurá-lo.
Aquêle que faz o sacrifício de seus desejos e de suas obras ao Sêr
J Dizia ainda:
de que procedem os princípios de tôdas as coisas, obtém por tal . "Nada do que existe pode perecer porque tudo está contido em
renúncia a perfeição, porque quem alcança em si mesmo sua reli.ci- Deus. Visto isto, não é sábio alvitre chorarem-se os vivos ou os mor-
dade, sua alegria, e também sua luz, é uno com Deus. Ora, f1ca tos, pois nunca cessaremos de subsistir além da vida presente" (5).
sabendo, a alma que encontrou Deus está livre do renascimento e Quanto à possibilidade de comunicação dos espíritos, categorica-
da -morte, e bebe a água da imortalidade". mente sentenciava:
Crisna falava da Sua missão e da sua própria natur'eza em têrmos "Muito tempo antes de se despojarem de seu envoltório mortal,
,sôbre os quais convém meditar. Aos discípulos ensinava: as almas que só praticaram o bem e estudaram a Lei adquirem a
\ " d ., . t os. O s meus,
faculdade de conversar com ,as almas que as precederam na vida
"\ "Tanto eu como vos temos tI o vanos nasomen espiritual".
só de mim são conhecidos (2), porém vós nem mesmo os vossos
Tais são, em resumo, os princípios doutrinários e filosóficos de
conheceis.
Crisna que se encontram nos livros sagrados, ainda conservados nos
"Como a gente tira do corpo as roupas usadas e as substitui santuários do sul do Hindostão.
por novas e melhores, assim também o habitante do corpo (o espírito) Selada a obra com seu próprio sangue (6), Crisna deixou a terra,
tendo abandonado a velha morada mortal,entraem outra nova e legando à Índia essa concepção do Universo e da Vida, êsse ideal
recém-preparada para êle. superior em que ela tem vivido durante milhares de anos.
"Revelei-vos os grandes segredos. Não os digais senão àqueles Apesar das alterações sucessivas que teve d~ Asu~ortar, . ela . ficara
que os podem compreender. Sois os meus eleitos: vedes o alvo; a sendo a fonte da vida em que, na sombra e no sl1enclO, se lOSp1!aram
multidão só descortina uma ponta do caminho" (3). todos os grandes pensadores, da qual surgiu o Budismo (7).
Por essas palavras a doutrina secreta estava formada.
, A moral de Crisna também era muito pura:
J"Os males com que afligimos o próximo nos perseguem assim
como a sombra segue o corpo.
J "As obras inspiradas pelo amor dos nossos semelhantes são as
que mais pesarão na balança celeste (4).
J "Se convives com os bons, teus exemplos serão inúteis; não receeis
habitar entre os maus para os reconduzir ao bem.
. ./ "O homem virtuoso é semelhante a uma árvore gigantesca, cuja
sombra benéfica permite frescura e vida às plantas que acercam".
Sua linguagem eleva-se ao sublime quando falava da abnegação
e do sacrifício:

(2) Compreende-se isso em virtude de ser ~le um espirito evoluido e ter clari-
vidência de suas antigas encarnações. (5) "Maabárata", tradução de H. Faucbe.
(3) "Baghavad Gita", passim. (6) A exemplo de Jesus, Crisna, sacrificando-se, implantou sua doutrina.
(4) Assemelham-se às de Jesus: "Amai-vos uns aos outros". (7) Léon Denis ~ "Depois da Morte".
CAPÍTULO 111

o
BUDISMO

CÊRCA de 600 anos antes da era Cristã, um filho de rei, Sáquia


Muni, que quer dizer "o solitário dos bosques", foi: acometido de
profunda, triste e imensa piedade pelos sofrimentos humanos. Renun-
ciando às grandezas, à vida faustosa, o principe abandona o s·eu palácio
e se embrenha na floresta silenciosa em retiro espiritual. A origem
dêsse isolamento devia-se à corrupção que invadira a Índia logo
depois de alteradas as tradições religiosas, e aos subseqüentes abusos
da teocracia, ávida do poder.
Após sete anos de meditação e estudos, o herdeiro da tribo dos
Sáquias reaparece para levar ao mundo asiático, não uma crença nova,
ao menos outra expressão da Lei, criando uma nova religião, que
ràpidamente reune em tôrno de si vários discípulos, reconhecendo-o
êstes como Buda, isto é, o iluminado. Dizia êle:
"Seja aberta a todos a porta da Eternidade. Ouça quem tiver
ouvidos! Eu pensei em minha própria mágoa: e foi por isso que
não hesitei em "revelar aos homens a nobre Verdade. Venho ao
mundo para salvação de muitos, de pena do mundo, pata a pros-
peridade, a redenção, a alegria dos deuses e dos homens. Ao mundo
envolto nas trevas da ignorância eu darei o belo clarão da melhor
Ciência. libertá-Io-ei da velhice, da morte e de tôda dor".
Dando corpo a essa nova doutrina, pregava:
"Está no desejo a causa do mal, da dor, da morte e do renasd-
mento. Ê o desejo, é a paixão que nos prende às formas materiais
e que desperta em nós mil necessidades incessantes e jamais satis-
feitas, tornando-se assim outros tantos tiranos. O fim elevado da
vida é arrancar a alma dos turbilhões do desejo. Consegue-se isso
pela reflexão, austeridade, desprendimento de tôdas as vaidades terrenas,
pelo sacrifício do eu, pela isenção do egoismo na personalidade" (1).

(1) Léon de Rosoy - "O Budismo",


44 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 45

Sôbre a ignorância e o mal que daí decorre, podemos atualizar Sob tal influência, o instinto vê estreitar-se lentamente o seu ~ír­
seus ensinos quando dizia: culo de ação e o sêr aprende a abraçar num só amor tudo o que VIVe
e respira. Isto nada mais é que um dos degraus da sua evolução, pois
"A ignorância é o mal soberano de que resultam o sofrimento esta deve conduzi-lo a só amar o Eterno Princípio de que emana todo
e a miséria humana. O conhecimento é o principal meio para se o amor, e para onde deve necessàriamente voltar. .Êsseestado é o de
adquirir a elevação da vida material e espiritual". Nirvana.
O conhecimento compreendia a ciência da natureza visív·el e invi- "Descobri uma verdade profunda, afirmava Buda, difícil de ser
sível, o estudo do homem e dos princípios das coisas. percebida; ela cobre de paz o coração, é sublime, ultrapassa qualquer
Algo, todavia, predominava em tais ensinamentos: a lei da cari- pensamento, mas é secreta, e só o sábio é capaz de aprendê-la. No
dade proclamada pelo Buda - um dos mais sugestivos apelos que turbilhão do mundo agita-s·e a humanidade; no turbilhão do mundo
se tem feito nesse sentido. encontra ela sua sede e seu prazer. Para a humanidade há de ser
coisa difícil perceber o encadeamento das causas e dos efeitos; e mais
Essa lei calma e pura, porque nada traz em seu apoio, ficou,
difícil ainda compreender a entrada no repouso de tôdas as formações,
porém, ininteligível para a maioria dos homens, visto não lhes prome-
o desprendimento das coisas da terra, a extinção da paixão, o Nirvana".
ter nenhuma espécie de retribuição material ou espiritual futura.
Esta expressão, errôneamente interpretada, tem causado muitos
A maior parte das religiões nos recomenda a prática do bem
equívocos. De conformidade com a doutrina secreta do Budismo (4),
tendo em vista recompensas de além-túmulo. Está aí um móbil egoísta
e mercenário que não se encontra na lei' budista. o Nirvana não é, como ensina a Igreja do Sul ou o Grão-Sacerdote
de Ceilão, e geralmente se interpreta, a perda da individualidade, o
"Ê necessário praticar o bem, preconizava Buda, porque o bem esvaecimento do sêrno nada, ou a reintegração no Todo numa absorção
é o fim supremo da natureza" (2). Conformando-se às exigências dessa integral, mas sim a conquista do último ·estádio evolutivo pela perfeição
lei é que se adquire a única satisfaçãd verdadeira, a mais bela que pode do sêr o qual se liberta, dêsse modo, das transmigrações e dos renas-
apreciar o sêr desprendido dos entraves da forma e das atrações do cimentos cármicos no seio das humanidades e nivela-se ao Eterno Prin-
desejo, causas contínuas de decepção e de sofrimento. cípial de que emana tôdas as coisas. Êste estado de elevação espiritual,
Quando -à 1'é1" da reencarnação dos espiritos, eram incisivas as suas que abrange todos os conhecimentos ·e atinge todos os sentimentos,
palavras, de modo a não deixar a menor dúvida: é o verdadeiro Nirvana do Tibete (5).
"O que é que julgais, ó discípulos, seja maior: a água do vasto A vida presente, com suas alegrias .edores não é senão a canse:")
oceano, ou as lágrimas que vertestes quando, na longa jornada, errastes qüência das boas ou más ações operadas livremente pelo sêr nas existên-I
ao acaso, de renascimento em renascimento, unidos àquilo que odiastes, cias anteriores (6). O presente se explica pelo passado, não só para?-
separados daquilo que amastes? o mundo tomado em seu conjunto, como também para cada um dos I
"Uma vida curta, uma vida longa, um estado mórbido, uma boa
sêres que o compõem. Eis aí, em resumo, a lei do Carma. J
saúde, o poder, a fraqueza, a fortuna, a pobreza, a ciência, a igno- Designa-se por Carma tôda a soma de méritos e deméritos adqui-
rância ... tudo isso depende de atos cometidos em anteriores existências. ridos pelo sêr. O Carma é para êste, em todos os instantes da sua
evolução, o ponto de partida do futuro, o motor de tôda a justiça
"As almas não penetram no "mundo da forma" (3) senão para distributiva.
trabalhar no complemento de sua obra de aperfeiçoamento e elevação.
Podem realizar isso pela Oupanichad ou ciência, ·e completá-lo pelo "Em Buda uno-me à dor de todos os meus irmãos, e entretanto
Pourana ou amor. sorrio e sinto-me contente porque pressinto que a liberdade ·existe.
"A ciência e o amor são dois fatôres ess·enciais do Universo. Sabei, ó vós que sofreis; mostro-vos a verdade; tudo o que somos
Enquanto não os adquirir, o sêr está condenado a prosseguir na série é o resultado do que temos passado. Tudo é fundado sôbre os nossos
das reencarnações terrestres". pensamentos; tudo é obra dos próprios pensamentos. Se as palavras

(4) Sinnet - "Le Boudhisme Esoterique".


(2) Léon de Rosoy - "La Morale du Boudhisme". (5) De Milloné - "Le Boudhisme".
(3) Condição do espírito quando encarnado. (6) P"rfeiqm~pt~ d~ 'Icôrç\o com a lei do livte arbítrio da teotia espítita.
46 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

e ações de um homem obedecem a um pensamento puro, a liberdade º_.~~i.~i~i~~<:> ~.?~~l~isl1~<) ~~pli~~?l. ~()~entaqo, esclarecido,
o segue como uma sombra. O ódio jamais foi apagado pelo ódio, i,!~~!!êª~..<:_.1?!g:y~ªg:
pois não é vencido senão pelo amor. Assim como a chuva passa Vamos encontrar ali a roda das vidas sucessivas, que é a reencar·
através de uma casa mal coberta, assim a paixão atravessa um espírito nação dos espíritos; temos lá o car~l1a, o ca:m~ inexor.á~el, que é a
pouco refletido. Pela reflexão, moderação e domínio de si próprio, lei espírita de causa e efeito, ou sep a remtssao da d1;'lda p~lo seu
o homem transforma-se numa rocha que nenhuma tempestade pode pagamento integral: é o sofrimento como .causa de •hbertaç:o; t~l
abalar. O homem colhe aquilo que semeou. Eis a doutrina do como em Espiritismo, pr·egava o Buda a evolução do.s seres, .e~ so h~vta
(7). rogresso do espírito, quando êle vencia a~ .suas lmperfe.lçoes: la...a
Se houver alguma salvação para a alma da criatura, será durante felicidade estava no Nirvana, que é a paz espmtual, a perfeIta ttanquI-
a vida terrena. Mas como a conseguirá? Buda afirmava que ela lidade que os espíritas aceitam" (n).
seria alcançada somente pela morte dos três pecados cardiais - sensua- O Budismo esotérico ou vulgar, repelido de todos os l,:dos n:
lidade, malícia ·e estupidez (8). l1 dI'a do século VI após cruentas lutas provocadas pelos bramane~,
"Bem-aventurada a solidão do homem que conhece e vê a Verdade! J. n , f ~ Um dos seus
sofreu vicissitudes diversas e numerosa~ trans orn,:açoes. . l'
Bem-aventurado aquêle que se mantém firme na vida, que não faz d sul em algumas das suas mterpretaçoes, parece se mc mar
mal a nenhum sêr! Bem-aventurado aquêle para o qual deixaram de ramos, o o , O d T'b te porém conservou-se
para o mat:~ialis~o e ateísmo. o 1 e , ,
existir tôda paixão, tôda malícia, todo desejo, tôda estupidez! Bem-
deísta e espmtuabsta.
-aventurado é aquêle que sente a ausência dos pecados! Bem-aventu-
Seus adeptos compõem, até hoje, a têrça parte da população
rado é aquêle que dominou o egoísmo, pois atingiu a supr·ema felicidade!
d I bo' mas em todos os meios onde êle se espa~h~u, d~ ~~ina,
Mas como fazer com que êstes pecados desapareceçam? Buda d~ 8:ral' ao Japão, foram veladas e alteradas as tradIçoes pnmItI~a~.
tinha a sua resposta - uma resposta brilhante - que impressionou
profundamente a humanidade. Essa réplica não pode ser resumida No Budismo, como em tôdas as doutrinas, aS formas· n~ater1aI:
numa frase, todavia podemos dizer, sem desvirtuamento, que a sua do culto abafaram as altas aspirações do pensamento. Os ntos, a
ação, estabelecida nos "Oito Caminhos", se revela, principalmente, cerimônias supersticiosas, as fórmulas v~s,. as ofere~das, as preces sono-
como autodisciplina. "O homem, aconselhava êle, deve-se vencer a ras, substituíram o ensino moral oe a pratIca das vIrtudes.. .
si mesmo para conseguir o Jivanmukt:í, ou salvação nesta vida" (9). Entretanto oS principais ensinamentos de Buda não foram .dIs-
A compaixão do Budismo 'e sua caridade estendem-se a todos ersados. Sábios, herdeiros da ciência e ~os poderes dos an~lgos
os sêres. Segundo êle, estão destinados ao Nirvana. P ambém afirmam a doutrma secreta na sua mte-
ascetas, possuem t , _'
Buda e seus discípulos praticavam, ainda, o Diana, ou a con- g.ridade (12). São os mabatmas. .
templação, o êxtase. Durante êsse estado o espírito desprende-se e Fruindo a poss.e dos segrêdos que lhes pen11Í~em desaf1a~ a ~dor,
comunica-se com as almas que deixaram a terra (10). a fome e a morte, a hâthayo ga (13), pa.ss~m os dtas em medItaçao e
Poderíamos, ainda, multiplicar as citações tomadas à rica lite- -estudos, esperando o momento problemattco em qu: o es~ado14moral
ratura blldística, mas cuidando-se do espaço que comporta êste tema, da humanidade torne possível, novamente, a sua d1vulg açao ( ).
limitamo-nos a finalizar com as sempre esclarecidas palavras do consa- Dos santuários índicos, ,onde os sacerdotes, os t.~un:aturgo:,. ~s
grado escritor espiritualista, Dr. Carlos Imbassahy, porque jamais con- filósofos a conservavam em segrêdo, a CIencta esoterlC ,
seguiríamos condensar a conclusão dêsse assunto com tal clareza e magos e os
elegância:
"Acham-se nos mandamentos do Buda, muitas vêzes, ipsis tine- ( 11) Carios Imbassahy - "Religião".. "
('12) Sinnet - "~e Boudhi~~e Esotetlque. ara su tunlr a dor física.
ris, as ordenações da moral espírita. Noutros, aguardam-se a dis- (13)
(14)
Hâtbayoga, e o exerelelO t; h vontad~hP ndi li~er espiritual de 250.000.000 de
Na époea atuaI (194?~ o. a. atma lddia' submete-se, ao setenta e oito anoS
tância do tempo, a diversidade da raça, as contingências geográficas.
indus,· protestand.o; contra a. pohtlca l~,?lesa,Ana rimeiros dias do ano de 194-3 o prestígio
de i~ade, a um Jejum de . .vlnt: e ur:n las. no~~ r.:uréola, pois apenas com 121 hs .. e. 25
espifJtual do MahatI1~a. fora ~lcrescl~o de "ficar e unificar a orientaçãn política e ,~cltglOsa
(7) "Dhammapada". mInutOS de seu 15. Q Jejum, consegu11.: paCl -.. ovo O "apóstolo da paz , C01110
(8) "Digha", l, 74. das várias facções q';le dividia. C; .JndIa, e. sacI1f~cad~s~p;;ece' vítima de um atentado injus-
(9) "Digha", l, 74 e segs. foi conc1amado depOIS dessa VItona, tragIcan~en ~ " ' ano
(10) Eugene Bonnemere - "L'Ame et ses Manifestations à travers I'Bistoire". tifieáveI aos olhos do mundo, em 30 de Janelw desse mesmo .
AFINAL, QUEM SOMOS? 49
48 PEDRO GRANJA

também inspiraram as civilizações antig~s ._do Oriente, assim como


mãe de tôdas as Clencias, primeiro passou para a Caldéia, nos tem- inspiraram os fundadores das grandes rehglOes que dividem a huma-
plos de Mitra, depois para o Egito, nos de Osíris e de ísis, e, nidade (17).
finalmente, para a Grécia, nos de Orfeo, Homero e Elêusis, como Grandes esforços foram empr-egados para espalhar a doutrin~
se pode ler em Jâmblico, Portirio e Apuleio a narração muito curiosa búdica no Ocidente. A raça latina, ávida de progresso, de mOVI-
das provas físicas e morais a que eram submetidos os seus adeptos mento de luz e liberdade de culto, mostrava-se entretanto nada pro-
para serem iniciados. pensa' a submeter-se a essa religião de renúncia, a qual, mais. tarde,
Entretanto, sob o ponto de vista exclusivamente positivo e cien-, os povos orientais, errôneamente, tran:fo:maram numa dou~rma de
tífico, segundo Albert Coste (aliás também é o nosso modo de pensar) aniquilamento voluntário e de prostraçao mtelectual. O BudIsmo, na
estamos mal informados sôbre os milagres que produziam os tauma- Europa e na América, perdurou apenas entre alguns homens de letras
turgos e os sábios da índia, da Caldéia, do Egito, da Grécia, etc. (15). que honram o verdadeiro exoterismo tibetano.
Neste particular basta ler as obras de Eusébio Salverte, Auguste Apesar de suas manchas e sombras, o Budismo nem por isso
deixa de ser uma das maiores concepções religiosas que têm aparecido
de Rochas e do famoso, orientalista Louis Jacolliot para se compreen-
neste mundo, uma doutrina tôda de amor e igualdade, uma reação
der que muitos dêss-es pretensos milagres não eram devidos senão ao
poderosa contra a distinção de castas estabelecida pelos brâmanes, e
conhecimento antecipado e mantido em segrêdo de algumas leis de que, em certos pontos, oferece importantes e profundas analogias com
nossas ciências positivas. Nada haveria de espantoso, portanto, se
o "Evangelho" de Jesus de Nazaré (18).
homens que consagraram a vida inteira ao estudo das fôrças ocultas
do organismo humano e da natureza, chegassem a resultados de que
nós, só agora, começamos a entrever a possibilidade.
A bem dizer, tôda a ciência antiga mereceu êste qualificativo:
"ciência oculta". A regra, nos templos da índia, da Babilônia, da
Caldéia, do Egito e da Grécia, era a ocupação sistemática de tôdas
as verdades que se iam descobrindo. Não há um só historiador
antigo que não o tenha afirmado.
Maury, por exemplo, no seu livro, escreve:
."O~ sábios da..antigüidade formavam v.erdadeiros colégios sacer-
A

dotaIS; eles transm1tlam os segredos de sua CIência oralmente de gera-


ção em geração ... " (16). '
Em s.u~a, é pos~í,:el afirmar-se que todos os grandes reforma-
dores, reltglOsos ou ftlosofos, conheceram as leis dessa doutrina. O
próprio Moisés encerrou o que ela possuía de essencial no "Gênesis".
A "Cabala", com s-eus dois livros fundamentais, o "Sepher Iesirah" e
"O Zohar", é a chave que permite descobrir, sob o sentido ordinário,
o sentido literal da "Bíblia", a sua significação secreta.
Êsses mistérios, diante dos quais tantas divisões e tantos altares
foram erguidos, conservam-soe ainda intactos e tão grandiosos como
no~ temp~~ p.rimitivos. Seria, portanto, mais prudente cuidar de se
umr a elencm moderna, exata, positiva, às velhas trad:ções que
foram preservadas pelos sábios da índia, cujos pais positivamente
(17) Paul Gibier - "Análise das Cousas".
(18) Léon Denis "Depois da Morte".
(15) Albert Coste - "Fenômenos Psíquicos Ocultos".
(16) Maury - "Magia e a Astrologia".
CAPÍTULO IV

o
EGITO

A ÍNDIA, afirma a maior parte dos orientalistas, transmitiu


ao Egito a sua civilização e a sua fé. Outros, não menos eruditos,
opinam que, em épocas remotas, já a terra de Ísis possuía suas próprias
tradíções (1). Estas são as tradições de uma raça extinta, a vermelha,
que ocupava todo o continente austral 'e que foi aniquilada em formi·
dáveis lutas contra os brancos, sendo o continente submergido por
cataclismo geológico. Tal fato é também narrado por Platão em
"Timeu".
A Esfinge de Gise, vanos milhares de anos anterior·es à Grande
Pirâmide (2) e levantada pelos vermelhos no ponto em que o Nilo
se juntava então ao mar (3) era um dos raros monumentos dêsses
tempos remotos.
Às portas do deserto se erguem os Templos, os Pilonos e as
Pirâmides, como florestas de pedra debaixo de um céu de fogo. As
Esfinges, retraídas e sonhadoras, contemplam a planície, e as necró'
poles, talhadas na rocha, abrem seus sólios profundos à margem do
rio silencioso. ~ o Egito, terra estranha, livro venerável no qual o
homem moderno apenas começa a soletrar o mistério das ídades, dos
povos, das religiões e das ciências.
Inúmeros sábíos de renome se interessaram pelo estudo da civili·
zação egípcia, destacando·se dentre êles Lenormant, Georges Barbarin,
Champollion, Moret, William Petrie, Ernest Wallis Budge, Smith,

(1) Vários autores, entre os quais Maneton, atribuem aoS templos egipdos uma tta·
dição de 30.000 anos e calcularam aproximadamente em seis milhões de .roneladas o pêso
total da G"ande Pirâmide. Segundo a opinião de outros, o comprimente> da chamada..Câmara
do Rei, expresso em polegadas e multiplicado por 3,1416, número achado por sábios de
nomeada, dá, exatamente, a divisão do ano solar: 365 dias, 2 horas e 42 minutos. Mul~
tiplicando o pêso da pirâmide por 2,06, que é o número da densidade da sua pedra, ter-se-á
o pêso da terra. Multiplicando ainda· a polegada piramidal por 100 bilhões, obter-se-á o
curso da terra sóbre sua órbita num dia de 24 horas. Para o Dr. Lepsius, por exemplo,
as dimensões da. G"ande pjrâmide sãe> também prope>rcionais ao reinado de>s faraós. -)
(2) Um manuscrito da quarta dinastia (4.0(}(} ane>s antes de ].C.) refere que al."
Esfinge de Gise, soterrada nas ,areias e olvidada desde séculos, foi encollaada nessa época.(
Lenorman-t - UHistoire de l'Orient". )
(3) O delta atual foi formado pelas aluviões sucessivas depositadas pelo Nilo.
52 PEDRO GRANJA
ÀFINAL, QUEM SOMOS?

Gaston Maspero, coronel Garnier, Charles Lagrange, Marsham Adam,


Oppolzer, Bauschinger, Newcomb, e outros. ( éram simples ,é claros; os s,egundos, hieráticos; tinham um sentido
\
Dentre esta plêiade de cientistas, contudo, avulta ,pelo saber e simbólico e figurado; os outros 'eram hieroglifos. É o que !!~~_~ill!~
exprimia pelos têrmos de falante, significante e ocultaftte. ,...
cultura, Louis Jacolliot, o famoso orientalista celebrizado por suas
inúmeras obras sôbre a antigüidade e o Odente, autor da "L'Initia- Os hieroglifos tinha.m Um triplo senddo 'e não podiam ser deci-
frados sem chave. A êsses sinais aplicava-se a lei da analogia que
tion et les Sciences dans l'Indie et chez tous les Peuples de l'Anti-
rege os mundos: natural, humana e divina, a qua.l permite expressa.r
quité", e o ilustre historiador aba_cl:L~!.~_Ç"~~),~"~i!!,t,~.~~,,cl2,ºJ;!~,~!Y!tQ!ii( os três aspectos de tôdas as coisas por combinaçõ'es de números e figu-
de BourK~~,.2.,S~êL,P!~cl~~},~,,,~,_~~!~,~!,!:,,_C?EE!-!.,.~1,~~,§EL~!!E~"M:I~!,~,!.!~::~.~ ( ras, que produzem a simetria harmoniosa e a unidade do Universo.
9.~~-ª.!aonJ~" /
É assim que, num sinal, o adepto lia ao mesmo tempo os prin-
Quanto às Pirâmides, segundo a opinião de Georges Barbarin, cípios, as causas e os efeitos, e essa linguagem tinha para êle extraor-
elas "apresentam a solução dos maiores problemas astronômicos, geo- dinário valor.
métricos e geodésicos, estudados desde os tempos em que a Grande Dêsse modo, os conhecimentos secretos eram gradualmente minis-
Pirâmide não só representa a ciência de uma grande civilização pré- trados aos adeptos, que ascendiam em graduação hierárquica conforme
-bíblica, de há muito desaparecida, sendo também índice de um tra- o seu merecimento e aptidões. A iniciação completa ou a grande
balho sôbre-humano e símbolo arquitetural da mais alta forma do iniciação ficava sendo privilégio dos chefes supremos.
conhecimento filosófico e religioso" (4). Os sábios, os pensadores, os dirigentes de povos (gregos, hebreus,
O grande geômetra Diderot conclui que as Pirâmides tinham fenícios, etruscos, e outros), iam nessa fonte haurir as "origens da
por fim transmitir às gerações vindouras conhecimentos de modo imortalidade da alma" e "da pluralidade das existências". Altas con-
permitir que os mesmos viessem até os nossos tempos. cepções, uma profunda sabedoria, regiam os destinos dêss,esensinos.
'''É a mensagem alegórica - diz Barbarin -da civilização pri- Isto apenas não acontecia em relação ao que então se denomi·
mitiva à de hoje". Ao passo que Alexandre Mor·et vai mais além, nava a "ciência secreta", nem unicamente nesses países. A ciência
demonstrando "que tôda a alegoria sagrada dos egípcios revela per- secreta tinha uma amplitude maior que a de simples corpo especial
feita identidade com as citações dos "Evangelhos", desde o nasci- de noções misteriosas, era tudo, tôdas as noções conhecidas de tôdas
mento do Messias em Belém, até a sua morte no Calvário" (5). as ciências: matemática, física, química, astronomia, meteorologia, medi·
cina e demais disciplinas do saber.
Porém, o segrêdo do Egito, a sua vitalidade ,e o seu papel his- A ciência secreta, diz Pizzeta, se devou à altura de uma verda-
tórico, é a doutrina secreta dos seus sacerdotes, cuidadosamente velada deira ciência, pois que, ainda hoje, os saltimbancos indus, os psylL'1s
sob os mistérios de lsis 'e Osíris, e ocultamente analisada, no fundo do Egito e os mágicos da Ásia possuem processos secretos que chegam
dos templos, por iniciados de tôdas as classes e de todos os países. a produzir efeitos assombrosos aos europeus instruídos. Conservam,
A leitura da colunas herméticas ou das estrêlas, dos papiros porém, "êsses conhecimentos constantemente velados, não fazendo uso
encontrados nos túmulos,e sobretudo os hieroglifos, permite aos sábios dêles senão para produzir coisas que parecem maravilhosas à imagi-
modernos reconstituir-lhe a ciência secreta. A sua antiga crença da nação do vulgo" ... (7).
imortalidade da alma também nos é revelada pelas inscrições dos Os sacerdotes egípcios, observadores cuidadosos do curso dos
monumentos e pelos livros de Hermes. astros, dos meteoros 'e das revoluções atmosféricas, '''naqueles tempos,
Um dos grandes sábios modernos, Champollion, descobriu três como afirma outro autor, sabiam predizer certos fenômenos que, depois,
espécies de ,escritura nos manuscritos e sôbre os templos egípcios (6). inculcavam ter produzido" (8).
Por aí ficou confirmada a opinião dos antigos, isto é, que os sacer- Por intermédio dêles, o pensamento religioso dos santuários de
dotes empregavam três classes de caracteres; os primeiros, demóticos, Isis derramava-s,e sôbre tôdas as praias do Mediterrâneo, fazendo des·
pontar civilizações diversas, dessemelhantes mesmo, conforme o caráter
(4) Georges Barbarin - "Le Secret de la Grand Pyramide ou la Fin du Monde dos povos que a recebiam, tornando-se monoteísta na Judéia com
Adamique".
(5) M. Alexandre Moret - "Dieux et Rois d'Egypte".
(6) Champollion - "L'Egypte sou les Pharaons". (7) V. Pizzeta - "Galerie des Naturali,tes".
(8) Maury - "Magia e a Astrologia".
54 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 55

Moisés, politeísta na Grécia com Orfeu, porém uniforme em seu prin- mas durante o sono, ao passo que uma descansa e restaura os órgãos,
cípio oculto, em sua essência misteriosa. a outra lança-se ao pais das sombras. Não é, entretanto, completa
:sta separ~ção; só o será pela mor,te ou, antes, a separação completa
Os sacerdotes do Egito, que na intimidade zombavam do "Boi
e que sera a morte. MaIs tarde este duplo poderá reencarnar num
Apis", e os sábios da Grécia, que quase nenhum respeito tributa-
outro corpo e ter assim uma nova existência" (10).
vam aos "deuses do Olimpo", bem como os brâmanes da índia,
que sabiam multo mais do que transmitiam aos Sudras, e os rabis Enfim, na varanda do Templo, sob o céu estrelado, diante de
da Hebréia, que perpetuaram os livros canônicos dos judeus, ensi- Mênfis ou Tebas adormecidas, o sacerdote contava ao adepto a visão
navam aos iniciados a "pluralidade dos mundos" e revelavam as leis de li(:rJJ.le~.l'rim-~g!§tt;9-, transmitida vocalmente de pontífice a
que r-egem a "reencarnação das almas". pontífice e gravada em sinais hi-eroglifos nas abóbadas das criptas
,subterrâneas.
,
Enquanto isso, o culto popular de lsís e de Osírís não era senão
uma brilhante miragem oferecida à multidão. Sob a pompa dos espe- U m d'Ia, H
""""'1'""'',. ' o espaço, os mun d
pl(rm~:').Y!U os e'ad
VI a que em todos
táculos -e das cerimônias públicas ocultava-se o verdadeiro ensino dos ios lugares se expandia. A voz da luz que vibrava pelo infinito
pequenos e grandes mistérios. A iniciação era cercada de numerosos revelou-lhe o divino mistério:
obstáculos e de reais dificuldades. À medida, porém, que o adepto nA luz que viste é a inteligência divina que contém tôdas as
avançava em c-eu curso, descortinavam-se-Ihe os véus, fazia-se brilhante coisas sob seu poder e encerra os moldes de todos os sêres.
a luz, tornavam-se vivos e animados os simbolos.
As trevas são o mundo material em que vivem os homens da
A Esfinge - cabeça de mulher em corpo de touro, com garras terra.
de leão e asas de águia - era a imagem do sêr Jmmano emergindo
das profundezas da animalidade para atingir a sua nova condição O fogo que brota das profundezas é o Verbo divino; Deus é
divina. O grande enigma era ocultado, e o homem que se atrevia o pai, o Verbo é o filho, sua união faz a Vida.
penetrar nos seus mistérios meditava à entrada do Templo, ante O destino do espirito humano tem duas fases: cativeiro na ma-
aviso sentencioso: "Decifra-me ou te devoro". téria, a~censão na luz. As almas são filhas do céu, e a viagem que
Deuses estravagantes, com cabeça de pássaros, de mamíferos, de fazem e uma prova. Na enc(,'Yll.~ção perdem a reminiscência de sua
serpentes, eram outros símbolos da vida, em suas múltiplas manifes- origem .ce!este (11). Cativas pela matéria, embriagadas pela vida,elas
taç6es. Osíris, o deus solar, e lsis, a grande Natureza, eram cele- se preCipitam como uma chuva de fogo, com estremecímentos de
brados por tôda parte; mais acima dêles havia um Deus inominado, volúpia, através da região do sofrimento, do amor e da morte, até
do qual só se falava em voz baixa e respeitosa. a prisão terrena em que tu mesmo gemes, e em que a vida te parece
um sonho vão.
Antes de tudo, o neófito aprendia a se conhecer. O hierofante
falava-lhe assim: A.s almas inferiores e más ficam presas à terra por múltiplos
renascImentos, porém as almas virtuosas elevam-se às esferas superiores,
"6, alma cega, arma-te com o facho dos mistérios, e, na nohe em demanda de outros sólios, onde recobram a vida das coisas divinas.
terrestre, ~~~~?~}Ü~sv,~,~~~~PM~~~!~!12i~()~o, tua alma celeste! Segue Iml;Jregnam-se com a lucidez da consciência ,esclarecida pela dor, com
êsse gênio divino e que êle seja teu guia, porque tem a chave das a energia da vontade adquirida pela luta. Tornam-se luminosas por-
tuas existências passadas" (9).
que possuem o divino em si próprias e o irradiam em seus atos.
Vemos, assim, que no Egito a multiplicidade das existências era Reanima pois o teu coração, ó Hermes, e tranqüiliza o teu espirito
tema para estudos secretos. Além disso, "a doutrina das transmigra- obscurecido pela contemplação dêsses vôos de almas subindo a escala
ções era representada por imagens surpreendentes. Cada sêr tinha o das esferas que conduz ao Pai, onde tudo se acaba, onde tudo começa
seu dup!:o. Ao nascer, o egípcio era representado por duas figuras. eternamente! E as sete esferas disseram juntas: Sabedoria! Amor!
Durante a vigília as duas individualidades confundem-se numa só; Justiça! Beleza! Esplendor! Ciência! Imortalidade!"

(9) Tais ensinos revelam grande analogia COm a doutrina espIrita, pois ela afirma ('H) A. Dastre - "La Vie et la Mon".
que todos nós temos um espJrito protetor Ou guia, oue nos auxilia em tôdas as nossas (11) O grifo é nosso. Serve para chamar a atenção do leitor sôbre a explicação que
encarnações. encontrará mais adiante, segundo a teoria dos espírítos.
56 PEDRO GRANJA CAPÍTULO V

E o pontífice acrescentava:
"Medita sôbre esta visão de Hermes. .. Ela encerra o segrêdo A
de tôdas as coisas. Quando mais souberes compreendê-la, tanto mais GRÉCIA
verás se alargarem os seus limites, porque a mesma lei orgânica
governa todos os mundos. Entretanto, o véu do mistério cobre a E
grande verdade, pois o conhecimento total desta só pode ser reve- ROMA
lado àqueles que atravessarem as mesmas provas que nós. É preciso
medir a verdade segundo as inteligências, velá-la aos fracos porque
os tornaria loucos, ocultá-la aos maus que dela fariam arma de
destruição. A ciência será tua fôrça, a fé tua espada, o silêncio teu
escudo" . .. (12)
A ciência oculta dos sacerdotes do Egito igualava-se em inúme- ENTRE os povos de iniciativa nenhum há cujo corpo doutrinal
ros pontos à ciência atuaI. Conheciam o magnetismo, o sonambu- de sua ciência s·ecreta se reV'ela com maior brilho do que o da Hélade.
lismo, curavam pelo sono provocado e praticavam largamente a suges- A Grécia iniciou a Europa em todos os esplendores do belo. Foi
tão. É o que êles denominavam de Magia. da sua mão aberta que saiu a civilização Ocidental, e o seu gênio
O alvo mais elevado a que um iniciado podia aspirar era a de vinte séculos atrás ainda hoje se irradia sôbre as nações. Por
conquista dêsses poderes, cujo emblema era a coroa dos magos. isso é que, apesar das suas lutas internas, de sua queda final, ela
tem sido admirada em tôdas as épocas.
"Sabes, dizia-lhe o pontífice, o que significa esta coroa. Tua
vontade, que Se une à de Deus para manifestar a verdade 'e operar Na Grécia vai-se encontrar a doutrina das vidas sucessivas nos
a justiça, participa, já nesta vida, da potência divina sôbre os sêres poemas órficos. Orfeu e Homero exprimiram-nas, a princípio, com
e sôbre as coisas, recompensa eterna dos espíritos livres" (13). o adjutório dessas duas harmonias celestes que tornou humanas: a
música e a poesia. Orf.eu, para inspirar seus cânticos, evocava cons-
Podemos, em suma, resumir os estudos sôbre a antiga crença dos tantemente o espírito de Eurídice (1).
egípcios, mais ou menos assim:
J<i~Ill!_i~_.~_Qrfe~ se ensinava nos tempos a ciência secrea.
Tomada em sua origem e antes que surgissem os mitos subtis Dizia o mestre ao neófito:
que a desfiguraram, a doutrina egípcia apresenta a viagem às terras "Existe Um, criação de si próprio, donde tôdas as coisas saíram;
divinas como uma série de reencarnações e provas, a cujo têrmo se eÊle está nelas e as desenvolve: nenhum mortal jamais o viu, mas
operam a ascensão para a luz, a manif.estação a plena claridade 'e Êle a todos observa.
a reunião da parcela errante, o homem, à substância 'eterna, Deus. "Escuta, pois. Escuta as verdades que convém ocultar à multi-
E quando o gênio do Egito foi prostrado pela onda das invasões, dão, e que fazem a fôrça dos santuários. Deus é um, e sempre
<I escola de Alexandria colheu algumas das suas místicas e as transmitiu semelhante a si mesmo, porém, os deuses são inumeráveis e diversos
ao Cristianismo nascente. Antes disso, porém, os iniciados tinham porque a divindade é eterna e infinita ...
feito penetrar as doutrinas herméticas na Hélade. É aí que vamos "Entraste com o coração puro no seio dos Mistérios. Chegou
encontrá-las. a hora supr,ema em que te vou fazer penetrar até as fontes da
vida e da luz. Os que não levantam o véu espesso que esconde
aos olhos dos homens as maravilhas invisíveis, não se tornarão filhos
dos Deus'es". (Hinos órficos).

(1) A parte histórica dêste capítulo devêmo-Ia, em grande parte, ao eminente pro~
fessor e profundo espiritualista Dr. A. Lobo Vilela, que nos ofereceu os d.ados necessários
para concatená-lo, em suas eruditas obras: ItSólon", "O Problema da Sobreviv,ência". "O
Destino Humano" e "Infinitismo"; bem como as de Léon Denis, I'Depois da Morte", no
(12) vide "Pimender", o mais autentlco dos livros de Hermes TrimegiStrO. Problema do Sêr, do Destino e da Dor"; "O Porque da Vida" e "Cristianismo e Espiri-
(13) Léon Denis - "Depois da Morte". tismo",
58 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 59

Seria fas!idioso repassar todos os seus cultos que conjunta ou iniciando·se nos mistérios de Elêusis, dizia com serena consciência da
paralelamente aos de Apolo e Dionisio (2) se desenvolveram à sombra sua felicidade e do seu privilégio:
das perturbações sociais pelo decorrer dos séculos, porém originados
pela necessidade de escapar ao frio oficialismo da religião tradicional "Três vêzes felizes aquêles dentre os mortais que, depois de terem
e pela suprema aspiração de alguma coisa de mais íntima e fervorosa. contemplado essas cerimônias, forem ao Hades. Somente para êles pode
hav-er lá uma vida, para os outros não há mais que sofrimentos".
À margem da religião e do culto oficial, basta recordar-se o
extraordinário sucesso que tiveram as confrarias místico·filosóficas E, quatro séculos e meio antes de Cristo, Sófocles coloca na bôca
órficas e pitagóricas, e o seu incrív-el desenvolvimento, dentre os de sua "Antígone" a lei fundamental do amor ao próximo.
quais os de Elêusis eram os mais famosos se bem que sob certos A Seria, contu~o, interessante considerar em ~1JJip~(l~~ o ponto final
aspectos se deve frisar a sua semelhança ao de Dionísio. desse ~rogresso, hbert~dor do pensamento religioso grego, como céptico
Reconhecemos - tanto quanto é posúvel julgar sempre através que nao acredIta, aSSim como os seus antecessores, na realidade dos
de uma documentação forçosamente incompleta e tanto mais incom- deuses que invoca e dos mitos que emprega, deuses que para êle não
pleta quanto mais secretos eram êsses ritos - a mesma aura de mis- são mais do que admiráveis símbolos e mitos a esconder a sublime
tério e de esoterismo, ligada a nebulosas e perturbantes representações expressão da v-crdade.
das doutrinas secretas, como a da transmigração das almas, da metempsi- . . "Deus, ,diz êle textual?l.ent: num do~ ~eus fr~g:ne~tos, é a parte
A

cose eda reencarnação. dIvllla de ~os. .E. esse eSp1tIto unortal, dIstlllto e Immlgo da matéria,
Sabemos principalmente que as crenças elêusicas, influenciadas pelo volta ao Ser DIVlllO no momento em que mone a nossa individua-
orfismo e provàvelmente tributáveis como o orfismo, de certas tradi- lidade material" (3).
ções egípcias, admitiam certos deus-es, certas genealogias divinas com- Êsse pensa~ento libertador. vai se infiltrando aos poucos
pletamenteestranhas à religião oficial. classes sa~cerdotals,. dev:ndo-se s~hentar que a concepção religiosa grega
Sabemos também que a crença na imortalidade da alma, embora em re1a.çao aos OrIentaIS e aos Judeus representa um grande progresso.
incompreenssível à primitiva religião grega, era artigo de fé no credo S.ob o lllflux? dessa corrente, assim é, por exemplo, que as sac-erdo-
elêusico. Fora de Elêusis, eSSa crença era muito vaga, embora estivesse tlzas e os oraculos pregavam o amor ao próximo como antídoto dos
compreendida no antigo culto dos mortos. Mas - é conveniente males. A célebre T~-êg2. sacerdotiza de Atenéia, na época da guerra
notar a incons·eqi.iência - essas práticas não tinham senão um papel d? Peloponeso, te~~o l'ecebido of~ci,almente a ordem de pronunciar
apotropéico, e por seu intermédio se ensinava principalmente neutra- :,ormulas de ~l1aldlçao contra AIClbIades, respondeu com dignidade:
lizar a influência maléfica dos mortos, sem cuidar·se de saber em que sou sacerdotrza dos deuses para abençoar, e não para amaldiçoar'~~,
consistia a sobrevivência. Ê fato incontestável que nas fontes do Egito hauriram os sábios
Na religião de Elêusis, ao contrário, as promessas de uma feliz d~ Grécia a ciência que possuiam. Daí os mistérios de Elêusis, cujos
imortalidade eram ao mesmo tempo categóricas e precisas, apenas com dIferentes graus de iniciação representavam as diversas escalas da vida
uma reserva (de importância capital): a de que só os iniciados e os ascendente do espírito. Daí as altas concepções dos antigos, não
místicos gozariam seus benefícios. Havia nisso, afinal de contas, a obstante seus erros, a respeito da "reencarnação das almas" e a "plura-
crença num privilégio, que se pode traduzir por esta fórmula: "Fora lidade dos mundos".
de Elêusis não há salvação". A •Eram essa~, também, as ~renças ~e Pitágoras, de Sócrates, de Apo~'
Porém, ~.Qf9J;lç.s e .E!J!ip.ç~-t~§, na segunda metade do século V, lomo, de Empedocles, de Catao, de ClCero, de Platão e outros filósofos
entre SOl e 4S0 A. c., s·endo contemporâneos, já não acreditavam mais do passado. Nas suas obras muitas vêzes delas se referem em têrmos
nos mitos e nos deuses que invocam ou põem em cena nos altares. :e!a.~o.s, porque, em ~gran~e parte, estavam ligados pelo juramento'
11l1Clatlco; contudo sao afumadas com clareza na "República", em
Menos religioso, ~QJQçJ~s, "o mais piedoso dos homens" (como "Fedra", em "TÍ111eu" e enl "Fedon" (4).
lhe chama °
seu biógrafo), que dedicou um altar ao deus Asclépio,
O) ~urlpedes - "Fragments". P. Foucart - "Les Mystêres d'Eleusis".
(4) ~ certo que os vivos nascem dos mortos e' que as almas dos mortos tornam a
.(2), . Se~undo interpretação de Pitágoras sôbre os cânticos de Orfeu e Homero, Apolo
e DlOnlS10 sao duas revelações do Verbo de Deus que se manifesta eternamente no mundo. nascer". (Fedra). "A alm·a é mais velha do que ü corpo. As almas renascem incessan~
temente do Hades pata tornarem à vida atual". (l'edon).
AFINAL, QUEM SOMOS? 61
60 PEDRO GRANJA

"A essência em si escapa ao homem, dizia a doutrina pitagórica,


Mais tarde, êsse ritmo e essa harmonia que o gemo de Orfeu pois êle só pode conhecer as coisas dêste mundo, em que o finito
havia introduzido no canto e o de Homero na: poesia, Pitágoras, se combina com o infinito. Como conhecê-las? Há entre êle e as
"o iniciado dos templos egípcios", os observou por todo o Universo: coisas uma harmonia, uma relação, um princípio comum, e êsse prin-
quer na marcha dos astros que se movem, futuras moradas da huma- cípio é dado a tudo pelo Uno.
nidade, quer no seio dos 'espaços, ou na concordância dos três mundos, "Vosso sêr, vossa alma, é um pequeno Universo; mas encerra
natural, humano e espiritual, que se sustentam, s·e equilibram e se em si as tempestades e as discórdias humanas. Trata-se de realizar
completam para produzirem a vida num movimento ascensional de aí a unidade na harmonia. Sàmente então descerá Deus até vossa
espiral infinita. consciência, participareis assim do seu poder, e da vOSSa vontade fareis
git~g()Eils> 911e. ha.via estudado durante triflt;lanos .no Egito, era, a pedra da lareira, o altar de Êstia, o trono de Júpiter" ('9).
segundo contam, visitado pelos espíritos, fazia-se entender pelos ani- Os pitagóricos denominavam .espírito ou inteligência a parte ativa
mais e certa vez, pela fôrça da sua vontade, pôde deter o vôo de uma e imol'tal do sêr humano. A alma era para êles o espírito envolvido
águia! Aos seus vastos conhecimentos, o autor dos "Versos Áureos" (5) em seu corpo fluídico e etéreo. O destino de Psique, a alma humana,
juntava uma intuição maravilhosa, sem a qual nem sempre bastavam sua: queda e cativeiro na carne, seus sofrimentos e lutas, sua reasl:ellsiio'CP;(;
a observação e o raciocínio para çompreender a Verdade. gradual, seu triunfo sôbre as paixões e sua volta final à luz, tudo isto
Domina, assim, o grupo dos filósofos gregos essa imponente figura, que constitui o drama da vida era exposto nos Mistérios de Elêusis
que melhor soube coordenar, pôr em evidência as doutrinas secretas como instrução por excelência.
do Oriente 'e fazer delas uma vasta síntese que abrangesse, ao mesmo A ciência secreta também ensinava que um tluido imponderável
tempo, a moral, a ciência e a r·eligião. se estende por tôda a parte e em tudo penetra. Agente subtil, sob
Daí, o sistema de educação e de reforma a que Pitágoras ligou a açã~ d~ vontade, êle s·e modifica, se transforma, se rarefaz, segundo
o seu nome e que tantos sábios e pensadores produziu. Mantinha a potenCla e elevação das almas que o empregam, tecendo com essa
êle porém, dois cursos no s·eu instituto, o comum e o secreto. Depois substância o seu vestuário astral (10). Ê o traço de união entre o
essa foi a regra que sempre norteou as escolas gregas antigas (6). espírito ·e a matéria, tudo se gravando nêle como imagens num espelho
sejam idéias ou atos. '
A sua Academia de Crotona foi uma escola admirável de iniciação
laica, f1 a obra, o prelúdio dêsse grand.e movimento de idéias que, com Ê pelas propriedades d.~~.~~.Dl,lI.c:!g.e pela ação que a vontade nêle
Platão ·e Jesus, ia agitar as camadas profundas da sociedade antiga, excerce que se explicam os f.enômenos da sugestão e da transmissão
impelindo suas torrentes até as extremidades do continente. d.o pensan;e.nto. Os antigos chamavam·lhe, por alegoria, t;..~tt(f1ziste.
r.:oso de. I~t~g~ manto de Cibeü:, queenvol'\'e tudo o que existe.
E, graças a tais qualidades, pôde erguer o magnífico monumento
Esse mesmo flU1do serve de veículo de comunicações entre o visível
da ciência esotérica, cujas linhas essenciais vamos traçar aqui:
e o invisível, entre os homens e as almas desencarnadas (11).
"Amai porque tudo ama; amai, pOl'ém, a luz e não as trevas.
A ciência ~o mundo invisível constituia um dos ramos mais impor-
Durante a vossa viagem tende em mira êsse alvo. Quando as almas
tantes do ensmo reservado. Por ela se deduzia, do conjunto dos
voltam ao espaço, trazem, como hediondas manchas, tôdas as faltas
fenômenos, a lei das relações que unem o mundo terrestr·e ao mundo
da sua vida terrena estampadas no corpo,~tér~~. E, para apagá-las,
dos espíritos; desenvolviam-se com método as faculdades transcendentais
cumpre que expiem e voltem à terT;(7T'EnÚetanto, os puros, os
da alma humana, tornando possível a leitura do pensamento e a
fortes vão para o sol de Dionísio" (8). visão a distância. 000 00 • •

(5) Afirmam varIaS autores que Pitágoras, à semelhança de Jesus, jamais escreveu
alguma coisa, preferindo a oração espontânea, método que sClnpre adotou em seu curso. (9) Ednuard Schuré - "Os Grandes Iniciados".
As prédicas do mestre mais tarde foram publicadas pelo seu discípulo Lisis, inclusive os (10) E1za Harker - "Cartas de Outro Mundo". A carta XV, sob o título "Uma
~'Versos Âureos", também conhecida por "Versos Dourados". Tosa, Romana", traz extensiva e profunda explicação sôbre o assunto, recebida de um
(6) L. Figuier - "Vies des Savants I1lustres. Savants de I'Antiquité". espIrIta.
(7) De acôrdo com a doutrina espiritualista, grava~se em nossO perispídto todos os
, (11) :Ê de interêsse notar~se que êsses' ensinos, apesar do teInpo que distam da nossa
atos bons ou maus- que praticamos. Daí, as variedades de luz e tons que irradiam os
cpoca, acompanham mais ou menos a ciência oficial.
espíritos, segundo as descrições dos médiuns videntes.
(8) Vide explicação de Pitágoras, nnta n. O 2, pág. 5~.
62 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 63

Sôbre a sua lendária trípode, rodeada de vapores inebriantes, a :lHe pergunta apenas o número e o nome das pessoas que se apresentam;
sacerdotisa de Apolo - o deus da sabedoria e a inspiração - a Pítia depois, desce à gruta e bebe água de uma fonte misteriosa; êste
délfica conhecia os furores da posse ,e dos delírios, as vertigens dioni- homem, alheio as mais das vêzes às letras e à poesia, responde em
síacasde uma exaltação igual à das Bacantes, em que a alma, sacudida verso às perguntas que lhe fazem mentalmente" (16).
de profundos remoinhos, se evadia do reino dos homens e, forçando Os mais célebres oráculos do passado foram o de Júpiter em
as barreiras da frágil personalidade, ia habitar junto dos deuses. Dodona, no Epiro, e o de Apolo Pítico em Delfos. Creso manda
Da antiguidade grega e latina são conhecidos os sacerdotes e emissários aos principais oráculos do seu tempo ,e fica maravilhado
os adivinhos que prediziam o futuro, as pitonisas que ditavam oráculos com a resposta que lhe vem de Delfos. Minos, Licurgo e Sólon
agitando-se 'em suas tripodes, e as sibilas que prof.etizavam com calma consultavam os de Delfos em emergências difíceis; Alexandre Ie
e sem convulsões. Atribuiam-se às sacerdotisas de Apolo o dom da Pirro recorriam aos de Dodona; e Numa Pompílio ia ao bosque de
profecia e diversos oráculos. Hirofile, a mais antiga, é quem predisse Arícia consultar a ninfa Egéria(17).
as peripécias da guerra de Tróia. Daí, numa de suas obras, afirmar Plutarco que "não há razão
Os oráculos dos templos gregos, os fatos de clarividência e de de acreditar-se que as divindades não desdenham de comunicar-se
adivinhação produzidos pelas sibilas e pitonisas, são atestados pela com aquêles que são religiosos e santos. Será justo crer-se que os
história (12). Embora muitos espíritos fortes, levando em conta o deuses tenham honrado tanto os poetas e não tenham querido fazer
exagêro e a lenda, os considerem apócrifos, sem dúvida cumpre con- a mesma honra a Zeleucos, a Minas, a Zoroastro, a Numa, a Licurgo,
siderar que as recentes descobertas da psicologia experimental (13) que todos têm fundado repúblicas e governado estados"? (18).
nos têm demonstrado que nesse domínio há alguma coisa mais do que Porém, os excessos dos oráculos acentuam·s,e a partir dos meados
vã superstição, induzindo nos a estudar mais atentamente o conjunto do século III a. J . C., atingindo proporções inconcebíveis de depra-
de fatos que na antiguidade repousava sôbr,e princípios fixos e parti- vação a ponto de no ano 108 a. J.C. o senado romano dissolver os
cipava de uma ciência profunda e grandiosa. Mistérios Básicos, origem dos mais escandalosos abusos. Deodoro
Em geral não se avalia bem a que extremo levavam os gregos de Sicília, referindo-s,e ao Templo de Elêusis, considera-o "um verda-
a sua superstição. Para calCularmos a que ponto se ,excediam nesse deiro lupanar".
sentido, basta ler as narrações de Heródoto: não se encontram nelas Assim é que poucos são os santuários que resistiram à onda
senão prodígios, cada qual mais maravilhoso; tão mirabolantes que avassaladora da decadência, mas os oráculos fizeram-se ouvir ainda
algumas vêzes o autor Se recusa a cr-editar. Ler-se-á também em por muito tempo, sendo que o de Delfos só foi extinto no sécu1.9~.!Y_
Teofrasto o retrato do "Atheniense Supersticioso", retrato que não da nossa era, por decreto de Teodósio (19).
parece ser muito exagerado.
Segundo Plutarco, o desaparecimento dessa ciência foi conside-
Os oráculos (14) referidos por Heródoto a propósito de Creso rada por tôda a sociedade antiga como uma grande desgraça (20).
e da batalha de Salamina, provam que em Delfos havia pessoas
assim dotadas. Mais tarde imiscuíram-se abusos nessa prática, caindo Na Grécia, no Egito e na índia, consistiam os Mistérios em uma l
em desuso. Os filósofos gregos explicavam os oráculos, p~la ~nter­ mesma coisa: o conhecimento do segrêdo da morte, a revelação das !,>-
venção dos espíritos (15). Em geral, eram dados na propna lmgua vidas sucessivas e a comunicação com o mundo oculto. Êsse ensino r
dos consulentes, pois que a resposta~do oráculo de Amon a Alexandre e essas práticas produziam nas almas impressões profundas; infundiam- \
foi proferida em grego. Referindo-se ao de Apolo de Claros,escreve -lhes uma paz, uma serenidade e uma fôrça moral incomparáveis. )
Tácito: Plutarco (21), que era sacerdote no templo de Apolo Pítico, afirma
"O intérprete do deus não é uma mulher como em Delfos; é que os espíritos se manifestavam nos Mistérios:
um sacerdote escolhido de certas famílias e ordinàriamente de Mileto.
(16) Tácito - "AnaIs", II, § 54.
(12) Bouché-Leclerq - HHistoire de Ia Divination dans l"Antiquitê". (17) A. Lobo Vilela - "O Problema da Sobrevivência"; "Sólon".
(13) Psicologia - Etimolôgicament': é a ciência qu~ estuda a alm;l., (18) Plutarco - "Numa Pompilio".
(14) A palavra oráculo tanto se emprega plra deSIgnar a rcsposU aos consulentes ('19) Plutarco - "Da Cessação dos Oráculos".
como o individuo que a dá~ ou o santuár.io. (20)
(21)
Plurarco
PIutarço -
::Da Cessa.ç~~, dos Oráculos",
1~IS c O~lqS
(15) FOIúcnele - "Bis!oire des Opeles". 1
PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 65

"Aquêles que têm vivido várias ,existências virtuosas estão em um sábio, mas tido por uns como um mágico, adorado por outros
condições de se elevarem ao estado de espíritos puros e vêem-se como um deus, ou pelo menos venerado como um sêr sobrenatural".
visitados por outros espíritos que os sustentam nas provaçõ·es, porque Entre muitos outros fatos miraculosos, que refere com tôda a
êles são, geralmente, perseguidos entre os homens (22). complacência o seu biógrafo Filóstratro, vê-s·e que êle pôde predizer
gi!~gç>~g.sr(;celJf::,e,l1sin,a,11l,elltos, ," dos, .espíEi t(}siltrª,\,~~_ge:_I~ºc:I~i:l de Êfeso, na Ásia Menor, o assassínio do imperador Domidano, no
m~diY,niZªda,. Cícero (23) conta que Apio se comunicava com os espí- mesmo instante em que o crime se consumava em Roma. De outra
ritos; e, segundo Plínio o Antigo (24), êle evocou o espírito de Ho- vez, transportou-se subitamente de Smirna a Êfeso, etc., etc. (31).
mero para s·e informar da sua pátria e da sua família. Pausânias, Inclui, também, que pela misteriosa ação de um oráculo, Apolônio
depois do assassínio involuntário de CIeonice, via tôdas as noites o de Tiana recebera o ditado de um longo e interessante livro (32).
seu fantasma, o qual se anunciou que deixaria de aparecer-lhe quando Apavorados com as r·epetidas aparições de espectros e fantasmas
êle regressasse a Esparta. Cimon, filho de Melcíades, ia à caverna que assombravam a cidade, os atenienses mandaram vir de Creta,
de Herac1éia, na Propôntida, consultar a sombra de sua falecida Epimênides que "passava por ser um homem querido dos deuses,
irmã (25); e Periandro, um dos sete sábios da Grécia, falava com ° dotado de grande sabedoria, muito instruído nas coisas divinas, sobre-
espírito de sua mulher (26). tudo versado na dênda das inspirações e nos conhecimentos dos
mistérios" (33).
Cícero, sôbre a morte de Catão, seu amigo predileto, manifesta-se
assim-:- . Segundo Lucano (34), havia na Tessália a célebre mágica 1!:rato,
"que fazia 'entrar as almas no seu corpo" e foi por ela que Sexto
"Feliz será o dia em que eu sair desta multidão corrompida Pompeu soube do desfecho da rivalidade entre seu pai e César.
para me reunir à divina e feliz plêiade das grandes almas que deixa. Por um exercício progressivo, os adeptos do' grau superior con-
ram a terra antes de mim. Aí encontrarei não somente êsses homens seguiam penetrar todos os segredos da natureza, dirigir à vontade
ilustres de quem tenho falado, mas também meu caro amigo Catão, as fôrças em ação no mundo, produzir fenômenos de aparição sobre-
um dos melhores 'lO; dos mais fiéis nos s,eus deveres, que conheço. natural, mas que eram simplesmente a manifestação natural das leis
Eu pus seu corpo no ataúde, mas sua alma não me deixou, e sem me desconhecidas pelo vulgo.
perder de vista êle unicamente me pr·ecedeu um dia no Além. Apesar SQçrates e, mais tarde, Platão continuou na Ática a obra de
de minha dor, sinto-me consolado pelo pensamento de que estamos Pitágoras. SQcrates jamais quis se iniciar, não obstante cresse no seu
separados por momentos" (27). "daimon" ou "gênio familiar", porque pref.eria a liberdade de ensinar
Epimênides (28), Lucano, Tácito, Apuleio e Filóstratro evocaram a todos as verdades que a razão lhe havia feito descobrir (35).
os mortos. Sócrates (29), ~p.()I§gi(),~~'[i~l1il~ Filon e Platino tinham Desde a infância que §Q.gª!~ii. ouvia uma voz tutelar que se
os seus espíritos familiares com quem se comunicavam diretamente. manifestava nos momentos difíceis, para lhe indicar a melhor conduta
Porfírio, que escreveu a vida de Platino, diz que o gênio tutelar a seguir. Porém, só se manifestava- para o desviar de qualquer reso-
dêste era de uma hierarquia muito elevada, e que falando dos gênios lução prejudicial. "Essa voz, diz Sócrates, não intervém senão para
me afastar do êrro; ela nunca me leva a fazer o mal" (36). O seu
tutelares, dizia Platino:
gênio tutelar manifestava-se por um sinal diverso, cujo aparecimento
"Êles ass,eguram a cada um o corpo que lhe convém, de harmonia
levava Sócrates a modificar os seus propósitos (37).
com os seus antecedentes, segundo as suas sucessivas existências" (30).
Lamartine, falando de Sócrates, diz:
Sôbre Apolônio de Tiana, como disse o historiador Chassang, "Sim êle era inspirado; êle o diz, êle o repete; e porque recusar-
sabe-se que "foi durante a Sua vida não somente honrado como mo-nos a acreditar no homem que deu a vida por amor da Verdade?
Haverá, por ventura, testemunhos que valham a palavra de Sócrates
(22) Plutarco - "Cimon".
(23) Cícero - "Tusculanos", I. ----
(31) Modernamente é comum encontrar~se na literatura esoírita a descrkão de fenô-
(24) Plínio - "Hist.", XXX.
(25) Plutarco - "Cimon". menos de "t:ansporte". A ~ua ação é variável, pois vai desd~ os objetas, flôres, perfu-
mes, etc., ate o transporte Integral de um sêr vivo.
(26), Heródoto, V. 92. (32) Filostrato - "Vida de Apolônio de Tiana" ... ' - c.... ',,', ......,.. ,,',,',..
(27) Cícero - "De Senectude". (33) A. L"bo Vilela - "Sólon", apud Plutarco.
(28) Fénelon - "Vie des Philosophes de I'Antiquité". (34) Lucano - "Far,álias", VI.
(29) Platão - t<Teageto"; Xenofonte - UApologia de Sócrates"; Plutarco ........ HOS
(35) René Kraus - "Sócrates".
Demônios de Sócrates"; Apuleio - "Do Deus de Sócrates". (36) Platão - "Apologia", I, XIX, 44.
(30) Michel Berveiller - "A Ttadição ReIigio.ga na Ttagédia Grega".
(37) A. Lobo Vilela - "O Problema da Sobrevivência".
66 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 67

moribundo? .. Sim, êle era inspirado. .. A Verdade e a Sabedoria O poderoso veneno, contudo, agia em seus terríveis efeitos. Os
não são nossas: elas descem do céu aos corações escolhidos que são membros principiaram a tornar-se-lhe pesados, e então Sócrates dei-
suscitados por peus segundo as necessidades do tempos" (38). tou-se. As sombras da noite já começavam a nos -envolver, quando
Mais tarde, ouvindo a própria condenação, Sócrates dirigiu aos êle pronunciou as derradeiras palavras, que exprimiram seu último
juízes estas palavras memoráveis: desejo, entrecortadas pelo estertor da agonia, enquanto sobr-evinha
"Essa voz profética do "daimon", que nunca deixei de ouvir a rigidez total:
durante tôda a minha vida e a todo momento, sempre me desviou - Criton, não esqueças que somos devedores de um galo a
do que me pudesse acarretar um mal; hoje que me sobrevêm estas Esculápio ...
coisas, que se podem considerar piores, por que se cala essa voz? Logo depois expirou. Críton, piedosamente, cerrou-lhe a bôca
É porque tudo isso que me sucede é um bmefícío. Nós nos iludimos e os olhos, para sempre (40).
quando pmsamos que a morte seja um mal" (39). Depois da morte de Sócrates, Platão transportou-se ao Egitoe aí
O grande filósofo grego, criador da dialética, ardoroso soldado foi admitido nos Mistérios. VoItando a conf.erenciar com os pitagó-
que salvou a vida de Alcibíades, jamais teve escola. Os seus ensinos ricos, fundou então a sua academia. Mas a qualidade de iniciado não
eram ministrados através da argumentação dialogada, como método mais lhe permitia falar livremente, e, nas suas obras, a grande dou-
de investigação racionalista das idéias e do sêr -em si. Incondicional trina aparece veladamente. Assim mesmo, -encontram-se no "Fedon"
adversário dos sofistas, sustentou a doutrina de uma verdade abso- e no "Banquete" a teoria das migrações da alma e das reencarnações,
luta. Regenerador dos costumes e vícios atenienses, dotado de capa- bem como a das relações entre os vivos e os mortos. Conhece-se
cidade lúcida e possuidor de um espírito arguto e irônico, foi denun- igualmente a cena alegórica que Platão colocou no fim da sua "Repú_
ciado por seus inimigos como corruptor da juventude e criador de blica". Um gênio tira, de sôbre os joelhos das Parcas, os destinos
novas teorias, sendo condenado à pena capital. e as diversas condições humanas, e aí clama:
"Almas divinas! entrai em corpos mortais; ide começar uma nova
Platão, discípulo e amigo de Sócrates, em "Fedon", descreve a
carreira. Eis aqui todos os destinos da vida. Escolhei livremente;
morte dramática do grande pensador, "sem comparação o maior e
a escolha é irrevogável. Se fôr má não acuseis por isso aDeus".
o mais justo dos homens.", pondo em cena o quadro final em que
se representa uma das mais fúnebres tragédias da história: Daí, Platão proferir esta sentença lapidar: "Apr-ender é recordar".
Chegara a última hora do mestr-e, que se mostrava sereno noS Platão fala repetidas vêzes de demônios (daimons), na acepção
modos e nas palavras. Nós estávamos reunidos no cárcere, ouvindo-lhe de espíritos superiores ao homem mas inferiores aos deuses, que eram
espiritos de uma hierarquia mais elevada ainda. No "Banquete",
as últimas recomendações. Críton, Apolônio, Fedon, Cebas, Símias
êle escrev-e:
e eu, não conseguíamos, contudo, dissimular nossa profunda emoção
pelo próximo fim do grande filósofo. "É dos demônios que procede a adivinhação e a arte dos sacer-
dotes relativa aos sacrifícios, às iniciações, aos encantamentos, a tôda
E sem que houvesse alteração no seu aspecto, com admirável sere-
magia, etc., porque a Divindade não entra em comunicação direta
nidade, tomando a taça de cicuta resolutamente, bebeu-a num só trago,
com os homens. É por intermédio dêles que os deuses se comunicam
rogando aos deuses para que a sua passagem para o Além fôsse feliz.
com os homens, quer durante a vigília, quer durante o sono".
Após despedir-se de sua espôsa Xântipa e dos filhos, dirigindo-se
Como acabamos de ver, quase todos os grandes gênios da Grécia
a nós continuou expondo a série das suas deduções sôbre a imortali-
foram iniciados; e dos ensinos secretos é que êles compreendem a
dade da alma, argumento que sempre o -empolgava. À vista do inevi·
inspiração divina, as formas sublimes da arte e os preceitos da
tável, prorrompemos em lágrimas e soluços, sentindo a grande perda
sabedoria. O mais extraordinário exemplo é talvez o da doutrina
que iríamos sofrer.
da seleção das ,espécies, que E~lpédocles formulou magistralmente
- Amigos, exclamou Sócr'!t~{;, não vos abandoneis em excessos, 2.500 anos antes de Darwin. ~. '"
pois devemos morrer corajosamente. Acalmai-vos e sêde fortes!
. (40) N" antig~idade era costume oferecer-se um galo a Esculápio, o deus da medi-
CIna, quando () enfermo se curava de uma doença. Com êste derradeiro trecho de sua
(38) Lamartine - "La Mort de Socrates". sorridente ironia, Sócrates buscou dizer que êle, morrendo, 'estava liberto para sempre de
(39) Platão - "Apologia". todo O mal da matéria.
68 PEDRO GRANJA CAPÍTULO VI

"Na oplmao de Empédocles - diz Wercorn - apareceram pri-


meiro as plantas, depois os animais inferiores; dêstes nasceram os
animais superiores e, afinal, os homens se desenvolveram por aperfei-
çoamento. O princípio ativo dêsse aperfeiçoamento consistia, a seu A
ver, em que os sêres mal formados sucumbem na luta pela vida, GÁL IA
enquanto os vigorosos se multiplicam" (41).
Ê exatamente a doutrina de Darwin - que aliás foi o primeiro
a reconhecer a incontestável primazia do filósofo grego.
O ensino secreto dava, ainda, noções muito mais elevadas sôbre
as leis do Universo. Conta·nos Aristóteles que os pitagóricos conhe- -
ciam o movimento da terra em tôrno do Sol. No terceiro grau de
inÍ(hr~ aprendia-se o duplo movimento da terra. AGÁLIA também conheceu a grande doutrina; possuiu.a sob
uma forma poderosa e, original; soube dela obt·er resultados que
Em resumo: a doutrina secreta, mãe das religiões e das filoso-
fias, reveste aparências diversas no correr dos séculos, mas sua base escaparam aos outros palses.
permanece imutável. Nascida simultâneamente na Índia e no Egito, "Há três unidades primitivas, ensinavam os Druidas - Deus",
passa daí para o Ocidente, com a onda das migrações. Encontrâmo·la a Luz e a Liberdade. Três unidades de Deus: ser infinito em si t,
em todos os países ocupados pelos Celtas. Ocultas na Grécia pelos mesmo, ser fi.ni~o para co~ o finito, e estar em relação com cada (
Mistérios, ela se revela no ensino de mestres, tais como Pitágoras, estado das eXlstenClas no CIrculo dos mundos" (1). )
Sócrates e Platão, cuja filosofia, sob fórmulas repletas de sedução Quando a Índia já andava dividida em castas estacionárias em
e poesia, sempre se associou às práticas da teurgia, da invocação dos ~imites infranqueáveis, as inst~tuições gaulesas tinham por bas:s "a
espíritos, etc. Igualdade de todos, a comumdade de bens e o dir·eito eleitoral".
A escola de Alexandria recolhe os seus princípios e infunde·os Nenhum dos outros povos ?a Europa teve, no mesmo grau, o senti-
no sangue jovem e impetuoso do Cristianismo. Já o "Evangelho", ,menta profundo da ImortalIdade, ~,ajllstiça, dalib,~~dade.
como a abóbada das florestas sob um sol brilhante, era iluminado Ê com veneração que devemos estudar a~' tendências filosóficas
pela ciência esotérica dos Essêni?s, outro ramo dos inidados. A da Gália, porque aí encontraremos, fortemente denundadas tôdas as
palavra de Cristo havia bebido nessa fonte de água viva e inesgo- ~uali~ad:s e também _todos os defeitos de uma grande ra~a. Nada
tável as suas imagens variadas e os seus encantos poderosos. e maIS dIgno de atençao ·e de respeito do que a doutrina dos Dnlidas
Assim é que, por tôda parte, através da sucessão dos tempos e os quais não eram bárbaros como se acreditou errôneamente'd~'r~nt~
do rasto dos povos, se afirmam a existência e a perpetuidade de um séculos (2).
ensino secreto fàcilmente identificável no fundo de tôdas as grandes Tendo perco:r~do a Gália antiga, Estrabão não pôde ocultar o
concepções religiosas ou filosóficas. Os sábios, os pensadores, os pro- seu ~spantoe vatlC1nou os melhor·es augúrios ao povo que a habitava.
fetas dos templos e dos países mais diversos, nêle encontraram a inspi- Efet~vamente, a raça gaulesa causa admiração do mundo pelos inesgo-
ração e a energia que fazem empreender grandes coisas, e transfor- táveIS recursos de que dispõe e que sintetizam tôdas as harmonias de
mar almas e sociedades, impelindo.as para o caminho evolutivo do seu sentimento (3).
progresso. Por muito tempo só conhecemos os gauleses pelos autores latinos
Há aí como que uma grande corrente espiritual que se desen- e pelos escritores católicos. Mas, ,essas fontes devem a J'usto título
rola misteriosamente nos r·ecessos da história, e parece sair dêste mundo
. pois os autores tinham interêsses diretos
ser suspeItas, " em desacre-
invisível que nos domina, nos envolve, e onde vivem e atuam ainda ditá·los e desfigurar.lhes as crenças. César descreve-os com evidente
os Grandes Espíritos que têm servido de guias à humanidade e que intenção de se exaltar aos olhos da posteridade (4), dando margem
jamais cessaram de com, ela comunicar·se. ~-------
(1) Cyfrinacb Inys Pryddain - "Tríades Bardiques".
(2) Léon Denis - "Depois da Morte".
(3) Padre V. MarcbaI - "O EspírIto Consolador".
(41) Wercorn - "Pbysiologie Générale". (4) César - "Commentaires de la Guerre des GauIes", VI.
70 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 71

a Polião e a Suetônio descobrirem inexatidões e erros deliberados. covardia usar-se de astúcias guerreiras, conta-nos d'Arbois de Jubain-
Os próprios Cristãos só viam nos Druidas homens sanguinários e ville, professor do Colégio de França.
violentos; em seu culto somente encontraram práticas grosseiras.
Os progressos dos estudos célticas (8), a publicação das "Tríades"
Entretanto, Lucano, Horácio e Florus consideravam a raça gaulesa
e os cânticos bárdicos, permitem-nos encontrar em fontes seguras uma
como depositária dos mistérios do nascimento e da morte, e certos
justa apreciação de tais crenças.
padres da Igreja, Cirilo, Clemente de Alexandria e Orígenes (5), dis-
tinguem-nos, com cuidado, da multidão dos idólatras, conferindo-lhes A filosofia dos Druidas, reconstituída em tôda a sua amplidão ···.1,·
. 'f
o título de filósofos. con f.uma-se com a doutrina secreta do Oriente e com a dos espiri- )~"
Reportando-se às origens primitivas de seus ensinos aí veremos tuahstas modernos, pois, como êstes, também divulga as existências ':f
a idéia das vidas sucessivas pairar, de início, sôbre os seus cânticos: progressivas da alma na escala dos mundos (9). }
"Debati-me em cem mundos; em cem círculos vivi". (Canto bárbico: Os gauleses, como já dissemos, criam, com fé vivaz, na vida
Barddas cad Goddeu). p~ogressista da personalidade humana, e tão grande era a certeza das
"Para nós as almas não se sepultam nos sombrios reinos do vidas futuras, que dividiam °
Universo em três círculos: "o de Deus
P;rebo, mas sim voam a animar outros corpos em novos mundos. A ~llºradada, es§êgciªclivigê; ªa felicidade, morada dos espíritos puro§;
°
morte não é senão o têrmo de uma vida. Felizes os que não se e qdas. Viagens, .morada dos espíritos que se estão depuram,IQ". . .'
arreceiam no momento supremo da vida; daí o seu heroísmo no meio QL!?_r.~!idª.s"""não eram soment·e homens valentes, eram também
de sangrentos combates, e o seu desprêzo pela morte" ( 6 ). sábios profundos. Seu culto era o da Natureza celebrado sob a
Era a tradição por excelência. Os despojos dos guerreiros mortos, abóbada sombria dos carvalhos ou sôbre as pen~dias batidas pelas
diziam, não mais são que invólucros ga'stos, e, como indignos de tempestades.
atenção, abandonavam-nos no campo de batalha, o que causava grande
As "Tríade~" (10) são .0 mais belo e maravilhoso monumento que
surprêsa para os seus inimigos.
r:os resta da .an.tlga ;abe.dotla do: bardos e dos Druidas; abrem perspec-
"pQgg<º"cçºJ;Pº, gi~i.fl.m ~1~§,<.ªJQ1ªx<:.~.~ º"ª J.m!1ªLçhªf!ltdar-se 1li} tIvas sem Imutes a vista adlTIlrada do investigador. Proclamam a
i!!1.1111.ª~ç,i~;.<.P2Eql1.~.c.. cª..c ªIl}l.e... L!!1.ªs~:!ª.ª.ª •.P.~El}lª~:~Ç~Ec~ •.~~E:l'pre.J?"gª" . evolução das. almas parti.da~ d.e anou!n, o abismo, subindo vagamente
Os gauleses tinham a certeza de reviver em corpo e alma nos a l.onga espIral das ·eXlstenClas (a!bred) para chegarem, depois de
mundos que turbilhonavam pelo infinito. A êsse respeito, tão viva mUltas morte e renascimentos, a gwyn!yd, o círculo da felicidade: .
fé alimentavam que uns aos outros emprestavam dinheiro para ser
pago noutra esfera. A morte, para êles, era uma simples emigração. . "Tr~s condições são. indispensáveis para chegar à plenitude (ciên- i
Muitas vêzes um irmão se oferecia para morrer em lugar do seu ela e vlttude): transmlgrar em abred, transmigrar ·em gwyn!yd e
irmão, um amigo em lugar do outro amigo. Combatiam a peito des- recordar-se tôdas as coisas passadas até anou!n.
coberto e desconheciam a couraça. . "Três meios eficazes de Deus em abred (círculo dos mundos
Segundo êles, os cadáveres de guerreiros, que juncavam o campo planetários) para dominar o mal e vencer a sua oposição em relação
de batalha, não representavam mais que J!.~s!~§§spa.tíÜHl.'q.s. Tinham ao círculo de gwyn!yd (círculo dos mundos felizes): a necessidade
por símbolo verdadeiramente sagrado 9JEi~Eq. que crescia nos robles. a perda da memória e a morte. '
O carva'lho, emblema da fôrça, dignificava Deus, eterna fonte da vida; "Os três poderes (fundamentos) da ciência ·e da sabedoria: a
o visco, sempre verde, apesar das geadas, e enxertado no carvalho transmigração completa por todos os estados dos sêres; a lembrança
sem com êle se confundir, figurava o espírito imortal (7). d~ cad~ transmigração e dos seus incidentes; o poder de passar de
Essa doutrina viril dava aos gauleses uma coragem indomável, nov?, a vontade, por um estado qualquer em vista da experiência e
uma intrepidez tal que êies caminhavam para a morte como quem do Julgamento. Será isso obtido no círculo de gwynfy" (11).
vai para uma festa. Enquanto os romanos se cobriam de bronze e
ferro, despiam êles as vestes e combatiam a peito nu, considerando
(8) Gat.~n Arn,o,:l1t - "Philosophie Gauloise"; Alfred Dumesnil - "Immortalité' Jean
Raynaud - Le SplIlte de la Gaule". '
Clemente de Alexandria - "5rramates", VI. (9) V. Pizzeta - "Galerie des Naturalistes".
Lucano - ttFarsálias", L (10) Ed. Williams - "Tríades" - Traduzido conforme o original gaulês
Padre V. Marchal - "O Espírito Consolador". (II) "Tríades", 19, 21 e 36. .
72 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 73

Segundo as "Tríades", a alma gera-se no seio do abismo - Entretanto, parece ter-se afastado da verdade em certo ponto:
anoufn; aí reveste as formas rudimentares da vida; só adquire a ao estabelecer que a alma culpada, perseverando no mal, perde o
consciência e a liberdade depois de ter estado por muito tempo imersa fruto de seus trabalhos e recai nos graus inferiores da vida, donde
nos baixos' instintos. lhe será necessário recomeçar a longa ·e penosa ascensão. Mas, ajun-
Eis o que a respeito diz o cântico do bardo Taliesino, célebre em tam as "Tríades", a perda da memória lhe permite recomeçar a luta,
sem ter por obstáculos o remorso e as irritações do passado.
tôda a Gália:
.QLQr~i.ç!!~.5omunicavam.se com o mundo invisível; mil teste-
"Existindo, desde tôda a antiguidade, no seio dos vastos oceanos,
munhas o atestam; no recinto de pedra evocavam os mortos. As
nasci de um pai e de uma mãe, mas das formas elementares da
druidesas e os bardos proferiam oráculos. Tinham visões de seus
natureza, dos ramos da bétula, do fruto das florestas, das flôres
mortos queridos. Conversavam com sêres espirituais (13).
das montanhas. Brinquei à noite; dormi pela aurora; fui víbora no
lago, águas nas nuvens, lince nas selvas. Depois eleito por Gwyon jLÇQrJ1~lnQfªç,ªºd.º.s
.. 1.!1()!!()~{<:l~jlliçiªti'\'ª.gªll!~.§. A primeiro
(espírito Divino), Sáb;o dos sábios, adquiri a imortalidade. Bastante de novembro celebrava-se a festa dos espíritos, não nos cemitérios
tempo decorreu, e depois fui pastor. Vaguei longamente sôbre a os gauleses não honravam os cadáveres - mas sim em cada habi-
terra antes de me tomar hábil na ciência. Enfim, brilhei entre os tação, onde os bardos e os videntes evocavam as almas dos defuntos.
sêres' superiores. Revestido dos hábitos sagrados, empunhei a taça No entender dêles, os bosques e as charnecas eram povoados por
dos sacrifícios. Vivi em cem mundos; agitei-me em cem círculos" (12). espíritos errantes. Os Duz e os Korrigans eram almas à procura de
novas encarnações. Uma coisa capital faltava-lhes, entretanto - a
Em sua peregrinação imensa, ensinavam os gauleses, a alma per- idéia da fraternidade. O druidismo fortificava na alma o sentimento
corre os três círculos que correspondem a três estados sucessivos: do direito e da liberdade; mas se os gauleses se sabiam iguais, nem
No anoufn sofre o jugo da matéria; é o período animal. Penetra por isso se sentiam fraternos. Daí essa falta de unidade que perdeu
no abred, círculo das migrações que povoam os mundos de a Gália.
expiflção e de provas; a Terra é um dêsses mundos, e a alma se Curvada sob a opressão de vários séculos, purificada pela des-
incorpora bastante vêzes em sua superfície. À custa de uma luta graça,e"clarecida por luzes novas, tornou-se por excelência indivi-
incessante, liberta-Se das influências corporais do mundo e deixa o sível. A lei da caridade e do amor, a melhor que o Cristianismo
circulo das encarnações para atingir gwynfyd, circulo dos mundos lhe fêz conhecer, veio completar o ensino dos Druídas e formar uma
venturosos ou da felicidade, abrindo-s·e os horizontes encantadores da síntese filosófica e moral plena de grandeza.
espiritualidade. Ainda mais acima dêsses círculos se desenrolam as
profundezas do ceugant, círculo do Infinito que encerra todos os
e que só pertence a Deus.
Longe de se aproximar do panteísmo, como a mor parte das dou·
trinas orientais, o druidismo afasta-se dêle por uma percepção inteira-
mente difer·ente sôbre a Divindade. A sua concepção sôbre a vida
também não é menos notável.
.//"0 Conforme as nenhum sêr é joguete da fatalidade, nem
lífaVOrito de uma graça caprichosa, visto preparar e edificar por si
i próprio os seus destinos. O seu alvo não era a procura de satisfações
~:J efêmeras, mas sim a elevação pelo sacrifício e pelo dever bem cum-
'""'\ prido. A existência figuravam. na como um campo de batalha onde
.i. \ o bravo conquistava seus postos, exaltando as qualidades e joeirando
los costumes.
. ~
,----
(13) Vide os seguintes autores: Flammari9n, YiJ:Qr,~ C. Bonnet, Dupont de
(12) Goddeu - "Barddas". Nemours, BalIanche, I:.t\m.~' E.li9,l!j!~1Mi. e outros.
CAPÍTULO VII

OS
HEBREUS

CONFORME a história, é do deserto que, ostensivamente, surge


a crença no Deus único, a cellula-mater de onde deveria nascer o
Cristianismo.
Através das solidões pedregosas do Sinai, ~~, iniciado egípcio
e sacerdote de Osíris (1), guiava para a Terra Prometida o seu povo; e
o pensamento monoteísta, até então confinado aos Mistérios, por inter-
médio dêle ia entrar no grande movimento religioso e espalhar-se
pelo mundo.
Incontestàvelmente cabe a Moisés a glória de ser o organizador
do monoteísmo, até então oculto sob o tríplice véu dos mistérios, saindo
do fundo do Templo para penetrar no ci/culus da história. Moisés
teve a audácia de fazer do mais alto princípio da iniciação o dogma
único da religião hebraica, e a necessária prudência para não o revelar
senão a um pequeno número de iniciados, impondo-o pelo terror, à
multidão, refletindo a cólera de Jeová em raios, trovões, tempestades
e cataclismas.
Assim agindo, o profeta do Sinai manifesta uma largueza de
vista qüe ultrapassou em muito os destinos das seitas politeístas.
Ao povo de Israel coube-lhe um papel primordial. Sua história
é como um traço de união que liga o Oriente ao Ocidente, a ciência
secreta dos templos à religião vulgarizada. Apesar das suas desor-
dens ,e das suas máculas, a despeito dêsse sombrio exclusivismo que
é uma das facetas do seu carátet, os israelitas têm o mérito de
haver adotado, até enraizar-se em si, o dogma da unidade de Deus,
cujas conseqüências ultrapassam as suas vistas, preparando a fusão dos
povos em uma família universal (2) .
A r,eligião universal da humanidade, eis a verdadeira missão de
Israel, que poucos judeus, exceto os seus maiores profetas, compreen-
deram. Essa missão para se cumprir, profetizava a ruína do povo
que a representava, 'e, efetivamente, a nação judaica foi dispersa,

(1) Edouard Schuré - "Os Grandes Iniciados".


(2) Léon' Denis - "Depois da Morte".
76 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 77

aniquilada. Desenvolvida, pelo cristianismo, continuada pelo Islã Sem dúvida alguma, êsse extraordinário organizador foi
ainda que de um modo inferior, ela devia impor-se ao Ocidente
bárbaro, reagir até sôbr·e a própria Ásia. Assim é clue - entre a tirania esmagadora que oprimia no cati-
veiro o povo hebrell,e entre os mistérios impenetráveis da iniciação
Essa extensa perspectiva sàmente foi reconhecida ou pressentida
que impunham o terror dos deuses à massa escrava, fazendo-a temer o
pelos profetas que precederam a vinda de Jesus. Doravante, porém, Touro alado da Assíria e a Esfinge misteriosa do Egito - em pleno
a humanidade poderá revoltar-se, debater-se contra si mesma em sobres- êxodo o profeta do Sinai recebera a r·evelação divina do Decálogo (4).
saltos convulsivos, que por mais que faça não deixará de girar .em
tôrno desta idéia central como a nebulosa em volta da luz. E Isto 1.9 ) Não terás deuses à minha frente.
é a obra formidável de Moisés o Grande Iniciado.
~~~'''"-~'''==~~''=''"'''''''''''''''''''''''''''~'=''=='''''''-'''''''='''',.",*"",,~-=,_.,,====-===
...~.~.~ 2. Não farás imagens, nem semelhança de coisa alguma, quer
9)

Para esta emprêsa, a mais grandiosa depois do êxodo pré-histó- esteja no céu, na terra, nas águas, nem te inclinarás a elas nem a
rico dos Árias, Moisés encontrou um instrumento já preparado nas honrarás.
tribos dos Hebreus, particularmente naquelas que, tendo-se, fixado no
3. 9 ) Não tomarás o nome de teu Deus em vão.
Egito, no vale de Gossen, ai viviam escravas e eram conhecidas pelo
nome de Beni-Jacob. 4. 9 ) Santificarás o sétimo dia, descansando de todo trabalho (5).
Para o estabelecimento de uma religião monoteísta, êle tivera 5. 9 ) Honrarás teu pai e tua mãe.
também precursores na pessoa dêsses reis nômades e pacificos que
6. 9 ) Não matarás.
a Bíblia nos apresenta com os nomes de A~ra,,ªg, J,~~~! "e l~,çg12:
Havia já muitos séculos, milhar·es de anos talvez, que os lbrains, 7. 9) Não cometerás adultério.
êsses nômades infatigáveis, êsses eternos exilados, eram conhecidos 8.9 ) Não furtarás.
pela divulgação das crenças de seus patriarcas (3).
9. 9 ) Não dirás contra o teu próximo falso testemunho.
Êsses patriarcas teriam uma visão profunda de Deus ·e dos fins
religiosos da humanidade? Sem dúvida alguma. Inferiores em ciên- 10. 9 ) Não ambicionarás, nem a mulher nem coisa alguma que
cia positiva, tanto aos magos da Caldéia, como aos sacerdotes do pertença a teu próximo.
Egito, excederam-nos provàvelment.e pela grandeza moral e por essa
altivez de alma que é o apanágio de uma vida errante e simple~.
Para êles a ordem sublime, que Aeloim faz reinar no Unlverso
na ordem social, em culto familiar, em respeito pelas suas
Os livros sagrados dos Hebreus cuja revelação é atribuída a
em amor apaixona'do pelos filhos, em proteção para com
Jeová, quer na sarça do Sinai em que Moisés tem a visão do Decá-
a tribo tôda, ·em hostilidade para o aventureiro. Numa palavra,
logo quer no deserto onde os prof.etas se recolhiam para satisfazer
êsses "grandes pais" tornam-se os árbitros naturais entre as familias
as tendências místicas são comoostos de remotíssimos livros da his-
e as tribos. O seu bordão patriarcal é um cetro de eqüidade. Eles
tória e da literatura dêsse povo: além do que, pràpriamente, apresen-
exercem uma autoridade civilizadora e respiram mansidão e paz.
tam características de r·evelação espírita, apesar das modificações que
Mas sob a lenda patriarcal, também vemos surdir aqui e ali a uma longa tradição oral lhes introduziu (6).
idéia esotérica. Quando em Betel, Jacob vê em sonho uma escada
com Aeloim ao cimo e os anjos que sobem e descem pelos seus degraus, Os nabis (profetas) tinham segredos misteriosos que os punha~
reconhecemos, em forma popular, a síntese da visão de Hermes e em relação com os Elohins (espíritos dos deuses). E tanto maIS
da doutrina da evolução das almas. luminosa parece esta afirmação quanto é certo que o "Zohar" ensina
a pluralidàde das existências e dos mundos (7).
Havia, portanto, um laço de fraternidade, sinais de :econheci-
mento e um fim comum entr·e todos os adoradores de Aeo2tm, desde
o fundQ da Caldéia até a Palestina e talvez a alguns dos santuários do --(4)A;;"alisando.se detalhadamente os fenômenos ocorridos na vida profé:ica. de Moisés,
concluiu·se que os mesmos provinham em virtude de seu, alto grau de medlunldade.. Era,
Egito, faltando apenas a essa conjuração monoteísta um organizador. como se classifica hoje, poderoso médium de efeitos f í s i c o s . . . . ..
(5) A Igreja aIterou radicaImenteêste mandamento e ma.'s o d,~ de repouso Ctlstao
(3) Renan - "Histoire du PeupIe d'Israel". "Ib.. ains quer dizer - os do outro que era no s.ábado, pelo dia festivo pagão, dia de 50!, . . ou. ~,eJa Domtngo.
os do além, os que passaram o rio". (6) A. Lobo Vilela - "O Problema da Sobrev1Venc,a .
(7) Renan - "Histoire du Peuple d'Israel".
PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 79
78

Em virtude dessa revdação é que uma nova senda surge à huma- A Índia fica como que imersa em letargia; extingue-se a lâm-
nidade, irradiando progresso, paz, amor, fraternidade, sob a bênção pada dos santuários egípcios, e a Grécia, assenhoreada pelos retó-
de um Deus único, que toma a concisão de um Pai compreensivo e ricos e pelos sofistas, insulta os sábios, proscreve os filósofos, profana
justo. Eis a grande missão dêsse "povo e~colhido". os Mistérios. Os oráculos silenciam e a superstição e a idolatria
invadem os templos.
Então o v-elho Jeová rui de seu templo de cólera. Deuses de
Supersticiosa em religião, agnóstica em filosofia, egoísta e dis-
barro, bezerros de ouro, símbolos, imagens divinas e amuletos, aos
solvente em política, embriagada de anarquia e fatalmente votada
poucos vão desaparecendo dos altares e das crendices populares.
à tirania, eis o que se tornou essa Grécia divina que nos transmitiu
Mas a revelação do oculto, manifestada somente aos profetas a ciênciaegipcia e os mistérios da Ásia, sob as formas imortais da
nas suas visões, prosseguindo, chega a vaticinar a vinda do Messias. beleza de Orfeu e Homero (8).
Eis algumas das passagens da Bíblia consideradas como artigo de fé, E -eis que surge, numa aurora sangrenta para a humanidade,
a qual os mais ortodoxos dos crentes não podem negar o valor: o último filho de Roma - essa legendária lôba - que resume o
"Eu o vejo, mas não agora; eu o diviso, mas não de perto; uma gênio romano: César! Roma absorve todos os povos; César, sua
estrêla nasce de Jacob e um cetra levanta-se de Israel e traspassará encarnação, devora todos os poderes. Já não aspira a ser apenas o
os chefes de Moabe destruirá todos os filhos de Set". (Números imperador das nações; juntando sôbre a cabeça a tiara ao diadema,
XXIV, v. 17). faz-se nomear grande pontífice. Depois da batalha de Tapso, voltam-
·lhe a apoteose heróica; depois da de Munta, a apoteose divina; -e,
-"O Senhor dar-vos-á um sinal; uma virgem conceberá, e terá finalmente, colocam a sua imagem no templo de Quirino, com um
um filho, que se chamará Emanuel" (Isaías, XVII, v. 14). colégio de padres usando o seu nome: "são os sacerdotes julianos".
"Alegra-te, filha de Sião; bate palmas de satisfação, filha de
Jerusalém! O teu rei virá a ti, justo e salvador em sua humildade
Por uma suprema ironia e uma supr-ema lógica das coisas, êsse
mesmo César, que se faz Deus, nega em pleno senado a imorta-'~
1.",
e montado em um juramento. E eu trancarei as carretas de guerra lidade da alma! Pois não bastará dizer que não há outro Deus senãol
de Efraím e os corcéis de Jerusalém, e o arco de combate será tam- Júlio César? ,;;/
bém trancado, e o rei falará de paz às nações; e o seu domíniô se
E a orgia romana se desencadeia pelo mundo com suas saturnais,
estenderá de um a outro mar, e desde o rio até aos mais longínquos
sua luxúria desenfreada, suas inebriantes bestialidades. Do alto do
extremos da terra". (Zacarias, IX, vs. 9 elO).
Capitólio a prostituta lôba saciada domina povos e reis. César, impe-
Outras previsões se encontram, ainda, na Bíblia. Os leitores pode- rador e Deus, se entroniza numa apoteós-e ensangüentada!
rão encontrá-las em Deuteronômio, XXVIII, vs. 18 e 19; Parali-
pômenos, XVII, vs. 11 a 14; Isaías, IX, v. 5; XLII, vs. 1 a 4; e
LIlI, v. 11; Miquéias, V, v. 4,etc.
Ê notório, porém, que a dispersão dos judeus ainda mais con- Entretanto, nas margens do Mar Morto alguns homens conser-
tribuiu para difusão dêsse vaticínio, como se fôra orientado em sua vam no recesso a tradição dos profetas e o ~egrêdo da pura doutrina.
marcha por uma fôrça que se gravasse na consciência da humanidade. São os Essênios.
Formando um grupo de iniciados cujas colônias se estendem até
o vale do Nilo, abertamente se entregam ao exercício da medicina,
porém o fim real é mais elevado : consiste -em ensinar a um pequeno
número de adeptos as leis superiores do Universo e da Vida. Sua
Um pouco antes da era atual, à proporção que o poder romano doutrina é quase idêntica à dos Pitagóricos (9).
cr-esce -e se estende, vê-se a doutrina secreta recuar, perder a autoridade.
São raros os verdadeiros iniciados, porque o pensamento se materializa
e os espíritos se corrompem. Os próprios mistérios são desvirtuados
ante a infiltração dos sicofantase das cortezãs às festas sagradas.
80 PEDRO GRANJA CAPÍTULO VIII

f da alma;
I
Admitem nos seus ensinos la Pdre'exist~n.da eNas vEida: .sucessivas
prestam a Deu! cu ~ ~o.
.o.e:pmto. c:s . ssemos, como
I· entre os sacerdotes de Menf1s, ha 1mclaçao preparatona.
\ O livro sagrado dêsse povo, a "Cabala" (Tradição), contém os o
) preceitos revelados por Deus a Abr~ão e s6 foi, redigi?a cêrca do CRISTIANISMO
" século II antes da nossa era, por Aklba, e conclUlda, ma1S tarde, por
\' Ben-Jocai, seu disdpulo, sob o nome de "Zohar" (luz) (lO).
\, Seus costumes são irrepreensíveis; passam a vida em estudo e
i contemplação, longe das agitações polítkas, longe dos enredos do
\~acerd6cio ávido e cioso, como veremOs no capítulo seguinte.
"P ~\
ARA uma alma que vem do céu, o nascimento é uma morte",
dissera li1P~Q,ç}.~"s, quinhentos anos antes de Cristo. Por mais su-I
blimee elevado que seja um espírito, uma vez mergulhado na carne, II
perde temporàriamente a recordação do passado; uma vez prêso na l
engrenagem da vida corporal, o desenvolvimento da sua consciência ,I
terrena fica submetido às leis do mundo; cai sob as fôrças dos ele- \
mentos. Quanto mais alta fôr a sua origem, maior será o esfôrço I
para recobrar os poderes adormeddos, as qualidades celeste e adquirirJ
consciência da nova missão. '
As almas profundas e ternas necessitam do silêncio e de paz
para desabrocharem. Assim Jesus, símbolo da elevação espiritual cres-
ceu na Galiléia, desenvolvendo-se, mais tarde, entre os Essênios, cuja
afinidade de princípios 'e moralidade de costumes "tinha por símbolo
a pureza dos lírios".
Suas primeiras impressões foram doces, austeras e serena. O
valezinho natal' assemelhava-se a um canto do céu caído numa dobra
da montanha. E suas casas debruçadas sôbre os rochedos semelha-
vam, no dizer dos poetas, a cubos brancos semeados em floresta de
romanzeiras, de Hgueiras e de vinhas, que despertavam os gorjeios
dos pássaros quando, em largos vôos, feriam o espaço. Acrescentai
ainda a êsse quadro majestoso o ambiente tranqüilo e elevado de
uma família piedosa e patriarcal em que vivia Jesus.
Ver Jerusalém e o tempo de Jeová era o sonho de todos os
Judeus, principalmente desde que a Judéia se tornou uma província
romana. Para vê-la, vinham da Pérsia, da Galiléia, de Alexandria
e de Babilônia.
Um sentimento estranho de opressão há de ter invadido a deli-
cada alma do Menino, quando avistou a cidade com as suas formi-
dáveis muralhas, assentada sôbre a montanha como uma fortaleza
sombria; quando às suas portas viu o anfiteatro romano de Herodes,
a tôrre Antônia dominando o templo, que os legionários romanos,
(lO) A. Lobo Vilela - "O Problema da Sobrevivência"
82 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 83

de lança em punho, vigiavam do alto; quando se aproximou da Pelos estudos que faziam dos escritos antigos, dedicavam-se, acura-
porta Nicanor e da balaustrada de três côvados, por trás da qual se damente, às pesquisas dos ensinos que lhes pareciam útil ao conhe-
viam os sacerdotes paramentados de oiro ·e pedrarias oficiar diante cimento do espírito e da matéria. Alguns, até, possuíam a faculdade
do santuário, sacrificando animais, isto tudo nada representava ao de prever o futuro e raramente sucedia que s·e enganassem nas suas
templo dos seus sonhos, nem ao céu do seu coração. predições (2).
Depois desceu aos bairros populares da cidade baixa. Viu men- Procuravam servir a Deus auxiliando ao próximo, sem sacrificar
digos pálidos de fome, faces esquálidas e angustiadas transluziam os vítimas ao altar e sem adorar imagem alguma. Meditavam sôbr·e a
reflexos das últimas guerras civis, dos suplícios, das crucificações. perfeição da alma e aplicavam os seus conhecimentos às artes de paz.
Saindo por uma das portas da c:dade pôs-se a errar por êsses vales Nem um só escravo existia entre êles, sendo todos livres e todos
pedregosos, por essas ravinas lúgubres onde ficam as planícies, as trabalhando uns para os outros (3).
piscinas, os túmulos dos reis, e que cingem Jerusalém de um cordão Foi evidentemente entre êles que Jesus passou os anos que prec-e-
sepulcral. Ali êle viu loucos saírem das cavernas a blasfemar contra deram o seu apostolado, anos sôbre os quais os Evangelhos guardam
os vivos e os mortos. um silêncio absoluto. Tudo o indica: a identidad·e dos seus intuitos
com os Essênios, o auxílio que êstes lhe prestaram em várias circuns-
Mais além, descendo por longa escadaria até à fonte de Siloé,
tâncias, a hospitalidade gratuita que êle recebia, e a fusão final da
profunda como uma cisterna, viu à borda de uma água amarelada,
ordem com os primeiros çristãos, os apóstolos, fusão de que saiu o
leprosos, paralíticos, desgraçados cobertos de tôda a espécie de úlceras.
Cristianísmo esotérico.
Uma fôrça irresistível impelia-o a olhar tôdas essas misérias e uma
sublime comiseração surgia dêsses sofrimentos. Indif.erentes à pompa exterior do culto de Jerusalém, repelidos
pela dureza saducéia, pelo orgulho farisaico, pelo pedantismo e pela
Então Jesus dissera a seu pai José: "Para que serve êsse templo, secura da sinagoga, Jesus fôra atraído pelos essenianos por essa natu-
êsses sacerdotes, êsses hinos, êsses sacrifícios, visto que não podem ral afinidade (4).
dar consôlo ao sofrimento?" E de súbito, como torrente represada
Revelaram-lhe, talv·ez, a doutrina do Verbo divino, já ensinada
de lágrimas sem fim, sentiu afluir ao seu coração tôdas as dores
por Crisna na índia, pelos sacerdotes de Osíris no Egito, por Orfeu
dessas almas, dessa cidade, dêsse povo, e de tôda a humanidade.
e Pitágoras na Grécia, e conhecida pelos profetas com o nome de
Dias grandes de Nazaré ·embalavam-Ihe a infância, dias êsses como Místério do Fílbo do Homem e do Hlbo de Deus.
todos, ora de alegria e de luto, de triunfo e de tristeza, de eterna Na iniciação indu, egipciae grega, o têrmo Filho de Deus signi-
esperança e de miséria s·em conta. Às perguntas ardentes, profundas, ficava "uma consciência identificada com a verdade divina, uma von-
incisivas do menino, o pai silenciava. Mas a mãe, erguendo sob seus tade capaz de a manifestar". Segundo os profetas, o Messias devia
longos cílios os grandes olhos de siríaca sonhadora, e encontrando o ser a maior dessas manifestações. Êle seria o Filho do Homem, isto
olhar interrogador do menino, segr·edava-Ihe: é, o Eleito da humanidade terrena; o Filho de Deus, isto é, o Enviado
- '''As palavras de Deus, meu filho, só vivem na bôca dos seus da humanidade celeste, e como tal, tendo em si o Pai ou o Espírito,
profetas. Um dia, Os sábios essenianos, os solitários do monte Car- que por êle reinaria no Universo.
melo e do mar Morto, te responderão" (1). Jesus, segundo a opinião de vários autores, passou l11Umeros
º~.§s~~!1i<.>s, s·egundo a opinião de Josefo - insuspeita por se estudando com os Essênios. Submeteu-se à doutrina, estudou
tratar de um fariseu e ex-sacerdote - eram de uma moralidade êles os segredos da natureza, exercitou-se na terapêutica oculta e para
exemplar; esforçavam-se por reprimir a paixão e o movimento de desenvolver o espírito dominou inteiramente os sentidos. Nenhum
cólera; sempre benevolentes nas suas relações, pacíficos, de boa-fé. dia se passava sem que êle meditasse sôbre os destinos da humani-
A palavra valia mais que um juramento; assim, na vida ordinária, dade e não se interrogasse a si mesmo.
o juramento era por êles considerado supérfluo e como um perjúrio. (2) Flávio Josefo - "Guerra dos' Judeus",
Suportavam com admirável estoicismo e sorrisos nos lábios as mais (3) Filon - "Da Vida Contemplativa",
(4) Edouard Schuré - "Os Grandes Iniciados", Dá o autor os seguintes ponto·s
cruéis torturas, de preferência ~ violar o menor preceito r.eligioso. comuns entre a doutrina dos Essênios· e a de Jesus: "O amor ao próximo considerado como
o primeiro devei"; a proi.bição' de jurar para atestar a verdade; o ódio à Il1cntÍfa; a
humildade; a instituição da Ceia imitada dos ágapes fraternais dos Essênios~ mas CQ(n
(1) Edouard Schuré - "Os Grandes Iniciados", Um sentido nôyo - o sacrifício_
AFINAL, QUEM SOMOS? 85
84 PEDRO GRANJA

Mas, na falta de iniciação, Jesus possuía uma alma imensa, ~le_na cabeça e cruzando as mãos sôbr·e o peito, pediu ao Batista a sua
de luz e de amor, para nela sorver os elementos da sua 1111ssao. bênção. João sabia que o silêncio era lei para os Essênios noviços.
Jamais a terra viu passar maior ~spíri~o. Uma ser~n!dade celeste Estendeu, pois, solenemente sôbre Jesus as suas mãos espalmadas e
envolvia-lhe a fronte. Nêle se untam todas as perfeiçoes para for- o Nazareno, seguido dos companheiros, desapareceu por entre os cana-
marem um tipo de pureza ideal, de inefável bondade. viais do rio, rumo ao monte de Engadi para orar e meditar.
Há em seu coracão imensa piedade pelos humildes, pelos deser- E eis que a interrogação espiritual de João Batista o perturba
dados. Tôdas as do;es humanas, todos os gemidos, tôdas as misérias nas preces e penetra-lhe, no silêncio da meditação, como o raio do
encontram nHe um eco. Para acalmar êsses males, para secar essas Sinai. Seria êle o Messias?
lágrimas, para consolar, para curar, para salvr, êlc: irá ao sacrifício Realmente, a Tentação representa na vida de Jesus a grande
da própria vida, oferecendo-se em holocausto a fim de reerguer a crise moral que todos nós devemos infalivelmente transpor quando
humanidade. em busca da perfeição.
Jesus, que sentia no íntimo dilatar-se a vocação profética, ~las
Então, Jesus pôs-se a orar com mais profundo fervor. Apode-
que hesitava, ainda, no camin?o a seguir, ou~i~do fala~, do Bat~sta rou-se dêle uma inquietação, uma perturbação crescente. Cuidou
sai à sua procura em companhia de alguns EssenlOS que }a o segUlam
perder a felicidade maravilhosa em que vivia e mergulhar num abismo
como a um mestre. Depois de ouvi-lo, submete-se ao batismo público,
de trevas. Envolveu-o uma densa nuvem negra. Essa nuvem era
pois desejava testemunhar, assim, um ato de humildade e respeit?
feita de sombras de tôda espécie e êle distiguiu nela as figuras de
para com o profeta que ousava erguer a voz contra os poderes consti- vários Espíritos das trevas.
tuídos e despertar da sua letargia a alma de Israel.
Um turbilhão de vento, vindo do fundo dos espaços, transportou
E essa voz trovejante, "voz que clama no deserto", vibrando sôbre
o Vidente ao cume da montanha. A seus pés, os reinos da terra
a multidão, dizia:
patenteavam-se a um darão dourado. Uma voz vibrou:
- "Emendai-vos, olhai os caminhos do Senhor, tomai pelas suas
veredas". - "Eu sou o príncipe das Trevas e tu serás rei da terra, se
quiseres adorar-me.
E mais adiante:
-"Conheço-te, respondeu Jesus ... As tuas formas são inume-
- "Eu só vos batizo com água, porém êle batizar-vos-á com ráveis, pois que representas a Tentação das trevas. Corporaliza-te
fogo" (5).
sob a tua forma terrena."
Então Jesus aproximou-se. João Batista não o conhecia, nada Surgindo sôbre um sólio de nuvens escurentas, vai, aos poucos,
sabendo dêle, mas por causa da túnica de linho branco, símbolo dos
materializando-se a figura de um monarca coroado. Uma auréola
neMitos, o reconheceu como um Essênio.
lívida cingia-lhe a cabeça imperial. A face pálida e sombria desta-
Viu-o, perdido na multidão, meter-se na água até a cintura e cava-se sôbre um nimbo sangrento, o olhar tinha o brilho das serpes e
curvar-se reverentemente a fim de receber a aspersão. penetrante como o fio da navalha. Por fim, o materializado
Quando seus olhos se cruzaram, os do Pregador e os do Galileu, replicou (7) :
o homem do deserto estremeceu sob a maravilhosa doçura que dêles - "Eu sou o espírito de César. Represento o poder. Curva-te
resplendia. somente, e dar-te-ei êstes reinos."
-'- "Serás tu o Messias"? (6). Jesus respondeu:
A clarividência do misterioso Nazareno percebe a interrogação - "Afasta-te, Tentador! Está escrito: Não adorarás senão o
espiritual do profeta, mas, sem respondê-la, inclinando a pensativa Eterno teu Deus."
- -(5) Para os antigos o fogo representava, também, o símbolo da. purificação. . Imediatamente a materialização se desfez. A seguir uma cons-
(6) Há contradições sôbre éste ponto nos Evangelhos: Se Joao..o r~conhece, 1.me- telação brilhante surgia no horizonte em forma de cruz, e o Galileu
di.atamente como n03 fazem crer, cO'mo é que mais tarde, quando pnSlOneltO de Antlpas
em Maqu~rus, pergunta a, Jesus: tt1ts tu aquêle que devia vir, ou ,devemos esperar por
outro"? (Mateus, XI, 3). Não encontramos també~ nos autores, ~nt1gos que consultamos
sôbre êste ponto nenhuma referência. Quanto ao slmbolo do EspHHo Santo, em forma. de - ( 7 ) Eis aqui um autêntico caso de materialização anín~ica do espíri.to ainda enc?r:n,ado.
Modernamente já se colecionaram inúmeros casos dêsse genero, e a literatura eSpHlt,l os
pomba, ter envolvido Jesus no ato do bati~mo, santificando~o e reconhecendo-o como fIlho tem divulgado.
dUeto de Deus, só os "Evangelhos" o confIrmam.
86 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 87

reconhece nela o sinal das antigas iniciações - conservadas pelos sêres, curvados sôbre a terra, que nada sabiam do destino e que espe-
Essênios. ravam, na incerteza e no sofrimento, a palavra nova que os devia
A cruz esplêndida, engrandecida, apl'Oximava-se, como que atraida consolar e reanimar. Essa palavra, êsse ensino, essa boa nova, êle
pelo coração do Vidente e as quatro velas vivas flamejavam com distribuiu sem contar, e lhes deu a consagração do seu suplicio e da
sóis de potência e glória. sua morte.
- "Eis o sinal do Caminho, da Verdade e da Vida. Tu podes O sermão da montanha condensa e r·esume a doutrina popular
tomá-la ou repeli-la, disse-lhe a voz celeste. de Jesus. Aí se encontra a lei moral com tôdas as conseqüências;
Pouco depois descia à aldeia. Soube então que o Batista havia nela os homens aprendem que as posições brilhantes não fazem sua
sido prêso por ordem de Antipas e encarcerado na fortaleza de elevação nem sua felicidade, mas que só poderão consegui-las pelas
Maquerus. Longe de se aterrar com êss·e presságio, viu antes o sinal virtudes modestas e qualidades ocultas - a humildade, a fraternidade,
de que "os tempos eram chegados" e que urgia por sua vez agir. a caridade, a pureza, a espiritualidade ( 10).
Anunciou, portanto, aos Essênios que ia pregar na Galiléia "o Evan- - Bem-aventurados os pobres de espirita, porque é para êles
gelhol do reino dos céus". Isso queria dizer: pôr os grandes Mistérios o reino dos céus (11).
ao alcance dos simples, traduzindo-lhes a doutrina de Deus. ~ Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.
Semelhante audácia não se vira desde os tempos de Sáquia Muni, - Bem-aventurados os que têm fome de justiça, porque serão
o último Buda, que, amadurecido por uma piedade imensa, tinha saciados.
pregado nas margens do Ganges. A mesma compaixão sublime pela - Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão mise-
humanidade animava o espirita de Jesus, porém ajuntava ainda a êsse ricórdia.
sentimento profundo uma luz interior, um poder de amor, uma gran-
deza de fé e energia de ação que só a êle pertenciam (8). - Bem-aventurados os que têm o coração puro, porque verão
a Deus.
Assim, a cruz, simbolo antigo dos iniciados, tornou-se, pelo sacri-
fício de Jesus, o sinal da elevação da humanidade, arrancada do abismo Assim se exprime Jesus. Suas palavras evidenciam ao homem
das trevas e das paixões inferiores, e tendo enfim acesso à vida eterna, perspectivas inesperadas. É no mais recôndito da alma que está a
à vida das almas regeneradas. E quando, pálido dirige-se para o origem das alegrias futuras: "O reino dos céus está dentro de vós".
Calvário, ·e é pregado ao madeiro infamante, encontra ainda em sua E cada um consegue realizá-lo, pela subjugação dos sentidos, pelo
agonia a fôrça de orar por seus carrascos, e de pronunciar estas pala- perdão das injúrias e pelo amor ao próximo.
vras que nenhum impulso de ternura ultrapassará jamais: Para Jesus, no amor encerra-se tôda a religião e tôda a sabedoria:
- "Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem." - Amai a vosso próximo como a vós mesmos, e sêde perfeitos
Entre os grandes missionários, Cristo, o primeiro de todos, comu- assim como vosso Pai celeste é perfeito. Eis tôda a lei e os profetas.
nicou às multidões as verdades que até então tinham sido o privilégio - Amai vossos inimigos; fazei o bem àqueles que vos perse-
de alguns. Para êle, o ensino oculto tornava-se acessivel aos mais guem e caluniam, a fim de que sejais filhos do vosso Pai que está
humildes, senão pela inteligência ao menos pelo coração, e lhes oferecia nos céus, que faz com que o sol tanto se levante para os bons como
êsse conhecimento sob formas que o mundo jamais concebera, com para os maus; que faz chover sôbre justos e injustos. Por que se
uma potência de amor, uma doçura penetrante, uma fé comunicativa, só amardes aquêles que vos amam, que mérito tereis vós?
que faziam fundir o gêlo do cepticismo, eletrizar os ouvintes e arrastá- Ésse amor é Deus mesmo que no-lo exemplifica, pois os seus
-losempós si (9). braços estão sempre abertos ao anependido. É o que se depreende
O que êle classificava de "pregar o Evangelho do reino dos das parábolas do filho pródigo e da ovelha desgarrada:
céus aos humildes", era pôr ao alcance de todos a compreensão da - Assim vosso Pai que está nos céus não quer que pereça um
imortalidade da alma e o do Deus comum. Êsses tesouros é que só dos seus filhos.
Cristo espargia pela grande família humana, por êsses milhões de
(lO) Léon Denis - "Depois da Morte".
(8) Edouard Schuré - "Os Grandes Iniciados". ('11) Deve-se entender por esta expressão Os espíritc.s SImples e retos. Não, porém~
(9) Léon Denis - "Depois da Morre", tomo errôneamente interpretam, por ignorantes.
PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 89

Não será isto a negação do inferno, cuja idéia se atribuiu a Jesus? Enviar-vos-ei o Consolador. Tinha ainda muitas coisas a
Se Cristo mostra algum rigor e fala com veemência, é a êsses dizer-vos, porém, ainda não podereis compreendê-las. Quando vier
fariseus hipócritas que torcem a lei moral, entregando-se às práticas êsse Espírito da Verdade, êle vô-las ensinará e restabelecerá tudo no
minuciosas de devoção. seu sentido verdadeiro (12).
A seus olhos é mais louvável o samaritano cismático do que o Algumas vêzes Cristo resumia as verdades eternas em imagens
sacerdote e o levita que desdenham socorrer um ferido. :file desa- grandiosas, em traços brilhantes. Nem sempre os Apóstolos o com-
prova as manifestações do culto exterior, e revolta-se contra tais preendiam, mas êle deixava aos séculos e aos acontecimentos o cuidado
sacerdotes: de fazer frutificar êsses princípios na consciência da humanidade,
- Cegos, condutores de cegos, homens de rapina e de corrup- como a chuva e o sol fazer germinar a semente confiada à terra.
ção que, a pretexto de longas preces, devoram os bens das viúvas :fi nesse sentido que assim se exprimiu :
e dos órfãos: _ O céu e a terra passarão, porém não as minhas palavras.
Aos devotos que acreditavam salvar-se pelo jejum e abstinência, Jesus dirigia-se, pois, simultâneamente, ao espírito e ao coração.
aconselha: Aquêles que não tivessem podido compreender os profetas, sentiam
- Não é o que entra pela bôca que mancha o homem, mas o suas almas comoverem-se aos eloqüentes apelos do Nazareno. :fi justa-
que dela sai. mente por aí que a doutrina cristã domina tôdas as outras. Pará
atingir a sabedoria, era preciso, nos santuários do Egito e da Grécia,
Aos partidários de longas orações, responde: franquear os degraus de uma longa e crucial iniciação, ao passo que
- Vosso Pai sabe aquilo que tendes necessidade antes que o pela fraternal caridade todos podiam tornar-se bons cristãos e irmãos
peçais. em Jesus.
Jesus condenava o sacerdócio, recomendando aos discípulos não Mas com o tempo, as verdades transcendentais se velaram. Aquêles
escolherem nenhum chefe, nenhum mestre. Seu culto era íntimo, o que as possuíam foram suplantados pelos que acreditavam saber, e o
único digno de espíritos elevados, e assim se exprime a respeito: dogma material substituiu a pura doutrina. Não é estranhável, por-
- Vai chegar o tempo em que os verdadeiros crentes adorarão tanto, que hoje entre os grandes da terra não tenha lugar o expoente
o Pai em espírito e verdade, porque são êstes os adoradores que máximo do humanitarismo - o pregador Nazareno.
o Pai procura. Deus é espírito, e cumpre que os seus filhos o adorem À ciência profunda de Jesus vinha se juntar a potência fluídica
em espírito e verdade. do espírito superior, da alma livre do jugo das paixões, cuja vontade
No seu "Evangelho" também deparamos com a afirmação das domina a matéria e impera sôbre as fôrças subtis da natureza. Cristo
vidas sucessivas das almas: possuía a dupla-vista em grau superlativo; seu olhar sondava os pensa-
- Em :verdade, se o homem não renascer de nôvo não poderá mentos e as consciências; curava com uma palavra, um sinal, ou apenas
entrar no remo de Deus. O que nasce da carne é carne, o que nasce bastava a sua presença.
do espírito, espírito é. Não vos admireis do que vos digo, pois é Comunicava-se fàcilmente com as potências celestes, e, nas horas
necessário nascerdes de nôvo. O espírito sopra onde quer e enten- de provação, alentava dêsse modo a fôrça moral que lhe era neces-
deis a sua voz, mas não sabeis donde vem, nem para ondel vai; também sária em sua viagem dolorosa. No Tabor, seus discípulos, deslum-
sucede o mesmo com todo o homem que nasce do espírito. brados, o vêem conversar com Moisés e Elias. :fi assim mesmo que
- Há diversas moradas na cada de meu Pai. Vou preparar o mais tarde, depois de crucificado, Jesus lhes aparece na irradiação
vosso lugar, e, depois que eu fôr e tudo houver arranjado, voltarei do seu corpo fluídico, etéreo, dêsse corpo a que Paulo se refere nos
seguintes têrmos: "Há em cada homem um corpo animal e um
e vos chamarei a mim.
corpo espiritual" (13). A existência dêsse corpo espiritual está hoje
O alvo a que tende cada um de nós e a sociedade inteira,
está claramente indicado: é o reinado do "Filho do homem", do
(12) João, cap. XVI, vs. 12 e 13. A Igreja só vê nestas palavras o anúncio do
Cristo social, ou, em outros têrmos, o reinado da Verdade, da Jus- Espírito Santo, descido algum tempo depois sõbre os apóstolos; mas, se a humanidade (por.
tiça e do Amor. As vistas de Jesus dirigem-se para o futuro, para que é a ela que se dirige esta profecia) não era então capaz de compreender a verdade,
como o poderia ser em poucos meses mais tarde?
êsses tempos que nos são anunciados: (13) 1.' Carta aos Corint., XV, vs. 5·8.
90 PEDRO GRANJA CAPÍTULO IX

demonstrada pelas experiências da psicologia moderna. E isso, em


capítulos s·eguintes, vamos demonstrar ao leitor.
Não podem ser postas em dúvida tais aparições, pois, por si
sós, explicam a persistência da idéia cristã. Depois do suplício do
Mestre e da dispersão dos discípulos, o Cristianismo estava moral-
o
mente extinto. Foram, porém, as aparições e as exortações de Jesus, CATOLICISMO
quando surgia em seu co'rpo etéreo ou quando materíalízado, que
restituíram aos apóstolos acnergia e a fé.
Sabemos que a figura de Cristo não pode ser divisada entre
aparatos e ostentações que tocam o sentido mas não alcançam o
espírito. Êle se empobrece quando cercado de riquezas e cerimônias
formais; apequena-se entre pompas e vãs ext.eriorizações. Êle é Espí-
rito e Verdade: só na simplicidade se manifesta a sua grandeza.
o ADVENTO do Cristianismo, embora prejudicado mais tarde
em sua essência pelo Catolicismo, é forçoso reconhecê-lo, trouxera à
Sabemos, também, que Jesus Cristo não pertence a uma seita, humanidade antiga vantagens incalculáveis. Os primeiros apóstolos
pertence à humanidade e mesmo os que o desconhecem lhe devem vão até ao último sacrifício para implantar no mundo a idéia huma-
o que têm de melhor, e que seu "Evangelho" não é um código, mas nitária do Mestre, se bem que, naquela época, os homens não a
um sursum corda. compreendessem em tôda sua plenitude. Tal idéia, encarnada na pessoa
E sabemos, finalmente, que procurar a verdade e dizê·la como de Jesus, hoje se manifesta no Oriente e Ocidente com as conse-
é encontrada, nunca poderá ser um crime aos olhos de Deus. A qüências, certas ou erradas, que daí provenham.
verdade em si é muito profunda. Varia de acôrdo com os conhe- "'\

cimentos que temos. E a ninguém, portanto, se deve impor uma Ê verdade que o "Nôvo Testamento" contém 1Ill1itoserros. Vários!
wnvicção. A convicção é livre. acontecimentos nêle relatados encontram-se na história de outros POVoS!
mais antigos, e certos fatos atribuídos a Cristo figuram igualmente na,,>
vida de Çrisna, na de Sáql.liaMuni e na de Horus. Mas também r
existem outras e numerosas provas do ideal evangélico de Jesus,/
documentos tanto mais peremptórios quanto foram fornecidos pelos'
próprios adversários do Cristianismo. '
No '''Talmud'', por ex.emplo, todos os rabinos israelitas reconhe-
cem essa existência, e dela falam nos seguintes têrmos:
"Na véspera da Páscoa foi Jesus de Nazaré crucificado, por se
ter entregue à magia e aos sortilégios."
Entre os escritores antigos, no que se refere a existência de Jesus,
o único que, em têrmos claros, faz referências à pessoa do Mestre,
é !:!~::Ü~"Jg§~!g; Diz êle, numa de suas obras, o seguinte: "Então,
a êste tempo, apareceu por ali Jesus, um homem douto - se é que
seja justo chamar-se de homem, dadas as maravilhosas coisas que
praticou - e mestre de tais homens que dêle recebiam a verdade com
prazer. A êle aderiram muitos judeus e gentios. Era o Cristo. E
quando Pilatos, à sugestão de vários homens principais dentr·e nós,
condenou à cruz, aquêles que primeiro o amaram não o repudiaram;
pois êle apareceu-lhes vivo de nôvo alU terceiro dia; aliás os
haviam pr.edito estas e dez mil outras maravilhas a seu respeito.
92 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 93

tribo dos cristãos, assim chamada por sua causa, não se extinguiu a Jesus, fora dos Evangelhos; nenhum dêles descobriu documentos
até hoje" (1). novos, desconhecidos dos seus predecessores.
Tácito e Suetônio também mencionam o suplício de Jesus e o Vamos, mais uma vez, transcrever as palavras do conceituado
rápido desenvolvimento das idéias cristãs. Plínio, o moço, governador espiritualista Dr. Carlos Imbassahy, a fim de aditar a esta contenda
da Bitímia, cinqüenta anos mais tarde, explica êsse movimento a a sua valiosa opinião, pois, além de estremar a pouca valia das origens
Trajano, num relatório que foi conservado (2). informativas, indicia que elas sempre provieram de fontes interessadas
Daí o não crerem na existência de Jesus, como ousam assegurar, e por vêzes suspeitas.
hoje, certos idealistas, "profundos conheoedores da ciência oculta", "Os documentos originais perderam-se; as primeiras cópias tam-
separam-nos grande distância e enorme equívoco. bém; o que há são cópias de cópias, sujeitas a erros de tradição, de
Outrossim, como admitir que a crença em um mito houvesse inspi- transcrição, de tradução; há, ainda, as suspeitas de interpolação; perma-
rado aos primeiros cristãos tanto entusiasmo, coragem e firmeza em necem todos os percalços da mão do tempo e da mão do homem.
face da morte; que lhes tivesse dado os meios de derribarem o Paga- De tudo se conclui que existem, apenas indícios, começos de pro-
nismo, de se apossarem do império romano,e, de século em século, vas; nada que indique uma demonstração robusta. Aquêles indícios,
invadirem tôdas as nações civilizadas? Não é sôbre uma ficção que mesmo, não estão isentos de vulnerabilidade. Podem s'er contestados,
se funda sàlidamente uma religião que dura vinte séculos e revolu- em virtude da sua vetustez e poucos elementos comprovantes.
ciona a metade do mundo. Pode-se afirmar com absoluta certeza que
Restam os textos indecifráveis, as incongruências, as discordâncias,
há sempre uma personalidade na origem de uma grande idéia.
que se explicam pelas interpretações. Estas, porém variam de acôrdo
Quanto à questão de saber qual a natureza de Cristo, apesar com as escolas, com as igrejas, com as doutrinas, e até com as opiniões
de ter sido debatida desde os primeiros séculos do Cristianismo, ainda pessoais de cada um. Alguns dir-se·iam bem achadas; outras nem isso.
não foi resolvida, pois que çontinua sendo motivo de discussão. A
divergência de opiniões sôbre êste ponto é que originou a maior A variedade é grande; a diversidade de opiniões ainda maior.
parte das seitas que dividiu a Igreja, e é de se notar que oS seus chefes Nada firme ainda aí" ... (4)
foram os próprios bispos de clérigos. Eram, portanto, homens escla- Naturalmente a Igreja não inclui nos seus ensinos senão os escri-
recidos, na maior parte escritores talentosos, conhecedores da ciência tores ortodoxos, ou sejam os que participam do seu modo de ver.
teológica, que não julgavam concludentes as razões pró dogma da Todos os do mesmo partido têm escrito no mesmo sentido, senão nos
divindidade de Jesus (3). mesmos têrmos, sob pena de incorrerem na pecha de herejes, como
Entretanto, éntão como hoje, as opiniões têm·se formado mais aconteceu a Orígenes e a tantos outros.
sôbre abstrações do que sôbre fatos. Procurou-se, principalmente, o Se eu pusesse, porém, na balança tudo quanto se escreveu pró-
que o dogma pode oferecer de plausível ou de irracional, despre- e contra, quem sabe para que lado penderia ;ela? Isso não afeta,
zando-se o estudo das causas que trariam decisiva luz. E onde tais em absoluto, os méritos pessoais dos sustentadores da ortodoxia, nem
eventos, a não ser nos atos e nas palavras do Mestre? o valor como escritores e homens conscienciosos; "são patronos de
Jesus nada escreveu e os seus únicos historiadores, os apóstolos, uma mesma causa, que def.endem com grande talento, e que forçosa-
sem excetuar S. Paulo, não podem passar de comentaristas ou apre- mente devem levar às mesmas conseqüências". Não queremos, pois,
ciadores, refletindo opiniões pessoais, muitas vêzes contraditórias, que feri·los, mesmo de leve, mas simplesmente demonstrar que a concor-
não têm, em caso algum, a veracidade das narrações que se lhes quer dância não prova a veracidade das suas assertivas.
imputar nos Evangelhos.
Sôbre a questão dos Evangelhos, bem como a dos dogmas em
geral, o acôrdo da Igreja e dos escritores sagrados não pode ser invo-
* * *
cado como argumento preponderante, nem como prova irrefutável a Ao tratarmos de outro assunto aparentemente fora de tema, torna-
favor de sua opinião, porquanto nenhum dêles citou um fato relativo -se êle necessário porque tencionamos elucidar melhor as considerações
que mais adiante expomos, sendo, portanto, imprescindível abrir um
(1) Flávio Josefo - "Antigüidades Judaicas". parêntesis antes de concluir a parte histórica dêste capítulo.
(2) Léon Denis - "Depois da Morte".
_ (3) Jesus nomeia~se a si mesmo, por muitas vêzes, ufilho do homem". Esta qualifi.
caçao se encontra vinte e cinco v;êzes no Evangelho de Mateus. (4) Carlos Imbassahy - "Religião".
94 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

As nossas apreciações sôbre o exame da "questão da divindade O éter é o "protoplasma da m~téria", involucionando ~ evolu,:
de Jesus", questão transcendental e delicadíssima, pois que até hoje cionando: "involucionando num Clclo descendente por vortex
provoca inúmeros debates, deliberadamente pusemos à margem as subti- turbilhonares até se crucificar na matéria desde a primitiva nebulosa;
lezas da escolástica, que não tem s-ervido senão para obscurecer em evolucionando num ciclo ascendente pela radioatividade a fim de
lugar de esclarecer, orientando-nos nos conhecimentos atuais da ciência recuperar a sua origem supraterrena" (6).
e firmando-nos, sobretudo, pela lógica, pela razão e pelo bom senso. Eis o que diz Berthol-et:
Ora, se o caráter essencial do milagre, no sentido teológico, é "Da mesma forma que os quatro elementos dos anti.g?s,. os ,nuíd?s
ser uma exceção às leis da natureza e, por conseguinte, inexplicável elétrico, magnético, calorífero e luminoso, que s·e admlt1~m .h~ m:lO
por estas leis, desde que um fato possa ser) explicado e decorra de uma século, já hojé, em sua substância, nã? oferec.e,:n ~ase de dlscnm:naçao,
causa conhecida, logicamente deixa de ser milagre. Pois é assim que pois está reconhecido, pelo progredlr da ClenCla, ,que todos eles se
as descobertas da ciência têm feito entrar no domínio natural certos reduzem a um só: o éter. Entretanto, o éter e o atomo por sua vez,
efeitos considerados milagrosos, por serem ignorados as suas causas. também são decomponíveis para darem ,lugar a concepçõe: mais ele-
vadas, que tendem. a .explicar tudo somente pelos fenomenos do
Sabemos hoje em dia que a existência da matéria elementar; única,
está admitida pela ciência, e que a teoria espírita a confirma, desig- movimento" (7). .
Os corpos, inorgânicos, minerais, vegetais, animais, h~omens, mu~­
nando-a por matéria fluídica.
dos, astros, diz-nos a ciência, mais não são que agregaçoes de mole-
Sôbre a veracidade desta m.4téria elementar ou matéria f'uídica, culas, as quais a seu turno são compostas de átomos, separados u~s
podemos citar a confirmação de Paul Gibier, discípulo dUeto de Pas- dos outros, em estado de movimento constante e de renovaçao
teur. Gibier diz em seu livro:
perpétua. ,. .
"Se a esta pergunta, que é matéria, se respondesse: - é uma O átomo que era quase invisível, mesmo com o auxl1lO d,os maiS
coisa que podemos ver e tocar, coisa formada de p.4rtes elementares, poderosos microscópios antigos, pois de tal sorte extrema e a, s~a
que consideradas como matéria não existem absolutamente - suponho pequenez apenas podia ser concebido pelo pensamento, sendo obVlO
que muitas pessoas ficariam surpreendidas ouvindo tal definição. E, que, sem' outros indiretos, êle jama~s seri~ .visto (8).. A fim de COl:-
entretanto, isto é sustentado por personagens eminentes, tudo o que há seguir tal intento se inventou o mlcroscopl~-eletron~co, que ~ornecta
de mais distinto, os partidários da teoria do átomo inextensível" (5). os meios indiretos necessários, sendo entao posslVel locahzar os
Sábios como Ampere, Faraday, Cauchy, Crookes, Lodge, Lebon, átomos e seus respectivos movimentos. E. essas molécula~, ~sses. áto-
Bertholet, Thomson, Millikan, Anderson, Hillier, Heisenberg, Rusk, mos, agitam-se, movem-se, circulam, evoluclOnam em turbtlhoes .111ces-
!Egg!'lg, Rutherford, Urey, Fermi e outros, e filósofos quais Dugald- santes, no meio dos quais a forma dos corpos só se mantém em vlrtude
-Stewar, Victor Cousin, Vacherot, :Q.~ELs., ~1l:!S!!:_c, ~!ª_Qlmarion. e inú- da lei de atracão.
meros mais, constituiram-se defensores dessa idéia, que se não deve Sabemos ~gol'a que tôda a matéria está em .constante estad? d.e
desprezar. movimento ou vibração, que a molécula é constituída de partes move~s
Essa matéria (não importa o nome com que a designamos) é denominadas átomos, os quais, por sua vez, são formados ?e par;l-
a poderosa unidade que rege o Universo. Uma só substância, por- culas que se movem com grande velocidade e que se nomeiam elec-
tanto, constitui em suas transformaçôes infinitas (éter ou fluido uni- transe pósitrons. . , ' "'. A

versal) a inumerável variedade dos corpos. Êsse elemento vibra sob Em cada partícula da maténa ha um flutdo t~vtstvel ou f;>rça
a ação das fôrças cósmicas. Conforme a presteza e o número dessas que faz vibrar a matéria e que impele os átomos a gltar um em torno
vibrações, assim produz o calor, a luz, a ·eletricidade ou o fluido magné- do outro numa velocidade inconc,ebível.
tico. Condensem-se tais vibrações, e logo os corpos aparecerão. Êste' fluido é uma forma de energia que nunca foi ~nalis~da.
Tem assim deixado perplexo o mundo científico. Para mU1t~s. Clen-
Surge, portanto, a matéria por condensação do éter, vive da tistas, o fluído é a mesma energia que chamamos eletnCldade.
energia do éter e dissocia-se e desmaterializa-se, regressando ao éter
primordial. ~---
(6) Antônio]. Freire - nA Teoria EIetrônica",
(7) Bertho.Jct - "Origenes de Ia Chimie". . . • .' -
(8) A ciência calculou que um milímetro CÚblC,? de ar. re~ptravel enccrr? .cmco nulhocs
(5) Paul Gibier - "Análisê das Cousas", de átomos. Uma cabeça de alfinête pode conter OItO sextdhoes dessa matcna.
96 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

Outros preferem classificá-lo vibração. Alguns pesquisadores acre- uma vontade central que governa os seus atas e regula os seus movi-
ditam que a velocidade com que essa fôrça - como quer que a den<r mentos do mesmo modo através das modificações da carne sentimo-
minemos - se movimenta, determina, em grande parte, a natureza -nos viverem uma unidade permanente que denominamos Espírito,
do aspecto dos objetos físicos do Universo. Alma ou Eu. Assim também o Universo, sob as suas formas cambi-
Uma quantidade de vibração dêsse fluido-energia é a causa do antes, variadas, múltiplas, se reflete, se conhece, se possui, em uma
que conhecemos sob o nome de .,som. O ouvido humano pode captar Unidade viva, em uma Razão consciente - que denominamos DeLIS (10).
apenas o som que é produzido mediante cêrca de 32 a 38 mil vibra- Essa certeza, êsse conhecimento que temos do Universo, do Espí-
ções por segundo. Quando a média de vibrações vai além do que rito e de Deus, não é, em essência, concepção de agora. O multi-
chamamos som, começam as vibrações a manifestar-se na forma de milenário aforismo de Hermes Trimegistro, quando o descreve na
calor. ,Q ....caIor. se inicia com cêrca de 1.5000.000 vibrações por "Tábua da Esmeralda", tem atualmente a consagração da ciência:
segundo. "O que existe em baixo (na terra) é como o que existe no alto
Quando se eleva ainda mais, a escala dessas vibrações registra.se (nos céus) para fazer os milagres de uma só coisa. E como tôdas
sob a.fºXmª.fl~.J!!~" Três milhões de vibrações por segundo criam as coisas são provenientes do Um, assim tôdas as coisas são nascidas
uma luz violeta. Acima dêste número as vibrações produzem os raios do Universo pela transmutação".
ultra-violeta, que são invisíveis á olho nu, e os cientistas falam com A idéia da transmutacão era sobretudo baseada no remoto sonho
insistência de uma nova e desconhecida "radiação ultrapenetrante" humano de que existe alguma correlação fundamental de unidade
para explicar o efeito residual e de outras radiações invisíveis abran- entre as espécies de matéria aparentemente diversa do Universo; e
gidas pela teoria dos quanta, desde a famosa suposição de Maz Planck que, em algum lugar, no fundo de tôdas as substâncias, há uma subs-
feita em 1900 até a fase de sua máxima evolução, conseguida por tância primordial que pode ser modelada em várias formas, quando
G. P. Thomson em 1937, na verificação da predição de De Broglie se conhece seu segrêdo.
de que as partículas podem se comportar como ondas. Q.~ ..\!lçuüm!gªL.~_Q~."Jil..Q1Q.fQ~, hel.metit\tL9:LÇ.l20C"ª-E.~ pro-
E, ainda mais alto, na escala - num grau .que se não determina clamando a unidade da matéria através das transmutações doselemen-
ainda - segundo transpar·ece as vibrações criam a fôrça que produz tos, estão agora reabilitados dos sarcarmos com que os homens, irre-
.9P~l.1sapetlt()h).l111~I.1Q(9) . fletidamente, os têm ridicularizado.
Portanto, matéria, fôrça, energia, têrmos irredutíveis, constituin- À medida que a ciência avança no domínio dos fluidos, das
do dois mundos nitidamente separados perante a ciência do século radiações, das vibrações, etc., vai ampliando o que em parte já era
passado, têm atualmente o mesmo significado e origem expressos no do conhecimento da sabedotia antiga, aproximando-se dos mundos
conceito do éter cósmico. A matéria traduz-se, em última análise, supraterrestres : astral e espiritual. Logo que o Espiritismo esteja
em energia ou vibração condensada, em estado potencial, que, pela integrado no estudo da ciência oficial - o que será apenas questão
sua desintegração dá lugar à energia ou vibração dinamizada, liber- de tempo - o triunfo do espirito sôbre a matéria será definitivo e
tando as fôrças ativas que movimentam, fecundam e dirigem o completo, abrindo um nôvo ciclo na evolução da humanidade (11 ).
Universo. Assim será, porque o atual conhecimento do princípio espiri-
E tôdas essas fôrças Se equilibram, tôdas essas formas se ligam, tual, da ação dos fluidos sôhre a matéria, do mundo invisível no
consorciam-se em perpétuas trocas, numa estreita solidariedade. Do meio do qual vivemos, das faculdades da alma, da existência e das
mineral à planta, da planta ao homem, do homem aos sêres superio- propriedades do perispírito, deu-nos a chave dos fenôm~nos da ordem
res, a ápuração da matéria, a ascensão da fôrça e do pensamento, produ- psíquica e provou que êles não são derrogações das leiS da natureza,
zem-se em ritmo harmonioso. Uma lei soberana regula num plano mas o s·eu resultado direto.
uniforme as manifestações da Vida, enquanto um laço invisível une E concluiu-se, então, que todos OS efeitos do magnetismo, do
todo o Universo e todos os sêres. sonambulismo, do êxtase, da dupla vista, do hipnotismo, da cata-
O Universo, portanto, já não é mais essa criação, essa obra lepsia, da anestesia psíquica, da transmissã,? do pensamex,:to, da pres-
tirada do nada de que falam as religiões. Ê um organismo imenso ciência, das cmas instantâneas, das possessoes, da obss·essoes, das apa-
animado de vida eterna. Assim como o nosso corpo é dirigido por
(tO) Hon Denis - "No Invisível".
(9) Napoleon Hill - "A Lei do Triunfo", vol. L". (11) Antônio J. Freire - "A Teoria EletrÔnica".
AFINAL, QUEM SOMOS?
98 PEDRO GRANJA

Se Jesus, segundo os nossos conhecimentos, deixa de ser divino,


rições, d.as. tr~nsfigurações, das ~evitações, das materializações, das recebe, em compensação, as homenagens de Espirito Superior. Sabe·
desmatenahzaçoes, etc., que constltuem a quase totalidade dos mila- mos que jamais a terra viu passar Espírito tão puro e elevado; e que
gres do "Evangelho", pertencem a esta categoria dos fenômenos (12). a sua doutrina de fraternidade, de caridade, de perdão e de amor,
. _ Sab.e:se ,ai.nda que t.ai~ efeitos sAão resultados de aptidões e dispo- recebe de nós o respeito de discípulos, quando procuramos pôr em
Slçoes f1S1ologlCas ·espeClals e que eles foram reproduzidos em todos prática o "amai-vos uns, aos outros como eu vos tenho amado" que
os .t~~pos Ae em todos os povos. Assim se explica porque tôdas as o Mestre nos legou.
rel1gl.oes tem, os seus milagres, que não passam de fatos naturais,
amphados ~te ao a.bsurdo pela. credulidade, ignorância e supertição,
e~tando hOJe r·eduzldos ao seu Justo valor pela evolução dos conhe-
Clmentos humanos. Surgindo, há vinte séculos, sôbre as mi.nas do Paganismo ago-
Frisamos o seguinte: a possibilidade da maior parte dos fatos nizante, no seio de uma sociedade corrompida, o Cristianismo, pela
que os "Evangelhos" citam'Aco~o pr~ticados por Jesus, está comple- voz dos mais humildes e dos mais desprezados, trazia, com uma
tamente demonstrada pela Clenoa, e sao, em resumo fenômenos natu- moral e uma fé novas, a revelação de dois princípios até ai ignorados
rais. Pois se êles se produzem aos nossos olhos espontâneamente ou P~!~,lE~l!i~~()2...aca~i~a~:~ . e . l:l,. fr~lt«=rlli~adf:ll11111l:l.11l:l·,
provocados, por que ~ão poderia Jesus possuir faculdades idênticas Das primitivas práticas, nas catacumbas, sente-se perfeitamente
as dos nossos magnetlzadores, curadores, sonâmbulos videntes mé- acentuado o seu culto aos mortos; ,e percebe-se que daí surgiram as
dius e demais sensitivos? " evocações dos espíritos, pelos Apóstolos, cujos ensinamentos por êles
.De~d,e que tais faculdades se manifestam, em graus diferentes transmitidos não se coadunavam, em hipótese alguma, com a pobre
em ~ndlVl?U,OS que ,nada têm de divinos; que se manifestam até em ilustração dos seus conhecimen!os. Homens simples, rudes, singelos,
hereJes e ldolatras, e claro que elas não reclamam uma natureza sôbre- na maioria antigos pescadores, labutando ao convivio livre da natu-
-~~mana. Se Jesus. qualificava os s·eus atos de milagres, é porque reza, sabiam entretanto sentir as variações de uma vida contemplativa
ll1~to, com~ em mUltas outras relações, devia apropriar a linguagem e admirá-la em suas manifestações íntimas.
aos conhecImentos dos seus contemporâneos. Como poderiam êles Daí, talvez, a escolha para pescadores de almas, porque o Mestre
apanhar a acepção de uma palavra que ainda hoje nem todos com- sabia que o silêncio e a meditação fazem desabrochar as potências
preendem? íntimas 'do espírito. Temos, portanto, a convicção de que por inter-
médio de suas mediunidades, acentuadas, naturalmente, pela certeza
. Um fato. d!gno de nota é que êle se serviu dêsses milagres para
de que o Espírito Consolador, prometido por Jesus, estaria entre êles,
afIrmar a mlssao que recebera de Deus, mas nunca para se atribuir
é que os Apóstolos conseguiram deslumbrar as multidões com as
o poder divino (13).
prédicaseempolgá-Ias com os milagres".
. Quanto às teo~ias que fazem de Jesus uma das três pessoas da" As aparições de Cristo e as suas palavras de incitamento é que
Tnndade, ou um ser puramente fluidico, uma e outra parec·em igual- revigoraram os Apóstolos, quando perseguidos e desanimados, insu-
mente pouco fundamentadas. Pronunciando estas palavras: "De mim flando-lhes coragem para vencer os obstáculos que se lhes erguiam
se afaste êste cálice", Jesus revelou-se homem, sujeito ao temor e aos pelo caminho e enfrentar os temíveis perigos que os ameaçavam.
~esf.alecimentos. Como nós, lutou, sofreu e chorou, e esta fraqueza Primeiro mostra-se a Madalena; no caminho de Emaú's aparece a
mte1!amente humana, aproximando-nos dêle, o faz ainda mais nossc Cleofas .e a outro discípulo que acompanhava êste, desaparecendo
Irmão, tornando seus exemplos e suas virtudes mais admiráveis de repente; na Galiléia, estando fechadas as portas da casa onde
ainda (14). os discípulos se encontravam reunidos, Jesus apresenta-se no meio
dêles; oito dias depois surge de nôvo entre os Apóstolos, e a sua
(I?) .A fim de fac~li~ar .a .cC'111precf:são do tema referente à divindade de Jesus, foi
n~ss~ IntUIto ~pena~ colIgI,r .IIg;lr~S conSIderações quanto à possibilidade de que seus CO· materialização é tão perfeita que consegue vencer a incredulidade de
n e:lme,.?tos sob:e a matena unlca que rege o Universo" naturalmente lhe permitiam· a
A
Tomé (15); junto ao mar de Tiberíades aparece mais uma vez a
~.~a.h~aç~? de taIS, fenomenos,dispcns~tndo, pois, a pomposa classificação de «milagres" ou
I lVln~s que se~n.pre se lhe quis imputar. Deliberadamente interrompemos aqui estas ex·
Pr~~:eçoe.s, por J~dgá~l~s desnecessárias ao assunto dêste capítulo. Caso o leitor queira (15) Devemos übse·rvar que tais fenômenos só se tornavam positivos t isto é, fisica·
p . guIe, podeta, entao, consultar os caps. XI e XII pas. 151 e scgts onde encontrará. -mente integrais, somente com a presença de Pedro e Tiago, pois ambos, segundo "os
maIOres detalhes. I t:> .., milagres" que realizaram em suas vidas de discípulos e apóstolos, eraln. poderosos médiun s
(13) AlIau Kardec - "Obras Pó'tumas" "C1e efeitos físicos.
(14) Léou Deuis - "Depois da -Morte"."
100 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 101

alguns discípulos; e a sua aparição a Saulo, na estrada de Damasco, Siíº ..ÇI~l!!~l!t~.5:lI',AI~J(~ºcIJ;iª ..e.. SiíºGJ:egºri.º <:Ie.Nke exprimem.
faz dêle um dos mais delicados e fervorosos corifeus do cristia- se no mesmo sentido. Êste último expõe que "a alma imortal deve
nismo (16). ser melhorada e purificada; se ela não o foi na existência terrena,
A vida dos Apóstolos foi, em suma, uma comunhão permanente o aperfeiçoamento se opera nas vidas futuras e subseqüentes" (20).
com o mundo dos espíritos, donde recebem as instruções que os
§í1Q!(),tlg()stiQh() narra, nas suas obras, vários fenômenos espí-
esclarecem nas emergências difíceis e nas dificuldades que lhes atascam
ritas, Entre êles avulta o que determinou a mudança profunda que
os passos.
O '''Livro do Pastor", por exemplo, escrito por Hermas, ao qual se operou na sua vida. Uma voz misteriosa que dizia "toUe, lege"
(toma, lê) induz1u·o a estudar as escrituras (21). Nas suas "Cartas"
se referem Clemente de Alexandria e Orígenes, encerra instruções
claras e precisas dos espíritos, que praticadas nas assembléias pelos fala de algumas aparições de mortos que predisseram acontecimentos
primeiros cristãos não passavam de perfeitas sessões de Espiritismo. ulteriormente positivados; na "Cidade de Deus" trata de processos
para a comunicação com os espíritos.
Além disso, os primitivos cristãos acreditavam, também, na pree·
xistência e nasobrevivênda da alma e na sua reencarnação em outros Em controvérsia com Vigilâncio, Sªºle!Q.11.!l!!º pronuncia-se a
corpos, como podemos constatar a propósito das perguntas feitas sôbre favor da possibilidade de comunicação com os mortos. ,_§~()!()Q1ás
João Batista e Elias, e também da que os Apóstolos fizeram relativa- de Aquino é bem explícito: "o espírito (anima separ,ata) pode
mente ao cego de nascença, que parecia "ter atraído esta punição recer aos vivos" (22).
por pecados cometidos antes de nascer" (17). §ilQtg,tlº!§!?:L().ª~:pá~tlí1,qu3:11(Iopreg~va . naJgrej a.. cIe . SiíºPedrQ.
Nos "Atos dos Apóstolos" lemos estas palavras que deveriam de -º!~oi.lf-L..~::r.L12ig,!gg~§,ºªteJ:çl=feirª. . S.anta.. cI e... J:?:?y, I embrou·se
levar a refletir os que a êsse livro atribuem autoridade divina: subitamente que deveria, naquela mesma hora, oficiar num mosteiro,
"Eis o que acontecerá nos últimos tempos, diz o Senhor: espa- no outro extremo da cidade. Êle cobriu a cabeça com o capuz e
lharei de meu Espírito por sôbre tôda a carne; vossos filhos e filhas ajoelhou-se dttrante alguns minutos enquanto a congregação esperava
profetizarão; terão visões os vossos mancebos e os vossos anciãos reverentemente. Naquele momento os monges reunidos no aludido
receberão revelações em sonho". mosteiro viram-no sair da capela, ler no ofício a passagem designada
Quanto à comunicação com os mortos, encontramos, ainda, nos e desaparecer em seguida. ªiL!'~!~l~:'&~.~~Qlel,h~~teL~~ão _Severino
"Atos dos Apóstolos", numerosas indicações sôbre êste ponto (18). de Róvena Sto. Ambrósio e São Clemente de Roma.
São Paulo, na sua primeira epístola aos Corindos, descreve, sob o --. "'P~ré::"c:;";;'lh~;~~~~~"~~';h~~id~'"'d;~;;"~ip';;'"'d~;~terializaçãod os}
nome de dons espirituais, tôdas as espécies de mediunidade. me se isto é, do espírito ainda encarnado que se exterioriza provo- \
declara instruído diretamente pelo Espirito de Jesus na verdade ÇlllillQ,--2..-i~nôEl~~_~l1í1terialização, é (),_.~e_J.~.~.QLQ_,~· . t
evangélica.
,~1iQ'LlQÃQ",,"~.y"'!!~.llil1L~!1~ra~a afi~:
"Meus bem-amados, não acrediteis em qualquer espírito, mas vêde
se os espíritos são de Deus" (19). E São Gr·egório, taumaturgo, rece. .
p '.:.'.·

p. '.'
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jrs'suar'ãlãvrãs'Tôtàm'''êõnnrmãaãs:'''-~Ele-'tôra'
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;.~ Oe.{r·~ '. Oa; s.~is~·.~:~l.e,l.:·~'·.:~.;~:;.~.-,u.f~c;.~:~'~'~~.~
. .•·m.• . .•a.•.f·d..• .h•.:e.· .;.m•.lc•.t.'-' •.·6.· ;,.ft1q..•.u, •. •.• ;•·s•e; .•.
!h.:.•f. •.: e•fi'. •.r.•e.·•'..•;O .
vIstõ"ao' lado do a a...
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J r.'"

be os símbolos da fé do espírito de São João. ii1or!buÍ1~o (23). ." '" ,.... .. . . . h ••"" ••••". ." M _ _h . _. .' . .

.santQ..j~gQ.stiºhº".º,.grªºd~bispodeHipºº,ª, que viveu de 354 ··..·''"Q~;~1:~'';~S fenômenos de levitação, assinalados em relação


a 430 e escreveu "AÇiºªc1ecle:I:>elJ"s" entre os anos de 413 e 427, Santos, Jesus também demonstrou a sua possibilidade andando
no seu tratado "I)e"GllJ:ªpJ:Q,MQItlJ1.S", fala das manifestações ocultas as ondas. Êsses fenômenos são atuarmente confirmados e expLlcadcls·
e acrescenta: pela ciência~~n10"1Ôrças mediúnicas. As levitações mais
"'EºJ:.•_q,\te_..ll~.Q __ªl!ihgiLi§§~§_.J?tQ§' '!Q§.. .s.~i~·itqL.1Q~. finaEos, e melhor conhecidas e autenticadas são as de Simão de Samaria,
deixar de acreditar que a Divina Providência faz de tudo um uso do o mago. Não só êle foi adorado como um sêr divino pelo
acertado, para instruir os homens, consolá·lose induzi-los ao bem"? e o Senado Romano, com ainda vários padres da Igreja Católica

(16) A. Lobo Vilela - "O Problema da Sobrevivência". (20) São Gregário de Nice - "Grand Discours Catéchétique", lU.
(17) João, IX, v. 2. (21) Santo Agostinho - "Confissões", VIII, 12.
(18) Atos, VIII, v. 26; XI, vs. 27-28; XVI, vs. 617; XXI, v. 4. (22) S. Tomás de Aquino - "Summa", L
(19) João Epist. l.', IV, v. l. (23) Padre Jancatd - "Vida do Bemaventurado Afonso, Maria de Liguorí".
102 PEDRO GRANJA Al'lNAt, QUEM SOMOS?

entre os quais figura S. Justino - não estiveram longe de conside·


rá·lo como um deus!
I~,'/,
.,~~~~,í,!!'!i~~.E!!l:f!f1!!,!J!';. Quando Jesus dissera: "Curai os enfcr.
! mos, expeli os maus espíritos, dai de graça o que de graça reccbej~".
I (Mat., 10,8; Luc., 9:2; 10:9).
Entretanto, nem todos os padres chegaram a ser favoráveis ao ! l1JfJ:i!l!".f!Jtl om 4tis.I!.: O rei João recebe uma comunicação, escríta
célebre mágico e sabe·se que foi graças às orações de S. Pedro que I pelo espírito do profeta Elias. (11 Crôn., 21: 12). Durante um bano
o grande taumaturgo se viu precipitado do alto do espaço ao qual I quete, em que tomaram parte mil e uma pessoas, aparece um escrito
se tinha elevado" pelo poder de dois demônios". Os milagres que I na parede. (Daniel, 5 :5).
lhe são atribuídos, são inúmeros "criou estátuas que tinham a pro-
I j.,~i3;!,ão . . fL•.J::'f:!J:JJ;LQJ:f:!L: O profeta Ezequiel é levitado e trans-
e portado de um lugar para outro, ficando em pasmo dur,\nte sete dias.
priedade de andar; transmutou as pedras em pão e afinal um dia ~ (Ezeq., 3: 10,15). Felipe é arrebatado e transportado' a distância.
fêz cair um raio sôbr,e o palácio de Nero" (24). (Atos, 8 :39). Um machado de ferro flutua na água, pelos efeitos
Por outro lado, durante o século em que viveu êste mago e físicos da mediunidade de Eliseu.
.l:t;l'1;tf!!l:EJiY!fii.e.: Jacob luta com um espírito materializado. (Gen.,
durante aquêles que se lhe seguiram, nessa época tão confusa que 32 :24). O rei de Babilônia vê a mão materializada de um espírito a
viu a agonia do paganismo e o triunfo do Cristianismo, ,e em que escrever na parede. (Daniel, 5 :5). Jesus materializou-se várias vêzes
as seitas heresiarcas proliferaram estranhamente, tôdas as ciências aos seus discípulos. (Lucas, 24:15,16,29,31). Manué e sua mulher
ocultas, tôdas as práticas da superstição mais vulgar ,estiveram em viram um espírito materializado (Juízes, 13: 19,20).
grande voga. Já então se falava nas "mesas giratórias", nos espíri. 1!..€JJêJlJ:.ffl,l;flc0.flf!".~rQ!11lz.g!J/;;
...J]'lJ..Ji..fd;;,~~g.ir§lgJ. : Êxodo, 19: 13 ; 16 :19;
20: 18; Apocalipse, 1: 10.
tos que respondem por "pancadinhas". "fgl!d§~,lUil.1:11!iUz.(!.§!!.4.,1!.d(~.I.!r.ão_ç).s eiliritQL; Com Moisés. (Êxodo,
Quanto aos espíritos que se revelavam por "pancadinhas", foi 4:1,31). Com Gedeão. (JuíZes, 6:36,40). Com Ana. (L Samuel.
para êles que Se fizera a seguinte oração que figurava em todos os 1:10,11,17,2,6,27); 10:2,6,9,10).
antigos rituais da Igreja: ~ (GêR;r~~'€rffz'5!~'fl~~*Y~r47;~~g~~I1~~:~~~~f~ba~~t~~ l~)i. e~au\l~n~~;
"Afugentai, Senhor, todos os espíritos malignos, todos os fano ~ em transe. (Atos, 9,3; II Coríntios, 12:2).
tasmas e todos os espíritos que "batem" (spiritu1l1 percutientum)" (25). I 'litf'.fLo..Ltí.2:fi2.L..de_.~orte: O profeta Elias recebe alimentos
Si)bre as levitações de São José de Cupertino (1603-1663), en- f colocados ao seu lado, no deserto, por um espírito. (III Reis, 19 :5,6,
contradas na obra "Vicla de São José", publicada em 1753, é rela-
,tado que muitas vêzes José se elevava do solo e que em certas oca-
'siões ficava suspenso no ar em presença de todos os irmãos da
I~:~;;~i;;;".:~~~~~;~;l00M;,::'~ 7,~'
I
I
guas de fogo produzidas pelo Espírito da Verdade. (Atos, 2:3).
comunidade. O Papa Urbano VIII testemunhou uma de suas le·
vitações (26). II Paulo antes da conversão viu "um resplendor de luz". (Atos, 9:3).
Três apóstolos ficaram maravilhados diante dos efeitos luminosos da
transfigura.ção de Jesus. (Mat., 17:1,2; Marc., 9:1,33; Luc., 9:28,36).
Vejamos, agora, o que dizem a "Bíblia" e o "Nôvo Testamento" Nuvem de fogo. (Neemias, 9:12,19).
acêrca do entrelaçamento dêsses fenômenos nos dois mundos, o in- M,g4Üfi!irlq,,,lf!.••f1H'{Üti.!!1!:,: Moisés ouviu a voz do espmto, a quem
visível e o visível: deu o nome de Deu,s e Senhor. (Êxodo, 19:19,20). Fêz-se ouvir a
voz do mundo invisível por ocasião do batismo de Jesus. (Lucas,
Comunicação por meio de sonhos: Vossos velhos serão instruí- 3 :22). Ouve-se a voz do além, anunciando que Jesus é glorificado.
dos por meio de sonhos. (Joel, 2:28; Atos, 2:17; Mat. 1:20; 2:7,12). (S. João, 12:28). Sanlo ouve a V02! de Jesus na estrada de Damasco.
Curas por meio de objetos magnetizados: Lenços e aventais, apli· . ~:d~-EJ1j1!jnhatória: Por meio de um copo. (Gên., 44:5).
cados aos doentes e possessos, operavam a cura e expeliam espíritos Daniel era tido como príncipe dos adivinhos (Dan., 4 :8,9).
obsessores. (Atos, 19: 11,12). lJf.ediunida4s musical: Eliseu exerce a mediunidade por meio da
Curas à distância: O criado do centurião de Cafernaum e o música. (IV Reis, 3,15). David afastava, assim, maus espíritos.
filho e um régulo foram curados à distância. (Mat., 8 :5,13; João, (I Reis ou I Samuel, 16: 14,23).
4:47,54).
Curas pela sobreposição das mãos: O homem hidrópico e o que l
1 Mediunidade coletiva ou desdobramento: O espírito comunica-se
desdóbrãelõ;··';··sétentã'''l)eSSOaS, simultâneamente. (Números, 11,25).
tinha a mão mirrada. (Luc., 14 :2,4; Marc., 3 :2,5).
Cureis operadas pelos apóstolos: O homem coxo, à porta do Também na literatura antiga, por parte de quase todos os
templo; outro coxo de nascimento. (Atos, 3:1,8; 14:8,10). maiores f~lósofos,en{;ontramos as descrições dessas l1}.~!2Lf~~.!~Ǫ,~L,~1±­
...~!.~.Q.9LillalsJ expressadas como sendo a comunicação com os mortos
(24) Albert Coste - "Fenômenos Psíquicos Ocultos". através de várias modalidades mediúnicas. Ê por intermédio de
(25)
(26)
Albert Coste - "Fenômenos Psíquicos Ocultos".
José de Cupertino - "Vida de S. José". ~l!~§Eli?
,... ...
Sacas, Plotino,
"~~_"
Porfírio, lâmblico, Oríoenes
'~'"'''''''_·""'''''''''"'~''>O''"'C''''' "",,,,,3::>.,,,,.. ,,,,1
Sócrates
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104 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMCHif

:p1~!!~E~l?I,",~L~~!9.z",":P3s.s~!t"E~"t.~.gs>!"~~z",Ar"~1§g!g,g~"":n~.,Q"ª'"o~!:Qºbiº",J::t~· PlutarçQ que era sacerdote no templo de Apolo tlll


"~!:!!!!,,,.s!~,.AL~!'~!:,9,~j~z,"mL~~~S.L_r~i~ e inúmeros outros, que a escola obra "isis e Osíris", afirma que os espíritos se manifestavam t)()ti
de Alexandria, sôbre êsses princípios, resplandecia então com a mais Mistérios. E mais adiante, diz:
viva claridade, pois tôdas as grandes correntes do pensamento pare- "Os demónios são mais fortes e poderosos que os homens; êles
ciam ai convergir e se confundir. têm em si um elemento divino, mas misturado, impuro; são com-
Essa escola célebre havia produzido uma plêiade de espíritos bri- postos de alma e corpo, e, por conseqüência, susceptíveis de expe-
lhantes que se esforçava por fundir a filosofia das religiões numa rimentar o prazer, o pesar e outros sentimentos análogos".
doutrina definitiva de largas e poderosas perspectivas, tendo por alvo Píndaro e Menandro atribuem a todo homem uma "daimon"
uma só religião universal e imorredoura. Era êsse, aliás, o sonho que serve de guia espiritual. Baco, Ísis, Osíris, Horus, Heracles,
de Filon. O grande pensador teve um espírito familiar que o assistia, etc., eram "daimons"; e a mesma designação era dada aos espíritos
o inspirava e l3Í fazia escrever durante o sono (27). dos mortos, que podiam ser bons (agatodaimons), ou maus (caco-
º~,!!!~"!E.2,,_su~~SEê"o_E0tB.,~D2ª~i<?~§acase Platino, os quais, diz daimons. . "Aquêles aos quais os gregos chamam demôni{)s, chama-
Partiria, eram inspirados por gênios, "não os que são chamados mos nós lares", escreve Cícero.
demônios, mas sim os que são designados como deuses". Platino.. r Ter!uli~!!J? assim se exprime, num trecho da sua "Apologética":
escreveu um livro sôbre os espíritos familiares. I "Se é ,permitido aos mágicos fazer aparecer fantasmas, evocar
Como êsses filósofos, I~11)!>lico também era versado no teurgia I as almas dos mortos, obrigar os lábios de uma criança a proferir
e comunicava-se com o invisível, dividindo os espíritos em quatro ) oráculos, se êles têm as suas ordens espíritos mensageiros, pela vir-
classes: deuses, daimons, heróis ou semideuses e almas (28). .'\ tude dos quais as ,mesas profetizam, quanto maior zêlo e solicitude
Qlígene§. de todos os defensoroes do Cristianismo esotérico, é o ! não empregarão os espíritos poderosos para operar·em por conta pró-
í: pria o que executam com o auxílio de outrem?"
mais conhecido. Êste grande filósofo, homem de gênio e quase um 'L,o
santo, estabeleceu nas suas obras que as desigualdades dos sêres é Mesmo no seio do clero sempre houve partidários dessas mag-
conseqüente de méritos diversos. As únicas penas, conformes à bon- níficas crenças da sucessão das vidas, da comunicação com o mundo
dade e à justiça, são, diz êle, as penas medicinais, as que têm por efeito invisível e de reabilitação pelas provas. Alguns têm até ousado ele-
purificação progressiva das almas nas séries das existências, antes de var as suas vozes'!!~",~~.,~.~fl:!2,~~f!§.~21~_~5!~_,,M{)E!E~!b,,~!-cebispo,
merecerem admissãp no céu (29). g~ Chartres, e~ressava-se nestes têrmos sôhre a J2reexistência da alma
Fôra notando! tão grande semelhança entre as teorias de Platino
--
!::~I=fi~~~E!i~~2:~F-'·-"~·-'·""~'_"'"·6'.~'""'~'"'""',",""~,"-,"."~,,,.,"~'"""~""'_.,'''~,

e de Platão, que Sto. Agostinho, numa de suas obras, diz: "Visto não ser proibido acreditar na preexistência das almas,
"Estou convencido de que se acharão no platonismo muitas coi- quem saberá o que em épocas vindouras virá a suceder entre as
inteligências ?"
sas que não repugnaria aos nossos dogmas.. ....~.~!2~~~~.,"E!.~1ª'"Q, a
mais pura e brilhante que tem havido na filosofia, está inteiramente O cardeal de Bona, considerando o Fénelon da Itália, na sua
!WJ:2.g,!:!~iga~tE_rlotin,Q, e lhe é tão semelhante que parecem contem-
obra sôbre o discernimento dos espíritos, assim se exprime:
porâneos; entretanto, há um lapso de tempo tão grande entre os dois, "Ê motivo de estranheza que se possam encontrar homens de
que o primeiro parece até estar ressuscitado no segundo" (30). bom senso que tenham ousado negar, em absoluto, as aparições e
as comunicações das almas com os vivos, ou atribui-las a uma fan-
Pas~ em sua obra "Pensées", l, nos adverte que:
tasia da imaginação, ou à arte dos demônios" (31).
"A imortalidade da alma é uma coisa de tal importância, inte·
ressa-nos tão profundamente, que é preciso ter perdido tôda a sen- Escreve 5?p~~r~~~~~1111,(10 ()J:atóri(),:
sibilidade para nos mantermos indiferentes ao seu conhecimento". "As almas que desfrutam a bem-aventurança eterna, abismadas
na contemplação da glória de Deus, não deixam de se interessar,
(27) Filon - "De Migrat Abram". pelo que respeita aos homens, cujas misérias suportaram; e, como
. (28) Jâmbico - "Tratado dos Mistérios Egípcios". Note-se que os udaímons", na atingiram a felicidade dos puros, todos os escritor·es sacros lhes atri-
fIlosofia grega, eram considerados espíritos de elevada hierarquia c, dêste modo se COffi w

preende que o espirito tutelar de Sócrates fôsse assim designado. Vide também' Plutatco buem o priviiégio de poderem, sobc!!!P!!s..~~reos, tornar-se visíveis
- t·Os Demônios de Sócrates".
(29) Orígenes - "De Príncipii".
(30) ~,,~.~~,ç,~,~_,,5~~.,,}~.~.~:~,.,..,peH~,~~,.~,~_ ,~:,!?:p~q.!~o . da Morte". (3I) Cardeal de Bona - "Da Distinção dos Espíriros".
106 PEDRO GRANJA
AI'lNAt, QUEM SOMOS?

aos seus irmãos que ainda se encontram na terra, para os consolar o Cristianismo nascente, projetando as suas fulgurações sôbre as Igte·
e lhes transmitir as divinas vontades" (32). jas de Jerusalém, de Antioquia, de Atenas, e mais tarde sôbre a de
Refere-seQ,_E:~~.f~M~E~~~L sôbre as comunicações e as visões Constantinopla.
dos espíritos, nos seguintes têrmos: A herança dessas três célebres doutrinas que aí se sucedem
"Ora, quem nos provará que êsse envolt:ório jluídico, invisível a judaica, a gnóstica e a neuplatônica - consiste na abertur;t aos
estado normal, para os nossos olhos carnais, não pode nalguns profanos das portas secretas dos santuários ·e na humana divulgação
casos condensar-se, de modo a tornar-se visível, por intermédio da dos mistérios do Sêr, do Destino e da Imortalidade.
"segunda vista" e até comunicar-se? A história comprova farta- A êstes conhecimentos acrescentavam-se ainda os da let moral
mente as aparições dêsse gênero e, se temos o direito de ser muito da vida eterna, que até aí somente foram de domínio exclusivo dos
sev·eros, quando se trata de comprovar a autenticidade, grande êrro sábios e dos pensadores. Desde então o dever do homem seria pre-
fôra declará-los impossíveis" (33). parar por tôdas as suas obras, por todos os seus atos da vida social
Quanto à certeza de que o envoltório fluidico, ou o corpo etéreo~ e individual, o reinado de peus, isto é, o do Bem, da Verdade.L-.d a
exteriorizado, é susceptível de vida independente, s·entimo-nos impe- .! ~~~~!l1ii~~"~,.~i]~~:!I~~::~::ª~:~~!~ª~ª~i~ii~~~~~~::~!~
~~:~jE~E"ª~L~ ·reenca'r::-
lidos a apreciar as belas palavras do P~~E~Steinll1et~ que, vendo o I t.!~,ÇQ~,§,.J'~~!1?~.!LQ1~2 .
seu duplo no jardim, s·entado no luiiar"fâvõiítõ-'enquanto êle se í\. Tais revelações, embora simples e de fácil alcance, como simples
achava no quarto em companhia de alguns amigos, disse-lhes apon- f> foram a vida e os ensinos do seu Codificador - Jesus Cristo - e
tando-se primeiro com o dedo e depois indicando o seu duplo no ii que os Apóstolos chegam até ao extremo sacrifício para testemunha-
jardim: "~q~L~~o!.~_.Q,,§.t~tl1Q}~t~_,l1l9E!~!__~,!~S?,,§1€?Jnll~etz _ünort~t (34). i rem a Verdade, base de tôda a doutrina cristã, tornavam-se embara-
O grande Mazzini, apostrofando os bispos, na sua obra "DalI çosas à Igreja romana, que começava a surgir.
Concilio aDio", diz: Nelas iam os heréticos firmar seus argumentos e sua fôrça; sola-
"Cremos numa série de indefinidas reencarnações da alma, de pada se achava a autoridade do sacerdócio. Com a reencarnação,
vida em vida, de mundo em mundo, cada uma das quais constitui com o resgate das faltas cometidas, pela prova e pelo trabalho na
um progresso em relação à vida precedente. Podemos recomeçar o sucessão das vidas, a morte deixava de ser um motivo de terror;
estágio percorrido quando não merecemos passar a um grau superior; cada qual se libertava das penas terrestres por seus ·esforços e progres-
mas não podemos retrogradar nem perecer espiritualmente" . sos, e o sacerdote perdia a razão de ser. A Igreja romana, já não

~amo~' :i~;:;~~e, i!s:~s~e~t~O f~s~~~~~~~~~~ill:~r~;:s:~;a'd~prse:;~


podendo controlar à vontade as portas do Paraíso e do Inferno, via
deluzir-se o seu poder e prestigio.
tl1~ri() de Nice, afirmando que êle própdo"se comunicava com -os Julgou, portanto, necessário impor silêncio aos partidários da
,.:/ sêreS·({o'_õutio mundo; com os mortos que lhe informavam do estado doutrina secreta, renunciar a tôda comunicação com o espírito, e con-
1 das almas, pelas quais se interessava, com os santos que o confor- denar os ·ensinos dêstes como inspirado pelo "demônio" (36).
itavam e lhe ministravam os tesouros da sabedoria" (35). Em suas origens puramente evangélicas, a história da Igreja roma-
.\. As citaç6es de vários autores que fizemos, apoiando-nos, de pre- na deve ser considerada a datar de Pedro, .em42,e mais os seus dois
ferência, sôbre os antigos, quer sejam considerados filósofos, sábios, sucessores imediatos, que nos parece terem sido lJl1Q,e Ç1~me!1te.
santos ou cléricos, obedeceram tão-somente ao propósito de focalizar Pontificada por um caráter nimiamente espiritual durante o seu pri-
a imortalidade da alma e a pluralidade das existências, que êles meiro século de existênda, " a barca de Pedro, nesse período, navegai
confirmam ·e doutrinam. va sem lastro ouro, sem mercadoria que acendesse a cobiça, rumando
Certificamo-nos, também, de que a crença nas reencarnações da unicamente pelos sentimentos que lhe norteavam o primitivo Cristia-,
alma Se encontra em tôdas as religiões antigas; e que na escola nismo, e daí a ordem, a fraternidade, a tolerância e a harmonia rela- \
de Alexandria é que ela se amplia e se desdobra em suas revelações. tiva no seio da tripulação". ,;
Daí, da Alexandria, é que se irradiou a luz intensa que veio iluminar Ia a Igreja, em meio a êsses sucessos iniciais, exercendo um
poder tão puramente espiritual, superpondo-se aos int·erêsses mate-
(32) Padre Le Brum - "Histótia das Práticas Supersticiosas". riais dos impérios, dos governos e das sociedades, que os homens
(33) Padre V. Marchal - "O Espírito Consolador".
(34) Barão Karl Du Prel - "O Outro Lado da Vida".
(35) Abade Poussin - "Le Spiritisme devam l'Eglise". (6) Note·se que a palavra "demônio" aqui emptegada já não tem o mesmo valor
da palavra "daÍmon" com que os' gregos designavam a todos os espirítos elevados.
lOS PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

transformava o Cristianismo numa arma de domínio político, as pode.


passaram a ver, nela, "uma das grandes fôrças disciplinadoras do
rosas cortesãs vendiam, trocavam e se apoderavam dos bispados e
mundo".
faziam os amantes ser·em papas, como refere o çarcleªI13ªJ:2!1iQ, na sua
Desprezando, porém, "o govêrno espiritual" pelo "govêrno tem-
obra (aliás excomungada) "Annales Ecc1esiastiques", mas cujo teste-
paraI", traindo, em suma, a origem de sua finalidade, logicamente
munho é insuspeito.
infiltrou no próprio seio o vírus da ganância, do mando e da posse;
e a cruz, daquela época em diante, perdia o sentido simbólico e Da dissoluta Roma, a Igreja romana também herdou o desejo
da unidade, aspirando organizar a Igreja Ul1ive-rsal e cedeu à ten-
sacrificial do meigo Nazareno, pois somente utilizavam·na como um
tação de reivindicar "o reino dêste mundo", idéia repelida por Cristo,
feroz instrumento em defesa de seus interêsses, no qual, a ambição,
segundo os "Evangelhos" (39).
a luxúria, a vaidade, a hipocrisia e as vilanias eram como negros
abutres que pairavam sôbre o coração daquelas hienas ao iniciarem Foi desde êsse dia que a palavra "demônio", passou a ter nôvo
outro império ... sentido na religião católica e a encarnar tôda a manifestação do
Príncipes e reis, sacerdotes e papas, organizados em partidos polí- mal, adquirindo uma importância nefasta. Tudo que a esta emba-
ticos e guerreiros, viviam em perpétua luta; e o pobre povo era raçava lhe foi atribuído. A Igreja declarou-se a única profecia viva
saqueado em seus haveres, cerceado na sua liberdade de consciência, e permanente, a única intérprete de Deus.
torturado, massacrado e vilipendiado. Se o sangue dos mártires tinha firmado o Cristianismo, chegara
Êpocas vieram em que as fogueiras não tinham necessidade de a hora dos aventureiros, como sempre, explorarem as idéias triun·
lenha, pois a carne humana constituía melhor essência para o crepi. fantes. Então, começam os dogmas a obscurecer a Verdade; as ce-
tar das lúgubres labaredas; época em que o despertar da inteligência rimônias litúrgicas complicam-se com as imitações das pompas do
e da compreensão eram abafados nas masmorras subterrâneas de onde paganismo, sem que seja compreendido o s·entido oculto dos fór-
não se podiam livrar {para que o eco dos seus ensinamentos não mulas ritualescas; as chamas consomem bibl~gtecas que encerravam
viesse tirar a venda dos olhos da ignorância; época em que a noção tesouros da sabedoria antiga; os anátemas fulminam as consciências.
de honra, pudor e família eram embuçadas pelo tilintar das taças e O fanatismo campeia e é hàbilmente manejado na treva, para
pelo gargalhar produzido durante as orgias; época em que a criatura eliminar concorrentes, para resolver rivalidades e satisfazer ambições.
humana ou vivia acuada como besta fera ou servilmente pronta às Por fim, as fogueiras e as torturas se transformam nas armas que a
retratações, humilhando·se e pedindo perdão pelo receio dos cárceres, Igreja romana considerou decisivas para impor os seus dogmas; mas
das fogueiras e das torturas! nem assim conseguiu suster o progresso, nem destruir o anseio da
Êpoca dos Felipes, dos Gregórios, dos Urbanos, dos Inocências, liberdade que rompem tôdas as algemas, mais cedo ou mais tarde,
sob cujo reinado e papado a Europa, e mesmo os povos longín- por mais forte que pareçam.
quos, só viam pairar sôbre si o flagelo da inquisição, do sangue, Esquecia a Igreja as palavras do. Mestre; e mais ainda, que a
da perseguição e do cerceamento de consciência (37). violência nunca foi apoio firme e que só a ela recorrem os que não"
A crônica da Igreja, lida com atenção mesmo nos seus documen- confiam no valor das idéias que def.endem, ao passo que a genero- (
tos oficiais, não pode resistir ao exame sereno, pois mostra que para sidadee a tolerância sempre foram um sistema de fôrça e de inteligência.'
ela dominar o mundo as suas decisões foram ofuscadas pela cálu- Defender, portanto, un princípio religioso ou político que sé
na, pelo crime e pela ambição do ouro - nominata de escândalos opõe à liberdade de pensamento, é ser menos que escravo: é a decla·
que traz o mais legítimo cunho histórico e que em parte foi reco- ração formal d€ incapacidade e de indignidade. ,"

:';/:~:,":ag:t~:~,";::t:'2'"g;~bT:~~:i:'~.
nhecida nas publicações autorizadas pela Igreja.
Ê assim que, no ano 325 da nosso:. era, por imposição de Cons- tos
tantino, fôra condenada a !grejªclQ ºrient~ que era a fiel depo-
sitária dos ensinamentos cristãos (38); e enquanto a Igreja de Roma (39) Virgílio proclamava o destino de Roma: exercer uma soberania a que os
deuses não impusessem nenhum limite, no espaço e no tempo. C'Eneida", I, 278; IV,
227-231; VI, 851-853).
(37) Seleções extraídas do brilhante e fecundo trabalho "Novos Rumos à Medicina", Segundo o poeta, Dante: proclamava a missão de Roma divina e sua história um mi~
de autoria do Dr. Inácio Ferreira. lagre da Providência. Roma, a cidade eterna, sede do Império Universal, devendo o pró-
(38). A. Loho Vilela - "O Problema da Sobrevivência". Refere, ainda, o autor, que prio Cristo ser considerado romano. ("L> Com. Purg.", 102).
Constanttn~ e seu,s. sucessores .d~cretaram ~ demolição de todos os templos do paganismo Niti descreve magistralmente a luta entre a Igreja católica e o Estado. Mostra o
e dl~S IgreJa~, heretIcas, deS~r?_lçaO das, estatuas dos deuses e dos livros que contradiziam grande pensador que a Igreja· de Roma, onde tudo se vende, nunca deixou de sonhar com
as verdades da nova reltgIao, confiscação de bens e perseguições. a dominação universal. ("Dem.", 2.0 voI.).
110 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 111

crucianos, e outras, conservavam alguns dos seus prinClplOs. Os de Deus, não fêz mais do que dar a si mesmo o nome que apUcava
T~l~!iQ.~. foram encarniçadamente perseguidos pela Igreja romana. aos demais homens, assegurando que todos eram filhos de Deus.
Esta temia as escolas secretas e o império que elas -exerciam sôbre as A prova estava no Pai Nosso, composto por êle.
inteligências; e a pretexto de feitiçarias e de pactos com o diabo, as
No Concílio de Laodicéia, celebrado no ano 364, dos setenta
destruía quase tôdas a ferro e fogo (40).
e dois Evangelhos existentes ·e reduzidos a quatro, em anteriores peque-
Viu-se então os sacerdotes romanos perderem de vista a luz que nas assembléias de bispos, teve lugar o primeiro reconhecimento au-
Jesus tinha trazido ao mundo, e recaírem na obscuridade. A som- têntico dos Evangelhos usados hoje pelos católicos.
bra que quiseram para os outros fêz-se nêles lnesmos. O templo
deixou de ser, como nos tempos antigos, o asilo da Verdade. E esta No ano 415, conforme alguns autor-es, ou 425, segundo out;os,
abandonou os altares para buscar um refúgio oculto. Desceu às clas- por instigação de S. Cirilo é~sinada a célebre Jl!é~()fa :Iiipá~a,1
ses pobres; foi inspirar humildes missionários, os apóstolos obscuros discípula de Plutarco e inspiradora de Sinésio, e seu corpo, depois
que sob o nome do "Evangelho" procuravam restabelecer, em dife- de arrastado pelas ruas de Alexandria, amarrado à cauda de fogoso
rentes pontos do mundo, a simples -e pura religião de Jesus, a religião cavalo, é lançado aos pedaços ao fogo, por ser julgada herética, ou
da igualdade e da fraternidade. Porém, estas doutrinas foram asfi- melhor, porque nãó vendeu, não mer,cadejou sua doutrina e seu ideal.
xiadas pela fumaça das fogueiras, ou afogadas em lagos de sangue (41). No fim dêsse século é J\11ia110. Marcelino, quem nos conta a
Assim, é fora de dúvida que o catolicismo, nas épocas de pers-e- idêntica execução histórica de dois pagãos, r.~ti.çi9~liilª!ig, acusa-
guição, escavou bastante cárceres, ateou muitas fogueiras, inventou dos de magia por terem recorrido à adivinhação pelas mesas giran-
torturas inauditas. Os métodos de inquisição, de crimes, de perse- tes e pelas pancadính(/ls, práticas análogas às que ainda hoje são
guições e de assaltos aos bens alheios, não são do século XV, denomi- empregadas pelos .espíritos.
nado o das Trevas, como nos querem fazer crer os seus teólogos. Entre os anos que findavam o s.éculo IV e os que lntclavam
Vêm de muito mais longe; vêm quase de início. Vejamos-lhes, ràpi- o século V, em 529, são encerradas tôdas as escolas gregas, os seus
damente, a própria história. filósofos condenados e perseguidos todos aquêles que professassem
No comêço do século IV, em 325, realizou-se o Concilio de tais crenças. Os vários concilias ecumênicos realizados durante êsses
Nicéia, o primeiro concílio ecumênico ou universal, que atendeu a
quatro objetivos: 1. 9) averiguar se Jesus tinha sido realmente divino; ~:~í:a~~s'a ()d;~~~~·~()a'~()~~1~~;·--~ce~l~;t~=~~E~~~~~~{~~ . • ~,~:~1;.::
2.9 discutir a existência da santíssima trindade; 3. 9 ) fixar um código p;~"~ó;d~Iti~~"~Td;"~~Icã;'a~b~ã11aô ····sem "definição' plausível o
de crenças, leis e regulamentos que regessem todos os cristãos; 4. 9 ) importante problema de grande relevância moral, do "porque da desi-
condenação da Igreja do Oriente. gualdade dos destinos humanos".
Dêsse Concilio resultou o seguinte: aprovação de todos os itens; Chega-se, porém, aos VI, VII e VIII séculos, e a história nos
impedimento da Igreja do Oriente; condenação de Orígenes e dos divulga que IJ~1?iºº,,º!?~e.Ye, à frente dos fran~os, atravess.a ~s Alpes,
gnósticos. Tão violenta, porém, fôra a agitação dêsses disparates que ataca os lombardos, submete Astolfo e, reunmdo os prmclpados e
os poucos bispos honrados, ali presentes, votaram contra essas desca- reinos italianos, faz com êles um império, que entrega ao papa, ele-
radas imposturas. vando-o à condicão de chefe de Estado. Cristo dizia que seu reino
Reunidos, novamente, no ano 341, no Concílio de Antioquia, não era dêste m~ndo; o vigário, porém, esquecia-se disso, e consti-
por decisão de seus bispos (mais de cem) fôra ratificado que Jesus tuindo o seu reino aqui na terra, passava ~ cunhar moed~s como, a: de
Cristo não era Deus, que veio ao mundo em figura de homem, E César, a cobrar impostos como as Repúbltcas, -e a. organtzar exerc.1tos,
que por conseguinte não havia trindade alguma. e a montar máquinas burocráticas, correndo, com ISSO, todos os tlSCüS
 frente dos que não aceitavam a trindade se encontrava o a que se acham expostas, comumente, as puras instituições seculares.
lJispoAri() a sustentar a verdadeira doutrina de que Deus é uno e É,-.1:Ç"l?illQ", pode-se afirmar, com sua cupidez manifesta pelo int-e-
indivisível; que Jesus, não só não podia ser Deus, senão que êle rêsse temporal, que deturpa, inicialmente, a obra de Pedro;. O su-
mesmo jamais pretendeu passar por tal; que ao denominar-se filho cessor de Paulo I já não é um papa mas um soberano POlttlCO.
Tentados menos pela cadeira do Apóstolo do que pela do chefe
(40) A. Lobo Vilela - "0 Problema da Sobrevivência".
(41) Léon Denis - "Cristianismo e Espiritismo". dos Estados pontificiais, os membros da nobreza romana elevarn ao
AFINAL, QUEM SOMOS?
112 PEDRO GRANJA

Os papas, daí em diante, passam a ser escolhidos pelas mulheres.


poder um leigo, simples homem de armas, que toma o nome de
É o tempo das Teodoras e das Marozzias. Em oito anos sentam-se
Constantino II, cujo primeiro ato consiste em prender em um mos-
no trono de Pedro nove pontífices, cada qual mais crapuloso, sangui-
teir? o primaz .~Ei~,~2:x,~,Q., que se opusera à sua eleição. .9~~!óvã()1
nário e mundano. A partir da morte de Formoso - ,escreve o cardeal
espmto combatIvo, consegue, porém, fugir. Associa-se aos lonlbar-
Hengerother, citado por Fernand Hayward, num livro escrito em Roma
dos e retorna com êles sôbre Roma. Encontrado em um oratório,
~o qual se. recolhera não para orar, mas para escapar aos inimigos,
sob as vistas da Igreja, e que traz o imprimatur do arcebispo de
e Constantmo II arrastado pelas ruas da cidade e entregue à popu- Paris datado de 8 de outubro de 1929 - a partir da mort,e de Formoso
laça, que lhe fura os olhos. começa para a S,anta Sé uma época de humilhação profunda. E o
abade Mourret, na sua "História dos Papas", diz: nove papas se suce-
/'- _ Proclamado papa pelo povo, a instigações de Cristóvão, Estê- dem em oito anos, mais ou menos sob a influência nefasta de Ade!-
! vao III r,eúne um concílio na basílica de São João de Latrão,e faz trude; e seus sucessores não se subtrairão a essa tirania senão para
\ comparecer perante os bispos o infeliz Constantino II, que, tateando, tombar sob uma dominação mais abominável ainda - a da casa de
~. sem olhos, é acusado, seviciado, atirado à rua por ordem do pontífice, Teofilactoe da infame Marozzia.
1 ao ~esmo tempo que os bispos. cantam U~l1 "Kirie Eleison", pedindo
Formoso, que em vida fôra explorado pelo partido Spoletino,
í perdao a Deus de terem obedeCIdo ao antIpapa decaído.
é desenterrado, julgado e excomungado por um sínodo; em s·eguida,
~;". Didier, rei dos lombardos, reclama entretanto que o nôvo papa os seus restos putrefatos são entregues à população, que os atira ao
Ilhe entregue Cristóvão. :Êste tem, por Sua vez, os olhos vasados na Tibre, mas o rio os rejeita quatro dias depois.
\\p:aça pública por ordem do seu antigo aliado. E, daí em diante,
Teodora, mulher de Teofilacto, eleva ao trono pontifical Sérgio
~;)~ao. as lutas arm~da~ as guerras. do papa contra os outros príncipes
III, em 904; Anastácio III, em 911; Landônio, em 913; e João X,
1Ital~a.nos, as mutllaçoes e conqmstas de territórios, em que a parte
em 914.
,~splr:tual, os ca.s~s de doutrina, não são mais do que a máscara de
'Knteresses matenaIS. ( l\::I,ê.r2~",,!.!Lh":._.ª~_.!~2_~2g, faz assassinar, asfixiado entre dois
ttravesseuos, João X, e elege Ledo VI, em 929, ·e Estêvão VII, em 931.
Então, o sumo pontífice deixa de s'er o chefe da cristandade
~E, finalmente, em 932, o seu próprio filho, João XI, que, um ano
para tornar-se apenas uma entidade política, um senhor feudal que i depois, casa Marozzia, sua própria mãe, com o terceiro marido.
se não distingue senão vagamente dos reis e imperadores medievais. l
João X, João XII, Silvestre II, Benedito IX, GregóríoYI, Leão IX, . O irmão do papa João XI, Alberico, descontente com o terceiro
Lúcio II, levantam tropas, colocam-se à frente delas, sitiam cidades, padrasto, assalta o castelo de Santo Ângelo, residência de Marozzia
assaltam fortalezas, triunfando ou caindo nas mãos do inimigo. desde o tempo do papa Sérgio III. E assume, ditatorialmente, a
direção ostensiva do pontificado, sendo os papas daí em diante simples
A ambição de reinar determina as divisões do povo e dos ecle· mandatários. Seu poder torna-se, mesmo, tão vasto, que as moedas
siásticos, dando ensejo à duplicidade do govêrno, com °
aparecimento do Estado pontifical passam a trazer-lhe o nome, e êle consegue, em
mais freqiiente de antipapas. 955, sentar na cadeira do Apóstolo Pedro o seu filho Otaviano, de
Assim é que em 796 Leão II é assaltado, espancado e conde- dezesseis anos apenas, o qual ateu e debochado, toma, na história da
nado a ter os olhos vasados e a língua cortada. Santa Igreja, o nome de João XII.
Em 855, Anastácio, antipapa, penetra na basílica de São Pedro No inicio do século X, querendo o papa João XV provar que a
e quebra várias imagens, agredindo, em seguida, o papa Benedito III. terra não era redonda, como afirmavam os sábios da época, nomeia
Adriano II,em 885, publicamente manda furar os olhos a um uma comissão de frades sábios para viajarem até o ponto em que a
dos seus adversários. . terra e o céu se unissem,a fim de demonstrar ser a terra chata. Essa
"comissão de sábios" partiu em fins do século IX,e o interessante é
No incicio do século IX, a aprovação da doutrina da transubs-
que, cinco anos depois, em princípios do século X, retorna afirmando
tan~i~ção e. a. ~evisão do credo, pela introdução do "Filioque", causam
ter alcançado o ponto final, onde o céu e a terra se tocavam, tanto que
a. ~l~ao def:ll1tlVa _da Igreja grega. A seguir começa nos estados pon-
seus componentes tiveram que abaixar as cabeças para não atingir
tIf1~lOs a dIssoluçao total dos costumes que faz do papado o escândalo
maIS clamoroso do século. o céu!
114 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? U5

o século XI vibrou com a querela dos universais. ~~.l;~~~~,~?Ê":~.?, o zêlo pela fé era ilimitado pelos poderes estJe-
cí..'lis, e insaciável a sêde de sangue. Protegido de LuíS! IX, o seu nome
No século XII a Igreja, para manter a integridade da organização
tinha-s·e tornado o terror das províncias de Flandres, onde, a cada
e da doutrina, já então muito complexas, deu ao bispo de Roma, nos
passo, ardiam as fogueiras acendidas por êle. Para que êsse terror
concílios gerais, o poder que êle tinha na sua provínda eclesiástica.
não diminuís~e, o.12~~"""?,,ª.~.,,,p~ªL~._,§l5.~"~E~~,,~lp~"ªo~.~.~l1a~-.!nocen teso
A

É nesse século, quando na Europa proliferavam as seitas heréticas, A força, porem, do seu ardor veio perdê-lo. Os gem1dos êletiiiias
que se criou, para extinguí-Ias, especialmente na Espanha, no sul da vítimas geraram suspeitas. Inquiriu-se do inquisidor e achou-se que
França e em Portugal, a chamada "§~l1!'lItlquisi窺", cujo inído se era um malvado. Os seus crimes foram tais que o beneditino Mateus
verificou nos primeiros anos do século XIII. Em 1204 já o papa París, historiador coevo, diz "que o melhor é guardar silêncio acêrca
comissionava três monges para arrancarem e dispersarem dêles". Alijaram-no do cargo de inquisidor e condenaram-no à prisão
a semente da má doutrina", usando para isto a tortura, autorizada perpétua. Com mais alguma prudência, quem sabe se hoje o seu
pela bula "Ad extirpanda". nome não figuraria no amplo catálogo dos santos da ordem de
Instituído em Tolosa, em 1208, o nrimeiro tribunal da "Santa S. Domingos?
_ _,,",""""-"'===''''"-_''''''~~''iP,='''''''''''~'~'--)'<"'"'~''''''''''''_''''="''''.~''''.<"'''',~,,,,,,",,,,,,,,-,>.',,,,,~;,,,,,,,,~,,,,..'~~;;;;;<.";;;;;~;;;,~:;,,,,;:;;'i";c:.,=;~,·;;;.&,"",,,,·~·
1,!!S';ll!'1~~2:"
fica, desde logo, definido o seu objetivo, "que é punir Em 1245, depois do concílio geral de Leão, antes da queda de
todos aquêles a que se podem chamar inimigos da Igreja católica, dois príncipes Frederico II da Alemanha e Sancho II de Portugal
apostólica e romana. (sendo mais tarde depostos), celebrou-se um concílio provincial em
Sete anos depois, em 1215, o quarto concílio de Latrão reco- Beziers, no qual se redigiu, por ordem de Inocêndo IV, o regula-
mento definitivo sôbre o modo de proceder contra os herejes, distri-
n~ece a legitimidade dêsse severo instituto, dando-lhe uma ,legislação
buído em trinta e sete artigos, que serviu de base aos posteriores
VIgorosa. O concílio de Melun, em 1216, concede aos inquisidores
regulamentos da Inquisição.
de Tolosa poderes incondicionais, armando-os de acôrdo com os ini-
migos que vão enfrentar. E nesse ano é Honório III, sucessor de Em princípios de 1256 foi que, pel~"~,~~tivas,__gDuí~,,I~,_.o
Inocêncio III, que, de próprio punho, escr·eve a Domênico de Guzman E~P"~, . . ,~~.~~,,9.,,~!.~,~~~,~E~, . .~Y,,,g!~~~~!E_~~~~~!~9.~,~:~ão. em Franç~ Come-
e aos seus doze companheiros da Gália Narbonense, louvando-lhes o çava a ahança da Igreja com o Estado na obra da Inquisição, cujas
zêlo cristão e recomendando-lhes que sejam inflexíveis na pun;ção fogueiras "ardem durante séculos e continuariam ardendo, alimentadas
dos herejes. com homens inocentes, se a tinta dos filósofos não tivesse corrido a
sufocá-las", como dizia o professor Bolivar.
Criada em 1229, como "entidade de poderes especiais", a Inqui-
sição parece ter provindo do papa Lúcio II, que em 1184 determinou No século XIII, Tomás de Aquino, o douto dominicano harmo-
nizou a doutrina da Igreja com a física aristotélica que, apesar de
a perseguição à her.esia, estatuindo categorias penais de "suspeitos,
convictos, penitentes e relapsos", aos quais se aplicavam sanções puni- condenada pelo Concílio de Paris, se impunha à razão dos homens
cultos da época.
tivas, indicadas pela Igreja e executadas pelo poder temporal.
No século XIV, logo nos primeiros meses, o papa manda adotar
E os efeitos dêsses poderes especiais logo se fizeram sentir. Assim
nos liceus as obras excomungadas de Aristóteles. Quando, em 1415,
é que um "maniqueu convertido", ~(}ºerto p(}l:_?lclll1ll?().ªtílgar()
o concílio de Constança depôs o papa de Pisa, João XXIII, e, para
(denominação que nalgumas localidades se dava aos, albigenses e outros
sustentar Gregório XII, convidou Benedito XIII a abdicar, para que
herejes), o qual professara na ordem dos pregadores, era, pelos anos
o mundo. católico não apresentass·e "o desagradável espetáculo de ter
de 1239 e seguintes, um dos mais ardentes perseguidores dos seus ao mesmo tempo três representantes de Pedro na terra", foi êste,
antigos correligionários. Convulsionado pela cegueira religiosa - ainda, o argumento do pontífioe de Avinhão, foragido no minúsculo
vírus que infestava aquela época - os resultados das diligências dêsse refúgio de Peniscola, no litoral espanhol:
vicariato anormal superavam tôdas as provas de dedicação que se
poderiam imaginar, pois a demonstração pública de seu ardoroso prose- "Solitário embora neste rochedo - diz êle - tôda a Igreja está
comigo como a humanidade estava na arca de Noé!"
litismo se efetivou
foram
a multidão reunida ClnlJ~l~I~~;~~=.~~j~;~~~=li:fª~~~.
d E voltando-se para os quatro pontos cardiais, excomunga o uni-
For verso especialmente os pdncipes da terra e os altos dignatát:íos rorna-
116 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS?

nos, que lhe não reconheceram a autoridade nem após a abdicação mente reorganizada a primitiva
de Gregório XII. samente os herej es". Seus ",-,nni,,()<
Em 1.9 de novembro de 1478, a Inquisição, existente desde 1242
para combater apenas os heréticos e albigenses, é reavivada por uma
bula de Sj2'.lE~A"!!<"~qll~12,g~",,,~~,,jJ1§!lt!;!L=1}~,,,~§,R~!lP=l1""Qa':~IlJlllm&tllJ~!i: E.m.. pºrJ~lgªl,gr(;iMa!11.1(;1,ºV§,~i1!Lº,s:º} contemporâneo da InClui.
~~2L~~r· sição iQ$j;ª1!Xªdª~.ni,'L,J<:§.pªnhªp~Iª,mªQg?JI~t!lm]sIQ, e Isabel, não
Seus efeitos foram terríveis, pois que, em fins de 1481, só em logrou êxito em emprêsa semelhante, cabendo ao seu sucessor obter
Sevilha, perto de trezentas pessoas tinham padecido o suplício do de Clemente VII (papa de 1523 a 1534), membro da família dos
fogo, e oitenta haviam sido condenadas a cárcere perpétuo. No resto Medici em 17 de dezembro de 1531, a bula Cum ad llihil magis,
da província e no bispado de Cádiz, duas mil foram, nesse ano, entre· pela q~ml foi nomeado um inquisidor geral com jurisdição sôbre Po~­
gues às chamas, e dezessete mil condenadas a diversas penas canônicas. tugal e seus domínios. Esta bula foi completada alguns anos depOIS
Entre os supliciados contavam-s'e pessoas opulentas cujos bens rever· pela Meditatio cOTdis nostTis} de Paulo III, papa de 1534 a 1549.
teram em benefício do fisco. Para facilitar as excecuções, construiu-se Para efeito de análise, aprofundemo-nos mais um pouco em sua
em Sevilha um cadafalso de cantaria, onde os cristãos-novos eram história:
metidos, lançando-se-lhes depois o fogo. ~ste horrível monumento,
A 15 de abril de 1506 - domingo - após as preces públicas
que existiu até os começos do século XVIII, era conhecido pela expres-'
contra a ,eeste que inçava Lisboa e terminada a Procissão de Peni-
siva denominação de fi Qg§:nl:1!:É!!!!". ""';.. tência, inicia-se, fomentado pelo dero, o maior massacre que houve
Reforça sensivelmentei a bula de Sixto IV a bula__ª~ 17 _9~-ºutu~!:!?J em Portugal - ..E-_!!H!:LC!!1ftLAQ~_J!J~!êi.º5.::-fl..QVOS - os quais nada mais
~-'~"-'~'"""-"---~""'''~----'-~~''''-''---~'--'''-'--'~''''----,,---~- d;
i:];~~n~:§~~r;õrf~~;~~I~-~g~~r~1e,f~if~~~~~r~~~1~á?~~;~t~i eram que judeus convertidos obrigatoriamente.
No escapou, sequer, da sanha inquisitorial, os que foram se abrigar
Inquisição", d organizador dos Tribunais infames, o redator do Código ~"'" nas Igrejas, abraçados às imagens dos santos: as "feras", atiçadas
dos Inquisidores, e ocupou o cargo de Inquisidor Geral. A Inql)i- (
,eelos representantes do clero, estimuladas pela onda de ferocidade do
sição, a Santa Inquisição como a denominavam os padres, já não éj
tribunal de Torauemada, iam ali arrancá-los e matá-los, sem distinção
mais primitiva. ç(LlJI_:f~!2~pq2.=,~l~i!l!tLtO!~'u!l.!2!-levo.L santo;! d~~~.x:~~·i2C~de~'~SÓà tarde de terça.feira, quando já dominada a
~~. #
revolta, averiguou-se que além dos estropiados, tinham sido assassina-
"lia E..lE~ - especifica Edmond Cazal - a Inquisição se
"" ."clªsmal$~cl~~_.?"ººº--P.~sso~s,..
caracterizava, sobretudo, pelo fanatismo individual, por uma espécie ,,,~J§~}'('i; AIn~icão. na Al11érica Latina foi menos sanguinária do que
de misticismo sensual e pela ambição, que se manifestavam por uma nas ~~t~"Ópof~7~~'~Pél7;~,~~wÊ;;;~'~~;pensação, demonstrou-se cúpida e
implacável ferocidade e uma sorte de sadismo religioso: daí as desen· voraz, pois havia aqui maiores riquezas a confiscar, mais ouro a, extor-
freadas paixõ,es pessoais, as torturas solitárias nos cárceres, e o pres- quir, seja para a glória da Igreja e dos Estados, seja para a própria
tígio sangrento das fortes individualidades que eram os inquisidores bôlsa particular dos inquisidores.
gerais, e, abaixo dêstes, os inquisidores provinciais".
Frei Zummáraga, nomeado inquisidor geral do México, em 1535,
,~!n",§,~~m~,~)"",2g,ª~_,,!B~i~,_1?,!~~~~Q,!:!)__<:~1}tr(),,,_9l!~=L()i da .1lliluisi~ã~ não deu cumprimento aos deveres do seu cargo, e· só em fevereiro
e~,e~g.~()!~"".",E~~g~~~~~=~~ !1... E~Y~3"~L,,!,~~fm1!1""._(I~ ..,,2E,~E,~fl..9JJ~~!lLJ!1anter i de 1569 e agôsto de 1570, por cédulas de Felipe II, instaurou-se
~E~~"C?",.?~".,:,:Q~~!B.~9~!2':J~.~g~,.s~~L,~~,\;.,"~~~y:~."."f2~Q...", con!]puél.!nen te para l realmente a Inquisição na América espanhola.

~i~If~:~~~:t~~~tii~ii~:f~~~~~~i~:=:~~i:it~l~i~~:~~~=l~~~l~~~~~;~ (
A obra do fanatismo inquisitorial era terrível aí, porque, além I
Suas prind,eais vítimas foram os estrangeiros, judeus ou não, que
logravam quebrar o monopólio espanhol, e os cTiolíos e mestiços
que, afirma um eminente histori.ador, "manifestavam mais, ou menos,
de ,eerverter a consciência e sufocar o remorso, matava os últimos,) liberdade em suas opiniões ou em seus costumes".
escrúpulos que ,eermanedam encobertos pelo beatismo. Nos primeiros trinta anos do século XVI, instala-se a.. I~~o
.. . ,,·,,,.,,,,.,,,,..,,,,,·,-,.",,.,;,=... •
"<,,,'.~"""·"""""\"_-_"''''''O='~:'''''_'~é'''''~~''''''''''''<''''''''''''""\''''''-'''';'·'·''''~''.':·''C'_"",,,'_·C''".''.''·:'.'''';~.'.".,~"~",r""" "''''_'c''e.,,,.~,.,_, ,~"",.,....~".,·."I,'=''''''''''''''''V'~''~ ~

No século XV a oposição sempre viva no seio da Igreja contra no México e no Peru. Em Nova Granada e posta em vlgor no
o primado do bis,eo de Roma, culminou com o estabelecimento de
s;§ã7r~~xvif. !?(t:~l~~Ei~?:lC()~t~lg':l~S~,~i~i(t()g1:<l!l~~i:~ll~t.~,,~r:tt.~~~~
outro pa,ea em Avinhão. E, para maior glória da Igreja, foi "feroz· Vieirª,_~"gl._~!"j.82~>-l!.,,_~~()Jiç!º
...(1~_Jn9.t:lis.ü~~t();_.!1iiº();l1Y~~_ll!~-ªg()E?: . ,
AFINAL, QUEM SOMOS? II')
118 PEDRO GRANJA

tendo os b:spos usado dos seus direitos ad referendam da inquisição A par da atividade exercida dir~tar:lente contra as. ~r~all:t:as, a
de Lisboa, apenas para queimar "um hereje francês" Inquisição também possuía outra funçao Importante na vIgtlancra que
aplicava ao pensamento. Ao sairem os navios d.e Sevilha e ao ch:ga.
Ç8~:h~_~gc,S~Esle~1. . ,.sl<l.... gsP~.1111<l.1."AIlJ~~tç>,l1g!,I!,~';l,S18.Y~.S$;.;:!$.L po: s.eu \ rem à América, os fiscais inquisitoriais os submetIam a uma busca rIgo-
tio Felipe II durante o domínio espanhol sôbre Portugal e colomas rosa, a fim de ver s·e levavam livros disseminadores de idéias perniciosas.
J?2!tll~ª~~,~./-.l~~~yi::~E_~...!~9.c~~~_.E.~ .. .!!!~~~~ ..~gEJ~~_~ .gual_AntôniQ.. As bibliotecas particulares, ainda bem raras, eram alvo de exames
Vieira nregou com risco de vida, em nome da hberdade.
,",'"'''''''>M~,=.",,,,,.';J;,",,.,.;".,",,,. C·'''''''''_''''_7~'~''O'''''''''"~=""~",,,,'.'_''',",':''';'.,"~,,: . ,,,.::,,... "'','~'',~_,,,_,.", . ~",-",.'?,.""".,.,.."",,,.,-,,,,,,,,,,,,,,-,,,-,.,,,,,,_,,,.".,.''''''~''''--''-'''~'--''--'''''''''-''-'-- ""'_""'~ '~'.",-~ ,.,,,.-"'-.'~~"-'"
. .
periódicos, para não se afastar·em das normas recomendadas pela
Apesar das perseguições feroz·es, das mais ignóbeis denúncias, Inquisição.
como as que condenavam pelo crime de judaísmo uma pessoa que
EI11---Eleno século XVIII, uma só das listas de livros proibidos,
"quarenta anos antes houvesse posto roupa nova num sábado", não
tardou a reação dos povos americanos. Com admirável audácia. diziam
com sancã'õ"do oclero, abrangia 5.420 autores, além das listas de obras
anônima;. Total espantoso, se considerarmos a proporção do movi-
osmamelucos(mestiço de índio e branço L:L~_ Sã~J::>'<ll:l:~º, citados numa
mentoeditorial da época. Entre as obras que levaram ao castigo
(;t!i~Q:.I~~1!~=Ig~rª~~:Ag~h1~i~'!Ã!j.~'1:f:o .. :'acal:>.ar~1nos com a. I llql;li-
seus possuidores, nas buscas da Inquisição no Brasil, figuram as "M·eta-
.§~fªºª. n~.cl111.s". morfoses" de Ovídio, velhos romances como a "Eufrosina", "Diana",
Repercutiu imensamente a reação dos brasileiros no seio clerical, o "Amadis de Gaula" e outros.
e Roma expede um emissário com ordens secretas, talvez para auscultar
Famílias inteiras, "sem exceção das crianças", eram presas sob
o r·eflexo dessa disposição rebelde, mas providencial, para a sorte da as mais ridículas acusações. Em 1713 registraram-se numerosas acusa-
A111érica ~atina,11apessoa do capelão . fidalgo. d'EI-Rei, HeitorFu~­ ções da Inquisição no Brasil, abrangendo 66 sentenciados, dos quais
!ªgºQ~.M~t1(lºl1çª(lue, o.a ...2sl~.jtlnl1o . (l~ 1521, chega à Bahia na. 39 eram mulheres,espedalmente no Rio de Janeiro e nos arredores
q~'.l!!~'.l~~~~ .._~~i~.s~ri()-cl(}§'.lllt():ºfícioe o.'Visitadgrgeral no . . B.!ª.si.!. da região de mineração do ouro. Essas acusações foram. ordenadas
O fidalgo português sonda de perto o horror ·e o asco que o povo
P~!o,i~.!.t..!~~EE~S..Ç.~~~S~2,J:;E.§~2 q~e, no dizer dos mai~ autorizados
sente por aquela organização infamante, sentimento que assumia, aos historiadores, teria cedido "à nostalgia dos torresmos (SIC) a que se
seus olhos de delegado da Igreja, o aspecto de her·esia e rebelião. avezara como qualificador do Santo Ofício em Évora, Portugal".
")

~?~~~~~.E~!.ª!~'Vª!E:~!:!~.. P()-~~.ª~,,'.lS.,~~~El!Ç?t;~,.sªP~!ª~,s, . .s9.111~.!!.~.ll.LP~la !i


!Qg~Ü~S!~LEL'L~111~é.Ei,fAl:!! ti!:?!!, ~~y§pr2Q~§§º§ ....tHª.i§.. . ~§Çª11.l:1 . ª!2§9.s.. . r~gls.; i
traram-se no México, contra o conquistador de Nova Leon, dom Luiz ':
~~!?,~~Ê::~1i~~:)J2'~~*~In~7!~~.'~;~~ai~r;r~f~.~~~~~~rtv~~
qucestavam fora do alcance do Invasor, o q~al conservava n,essa epoca
(1(t"C"ârvâTãI;'pôr"'têr levado consigo vários "cristãos novos" (judeus I os impulsos de origem, nascidos da Revoluçao Francesa. So en~.2:.~t2
conversos), e no Peru, onde a Inquisição de Lima realizou um "auto- \ suprimiu-se a Inquisição nas colônias esp.anholas, por l~ma resoluçao
-de-fé", em 1639, conhecido como "auto-da-fé dos português,es", por- ':;>_ das Côrtes de Cádiz. Restabelecida depOls pelo absolutIsta Fernando
que dos oitenta réus sacrificados quarenta e quatro eram comerciantes! VII "seu r·enascimento foi tão efêmero nas colónias quanto na Espanha.
lusitanos. Ésses portuguêses do Peru constituem magnífico exemplo l E a~ triunfar a Independência Americana já havia desaparecido aqui
do motivo real das perseguições inquisitoriais, pois maior do que ai o Santo Ofício".
acusação de heresia pesava contra êles a de pretenderem livrar Por- j
Quanto ao domínio português, a Inquisição só foi abolida em
!!:!gª1,._~,~~1.ª~.cºI.ªl1i,'.l~,~.~~2!.I!iE..llS~O esp~l1h.<?la. j
~L_Q~.o~ª!çºC:!~1ª21,J?()rdecret() .dasCôrtes . de Li~º()~,. WTI.....?n.o
Casos semelhantes registraram-s·e com judeus acusados de favo- antes da Independência do Brasil, sendo último inquiSIdor geral um

~~~::~{i~~g~I~R*::~IÊÍf~:~~![gI~1::1~~~~:!d:Ei~!f~::~~~1~~:~~1:-
recerem seus irmãos holandeses, com os quais tinham notórias liga-
ções, uma vez que eram famílias provenientes de antigos ramos exilados
de judeus espanhóis. mação da mentalidade que resultana na revoluçao natIvIsta de 1817,
Herejes ou não, as vítimas eram principalmente os inimigos da no Estado de Pernambuco.
Santa Inquisição que ousavam ·erguer as vozes contra a Igreja e o seu Estímulo à delação, às espionagem, à corrupção moral e politica,
poder nefasto. Até hoje surpreende e revolta a futilidade das alega- empobrecimento de famílias inteiras, criação de um ambiente de temor
ções por conta das quais muitos homens foram queimados vivos. e permanente suspeição, atraso da cultura, intimidada pela presença
120 PEDRO GRANJA AI'lNAL, QUEM SOMOS? 121

esmagadora do Tribunal do Santo Ofício, responsável em grande cumplice de Torquemada! E para a paz espil'itual dêsses fanático;
parte pela acentuação do domínio temporal e espiritual das metró- assassinos, ,envia o papa Gregório XIII, pela matança havida, a sua
poles, eis o balanço da obra da "Santa Inquisição", em vários séculos bênção ...
da história. São horríveis demais, para serem divinos, êsses atos. Ah! sim,
Ela sufocou durante muito tempo a cultura e os s·eus expoentes;) êsse programa pode ser romano, espanhol, o que quiserem; cristão
çJlmº-.Alfl.m,ªlg!g.ÇL_hLª~jl~rQ~Mªºl!d_º~_MQ!fl.!~,qgc:imª.clo I
.jUQtamC:Q··
t~~~_~~m_~t~~!:_~._ª__tpi!~_J.~~19.!Ei~l,l~i!I.lis})()~ta,.e . . o.. . jo"elU . . l:>rasilc:i~()
estuda,nte .de medicina. daUniyc:r~igad«:,º~_ Çgimbta" fgnciscQ ..cl.<':. l"'
'» nunca o será, porque é a mais audaciosa negação do espírito e da
doutrina de Jesus Cristo.
E não suponha o leitor que escapou dêsse programa a própria
~_!:!iQ~~=i~~~~Q_~~~~iQf~~~~~)~~~ic()~ti~rias àsclíl .. Igr~jíl_~_~Q()1 ciência!. .. Para citarmos exemplos convincentes dessa perseguição
\~.fulªºQ (42). i retornemos, novamente, à história.
Apesar do rápido resumo que fizemos da "evolução" do pensa· Apesar de tôdas as precauções que tomou para não itritar o
mento da Igreja, fácil é concluir-se que, nas épocas em que o cato· Santo Oficio o velho e ilustre Galileu foi obrigado a comparecer
licismo dominou soberanamente, abafou a liberdade e impediu o perante uma' comissão de oit() . cáiéTe~rs;~~pr~sicli~u: p~!~p.~l'~y.!E.~~.<?
progresso moral, social e econômico da humanidade. Y!II,_ºt1d~~.~ .. "i~l<:()l1strangicIg.a ..pr()t1ul1<:iªE,.. ª~j()c:ll1os, .af§rl11ula
seguit1t~: . '
'* * * "Eu Galileu Galilei, com setenta anos de idade, como prisio·
neiro da "Santa Inquisição" e ajoelhado diante de Vossas Eminências,
Como acabamos de ver, a história se repetiu. Nos primeiros tendo sob os olhos os Santos Evangelhos e tocando·os com as. minhas
tempos da nossa era, viveram homens que adotaram e pregaram uma próprias mãos,abjuro, maldigo e detes,to o êrro e a heresia do movi-
doutrina de amor e de perdão, de bondade e de fl'aternidade; homens mento' da terra".
sinceros e corajosos foram torturados e humilhados, queimados e Sabemos que lhe custou todos os sacrifícios inclusive o da liber-
lançados às feras, porque não podiam pensar como os que tinham o dade, quando revoltado, num assomo de coragem, gritou ao regressar
poder e a fôrça. ao calabouço: "E pur si muove".
Alguns séculos depois os mesmos fatôres aliavam-se à hipocrisia Outro exemplo interessante :1~!2,!li~..2.",~.2.:,_~~E~S~~1~cerdote ...
e à ignorância, e as fogueiras se reacendem, câmaras de torturas mais físico e grande sábio, teve o arrojo de afirmar em uma ~s
requintadas voltaram a funcionar, em defesa do seu programa teo; obras a pluralidade das vidas e dos mundos habitados. Fôra con-
crático. denado à fogueira pelo Concilío de Constança, que se iniciou no
Os apóstolos da teocracia, nesse programa, consideram o Papa ano 1414 e foi até~ pois havia três papas irregularmente eleitos,
um onipotente Príncipe.Pontífice, que delega aos vigários tôdas as daí 'adêt11õraa;-condenação: Gregório XII, Benedito XIII e João
suas ilimitadas prerrogativas, até a de empregar a violência e fôrça XXIII que se tratavam reciprocamente de heréticos e que se exco-
para exterminar os dissidentes, que são os inimigos de Deus. Um mungavam entre si. Entretanto, ~t10s ... depois~ .2,""E.~rde~L,,~i5.2l~~~
tal programa, com efeito, justifica aquêle feroz Legado, que bradava,l Cuza sustenta em 1 o Vatic nQ a luralidade das viClãs e dos
logo após, por ocasião do massacre de Bériers, gl!aQººgª.hªcl~.A~'.~ mu .,..}~~Q!º..~..
çi!~_ªl!;çpe;fgt,lQ!ªPQEq~l_e;~inªI h[l"iªtllge: tc:cQQl1~cer QS católicos: : atam ém é povoada de espectros, que as fogueio
':Mª!ilI:()~ . . !()cl()§: . . . -!?e;l,l§.... ~ª~~~Lgi~!i~g~li~ .. ()~ql,l~ . . .ll1.<:._~~.!~J:I~~f.11" . ras não intimidam. :g.()Jicifj2"m:ê~COl1h.• ~S~~~~,ª.~,d,!;"_-tPa~i~~_de _t~..J?J!.úQ
Êsse programa, no entanto, absolve os grandes criminosos que
fomentaram as guerras religiosas, ordenaram o massacre da noite de ~().f.11,.().~~!:E,~t1i()ê".E()E.~~!~~E=q~:c:,.::,2~:Yl,~,,"~,~,~() ,~~~".~2L~lEiEi!2.~~
9,g~!~Hl~;o;;~ê~g~;;g~.;~1?g~~g.. . .
~;to Bartºlome;1!L~t1,1_~1 cLe_ªgªs!ºcl~J?Z?, e animaram as dragonadas. ". 'J2.â.~<l.a'Ârcfôi. c9ncl~lJ.[lcl<tàL()gll~i!~",",~2.!()tl\,I~"()~~S mIste-
Êsse mesmo programa, para maior glória de seu Deus, proclama a riosas que a incitavam a libertar a França. Vamos transcrever, do
legitimidade da "Santa Inquisição", e faz de Jesus, o Bom Pastor, processo acusatório, os últimos momentos de sua vida:
__ ~'t1,~i()sle; .. H~I, ..cli~ . .il.... ~istºria, . o di<l.... l~}ilis
."D3§.1?.Q",ntª,",_Q._ili~,",2Q_"~~
(42) llstes dados foram colhidos nas seguintes obras: nA Luta pela Liberdade naS
Américas", de O. Guilherme; "História da Inquisição enl Portugal", de A. Herc?Ian?;
augusto e sombrio que já houve na terra, depois do drama do Gólgo-
HHistoire des Papes", de Chantre!; ~~História Unive,rsal da Igreja", de Alzog; "Hlstóna ta. Ei-Ia só, como Cristo no Calvário, mergulhada na angústia e no
Edesiástica", de Fleury; "Critica",: de Humberto de Campos; "Revelações dos Papas",
obra medi única. vácuo. Põem-lhe à cabeça a mira dos condenados pela inquisição,
122 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

A multidão insulta·a como apóstata} da mesma maneira que insultara No entanto, nunca houve tempo em que pululassem tantos feitio
a Jesus como blasfemo! As chamas lhe envolvem e lambem o corpo ceiros de tôda ,espéde e possessões demoníacas e exorcismos. "fi uma
virginal. "Meu Deus, Jesus, Maria, minhas vozes! Sim, minhas época em que os pequenos pastores protestantes, numa epidemia de
vozes eram de Deus!" Foram suas últimas palavras ... " iluminismo extático, profetizam nas Cevenas; em que os convulsio·
Ao volvermos ao passado vemos ressurgir no período da Renas· nários jansenistas invocam os prodígios feitos sôbre o túmulo do
cença, com a alvorada da liberdade, a filosofia ,espiritualista, que esta- diácono Paris; em que, por outro lado, Jacques Aymar, Olivet, Mar·
belece a longa cadeia que vai do Oriente místico até o Egito, a Grécia tin, Bourignon e outros, fazem milagres por meio da célebr,e varinha
e Roma. Renasce, porém, com Q:!2.!5!~!t2.J~J~,!!g e J?E21?JiÇ2h,m,~l, am- mágica, enquanto o padre Guibourt celebra a missa negra".
bos excomungados por bula papal, a antiga idéia socrática e platônica, Em suma, é o século dos teósofos, dos visionários, dos ilumi·
que consubstanciou as remotas e secretas ciências, reafirmando nova· nados, dos místicos, etc., que pretendiam estar em comunhão com
mente a crença de que a origem da imortalidade da alma, em todos os santos, que tinham visões, que gozavam do vôo do espírito e do
tempos, constituira·se pelas revelações dos espíritos. êxtase, que operavam curas maravilhosas, etc.
No século XIX a história continuou no seu curso: dentro da
As obras deYªl1J-iellTIont, Ǫrclal1, I>ll"f'otet, ParacelsQe outros:! Igreja romana as teorias absolutistas foram ganhando terreno e tive-
vieram, posteriormente, esclarecer à luz da razão as manifestações dost ram a mais completa consagração em fins dêsse século, com a proda· .
desencarnados.
mação dait1falibili~a<:lede seu chefe (44).
Não escapa, todavia, da sanha inquisitorial, uma das figuras mais
brilhantes do Renascimento, Q ••,RIQJ.{xiQ".Çij2:!clá!J1SL,J2XJJUQ, Pelo fato i* * 1*
de acreditar na comunicação dos espíritos, sofre idêntico castigo de
Joana d'Arc: é queimado vivo (43). Como acabamos de confrontar, a religião católica, por intermé·
dia de seus representantes, abafara a voz de Jesus no vácuo do.s
mar, ~o~'w~t~rto~f~~E~l{~:~~~~li~:~~~~I~:~c~l~~~c~~g(r~/~fct~;~l~ t:Sorvi~~i;~ dogmas, e a luminosa amplitude da sua doutrina reduziu·se aos hon-
zontes mesquinhos do mais abominável fanatismo e da mais ignara
que tinha de vários espíritos que se comunicavam diretamente
intolerância. Ai daquele que procurasse emancipar o pensamento
com êle.
humano, tirando·o da caverna escura onde o haviam lançado, porque
Refere a história, sôbre êsse suplício, o seguinte episódio: havia de experimentar a rija têmpera do ódio fradesco que vibrava
"Estando sôbre a fogueira cujas labaredas começavam a lamber·lhe punhaladas no silêncio.
os pés, viu aproximar-se uma velhinha, devota daqueles tempos, verga· A fé cega imposta pelos padres produziu erros e crimes inume-
da ao pêso de um feixe de galhos secos. Queria ela, a pobre alma, ráveis, contra os quais se revoltou o espírito humano, liberto de seus
ganhar um mérito, contribuindo para o suplício do herético. O már. prejuízos. Ninguém encara sem horror as carnificinas dos Vaudois,
tir,enviando-Ihe um olhar de compaixão, exclamou : "Oh ! santa dos Albigeois e dos Camisards. Os damor,es das vítimas do Saint·
simplicidade". -BarthélelllY, dos Savonarolas e dos Jean Huss, repercutem doloro-
samente nos corações, e os suplícios da "Santa Inquisição", seus mons-
E a história, ao tempo de César, vai ainda mais longe, apon-
truosos autos de fé deixaram manchas sanguinolentas na história do
tando 41~.)(~J:'l<:lr~Y!,pa;p~Lcgnlo co.participa.nte do Ieit(). de sua. filha; catolicismo.
~l.lcrécia. Enquanto César precipitava a França numa guerra desas·
Os fanáticos que condenaram Galileu nada sabiam das maravi·
trosa, influenciado pelo clero, o Concílio do Vaticano alterava comple.
lhas do Universo; a fé acanhada e intolerante não podia gerar senão
tamente a constituição da Igreja e ratificava, entre outros tantos a ignorância e a credulidade. Os religiosos da idade medieval fa·
dogmas, os artigos do "Syllabus". ziam uma idéia mesquinha do nosso mundo, de que não conheciam
Nos séculos XVI, XVII e princípios de XVIII, a conciliação senão uma ínfima parte.
conseguida pelas Igrejas não trouxe a paz visada, e um rompimento
mais profundo Se deu - .a.,..
li~L~E~' (44) llstes dados foram extraidüs\ das seguintes obras: Fleury - "Risr. Eclesiastíque";
Poussin - Le Spiritisme devant l'Eglise"; Padre V. Marchal - "O Espirita Consolador";
A. Lobo Vilela - "O Problema da Sobrevivência"; Léon Denis - "Cristianismo e Espi.
H
ritismo e "Depois da Morte"; Albert Coste - llFenômenos Psíquicos Ocultos H
e a obra
;

(43) Giordano Bruno - "Candelaio". mediúnica "Reyelações dos Papas".


124
AFINAL, QUEM SOMOS? 125
PEDRO GRANJA

Ninguém se iluda, o terrível dogma é um dogma liquidado, um


Consideravam-no como base do Universo; só viam no céu li
dogma vergonhoso que nos faz corar e que, longe de fortalecer a
morada de Deus, e nas estrêlas pontos luminosos. Tinham assim
fé, multiplica o número dos incrédulos.
estabelecido uma hierarquia grosseira, colocando o inferno no centro
da terra e o paraíso acima do sol, de sorte que éramos o eixo de Os fundamentos da lição de Cristo foram postos de lado. Seus
tôda a criação, nada mais existindo fora do nosso pequeno mundo. princípios foram deturpados a ponto de se tornarem irreconhecíveis;
Não foram as inúmeras contradicões firmadas em concílios, as sua filosofia foi infamemente adaptada às conveniências da Igreja e
secretas e cúpidas ambições que presidiam as reuniões dos bispados, do Estado. Sua religião do amor foi retorcida, desnaturada, pros-
as interferências do clero na vida familiar, as excomunhões gratuitas
TABELA N.- 2
e as pers·eguições sem conta do catolicismo antigo que excavaram o
enorme abismo que o distancia da Razão e da Verdade. Iluminação dos arcos do trono, cada um . 70,00

Isso tudo é ainda bem pouco ao lado da influência permclOsa ~~:~: J~s g::r~~~u~j~~, c~~:i.r~m··:::::::::::::::::::·.::::::::::::::::::::: 130,00
20,00
Idem, dos candelabros (jarrões), cada um . 40,00
que derramou sôbre as almas. Não só torturou os corpos, mas tam- Idem, dos lustres do corpo da Igreja, cada um . 70,00
Idem, dos uPlafonsts" da Capela do Noviciado, cada um . 30,00
bém obscureceu as consciências pela superstição, turvou inteligências Idem, dos tocheiros colocados no presbitério da nave central do templo, por
pela idéia terrível e sombria de um Deus antropomórfico e sobre- cada lllll . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . 5,00
tudo vingativo. Ensinou a abafar as dúvidas, a aniquilar a razão, TABELA N .• 3 - DAS BANQUETAS
a obscurecer a verdade e a mais belas faculdades, a fugir, como ~;nqueta do Vtar mor :.................................................... 30,00
animais ferozes, de todos os que livre e sinceramente procuravam Idem, da Cape a do NOVICIado 20,00
em, dos altares laterais 10,00
o saber, e a estimar somente aquêles que suportavam o mesmo jugo.
As cruzadas do Oriente e do Ocidente, os autos de fé, a "Santa TABELA N .• 4 - SERVIÇOS DE CORO
Inquisição", são males menores do que êsse antropomorfismo secular, Aluguel do órgão para missa rezada 40,00
A~ug.uel do harmô','io da 'Capela do Noviciado : .. ::: 15,00
do que essa tirania do dogma ·e do que êsseespírito de seita, carolice Pctrreltos do organIsta, quando no grande órgão 20,00
e intolerância, em cujo meio se velou a inteligência e se falseou o em, idem, na Capela do Noviciado 10,00
Id.em., idem,' quan~o em missa e Libera~me em grande órgão ::::: 40,00
discernimento de centenas de milhões de homens, durante os omino- Dlteltos do organIsta quando em ,acompanhamento de instrumentais ou vozes
em· missa. rezada ~ 30,00
sos tempos da Idade-média.
Depois, ao lado do ensino errôneo, os abusos sem número, as TABELA N .• 5
preces e as cerimônias tarifadas (45), a tabela dos pecados, a con- Aluguel da passadeira até a porta principal . 150,00
fissão, as relíquias, o purgatório, o resgate das almas, enfim, os Idem" da tribuna, com sanefas e cobertores, tanto para atas festivos como
funebres ," , .. , " . 70,00
dogmas da infalibilidade papal e da imaculada conceição, o poder Idem, do côro, com cobertores, nos atas festivos ou fúnebres ::::: 70,00
Idem, de apanhados para as portas principais nos atos fúnebres ou festivos
temporal, tudo isto mostra a distância que separa as concepções cató- cada uma.......................................................... ' 80,00
licas dos ensinos do Evangelho. Idem, de, sanefas e apanhados para as portas· laterais internas, em atas fe~ti~~~
ou fllnebres, cada UIna . 70,00
Idem, de candelabros ornados de crepe cada um 7 :::: 10,00
Idem, do espaldar fúnebre com banqueta e frontal, inclusive ornamentação
(45) Com o título "ESTA DIFfCIL SAIR DO PURGATóRIO". o vespertino "Dire- de ciprestes . 200,00
trizes n , de '16 de maio de 1946, publica Ulll artigo interessante atinente ao título, e diz: i~em, de genufIexo para qualquer ato, cada um ::::: 15,00
uAbaixo transcrevemos alguns trechos da tabela «espiritual" da Venerável Ordem 3.11- em, ornamentos, cada um· . 25,00
dos Mínimos de S. Francisco de Paula:
TABELA N .• 6 - DOS CATAFALCOS
A TABELA
De prim~ira, c?m urna sustentada por cipos com 6 tocheiros e 48 castiçais .... '1.000,00
VENERÁVEL ORDEM 3.- DOS MINIMOS DE S. FRANCISCO DE PAULA De 2.fJ., Idem, I.dem, com un;ta urna sem cipos, com 6 tocheiros e 30· castiçais .. 750,00
De 3.' classe, Id~m com dOIS estrados e urna, 6 tocheiros e 20 castiçais . 400,00
Tabela dos emolumentos - Da iluminação pcliYa atos sole1Jes De 4.' classe, Idem com um estrado, sem urna e só 20 castiçais . 250,00
Iluminação elétrica total de igreja para missa solene ou casamento . 1.200,00
Idem, idem, para missa rezada, inclusive trono . 750,00 TABELA N .• 7 - SERVIÇOS DE SINOS
Meia iluminação, inclusive trono, para miss·a solene . 750,00
Idem, para nlissa rezada
Um terço d~iluminação, compreendendo: trono, arcos dos mesmos carangueijos,
e
. 500,00
~f~:i~~l d~~.. ~i~.o.s.. :~~~ .. ~i~~~ .. ~~l.e.~e. . : :::::::::::::::..:::::::::::::::: . . . . ~~',~~
Ide~aride:l,ss~a~~le~iS;~' ~~~~eÍ~,"::::::::::
500,00
::::::::: :::::::::::::::::::::::: : 320,00 Tabela aprovada em sessão da meSa administrativa realizada em 16 de janeiro de 1945.
OSCAR COSTA, corretor.
Iluminação do trono armado em festa . 250,00
Idem} idem, comum . 130,00 NOTA - Os emolumentos serão pagos adiantadamente ao Secretário-mar".
126 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 127

dtuída pela hipocrisia que corrói a inteligência. De tal ordem se o que aconteceu, simplesmente, é que a maioria dos servidores
transformou em máquina que já nem serve de alavanca para a Igreja da Igreja ,espanhola não se conformou com o nôvoestado de coisas
ou Estado. e vendo perigar seus privilégios e comodidades, vendo que não podia
Como se atreve o clero proclamar que obra em nome do Cristo, continuar a manter o povo imerso na superstição e no obscurantismo,
depois da repugnante covardia e abandono dos principios cristãos vendo que as massas populares defendiam com elevação moral e ener-
durante a sangueira das guerras de 1914 e 1939? Manifestou-se a gia o uso de suas liberdades, procurou por todos os meios desacreditar
Igreja, logo de início, contrária ao movimento de 1939? Não apro- os espanhóis aos olhos do mundo para voltar a manietá-los" (47).
vou, camufladamente, as primeiras vitórias do "Eixo", para depois
Fernández y González ainda documenta, "numa interminável re-
baldear suas bênções às Democracias, quando estas começavam a
lação de nomes que haviam combatido com a pena a defesa do livre
triunfar (46)?
uso de suas liberdades", os fuzilamentos de dezenas de deputados,
Na Espanha, durante o período de suas lutas políticas entr,e o governadores, advogados, médicos, professôres, escritores, jornalistas,
regime fascista ,e o republicano, tanto os servidores da Igreja como poetas, etc., em meio de uma sanha louca e insaciável, dentre os quais
os católicos quiseram demonstrar ao mundo que existia forte incom- destacamos os seguintes: Manuel C. Aparício, Garcia Lorca, Caverna,
patibilidade entre seus sentimentos religiosos e o regime republicano; Isidro Scandell, Navarro Ballesteros, Andrés Mauso, Cruz Salido, 2u-
mas nada mais falso que isso. zagagaita, Xavier Eueno, Sunol y Ventura.
Segundo o testemunho de Eduardo Fernández y González, "nin- O culto jornalista brasileiro, Dr. Paulo Duarte, que estêve duran-
guém na Espanha atacava a religião católica, ninguém procedia contra te algum tempo na Espanha de Franco, em artigo intitulado "Carta
a liberdade de consciência ou o desempenho do sagrado ministério, a Tio Sam" e publicado em "Free WorId" de Nova Ion:p.le, documenta
e ninguém se opunha a que os católicos praticassem suas devoções. uma horripilante cena de intolerância da Igreja espanhola, classifi-
Suprimiu-se, é verdade, a "Companhia de Jesus", mas respeita- cando-a "como a mais fanática e a mais cruel do mundo".
ram-se todos os seus membros e foram respeitadas também tôdas as "Para uma idéia, basta êste episódio absolutamente v,erídico. Um
demais ordens religiosas, com a condição de que não se ocupassem padre, levando uma grande cruz de bronze, acompanhava, para dar-lhes
da educação e da indústria. Não obstante, os religiosos estavam auto- absolvição, um grupo de homens que iam ser fuzilados. Um dos
rizados a manter estabelecimentos de ensino para os noviços de suas infeli2':es, embora de mãos amarradas, aproveitando o momento que
ordens, assim como a doutrinar individualmente tanto em colégios lhe pareceu propício, tentou fugir correndo em direção ao bosque
privados como nas residências dos alun?s. Ninguém.' repetim~:, pe.r- vizinho. Teve, entretanto, passar ao alcance do sacerdote que, antes
seguiu a Igreja na Espanha nem contrad1sse sua autondade ou (l1ScutlU de qualquer ação dos guardas, abateu o fugitivo com o grande
seus dogmas. Apenas se separou a .Igreja. do Estado, col?~a~do-a crucifixo".
na situação em que se encontra em mUltos palses do mundo clv1hzado.
Entre aquêles falsos servidores de Deus que assim procediam e
o povo que, sem renegar sua fé queria viver livre de fanatismo e
(46) o Tenente-coronel Salvador Benevides, num artigo intitulado "SóB~ A .QUES.
TÃO DO DIVóRCIO" e divulgado pela imprensa carioca, entre outras COlsas, dIZ:. opressões, perguntamos nós - com quem estaria Cristo?
((Para comprovar essa af~;rnação, ná,? .s:r~, precisÜ' desenterrar fatos Slue tal~,ez estejam
esquecidos e que datam da Santa Inqul~!ça.o ~ :ntesL nles~o da fund:~ao d? Estado do Ah! meus amigos, todos nós temos um coração e foi Deus quem
V,aticano"; basta recordar que desde a lnstlt'lllçao do fascIsmo. na I~aIIa, ar:: a sua d~r­
A
no-lo deu. Ora, por tôdas as suas fibras, o nosso coração protesta
rocada '. com a morte de Mussolini, o papado nada fez para ImpedIr os crImes por ele
praticados, como nada está fazendo para impedir os crimes que ainda .estão sendo contra tais asserções blasfematórias. No mundo, nenhum homem, por
praticados pelo fascismo na Espanha e em Portugal e que ameaçam contamInar o resto
do mundo. . b mais cruel que o suponhamos, ousaria conf.essar os desígnios, os senti-
Estamos ainda lembrados de que o ataque covarde à indefesa repúbltca aI aneza, mentos que semelhante doutrina empresta ao Criador. Nenhum há
levado a efeito pelas hordas fascistas de Mussolini que haviam sido abençoadas pouco
tempo antes, foi desfechado, e talvez. para cscárne? da cris~a::d~de, durante a Semana que não posso dizer aos que o desfiguram dêsse modo: "Se o vosso
Santa de 1939, jusramente a 7 de abrtl - Sexta-feIra da Palxao . , .
Deus é como diz,eis, não merece que eu o adore, porquanto, na minha
~~:
Um ano depois o "Correio da Manhã", de 13 de junho de 1940, publIca o segumte
"Cidade do Vaticano '12 (D. P.) - Sabe·se que o p"p' Pio XII recebeu uma
delegação de bispos itali;nos os quais solicitaram ao soberano l}ontífice permiss~o t:-:.a~a
l miséria, melhor do que lHe me sinto" (48).
enviar uma mensagem es.pecial ao Sr. rvrnssolini, manifestando a sua lealdade a I.ta~a !
no arual conflito. Ao que se informa, o Santo Padre concedeu prontamente a permIssao » (47) Eduardo Fernández - IlTrí.lgédia da Espanha".
solicitada". # (48) Padre V.
128 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

Não é, pois, na Igreja, nem nas instituições do pretenso direito tiva, e se, além disso, não a coroar uma sanção que satisfaça a
divino, que outra coisa não é mais que o reinado da fôrça, onde os nossos instintos de justiça (49).
se deve procurar a herança de Cristo. Na verdade, elas não passam
Em suma: ou as velhas religiões e os sistemas filosóficos e cien-
de instituições pagãs ou bárbaras. O pensamento de Jesus agora só
tíficos, em que se apoiam os homens, evolvem à medida que o pro-
vive na alma do povo. É por seus esforços para elevar-se, é por
gresso desvenda novas e promissoras sendas, ou sucumbem mais
suas aspirações para um estado social mais conforme à Justiça e à
ràpidamente do que é esperado. Não poderão, sem dúvida, por mais
Solidariedade, que se revela essa grande corrente humanitária, cuja
longos séculos, continuar por conta própria, ou ajudando governos,
nascente está no alto do Calvário, e cujas ondas nos impelem para
a esmagar os povos na ignorância e na miséria.
um fututro que jamais conhecerá as vergonhas do pauperismo, da
ignorância ou da guerra. As novas idéias, resultantes do progresso e da evolução, têm',
encontrado em todos os tempos a oposição obstinada dos rotineiros,!
Como muito bem definiu o nosso confrade e prezado mestre
homens que teimam por manter o tradicionalismo prêso aos seus i
~~~~o, Mach~dol a grande corrente humanitária está na "dvi-
interêsses materiais e comodidades terrenas, verdadeiros fanáticos que,"
Uzação que o Espiritismo pretende implantar à face da terra. E, para
cegos de entendimento e de espírito, não negariam o seu concurso
implantá-la, mais hoje, mais amanhã, dispõe de recursos que nenhu-
ativo se pudessem levar à fogueira os divulgadores da doutrina fra-
ma doutrina já possuiu. Recursos de ordem moral, experimental e
ternal e, também, se possível, os portadores das Boas-Novas que o
divina, porque age sem unilateridade de aspectos. Alto constantemente nos envia.
Age como Ciência, o que, realmente, é. E Ciência da Imorta-
(
lidade! ,*' '* *
",' Impõe-se como Filosofia, e Filosofia do Espírito, a única de
"'~ molde a explicar os altos e baixos da vida, as desigualdades sociais. Fomos educados no catolicismo romano, cujas belezas, embora
vagamente, ainda podemos recordar. Mas a atitude da Igreja cató-
I É Religião por excelência, pois, sem admitir penas eternas e lica para com os espiritualistas tem sido dogmàticamente hostil. Não
J infernos apavorantes, não perde o sentido etimológico do tênno, que chegou à insensatez de negar a comunicação com os espíritos, mas
I
;""
é religar sempre a criatura a seu Criador". desaprova.a, alegando que só os espíritos malignos descem à terra,
Fatigada, pois, dos embaraços em que a tinham envolvido, a alma e que a sua prática é algo mórbida.
humana atirou-se para a luz, despedaçou êsses frouxos laços para Outra grande insensatez está em a Igreja católica repelir êste
unir·se aos Grandes Espíritos, que não pertencem a uma seita nem nôvo salto no conhecimento. Em futuro próximo terá de mudar de
a uma raça determinada, mas cujo pensamento alumia e inspira a atitude e decidir sôbre novas formas a dar à sua estrutura doutrinal.
humanidade inteira. Livre de qualquer tutela sacerdotal, a grande Nossos padres, bispos e arcebispos terão que pregar a reencarnação
corrente humana quer, para o futuro, pensar, proceder e viver por da alma e a comunicabilidade com os mortos. Seus dirigentes não
si própria. gostarão disto porque têm feito da condução do rebanho um meio
de vida - mas o rebanho despertará.
Religião nenhuma, daqui por diante, poderá adquirir a extra-
ordinária fôrça de resistência com que sempr,e se opôs à evolução Durante séculos a Igreja fomentou a cultura artística. Sua parte
da humanidade, seja direta ou indiretamente, como aliada e susten- sensitiva constitui um maravilhoso atrativo. Bach, Beethoven, Mo-
táculo do poder de classes rapinantes e abastardadas, opr,essoras e zart, Weber, Gounod, Schubert e muitos outros grandes compositores
espoliadoras, que para melhor e impunemente explorarem os povos deram-lhe a divina inspiração de sua música. O mesmo fizeram os
os convenciam da origem divina do poder. grandes pintores, escultor'es e arquitetos. Há muita arte acumulada
nas Igrejas e seria vandalismo destruir essa grande criação só porque
Na v,erdade, o progresso humano não mais poderá ser detido
entramos na posse de um nôvo conhecimento - o qual, em parte, é
por fôrça alguma, pois que hoje já não lhe basta crer; quer saber.
confirmatório da idéia de sobrevivência de tôdas as religiões (50).
Portanto, nenhuma concepção religiosa, filosófica, parapsíquica ou
científica tem probabilidades de triunfar, se não tiver por base uma
(49) Léon Denis - "O Problema do Sêr, do Destino e da Dor".~'
demonstração que seja, ao mesmo tempo, lógica, matemática e posi- (50) H. Dennis Bradley - "Rumo às Estrêlas".
130 PEDRO GRANJA CAPÍTULO X

Só quisemos falar do catolicismo argumentado com a própria


história de seus atos passados e pr·esentes,e, assim mesmo, com muita
moderação. Essa religião, não o esqueçamos, foi a de nossos pais; A
embalou inumeráveis gerações. Fêz obra útil. Teve épocas de gran- DOUTRINA
deza. Opôs diques à barbaria, cobriu o mundo com instituições de
beneficiência a abriga, ainda, em seu seio, milhares de necessitados. ESPíRITA
A moderação, porém, não exclui o exame frio e objetivo. Ora,
de uma análise séria resulta isto: a Igreja infalível enganou-se, tanto
na sua concepção física do Universo, como na sua idéia moral da
vida humana. A terra não é o corpo central mais importante do
Universo, nem a vida presente é o único teatro das nossas lutas e do ANTES do drama do Gólgota, Jesus havia anunciado aos
nosso progresso. O trabalho e o sofrimento não são castigos, mas homens outro Consolador: ... "e eu pedirei ao Pai e Êle vos envia-
sim sistemas regeneradores pelos quais se fortifica e eleva a humanidade. rá um outro Consolador, que fique eternamente convosco, o Espírito
Assim tem acontecido desde a fundação do mundo e assim acon- da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê e não
tecerá porque a obra de Deus não estaciona, marcha sempre. Por isso o conhece" (1). O Espírito da Verdade veio e falou à terra; por
assegurou Jesus: "O nosso Pai não cessa de agir". seu intermédio em tôda a parte fêz-se ouvir a sua voz.
Mas, a Igreja, como que petrificada em s·eus dogmas, se imobi- Cêrca de dezoito séculos depois da morte de Cristo, havendo-se
liza, enquanto em tôrno de si tudo caminha e avança; dia a dia a derramado pelo mundo a liberdade de palavra e de pensamento, tendo
ciência avulta e a razão humana se enriquece. a ciência sondado os céus, desenvolvendo-se a inteligência humana,
a époCa! foi considerada propícia.
Entretanto, o Catolicismo, pela sua falsa idéia da vida, foi condu- O homem, porém, que emergia, pelo esfôrço de seu espírito,
zido ao ódio do progresso e da civilização, e êste sentimento está, da vida sensível e instintiva, perscrutando o Universo, dominando as
sem nenhuma reserva, expresso no último artigo do "Syllabus". fôrças naturais, não se sentia satisfeito com isso. Pois que o obje-
"Anátema sôbre êsses que pretendem que o pontífice romano tivo da sua existência, êle bem o percebia, não era viver para os
deve reconciliar-se com o progresso, o liberalismo e a civilização prazeres sensuais, para o seu orgulho, para as suas riquezas; não o
moderna" (51). era igualmente o passar e extinguir-se como uma sombra, segundo
os caprichos da natureza.
. . .E encerramos êste capítulo ... Seu sonho, seu pensamento, era ir mais longe, de acôrdo com
a essência do seu espírito, da sua alma, ou do seu próprio incons-
ciente. Éle aspirava à plenitude da Verdade, da Justiça, do Belo e
do Bem. Queria ir ao encontro do Sêr de que emanam todos os
sêres. Aquêle que Ê - a Deus. E ao seu encontro, no próprio
Filho feito homem, descobre o Caminho que o reconduz ao Criador
- o Caminho, a Verdade e a Vida.
Quando o século XVIII findava com as últimas agitações provo-
cadas no mundo pela Revolução Francesa, destinava-se a humanidade
a presenciar acontecimentos extraordinários que lhe abalariam as con-
cepções estruturais.
Uma verdadeira renascença das filosofias e das ciências se veri-
ficaria no decurso dêstes anos, a fim de que o nôvo século formasse
o elo cntre a civilização agonizante e a civilização a ressurgir. O
mundo conheceria uma nova Revelação. Seria diviulgada uma nova

(51) Léon Denis - "Depois da Morte". (1) João, XIX, vs. 16 e 17.
132 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS?

Doutrina, que simultâneamente iluminaria como Ciência, esclareceria


espíritos demonstrar aos homens de boa vontade, de tôdas as opiniões,
como Filosofia, e confortaria como Religião, como muito bem já o
de tôdas as crenças, de tôdas as atividades, bem como a todos os
dissera um dos nossos confrades e acatado mestre (2).
pensadores verdadeiramente livres e de largo descortino, que há um
Legiões de espíritos vieram, então, ensinar a seus irmãos da terreno neutro, o do espiritualismo experimental, onde podemos nos
terra a lei do progresso infinito e realizar a promessa de Jesus, restau- encontrar, dando-nos mutuamente as mãos. Não mais dogmas! Não
rando-lhe a doutrina, esclarecendo-lhe as parábolas. mais mistérios! Abramos o humano entendimento a todos os sopros
E para que a verdade se espalhe por todos os povos, e para que do espírito, bebamos em tôdas as fontes do passado e do presente'~i
ninguém a possa desnaturar e destruir, já, não é mais um Homem, não digamos que em tôdas as doutrinas há parcelas da verdade; porquel
é mais um grupo de Apóstolos que se encarrega de torná-la conhe- nenhuma a ene·erra completamente, pois que a verdade, em sua pleni-
cida da humanidade. As vozes dos espíritos a proclamam sôbre todos tude, é mais vasta do que o espírito humano.
os recantos do mundo civilizado e, graças a êsse caráter universal, É somente no acôrdo das boas vontades, dos corações sinceros,
permanente, a Revelação do Consolador desafia tôdas as hostilidades, dos espíritos livres e desinteressados que s·e realizarão a harmonia
tôdas as calúnias e tôdas as inquisições (3). do pensamento e a conquista da maior soma de verdade assimilável
"Onde duas ou três pessoas estiverem reunidas em meu nome, para o homem da terra, no atual período histórico.
Eu aí estarei com elas", dissera o Mestre. Portanto, é humanamente Dia virá em que todos hão de compreender que não há antítese
impossível impedir-se que a voz do Consolador desça aos lares de entre a ciência e a verdadeira religi~o. Há, apenas, mal entendidos.
quem procura se comunicar com o Espírito da Verdade. A antítese dá-se entr·e a ciência e a ortodoxia, o que nos é provado
Codificada mais tarde a Revelação, que dimanava dos ensinos dos pelas descobertas científicas, que nos aproximam sensivelmente das
espíritos, tomou o nome de Espiritismo, cuja fôrça principal reside doutrinas sagradas do QE~,{;l1t~e dac::;.ália, no que diz respeito à, ':l 11i:
na sua universalidade, causa preponderante da rápida propagação, corl'1o 9<tc1edQ,11111tlclQe à eyoluçã() da 'V'i~a. Por isso podemos afhmar
bem afirmou o seu Codificador, Professor Léon Hippolyte Dénisard que, prosseguindo a sua marcha paralela na larga estrada dos séculos,
Rivail (4), mais conhecido por Allan Kardec. a ciência e a crença virão forçosamente a encontrar-se um dia, pois
idêntico é o alvo, e ambas acabarão por se interpenetrar.
A ciência será então a análise, pôsto que a religião virá a ser
Em nossos tempos de dissensões políticas e religiosas, em que a síntese. Nelas unificar-se-ão o mundo dos fatos e o mundo das
a ciência e a ortodoxia estão em choque, quiseram os ensinos dos causas, os dois têrmos da inteligência humana vincular-se-ão, rasgar-
-se-á o véu do Invisível; a obra divina aparecerá a todos os olhares
em seu majestoso esplendor (5).
(2) J. B. Chagas - "O Ressurgimento da Cultura", artigo publicado na Revista
Internacional do Espiritismo. As alusões que acabamos de fazer às doutrinas secretas poderiam
(3 ) Léon Denis - "Depois da Morte".
(4) Dénisard Rivail fêz os seus estudos em Lion e em seguida completou sua sugerir esta objeção: "Não são, pois, dir-nos-ão, inteiramente novos
bagagem acadêmica em Iverdun, Suíça, com o célebre professor Pestalozzi, de quem
cedo se tornou um dos mais eminentes discípulos e colaborador inteligente e dedicado,.
aplicando~se à propaganda dêsse sistema de educação, que exerceu tão grande influência
Enl 1849 Dénisard Rivail foi nomeado professor do "Liceu Polimático", no qual
sôbre a reforma dos estudos na França e na Alemanha. regendo as cadeiras de fisiologia, química, física e astronomia, conquistou O título. de
um dos maiores sábios de sua época.
Muitíssimas vêzcs, quando Pestalozzi era convidado pelos governos, de -tôdas as
partes, a fundar institutos senldhantes ao de Ivcrdun, confiava 20 professor Dénisard Depois de 1855, foi que, impressionado pelo fenômeno das mesas girantes, codificando
Rivailo cuidado .de o substituir na direção da sua escola. O discípulo tornado mestre a doutrina espírita, publicou as seguintes obras:
possuía, além de tudo, com os mais legitimos direitos, a capacidade requerida para - !tO Livro dos Espíritos";
dar boa conta da tarefa confiada. Era bacharel em letras, em ciências, e defendeu, bri- - HO Livro dos Médiuns";
lhantemente, a tese de doutor em direito. Lingüista distinto, conhecia a fundo e falava - "O Evangelho"';
corretamente o alemão, o inglês, o italiano! e o espanhol, conhecendo também o holand.ês!> - no Céu e o Inferno";
pois que fàcilmente podia se exprimir nessa língua. - "A Gênese";
Dentre as numerosas obras de caráter educacional que legou à posteridade, contampse: - tiA Prece";
as seguintes, por ardeul cronológica: - "O que é o Espiritismo";
- "O Principiante Espírita";
- HPlano apresentado para o melhoramento da instrução pública", 1828;
- HCurso prático e teórico de aritmética", 1829; - "Obras Póstumas".
- "Gramática Clássica Franç~êsa", 1831; Nascido aos 3 de outubro de 1804, em Lion, França, Léon Hyppolite Dénisard Rivail
- "Manual dos exames pára a obtenção dos diplomas de capacidade", 1846; era filho do magistrado e juiz Jean Baptiste Antoine Rivail e d. Jeanne Dubamel, resi.
- tlCompêndio gramatical da língua Francêsa", 1848; dentes nessa cidade, à rua Sala n. Q 76.
- "Ditados normais dos exames na Municipalidade e na Sorbone"~ Faleceu aos 65 anos de idade, em 31 de março de 1869.
- "Ditados especiais sôbre as dificuldades ortográficas".
(5) Léon Denis - "O Problema do Sêr, do Destino e da Dor".
134 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

Os -ensinos da clencia espírita"? Não, sem dúvida. Em todos os


Deus, no seu infinito amor, na Sua suprema justiça, era
tempos da humanidade têm rebentado relâmpagos, o pensamento em
com o orgulho, o egoísmo e as ambições de que estavam
marcha tem sido iluminado por lampejos, e as verdades necessárias
têm aparecido aos sábios e aos inv-estigadores. das as religiões; e os interêsses e as vaidades de mando S(YUS

Os homens de gênio, do mesmo modo que os sensitivos e os d.irigentes er.am demasia?amentepequenos para os seus olhos
videntes, sempre têm recebido do Além revelaçõ-es apropriadas às CIOSOS. Mutdar a essênCIa divina, falsificar oS atributos ao sabor
necessidades da evolução humana (6). suas demarcadas ambições e dos seus insaciáveis proventos, foi a SUll
O Espiritismo, repetimos, não é ciência nova. Se a sua dou- suprema . ~spiração; -e devemos confessar que por vêzes o
trina se confunde com as práticas misteriosas dos templos antigos, ~om habl~ldade. Com ~ mordaça do dogma e com o dragão chmnc.
sua moral, evoluindo através dos séculos, não dogmatiza; não é, Jante do Inferno, escraVIzaram a Humanidade e dominaram o mundo,
portanto, uma seita nem uma ortodoxia; é uma filosofia viva, pro- Tôdas as religiões sentem no íntimo da consciência quanto téu)
funda, patente a todos os espíritos livres e que progride por evo- falseado. a essência d.e Deus ao imRiedoso capricho das suas vantagens
lução. Não faz imposições de ordem alguma; propõe, e o que pro- temp~rals para domInar a Humamdade, conduzindo-a pela aresta do
põe se apóia em fatos de experiência científica e provas morais; não fanatIsmo ou do terror à suprema aspiração: a subjugação absoluta
exclui as outras crenças, mas eleva-s-e acima delas e abraça-as numa - dos corpos e das almas.
fórmula mais extensa, numa expressão mais sublime e elevada da
verdade. Quase tôdas as histórias religiosas se espraiam sob o fluxo e
E mais outra vez tornamos a repetir: a origem do Espiritismo refluxo dos seus interêsses. As suas lutas tomam, por vêzes, aspectos
perde-se na noite dos tempos, pois a história no-lo mostra no berço dantescos, em infernais massacres sanguinários, canibalescos e de uma
de todos os povos. A índiaJ o Egito, a Grécia e a Gália, como vimos, selvageria horripilante, ao grito sacrílego - para m'a:íor glórícl de
no seu primitivismo manifesta êsse vestígio. J}eus - êsse .Deus que só dita paz e amor pelos seus mensageitos,
Fôra, a bem dizer, das criptas momunentais dos grandes pagodes esses grandes lOstrutores da humanidade, que vão de Buda a Cristo.
do Tibete, dos montes do nevoso Himalaia e dos vastíssimos hipo- E assim é que t?~as elas refluem num tenebroso ma're magnum,
geus do país do Nilo que os Magos da Caldéia e da Pérsia, os Maátmas donde emergem tragedlas sangrentas de miséria moral dramas de dor
ou Grandes Brâmanes do Hindustão e os Hierofantes do Egito se e de angústia, em turbilhões de ambição, cobiça e vi~gança.
tornaram, pelo assombroso conhecimento que naquela época possuíam,
os diretores supremo dêsses povos. Religião alguma, portanto, quer no Oriente como no Ocidente
Diante da paisagem tumultuosa de:Qelfos, tradicional feudo de foi .fiel deposit~ria. da d~utrina dos seus fundadores nas purezas, origi:
Apolo e nos misteriosos Hierofantes é que se pensa, pairando, ainda, ?altdadese reaIS lOtençoes, muito especialmente na lógica e racional
o lendário espírito iniciático que outrora aí subsistiu. Dêsses centros l~terpretação. e .aplicação dos seus principios morais. Tôdas se des-
iniciadores primários e secundários é que saíram os iniciados e os vlara:n ~a flnaltd.ade social. Algumas alteraram tão profundamente
grandes taumaturgos da antigüidade e da Idade Média, como Moisés, a esseneta dos ensmamentos recebidos, numa, orientação diametralmente
Buda, Jesus, Apolônio de Tiana, Simão o mágico, Sócrates, Paracelso oposta à que tinha sido pregada pelos seus Fundadores e cimentada
e os grandes alquimistas. p~lo san?ue dos seus mártires e Apóstolos, que de uma religião, pode-se
Consultando-se a Bíblià e o Evangelho, certificamo-nos que a dIzer, feIta de luz e de amor, tecida de caridade e de perdão - bendito
evocação dos mortos era a miúdo praticada pelo povo Hebreu. sol que deveria iluminar a consciência humana - está reduzida a um
Porém, entre os povos antigos nenhum a levou tão longe como o pomposo ritual pagão, dogmas abstrusos e discussões bizantinas, vazias
velho Poyoariano, o<:()(1qllistª<lorecivilizaclºr .. dO Ifi11dus!ªº, pôsto dos elevados conceitos morais que formam a raiz básica e a razão
que velada ao vulgo em forma misteriosa. de ser do seu esplendor inicial (7).
Assim é que as religiões, fragmentos das leis divinas, estiveram No resumo que apanhamos, tôdas as religiões, tôdas as ciências
próximas das Verdades Eternas, tomando Deus para base das suas oc~1tas e até o pr.ó€rio ESRiritismo, durante a Idade Média, para
concepções, e na mecânica das suas construções teológicas tiveram eVItarem as persegUlçoes mOVIdas pelo fanatismo católico e pela igno-
a solução das maiores incógnitas da vida espiritual. Mas a idéia de
(6) Léon Denis - "No Invisível", (7) Antônio Freire - "Além",
136 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 137

guaçães, acharam-s·e com efeito, no local indicado, cabelos humanos.


rância maldosa, tiveram de viver às ocultas uma vida ignorada e
mesquinha. Descobriu-se mais, que dnco anos antes visitara aquela casa um mdi-
víduo de nome Charles B. Rosma, ignorando-se depois o destino que
rf,QL"~g",~m~,sM~!~C?,,,,,,~t!:'-l~j,§ que fenômenos imprevistos e provi- tivera (8).
1 denciais vieram ressuscitar na América do Norte o Espiritismo e, mais Para que as solenidades do "Centenário dos Fenômenos Medianí-
''\ tarde, transformou-o em verdadeira ciência. Daí espalhou-se com miras de Hydesville", fôssem comemorados condignamente, muito
í assombrosa rapidez pelas principais nações da velha Europa e do
contribuiu, com o brilho de seu talento, o notável e e~~!~r~si~2§t~!igz" .
I",Nôvo Mundo.
~o ",.i~~.i.g~·~ . ",. ,·~.~P!E.it,,~I.~,E~!~,.g!2t."c, !~~~}~!:L . Q.21E.~~",.§1.~g~b. ..jii1i!i!lêªQ,~.:O,
Sem têrmos a pretensão de historiar a reaparição desta nova ordem Nascimento do Espiritismo" e divulgado pelo "Mundo Espírita", do
de fenômenos no mundo moderno (grifamos intencionalmente estas Rio de Janeiro, na edição e 31-3-1948, que ora levamos ao conheci~
palavras), não podemos deixar de esboçar os tópicos principais que menta do leitor com nova revisão de seu autor.
dão conta do fato histórico.
t'rqQ,.~ªil!".lL",ª!,,,.~~~,mRE2..,.~1~LJ,~,1Z~.ªi~,,_g=J:!2J:~Isnl~omes
r g2r."i,l;1.t.~r!E§q.i.2,. .ÇI~.~. j!!Eª~:f2~,.,~~r~ . . .fI~.gº.?;.~, . kl~u;gªX~L~uinze Jl~~~ a família Fox transferiu sua residência de Rochester para
1~.~,g=(:?L~e ii~ª"!;:,,, .e Lill,d!,.1!lf!!LvelhaJ é que tais pesquisas foram reini- Hydesville, no mesmo Estado de Nova Iorque, e foi ocupar uma
I ciadas, tomando um caráter científico. Habitava a família do Dr. casa de madeira que desde logo se demonstrou infestada: ouviam-se
I John Fax em Hydesville, no Estado de Nova Iorque, quando come- pancadas no dormitório e no porão; por vêzes, à noite, as crianças
i çaram a ouvir, durante o dia e especialmente à noite, ruídos misteriosos, sentiam o contacto de certa mão fria; outras vêzes, a presença de um
extraordinários, pancadas repetidas pelas paredes, pelo teto e em vários grande cão. Na noite de 31 de março para 1. 9 de abril de 1848,
lugares, sendo que os móveis eram agitados em movimento de osci- essas pancadas se tornaram violentas e perturbadoras, causando assombro
lação, contrapondo-se à lei da gravidade, como balouçados em ondas; aos moradores.
I ouviam, finalmente, andar sôbre o assoalho, sem que ninguém fôsse Uma filhinha do casal Fax teve a idéia de pedir ao "batedor
I visto invisível" que repetisse o que ela fazia (Here Mr. Split-/,oot, do as
\~ 'pesquisas minuciosas e severas vigilâncias não davam lugar à des- I do) e deu certo número de estalos com os dedos. Imediatamente
coberta de qualquer causa, quer como fraude ou mistificação; quanto repercutiram-se os golpes na madeira. A seguir a menina renovou
à hipótese alucinatória não podia ser admissível, porque os fatos eram o pedido e fêz, várias vêzes, os movimentos com os dedos, mas sem
verificados em excessivo número de vêzes e se repetiam freqüentemente produzir som algum, e logo idênticas pancadas se fizeram ouvir. Então,
para que pudesse ser suposta. exclamou a pequena: "Minha mãe, êle pode ver tão bem quanto
À noite, quando se deitavam, as mesmas pancadas ressoaram nos
ouvir" (Mother, it can see as well as hear).
móveis do quarto. Não podendo atribuir tais ruídos a alguma causa A sra. Fox disse ao "batedor": "Conte até dez", e as dez pan-
física conhecida, a dúvida atravessou os espíritos das meninas,e Kate cadas ressoaram nitidamente. Passou ela a indagar a idade de cada
lembrou-se de estalar os dedos da mão. Igual número de pancadas um de seus filhos e foi recebendo respostas corretas, por meio de
lhe respondeu. A irmã Margaret bateu palmas um certo número de pancadas, acêrca da idade de cada um dos filhos· vivos e mortos.
vêzes. Idêntica repercussão de sons se fêz ouvir como se fôra eco. Convencionado um número de pancadas para dizer "sim", foi-lhe per-
guntado: "É você um homem?", porém, ficou sem confirmação. Inter-
Tudo levava a crer que ao fenômeno se devia atribuir uma causa
rogado: "É você um espírito?", veio resposta afirmativa.
inteligente. Então a mãe das meninas lembrou-se de perguntar:
Estabelecidos os primeiros diálogos na noite de 31 de março para
- Sois um sêr humano?
1. 9 de abril, houve forte alvorôço em Hydesville: todos os vizinhos
Silêncio absoluto. acorreram a presenciar os fatos. Organizou-se um alfabeto conven-
- Sois um espírito? Se o sois, batei duas pancadas. cional e o "batedor" contou sua história: "Chamara-se Charles B.
Dois estalos firmes responderam ao convite. Rosma, fôra assassinado naquela casa e enterrado no porão, junta-
Foi por êsse processo que o espírito declarou chamar-se Charles mente com seu baú de vendedor ambulante, depois de roubado o
dinheiro que trazia".
B. Rosma (ou Rosna), ter sido assassinado havia alguns anos e enter-
rado no porão da casa, em sítio determinado. Procedendo-se a averi- (8) Emma Harding - "History of Modem American Spiritualísm".
PÉDRÓ GRANJA AFÍNAL, QUEM SOMbS? 139

Para confirmar essas mensagens, cumpria..se, todavia, encontrar o porão. No entanto, aquela agitação insólita na adega, a desoras,
o esqueleto no porão da casa. Fizeram-se, portanto, penosas esca· era o trabalho dos esposos Bell para des·enterrar o corpo do lugar
vações, quase inúteis, porque o cadáver não apareceu, embora se em que se achava a fim de escondê-lo com mais segurança junto. à
descobrissem cabelos humanos e outros vestígios. Os despojosos com· parede e construírem uma divis~o falsa pelo lado de dentro, d: maneua
pletos eram procurados, mas em vão. A estação chuvosa do ano a desnortearem eventuais pesqUIsas, como realmente sucedeu cmco anos
e o terreno pantanoso, de modo que brotava água do todos os lados, mais tarde.
enchendo a vala que se ia abrindo, impediam o prosseguir das pesquisas. Depois de perpetrado o crime, foi propalada a notícia do ~esa­
Foi mister cessar o trabalho sem encontrar o esqueleto. Ficou inter· par.ecimento do vendedor ambulante, Bell se alarmou com a dlvul·
rompida a verificação.
gação e logo solicitou dos moradores daquela região, que subscrevessem
Cing,üenta e seis anos mais tarde abateu-se uma~arede falsa uma declaração, atestando que sempre o conheceram como pessoa
ºJL1?Q!~Q~=~:fu[illSgni~ª]i:"i=g.§§iI~i.~q1~~illiiIft'!..~~:Q:.l1.ªÍ!~G~ proba e incapaz de praticar uma ação delituosa. .
s~!yat!!?~~l!.2,,,.Y~E;4g%~.~l2,t"".~tp1?~l~, que fôra. rouba~o e a,.:sass!nado (9) O mesmo barracão, há poucos anos, foi transportado para Llly
por um tal Bell que com sua mulher habItara o barracao ClllCO anos
Dale, no Estado de Nova Iorque, onde se acha reconstruído e bem
antes. Confirmavam-se, assim, as comunicações do espírito, recebidas
conservado, hoje considerado como relíquia histórica. Nêle se acham
mais de meio século antes do esboroamento da parede falsa que ocul-
os ossos e o baú do vendedor ambulante Charles B. Rosma (ou Rosna,
tara o crime.
ou Rawma, modo que também é grafado comumente).
O casal Bell tinha uma criada chamada Lucrécia Pulver que dor-
Como de tudo isso foram lavradas atas, houve registo na imprensa,
mia no barracão com os patrões. Na noite do crime mandaram-na
ficando os fatos solidamente documentados, não resta dúvida que
pernoitar na residência de seus pais, sob pretexto de ~ue necessitavam
bastaria êsse episódio para firmar a tese fundamental do Espiritismo:
do s·eu dormitório para o hóspede. N a manhã segUinte, quan~o ela "O espírito sobrevive à morte do corpo e pode comunicar-se conosco".
regressou, foi informada de que o vendedor ambulante partIra de
Apesar da evidência que resultava da descoberta por esta via d,e
madrugada. Algum tempo mais tarde essa criada ouviu, _alta noite,
um crime ignorado, as meninas Fox, que, sem o saberem, eram me-
ruídos na adega e se alarmou, supondo tratar-se de ladr~es, mas a
patroa a tranqüilizou, afirmando serem as ratazanas que lllfestavam diuns de poderosa fôrça, foram qualificadas de impostoras, por afir-
marem que podiam obter fenômenos espíritas notáveis.
(9) Reproduzindo parte dêste attigo, primeiramente publicado em "Mundo Espírita",
Não tolerando mais a falsa acusação que nos imputam, revidava
da Capital Federal, o nosso talentoso confrade Alfredo Mig~el, em seu excelente livro, a família Fox estamos acordes em submeter as meninas a uma inqui-
"As Heroínas de Hydesville", acrescenta êste vahoso comentaflO :(l
"Tal ocorrência se realizou em 23 de novemro de 1904. O Boston Journal , peno-
" ••
sição rigorosa; somente impomos a condição de que se nomeiem seis
dico que nenhum compromisso mantinha com a causa espírita, ~ propó~i~o do achado membros proeminentes da nossa sociedade, eleitos em espo~:ltâtl:ea. reu-
macabro de Charles B. Rosma, estampou em suas colunas a seg~l1nte notlC1a: ~
"Foram encontrados na casa habitada pelas irmãs Fax, em 1848, restos do cadaver nião para dirigir e fiscalizar as provas. Podemos, outroSSllTI, afumar
que se suspunha a causa dos ruídos que se ouviram p~la primeira .vez na. citad::: casa,
vindo ,êste achado dissipar as últimas sombras de d~vIda qu~ p,?dIam, ~a1far sobre a ao público que ninguém se acha mais interessado do que nós em des-
veracidade do que afirmavanl ambas as irmãs quanto a comunIcaçao eSpltlta. cobrir a origem real dessas misteriosas manifestações, pois se os fenô-
As irmãs Fax declararam que havianl estabelecido comunicação com o ~spír.ito de
um homem, o qual informara ter sido assassinad? e sepulta_do na parte 111f~rlOr da menos assistidos couberem em quaisquer dos comezinhos princípios
habitação, que fica entre o soalho e o solo.. RepetIdas es.ca.vaçoes, I_evadas a" efeIto para
encontrar o cadáver, deram UOl resultado Incompleto, pelo- que nao se pode obter a físicos ou fisiológicos que conhecemos, cuidamos que a investigação
prova concluente daqueles relatos. proposta contribuirá para que a farsa seja descoberta. Estando a
A nova descoberta e a almejada confirmação realizaran1·na uns escolares que. penew
traram no porão da casa de Hydesvil1e, de onde as irmãs Fox tinham OUVIdo os atenção humana dividida entre a confirmação e negação dos fatos,
estranhos ruídos. Guilherme H. Hyde, conhecido vizinho de Clydc e proprietário da
casa, mandou fazer minunciosa inspeção, encontrando-se o esqueleto humano, quase mais depressa aceitaremos as conclusões que daí se originarem, sobre-
completo, entre ·a terra e os escombros de uma adega ,semidestruída. :Bsse c~queletc:, s~ln tudo, se da parte dos comissionados houver os mesmos princípios de
dúvida alguma, era ° do vendedor ambulante assassInado, segundo se dIZia, ha c~n­
qüenta e cinco anos, em um aposento da nl0radia e em seguida sepultado naquc1e SítIO. honestidade que vimos de lhes oferecer (10).
O sr. Hyde comunicou o fato aos parentes das irmãs Fax, e a notícia do achado
fôra levada à HOrdem Nacional dos Espíritas", muitos dos quais se recordavam de ter Três comissões, uma após outra, foram designadas, e nenhuma
visitado a "casa maI*assombrada", como vulgarmente a dcnÜ'minam. O achado dos ossos pôde descobrir o mais ligeiro vislumbre de mistificação, nem reco-
veio confirmar a declaração do espírito, recebida por Margarct Fax, cm abril de 1848.
Também se encontrou junto aos OSSDS um baú de folha de fIandres pertencentes ao nhecer a causa produtora do fenômeno. A última, composta de
mercador e que foi levado para LiIy Dale, centro dos espiritistas norte-americanos, para
onde igualmente se transportaram os restos encontrados na velha caSa de Hydesville", cidadãos mais ilustres e cépticos, que haviam qualificado as ante-
(Seleção extraída e traduzida por Alfredo Miguel, do livro de Carlos Luis Chiesa,
ttOrigên deI Espiritismo y su Doctrina").
(lO) Carlos Luis Chiesa - "Origen de! Espiritismo y su Doctrina".
140 AFINAL, QUEM SOMOS? 141
PEDRO GRANJA

riores de estúpidas ou coniventes, depois de sujeitarem as duas me- (' Em 1854 constituiu-se "nova sociedade investigadora", composta'
ninas a um rigoroso exame, e de as fazerem: deitar com os pés descalços Ide médicos, advogados, senadores, magistrados, eclesiásticos e escri-
e os lençóis atados em volta dos artelhos, verificaram que os sons e ltores. E não satisfeito ainda com isto, o ilustre professor e distinto
pancadas misteriosas se produziam nas paredes, no teto, nos móveis, \c1ínico Mapes, lente da Academia Nacional, organiza "um nôvo grupo
sem que lhes fôsse possível "descobrir a causa produtora, nem indícios : de doze amigos entre os seus colegas e na maioria cépticos e materia-,
de qualquer artifício ou impostura". jUstas". Mas, fato singular, os que se dedicaram ao estudo dos fenô-,
Reconheceram mais: que por meio dessas pancadas se obtinham lmenos espíritas, "a despeito do cepticismo anterior e da aparente inve-
respostas inteligentes e satisfatórias a diversas perguntas feitas, algumas Irossimilhança dos fenômenos, todos se tornamJespíritas convictos" (12).
mentalmente formuladas. Em breve outras pessoas, que freqüentavam ! "Qg~,,~~,!,~,U,Q~!Lgii\?~ o movimento inicial espiritualista alastrou-s;
as reuniões da família Fox, verificaram que possuíam faculdades aná- pelo mundo todo, onde se tem propagado extraordinàriamente. E
logas que, em maior ou menor grau, lhes permitiam entrar em relação note-se que, no início, o Espiritismo recrutou de preferência os homens
com os espíritos. mais ilustres e sábios.
Durante os primeiros anos o movimento espiritualista se estendeu
Por intermédio de seus comunicados e manifestações, foram os
pelos Estados Unidos, apesar de lutar sempr-e, e em tôda parte, contra
espíritos de inteligências extraterrenas que abriram os caminhos a
o, ~ais desenfreado cepticismo, mas ~empre adquirindo numerosos pro-
essa doutrina, revelando as maravilhas do Universo e a imortalidade
sehtos, notadamente nas classes maIs cultas da sociedade.
Três anos depois, em 1851, constituiu-se em Nova Iorque "um da alma.,"º~,~,2~Q"~~,,,9l!~~!§~~_""f9,!!E}:!1~~~~""E~!~""1!!B,"""~~E~21",,~f2f~,J:~.é9~1!
grupo formado dos homens mais inteligentes" que, com o intuito
de estudar a fundo o fenômeno que se dizia "espírito", averiguariam
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"~"~.=_,~_",_".J:~,__." "~_,,"~"""~,,"",,"",,"",",,c>""_"_," .,_wJ;!="__"'_'M;~"""'""'_'_W"'M_"-"~
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veram respostas de tal elevação que transcendiam, naquela época, a
o que de sério e aceitável havia.
todos os conhecimentos da ciência em geral, e que pela enorme extensão
{' '.1J!,~~!!,~5!§,~~,~wg~.eg,J!g~E~X~,Q,~~~,iQ!7g,~~j}!!I~,t~_,§,1.tJQhn~,W
orth científica revelada, só poderia ser atribuída a faculdades supranormais,
t E~I,m2~ª~""9.~~,,,,fgi,,,,§,}!.s,~~~,!Y~!!1~g!~,,,,,~~~!;I!!~!2,"w~!~,w~!ll!?~,~, ,aL,~as
do consoante aos graus de desenvolvimento dos espíritos instrutores.
I ~p~~Q.,"~ç!~",liqX~"12!g!;!~"J!,!~,§i~,g!~,,5tç!,,,§~,1l~,ç!,Q",,~,=l~,i1i,"~çLq,=~,~R,~~~,
1TJ:!lmnlll iILál?~ distinguindo-se dos demais pelo seu "irredu- Quando, ,~11'l11355, as manifestações (julgadas novas) das mesas
, tí,:el~
cepticismo". "Apesar de bem cr.edenciado tev·e de "render-se à falantes, das pancadas sem causa apreciável, dos movimentos insólitos
j eV1dencIa dos fatos , tornando-se depOIS um dos mais poderosos propa-
dos objetos e móveis começaram a atrair a atenção pública e chegaram
i gandistas da nova doutrina. produzir nas imaginações ardentes uma espécie de febre, devido à
novidade dessas experiências, A.J1.ª!L_Kar.f!~~_esqL<lill}9,Q,,,.,,ª"",,1!m,"!.ÇmR.Q=
\,. Os primeiros trabalhos sôbre a matéria que se propus-era estudar
foram publicados a 1.9 de agôsto de 1853, no "New York Courier", q,__ !BilgD~!!§mZ,~ __ 2~_,~~E~.~!Qg1!1ªf~1' __~fe.i!Q~",,ªEQlTI~ª_Q....QQ1L"EQ.m~ª ..'"!11.ªj-Q!
o que provocou extraordinária sensação de espanto. p~~cl~nci~~ e "a_p~"..h!.gisi~~_.E~!_~iS~Si~_~~~j"l}_fl_Ql~,ra~_!~!J!&iY!!_,,~~_~,!i­
Dias depois, no "New York Herald" de 6-8-1853, declarava: !!l~.u!ªi~_f~11~.§ __!:!U ,J~~E~
Comecei a investigação convencido do insucesso e disposto a O grave pensador, então, recolheu e coordenou os resultados
torná-la pública no caso de uma impostura. Mas, chegando a con- obtidos por essa longa observação, e compõe um corpo de doutrina,
clusões diferentes, sinto-me no dever de declarar os resultados eficientes relatando os fundamentos que marcariam a nova etapa da evolução
de minhas pesquisas". humana. ~11118 deabriLde 1857, na capital da França, lança aos
O interessante a ser notado é que os fenômenos espíritas, que ventos da publicidade a primeira edição do "Lciy,ro_qQÚmlfitoi:,
a princípio o juiz Edmonds verificara em diversos médiuns, passaram obra que seria o marco inicial de sua imortalização.
a reproduzir-se em sua filha Laura e nêle próprio. A filha, mediuni- ."É de interêsse sabermos que essa mesmas questões, antes de
zada, chegou a falar em nove ou dez línguas, que lhe eram inteira- vir·em a lume, foram formuladas em outras cidades, em ambientes
mente desconhecidas, manifestações classificadas em Espiritismo de diferentes e em. meios completamente diversos, e que alcançaram, toda-
mediunidade poliglota ou xenoglossia (11). via, idênticas respostas e iguais êxitos. Não queremos afirmar com

(11) John W. Edmonds - "Spiritualism", vols. I e II - "As Reminiscências do (12) A. A. Martins Velho - "O Espiritismo Coc!emporâneo".
Juiz Edmonds", (trad. ) .
142 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

isso que foram respondidas integralmente quanto à forma, porém Há, ainda, os que desfalecem diante de uma decepção, de uma
sim quanto à essência. ambição iludida, de uma preeminência não alcançada, do amor pró-
No princípio, muitos se enganavam com a natur,ezae fins do prio ofendido, de um transe difícil, imaginando que por se julgarem
Espiritismo, cujo alcance não percebiam. O que mais imperou foi espíritas estão isentos de qualquer provação.
a curiosidade; as manifestações valiam por distração; brincava-se com Há, finalmente, os que recuam diante do sacrifício da comodi-
os espíritos, enquanto êles se prestavam a isto, e ,era tudo um passatempo. dade, temem o que se possa dizer e desnorteiam-se fàcilmente com
a mistificação. Se não chegam a desertar, esfriam ràpidamente. Vivendo
Tal processo de manifestação, no seu início, representava uma para si e não para os outros, querem as benesses da, crença,mas que ela
tática hábil dos desencarnados. Sob a forma de divertimento, a idéia nada lhe custe. Os que assim procedem, podem ser crentes; mas são
germinou e lançou raízes, sem assustar as consciências timoratas. crentes egoístas. Fazem número; não se pode contar com êles.
Quando aos espíritos brincalhões sucederam os sérios e mora- Os demais são espíritas dignos da denominação; aceitam e ana-
lizadores, quando o Espiritismo assumiu o caráter de filosofia e ciên- lisam tôdas as conseqüências da doutrina, sabem evitar os escolhos
cia, os fúteis não lhe acharam mais nenhuma graça. Para os que e caracterizam-se pelos esforços que fazem por melhorá-la. São, em
vivem a vida material, foi êle um censor importuno, "desmancha- suma, os que, estudando a parte doutrinal e a científica, espalham
-prazeres". Não fizeram falta os desertores, porque os homens frívo- pela humanidade os benefícios que ela prodigaliza a todos os que
los nunca são bons auxiliares. a procuram de consciência tranqüila e espírito sereno (13).
Entretanto, não foi perdida aquela primeira fase. Com o fervor Para aquêles, porém, a quem os preconceitos de escola e religião
do disfarce, a idéia popularizou-se cem vêzes mais do que se tivesse, obcecam por forma tal que, acima de todo o testemunho humano,
desde o princípio, revestido uma forma severa. Dos próprios levia- colocam a sua opinião pessoal, ou bas,eada na opinião pessoal de seus
nos e irrefletidos saíram pensadores sérios. mestres, ou nos dados de uma religião "infalível", ou de uma ciência
já revelha e rotineira, e cuja vaidade os leva a crer que atingiram a
As manifestações pareceram matéria maravilhosamente explorável,
meta do saber humano e que só êles têm o monopólio exclusivo da
houve muito quem pensass,e em fazer delas uma indústria; assim como
inteligência e do bom senso, para êles tudo o que fica dito e o muito
houve quem descobrisse uma variante à adivinhação, um meio porven- mais que nos resta dizer não logrará por certo abrir a minima brecha
tura mais seguro que a cartomancia, a quiromancia, etc., para conhecer no seu cómodo dogmatismo filosófico ou religioso.
o futuro e descobrir coisas ocultas, pois julgavam naquela época que
Outros, igualmente vaidosos, sentenciam que "antes de nos dedi-
os espíritos "sabiam tudo". carmos ao estudo de uma determinada ordem de fenômenos, cumpre
Desde que reconheceram que a especulação falhava e que os espí- ao sábio verificar primeiro se êles são possíveis". Como se fósse
ritos não os ajudavam a fazer fortuna, a lhes fornecerem os números coisa fácil de se verificar a possibilidade de um fenômeno, sem pri-
sorteados da loteria, a predizerem a buella-diclJa, a adiantarem previsões, meiro o estudar atentamente! ...
a colaborarem na descoberta de tesouros ou na obtenção de heranças, Restam-nos, por último, os críticos e os sabicbões. Geralmente
a ensinar alguma invenção vantajosa que lhes suprisse a ignorância e afirmam comparando e deduzindo fatos que ouviram dizer de terceiros,
os dispensasse do trabalho intelectual e mat,erial, condenaram os espí- cujos comentários são manobrados de acórdo com as capacidades de
ritos por imprestáveis e tacharam de ilusórias as manifestações. seus conhecimentos e variam segundo os interêsses a defender.
Outros indivíduos mais perspicazes lobrigaram o homem na Ei-Ios, então, de pés juntos, afirmando categàricamente: "Sois
criança que acabava de nascer ,e tiveram mêdo dêle, como Herodes vítimas do charlatanismo ou joguete de uma ilusão. Isso - são
o teve do menino Jesus. Não ousando atacá-lo de frente, sugeriram anomalias da percepção" ...
que o sufocasse com abraços e lhe tomasse a máscara, a fim de intra- Como Allan Kardec, também diremos, primeiramente, que a pala-
duzir-s,e por tóda parte, soprar astuciosamente a calúnia, espalhar vra charlatanismo não cabe onde não há proveito. Os charlatães
sorrateiramente o veneno da inveja, lançar o pomo da discórdia, arrastar não fazem grátis o seu ofício. Seria, quando muito, mistificação.
a e~{cecsos comprometedores, impelir a doutrina por sendas ridículas
e odiosas, simulando "descaradamente" conhecimentos de cátedra. (13) AJIan Kardec - "Obras Póstumas".
144 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 145

Mas, por que singular coincidência os mistificadores se achariam evide~te que o Espiritismo, multiplicando as investigações, constituiu-se
acordes, de um extremo a outro do mundo, para proceder do mesmo num Imenso progresso" (16).
modo, produzir os mesmos efeitos, e dar, sôbre os mesmos assuntas Em Londres,. 9?ando a "~oc~~de~sil" resolveu proceder
e em línguas diversas, respostas idênticas, se não quanto à forma, pelo ao estudo do ESplrltlSmO, nomeou uma comissão de trint~. e.ttês.mem~
menos quanto ao sentido? Como compreender-se que pessoas austeras, incumbindo dessa missão,;;itc...Â!fr~~LJ}11§_~~L.~i!U.aç~, membro
honradas e instruídas se prestassem a tais manejos? E com que fim?
Falseando-lhes o terreno, são ligeiros ao mudar de tática. e dizem um 1~~~~;i~d~71*ttfc~~~!r~~i~~~P;~;~<?-á(;~·~;;~!t:i!2defc~i:n~~e(1~)~
então que, "se não há fraude, pode hav·er ilusão de ambos os lados". ~y-~_<:l",~'?'lL~.s~.foi um grande vulto da inteligência humana.
a Enciclopédia de Nelson que a êle se deve a autoria do mais belo
Em boa lógica, a qualidade das testemunhas é de alguma impor-
princípio teórico já aparecido desde Newton, pois, independente de
tância. Ora, é aqui o caso de perguntarmos se esta doutrina, que já
DarwlO, apresentou uma teoria pràticamente idêntica à da seleção
conta milhões de adeptos, só os recruta entre os tolos e imbecis? natural.
Os fenômenos em que ela se baseia são de tal modo extraordi- Depois de concluir o relatório da comissão que lhe fôra outor-
nários que podemos conceber a dúvida aos que lhes desconhecem a gada e que mais abaixo daremos, o grande naturalista refutando as
existência. O que, porém, não podemos admitir é a pretensão de rudes expressões de um antagonista, com sábia modéstia respondia
alguns críticos, sabichões ou incrédulos de terem o monopólio do ao "Times":
bom senso e sem guardarem as conveniências e respeitarem a idonei- "Não pretendo o verdadeiro título de homem de ciência. Mas
dade moral dos adversários, classifiquem, com desplante, de ineptos há muitos que o merecem e que não foram considerados por vosso
os que lhes não seguem o parecer. correspondente, como o finado Dr. Gregory, de Edimburgo, o Pro-
Aos olhos de qualquer pessoa judiciosa a opmlao de criaturas fessor Robert Chambers e o Professor Hare, de Filadélfia, infeliz-
que observaram durante muito tempo, estudaram e meditaram alguma mente mortos; como o Dr. Guilly de Malvern, sábio médico, o juiz
coisa, constituirá sempre, quando não uma prova, uma presunção, no John W Edmonds, um dos maiores da América, que fizeram, neste
mínimo, a seu favor, visto ter logrado prender a atenção de homens terreno, as mais amplas pesquisas. Todos êsses homens ficaram, não
respeitáveis, que não tinham interêsse algum em propagar erros, nem somente convencidos da realidade dos fatos maravilhosos, como aceita-
tempo a perder com futilidades (14). ram a teoria do Espiritismo moderno, única capaz de englobar todos
os fatos e explicá.los.
O que deixamos dito basta para convencer àqueles a quem o
Poderei assegurar, semexagêro, que os principais fatos estão
testemunho humano não é uma coisa vã de que o Espiritismo, tanto
agora tão bem estabelecidos e são fáceis de estudar, como qualquer
na parte doutrinal como na científica, não é uma superstição, filha
fenômeno excepcional da natureza, cujas leis não foram ainda des-
de uma crença banal, ou de uma credulidade própria de cérebros
cobertas" (18).
doentios. "O Espiritismo é uma convicção baseada em mitíades de
fenômenos transcendentes, atestados por homens eminentes e cons- Quando, mais tarde, publicou o seu formidáv,el livtO\ sôbre o Espi-
dendosos, que nem podiam iludir-se, nem seriam capazes de nos ritismo, "afirma que primeiro foi arrastado a aceitar os fatos e depois
iludir a nós" (15). a aceitar a teoria que dêles dimanava".
Nesse mesmo trabalho, respondeu aos críticos:
Antes de penetrarmos, novamente, na parte histórica, ouçamos
a opinião de um grande fisiologista, professor da Faculdade de Medi- "As acusações e as críticas são suportadas pelos espíritas, com
bom humor, excitando apenas compaixão pela ignorância voluntária
cina de Paris:
e desprêzo diante da presunção dos escritores adversários" (19).
'''Graças aos esforços dos verdadeiros espíritas, muitas verdades
novas foram estabeleddas, verdades difíceis de extrair à rocha mo- (16) Charles Richet - "O Sexto Sentido".
triz místico-religiosa na qual freqüentemente elas se encerram. :e (17) Fo~ou'se em 18~2 na Inglaterra, uma Sociedade de Pesquisas Psíquicas, de
Londres, (Soc.ety for Psych.cal Researches), que se consagra até o momento ao estudo
dos fenômenos de psicologia oculra.
(18) 1lsse artigo publicado no "Times" fôra transcrito também por Gabriel Delanne
(14) Allan Kardec - "Obras Póstumas". H
em seu livro 'tte Spiritisme Devant Ia Science •
(15) A. A. Martins Velho - "O Espiritismo Contemporâneo". (19) Alfred Russel Wallace - "On Miracles and Modern Spiritualism".
146 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 147

Voltemos, agora, ao relatório da comlssao: A esta lista de fenômenos espíritas verificados pela "comissão
Dentre os trinta e três membros que compunham a comlssao da Sociedade Dialética", devemos acrescentar mais os seguintes, ates-
só quatro eram espíritas convictos, oito apenas acreditavam na rea- tados por diversos sábios e observadores meticulosos, tais como Russel
lidade dos fenômenos, seis completamente indiferentes e quinze convic- Wallace, William Crookes, J. Artur Findlay, Oliver Lodge, William
tamente cépticos e materialistas. Barret, Camille Flammarion, Charles Richet, Paul Gibier, Ernesto Boz-
Pois bem, terminadas as experiências todos se tinham convertido zano, César Lombroso, Barão Du Prel, e outros:
à nova doutrina. "10.9 ) Alteração de pêso nos corpos e transporte de corpos
Desapontada na sua expectativa e não querendo dar-se por ven- pesados de fora para dentro e de dentro para fora, em salas comple-
cida, a "Sociedade Diálética" recusou-se a divulgar o r·elatório da tamente fechadas (apports).
comissão. Esta, sentindo-se ofe:ldida na sua dignidade científica com 11.") Livramento de médiuns que se achavam ligados com
tão inaudito procedimento, não se deu por vencida, e resolveu publicar, cordas, ou presos com anéis de ferro soldados.
12.°) Imunidade contra a ação do fogo, e transmissão dessa
sob sua responsabilidade, o relatório, no qual havia consumido qe~oit() imunidade.
meses. 13.°) Escrita automática, inconsciente, variando o tipo da letra,
No relatório atestavam como verdadeiros os seguintes fatos: por forma a imitar extraordinàriamente a letra do indivíduo a quem
é atribuído. A escrita pode ser na língua do médium, ou em línguas
"1.9) Ruídos de natureza muito variável, provindos aparen- que êste desconheça.
temente dos móveis, do sobrado ou das paredes do quarto, acompa- 14.°) Escrita direta do espírito, obtida sem emprêgo de mão
nhados de vibrações, que muitas vêzes são perceptíveis ao tacto e do médium.
que se manifestam sem serem produzidas pela ação muscular ou por 15.°) Além dos fenômenos enumerados no n." 7, há também
quaisquer meios mecânicos. a registrar aparições luminosas, faíscas, estrêlas, globos luminosos,
2.0) Corpos pesados movem-se sem auxílio de aparelhos mecâ- materializações completas (corpos inteiros) ou fosforescentes, ou
nicos e sem o desenvolvimento de fôrça muscular equivalente da opacos, visíveis e audíveis.
parte das pessoas presentes, e mesmo muitas vêzes sem contacto 16.") Fotografias e moldagens espíritas.
algum.
17.9 ) Clarividência e clariaudição de certos médiuns. Há
3.9 ) Êsses ruídos e movimentos produzem-se no momento dese- médiuns que têm a faculdade de ver os espíritos e de ouvir o que
jado e da maneira sugerida pelas pessoas presentes, e, mediante êles dizem, e apesar dos circunstantes não poderem vê-los nem
sinais prevamente combinados, respondem às perguntas que se fazem, ouvi-los, a descrição que fazem do que vêem e a narração do que
obtendo-se assim comunicações correntes. ouvem, em muitos casos pode servir para atestar a identidade do
4.") Essas respostas, se em regra são de um caráter trivial, personagem visto e ouvido.
muitas vêzes aludem a fatos desconhecidos de todos os presentes, 18;") A linguagem e idéias expendidas por médiuns num esta-
mas depois confirmados. do de inconsciência mais ou menos completa (transe), são por vêzes
5.") As circunstâncias em que os fenômenos se manifestam tão transcendentes e sublimes que destoam profundamente da falta
mui variáveis, parecendo depender de determinadas pessoas (mé- de cultura intelectual do médium.
diuns), ao passo que a presença de outras parece dificultar os fenô- 19.°) Personalidade múltipla do médium. Durante o transe
menos. Todavia, esta variabilidade não depende nem da crença nem o médium muda de voz, de modos e muitas vêzes de fisionomia
da descrença dos fenômenos. (transfiguração), chegando a dar uma idéia muito aproximada da
peSSoa falecida, que fala pela bôca do médium. Por vêzes falam
6. 9 ) Corpos pesados, e em certos casos homens, se elevam
línguas que nunca aprenderam.
acima do solo conservando-se no ar algum tempo, sem apoio visível
ou tangível. 20.°) Faculdades de diagnosticar e curar. Há médiuns cujal
especialidade consiste em curar várias doenças pela simples impos-
7.°) Aparições de mãos e formas que não pertencem a nenhum sição das mãos, ou através de passes fluídicos, curando assim muitas \
sêr humano vivo, mas que parecem vivas pelo seu aspecto e mobi- doenças e aliviando o sofrimento noutras". ,/
lidade. Por vêzes estas mãos foram tocadas e agarradas pelos assis-
tentes, convencendo-se de que não eram resultados de uma impostura
ou de uma ilusão. Tal éem resumo a súmula dos fenômenos espíritas expostos no
8.°) Execução de trechos musicais em diversos instrumentos, relatório da comissão designada pela "Sociedade Dialética", e que
sem que nenhum agente visível os tocasse. ela silenciaria se não fôra a corajosa deliberação de seus membl'Os
9.°) Execução de desenhos e pinturas produzidas em tempo de a publicar.
tão rápido e em condições tais que tôda a intervenção humana era
impossível" . * * *
148 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 149

Já passou o tempo em que se podia à priori r-epelir as nossas Revelação após revelação vem fazendo com que a doutrina dos
idéias sem lhes dar a honra de discuti-las; hoje, o Espiritismo impõe-se espíritos se firme cada vez mais no consenso geral dos investigadores
à atenção pública. de boa vontade.
13 preciso que os homens compreendam que os pr-ejuízos absurdos Encarando-o pelo lado científico, o Espiritismo é a mais pro-
com que o acolheram ao nascer, desapareceram diante da realidade. funda de tôdas as ciências, pois se apóia em fatos positivos, cate-
13 preciso que os homens saibam que, longe de serem visionários, góricos, palpáveis, que ninguém ousará contestar. Éle veio provocar
os espíritas são observadores fiéis e meticulosos, não relatando senão uma revolução completa em tôdas as ciências positivas: na química,
fatos confirmados. na biologia, na patologia e na medicina, etc.
13 preciso que os homens se convençam de que não somos vítimas
de uma espécie de loucura contagiosa, e que, se cremos, é porque a Fatos difíceis de aceitar podem ser repelidos pelo nosso senso
doutrina espírita oferece os mais nobres ensinos e abre ao espírito racionalista, mas sem inv-estigação não devem ser negados, porque
humano os mais vastos horizontes. causas não familiares têm que ser introduzidas, de tempos em tempos,
13 preciso, enfim, a humanidade deixar de parte essas fáceis zom- ao acervo dos conhecimentos sistematizados, a não ser que já saibamos
barias empregadas há anos em quase todos os pasquins e que não tudo sôbre o Universo.
fazem nem mesmo rir aos que as editam, porque a nova (lencia que E na realidade, estranhos fatos ocorrem que não cabem nos quadros
ensinamos não consiste somente no movimento de uma mesa. Há ?as ciê~cias estabelecidas. Constituem para elas "perturbações". A
tanta distância dêste modesto ensaio às suas conseqüências, como entre lmpressao que causam é a de um duende caprichoso e malfazejo que
a maçã de Newton e a gravitação universal, ou entre a matéria sólida se introduzisse num determinado aparelho de laboratório, criando
e a desagregação dos átomos que a compõem. terríveis complexidades e perturbando o sereno curso das leis estabe-
Convidamos, portanto, os homens de boa vontade a fazerem inves- lecidas. Para evitá-lo, os laboratórios são vedados a tais intrusões
tigações sérias; induzimo-las a meditar os ensinos da nossa filosofia, - mas o Universo fica aberto.
para que vejam que o sobrenatural não intervém nunca nas nossas E_ se na rea!idade verificamos a interação de inteligências outras
explicações. que nao a dos V1VOS, cedo ou tarde seremos forçados a tomar conheci-
Nos tempos que correm, graças aos esforços de um grupo de mento delas e a admitir uma nova concepção da existência e do
homens já emancipados da rotina científica, o Espiritismo, como ciência Universo.
nova revelada pelos espíritos, conseguiu sair do terreno puramente
sofismático e indagativo, para alcançar o lugar que de fato lhe pertence , . Subsistentes o~ fa,t~s, comprovou-se -essa outra vida porque os
sablOs atestaram ClenttÍ1camente que a alma sobreexiste e continua
entre as outras ciências.
a ter mais vivacidade até, após se despojar do seu invólucro carnal.
Perdendo o caráter miraculoso com que o presentearam os adver- A existência da alma antes dessas experiências constituía um dogma
sários; deixando o movimento das mesas de ser considerado como de fé, apresentado por tôdas as religiões. Graças aos seus esforços,
coisa diabólica; invadindo, o campo das pesquisas e das investigações é hoje um fato provado.
de laboratórios e perquirições várias, onde a tudo e a todos se subme-
teu; vencendo tôdas as provas, o Espiritismo passou a interessar aos E nenhum legado maior e mais brilhante deixou o século passado
cientistas e, êstes, quando bem intencionados e produzindo sem espí- à Humanidade, do que a prova científica da existência da alma e
rito dogmático ou escolástico, sem negar a prio'J"i, chegaram à verifi- da sua comunicação conosco, pois, segundo a conclusão do conhecido
cação dos fenômenos, que um outro sábio de valor denominou experimentador patrício, Dr. Carlos Imbassahy, seria necessário admi-
metapsíqukos (20). tir-se "um inacreditável esfôrço de boa vontade, ou da má, para supor
Provada que foi a realidade do fenômeno e a transcendência que as irmãs Fox, que Allan Kardec, que os observadores, que os
que teria para o futuro; evidenciada a sua índole essencialmente evo- experimentadores, que todos os médiuns e cientistas estivessem com
lutiva, cada passo à frente nessa senda luminosa equivale ao desdo- os olhos postos em todo o passado, para reproduzi-lo; que conhe-
bramento de novos horizontes, cada qual mais deslumbrante! cessem tudo aquilo que vamos hoje, com extraordinário labor, extraindo
do pó dos arquivos; que lhes povoass-em os cérebros, as velhas mani-
festações; que se tomassem todos de um verdadeiro delírio, em con-
150 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 151

traste com vastíssimos conhecimentos, e nos viessem impingir a idéia Compreende-se, por isso, o suspiro de alívio dos rotineiros; a
falsa da volta do defunto e isso, sobrecarregada ela, de um arsenal gana j~bil?sa dos de má-f~; o sorriso glacial e desdenhoso dos orgu-
filosófico, sem já falar na sugestão coletiva dos laboratórios, das lhosos auhcos do preconceito; o alvorôço fanfarrão dos maledicentes
experiências, onde os experimentadores e os próprios aparelhos se q.u ando as idéias novas registram um insucesso, sofrem uma contra:
cumpliciariam no embuste. Um embuste inacreditável, porque dispen- nedade, mesmo a mais explicável e natural.
~ioso, e onde o embusteiro sacrificava tudo, desde o tempo até o As idéias, entretanto, são heróicas. Marcham instintiva e irresis-
renome" (21). tlvel~ente, impeli~as pela orde~ natural das coisas, acionadas pela
Se os sábios afirmaram que a alma existe, não fôra por dedu- fataltdade progress1sta da evoluçao. E caminham. Vencem Impõem-
-se por último. .
ções filosóficas ou fé dogmátíca, mas porque a viram, conversaram
com ela, fizeram reações químicas do ar que ela expeliu pela respi-
ração, tiraram o seu retrato, auscultaram-lhe os pulmões e lhe tomaram
o pulso e a temperatura, cortaram-lhe os cabelos e os retiveram, mode-
laram-lhe as mãos recurvas e entrelaçadas e o rosto em parafina der-
retida, provaram ,enfim que ela se apresenta, em circunstâncias especiais,
J:~Y~?!!cla,<!~çª,J:n~~Q§,sQ, com todos os predicados de um sêr humano
como nós outros.
Qualquer criatura possuída pelo real desejo de conhecer a ver-
dade dêsses fatos não terá deficiência de provas se acaso assimilar,
com isenção de ânimo, o material já reunido, e depois aguardar o
ensejo de acrescê-lo com a experiência pessoal. Essa oportunidade
pode ocorrer a qualquer momento; °
essencial é estar pronto para
não deixá-la escapar. O material acumulado pelos outros prepara-
-nos para esta ordem de estudos; mas a convicção só vem pela expe-
riência pessoal.
Se. o encararmos, porém, o Espiritismo ainda como religião, vemos
reproduzir num perfeito fac-símile a Doutrina de Jesus, sob todos
os ensinos, sem excluir o "ama com tôdas as fôrças de entendimento,
alma e coração, a teu Deus; e ao próximo como a ti mesmo". Nem
o "diHgite inimicos vosttos" - o perdoa aos teus inimigos é supri-
mido da nossa doutrina.
Todos nós, espíritos medianamente cultos, não ignoramos as
vicissitudes das idéias novas. Estas avançam e vencem com o sacri-
fício dos que têm a coragem moral para expendê-las. A rotina, como-
dista e preguiçosa, tendo por si a fôrça poderosa da inércia; o precon-
ceito, orgulhoso e pedantesco; a maledicência perversa, atrevida e
covarde; a frivolidade pretensiosa; a má-fé pérfida e impudente, se
pactuam e se dão as mãos, fincando barreiras - 'e só abandonam o
terreno, pelo assédio constante dos fatos.
"Ciência e Religião, quantos mártires têm tido?"

(21) Carlos Imbassahy - "A Evolução".


A
TEORIA
ESPíRITA

o CARÁTER essencialmente racional de que o Espiritismo se


revestiu, torna pueris as acusações de empirismo e de sobrenatura-
lismo que muitas vêzes lhe dirigem.
Não seria demasiado insistir sôbre êste ponto. A realidade das
manifestações espíritas repousa, já o vimos, sôbre testemunhos insus-
peitos de homens cuja competência é reconhecida. Devidamente
verificados os efeitos, preciso foi procurar a causa, e, se os sábios
afirmaram havê·la encontrado na intervenção dos espíritos, é porque
a natureza dos fenômenos não permite outra explicação plausível.
Não se infere daí, porém, que êles devam ser classificados no
domínio do sobrenatural, pois nada seria mais contrário ao bom senso.
O sobrenatural não existe, nem poderia existir. Tudo no Universo
é regulado por leis.
Demonstrar a existência de um fenômeno é colocá·lo na ordem
permanente das coisas, é submetê-lo à lei natural. No meio dêste
Universo em que tudo, sêres e coisas, encadeia e se liga em estreita
solidariedade, em profunda e sublime harmonia, não há motivo para
o milagre nem para o sobrenatural.
Leis tão rigorosas e inflexíveis como as que governam a matéria,
regem o mundo invisível. Para conhecer o seu admirável funciona-
mento só há um meio: estudar.
Apesar das dificuldades que apresenta, não há estudo mais fecundo
que o do mundo dos espíritos. Abre ao pensamento perspectivas
inexploradas, ensina a nos conhecermos, a penetrarmos os recônditos
mais íntimos do nosso sêr, a analisar as sensações, a medir as facul-
dades, e em seguida a regular melhor o seu exercício. Libera-nos,
finalmente, da escravidão e do mêdo.
:e esta, por excelência, a dênda da vida da alma, não só em
seu estado terrestre, mas também em suas transformações sucessivas
através do tempo e do espaço (1).

(1) Léon Denis - "Depois da Morte".


154 I'EDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 155

Mas, perguntar-nos-ão, qual é a natureza e procedência das almas? Se o nosso destino se reduz, afinal, ao aniquilamento, donde
Que significa? nos veio a idéia da imortalidade?
S.erão elas uma criação independente da Natureza, individuali-
dades superiores distintas do homem, ou serão, como em geral se Nada é mais razoável, racional e concludente para os nossos sen-
presume, os espíritos dos homens que já viveram na terra e que vivem tidos, senão a realidade de nenhum homem duvidar de que existe e,
noutros planos libertos dos laços materiais? contudo, o simples fato de existir implica em mistério, por certo
mais complexo que a imortalidade.
A crença na alma foi estabelecida até agora sôbre dissertações
metafísicas e sôbre revelações divinas não comprovadas. A religião, Até mesmo a observação mais superficial destrói a hipótese mate-
a fé, o sentimento, o desejo, o temor, não são provas. rialista que faz da consciência uma função da matéria, pois que não
A palavra alma e seus equivalentes nas línguas modernas (espí- deixaria de revelar-se de um momento para o outro, pelo menos
rito, por exemplo) ou nas línguas antigas, como (mi,ma, spi-rit'Us, atma enquanto o corpo não se decompusesse inteiramente.
- alma (vocábulo sânscrito ligado ao grego _ vapor), etc., implicam Uma das exposiçôes mais brilhantes sôbre êste tema é, sem dúvida,
a idéia de sôpro; e não há dúvida que a imagem da alma; e de espírito a de R"~HLgiQi~I, que fixa a conformidade das leis físicas ao reconhe-
exprimiu a idéia primitiva de sôpro aos psicólogos da época. Psyche cer a impotência da manifestação da matéria sem vida e da influência
provém do grego e significa soprar. do espírito sôbre a matéria, isto é, da inteligência, profundidade e
Êstes observadores, identificando a essência da vida e do pensa- intensidade dos movimentos da matéria agenciada. Não conhecemos
mento com o fenômeno da respiração, e, de outro modo, tendo de outra exposição tão profunda e merecedora da nossa admiração, pois
conciliar o fato patente, irrecusável, da decomposição do corpo,"do nos revela desde as sensações genésicas da matéria bruta até! as emoções
corpo privado de sôpro", privado da alma, com as aparições dos fundamentais do sêr pensante; da integração da criatura no Universo
mortos, isto é, a vida persistente daqueles cujo cadáver aí jazia, ou, à evolução de si mesmo - em escalas tão progressivas que passa a
o que mais é, dissolvido e reduzido a pó - imaginaram que o sôpro, refletir as vibrações idênticas do sêr em que se integrou.
a alma, era alguma coisa que abandonava o corpo na hora do pas- Ouçamos-lhe a palavra:
samento, para ir viver noutra parte a sua própria vida. "Deve-se estabelecer em principiá que os movimentos executados
Ê curioso: ainda hoje o último suspiro designa a morte. pelo homem, seu calor animal, a circulação do sangue e fluido nervoso,
Em geral os homens pensam, com uma convicção perfeita, que as vibrações da matéria cerebral, etc., não são absolutamente proprie-
só há no mundo uma única realidade incontestável, a realidade dos dades da matéria de que êle é formado, porém modos da energia
objetos, da matéria, isto é, do que se vê, do que se toca, do que cai universal, manifestando-se segundo os fins da vida, por intermédio
sob a apreciação dos sentidos. O resto para êles não passa de abstra- da matéria agenciada molecularmente, de uma maneira especial para
ção, quimera, coisa nenhuma. êsse fim.
Tal modo de ver tem por si a maioria dos sábios e a de tôda
gente. Mas a maioria dos sábios e dos leigos podem errar, e é o Apressemo-nos, porém, a dizer que se o homem fôsse todo êle
que se dá (2). fôrçae matéria, sua personalidade não subsistiria por mais tempo do
Se não vejamos: que a combinação dêstes dois elementos, porque nenhum dêles é êl.e.
Seremos nós tão grandes que criemos ideais elevados e tão peque- Entretanto, o homem, o filósofo, elevando-se acima dos objetos
nos que os vermes nos devorem para iludir a vigilância da morte materiais para melhor dominá-los, mergulha o pensamento na exten-
que também os espreita? são infinita para aí procurar a solução de dois mistérios: o mistério
Serão de tal modo prodigiosas as nossas faculdades que criamos do mundo e o mistério que é o seu próprio destino. Contempla a
ideais sem realidade e essas faculdades, que tão superiormente se abóbada celeste e os astros; considera ansiosamente o Universo onde,
revelam, negar-se-iam a si mesmas iludindo-se e deixando-se vencer êle, átomo, está perdido. Para que nada o perturbe, procura abstração
pela mais fraca das negações - nada? de tudo quanto aprendeu até então.
Terá o nosso pensamento fôrças para conceber a imortalidade Um fato lhe impressiona imediatamente o olhar: existe tt!gzmul
e não terá a natureza capacidade para realizá-la? coisa; esta alguma coisa é a matéria.
Um segundo fato lhe atrai quase logo a atenção: essa matéria
(2) Camille Flammarion - "A Morte e seus Mistérios" vaI. 1. se move. Imediatamente o homem percebe que ela não se move
156 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 157

por uma virtude própria, visto ser inerte, e que, sendo assim, não e compreendeu que, simultâneamente com a matéria e com a energia,
pode mover-se: o 'exame mostra-lhe que êsse movimento, tôdas as existe a Inteligência do mundo" (3).
suas conseqüências e transformações, são manifestações da energia. Não é evidentemente nos cadáv·eres que se deve procurar o Prin-
Energia psíquica, energia mental, pensamento. cípio da Vida, porque êsse princípio deixou de existir ali, como é
Depois de ter verificado que tudo, até êste ponto do exame, fácil de concluir, desde que tão profundas diferenças se observam.
se reduz a mostrar dois princípios aos quais podem ser subordinados saber o é a alma? - dizia o Padre Antônio Vieira
todos os fenômenos de que êle é testemunha, o homem detém-se
espantado e desiludido. A energia pode dar-lhe a razão da existência Atualmente, graças aos modernos estudos da Clencia espírita,
da matéria; mas que é a energia, donde v·em e que encerra ela? pode-se, em resumo, afirmar que quando o sêr morre, o seu espírito
Em vão êle dirige longamente o seu olhar para os mundos, que e perispírito abandonam o organismo material e aguardam temporària-
continuam majestosamente trilhando o caminho que uma sábia e invi- mente no espaço o ensejo propício para revestir, por um nôvo nasci-
sível mão lhes parece ter traçado nos céus. Desespera de nada apren- mento, uma nova forma corpórea, ou neste planêta em que habitamos,
der dêste grande Universo solene, mudo para êle, ·e, todavia, animado. ou em outro superior, onde possa prosseguir na sua evolução.
Por mais que interrogue as estrêlas, a lua, o sol e os planetas -
Desta sorte, o homem, como todo o sêr vivo, é um composto
todos êsses gigantes das' alturas incomensuráveis permanecem surdos de três entidades: um espírif!o, princípio intelectual e individual; um
à sua voz. perispírito, princípio fisiológico e organizador, e um corpo, princípio
Então, só resta ao homem regressar à sua própria natureza, auscul- material, destinado a pô-lo em contacto direto com o mundo externo (4).
tar o seu viver e analisar-se a si mesmo.
Ê o perispírito ainda que, no indivíduo, mantém a identidade
Vê, em si, a princípio, um corpo f.eito de matéria emprestada da consciente do sêr, pois que sendo um ponto assente em fisiologia
matéria ambiente; êsse corpo emprestado não lhe pertence, pois que que de sete em sete anos, ou (segundo outros) em período muito
deve ser privado dêle um dia; restitui-lo-á à terra, da qual o recebeu mais curto, tôdas as moléculas do nosso corpo são eliminadas e substi-
e o formara, no dia do vencimento da letra, que chegará inevitàvel- tuídas por outras, é lógico supor que decorrido êss·e dclo não pode-
mente a cada um por sua vez. Quanto mais êle se analisa, mais acha ríamos ter a consciência de sermos a mesma pessoa que éramos no
a sua matéria semelhante à outra. comêço dêsse período de tempo.
Depois, ainda encontra em si, sob aspectos tão variados como E todavia é certo que esta renovação celular não obsta a que
os da matéria, essa energia, cujos efeitos viu nas coisas que o cercam. o homem tenha nítida consciência de que a sua pessoa e os seus
Até aí compreende que é feito de matéria e de energia universais; órgãos são precisamente os mesmos que anteriormente.
mas como foi que êle compreendeu tôdasessas coisas?
Ê que o perispírito, como fôrça de assimilação unificadora do
Com o auxílio da matéria, com o dâ: energia, ou com o de ambas? sêr, substituiu assim, pouco a pouco, as células eliminadas por novaS
Então, a matéria e a energia universais seriam, por ventura, inteligentes? células idênticamente orientadas.
Vendo os feitos da morte e a inércia de um cadáver, êle deduz
do fato que a matéria isolada não compreende nem pensa. (3) Paul Gibier - "Análise· das Cousas".
Analisando as variedades de energias, e vendo que elas não servem (4) O perispírito do Espírito (do gtego : petí - em volta) é a confirmação
lógica do estudo dos "Evangelhos" e das "Cartas Apostólicas", e ainda mais, o resultado
senão para entreter as funções da matéria organizada, ou para exe- do ensino emanado dos espíritos, cuja miss-ão é tlensinar tôdas as verdades e restabele..
cê-las no seu verdadeiro sentido". (João, XIV, '17-26; XVI, 12-13-29).
cutar as ordens da vontade consciente e inteligente, concluiu daí haver :Il doutrina antiga - dos egípcios da XV dinastia; descrito por Paracelso no
compreendido o que queria compreender, com alguma coisa que não século XVI; estudado por Elifas Levi, como duplo.fluídico, em 1863. Os principias
espiritualistas nos ensinam que no homem existem três elementos a constituí·lo: o
é nem a sua matéria nem a energia; e dá a isso o nome de inteligência. corpo material; o corpo espiritual ou perispiríto que une o corpo físico ao espírito e
que lhe serve para suas manifestações exteriores; e o espírito. A existência do. per.is w

Conhecendo sua própria natureza, o filósofo prossegue logica- pírito era conhecida com o nome de "Ochema" pelos filósofos gregos e onentals:
classificavam-no como uinvólucro da alma, lúcido, etéreo e aromático",
mente do conhecido ao ignoto e diz consigo mesmo que, sendo a ~ doutrina da Igreja que, se o espírito existe, deve existir com um corpo, para se
fazer conhecer. E nada mais lógico. Santo Agostinho, o doutor da Igreja, entre outras
sua matéria e energia tiradas da ordem universal, a inteligência deve considerações. diz: acredito, portanto" que a alma não poderia viver sem corpo
tt • • •

ter a mesma origem: adivinhou o terceiro elemento do Universo; viu algum". (Obras de S. Agostinho, ed. bened., de 1679, tomo II, carta 258 e segt.) ,
Cf. citação de J. B. Valladão in "Revista Internacional do Espiritismo".
158 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 159

Não se julgue, porém, que o perispídto esteja sempre como a todo o momento para quem queira se dedicar à sua pesquisa. A
que encerrado dentro do sêr vivo: êle se expande, mais ou menos organização do sêr humano acusa a existência do perispírito.
intensamente, segundo o seu grau de pureza e o seu poder irradiante. Seja, porém, qual fôr a forma de encará-lo, o indubitável agora
Essal irradiação manifesta-se visivelmente na aur,a ou eflú1Jio ódico, é que no perispírito, ou seja, o invólucro do espírito, existe, como
demonstrado por Reichembach, Boirac, coronel de Rochas, bar:io du em todos os sêres vivos, um fluido poderosíssimo, independente -e
Prel, Baraduc, Durville, Martins Velho, Lobo Vilela, Chazarain, du diverso da parte material do nosso corpo, facílimo de se demonstrar,
Potet, Durand de Gros, e outros mais. porque em determinados casos êsse fluido se irradia. do nosso corpo,
tornando-se visível em certas circunstâncias, e podendo fotografar-se,
No sêr humano, como até nos vegetais, existe também o fluido
-medir-se e apreci,ar-se com diversos apar-elhos. Aludimos ao magne-
vital (5), mas o perispídto é o preservador dêsse fluido, o que con-
trola o seu equilíbrio no organismo, assim como o cons-ervador da tômetro de Fortin, ao galvanômetro de Crookes, ao dinamoscópio de
forma material. A agregação e desagregação da matéria corporal, Callongues, ao biômetro de Baraduc, ao pêndulo de Thorre, -etc.
a organização e reorganização dos tecidos, bem como os processos Urge que o leitor não se habitue a ver nesta expressão. - ui 0 f! 4
indispensáveis à manutenção de organismo, não têm explicação satis- _ apenas um têrmo vago, destinado a disfarçar a nossa IgnoranCla.
fatória 50-e excluirmos o perispírito. Cumpre ficarmos persuadidos de que estamos I:erenemente_ numa
atmosfera invisível, intangível para os nossos sentidos, mas tao real
Çlaucle Bernard, que a princípio edge a fisiologia como disci-
e positiva como o próprio ar.
plina autônoma, introduzindo o determinismo científico em tôdas as
Não temos visto as maiores inteligências, os mais hábeis ana-
reações do corpo, julgava ser tudo isso impossível de se realizar sem
" a idéia diretriz, espécie de entidade metapsíquico-biológica. O filó- listas, químicos e físicos, viver em cor:tacto diu~urno com o "argon",
-_ sofo inglês Cudworth denominou êsse elemento constitutivo do sêr esta nova matéria gazeificada que faZia parte mtegrante do ar, sem
que lhe suspeitassem a existência? (7).
{humano, de ?!!:J!."fli:J!/{qLPf~{!~EO, porque sem êle não se conceberia o
\ modo pelo qual a matéria' é plasmada. Servimo-nos de um exemplo: a luz, que para Newton era "emis-
são corpuscular", com Fresnel passou a ser um "movimento ondula-
Sôbre o perispírito e a pr-ecadedade da fisiologia oficial para tório", finalmente chegando, através de inúmeras pesquisas, a ser
explicá-lo, q,:Ql:". G.\I,,~ta~_!L_Q~A~y.1 em sua magistral obra, diz: classificada como "partículas-ondulantes".
"É preciso, e' é quanto basta, para compreender o mistério da N o mundo que conhecemos, mundo do qual a ciência cada dia
forma específica, o desenvolvimento -embrionário e pós-embrionário, descortina imperfeitamente algum nôvo mistério, tud? par-ece não ir
a constituição e a manutenção da personalidade, as reparações orgâ- além de fluidos e vibrações. A luz, o calor, a eletrlCldade, os son~,
nicas e todos os outros problemas gerais da biologia, a admissão de não passam de vibrações, mesmo! a teoria ondul~tória de M. d.e Brogl1e
uma noção que não é nova, mas se apr-esenta de uma forma nova, a e a teoria dos "quanta" de Max Planck, consIderando-.se, amda, qu.e
de um dinamismo superior ao organismo que o condiciona. Não se o "princípio de incerteza", proposto por Werner ~. Helsenb:tp (derI-
trata, certamente, da idéia diretriz de Claude Bernard, uma espécie vado da teoria dos quanta), já ultrapassou os lmdes da f1S1ca para
de abstração de -entidade metapsíquico-biológica incompreensível; mas ser invocado até no terreno da psicolog'a.
sim de uma noção concreta, de um dinamismo diretor e centralizador,
Sabe-se em química, por exemplo, que combinadas ce~ta~. pr?-
dominando as contingências intrínsecas, as reações químicas do meio
porções de duas inocentes substâncias abstrata's -:- por!a?to mV1Stvezs,
orgânico como as influências ambientes do meio exterior (6).
intangíveis e imponderáveis - uma parte de hIdrogemo e du~s de
A idéia do perispírito não é necessária únicamente para dar oxigênio, ambas inofensivas, formam um elem'ento concr~o :- ~ ~gua.
explicação da existência do espírito, é fato constatado e constatável Junte-se-lhes um átomo a mais de qualquer dessas. substanCla~ ~nocuas
e teremos a origem de um outro elemento corrOSIVO e deleteno.
(5) Allan Kardec, que teve ocasião de verificar c estudar inúmeros casos, com Sabemos que depois de Lavoisier a química fêz progressos. n?tá-
diversos médiuns, de fenômenos objetivos, chegou à conclusão da existência de um
corpo fluídico que envolve o espírito ou a alma, assim como () corpo carnal nos veis e confundindo-se com a física pôde aprofundar a estrutura 1l1t1lna
envolve, e chamou a êsse corpo perisl)írito, explicando que: "envolvendo O germe de
um fruto, há o 11el'isperrna; do mesmo modo, uma substfmcia que, por comparação, se
pode chamar tJerispJríto, serve de envoltório ao espírito propriamente dito". (7) Charles Richet - "A Grande Esperança"; Gabriel Delanne - 'Te Spiriti~lllC
( 6) ""Ç!.R~tí.\XQ.."_G."L"x."~="-:]d",",,J:l.nfJlrL,s.itiLC_JllL,~S ci Cl1 t -, • Devant Ia Science".
160 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 161

da matéria. Porém, nenhuma diferença substancial foi assinalada Na Opll11aO de Reichembach, não somente o organismo humano,
sôbre as células animal e vegetal, do ponto de vista biológico, físico mas todos os corpos da natureza, estão penetrados de um "fluido"
e químico. A matéria que era de início desconhecida, granulosa, é especial, derivado da fôrça - substância universal dos ocultistas.~sse
constituída por átomos cuja pequenez perturba a nossa imaginação, pois fluido, êsse"od", como êles o chamam, pode ser projetado, voluntària·
existem mil milhões de átomos num miligrama de hidrogênio. mente ou não, fora do corpo,e,em certos casos, torna-se mesmo
Sabemos mais: que cada um dêsses átomos r·epresenta, por si só, visível. Sêres dotados de maior faculdade de percepção, que o autor
um mundo. E como se houvesse, no grande como no pequeno, uma chama "sensitifs", têm o dom de ver o "od" ou o "fluido" do homem,
organização homóloga, cada átomo é um mundo solar em miniatura, dos animais e das coisas.
constituído por um núcleo central semelhante a um sol, em tôrno do Mais tarde as afirmações de Reichembach foram verificadas pelo
qual volteiam os .elétrons (negativos) e os pósitrons (positivos), aná- çoroneLcli;lI\.QclIªs, cuja competência científica oferece garantias des·e-
logos êles próprios aos planêtas. jáveis; êste experimentador chegou a fotografar o que se pode chamar
"i11lagc11l astral" de um mineral~
Conseguiu-se, dêsses átomos, medir a velocidade, a energia, a
vibração e o número, como se mediu a. velocidade, a massa e o número Eis agora, segundo Arnold Bocowitz, que as reuniu em volume,
dos planêtas que gravitam em redor do sol. as pesquisas de Reichembach sôbre o "od":
"~ nas mãos, principalmente nas extremidades dos dedos,
Hoje sabemos, em escala notável, qual é a combinação das par- o f.enômeno é mais visível. A côr das chamas que daí evolam é
tíc:ulas que dá a cada átomo suas propriedades químicas, físicas e vermelha à esquerda e azul à direita. Do mesmo modo, em todos
óttcas, apesar de existir noventa e dois tipos de átomos até o presente. animais, o lado esquerdo desprende clarões ódicos vermelhos, e o
Conhecemos também como a estrutura de cada átomo gira teimosa· direito a luz azul".
mente em tôrno de uma diminuta região, chamada núcleo - que é
quase um ponto matemático. Recordamos que o Dr. Luys comunicou à "Sociedade de Bio-
logia" as experiências que, feitas com pessoas adormecidas, lhe deram
Finalmente, a matéria comum do Universo foi distribuída em resultados semelhantes àqueles que acabamos de citar.
novas partículas elementares, chamadas ~létrons, prótol1s, Acresçamos que opr~ Pal1lGil:>i~rafirma a existência
,n.eutro~ e }nésotrQns ( 8 ).
"fôrça anímica". ~le diz tê-la visto desprender-se na obscuridade,
Se a química e a física podem s·eparar os elementos constitutivos sob a forma de "matéria vaporosa·luminosa", do corpo de um dos
da água, patenteando suas propriedades, bem como pode decompor seus pacientes. "Ela emana principalmente ao nível da região epi-
um corpo composto, concreto, e se a biologia nos mostra que no inte- gástrica· ou dos grossos troncos arteriais. A propósito devo dizer que
rior de um corpo vivo, em sua estrutura íntima, estão aquêles mesmos por ocasião do desprendimento dessa fôrça do corpo do padente,
corpos inanimados que constituem o Universo e que podemos observá- geralmente os assistentes sentem, sobretudo no verão, ou uma atmos-
-los, quer sob o ponto de vista físico, quer sob o ponto de vista fera tépida, ou viva impressão de frescor" (9).
químico, por que não poderá o Espiritismo, do mesmo modo, separar Ao estudo demonstrativo da ação da "fôrça psíquica" feito pelo
os dois elementos constitutivos do homem: o espírito e a matéria? Professor William Crookes com o concurso do médium americano
. ~stes exempl?s devem, pois, inspirar confiança ao leitor quando Daniel D. Home, é desnecessário· salientarmos o desvêlo e o método
afIrmamos a reahdade concreta dos fluidos, e modéstia aquêles que que foram aplicados nessas experiências, pois a meticulosidade do
orgulhosamente proclamam saberem tôdas as coisas, supondo que a referido professor chegava ao extremo de anotar a temperatura do
natureza já não tem mistérios para êles. ambiente em que eram pesquisadas e atestar a ação dessa fôrça com
aparelhos de alta precisão.
. ~ por isso que ê~se fluido é admitido hoje por diversos fisio-
logIstas, embora hostIS, alguns, à teoria espiritualista. Assim o Apesar do desejo que temos de reproduzir as experiências, que
Barão de Reichembach apelidou-o - fluido ódico; outros - fluido são fundamentais, vemo-nos forçados a um resumo. Crookes veri·
n~urico, fluido psíquico, fôrça psíquica, fôrça irretdiante, fôrç4 vital, ficou, por meio de registradores uItra-sensíveis e construídos ad hoc,
força astral, etc., ou, segundo os espiritualistas, f/uido vital. que Home podia pela simples imposição dos dedos, sem pressi'ío (J

(8) Hogcrs D, R1Isk - "A Ciência Avança', (9) Paul Gibicr - "Análise das Cousas",
AFINAL, QUEM SOMOS?
162 PEDRO GRANJA

mesmo sem nenhum contacto, aumentar de quantidades enormes o demonstram, e as pessoas videntes o testemunham. Contra fa!()s
(3000/0) o pêso de diversos objetos. Basta citar apenas uma das não há argumentos. Quando um fato se produz, cessam tôdas as
declarações do experimentador, cuja gravidade o leitor fàcilmente negativas.
aquilatará: Sôbre o assunto, quão justas cabem aqui as palavras do nosso
I " ... Creio que descobri o que essa fôrça física emprega para
estimado confrade Manoel Quintão, quando diz:
I desenvolver-se. Servindo-me dos têrmos fôrça vital ou energia ner- "Pois bem: parodiando a cinca acadêmica, poderíamos colocar
;vosa, sei que uso palavras que para muitos investigador,es se prestam na bôca do sentencioso cientista contemporâneo a seguinte frase: CünlO
i a significações diferentes; mas, depois de ter testemunhado o estado pode haver magnetismo, se eu não vejo, não toco, não sinto o chamado
I penoso de prostração nervosa e corporal em que algumas dessas expe- fluido magnético?
'\ riências deixaram o Sr. Home, depois de tê-lo visto em um estado E, contudo, o sentiria, tocaria e v,eria, se o quisesse, tal como
! de desfalecimento quase completo estendido sôbr,e o soalho, pálido fizeram De Rochas, Durville, Dr. Luys, du Prei, Aksakoff, Azam,
e sem voz, não posso deixar de afirmar que a emissão da fôrça Grasset, Bernheim, Baraduc, Bertholet e tantos outros experimenta.
física seja acompanhada de um esgotamento correspondente de fôrça dores, argutos e probos, que comprovaram a exteriorização da sensi-;
vital" (10). bilidade e da motricidade, a fotografia dos eflúvios, a medicina
transplantatória, a ação medicamentosa a distância, etc.".
Tal é, resumidamente, a opinião do hábil físico inglês sôbre a
Hfôrça psíquica", ou conforme os espiritualistas a designam "fôrça Quanto às demais hipóteses fisiológicas, apresentadas para ex-
fluídica". plicar essas manifestações da individualidade psíquica independente
do organismo, são de todo insuficientes.
Em suma: para maior prova da sua existência, vêem·na, em com-
Se a velha metafísica já não nos convence, a metapsíquica não
pleta ou semi-escuridão, OS indivíduos sensitivos ou médiuns, em forma
explica e a teologia tergiversa com a razão, todavia, o homem, que
de auréola de côres diferentes, irradiando em tôrno da cabeça e mem-
pensa e medita, tem a intuição nítida de que há nêle um quid que
bros de cada um de nós.
não morre, e que o seu procedimento bom ou mau não pode ser
Vêem-na pela mesma forma os sonâmbulos lúddos;encontram-na coisa indiferente para o problema do seu destino.
nas chapas fotográficas, reveladas nas experiências do Dr. Luys, Dr. O homem é crente, por instinto; mas não pode acreditar nos
Belard, Dr. Baraduc, Dr. Bertholet, Dr. Martins Velho, Conde de deuses antropomórficos, caprichosos, venais e vingativos. qu: lhe. que-
Rochas, Richembach, e outros, que apresentam curiosíssimos exem- rem impor; não pode crer em milagre em virtude d~ ClênCla afumar
plares de impressões digitais e demais partes do corpo humano lumi- que êle não existe, subsistindo apenas o. des~onheC1mento da caus~
nosas e de várias espécies (11). que o originou; não pode aceitar a predestlllaça? .de uns p~ra a beatI-
Êste fato é de importância capital, sabendo-se que a fotografia tude, e na condenação eterna de outros a SUphClOS sem termo.
é o agente comprovante mais poderoso. O Dr. Baraduc, por exemplo, O homem de hoj e quer ser religioso, mas não admite cr.en~as
conseguiu fotografar os fluidos que envolvem o corpo humano. impostas em nome da fé; aceita apenas as que resultem de conVlcçoes
Numerosíssimas experiências dêsse gênero foram feitas, a partir baseadas na razão e na análise.
de 1927, pelo Dr. Bertholet. Obteve êle a fotografia das mãos fluí- Assim o homem não é, como o pintam os materialistas, um. perso-
dicas de Issaeff. Na fotografia vêem-s'e não só vagas auréolas envol- nagem efêmero, que por fatd:idade do destino nasce prínope O~l
vendo a imagem das extremidades digitais, mas ainda um completo carvoeiro, banqueiro ou mendigo, filantropo ou salteador, e que, malS
sistema figurado de linhas de fôrças emanadas de um ou muitos cen- cedo ou mais tarde, vai encontrar no túmulo, que a todos aguarda,
tros e irradiando dos dedos como que uma fonte luminosa. um destino exatamente igual - o aniquilamento da sua individua·
Apesar de tôdas as críticas o valor documental das fotografias lidade destruicão que seria a máxima das injustiças e o cúmulo dos
, >

não pode ser negado, acrescenta o Dr. Belard, outro grande pesqui- absurdos! ...
sador. São, portanto, os cientistas que o comprovam, e as fotografia.s Não! pelo contrário. O homem é uma indivi~ualidade indes-
trutível, que pelos seus próprios esforços se aperfeIçoa e progride
(lO) William Crookes, - "Das Fôrças Psíquicas". em novas encarnações, depurando-se pelas provas.
(11) A. A. Martins Velho - "O Magnetismo".
164 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS?

Assim o pede a Justiça, assim o reconhece a Razão, assim o No entanto, podemos confirmar a prova da sua existência, basea-
confirmam todos os que, tendo deixado a terra, viv,em nas regiões dos em dados experimentais rigorosíssimos que, resumidamente, pode·
do espaço.
rão ser expostos assim:
a) Os espíritos são pura e simplesmente as almas. de in~ivídu()s
que, em épocas mais ou menos recentes! ou remotas, habltaram a super.
Presentemente, a distinção do corpo e da alma, sua própria fície da terra.
individualidade, são observadas em diversas drcunstâncias e em certos b) Todos os espíritos, que se manifestam na terra, são con-
estados de hipnose, como, por exemplo, os de sonambulismo, de mag- testes em afirmar como sendo almas que já viveram aqui, dando os
netismo, de desdobramento da personalidade, de aparições de mortos nomes por que foram conhecidos e apresentando, também, provas
e vivos, de visões, de dupla vista, de transporte, de "rapport", de irrecusáveis da sua identidade.
psicografia, de escrita direta, de incorporações mediúnicas, de voz
c) Aquêles que se materializam com niti~ez, apresentam. as
direta, etc. A êste respeito, o Dr. Gustavo Geley dizia:
feições exatas que aqui tinham; e os que se mamfestam pela escl'lta,
"Adote-se ou não a explicação espírita, o certo é que dos estudos revelam a mesma caligrafia e o mesmo estilo característico.
de psicologia experimental resultará a derrota do materialismo nega-
Estas experiências, feitas centenas de vêzes por co~s~ícu?s obser·
tivista. Não são somente os fenômenos mediúnicos que o contrariam,
vadores de todos os países, demonstraram, por forma lmludlvel, que
mas os estudos sôbre a telepatia, o hipnotismo, o sonambulismo, os êsse quid misterioso sôbre o qual a morte não tem poder, continua a
desdobramentos da personalidade, as manifestações superiores da viv,er noutro meio, podendo, em condições determinadas, tornar-se
subconsciência.
vísívele tangível, reconstituindo, pela adjunção temporária de molé-
Não é mais possível considerar o pensamento como secreção do culas materiais, hauridas no meio ambiente, um corpo nôvo, cópia
cérebro, nem a alma como função dos centros nervosos. :Ê inadmis- fiel daquele que a morte desagr,egou.
sível, com efeito, que uma secreção anormal, acidental, patológica,
possa ser constantemente superior à secreção normal, regular e fisio- Apoiando-nos nas observações de tão distinto.s sábios: e acres-
cendo as experiências dêsses ensinos com as pesqUlsas r·eahzadas por
lógica. Não é possível conceber uma função que não só possa ser
nós, é nossa a honra em seguir-lhes as pegadas.
separada no órgão, como ainda, em tais condições antifisiológicas, adqui-
rir mil vêzes mais potência e extensão. Não seriam por demais insistir :Ê que o Espiritismo não é crendíce própria de espíritos fracos;
neste raciocínio: a interpretação dos fenômenos do Espiritismo experi- mas um corpo de doutrinas científicas e positivas, baseadas em mune-
mental pela doutrina espírita (abrangendo a teoria anímica) é a mais rosíssimos fatos, meticulosamente observados, e nas revelações concor·
simples, a mais racional e a mais natural". dantes de milhares de espíritos desencarnados.
O Espiritismo, na sua prática doutrinal e experimental, explica Só ignorantes, ou aquêles que, não o sendo, não quiseram todavia
a concepção dêsses fenômenos e prova que a alma humana é uma estudá-la conscienciosamente, é que hoje se atrevem a combater ou
substância distinta do corpo e que, ao contrário da sua etimologia, impugnar a doutrina espírita. Mas êsses, embora constituam número,
a alma não é um "sôpro": é uma entidade viva e inteligente. nada provam, porque lhes falta autoridade para discutir ,e argumentar
As provas da sua existência e imortalidade são inúmeras: seria o que nunca estudaram.
necessário um volume especial para expô-las. Cada um de nós, além E mais: a doutrina espírita abomina o mistidsmo e. não reco-
disso, já se terá certificado algumas vêzes (12). nhece o milagre; para ela todos os fenômenos são naturals, embora
pouco vulgares.
(12) Aos leitotes que se interessarem pelo assunto e quiserem dados criteriosamente A sua doutrina, longe de nos fazer aceitar isso cegamente,
observados, podemos indicar as seguintes obras: "Fenômenos Psíquicos no Momento da
Morte" e " A Crise da Morte," de Ernesto Bozzano; "Apres la Mort" de Luis Figuier. a distinguir o verídico do fals~, o p~ssí.v~l do, imp0:,sível, lmediante
tl9 Além. e a Sobrevivência do Sêr" e 1'0 Problema do S,êr, da Destino e da Dor" d~ leis que se revelam em relação a constltUlçao e a funçao do elemliítlto
Leon Denls; uA Grande Esperança" e "O Sexto Sentido" de Charles Richet· uRumo às
Estrêlas" de H. Dennis Bradley; 'tA Morte e o Seu lvfistério" de Camile' Flammarioo espiritual.
::A ~Ima é ~n:orta~" ~~ Gabri~1 .Delann~; "No Limiar do Etéreo" de J. Arthur Findlay;
E!1~lnos. Esplntua!Istas de WIlltam Staloton Moses; uRechcrchcs sur lcs Prenomenes du
o

Para ela não há mistérios, mas sim ciência; ciência


Spmtuabs~e" d.e. Wi!liam Crookes; "Réligion Discutée" de Robert Dale Owen; "Como
me To:.nel Espmtuabsta" de Cyriax; "La Realité des Epirites et leurs Manifestations" razão e nos fatos, que procura o conhecimento. Não repud1l1
do Barao de Goldenstubbé; "O Espiritismo à Luz dos Fatos" de Carlos Imbassahy. quer descoberta nova, porque "a ciência é o repositório d~IS
166 PEDRO GRANJA Aí'ÍNAi, QÜEM SOMOS? i61

natureza, e, ~endo estas de Deus, repudiando-a é repudiar a obra porque, não sendo formulada previamente ·em bases perfunctórias, ela
divina" (13). abrange tôdas as variedades e tôdas as modalidades dos fenômenos.
A razão de deparar-se nela completa e satisfatória solução do que
Experimentadores e psicólogos eminentes já lançaram as bases
debalde se tinha procurado, torna-a aceita em caráter genérico.
da anatomia e fisiologia da alma humana, fazendo-a descer das con-
cepç6es abstratas e imateriais à realidade objetiva da análise e da Entretanto, ainda há muitos que a repelem. Tem ela êste ponto
observação. Será a ciência do presente século, - ciência da alma de contacto com tôdas as grandes idéias, que surgem em oposição
como a denominaram - acionada pela incoercível lei da Evolução aos costumes e às crenças, e sempre encontrou, em mais ou Inenos
Universal. tempo, contraditares intransigentes, mesmo entre os homens esclarecidos.
E foi o que se deu. Com o progresso e o conhecimento das Chegará, porém, o dia em que a verdade deve luzir. Então os
leis da natureza, tais fenômenos têm, pouco a pouco, passado do instrumentos da oposição ficarão surpr·esos, tão natural lhes apare-
domínio do maravilhoso ao dos efeitos naturais; de modo que o cerão o que combatiam.
que outrora se supunha sobrenatural, não o é mais atualmente, nem Assim será com o Espiritismo, e já é para se surpreender que,
o será doravante. de tôdas as grandes idéias que têm convulsionado o mundo, nenhuma
É regra experimental estabelecida e perfeitamente lógica que "se
conquistou em tão pouco tempo imenso número de partidários em
um fenômeno se reproduz em idênticas condições, é porque obedece todos os países e em tôdas as classes sociais (14).
a u.ma lei - e, pois, já não é miraculoso. Essa lei poderá, quando Mas, perguntar-nos-ão, o que vem a ser essa doutrina, cujas expe-
mUlto, ser desconhecida, mas não deixará de existir, e o tempo riências provam a existência dos espíritos?
promulgá-la-á". É muito fácil, facílima a sua explicação. É só questão de querer
Portanto, não sejamos levianos em rejeitar a pl'iori o que à entendê-la. Para isso, porém, é preciso despir-se de todos os "dogmas"
primeira vista não podemos compreender, porque longe estamos de e preconceitos religiosos, de seus misticismos incongruentes e de tôdas
conhecer tôdas as leis, e a natureza não nos revelou ainda todos os as vaidades, científicas ou não.
seus segredos. Segundo a teoria espírita, o homem é um espírito, momentânea-
O mundo invisível, bem o sabemos, é um nôvo campo de obser- mente revestido de uma forma corpórea.
vação - cujas profundezas seria presunção suporem-se exploradas, O espírito não é mera abstração, nem um ponto matemático,
quando incessantemente se estão patenteando aos nossos olhos novas mas sim entidade real, circunscrita e limitada, a que só falta o ser
maravilhas - todavia, devemos concordar, fatos há que a impossibi- visível e palpável para se assemelhar aos sêres humanos.
lidade material é demonstrada pela lógica e pelas leis conhecidas. Em vida como depois da morte o espírito acha-se constantemente
Os que se obstinam em negar a existência do mundo espiritual, envolto numa substância fluídica mais densa, embora também em
sem contudo poderem neutralizar os fatos, se esbofarão em procurar· regra seja invisível, a que se convencionou chamar Pe.,!i~PiTi!J!__f!:':L
-lhes a causa exclusiva no mundo corporal; mas uma teoria só é (qJ:J!ILE~f!flL,
verdadeira quando pode dar a razão de todos os fatos e cai por O perispírito do homem apresenta a forma humana, e é por
terra desde que um único a contrarie, pois as leis da natureza não seu intermédio que o espírito exerce um poder extraordinário sôbre
admitem excepções. a matéria que o reveste e o rodeia por tôda a parte.
Foi o que aconteceu com a maior parte das que foram, a prin- A ação dêle sôbre a matéria ponderável explica-se fàcilmente
cípio, imaginadas para explicarem os fenômenos espíritas; tôdas ruíram pela sua natureza fluídica. Sabe-se em física que os gases e fluidos
sucessivamente, e tudo mais não se resumia a opiniões pessoais, diante mais rarefeitos, os imponderáveis como o calórico, a eletricidade ou
dos fatos que lhes escapavam. o éter, na hipótese de um só fluido, são tanto mais poderosos quanto
Quando foram esgotados todos os sistemas, quando as positi- mais rarefeita. é a sua substância.
vidades dos fatos ficaram à margem de seus conhecimentos, não houve Não é porventura a luz imponderável que exerce poderosa ação
remédio senão recorrer à teoria espírita como a mais concludente, química sôbre a matéria ponderável?

( 13) AUan Kardec - "Obras Póstumas" , (14) Allan Kardec - "Obras Póstumas",
168 :PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 169

Não é ela que na chapa fotográfica decompõe os sais de prata Sendo o homem apenas U111 espírito aprisionado no corpo, atuando
e que reproduz a imagem? em vida sôbre êsse corpo por intermédio do perispírito, e podendo,
Não é sob a sua ação enérgica que s·e elabora nos tecidos da pela mesma razão, depois de liberto, influir sôbre a matéria ponderável,
planta a clorofila que dá às fôlhas e bela côr verde que ostentam? por que é que os espíritos livres não hão de querer e poder se comu-
Não é a privação da luz solar que dá aos mineiros a côr terrosa nicar com as pessoas que aqui deixaram e a quem se achavam ligados
e pálida, resultante de uma profunda alteração das condiç6es fisio- pelos vínculos do amor ou da amizade?
lógicas normais do organismo humano? Será lógico supor que a morte destruiu para semp're com o amor
Se, pois, a luz, agente imponderável, atúa energicamente sôbre materno, paterno, filial ou conjugal?
a matéria inerte e a organizada, por que não há de o espírito, mais
imponderável ainda, influir poderosamente sôbre a matéria bruta? Desde que se admite que a alma sobrevive ao corpo, é lógico
E a eletricidade, imponderável também, que fôrça colossal não supor que ela conserva a sua identidade e personalidade, isto é, todos
exerce ela sôbre a matéria, iluminando cidades, impulsionando com- os conhecimentos adquiridos na vida e todos os afetos que a exornavam.
boios e acionando fábricas enormes? Ora, sabendo-se que os espíritos temporàriamente permanecem
Se, pois, a luz, o calórico, aeletricidade, atuam sôbre a matéria no espaço em plena liberdade e de acôrdo com o grau de evolução
inconsciente e fatalmente, como não se admitir que o espírito, fôrça de suas esferas, submetidos porém à lei do "livre arbítrio" ou da
inteligente e voluntariosa, exerça sôbre a matéria uma ação mais enér· "causa e efeito", podendo transportar-se de uns a outros lugares com
gica e mais consciente. a celeridade do raio, não será lógico ·e conseqüente admitir que aquêles
O corpo, agregado molecular de matéria, desagrega-se nos seus que em vida nos amaram, sintam-se depois da morte atraídos para
elementos constitutivos - 'morre; mas êsses elementos não s·e destroem, nós, e que desejem por qualquer forma nos comprovar a sua exis-
não se aniquilam, transformam-se apenas, indo entrar na composição tência e entrar em relação conosco?
química de outros sêres. Se esta hipótese não é racional e lógica para os que admitem
"O corpo é o espirito materializado, porque o homem, quando como incontestável a existência e sobrevivência da alma, nós pedi-
morre, aí paraliza a sua evolução de agregação e desagregação. Não remos a êsses pensador.es que, embora endossando êstes princípios
envelhece, não evoluciona, mas sim tende a esboroar-se, voltando à se recusam a aceitar as suas conseqüências, nos demonstrem com; razões
insignificância dos elementos simples que constituem o Universo. físicas ou fisiológicas que estamos em êrro, provando:
A vida, sem dúvida, é um espírito materializado, e o corpo é
a conseqüência dessa materialização, em contínua agregação e desa- a) que quem pensa em nós durant·e a vida, não pode pensar
gregação" (15). em nós depois da morte;
O espírito, porém, substância simples e una, sem elementos quími- b) que quem pensa naqueles que amou em vida, não pode
cos desagregáveis, não se decompõe pela morte, liberta-se apenas do reentrar em relações póstumas com êles;
corpo, conserva a sua individualidade e personalidade anterior, e vive c) que, se pode estar em qualquer parte, não pode estar ao
perpetuamente, envolto no seu perispírito, nas regiões do espaço, a nosso lado, e estando junto de nós, não poderá por qualquer forma
menos que não volte a animar um outro corpo. comunicar-se conosco;
Resta agora saber se o espírito, depois de emancipado dos laços
corpóreos, pode ou não se comunicar com os homens vivos, e trocar d) que pelo seu invólucro fluídico (perispírito) não pode atuar
sôbre a matéria ambiente, inerte ou animada;
com êles os seus pensamentos.
Que isso já ultrapassou os limites de uma simples possibilidade, e) que, podendo atuar sôbre a matéria, não pode produzir sinais
atingindo em cheio o domínio do real, hão de demonstrá-lo todos materiais convencionais (MiJps); ou podendo influir uma pessoa (mé-
os fenômenos que temos de expor mais adiante. dium) , não pode incorporar-se nêle a fim de transmitir o seu
Por ora contentamo-nos com a demonstração da simples possibi- pensamento.
lidade, apoiando-nos tão só sôbre a razão; os fatos virão mais tarde. Quando os adversários do Espiritismo nos demonstrarem que istlo
não pode ser, mediante razões irrespondíveis, então não teremos dúvi-
(15) Raimundo Nnronha - ttHomem, Deus ou Demônio?" da em reconhecer que estamos errados.
170 PEDRÓ GRANjA CAPÍTULO XII

Essa demonstração, porém, até hoje ainda não se fêz.


Os espíritas provam cientificamente a sua crença com numero- A
síssimos fatos irrefragáveis, e com o raciodnio mais rigoroso; os incon-
seqüentes fecham os olhos propositadamente aos fatos, e sem demons- CItNCIA
trar a sua falsidade, limitam-se a diz·er dogmàticamente: "Não creio E
porque isso é impossível".
O
Nós também sabemos fechar os olhos. Mas se os cerramos é
em virtude da ignorância daqueles que, acima da razão e do bom ESPIRITISMO
senso, colocam a fé cega nos dogmas, embora conservando os olhos
abertos. Quanto à negação, nada prova. Seria, até, absurdo, o nada
provar alguma coisa ...
Os negadores divertem-nos quando afirmam doutoralmente que INTRODUÇÃO
não há nisso senão ilusões, erros, mistificações, alucinaçõ·es, presti-
digitações e outras parvoíces; que êles conhecem a lei da natureza;/
que o Universo não tem segrêdos para êles; que a alma não existe;
que não há espírito nem no homem nem no cosmos e que tudo AINDA que as apançoes ou as materializações de mortos se
~e explica pela matéria e suas propriedades. tenham produzido em tôdas aS épocas, visto os anais dos povos antigos
Analisando-os, porém, com modéstia, êstes "raciocinadores" não são ou modernos, selvagens ou civilizados, registrarem numerosos exem-
cândidos . .. plos, os fenômenos de materialização não foram aceitos sem dis.cussão,
principalmente pelos espíritas, porque êles estão de tal maneira opostos
Os fatos que vamos relatar, apesar de exigirem uma atenção
ao que acreditamos saber sôbre a natureza da alma, imaginada pura-
especialmente ~evera, por estarem em desacôrdo com as noções atuais
mente imaterial, que foram necessárias centenas de testemunhos para
de conhecimento, são precisos como as observações astronômicas, físi-
se admitir a realidade dessas manifestações.
cas, geológicas, antropológicas, fisiológicas, etc.
Antes de entrarmos em maior·es detalhes, devemos, primeiramente,
Portanto, vamos aos fatos, pois Magendie já dissera que não há
compreender que o mundo do espírito faz parte do Universo e circunda
nada mais teimoso do que um fato ...
o mundo em que vivemos; que, embora de uma substância delica-
díssima para ser apreciada pelos nossos sentidos, também é material;
que aqui, agora, somos espíritos revestidos de um corpo físico; não
sendo a morte mais do que o fenômeno pelo qual o corpo etéreo ou
corpo espirítico se separa daquele outro. Êsse corpo é o real ·e
permanente.
Aos que já viveram êste mundo físico, certas condições se fazem
necessárias para que seja possível rematerializar os seus corpos, com-
pondo-os através de uma substância etérea. A primeira é a presença
~ de alguém que possua em excesso essa substância a que deram os
nomes de ectoplasma ou fluido vital (1).
Ê fato cientificamente estabelecido que tais matérias provêm do
corpo do médium, pois que essas emanações ectoplásmicas têm sido
fotografadas e analisadas sob rigorosas condições de contrôle, e

(1) Chegou~se a examinar no microscópio uma porção de ectoplasma~ ê


que deixava utn resíduo, conforme referem vários autores.
172 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 173

os melhores resultados se obtêm à luz velada ou em plena escuridão, o médium propriamente dito apenas difere das criaturas huma-
porque as vibrações da luz dificultam a formação dos elementos com nas porque dispõe das aludidas Sllpstªncias ectgplásmica e,fluídica
suficiente solidez para fazerem vibrar as fôrças necessárias. ~1!!1~.,!ioJ:.Pf9p~ES~9 as de~aís, dê sorte q"iie mais fácil se torna
extraírem-nas do seu organismo {JS espíritos que delas se utilizam
Quanto à ação retroativa da luz sôbre o ectoplasma, não estabelece temporàriamente.
a regra; isso somente constitui um empecilho e perigo às mediunidades Todos nós também colaboramos na realização dêsse fato porque
de certos sensitivos em trabalhos de efeitos físicos, pois há, no mesmo possuímos qualidades mediúnicas em maior ou menor ,escala, de vez
gênero, várias modalidades mediúnicas, salientando-se as que conse- que temos aquelas substâncias entranhadas no nosso corpo.
guem em plena luz a realização de idênticos fenômenos e outras,
Ao que acabamos de afirmar, as experiências dos Drs. Grawford,
ainda mais poderosas, em pleno dia e completamente despertas obtêm Martins Velho, Du Prel, Aksakoff e outros provam a exatidão dêste
resultados semelhantes ou melhores, como adiante veremos. asserto. Êsses experimentadores por diversas vêzes colocaram {) mé-
Tais impecilhos somente se refletem nas sensibilidades mediúnicas dium e os assistentes em balanças de alta precisão ·e verificaram o
inconscientes, em estado de profunda hipnose, e quando a ação do decréscimo gradual do pêso de cada um no decurso da sessão, e tam-
médium agencia como "gerador" e "transmissor" dos elementos ecto- bém que, ao aproximar-se esta do têrmo, aquêle pê50 vai sendo acres-
plasmáticos e fluídicos; acrescendo ainda uma outra particularidade cido paulatinamente até atingir o normal.
interessante: findo os trabalhos cuida a própria entidade de despertá-lo. Adquirindo a parte da fenomenologia espírita para o vulgo uma
Quando, porém, o médium não entra em transe, isto é, age consciente importância primacial, é nosso dever assinalar tais ocorrências e o
e desperto, funciona apenas como "condensador" dos elementos que pôr, assim, ao abrigo de qualquer surprêsa desagradável, devendo-se
os espíritos extraem do cosmos ou do meio ambiente e "transmissor" notar, porém, que nos estudos psíquicos não são as manifestações de
somente do fluido vital. A prova é que se pesando o primeiro, êle efeitos físicos, para os espíritas, as mais elevadas, considerando-se a
acusa perda de pêso; e o segundo, aumento de pêso, e, em poucos sublimidade das manifestações inteligentes do espírito, como nos casos
minutos, ambos recuperam o equilíbrio de seu estado normal, conforme de incorporação, de psicognosia, da psicografia, etc.
já se teve oportunidade de verificar em inúmeras experiências. Para melhor se orientar a seqüência dos fenômenos de materia-
Em alguns casos, porém, em que a ação do médium é "gera- lizações é preciso não nos esquecermos de que êste estado comporta
dora" e "transmissora", o subitâneo choque da luz sôbre o ectoplasma inúmeros graus. A cada um dêstes graus vinculam-se, naturalmente,
faz com que êle reentre no seu corpo com terrível ímpeto. Quanto o fluído vítal do médium, o fluído do espírito manifestante e o ecto-
aos efeitos dessa imprudência, vários sensitivos já sofreram sérias plasma necessários, podendo-se concluir que é daí, graças à reunião
dêsse potencial fluídico e ectoplasmático, que o desencarnado extrai a
conseqüências (2).
matéria imprescindível para produzir os referidos fenômenos.
(2) Numa das sessões realizadas em Milão, cujos trabalhos experimentais se obtinham
Trata-se de combinações de elevada responsabilidade, porquanto
por intermédio da mediunidade de Eusápia Paladino, um dos ass,istentes, por equívoco ou além de exigir tôdas as possibilidades do aparelho mediúnico, há
negligência, acende uma lâmpada, recaindo diretamente sôbre o médium um forte jacto de
luz. Tal fôra a gravidade do caso que tiveram de hospitalizá.lo, demorando o seu que movimentar todos os elementos de colaboração dos demais encar-
restabelecimento cêrca de dois meses e' meio. nados, presentes aos trabalhos. Por isso, as reuniões para trahalhos
Em sessão realizada a 3 de fevereiro de 1924, em '\'VaterIoo, Inglaterra, pelo escriror
H. Dennis Bradley e o Dr. Joseph De Wyckoff, ocorreu com o médium George Valiantine
idêntico fato. Em seguida ao desfalecimento, que durou filais de hora e meia, Valiantine
de "altas materializações", quando °
espirito apareoe sólido, perfeito,
fôra transportado para a cama; e como no dia seguinte a perturbação continuasse, integral - fisicamente humano - são menos numerosas, pois a homo-
chamaram o médico. Apesar do restabelecimento ter sido rápido, por várias sem,anas geneidade deve ser muito mais intensa ,e rigorosa.
êle conservou DO peito uma mancha roxa, aí de duas polegadas por três - evidente·
mente causada pelo choque do ectoplasma ao reentrar sllhitamente no corpo do médium.
- H. Dennis Bradley - "Rumo às Estrêlas".
Numa das sessões de materializações assistidas por nós, em que o espírito do Padre numa poltrona de madeira estava todo amarrado com cordas, seus braços e pés> acorren~
Zaheu Kauffman se materializava, por um· engano lamentável, motivado talvez pela pouca tados aos da poltrona, fechados com cadeados <tYale", cujas chaves se achavam a salvo
exper~ência de seus dirigentes, ocorreu o seguinte fato: Quando O Padre Zaheu se de qualquer suspeita no bôlso do colete de um dos controladores.
despediu dos assistentes e entrou na câmara mediúnica a fitn de despertar o médium, . . ~ntretanto, e~a~ de condoer as aflições do rapaz. Seus espasmos, suas ânsias, seus
ouvindo-se perfeitamente as palmadas que êle aplicava no rosto, uma aspiração profunda vomItos e a va~Iaç~o de temperatura entre suores frios e quentes, diziam-nos benl que
do sensitivo ainda não desperto de todo confundiu os assistentes que supuseram ouvir o cho~ue ectoplasmlco, embora em densidade mínima, fôra o causador. Graças, porém,
o gemido que se fazia anunciar o seu despertar, ascendendo-se incontinenti as luzes. aos CUIdados de vários médicos que se achavam presentes e aos desvelos do· espírito do
Padr,; .Zabeu que ali se fazia sentir, pois que levitou um copo, fluindo a água, pôdt:
. Causou-nos pena Ol estado em que ficou o médium., pois não o pudemos socorrer ime- o medlum recuperar logo o seu estado normal.
dIatamente em vista do modo quase inquisitorial com que êle era «controlado": sentado
174 J.>llPRO GRANJA

o ambiente para a materialização da entidade do plano invisível Para se mostrar, por exemplo, é preciso que tire fluído vital
aos olhos dos homens e, além disso, no organismo do encarnado. Por meio dêste agente, êle opera no
é indispensável semelhante operação, a que tôdas as larvas e seu invólucro (perispírito) uma mudança molecular que de trans-
expressões microscópicas de atividade inferior sejam exterminadas. A lúcido e etéreo vai se tornando gradativamente vaporoso e concreto.
relativa ozonização interna é necessária como trabalho bactericida, pois
que o ectoplasma, ou fôrça nervosa, e o fluido vital, que será abun- Desde que o espírito se ache nas condições requeridas, isto é,
desde que pode retirar do médium o fluído vital necessário, êle o
dantemente extraído do médium, não pode sofrer, sem prejuízos fatais,
assi'm1ila e reveste pouco a pouco as aparências do corpo material.
a intromissão de certos elementos microbianos.
A corrente vital circula então, e, sob a ação do fluido que recebe
Os "espíritos cooperadores" do trabalho, é que preparam o am- do médium, acumulando-se cada vez mais no seu corpo etéreo, as
biente e cuidam da organização, da vigilância do local, isolam as moléculas físicas se coordenam segundo o plano do organismo, plano
fôrças elementares contrárias e levam a efeito a ionização da atmos- de que o perispírito reproduz os traços principais e que lhe comu-
fera, combinando r·ecursos para efeitos eletromagnéticos. Nos trabalhos nica momentâneamente uma vida fictícia, que é tanto mais intensa
dêste teor requisitam-s.e processos acelerados de materialização e desma- quanto mais fluido desprende o médium. Logo que o corpo humano
terialização da energia nuclear dos elementos (3). fica reconstituído, o seu organismo entra em atividade.
Os espíritos nos ensinaram que a vontade é uma fôrça consi- Desenvolvendo êstes princípios torna-se fácil explicar o processo
derável por meio da qual êles agem sôbre os fluidos; é, portanto, pelo qual se realizaram os diversos trabalhos. Suponhamos que se
a po~ência que determina as combinações dos fluidos e dos ectoplasmas,. trata de um fenômeno de materialização, incontestàvelmente a forma
podem, pela sua ação, fazer tôdas as manipulações fluídicas que quei- mais impr·essionante de tôdas.
ram, mas, para vitalizar essas criações, pr.ecisam de um agente essencial No caso de Ulp. rnéclilll11inconsci~11te, o que é o mais comum,
- o fluido vital. Êles não o encontram capaz de preencher tôdas para que haja a l~lanife~tação física do espirito é mister o seguinte:
as condições necessárias para a materialização senão no organismo
1. 9 ) Que o espírito desencarnado, atuando sôbre o médium, o
humano; eis por que a presença do médium lhes é indispensável.
magnetize, ·exteriorizando-Ihe mais ou menos o perispírito; em conse-
Tornamos a repetir aqui que quando falamos dos fluidos, é qüência desta exteriorização o sensitivo cai num estado letárgico
necessário que o leitor não se habitue a ver nesta expressão apenas chamado transe.
um têrmo vago, sem sentido real, destinado apenas a disfarçar a
2.9 ) O espírito desencarnado apossa-se então dos elementos mate-
nossa ignorância. Cumpre ficarmos bem persuadidos de que estamos
riais - ectoplasma e fluido vital - abandonados pelo perispírito
perenemente numa atmosfera invisível, intangível para os nossos sen-
do médium, e afeiçoando ao seu próprio perispírito as moléculas
tidos, porque é tão real, tão positiva como o próprio ar (4).
materiais de que precisa, (subtraídas do médium), constitui um corpo
Senão, vejamos melhor: próprio! que gradualmente se vai destacando, até que, emancipando-se,
Ê a permanência do corpo fluídico ou perispírito, antes como forma o espírito materializado. Êste, se a condensação material e
depois da morte, que explica o fenômeno das aparições, materia- fluídica é fraca, apres·enta um aspecto mais ou menos diáfano, vapo-
lizações, desmaterializações, transfigurações, etc. O perispírito ou roso ou luminoso· no todo ou em parte, numa semimaterialização;
corpo fluídico, na vida livre do espaço, conservando a aparência se, porém, a condensação material dos elementos é completa, mani-
física que o espírito tinha na sua última encamação, possui todos festa-se com um corpo sólido e perfeito, que anda, movimenta, fala
os órgãos, isto é, possui virtualmente tôdas as fôrças que constituem e raciocina.
o organismo humano, mas nem sempr·e as pode pôr em ação. Se, enquanto durar a materialização, pesar-se o senSItIVO e con-
frontar-se com o pêso anterior à experiência, v'erificar-se-á que o
dinamómetro (5) acusa a falta de alguns quilogramas (6).
(3) Francisco Cândido Xavier - "Missionários da Luz". ditado pelo espírito de
André Luiz.
(4) As exper~ências feitas pelos Drs. Baraduc, Fortin. McDougal, Adam, Luys, (5) Pode-se empregar rambém o "radiômerro" de Crookes ou O "magnetrômerro"
Reichembach, Durville, Beaty, David, Du Prel, 4155'!lwJi. l~llss,I:W~lhlce, CtQc>kes. coman- de Forrin.
dante Darget, CQ!l4e",Àe",_,JtQçh.ª~", e outros, põem em evidência essas fôrças m·atedais que (6) Chamamos a atenção do leitor que no exposto se refere apenas aos médiuns
emanam constantemente de todos os corpos, fi,as principalmente dos corpos vivos, e as inconscientes. "geradores" c "transmissores" dos elementos. Pedimos observar novamente
fotografias que se obtêm são testemunhas irrecusáveis da existência dos fluídos. o que já relatamos sôbre as várias modalidades mediúnicas.
176 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 177

Para onde foi essa quantidade de matéria? Indubitàv.elmente para como o era anteriormente, complexo ·e perfeito, sem que isso afete
o corpo provisório do espírito materializado. E a contraprova está gravissimamente seu funcionamento normal.
em que o médium readquire (com a diferença de alguns gramos) o Compreendemos que a explicação dêsses fatos tenha a sua razão
seu antigo pêso. de ser na natureza íntima do perispírito, que é essencialmente um
Como é que se opera essa desmat1erialização e recomposição mole- poder enorme de irradiação e de agregação molecular, orientada pelo
cular do médium? molde-tipo da espécie; mas isso não obsta a que êsse fenômeno fique
sendo para nós o problema mais "intricado" dos nossos estudos.
Diz-se, e com razão, que a materialização de um espírito é uma Entretanto, a lógica dos fatos é inexorável; e a êste respeitai
verdadeira reencarnação num organismo transitóri'o constituído à custa lembramos o que William Crookes respondeu aos seus antagonistas: ir
do médium, e que por isso materialização e reencarnação são fenô-
menos quase que paralelos e comparáveis, sendo a ree1l;ca!!la,são - "Eu não disse que êsses fatos eram possíveis, o que afirmei éJ
que são verdadeiros".
uma"=i!?~~Ee~E~S~~_,~.~!~~~L~~~~_~_RC?LJ~~Q",4~~4E~I,áo""pãsso' 'g:i1e a
" erialização é umai~~~EP~~rmal, rá~~~~,?",,~t~,~~~Ç/. Desenvolvendo ainda mais a idéia que formamos do perispirito,
diremos que, sabendo-se que o perispírito é a fôrça que aSSOCla e
~';~? ~~;cl~;~f~Efl~Ç~O, o perispírito da futura criança atrai os elementos mantém aderentes entre si as moléculas do corpo vivo, e sendo certo
materiais que careêe: 1.9) o germe orgânico fecundado; 2.9) atrai que no estado de transe o corpo material está quase totalmente
também por assimilação uma parte dos produtos absorvidos diària- privado do perispirito é claro que a coesão molecular do corpo do
mente pela futura mãe nos alimentos ingeridos, e que são matéria médium deve diminuir, facilitando assim a sua desagregação. Ora,
orgânica assimilável, vegetal e animal. nestas circunstâncias, encontrando-se o corpo do médium privado do
seu centro de gravitação moleczNdr, e entrando em contacto com outro
~::~ff:~d~;~;~~jY;;~~' o perispirito do desencarnado assimila ràpida- centro de gravitação, que é o perispírito do desencarnado, não é
r, moléculas já animalizadas existentes no corpo
Semelhante operação é possível porque o organismo perispi- impossível conceber-se que êste, atuando por atração, vá "transmi-
possui a plasticidade que lhe é característica. tindo a si" as moléculas animalizáveis de que carece pata criar um
corpo nôvo, facetmulo ou moldmulo sôbre o seu pedspírito os traços
E assim como, nascendo, a criança está presa à mãe pelo cordão fisionômicos da sua individualidade anterior.
u.mbilic.al, assim também a aparição materializada fica presa ao médium Para que a nossa interpretação fôsse completa, seda necessário
por um laço fluídico-vitalizante, sem o qual não pode subsistir. faz·er experiências que estabelecessem a penetração do fluido vital do
Outra ànalogía: assim como, geralmente, a criança se assemelha médium no organismo (perispírito) doespirito. Infelizmente, que
aos pais, que lhe deram o corpo, assim, também, pode o espírito mate- saibamos, nada ainda foi tentado nesse ousado sentido, sendo difícil,
rializado, muitas vêl'es, apresentar maior ou menor semelhança com atendendo-se aos profundos estudos dêsses fenômenos, determinarem-
o médium, que lhe formou o corpo. Isto, porém, não constitui regra, -se tôdas as suas leis.
pois somente nas manifestações de certos espíritos é notada esta inte- Não temos, de modo algum, a pretensão de impor o nosso
ressante semelhança. parecer a quem quer que seja, mesmo porque poderemos estar elabo-
Finalmente, a criança esquece, reencarnando, a história da sua rando em êrro; contentamo-nos, apenas, em erguer a questão dêsse
vida anterior, porque o seu organismo atual é diverso daquele que estudo do rol dos "estados fluí dicas" ainda parcamente analisados
perdeu pela morte. Da mesma sorte o espírito materializado, reves- em nossos dias.
tindo um corpo de empréstimo, pode experimentar também um obsture- Em conclusão:
ci.mento maior ou menor da memória e da inteligência: porque os seus Tôda a materialização produzida é acompanhada de uma desma-
órgãos atuais são emprestndos e não os que teve quando vivo. terialização proporcional ou ('ot.al do médium, ou das espécies e dos
Como se vê, as analogias :ão numerosas e frisantes; mas, se elementos do cosmos.
PC?S :tJ.~ I~.?2 ~.~2 s~!i~.f~!~Ei.~.~ q:tJê~.!ç:, ..•~..f.~~'f!!.Cf.fJ!R_~ tEat~rializl!.çª(), 'Q,~§!?}~te..ü~I!~i!5,ª"Q" ~" a.,de..~aE~ri~~o súbita ou gradual dessa mesma
.1l;.~? l?:0S' ~::pli<:~.~ cl.~ . . ~.l:,s~.~.~~~l?i!~".S2E!.2 ..§.,51~~:~,,"~.SgEJ22.99,., . !!::~cl.i~~ forma concreta, ou a desagregação de várias formas moleculares e
P2~~ . . ~~. ,<:Il:,~~.~!~Ei~!i~~E., . ét!!.Eft1:l,c!'1!.1q,,~'!:ZtE~r!:Et:.,fl.!2!!!f!.r ..!!.""tE!!!.e.Li:!li~a.!::!..~, elementares da natureza.
178 P EDRO G R k~~ A CAPÍTuLO XIII

As materializações incompletas são apenas apançoes luminosas ou


nebulosas, meramente esboçadas, ou "semimaterializações".
Quando a materialização não é de corpos vivos, mas de produtos PROVAS
dos reinos vegetal ou mineral, tomam geralmente o nome de "pp'orts.
A penetração da matéria pela matéria e os apportrs podem expli-
CIENTíFICAS
car-se como resultado de uma desmaterialização seguida de uma nova DA
materialização. O espírito desmaterializa o objeto em questão, trans- SOBREVIV:tNCIA
porta os seus elementos constitutivos para o lugar desejado e aí
reconstitui molecularmente o corpo no seu estado anterior. DOS
Dadas estas explicações, que poderão servir ao leitor como um ESPíRITOS
capítulo preliminar, sem mais delongas vamos ao assunto.

. P ARA ass,egurarmos que há fatos maravilhosos, anormais toda-


Vla para os leigos, invocaremos em primeiro lugar o argumento auto-
ridade. Em favor da nova ciência, há de um lado certos sábios e do
outro certo público.
Como é natural, em primeiro lugar falaremos dos sábios. E
torna-se oportuno acrescentar que todos êss·es homens não ingressaram
no terreno experimental às cegas, mas só depois de minuciosos estudos
- como se faz preparatória para uma investigação sev,era - com o
propósito não de confirmar os fatos, que nunCa lhes mereceram crédito,
mas de desmascarar as hipotéticas fraudes.
Se muito admiramos os que se propõem a estudar os fenômenos
supranormais, não menos dignos de nosso aprêço são aquêles cuja
determinação é pôr à mostra a calva dos supostos intrusos ou misti-
ficadores, isso, porém, só quando o fazem dentro do estudo conscien-
cioso, sem olvidar que as preocupações escolásticas ou as divergências
doutrinárias devem ser relegadas para um plano secundário e sem
orientar-se através de opiniões puramente pessoais, porque, infeliz-
mente, a maioria dos homens limita-se a negar os fenômenos psíquicos
sem os estudar mesmo superficialmente, fazendo questão cerrada de
que prevaleçam as suas opiniões preconcebidas, o que não pode ser
levado em consideração pelos que primam pela conservação do
bom senso.
O bom senso geral dos nossos homens, inclusive cientistas, pro-
fessôres e intelectuais, se já admitiu êstes fenômenos, daqui por diante,
pois, compete à ciência dar explicação natural aos fatos e consagtl.lN;t~
ao estudo e desenvolvimento dêles, servindo-se do método expedmental
a que tantas descobertas devemos.
180 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? IIll

 Clencia honesta, qualquer que seja o prisma por que se oriente o célebre naturalista inglês Sir Alfred Russel Wallace, pres!"
escolástica ou positivista, spenceriana ou materialista, filosófica ou dente da "Sociedade Inglêsa de Antropologia", aludindo aos fenô-
espiritualista, sempre úteis ao progresso humano - a intolerância menos espíritas, diz o seguinte:
constitui um dos mais danosos pr.edicados da sua doutrina, e contra "Ê por certo coisa fácil dizer que o que refiro é "impossível".
ela devemos estar sempre de pena em riste todos quantos nos interes- Eu sustento, porém, que é rigorosamente verdadeiro, e nenhum homem,
samos pela pureza da cultura humana. por maior que seja o seu talento, possui o conhecimento integral
Antes de irmos mais longe nestas explanações, salientamos que elos poderes da Natureza para estar autorizado a qualificar de impos-
as experiências e as observações comprovadas pelas mais brilhantes síveis fatos que eUe outros muitas vêzes verificamos.
inteligências nos atestam "que a atividade psicofísic.'1 da alma humana Eu era um materialista tão completo e convicto, que não podia
não está confinada, como geralmente se pensa, dentro da periferia haver no meu espírito lugar para a existência espiritual e para qual-
do corpo; antes pelo contrário, irradia em tôrno dêle com maior ou quer outro agente universal, senão a matéria e a fôrça. Os fatos,
menor pujança, constituindo a cada um de nós a sua esfera de influên- porém, são coisas bem teimosas.
cía. Esta irradiação anímica é o ponto de partida fundamental para a A minha curiosidade foi a princípio despertada por alguns fenô-
explicação satisfatória do sonambulismo, da telepatia ·e da mediunidade, menos ligeiros, mas inexplicáveis, que se produziam numa família
fenômenos que corroboram a doutrina que sustentamos" (1). de minhas relações, e o meu desejo de saber e o amor pela verdade
Por tôdas estas razões, acrescidas das que expusemos como intro- obrigaram-me a prosseguir nas investigações. Os fatos tornaram-se
dução no capítulo anterior, cremos que as hipóteses que cumpre obser- cada vez mais exatos e variados, e ao mesmo tempo distantes de tudo
var, são: ou o desdobramento do médium, ou a intervenção de inteli- o que a ciência moderna ensina e de tôdas as especulações da filo-
gências humanas desencarnadas, que tendo levado para o espaço um sofia atual.
corpo fluídico é capaz, quando se apresentam circunstâncias favoráveis, Os fatos venceram-me, forçando-me a admitir como tais, muito
de tornar-se primeiramente sensível ou visível, e em seguida mate- antes que eu pudesse conciliar a explicação espiritual; ainda não havia
rializar-se. na forja de meus pensamentos espaços para eSSa concepção; mas lenta-
Somos dos que pensam que o mundo deve mlC1ar uma nova mente foi-se-Ihe abrindo lugar.
aprendizagem, porque, a despeito de todos os progressos materiais, E estendeu-se, não por meio de opiníões preconcebídas, ou teorias
não passamos, ainda, de pobres criaturas que procuram decifrar os gratuitas, mas pela continua ação de fatos sôbre fatos, de que não
mistérios do Universo, em busca do Conhecimento. podia desembaraçar-me por qualquer outra forma" (2).
Vamos, porém, expô-lo sem nos perturbar, de ânimo sereno, de O célebre William Crookes afirma categoricamente:
coração puro e de consciência tranqüila, e, sem alimentarmos o propó- "Os diversos fenômenos que venho atestar são extraordinários
sito de ferir os princípios de quem quer que seja, examinar algumas e completamente opostos aos mais enraizados pontos do credo cien-
suposições razoàvelmente imaginadas, demonstrando porque suas múl- tífico - entre outros a universal e invariável ação da fôrça da gravi-
tiplas facetas não resistem a um exame aprofundado. tação - que, mesmo agora, me recordando dos detalhes de que fui
Abstemo-nos voluntàriamente de discuti-lo de outro modo, por- testemunha, há antagonismo na minha razão, que diz ser isso impos-
que o homem quando pretende asseverar a sua opinião, se perturba e sível, e o testemunho de meus dois outros sentidos da vista e do
se agita; irritando-se fàdlmente na defesa, esquece-se de que a Ver- tacto - testemunho corroborado pelos sentidos de tôdas as pessoas
dade não precisa de vigia, mas de demonstração, através de fatos e presente~ - que me afirmam não serem mentirosos, visto que depõem
de provas, tornando maior ainda a sua exposição se nela aplicar a contra as minhas idéias preconcebidas.
tolerância, a abnegação e o respeito.
Quem não a propagar assim, estará apenas mantendo pontos de (2) Alfred Russel \Vallace - "Le Moderne Spiritualisme". Wallace nasceu em Usk,
vista pessoais. Por conseguinte, sempre que se perturba e se irrita, Monmouthshite, Inglaterra, 8 de janeiro de 1823, e faleceu em Brodstone, Dorset, a 7
de novembro de 1913. Em companhia de Henry \Valter Bates, entomologista famoso, veio
não defende a Verdade, mas seus caprichos e veleidades, exibindo, para o Brasil, COm o objetivo de estudar a natureza amazônÍca. De maio de '18 /i8 a
julho de 1852 visitou minuciosamente as províncias do Pará e Amazonas, fronteira venC~
com isso, grande dose de amor próprio, que quer respeitado como zueIana, colhendo copioso material botânico e especialn1ente zoológico, parte perdida
se fôsse a mesma Verdade. num incêndio do navio que o levava à Inglaterra. Em 1853 publicou o seu "A Nart'll~
tive of TraveIs on the Amazon and Rio Negro with an Account of the Native Trihes",
Passemos, portanto, a falar dos sábios e das suas experiências. alcançando várias edições. Bibliografia vasta, nome de citação universal, '\'ValIac(\ ~l()
mesmo tempo que Charles Darwin, descobriu as leis do transformismo biológico. VÜÚ(OU
os Estados Unidos em 1887-88; era pensionista do govêmo inglês desde 1881.
(1) A. A. Mattins Velho - "0 Espiritismo Contemporâneo".
182 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS

Supor que uma espeCte de loucura ou de ilusão domina subi- No discurso que o ilustre sábio fêz em setembro de 1898 no
tamente um grupo de pessoas inteligentes e sensatas, que estão de Congresso da Associação Britânica, reafirma:
acôrdo sôbre as menores particularidades e detalhes dos fatos, parece- "Trinta anos se passaram desde que publiquei as atas das
-me mais incrível do que os próprios fatos que atestam. riências tendentes a mostrar que, fora dos nossos conhecimentos
O assunto é muito mais difícil e mais vasto do que se supõe. tíficos, existe uma fôrça posta em atividade por uma inteligência
Há cêrca de quatro anos (1870-73) tive a intenção de consagrar diferente da inteligência comum a todos os mortais. Nada tenho de
somente um ou dois meses ao trabalho de certificar·me se certos aconte- que me retratar em relação a essas experiências, e mantenho as minhas
cimentos maravilhosos, dos quais eu tinha ouvido falar, poderiam verificações já publicadas, podendo a elas acrescentar muita coisa" (S).
resistir à prova de rigoroso exame (3). E, mais uma vez definindo-se, pronuncia as seguintes palavras:
Mas, chegando logo à mesm conclusão, como todo pesquisador "O Espiritismo está cientificamente demonstrado" (6).
imparcial, isto é, que /Javia a,lgumúl coisa aí, não podia mais, estudante
que sou das leis da natureza, r'ecusar-me a continuar nessas pesquisas, Tendo que responder novamente aos seus antagonistas sôbre a
qualquer que fôsse o ponto a que elas me pudessem conduzir. aludida impossibilidade dos fenômenos, Crookes, usando de um laco.
nismo pungente e esmagador, retrucou-lhes apenas:
Foi assim que ",Iguns meses se tornaram em alguns anos e se eu
pudesse dispor de todo o meu tempo, é provável que essas pesquisas '''Mas eu não disse que êsses fenômenos eram possíveis; o que
disse e afirmo é que são verdl1deiros" (7).
ainda prosseguissem" (4).
• ,P.. ao eminente físico, químico, astrônomo, médico e professor\
(3) As primeiras experiências que Crookes fêz sôbre o Espiritismo foram publicadas lOgles que se deve o melhor caso de "materialização" de uma fiaura!
inicialmente no "Quarter1y Journal of Science", de Londres, em janeiro de 1874, c mais
tarde compiladas e acrescidas de outros ensaios em livro.
tangível, visível e audívt~l, que em nada se distinguia das pe~oas r"
(4) \''Villiam Crookes - "Fatos, Espíritas". vivas, a não ser pela facilidade com que se volatilizava na presença!
William Crookcs, célebre químico c físico inglês, foi uma das mais vigorosas e
fecundadas mentali.dades contemporflneas; nascido enl Londres, em 1832, faleceu na dos circunstantes. .'
mesma cidade em 17 de julho de 1919, tendo sido nomeado cm primeiro escrUtíniO,
em 1863 membro da "Real Sociedade de Londres". Aos vÍnte anos escreveu rrabalhos Por outras palavras, trata-se da criação extemporânea de criaturas
de grande mérito sôbre a luz polarizada; pouco tempo depois descreveu detalhadamente
° espectroscópio, publicando seus estudos sôbre os espectros solar e terrestre. Publicou de carne e osso, de sêres que falam, nos quais se podem contar as
outros sôbre as propriedades ópticas das opalas e deu a conhecer um microscópio espec- pulsações do pulso, auscultar-se o coração, enfim, que parecem possuir
tral; ocupou-se da intensidade' da luz, e a física lhe é devedora de um fotômetro de
polarização. Astrônomo do "Observatório de Radcliffe", em Oxford, seus trabalhos sôbre todos os atributos da vida,"oferecendo à análise direta do observador
meteorologia são notáveis, e não o são menos os de fotografia celeste. Em 1855, quando
apenas tinha vinte e três: anos, fêz trabalhos fotográficos sôbre a lua, então reputados todos os fenômenos do metabolismo" (8).
os melhores, honrando-o a "Real Sociedade de Londres" com um prêmio em dinheiro,
como estímulo para prosseg:uir os estudos. Mais tarde foi nomeado para ir a Ouran Presentemente é elevado o número das observações dêste gênero,
e Ceilão, em comissão, a fim de efetuar ,ali observações astronômicas. Em 1879 expôs, porém limitadas são as que se igualam à de que nos vamos ocupar,
no uBakerian Lecture", o trabalho sôbre a ttIluminação de linhas de pressão molecular
e trajetória das moléculas", dando-nos a conhecer um estado da matéria de tenuidade quer pela duração e persistência, quer especialmente pela autenticidade
excessiva, e do qual apenas se podia formar idéia.
Escreveu, além disso, sôbre medicina. higiene e O tratamento da peste bovina, popu- que lhe advém de ter sido observada com todo o rigor científico por
larizando o uso do ácido fêni.co; e várias outras obras, entre as quais HExperiments on uma das mais fulgurantes notabilidades da ciência européia.
Repulsion from Radiaton". "Vacuum Molecular Pbysics" e "Selecr Methods of Chemícal
Analisys". Publicou um tratado de análise química, que é hoje clássico; descobriu o Não se trata, como haveremos de ver mais adiante, de uma
processo deamalgação com o sódio o único atualmente empregado na Austrália, América
do Sul e Canadá. Descobriu O "tballium", novo corpo simples, levando cêrca de oito aparição momentânea, mais ou menos efêmera, mas de um fenômeno
anos a investigar o Seu pêso atômÍco. Seus estudos sôbre o quarto estado da matéria,
ou estado radiante, e o radiômetro, bastariam para dar~lhe a reputação de sábio, que duradouro e repetido quase diàriamente durante três anos, e que o
com tanta justiça lhe pertence. Foi presidente da URoyal Society" durante o período de sábio inglês pôde estudar meticulosamente:
1913.'15.
O Espiritismo deve-lhe rambém assinalados e inolvidáveis serviços. William Crookes Os processos de materialização sempre progrediam nessas mem.o-
inicia a fase científica do E'spiritismo com as célebres experiências, realizadas, de 1870
a 1873, com os médiuns Florence Cook, Kate Fox e Daniel Home, tendo obtido a mate- ráveis experiências, pois que o espírito atingiu tal primor de orga.
rialização completa, íntegral, de um esp'írito falecido cm recuada época, que Crookes
estudou durante três anos consecutivos, em colaboração com outros sábios ingLêses, fato nização física que lhe permitia exibir um coração que pulsava regular.
êsse de repercussão mundial.
Crookes observou e experimentou diversas categorias de fenôlnenos espíritas e anímicos
de ordem objetiva ou física. Em tôdas as suas experiências; se seguia um método rigo~
(5) "Revue Spírite" de fevereiro de 1899.
rasamente científico, inventando e adaptando vários aparelhos registradores.
A severidade do contrôle e o espírito crítico que presidiram a estas experiências, alia- (6) Léon Denis - "No Invisível",
dos à situação culminante de Crookes no Inundo científico muito concorreram para que (7) A. A. Martins Velho - "O Espiritismo Contemporâneo".
Espiriti.smo tomasse grande expansão nos meios cultos' da Europa. e da América. (8) Edgard Armond - "Mediunidade",
184 PEDRO GRANJA AfINAL, QUEM SOMOS? 185

mente e, ao mesmo tempo, revelar tal independência do médium que Pôsto isto como preliminar, damos a palavra ao eminente homem,
conseguiu mostrar-se ao lado dêste último, prestando-se a ser foto- a fim de que seja êle quem descreva as últimas sessões, realizadas,
grafado quarenta vêzes, além de passear pelo aposento ao braço de como dissemos, na sua própria casa e laboratório.
William Crookes, e, finalmente, reunir em tômo de si os filhos dêste, "Havia algum tempo, diz êle, que eu fazia experiências com
entretendo-os com relato de acontecimentos de sua última vida, porém uma lâmpada fosforescente, que consistia numa garrafa contendo um
breve e venturosa. pouco de óleo fosforado, sàlidamente arrolhada.
E tudo isso, como também confirma o Professor Ernesto Bozzano, Tinha razões para crer que à luz dessa lâmpada alguns dos
realizou-se na residência de Crookes, na qual o médium se hospedava misteriosos fenômenos do gabinete poderiam tornar-se visíveis, e esta
por semanas inteiras, "durante as quais não permanecia sàzinho, nem minha esperança era igualmente compartilhada pela aparição de
de dia nem à noite". Katie King.
O médium era a jovem Florence Cook, de dezessel.} anos de idade, Durante a sessão, do dia 12 de março, em minha casa, depois
baixa, franzina, trigueira, de cabelos quase pretos, e de saúde muito de Katie King caminhar entre nós e nos falar alguns minutos, reti-
delicada. rou-se para trás da cortina que separa o meu laboratório (onde os
A aparição tomava o nome de Katie King e revelava-se, em assistentes estavam sentados) da minha biblioteca, que temporària-
plena luz, sob as formas de uma mulher formosa, alta, de tez branca mente servia de gabinete escuro. Instantes depois Kate entreabriú a
e cabelos loiros, em parte cobertos com uma espécie de turbante de cortina e chamou-me, informando:
côr branca que lhe servia de complemento as roupagens habituais. - "Entrai e levantai a cabeça de meu médium; êle escorregou
para o chão".
O médium trajava-se quase sempre de veludo prêto.
Katie estava, então, de pé diante de mim, com o seu traje branco
Enquanto a aparição passeia livremente pela reluzente sala de habitual e de turbante.
jantar, apoiada ao braço de Crookes, conversando com êste, com OS Dirigi-me à biblioteca para levantar Miss Cook, e Katie recuou
filhos, espôsa e demais assistentes e convidados, o médium rigorosa- para me deixar passar.
mente controlado, jaz no quarto contíguo às escuras, em estado letár- Com efeito, Miss Cook tinha escorregado, em parte, de sôbre o
gico, deitado sôbre um sofá e separado da sala de jantar por uma canapé, e a cabeça pendia-lhe numa posição penosa.
cortina ou reposteiro. Coloquei-a de nôvo convenientemente, e, fazendo isto, tive, apesar
Em algumas experiências, por exemplo, o médium estava isolado, da obscuridade, a viva satisfação de verificar que Miss Cook não
fechado num círculo elétrico cujas variações de resistência eram indi- estava vestida com a roupa de Katie, mas, ao contrário, com o seu
cadas pelo galvanômetro que se encontrava junto dos experimentadores. vestido de veludo prêto, em profunda letargia.
Outras vêzes se empregavam delicados aparelhos, balanças sensivel- Apenas alguns segundos haviam decorrido entre o momento em
mente equilibradas, ligadas a alavancas e com mecanismo de relojoaria, que vi Katie de vestes brancas diante de mim e< aquêle em que levantei
controladores elétricos ideados por Cromwell Varley e outros. Certo Miss Cook para cima do canapé, tirando-a da incômoda posição em
dia, quando a materialização de Katie King surgiu, Crookes pediu-lhe, que se encontrava.
inesperadamente, que metesse as mãos numa tina preparada com mer- Voltando ao meu pôsto de observação. Katie reapareceu, dizen-
cúrio onde havia enérgico corante. do-me que se julgava capaz de Se fazer ver ao mesmo tempo que o
O galvanômetro, que indicava uma diminuição na resistência do seu médium.
circuito à medida que o espírito se formava, não sofreu qualquer Diminuindo-se a luz do gás, pediu-me ela a lâmpada fosfores-
desvio pela imersão das mãos dêste na tina com mercúrio, nem as cente. Depois de se ter mostrado, à sua pálida luz, durante alguns
mãos do médium apresentaram os mais leves vestígios do corante. segundos, entregou-ma, pedindo:
Observou-se, contudo, que em várias partes do corpo do médium havia - Agora entrai, e vinde ver o meu médium.
manchas do corante, o que comprova que a materialização éefetuada Seguia-a de perto para a biblioteca e à luz da lâmpada vi Miss
também à custa do seu corpo, hipótese esta perfeitamente admitida Cook descansada no sofá tal como eu a deixara. Olhei em tôrno de
pela diminuição de pêso que êle experimenta durante a produção de mim para ver Katie, mas tinha desaparecido. Chamei-a: não obtive
tais fenômenos e pela dimunição da resistência do circuito. resposta.
186 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 1!l7

Voltei para o meu lugar e logo Katie reapareceu, asseveranClo-me Estas notas tenho-as, agora, diante de mim:
que durante todo êsse tempo estivera de pé junto de Miss Cook. Entrei no quarto com precaução; estava escuro, e foi às apalpa-
Perguntei-lhe, então, se não poderia ela mesma tentar a expe- delas que encontrei Miss Cook agachada no chão.
riência, a que aquiesceu; e, tomando-me das mãos a lâmpada fosfo- Ajoelhado, deixei entrar na lâmpada algum ar, e à sua luz vi
rescente, passou detrás do reposteiro, pedindo que não olhasse, por que ela estava vestida de veludo negro como no inicio da sessão e
ora, para o gabinete. Alguns minutos após restituiu-me a lâmpada, completamente insensível.
afirmando-me que nada conseguira e que esgotará todo o fluído do Não se mov·eu quando lhe tomei a mão e lhe aproximei ao rosto
médium; mas tentaria ainda outra vez. a lâmpada, pois continuou respirando suavemente.
Meu filho mais velho, sentado ·em tal posição que lhe permitia Elevando a lâmpada, olhei em tôrno de mim e vi Katie King
distinguir alguma coisa da cortina, disse-me ter visto distintamente que se mantinha de pé junto de Miss Cook, mas por detrás dela.
a lâmpada flutuar no espaço por cima de Miss Cook e a iluminá-la, Trajava roupas brancas flutuant.es, as mesmas com que se mostrara
enquanto ela inerte jazia estendida sôbr·e o sofá; mas que não vira durante a sessão.
ninguém segurar a lâmpada" ... Segurando uma das mãos de Miss Cook, ainda ajoelhado, levan·
... "Passo agora à sessão realizada ontem à noite, em Hackner. tei e abaixei a lâmpada, não só para iluminar o rosto de Katie como
Nunca Katie apareceu com tão grande perfeição como desta vez. para me convencer plenamente de que eu via a verdadeira Katie,
aquela que minutos antes apertara nos meus braços, e não o fantasma
Durante cêrca de duas horas passeou pelo aposento, familiar- criado por um cérebro doentio.
mente conversando com os que estavam presentes.
Ela não falou, mas moveu a cabeça em sinal de reconhecimento.
Várias vêz·es ela tomou o meu braço e andamos em todos os Por três vêzes diferentes examinei cuidadosamente Miss Cook aco-
sentidos; caminhando assim, a impressão que eu sentia era a de corada perto de mim, para assegurar-me de que a mão era deveras
uma mulher viva ao meu lado, e não um habitante do outro mundo. de uma mulher viva; e três diferentes vêzes voltei a lâmpada para
Esta sensação foi tão forte e profunda, que quase se tornou irresis- Katie a fim de examiná-la com atenção meticulosa, até não ter a
tivel a tentação de repetir uma recente e curiosa experiência. minima dúvida de que, realmente, me encontrava diante dela.
Pensando, pois, que Se não era um espírito tinha junto de mim Por fim, Miss Cook fêz um leve movimento e logo Katie deu
pelo menos uma dama, pedir-lhe permissão para apertá-la nos meus sinal para me afastar. Retirei-me para outra parte do gabinete e
braços, a fim de verificar melhor as interessantes observações de ousado cessei então de v·er Katie; mas não deixei o quarto antes de Miss
experimentador, recentemente divulgada de maneira um tanto prolixa. Cook despertar e enquanto dois dos assistentes não tivessem ali pene-
~ste pedido foi-me graciosamente concedido; portanto usei-o em
trado com luz.
têrmos hábeis, como em circunstâncias análogas faria uma pessoa bem Antes de terminar a narração dêste caso, desejo divulgar algumas
educada. das diferenças observadas entre o médium .e Katie. A estatura de
Katie é variável: em minha casa eu a vi maior que Miss Cook seis
E é por isso que asseguro que o fantasma (aliás nenhuma resis-
polegadas. Porém, ontem à noite, tendo os pés descalços e não
tência apôs), era um sêr tão 'mlflterial como Miss Cook ou qualquer
ficando nas pontas dos pé~ a diferença era de quatro e meia polegadas
de nós.
mais do que Miss Cook.
Katie disse-me então que desta vez seria capaz de se mostrar Katie se apresentou vestida de tal modo que deixava o pescoço
ao lado de seu médium. Diminuí a luz do gás, e tomando a lâmpada descoberto, facultando-me então o exame da pele, perfeitamente suave
fosforescente, penetrei no quarto que servia de gabinete. ao tacto e à vista, ao passo que o médium telllJ no pescoço, em circuns-
Mas, previamente, a um amigo que assistia à experiência e hábil tâncias semelhantes, uma cicatriz distintamente visível, e é áspera
estenógrafo, pedi para anotar tôdas as observações e os movimentos ao tacto.
enquanto permanecia no gabinete, pois considero a importância que As orelhas de Katie não são furadas, enquanto que as de Miss
se liga às primeiras impressões e não queria confiar à minha memória Cook trazem ordinàriamente brincos. A tez de Katie é muito branca
mais do que era nec-essário. e a do médium é morena. Os dedos de Katie são mais longos do
188 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

que os de Miss Cook e o seu rosto é também maior. Nos modos e a pureza brilhante de sua tez, ou a expressão cambiante de suas feições
maneiras de exprimirem-se, também há muitas e notáveis diferenças" (9). tão móveis, ora veladas de tristeza, quando narrava algum amargo
Fácil é concluir que William Crookes a princípio suspeitava que sucesso de sua vida passada, ora sorrindo com a inocência da juven.
Miss Cook e Katie King fôssem a mesma pessoa; mas teve inúmeras tude, quando, reunindo meus filhos em tôrno dela, com o menor ao
oportunidades para se convencer que falhara na conjectura, pois havia colo, narrava-lhes episódios das suas aventuras quando encarnada na
'''muitas ,e notáveis diferenças" entre elas, tais como a estatura, a côr Índia?"
dos olhos, da tez e dos cabelos, os dedos das mãos, etc. E o fato de
ver as duas si.multâneam'ente junto de si, finalmente eliminou tôda e E, mais adiante, com plena convicção, afirma:
qualquer dúvida. "Tenho a mais absoluta certeza de que Miss Cook e Katie são
Várias vêzes Katie havia-lhe declarado que só se manifestaria duas individualidades distintas, pelo menos quanto aos corpos. Muitos
,,~g~.~~g, J.I1çºiºr:p.ºur~nt~ trê~arlo~, findos os para sinais pequenos que se notam no rosto de Miss Cook, faltam ·em Katie;
,não tJ:lais YOlt~r. .,' o cabelo de Miss Cook é castanho-escuro, quase prêto; um anel dos
cabelos de Katie, que aqui tenho presente, e que ela me permitiu
Na semana que precedeu à desaparição definitiva, o que se reali-
zou a 21 de março de 1874, Katie deu sessões em casa de Crookes, cortar no meio das suas tranças luxuriantes, para assim me asse. I

quase tôdas as noites, a fim de lhe permitir fotografá-lal à luz artificial. gurar de que não eram postiços, é de um belo castanho-dourado".

Cinco máquinas, colocadas em diversos ângulos da sala, foram Finalmente, examinando-a como clínico, faz o s.eguinte diag-
simultâneamente empregadas para fotografar Katie King no momento nóstico:
em que fazia a sua aparição. O preparo e revelação das chapas eram "Uma noite contei as pulsações de Katie, o seu pulso batia regu-
cuidadas pelo próprio Crookes, auxiliado por um assistente. Desta larmente setenta e cinco pulsações, enquanto que o do médium, pouco
forma pôde obter .9.!:~i;}:le:ch~Pês, P?rl10ite, perfazendo ao todQqºa~ instantes depois, repercutia noventa, o que nêle era normal.
!enta, equatroneg~ti'V?s, alguns excelentes e outros regulares ou
medíocres. " Apoiando o ouvido sôbre o peito de Katie pude ouvir-lhe as
palpitações do coração, que eram ainda mais regulares do que as de
De todos os presentes o único que podia estar de pé e andar Miss Cook, quando, finda a sessão, esta me permitia auscultá-la.
por onde lhe aprouvesse era Crookes; os demais deviam permanecer
sentados. Os pulmões de Katie mostravam-me mais sãos do que os do
médium, que nessa ocasião sofria ainda as conseqüências de uma
"Seguia-a, diz Crookes, muitas vêzes para o gabinete e vi por
bronquite" (10).
várias vêzes Katie e o seu médium simultâneamente; o mais das vêzes,
porém, só encontrava o médium em estado letárgico; Katie e o seu Vejamos, agora, como um dos assistentes do Crookes descreve a
fato branco haviam desaparecido. despedida de Katie King:
Freqüentemente vêzes levantei um canto da cortina, quando Katie "No momento de sua partida definitiva, Katie convidou Mr. Tapp
estava em pé junto dela. As sete ou oito pessoas que assistiam às a desatar o ramilhete que lhe havia trazido, assim como alguns lilazes,
experiências viram então, nitidamente, e ao mesmo tempo, Katie e oferta de Crookes, e colocar as flôres diante dela. Sentou-se no chão
o médium sob o jacto h'rilbante da luz elétrica. à moda oriental, e pediu aos assistentes que fizessem o mesmo em
Tenho uma prova fotográfica de Katie King e Florence Cook tôrno dela. Então dividiu as flôres em pequenos raminhos e os distri·
em grupo; mas Katie ficou adiante da cabeça de Miss Cook. buiu a cada ~m, atados com fita azul.
Não obstante, continua Crookes, a prova fotográfica é tão im- Escreveu também várias cartas a pessoas amigas, assinando-as
potente para descrever a beleza do rosto de Katie, como as palavras Annie Owen Morgan, identidade essa autenticada depois de rigoro-
o são para descrever o encanto das suas maneiras. A fotografia pode, sas perseguições, dizendo ser êsse o seu verdadeiro nome na últim,l
é certo, dar um esboço da sua atitude, mas como poderia reproduzir vida terrena.
(9) \VilIiam Crookes - "Fatos Espíritas".
(10) \Villiam Crookes - "Fatos Espíritas".
190 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 191

Katie agarrou, então, numa tesoura e cortou uma trança dos seus Seguindo as instruções de Katie, corri a segurar Miss Cook, pres-
cabelos, e dividiu-os aos presentes. Tomando depois o braço de tes a cair, que soluçava convulsivamente.
William Cookes, percorr-eu a sala, apertando a mão de todos. Olhei a seguir em tôrno; mas a linda Katie King e o seu vestido
Sentou-se novamente; e retalhou vários pedaços do seu vestido branco haviam desaparecido ... " (13)
e do véu, ofertando-os aos assistentes. Como, porém, ficassem gran- A propósito da despedida de Katie King, vale a pena recordar
des buracos e lhe perguntassem se poderia repará-los, ela, mostrando a ocorrência, teoricamente muito importante, em que o espírito mate-
as partes furadas à claridade da luz, aplicou uma palmada sôbre o rializado desperta o médium e com êle mantém longa e interesante
tecido, que imediatamente ficou tão intacto e perfeito como antes conversa, demonstt'ando, além de uma personalidade lúcida e inteli-
de cortado (11). gente, ser independente e absolutamente livr-e do médium.
Os que a rodeavam examinaram atentamente o tecido e verifi- Tal episódio, assistido pelo Professor William Crookes e divul-
caram-lhe a perfeição, não havendo costuras ou qualquer espécie de gado em "Fatos Espíritas", e por Marryat em "There is no Death"
remendos onde há pouco se notaram alguns furos, e de várias pole-_ e também por Benjamim Coleman em "Le Spiritualisme en Amé·
gadas de diâmetro" (12). rique" e Epes Sargent em "Katie King, Histoire de ses Apparitions",
Quando se aproximou o momento de dizer-lhe adeus para sem- fôra mais tarde analisado e intensamente comentado pelo Professor
pre, Crookes -expressou à Katie a vontade de ser o último a vê-la Ernesto Bozzano, através da obra "Metapsíquica Humana".
partir. Sendo concedido o desejo, vamos transcrever o que Crrokes Quanto às obras indicadas, nossa preferência recai sôbre a de
diz: Bozzano, e isso pelo fato de neutralizar eficientemente as teorias
"Conseguintemente, quando ela chamou a cada um dos circuns- metapsiquistas de "prosopopese-metagnomia", "ideoplastia", etc., afir-
tantes para dizer algumas palavras em particular, dando-nos depois mando "que se se isolasse tal ocorrência como único caso dos anais
instruções gerais para nossa orientação futura, e sôbre a proteção a do Espiritismo", assim mesmo seria inconciliável com as teorias opos-
dar a Florence Cook, que foram estenografadas, cito as seguintes pala- tas, pois que a independência da personalidade materializada impossi-
vras dirigidas a mim: bilitava, in totum, admitir-se como sendo um desdobramento do
- Mr. Crookes procedeu constantemente bem; e é com a maior médium, frisando que ao conversarem entre si, o espírito materiali-
confiança que lhe entrego Florence, pois estou certa de que em todos zado de Katie King e o médium desperto, tinham ambas persona·
os imprevistos futut'Os poderá agir melhor do que eu própria e jamais lidades próprias, independentes e psicologicamente diferentes, como
faltará à confiança que lhe deposito. nos será dado inferir pelas expressões que se seguem:
Terminadas as instruções, Katie convidou-me a entrar no gabi- "Neste maravilhoso episódio encontramos r-eunidas as melhores
nete com ela, permitindo-me ficar ali até o fim.
provas que -a ciência tem o- direito de exigir para admitir a indepen-
Cerrada a cortina, conversou comigo algum tempo; depois atra- dência psíquica de uma personalidade mediúnica. Isto é, a circuns·
vessou a sala para ir ter com o médium, que jazia inanimado. Incli-
tância psicologicamente decisiva de duas individualidades distintas,
nando-se sôbre êle, Katie tocou-o e disse-lhe:
ambas de posse das suas faculdades conscientes, se entreterem afetuosí\-
- Desperta, Florence ! desperta! Ê mister que eu te deixe mente, trocando emocionadas o último adeus.
agora!
Miss Cook acordou e, lacrimosa, suplicou a Katie King que ficas- Como falar seriamente, diante de provas semelhantes, de "pro-
se mais algum tempo. sopopese-metagnomia", "ideoplastia", etc.?
- Não posso, querida, a minha missão está cumprida. Quem, em sã consciência, poderia admitir que as metades de ulll}1
Durante alguns minutos conversaram juntas, até que as lágrimas mesma personalidade tenham o poder de desdobrar-se e de trans~or'
de Miss Cook lhe embargaram a voz. mar-se em duas individualidades completas, independentes, mumdas
de traços intelectuais característicos e cada uma a seu modo?
(11) A éste fenômeno de recomposição dos tecidos. acresce se fazer a seguinte adver-
tência: nem sempre o fato se reproduz. Com os médiuns Compton e d'Espérance, por (13) William Crookes - "Fatos Espíritas". ll_inlportante
exemplo, tal não ocorria, pois se os assistentes, ou os espíritos Inatcrializados, cortassem as manifestações cessaram com o médium Florence
alguns pedaços da vestimenta, notavam-se-Ihes depois as faltas correspondentes nos vestidos materializados em Manchester, New Castle, m~JL.DUJ:ne,
dos médiuns, precisamente os pedaços extraídos da roupa dos fantasmas. Vide págs. 341 e França, e na América, com diversos _~ cc-- ~:'
e 342. ainda mais severas.
(12) \VilIiam Crookes - "Fatos Espíritas". .
M ode rnc~!?c!::!;~:;!'~~"
192 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 193

Quem ousaria sustentar que a personalidade subconsciente do Dirigi o olhar para a forma que, momentos antes, estivera sen-
médium, exteriorizando e materializando-se, possa transformar-se, co- tada nos meus joelhos e, extremamente extasiado, distingui o corpo
mo por encanto, noutra personalidade que ignora completamente per- de uma jovem formosíssima, de grandes olhos azuis ou cinzentos,
tencer a essa outra metade da vida: dela mesma e que lhe está diante pele alvíssima, abundante cabeleira dourada. Katie parecia enlevada
e. ainda dentro dessa inconcebível ignorância, também fatalmente par~ com minha surprêsa, e sorria, dizendo·:
tllhada pela outra metade, possam as duas infelizes secções da mesma - Porventura não sou mais bonita do que minha Florence?
alma, amba~ deploràvelmente iludidas, não se sabe bem por que recôn- Levantou-se a seguir; apanhou uma tesoura sôbre a mesa, cortou
dito mistério da "prosopopese", ser levadas a se imaginarem na imi- uma madeixa de seus cabelos e outra dos do médium e entregou-mas.
nência de uma separação definitiva, ao ponto de trocarem frases afe- Ainda os possuo. Os cabelos de Florence são quase negros, e pare-
tuosas e palavras comoventes de despedida? cem mados como sêda; porém, os de Katie são de um vermelho
. É caso de se r.epetir aqui com o Professor Hyslop, quando, elassi- dourado e áspero ao tacto, .. "
f!ca.ndo, como ~bsurdas tais teorias, dissera: "Não se pode marcar E, finalmente, Marryat descreve a comovente despedida dos últi-
hmItes a creduhdade de quem é capaz de sustentar seriamente seme- mos instantes da materialização dêsse espírito que, como dissera, fin-
lhante interpretação dos fatos.,." dava a missão aqui na terra:
"A cena do último adeus foi dilacerante, como acontece quando
Marryat, que com William Crookes assistira à última e emocio-
nos separamos de criaturas adoradas no leito de morte.
nante sessão ~m que Katie King se despediu dos seus amigos no
mundo dos VIVOS, obteve rara prova da diferença ·entre o médium A mesma Katie não podia resolver-se a partir, e sempre voltava
e o espírito, e descreve o interessante episódio em que o espírito para contemplar ainda mais uma vez os caros amigos que deveria
pôde materializar-se em tôda a plenitude de sua beleza, tal qual como abandonar, mas o fazia especialmente por amor a William Crookes,
fôra em vida, nestes têrmos: o qual muito se lhe afeiçoara, tanto quanto Katie a êle se havia afeito.
O que ela havia dito a respeito de sua partida definitiva, realizou-se,
"Nessa noite, Katie saiu do gabinete e veio sentar-se nos meus porque, depois daquele dia, Florence, o médium, não mais a viu, e
joelhos, proporcionando-me o ensejo de verificai' o quanto era mais nada mais soube a seu respeito" (14).
graciosa e mais pesada que seu médium. lvIas como em certas oca-
sões ela se assemelhava a êste último, eu lho observara, e ela, enco- CARTAS E DEDICATóRIAS ESCRITAS PELO ESPíRITO
lhendo os ombros, respondeu: MATERIALIZADO DE KATIE KING AOS SEUS AMIGOS
- Sei disso, mas não posso impedi-lo. De qualquer modo, fui
bem mais formosa na minha última existência terrena. Logo mais, Ao Dr. Benjamin Coleman, que dissera a Katie King, que prepa-
provar-te-ei. , , rava uma obra sôbre a defesa e a conversão ao Espiritismo do grande
juiz Edmonds (15), e que talvez ela pudesse enviar-lhe algumas linhas,
Reentrou no gabinete; depois espreitou, às furtadelas, pela fenda
escreveu a carta seguinte:
das cortinas, pedindo que me aproximasse. Assim o fiz e ela me
conduziu para o seu interior. Observei que os resposteiros eram. muito "Meu caro amigo.
transparentes, de modo que permitiam, à luz do gás, iluminar sufi- Pediste-me que vos escrevesse algumas palavras. Desejo um
CIentemente o interior. O médium jazia sôbre um acolchoado, imer. grande sucesso para a vossa obra sôbre o juiz Edmonds; êsse juiz
so em profundo sono, e Katie desejava ansiosamente que me assegu- é muito bom, trabalha seriamente; dai-lhe uma afetuosa lembrança
da minha parte. Eu o aprecio muito, embora êle não me conheça.
rasse de sua identidade, insistindo para que a tocasse, apalpasse, Meu poder diminui e eu vos faço as minhas despedidas.
apertasse as mãos e lhe puxasse os cabelos. Em s.eguida, perguntou: Vossa amiga sincera.
KATIE KING.
- Estás bem certo de encontrar-te em presença de meu médium? cujo verdadeiro nome é ANNIE OWEN MORGAN".
Respondi-lhe que disso estava absolutamente convicto ·e ela assim
continuou: * * *
(14) Marryat - "There is no Death".
Agora, observa-me, Observa o meu rosto, tal qual fui em (15) Efetivamente, Benjamin Coleman, mais tarde, publicou o seu prometido livro.
vida. que depois foi traduzido para o francês, sob o titulo "Le Spiritualisme en Amériquc".
194 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

Ao Professor Dr. Sexton, que questionara com Katie King a E como alguém exclamasse: "1i demasiado familiar",
respeito de vários fenômenos espiritualistas, eis o teor do bilhete que que havia outras com o mesmo nome, retificou-o dêste modo:
recebeu:
"O Sr. Ben é o Sr. Benjamin Coleman".
"Meu caro Dr. Sexton.
Estou satisfeita por me terdes questionado. A vossa afetuosa, * '* *
ANNIE OWEN MORGAN".
Não julguem, portanto, os que não se satisfizerem com êste ma·
* i*' * ravilhoso fenômeno de materialização, que William Crookes tambénl
se tenha convencido com a rigorosa observação, inédita nos seus estu·
Ao príncipe Emile de Syan Wittgenstein, ajudante de campo e dos. Outras, e mais importantes ainda, foram observadas, contro·
general de S. M. o Imperador da Rússia, Katie King escreveu as seguin- ladas, analisadas e reestudadas por êle, tendo como auxiliares oS seus
tes linhas, após prometer que iria visitá-lo (em espírito) na Alemanha: assistentes e inúmeros amigos.
Assim é que, revendo-se as observações de Crookes, achamos tal
"Meu caro Emílio: riqueza de fatos, tão esmagadora massa de testemunhos, ~ue pal:a
Não esquecerei minha promessa de ir à Alemanha. Tornarei a transcrevê-los ser-nas-iam necessárias inúmeras páginas. 1i 1D1ster pOlS
vos ver dentro em pouco. Sempre vossa amiga que limitemos a um tal r·esumo as provas e os detalhes de seus tra-
ANNIE OWEN MORGAN".
balhos (16).
Antes de iniciarmos tal resumo, ouçamos, em primeiro lugar, a
Uma vez chegado à Alemanha, o príncipe Wittgenstein dirigiu
criteriosa palavra do ilustre sábio:
a William Crookes uma carta lacrada, por suas próprias mãos. Crooks,
então, encerrou essa carta noutro envelope, sôbre o qual êle imprimiu "O meu fim principal será, pois, fazer conhecer a série das ma-
diversos sinetes para garantir-se de que a mesma não seria lida sem nifestações que se produziram em minha casa, no meu la~o~atório
que fôssem violados. O espírito de Katie King devia, pois, dar uma e na presença de testemunhas dignas de fé, e sob ~s condl~oes de
prova de clarividência. Após a experiência, tendo a carta sido resti- exame as mais severas que pude imaginar. De malS a malS cada
tuída ao príncipe, notou êste que os sinetes de Crookes, e os seus acontecimento que observei é corroborado por pessoas independentes,
estavam intactos. que observaram em outros tempos e em outros lugares.
Katie King copiara o conteúdo da carta, palavra por palavra, Ver-se-á que todos êsses fatos têm o caráter mais sur)Jreenden~e,
sem êrro nem omissão, sôbre uma fôlha de papel separada, e escre- e que parecem inteiramente inconciliáveis com as conheCldas teonas
veu ao príncipe uma resposta pessoal com °
"post-scriptum seguinte: da ciência moderna.
Tendo-me assegurado da sua realidade, seria covardia moral ne-
"Copiei vossa carta, caro amigo, para mostrar-vos que realmente
ela foi lida por mim. Conto com a vossa bondade para desculpar- gar-lhes o meu testemunho, só porque as publicações. precedentes
des os erros, se os houver, porque ainda nada de semelhante eu foram ridicularizadas por críticos e outras pessoas que nada em abso-
tinha feito. luto conheciam do assunto e que tinham bastante critério para ver
ANNIE OWEN MORGAN ou KATE KING". e julgar por si mesmas se êsses fenômenos eram ou não verdadeiros.
...o'• Direi simplesmente tudo o que vi e o que me foi provado por
* * ~

experiências repetidas e verificadas, e tenho ainda necessidade de qt~e


Na fotografia que tiraram de Katie King e Dr. Gul1y, onde me demonstrem não ser razoável esforçar-se uma pessoa por descobnr
estavam fotogrados conjuntamente, pediu-lhe o Dr. Coleman que fi· as causas de fenômenos inexplicáv·eis.
zesse uma dedicatória com a r·espectiva assinatura para guardá-la como Primeiro devo retificar um ou dois erros que se acham implan-
lembrança, e Katie assim se exprimiu: tados profundamente no espirito público. Um, o de ser a escuridão

"Annie Owen Morgan, também conhecida pelo nome de Katie (16) William Crookes - "Recherches sur les Phénomenes du Spiritualisme". No""
King, ao seu caro amigo. 9 de maio de 1874". obra o leitor encontrará todos os detalhes das observações ocorridas.
196 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 197

essencial à produção dos fenômenos. Isso não é exato. Excepto em


alguns casos nos quais a escuridão era uma condição indispensável, Não menos digno de nota é o fato de o espírito de Kati,e ISing
como, por exemplo, nos fenômenos de aparições luminosas e alguns materializar-se também durante as experiências feitas por Alexandre
outros casos, tudo o que narro produziu-se à luz. Aksakolff, lente da Academia de Leipzig, diretor de "Psychische 5tu-
dien" e Conselheiro particular de S. M. o Imperador da Rússia, muito
Outro êrro corrente consiste em crer que as manifestações só se antes de se manifestar nas experiências de William Crookes (19).
podem produzir a certas horas ,e em certos lugares - em casa do
médium, ou em horas combinadas previamente - e partindo dessa Que mais poderá exigir um homem racional e lógico para se
suposição errônea tem-se estabelecido uma analogia entre os fenôme- convencer de que os mortos vivem, a despeito da morte, e que os
nos chamados espíritas e as sortes de ligeireza dos prestidigitadores ,espíritos são uma realidade objetiva, visível, audível e palpável?
e mágicos que operam nos teatros, cercando-se de tudo o que pertence É facílimo dizer, nós o sabemos, que Crookes e seus admiráveis
à sua arte. assistentes, homens notáveis, se enganaram e foram ludibriados, víti-
Afirmo que, excepto duas vêzes em que para algumasexperiên- mas de uma charlatanesca ilusão, ou alucinação dos sentidos. É uma
cias que eu fazia, a luz foi supressa, tudo mais que testemunhei foi objeção que está à altura de qualquer "sabichão", que apareça.
produzido em plena claridade" (17). Aqui, porém, cabe um reparo: somos prêsa de ilusão ou alu-
cinação não só quando nos enganamos relativamente à causa da nossa
Eis, pois, o resumo de suas obg.ervações: sensação, mas também quando não temos a sensação que julgamos
1.''') Movimento de corpos pesados com contacto, mas sem experimental'. Segundo os fisiologistas, na alucinação, o sensório se
esfôrço mecânico; acha no mesmo estado que na sensação; êsse -estado, contudo, não
2.f!.) Fenômeno de percussão e outros sons da mesma natureza; é efeito de uma impressão exterior e objetiva, mas, ao contrário, de
uma impressão interior subjetiva.
3.") Alteração do pêso dos corpos;
Na realidade, a hipótese de ilusão ou alucinação é muito ousada,
4.f!.) Movimento de objetos pesados colocados a certa distân- porquanto faz necessário se admita que todos os que dizem ter visto
cia dos médiuns; os espíritos ou são psicopatas, ou tais se tornam por ocasião da sessão
5.f!.) Mesas e cadeiras levitadas do chão sem ninguém as tocar; espírita, devido às suas imaginações exaltadas.

6.") Levitação de corpos humanos; Poder-se-ia dizer que a causa é exterior, mas que não é o que
julgamos sentir: que é a fôrça psíquica do médium que nos influen-
7.f!.) Movimento de diversos objetos sem contacto; cia, que nos sugestiona e nos faz crer ou perceber o que não vemos.
8.f!.) Aparições luminosas; Dev-e-se naturalmente acrescentar que o médium nos magnetiza sem
que o queira e sem que saibamos, ou, melhor, que o sensitivo, como
9.f!.) Aparições de mãos luminosas, visíveis à luz ordinária; sugere Hartmann, está aludnado e nos transmite a sua alucinação:
10.fi.) Escrita direta; êle se acha num estado de sonambulismo disfarçado e nos torna par-
11.f!.) Formas e figuras de fantasmas; ticipantes do seu sonho, a nós que estamos despertos( r).

12.f!.) Casos particulares parecendo indicar a ação de uma inte-


Pois que, de ordinário, isso nunca sucede, deve-se supor que os
espectadores são muito fracos - que, por exemplo, Lombroso e seus
ligência superior;
quatro companheiros alienistas eram psicopatas, neurastênicos e semi-
l3.fi.) Manifestações diversas de um caráter composto; -histéricos, do mesmo modo que Crookes, Richet, Gibier, Bozzano e
14.f!.) Materializações completas de um sêr humano, ou parcla1S outros - ou que o médium possui grande fôrça, excepcional fôrça
como sejam, pés, mãos, membros superior e inferior, etc. (18). magnética. Em todo caso, essa energia psíquica seria uma energia
até aqui ignorada, uma potência oculta que apenas poderia explicar
uma pequena parte dos fenômenos mediúnicos.
(l7) \1v"ilIíam Crookes UFatos Espíritas".
(18) \'X7i1liam Crookes "Fatos Espíritas".
(19) Alexandte Aksakoff - "Animismo e Espititismo".
198 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS?

Fora do cérebro que a engendra, é notório que uma alucinação Que tí~eres alucinatórios são êsses que, apenas nascidos, se tor-
não eXiste nem se movimenta por vontade própria; hão poderia, pois, nam logo mtelectualmente independentes, pensam como melhor lhes
agir no espaço, deslocar objetos materiais, deixar traços após seu p~rece, agem de vontade própria, tomam a identidade de entes que
desaparecimento, ou impressionar uma chapa fotográfica. VIveram na terra, demonstram o que dizem por meio de tôdas as
"Muitas vêzes, diz o Prof. Brofferio, tendo-se percebido que o provas que humana e làgicamente se podiam exigir, manifestam-se
agente oculto depusera sôbre a mesa objetos materiais, uma cadeira, quando bem o entendem, ausentam·se para sempre quando menos
um tamborzinho, um candelabro, um prato, etc., acendia-se a luz se espera, falam de um estágio espiritual em que vivem, de ninguém
e notava-se que êles não desapareciam, antes permaneciam onde esta- obedecendo a vontade, exceção feita de uma Entidade espiritual, a
vam, enquanto lá eram deixados. que se referem, incessantemente, com veneração profunda?
Quantos enigmas e cada qual mais formidável a resolverem-se
Certa, ocasião, a entidade tomou de um balde de água e o colocou
pela hipótese alucinatória! (20)
sôbre a mesa. Como já era mais de meia noite, encerrou-se a sessão,
ficando o balde onde fôra pôsto. No dia seguinte lá estava êle. Belíssimas e admiráveis palavras pronunciou-as também a res-
~; pois, evidente que essa sensação comum dos nossos sentidos não era peito, o Prof~ssor Charles Richet na Academia das 'Ciências, ~presen­
simples alucinação". tando ? seu lIvro, fruto de quase quarenta anos de trabalhos, durante
os quals os estudos espíritas constituiram objeto de sua maravilhosa
E que, em verdade não é uma ilusão ou alucinação, provam-no atividade.
as impressões que os fantasmas produzem nos animais domésticos, "Quando William Crookes relata as experiências feitas em seu
que, sem dúvida, não podem estar alucinados. São em grande núme- laboratório, o "sabichão" pode erguer os ombros e dizer:
ro êsses fatos, e acham-se registrados em todos os livros concernentes
- ~ impossível! O bom senso faz-me afirmar que Crookes foi
ao Espiritismo os casos de que a "Sociedade de Pesquisas Psiquicas"
vítima de uma ilusão. Crookes é um imbecil.
tomou conhecimento e reconheceu autênticos.
No entanto, não há ciência que não deva uma descoberta ou
Não descobrimos, pois, uma explicação natural e aceitável quanto um progresso a êsse espírito sagaz. Os trabalhos de Crookes sôbre
à ilusão ou alucinação tão comum e regular. Tivemos numerosos o ouro. e a prata, Sua aplicação do sódio ao processo de amalgamação,
exemplos de cada uma dessas ações para excluir a hipótese alucina- são utdizadas em tôdas as oficinas metalúrgicas. Com o auxílio do
tória; e quanto à explicação geral, ela é de todo insuficiente. h~liômetro do Observatório de Greenwich, foi êle o primeiro que
Entretanto, se é exato que os espiritos hão deixado traços perma- pode fotografar os corpos celestes, e as suas reproduções da lua são
nentes, não só da ação que exercem sôbre os objetos, bem como da célebres. Seus estudos sôbre fenômenos da luz polarizada, sôbre a
sua realidade objetiva, não é menos notório a sua vontade própria. espectroscopia, não são menos conhecidos. Crookes descobriu tam·
bém o thallium.
Expliquemo-nos melhor, comentando o caso de William Crookes: Todos êsses trabalhos, porém, são excedidos pela magnífica des-
Um belo dia, isto depois de três anos, a personalidade media- coberta do quarto estado da matéria, descoberta que lhe assegurou
nímica de Katie King anuncia aos amigos da terra que a sua missão um lugar no panteão da Inglaterra, ao lado de Newton ,e de HerscheIJ,
está prestes a terminar e que, em determinado mês e dia, deixará e outro mais admirável ainda na memória dos homens da ciência.
de manifestar-se sob a forma material. Wi!!i~!!1~Ç~rgQk~~§" entregou-se durante dez anos ao estudo das
Mas como, perguntarão, se a vontade de todos é que ela fique? manifestações espíritas e, para verificá-las cientificamente, construi!!
Como, se a idéia alucinatiÓria e organizadora do médium é onipo- instrumentos de precisão e delicadeza inauditas. Com o auxílio
tente? Como não conseguir reter, ao menos por mais algumas horas, um médium notável e de outros cientistas tão rigorosamente met6·
esse manequim criado pela alucinação ou ilusão de todos, maneqUim dicas co~ êle, operava em seu próprio laboratório, cercado de
que, mostrando-se profundamente sensível a tantas demostrações de lhos eléttlcos, que teriam tornado impossível ou mortal qualquet ten·
tativa de fraude.
afeto, teve ainda assim de deixar para sempre os seus amigos, em
obediência a uma vontade suprema? (20) Ernesto Bozzano - "Metapsíquica Humana".
200 PEDRO GRANJA CAPÍTULO XIV

Assim entre o pobre "sabichão" - que nunca ouvira falar da


matéria radiante, do thallium e das ampolas que transmitem a luz
elétrica - e Crookes, a nossa escolha está feita. Se o "sabichão" AS
disser que Crookes é um farsante ou um louco, seremos nós quem OPINIõES
sacudirá os ombros. DOS
E pouco importa que rebocados pelo "sabichão", uma multidão SÁBIOS
de inconscientes - que nada viram, nada aprofundaram, nada estu·
daram, digam que a opinião de Crookes de nada vale. Não nos
admiraremos.
Se Crookes ainda estivesse só! Mas não! Há uma pobre plêiade
de sábios, - grandes sábios - que presenciaram êsse fenômenos
INGLATERRA E ESTADOS UNIDOS
extraordinários" (21).
Continua, porém, o Professor Richet, referindo-se ao mesmo assun·
to, noutra obra, a dizer:
"William Crookes reafirmando essas manifestações, num Congres·
so Cientifico da Associação Britânica vinte e quatro amos depois, no
C()RMW.F:~L FLEET\'Ç()()J) V ARLEY, membro da Sociedade Real
de Londres; noúíbiÜssi1ll0 engenheiro, descobridor do condensador elé·
apogeu de sua glória, declara solenemente que nada havia de que se
trico, técnico a quem coube estabelecer por meio de cabo submarino
retratar".
as comunicações entre os dois continentes, consultor da "Atlantic
E, comentando a firmeza de sua inabalável opinião, conduiu: Telegraph Company" e da "Electric and International Company".
"Não se pode distinguir o Crookes do thallium e dos raios cató- Êsse eminente profissional percebeu que sua mulher costumava
dicos, do Crookes de Katie King" (22). cair em transe mediúnico, tinha visões e produzia fenômenos psíqui.
Para provar ao leitor que a opinião de William Crookes, consi· coso Com grande espanto, notou em si próprio a manifestação de
derado como o "mais eclético dos sábios inglêses", não está isolada, poderes supranormais, entre os quais o de cura, conseguindo tratar a
vamos abrir um capítulo nôvo, dando·lhe por título o que nos sugere espôsa de várias enfermidades que haviam resistido à terapêutica
a idéia de Richet: "As Opiniões dos Sábios" - e continuaremos usual.
depois com o capítulo interrompido: "Provas Científicas da Sobre·
Eletrecista que era, supunha que os fenômenos seriam devidos
vivência dos Espíritos".
à ação da eletricidade. Mas, por fim, declarava na "Sociedade Dia-
létiea", em 1869:
"Certa vez, indo para casa, uma circunstância ocorreu que desva-
neceu tôdas as minhas dúvidas (a circumstance ocurred which got
rid of the element of doubt).
Estando só no quarto, pensando intensamente nos fenômenos'!
que tinha observado, ouvi muitos raps. Na manhã seguinte, recebi!
uma carta de Daniel D. Home, em que dizia: Estando só em seu
quarto, o Senhor ouviu sons. Estou satisfeito. Êle declarava terem->"
-lhe dito os espíritos que me haviam seguido e podido produzir sons. i
(He stated the spirits had told him they folowed me, and were
enabled to produce sounds)".
(21) Charles Richet - "Tratado de Metapsíquica". Datam daí os primeiros passos de Varley na senda do Espiritisll1o.
(22) Charles Ríchet - "A Grande Esperança".
202 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 203

Foi êle quem preparou a complicada aparelhagem elétrica de "~ tempo de excluir as discussões fastidiosas e expor os casos
que se serviu Crookes nas experiências com os médiuns Florence Cook pessoa1~ que me ,convenceram da objetividade do fenômeno. Ê quase
e Daniel Home, o que lhes assegurou a absoluta realidade dos rmpossíVel dar aqueles que não se dedicaram a essas experiências
fenômenos. uma idéia do podere do acervo de provas que nos impus,eram nossa
convicção (2).
Suas conclusões foram firmes e finalmente estabelecidas no tra-
balho intitulado - "Algumas Reminiscências de Cinqüenta Anos de
Outro nome que se impõe, entre os sábios inglêses, é o de Sir
Pesquisas Psíquicas", onde estabelece :
WILLIAM FLETCHER BARRET, Professor de Física do "Royal College "Ê evidente a existência de um mundo espiritual, a sobrevivên-
of Science for Dublin", assistente do célebre Professor Tyndall, mem-
cia depois da 'mo'rte e a comunicação oca'sional dos que ,morreram".
bro da Sociedade Real de Londres, fundador da "Society for Psychical
(There is evidence for the existence of a spiritual world for survival
Researches", e, na opinião de René Sudre, - "un des physiciens les
aftex death, for occasional communications from those who passed
plus distingués de l' Angleterre". ov,er" (3).
Entre grande número de suas obras escolhamos aquela que tem
por título - "Nos Umbrais do Invisível". Na intl'Oducão à versão Obras publicadas:
francês a, êle declara: >
"On lhe Thl'eshold of lhe Unseen";
"Estou absolutamente convencido de que a ciência psíquica pro- - "Some Reminiscences of l'iftY Yeal's of Psychical Research";
vou experimentalmente a subsistência de uma entidade transcendente - "Au Seuil de l'Invisible", ([rad.).
e imaterial no homem: a alma.
. E::abeleceu, }gualn;ente, a. ex~stência de um mundo espiritual
e lnvrsrvel, de seres vrvos e mtehgentes, que se pode1Jt comunicar A palavra de Six OLIVER LODGE deve ser merecedora da maXlma
conos:o, em .s'e :pres~ntando ocasião favoráveL Acrescentai que, a atenção, pois além de -e;pir-it;--fer~~roso e mundialmente conhecido
desperto de tlusoes, srmulação e enganos, há uma crescente multi- pelo desassombro de suas numerosas obras e conferências, fôxa um
dão de provas que convergem em favor da sobrevivência do homem dos mais reputados físicos do nosso século - world famou5 physicist
após a morte e a decomposição do corpo" (1). - como era considerado. -
O eminente físico estudou os fenômenos espíritas cêrca de qua- DoutOi" em Ciências, Professox de Física da Universidade de Lon-
renta anos. Êle diz: dres, Professor de Filosofia Natural do Colégio de Bedford, Professor
catedrático de Física da Universidade de Liperpool, reitor da Univer-
"As conclusões a que chego não são frutos de um exame rápido sidade de Birmingham, membro da Academia Real de Londres e
e superficial. Há mais de quarenta anos que estudo os chamados agraciado com o título de Cavalheiro.
fenômenos supranormais, com tôda a liberdade e sem nenhum interêsse". Fêz importantes investigações originais sôbre o relâmpago, sôbre
E, no prefácio à edição inglêsa, adicionou: a sede da fôrça electromotiva na cédula voltaica, sôbre os fenômenos
'''Ninguém, dos que ridicularizaram o Espiritismo concedeu-lhe de electrólise e da velocidade do ion, sôbre o movimento do éter na
que eu saiba, atenção refletida e paciente. Afirmo q~e tôda pesso~ proxi~idade da terra, sôbre as ondas electromagnéticas e telegrafia
d~ senso, que consagrar a seu estudo, prudente e imparcial, tantos
sem flO. Obteve a patente para sintonização em telegrafia sem fio,
dla~ ou mesm~ tantas horas como muitos de nós têm consagrado anos,
que foi adquirida em 1911 pela Companhia Marconi. Foi por laxgos
sera constrangrdo a mudar de opinião".
anos presidente da "Associação Bútânica de Cientistas" da "Socie-
No corpo da obra, perguntava: dade de Física" e da "Sociedade de Pesquisas Psíquicas':.
"Como podem as negações dos ignorantes e dos sectários ter
Pox ser inestimável o testemunho de Lodge sôbre a sobrevivência
mais pêso para a ciência do que as afirmações de todos os teste-
e a co'm1unicação do espírito, após a morte, transcrevemos trechos do
munhos que enumeramos"?
discurso que pronunciou na "Psychical Research Society", em 22 de
Deixa o mestre, finalmente, o campo das objeções e entra na
novembro de 1916:
segunda parte da obra, com esta declaração:
(2) William Barrett - "On the Threshold of the Unseen".
(1) William Barrett - "Au Seuil de l'InvisibIe". (3) '\'Villiam Barrett - "Some Reminiscences of Fifty Years of Psychical Reseat"ch",
AFINAL, QUEM SOMOS? 205
204 PEDRO GRANJA

Para mim, a evidência é virtualmente completa, e não tenho


... "A comunicação é possível; mas deve-se obedecer às suas leis,
nenhuma dúvida da existência e da sobrevivência da personalidtule
I bus(:ando,·se primeiramente as condições. Não digo que isto seja fácil, como não a teria sôbre a dedução de qualquer experiência ordinária
mas é possível; conversei com meus falecidos amigos pela mesma forma e normal" (4).
que poderia conversar com uma pessoa qualquer dêste auditório.
Sendo homens de ciência êstes amigos deram-me a prova de sua Lodge enriqueceu a literatura científica com muitas obras notá-
identidade - a prova de que foram realmente êles e não alguma veis, dentre as quais podemos mencionar:
personificação ou alguma coisa emanada de mim mesmo.
- "The Modern Views of Eletricity";
Publicamos algumas destas provas, outras serão publicadas mais - "Pioneers of Science";
tarde. - "School Teaching and School Reform";
- "Essas Mathematics, Arithmetic, etc.";
Dir.vos·ei com tôda a fôrça da emoção de que sou capaz que - "Elementary Mechanics";
persistimos depois da morte; que os desencarnados continuam man- - "Signalling Without Wires Through Space";
tendo interêsse para o que se passa na terra e sabem muito mais do - "Modern Views on Matter";
- "Electrons";
que se passa do ql.le nós mesmos; enfim, quando p'odem se comuni· - "Atoms and Rays";
cam conosco. - "Ether and Reality", 1925;
- "Relativity", 1925;
Eu bem sei que esta afirmação é muito séria, uma conclusão muito - "TaIk About Wireless", 1925;
grave. Creio que ninguém dentre nós, inclusive eu, tem idéia ade· - "Modern Scientific Ideas", 1927;
quada da importância desta conclusão. - "Beyond Ph,ysics", 1931.
Sei que outros homens de ciência partidpam da minha opinião Finalmente, publicou as seguintes obras, de fundo espírita:
e também muitos homens que não de ciência. Inúmeros, todavia,
nada investigaram a respeito. Mas, se um homem consagra trinta - Life and Matter";
ou quarenta anos de sua existência a estas investigações, tem o direito - "The Substance of Faith, A1lied with Science";
de sustentar o resultado a que chegou. Necessitais da documentação, - "The Ether of Space;:
sem dúvida. As provas estão registradas nos volumes de uma "Sacie· - "Reason and Belief'; ,
- "Man and the Universe: A Study of the Influence of the Advance
dade Científica", e s'eu número aumentará sempre. in Scientific Knowledge upon our Understainding of Cristianity";
Estas provas não podem ser objeto de uma conversação ocasional. - "Phantams Walls";
Os homens que dedicaram muito estudo a êstes assuntos, chegaram, - The Survival of Man - A Study in Undecognised Human Fa-
culty", 1909;
pouco a pouco e durante o curso de vários anos de investigações, à - "Raymond, 01' Life and Death", 1915;
conclusão de que a prova é real. - "The War and After", 1915;
- "Cristopher: A Study in Human Personality", 1918;
Por minha parte, nenhuma dúvida a respeito existe,. durante o - "The Making of the Man", 1924;
século passado tratei de recorrer a tôda espécie de explicações, mas - "Science and Human Progress", 1927;
uma a uma foram eliminadas, e 'obtive a prova de que os sêres que - "Why I Believe in Personal Immortality", 1929;
se comunicam conosco são, na realidade, o que dizem s,er. Nem sempre. - "The Reality of a Spiritual World", 1930;
Mas a conclusão é que a sobrevivência está cientificam1ente provada - "My Philosophy, Containing Final Views on the Ether of Space";
- "Past Years, 1931.
por meio da investigação científica".
E mais tarde, após haver publicado "Raymond" e "Hhy I Believe
in Personal Immortality". o mais eminente dos físicos modernos
peremptoriamente declara: 'I)~J~l'oiIl~~ªIl~~Y~ª~~:t.2Y, Professor de Lógica e Ética da Uni·
versidade d·e Colúmbia, em Nova York, autor de várias e memoráveis
"A prova da identidade pessoal está, assim, gradualmente esta-
belecida, de maneira séria e sistemática, pelo exame crítico dos inves- obras, colhemos o seguinte trecho afirmado ao mundo científico:
tigadores e, sobretudo, pelos esforços especiais e inteligentes dos comu-
(4) Oliver Lodge - "Why I Believe in Personal Immortality".
nicantes do Além.
206 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 207

"Foi meu pai, foram meus tios e meus irmãos falecidos, com começou com furiosa investida a
os quais me entretive em profundo contacto, que me provaram que contra os espíritas. Foi forçado, porém, depois
a morte não existe e que a alma é imortal ... de quinze anos de investigaçôes criteriosas, a reconhecer que as comu-
Publiquei na minha obra "A Ciência e a Vida Futura", e na nicações que recebia eram de fato de amigos e parentes seus, falecidos
intitulada "A Ciência Psíquica e a Ressurreição", sumários de evidência em div,ersas épocas.
científica com relação à sobrevivência,. e Frederico Myers, na "Perso-
Conhecedor dos processos de mágica, coube-lhe, então, demons-
nalidade Humana", coligiu um conjunto de {atosevidentes, visando
trar a diferença abismal que havia entre tais processos e os fenômenos
o mesmo objetivo.
espíritas. As conclusões, bem como a demonstração da sobrevivência
Por esta razão não apr,esentarei provas neste volume, visto que
tratarei a hipótese da sobrevivência como cientificamente provada.
e comunicabilidade dos espíritos, se acham publicadas em dois impor-
tantes trabalhos, de grande êxito na Inglaterra.
(I shall treat the hypotheses of survival as scientifically pr~veAd):"
E declarava, ainda, que não discutia com quem negasse a eXlstenCla Publicou:
de espíritos desencarnados, porque êsse demonstrava nada conhecer
do assunto: - "Scientific Materialismo Calmly Considered";
"Spil'it, Mediuns anel Conjurers";
"I give him short shrift, and not propose any longer to argue - "A Rcply to professor TyndaU's",
with him on the supposition that he knows anything about the
subj ect" (5).
Publicou: '* * *
-
-
"Life After Death" - (Problems of Future Life and its Nature)"
"Contacts with the Other World"; V er;~TJ;J;;;,d~"~~;l~f::th'é~~~~~ Professor de Mecânica aplicada da Uni-
por processos ligados à sua ciência provou que
- "Science and the Future Life";
uma das modalidades dos fenômenos físicos praticados pelos espíritos
- "Enigmas of Psychical Research";
- "A Ciência e a Vida Futura", (trad.); seriam produzidos por uma espécie de "alavanca psíquica", ou sejam,
- "A Ciência Psíquica e a Ressureição", (trad.). feixes fluídicas emanados do corpo do médium, e dirigidos pela ação
dos desencarnados.
* * '* Os estudos -e conclusões a que chegou sôbl'e a realidade dos
ROBERT "DALE, O~EN, estadista, congressista, membro da Con- fenômenos, vêm minuciosamente enunciados nas observações que
venção ··C~n;tit.;;a~;;;r'~r~=·Indiana, denominado pelo Professor Dixon empreendeu.
"o Conselheiro Privado da América", ministro no estrangeiro, dedi-
Publicou:
cou-se ao Espiritismo para provar o êrro em que incorria seu genitor,
que se votava a tais estudos: - "The Reality of Psychic Phaenomena";
"Of his father's attachment to spiritualism he heard with pain - "Experiments in Psychic Science";
- "The Psychic Structures in the Goligher Cirele";
and regret". - "Experiências em Ciência Psíquica", (trad.);
O resultado dessa investigação foi contrário às vistas com que - "A Estrutura Psíquica no Centro Goligher", (trad.);
iniciara as pesquisas, e terminou declarando sua crença nos fenômenos - "La Mecanique Psychique", (trad.),
e na sobrevivência do espírito, em várias obras.
Publicou:
'* * *
- "Footfalls on the Boundary of an Other World"; Vejamos os filósofos inglêses. Afortunadamente cabe-nos men-
-
-
"The Debatable Land Between this World and the Next";
"Religião em Litígio entre êste Mundo e o Outro"" (trad,).
cio?ar ?s mais afamados. Um dêles é ~L~111~,=1~-l\L.!g, reitor da
Umversldade de Harvard, autot da notável obra "Varietes of Reli-
gious Expetiences" o mundo filosófico oe Eterário sobejamente
* * * admira; o outro é de quem dizia o Professor
Flournoy:
(5) James Hervey Hyslop - "Life After Death",
208 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 209
"Se as futuras descobertas confirmarem sua tese da intervenção
dos desencarnados, seu nome será inscrito no livro de ouro dos inicia- ~2~~, químico notável e Professor da Universidade de
dos e, junto aos de Copérnico e Darwin, completará a tríade dos gênios Pensilvânia, tomou francamente o partido dos espíritas, publicando
que mais profundamente revolucionaram o pensamento psicológico, sob o título "Experimental Investigations of the Spiritual Manifes-
biológico e cosmológico" (6). tations", obra que fêz· sensação, e na qual estabeleceu cientificamente
a intervenção dos espíritos.
Em William James se lê que, na Inglaterra, cêrca de um adulto
sôbre dez vê fantasmas, isto baseado em 15.000 respostas dadas a Em 1853 o Professor ,Hare começou a estudar a doutrina espírita
Gurney (7). "porque se sentia chamado por um dever para com seus semelhantes,
a empregar tôda. sua influência para deter a crescente demência popular
Nessa mesma obra, no capítulo intitulado Impressões Finais, apre- que se pronunCiava por essa grossa ilusão chamada Espiritismo".
senta o autor êste judicioso reparo:
Porém, êle também se tornou um demente o.. Isto foi em 1856,
"Quando uma teoria - dizia Jeffries Weyman - vem, sem cessar, quando no referido livro comunicava suas observações e experiências
à discussão, tôdas as vêzes que a crítica ortodoxa a enterra, ela reapa- à "Associação Científica", demonstrando a existência de espíritos e as
rece cada vez mais sólida e mais dura de acutilar, e podereis estar comunicações dêles com os mortais.
certo de que .nela há uma parte de verdade. Tinha visto inumar
Aken, Lamarch e Chambers; mas o resultado para Darwin foi o de
tornar a heresia um pouco mais plausível. Muitas vêzes a ciência
matou os espíritos, como uma das muitas superstições populares,e,
entretanto, nunca nos falaram dêles com tanta abundância nem com <;> Dr~~ Professor de Química da Academia Nacional dos
tão grande aparência de autenticidade" (8). Estados Unidos, a princípio, como o Professor Robert Hare, combateu
o Espiritismo.
* '* '* "Quando vi - disse êle - que alguns amigos meus estavam
entregues à magia moderna, resolvi investigar o que de real poderia
("
l1tJlR,l,!li!E~Q~;"MX2'.li~L,f~;"\;~!,g212,M,~~1f~,~,~~!iQRN!lY, professôres haver nisso, para salvar homens respeitáveis e ilustres que se encon-
da Universidade de Cambridge, compilaram uma interessantíssima cole- travam a caminho da imbecilidade".
"'\ ção de fatos extraordinários, meticulosamente baseados na narração Como resultado de tão humanitária emprêsa, também êle caiu na
\ direta das próprias pessoas com quem os 489 fatos se deram. "imbecilidade" de que pretendia salvar os amigos, tornando-se um
Na citação dos autores somente foram incluídos oS casos que ardoroso defensor da doutrina espírita.
puderam ser admitidos dentro de um plano e fim estritamente cientí-
fico, excluindo os que dariam margem a uma suposta classificação >I: * '*
diferente ou interpretação teórica oposta, além da dos espiritualistas.
:Ssse belíssimo acervo de provas foi reunido em volume, intitulado _,Q_12r~_ HERJ;!~ Professor de Anatomia Comparada no
pelos autores - "Phantasms of the Living", em tradução para "Fan- Real Colégio de Cirurgiões de Londres, na obra "Letters on the
tasmas dos Vivos". • Truth Contained in Popular Superstitions" (Cartas sôbre a Verdade
Continuando, porém, a série dêsses estudos, o Professor Fr·ederico contida nas Superstições Populares), cita grande número de fenô-
Myers publicou: "A Personalidade Humana", (trado); e Frank menos espíritas, obtidos por êle, particularmente denominados por
Podmore - "Modem Spiritualism". clarividência.

* * '*
Q 12l:. Q;S:QN, Professor da Universidade de Oxford, era mais
(6) Theodore Flournoy - "Archives de Psychologie de la Suisse Romande"o conhecido no meio espiritualista por STAINTON MOSES. Sendo pode-
(7) William James - "lltudes er Réflexions d'un Psiquiste". roso médium de efeitos físicos, durante cinco anos também dedicou-se
(8) William James - "lltudes et Réflexions d'un Psiquiste" o
aos trabalhos de psicografia. Publicando a obra "Spirit Identity dizia:
210 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 211

"Os fatos que exponho são os resultados de minhas próprias


"O homem só nasce completamente depois que morre. Por que
experiências. mes me forneceram a prova de que existem uma fôrça
então atormentarmo-nos por ter uma criança nascido entre os imortais?
e uma inteligência exteriores ao corpo humano". Nós somos estúpidos.
Publicou: A cedência de corpos por empréstimos, enquanto êles nos podem
proporcionar alegria, ajuda-nos a adquirir conhecimento ou contribuir
- "P~ychography";
para fazer o bem aos nossos semelhantes, é um ato bondoso e bene-
- "Spirit Identity";
- "Ensinos Espiritualistas"; (trad.). volente de Deus.
Quando os corpos se tornam impróprios a êsses propósitos e nos
* * '* produzem dores em vez de prazer, em vez de auxiliar nos embaraçam,
Deus é igualmente benevolente e bondoso em nos prover o meio
",'\,J:".,+'~f"""&"""J,,!,tM:~J:>.I:lc"',, ProfeS5G~' de Geologia em N ew Castle, membro
da Sociedade Geológica da mesma cidade, consagrou cêrca de oito pelo qual dêle nos descattamos. A morte é êsse meío.
anos ao estudo dos fenômenos espíritas e relata as experiências reali- Nossos sêres queridos e nós mesmos receberemos o convite para
zadas na obra "Outlines of Investigations in to Modem Spiritualism". participar no Além, da reunião intensamente feliz que persistirá eterna-
"Minhas convicções estão bem amadurecidas - disse - e creio mente. O nosso sêr amado terminou sua jornada terrena e partiu,
que os fatos espíritas, não explicados pela Física nem pela Fisiologia, precedendo-nos. Todos nós não poderíamos convenientemente partir
são devidos a agentes inyisíveise inteligentes cuja natureza ainda juntos.
desconhe{;emos".
O Professor Barkas foi colaborador efetivo da "Spiritual Por que, então, todos êsses tormentos, se brevemente nós os
Magazine". seguiremos, conhecendo o lugar em que se encontram?"

* ~. *
,,º~.12!~~_~!!~!1§» Professor de Astronomia da Universidade de
Cambridge, em carta publicada no periódico "Clerical ]ournal", T"!tQ~4*,,,~E,.l,2~,~Z~1 o célebre eletricista americano, inventor do
afirma: e
fonógrafo inúmerós' outros inventos, ao aderir publicamente ao "Con-
"Em resumo, os testemunhos relativos aos fenômenos espíritas gresso de Investigações Psíquicas" celebrado em Chicago, escreveu ao
são tão numerosos e acordes, que ou se aceitam êstes fatos ou Se seu presidente, Dt·. Cones, entre outras coisas, o seguinte:
desdenha por completo o testemunho dos homens". "O Congresso será, sem dúvida, proveitoso para o interêsse do
Espiritismo, porque dêle resultará a distinção entre o falso e o verda-
* * * deiro, contribuindo por igual a fazer luz no assunto. Será salutar
º,J::>J:'"Nb,§MN"__~. SENIOR, Professor de Economia da Universi- para os espíritas, porque sua insuperável filosofia tornar-se-á patente".
dade de Oxford e chefe da Chancelaria, convenceu-se da veracidade E o maior gênio inventivo do século, num de seus momentos
do Espiritismo eem sua obra "Historical and Philosophical Essais", de inspiração, a respeito da morte assim se manifestou:
diz, referindo-se às observações:
"Temer a morte é ignorar a beleza e os esplendores do espaço
"É indubitável que êstes fenômenos devem ser estudados cuida-
dosamente. Antes do fim dêste sé{;ulo, chegarão a formar uma ciência"_ infinito, cuja porta se abre à alma fatigada das provas terrestres;
é tomar por sombra a luz mais brilhante; é esquecer que nada se
perde e tudo se transforma".
* * *
~~~l~,~!!:i,._E~~~~H~"(9), inventor do pára-raios, célebre esta-
dista americano que auxiliou a elaborar a Constituição dos Estados
* * '*
Unidos, rendeu o seguinte tributo ao Espiritismo: º~ J:rC?fe.s~.or.4.~~1!.~!~.!?~~MORGAN, presidente da Sociedade Mate-
mática de Londres e senetário da Real Sociedade, numa das suas
(9) Vide a materialização de Benjamin Franklin no caso de Estela Livel'moore, págs.
261 a 263. obras diz estas palavras:
AFINAL, QUEM SOMOS?
212 PEDRO GRANJA

- George Wyld, Professor - "Theosophy and Higher LUc";


"Estou absolutamente convencido de que tenho visto e ouvido, - Godfrey Pearse e Franck Hird - "Memoir of Mario"-
em condições que tornam a incredulidade impossível, fenômenos - Haraldur Niellson, Professor - "Minhas Experiências Pessoais cm
chamados espíritas que nenhum sêr radonal poderá explicar pela impos- ~spiritismo", (trad.); nA Igreja e as Pesquisas Psíquicas", (tmd.);
tura, coincidência ou êrro". O Problema da Morte", (trad.);
- Harding Britten - "Modern American Spiritualism'"
- Harrison - "Spirits our Eyes"; ,
Publicou: - Hannen Swaffer - "Northc1iffe's Return"·
"From Matter to Spirit"; - H. Denis Bradley - "The Wisdom of th: Gods"· "Towards lhe
_ "De la Matiêre à le Spirite", (trad.). Stars"; "Rumo às Estrêlas", (trad.); ,
- H. Harbough - "Heavenly Recongnition";
- Henry Herbert Goddard, Professor da Universidad n de Ohio --"
* * * "Duas Almas em um Corpo", (trad.); v

- Hugh J. Brown - "The Holy Troth";


o afamado estadista ~!~J)L,",§,,!]~ tão celebrizado na confe- -
-
Hudson Tuttle - "The Arcana of Spiritualism'"
Huxley - "Lay Sermons and Addresses"· '
rência de Haya, diretor da "Review of Reviews", adepto sincero e
- J. Arthur Hill - "Psychal Investigation"';
estudioso de valor da causa espírita, publicou inúmeros livros sôbre o - Joy Shell - "The Ministry of Angel"·
assunto e que são considerados, pela exposição de argumentos irretor- - Marjorie Livingstone - "The New N~ctemeron'"
quíveis e pelo valor da comprovação dos fatos, obras de grande cunho. - M~chnish - "Philosophy of Sleeps"; ,
- Mmot. Savage - "Can Telepathy Explain?";
- N. Sp'lcer - "Strang Things"; "Coisas Estranhas" (trad.);
Publicou: - R. Pike - "Life's Borderland and Beyond"; ,
- Stanley de Brath - "Psychic Research";
- "Letters from Julia"; - S~lvan M~uld~on - "The Projection of the Astral BOdY";
_ "Real Ghost Stories"; - SIr Almenc FltZroy - Memórias", (trad.);
- "Faces of Living Dead"; - Usborne Moore, almirante - "The Voices"; "Glympses of the
- "Cartas de Júlia", (trad.). Next State";
- Walter Appleyard - "Au Revoir, not Good Bye'"
* '* * -
-
Walter Prince - "O Caso de Patiente Worth", (t;ad.)·
Walter Winn - "Secrets of Success in Life"· "Re;elation'"
ttRupert Lives"; , ,. ,
Não nos alongaremos mais citando trechos da literatura espírita - William Howitt - "History of the Supernatural";
da língua inglêsa. Basta, em resumo e em apurada seleção, lembrar- - Wolf, Dr. - "Starting Facts in Modem Spiritualism" (Fatos
mos os nomes e as obras de: Surpreendentes no Moderno Espiritismo, (trad.).

_ Artur Findlay - "No Limiar do Etéreo", ( trad.) ;


_ Alfred Smedley -"Some Reminiscences";
_ Benjamin Coleman - "Le Spiritualisme an Amérique", (trad.); ~econheceram a doutrina espírita e expuseram-na em artigos
_ Britten - Man and his Relations"; pubhcados em jornais, revistas científicas, congressos e conferências
_ Charles L. Tweedale - "Man's Survival after Death"; - ministros, jurisconsultos, professôres, filósofos, médicos, engenhei·
Conan Doyle - "The New Revelation"; "The Wanderings of a
Spiritualist"; "The Edge of the Unknown"; "A Nova Revelação", ros, escritores, etc., como se verá:
(trad.); "Devaneios de um Espiritualista", (trad.); "As Fron- - A. J. Balfour, presidente da Sociedade de Investigações Psíquicas
teiras do Desconhecido"; e Primeiro Ministro Britânico;
_ C. A. Wickland - "Thirty Years Among the Deacl"; "Trinta
- Ahburner, médico da Casa Real;
Anos entre os Mortos", (trad.); - F. C. Spur, reverendo;
_ Drayton Thomas, reverendo - "LHe Beyond Desth"; - W. E. Goldstone, preso do Conselho de Ministros da In:glattlfl'a;
_ Epes Sargent - "Planchete the Despair of Science" (A Pran- - G. F. Watts, célebre pintor;
cheta, o desespêro da Ciência); - Henry Lews, fisiologista;
_ Elza Barcker - "Letters from a Laving Dad Man"; "Cartas do - Horace Leaf, escritor;
Outro Mundo", (trad.); - Lorde Duravent;
E. Capron - ;'Modem Spiritualism"; - John Elliotson, notabilíssimo médico inglês;
Florence Manyat - "There is no Death"; "Não há Morte", - PearsaI1 Carpenter, naturalista;
(trad.) ;
214 PEDRO GRANJA Al'IN'AL, QUEM SOMOS? 21~

- Sir J. J. Thomson, presidente da Soe. de Investigações Psíquicas; "Para nós isso ?ão é duvidoso, pois efetivamente existe tal psico-
- Sir John Lubboch, escritor; logia. Não é posslVel que tantos homens proeminentes do mundo
- Wateley, arcebispo;
- Lorde Lindurst; inteiro fôssem enganados tão grosseiramente. Éles refletiram e dis-
- William Gregory escritor; cut~ra~ tôdas as óbjeções apresentadas, não encontrando motivo para
e inúmeros outros que seria fastidioso relacionar. atrIbUlr ao acaso ou ao produto de fraude qualquer dos fenômenos
observados, vis.to .terem tomado precauções, antes mesmo que outros
Em resumo: demos ligeira idéia do vulto dos autores inglêses as houvessem IndIcado. Recuso também acreditar que tais trabalhos
e americanos e da marcha do Espiritismo na Grã-Bretanha e Estados foram estéreis ou que êsses homens tivessem meditado, experimentado,
Unidos, unicamente para saciar parte da curiosidade do leitor. Porém, refletido sôbre meras ilusões" (10).
em face da vasta literatura que êsses países oferecem, a relação que E, depois de três décadas de contínuos estudos e observações,
apresentamos se torna tão diminuta que o leitor jamais poderá imagi- numa de suas notáv·eis obras, continua:
nar a insignificância dela. "!-Im primeiro fato é ~vidente: tôdas as vêzes que um sábio
Vamos, agora, a outro país. assentlU em estudar de manelra aprofundada êsses fenômenos chama-
dos outrora ocultos, adquiriu a convicção da existência dess~s mani-
festações. Na história da metapsíquica, não conheço um só caso, um
FRANÇA
SÓ, de observador consciencioso que, após dois anos de estudos, con-
cluisse pela negativa".
Ao passar em revista "as opiniões dos sábios francêses" trata-
remos, em primeiro lugar, daqueles que se ocuparam da fenome- Mais adiante, prossegue:
nologia, deixando à margem a parte casual e a parte doutrinária. "As novas verdades, estabelecidas pelos grandes sábios custam
São êles os metapsiquistas, ou, seja, os que tomaram a peito, simples- a s·er aceitas pelo público. Ê necessário muito tempo para que uma
mente, deixar demonstrada a autenticidade da manifestação supra- descoberta científica seja admitida. Que será ·então quando se tratar
normal. de fatos. inabituais? Tôda a constatação de um fato nôvo, a princípio
Entre êstes ocupa posição de destaque o grande Professor da Rarec,e Inverossí~el. E quando é inabitual, não podendo ser repe-
Sorbonne, CHARLES RICHET, verdadeiro gênio pelas suas descobertas tido a vontade, e negado, apesar das provas que se apresentam. Sim!
científicas e um dos maiores fisiologistas do mundo. Foi o divul- Ê negado obstinadamente, porque nada é tão fácil quanto uma negativa.
gador da seroterapia. Todos aquêles que publicaram as suas experiências sabiam que
Charles Richet nasceu em Paris em 1850' aos 28 anos de idade por essa publicação comprometiam seu renome científico, expondo-se
entr~;;:a~ê~n;~·P~;fe~~~~~·~-dj~;-t;~~~--F~~~lciad~de Medicina de Paris, às zombarias de seus colegas e aos sarcasmos dos ignorantes. Não
e, aos 37, era nomeado lente catedrático de Fisiologia na mesma é, pois, com satisfação que Se entra nessa batalha, onde não há mais
Faculdade. Foi membro da Academia de Medicina e do Instituto que golpes a receber. Ê porque nos limitamos a honrar e defender
de França, galardoado com o prêmio Nobel de 1913 e diretor da a verdade, por mais arriscada que ela possa parecer.
"Revue Scientifique". Não imaginam as angústias interiores por que passa um sábio
Tôdas as suas obras, frutos de uma vida inteira de dedicação, assim que se lhe apresenta um fenômeno .extraordinário, anormal,
de abnegação, de labor intenso, honesto e utilíssimo, consagraram-no cruelmente inverossímel, que parece estarem contradição evidente
como um dos maiores sábios do seu tempo. com tudo quanto êle conhece, com tudo que seus mestres lheensi-
No "Congresso Internacional de Psicologia Experimental", reali- naram, com tudo que êle próprio ensinou.
zado em- Londres, em 1892, Richet aborda francamente a questão Poderá um leigo aquilatar o que pensa um fisiologista quando
da nova psicologia e trata dos f.enÔmenos espíritas: materialização, p~esencia, como pres·enciei, uma excrescência sair do corpo do médium,
incorporação, dupla vista, transporte, voz direta etc., etc., embora dIstender-se formando duas pernas estranhas que se fixam sôbre o
desIgnando-os por nomes diferentes. solo, emitindo depois mais alguns prolongamentos que tomam aos
O eminente Professor começa por fazer o s.eguinte questionário:
(10) Charles Richet "Artigo publicado cm "Annales des Sciences Psychiques" _
"Existirá a psicologia oculta"? E, então, responde: dezembro de 1892.
216 PEDRO GRANJA Al'lNAL, QUEM SOMOS? 217

poucos a forma da mão, da qual se distinguem vagamente Os ossos, O que êle chama de "fenômenos essenciais" são:
sentindo a sua pressão sôbre oS joelhos? É necessário coragem para
crer nisso! E é necessário ainda maior coragem para relatar. a) a criptestesia;
b) a telecinesia;
Pensam que pude admitir sem enorme desgôsto íntimo que um c) a ectoplasmia;
fantasma, soprando na água de barita, pudesse produzir um precipi- d) a premonição.
tado de carbonato de bário?
Em têrmos comuns, mais simples e mais conhecidos no meio espí-
Pensam que Crookes não se tenha dado conta do absurdo de rita, classificam-se êsses mesmos "fenômenos essenciais" assim:
ver um lápis, em plena luz, erguer-se sozinho para escrever, e uma
lata aproximar-se dêsse lápis para auxiliá-lo? Não teria êle certa- a) os fenômenos subjetivos:
mente suposto que o chamariam de louco? os intelectuais,
Pensam que Oliver Lodge, Schrenck-Notzing, de Rochas, FIam- os de incorporação,
marion, Lombroso, Paul Gibier e Bozzano e outros mais, ignoravam os de identificação,
que seriam olhados com desprêzo por ousarem dizer que o inveros- os de escrita,
síme! e o absurdo são muitas vêzes verdadeiros? os de aparição, etc.
Se tivemos a audácia de falar é porque estávamos absolutamente b) os fenômenos de levitação, movimentos, pancadas, transportes;
certos de nOSSa experimentação, muito mais seguros que inúmeros c) os fenômenos de aparição de espíritos materializados ou parte
sábios estão freqüentemente quando sustentam um fato verdadeiro, dos mesmos;
mas nÔvo. d) os fenômenos de adivinhação, de previsão, etc.
Por conseguinte, repilo com tôda indignação que ainda conservo, Para se patentear a convicção final do grande cientista, recor-
essa estranha censura que nós quisemos ver fenômenos extraordinários. rendo-se às conclusões de seus últimos trabalhos, basta somente men-
NÃO! NÃO! e NÃO! Não quisemos ver" (11). cionar o seguinte trecho:
....RiçI1~t, ql,llll1.clº..tflltª.clª Pll!!~ !..~f(;:!(;:p:!~ ~ 11le.!a.psíqtti~.a:, .P!i!lS1p 1<l:.. "Somos forçados a dizer como Swedenborg: o espírito sopra onde
pgL.cl~f!!li.::.~~ . E9~~2..~·u1E.ª.Ei~flçi.ª ..ql::l.~ t.~~ P2:t: . g:!?i~.t,Q.J~g§1!!(;:.!l2~ 1!!.~ç!: quer - spiritus flat ubi vulto Há casos muito mais complexos, nos
!!iÇ2~.,gE:,'p~jSQ!§B.!Ç9.§,~.cl~yIcl2.~.ª !ª!:çª~ . . .gl!~.PªX~ç~.1!! . . i9t~lig~!l!.~.~, Qll..ª. quais o médium incorpora certa personalidade. Assim, por exemplo,
.pºclefes. cl~~cº111l~çiclº~,. . . !ª!~11!.~.S 9ll.... tl1t~ligê,!lçiª 1:1l!1EaQa". a Sra. Piper fala como se fôsse George Pelham; a Sra. Leonard como
se fôsse, realmente, Raymond Lodge. E há outros exemplos notáveis
~.!!!:e::rsíqul:tt.é, pois, um~ciê!lçia, na ciência. Um dos últimos é o que se chama a volta do Capitão
Mais adia~t~, referindo-se à impossibilidade da fraude e ades- Hentcliffe.
cúnfiança que permanecia em seu espírito quanto às investigações de A explicação espírita é muito simples. Poder-se-ia dizer que ela
terceiros, diz êle na referida obra: se impõe por sua simplicidade.
"Talvez, e eu me acuso por isso, não me tivessem convencido George Pelham morreu, mas não desapareceu a sua consciência.
as experiências inumeráveis, que os eminentes sábios já publicaram, Seu "eu" persiste, sua memória sobrevive e invadiu o pensamento
se dos quatro fenômenos fundamentais da metapsíquica não fôsse eu da Sra. Piper, de tal sorte que, falando pela bôca e escrevendo pela
testemunha - testemunha pouco entusiasta, testemunha severa, revol- ~ão. dêsse médium, George Pelham reaparece psicologicamente por
tada, desconfiada em extremo dos fatos que Se me impunham. Pude liltelto, tendo conservado a lembrança do que disse, do que fêz, do
verificar, em condições irreprocháveis e apesar do meu desejo de negá- que ouviu e viu durante a sua vida terrena.
-los, a realidade dos quatro fenômenos essenciais da metapsíquica (12).
Não hesito em afirmar que esta explicação é a 'mms simples e
que tôdas as outras empalidecem ao lado dela" (13).
(11) Charles Richet - "Traité de Métapsychique".
(12) Charles Richet - "Traité de Métapsychique". (13) Charles Richet - "A Grande Esperança".
218 PEDRO GRANJA Al'lNAI., QUEM SOMOS? 21')

É bom, todavia, salientar-se que assim falava um grande meta· E acrescenta:


psiquista, nome que quase sempre vem à baila quando se quer refutar "II y a chez les homens les plus édairés, quelle que soit l'époque
a teoria espírita da intervenção dos mortos. ou ils vivent, une inconsciente tendance à s'imaginer que les faits
incompatibles avec leurs notions sont surnature1s ou faux.
Publicou:
Plus modestes, mais plus cruels aussi, nous aieux, théologiens et
- "L'Homme et l'lnteligence"; jurisconsules, ont brulé les sociers et les magiciens sans les acuser
- "L'lnteligence et l'Homme";
"La Sélection Humaine";
de fraude; aujourd'hui, la plupart de nos savants, plus afirmatifs et
- "La Chaleur Animale"; moins rigoureux, accus,ent de supercherie des médiuns et les trauma-
- "L'Anaphylaxie"; turges sans les condamner au bucher" (14).
- "Essai de Psychologie Générale";
- "Les Causes Finales" (em colaboração com Ch. Richet Filho); Publicou:
- "L'Oeuvre de Pasteur" (em colaboração com Sully Prudhomme);
- "Le Savant"; - "La Magie";
- "Abrégé d'Histoire Générale"; - "Les Phénomenes Psychiques".
"Pour les Grands et les Petits" (fables);
"Le Passé de la Guerre et l'Avenir de la Paix";
"La Douleur des Autres" (roman);
"L'Homme Stupide";
"Traité de Physiologie Médico-Chirurgicale", 2 vols.; o J~t.Qi.~~'§'Qr~.,.Çɧ~!L!2!Lj(:E§l~f:ll}" historiador, laureado pela Acade-
"Traité de Métapsychique"; mia de Ciências de Paris, outro grande metapsiquista, assim se exprime,
"Les Ténébres de 1'Heure"; depois de uma longa exposição, como conseqüência a tirar dos dados
- "Ce que Toute Femme doit Savoir";
colhidos pelas escolas antropológica, etnográfica, sociológica, folcló-
- "Physiologie des Musdes et des Nerfs";
- "Cours de Physiologie"; rica e outras:
"Physiologie: Travaux du Laboratoire de la FamIté de Méde- "Não há nenhuma razão para se pensar que a crença em sêres
cine"" em colaboração com diversos condiscipulos e discípulos; espirituais, na existência e na sobrevivência da alma, tire a sua origem
"Les Cahiers de Joachim Legris";
"Recherches Expérimentaleset Cliniques sur la Sensibilité"; da interpretação errônea dos fenômenos naturais .. ,
"La Cirmlation du Sang", (ttaduction française de Harvey); Ora, a interpretação espiritualista dos fenômenos supranormais
- "Bibliographia Medica, Recueil Mensuel de Bibliographie lnter- não é, pres,entemente, ilegítima, porque não está provado que alguns
nationale";
- "Notre Sixieme Sens"; dêsses fenômenos, que parecem devidos à intervenção de sêres espi-
- "La Grande Espérance"; rituais, tenham, na realidade, origem diferente.
"L'Age d'Or et l'Age de l'Or"; Com efeito, a origem espiritualista pode ser falsa, mas é precisa;
"L'homme lmpuissant";
"Les Phénomenes dite de Materialisation de Vi1la Carmen";
ela é fundada nos fatos que, sem terem valor absoluto, possuem,
"L'Avenir et la Premonition"; entretanto, elementos suficientemente probatórios para arrastar à con-
- "A Grande Esperança", (trad.); vicção e mesmo à conversão grande número de homens eminentes" (I5).
- "O Sexto Sentido", (trad.);
- "A Porta do Mistério" (trad.). Publicou:
* ." '* "Les Polemiques de Villa Carmen";
"Le Diagnostic Paranormal";
QJ2J:" . J,M~:W:l.l~bm~mktQ: . clª-AgIÇ(~miª clê. Mediçi ll a, .PmfessQt, "Le MerveiUeux dans les Jeux de Hassard";
da Facul~ade~eMe~ici!1aclefaris, juristael11~ri~0, pois ocupou o - "Vn Médium Musical Extraordinaire";
éarg()deproc~ltador g~raina Côrte de Bordeaux, além de escritor - "Visões Grandiosas na Terra e no Ar", (trad.);
acatadíssimo, é outro metapsiquista ardoroso. - "Histoire du Spiritualisme Expérimental".
Categoricamente, êle declara:
"Não sou espírita, nem teósofo, nem ocultista. Não creio no * * *
sobrenatural, não creio em milagres. Creio que sabemos pouco do
(14) ]. Maxwell - "Les Phénomenes Psychiques".
mundo em que vivemos e que tudo ainda temos que aprender". (15) César de Vesme - "Histoire du Spiritualisme Expérimcntal".
220 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 221

Q""ol~~I:,~,~gQ§~L\l""ºlIY, diretor do Instituto Metapsíquico, neuro- zação corpórea direta do médium, assegurada por duas pessoas, por
logista de fama internacional e grande cerebração, numa de suas fotografias tiradas automàticamente logo que sobrevinha um fenô-
obras acentuou que: meno, pelas fotografias tiradas de improviso pelos experimentadores,
"O sábio digno dêsse nome não é doutrinário; êle é sábio por e também pela iluminação em boa luz avermelhada, de todo o espaço
seu espírito científico, só aceitando o que é demonstrado, o que está atravessado pelo infravermelho, e de todos os assistentes, aí compreen-
disciplinado à pesquisa e à crítica". dido o médium".
n, pois, por êste princípio que se norteiam metapsiquistas e Com os aparelhos, de um lado, para as experiências dos fenô-
espíritas. menos objetivos, como os metágnomos do outro (a metapsíquica mudou
Mais além, o notável médico estabelece, em têrmos científicos, a. ~esignação s~l~ples e fáei.l da palav~a médiU1n dos espíritas, a prin-
a fenomenologia psíquica ou a extranormal, de que o médium é ClplO por senSttzvo e depOIS por metagnomo) para a observação dos
dotado: su?jetivos, o ~famado neurologista chegou àquela conclusão, ade que
eXIste no paCIente dotado de faculdades extranormais o poder criador
"Impõe-se aevidênda de que estamos diante de um foco dínamo- e o conhecimento fora do espaço e do tempo.
-psíquico, donde emanam manifestações de ilimitado poder (d'une
puissance illimitable). Além do consciente, encontra-se a propriedade
Publicou:
de transformar a matéria viva, de torná-la amorfa, de exteriorizá-la,
e de fazer dela novas formas vivas (ectoplasma). Além do consciente, - "La Connaissance Supranormale";
encontra-se a propriedade de perceber o imperceptível, de conhecer - "Le Diagnostic des Maladies par les Sujets Doués de Connais.
sances Paranormales";
o ignorado. (Au delà du conscient on trouve la propriété de percevoir - "Métagnomie Psycophysiologie Experimentale";
l'imperceptible, de connaítre l' i11conn:aissable). - "Les Pouvoirs Inconnus de l'Esprit sur la Matii'~re".
Descobrem-se, ainda, limitadamente, nos recônditos do sêr hu-
mano, os atributos de que os filósofos ornaram o conceito divino
* 1* *
- potência criadora, fora do tempo e do espaço. E ninguém está Ri\Y!;__~Il:l!!'~l_!~_t<:~~~ __~~~_I{ospitais. de . J>aris'l1<ltllralistado Museu~
autorizado a presumir o que a investigação precisa, metódica, pro- d;e.. •.:H:ist§ria;.. . :N".<l~!<l.1,g!~SíE~!~j)!~ª!I~tº_ª.~!\1~Ú~llr,c9ºyigªaQ~§p-~ I
gressiva, poderá ainda descobrir" (16). clalmente pelogovêrnc} g<lAl11ériCa;d() .:N"()!tepag.fªze1:.p,trtçc.la '"(-
Para chegar a êsse resultado seguro, a essa convicção irrefragável, __ I
pl~.<l,~_~ oc!.~__~~~!__._c!_~t:t!ls_t~,~l.~!.<l~~.t~~E~l1;~~!~~~P~!c?~' COl~O' tal . pril1~.
o cientista muniu-se de custosa aparelhagem, da qual muitos instru- Clpl()1!~ll_<l~_:~P:E~:11,~~~_~,: )
mentos foram por êle mesmo inventados, e entre os quais se encon- '''Nous le dec1arons hautement, en commeçant ces recherches naus
travam os de luzes e raios artificiais. avions l'intime conviction que nous trouvions en face d'une colossale
E assim, por processos de laboratórios, o Dr. Osty ia surpreender mystification, qu'il fallait dévoiler, et naus avons mis du temps à
a formação ectoplásmica, ab ovo, a substância na sua fase ainda invi- nous défaire de cette idée".
sível, aquilo a que já Grawford, o Professor de mecânica de Belfort,
E o antigo céptico, depois de muitos estudos, conclui:
dava o nome de "alavanca psíquica", isto é, o aparelhamento fluídica
de que os invisíveis se serviam para a produção do fenômeno físico. Ã obra, pois! Não são mais permitidos a zombaria e o motejol
O Dr. Osty, então, conclui: fácil em tão grave assunto. Há faltos positivos. A metafísica nada I
pode contra êles, e quando ouvimos dizer que não são possíveis, isso I
"Nós encontramos um processo que revela, com tal nitidez e nos traz à memória a reflexão de Pascal sôbre a condenação de Galileu, ":>
tal segurança, a existência, os deslocamentos e a direção psíquica por cau~a do movimento da terra. Não será aquilo que provará que (
dessa substância invisível, que a demonstração de tais fatos é tão ela estep em repouso. Todos os homens juntos não a impediriam I.
probante como a mais pura e a mais simples experiência de física. de girar, nem se furtariam a girar com ela" ( 1 7 ) . )
A segurança absoluta - afirma o experimentador - quanto
Quanto às provas de que há fatos positivos, Paul Gibier, em
à causa que agia sôbre o infravermelho, foi garantida pela fiscali- "Análise das Cousas" textualmente diz:
·é~'="'=~~='"'1'ô':'."":",,,=~:m=\P.."~'

(16) Eugêne Osty - "La Connaissance Supranormale". (17) Paul Gibier - "Le Spiritisme, Fakirisme Occidemal".
222 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 223

Podemos ter provas materiais da existência da .alma. (Grifo do símeI. Pois que! O subconsciente é capaz das maravilhosas capaci-
autor). dades que acabamos de expor. Êle pode tudo e sabe tudo. Mas,
Êste fato não deixa dúvida alguma no meu espirit?: a ciência num ponto êle Se engana e nos engana: sôbre sua verdadeira natu-
poderá estudar de ora em diante, quando quis·er, o terce.lro elemento l'eza. Por que essa mistificação grosseira e constante? Por que essa
mentira inexplicável"?
constitutivo do Macroscomo, como estu~a os, outros, ~OIS elemen:o,~'
que ela compreende então muito melhor, Isto e, a ,materta e a energta l •
E, mais adiante, o douto mestre conclui:
"Quando a inteligência que se manifesta afirma solenemente sua
Publicou: existência autônoma, torna-se difícil negar sistemàticamente essa
existência".
- "Annales de Sciences Psychiques"; Em resumo, Geley assegura:
- "Le Spiritisme, Fakirisme Occidental";
- "Psicologia Experimental", (trad.); IrÊ preciso confessar que os espiritistas dispõem de (I:rgumentos
- "Análise das Cousas", (trad.). e de fatos formidáveis". (II faut avouer que les spirites disposent
d'arguments et eles faits redoutables) (19).
* 1* * Na obra "Do Inconsciente ao Consciente", Geley - declara Jean
Meyer - afirma a sobrevivência, numa largueza de vistas e uma
Ouçamos, agora, um dos maiores espiritualistas, assim considerad.o
elevação de espírito, que sua autoridade, na (lwtlidacle de experimen-
nos meios onde se estudam os problemas dos fenômenos supranormals
tador, torna singularmente impressionantes.
e as suas conseqüências. ..!L§!~..2..12E,..Q:rLS1:.i\,Y.!l ..§.~I,E,e.x::clirt;tºl"<:lº
As palavras que imprimiu foram estas:
!gstitutolVIetapsiquico, de Paris, médico em Nancy, ~re.IllattlrCll11eºF~
falecido num desastre, ,deayião,quand() trazia, de YClXS()Via "PClfClPClXI§, "Para o homem suficientemente evoluído, a morte faz romper
.·Y~l'i";~i~~i';~~~~""a;õ·ê;;íii:·êntõ·s:~··=···w~, o circulo restrito no qual a vida material tinha encerrado uma cons-
ciência que transbordava - círculo da profissão, circulo da família,
Ê muito importante, sobretudo como valor doutriná:io, dta~.se
circulo da pátria. O sêr se encontra transportado além das lembranças
q.lol~.ªprt;lll()giçã()clªSst;,clt;sastre,'Vinte",e(}it()ll1eSt;Sªl1tt;~'~()l:ªpl:t;YIS!º habituais, dos amor·es e dos ódios, das paixões e dos hábitos ...
pt;1()s1l1~(Iill.g~fasc:ªLF ()l:!hllQY~..Mª4.. Pe'yr().~ e que, lnfehzmente,
o pranteado experimentador não chegou a 1nterpretar, conforme narram Na cadeia das existências, uma vida terrena não tem mais impor-
tância relativa que um dia no curso dessa existência" (20).
os Professôres Er.J:!~~tQ.:§,Q.,~.~ª!.1Q".~m.~1!ª~()l2I.i,!;,.~Anim!§1P~;~
•.E:.§..pltit!§1110" ,
~""Çh~rl~~. ":RiSh~,t,~,1l1,,,:'b:A'Vegil::t;!1ª.gl:~l11ggi!19.ll" . Colhamos, ainda, alguns dos seus ensinos no "Ensino de Revista
"G~ie;,'~~me~'ta~clo' um caso mediúnic~ apres~nt~do pelo Professor Geral". Principia êle declarando no prefácio:
Rocco Santoliquido e conseguido graças a medmmdade de uma das "Quando, pela primeira vez, se estuda seriamente a questão, expe-
suas sobrinhas, dizia, refe'rindo-se à entidade invisível, autora do caso: rimenta-se verdadeira estupefação: percebe-se que os fenômenos espí-
"Uma vontade intervém, prepara, prevê, realiza. .. Em resumo, ritas, ou assim chamados, reduzem-se, em suma, a alguns tipos prin-
tudo se passa como se os fenômenos fôssem devidos. a uma perso- cipais, muito fixos e muito nítidos; que estão sàlidamente estabelecidos
nalidade muito caracterizada ·e como se essa p:rs.anahdade, se~u?do pelo t·estemunho acorde de milhares e milhares de pesquisadores; que
ela o afirma, tivesse uma existência autônoma, dlst1nta da do medmm foram fiscalizados, com todo o rigor dos métodos experimentais, por
e dos experimentadores" (18). sábios ilustres de todos os países; que sua negação pura e simples
equivale hoje a uma declaração de ignorância".
E, examinando a pseudo-doutrina que classifica o subconsciente
E, positiva e concludentemente, finaliza:
do médium como o causador do fenômeno, comenta:
"O Espiritismo só admite fatos experimentais com as deduções
"O chamado subconsciente se diz a personalidade de um morto. que êles comportam".
Esta complicação é verdadeiramente desconcertante e pouco veros-
(19) Gustave Geley "Revue Métapsychique", '1922.
--O;;)-Zustave Geley - "Revue Métapsychique", 1922. (20) Gustavo Geley "De l'Inconscient au ConsCÍent".
224 PEDRO GRANJA
Al'lNAL, QUEM SOMOS?

Geley explica, então, mas em sentido espiritual e em têrmos de


ciência, o que são os processos de morte e vida: ~"12!~""&it1:~~J,!i,1,,,12al,!;t1:~~,!k,,sj~EJi~ta, notável homem de
é um dos mais conhecidos vultos da bibliografia espirítica e um
"A desencarnação é um processo de análise. ~ a subdivisão da mais destemerosos propugnadores da sobrevivência e da comunicabi,
consciência em faculdades diversas, e do sentido único em sentidos lidade dos mortos, que refere como absolutamente certas. Afift1Ht
múltiplos, para facilitar seu exercício e conduzir seu desenvolvimento". êle:
Quanto aos fenômenos espíritas, diz: "A inteligência que se manifesta não emana dos operadores; ela
"Notemos imediatamente que não há exemplo de um único sábio declara ser aquêle cujo nome declina. Não vemos porque se obsti.
que tenha negado a realidade dos fenômenos depois do estudo. um naria em negar sua existência. Vamos, agora, acumular as provas
tanto aprofundado. Ao contrário, numerosos são aquêles que, partindo da existência dos espíritos, e elas irão revestindo-se de um caráter
de completo cepticismo, chegam à afirmação entusiástica". cada vez mais forte, por forma que nenhuma denegação sefá capaz
Depois, referindo-se à parte teórica, vale a pena mencionar a de combater a evidência da intervenção dos espíritos nessas novas
sua profunda convicção, neste trecho: manifestações" (22).
"Não é possível conceber uma função que, não sàmente possa De, fato, o grande escritor, nessa como nas demais obras -
ser isolada do seu órgão, mas ainda, como acontece com o fenômeno, verdadeiros monumentos lítero-espiritísticos - nada mais fêz do que
em condições antifisiológicas, adquirir mil vêz,es maior potência e ir acumulando e robustecendo a prova de que, pelo fenômeno espí-
extensão. rita, os mortos se comunicam com os vivos.
Não seria demais insistir nesse raciodnio: a interpretação dos
fenômenos do espiritualismo experimental pela doutrina espírita é Publicou:
a mais simples, a mais racional, a ,mais na/urdI. (Grifo do autor). - "Les Apparitions Materialisées", vols. I, II;
Não é possível repeli-la sem cairmos num abismo de contra· - "Recherches sur la Mediumnite";
- "Le Phénomene Spirite";
dições ... " (21). - "A Alma é Imortal", (trad.);
Tais são, em suma, as palavras e as idéias do mais acatado e - "O Espiritismo perante a Ciência", (trad.);--
respeitado experimentador francês, que dedicara tôda a sua atividade, - "A Evolução Anímica", (trad.); ...::.
tôda a sua inteligência - e era extraordinária - à observação e à - "Katie King - História de suás Aparições", (trad.);
- "A Reencarnação", (trad.); _.-
experiência no terreno espiritual. - "Ouçamos os Mortos", (trad.);
- "Merveilleux Phénornenes de l'Au-Delá";
Publicou: "- "Les Apparitions des Vivants et des Morts";
- "Investigações sôbre a Mediunidade";
- "De l'Inconscient au Conscient"; - "Documentos para Servir ao Estado da Reencarnação".
_ "Essai de Revue Genérale et d'Introd. Synthet. du Spiristisme";
-
-
"Nova Forma de Regulação da Termognese";
"Os Dois Psiquismos";
* '* *
- "Monismos, Idealimo e Palingenese"; J;:;AMI!t1.!L...I!:.1MM~~!2~t ..!!2!~y~L.~~!!.2g2m21 cujas obras ilumina-
- "Ensinamento da Doutrina Evolucionista";
- "Idealismo e Psicologia";
ram os séculos XIX e XX, nasceu em Montigny-Le Roy, em 26 de
- "Contribuição para o Estudo da Correspondência Cruzada"; fevereiro de 1842 e faleceu em Juvissy aos 3 de junho de 1925. "O
- "O Sêr Subconsciente"; poeta das estrêlas" como mundialmente é conhecido, a princípio cép"
- "A Ectoplasmia e a Clarividência"; tico, depois vacilante, finalmente convicto, tanto da fenomenologia
- "As Provas do Transformismo";
- "Resumo da Doutrina Espírita";
como da gênese espiritual, no último volume da série dêsses impo.t.
- "A Reencarnação". tantes estudos, justifica e explica as razões de sua certeza, declarando;
"A menos que tenhamos de recusar todo o testemunho
não é possível duvidar das narrações devidamente fiscalizadas.
não há muitos fatos, históricos ou cientificos, que sejam afJrUH!(!{II!
-----
(21) Gustave Geley - "Essa i de Revue Générale et d'Interpretation Synthetique du
Spiritisme" .
(22) Gabriel Delanne - "Le Phénomene Spirite".
226 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 227

por tão grande número de testemunhas. Supor que tôdas essas pessoas - "Rêves Êtoilés";
tenham sido enganadas, alucinadas ou vítimas da imaginação é uma _ "L'Inconnu et les Problemes Psychiques", 2 vols.;
- "La Mort et son Mystere";
hipótese absolutamente insustentável". - "Apres la Morte".
E mais adiante, expõe as razões de sua conViCçao:
"As deduções da existência da Alma além do túmulo e a sua ASTRONOMIA PRÁTICA
ação, para mim são tanto mais certas, quanto mais me pus eu a exami-
- "La Planete Mars et ses Conditions d'Habitabilité";
ná-las, a adotá-Ias. Isso foi entre os anos de 1861 a 1922, há mais - "La Planete Venus";
de sessenta anos" (23). - "Les 1ltoiles Doubles";
Como se vê, depois de sessenta anos de pacientes estudos, depois - "Histoire du Ciel";
- "1ltudes sur l' Astronomie", 9 vols.;
de um dos mais vastos inquéritos a que chegou um experimentador, - "L'Invention des Lunettes d'Approche et Galilée";
pôde o sábio estabelecer, no terreno do espiritualismo, umas tantas - "Grand Atlas Céleste";
leis, com a mesma segurança com que as afirmava do domínio dos - "Grande Carte Céleste";
astros, que giram na amplidão do infinito. São elas: - "Planisphere Mobile";
- "Globes de la Lune et de la Planete Mars";
"1 - A alma existe como sêr real, independente do corpo. - "Carte Générale de la Lune".
2 - Ele é dotada de faculdades ainda desconhecidas pela
ciência. ENSINO DE ASTRONOMIA

3 - Ela pode agir a distância, telepàticamente, sem a inter- "Qu'est-ce que le Ciel? - Astronomie élémentaire";
venção dos sentidos. - "Initiation Astronomique";
4 - Existe na Natureza um elemento psíquico em atividade, - "Astronomie des Dames";
- "Astronomie Populaire";
cuja essência ainda nos é desconhecida. - "Les 1ltoiles et les Curiosités du Ciel";
S - A alma sobrevive ao organismo físico e' pode manifestar- - "Les Terres du CieL Description des Planetes";
-se depois da morte". - "Les Merveilles Célestes";
- "Copernic et le Systeme du Monde";
Finalizando a obra, concluiu: - "Annuaires Astronomiques".
"Quaisquer que sejam os complementos que possam ser acrescen- .
tados às observações precedentes, possuímos doravante a certeza cien·- CIÊNCIAS GERAIS
tifica da sobrevivência da alma além do último suspiro terreno. A - "Le Monde Avant 1'Apparition de 1'Homme";
alma é independente do organismo material e continua a viver depois - "L'Atmosphere - Metéorologie Populaire";
da morte" (24). - "Mes Voyages Aériens";
- "Contemplations Scientifiques";
Publicou: - "L'Eruption du Krakatoa";
- "Les Tremblements de Terre et les Eruptions Volcaniques";
- "Curiosités de la Science, le Temps et le Calendrier";
OBRAS FILOSÓFICAS E ESPIRITUALISTAS - "Les Phénomenes de la Foudre";
- "La Pluralité des Mondes Habités"; - "Les Caprices de la Foudre",
- "Les Mondes Imaginaires et les Mondes Rée1s";
- "Récits de l'Infini, Lumen. Histoire d'une Comete"; VARIEDADES
- HLumen";
- "Dien dans la Nature", 2 vols.; - "Mémoire Biographiques et Philosophiques d'un Astronome";
- "La Fin du Monde"; -c-r - "Contes Philosophiques";
"Les Deniers Jours d'un Philosophe"; - V oyage dans le Ciel";
HUranie"; - "Dans le Ciel et sur la Terre";
"Stella" ; "Clairs de Lune";
- "Excursions SUl' les Autres Mondes".
(23) Camille FIammarion "Apres Ia Mort".
(24) Camille FIammarion "Apres Ia Mort". * :* *
AFINAL, QUEM SOMOS?
228 PEDRO GRANJA

Nas esperiências magnéticas, de Rochas fazia, por meio de pas·


~R,~~~JlE,;QJJ:J~2X4o,t~!2,~2,fg, cientista, escritor, é nome muito conhe-
ses longitudinais, com que o paciente regredisse a fases do seu passi1do
cido pelos seus inúmeros trabalhos científicos. Publicou uma belís-
sima obra espírita sôbre o título "L'Au-delà de la Vie d'Apres la e então, em profunda hipnose, se recordasse de todos os pormeno-
Psychologie Philosophique et Expérimentale". De início, 01 autor trata res do pretérito. Aumentando os passes, viu o experimentador que
da psicologia experimental, e depois de longa e documentada expo- o paciente descrevia a infância, passava a referir-se a uma vida no
sição, formula as conclusões que abreviamos: espaço e depois a uma existência anterior: é o chamado fenômeno
da regressão da memória, também observado por outros magnetiza-
"I - Verificação de uma fôrça supraterrena que se manifesta dores como os Drs. Colavida, E. Marata, Bouvier, Ubaldo Tartaruga,
aos nossos sentidos, pelos médiuns. Bertrand, o engenheiro Lacoste, o neurologista Dr. Karl Happich e
outros.
2 - Desdobramento do corpo humano e aparições dos fantas-
Tais experiências são muito conhecidas pelos estudiosos. Não
mas dos vivos.
é, propriamente, a elas que nos queremos referir, senão deixar firmada
3 - Aparições de formas materializadas, as quais reunem tôdas a opinião do antigo diretor da Politécnica de Paris.
as condições físicas da vida normal, exprimindo seus pensamentos, Comentando o caso de Mme. ]., que, em transe hipnótico, des-
evocando lembranças, manifestando sentimentos, desvendando-nos cer- creve dez vidas anteriores, cheias de episódios históricos, o Dr. Bouvier
tos mistérios do Além, e, particularmente, dando-nos a certeZa da apresenta quatro hipóteses para explicar tão estranho fenômeno.
sobrevivência e da reencarnação.
A quarta seria aquela pela qual o paciente teria vivido no pas-
4 - Comunicações escritas de desencarnados, cuja identidade sado, em épocas determinadas, e participado dos acontecimentos des-
é, muitas vêzes, evidente". critos, narrando-os como o faz qualquer pessoa, com relação à sua
vida presente.
Entre as publicações de seus trabalhos científicos, destacam-se: Essa última hipótese é a da reencarnação. A paciente descreve,
sob a ação dos passes magnéticos, lances de uma existência anterior.
- "La Folie et les Névroses Diathésiques";
- "Les Attaques :Spileptiformes de la Paralysie Générale";
"A quarta hipótese desenvolvida é a, nossa" - diz de Rochas
- "Médicine et Moeurs de la Rome Antique"; em "Les Vies Sucessives. Documents pour l'Etude de cette Question".
- "La Prostitution dans l'Antiquité";
- "Le Moyen Áge Médical";
O eminente engenheiro afirma, nessa obra, a realidade das mani-
- "Les Sciences Ocultes et la Physiol. Psychique Expérimentale"; festações espíritas e declara que elas s'e apoiam em bases sólidas.
- "Psychologie Morbide";
- "Le Moniteur de l'Hygiene Publique";
Foi de Rochas - estudando a questão relativa do que se passa
- "Sciences Occultes et Physiologie Psychique"; durante a anestesia do sono artificial - quem contribuiu para a
- "L'Au-delà de la Vie d'Apres la Psyc. Phil. et Expérimentale". solução do problema. Fêz um estudo especial da anestesia dos sonâm-
bulos e provou de modo indubitável que a anestesia do corpo não
.,.
~
formava mais que metade do processo, e que a outra metade, embora
* '* escapasse à nossa vista, prestava-se também à experimentação.
;r
Q.. ~J:J,g~Qhe.iJ:<:>_.I\!!Q~!"J:l ..4!L~~S-!1l0:!~Il"R:! p.Il._RoCILA .._.'AIGLUN Provou, em suma, que durante o estado hipnótico a sensibili-
foi um investigador meticuloso e de nomeada. Ocupou o cargo de dade não é destruída, nem mesmo suprimida - mas simplesmente
diretor da Escola Politécnica de Paris durante muitos anos e celebri- transferida "para fora" - exteriorizada!
zou-se nos trabalhos de hipnotismo, passando depois a dedicar-se ao
Outra importante obra do experimentador é"~~ l:~yit~!ioll'" onde
Espiritismo. acumula copiosíssima documentação para demonstrar o aludido fenô-
Seus livros sucediam-se e esgotavam-se. Tornou conhecidas as meno de levitação, ou seja, o soerguimento e transporte de pessoas e
experiências de Reichenbach e tratou do fenômeno da exteriorização coisas, contràriamente à lei de gravidade.
da sensibilidade, muito antes da observação de outros dentistas.
230 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 231

Publicou: O autor tinha o seu trabalho recolhido numa gaveta, quando o


vieram surpreender as experiências de William Crookes.Êle declara:
- "La Science des Philosophes et l'Art des Thaumaturges dans
l'Antiquité"; "Qual não foi o meu espanto ao ver o ilustre químico inglês,
- "Les Forces non Définies"; depois de experiências quase semelhante às que presenciei na índia,
- "Les Êtats Superficiels de I'Hypnose"; concluir, formalmente, pela existência dessa fôrça nova do organismo,
- "Les Êtats Profonds de I'Hypnose";
"L'Extériorisation de la Sensibilité - Étude Expérimentale & que eu antevira, timidamente, muitos anos antes".
Historique" ;
Reporta-se aos modernos trabalhos experimentais, e, relacionando
- "Le Fluide des Magnétiseurs. Précis des Expériences du Baron
de Reichenbach SUl' ses Propriétés Physiques et Psysiologiques"; as teorias explicativas, apresenta-nos ,então o livro "As Ações dos
"Les Effluves Odiques. Conférences faites par le Baron de Rei- Defuntos", afirmando que a teoria que se impõe por excelência é a
chenbach à l'Académie des Scíences de Vienne en 1865; ouvrage espiritual.
traduit pour la premiere fois en français et précédé d'un histori-
que de la question"; A obra de Jacolliot, muito anterior à dos nossos modernos espiri-
"Les Origines de la Scíence et ses Premieres Applications"; tualistas, já ia apanhar as raízes do fenômeno supranormal nas mais
"Les Sentiments, la Musique et le Geste"; recônditas e mais velhas camadas da sociedade humana.
"L'Extériorisation de la Motricité - Recueil d'Expériences et
d' Observations";
- "Les Vies sucessives"; Publicou:
"La Levitation";
- "Les Frontieres de la Scíence". - "Le Spiritisme dans le Mond";
"Les Fils de Dieu";
"Voyage au Pays des Brahmes";
"L'Initiation et les Sciences dans l'Inde et chez tous les Pellples
de l'Antiquité";
JULES THIEBAULT escreveu interessante obra, de fundo científico, "As Ações dos Defuntos", (trad.);
sob o título "L'Ami Dispam". Nela, explica os fins do livro: - "O Espiritismo na Índia", (trad.).

"Acordar a curiosidade dos indiferentes, sem fé nem Deus, aos


quais ainda não impressionou a iminência da grande viagem ao país '* * *
desconhecido; criar um guia seguro para essa prova de turismo extra-
terreno, à qual ninguém pode subtrair-se; provar o êrro do adágio ~~t9"",!?,~!},~Q~.!?~,.,Q~Q,lJ;>ll~,S'fU!!!lÉ pode-se dizer que foi introduzida
popular, que diz: do outro mundo ninguém voUou, mostrando, por na Europa o estudo da escrita direta - ação do próprio espírito que
fatos materiais, que, em nosso mundo, na Europa, na América, os assim se manifesta: ,escrevendo diretamente. Em Paris realizou inte-
desaparecidos voltam todos os dias; facilitar, enfim, a comunhão entre ressantíssimas observações sôbre o citado fenômeno, e escreveu um
vivos e mortos". livro importante: "La Realité des Spirites et de leurs Manifestations".

Êsse princípio espiritual, procura o autor demonstrá-lo no trans- Durante treze anos de laboriosas experiências, o Barão obteve
curso da obra cuja tese é a de que a morte não é o têrmo do indivíduo, pouco mais de duas mil provas de escrita direta 'e, dentre elas, con-
senão um simples marco na sua carreira evolutiva. "La mort n'est seguiu um número considerável em presença de assistência erudita,
pas la fin de l' être; c' est une crise de croissance". resultando disso a converção dos descrentes. N essas experiências, pois
que o autor chegou a obter escrita sem o auxílio de lápis, sem papel
e sem ardósia, deixava os assistentes mais deslumbrados quanto à proce-
* * * dência do material, que era "transportado diretamente pelos espíritos".
~~tL!~J~92~LIºI"",~0 famoso orientàlista, celebrizado por suas inú- Como apêndice a essa obra de grande ,emdição, encontram-se no
meras obras sôbre a Antiguidade e o Oriente, demonstra aexistênda fim do volume quinze grandes estampas, contendo noventa e três fac-
do fenômeno espirítico, a contar dos povos mais remotos e dos mais -símiles da escrita de diversos espíritos, em línguas diferentes, confe-
antigos monumentos. rindo o tipo da letra com o que êles tinham na sua vida terrena.
232 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

A poslçao social do Barão de Guldenstubbé, a consideração de Publicou:


que êle gozava na sociedade mais ilustrada, a sua independência de - "On ne memt pas" (Obra premiada pela Academia de Ciências):
caráter e as testemunhas presenciais dos fenômenos a que alude, remo- "Le Spiritisme lncompris";
vem tôda suspeita de fraude ·e mistificação. "O Espiritismo na Igreja", (trad.);
"À Porta do Mistério", (trad.).

* * '* * * *
o Dr. JOSEPH AGEORGES, escritor católico, extremado defensor
do fato espírita, especializou-se nas previsões. Publicou os estudos
dessas previsões no seu magnífico trabalho - "La Métapsychique et
º ,Prof essorºCIf()ll(J\1(Tlc:z;,<lê:ºJ:l!Y<:E~!<l~.<l~ª<:
..!:~!E!?.l:~& no dia
em que lançou a lume a obra "De la Sugestion Mentale" abraçando o
la Préconnaissance de l'Avenir". Estudou e analisou, a seguir, a Espiritismo, escreveu: '
antiguidade dêsses fatos e os divulgou exaustivamente na obra "Quando me recordo de que me causava pasmo a coragem de
"Les Phénomenes de la Metapsychique dans les Vieux Livres". William Crookes em sustentar a realidade dos fenômenos, e a apro-
vação que dei ao sorriso estúpido dos seus colegas que negaram êsses
* * * fatos, enrubesço de vergonha".
LOUIS FIGUIER, que na "Histoire Contemporaine du Merveilleux"
negava a realidade dos fenômenos espíritas, viu-se forçado, pelos * * *
fatos, a reconhecer a sua realidade e proclamou-a no livro "Lendemain
Fato curioso de se notar e referir foi a oportunidade que tiveram
de la Mort, ou la Vie Future Selon la Science". A dor o levara,
importantes personalidades, em França, de atestar, coletivamente, a
conforme êle próprio declarou, a aceitar o fenômeno espírita. Perdera
realidade dos fenômenos espíritas.
um filho em plena mocidade.
Mais de oitenta pessoas foram testemunhas, no "Instituto Metapsi-
Publicou: quico Internacional", dos fatos extraordinários realizados por inter-
médio de Jean Guzik, o qual se prestava a várias experiências
- "Vies des Savants Illustres. Savants de l'Antiquité";
- "Apres la Mort"; mediúnicas, a começar de novembro de 1922.
- "O Homem Primitivo", (trad.). Finalmente, nos meios culturais franceses, um grupo de obser·
vadores de grande nomeada firmou um abaixo assinado, onde, depois
* * * de descrever a fiscalização exercida, os métodos empregados nas expe·
THEODORO FLOURNOY, Professor de psicologia da Universidade riências e os nomes dos peritos presentes aos trabalhos, assim concluiu:
de Genebra, escreveu um dos mais interessantes livros em matéria de "Afirmamos. a nOSsa convicção de que os fenômenos mediúnicos
literatura espirítica, intitulado: "Des Indes à la PIanete Mars". obtidos com Jean Guzik não são explicáveis, quer por ilusões ou
alucinações individuais, ou coletivas, quer por um embuste".
Publicou: :Êsse atestado provocou grande celeuma ·em França e no estran·
- "Esprit et Mediuns";
geiro, devido aoS nomes ilustres dos que o subscreviam. São êles:
- "Nouvelles Observations sur un Cas de Somnambulisme avec
Glossalalie" ; - Dr. Bayle, chefe do serviço de identidade judiciária;
- "Spiritisme and Psychology". _ Dr. Benjamim Bord, antigo interno dos hospitais de Paris;
- Dr. Bom,. diretor da Casa de Saúde de Malmaison;
* * :!< - Dr. Bourbon;
- Camille Flammarion, astrônomo e literato;
LÉoN CHEVREUIL abre um dos capítulos do seu trabalho "Le - Dr. Cunéo, Professor da Faculdade de Medicina, Cirurgião 110$
Spiritisme Incompris" com as palavras de Oliver Lodge: Hospitais;
- Dr. Fontoynon, antigo interno dos hospitais de Paris,
'''Lanço um desafio a meus adversários; sustento que há provas Escola de Medicina de Madagascar;
da sobrevivência e que as há perfeitamente sólidas". - Georges, doutor em Ciências, engenheiro;
234 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

- Dr. Gustavo Geley, antigo interno dos hospitais de Lião, laureado - Dassier - "L'Humanité Posthume".
(1. 9 prêmio da Faculdade de Medicina); - Daumer - "O Mundo dos Espíritos", (trad.); "O Reino do#
- Dr. Héricourt; Espiritos", (trad.).
- Huc, diretor do "Dépêche de Toulouse"; - Edmond Duchatel - "A Vista a Distância no Tempo e no 1~8~
- Dr. Humbert, diretor da Secção de Higiene da Liga da Soe. da paço", (trad.); "Psicometria", (trad.).
Cruz Vermelha; Edouard Schuré - "Os Grandes Iniciados", (trad.).
- Dr. Jean Charles Roux, antigo interno dos Hospitais de Paris;
- Joseph Ageorges, literato; Elisabete d'Espérance - "Shadow Land"; "Au Pais de 1'0mbl'e",
(trad.).
- Dr. Laemmer;
- Dr. Lassabliere, diretor do Laboratório da Fac. de Medicina; - Eug. Bonnemere "L' Ame et ses Manifestations à Traven
- Prof. Lec1ainche, membro do Instituto de França, Inspetor Geral, l'Histoire" .
Chefe dos Servo Sanitários do Min. da Agricultura; - Eugene Nus - "Choses de l'Autre Monde"; "A la Rechcl'chc
- Marcel Prevost, literato, membro da Academia Francêsa; des Destinées"; "Grands Mysteres".
- Michaux, inspector geral de Pontes e Estradas, antigo conselheiro - Émile Boirac - "L'Étude Scientifique du Spiritisme"; "La Psy-
de Estado, diretor das Estradas de Ferro; chologie Inconnue".
- Dr. Montier, antigo interno dos Hospitais de Paris; - Émile Magnin - "Devant le Mystere de la Nevrose".
- Sir Oliver Lodge, professor emérito da Faculdade; - Epes Sargent - "Bases Científicas do Espiritismo", (trad.);
- Dr. Osty, diretor do Instituto Metapsiquico; "Katie King, Histoire de ses Apparitions".
- Pascal Forthuny, literato; - Georges Dejean - "A Nova Luz".
- Paul Ginisty, literato, redator do "Petit Parisien"; - H. Bergson - L'Ame et le Corps".
- Dr. Rehm, literato;
- Hector DurviUe - "Le Fantome des Vivants".
- Prof. Renê Sudre;
- Prof. Santoliquido, representante da Cruz Vermelha na Socieda- - Henri Regnault - "Les Vivants et les Morts"; "Le Secret du
Bonheur Parfait".
de das Nações;
- Dr. Stephen Chauvet, antigo interno dos hospitais de Paris, lau- - Henri Sausse - "Des Preuves? En voi1à!".
reado, medalha de ouro; - Herman Goldsmith, o célebre astrônomo a que se deve a des-
- Prof. Vallée, diretor do Laboratório Nacional. (25) coberta de quatorze planetas.
- Jean Meyer - diretor da "Revue Spirite", fundada por Allan
Kardec.
* '" * - M. Sage - "A Senhora Piper", (trad.); "Le Sommeil Naturel
Enfim, para que se não torne por demais extensa a resenha et I'Hypnose".
que fizemos das "opiniões dos sábios franceses", vamos sàmente citar - Marcel Monier - "La Vie d'Autre Tombe".
- Marquês de Mirville - "Dos Espíritos e suas Manifestações",
mais alguns autores e suas respectivas obras: (trad.) .
- A. Bué - "Magnetismo Curador", (trad.). - Paul Bodier - "A Vida e a Morte", (trad.); "Como Desenvolver
- Achille Borgnis - "Le Livre Pratique des Spirites". a Mediunidade", (trad.).
- Alexis Carrel - "L'Homme, cet Inconnu". - Paul Oltremare - "La Religion et la Vie d'Esprit".
- Alfred Erny - "O Psiquismo Experimental", (trad.). - Paul Sollier - "Les Phénomenes d'Autoscopie".
- Alfred Benezech - "Les Phénomenes Psychiques et la Question - Pierre Janet, Professor de Fisiologia da Universidade de Sorbonne
de l' Au-delà". - "Les Medications Psychologiques"; "Les Causes Finales";
- Dr. Azam - "Hipnotisme et Double Conscience". "L'Automatisme Psychologique"; "Névroses et Idées Fixes".
- Baraduc - "A Alma Humana, seus Movimentos suas Luzes", - Raymond Meunier - "Les Tourmentés".
(trad.). - Rehm - "Guérir sans Medicin".
- Bourru et Burot - "Changements de Personalité". - Reichenbach - "Lettres Odiques Magnetiques".
- Binet - "Les Alterations de la Personalité".
- Cahagnet - "A Luz dos Mortos", (trad.).
- Gasc-Desfossés - "Le Magnetisme Vital". Fizemos, resumidamente, um apanhado da~ "opiniões dos sábios
- Gyel - "L'Être Subconscient".
- Charles Lancelin - "Como se Morre. Como se Nasce"; "Dédou- franceses" que se dedicaram ao estudo do Espiritismo. O leitor terá
blement Personnel"; "La Fraude dans la Pl'Oduction des Phéno- notado que, para não fugir ao nosso objetivo, não citamos os mais
menes Mediuniques"; "Mes Rapports avec le Diable"; "Comment conhecidos nomes da literatura francesa que a êste estudo se dedicaram,
On Meurt, comment on Naite".
entretanto poderíamos fazê-lo, porque além de Victor Hugo, La.martine,
(25) Artigo publicado 11a "Revue Métapsychique", 1923. Marcel Prevost, Victorien Sardou, existem ainda inúmeros outro.s,
236 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 237

Corramos os olhos ràpidamente pela


O Barão KARL Du PREL foi um dos maiores pensadores moder-
ALEMANHA nos e um dos mais subtis devassador'es do Incógnito. Era oficial
Antes de lançarmos as vistas para os trabalhos espiriticos da do exército e doutor em filosofia pela Universidade de Tubingen.
Alemanha, merece especial destaque o nome de um dos seus maiores Em companhia dos Professores Lombroso, Schiaparelli, Chiaia, Brof-
filósofos e dos mais conhecidos no mundo, ~s DRIES_Ǫ. ferio, Ermacora, Richet e conselheiro Aksakoff, participou das célebres
Formando em medicina, em ciência eem direito, regia, até antes experiências realizadas em Milão, em 1892 (27).
da guerra de 1939, a cadeira de filosofia da Universidade de Leipzig. As conclusões do Barão, de profundo rigor analítico, assinalaram
Grande pacificista, foi um dos raros que tiveram a inaudita coragem a origem da técnica de encarar os fenômenos espíritas - ou do
de recusar categoricamente a sua assinatura numa célebre lista ou mani- mundo transcendental, como êle o diz.
festo dos intelectuais germânicos, por ocasião da guerra de 1914. No prefácio à última obra que publicou em vida - que se pode
Pelo valor moral e intelectual que possuía, foi convidado a presi- afirmar foi o coroamento da sua carreira - dizia êle:
dir a "Sociedade Inglêsa de Pesquisas Psíquicas", celeiro de tantas "Enquanto o homem permanecer na dúvida se é uma criatura
notabilidades da Grã-Bretanha. física e imortal ou um sêr metafísico imortal, não terá o direito de
Driesch afirma a realidade dos fenômenos psíquicos e assegura gabar-se da sua consciência pessoal, nem de limitar-se a ter a morte
"que a hipótese espírita é a que os explica menos complicadamente". como um salto nas trevas. Isso não convém sobretudo a um filó-
As conclusões a que chegou são o resultado de profundo estudo sofo, cujo primeiro dever, segundo Sócrates, é o de conhecer-se a
e êle as proclama, tanto do alto de sua cátedra em Leipzig, como si mesmo" (28).
em Londres.
O autor, depois de dissertar com maestria sôbre o problema que
Sustenta e defende-as ,em seus trabalhos, como na "Filosofia dos
implica as manifestações do espírito encarnado ou desencarnado, sobre-
Orgânicos" e no "Grande Problema da Psicologia".
tudo salientando a realidade do animismo, isto é, a manifestação o
Expôs as suas idéias em brilhante discurso, na "Clark Univer-
espírito encarnado, como só quer admitir a teoria do Prof. Hartmann,
sity", de Worcester, e nos últimos estudos apresentados em Paris, opina pela teoria espírita, ou seja, a realidade da manifestação do
no Congresso de Pesquisas Psíquicas - sôbre os títulos "Da Influência espírito desencarnado, afirmando que no animismo, as manifestações
da Metapsíquica no Aspecto Geral do Universo" e a "Metapsíquica das faculdades ocultas do espírito exteriorizado, já é Espiritismo.
e a Biologia".
E logicamente concluindo pela maior e melhor realidade dos
Driesch também demonstra que, com os fatos espiríticos, OS estu-
fatos, de modo positivo, diz:
dos da filosofia e da biologia estão passando por profundas trans-
formações. "Mas é tempo que o Espiritismo saia do período das simples
representações para entrar no da experimentação dentífica, da qual
* * * comporemos o programa. Se pessoas sem nenhuma noção da física
.E:lM..M~~E~I$.t\N'f definiu o espírito "como o sêr que pode exist~r entrassem num laboratório para fazer experiências, é claro que a
num espaço cheio de substân~~a ~ateria~". - e nós ,v.emos essa defi- física poucos frutos alcançaria. O resultado não será mais favorável
nição confirmada pelas expenenC1as eSplt1tas: o eSpIt1to atravessa as se simples curiosos se reunem para assistir a uma sessão espírita, limi-
paredes e desaparece através do assoalho. tando-s'e a constatar os fenômenos. Êsses fenômenos podem ser de
Formulou a suposição de "que a alma humana se acha, ainda alto interêsse; mas, não tendo estudos a respeito, os assistentes não
nesta vida, ligada simultâneamente a dois mundos" e, falando do sabem como explicá-los".
estado posterior à morte, disse: No epílogo da mesma obra, o Barão Karl Du Prel referindo-se
"Quando, afinal, a união da alma com o corpo físico. cess:r
ao seu trabalho anterior - "Física Mágica" - diz que nêle tratou
com a morte, a vida no Além não será mais que a natural contmuaçao
da física mágica e da psicologia mágica, competindo-lhe, d~pois ~is~o,
da ligação que a alma teve com o corpo durante a vida cá em
escrever a "Magia Espírita", a fim de concatenar e conclUIr a 10gIca
baixo" (26).
dos fatos.
* * *
(27) Vide pág. 244.
(28), Du Prel - "O Outro Lado da Vida".
238 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

Porém, como não se atrevia a fazê-lo, embora nesse domínio - HA Descoberta da Alma por meio das Ciências Ocultasl\~
possuísse mais experiências que todos os críticos reunidos conside- - "A Magia, Ciência Natural";
- "O Outro lado da Vida";
rando insuficiente o grande acervo de provas acumuladas, ~ó o faria - "Física Mágica".
se se e~contrasse na situação de um William Crookes, que tivera a
oportumdade de estudar êss-es fenômenos, dispondo da extraordinária
mediunidade de Florence Cook.
* * '*
Impossibilitado de realizá-lo segundo seus desejos, limitava-se a Um grande nome, entretanto, que avulta entre os maIS meti-
tirar da magia as conclusões ref.erentes à questão primacial para o culosos espiritualistas alemães é o do notável Barão de SCHRENCK-
homem - a imortalidade. NOTZING. Minucioso pesquisador, fêz que desfilassem pelo seu gabi-
Ouçamos-lhe a palavra: nete de -experiências as maiores notabilidades da língua alemã,
"Foi o que fiz nesta obra. O leitor verá que a magia constitui e universitários de países vizinhos. Médico notável, foi discípulo de
a base científica do Espiritismo, porque o agente mágico é justa- Hartmann e Du Pr-eI. Hipnotizador afamado, havia freqüentado as
mente o homem oculto - o homem astral - isto é, a parte que aulas de Bernheim, em Nancy.
subsistirá de nós depois da morte. O problema da magia, portanto, Começando a dedicar-se às questões espiritualistas escreveu a obra
é no fundo, o mesmo da imortalidade. Ambos se submetem à mesma "Fenômenos de Materialização". :Êste trabalho provocou grande
condição, à exteriorização do homem oculto - o psíquico a libertar-se celeuma e suscitou várias polêmicas, o que levou o autor a escrever
do físico. Essa s-eparação se dá parcial e provisoriamente, por meio outro volume: "O Combate pelos Fenômenos de Materialização".
da magia; e total e definitivamente, pela morte. Tendo examinado vários e afamados médiuns, descreveu as suas
A última palavra da magia - o corpo astral torna-se a primeira observações nos "Fenômenos Físicos da Mediunidade".
palavra da imortalidade e do Espiritismo. O corpo astral, com a Experimentador consciencioso, expôs os casos em que podia haver
fraude, extremando-os dos casos reais, e -escreveu: "A Fraude do
sua consciência transcendental, é, nos dois casos, o agente - tanto
Médium L. Laszlo".
nas funções ocultas dos vivos como no caso normal dos fantasmas
espíritas. Na magia dos vivos -essas funções se operam sem o concurso Depois da morte do notável experimentador, a viúva ainda publi-
cou várias obras póstumas: "Falsos Milagres", "Estudos de Parapsi·
do corpo físico, e no Espiritismo sem a posse de um corpo terreno.
cologia" e "Fenômenos com o Médium Schneider".
As fôrças psíquicas do homem são, por conseqüência, idênticas à dos
fantasmas espíritas - e submetidas às mesmas leis e condições. . Notzing principiara os estudos observando uma dançarina que,
Ignorando a música, em transe tocava vários trechos musicais, o que
Estas analogias provam, mais do que tudo, que não podemos o fêz editar seu primeiro livro - "A Dançarina que Sonha".
chegar a nenhum resultado satisfatório, nem compreender o Espiri-
O livro de Notzing, que maior r-epercussão teve na Alemanha,
tismo,se o estudamos isoladamente. Por isso, se o Espiritismo pretende foi o denominado "Experiências de Movimentos a Distância", onde
tornar-se um ramo da antropologia, deverá ter sempre em vista estas o Barão, além de apresentar minucioso relatório das experiências feitas
analogias. E quem tenha a intenção de seguir êste conselho deverá com Willy Schneider, faz a descrição dos apar-elhos usados e dos
começar pelo estudo da mágia". melhoramentos nêle introduzidos. Entre êstes, o Dr. Notzing men-
ciona a aplicação da caixa de gaze; nesta, o médium podia ser visto
Publicou: do exterior sem rec-eber qualquer auxílio e ficava prêso pelas mãos
"A Doutrina Monística da Alma"; dos experimentadores.
- "A Psicologia Mágica"; O mais importante na obra do famoso pesquisador tedesco são
- "A Psicologia Experimental"; as impressões, o atestado, o testemunh.o, em suma, dos universitários
- "Estudos no Domínio das Ciências Ocultas";
- "O Espiritismo"; alemães. Ocupam mais de metade do livro. Nenhum teve a menor
- "Lucidez e Ação a Distância"; dúvida da, autenticidade dos fenômenos; ninguém deixou de admirar-se
- "Studien", I-II; dos processos empregados para a fiscalização; todos, unânimes, afir-
"A Descoberta da Alma";
"História da Evolução do Universo";
mam a impossibilidade de engano ou fraude com semelhantes
- "A Filosofia Mística"; lhagens e métodos.
AFINAL, QUEM SOMOS? 241
240 PEDRO GRANJA

- Dr. Rudolf Schott, cientista, de Municb.


. A obra de Notzing denota aquela capacidade de trabalho, aquêle - Dr. Salzer, Professor de Medicina na Universidade de Munich;
v!gor de anál~se, aquêle exagêro de minúcias que caracterizam o espí- - Dr. von Scanzoni, advogado, de Munich;
rtto do pesqUIsador alemão. - Dr. Schmidt Noehr, ex-Professor de Filosofia da Universidade de
Dentre os sábios que passaram pelo gabinete do Barão, podemos Heide1berg;
- Sichler, bibliotecário nacional, de Berna, Suíça;
destacar os seguintes nomes: - Dr. Tischner, oculista em Munich;
- Dr. Alfred Schuler, cientista, de Munich; - Dr. Troemmer, diretor da seção de doenças nervosas nos Esta-
- Dr. Alroz, Professor de Psicologia da Universidade de Upsal; belecimentos St. Georgs, em Hamburgo;
- Dr. von Aster, Professor de Filosofia na Universo de Giessen; - Dr. Vanino, Professor de Química na Universidade de Munich'
- Dr. Bohm, veterinário, de Nuremberg; - Dr. Widstaetter, Professor de Química na Univers_ de Munich; ,
- Dr. Bastian Schimidt, Professor de Psicologia Animal, de Munich; - Dr. Wiedersheim, conselheiro privado, Professor de Anatomia da
- Barão Dr. von Gebsattel, especialista em doenças nervosas, de Universidade de I<riburgo;
Munich; - Dr. Willy Seidel, escritor, de Munich;
- Conselheiro M. R. Lambert, de Stutgart; - Dr. Wittenberg, neurólogo, de Munich;
- Dingwall, membro da Sociedade Inglêsa de Pesquisas Psíquicas, - Dr. Zimmer, Professor de Zoologia da Univ_ de Munieh.
perito prestidigitador;
- Dr. Durig, médico clínico, de Munich; Publicou:
- Dr. Geiger, Professor de Filosofia da Universidade de Munich;
- "Fenômenos de Materialização";
- General Peter, escritor, de Munich;
- "O Combate pelos Fenômenos de Materialização";
- Dr. Graetz, Professor de Física da Universidade de Munich;
- Dr. Gustav Freitag, Professor de Medicina da Universidade de - "Fenômenos Físicos da Mediunidade";
"A Fraude do Medium L. Laszlo";
Munich;
- Dr. Gustav Wolf, Professor de Psiquiatria da Universidade de "Falsos Milagres";
Bale, e diretor do Hospício de Alienados de Triedmatt; "Estudos de Parapsicologia";
- Dr. Gustav Meyrinck, escritor, de Stanberg; "Fenômenos com o Médium Schneider";
- Dr. Hans Driesch, Professor de Filosofia da Univ. de Leipzig; "A Dançarina que Sonha";
- Dr. Hartogs, Professor de Matemática da Universo de Munich; - "Esperiência de Movimentos a Distância".
- Dr. Von Hattingberg, neurólogo, de Munich;
-
-
Dr. Heilner, Professor de Medicina da Universidade de Municlr
Harry Price, membro da Sociedade Inglêsa de Pesquisas Psíqui:
* * *
cas, perito prestidigitador; MAXIMILIANE PERTY, Professor na Universidade de Berna no
-
-
Dr. Huber, prívatdozent de Psicologia da Universo de Munich;
Hutchinson, escritor, de Munich;
seu livro, "Os Fenômenos Místicos", que a princípio combati~ os
- Dr. von Ka1ker, Professor de Jurisprudência da Universidade de fenômenos espiríticos, sustentando a tese de que êl·cs emanavam dos
Munich; médiuns, sem concurso nenhum dos espíritos, todavia, depois de longa
- Dr. Karl Krall, psicologista,. de Elberfeld; experiência, certificou-se da r·ealidade dos fatos e confessou-o em escri-
- Dr. Kindborg, neurólogo, de Breslau;
- Dr. Krapf, diretor do Asilo de Alienado, de Gabersee; tos ulteriores.
- Kutner, estudante de medicina, de Munich;
- Dra. Lebrecht, neuróloga, de Munich; Publicou:
- Dr. Lindemann, Prof. de Matemática na Universo de Munich; - "Os Fenômenos Místicos da Vida Humana";
- Dr. Ludwig KIages, ex-Professor de Filosofia em Munich' - "O Mundo Visível e o Mundo Invisível";
- Dr. Marcinowski, médico, diretor do Sanatório de Heilb~unn na - "Espiritualismo".
Baviera; ,
-
-
Dr. Muller, higienista, especialista em radioscopia, de Munich;
Dr. Nobb, oculista;
* * *
- Dr. Oertel, de Munich; Em 1921 o Professor RUDOLF LAMBERT editava prestimosa obra
- Dr. Oesterreic~, Professor. d.e Filosofia da Univ. de Tubingen; sob o título - "Fatos Misteriosos" (Geheimnisvolle Tatsachen). Nela
- Dr. OHner, dlretor do Gmasio de Gunzburgo;
- Dr. Osborne, neurólogo, de Munich' declara "que começamos agora, a prestar atenção a fenômenos
- Dr. Pauli, Professor de Psicologia d; Universidade de Munich' alcance, para concepção da vida e do mundo, e amplitude dos
- Dr. Pattin, ginecologista, de Munich; , zontes científicos, deixa atrás de si tôdas as manife':ÜKôes até
- Dr. Pearze, oculista e escritor de Munich' conhecidas do espírito humano". '
- Dr. Recknagel, médico clínico, de Munich;
242 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 243

Lambert prestou admiráv-el serviço à parapsicologia (c?mo s.e


denominam os estudos espiritualistas na Alemanha), dando a pubh- Quase ao mesmo tempo surgem, em idêntico gênero, três impor-
cidade uma edição crítica da célebre obra "A Vidente de Prevorts" tantes obras: "Estudos de Parapsicologia" (Parapsychologische Erken-
(Die Seering von Pr-evorst), de ]USTINUS KERNER, onde êsse médi~o ntnisse) de KARL GRUBER, Professor de Zoologia da Escola Superior
estuda a mediunidade de Frederica Kauffe, trabalho que merecena de Técnica de Munich; a "Telepatia Experimental" (Experimentelle
capítulo especial. Telepathie), de KARL BRUCK, também Professor, onde narra fenô-
menos que muito se afastam da telepatia; e a "Fôrça Magnética do
Com a bagueta divinatória preocupou-se o Conde KARL VON
Homem e a Prática do Magnetismo Terapêutico" (Die Magnetischen
KLINCKOWSTROM, que escreveu "A Bagueta Divinatória como Pro- Kraefte des Menschen und die Praxis des Heilmagnetismus, 1926),
blema Científico" (Die Wunschelrute aIs Wissenschaftliches). do Dr. LUDWIG LASKY.
O estudo do médium Megalis, que interessou e preocupou muitos O Dr. KARL BLACKER, catedrático de Química, de Viena, editou
espíritas escandinavos, fêz com que a literatura germânica se enrique- o "Oculto Sob o Ponto de Vista das Ciências Naturais" (Das Okhulte
cesse com duas obras do Professor UBALDO TARTARUGA - "Telepatia von der Naturwissenschaft).
e Retroscopia Criminais" (Kriminal-Telepathie und Retroskopie) e
O Dr. UBALDO TARTARUGA publica mais uma obra em 1928 -
"A Médium Clarividente Megalis na Suécia" (Das Hellisch Medium
"Os Milagres da Hipnose" (Wunder der Hypnose) e o Dr. MAX
Megalis in Schweden, 1923).
KEMMERICH - "Uma Sessão com o Médium Silbert" (Eine Sitzung
O Dr. AUGUST LUDWIG publica - "A História das Pesquisas mit dem medium Frau Silbert).
Psíquicas, da Antigüidade aos nossos Dias"; o Professor KARL CA- Como em 1921, o Dr. RODOLFO TIESCHNER, experimentador de
MILO SCHNEIDER - "A Atitude Científica de Hoje em relação aos grande mérito, adquirira notável êxito com sua obra "Introdução
Fenômenos Prapsíquicos" (Die Stellung der Heutigen Wissenschaft ao Ocultismo e Espiritismo" (Einfuehrung in den Okhultismus und
zur den Parapsychischen Phaenomenen); o Dr. MISSRIEGLER -"A Spiritismus), e esgotada ràpidamente a edição, reimprimiu-a em 1924.
Psicologia da Sugestão", em que o autor -estabelece vários pontos
Compõe a obra um resumo crítico e uma exposição elevada dos
de contacto entre a sugestão e a metapsíquica.
fatos observados naquele terreno. Tratando do Espiritismo, ° autor
Em 1925 o Dr. GUSTAV PAGENSTECHER leva à publicidade a obra declara que há injustiça oexagêro, quando se fala em perigo. Men-
"Percepção Extra-Sensorial" (Aussersinnliche Wahrnehmung), ciona, espedalmente, os casos interessantes que verificou simultânea-
onde r-elata as magníficas experiências realizadas com a Sra. Reys, mente com o Prof. STAUDENMAYER.
médium clarividente. Neste mesmo ano de 1924, novamente o Dr. UBALDO TARTA-
O Dr. RODOLFO TIESCHNER apresenta nôvo trabalho - "Sensa- RUGA publica um trabalho de fôlego: "Milagres no Domínio da
ção a Distância e Mesmerismo" (Fernfuehlen und Mesmerismus). Clarividência" (Aus dem Reiche des Hellischwunders).
Nesse período começam a ser vertidas para o alemão as obras Em 1934, o Professor RODOLFO LAMBERT apresenta nôvo livro
francesas de Gustavo Geley. Ainda não havia decorrido o primeiro sôbre "Assombrações, Manifestações de Mortos e Levitação" (Spuk,
trimestre de 1925 e as livrarias anunciavam a obra do Professor Gespenster und Apportphoenomene).
SHRODER sôbre metagnomia (mediunidade) tátil, que se intitulava Ainda em 1934, os Condes HERMANN KEYSERLING, KUNO HAR-
- "Experiências Fundamentais no Domínio das Ciências-Fronteiras DENBERG e o Dr. KARL HApPICH editaram um trabalho com o nome
Psíquicas" (Grundversuche auf dem Gebiete der Psychischen Grenz- de "Das Okhulte". A mais importante parte da obra é a do Dr.
wissenschaften). Os alemães chamam de "ciência fronteira" a que Happich, neurologista de Darmstadt, que estuda a mediunidade d.e
não entra no quadro das ciências oficiais. um intelectual, designado sob as iniciais H. P., e apresenta os admI-
E o mesmo Professor, para combater os acusadores de fraudes, ráveis resultados de seu exame. Entre aquêles, o médico menciona
escreveu a obra - "Os Fatos Ocultos e os Desmascaramentos dos vários casos de diagnósticos e curas feitas pelo médium.
Médiuns". Em Munich, o Dr. H. W. ZAHN publicou valioso trabalho que
ADOLFO WAGNER, catedrático da Universidade de São Peters- denominou - -"Die Okhulte Frage", e que traduziríamos por "A
Questão Psíquica", visto que pelo nome de ocultismo se referem os
burgo, escreve sôbre o Espiritismo e disfarça o assunto sob o título
alemães ao psiquismo.
"A Finalidade da Natureza" (Das Zweckgesetz in der Natur).
* *
ÁFINAL, QUEM SOMOS?
244 PEDRO GRANJA

M. Gasparin e as que êle mesmo empreendeu com vários amigos


o famoso astrônomo 11...~ÕLLN~R, . l'ro~esso.tde .Astronomia e íntimos.
Física da Universidade de :[e1p~ig,·dentista·da lilais .altaieputação,
autor do livro "A Natureza dos Cometas", que atraiu, por suas idéias Afirmando que os fenômenos eram reais, êle diz:
adiantadas, a atenção do mundo inteiro,· dedicou-se às investigações "Sua realidade está estabelecida", e acrescenta: "não podendo
espíritas, publicando o resultado no livro intitulado "Física Trans· demonstrar sua impossibilidade a priori, ninguém tem () direito de
cendental". tratar de absurdo os testemunhos sérios que os afirmam".
Presidindo a comissão de catedráticos que estudou os fenômenos
produzidos pelo médium Slade, teve por companheiros de estudo e
colaboradores nas experiências os professôres de física WILLIAM
* * *
WEBER e TEODORO FECHNER, e o professor de matemática SCHEINER. Os Professóres HOEFFLER ,e GOLDSCHMIDT foram ardorosos de-
Todos êles, diz o célebre astrônomo, "tornaram-se perfeitamente con' fensores da teoria espirita. Em carta dirigida à "Sociedade Dialética
vencidos da realidade dos fatos observados". de Londres", Camilo Flammarion dêles informava:
Sôbre as suas convicções, diz Zõllner no final da "Física Trans·
cendental" : "A teoria espirita foi aceita por muitos distintos sábios, entre
"Adquiri a prova da existência de um mundo invisível que pode os quais se destacam o Professor Hoeffler, o eminente autor da "His-
entrar em relação com a humanidade". tória da Química" e da "Enciclopédia Geral", e o laborioso pesqui-
O Professor TEODORO FECHNER, depois de várias observações, sador no campo dos descobrimentos astronómicos, cuja morte deplo-
afirma a sua convicção na existência de sêres transcendentais, seoundo ramos r·ecentemente, o Professor Herman Goldschmidt, ao qual se
I:>
o livro que publicou "Filosofia do Misticismo". deve a descoberta de quatorze planetas". ("Report on Spiritualism
of the London Dialetical Society").
2P!: JY~!:IJ~QÇ!!.ç:ll{2~ICZ, Professor de Psicologia da Univer.
sidade de Lemberg, que na itália tivera a oportunidade de presenciar
os fenômenos espíritas produzidos pelo médium Eusápia Paladino, * * *
fêz constar sua opinião favorável no "Correio de Varsóvia" e na
"Gazeta Semanal Ilustrada". Podemos, ainda, incluir na lista das "opiniões dos sábios alemães"
E o Professor declara: os seguintes nomes: o famoso médico Dr. CYRIAX, autor do livro
·"Quando me recordo de que, numa certa época, eu me admi- "Como Eu me Tornei Espiritualista"; o grande REICHEMBACH; os
rava da coragem de William Crookes em sustentar a realidade dos sábios URLICH e BRAUME; o Professor C. LUDWIG, e inúmeros outros.
fenômenos espíritas; quando reflito, sobretudo, que li as suas obras Vamos, porém, interromper as "opiniões dos sábios alemães" pam
com o soniso estúpido que iluminava a fisionomia dos seus colegas, apontarmos as dos italianos.
ao simples enunciado destas coisas, eu coro de vergonha por mim
próprio e pelos outros".
* * * IT ALIA

O Dr. HANS DRIESCH, professor de Filosofia da Universidade A Itália apresenta à frente do movimento espírita os distintos
de Leipzig, afirmando que o materialismo científico é impotente para Professôres Eurico Morselli, Pio Foá, Rocco Santoliquido, DaI
explicar as atividades da vida, sustenta que a telepatia, a clarividência, Vincenzo Caltagironi, Nicephoro Filalete, Rossi Pagnoni, P.
a premonição, etc., são manifestações que "consistem também de algo Rosi di Giustiniani, Giovani Schiaparelli, Angelo Brofferio, vius{:pp.i\'
mais que guia e dirige a matéria". Gerosa, G. B. Ermacora, Giorgio Finzi, Francesco Porro, Gi
Lapponi, Moroni, Tamburini, Limoncelli, Bianchi, Ascensi,
* * * Vizioli, Filippe Bottazzi, de Amids, Masucci, Ernesto Giolfi,
Chiaia, Vizani Scozzi, Luigi Luciani, Ernesto. I3()~z~gge o
O pr~ 1'IIURY, Profeswr da Academia de Genebra, membro da antropól()go Ç;~§are ,!;Qmbros,Rlque foi~-d;:1i:ãnte· ;l1U:itos anos ()
Soci~-(1ade Fisi~a· e de História Natural, publicou um folheto, "Les severo adversário do Espiritismo.
T"bles Tournantes", em que descreve as experiências realizadas por
246 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 247

Çl!.~4~~~~ tendo em 1891 assistido em Nãpoles a uma I - FENÔMENOS OBSERVADOS À LUZ


serieâe experiênCias· com o médium Eusápia Palladino, na presença
dos Professôres Tamburini, Limoncelli, Bianchi, Ascensi, Gigli, Vizioli Movimentos de obietos a distância, sem contacto:
e Giolfi, penitenciou-se voluntàriamente do seu êrro, escrevendo ao a) movimentos espontâneos de objetos;
Professor Ernesto Giolfi, que lhe havia enviado uma relação das
obs·ervações experimentais feitas nessas sessões, a seguinte carta que b) movimentos de mesa sem contacto;
foi publicada na "Tribuna Giudizziaria" de 5 de julho de 1891: c) movimento da alavanca de uma balança.
Pancadas e reprodução de sons na mesa.
"Umo. Sr. Professor:
II - FENôMENOS OBSERVADOS NA OBSCURIDADE
A relação em duplicata, que me enviou, está absolutamente
exata; acrescente também que quando se achou voltado o vaso com
a farinha, o médium tinha anunciado que atiraria a farinha à cara 11) Pancadas na mesa sensivelmente, mais fortes que as que se
dos assistentes, e tal deverüt tel' sido a sua intenção,. que só realizou ouviam em plena luz e ruídos semelhantes ao de um murro ou 'de
em parte, o que para mim é uma prova de perfeita boa fé da paciente uma palmada em baixo ou em cima da mesa;
e do seu estado de semi-inconsciência.
b) Choques e pancadas nas cadeiras dos vizinhos do médium,
Sinto-me envergonhado e condoído por ter atacado com tanta por vêzes bastante fortes para fazerem voltar a cadeira com a pessoa.
pertinácia a possibilidade dos fatos chamados espíritas; e digo os Algumas vêzes quando a pessoa se levantava, a cadeira era retirada;
fatos, porque sou ainda contrário à teoria. Porém, os fatos existem
e jacto:me de ser escravo dêles. c) Transporte para cim~ da mesa de objetos diversos, tais como
cadeiras, vestuários, e outros, distanciados de vários metros e pesando
Cumprimente em meu nome o Professor Chiaia, e trate de fazer vários quilosj
medir com Albini o campo visual e o fundo ocular do médium, pois
penso em ocupar-me disso. d) Transporte no ar de objetos diversos, de instrumentos de
música, por exemplo; percussões e sons produzidos por êsses objetos;
seu afetuosíssimo,
e) Levitação do médium para cima da mesa com a cadeira
em que se achava sentado;
CESARE LOMBRoso".
f) Aparição de pontos fosforescentes de pouca duração e de
claridade, notadamente de discos luminosos, que muitas vêzes se
Em virtude dessa pública declaração de Lombroso foi nomeada desdobraram, porém de curta durabilidade;
uma comissão para averiguar as causas de tais manifestações espíritas.
g) Ruído de duas mãos que se batiam no ar uma na outra
Eis, resumidamente, o seu relatório: (palmas);
h) Sopros sensíveis, como uma ligeira aragem limitada a um
pequeno espaço;
RELAT6RIO DA COMISSÃO DOS PROFESS6RES QUE SE
REUNIRAM EM MILÃO, EM 1892, PARA O ESTUDO DOS i) Toques produzidos por mão misteriosa, ora nas parte
vestidas do nosso corpo, ora nas partes descobertas (rosto e mãos),
FEN6MENOS PSíQUICOS: e, neste último caso, experimentava-se exatamente a sensação de
contacto e de calor que produz a mão humana. Por vêzes perce-
"Tomando em consideração o testemunho do Professor Cesare bem·se realmente êsses toques, que produzem um ruído correspon-
Lombroso, sôbre os fenômenos mediúnicos que se produzem por in- dente;
termédio da Sra. Eusápia PaUadino, os abaixo assinados reuniram-se
j) Visão de uma ou duas mãos projetadas sôbre um papel
em Milão, para fazer com ela uma série de estudos, tendentes a ve-
fosforescente ou em janela francamente iluminada;
rificar êsses fenômenos, submetendo-a a experiências e a observações
tão rigorosas quanto possíveis. k) Diversos trabalhos efetuados por essas mãos; nós feitos
e desfeitos, traços de pápis (conforme tôda a aparência) deixados
Houve ao todo dezessete sessões, que se realizaram na residência
sôbre uma fôlha de papel ou em outro lugar. Impressões dessas
do Professor Finzi (rua do Monte da Piedade), das 9 horas à meia-
-noite. mãos sôbre uma fôlha enegrecida;

São as seguintes as observações do Relatório: I) Contacto das nossas mãos com uma "figura misteriosa",
que não é certamente a do médium".
248 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 249

A Comissão refutava outras manifestações, observadas na escuri- G. B. ERMACORA - Professor de Física.


dão, por considerá-las insuficientes, pôsto que, na realidade, prováveis; -GIORGIO FINZI - Professor de Física.
expunha somente casos sôbre os quais não podia ter nenhuma dúvida, Professor ERCOLE CHIAIA.
seja por causa da certeza do exame feito, seja "pela impossibilidade CHAHES RICHET - Professor da Faculdade de Medicina
manifesta de terem êles sido obra do médium": de Paris, diretor da "Revista Científica".
CESARE LOMBROSO - Professor da Faculdade de Medicina
"a) Transportes de diferentes ohjetos enquanto as mãos e os de Turim".
pés do médium estavam amarrados aos dos seus vizinhos;
b) Impressão de dedos obtidos sôbre um papel enfumaçado; E, em junho de 1907, quinz.e anos depois, na revista italiana
"Arena", Lombroso expõe o resultado de novas experiências com os
c) Aparição de mãos sôbre um fundo ligeiramente iluminado;
médiuns Eusápia Palladino, Elisabete d'Espérancee Politi: fenômenos
d) Levitação do médium sôbre a mesa; de levitação, pancadas sem causa aparente e de ação inteligente, trans-
e) Contactos; portes sem o contacto de objetos, flôres, etc., levitação, vozes diretas,
f) Contactos com uma figura humana; materializações, etc., etc., e acrescenta:
g) Experiências de Zõllner sôbre a penetração de um sólido "O leitor vai interpelar-me com ar de compaixão e perguntar-me:
através de outro sólido, (passagem da matéria através da matéria). Não se deixou simplesmente ludibriar por farsantes vulgares?
O fato indiscutível é (lue com Eusápia tomaram-se medidas de
pr.ecaução absolutamente tigorosas contt'a a possibilidade de qualquer
III - OS FENÓMENOS PRECEDENTEMENTE fraude, porque se lhe ligavam as mãos e os pés, ficando uns e outros
OBSERVADOS NA ESCURIDÃO, SÃO OBTIDOS, ENFIM, cercados por um fio elétrico que, ao menor movimento punha em
À LUZ E COM O M~DIUM Ã VISTA
ação uma campainha. O médium Politi na "Sociedade de Psicologia
"Restava-nos, afirmam os membros da Comissão, para chegar- de Milão", foi, metido nu c.m um saco; e Mme. d'Espérance ficou
mos a uma inteira convicção, experimentar obter os fenômenos em imobilizada numa rêde como um peixe, e, não obstante, os fenômenos
plena claridade. se produziram.
Enfim, o aposento estava iluminado por uma lanterna de vidros Depois de tudo isso assIst1, ainda, a sessões em que Eusápia
encarnados, colocada sôbre outra mesa. Imediatamente todos os fenô-
menos, precedentemente observados, começaram a se reproduzir".
Palladinoem trans·e dava respostas exatas e muito sensatas em línguas
que ela não conhecia, como, por exemplo, o inglês.
Juntando a êsses fatos pessoais tudo o que soube das experiências
IV - CONCLUSÃO do Professor William Crookes com os médiuns Florence Cook e
Daniel D. Home, das do médium alemão que fazia às escuras as mais
L") Que, nas circunstâncias dadas, nenhum dos fenômenos curiosas pinturas, adquiri a convicção de que os fenômenos espíritas
obtidos à luz maIS ou menos intensa se poderia produzir com o
auxílio de um artifício qualquer; Se explicam, pela mor parte, por fôrças inerentes ao médium, e tam·
bém, por outro lado, pela intervenção de sêres supraterrenos, que
2.") Que a mesma opinião pode ser mantida em grande parte
para os fenômenos da escuridão completa. dispõem de fôrças de que as propriedades do rádio podem dar uma
idéia, por analogia.
a.a) ALEXANDRE AKSAKOLFF - Lente da Academia de Leipzig,
direitor do jornal "Psychische Studien", Conselheiro ... Um dia, depois do transporte de um objeto muito pesado
particular de S. M. o Imperador da Rússia. sem contacto, Eusápia, em estado de transe, disse-me:
GIOVANNI SCHlAPARELLI - Diretor do Observatório Astro- - Por que estás a perder o tempo com bagatelas? Sou capaz
nômico de Milão. de fazer que vejas tua mãe; mas é necessário que penses nisso com
KARL Du PRELL - Doutor em filosofia, de Munich. veemência.
ANGELO BROFFERIO - Professor de Filosofia. Impulsionado por essa promessa, no fim de meia hora de sessão
GruSEPPE GEROSA - Professor de Física da Escola Real
tomou-me o desejo intenso de vê-la, e a mesa, levantando-se com os
Superior de Agricultura de Portici. seus movimentos habituais e suc·essivos, parecia dar a sua anuência
250 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 251

ao meu pensamento íntimo. De repente, em meia obscuridade, à Q.. I?~IOY~l'!l'iL§,CHIAPPARELLI" diretor do Observatório Astro·
luz vermelha, vi sair dentre as cortinas uma forma um tanto curvada, nâmico de Milão, reputado sábio italiano, foi um dos membros da
como era a da minha mãe, coberta com um véu. Deu a volta da mesa comissão que estudou os fenômenos espíritas produzidos pela mediu.
para chegar até a mim, murmurando palavras que muitos ouviram, nidade de Eusápia Palladino, e não vacilou em assinar a resenha feita
mas que a minha meia surdez não me permitiu escutar. Como, sob pela "Italia deI Popolo", número extraordinário de novembro de 1892.
à influência de uma viva emoção, eu lhe suplicava que as repetisse,
ela me disse: "Cesar, fiol mio"! o que, confesso, não era costume
seu, visto que, sendo de Veneza, dizia mio fiol; depois, afastando o
* * *
véu, deu-me um longo beijo". Q..Il!~_E'Ji~Jl,~o~=f"QR~ Professor da Universidade de Gênova
Eis como, três lustros após a sua adesão aos fenômenos supra· e diretor do Observatório de Buenos Aires; PIERRE CURIE, descobri.
normais, o sábio Lombroso volta a apoiar a doutrina que não só dor do rádio; AMIGS e FILIPPO BOTTAzzI, Professores da Universi.
explica cabalmente tôdas as aparições normais de vivos e mortos, dade de Napoles, anos depois, figuram entre os observadores dos
mas até êsses fenômenos extraordinários de que abundam na história fenô~enos mediúnicos de Eusápia Palladino, produzidos em outra
tantos exemplos. reumao e local, fenômenos êsses cuja legitimidade garantiram.
Destaquemos, agora, o trecho do prefácio da importante obra
que êle escreveu sôbre o Espiritismo: *" * *
"Quando cio accade, quando indovina il futuro, quando senza
studi letterari scrive un romanzo, quando abbozza una scultura senza LembrenlOs, agora, o Professor de Antro-
l'intervento di uno scultore, quando fa comunicazioni ignorate da pologia, escritor, cl.ínico de dois papas, Leão
tutti, quando scrive coI carattere e collo stile dei defunti, comple. XIII e Pio X.
tamente ignotti a tutti, ció accade perche alla potenza medianica se Num de seus livros, o Professor se refere entre inúmeros e
ne associa un'altra che ha~ sin pure transitoriamente, quelle facoltà che variados casos,. a um depoimento prestado pel~ fidalgo Domingos
mancano ai vivi, di leggere iI futuro, di improvisarsi artista, ecc." (29). ~enza, caval~elfo do Sal:to Sepulcro, di costume integerrimi _ diz
ele. O depOImento segulU,se a uma devassa procedida pelo Cardeal
Carpegna, por ordem de Inocêncio X.
* * *
Diz Domingos Denza que sonhou com uma senhora de branco
fu_Q~~~I&w,I\,~%\ç;~,,,Mg,!i§1!J~>~1,,,,~:e!,gt,!~~§g,L,,"Q~,lI!1i~~!~,Ü!ê,2e
. <i~fu§:i_~ov~, e, acordando, certa vez, achou·seem presença da mesma senhora,
especialista de enfermidades nervosas e mentais, que fôra céptico e que lhe afirmou ter sido, em vida, a Marqueza Laura Poppoli Astelle,
obstinado materialista, após longos estudos atinentes ao Espíritismo, e que vinha pedir missas ao marido. Deixou impressa, na coberta
escreveu um livro intitulado "Psicologia e Spiritismo" relatando os da cama, a sua mão, de tal forma que apareciam com nitidez os
fenômenos por êle observados com o médium Eusápia Palladino. Sus- dedos e os ressaltos, com os contornos dela, em fosco queimado.
t,enta resolutamente a realidade dos mesmos, dizendo: Era notável a torcedura do dedo minimo, conforme defeito contraído
"AI piu, porto con me un piccolo corredo di convinzioni meta- pela Marqueza.
psichico guadagnatemi coll-esperienza" (30).
O fato foi observado e verificado por muitos, inclusive a Rainha
da Suécia e o Pontífice.
Publicou:
. Depois .de outros rel~tos, chama a atenção para vários fatos espí-
- "La Psicanalisi"; rItas, maravtlhosos, que tiveram por testemunhos Monsenhor Berardi
- "Psicologia eSpiritismo"; Pasquali, Bispo de Ruvo; do Arcebispo Júlio Vaccaro, de Bari; do
- "Hipótese Espirita e Teoria Cientifica", (trad.). Arcediago Vallareli; de Terlizzi; do Cavo Carmerino, questor; de
Meluzi, delegado; do Dr. Cotugno, do pastor Carreti, de um redator
* * * e de muitas outras personagens.
(29) Cesare Lombroso - "Richerche sui Fenomeni Ipnotici e Spiritici"; "Pesquisas
sôbre os Fenômenos Hipnóticos e Espíritas", (trad.). (30) Enrico MorseIli - "Psicologia eSpiritismo".
252 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 253
"Lendo-se - diz ainda - a descrição sumária de tôdas as mata-
vilhas espiríticas, pode alguém aC1"editar ter sob os olhos o capítulo numerosa de experimentadores exercitados nos métodos científicos,
de algum romance fantástico, ou, pelo menos, de alguma novela mais também homens de ciência, em que prevalece a fria razão, e que
ou menos engenhosamente arquitetada. Mas, os fatos singulares por êstes examinaram os fatos com o fim exclusivo de pela Verdade
mim brevemente resumidos das abrase dos cuidadosos relatos dos procurar a Verdade. Se acabaram por aderir à teoria espírita, não quer
que se ocuparam com êsses assuntos, são de uma realidade que nos isso dizer que se tenham tornado místicos, senão que se convenceram
é atestada por um número quase infinito de testemunhas" (31). experimentalmente de que essa teoria era a única capaz de explicar
o conjunto da fenomenolo gía examinada.
O 12f:.~~1~iJ"J\,§T"q,"119J:-M~g, nasceu em Gênova, no dia 9 de janeiro
de ls62 e faleceu no dia 24 de junho de 1943. Profesbor da Univer- Pela centésima vez repito, pois, que a teoria espírita é uma teoria
sidade de Turim, filósofo, potente cerebração pelo seu espírito de científica, e aquêles que a contestam dão apenas mostra de não have-
ordem, de método, de lógica, céptico, materialista, positivista, entre- rem ainda formado uma idéia clara sôbre o problema que preten-
gou-se aos estudos espíritas e não mais os largou, a êles se dedicando dem discutir".
desde os primeiros anos da mocidade até o final de sua gloriosa
Numa outra obra que publicou, e que depois foi traduzida para o
existência.
francês, em tesposta aos Ptofessôres Charles Richete René Sudre sôbre
Sendo o caráter de seus estudos orientados por um espírito essen- determinado ponto metapsíquico, que Bozzano combatia, afirmava:
cialmente cientifico e de grande capacidade analítica e perquiridora,
"Estudei pessoalmente esta questão em longa monografia que,
o erudito Professor afirma ser essa a base em que erguera todos os
como tôdas que a precederam, não constitui um trabalho de pesquisas
estudos empreendidos, contrapondo-se, dêsse modo, aos que julgam apressadas (de recl1crches hâtives), concluídas em poucos meses, mas
os fenômenos limitados num ciclo místico e religioso. Dizia êle,
é o l:esnltado leituras consideráveis, prolongadas durante trinta e
então, na "Metapsíquica Humana": seis anos" (32).
"Devo começar por aquela objeção que se reveste de grande eficá-
Em defesa dos casos de identificação dos espíritos, rejeitando a
cia aos olhos dos homens de ciência e dos profanos para diminuir o
hipótese de animismo, publica, então, uma das suas melhores obras,
valor dos argumentos em que se firmam os defensores da hipótese
e nela dá conta de um "acervo imponente de 1.200 classificações
espírita, ainda quando dentro dos rigorosos princípios da lógica e de fatos":
combatidos por teorias gratuitas e fantasistas. Essa obj,eção consiste
em afirmar que os espíritas não passam de uma aglomeração de "mís_ ... "É por isto, na minha qualidade de defensor da teoria espí-
ticos", que pretende fundar uma religião baseada nos fenômenos rita, que tomei a meu cargo submeter aos "animistas totalitários" o
metapsíquicos, não podendo, portanto, seus argumentos prevalecerem no primeiro ensaio do material mediúnico em questão.
meio científico.
Não duvido que completarei assim um trabalho eminentemente
Penso ser de não pequena utilidade destruir essa deplorável pre- cientifico e sobretudo literalmente decisivo, relativamente à contro-
venção, filha de uma observação estranhàvelmente parcial e superficial versia que nos divide, e que pode se desenrolar de forma cortês de
do movimento espírita encarado em seu conjunto. Se é verdade que um lado como de outro. Estou preparado para esta discussão por
o Espiritismo seja IJOmado num sentido religioso por uma multidão, quarenta e três anos de estudo 'm,etódico, severo, sistemático, de natu-
aliás muito respeitável, de almas simples, não quer dizer isso que reza nitidamente científica e, sobretudo, imparcial, pois que, durante
êle seja religioso, mas tão somente que as conclusões rigorosamente a mocidade, militei nos ramos do positivismo materialista, escrevendo
experimentais e, portanto, científicas, a que conduzem as investigações artigos apaixonados nas Revistas filosóficas para sustentar convicções
medianímicas, têm a virtude de reconfortar um grande número de dessa época.
almas atormentadas pela dúvida.
Então, nada de mIstlclsmo nas minhas convicções atuais; não é
Mas os opositores devem ter em mente que, culminando sôbre senão a lógica irresistível dos fatos que realizou a grande transfor-
essa multidão, em que prevalece o sentimento', existe uma (oorte
(32) Ernesto Bozzano - "À Propos de l'Introduction à la Metapsichique Humaine".
(31) G. Lapponi - "Ipnotismo eSpiritismo". Nessa meSma obra o autOr estuda e estabelece onZe ordens de fenômenos, absolutamente
inexplicáveis por qualquer teoria mctapsíquica que não a espírita. (Confrontem-se, por
exemplo, as págs. 63 e seguintes da referida obra).
254 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 255

mação; lógica fundada na análise comparada de um acervo impo- Publicou:


nente de 1.200 classificações de fatos, nas quais se acham registrados
todos os importantes fenômenos supranormais obtidos experimental- "Lo Spiritismo di Fronte alIa Scienza", 1901;
mente, ou que se produziram espontâneamente depois do movimento "Ipotesi Spiritica e Teoriche Scientifiche", 1903;
"Dei Casi d'Identificazione Spiritica", 1909;
espiritualista até os nossos dias, assim como tôdas as teorias, tôdas - "A Proposito di "Psicologia e Spiritismo" deI Prof. E. MorselIi",
as hipóteses que se têm imaginado até aqui para explicar os fatos; 1909;
tôdas as argumentações excelentes, boas, medíocres, sofisticas, absurdas - "Dei Fenomeni Premonitori", 1912;
que se têm formulado a respeito. - "Dei Fenomeni di Telestesia", 1920;
- Gli Enigmi delIa Psicometria", 1921;
Com êste aparato fot'midável para a ofensiva e para a defensiva, - "Dei Fenomeni di Te1ecinesia in Rapporto con Eventi di Morte",
não respeito quem quer que seja, e me considero seguro para demolir, 1922;
"Musica Transcendentale", 1922;
aniquilar, pulverizar tôdas as hipóteses, tôdas as objeções, todos os "Animali e Manifestazioni Metapsichiche", 1923;
sofismas da dialética contrária. Eu digo "dialética", porque não se "DelIe Comunicazione Medianiche fra Viventi", 1924;
pode tratar de fatos; os fatos estão ao meu lado, e a êste respeito - "Dei Fenomeni di Ossessione e Possesssione", 1926;
eu sei o que digo; ninguém pode saber melhor do que eu, porque - "Delle Manifestazioni Supernormali fra i Popoli Selvaggi", 1926;
nenhuma pessoa fêz o que eu fiz" (33). - "Per h Difesa dello Spiritismo", 1927;
-- "Peosiero e Volootà Forze Plasticizzanti e Organizzanti", 1927;
Após outra série de estudos, levaram-no a estabelecer, no livro - "Premoniziooi, Pl'ecognizioní, Profezie", 1927;
"Fenômenos de Bilocação", como cientificamente provada sulla base "Le Prime Maoifestazioni deli a "Voce Diretta" in Italia", 1929;
"La Cdsi della Morte neIle Descrizioni dei Defunti Comunicanti",
dei fatti, a hipótese espirítica, sendo que suas conclusões são firmes 1930;
e sem sombra de dúvida: "Di Alcunc Varietà Teoricamente Interessanti di Casi d'Identi-
ficazione Spiritica", 1930;
"Afirmo, sem receio de êrro, que, fora da teoria espírita, não "Delle Apparizioni di Defunti aI Letto di Morte", 1930;
existe nenhuma hipótese capaz de explicar os casos análogos ao que "Letteratura d'Oltretomba", 1930;
acabo de expor. Ora, os fatos dessa categoria contam-se por centenas - "DelIa "Visione Panoramica" o "Memoria Sintetica" nell'Immi-
nas experiências da Sra. Piper". nenza delIa Morte", 1931;
"Gemme, Amuleti, Talismani", 1931;
Convém ainda mencionar pelo seu valor teórico - uma vez "Dei Fenomeni di Apporto", 1931;
que já não resta dúvida a ninguém quanto às idéias de Bozzano "Bambini Veggenti e Apparizioni di Defunti", 1931;
"Marche ed Impronte di Mani Infocate", 1931;
sôbre a realidade do fenômeno e a comunicabilidade do morto - "William Stainton Moses e la Critica Scientifica", 1931;
o seguinte trecho dessa obra: "A Proposito di "Rivelazioni Medianiche", 1931;
"A Proposito di Fantasmi Materializzati e di Rivelazioni Tras-
"Os fundamentos do saber humano passarão da conc,epção mate- cendentali", 1931;
rialista do Universo à concepção espiritualista do sêr, com as conse- "Materializzazioni di Fantasmi in Proporzioni Minuscole", 1932;
qüências filosóficas, sociais, morais e religiosas, que dela decorrem. "Criptestesia e Soprevvivenza", 1932;
"Telepatia e Psicometria in Rapporto alIa Medianità di Mrs.
~ com efeito flagrante que a existência imanente no corpo somá- Piper", 1933;
tico subentende a imanência de um cérebro etérico no cérebro somá- "Simbolismo e Fenomeni Metapsichi", 1933;
tico, e assim se achariam dissipadas as perplexidades que se resumem "Medianità Poliglotta (Xenoglossia)", 1933;
no fato indubitável da existência de um paralelismo psicofisico nos - "Breve Storia dei "Picchi Medianici", 1933;
"ln Difesa dei Fenomeni Medianici ad Effetti Fisici", 1933;
fenômenos de pensamento". "Dei Fenomeni di Bilocazione", 1934;
As inúmeras e formidáveis obras do ousado espiritualista deixam- "Dei Fenomeni di Trasfigurazione", 1934;
"Esperienze Medianiche ed Eventi di Morte nei loro Rapporti
·nos demonstrada a realidade do fenômeno, a realidade e independência coi Fenomeni d'Infestazione", 1935;
do espírito e a certeza da comunhão dos mortos. "Dei Fenomeni d'Infestazione", 1936;
"Delle Manifestazione Olfattive d'Ordine Patológico, Telepático,
Supernormale", 193,6;
(33) Ernesto Bozzano - "Em Defesa dos Casos de Identificação Espírita".
256 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

"Telepatia, Telemnesia e la Legge deI "Rapporto Psichico", 1938; ~'".(BESl'IOL!; advogado e Professor da Universidade dt,
- "PersonaIità Medianiche che si Dichiarano Personalità Subcos- é uma das mais belas e expressivas culturas modernas do Espit'ili:'>trJo,
cienti", 1940; sobretudo na parte em que o autor defende a reencarna~'ão. No
- "Romanzieri di Geni ed Eroi da Romanzo Considerati in Rap-
porto alle Indagini Psichiche", 1940; dizer de Campos VergaI, "a ciência moderna, oficial, não pode contrH"
- "Le Facoltà Supernormali", 1940; dizer, com bases razoáveis, o manancial de esplêndidas afirmaçôes
- "Indagini sulle Manifestazioni Supernormali", vo1. I 1931' que o emérito Professor emite em suas obras" (34).
- "lidem, idem, voI. II, 1931; , ,
- Idem, idem, voI. II, 1931; Publicou, entre numerosas obras de Direito, Economia e Filo~
- Idem, idem, voI. III, 1932; sofia, as seguintes abaixo relacionadas, as biosóficas, conforme êle
- Idem, idem, voI. IV, 1933; lhes chamava:
- Idem, idem. voI. V, 1938;
- Idem, idem, voI. VI, 1940;
- "Animismo o Spiritismo?", 1938; - "Biopsiche", Milano, 1926;
- "Popoli Primitivi e Manifestazioni Supernormali"; - "La Realtà deI Mistero", Milano, 1929.
- "Da Mente a Mente - Comunicazioni Medianiche fra Viventi";
- "I Morti Ritornano"; Sôbr·e O Espiritismo moderno escreveu os seguintes trabalhos:
- "Le Visioni dei Morenti";
- ::Luc~ nel Fu.turo - I Fenomeni Premonitod, I voI.;
- LUCi nel Futuro - I Fenomeni Premonitori", II vol.; - "Ultrafania" - Esegesi delIa Fenomenologia IntelIetuale dello
- Guerre e Profezie"; Spiritismo Moderno - Milano, 1936;
- "La Psiche Domina la Materia"; - "I Fenomeni", Milano, 1934;
- "Gli Animali Hanno un'Anima?". - "Rincarnazione", Milano, 1936;
- "La Vita".
Apenas para esclarecimento do leitor, informamos que os livros
nA Propósito da Introdução à Metapsiquica Humana" e "Fenômenos Contudo, digno de leitura é o livro "Lettere di Gino Trespioli.
Psíquicos no Momento da Morte" são de Bozzano, mas com outros per Via Ultrafanica", publicado em 1946, em Milão, por Remigia
títulos no original italiano. O primeiro em C'lIÍdada tradução de Cusini. ~, como se vê, um livro mediúnico, aliás de muito valor.
Ara~jo Franco, nada mais é do que o "Per la Difesa delIo Spiritismo",
pubhcado em 1927, em resposta ao "Introduction à la Métapsychique * * *
Humaine", de Réné Sudre. O de Bozzano tem 238 páginas e apare-
ceu em Nápoles. Q~~.QÇÇQ..§A.t'IIQ~}.Q!2L~Q.,. .. !:E~i~I~.Q!. da~"Y niversidade, Diretor
O segundo, em castiça tradução do Dr. CA..RLOS IMBASSAHY, nada Geral da Saúde Pública de Itália, Conselheiro de Estado, Consultor
mais é do que a compaginação das monografias "Dei Fenomeni dei Técnico e primeiro Presidente ao Instituto Metapsiquico, foi obrigado
Telednesia in Rapporto con Eventi di Morte (1922), "Musica Tras- a dedicar-se ao Espiritismo, pelos interessantes fenômenos de i.ncorpo-
cendentale", (1922) e "Delle Apparizioni di Defunti aI Letto di ração mediúnica que s·e deram em sua própria casa, sendo médium
Morte", (1920). uma sobrinha.
~ o que há e o que sabemos sôbre a publicação das obras do
Os fatos e os conseqüentes comentários, onde êle opina pela
grande mestre italiano, quer na língua de Dante, quer na de Camões. manifestação dos espíritos, foram publicados e depois traduzidos para
o francês, sob o título - "Observations d'un Cas de Mediumnité
Intellectuelle".
* * *
ÇLpr.JNNqcEJ'TCIO CALDERONE, diretor fundador da revista "Filo-
~.~lI~!:!1. diretor do "Vessillo Spiritista", grande defensor sofia della Scienza" e autor da obra "Libero Arbitrio, Determinismo,
da teoria reencarnadonista, sem nenhuma reserva afirma : "Devido Reincarnazione", publicou, em Milão, oS resultados de um vasto inqué-
a fatos ligados ao Espiritismo e a outras circunstâncias de minha rito mundial que fêz sôbre a reencarnação.
vida, é que cheguei à inabalável convicção de que conheci a minha
espôsa atuaI em outrasexistêndas tetrestres e de que, por afeição,
com ela me havia casado em tôdas essas existências". (34) Campos Vergal - "Levanta-te e Caminha".
258 PEDRO GRANJA
AI'INAL, QUEM SOMOS?

o Dr. DAL Pozzo, Prof.essor da Universidade de Perúgia, no notável estudo denominado "Fisiologia deU'Uomo", teve a
livro "Un Capitolo de Psicofisiologia", expõe a sua célebre teoria das de afirmar:
"radiações" e, classificando-as em várias partes, explica fisiologica-
mente todos os fenômenos espíritas. "Nell'analisi scientifica dei fenomeni psicofisici, la fisiologia dei
secolo ventesimo procederà tranquillamente senza preocupazioni I~
senza pregiudizi".
* * *
o Professor MASUCCI, outra sumidade italiana, escreveu:
"Fui: forçado a demolir todo o edifício de minhas idéias e obser- Finalmente, o consumado experimentador GIOVANNI SCHEPIS,
vações filosóficas, às quais tinha consagrado tôda a minha vida, em Professor da Universidade de Roma e secretário geral da Sociedade
face dos fatos espíritas". Italiana de Metapsíquica, em seu recente e magnífico trabalho inti-
tulado "La Ricerca Scientifica in Metapsichica", relembrando as prin-
cipais figuras da ciência e da literatura italianas que se interessaram
* * * pelas pesquisas psíquicas, peremptoriamente recusa aS hipóteses de
o Professor de AMléIS, da Universidade de Nápoles, através misoneismo e neofobia que no pretérito empeceu os estudos da feno-
da imprensa, assim resumiu o seu testemunho: menologia espiritista ante a comprovação da resenha de seuS' modernos
investigadores, salientando, todavia, os esforços aplicados para conse-
"Após diversas experiências com Eusápia Palladino, afirmo, sem
guirem tais resultados.
reticências, a realidade dos fatos observados".
"Come si vede, non sarebbe giusto accusare tutti gli scienziati
ufficiali di misoneismo e neofobia. La necessità di studiare la feno-
* * * menologia paranormale doveva ancora essere riconosciutae procla-
Os Professores MORONI e ROSSI DI GIUSTINIANI escreveram uma mata da non poche nostre illustrazioni scientifiche in una inchiesta
obra em prol do Espiritismo com o título - "Alcuni Saggi di Me- promossa nel 1935 da un benemerito ed appassionato studiosoed
dianità Ipnotica". integrata da un referedum indetto daI Cazzamalli, daI Servadio e
dai sottoscritto.
I risultati di tali indagini dimostrarono che i tempi erano ormai
* * * maturi. Tra gli altri si dichiararono favorevoli alla creazione di un
O Prof.essor VINCENZO GALTAGIRONE em "Filosofia della Sdenza" istituto italiano di metapsichica ii Senatore Prof. Nicola Pende; iI
relata o maravilhoso fato espírita ocorrido com o Dr. Benjamin Sirchia Prof. Giuseppe Guicciardi, direttore dell'Instituto Psichiatrico di
e que tivera êle, Galtagirone, a oportunidade de verificar. Reggio Emilia; il Senatore Prof. Frederico Millosevich, oggi Pr·esidente
deI Consiglio Nazionali delle Accademie; il Prof. G. Gallerani, diret-
'" '" '" tore dell'Istituto di Fisiologia delIa Università di: Bari; il chiaro e
compianto biologo Prof. Camilo Acqua di Ascoli Piceno nonchê ii
o Professor EMILIO SERVADIO publicou um interessante estudo Prof. Giuseppe Sergi dell'Università di Roma, maestro di antropologia
sôbre as pesquisas espíritas, "La Ricerca Psiquica", trabalho que mere- e di psicologia.
ceu um prefácio de Charles Richet. Na parte bibliográfica, que apõe R'cordiamo ancora i Professori Pasquale Sfameni, Dante Pac-
ao livro, há 401 citações entre obras, jornais e revistas. chioni e Giacomo Ferrando della Università di Genova; il Prof. Guido
Grandi dell'Università di Bologna; il Prof. Antonio D'Ormea, dirct·
* * * tore dell'autorevole "Rassegna di Studi Psichiatrici"; il Prof. Fabio
Vitali, primario dell'Ospedale di Venezia; i Professori Filippo Eredia
LUIGI LUCIANI, Professor de Fisiologia da Universidade de Roma, di Roma oe Tito Alippi di Pesaro; i Professori G. Mirto, Giovanni
na qual, além de ocupar o cargo de seu Reitor Magnífico, era respei- Luna ed Efi}::mué, Sorge della Università di Palermo; il Prof. Marco
tado como um dos maiores fisiologistas italianos, precisamente quando Levi Bianchini, iI Prof. Enzo Bon:lventúra, iI Prof. Antonino Anile,
nos lindes científicos mais dominava o materialismo absoluto, em seu di Napoli.
AFINAL, QUEM SOMOS? 261
260 PEDRO GRANJA

Di particolare significato le risposte favorevoli date daI Piro. Eis, pois, caro leitor, a resenha das "opiniões dos sábios" sôhre
vano, il creatore della elettrogenetica, e daI Protti, alIara a capo Espiritismo, que pudemos relacionar neste capítulo. Ela é enorme,
delIa "Società Internazionale di Radiobiologia di Venezia". como se vê, e tornar-se-ia ainda maior se nela incluíssemos "as opi-
niões dos sábios" de outros país.es.
le opinioni che sul problema della ricerca scientifica in me-
tapsi.chica manifestarono tutti questi autentid esponenti della nostra ~~gQ§§~;,,\-, por exemplo, destaca-se um gigante das letras espi-
alta cultura, se pur divergevano nei particolari furono concordanti ritualistas, com tal projeção, que sua obra é conhecida no mundo
nella sostanza, e si possono riassumere in questi tre punti: 1. 9 ) i inteiro. Trata-se do Conselheiro 4.I,!!~!\J;'f}?l.r~. ;"\-~§"AI,<;9:F!" com ° seu
fenomeni esistono; 2. 9 ) essi vanno studiati con i metodi della ricerca grandioso trabalho - "Animismo oe Espiritisnló"; e o não menos
sdentifica sperimentale adattati alle particolari caratteristiche delIa feno- importante - "Um Caso de Desmaterialização".
menologia metapsichica; 3. 9 ) questo studio reintra nelIa competenza Aksakoff, no primeiro trabalho, responde às objeções de von
delle scienze biologiche." Hartmann, refutando brilhantemente e com provas científicas a expli-
II Senatore Prof. Nicola Pende esprimeva per axiomata media cação biológica dada pelo sábio alemão aos fenômenos espíritas. Esta
ii pensiero comune dichiarando testualmente: resposta é ainda um repositório inesgotável de fatos e uma argumen-
tação inexpugnável em prol da teoria espírita das comunicações e
"lo credo utile e degno della scienza positiva e unitaria moderna, das manifestações dos mortos.
che non separa piil lo spirito daI corpo, che si studino sperimental-
mente i fenomeni cosi detti metapsichisi o meglio subcoscienti, incos- Em 1874 fundou em Ieipzig, na Alemanha, a revista "Estudos
cienti, concoscienti. la radiobiologia deve meglio chiamarsi radio- Psíquicos", da qual foi diretot. l~m 1881, patrocinou em Moscou, a
bíopsícología. fundação da revista "Rebus", cuja impressão foi a primeira no gênero
a aparecer na Rússia.
É certo nel campo delle radiazioni umane che devono rientrare Além de colaborador efetivo da revista "Annales des Sdences
i f.enomeni, visibili e non visibiH: perche non possiamo ammettere Psychiques", era-o também de inúm,eras outras, onde publicava quinze-
accanto alle tante radiazioni di diversa lingheza d'onda che conos- nalmente uma série de relatos.
ciamo una nuova forma di radiazíoni víüJ!i, di cui un giorno potremo
misurare la lunghezza d'onda?" Os Drs. WAGNER e BOUTLE'ROV, Professôres da Universidade de
São Petersburgo, fizeram part·e da comissão de professôres catedrá-
ticos russos que, presidida pelo Professor MENDLEJEF, estudou em
* * * 1875 os fenômenos espíritas. Os relatos apareceram no periódico
Ràpidamente, ainda, podemos fazer constar na lista das "opiniões espirita "Rebus"e algumas das experiências estão consignadas na
dos sábios italianos", as obras seguintes: a do Professor ÂNGELO obra do Conselheiro Aksakoff.
BROFFERIO -"Pelo Espiritismo"; a do Prof.essor PIETRO UBALDI - Outra figura que se destaca nos meios espiritualistas, russos é
"A Grande Síntese"; a do engenheiro GmsEPE COSTA - "Di là della C. A. OODISCO, camareiro do Imperador e secretário da Embaixada
Vita - la Realità della Morte"; a do Professor VISANI Scozz - Russa nos Estados Unidos, sendo representante de seu país na Expo-
"la Mediunità; a do Professor FIUPPO BOTTAZZI - "Fenomeni Me- sição de Filadélfia, em 1876.
dianid"; a de S. DE SANCTIS - "I Sogni"; a de FRANCESCO ZINGA-
A obra de Bodísco, divulgada sob o título "Traité de Lumiere",
ROPOU - "A Morte Aparente e Sobrevivência da Alma", publicou
contém suas investigações espíritas de 1878 a 1882. Êste livro foi:
também enorme série de relatos na Revista "luce e Ombra". O dedicado aos incrédulos e aos egoistas. Teve a original idéia de
Professor OTTO PENSIG, da Universidade de Gênova, através da incluir nela um atestado médico declarando que o autor estava em
impr.ensa divulgou a série de suas experiências e HENNALDO VASSALLO pleno gôzo de suas faculdades mentais.
grande jornalista e escritor afamadísimo, pelas colunas de seu matu-
tino, propagou imensamente o Espiritismo, bem como o Dr. C. O. O Prof. ALEXANDRE \'VUKINS, naturalista e biologista emérito,
tornou-se célebre nos meios espiríticoél pelas suas experiências psíquicas,
ZURETTI, Professor da Universidade de Palermo.
e descreve nos "Anales des Sciences Psichiques" as observações que
acumulou através da escrita automática.
*" * *
262 PEDRO GRANJA
CAPíTULO XV

Enfim, poderíamos ainda citar o nome de WATROZWSKI, pois


que editou a conhecidíssima obra - "Experiências de Conhecimentos
Supranormais". PROVAS
:gl!a-PORT,!]GA.L, apontaríamos, então, uma plêiade notável de CIENTíFICAS
estudiosos, abrindo-se sàmente a "Revista de Estudos Psíquicos", que DA
se edita em Lisboa, entre os quais destacamos as colaborações dos SOBREVIV~NCIA
Professôres A. LOBO VILELA, A. MARTINS VELHO, ISIDORO DUARTE
SANTOS, o Coronel FAURE DA ROSA, F. NORONHA, GONÇALVES LOSA, DOS
Drs. A. PRATAS, RAMOS PEREIRA, PEDRO CARDIA e inúmeros outros. ESPíRITOS
.J:~h2",,~BRASIL, além de se tornarem quase impossíveis aS trans- (C o'ntinllação)
crições de tôdas as "opiniões dos sábios brasileiros", pois é longa
a lista, ficaríamos em situação incômoda se não ímprimíssemos às
opiniões dos nossos confrades, homens que, sem terem o cognome
de sábios, são ,estudiosos de categoria e colaboradores inteligentes da
causa, que defendem, manifestando seus ideais em congressos, conferên-
cias, publicações em revistas e jornais, e em livros que publicaram. Nos ANAIS das materializações dos espíritos, cita-se como clás-
sko o caso de Estela Livermoore; e a nosso ver é o que melhor
Porém, ao leitor que desejar a referida lista, será muito fácil
indicarmos o modo de obtê-la. Basta dirigir-se à Federação Espí- s~ confronta com o de Katie King, embora dissemelhante pelas moda-
rita Brasileira, ou à de qualquer Estado, e pedir o catálogo das obras lidades apresentadas. De qualquer maneira êles constituem os mais
por ela impressas diretamente, e as que têm para indicar. Terá, assim, admiráveis fatos desta espécie, sendo por isso dignos de atenção, prin-
a oportunidade de apreciar o quanto lá se estuda, se trabalha, se cipalmente pela sua excepcional durabilidade.
divulga e se faz pela "Doutrina dos Espíritos", no Brasil (35). Quando Estela, espôsa do famoso milionário Charles F. Liver-
moore, banqueiro em Nova York, pressentiu que sua vida chegava
ao fim, no intuito de consolar o desolado marido, prometeu-lhe apa·
recer depois de morta. Ambos, naturalmente, cépticos, não criam nessa
possibilidade. Mas a idéia servia de consôlo, e isso era o suficiente.
Certa vez, após a morte de Estela, o Dr. John F. Gray, médico
?a família, convidou Livermoor·e para ir à casa do médium Kate Fax,
Irmã de Margaret Fax, as mesmas que operaram perante as três
comissões de Hydesville, de 1848 a 1851.
Embora céptico intransigente, a consideração pelo médico e a
oportunidade que se lhe proporcionava para desvendar um embuste
no qual acreditava, animou-o o desejo de aceitar ° convit,e, a fim
de observar bem para melhor desmascarar os espíritas ingênuos ou
embusterios. São, por isso, minuciosas e detalhadas as observações
de Livermoore.
Realizaram-se as sessões em quatro casas diferentes, com Liver.
moore quase sempre a sós com o médium. Numa das sessões, várias
(35) Os melhores tópicos dêste capítulo devemo·los à erudita obra do Dr. Miguel pancadinhas (rapps) ditaram estas palavras:
Timponi - "O Caso Humberro de Campos no seu Tríplicel Aspecto: Jurídico, Cientifico e
Literário". A parte documental científica referente aos fenômenos espíritas, o brilhante - "Aqui estou pr,esente como forma. Estela".
causídico contou com a colaboração do Dr. Carlos Imbassahy que, na opinião de A.
Wantuil de Freitas, presidente da Federação Espírita Brasileira, tté considerado o príncipe . A seguir, "luzes que pareciam de fogo" (ectoplasmas)
dos polemistas do .Espiritismo em terras de Santa 'Cruz". bnlhantes, e logo tomaram a forma de uma cabeça coberta
264 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

minutos após a aparlçao de Estela se fêz visível, não largando Liver- Livermooré, embora céptico, era lógico e sensato, por isso se
moare as mãos do médium durante todo o tempo da transformação. convenceu de que o Espiritismo não era um embuste, porque a soma
O espírito semimaterializado de Estela, "apoiou então a cabeça do concurso de três sentidos, vista, ouvido e tacto, lhe atestava que
nos ombros do marido, com os cabelos a lhe cobrirem parte do rosto. a espôsa existia ainda, pois que a vira, ouvira e sentira junto de si..
Permaneceu visível cêrca de -meia hora, e ao passar diante de um muitas vêzes, apesar de falecida alguns anos antes.
espelho a imagem foi vista reflet'ir-se nêle". Não podia, portanto, ser Salientamos aqui que o espírito materializado de Benjamim
caso de alucinação. Franklin não interveio, no caso, com o fito de identificação pessoal,
mas somente contribuir para o sucesso de Estela, apenas manipulando
Tamanha fôra a primeira impressão de Livermoore, que não essa "energia ectoplasmática" que êle havia profundamente estudado.
mais abandonou as experiências e, durante seis anos, assistiu a tre- Assim mesmo o espírito reproduziu o porte e os traços daquele
zentas e oitenta e oito sessões, feitas com tôdas as precauções de que que se dizia ser.
é capaz um homem inteligente.
Convém recordar o impressionante fato do espírito de Franklin,
O processo de materialização de Estela deu-se gradualmente, de depois de se mostrar à luz de um fósforo, isto é, à luz artificial,
modo que só na quadragésima terceira vez ela estava em condições às vêzes nocivas às formas materializadas, transmitir a seguinte
de se manifestar integralmente. mensagem:
As sessões efetuaram-se em completa escuridão, mas o lugar des- "Meus queridos filhos, depois desta última prova, poderá o
tinado ao estudo era, em dado momento, iluminado por grandes mundo duvidar ainda? í só para convencê-los que tanto traba-
globos luminosos, de origem supranormal, delas se encarregando um lhamos" (1).
outro espírito materiaEzado, que tinha por missão acompanhar Estela Quanto às materializaçõ-es de Estela Livermoore e de Benjamim
a fim de facilitar-lhe as materializações. Dizia-se o espírito de Ben- Franklin serem menos conhecidas que a de Katie King, embora fami-
jamin Franklin. Havia, com efeito, idêntica semelhança de traços liares aos que se dedicam a êsses estudos, vamos encontrar a justifica-
e de porte entre o espírito materializado e os retratos de Franklin. tiva no fato de serem os detalhes de tais fenômenos relativamente
menos divulgados, porque quase todos as escritores vão colhêr os
As manifestações de Estela tornaram-se gradualmente perfeitas, informes na resumida exposição que fêz Alexandre Aksakoff no seu
até a forma materializada atingir uma consistência suficiente para livro -"Animismo e Espiritismo".
suportar a luz intensa de uma lanterna furtacor. Inúmeras vêzes Como o resumo dêsse livro não permite que se forme apro-
ela se apresentou ao marido tão sólida e perfeita que, "se não fôra pinqüada idéia do valor teórico dessas maravilhosas experiências, cuja
a certeza de ter falecido, seria considerada viva". extensão não nos permite transcrevê-Ias na íntegra, vamos indicar as
Raramente conseguia exprimir-se de viva voz, comunicando-se, suas origens para que o leitor, seguramente, se assenhore dos fatos.
em geral par escrito, mas não por intermédio do médium. Escrevia As atas dos trabalhos em grande parte foram publicados por
com a própria mão e na presença do marido, que para êsse fim Benjamin Coleman em "Le Spiritualisme en Amérique", e na íntegra
fornecia papel previamente rubricado por êle. Redigia geralmente na revista "The Spiritual Magazine". Esta revista inseriu os fac-
em francês, língua que, quando viva, dominava com perfeição e que -símiles da letra medianímica de Estela em confronto com a de Estela
era ignorada pelo médium. A letra mantinha sempre impecável seme- viva. Entre ambas a identidade é perfeita. Divulgaram-se também
lhança de talho, e o assunto, tratava-o na forma característica e copiosos resumos dessas sessões nos livros de Epes Sargent, "Planchete,
peculiar ao seu estilo. the Despair of Science"; Ernesto Bozzano, "Metapsíquica Humana";
Livermoore, minuciosamente, tomava nota de todos os fenôme- e Dr. Robert Dale Owen, "The Debatable Land Between thi5 World
on the Next".
nos ocorridos durante a sessão, de que lavrava uma ata. O maior
numero delas se realizou na própria residência do banqueiro 'e êste, O capítulo em que êste último trata do assunto adquir-e especial
sistemàticamente, segurava entre as suas as mãos do médium. Não raro, importância suasória, visto o Dr. Dale Owen, antes de dar-lhe publi-
eram assistidas pelo irmão, pelo cunhado, M. Groute e pelo Dr. John cidade, haver procurado o banqueiro Livermo01'e, narrador
F. Gray, que documentaram, por escrito, a autenticidade dessas mani-
festações prodigiosas, assim como a escrupulosa exatidão das atas. (1) Ernesto Bozzano - "Merapsíquica Humana".
266 PEúJ10 GRANJA Al'lNAL, QUEM SOMOS? 267

nista dos fatos, e submeter à sua revisão o capítulo do Dr. John F. pastôres luteranos, agruparam-se com o fim de certificarem até que
Gray, outra testemunha ocular. ponto as condições dos fenômenos eram verídicas.
Prosseguindo na exposição de casos notáveis de espíritos completa- ~ç,p~ll!h~s manifestou-se numa das primeiras sessões e ·em quase
mente materializados, pensamos que o terceiro em importância é o tôdas as outras, em forma de mulher de rara beleza; mostrava-se em
da célebre Nepenthes, espírito que se manifestou no correr de uma plena luz simultâlleamente cOm o médium, que permallecia desperto e
longa série de experiências especiais, em que interveio a mediunidade fora do gabinete entre as demais pessoas (2). Materializada no meio'
de Madame Elisabet·e d'Espérance. Nêle se verificou o famoso inci- do grupo, conformava-se com os desejos dos investigadores, ora con-"
dente de grande mérito teórico, qual o do espírito que, declarando-se sentia em deixar-s,e fotografar, ora escrevia no caderno de um dos
contemporâneo da época heróica da antiga Grécia, escrevia uma men- assistentes, ora tirava o molde da própria mão em parafina liquefeita.
sagem em grego clássico no canhenho de um dos experimentadores. Terminada a série dessas sessões, alguns experimentadores publi:
O valor teórico de tal incidente avultava diante da feliz coincidência caram a resenha em livros ,e opúsculos. Podemos indicar o livro
de ser o grego antigo ígnorado por todos os assistentes. "Harper i Luften", assinado por um magistrado que fazia parte do
glupO; "Diário da Baronesa Peyron", in "Light", 1907, 439; Ernesto
Eis o famoso episódio da mensagem, narrado pelo Dr. von Bergen:
Bozzano", "Metapsíquica Humana".
" ... ~~~l."l!h~S se apresentou mais bela do que nunca. Não Na seqüência das observações que estudamos, não deixaremos de
obstante tôda a admiração e o respeito que nutro para com as amáveis nas referir a outro caso importante. Irata:s~ .dal11ate!i"E~"ç~()_5.I~
e encantadoras senhoras das minhas relações, devo dizer que meus ti~~i~..!!,,!~J:l:I. ..f~l."lºfl.!.f:.tl() ...çn·!~Yª1!!º~ . . . !rªmç!.l:'y~j: :
olhos jamais viram coisa alguma de comparável a essa criahlra sublime Não há muitos anos ainda que os jornais de Nova Iorque divul-
- mulher ou deusa, pouco importa - e estas minhas palavras mais garam a singular notícia de que um espírito se materializava em Astória,
não fazem do que traduzir a opinião geral. na residência de Mr. Hatoh, homem opulento e bem r·elacionado.
Percebendo o Professor E, . " debruçado sôbre o canhenho, ocupa· Tendo-lhe morrido na idade de dezesseis anos sua filha Lizzia,
do em tomar notas, ela ficou um instante a olhá·lo; Herr E, ., con- êle e a espôsa, para se consolar·em, lembraram-se de convidar Mme.
vidou-a então a escrever para êle uma fras·e e lhe entregou o lápis e Hull, de Boston, médium de efeitos físicos, no intuito de reverem
o caderno, que ela aceitou. Herr E", levantou e colocou-se por a idolatrada ausente.
detrás dela, observando. Achavam-se ambos ao lado do médium, mas E, com efeito, durante todo o inverno, os esposos Hatoh fruiram
um tanto para trás; nós olhávamos êss·e grupo de três pessoas, em da presença de Lizzia, que se materializava e desmaterializava em
ansiosa expectativa. "Ela está escrevendo" - disse Herr E ... , en- pleno salão.
quanto víamos as duas cabeças inclinadas sôbre os dedos que escreviam Mme. Hull, o médium, caía em letargia sôbr·e uma cadeira à
e cujos movimentos ·eram distintamente percebidos. Pouco depois, vista de todos. Uma pequena nuvem branca surgia subitâneamente
canhenho e lápis eram devolvidos a Herr E, .. , que se assentou do chão, adensava-se aos poucos, até que as formas graciosas de Lizzia
triunfante. se materializavam nítidas, vivas, palpáveis, como outrora.
Examinamos a página em que vimos traçados caracteres gregos A jov.em ressurgida corria a abraçar os pais, sentava-se junto
de forma muito clara mas inteligíveis pata todos os assistentes. No dêles, ou dirigia-se ao piano, executava os seus trechos favoritos, ou
dia imediato, fizemos traduzir a mensagem do grego antigo para o cantava em voz alta, acompanhando-se ela própria.
moderno eem seguida para o nosso idioma. Eis o que continha: Outras vêzes subia ao seu qua.rto, então deserto, sempre em com-
"Eu sou Nepenthes, amiga tua; quando tiveres a alma oprimida panhia dos pais, r·evolvia as roupas e antigos guardados, e punha-se
pela dor, invoca-me e eu - Nepenthes - célere acorrerei a aliviar-te a fazer a "toilette".
os sofrimentos". Como os extraordinários fatos começassem a se propalar pelo
Feliz mortal! pensávamos todos, ao felicitá-lo." país, a imprensa enviou os seus repórteres, que foram gentilmente
A origem dessas memoráveis sessões é assaz conhecida. Emi-
nentes experimentadores noruegueses, entre os quais se notavam pro- (2) Chama.mos a atenção do leitor para esta belíssima modalidade mediúnica, infe-
lizmente um tanto rara, pois são as que mais contribueln para realçar a imponência dos
fessôres de Universidade, homens de letras, médicos, magistrados e fato"
268 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 269

hospedados pelos Hatoh, e dai então os relatos publicados nos maiores Sr. Mathew Fidler, seu principal inv·estigador, publicou minucioso
jornais de Nova Iorque ·e de outras cidades" (3). relato na revista inglêsa "The Medium and Daybreack". Eis o resumo:
Para os casos que até aqui citamos, aliás com o apoio unanlme Certa manhã, estando Mme. d'Espérance ocupada em escrever
de grandes espiritualistas, defensores intransigentes dessa teoria, eis diversas cartas de caráter comercial, verificou que a pena ou a mão
que surgem os modernos metapsiquistas com nova teoria, e dão aos automàticamente havia escrito as palavras "Swem Stromberg" de modo
fenômenos as se,guintes classificações: '''criptomnesia'', "ideoplastia", a inutilizá-la, nome que lhe era desconhecido. Perguntou aos empre·
"telepatia", etc. Tanto a teoria como as c1assificacâes, como se há gados se conheciam alguém com êsse apelido, sendo geral a resposta
de verificar para êstes casos deixam a deseiar. Aliás o Professor negativa; por curiosidade, resolver arquivar a carta inutilizada em
Ernesto Bo;~a~o, "o f.dgante arg;umentador e defensor impar da teoria cuja fôlha escrevera o nome.
espírita", como foi denominado pelos seus contemporâneos, e que Passados meses, quando ela, mais os Professôres Boutleroff e
s·e manteve vitorioso em polêmicas com o Professor René Sudre ·e Aksakoff e outros amigos estudavam o meio prático de se fotografar
com o fundador da "ciência metapsíQuica", o ilustre Professor Charles a materialização deespiritos, resolveram tentar nova experiência. Apa-
Richet (4), Bozzano, na sua obra "Metapsiquica Humana", refuta-as gadas as luzes, descoberta a chapa e provocada a explosão do mago
integralmente, apresentando-nos o falmoso caso Swem Stromberg, que nésio, Mme. d'Espérance, que servia de médium, sentiu distintamente
destruiu de v·ez a ilação teórica dos metapsiquistas de que "a semelhança um contacto na cabeça, mas antes de se referir ao que percebia,
Que os fantasmas podem apresentar com pessoas que viveram provém alguém gritou: "Atrás do médium está uma figura de homem". "Eu
da recordação do médium (criptomnesia)". também vi". 'tE eu também", foram confirmando os demais. O mé-
A leviandade com que lançaram tais sentenças e o marcado des· dium declarou, então, que lhe sentira o contacto, sem contudo
prêzo que demonstraram pela análise dos fatos, tornam.seeviden- tê-lo visto.
dados em frente as observações como as de que decorrem do caso Esperaram todos, com justificada impadência, que fôsse revelada
Swem Stromberg e de outros, que mais adiante veremos. a chapa e impressa a prova. Nesta se verificou que atrás do médium
A descricão dêsse interessantíssimo fato, revdado pela primeira havia uma cabeça humana de asp·ecto plácido e risonho, contrastando
vez em 189< através da mediunidade de Elisabeth d'Espérance, além com os traços dos presentes, um tanto alterados pela explosão do
do extensivo estudo de Bozzano, há inúmeras referências sôbre o caso magnésio.
nas revistas espiritualistas suecas, alemãs, francesas e canadenses, e o A seguir pediram a Walter, o espirito-guia, se podia informar
quem era a entidade fotografada.
-----z3)A-:- A. Martins Velho - "O Espirirismo Contemporâneo". " ... Sim, respondeu \Valter, é o tal Swem Stromberg, falecido
(4) Eis a cópia da carta que Richet enviou ~ Bozzano, q~ando, em caráter estri~ em New Stockholm, em 31 de março. Morreu querido e pranteado
tamente cientÍfico e probatório, encerrou as polêmlcas qu~ mantiveram. :Sste do.cumento
foi publicado na revista "Psychic News", de 30 de malO de 1936, e tranSCrIto pela
de todos, deixando três filhos. Seus pais habitam Strom Sctoking,
"Revisra Internacional do Espiritismo", ano XVI, n. Q 11, págs. 263 e 264, de 15 de em Jemt1and, e não sabem ainda do ocorrido."
dezembro de 1940.
"CONFIDENCIAL "Muito bem, replicou.lhe Fidler. Poderás agora dizer o que
Meu caro e eminente colega e amigo: deseja êle e se quer que informemos a família?"
Estou inteiramente de acôrdo com vôce. Não creio nas simples explicações, segundo
as quais os acontecimentos de nossa vida e os jJet'calços de nossa. existência sej::m devi?os "Não compreendeste bem, retrucou Walter, eu disse que são os
tão somente ao acaso, entretanto isto não pode provar~se. EXIste uma fataltdade, Isto
é, uma fôrça que, por estranhos e torturosos caminhos, nos induz e nos guia por onde parentes de Jemtland que ignoram a sua morte e não a espôsa; o
quer. Por isso, no curso de nossa vida existem tão notáveis coincidências, que seria que êle quer é que êstes (seus pais) sejam disto informados ... "
difícil não ver nelas alguma coisa, como intenção. (De quem? De que?)
E agora muito confidencialmente digo sinceramente a vôce: o que supunha:J é Cientificada a família do falecimento de Swem Stromberg, a
verdade. (Grifo do auror). Aquilo que nem Myers, nem Hodgson, nem Oliver Lodge fotografia foi por ela e por inúmeros conterrâneos identificada; depois,
conseguiram realizar obteve~o com suas magistrais monografias, que sempre tenho lido
com religiosa atenção. Elas oferecem um estranho contraste com as teorias o bscu1'(l.f exposta na sacristia da Igreja local para os que reconhecessem o
(idem) que atravancam nossa ·ciência.
patrído morto apusessem a assinatura, sendo mais tarde devolvida a
Rogo~lhe queira aceitar meus sentimentos de simpatia e reconhecimento.
CHARLES RrCHET
1
'. Fidler, encarregado de tal verificação.
Quanto ao Professor René Sudre, Bozz8.no magistralmente silenciou as teorias dêle, O inquérito levou cêrca de um ano, mas em compensação foi
publicando a UMetapsíquica Humana". Seria interessante saber- a que expressão do
silêncio fôra reduzido Sudre, se O leitor pudesse, ao menos, ler as últimas páginas coroado do melhor êxito. A correspondência, bem como todos os
dessa obra. certificados, documentos, atestados, assinados por inúmeras pessoas
270 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? ;rn

que tomaram parte nessa pesquisa, foram cuidadosamente guardados . _Evaristo, baseando-s~ .nos informes dêles, convence-se que a d(~s'
por Fidler e após sua morte passaram às mãos de Mme. d'Esperance. cnçao dos traços do espirito eram os de sua mãe; insiste então con)
calor, s~plica e exorta à forma materializada a aproximar-se para
Do livro "Ipotesi Spiriticae Teoriche Scientifiche", cl~__ful1e_sto que conSiga vê-la. Diante de tanta insistência e ternura, Faggioni, em
,13(}1;z:ll1()' tir:lll1()sl1ê>v()fat(}"~l'ifica~op?rêle, e que decorreu durante tom de quem só a custo se resolve a destruir uma ilusão, exclama:
as experiências com oluécHurri 'EusápiaPãlladino, organizadas pelo
"Circulo Científico Minerva", de Gênova, em que além de Bozzano -_ Mas não, mas não, meu caro Dr. Testa! A fnrma que per-
tomaram parte os Professóres Enrico Morseli e Francesco Porro, o Dr. cebo nao pode ,ser a de vossa mãe; distingo-lhe nitidamente os traços
José Venzano e Louis Arnauld Vassalo, diretor do "Secolo XIX". e posso garantir-vos que se trata de uma pessoa muito jovem.
- Perfeitamente, responde-lhe Evaristo, minha pobre mãe mor-
Na sessão se achavam pr-esentes mais quatro membros do Circulo: reu com a idade de vinte anos apenas ...
Felix Avelino, ~,,~rist0'T~s~~2, Jerónimo Pastorino e Jocondo Faggioni.
Esta coincidência, tão surpreendente e inesperada, não deixou de
Da ata da sessão redigida por Bozzano,e publicada no referido livro,
causar funda impressão em todos os assistentes. Nenhum de nós
extraímos êstes trechos essenciais:
poderia calcular que a mãe de Evaristo Testa morrera tão jovem.
"Ã esquerda do médium toma lugar Evaristo Testa e à direita Aliás, êleera nosso recém-conhecido; fôra admitido no "Círculo"
Jocondo Faggioni. A sala está escassamente iluminada pela luz de apenas alguns dias antes" .
uma vela colocada na antecâmara. Termina aqui a ata da sessão. Mas Ernesto Bozzano em sua
... De súbito percebemos movimentos na cortina do gabinete obra prossegue "que Evaristo Testa resolveu tudo tentar para obter
medianímico, à frente de Evaristo. Em seguida uma linda mão, cuja provas ulteriores da autenticidade do incidente que muito ° havia
forma se delineava visível para todos nós, emerge dêsse lugar e atinge impressionado. Com essa intenção tomou no dia seguinte uma foto-
Evaristo, tocando-o e acariciando-o, para logo se retirar. Novamente grafia de sua mãe, r-cuniu-a a outras de diversas moças, tendo o cuidado
a cortina soe agita, infla-se e adere ao rosto de Evaristo, que declara de escolhê-l.as dentre as pessoas da ,mesma época".
sentir o contacto de uma cabeça completamente materializada. Mal Dirigiu-se, então, à residência de Faggioni e pediu-lhe que "indi-
terminava a frase e todos ouvimos o ruído de um beijo, que alguém casse qual daqueles retratos mais se parecia com a forma que havia
lhe deu no rosto. Evaristo pede à personalidade que decline o nome. visto. Êste examinou atentamente as fotografias; chegando, porém,
Ouve-se, então, atrás da cortina, sons inarticulados, todavia, com o à última, declarou ser a que havia visto. Realmente era o retrato
timbre de voz humana, como se ali alguém fizesse esforços inauditos da falecida mãe de Evaristo Testa".
para conseguir articular palavras. Êsses sons acaharam por se pronun- E Bozzano conclui:
ciarem e a voz fraca, átona, soletrando por assim dizer as sílabas,
"Êste fato, fôrça é convir, constitui excelente prova de identi-
diz em italiano: ficação pessoal de mortos, tanto mais que o retrato da Dtogenitora
- "Sou a tua mãe, meu filho!" de Evaristo, que tive oc-asião de ver, não oferecia a menor 'semelhanca
Seguem-se outros beijos, outras carícias, longas e efetuosas, através com o filho e, na coleção de fotografias apresentada a Faggio~i,
da cortina. Evaristo, ansioso por obter a prova decisiva da identi- havia a de uma das tias de Evaristo, de traços semelhantes .aos dêste
último".
dade, pede à personalidade materializada que se mostre a êle de
modo bem visível. A cortina abre-se a meio, cêrca de quarenta centí- Sem maiores comentários, embora surpresos, notamos que para
metros, e se vê um busto de mulher, ora adiantando-se em rnovimentos estas materializações os metapsiquistas, através de suas teorias, clas-
lentos e alt-ernados. sificaram os fenômenos de' "criptomncsia", "ideoplastia", etc., ou
melhor, como sendo o resultado final dessas materializações "a obje-
Na posição por mim (Bozzano) ocupada em relação à porta tivação e plastificação do pensamento do médium".
donde vinha a luz, não consigo discernir senão de modo confuso a
forma materializada; o mesmo acontece a Evaristo e Avelino. Fug- . Felizmente, porém, dentro da análise e da lógica êles seexpri-
gioni e Pastorino, porém, melhor colocados e próximos à forma mate- miram em têrmos vagos e inconciliáveis com as condições nas quais
rializada, declaram perceber distintamente o perfil de um rosto de os fenómen?s demonstran:: a existência e sobrevivência do espírito
mulher, cujos traços perfeitamente distinguem; as obseivações de humano, pOiS, desde o maiS remoto tempo, se desconhece um só C(ISO
ambos concordam entre si de modo perfeito. em que o percepiente declarasse ser o pensamento do médium ()
272 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 273

autor de tais manifestações o que, aliás, algum dia deveria suceder, Minha mãe passou para a outra vida há nove anos e seu corpo
salvo admitindo-se que tal pensamento, - possuidor como é de pode- foi sepultado na cidade de Pittsburg, na Pensilvânia. .
rosíssima vontade a ponto de, proj etando-a, materializar e vivificar o
seu duplo, vesti-lo e adorná-lo a seu gôsto, etc. - não pudesse agir Logo após o seu falecimento começou a comunicar-se conosco
em seu fôro íntimo a fim de impedir uma inverdade ou ilusão isto é por intermédio de vários médiuns auditivos e clarividentes· e mais
falseass·e precisamente num detalhe menor dessa potentíssima ~ontade: tarde, nas sessões de "voz direta"do médium Frank Decker' iniciava
essa nova forma de comunicação. As manifestações evoluí;am ràpi-
Convenhamos, porém somente para argumentar, que assim proce-
damente a ponto do espírito prescindir o auxílio da "corneta", pois
deriam determinados médiuns, ou que o poder de contrôle do seu
"autopensamento" diretamente não influísse o limite mínimo da sua a sua voz se tornara tão clara e perfeita que ela falava livre e desem-
baraçadamente. No inverno passado deu inicio a tentativas de mate-
vontade.
rialização, conseguindo nessa nova modalidade tal perfeição que
Mas, se tal hipótese teórica é a verdadeira, como se há de julgar pudemos nos abraçar repetidas vêzes.
os médiuns que de muito má vontade se prestam a taisexperiêndas,
só o fazendo após inúmeros rogos, conselhos, e quase sempre teme- Inspirado pelos exemplos dos Professôres William Crookes,
rosos, desconfiados até de suas próprias qualidades mediúnicas, sensi- Schrenck Notzing e Charles Richet que cortaram uma mecha de
bilidades essas que se manifestam em maior ou menor escala, por cabelos de espíritos desconhecidos, eu também perguntei a Bert WeUs,
vontade ou não, independentes da idade, sexo, credo, raça, etc.? um dos espíritos guias do médium Frank Decker, se havia alguma
probabilidade de que se pudesse cortar um pouco dos cabelos de
Como se há de admitir ainda tal hipótese, no caso de uma
minha mãe. Desejava mais essa prova, porque, primeiramente, ela
inexperiente e tímida jovem, cuja principal vontade seria livrar-se
teria um grande valor como demonstração científica da continuidade
dessas "objetivações e p!astificações do pensamento", que tanto a
da vida depois da morte; seria uma valiosa contribuição à literatura
molestam, incomodam, e contrariam precisamente pela ação de se
das ciências psíquicas, e finalmente constituiria uma preciosa lembrança
manifestarem independentes? Não seria admissível, então, que a figu-
de minha terna mamãe.
rada hipótese do pensamento, como reação mais lógica do subcons-
ciente, revelasse a vontade do sensitivo na primeira oportunidade? O espírito de Wel1s prometeu que quando as condições fôssem
Pela maneira por que osespiritos provam a independência dê!es, favoráveis, ser-me-ia permitido obter essa grande satisfação, preve-
neutralizam tôdas as suposições que intuitivamente pretendêssemos nindo-me que sempre viesse munido de uma tesoura, já que êle não
figurar a respeito, visto que em qualquer meio em que se estudaram poderia antecipar-me quando se reuniriam as condições favoráveis à
tais questões nunca se conseguiu uma só prova contrária, tendo-se em produção do fenômeno. De modo que eu sempre assistia às sessões
conta que se enumerássemos todos os casos de materializações que de Frank Decker munido da tesourinha.
enriquecem os anais do Espiritismo, não seria exagêro de nossa parte Certa vez veio de Campo Silver BeUo, Estado de Pensilvânia,
supor que teríamos muitos e volumosos livros. a Sra. Esthel Post, famosa médium de "voz direta" e de materiali-
A fim de melhor argumentar a solidez da teoria espirita, que zações, a fim de realizar uma sessão no estúdio de Frank Decker.
se confirma em sucessivas provas, resta-nos ainda considerar outro Pensando que nessa sessão os guias espirituais do médium Decker
fato, recentemente ocorrido nos Estados Unidos 'e cederiam o lugar aos guias da famosa sensitiva, não me preocupei
que despertou grande interêsse público, ocasionando vivas polêmicas lem levar a tesourinha. Mas Esthel Post convenceu a Frank Decker
nas revistas metapsiquistas, espiritistas, r.eligiosas e nos jornais, de tal que deveria participar ativamente da sessão, formando, dêsse modo,
maneira que ràpidamente se propalou. uma poderosa corrente psíquica.
A propósito, podemos acrescentar que as circunstâncias teóricas Depois de meia-hora de várias mensagens, manifestou-s·e oespí-
dêste caso são decisivas, concludentes e suficientes para eliminar defi- rito de meu irmão, Dr. Adolfo Edwin, saudando-me e dizendo em
nitivamente as hipóteses contrárias, pelo que se deduzirá da seguinte voz direta:
transcrição: Olha, Ted, vejo que hoje te esqueceste de trazer a tesoura.
•',Ç()111 fl.P~~~~E1Ç'l: __cl~,cl()i~"J.!l,~~U1!l:l~,g~tl1:f:lPºst . . e . . :f'J:ª!lr-: . pec;k:e,r, Sim, Adolfo, é verdade. Mas lá em cima, na secretária de
e dezessete assistentes, E::!~~<l:Çl:!?E:I:!l~~~l:l-' materializou-se o espírito Decker, vi uma e, se me permite, vou buscá-la.
de minha progenitora, permitindo-ll'le cortar um pouco de seus cabelos.
Adolfo, sorrindo, retrucou:
274 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 275

- Não te procupes, Ted; na obscuridade não poderás encontrá-la; Frank Decker, ao Dr. Banks, espírito guia do médium Esthel Post,
além disso, ela já não está lá. " Ei-la aqui, tome-a! E colocou na ao espírito de meu irmão Adolfo, e a todos os espíritos que colaboraram
minha mão a tesoura de Decker. na realização de tão maravilhoso fenômeno. Também agradeci aos
- Agradecido, meu caro mano. Mas, o que vou fazer com médiuns Esthel e Frank pela valiosa cooperação de ambos.
ela? - perguntei. No dia seguinte, eu e mais dois médicos, peritos microscopistas,
- Tê-la na mão, até que te avisem. examinamos os cabelos esbranquiçados do espírito materializado de
Houv·e um intervalo, preenchido com I:lensagens em voz direta minha mãe, e achamos que sob todos os aspectos eta igual ao cabelo
para os assistentes. Depois de dez ou qU1nze minutos, Adolfo se humano. Os resultados microscópico e histológico foram completa-
materializou outra vez, e tocando-me no ombro, disse: mente iguais aos cabelos comuns de idêntica côre estrututa que exami-
- Agora, levanta-te, Teci. namos nas mesmas condições e na mesma hora. Êstes resultados
Levantei-me. Adolfo passou para o meu lado direito, com a podem ser confirmados por qualquer histólogo competente que deseje
rapidez própria dos desencarnados, e tomando meu braco direito repetir as experiências com os cabelos restantes - que se acham
dirigiu-se para o centro da sala. Alguém pegou-me a mão; depoi~ em meu poder.
ouvi a voz de minha mãe: Depois dessa experiência, várias pessoas me perguntaram como
- Edvin, meu filho! sabia que a entidade em que fiz o corte do cabelo era minha mãe,
- Deus te abençoe, minha querida mãe, respondi. Estou tão e não de outra pessoa qualquer, por ·exemplo: Esthel Post ou Frank
satisfeito ao ouvir tua voz outra vez! Decker.
Segurou minha mão esquerda, levantou-a à altura da cabeça e Respondi-lhes, e continuo respondendo, o seguinte:
separando uma mecha dos cabelos, prendeu-a entre os meus dedos
inde~ e polegar. Depois, tomando minha mão direita, levou-a até Eu, como qualquer outro, ouvindo a minha mãe jamais me ·enga-
a raIZ dos cabelos, e S"!1a voz - sim, era a sua verdadeira voz _ naria; percebendo essa voz - tão conhecida - com o seu sotaque
frente à frente, disse-me : irlandês, sentindo sua proximidade, seu beijo, poderia ter alguma dúvi-
- Corta aqui, meu filho. da se era ou não minha mãe? Tanto mais que ela me chamava
Edvin, como sempre me chamava, e não "Edwin", como devia ser.
. Apertei, a. tesoura e cortei um pedaço de três polegadas que con-
tmha, no mImmo, uns trezentos fios de cabelos. Além disso, materializou-se o espírito de meu irmão Adolfo, em forma
E, carinhosamente, a doce voz de minha mãe me recomendou: tangível, falando em voz tão clara e forte como a minha, e êle também
- Guarda isso sempre contigo, Edvin. me assegurou que aquêleespiritoera nossa mãe que se submeteu a
Creio que com essa recomendação minha mãe se referiu à inten- essa prova, por demais rigorosa.
ção que tinha de fazer um exame microscópico do cabelo, estabele- Os cabelos não poderiam ser nem do médium Frank Decker,
cendo sua histologia e estrutura epitelial, e depois queimá-los para nem do médium Esthel Post, os dêle são pretos e oS da segunda são
fazer o exame químico da cinza, a fim de compará-la com a consti- castanhos, enquanto que os cabelos de minha mãe são completamente
tuição química do cabelo humano comum. brancos. Tenho, portanto, tôda a certeza de que os cabelos que cortei
Não sei> como minha mãe adivinhou o meu pensamento e por e guardo em meu poder, são os da minha querida mãe. Além disso,
9ue ~e pediu guardasse os seus cabelos; talvez para ter sempre a s·e eu pudesse admitir a hipótese de que ·era de outro espírito, nem
lden:lda~e ~os resultados~essa prova imortal, se fôsse preciso. Guardá- por isso perderia o valor o fenômeno espírita. Mas, tal hipótese eu
-lo-eI, nao Importa o motivo, durante tôda a minha vida, como lem- não aceito" (5).
brança e preciosa relíquia. Apesar da resumidíssima exposlçao destes três casos, êles podem
Depois, ela despediu-se de mim, dizendo-me carinhosamente: ser comparados àquêlesem que as personalidades materializadas cor-
- Agora tenho de ir-me, meu Edvin. rentemente falam ou escrevem línguas desconhecid,'.1s de todos assistentes,
BeIjou-me, a seguir, a fronte, e dirigiu-se à câmara mediúnica, visto se haverem materializado .espírito tci'mbém. desconhecidos de todos
onde desapareceu.
Então, o espírito guia BertWeIls conduziu-me ao meu lugar,
e agradeci-lhes de todo o coração, a Patty, espírito guia do médium (5) Dr. Ted. Edwin - "Uma BeL! Materialização". Iisce caso foi divulgado també r ',
pelas revistas "Psychic Ne\vs", "Constancia", "Razendo" e "Internacion:I1 do EspiririsP..'l;)".
276 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

oS assistentes (exceptuando-se os parentes), o que constitui sob o "Buchanan permaneceu materializado por tanto tempo e tão
ponto de vista teórico, fator de indiscutível valor probatório. Acresce, damente que tive tempo de buscar uma carta autógrafa que êle me
nos casos de Swem Stromberg, da Sra. Testa e da mãe do Dr. Edwin, havia escrito e que eu guardava num quadro pendurado na minha
o fato de se terem apresentados tão perfeitos que puderam, o primeiro, sala. Entreguei-lha, perguntando se por acaso se lembrava em que
na revelação da chapa, ser identificado pelos parentes e conterrâneos; circunstância havia escrito. Tomou-a e retirou-se durante meio minuto
o segundo, s·er reconhecido pelos experimentadores, quando viram a para o gabinete. (Era um grande armário de madeira, trancado a
fotografia da falecida em poder do filho Evaristo Testa; e o terceiro, chave, com pequena abertura oval, guarnecida por uma cortina móvel,
pelo próprio filho, que fizera um corte nos cabelos do espírito mate- que servia de gabinete mediúnico).
rializado de sua mãe ·e que tivera a confirmação de seu falecido irmão, Quando apareceu não se apresentou de frente, mas de perfil;
que também se materializou. parecia uma efígie plastificadaj lia atentamente a carta; passou-se outro
Vem a propósito, agora, uma importantíssima observação demons- minuto e novamente se r·etirou para o gabinete, para reaparecer imedia-
trar que as materializações de que temos falado não são meros fenô- tamente e de frente. Estendeu o braço, restituindo-me a carta, e disse:
menos de "criptomnesia", "ideoplastia" ou "teleplastia", isto é, "obje- "Lembro-me perfeitamente, meu caro Wolf, é uma carta em que lhe
tivação e plastificação do pensamento do médium", como querem apresentava o Dr. Forney". Estava completamente materializado".
admitir as "modernas descobertas da ciência metapsíquica", mas, sim, A alternativa de uma única personalidade se apresentar mani-
fenômenos objetivos} reais} visíveis e palpáveis. festada ora sob a forma de uma "efígie plastificada", ora sob a aparên-
Urge, portanto, combatermos sem demora os que não contiveram cia humana, viva, completamente "materializada", que estende os
o açodamento de concluir em oposição à análise comparada dos fatos, braços, fala e sente, tende a justificar a opinião do Dr. Wolf de
afirmando êrro tão deplorável que, desorientando a pesquisa, não "que as duas modalidades tão diferentes de manifestação têm a mesma
faria mais do que entravar o triunfo final da verdade. origem espirítica".
Ou será preciso que os desencarnados sempre ajam como no caso O Professor Ernesto Bozzano, não divergindo dessa opinião, avança
ocorrido pela mediunidade de Helen Duncan, de Leicester, quando o a sua afirmativa alegando que nos casos idênticos "somos levados a
espírito, apesar de solidamente materializado e reconhecível, dizia a inferir que, mesmo quando a fôrça (ectoplasma, substância somática
seu irmão que ainda duvidava: emanada do médium) desfalece, os espíritos fazem o que podem,
plastificando a própria efígie do mesmo modo que, quando têm à
- Ouça-me, meu caro mano! Cada qual tem dois olhos, um
sua disposição "fôrça" suficiente, dela se utilizam para materializar-se
nariz, uma bôca, dois ouvidos, e o que não se adapta a um se ajusta de modo mais ou menos completo".
perfeitamente a outro.
O Professor William Crookes em idênticas observações, aliás
E, em seguida, esmurrando com ambas as mãos o próprio peito, importantíssimas, conclui que "quando a força do médium não é sufi-
o que revelava perfeita solidez da materialização, berrou:
ciente para produzir uma materialização completa, produz-se apenas
- Você poderá duvidar disto? .. uma parte do corpo, u'a mão, um pé, ou uma cabeça".
Sabemos que os fenômenos de materializações parClals, em certos O Professor Sir Oliver Lodge, ·em idêntico tema, numa conferência
casos, podem ser considerados como fenômenos "ideoplásticos", etc., feita na Inglaterra, confirma a proposição dessa idéia. Diz êle:
pois em 1867, era o que realmente se passava nas experiências do "Muitas vêzes as fôrças que os espíritos empregam, para êste gê-
Dr. N.B. Wolf, realizadas com o médium Hollis e publicadas no
nero de demonstrações, não são de alta precisão; o· ectoplasma, pOI'
livro "Starting Facts in Modern Spiritualism".
exemplo, uma dessas manifestações materiais que podem se submeter
A parte interessante dêsses fenômenos - apesar de alguns pes- ao exame de nossos sentidos, são insuficientemente empregados para
quisadores modernos terem a pretensão de sua descoberta - consiste produzir o todo, daí a origem das manifestações parciais.
no fato de um espírito se manifestar ora em efígie "plastificada" e
Só esta teoria já parece extraordinária; entretanto, são fatase é
"chata", ora em forma nitidamente "materializada", a ponto de manter
preciso estudá-los, assim como é pr.eciso estudar essas vozes que se
diálogos, segundo a obs·ervação do Dr. Wolf. Foi o que por mais
de uma vez se deu com o espírito materializado do presidente Buchanam. ouvem, as escritas diretas que se verificam; e convém crer como se
Relata o Dr. Wolf o seguinte: acreditou nas sentenças lidas na parede, pelos convivas do Festim de
278 PEDRO GRANJA AF I , QUEM SOMOS?

Baltazar. Há imensas verdades nas "legendas" da Bíblia. As mate- que nada têm de biológico". Ora, $oe a maXlma de que "tQclº~ºs~'"
rializações, os fantasmas, não são alucinações. Não somos, nós mes- organis1l1º~"iYOspt;J:t~tlS~1l1l!J~iEJJQg!i!"e nestes tudo parece indicar
mos, material.izações que podem durar setenta anos como as outras que as funções fisiológicas essenciais nelas se exercem' normalmente,xr
duram setenta segundos"? deve-se concluir que quando um espírito materializado respira, lôgica- .
Se não temêssemos alongar demasiado êste capítulo, poderíamos, mente dev·e ter pulmão e coração para exercer a ação respiratória. ,
ainda, apresentar inúmeros fatos observados por outros experimenta- Aliás, William Crookes conta-nos "ter escutado, e por diversã';
dores que vêm provar de modo integral a explicação teórica dos vêzes, as pulsações do coração de Katie King, circunstância de fato
espíritas. Para efeito de análise vamos nos limitar em resumir um muito importante, graças à qual é lícito inferir que, se o coração
outro fenômeno, da mesma forma admirável. li o das materializações batia, é que o sangue devia circular nas artérias dêsse corpo bem
minúsculas. materializado, que constituía, portanto, um organismo vivo e perfei-
Gabriel Delanne dedicou-se a elas e publicou-as num livro "Les tamente conformado".
Apparitions Materialisées"; Ernesto Bozzano colecionou inúmeros Se o espírito materializado "sem vida própria", apesar de seu
exemplos dêstes casos em "Materializzazioni di Fantasmi in Propor-
coração fazer movimentos rítmicos de sístole e diástole perfeitos,
zioni Minuscole", ,edição de 1932; e Charles Richet contenta-se em
evidenciando que o sangue circula, e os nossos contraditores afirma-
"citar o de Mme. Juliet A. Bisson, tendo MIle. Marthe por médium.
Houve materialização de um fantasma minúsculo, uma pequena mulher rem o contrário, esta afirmativa irá negar a teoria da circulação san-
guínea, o que é absurdo.
nua, encantadora, tendo tôdas as aparências da vida, tão pequenina
que se poderia conservá-la na mão. Ela olhava e sorria" (6). O Professor Charles Richet, depois de assistir às sessões do mé-
Porém, Mme. Bisson, no Congresso Metapsíquico de Copenhague, dium Eusápia PaIladino e de assinar em companhia de outros profes-
realizado em 1921, relata êss,e interessante caso como parte de uma sôres o relatório referente aos trabalhos experimentais realizados em
série de materializações obtidas em plena luz. Milão (8), foi à Algélia, onde teve ocasião de observar e estudar, em
"Em 25 de maio de 1921, nos nossos trabalhos se materializou, condições de contrôle irrepreensíveis, aS materializações de um outro
em pequenina forma, uma minúscula mulher ,elegante, de trinta centÍ- espírito que era produzido pela mediunidade de Marthe Beraud, em
metros de altura, cuja formação se fêz nas mãos do médium Eva, Vila Carmen, na residência do General Noel, brilhante diretor da
depois do que se pôs em movimento. Estava nua, possuía cabelos Escola Politécnica e comandante de artilharia.
delicados que lhe caíam sôbre as costas, corpo de linhas admiráveis, Q§_"!~t~!§E~O~_cl2:,}.->!ºt~~~2!,,R~Sh~!, bem como as fotografias que
brancura imaculada e olhos azuis. Pouco depois a mesma forma min- os acompanhavam, foram publicados pela imprensa e provocaram vio-
guou, ficando reduzida a vinte e cinco centímetros. Além de mudar lentas polêmicas. Relatando as experiências no caso da materialização
de posição e de movimentos,a pequena ima~em .tomou a, mão de de Bien Boa, foi êle mesmo um dos que observaram:
Mme. Bisson para que esta lhe explorasse o mterlOr ~a boca. Ela
se colocou sôbre o peito do médium, a qual, pondo em lIberdade suas •• ~~~_{(ltlt<ls1l1<l,qll~cl<lY<l()tl2:~llericlíclllº . (1~~.i~tl;;~O<l, . r.e.sP.tt:q,t!ff-
próprias mãos, pegou a forma materializada, entregando-a :: Mme. como se vivo fôsse e pôde, soprando num tubo onde se continha água
Bisson, que durante vários segundos a conservou entre as maos para de barita, fazer a água de barita embranquecer, como se a tivesse
admirar a perfeição de suas linhas. Ela subiu aos joelhos de MIle. excretado de ácido carbônico, à maneira de um sêr vivo. O fantasma
Eva Marthe e logo depois desaparec,eu" (7). achava-se de pé diante de Marthe que estava sentada. Fotografias
Claro está que para explicar êsse fenômeno mais que singular, estereoscópicas demonstrativas foram tiradas. Gabriel Delanne, os
assistentes e eu mesmo, vimos claramente o fantasma s·eparado de
a teoria espírita é a única que satisfaz plenament,e, salvo se nos apre-
Marthe".
sentarem uma outra que seja ao mesmo tempo capaz de esclarecer a
ciência e o "bom senso" dos homens. "Outra vez continua o referido Professor, noutra experiência,
E não se afirme, também, que os espíritos materializados não nós todos vimos sair do chão um vapor branco que pouco a pouco
têm "vida própria", "independente", alegando que "são fenômenos se condensou, tomando t/J forma de um< individuo vivo, de pequena

(6) Charles Ricret - "A Grande Esperança". (8) Vide o telatório da comlssao dos professôres que se reuniram em Milão, no
(7) Juliet A . Bisson - "Les Phénomênes dits de Materialisltion". qual contém tôdas as assinaturas, publicadas nas págs. 244 e seguintes.
280 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 281

estatura e vestido como um cafetã. Depois de dar alguns passos titu. Das sessões experimentais realizadas na residência de Kluski, algu-
beantes diante de nós, bem perto de todos, a menos de um metro, mas foram presenciadas pelo Professor Pawlosky, que as publicou no
desapareceu, abatendo-se sôbre o solo com ruído de "c1ac-clac", comO "Journal of the American Society for Psychical Research".
se fôssem ossos que tombavam. A impressão foi tão clara que des- Sendo o artigo do Professor Pawlosky extenso, apesar de inte-
confiei de um alçapão. ressante sob vários aspectos, vamos reproduzir apenas os tr-echos que
Mas, não havia alçapão algum. intimamente se prendem ao tema em exposição:
Para que multiplicar as narrações de aparições de fantasmas? Que
"O detalhe que mais fere no fenômeno de materialização de
há fálitaSmás, isto é tão certo comO se eu dissesse: há estrêlas" (9).
fantasmas humanos, direi mesmo: o detalhe cientificamente mais impor-
Êstes fatos, nitidamente observados e estabelecidos, trazem em tante é o de se portarem absolutamente como pessoas vivas. Dir-se-iam
si a sanção da ciência e da imparcialidade. Reconhecer-se-á que são convidados de uma r-ecepção mundana. Davam voltas pela sala prodi-
experiências variadas e diferentes em suas modalidades; mas, em rigor, galizando sorrisos aos experimentadores que lhes eram conhecidos,
podemos sustentar que elas comprovam o fato de que os espíritos olhando com delicada curiosidade para os recém-admitidos... No
111~l!t;1·i~E.~.<l.4.()s tênt 1Jq.11:.ta.4e PrQPr iaL <:()~1l:.~Si111.t:~!()~p~~§()<l!§..t; liº.~r· modo amável de se conduzirem em r-elação a todos, na maneira pres-
C!<l.çl.~ cl~ <lçª(), it1C!~p~t1C!~t1.t~C!()~ c!().~~c!il;1~, ~ Pq!~11}r1.t!º.fq4~s..(1S surosa por que respondiam a qualquer pergunta, em tudo enfim que
1lr,ºJJ.d(!/Ü1Çlç§ ti§{q~ó.g!Ç~§ (f(! !tnt . •s..~t k~ntf!.11;q E~:.11;!'tAnt' faziam resultava o vivo desejo de convencer-nos de que eram enti-
Não é, em suma, um desdobramento do médium, não só porque dades espirituais propriamente ditas e não criações efêmeras ou
dêle dif.ere sob todos os pontos de vista, mas também porque vários alucinatórias ...
espíritos materializados aparecem simultâneamente. Além disso, muitas
vêzes acontece que o médium desperto conversa com a aparição. E ... Os fantasmas que se materializam nas sessões de Kluski são
outras vêzes o espírito se tem materializado de maneira idêntica com personalidades de mortos pertencentes a qualquer nacionalidade e
médiuns diferentes e, enfim, freqüentemente sua identidade fôra con- geralmente fala'm a própria língua. No entanto, se os experimen-
trolada por aquêles que o conheceram quando vivo. tadores lhes dirigem uma pergunta em idioma que desconhece ( em
É oportuno acrescentar, já que insistimos neste ponto, que nas geral o polaco) êles o compreendem perfeitamente. Dão a impressão
sessões de materializações - tomem sentido - qualquer pessoa pode de possuírem a faculdade de ler o pensamento dos assistentes, pois,
ver alguém de sua família, há muito ou recentemente falecida, apare- muitas vêzes, nem mister Se faz s-eja manifestado o desejo ou formu-
cer e falar-lhe. Podemos apertar a mão dêsse sêr materializado, estreio lada a questão para se obter a resposta ou ser imediatamente satisfeito.
tá-Ioem nossos braços e ter a ilusão completa de que está vivo. Êle Basta pensar naquilo que se almeja que o desencarnado faça para
conversa conosco a respeito de coisas perfeitamente particulares e só que êle o execute, a não ser que, não concordando, responda por
conhecidas de ambos, Sua voz não muda. A aparição tem um coração uma negativa.
que bate, podemos auscultá-lo assim como os pulmões onde o ar Com efeito, os fantasmas às vêzes recusam executar os desejos
penetra normalmente. Conseguimos fotografar a sua forma. Êle
dos experimentadores, não raro explicando o motivo que lhes não
deixa·nos a impressão de suas mãos. Escreve-nos cartas, recados, auto-
grafa os álbuns, fala-nos por telefone como no cas?de Coelho Neto <lO, .. ·•·••·•.. •• permite realizar o pedido prometendo, todavia, se possível, tentá·lo
em circunstâncias mais apropriadas. Nem todos os fantasmas se mos-
- antes que se desmaterialize ou se desvaneça. I
tram em estado de falar, comunicam-se então por meio de pequenas
Não podemos deixar de enriquecer esta .série brilhante de fatos pancadas, processo longo e fastidioso. Quando falam, entretanto, a
documentados, sem relatar ainda alguns casas mais recentes de mate- voz ressoa perfeitamente clara, com o timbre sonoro e normal, apenas
rialização de formas completas, vivas, falantes que se produziram, e em diapasão baixo, assim como um murmúrio grave.
cremos que ainda se estão produzindo, em Varsóvia, por intermédio
/í(/:.~))L.,Ni,4()~~?i\!lIlP?lac(),>!"~~J~;~.~1J!;~Jd,"que, ?ote-se ~em, com? ,diz Boz- Se observarmos a expressão vivaz de suas fisionomias quando
." zano, e um rlCO banqueIro, ·e se presta as funçoes de medmm por conversam, não deixaremos de ficar convencidos da sua individuali·
exclusivo à ciência". dade. Numa destas ocasiões, ao materializar-se a personalidade de
um turco, que era conhecido dos demais experimentadores, tive ensejo
de ler·lhe na fisionomia os sentimentos que o animavam, quando
(9) Charles Richet - "A Grande Espj'rança".
(lO) Vide nota 2, da pág. 286.cl f\8 notou nos meus traços a expressão de espanto e de satisfação que ,1
282 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

sua aparição me causara. Veio então a mim, inclinando~se e cumpri- um homem de idade avançada, ostentando uma longa barba grisalha.
mentando-me em turco por estas palavras: A língua que falava era gutural, para todos incompreensível, embora
os assistentes conhecessem uns doze idiomas diferentes. Até o pre-
- Chokyask Lebistan!
sente ainda não se conseguiu identificar êsse fantasma nem a língua
Vendo que eu não havia compreendido, êle repetiu com certa que fala; mas no grupo é conhecido pela d·esignação de "padre
ênfase as mesmas palavras, num sorriso amável. Nós outros, polacos, assirio", qualificativo que se adapta admiràvelmente ao seu aspecto e
nutrimos um sentimento de viva simpatia pela nação turca, o que trajo sob os quais se apresenta".
me levou, por nada haver compreendido do que me disse, a responder Recordamos, a propósito, que com o poderoso médium de efeitos
pela exclamação: físicos, Frank Kluski, não se verificava nenhuma semelhança entre
- Viva a Turquia! seu rostôeüSclos espíritos materializados; que constituiam imponente
variedade - masculinos, femininos e infantis - os que se manifes-
Vi logo que êle havia entendido, do modo pelo qual de nôvo tavam; que, amiúde, os sêres revivas se exprimiam em línguas ignora-
me sorriu; seus olhos brilharam de contentamento e aplaudiu, batendo das por todos os presentes, como vimos nos casos que acabamos
as mãos. Depois disto inclinou-se, cumprimentando-me ainda, e reti- de citar.
rou-se. Minha cortezia lhe havia proporcionado um momento de satis- Para que possamos, porém, formar uma idéia sôbre a grande
fação patriótica. Tomei logo nota, embora obedecendo apenas à fôrça mediúnica de Kluski, vamos citar dois fatos importantíssimos,
fonética, da frase que êle me havia dirigido, procurando no dia ime- ocorridos durante as observações do 1:)1':. Gustavo Geley, e confirmadas
diato quem ma pudesse traduzir e vi, não sem surprêsa, que a frase por Charles Richet de modo seguinte: - ...
por mim não entendida queria dizer: "Viva a Polônia"! "Com o poderoso médil.lT }?(}lon€s]{lllski, que infelizmente con-
... A mais rara e provàvelmente a mais elevada das formas mate- sente com relutância el11 fazer experiências, Geley, no laboratório do
rializadas, obtidas por intermédio da medianimidade de]{!l.l~ki, que "Instituto Metapsíquico de Paris", tendo-o despido completamente, vê
por duas vêzes tive ocasião de observar, era a figura solene de um surgir diferentes formas vivas: uma velha desdentada e enrugada, um
velho, completamente luminoso. Dir-se-ia um farol. Disseram-me que oficial polonês de uniforme e quepe, um oficial alemão, igualmente
êle visitava constantemente o grupo. A luz que de seu corpo se de uniforme com capacete de ponta".
desprendia tinha intensidade bastante para iluminar tôda a assistência E, logo a seguir, Geley narrou-lhe o seguinte caso:
e mesmo os objetos mais afastados na sala. Os centros de luz maIs "Em Varsóvia,estando eu (Geley) sentado entre Kluski e um
viva são nêle a do easpalTas das mãos. seu amigo, oficial polonês, êste lhe diz:
- Eu só acreditarei nos fantasmas após ter visto uma centena
~~~ .s~~sões .g~]{tllsk:i, a mesa medianimica, atrás da qual fica
estendido o médium, está colocada em um dos ângulos da sala. O dêles.
fantasma luminoso, certa vez, apareceu no centro a pequena distância Então, quase no mesmo instante, uma lufada de ar frio abriu
de nós, trazia na cabeça um chapéu cônico e estava envolto em veste a janela e apagou uma das luzes. Depois, sucessivamente, diante do
longa e ampla. Dirigiu-se para a assistência com passo firme e majes- sofá em que estávamos sentados, passou um desfile interminável de
toso, enquanto a sua toga após si se desenrolava pelo chão. Traçou espíritos diferentes, mulheres, crianças, velhos, militares, padres,etc.
com a mito um grande triângulo no ar e começou a falar com voz Havia do que se tr·emer, e a assistência (três pessoas) tremia real-
mente" (12).
solene e profunda. Parou durante uns dez segundos por detrás de
mim, estendendo a mão para a assistência, mão que desprendia luz No creiam os leitores que só nós, humanos, ainda encarnados,
enquanto êle falava. Retirou-se em seguida para um dos cantos, onde somos turrões, teimosos e cépticos, que embora verificando os fatos
desapareceu. com tôdas as atividades normais dos nossos sentidos permanecemos
piores do que São Tomé. Com os espiritos, isto é, com os desencar-
Sua presença produziu ozone em tal quantidade que o ambiente nados, também se passam idênticas turrices, quando pretendem manter
da sala ficou saturado até depois de terminada a sessão (11). Parecia suas opiniões, conforme se irá concluir dêste interessantíssimo relato:

(11) Sôbre a impregação do ambiente pelo ozone que alguns espiritos condensam, (12) Gustavo Geley - "Ecroplasmie et Clairvoyance"; Charles Richet - nA Grande
consulte-se 172 e 'C15UIlllC'. Esp~rança".
284 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS?

S. A. Wood, em "The Two Worlds", narra o originalíssimo fato proporções do corpo, alto e formoso, em contraste com o corpo desta,
observado por êle. Numa das reuniões havidas com Helen Duncan, pequeno e magro.
conhecidíssimo médium de materializações, aconteceu um incidente
humorístico que vem provar que quando somos apegados às idéias O Professor Ernesto Bozzano em estudo que fêz do caso, conta-
que tínhamos na terra, elas continuam. O fato se resume assim: -nos que "Maria conversava voluvelmente em gíria dialetal francesa,
e espantava os experimentadores ,executando ousados giros de dança
Quando o espírito materializado de um jovem saiu do gabinete peculiar ao ambiente algeliano".
para conversar com um assistente amigo, veio logo dizendo:
As manifestaçõ-es em aprêço se sucederam por dez anos, sempre
- Antes de passar ao Além, eu não era espiritista; ainda não com as mesmas modalidades e exteriorizações: quer dizer que, con-
o sou e não pretendo ser espírita.
forme as condições permitiam, "Maria, a Dançarina", se materializava,
O assistente explicou depois que freqüentes eram entre ambos as saía do gabinete mediúnico, dançava e cantava quando podia, ou
convers,ações sôbre o Espiritismo, antes do falecimento do amigo, porém dirigia aos presentes algumas frases em patoá algeliano, e, após uma
não fOI possível convertê-lo, permanecendo-lhe ainda a idéia antiga. demora mais ou menos longa, voltava ao gabinete mediúnico e
Longe íríamos se tivessemos a pretensão de comentar neste capí- desaparecia ...
tulo, mesmo resumidamente, os casos antigos e modernos de materia- Certa vez, quando os inv-estigadores a atormentavam, entre os
lizações, visto que, todos os dias, fatos recentes vêm a lume através quais se achava Sir Ernest Bennett, sócio fundador da "Society for
de livros, revistas e jornais, ou os que, isoladamente, se realizam em Psychical Research", de Londres, a êle, meticuloso partidário dos méto-
sessões experimentais particulares. Inúmeros, afirmamos, são os casos dos científicos de investigação, que exigia provas e mais provas,
por nós conhecidos e que têm o valor idêntico aos considerados "clás- "Maria declarou a sua deliberação de retirar-se, visto estar enfartada
sieos", em virtude de ter o rejerendum de homens, amigos nossos, de tudo: Je suis fatiguée à mourir de ces mames vrais types anglais".
que acima de qualquer partidarismo colocam o amor à verdade.
Sir Bennett replicou-Ihe,então: "Assim que entrares no gabi-
No entanto, a título de referência, vamos registrar aqui quais nete, eu te seguirei".
os espíritos que se materializaram através das mediunidades da Sra.
~ escusado dizer-se que "esta resposta provocou uma saraivada de
Elisabete d'Espérance, da Sra. Florence Cook, do Sr. Egliton, de Mmê.
Salmon e da Sra. Euripedes Prado. injúrias algelianas sôbre o mal sucedido experimentador" (15).

Com a Sra. etJI~p~!i!:!lç~ houve as seguintes materializações: Em todos os trabalhos do médium Egliton sempre se materializava
um indu, cujo principal detalhe era o modo interessante de se apre-
Iolanda, linda moça que aparentava ter dezesseis anos mais ou sentar. Logo que parecia, cumprimentava os presentes à modo orien-
menos, perfeita, movia-se pela sala entre os assistentes, apoiando-se, tal: levava a mão ao peito, aos lábios, à fronte e erguia-a para o
certa vez, no braço de um dos presentes, ,enquanto ambos cami- alto. A sua original indumentária, que se estendia até aos pés, era
nhavam (13). de rigor característico, e usava um turbante magnífico, enfeitado com
Ana, menina, andava, falava e conseguiu tal perfeição de formas pedras preciosas. Fôra conhecido no círculo onde se manifestava
que sua mãe, presente ,em uma das sessões, assim que a viu,reconhe- pelo nome de Abdulah.
ceu-a incontinenti. As experiências que o Dr. Paul Gibier realizava com o notável
loute, criancinha, entre três a quatro anos de idade, maravilhosa- médium Mme. Salmon, geralmente fechava-a -em uma gaiola de ferro
mente encantadora, que dir-se-ia ser antes uma boneca viva a caminhar da qual só êle possuía a chave. Via, então, materializar-se uma esbelta
entre os que a rodeavam (14). mulher que lhe parecia viva, perfeita, humana. Ela apar-entava vinte
e cinco anos mais jovem que Mme. Salmon. Depois, materializavam-
Com "f!()!t~tlÇ~c,Çook, (depois Sra. Else Comer) além da célebre -se a pequena Mandy, que tinha apenas um metro de altura; um
materializâ.çãõ de Katie King, assunto já desenvolvido por nós, houve, homem alto ao qual Gibier pôde apertar a mão máscula e vigorosa.
também, a de Maria a Dançarina, diferenciando-se do médium pelas Tôdas essas personagens permaneciam no recinto somente alguns mi-
nutos e pareciam apressadas por sua vez a terminar os trabalhos.
(13) Vide no capítulo "Desmaterializações", págs. 34Q e seguintes, os detalhes
dêstes fatos.
(14) Elisabete d'Espérance - "No País das Sombras". (15) Ernesto Bozzano - Artigos publicados na "La Ricerca Psichica" e na "Revista
Internacional de Espiritismo".
286 PEDRO GRANJA CAPíTULO XVI

Antes de encerramos a parte demonstrativa dêste capítulos, apre-


sentaremos ao leitor, em exposição sumária, "os maravilhosos fenôme- MATERIALIZAÇÕES
nos de materializações conseguidos em Belém do Pará" e que, ao nosso
ver, qualificamos como um dos maiores casos ~lássícos o?servados no DE
mundo espírita brasileiro, quer quanto ao seu ngor expenmental, quer ESPíRITOS
quanto ao s,eu monumental processo de documentação, bem como os
não menos interessantes casos assistidos por nós, aqui em São Paulo. NO
À benovolência do leitor amigo, pedimos vênia para expô-los em BRAS IL
outros capítulos, certos de que êles d~ssipar-!h~-ão as dúvidas q~,e,
porventura, ainda permaneçam quan.to. a admlssao dest.a certeza: o
espírito desencarnado pode se matenahzar quando reumdos se encon-
trem, num médium, os elementos necessários".

Ao INICIAR o pres,ente capítulo transcrevendo as palavras de


um homem justo e sincero, é nosso intuito homenagear-lhe a lhaneza
de seus sentimentos, sintetizados nestas expressões :
" ... Singularidade extrema condiciona a imaginação quando o
pensamento necessita penetrar nos domínios do maravilhoso. Em-
bora forcem as situações, inverossímeis e estranhas, não se atingirá,
nunca, a ,exatidão dos fatos supranormais que se interpõem entre
os limites da investigação humana, se não nos capacitarmos, na rela-
tividade do possível, que o mundo dos espíritos é uma realidade
comprovada.
Se no ato de investigar há sempre alguma coisa na intensão
de alcançar, nesse caso, tudo quanto se positiva é uma verdade que
se conclui, que se reflete no homem, para ser, fora dêle, o finito
que se deseja no infinito que se não alcança" (1).
Aquêles que não são versados no estudo do Espiritismo modêrno
têm, geralmente, o superficialíssimo hábito de sorrir quando alguém
se refere com tôda a convicção à veracidade dêsses acontecimentos,
sem dúvida maravilhosos. Na verdade, são êles tão absurdos e con-
trários às leis conhecidas que é perfeitamente justificável êsse cepti-
cismo e essa ironia.
O que ainda mais surpreende aos que nos ouvem falar em mate-
rializações, desmaterializações, transfigurações, vozesdiretas, levitações,
passagem da matéria através da matéria,etc., não é saber'em ser tais
acontecimentos anormalíssimos e, sim, que homens eminentes, gozando
o mais alto conceito no mundo científico, chegaram a dedicar meses
e anos a êsses estudos.
William Crookes é por demais citado por nós, portanto, vamos
deixá-lo à margem, assim como Lombroso, Flammarion, Lodge, Dela-

O)
288 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS

nne, Zõllner, Bozzano, Osty, Gibiere tantos outros. Nem lembra- "Está próxima a época em que se demonstrará que a alma humEltW
remos Vítor Hugo, ou Coelho Neto (2), para citar apenas dois grandes pode viver desde esta existência terrestre, em comunicação estreita (t
literatos que se entusiasmaram, enve:edando por tão ~~s~eriosa~ se?~as. indissolúvel com as Entidades imateriais do mundo dos espítitos,
Em suma são tantos os nomes !lustres que o EpIt1t1SmO c1entIfico, Então será compreendido que êsse mundo age sôbre o nosso e lhe
filosófico e r~ligiosos pode alinhar a seu favor que, sem dúvida, seria comunica influências profundas de que o homem de hoje não tem
fastidioso alongar uma lista, pois conteria surprêsas para os que não conhecimento".
querem perder tempo com tais coisas. Modernamente Ludwig Lasky, Ubaldo Tartaruga, Hans Driesch e
Uma surprêsa- A!f!,~ª,R!!§"§~L~al1ace... :Wallace foi o cien- inúmeros outros de projeção internacional poderiam ser recordados,
tista que competiu com Charles Dan:i~ na cortlda que resu~t~u na
porém, como dissemos, seria inútil a feitura de uma lista.
célebre teoria das espécies. Outra? ~!Il!i-LillJeill!:§) o grande pSIcologo,
universalmente conhecido. Outra, ainda? J:\11:l11:l~t:.l;I.~I!5a.llt, o célebre
escritório, lavada em lágrimas, e disse~me, abraçando-se comigo, que a filha enlouquecera.
filósofo de Koenigsberg, autor da "Crítica da Razão Pura", que pro- - Por que?! perguntei.
feriu esta sentença lapidar: - Está lá em baixo, ao telefone, falando com Ester.
- Que Ester?
- A filha ...
(2) .. .sêlbr<; ~ ....sqHyef!ã:gdq . [lotá,y~J ...~.!.~H\!9!q,.~§SdfQE Coelhoi I\I~t.<:L~Q:g§l'iü<:is[11q,. Encarei-a demoradamente, certo que a louca era ela, não Júlia.
eis a entrevistá' qué 'fêz época; púlilicado pdo "Jornal do Bra,W ;' de 7·6-1923, que ora Como se compreendesse o meu pensamento, ela insistiu:
transcrevemos: . . - Lá está. Se queres convencer~te, vem até a escada. Poderás ouvi-Ia. Fui.
H_ Sim, tens razão. Combati, com tôdas as minhas fôrças, o que sempre conslde~el Como sabes tenho dois aparelhos: um no uhalI", outro, em extensão, no meu
a mais ridícula das supertições. Essa doutrina hoje triunfante em todo o mundo, nao escritório. Ficamos os dois, minha mulher e eu, junto à bal.austrada do primeiro andar.
teve entre nós, adversário mais intransigente, mais cruel do que eu, ~ . Júlia falava baixo, no escuro.
~Em casa, onde a propaganda, hàbilmente insinuada, cons;~Ira faz;! prosehtos, tod,?s Por mais esfôrço que fizéssemos não conseguíamos ouvir uma palavra. Era um sus-suro
temiam~me, apesar da minha conhecida tolerância em nlatena de fe,. p~rque. eu n.. .a o meigo, cortado de risinhos. O que me pareceu, pO'rque não dizê·lo? foi que a convcrSll
deixava passar um SÓ dos livros; de preparação e opunha·me, com energ1a, as taIs sessoes era de amor.
reveladoras. Mas que queres? , Tive ímpetos de violar o segrêdo de minha filha, mas o escrúpulo do meu cavalhei·
Não tiveram os cristãos inimigos mais acirrado do que SauIo ate o ~0!,TIento e;n rismo conteve-me.
que, na estrada de Damasco, por onde ia para ~ st;a campan.h~ ~e perseguIçao, . O ceu - Por que dizes que ela fala com Ester? perguntei a minha mulher.
abriu-se em luz e uma vez do Alto o chamou a fe. ,E de InImIg? .qu~ era to~nou·s,e - Por que? Porque ela mesmO me confessou e não imaginas com que alegria.
o tapeceiro de Tarso, o ma.is fervente c abnegado apostolo ds> CrIStianISmO, saIndo a Fiquei estatelado, sem compreender o que ouvia. De repente, numa decisão, entrei
pregar a Palavra suave ao gentio pagão? Pois, meu caro,. a mmha estrada de Damasco no escritório, desmontei lentamente o fone do aparelho, apliquei~o ao ouvido e ouvi.
foi o roeu escritório c, se nêle não irradiou a luz celestIal, que d.eslun:~.brou S. Paulo, Ouvi, meu amigo. Ouvi minha neta. Reconheci-lhe a voz, a doce voz, que era a
soou uma voz do Além, voz amada, cujo éco não morre em meu coraçao. ,. . música da minha casa... l\1as não foi a voz que me impressionou, que me fêz sorrir e-
Sabes- que, depois da nlorte da. pequenina Bstc~, que. era. o nosso. enlevo, a vIda chorar, senão o que ela dizia.
tornou~se sombria. A casa, dantes alegre com o rISO crIstalino da cnança, mudou-se Ainda que eu duvidasse, com tôda a minha incredulidade, havia de convencer·me.
em jazigo melancólico de saudade. Passei a viver entre sombras lan;entosas..; , tais eram as referências, as alusões que ,a pequenina voz do Além fazia a fatos'.!
Minha mulher para quem a nednha era tudo, não fazia outra COlsa senao evoca,~la, incidentes da vida que conosco vivera o corpo da qual ela fora o som ...
reunindo lembranças: roupas que ela vestira, brinquedos que a acompanharam at~ a Mistificação? E que mistificador seria êsse que conhecia episódios ignorados de
última hora, entre os quais a boneca, que foi com ela para a cova, porque a pobrezmha nós mesmos, passados na mais estreita intimidade entre mãe e filha. Não! Era ela. a
não a deixou até expirar. minha neta, ou antes: a sua alma visitadora que se comunicava daquele modo com o
Júlia. .. coitada! Nem sei como resistiu a tão fundos desgostosOs; seis meses coração materno, levanrando·oda dor em que jazia para a consolação suprema.
depois do marido, a filha. . ,. , . Ouvi tôda a conversa e compreendi que nos esramos aproximando da grande era;
Pensei perd.ê-Ia. Tôdas as manhãs lá ia ela para o cemIterlO, cobrIr o pequenmo que os tempos se atraem - o finito defronta o infinito,. e das fronteiras que O'S
túmulo de flôres, e lá ficava, horas e horas, conver~ando c~m, a terra, c0-?1 o rnes~o separam, as almas já Se comunicam. E eis como me converti, eis porque te disse que
carinho. com que conversava com a filha. Ia depOIS ao rumulo do mando e aSSIm a minha estrada de Damasco foi o escritório onde se não fui deslumbrado pelo fogo
vivia entre mortos alheia' ao mais, indiferente a tudo. colestial, ouvi a voz do céu, a voz do Além, da outra Vida, do mundo da Perfeição ..
Propus mudar':"o-nos para Copacabana. Opôs-se. Insi,:;tiu em ficar na casa em que - Ouvístewa ao telefone... E porque não a ouves no ar, como a ouviu.
fôra feliz e desgraçada, mas onde perduravam recordaçoes do seu te.mJ;:0 de ve:lt\;r~. São Paulo, por exemplo?
Temi que a seduzissem para o Espiritismo, que a lançassem ~o turbI1hao do mIst~r~o Por que? Porque o espírito precisa de um meio em que se demonstre. Para viver
em que Se agitam as almas do nosSO tempo, como endemonmh~dos da Idade Media conosco, encarna-se. O próprio Espírito de Jesus encarnou~se. O lume precisa de urn
corriam ao sabbat nos desfiladeiros sinistros. No estado de abatImento moral em que combustível para ,arder e o lume é luz, eternidade: o som precisa de um órgão para
ela se achava seria arriscado perturbar-lhe a razão com práticas nigromânticas. vibrar. Todo o imaterial carece de um veiculo para agir.
As minha~ ordens, dadas. em tom severo foram obedecid~s. Júlia pa.ssa?~ os dias no - Uma pergunta apenas: Como consegue D.ll- Júlia pôr-se em comunicação (:orn
quarto, que fôra da pequena, e de .fora ouví~mo-la falar, nr, contar hIstorIas de fadas, O espírito da filha? Não me consta que a "Companhia Telefónica" tenha ligação «)m
exatamente como fazia durante- a VIda da cnança. o Além.
Tais ilusões dolorosas eram bálsamos que mitigavam o sofrimento da alma, como - Respondo-re. Quando Júlia - disse-me ela própria - deseja comunicar-se com
a morfina alivia as dores. Cessada a ilusão, o desespêro irrompia mais acerbo. Era a filha, invoca~a, chamawa com o coração, ou melhor: com O amor e ouve·Jhc itl'\(~dia"
assim. . A
tamente a voz. Falam, entret,êm-se, continuam a vida espiritual. A que lá está (\lJ)
Uma manhã, porém, com surprêsa de todos, Júlia apareceu~nos rIsonha posto que Cim~ é feliz na Bem~aventurança, e a que ficou na orfandade já não sofre, como danHiN
os olhos ainda conservassem lágrimas como as rosas conservam orvalho na corola, ao sol. sofrIa, porque o que era esperança tornou-se certeza ...
Interroguei-a, sorriu. Interroguei minha mulher. Nada. Confesso-te que cheguei a - Certeza de que?
pensar na... volta da primavera. A
_.. De uma vida melhor e maior, de vida puramente espirituat como a
Lucílio tornara-Se mais assíduo nas visitas, aparecendo~nos duas e tres vêzes ~or vida sem dores, sem os tormentos próprios da carne, que não é mais do qut
semana e o amor, bem sabes, renova; o amor é como o sol que abre flôres nas próprIas cadinho em que nos depuramos em sofrimento para alcançarmos a Perfeição.
covas.
Já começava a fazer~me a tal idéia quando uma noite, minha mulher entrou~me pelo a) COl~tHO :NI!'rC),
290 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 291

Depois de tantas inteligências esclarecidas se preocuparem com Como se vê, parece trama do alto, tal confusão. Parece ser um
o precioso assunto, depois de homens habituados com as complicadas desafio do mistério, tantos absurdos. Porém, na verdade, não é palpi-
leis da química, da física e da vida, enfim, homens de cerebração tante continuar a pesquisa começada? Não merecem a nossa atenção
portentosa, se terem embrenhado pelos dificílimos caminhos dos espi- permanente êsses acontecimentos que poderão abrir definitivamente a
ritualismo, depois do muito que soe conseguiu provar, definir e esta- porta do "outro lado da vida", onde estão aquêles que nos deixaram
belecer, assim mesmo, pouco se divulga o que acima de tudo mais saudades e nos acenam, onde estaremos depois de desaparecidos da
interessa à humanidade - a sobrevivência do espírito e sua manifestação. terra?
Os debates sôbre êste ponto fundamental, capazes de revolucio- Há alguma coisa. Tudo v-em provar que há alguma coisa. Fatos
narem as leis e a civilização, e de transformarem totalmente o conceito insofismáveis já foram verificados. Fenômenos desnorteantes, contra-
do Universo, continuam hoje como sempre. A dúvida paira sôbre dizendo as mais inabaláveis leis da natureza, foram corroborados.
tudo. O véu de 1sis e o manto de Cibele não foram levantados Talvez, alguns dêles, não pudessem constituir provas passíveis da mais
nem sequer na fímbria. O silêncio responde às perguntas ansiosas. rigorosa crítica. Mas, uma esplêndida maioria chega até nós com a
A luz que se projeta, vedam-na os preconceitos escolásticos; a teologia assinatura de homens que não podiam mentire nem podiam ser
denegrece-a com calúnias gratuitas, ironias maldosas, julgamentos sus- enganados.
picazes e opiniões pueris, como se não fôsse permitido ao humano Então, embora seja considerável o material conseguido, a respeito
pensamento penetrar apenas um milésimo na profundidade dêsse da luta e do trabalho de dezenas de anos, é de se conjecturar que, de
soberbo mistério. fato, há alguma coisa. Há um mistério. Há um problema seríssimo
Embora se considere que o homem nem sempre pode andar por prestes a se solucionar. ~ mister não desanimar. ~ preciso estudar,
êsses caminhos sem pisar em falso, pois o terreno exige condições penetrar aos poucos nessa fronteira de assombros que se denomina
subtilíssimas e o assunto de suma delicadeza, assim mesmo já se tem Além. Para tanto, é necessária a cooperação de todos. ~ preciso que
conseguido muito, s-endo que é ainda muito pouco para satisfazer às a verdade se sobreponha aos preconceitos inúteis. ~ preciso que se
exigências de todos. selecionem, ·estudem e colecionem os fatos verídicos, prováveis. ~
predso, em suma, reunir-se -o material esparso.
Por que? Talvez porque seja demais maravilhoso tudo isso!
Porque repugna nossa rudimentar e vaidosa concepção das coisas acre-
ditar que nosso corpo, tão minuciosamente vasculhado em todos os * '* *
seus segredos e, apesar disso, ainda tão cheio de mistérios e incon-
gruências, é apenas o invólucro de algo que o anima e faz viver. Quando analisados atentamente, nos seus múltiplos aspectos, os
Porque todos nós sabemos que o sono anula a consciência. Porque, fenômenos medianímicos ocorridos em Belém do Pará, a concepção
no decorrer de uma operação, a química conseguiu expulsar momen- que daí resulta paulatinamente aumenta e leva-nos a reconhecer-lhes
tâneamente aquilo que poderíamos chamar de alma. Porque as teorias perspectivas de alcance incalculáv·el. A princípio êles aparecem como
modernas cons-eguem estruturar uma esplêndida movimentação das simples comunicações tiptológicas; mas os fenômenos irão revestir as
células nervosas, das piramidais, dos neurônios. Porque existe um mais variadas e impressionantes formas.
sistema endocriniano. Porque uma infinidade de coisas vem zombar Depois dessas comunicações, seguem-se os fenômenos de encorpo-
de tudo, parecendo, à primeira vista, destruir no homem aquilo que rações, de transportes, de moldagens, etc., e, finalmente, sem nenhuma
êle teria de mais precioso - o espírito. interferência humana no encadeamento dos fatos, há uma contínua
Apesar de tudo, no meio de tôdas as famílias, sempre há um caso série de manifestações que se vão graduando nos seus efeitos, a fim
para contar. Há sempr-e um vulto que apareceu, uma batida que se de demonstrar a sua indestrutibilidade: as materializações dos espíritos.
não pode explicar, uma voz que disse qualquer coisa. Há sempre o São êsses, em suma, os extraordinários fenômenos observados pelo
fantasma de um morto que volta para dar um aviso e uma infinidade Sr. Eurípedes Prado, respeitável cidadão e conceituado comerciante
de misteriosos acontecimentos que, soe de momento impressionam, depois em Belém do Pará, obtidos graças aos dotes mediúnicos de sua espôsa
são classificados como alucinações resultantes de estados nervosos, efei- que, diga-se de passagem, "fôra mais uma vítima da caluniosa male-
tos de luz, coisas do calor, do frio, enfim anulam-se com precipitadas dicência, da perversa, atrevida e covarde ignorância dos rotineiros que,
conclusõ-es explicativas. temendo dar combate aos homens ilustres que dirigiram as experi-
AFINAL, QUEM SOMOS? 293
292 PEDRO GRANJA

êndas, tiveram a coragem de difamar pela imprensa e por todos os segurança que as hipóteses da impostura e da alucinação carecem de
meios inconfessáveis a honorabilidadedêsse íntegro casal, cujos sacri· base e que as aparições são objetivas e reais.
fícios eram todos em prol da ciência e do ideal sublimado". E Se estas provas não são suficientes para abrir os olhos a quem
não quer ver, temos ainda outras provas esmagadoras, permanentes, visí-
Porém, as agressões apaixonadas, produzidas pelo orgulho doen- veis e palpáveis, cuja produção transcende os meios físicos de que a ciên-
tio, pela vaidade nutrida de bazófia ignara, ou pelo espírito dominado cia e a habilidade humana dispõe. Referimo-nos às moldaRens ôcas e,m
por intolerância sectária, não merecem revides. A polêmica, em qual- p.arafína. pois são as mais perfeitas e completas, impossíveis de fraudar
quer dêstes casos, seria um desdouro; ao ofendido, ciente da sua nas condições da experiência e só podem ser obtidas pela desmateria-
elevada estrutura moral, nada resta senão juntar a tolerância às vir- lização das formas que as produzem, constituindo, portanto, provas
tudes que o exaltam. absolutas, irrecusáveis, inúmeras vêzes realizadas nas sessões do casal
Os ideais, porém, quando puros, são heróicos .. , Mar~ham irre- Prado, e que se obtêm pela seguinte forma:
sistiveltnente, arrastando ·em sua evolução natural os retrogrados e Em fr·ente do gabinete mediúnico, onde os espíritos devem aparecer
os ignorantes. ~stes se curvam, afinal, embora tardiamente. materializados, colocam-se dois vasos ou baldes fundos, um contendo
Cremos será desnecessário apontar qual a fonte que originou essa água fria e o outro uma porção de parafina dissolvida, que nesse
maldosa campanha. Declinando-se, apenas, o nome do autor, o leitor estado se assemelha à cêra derretida.
fàcilmente decifrará o resto: '''Padre Dubois"... Para melhor se Quando os espíritos se materializam aparecem à frente do gabinete
julgar essa promoção difamatória, torna-se aqui, em breve relato, mediunico e, em plena luz, mergulham a mão, o braço, a perna, o
antecipar o que em realidade acontecia. pé ou o rosto na parafina fundida. Assim que retira o membro
A circunstância dos fatos se apresentarem como derrogação às escolhido, êle vem coberto de tenuíssima camada de parafina que o
várias leis naturais, reclamava a atenção dos cientistas, dos intelectuais cobre como uma luva. Seguidamente mergulham o membro no vaso
e estudiosos de Belém, que incontinenti instituíram uma comissão para que contém água fria, donde passados alguns instantes, retiram-no,
averiguar a veracidade dos mesmos, colocando as manifestações em ficando a flutuar na água um exemplar ôco, reprodução fiel do mem-
quarenten~, embora, enquanto d~corriam .as, ~xper~ências, a iml?rensa bro moldado.
e o povo Imaginavam lendas e cnavam mlsterl0S sobre o maravtIhoso Qual seria o sêr vivo dêste globo que ousaria mergulhar a mão
dos acontecimentos. em parafina a ferver e quem, supondo possível sair imune dessa prova,
E assim é que "das investigações havidas, conta-nos minucios~­ conseguiria descalçar essa luva de nova espécie sem a inutilizar?
menteo Dr. Ndgueira Faria noseu já referido livro, nen.h?ma conc1u~u E note-se, a experiência dá sempre idêntico resultado, quer a mão
I1ela burla ou fraude. Uns aceitaram-na ín. tatum,. admItmdo a teoria tenha os dedos unidos, quer afastados uns dos outros, quer os dedos
dos espíritas e até se tornaram seus ardoros?s, defensores; ou~ros, cons- estejam dobrados sôbre a palma da mão, pois até se conseguiu um
tatando os fenômenos, não souberam exphca-Ios; alguns, a1nda, com belíssimo exemplar em parafina de duas mãos entrelaçadas.
restrições, opinaram p·ela autenticidade dos mesmos". 9,'Pr{)fess()rbJ,{~al<gff. . obteve interessantes moldagens ocas de
As exaustivas e pacientes investigações dos comissionados~ são de mãos cufaabertura apenas tinham as dimensôes do pulso, que neutra-
valor inestimável para a ciência espírita, pois despertou atença? para lizava inteiramente a possibilidade de fraude.
uma série de problemas que atingia.m dir:tamen;e ? desenvolVimento QJ:>rofessor.çç~ªreI.,ml1ºroSO possuía uma belíssima coleção de
teórico, analítico e prático das mamfestaçoAes pSIqUicas: . Es~larecendo mãos assim obtidas e que muito contribuíram para convencer os
à saciedade que tinham sido considerados todas as ra1~l1f1Caçoes. de sua incr'édulos.
estrutural complexidade, bem co~o o método de. ~ontrole expenmer;tal,
a comissão julgadora conc1um pela autentIcIdade dos refendos ºI>x,çªrlosJmbassahy, nome que já ultrapassou os foros de
nossa fronteira, numa de suas notáveis obras expõe o "por que" a
fenômenos. imprimiu, salientando-lhe que a "peleja é apenas no terreno científico".
Mas como o tempo decorria e a propalada acusação não se con- Embora o assunto Se desenvolva em renhida polêmica, enviamos parti-
firmava, porque a própria comiss,~o consi,dero? oS f.atos c~mo, s~ndo cularmente o leitor para a obra do Dr. Impassahy, pois, de resto,
"a expressão absoluta da verdade , vem a batIa a fIgura SlmpatlCa e reconheces-se-á que apesar das asperezas do assunto, soube o seu autor
engenhosa do Padre Dubois, baixando do seu alto pedestal para "con-
294 PEDRO GRANJA ÁFÍNAL, QUEM SOMOS? 295

Além disso, tinham as senhoras a s'eu cargo a tarefa de vigiarem sagrar uns minutos de estudo e arrasar essa manifestação sórdida e
especialmente o médium, "despi-lo antes de cada sessão para examina- diabólica" . .. (sic).
rem·lhe as vestes, sempre pretas, sendo de se notar qu os espíritos mate- E, no entanto, S. Rev., nem arrasou nem provou algo de udl ...
rializados apareciam vestidos de branco. Por excesso de precaução Só uma coisa verdadeiramente poderosa conseguiu: confusão. Soube,
metiam-no dentro de uma "gaiola" fechada e lacrada, e um dos pre- também, lançar um rosário interminável de guinholescas excomunhões,
sentes não largava a chave". em aziumes pueris, que envergonhariam até uma angélica criança!
Foram nessas condições - rodeado por um ambiente hostil, indi- O fato dêsse Reverendo exprimir-se de modo tão agressivo, constitui
ferente, heterogêneo e, sobretudo, desconfiado, quando soubemos nós um insulto à inteligência das grandes mentalidades que êle não compre·
que a afinidade de vibrações é fator colaborante para o bom êxito ende e nunca chegará a compreender.
dêsses trabalhos - que por intermédio do médium se produziram, à Basta, aliás, para satisfazer o senso geral do estudioso, o minu-
meia·luz, numerosos f.enômenos, desde aparições fosforescentes até cioso cuidado com que a comissão se cercou ao reconhecer as agruras
formas perfeitamente materializadas. A formação era, de início, gra- de tais estudos pela sua elaboração ignota e difícil.
dual e operava-se à vista dos assistentes. Só depois de várias experi- Vejamos melhor:
ências é que os sêres invisíveis conseguem se materializar, e falam, De início só a parte fenomenológica apresenta verdadeira cilada
caminham de um para outro, apertam as mãos dos assistentes. "lnter--' aos pesquisadores, a exigir melhor diligência na análise e na compro-
rogadas,cli:z(}RJ::J':'T2g11~igfªria,declaram ser pessoas que viveram". vação dos fatos. Foi através dessas astúcias que êles depararam com
na terra, espíritos desencarnados, cuja missão é nos mostrar a exis- o maravilhoso, cuja magnificiência não podia suprir o que lhes faltavam
tência da outra vida". no conhecimento do supranormal. E ainda semideslumbrados pela
As identidades de dois espíritos se estabeleceu com precisão: a amplitude dêsses estudos é que o ])~'. Nogueira Faria e seus colegas
de João (3), falecid() parente clafatuília Pracl(); a de Raq1f:eifligner, vêem surgir a público, através da imprensa local, a grotesca ignorância
reconhecida pelos seus pais, Sr. Frederico Fignere D." Ester Figner, do Padre Dubois, que inteiramente alheio à complexidade dêles e sem
e suas irmãs presentes às quatro sessões em que se materializou Raquel o menor respeito à dignidade humana, classificando-os de ignorantes
e ineptos se propõe a resolver, com seu pater c!ixit, "as questões defi·
logo após o seu desencarne.
nitivas sôbre o assunto" ...
Numerosas provas fotográficas atestam a veracidade dêsses fatos, Saneta simplieitas! "As questões definitivas" em assuntos desta
não só confirmando a semelhança entre o João vivo e o materializado, ordem constituem, como se vê, a maior das temeridades.
como Raquel ainda reproduziu a pose' de sua última fotografia retra-
Esqueceu.se, porém, S. Rev., que o pater dixit, na época de hoje,
tada em vida. Mas, se
estas provas não bastam para convencer os
perdeu o seu prestígio, porque todo ente humano é um sêr pensante
cépticos, temos as fotografias de espíritos invisíveis para os circuns-
emancipado, não comportando atualmente tutelas espirituais dêsse
tantes e apenas perceptíveis para a objetiva da máquina, diretamente
naipe, pois somente os ,ª.~as.!arclados nlOralmetlte transferem a terceiros
tiradas pelo espírito de João: são as "fotografias diretas". a prerrogativa de pensar por si: ,. , '" " '
Darse·á o caso de que também a objetiva fotográfica esteja sujeita Se assim não fôra, não seríamos dotados de inteligência e racio-
a alucinações? cínio - ou seja: razão, sentido prático e, sobretudo, livre arbítrio
As fotografias dos espíritos são, portanto, provas indiscutíveis, - que asseguram ao homem o govêrno consciente de si mesmo, com
incontestáveis, provas, como diz Gabriel Delanne, absolutas; provas, os gravames que isso acarreta pelo seu bom ou mau emprêgo.
certamente, que ultrapassam quase tôdas as outras e demonstram com O pater dixit, porém, esqueceu de os mencionar...
Mas, infelizmente, não fôra dado à Sra. Prado receber, em vida,
(3) Em homenagem à data de 24 de junho, dia de São João, e em virtude de uma o reconhecimento dessa reparação. Com a saúde combalida, assim
manífestação ínteligente ser produzida pelo espírito, cujo nome permanecia ainda incógnit?, mesmo se prestava, quase todos os dias, às rudes provas que a subme-
recebeu dos assistentes a denominação de João. Quando, mais tarde, o espírito que atendia
por êsse apelido conseguiu se materializar, foi prontamente reconhecido pela família como tiam em holocausto à ciência. Era perante numeroso público, composto
sendo F~.LISMIN()!"E<':ARV:~Ll!()R!'i!!,Lg,!igq~Sr~.R!~q?,.?lllé\Ii':'Ill' qesencarllado havi~ dos homens mais cultos de Belém - médicos, advogados, engenheiros,
lllai§ Ao :vjnte:anos: ~ Jlsse fàto foi comprovado, depois, pelos assistentes, vísto a família
~Prà:cfó possuIr'" umã fotografia do referido Sr. Felismino, e graças, também, à perfeita magistrados, governador de Estado, ministros, prefeito da cidade,
materialização do espírito. Daí em diante; atendendo à familiaridade dos que o conheciam
por João, a entidade do Além conservou-o como pseudônimo. embaixadores, professôres, etc. - que as materializações se realizavam.
2% PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 297

abordá-lo elep:antemente e def.endê-Io dentro dos lindes preestabelecidos Os que aceItam a teoria espírita, por sua vez, interrogam os
pela ciência e filosofia. . incrédulos perguntando-lhes como um sêr humano se desembaraçaria
Referindo-se aos casos de moldagens, diz o encíclico autor: da luva, conservando-lhe a forma sem distorções? E êsse particular,
na verdade, deixa perplexo aquêle que examina minuciosamente o tra-
"No Congresso Esniritualista realizado em Paris, no ano de 1900, balho. De fato, o molde reproduz os mínimos detalhes da mão, coisa
o Dr. Bayo!, senador das Bôcas dos Ródano, ex-governador do Daho- que não seria possível acontecer se a que serviu de modêlo não se
mey, expunha os fenômenos de materialização de que êle foi teste- livrasse dela, uma vez pronta e esfriada, desmaterializando-se.
munha em Ades e em Eyguiêres. O fantasma de uma jovem romana,
Acella- cujo túmulo se encontra em Arles, na França, no antigo cemi- Porém, os incrédulos,depois de esgotados todos os recursos, che-
tério de AIiscamps, materializou-se, a ponto de dei~ar a impr~ssão do garam à conclusão de que o mesmo fenômeno poderia ser feito com
rosto, em parafina fervendo; essa impressão não foi feita em côncavo, luvas de borracha, momentâneamente cheias de ar, pois que uma vez
mas em relêvo, o que seria impossível, se praticado por um sêr vivo"(4). recobertas de parafina, esfriadas e esvaziadas, seria possível a apresen-
tação da luva.
__ Q_J)r.Ql,!~ti!YQ . G:dç,x,çºm.. .Q .....msç!i!;!!n . !sIH~ls.i., . . t~.ml:J.~m . E9!1~~g.!:!i_!:1,
i"mç()l1d}ções .ele..exc.epcil)11aI tig()r, 11l1H!ç,rosa,s . espécies. dÇ,ll1Q!<lllg~l1s Para oS que crêem na realidade dos fenômenos espíritas, muito
cujas fotografias vêm insertas no seu interessante livro. Eis como êle simples foi rebater essa "engenhosa" explicação. Apenas se exigia
descreve o modo operatório: dos que pretendiam reproduzir o trabalho dos espíritos seguindo tal
"Um vaso ou balde, flutuando sôbre água quente, contém para- plano, o seguinte: que o fizeram nas mesmas condições impostas aos
fina fundida. íle é colocado perto do médium durante as sessões. médiuns, isto é, encerrados num compartimento, cabine ou "gaiola"
A entidade materializada mergulha a mão, o pé, ou mesmo a parte de ferro ou madeira, ou então costurados dentro de um saco; e final-
do rosto, por várias vêzes, na parafina. Quase instantâneamente se mente apresentado o molde todos os detalhes anatômicos da mão -
forma um modêlo exatamente aplicável ao membro escolhido. Êste as unhas, as saliências, as reentrâncias, as linhas, etc.
molde endurece ràpidamente no ar ou em contacto com água fria Ê fácil concluir que tal convite ainda não foi aceito por homens
contida no outro vaso ou balde. Depois a parte orgânica em jôgo de carne e ôsso, isto é, encarnados ...
desmaterializa-se, e abandona-o aos experimentadores.
Examinadas essas matr~zes por modeladores profissionais, decla- Só os espíritos materializados podem realizar tais prodígios, porque7
raram que, evidentemente, se tratava de mãos vivas, únicas capazes de só êles têm a faculdade de se materializarem e desmaterializarem de>
produzir semelhantes modelagens. Não se pode, pois, explicar êsses um instante para outro, consoante a sua vontade.
trançados de dedos, a não ser concluindo que a mão materializada As moldagens em parafina e as fotografias dos espíritos, que se
envolta da parafina se haja desfeito qual uma nuvem. podem conservar indefinidamente e que foram publicadas ·em nume-
Ressaltamos, ainda, esta importantíssima ocorrência: Numa das rosos livros, inclusive no do Dr. Nogueira Faria, são provas convin-
experiências, as pessoas presentes diziam: - Queremos a moldagem centes que documentam essas experiências, a fim de demonstrar que
até o cotovelo. Outra pedia: - Queremos um pé de criança. Geley, os sentidos não são iludidos quando atestam a existência real dos
então impacientemente, disse: - Por que não as costas? Algum tempo espíritos.
depois houve um grande froco na água que salpicou os assistentes;
era a modelagem em parafina de costelas. Mas tão finas e tão frágeis Para todos ê evidente, exceto para os cegos, que moldes de mãos
que não puderam ser modeladas" (5). fechadas, introduzidas na parafina, formando luvas dessa espécie,
exige a desmaterialização, no interior do molde, das mãos que aí pene-
Charles Richet, positivando o assunto, diz mais : "sue Geley obteve
traram, isto é, só mãos fluidicamente materializadas podem se separar
com Kluski surpreendentes exemplares que tôda a habilidade mecânica
dos modeladores não poderiam reproduzir e que só se explicam pela do molde. Tôda contestação torna-se, pois, inútil: a produção
desmaterialização de formas moldadas" (6). moldes em parafina ligada à fotografia dita espírita, constitui prova
objetiva da ação de uma força inteligente à parte do organismo visível,
o que consolida definitivamente as nossas inv.estigações.
(4) Carlos Imbassahy - "O Espiritismo à Luz dos Fatos", ",pud "Compte rendu du
Congrés Spiritualiste InternationaI de 1900". Por outro lado, não se pode fotografar uma alucinação, nem a
(5) Gustavo Geley - "Ectoplasmie et Clairvoyance".
(6) Charles Ricbet - "A Grande Esperança". chapa fotográfica pode estar alucinada, pois que a objetiva não se
PEDRO GRANjÁ AFINAL, QUEM SOMOS? 299

sugestiona e as chapas são virgens, sem defeitos, não havendo dupla xar-se fotografar; 6.').) o ministro do Japão, Sr. Kouma Horigoutchy,
exposição das mesmas. assina a ata da sessão. João e Anita ofertam ao sr. ministro os moldes
feitos por êles; 7.'» as maravilhosas materializações de Raquel Figner,
O aglomerado dessas provas e os seus efeitos é o que consolida realizadas em quatro sessões.
a base de tôdas as experiências realizadas em Belém do Pará; e é o que
a distingue a distancia da calúnia. Os fatos, embora ridicularizados Vamos, pois, sem mais delongas, aos fatos:
pelas serpentes do ódio e da inveja, hoje se encontram reabilitados como
depositário seguro de um passado de sacrifícios e de renúncias. Cabe-
-nos, portanto, o mais alto dever de guardar e proteger a tãoexpres- PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES
sivo sacrifício à ciência, tornando-o inviolável, e assim o transmitir,
TIPTOLOGIA E TRANSPORTES
devidamente glorificado, às gerações futuras.
Não s·endo as "almas portadoras da verdade" que se incumbe Sessão realizada em 12 de junho de 1918
humilhar diante dos que a procuram, devemos pois elevar os nossos
pensamentos à Sra. Prado, em sinal de reconhecimento e gratidão. " ... Uma noite recebemos pela tiptologia o seguinte ditado:
- O médium deve se concentrar pois vou fazer uma surprêsa.
Não tenham receio. O médium dormirá - mas bastará tocar-lhe a
* '* * fronte com um pano molhado que logo despertará.
As experiências que vamos transcrever foram inseridas nos seguin- Feita a obscuridade, o médium adormeceu e sem demora uma pan-
tes livros: "Q]).. ªºªn!Q(:lg~J~!QJ:Jº§::,g9P:t:,~ºgl!fjt:ª"J:<:ª:t:!,ª; "O cada anunciava a realização da surprêsa. Dando-se luz, encontramos
Que Eu Vi", de Ettore Bosio; e em vários jornais de Belém, como uma flor sôbre a pequena mesa que servia para receber as manifestações,
por exemplo a "Fôlha do Norte". Constituem, pois, investigação emi- flor transportada do jardim.
nentemente sadias e os documentos acontecidos atestam as resultantes Essa espécie de fenômenos, denominada transporte, repetiu-se
dos fatos - as materializações dos espíritos. freqüentemente, em crescente intensidade, chegando a aparecer mais
Os estudos, oriundos de homens como o Dr. Nogueira Faria, de vinte flôres na sala cuidadosamente fechada".
advogado e ex-prefeito da capital de Belém, e o Sr. Ettore Bosio,
industrial, escritor, compositor e figura de destaque social, podem elevar
MOLDAGENS EM PARAFINA
a significação de tôdas as provas acumuladas, a não ser que os sofistas,
insensatamente, se atrevam a emitir conceitos errôneos, avançando até Sessão realizada. em 28 de setembro de 1919
onde a imaginação os conduza.
Não é também para os que, aos testemunhos dos homens e da " ... Seguramente hora e meia depois, o espírito-auxiliar anunciou
ciência, opõem o non plus ultra de sua opinião pessoal ou religiosa, que João (7), espírito guia, ia terminar a primeira parte dos trabalhos.
que vamos transcrevê-las; mas sim para os que, libertos dos precon- Uma campanhia ficara próxima dos baldes, mas fora da grade.
ceitos, abrem a inteligência ao estudo de todos os fatos, demonstrados Sentiu-se que era como que forçada. O Sr. Eurípedes indagou a razão,
em anos de experiência e conclusivos pelo corpo de provas reunidas. e a explicação não se fêz esperar:
Em primeiro lugar, procuraremos transcrever pela ordem natural - :Ê que colocaste a campainha longe da grade, distante do mé-
dos acontecimentos as manifestações havidas, embora somente citando dium, cuja emissão fluídica quase não a atinge. João luta com dm-
um caso de cada gênero. :Ê o seguint.e o método mantido por nós: culdade para penetrá-la de fluidos, a fim de fazê-la vibrar. Mas
1.'!-) Tiptologia e transportes; 2.'!-) moldagens em parafina, sem espere. Êle é teimoso.
se ver o espírito que opera; 3.'» primeira materialização de João e Cinco minutos mais e o som vibrante da campanhia tiniu diversas
moldagens feitas por êle; 4.'» primeira materialização de Anita; vêzes, alegremente, como anunciando a vitória absoluta dos esforços
5.'» moldagens em parafina, de flôres e da mão de Anita, cujo espírito do espírito.
materializado percorre o aposento e ajoelha-se, cantando um hino reli-
gioso. João materializa-se, paLestra com os assistentes e promete dei- (7) Vide nota n. Q 3, pág. '292.
300 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 301

- João está satisfeito, disse o seu companheiro do Além - eis Por alguns instantes, entretanto, ficou apenas uma espeCle de larga
porque a campanhia soou tantas vêzes. Cobri o rosto do médium e
faixa branca, em tôda altura da grade. Fora desta começou a aparecer
abri as luzes. outro vulto, sendo ainda a vista penetrante do Sr. João Alfredo de
Fêz-se isto e razão de sobra tinha o espírito de João para ma- Mendonça, a primeira a distingui-lo. Nesse momento o espírito, por
nifestar a sua imensa alegria: dentro da gaiola pregada ao solo, os meio de baques na grade, pediu música. A s,eguir êste último vulto
dois baldes; o de parafina, vazio, e no outro um molde de mão elevou-se em tôda a altura do gabinete, tomando nitidamente a forma
humana com os dedos curvados - e um formoso ramalhete de rosas humana de uma jovem, tipo cabocla, vestida de blusa e cinto de côr,
angélicas!
saia meia e sapatos brancos, sendo que seus passos não faziam ruído.
Simplesmente espantoso". Aproximou-se das extremidades do círculo dos assistentes, apertando
as mãos do Sr. Euripedes Prado e Sra. Pedro Bastos. De quando em
PRIMEIRA MATERIALIZAÇÃO DE JOÃO quando espalhava os longos cabelos sôbre os ombros.
Sessão realízada em 28 de deumbro de 1919 Era de estatura regular, quase alta para uma mulher, de com-
pleição mais forte que a do médium.
" ... Ficou O aposento à meia-luz de uma lâmpada verde, suficien-
temente claro. Dentro de um quarto de hora, talvez, viu-se pequeno Meia hora, talvez, demorou à nossa vista, ora andando, ora apoian-
núcleo fluídico luminoso que oscilava no reposteiro, na abertura central do-se à entrada da armação, colocando a outra mão à cintura. Convém
Em pouco, tomou a forma esguia de um braço,acenando-o levemente notar: enquanto a jovem habitante do A'lé.rni se mostrava perfeitamente
e desapareceu. Passados mais alguns segundos, vimos, surpresos, como- materializada, dentro da grade permaneci,a junto do médiuml o vulto
vidos uns, inteiramente s'erenos outros, aparecer à esquerda o espirito branco e, à altura da cabeça dêste, o floco níveo a que aludimos. Antes
perfeitamente materializado, enquanto que se apresentava à abertura de desaparecer, o espírito ajoelha-se, orando e erguendo as mãos para
central uma faixa branca, de largura talvez de meio palmo, fronteira o alto como quem aponta o céu.
à grade em que permanecia encerrado o médium, como que velando
Desaparecida que foi a moça, começaram os assistentes à distin-
por êle (8).
guir nova materialização. Daí a instantes saía do gabinete, sempre
Uma, duas três, quatro vêzes e mais o espírito se fêz ver assim, aberto à vista observadora daqueles, o espírito materializado de João.
nítido, perfeito, ora aparecendo na abertura da esquerda, ora na aber-
tura central.
°
Vestia calça e paletó, um pano branco envolvendo cabelo e amarrado
sob o queixo, pés calçados de uma espécie de meias brancas. Depois
Simplesmente estupendo. Movimenta-se, abria os braços apon- de ir e vir ao longo do intervalo entre o gabinete e os assistentes, apertou
tando para cima, como quem indica o céu, tendo atitudes amigas para as mãos dos Srs. Manoel Barbosa Rodrigues, Nogueira de Faria, Eurí-
os assistentes. pedes Prado, tocando ligeiramente na do Sr. Amazonas de Figueiredo.
Ajoelhou-se várias vêzes - mas subitamente provocou uma cena Pedindo-lhe o Dr. Jaime Aben-Athar que apertasse as suas, respondeu
verdadeiramente tocante. Ajoelhado, convidou num gesto aos assis- com um gesto que não.
tentes para que o fizessem,elevando as mãos postas em ação de Nesse momento, êste facultativo observou: "êle está de calças".
graças! Alguns dos assistentes, especialmente as senhoras, tiveram
O espirito como que para confirmar o que o Dr. Jaime Aben-Athar
lágrimas de comoção".
observara, apanhou uma cadeira que se achava próxima à senhora
Pedro Bastos, colocou o pé direito sôhre a mesma, e, pousando o
PRIMEIRA MATERIALIZAÇÃO DE ANITA
cotovêlo sôbre o joelho e o queixo sôbre a mão assim apoiada, disse
Sessão realízada em 4 de maio de 1920 em voz abafada algumas palavras ouvidas por todos, mas nem por
todos percebidas ...
" ... Em seguida, começou a formação de um vulto sendo o primei-
ro a distingui-lo o Sr. João Alfredo de Mendonça, que para o fato ... Antes de terminar os trabalhos, João suspendeu novamente as
<.hamou a atenção do Dr. Nogueira de Faria, sentado junto a si. cortinas da frente, imprensando-as nas próprias grades do comparti-
mento lacrado em que estava o médium. Disse, então, adeus, sacudin-
do repetidas vêzes uma espécie de lenço, seguindo-se o despertar do
(8) Bra a primeira materialização de João.
médium, pelo próprio espírito materializado... "
302 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

ANITA CANTA UM HINO SACRO E JOÃO PROMETE FOTOGRAFIAS Geralmente abandonava o trabalho, indo ao gabinete, em cujo interior,
dentro da grade fechada e lacrada, aquêle permanecia".
Sessão realizada em 17 de abril de 1920

" ... Alguns minutos mais e se distinguiu a formação de outro


ANITA RECLAMA A FALTA DE TESOURA
vulto que pouco a pouco tomou as formas distintas e perfeitas de
uma moça.Et~.t\.l1ita, que assim se diz chamar o espírito feminino Sessão realizada em 24 de abril de 1920
que vem trabalhando com João. Depois de uma leve hesitação, deixou
o gabinete, dirigindo-se ao' Sr~ Eurípedes Prado a quem tomou a mão " ... Indagada pela pequena mesa, destinada às manifestações tipto-
direita, levando-a aos lábios. lógicas, se tudo estava bem, o espírito respondeu afirmativamente,
pedindo que colocassem uma tesoura junto ao balde de parafina. Feito
Encaminhou-se para uma das pessoas, e saudou-a af.etuosamente. isso, dentro em breve começou a formação fluídica, a princípio no
Todos a viram: trajava de branco, saia e blusa, tendo os cabelos interior da grade, depois ao lado desta, de um vulto de moça. Era
longos e lisos apertados por uma fita, também daquela côr. Estava Anita, com os s-eus longos cabelos soltos, vestindo-se de branco, meias
perfeita. Depois de passar e 'repassar ao longo da filai de assistentes, brancas e sem sapatos. Dirigiu-se ao Sr. Eurípedes, que estava atrás
dirigiu-se à banca onde se encontravam os utensílios mencionados das filas dos assistentes, apontando-lhe uma cadeira, a da extremidade
antes e começou a trabalhar em parafina. Via-s'e que mergulhava a esquerda, gesto que foi atendido por aquêle senhor.
mão direit~ no balde de parafina a ferver, e logo depois no outro,
Depois de vista pelos assistentes, encaminhou-se para os baldes,
de água fna, para arrefecê-la e dar-lhe consistência.
ajoelhando-se para trabalhar melhor. Viu-se que procurava no soalho
Mostrava seguidamente o punho, tendo a mão envolta em camadas alguma coisa. levantou-soe e disse ao Sr. Eurípedes, de modo a ser
daquela matéria. Antes de retirar o molde, estendeu o braço coberto ouvida pelos que lhes estavam próximo,a palavra tesoura. "Está
de cêra até o punho, deixando-o cair no balde de água fria, e o levou junto ao balde" - respondeu-lhe o Sr. Eurípedes. Mas ao procurar
para o Sr. Eurípedes Prado. ÊSse molde tem o feitio de uma delicada a tesoura solicitada, sôbre a mesa, encontrou-a; entregando-a,então,
mão, pequenina e gorda. Confeccionou ainda flôres de cêra, deposi- ao espirito que veio recebê-la, o qual volveu à confecção dos trabalhos
tando-as dentro de um dos baldes. em parafina ...
. . .Anita fêz ainda mais uma flor, oferecendo-a a uma senhora
Depois percorreu por duas vêzes o aposento, no intervalo, aliás
que pela primeira vez vinha aos trabalhos. Ouvia-se o ruído da tesou-
pouco espaçoso, entre a assistência e o gabinete. A seguir se ajoelhou
ra, por ela utilizada. Sentou-se,estendendo um dos pés, de modo a
entoando, como em ação de graças, um cântico religioso. Êste cântico
ser distintamente visto, sendo que os assistentes que se encontravam à
comoveu até as lágrimas algumas senhoras. levantou-se mal dizia as
esquerda distinguiam melhor os fenômenos. Depois, ajoelhou-se em
últimas palavras e penetrando no gabinete desapareceu ...
atitude de quem ora e recolhendo-se ao gabinete, desapareceu à vista
· .. Desfeito o vulto de Anita, ràpidamente surgiu materializado de todos.
o espírito de João. Trajava túnica branca, apertada à cintura, e Daí a momentos João apareceu. Vestia calça, colêtee paletó.
capuz branco ... Porque não distinguisse bem o colête, o Dr. Carlos Nascimento pediu
· .. Seguiu-se, então, entre o espírito e os assistentes que se encon- ao espírito que lho mostrasse. João abrindo Ü' paletó, deixou ver o
travam na primeira fila a troca de algumas frases, perfeitamente audí- colête, de côr cinzenta; isto é, viram-no perfeitamente os 51'S. Nogueira
veis. Prometeu deixar-se fotografar, tomando a posição em que o de Faria, Carlos Nascimento e Eurípedes Prado".
faria. Ao anunciar isto, levantou os braços e exclamou "puff" ! para
indicar a explosão do magnesium ...
O MINISTRO DO JAPÃO SR. KOUMA ASSINA A ATA
· .. Nesse instante o médium tossiu insistentemente. logo, solí- DOS TRABALHOS
cito, o espírito deixou a assistência, passando para o gabinete. Daí a
Sessão realizada em 14 de lunho de 1920
instantes voltava, exclamando de modo distinto: Não há novidade! . ..
· .. O que sobretudo impressionou a assistêr.cia foi a solicitude que Por êsse tempo visitava Belém Ü' Sr. Kouma Horigoutchy, ilustre
demonstrou pela saúde do médium - fato que se observa sempre, ministro japonês acreditado junto ao govêrno do Brasil, em viagem
304 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 305

de estudos ao norte do país, tendo S. Exa. a oportunidade de assistir deduzir as garantias de autenticidade que nos apresentam as teste-
aos trabalhos do casal Prado. munhas e concluir, finalmente, dentro da lógica e do bom senso, se
a causa dos fenômenos foi dependente de qualquer interferência
" ... Com efeito, passados alguns minutos, ouviu-se o médium falar
humana, ou se os seus efeitos derivaram da ação exclusiva de uma
debilmente ao Sr. Eurípedes que pedisse ao Dr. Virgílio Mendonça
vontade inteligente, de uma personalidade, de um indivíduo à parte.
para se aproximar. Êste, então, solicitou ao espírito para convidar
alguém que tivesse ido àqueles trabalhos pela primeira vez. Atenden- l. Q ) Há logo de início um fato que nos causa impressão: é o
do-o, o espírito convidou o sr. ministro Kouma. Ambos virami ao lado transporte de uma flor conseguido pelo espírito. No decurso das expe-
do médium, o espírito materializado dentro da grade. riência, a repetição do mesmo fato se vai ampliando até conseguir o
Cêrca de vinte minutos depois, saiu do gabinete o espírito de espírito, numa sala hermeticamente fechada, transportar ma-is de
João: trajava-se de prêto, calça e paletó, capuz branco, descalço. vinte flôres.

Apertou fortemente a mão do Dr. Virgílio Mendonça e de leve 2. Q ) Vêm, depois, as moldagens em parafina sem que o espírito
a do Sr. ministro japonês. se torne visível aos presentes, sempre na mesma ordem, de modo
espontâneo, sem hesitação, êrro ou confusão.
. . .Ia e vinha pela sala, abria os braços, expondo-se distintamente
a todos. Depois empenhou-se no trabalho da parafina, mostrando a 3. Q ) Surge a primeira materialização do espírito; e, segundo com-
mão revestida de cêra e tocando-a os Drs. Martins Pinheiro, Justo provação unânime dos assistentes, verifica-se que o sêr delineado tinha
Chermont e Virgílio Mendonça. Pronto o molde, João o entregou gestos e atitudes próprias, embora ainda imperfeito. No início do
a um dos assistentes e êste ao Sr. Kouma. Aproximou-se, ainda, por processo de materialização, viram os presentes um núcleo fIuidico lumi-
diversas vêzes do círculo, tendo feito outro molde ofereceu-o nova- noso (9) e depois de materializado o espírito-, também viram uma faixa
mente ao Sr. Kouma. Alguns dos assistentes, entre os quais o Dr. branca (10) fronteira à grade em que permanecia encerrado o médium.
Amazonas de Figueiredo, Pedro Bastos e senhora, Nogueira de Faria, Apareceu a forma materializada quatro vêzes, perfeita, de movimentos
Virgílio Mendonça, pediram-lhe que trouxesse Anita. João recolheu-se livres, erguia os braços apontando para cima, como quem indica o céu
ao gabinete e dentro em pouco via-se aparecer uma moça, aparentando e tinha atitudes amigas para com os assistentes. Ajoelhou-se, convi-
15 a 16 anos, vestida tôda de branco, saia e blusa, longos cabelos soltos. dando os presentes para que a imitassem.
Ajoelhou-se, orando; levantou-se caminhando desembaraçadamente, 4. Q ) Em cada experiência que se efetua o espírito consegue se
sendo vista por todos. Assim estêve durante um quarto de hora, talvez materializar melhor até atingir a perfeição de formas e depois ser
mais. Tomou o leque das mãos da Senhora Pedro Bastos, indo abanar identificado.
o rosto do Sr. Kouma, que parecia merecer-lhe as honras da noite.
Ao ser restituído àquela senhora, o leque ficara ligeiramente umedecido 5. Q ) Quando Anita, outro espírito, se materializou pela primeira
no punho. Estava tão bem materializada que, na claridade enfraque- vez, a faixa branca que envolvia o médium foi notada pelo Sr. João
cida do aposento, se distinguiam suas feições. Deu ainda algumas voltas Alfredo de Mendonça e Dr. Nogueira Faria, e durante todo o tempo
e recolheu-se ao gabinete, desaparecendo ... em que Anita estêve materializada, isto é, por mais de meia hora,
dentro da grade permanecia o floco níveo a que aludimos. A jovem,
... Belém do Pará, 14 de junho de 1920. (aa.) Kouma Horigou-
tipo cabocla, que aparentava 15 a 16 anos de idade e se trajava à moda
tchy - Virgílio Mendonça - Justo Chermont - João José Teixeira
do interior, aproxima-se dos assistentes, aperta as mãos do Sr. Euri-
Marques - Amazonas de Figueiredo - Pedro Rodrigues Bastos -
pedes Prado e da Sra. Pedro Bastos e, num trejeito bem feminino,
Pedro Paulo Pena e Costa - Napoleão de Oliveira - Apolinário
alisa e esparge os longos cabelos sôbre os ombros. Devemos também
Moreira - Ettore Bosio - Pedro Borges - Nogueira Faria, e outros.
salientar que era. de estatura regular e de compleição mais forte que a
do médium. Antes de desaparecer ou seja desmaterializar-se, Anita
* '* '* ajoelha-se e ora, erguendo as mãos para o alto como quem suplica ao

Cumpre-nos, agora, sustar por alguns instantes a série de trans- (9) Condensação ectoplásmica. Vide explicações às págs. 93 e seguintes, 134 e se-
crições que vimos fazendo a fim de se analisarem os principais fenô- guintes e 169 e seguintes.
(lO) Fluido vital. Vide explicações às págs. 93 e seguintes, 154 e >eguinte, e 169
menos ocorridos, considerar o conjunto dos fatos, meditar sôbre êles, e seguintes.
306 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS?

céu. Logo reaparece João, aperta as mãos dos assistentes e como o


Dr. Jaime Aben-Athar observasse que "êle está de calças", pega uma a essa falta de solidez em que se baseiam os nossos contraditores ao
cadeira para apoiar o pé, tornando-se dêsse modo mais visível aos formularem as "hipóteses" que imaginam.
presentes, dizendo-lhes em voz algo abaifada algumas palavras ouvidas ?!a,. conside~ando-se que tôdas as hipóteses estão em oposição às
por todos ao se despedir. expenenCIas, cons!derando-se. que as investigações experimentais, havi-
6. 0 ) Ê conveniente frisarmos que ambas as materializações têm das ~om todo o ngor e probIdade, levaram à realidade dos fenômenos'
atitudes, gestos e expressões diferentes, e que se tornam mais convin- c~nsIderan.do-s.: que a comissão julgadora era composta, como já ficol~
cent,es à medida que as experiências progridem. dIto, de. Cldad~os .de c~l~r~ e set;so, somos obrigados a concluir que,
nestas Cl~cun~tanClas, e lndIspensaveis admitir a intervenção de uma
7.0) Anita aparece novamente. Estava perfeita. Depois passou vont~e tnte~tgente, e que, Se essa vontade dava provas de inteligência,
e repassou ao longo da fila dos assistentes e canta um hino religioso, ~la nao podmemanar senão de uma personalidade, de um indivíduo
antes de se ir. Surge João que promete deixar-se fotografar, e como a parte.
o médium tossisse insistentemente, êle, solícito, incontinenti dirigiu-se
para o gabinete, e, voltando logo, exclama de modo distinto: "Não Em resumo:
há novidade"! Para qual9uer pessoa cuj? espí~ito, liberto de preconceitos, assegu-
8. 0 ) João convida o Sr. ministro Kouma para s,e aproximar até ra-lhe pl~n~ h~erda~e de. onentaçao, estamos certos de que os casos
ao gabinete mediúnico. O Dr. Virgílio Mendonça e o Sr. ministro de n::atenahzaçao ate aqUI apresentados com o beneplácito da ciência,
Kouma, ambos viram aO' lado do médium, o espírito materializado, seleClonados entre centenas dêles, bastarão para lhe dar a convicção
dentro da grade (11). Saindo do gabinete, João aperta as mãos do de que, além do mundo em que vivemos, há um outro, desconhecido
Dr. Virgílio e do Sr. ministro Kouma. Caminhava entre os presentes, pelo vulgo, e que a moderna ciência espírita experimental começa a
abria os braços, fêz um molde da mão em parafina e entregou-o a um entrever, mundo cuja realidade se impõe com lógica irresistível às
dos assistentes para ofertá-los ao Sr. ministro. Como todos recla- inteligências livremente orientadas.
massem a presença de Anita, João recolheu-se ao gabinete para ela Para aqu~les, porém, a quem os preconceitos obcecam por tal
aparecer. Anita tirando o leque das mãos da Sra. Pedro Bastos, foi forma que, aCIma de todo o testemunho, ainda duvidam da veraci-
abanar o rosto do Sr. Kouma, a fim de homenageá-lo também. Finda dade ~o~ m~smos, vamos transcrever, quase na íntegra, as maravilhosas
as manifestações o Sr. ministro do Japão assina a ata dos trabalhos matenahzaçoes de RAQUEL FIGNER, referendadas pelos seus progeni-
realizados nessa noite. tores? Sra. Ester e Frederico Figner, divulgadas pela imprensa local e
Temos a considerar, portanto, que a vida dêsses fenômenos, confir- pubhcadas nos livros do Dr. Nogueira Faria e Ettore Bosio (12).
mados pela percepção de homens amestrados no exame frio das inves- E assim, se o testemunho frio dos homens e da ciência não con-
tigaçõese fruindo,em suma, a plenitude de seus s,entidos, não podem seguir abalar a incredulidade daqueles que ainda duvidam, talvez o
ser quiméricas. possa o testemunho materno, real e sublime pelo qual passaram os
Querer explicá-los como "manifestação inconsciente de um cérebro corações angustiadíssimos dêsses pais.
doentio", como "f.enômenos subj etivos", ou como "mistificação", não
é coisa admissível nestas circunstâncias. AS MARAVILHOSAS MATERIALIZAÇõES DE
Seria, porventura, a "manifestação inconsciente de um cérebro RAQUEL FIGNER
doentio" capaz de realizar tão pasmosos efeitos, sem se chocar em
qualquer obstáculo? Os "fenômenos subjetivos" seriam, por sua vez, PRELIMINARES
tão bem coordenados que iriam impressionar mentes que "não queriam, Sessão realizada em 1! de maio de 1921
em hipótese alguma, admitir os fenômenos"? Quanto à classificação
de "mistificação" é por demais pueril, não merecendo sequer s,er tomada ... "O espírito de João se tornou nitidamente visível.
em consideração. Fatos são fatos, e por si respondem galhardamente
A Caminhou com ~s braços estendidos para o Sr. Eurípedes e lhe
fez alguns passes. Ajoelhou-se, ergueu as mãos ao céu e, levantando.
(11) II importantÍssimo êste detalhe, pois que se conseguiu ver o espírito materia-
lizado ao lado do médium.
(12) Nogueira Faria - "O Trabalho dos Mortos"; Ettore Bosio - "0 Que Eu \'1"
AFINAL, QUEM SOMOS? 309
PEDRO GRANJA
308
numa expressão de contentamento. Frederico, Leontina e Helena chora-
-se, foi à câmara ver o médium. Em seguida se dirigiu para mim ram muito. Eu experimentei grande emoção, mas não pude chorar.
(D.'; Ester Figner, mãe de Raquel) e se pôs de pé a minha frente.
Depois de proferir aquelas palavras, pegou de minha mão e
Falei-lhe. Expus-lhe tôda a minha dor. Disse-lhe o. motivo da beijou-a, coisa que não fazia aqui na terra, porque eu e Frederico
minha ida ao Pará. João me ouviu atentamente. DepoIs, estendeu não gostamos que os nossos filhos nos beijem as mãos. Entretanto,
os braços num gesto ele me abençoar e ~s !ev~ntou para o céu. Tudo
A isso foi u.ma prova. ~ que durante tôda a sua enfermidade, ela, o
isso fêz em minha frente e a um~ dtstanaa 1ue, se estendessemos meu anjo adorado, beijava-me a mão e me cobria de carícias. Vivía-
horizontal.mente os bra.ços, nossa:s maos se tocartam. mos acariciando-nos as duas, como se estivéssemos a despedir-nos para
Ao terminar a narrativa que fiz de tôdas as minhas mágoas, uma grande viagem.
ofereci-lhe as flôres que lhe levara e apresentei a carta de D~na Também o referir-se ela à roupa preta foi uma misericórdia e
Elizabete. lHe recebeu tudo com a mão direita, passando em s~gUlda uma prova, pois sempre eu dizia que só tiraria o prêto se minha filha
para a esquerda e, estendendo aquela, passou-a suav·emente sobre a viesse em pessoa falar-m·e a êsse respeito. E, como tenho a certeza
que eu lhe estendera". de que foi ela quem me falou, fiz-lhe a vontade; desde aquêle instante
tirei o vestido prêto e nunca mais em minha vida, morra quem morrer,
o usarei. Sei hoje, com tôda segurança, que isso desagrada aos nossos
PRIMEIRA MATERIALIZAÇÃO
entes queridos que partem para o Além.
Sessão realizada em 2 de maio de 1921
Leontina lhe entregou uma rosa. Ela aCatlClOU a mão da irmã,
..... Surgiu em seguida, junto à cortina, uma moça co~ tôdas passando-lhe por cima a rosa e se retirou para a câmara escura, onde
as aparências e gestos de minha filha, a tal pon:o que dIssemos: fêz que o médium dissesse: "Vou levar a rosa que me deste para o
~ Raquel! Então, quando se ajoelhou, era perfeItamente ela. Os espaço". Enfim, uma maravilha, a maior das misericórdias que uma
gestos eram todos absolutamente os de minha Raquel e mesmo o criatura pode receber" ...
corpo, a forma, o vestidinho acima do tor~ozelo, .de mang~s curta: e
um pouco decotado. Apresentou-se-nos aSSIm mUlto p,areada, r~rem
SEGUNDA MATERIALIZAÇÃO
ficou distante de nós, bem junto à câmara onde se achava o medmm.
Ses-são realizada em 4 de maio de 1921
Entrou depois na câmara (gabinete mediúnico) e de nôvo saiu,
trazendo sôbre a cabeça um capuz branco, que lhe encobria os cabelos " ... De repente, Leontina soltou um grito e disse que alguém
e os ombros. Caminhou em direção a mim, dizendo, com voz fra- lhe havia tocado na perna. Quase ao mesmo tempo, senti e disse
quinha e como que chorosa:. 1/~amãe,. m.am.ãe". À medida que se alto que alguém colocava a mão sôbre o meu ombro esquerdo. Jul-
aproximava de nós ia, por aSSIm dlzer, dlmlllUlnd?, torn~ndo-se men~s gamos fôsse João. Logo, entretanto, Dona Nicota (o médium) falou:
semelhante de corpo. Veio até bem perto de mlme al parou. Nao "João está afirmando que não foi êle e sim a irmã de Leontina que a
tinha então as formas tão perfeitas. Reconheci-lhe, porém, a fronte, tocou, assim como em Dona Ester". Vindo a saber dêsse modo que
as sobrancelhas; verifiquei, em suma, que era minha filha. l1Iinha filha se achava presente, se bem ainda invisível, dirigi-me a
ela. Imediatamente Raquel se fêz sentir atrás de mim, tocou-me o
~ possível que, por ser a Rrimeira ve~, não. hou;resse ?oAdi~o mate-
rosto e passou a mão sôbre minha cabeça, acariciando-me. Eu lhe dizia:
rializar-se bem. Penso, todaVia, que fOI devldo a asslstenCla, por-
quanto, voltando certa vez à câma:a, fêz. o médiu:n ~izer: "~fastem­ - Vem minha filha, beija-me, abraça-me; vem junto de mim, bem
-se os que estão atrás da mamae, r01S "que ha. ai uma corrente sabes que não tenho receio. Vem, minha adorada Raquel, vem bem
contrária", que me impede de aproxImar. !medlatamente. todos se da tua mãezinha.
1
afastaram e ela pôde com facilidade vir ~té mut:o perto e mtrr;- e fala~. medida que lhe falava, mais Raquelzinha se fazia sentir. Beijou-
À
Ouvi e vi perfeitamente que a voz patrtta da b,oca de mmka ftlha, p01S *1JUJmuito, fortemente, dando-me beijos estalados que a assistência
me achava de joelhos diante dela, a contempla-la e a ouvI-la. mwia. Apertava meu rosto contra seus lábios, tal como se aqui estivesse.
Disse-me, em voz baixa, porém que todos escutaram: "Para 9uê Beijâ-Ibes as mãozinhas, toquei-lhe as ul1bas, verificando que estavam
essa roupa preta? Sou muito feliz". E moveu os braços para Clma
310 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 511

como as usava, pontudas e polidas. Quando ela assim me abraçava, E ela, viva, perfeita, deixava que a víssemos bem e a reconhecêssemos.
perguntei-lhe: "Minha filhinha, és feliz?" Ela me enlaçou então de Não havia dúvida, nem podia haver, era a nossa Raquel.
tal :forma com seus braços que não mais senti o espaldar da cadeira
Eu lhe falava e ela me prestava tôda a atenção. Em seguida,
em que estava sentada. Sentia unicamente o contato ,muito vivo do levantou-se, veio até junto de mim, colocou-se bem à minha frente,
seu corpinho, seu calor, sua respiração, seu hãlito. Era, perfeitamente, recebeu das minhas mãos umas flôres que levava e que suas irmãzinhas
minha filha a me dizer ao ouvido: "Sim". Perguntei-lhe ainda:
Lélia e Helena lhe mandavam. Disse-lhe Leontina: "O Sr. Amábile
"Estás contente com tua mãe? Vim de blusa branca". Minha Raquel
também mandou lembranças e um abraço". Ao que ela respondeu
pegou das duas abas da blusa e as sacudiu, num gesto de contentamento, levantando as mãozinhas para o céu, como que ofer·ecendo a Deus.
demonstrando que bem estava vendo. J~nfim, Raquel estava diante de nós tão perfeita e tão viva que se não
Avaliem os que lerem estas linhas sinceras a minha alegria, a podia ter a mínima dúvida. Eram os 'mesmos braços alvos, as mesmas
minha felicidade, o meu reconhecimento a Deus, por me haver permi- lindas mãos que tinha aqui na terra. Em tudo, nas maneiras, nas
tido, ainda uma vez, sentir, ouvir, tocar a minha filha muito amada! formas, no rosto, era a minha adorada filha.
Ela me tomou de nôvo o rosto e, puxando-o para o lado, como era Voltando ela à Câmara escura, disse-nos o médium: "Raquel
seu costume, beijou-me seguidamente muitas vêzes com grande amor. pede que sua mãe se sente na cadeira em que ela .estêve". Sentei-me
Sempre a conversar com o meu anjo querido, disse-lhe: "Minha imediatamente nessa cadeira, porém, de frente para a câmara. Logo
filhinha, vai beijar e acariciar teu paizinho". No mesmo instante ela Raquel transmitiu pelo médium: "Mamãe dev·e voltar as costas para
se fez s·entir atrás do pai e se pôs a beijárlo e acarriciâ-Io da mesma câmara e ficar muito quieta". Assim fiz, e respondi-lhe: "Pronto,
forma que fizera comigo. Por fim, deu-lhe um beijo estalado no minha filha. Estou impassível. Podes vir sem r·eceio". Logo ouvi
ouvido. uns passos e senti minha filha a meu lado, abraçando-me muito apel'-
tadamentee dando-me beijos tão estalados que t'ôda a assistência escuta-
1l uma maravilha, que não se pode descrever. Ante tanto poder,
t'ct. Encostava seu rosto ao meu com extremo carinho. Depois de
a criatura de carne desaparece. muito me acariciar, de me dar tôdas as provas de amor de que era
............................................................. bem a minha Raquel, disse-me distintamente, com voz forte, que todos
Terminada essa sessão, (de moldagem pelo espírito de João) pre- ouviram: "Não quero que ande mais de prêto, sabe? Quero que
paramo-nos para a de materialização. venha tôda de branco, assim como estou". Respondi-lhe: "Sim
............................................................. minha filha, far-te-ei a vontade, farei tudo o que quiseres. Já o fazia
quando estavas na terra; hoje, que não farei para te ser agradável?
Começaram a condensar-se os fluídos e daí a pouco aparecia um
SIm, meu anjo, não usarei mais roupa preta".
vulto no qual, à medida que se formava, íamos eu, meu marido e minha
outra filha, reconhecendo a nossa querida Raquel. E de fato era. De nôvo me beijou muito e, com os braços passados por traz do
Raquel nos apareceu em tôda a perfeição de suas formas tal qual fô'ra, meu pescoço, tirou, das flôres que lhe havíamos dado, uma rosa verme-
absolutamente reconhecíveL Ali estava viva e p'alpitante. lha e a enfiou no decote da minha blusa branca. Vi nitida,mente suas
mãozinhas, seus dedos. Era indubitàvelmente seus aqueles gestos.
Antes que se houvesses apagado as luzes, João pediu que uma listávamos todos vendo a nossa Raquel exatamente como era.
cadeira fôsse colocada entre a assistência e a câmara. Quando minha
filha saiu, perfeitíssima, da câmara, ajoelhou-se levantou as mãozinhas Foi novamente à câmara escura, isto é, ficou de pé à porta desta
para o céu. Ajoelhei-me também e todos os presentes a acomp.anha- e voltada para dentro como se consultasse alguém. Como eu contÍ'-
mos na prece que dirigiu ao Senhor. Depois, levantou-se e foi sentar-&e tlUaSse na cadeira, o médium falou assim: "Diga à mamãe que saia
na cadeira vazia, tomando exata:mente ai posição em queestâ numa cadeira. 1l papai que deve sentar-se agora". Imediatamente me
fotografia, da qual se lhe viam bem os braços e as mão·s. levantei e Frederico se sentou na mesma posição em que eu estivera.
se chegou a êIe, abraçou-oj beijou-o, acariciou-o muitoj do
Reproduziu com a maior exatidão a pose em que se vê na aludida mesmo modo que fizera comigo. Passou o braço esquerdo sôbre o
fotografia. Fêz, portanto, uma coisa que só ela podia fazer. Todos mrt'bro esquerdo do p'ai, de forma que se lbe via a mão caída sôbre o
os da sua família, que ali nos achávamos, exclamamos ao mesmo: dêste, aquela mão lindíssima que eu tão bem conhecia e que' não
tempo: '''Olhem a nossa Raquel perfeitinha, igualzinha ao retrato", deixar de reconhecer ali ser inteiramente a mesma da minha
312 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 313

Raquel. Estendeu o braço direito tomando uma posição muito graciosa, TERCEIRA MATERIALIZAÇÃO
formando com o seu querido pai, prêsa da mais viva emoção, um Sessão realizada em 6 de maio de 1921
par admirável. Não cessávamos de soltar exclamações e de agradecer
a Deus tanta misericórdia. Dizíamos : "FHhinha adorada, Deus te " ... Satisfazendo aoS desejos manifestados por minha filha na
abençoe, Deus te pague". sessão anterior, apresentei-me tôda de branco.
1! impossível descrever tudo, pois são inúmeras as minúcias. Sepa. Apagaram-se as luzes e instantes depois observamos que a materia·
rando-se do seu pai, depois de muito o acariciar, Raquel tomou de lização começava. Logo que esta tomou forma, reconhecemos a nossa
um ganho de angélicas e, pelas costas dêle, o colocou na larpela de seu adorada Raquel. Assim que saiu da câmara, o seu primeiro gesto foi,
paletó. Fêz isso com a mais absoluta naturalidade, notando-se-Ihe o como sempre, o de ajoelhar-se e orar, no que a acompanhamos. Apenas
esfôrço a que s,e viu obrigada para passar a haste um pouco grossa da viu que eu me achava de branco, manifestou grande satisfação. Falava,
flor na boteÍ'raestreita do paletó. Nos gestos, que então fêz, como bati,a palmas e pulava de alegria, como costumava. fazer na terra,
em todos os outros, era a Raquel que conhecíamos. quando experimentava um vivo contetamento. Dizia: "Que bom!
Reproduziu por duas vêzes a posi,ção da fotografia, puxando, antes Estou muito contente! Mamãe está tôda de branco! Está tão bonitinha!"
de sentar-se, a cadeira, para pô-la como desejava. Repetidas vêzes veio Dizer da minha felicidade, por ver mais uma vez a minha filha,
até junto de nós, distribuiu com os assistentes o ramilhete de flôres que perfeita como era e dando mostras de alegria, tal qual fazia aqui na
lhe havíamos oferecido, ouvindo-se distintamente o ruído que faziam terra, é coisa impossível. À criatura faltam palavras para definir o
as flôres quando ela separava as flôres. Deu-me com muito carinho que sente neSSes momentos de suprema ventura.
um ramo de jasmins do cabo. Quando assim, diante de nós, virava-se Depois dessa demonstração de alegria, a minha Raquel começou
de um lado para outro, a fim de que bem a reconhecêssemos e nenhuma o trabalho da moldagem da sua mãozinha em parafina líquida e quente.
dúvida nos ficasse nos espíritos. Frederico e Leontina choravam, solu· Cumpre notar que João me mandara dizer pelo médium o seguinte:
çando convulsamente. Ela, então, parando defronte de nós, disse, com '''Diga-Iheque, quando a filha puser a mão na parafina, não deve
voz firme, que notoriamente partia de sua bôca: "Não chorem". exclamar - coitadinha - pois que Raquel não sentirá dor alguma".
Todos ficamos de joelhos, diante de nossa querida Raquel. Em dado
momento, Leontina lhe perguntou se seus irmãozinhos Aluízio e Gabriel Conforme êle havia anunciado, Raquel iniciou () trabalho imer·
estavam presentes e ela respondeu clara e distintamente: "Não". gindo duas vêzes a mão na parafina e em água fria. Em seguida,
Estêve algum tempo a andar de um lado para outro, mostrando-se bem. veio a mim e colocou a sua mãozinha enluvada de parafina dentro da
minha. Depois, retirando-a colocou a outra que estava sem a luva
Como trouxesse os cabelos suspensos, eu disse: "Minha Raquel,
de parafina, a fim de que eu sentisse e notasse' a diferença. O mesmo
ainda não vi o teus cabelos. Mostra-nos a tua linda cabeleira". Ela
fêz com o pai.
foi à câmara e logo voltou, trazendo os cabelos a lhe caírem soltos
sôbre os ombros, lindos quais eram na terra. Punha-se de frente e Ao colocar a sua mão na minha, ela estava bem defronte de mim
de costas para nós, a fim de que bem a pudéssemos apreciar. e muito perto, de sorte que, não só eu lhe sentía e via a mão, como
fJí(1 perfeitamente o rosto. Era a minha Raquel, tal qual eu a a tivera
Depois, foi à câmara escura e de lá veio trazendo um pano branco,
com o qual se pôs a acenar em sinal de adeus. Que emoção! Todos na terra. O rosto, o pescoço, o colo eram os seus. Não havia para
exclamavam: "Adeus, Raquelzinha! Adeus, meu amor! Deus te mim possibilidade de ter a menor dúvida de que não fôsse a minha
abençõe!" Enfim, de nossos lábios saíam tôdas as exclamações de muito querida filha. Aproveitei assim as duas sensações ao mesmo
carinho que se podem dirigir a uma criatura adorada e saudosa quanto tempo: via e sentia a minha filha. Só Deus me poderia dar tamanha
o é a nossa inesquecível Raquel! Não há na vida coisa mais sublime. felicidade, treze meses após a desencarnação dela.
A misericórdia de Deus é tão grande que não há palavras nem senti· Depois de se mostrar bem a todos, Raquel voltou aos baldes de
mentos com que se lhe agradeça. De puro amor se nos enche o coração. parafina e água fria, continuando o trabalho durante umas duas horas.
Depois de Raquel, veio o nosso bom irmão João, que ainda não Víamos minuciosamente êsse traballhoJ porquanto a 'luz era bastante
aparecera naquela noite. Não apareceu, disse-o êle, por ter querido forte e nos permitia distinguir tudo. Metia a mão na parafina fero
deixar todos os fluidos para Raquel, a fim de que ela pudesse materia· vendo, depois na água fria, examinava o molde e de quando em
lizar-se bem, como, de fato, aconteceu." quando ia à câmara consultar o João que se conservava dentro desta
314 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 315

e que, ao que suponho, lhe dava instruções. Durou tanto tempo êsse momento, ràpidamente se ajoelhou e, puxando fortemente a mão do pai,
trabalho que a água e a parafina esfriaram. Veriticado isso, Raquel lhe deu um beijo estalado, que tôda a assistência ouviu.
entrou na câmara e João, pelo médium, deu ordem para que nova- Leontina igualmente lhe pediu que a deixasse beijar-lhe a mão,
mente aquecessem a água e a parafina. Como demorassem para ao que ,ela não acedeu. Mas, voltando-se para mim, como se tivesse
apanhar as vasilhas, disse êle pelo médium: "Deixem, vou materia- a intenção de provar à irmã que não se esquecia dela, disse-me pelos
lizar-me para entregar as vasilhas". Em seguida saiu da câmara, tomou seus próprios lábios: "Mamãe, leva minha irmã às festas e aos teatros,
a panela d'água e a colocou defronte dos assistentes. Pegou depois do como fazias comigo. Leontina, tão bonitinha!" Leontina, chorando,
balde de parafina, que é bastante pesado, e, suspendendo-o com o braço muito comovida, agradecia.
estendido e firme, o foi colocar junto da panela. Provou assim a sua
completa materialização, exibindo a fôrça da sua musculaturai perfeita- Raquel se conservava bem defronte de nós, mostrando-nos com-
,mente hum.ana. Enquanto aqueciam a água e a parafina, pôs-se êle a pletamente o semblante, de acôrdo com o que já nos havia dito ante-
brincar conosco. riormente numa sessão de tiptologia, antes de partirmos para o Pará.
A tôdas as pessoas presentes mostrou nitidamente o seu rosto, seu
Em dado momento, esbarrou na tampa da panela, que ficara no colo, seus braços. Mostrou-s,e, enfim, perfeitamente materializada,
chão. A Senhora Tavares disse: "O João não viu a tampa, coitado!" como se estivesse vival na terra.
lHe imediatamente se ab.aixou, apanhou a tampa e a entregou àquela
senhora, como se a lhe dizer: "Vejo muito bem ... " Certa vez em que ela estava diante de mim, perguntei-lhe: "Minha
filha, foi Aluízio ou Gabriel que aqui veio na última sessão?" Ela
... Em seguida entrou na câmara e logo surgiu a nossa querida me respondeu de seus próp'rios 'lábios: "Bilé". Prova magnífica foi
Raquel, que ainda por muito tempo continuou o trabalho que come- essa da sua identidade, pois ali só ela e nós conhecíamos o apelido do
çara. Ouviu-se o mergulhar da sua mãozinha na parafina e na água nosso Gabriel. Raquel disse isso numa ocasião em que desfolhava
fria. De vez em quando derramava água e parafina no chão. Isso rosas sôbre nossas cabeças.
acontecia sempre que reti'rava bruscamente a mão de dentro da vasilha.
De espaço a espaço pegava uma ponta do vestido e passava n'o molde, Tendo tirado o lenço que trazia no decote do vestido e depois
como que para secar ou alisar. Por mais de uma vez no curso do de se ter mostrado muito claramente, sob o máximo de luz que os
trabalho, João, pelo médium, pedia que tivéssemos paciência, por isso aparelhos preparados podiam dar, ela se retirou para a câmar~ e,
que aquêles trabalhos são demorados. saindo de nôvo, ia, com aquêle lenço, começar os acenos da desI:edlda,
quando lhe pedi : "Minha filha, espera um pouco. Temos aqUI umas
Era ela, sempre ela, que ali estava diante dos nossos olhos. Já flôres que trouxemos para te dar". (As flôres não tinham sido
durava tanto a sua materialização, que tive a ilusão de se achar minha entregues antes, por haver João dito que só o fizéssemos depois do
filha aqui na terra sem haver desencarnado. Depois de muito traba- trabalho de parafina).
lhar, a minha Raquel deixou o molde dentro do balde de água fria e
entrou na câmara. Raquel voltou-se para o interior da câmara, como que a pedir
instruções, ou a transmitir o pedido, penso que a João. Logo, porém,
Disse então, João, pelo médium, que a nossa irmã Anita viria fazer
voltou, 'recebeu de nossas mãos as flôres, distribuiu-as conosco e com
umas flôres de parafina em nossa presença ...
os demais alSsistentes. Conforme costumava fazer aqui na terra, nos
... Uma vez pronta, imergiu-a no balde d'água onde estava o dias de aniversário meu e do pai, desfolhou algumas rosas e espargiu-as
molde e João disse, pelo médium, que Anita havia feito a flor, para sôbre' as nossas cabeças e sôbre as das irmãs dando-nos uma impressão
que a i:rmã Raquel a entregasse juntamente com o molde. viva da sua personalidadetJerrena. Foi uma cena emocionante. Todos
Efetivamente, logo apareceu Raquel e tirou com muito cuidado o choravam! Depois, erguendo as mãos para o céu, disse, de sua própria
molde e a flor de dentro d'água. Trouxe o primeiro e o depositou em bôca: "Graças a Deus. Sinto-me contente por ter vencido a dor de
minha mão. Recebi-o com todo respeito e cheia da mais viva satisfação. mamãe. Vou subir muito alto!" Tomou de nôvo o lenço e acenou
Entregou a flor a Frederico. Emocionadíssimos, agradecemos, pedindo- 'com êle durante muito tempo, a despedir-se.
·lhe nos desse suas mãozinhas para beijar. Deu-me a mão, que beijei
com muito amor e carinho. Helena pediu que também lhe deixasse Comovidíssimos, nós lhe dizíamos: "Adeus, adeus, filha adorada.
beijar a mão e ela deixou. Frederico fêz o mesmo pedido. Ela lhe Deus te abençoe, Deus te pague". Eu não me podia conformar com
estendeu a mão, ,mas não consentiu que êle beij.asse, até que, em certo a idéia de que a minha filha partisse de junto de mim, pois que a sua
316 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS?

pr;s;nça não foi uma simples 'materialização; foi uma perfeita ressur·
rezçao. Todos os que hão assistido aos fenômenos, inclusive o Sr. elas foram analisadas e estudadas em companhia de um
de nossa imprensa, o brilhante repórter da '''Noite'', São ii)
Prado, marido do médium, ficaram maravilhados dizendo nunca terem
de "cidadãos sensatos, leais, possuidores daquele espírito de m()<!(lstill.,
visto tanta perfeição. Os espíritas do Pará se s~ntem felizes por essa
de renúncia, tão raro no reclamismo da época e que ao seu eu solbr(n){1~~
grande graça de Deus. Tornando-nos todos membros de uma só
o zêlo pela verdade e pelo progresso humano" (14).
família.
Entretanto fazemos uma observação: essas manifestações
Após a. d~spedida de Raquel, veio João, como sempre perfeita-
terrenas são e serão sempre um problema insolúvel para todos
mente m~terIahzado, e, puxando um dos bancos em que estiveram oS
que, alheios à doutrina do espiritualismo, não admitirem como
baldes, pos-se a escrever, dando-nos portanto a surprêsa que nos prome-
fundamental do problema da vida - a teoria da reencarnação, ou
tera para depois do trabalho de parafina.
pluralidade das existências da alma neste ou noutros mundos.
Quand~ .começou a escrever, debruçado sôbre o banquinho, a
ponta do lapIs quebrou. Então, êle se levantou e pediu um outro . Quanto à fé dev·emos observar, também, que não é uma
lápis, dizendo que o primeiro se havia partido. Frederico passou-lhe maIS ou menos cega, como as demais; é uma fé doutrinária e científicll,
u~ outro, como o faria a uma criatura da terra. João o tomou e
apoiada em observações e análises, que forma a religião.
vIrando o papel do outro lado escreveu à nossa vista o seguinte: Assim, para o espírita, a verdadeira religião é um sentimento;
- "~audades, vou assistir a fotografia no Girar" (13). no coração humano é que está o melhor templo do Eterno, e não
. DepoIs, acenando .co~ o lenço em sinal de despedida, entrou no nas formas ou manifestações exteriores. A sua religião expansionista
gabmetee se desmatenahzou, como o fizera das outras vêzes. não poderia ser encerrada dentro de regras e ritos acanhados; portalnto,
não necessita de sacerdotes, nem de fórmulas, nem de imagens. "Tem
(aa) ESTHER FIGNER por templo o Universo, por altar a consciência, por imagem Deus e
FREDERICO FIGNER." por lei a caridade".
O seu Deus é antes de tudo uma Sabedoria Justa e Eterna,
. Os mesmos f~tos s~o confirmados pelo marido de D.'! Esther lando-Ihe a lei suprema do Universo; "é a manifestação
FIgner, .Sr. Fredetlco FIgner, antigo chefe da Casa lidson, do Rio Vida, vida universal, inteligente. Ninguém o burla, ninguém
~e JaneIro, em :,ntrevi~ta concedid~ à imprensa, através do órgão
A
compra, ninguém o corrompe. São inúteis as promessas vagas,
Folha do Nor.te.. AÍ1~ma o Sr. FIgner que sua filha Raquel, con- losas. Daí, a lei de causas e efeitos; daí a indeclinável reiipclOsabili(la<le
servou-se matenahzada cerca de duas horas e quarenta minutos serido
pessoal, a necessidade inexorável dos sêres humanos resgatarem,
"o tempo mais feliz de nossa vida". '
novas encarnações, aS crueldades, as violências, cometidas em
As notícias, divulgadas pela imprensa, saíram publicadas com o ritas existências.
seguinte título: "OS SENSACIONAIS FENóMENOS ESPíRITAS E a doutrina espírita esclarece todos êsses pontos,
- Duas horas e quarenta minutos materi.alizada! - Pais que revêem nesses problemas as luzes das suas encantadoras lições, plenas
IJ filha falecida - Muitos espíritos materializados na mesma sessão conhecimentos, ricas de serenidade, iluminadas de esperanças e
- O que nos disse o Sr. Frederico Figner". lúcidas consolações" (15).

'* '* '*


Além das partes grifadas por nós, nada acrescentaremos às des-
crições de tais fatos, aliás minuciosamente narrados, com receio de
e?~raquecê.los. Preferimos, portanto, sem mais delongas, passar à
serIe de nossas observações pessoais, cuja autenticidade afirmamos e
forçoso é reconhecer estão aO abrigo de qualquer suspeita, porque

(13) A afirmativa de João deve-se entender que êle iria ver o andamento da revelação
das chapas que foram tomadas durante as sessões Pelo fotógrafo Girard. (14) M. E. Azambuja - "Uma Nova Ciência".
(15) Campos Vergai - "Levanta-te e Caminha".
CAPÍTULO XVII

MATERIALIZAÇÕES
ASSISTIDAS
PELO
AUTOR

LEMos, não nos recordamos onde, que a palavra impossível,


bruscamente pronunciada quando falamos em experiências espiríticas,
mostra apenas que as suas leis são desconhecidas pela maioria dos
homens, e quando na bôca de um cientista a palavra impossível se
torna, então, um vício intelectual. Êle só poderá admitir, quando
muito, que os fenômenos foram mal observados, mal controlados ou
desvirtuados nas observações. Quanto ao resto, são crendices de sim-
plórios ou irrealidades pueris que alguns experimentadores, em declínio
intelectual, designam por fenômenos espíritas ...
E é a grande verdade! Sôbre o assunto já ouvimos tantas vêzes
a palavra impossível ser proferida que hoje o inverso dela nos sur-
preende. Êsse cepticismo e essa descrença são justificáveis diante da
época em que vivemos, repleta de embustes, de falsidades e de hipo-
crisias, que a incredulidade e a indiferença têm razões para imperar.
Porém o bom senso nos diz que se para os "casos super-anormais"
os homens, sobretudo aquêles que possuem uma inteligência privile-
giada, não encontram explicações, o razoáv·el é ter ânimo de capitular
diante dêles, o que não será difícil se é homem sem a pretensão de
ser onisciente. Mas, infelizmente, não só o Papa é possuidor dêsse
título ...
Somos todos, ignorantes ou não, caminheiros da mesma jornada
da vida; perante o Universo somos iguais e o mesmo rumo final tanto
pode percebê-lo ou adivinhá-lo o analfabeto como o sábio. São fogos
fátuos ou ridicularias as superioridades de raça, as pretensões de nobreza,
os graus de cultura, as fatuidades de posição, de dinheiro; e desapa-
recem sob a mesma terra, entre tantas desigualdades, entr·e tantas
injustiças,entre tantas doutrinas, entre tantos princípios, crenças e
religiões, o homem-cientista que cultiva a onisciênciae o homem-sim·
plório que cultiva o chão.
320 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 321

Como todo ente humano, os sábios são homens; como homens Como a ciência é infinita, e ao homem só é dado alcançar uma
têm suas fraquezas e seus erros. ~ preciso um verdadeiro altmísmo parcela mínima do conhecimento, não devemos negar nem escarnecer
para se acolher com imparcialidade a novidade de {at~s .qu~ v~m das coisas, só porque fogem às nossas acanhadíssimas percepções.
infligir formal desmentido aos trabalhos de umaexIstenCIa mteIra A missão do homem de ciência é, pois, investigar, investigar
e abalar a celebridade laboriosamente conquistada. sempre, porque tem diante de si o "infinito do espaço e o infinito
A novidade vem inquietá-los porque lhes destrói teorias ~á afei- do tempo" através de uma sucessão interminável de vidas após vidas,
çoadas e velhos sistemas edificados com muita dificuldade; derrIba-lhes até alcançar a suprema ciência e a suprema sabedoria, que estão sinte-
situações obtidas e perturba privilégios, por necessitar de pesquisas e tizadas na Suprema Inteligência - Deus!
de observações novas para as quais já não há mais gôsto e tempo.
Com lógica e definição expressivas o Dr. C. Picone Chiode, na
~ do filósofo alemão E. Hartmannesta definição sôbre os fatos sua notável obra "O Espiritismo na Opinião dos Intelectuais", cita as
espíritas: admiráveis palavras que pronunciou o Professor Charles Richet, na
"Os r·epresentantes oficiais da ciência recusam queimar os dedos Academia das Ciências, apresentando o seu "Tratado de Metapsíquica",
com essas coisas, seja porque, em conseqüência de sua convicção atual fmto de quase quarenta anos de trabalhos, durante os quais os estudos
sôbre a infalibilidade da ciência, acreditem-se autorizados a decretar mediúnicos constituíram objeto da sua maravilhosa atividade:
a priori o que é possível e o que é impossív·el, seja si.~plesmente porque
não têm nenhum desejo de trocarem estudos espeCIaIs por outros que "Julgo em plena consciência que à ciência oficial já não é lícito
deixar de parte os inúmeros fatos coledonados pelos pesquisadores,
lhes são menos familiares".
entre os quais se contam sábios ilustres. Já não temos o direito de
O espírito de negação, portanto, tem sido um dos maiores entraves afirmar que a ciência carece de meios para explicar tais fenômenos.
ao progresso do homem, pois só ~ceita aquilo qu: os seus olhos mat:- Deve-se desconfiar das explicações e das teorias extremamente fáceis;
riais alcançam. Quando se lhe afirma que os fenomenos supranormaIs porém, a ciência tem o dever de as estudar, servindo-s·e do método
_ vistos pelos olhos da razão e livres das peias do preconceito - são experimental, a que tantas descobertas devemos. Nada há de ilógico
hoje positivados pela ciência e podem ser confirmados por quem uer :r nem de contraditório nos fenômenos espíritas. Os homens de ciência
que se disponha a verificá-los, nega-os de pés juntos, sempre apOlado não os podem negar a priori; corre-lhes, ao contrário, o dever de estudá-
em argumentos empíricos. -los e separar o que é verdadeiro do que é falso. Enquanto tiver um
Poderão retmcar-nos que é verdade só para nós. Contestamos. sôpro de vida, repetirei que é dever do sábio dizer a verdade, sem
Estamos muito bem acompanhados. Embora ao nosso lado se enfileire cogitar dos riscos a que se exponha" (2).
"muita gente simples, ingênua, quase sempre boa, inculta às vêzes Apesar do elevado número de homens ilustres, que abnegada-
em demasia; apesar de afirmarem o mesmo que nós muitos charlatães mente se atiram em busca do desconhecido, do ignorado, grande
que se aproveitam dos fatos para exp~orar a credulidade e, o~ bolso~ parte da humanidade ainda sorti irônicamente do que classifica profa-
alheios e desmoralizar a v·erdade, aSSIm como entre os medIcos, ha nação dos segredos da natureza ...
também falsários", - como muito bem revidou o Dr. M. E. Azambuja
Digamos, agora, algo sôbre o combate aos fenômenos espíritas.
_ existem centenas e centenas de sábios, repetindo estas afirmações (1).
Vamos nos apoiar, mais uma vez, nas eruditas palavras do Dr. Azam-
E além desta plêiade de notabilidades de fama mundial em ~i,:ersos buja, que em defesa da tese espírita-escreveu e dedicou o livro à classe
setores da ciência, há milhares e milhares de homens cultos e ldo~eos médica do país (3).
que, sem terem o cognome de sábios, são suficientemente esclareCIdos
e honestos para que nos honrem com sua companhia. "Nada encontramos de valor a êste respeito, embora muito nos
falte para conhecer tôda a literatura sôbre tão vasto assunto. Jamais
E os que combatem êstes fatos? A rigor, ninguém. Ignor~mos soubemos de algum cidadão que, depois de investigar, como estudioso,
algum verdadeiro cientista que, depois de ter estudado e pesqUIsado sem o tão comum espírito de prevenção ou mesmo de ódio, tenha
tôda esta estranha fenomenologia, com critério e minuciosidade, os negado os fenômenos.
negasse.
(2) o grifo é nosso.
(3) M. E. Azambuja - "Uma Nova Ciência".
(1) M. E. Azambuja - "Uma Nova Ciência".
322 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 323

~ verdade que há livros contra o Espiritismo. Entre nós, no alucinações, meras "novidades de histéricos". ~ o caso aqui de se
Brasil, poucos se publicaram, mas, a quem conhece tôda esta questão, replicar com a mesma resposta já muito encanecida:
são verdadeiramente vazios. Limitam-se a citar três ou quatro casoS
de fraude, descobertos geralmente pelos próprios espíritas, e isso entre "Sim! é fácil dizer, mas a histeria é como um cesto onde se atira
centenas e mesmo milhares de outros fatos incontestàvelmente verí- misturadamente, tudo que não se compreende, nem se explica" (6).
dicos. Repetem e transcrevem meia dúzia de argumentos, sem base, há Depois do que acabamos de referir, não cremos serem necessário
um século repetidos, e que só servem para demonstrar ao estudioso a outros argumentos, para que o leitor, inteligente e sem idéias precon-
falta de conhecimentos dêsses adversários. Citam trechos, escritos pelos cebidas, se convença de que são reais as manifestações espíritas.
melhores metapsiquistas, e que, ao primeiro relance, parecem condenar Mas - o leitor poderá ficar certo - uma coisa é ler a narrativa
a nova ciência. O processo é conhecido: tomam-se frases ,e períodos da manipulação de um fenômeno, como os que expusemos, e outra
que, considerados isoladamente, separados da página ou do capítulo coisa muito diferente é tê-lo presenciado, e inúmeras vêzes, como nos
a que pertencem, dão uma idéia totalmente diversa do pensamento sucedeu. Quando se lêem episódios dessa espécie, êles causam certa
do autor. Não é o que se exige! Pedem-se experiências, investigações, impressão, porém são prontamente esquecidos, sem deixarem vestígios.
pesquisas. Isto é, Ciência!" Quando, ao contrário, se lhes assiste à produção, nunca mais são olvi-
O Espiritismo, insistimos ainda uma vez mais, não é novidade. dados e assumem tal e10qüência demonstrativa, "que fazem mudar de
Todos os povos antigos nêle creram e, mesmo hoje, dizia o Professor opinião até um Büchener, um Maleschott, um Ernesto Haeckel".
Cesare Lombroso, os povos bárbaros e selvagens acreditam nêle com E isto se consegue quando se dispõe de um bom médium, dos
tal tenacidade e tal uniformidade, que isso devera ser tido, senão denominados materializantes, isto é, dos que têm capacidade fisiológica
como prova, pelo menos como um importante indício de verdade. para produzirem, por sua intervenção, formas materiais, palpáveis, viv(JJS,
Almas rudes e primitivas, vivendo mais pelo instinto do que então as experiências assumem um caráter assombroso, inimaginável.
pelos sentimentos ainda em formação, os selvagens também acreditam Ver-se-á que do sensitivo, geralmente em estado letárgico, se
na imortalidade da alma, segundo a tradição que narra o poder dos destaca do lado esquerdo do torax, na região correspondente ao baço
pagés de se c~;:;unicarem com o Além. - porém não como regra - uma espécie de nuvem ectoplásmica
subtilíssima, que aos poucos se adensa, se eleva e congloba, até formar
"Não sabes que, após a morte, as almas vão para uma longínqua
um sêr humano mais ou menos nítido e que, atingindo o máximo
região, vivendo ali, tôdas juntas, em lindas paragens, conforme nos
grau de intensidade, reveste tôdas as aparências de vida, andando,
dizem os pagés, que as têm visitado freqüentemente e com elas têm
falando e praticando tôdas as ações próprias dos sêres vivos.
conversado?" (4).
Qgral.1d~,hi~t9.riªcl.9.rAg~fl,. pesquisando a origem da crença
Pode-se, até certo ponto, definir eSSa manifestação mais ou
humana, escreve: menos assim:

"Encontramos em tôdas as t.ri1Jos s'el"a~en~ dQ. globo certa noção No seu grau mais fraco, a materialização aparece apenas como
sôbre a existência de uma alma hmnana, um mundo espiritual e, geral- um darão na obscuridade, clarão que pouco a pouco toma a forma
mente, uma crença na imortalidade. Os selvagens consideram a vida de um busto, ou figura inteira, mas de contornos vagos e imprecisos.
futura simplesmente CO'm'o a continuação desta e êles também reconhe- Neste caso será apenas uma visão fosforescente, ou uma aparição (lumi-
cem a vivência de um eu dotado de poderes misteriosos. A morte éo nosa ou não).
abandono do corpo por êsse misterioso eu que supõem continuar No seu grau médio essa forma, vaga e imprecisa, aclara-se lenta-
vivendo em sua vizinhança. O amor e o ódio dêste planêta são mente, toma as côres naturais e apresenta as formas nítidas de uma
levados para o mundo espiritual" (5). pessoa conhecida; mas essa forma é de natureza instável, durando
Entretanto, não faltam os que sustentam não serem reais e autên- apenas poucos minutos. Neste caso será uma semimaterialização.
ticas as manifestações espiríticas; não passarem elas de imposturas ou No seu grau mais elevado a forma criada pelo médium (ou,
antes, à custa dêle) já não é uma forma fantástica - sim um corpo
(4) Frei André Thever - "Singularidades da França Anrárrica".
(5) Allen - "Hisrória da Civilização".
(6) Charles Richer - "A Grande Esperança".
Al'INAL, QUEM SOMOS? 325
324

Abreviando estas explanações, faremos sàmente um resumo do


completo, vivo, cujos pulmões respiram, cujo coração bate, cujo sangue
que examinamos em companhia. de vários assistentes e na de nosso
circula, cuja bôca fala e cujo cérebro raciocina inteligentemente. Esta
colega um dos mais brilhantes jornalistas da nossa imprensa.
é a verdadeira materialização. Apenas tem vida efêmera; pode viver
quando muito algumas horas. Passado êsse tempo desaparece, tal A sala é pouco espaçosa e a "cabine mediúnica" fica-lhe contígua,
qual apareceu. com acesso por uma. porta vedada com cortina preta. Dentro da
cabine encontra-se uma mesa e sôbre ela são colocados os discos, a
E para se conseguirem êsses resultados, ainda hoje se empregam
vitrola, o megafone luminoso e várias coisas de menor importância:
verdadeiros métodos inquisitoriais. Torturam-se os médiuns. São
campainha, gaita, pandeiro, etc.
presos como animais ferozes em gaiola de ferro. O requinte de zêlo
chega ao cúmulo de se e1etrificar a cabine, deixando-a ligada por um O médium, completamente despido, senta-se numa poltrona comum
fio descoberto por onde passará uma corrente de 220 volts, que anula e é algemado, condição esta exigida pela própria entidade manifestante.
qualquer tentativa de mistificação. Amarram-nos como feras ou crimi- As algemas neutralizam a ação das mãos, braços e pernas, ficando o
nosos (7). Suspeita-se de tudo e de todos. E os espíritos a tudo se sensitivo impossibilitado de mover-se ou andar, pois, além dessa medida
submetem, porque são chegados os tempos da proclamação da verdade. de precaução, usam-se correias e cordas. ~sse contrôle é feito por
Nunca será demais recordar que essas questões, êsses fenômenos, alguns as.sistentes, entre os quais s·e contam um médico, o repórter,
essas misteriosas e desconcertantes manifestações, de há muito vêm amIgo, e o autor.
preocupando milhões de pessoas em todo o mundo; e que se contam A ação controladora dêsse grupo se estende meticulosamente porl
por centenas os nomes de grandes cientistas e figuras eminentes que outros pontos da sala, de maneira a assegurar que ali, a não ser o
dedicaram longos anos ao seu estudo, chegando, a maioria, mais cedo médium totalmente despido e amarrado, nillO'uém mais entrou ou
ou mais tarde, a aceitar a imortalidade da alma e sua condicional comu· ' b
po dera entrar.
niutção CO'lnJ os entes dês te l1umdo.
Feito isso, o C01Jfrôle se preocupa com a primeira fila de assis-
Na verdade, tudo empalidece ante êsse problema. Que mais impor-
tentes, denominados "primeira corrente". Um cordel é trespassado
tante que a certeza da existência da alma, da sua sobrevivência após a
pelos orifícios dos paletós de todos os componentes da primeira fila
morte do corpo, da conservação integral da personalidade, da possibi-
lidade certa e conferida de comunicação entre vivos e mortos. e as extremidades, depois de enroladas nas últimas cadeiras da segunda
fila, lacradas.
Essa certeza, que vem modificar radicalmente a nossa concepção
do mundo, embora sem contré',riar as mais recentes conclusões da Dessa maneira, fica acertado pelo contrôle que, da assistência
ciência oficial, pode ser conseguida por meio da profunda meditação de ninguém poderá se mover. Apagada a luz branca, conserva-se a sal~
um fenômeno bem observado, puro e gritante de veracidade, como, por vagamente iluminada por uma luz vermelha, com luminosidade quase
exemplo, o de um espirito materializar-se à nossa vista - completo, igual à das salas de revelação fotográfica. O diretor dos trabalhos,
perfeito, humano, com sua mentalidade integral. J?Egf:ssoES~al~ers, faz suas preces, acompanhadas ou não pelos demais
assistentes. ~ pedida concentração.
A experiência que Se segue teve o mais puro e sadio caráter
científico e fêz parte de uma série que o "Instituto de Pesquisas Apaga-se, a seguir, a luz vermelha e a sala permanece às escuras.
Metapsíquicas de São Paulo" realizou sob a orientação do eminente Espera-se. Pensa-se em mil coisas ...
:r!~,f~~sç>,! ç:
G;: Shalc!,~!s, lente da Escola Politécnica. Daí, por parte
Porém, um ruido de quem dá corta à vitrola, avisa-nos de que
de quem quer que seja, pertença a êste ou aquêle credo, aceite esta
ou aquela teoria, assisti-la não implicava em um compromisso. vamos presenciar algo de verdadeiramente fora de tudo que se possa
imaginar. A música, vindo da sala onde o médium ficou amarrado
No íntimo da mais ampla liberdade, o que se solicitava dos assis-
e ressonando em transe, eleva-se em surdina. O megafone luminoso,
tentes era apenas a impressão, a crítica e as deduções honestas sôbre
que o contrôle deixara em cima da mesa, aparece levitado atraves-
a observação do fenômeno, a fim de se comprovar a verdade de que
sando a cortina e dirigindo-s·e aos assistentes, em voz clara, firme e
um espírito, em determinadas circunstâncias, pode surgir completamente
sonora, diz:
mrt!erialízado aos olhos dos vivos.
- Como vão todos? Boa noite, meus irmãos ...
(7) Vide nOta n." 2, da pág. 170.
326 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 327

n a entidade chamada Padre Zabeu Kauffman que ali está, e Uma vez dentro da cabine, a própria entidade apaga a luz ver-
depois de conversar em voz direta com os mais íntimos pergunta se melha para se comunicar por intermédio do megafone luminoso, nova-
desejam vê-lo. A aprovação é unânime. O megafone, sempre levi- mente em voz direta. Revela um espírito agudo e inteligente. Suas
tado, volta para a cabine mediúnica e, passados segundos, acende-se palavras são curtas e de conteúdo profundo. Responde às per~ntas
novamente a luz vermelha que, embora embaçada, deixa ver bem a formuladas em pensamento. Diz que já tomou conhecimento do me-
sala, os assistentes e o espaço onde deverá permanecer o espírito morial a êle dirigido pelo "Instituto de Pesquisas Metapsíquieas" (9)
materializado. e aprova a experiência solicitada, mais ou menos, com as seguintes
Ficamos com o cérebro nos olhos; porém, não esperamos muito. palavras:
Algo de nebuloso, esbranquiçado, aparece na frente da cortina que - Não me esqueci do memorial a mim dirigido. Aceito tôdas
veda a entrada à cabina mediúnica, iniciando-se o processo da as condições propostas e, espero em Deus, êsse trabalho correrá de
materialização. maneira a não desmerecer o esfôrço necessário de ambos os lados ...
dêste, onde estou e para onde virão todos, e dêsse onde estão vocês,
A seguir, vimos um sêr que se movimenta e gesticula - perfeito}
meus filhos, e de onde vim .. , Apenas, peço, não será já. Mas não
nítido} humano - aparentando sessenta e cinco anos de idade e que
se aborreçam... Não será tão tarde, pois, dentro de quinze dias,
percorre a sala com os olhos. n o Padre Zabeu que caminha, firme em outra sessão, talvez não aqui, eu direi a data e a hora para a
e cadenciado, ressoando seus passo,s pelo espaço destinado às mani- r·ealização de mais essa prova da imortalidade... E, se tudo isso
festações. faço, é porque estou cumprindo uma missão. Eu sofro com êstes
nle se aproxima dos assistentes e o pudemos ver muito bem. trabalhos. Porém, espero, êles darão seus frutos... /
São brancos os cabelos. O rosto era idêntico à fotografia que já Dada a ordem, por batidas, para encerramento da sessão, é feita
conhecíamos, apenas acrescia a sua formosura uma indescritível sua- a prece habitual. A própria entidade acorda o médium batendo-lhe
vidade de expressão e que reflete, de muito, a beleza harmoniosa afetuosamente no Tosto (10). O médium volta a si vagarosamente e
de seu rosto. todos podem ouvir Padre Zabeu dizer algumas palavras a êle, palavras
Retivemos entre as nossas as suas mãos. Pudemos, então, exa- que não são entendidas porque pronunciadas ao mesmo tempo que o
médium ressona. Feita a luz, com ordem, as mesmas pessoas apon-
miná-las detalhadamente; eram mãos com tôda a aparência de vida,
tadas como contrÕ!e da, sessão, elTI ,nÚtnerode"sei~, vão examinar os
e de uma beleza e nitidez de formas impressionantes pela conformação selos, o amariãffieIÍto 'dó' niediüm e todosós pontô~ da cabine mediúnica.
perfeitíssima. Os dedos moviam-se, a carne parecia tão humana como Com assombro, de alguns, verificam que tudo se encontrava como
as demais e, à claridade de uma lâmpada vermelha que sôbre elas antes da sessão.
refletia em cheio, deixava-nos aperceber perfeitamente as veias, os
Assinaram a ata da sessão, conforme a narrativa feita, todos os
pêlos, o jôgo dos músculos, porque o pulso e mão eram bem vivos, assistentes.
executando todos os movimentos que lhe poderia imprimir uma pes-
soa viva. '* '* *
As brancas vestes, vibráteis, quando apalpadas em nada dife- A primeira sessão preparatória para aceitar o convite expressado
renciam do tecido dêste mundo. Vê-se um crucifixo tão real como no memorial da "Sociedade Metapsíquica de S. Paulo", infelizmente
outro. A cruz é de madeira preta e o Cristo de prata luzente (8). não a pudemos assistir, pois que se realizou em Pindamonhangaba.
Graças às amizades que nos ligam a inúmeros confrades de lá, obtive-
O espírito materializado caminha entre os presentes, deixando-se
mos a ata dêsses trabalhos preliminares, que vamos transcrevê-la:
examinar. Dá voltas no local destinado às manifestações e, depois de
uns quinze minutos, regressa à cabine, sempre de frente para os que "Aos 20 dias do mês de janeiro de 1946, às 20 horas, na sede
ali, maravilhados, presenciam o desconcertante fenômêno do espírito do "Centro Espírita Irmã Teresinha", nesta cidade, realizou-se uma
sessão experimental de fenômenos físicos.
imortal que volta ao mundo nas condições de humano como nós.

(9) llsse pedido, contido em um memorial dirigido à entidade chamada Padre Zabeu,
(8) Chamamos a atenção do leitor para o fenômeno da Cruz, com o qual sempre foi feito pelo "Instituto de Pesquisas Metapsíquicas de S. Paulo", um núcleo de estudiosos
aparece o Padre Zaheu; e o ressaltamos em vista de ser análogo ao de Bertie, narrado que se propõe examinar cientificamente os fenômenos espíritas.
na pág. 347. (lO) Vide nota 2, pág. 170.
328 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 329

A ela compareceram crentes do grupo habitual que verificaram o Acresce, porém, que do lado demonstrativo, visto ser de data
seguinte: ao centro do salão, uma jaula constmída com madeira de recente um dêles é invulnerável - tanto mais porque foi assistido
lei, tôda parafusada, tendo entre as vigas fios de cobre descobertos; pelos próprios progenitores do espírito materializado e que observaram
tanto nos lados como na parte superior. o processus da manifestação em tôdas as fases decorrentes - excluin-
Nessa jaula, com cinco cadeiras também de madeira, ou seja, do-se daí, com absoluta precisão, as hipóteses anímicas, alucinatórias,
capacidade para ficarem cinco pessoas s,entadas, foi colocado o médium teleplástkas e outras que se poderiam aventar, pois rigorosamente ficou
demonstrada a existência objetiva, real e probatória do fenômeno.
?~vald(},vindo?e. S'~~llIo gara:ssaexperiência.
-" , Fo~~~' p~rafusadàs as vigas da entrada da jaula e ligada a esta Eis como decorreu essa importante sessão:
corrente elétrica de duzentos e vinte VQlts. Em princípio do ano de 1946, reunidas as pessoas da família
Logo após o escurecimento do ambiente e a prece de costume, Cavalcanti e os demais convidados, foram iniciados os trabalhos às
materializou-se o espírito de Padre Zabeu que, depois de seu habitual vinte horas, na rua da Moóca, 1705, nesta Capital. A assistência
"boa noite" em voz direta, palestrou com todos os presentes, forne-· formava um circulo completo. Junto à cabine do médium, Sra. Elvira
cendo diversas instmções e recomendando fôsse tirada uma fotografia Goulart, espôsa do Dr. Abdias Nogueira, sentou-se de um lado, seu
da jaula e lavrada a presente ata que deveria ser publicada por inter- marido, conceituado médico, e de outro, o representante da imprensa
médio da imprensa, e avisando que muito breve, mas em dia ainda e ao seu lado, nós.
indeterminado, se realizará uma sessão científica, para a qual, desde Antes tivéramos o cuidado de tomar tôdas as precauções que
já convida as pessoas estudiosas, inclusive o clero, médicos, advo- visam anular qualquer hipótese de fraude ou comparsaria. Para tanto,
gados, etc. o médium fôra isolado na cabine, especialmente construída para tais
O contrôle com respeito aos trabalhos será confiado a essas pes- trabalhos, de maneira a evidenciar élaramente a impossibilidade de
soas, que terão tôda liberdade de fiscalização, e o próprio prédio será alguém sair ou entrar, sem ser controlada.
entregue a policiamento tanto interno como externo; os médiuns fica- Também os assistentes foram severamente examinados, obtendo-se
rão algemados e lacrados dentro da referida jaula que além de eletri- dessa forma a certeza de que, se uma pessoa estranha aos presentes,
ficada ainda terá, circundando-a, uma rêde de cordas a separá-la dos inclusive o médium, aparecesse na sala, tal pessoa seria portadora de
assistentes. poderes sobrenaturais, ou, melhor, um espírito momentâneamente
Todos os assistentes serão revistados e controlados de maneira materializado, visível e palpável.
a não poderem se mover de onde estiverem sentados. Logo após a prece de abertura, um perfume suavíssimo percorria
Terminando estas instruções, disse o espirita materializado ser o ambiente e da cabine ouvia-se o farfalhar de seda amassada e sinais
isso um desafio que êle, Padre Zabeu, fazia aos cientistas do planêta tiptológicos na parede, o que foi explicado pelo Dr. Abdias como
Terra. avisos que precedem a materialização do espirita de "Irmã Noiva".
Depois de mais algumas palavras, despediu-se e se retirou, dei· Nesse interim 'luzes flutuavam (II) junto à cabine, onde se encon-
xando ainda instruções para a próxima sessão. trava o médium em trans,e profundo.
Terminados os trabalhos, foi lavrada a presente ata que, lida e Pouco depois o reposteiro, na parte que tocava a parede sita ao
achada conforme, vai por todos assinada. nosso lado esquerdo, entreabriu-se, deixando passar uma graciosa e
esbelta figura de mulher, vestida de branco, que, dando um ou dois
Pindamonhangaba, 24 de janeiro de 1946." passos à frente, estacou ante nós, mantendo sempre o reposteiro afastado
com as mãos, vendo-se, dêsse modo, o médium em estado sonambúlico.
Era a corporificação perf.eita, integral do espirito de Maria Martins,
MATERIALIZAÇÕES DOS ESPíRITOS DE mais conhecida por "Irmã Noiva" (12) que, em virtude da graduação
MARIA MARTINS, MAIS CONHECIDA POR da luz até a completa claridade, foi atentamente observada pelos assis-
"IRMÃ NOIVA", E DE TERESINHA CAVALCANTI
(II) A condensação dos ectoplasmas geralmente provoca luzes, doí é que se consegue
Tivemos a oportunidade de assistir, numa só reunião, mais dois vê~las, quando partem do meio ambiente para a concentração na cabine mediúnica.
casos idênticos que vamos relatar, pois, sob o ponto de vista doutri- (12) Conta~se que em virtude de Maria l\1artins ter desencarnado às vésperas do casa w

mento, a sua última vontade fôra a de sef sepultada vestida de noiva,. no caso de uma
êstes fatos são importantes e sugestivos. fatalidade. Essa vontade, lllânifestada em vida, foi cumprida depois de morta. Dado que
330 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 331

tentes, conservando-se materializado por mais de quarenta e cinco Mas, analisemos em base:
minutos. Primeiro: Na sala se encontrava um número limitado de pessoas,
Trajava-se de noiva; o seu vestido, alvo de neve, era ligeiramente cujas fisionomias desassemelhavam-se da fisionomia do espírito nitida-
decotado e velava-lhe os braços um comprido véu. A pele setinosa, mente materializado, quase à luz normal; o médium difere totalmente
tinha todo o frescor da juventude, e uma abundante cabeleira negra da materialização; no recinto não havia nenhuma possibilidade de
caia-lhe em anéis sôbre os ombros. penetrar outra pessoa, além daquelas que ali estavam, antes de ser
iniciado o trabalho.
O véu branco, espesso e largo, cobria-lhe parte dos cabelos e
corpo, deixando assim mesmo apreciar-se as suas graças juvenis. Eis o segundo, quase tão eficaz: Quando o espírito do morto
volta e se materializa, não há somente a figura, a voz, os gestos, as
A aparição distava de nós apenas metro e meio; e não podendo maneiras que êle possuía durante a vida terrena, mas ainda os mesmos
pôr em dúvida o que a vista e o ouvido nos atestavam, afirmamos vestuários que usava. Como se poderá explicar que haja materia-
sem hesitações, que estava bem viva a figura que víamos, pois tinha lização, não só do defunto, mas também das suas vestes, sem admi~ir a
todos os movimentos que só a vida dá, e falava tão suave e meiga- teoria espírita? ~ste é um dos importantíssimos detalhes, e pedImos
mente como raras vêzes ouvimos. a atenção do leitor para a nota anterior.
Quando cantou, o silêncio era tão profundo e a voz tão sonora Em resumo: aS materializações de Katie King, espírito êsse que
e harmoniosa, que se percebia nitidamente o ruído da aspiração, tendo, na última encarnação se chamou Annie Owen Morgan, estudadas por
a pedido, cantado trechos de músicas argentinas e brasileira;, e toc~~o William Crookes' as materializações da mãe do Prof. Cesare Lombroso,
levemente nas mãos e nas cabeças dos presentes, aos quaIS permItlU presenciadas por' êle mesmo; as materializações de Stella Liv·ermoore,
que lhe examinassem o véu. constatadas pelo próprio marido; as últimas materializações de ~o,~,!1n
Findo êsse longo tempo, despediu-se pela última vez, elevando Doyle e . . Tho~:az ~çli~8l},. q~H~,.fheg,!1E~JE:,~~JE.i.~irA~~El.1:~8s"e~.yoz
a Deus uma sentida e fervorosa prece que muito nos sensibilizou, e direta,pela"~~~i.9g,gÇan~,~~", enfim, milhares e milhares delas,
dirigindo-se para a cabine mediúnÍca nos deu a oportuni~ade de ver atestam de modo a não deixar dúvida a nossa tese.
mais uma vez o seu espírito materializado ao lado do médmm comple- Assim postas as coisas, o fenômeno em questão deveria oferecer
tamente imóvel. assunto de profunda reflexão não somente a especialistas da metapsí-
A perfeição da criatura que nossos olhos viram e os nossos sen- quica como também a psicólogos, a fisiologistas e a filósofos.
tidos perceberam - real} viva} humana - poderá parecer aos leigos
fenômeno desconcertante, maravilhoso ou fantástico se não conhecerem
as leis que os regem. MATERIALIZAÇÃO DO ESPIRITO DE TEREZINHA
CAVALCANTI
Assim é que aquêles que ainda não presenciaram tais trabalhos,
idealizando-os, imaginariam coisa diferente e imperfeita, coisa seme- Finda a materialização da "Irmã Noiva" e após haver-se comu-
lhante a uma nuvem luminosa, esvoaçante, transmudando-seem um nicado tiptologÍcamente o espírito de Jorge Ferreira Pinto, des~n­
meio corpo indeciso, movediço e, por fim, esvanecendo-se como fumaça. carnado em 1945, deu-se, sob a ação de luz fosforescente, a matena-
Tratar-se-ia, nesse caso, de uma visão, ou quando muito, de uma tização de Teresinha Cavaicanti, que saudou seus pais presentes à sessão,
aparição luminosa. obraçando-os carinhosamente, gesto que a todos comoveu.
Porém, quando a materialização é integral, a observação é dife- Depois de serenadas as emoções de ambas as partes,
rente. Apresenta um sêr 'real vivo} com tôdas as características humanas. dirigiu-se a cada um dos assistentes, cumprimentando-os com a mesma
E, por ser perfeito, mais dúvida sugere. graça e desenvoltura de uma pessoa normal, dispensando palavras
afetuosas e confortadoras aos mais íntimos. Em vista de seu pai ter
seu espírito, meses depois, começass'e a se manifestar em h:g~res que o desc?nheciam, manifestado o desejo de abraçá-la, examiná-la, beijá-la, estreitá-la enfim
passaram a lhe chamar de "Irmã Noiva", em virtude de matenahzar~se com ~eu l~~umento contra o seu saudoso coração, Teresinha mais do que isso aquiesceu:
nupcial. Mais tarde, quando já se materializava perfeitamente, ela mesma se IdentIfICOU em
voz direta, sendo, então, comunicado o fato à família que a reconheceu, R'ermanecen~o, permitiu que lhe auscultasse o pulsar do coração e ouvisse nêle as
porém, o gracioso apelido de "Irmã Noiva", pelo qual é intensamente conheCIda nos meIOS
espiritualistas de São Paulo. vibrações de saudades, como se ainda estivesse encarnada.
332 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 333

Efetivamente O Sr. António Cavalcanti declarou que "ouvira niti-


Reconfortante é pensar quando se analisam, comparam ou clas-
damente o tÍl:-tac do coração de sua filha"! (sic).
sificam as modalidades variáv,eis, conforme se desenvolveram os pro-
Teresinha permaneceu por longo tempo materializada, cantando cessos de materializações a que assistimos, a começar pelo fenômeno
trechos da "Ave-Maria", de Gounod, com letra improvisada. assaz sugestivo das "sensações de suavíssimo perfume" para terminar
Depois, exortou os presentes a seguir,em com firmeza a doutrina no testemunho sensorial dos presentes, quando, dizemos, se cuida de
de Jesus, prodigalizando-lhes palavras de carinho e confôrto. Ao analisar e julgar a complexidade dos fatos, então as perplexidades que
representante da imprensa ofertou um ramilhete de flôres naturais, se têm a dissipar perdem todo o valor teórico, a incerteza fica neutra·
que s: achava na sala, pedindo-lhe que transmitisse estas palavras lizada, pois êles são suficientes para demonstrar experimentalmente a
textualS: existência e a sobrevivência do espírito humano.
- "Diga a tôda a gente que Teresinha é imensamente feliz"! l'l verdade que, ante o inverossímil do acontecimento, natural e
logicamente os incrédulos não se contentarão com a afirmativa daquele
Assinaram a ata dos importantes e significativos trabalhos mediúni-
cos, presididos pelo médico Dr. Abdias Nogueira, todos os presentes. que se diz ser um espírito momentâneamente materializado. Real-
mente, o fenômeno parece ser absurdo, parece ser, mesmo, contrário
Nos fatos que acabamos de expor, o detalhe mais importante, às leis comuns e profundamente maravilhoso. E a primeira atitude
sob? ponto de ~ista teórico,: é o do médium não conhecer os espíritos de quem o recebe como um fato, será sempr,e duvidar da sanidade
mamfestantes, nao tendo, desse modo, o ensejo de gravar no subcons- de quem o relata, para depois passar a conceber tôdas as possibilidades
ciente a imagem dos espíritos - o que assegura admitir a realidade de fraude.
objeti;a das aparições, rejeitando definitivamente as hipóteses que se
podenam aventar de fenômenos de auto-suo-estão alucinatória ou de Considerando-se porém a situação e as circunsândas já expostas-;
transmissão de pensamentos provocados pelo~ progenitores que, volta- somente poderia se atribuir a mistificação a uma pessoa estranha, que
dos para a recordação da imagem da filha morta, estariam originando tivesse misteriosamente entrado na sala sem ser percebida por tantas
a ,vi.são e a transn:i~são dess~ imagem: sem querer captadas pelo pessoas atentas e por um lugar desconhecido do próprio dono da
medmm que a plastlÍ1cou - mterpretaçoes que dispensamos rejeitar, casa. E isso acreditamos é difícil se conceber.
porque elas nos parecem assaz gratuitas. Temos a considerar ainda que, em seguida à materialização da
"Irmã Noiva", o imediato aparecimento de Teresinha, reconhecida por
Diante de semelhantes circunstâncias, tôda a pessoa isenta de
seus próprios pais, só por si, em tais circunstâncias, êste fato viria
i~éiasprec<,>n::ebidas, deverá admitir que se as manifestações dos espí-
eliminar qualquer uma das hipóteses aventadas. Acresça·se, em suma,
ntos matetlabzados estão em relação com a vida do próprio defunto,
que, nos dois casos apontados, e outros poderiam ilustrar êste comen·
mormente sendo ês~e. desconh;cido do médium, implicam logicamente
tário, não houve nenhuma intenção e nem preparação. Ambos foram
a sua presença esp1t1tual e sao causadas pelo fato de não se poder
imprevistos e espontâneos. Tôdas as circunstâncias que os rodeiam
contestar-lhe a presença.
afastam qualquer suspeita de fraude. A documentação em tôrno dos
Em outros têrmos: as materializações têm por fim impressionar mesmos é a mais honesta.
os presentes e levá-los à convicção da r·ealidade de que os espíritos Se a ciência somente têm valor os fenômenos experimentalmente
existem em vida própria e que quando conseguem os elementos neces- comprovados, para a ciência espírita, tão plena de subtilezas, impondo
sá~ios, tornam-s'e visíveis, audíveis e palpáveis - objetivo sempre condições difíceis e estravagantes, só merecerá consideração os fenô·
atmgldo. menos diversas vêzes obtidos sob a mais rigorosa condição de contrôle
. ~m verdad~, qu,:m 9l;er que examine êstes casos e possua cultura e totalmente isentos de qualquer dúvida quanto à procedência do
s?f1C1ente e sentldo .fdosoÍ1co bem desenvolvido, tendo por vêzes expe- sobrenatural.
rlmenta~o a necessldade de se deter para meditar sôbre o mistério
Depois que o Espiritismo ganhou terreno em todo o mundo, milha-
do .destlOo humano, não d,:ixará de refletir sôbre o facho de luz que res de grupos, localizados em todos os pontos do globo, repetem os
proJeta nas trevas que rodeiam (! futuro do sêr humano os fenômenos resultados já confirmados por nomes ilustres, que consagram seu
a<Jui ~present~dos: Quem quer que possua, em suma,' inteligência, e tempo e saber à observação dos fenômenos.
nao somen.te msttntos, não desprezará a perceptível idéia de que se
encontra dlante de fatos que provam a imortalidade humana. Infelizmente, devido às condições exigidas nem todos conseguiram
resultados felizes e comprobatórios; e, para nosso mal, não poucos
334 PEDRO GRANJA CAPÍTULO XVIII

·~inte.tessa~?s" deturpa:am a verdadeira e sagrada finalidade do Espiri-


tIsmo, utIhzand?-:e dele p,ara os mais pervertidos fins, para gáudio
dos seus adversarlOs que aI encontram o material cobiçado e o trans-
formaram em poderosa arma contra a própria doutrina.
DESMATERIALIZAÇÕES
. Mas, ao~ lado dos que agem com segundas e inconfessáveis intenções,
eXIste~ aqueles que de boa fé e com inteligência divulgam o precioso
ma.tenal que colhem, para submetê-lo, em sã consciência, à opinião
UnIversal.
. Essa tarefa, todavia, poderá ser mortal para um homem desme-
dId~ para uma ger.ação, ]?esada ainda para um século. Não ser~, porém,
raZao para que, dIa a dIa, cada um de nós na sua esfera, não procure
honestamente concorrer para tão nobre empreendimento.
A VISTA de tão grande acervo de provas e o testemunho
irrefutável de tantos homens de ciência, em face de inumeráveis casos
E .aqui nestas páginas, ;nsiosos por trazer o nosso pequeno grão registrados diàriamente em todo mundo, como em nosso meio, é justo
de areIa que se argamassara à pedra do famoso edifício que há de que só se deva admitir, sob a rubrica de ordem geral, a incontestável
lançar os fundamento~ da "Ciência da Alm~", guia-nos a esperança de autoridade daquele que, através da observação metódica e experimen-
que nos compre~n~erao, relevando a ousadIa do empreendimento pela tação rigorosa, tenha atingido as conclusões finais de seus estudos,
grandeza do obJetIvo, todos aquêles que amam a Deus e confiam mas que, sob o ponto de vista doutrinário, não os transformem num
numa de suas melhores obras: a Imortalidade Humana. sistema definitivo, imutável, fora e acima das conquistas do saber
humano.
, Chegamos a ~ste ponto e eis, pois, leitor amigo, o término do
capItulo em .que dIscorremos sôJ;>re os "Fenômenos de Materializações". Embora de aspectos diversos há, pela essência das coisas ou fins
Resta-nos, alOda, expor a contInuação dos fenômenos verificados em a que se propõem, genérica e especificamente, uma sinonímia variável
o~tros se~ores que, como os demais, passaram pelo crivo de rigorosas entre a ordem experimental na Doutrina dos Espíritos. Todavia, esta
e lOsuspeItas observações, antes de sairem a lume. doutrina, que se entrelaça nas íntimas relações da vida científica,
filosófica e religiosa, mantendo-se integral quanto à concordância,
Prossigamos, pois. progride sem cessar, pelo estudo, pela análise e pelo trabalho, e,
embora superior a todos os sistemas da escolástica, acha-se franca às
retificações, às evoluções da inteligência e aos esclarecimentos do futu-
ro, partindo, naturalmente, dêste prindpio:"o progresso do espírito
humano através das pluralidades das existências e dos mundos".
Sendo a parte teórica a que explica e faz realçar o sentimento
imortalista, é a que compõe, também, o primeiro capítulo de tôdas
as verdades que concorrem para a ev()lução e elevação moral e espi-
ritual do homem. ._.- --, .
Aos que negam a realidade dêsses princípios, e faz·em da negação
um sistema, acabamos de lhes dizer:
"Vinde instruir-vos, fazei experiências, buscai compreender todos
os fenômenos, sêde observadores meticulosos, não aceiteis uma expe-
riência senão quando puderdes repeti-la muitas vêzes e nas mais
variadas circunstâncias; em uma palavra, caminhai prudentemente em
b~s.ca d? d,es.conh.ecido, po::que, avançando-se à procura de novos prin-
CIpIOS, e faol calt-se em erro. Quando tiverdes suficientementeestu-
dado, o próprio fenômeno vos instruirá acêrca da sua natureza e do
seu poder".
AFINAL, QUEM SOMOS? 337
336 PEDRO GRANJA

sentidos, sentir·nos·íamos também tentados a qualificar de milagrosos


E aos que lhes faltam fé, mas, em compensação, sobram·lhes a êsses fenômenos.
boa vontade de conheceI a verdade que vimos de relatar dir·lhe-emos
também: ' Em verdade, quem quer que leia o relato dos episódios que
estamos apreciando e possua cultura e senso filosófico suficiente para
"Não se yr.edsa de fé para compreender a nossa Revelação. Não haver sentido alguma vez a imperiosa necessidade de meditar sôbre
tolhemos o hvre exame. Só aceitai como reais as verdades demons· o mistério do Sêr, não deixará de se deter para refletir acêrca do
tradas pela análise, pela lógica, pelos sentidos e pela observação". facho de luz que os fenômenos aqui comentados projetam sôbre as
Incumbe.lhes, porém, quanto ao dever do que investiga não trevas que envolvem o destino humano.
negar .aquilo que .não compreende ou dar por demonstrado ~quilo Em suma, quem quer que possua um intelecto isento dos precon-
que mnda determma um estudo especial. No campo genérico do ceitos escolásticos não deixará de reconhecer que tem diante de si
saber, a r.rópria. ~esquisa possui o seu quadro de limites e nêle é que fatos comprovados e que prometem fornecer·nos, em fututro não
se deve lr classIficando os fenômenos abrangidos pelo conhecimento remoto, a "chave" do Grande Enigma. Dia virá em que todos o
humano. Ao seu lado vão-se registrando aquêles que se realizam e compreenderão e nesse dia terá início um nôvo e glorioso ciclo para
os que aguard~m estudo e classificação. Nenhum dêstes pode ser a evolução social, moral e espiritual do gênero humano (1).
recusado como Impostura, de modo definitivo. "Quod gratis asseritur
gratis negatur". ' * * *
, ~o estado a.tual do conhecimento, entre a afirmação dos fatos Tendo o leitor travado conhecimento com a vasta série de expe-
esp:r1tas, qu~ Ase .lmp~e:n com total unanimidade de provas, e a acei· riências sôbre casos de materializações e considerado as inúmeras provas
taçao pela ClenCla ofwal, que não quer investigar a veracidade dos que atestam a realidade dos fatos - que, diga,se de passagem, em
mesmos, não deve haver o direito de se combaterem e nem vemos vista da empolgante documentação apresentada, convencem e deslum·
realmente, razã.o para subsistirem, pois que se à primeira compete ~ bram o mais céptico e refratárío incrédulo - vamos continuar com
dever de contmuar provando o que realiza, à segunda, a bem do novos relatos, trazendo a lume outra série de experiências, cuja
progresso coletivo, cabe a missão de pesquisar essa realização. Ambas conexão é a seqüência lógica ou, melhor, o complemento direto da
não poderão proclamar a veracidade das coisas, sem primeiro assegu- fenomenologia resultante e que projeta viva luz sôbre a analogia de
rarem a estabilidade do terreno e, a fim de discutirem os titulos dos
ambos.
conhecimentos que possuem, só deverão admitir como meios de demons-
tração a observação, a experimentação, a dedução ou a indução. Trata-se, como veremos mais adiante, de efeitos que poderíamos
classificar assim: 1.'1) conseqüentes à materialização havida e de resul·
. A ciência sabemo·la progressiva; portanto não se submete ao tados variáveis; 2. Q ) independentes da materialização havida e de
preconceito, não se escraviza às conv·enções, não cessa a sua ação condições diferentes; são, em resumo, os casos de desmateríalização e
benéfica, nem constrói muralhas que vedam as suas claridades; como de transfiguração.
a religi~o .ela é tolerante, indulgente; não se recreia com a injustiça,
nem reJubl1a com o insucesso, mas folga com a verdade; tudo exa· ~~~':"!1~~_c~~~!as_~<:>'!l:l-j11c~~?_c~!!1!~!~~~_i!Q!~ccgc_g~cc_p!l.s.s!!g~},l!.
..c.cc:lª
mina, tudo observa, estuda, perquire inteligente e racionalmente para !!1ªtérjllªtrayés dal?1ll!érjª __º'!clªcl~ItJ:li!!~riªH~ªçª-º. Em tôrno do
fazer juízo justo e imparcial. mesmo, muito já se tem dito e escrito, e muito se terá a dizer e a
escrever. ~ um tema sempre nôvo. ~ o fenômeno que a ciência
Assim, um conhecimento até então i!!norado uma vez esclarecido espírita, através de inumeráveis investigações, já estudou e classificou
· de ~a~er parte do. miraculoso. Um~"
deiXa milagre que se explica racio· devidamente algumas das suas múltiplas variantes, e ao qual está
na! e pos1tlvamente deIxa de ser um mistério para entrar no rol das intimamente ligada a outra grande série de fenômenos, ainda por
COlsas acessíveis ao espírito humano, por mais transcendental que classificar à espera de quem os queira pesquisar.
possa parecer.
Sôbre o palpitante tema, vamos buscar, para melhor esclareci·
E, ao passo que se ascende na escala dêsses maravilhosos conhe· mento, os testemunhos de grande sábios:
cimentos, irá, parí passu, igualmente subindo o nosso deslumbramento,
porque .0 assombroso recresce a ponto que, se não fôra a probidade (1) Ernesto Bozzano - (I Animismo ou Espiridsmo n •
e autondade daqueles que no·los atestam e a evidência de nossos
AFINAL, QUEM SOMOS? 339
338 PEDRO GRANJA

º..<lº !,!º!~ss{)!J{)I1:l1111:K:ll:'l.:f}:i~_(l!içh~ZQUn~l', na comprovação


científica que dera aos casos de fenômenos dessa natureza, realizados
."Minha primeira sessão com o médium s'~ realizou n~ noite de
20 de janeiro de 1874. Os espectadores, em numero de sels, estavam
1?_elo. m~9:~!m~ Sla.s!~ (2). sentados à volta da sala a distância de oito pés do gabinete mediúnico.
iL<!2.. "º!,"".G:y.~t.:lJ:Q~1~lt~m, que muito se interessa por esta espécie Sra. Compton tomou lugar no interior dêste, em uma cadeira;
de fenômenos, daí as observações que mais sensação despertaram na abaixou-se muito a luz da lâmpada, e durante algum tempo nada se
época em que foram realizadas. Revolucionando as idéias então cor- passou de interessante. !Lºf!11!!.él,p.()E!~aºritl~~e~ . .•~.. .élng~t;~_c:l~ ...,:tI!!1
rentes na física como postulado científico, foi precisamente essa demons- ijJSli?f!..P.élE~~~,!S dirigiu-nos uma inte.rpelaçãoe saudou-me cordlal~e.nte,
tração a que êle também denominou "a desagregação da matéria", porém não se distanciou do gabmete, decl~rando qu: .o medmm
isto é, a aptidão dos corpos à desagr.egação, emitindo eflúvios análogos estava fraco e abatido para lhe fornecer a força necessarra.
aos raios catódicos, em conseqüência da radioatividade, não de um Realizamos na tarde seguinte outra sessão, materializando-se a
ou de alguns determinados corpos, mas de todos os corpos, como lei menina Brink, que andou à volta da sala, tocou em diversas pessoas
universal (3). e acariciou-lhes as mãos e as faces. Trazia um vestido flutuante de
O Dr. Leopoldo Cirne conta-nos que as mais surpreendentes dessas musselina branca com pontas de crepe, à cabeça um véu que lhe caía
experiências foram realizadas em Nova Iorque, pelo Dr; Paul Gibier, até os joelhos; deslizava como se estivess·e com ~apat?s de velu~o,. e,
~om_,Q"!!1j_<li\lQ!.l'E:!E}{)l1..gp:~,,,~J:J:l,E}éti~,_C!~,,~J:J:lª,Qçª.si~Q",:{ºX-ª~t!ç~!adº visivel na semi-obscuridade, ela se assemelbava a nOlVa de Cormtlo,
_l1!:!m,!:,::gª}gJª~:~"~~p~Siét!l1~~l1,t~fªl1!iSª<l:l,,PEXª,,1!~! P!:E~ªl1çiE:,,~çQm,Yi!!§,!:,~_ de Goethe ...
2.~"f~!!ºLJ~çhª~l~ULEª<l~~C!Q:,,!r_~tª(;tªg~h Depois de cessada a momen- Depois de haver passado pelos de~ais especta~ores, ela v~io a
tânea obscuridade para a produção do fenômeno, o médium era encon- mim, que estava com uma das mãos apolada no tablq~e do gabmete,
trado do lado de fora, estando a "gaiola" perfeitamente cerrada e e acariciando-me docemente a fronte, sentou-se-me nos Joelhos, colocou
lacrada, como antes, e os varões ainda quentes, a atestar o processo t:m braço sôbre os meus ombros e beijou-me a face esquerda. Se~
st~_g~~ll1ª,t~E!ªJ!~ªSª()~!~t:S?!l~p{),~içª(),i_l1~~<liE:!ª,~( 4 ). pêso não era maior do que o de uma cria?ç~ de oito ano~.' mas sentl
O singular fenômeno da "passagem da matéria através da matéria", seus braços firmes no meus ombros, e os labtos que me belJaram eram
em face da explicação dada pelo insigne investigador Willi?};p._ÇJ;QQk~,'i> tão naturais como os lábios de uma pessoa viva.
e inúmeros outros, tem o sabor dos fatos consumados. Diz êste sábio, Após combinar com os assistente,:; penet~ei, no ga}Ji?ete, enquanto
com grande proficiência, que "()~,Jl{)!!1.2!!".<l:l_.E}ªl~!iª""gp:~~ª!!ll:.Y~§ a menina ficava do lado de fora; nao achet at O' medtum, (desmate-
pê~§?m"".p~!{)§.",.,!n!~t;s!i<;i{)§.,. ,.,qll~." . . s,~P?!?!!1.".o.s ,.,ªto.mº§<lª,,!!1ªt~!!iL.ª!!ªY~§­ rialização total do médium) apesar de ter examinado não só todos os
§êc!a", sem derrogar, é daro, o p1'Íncípio de ,física universa}menteconhe~ recantos, mas também, para melhor me certificar de que nã~ esta~a
cido - "de que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no alucinado, a cadeira, as paredes e todo o espaço em volt~. So ~odta
espaço" (5). haver uma alternativa: ou o espirito não era um espírlto, e Slm o
Reunindo os casos de desmaterialização num só capítulo, visamos médium ou o médium tinha-se transfigurado à moda dos taumaturgos
o seguinte: observá-los somente quanto à conformação estrutural e à orientai~ (evocadores dos mortos). Quis resolver definitivamente esta
parte analítica, acentuando, todavia, a correlação que há na série desses questão, antes de deixar a cidade.
fenômenos com os outros. Assim sendo, frisamos que parte por À tarde do dia imediato, depois de ter obtido o assentimento da
analogia a comparação feita por nós se bem que, como regra geral, Sra. Compton, para que ela se submetesse às minhas. inves:igações,
qualquer materialização é a resultante de uma desmaterialização parcial retirei os seus brincos e colO'quei numa cadeira, no gabtnete, a qual a
ou total. prendi passando um' fio de linha númerO cinqüenta através dos orifí-
QǺ!ºl:!~lH~my~,Q!çº!t, narra o seguinte fato, ocorrido com cios das suas orelhas lacrando e selando as pontas no espaldar da
_<!.~.11!f<l!~m.. Él.~.~l>~!.I1".L.~2E}E.!9~~.: cadeira, sob a qual i~primiu o meu sinete particular. D~pois fix.ei a
cadeira no chão por meio de cordões cujas pontas lacrel e selel de
(2) Friedrich Zõllner - "Fisica Transcendental".
modo completamente seguro.
(3) Gustavo Le Bon - "O Grande Enigma". Assim que a luz diminuiu, como é habitual. nessas sessões,e
(4) Leopoldo Cirne - "Doutrina e Prática do Espititismo".
fechou-se a porta do gabinete, contamos alguns mmutos; logo apó:"
(5) \'ViIliam Crookes - "Fatos Espíritas".
340 PEDRO GRANJA

AFINAL, QUEM SOMOS? 341


através da abertura praticada no lado superior da porta, duas mãos
flutuaram da direita para a esquerda, desaparecendo em seguida.
Tornaram a parecer ainda duas mãos maiores, e então uma voz me em idioma desconhecido por nós, entabolou-se entre êle e o Sr. Hardy,
falou - se não era a do falecido Daniel Webster, pode-se dizer que um dos assistentes, que habitara alguns anos entre os indígenas do
era a sua reprodução exata, em profundeza, sonoridade e tonalidade Oeste, na região em que encarnara o espírito, dando-nos, dêsse modo,
- dando-me instruções completas e sugerindo medidas de prudência o testemunho da autenticidade da linguagem falada pelo espírito guia.
sôbre o modo pelo qual eu devia continuar as minhas investigações.
Encerrados os trabalhos, munidos de uma lâmpada 'entrei no inte-
Quando penetrasse no gabinete, aconselhou-me êle, enquanto o .rior do gabinete, e encontrei o médium tal como o havia deixado antes
espírito materializado ficava na parte de fora, tatear e tocar livremente de começar a sessãoj todos os fios de linha e selos do sinete estava.m
por tôda parte para convencer-me de que o médium não estava aí,mas intactos. lHe conservava-se sentado, com a cabeça apoiada contra a
devia ter todo o ruidado em não tocar de modo mais efetivo na cadeira. parede, o rosto pálido e frio como mármore, visíveis as pupilas sob as
Entretanto, era-me permitido aproximar as mãos tão perto quanto o pálpebras entreabertas, sem respiração e sem pulsação.
desejasse, porém, de modo a evitar-lhe o contacto direto. Verificamos os fios de linha e os selos do sinete pelos presentes,
Em seguida, devia colocar sôbre o estrado da balança uma coberta, cortei-os com a tesoura e levei, segurando a cadeira pelo assento e
não importa de que espécie, para que o espírito materializado não espaldar, a mulher cataléptica para o ar livre. Ela permaneceu assim
ficasse em contacto com a madeira ou o metal. dezoito minutos sem movimento; a vida voltou-lhe lentamente ao
corpo, até que a respiração, o pulso e a temperatura atingissem o seu
Prometi conformar-me com as instruções, e 'em breve tive a satis-
estado normal. Coloquei-a na balança: ela pesava cento e vinte e
fação de rever a menina de vestido branco a que já me referi. Ela
uma 'livras" (6).
avançou, percorreu o círculo, tocou em várias pessoas e aproximou-se
da balança. Eu estava sentado, pronto a agir, com uma das mãos no Em virtude da ótima explanação do Coronel Olcott, na qual o
pêso e a outra no marcador, e, assim que da subiu, tomei o seu pêso, autor meticulosamente relata oS fenômenos ocorridos, apresentando-os
sem perder um segundo. Ela se retirou logo para o gabinete; e como observações pessoais, é que deixamos de tecer qualquer comen-
então li: a marcação à luz de um fósforo: pesava, apenas, setenta e tário sôbre as experiências para somente destacar, mais uma vez, as
sete libras inglêsas. seguintes ocorrências:
O espírito tornou a sair, e imediatamente penetrei no gabinete; Vimos que da primeira sessão resultou a materialização de um
examinei tudo com o maior ruidado: como antes, não encontrei ves- índio e que êste, incontinente, recolhendo-se ao gabinete mediúnico,
tígio do médium. A cadeira aí permanecia, mas nenhum corpo nela declarou. estar "o médium fraco e abatido para lhe fornecer a fôrça
se apresentava. Pedi então à criança-espírito que, sendo possível, se necessárid', ou seja fluido vital.
tornasse mais leve,e ela subiu à balança. A seguir outras sessões se realizaram, conseguindo as experiências
Tão depressa como da primeira vez, coloquei a balança em equi- do Coronel Olcott alcançar pleno êxito.
líbrio, e, assim que ela se retirou, li no marcador o pêso de cinqüenta Na segunda sessão, por exemplo, enquanto o espírito da menina
e nOVe libras. Brink permanecia materializado, o Coronel penetra no gabinete e
Brink reapareceu ainda uma vez, e, então, percorrendo todos os "não achou aí o médium"; averiguando, dêsse modo, um autêntico
espectadores, acariciou a cabeça de um, a mão de outro, sentou-se sôbre caso de desmaterialização total.
os joelhos da Sra. Hardy, pôs suavemente a mão sôbre a minha testa, Não satisfeito com os resultados repete a experiência e, a fim de
acariciou-me as faces e subiu no estrado da balança para me permitir evitar possíveis fraudes, cerca-se novamente de todo o rigor e ruidado
a última prova. Desta vez não pesava mais de cinqüenta e duas libras, para melhor controlar o sensitivo.
apesar de não se notar, do comêço ao fim, nenhuma diferença, quer
no vestuário, quer na aparência corporal ... Na terceira sessão emprega o seguinte método: com permlssao
do médium, retira-lhe os brincos, atravessa os "orifícios das orelhas
Terminado isto, Brink não apareceu mais. Depois de se terem com um fio de linha número cinqüenta, lacrando e selando as respec-
escoado alguns minutos, fomos interpelados pela voz baixa, profunda tivas pontas no espaldar da cadeira". Ouve, a seguir, as instruções
e gutural do chefe índio que se mostrou à porta. Uma conversação,
(6) ,Coronel Henry S. Oleott - "People írom the Other World".
342 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS?

de um espírito que o referido Coronel supõe ser o de seu falecido 4e ~atureza ac()nstituit: lln1<tte:ori<ts<slida,assiIli ()creIlio~. Parece-nos,
amigo Daniel Webster. Surge, enfim, materializada a menina Brink; püt'i:ã"nto,ser'maIs"'hõllrôso efedárar' cóm tôdá convicção e sinceridade
e deixando-se pesar, o registro da balança acusa que "ela pesava apenas a nossa. ignorância ...
setenta e sete libras inglêsas"... Investigando depois o gabinete e
examinada a cadeira que aí permanecia para o médium sentar-se, o Mas, a bem da verdade, por ora, devemos limitar a considerar
Coronel Olcott constata a perfeita ordem disposta, "mas nenhum os fenômenos de desmaterialização total do médium, como assinala-
corpo nela (cadeira) se apresentava". mentos que se acumulam a serviço da ciência e. que em futuro não
distante ser-lhe-á dado atingir as conclusões finais.
Depois, durante o período em que o espírito permanecia mate-
rializado, há, ainda, as variações de seu pêso: setenta e sete libras, Em apoio a estas ocorrências, dois anos depois, em 1876, o Dr.
cinqüentae nove libras e dnqüenta e duas libras e, apesar da dispari- Newbrough fêz idênticas experiências com o mesmo médium, Sra.
dade havida entre o primeiro pêso (77 libras) ao último (52 libras), Elisabeth J. Compton. O fato é narrado pelo Dr. Sinamons, num
não se notava nenhuma diferença ou mudança, quer no vestuário, quer dos Congressos da Associação Nacional dos Espiritualistas realizado em
na aparência corporal da menina Brink. dezembro do referido ano e publicado na revista "The Spiritualist".

Concluiu-se, portanto, que as variações de pêso averiguadas nesta Eis, em resumo, o relato do Dr. Sinamons:
experiência, confirmam, mais uma vez, o que já se tornou clássico em "O Dr. Newbrough lhe contara como êle amarrou a Sra. Comptou
Espiritismo: "tôda a materialização produzida é conseqüência de uma com cordas ~ceradas, e :omo !ixou no soalho seu vestido de alpaca
desmaterialização, que pode ser parcial ou total". esc?ra. DepOIS de prende-la desse modo, tomou lugar no círculo dos
E finalmente, ao término dos trabalhos, é o próprio Coronel asslstente~, qu~ se achava do lado de fora. Em seguida, o Dr. New-
que entra no gabinete e encontra tudo como havia disposto: "encontre~ brough V1U saIr do gabinete mediúruco um sêr materializado que era
o médium exatamente tal como o havia deixado antes de começar a ~eno~ que a Sra. Compton e todo vestido de branco; seria preciso, disse
sessão; todos os fios de linha e sinetes estavam intatos", verificando, ele, tnnta ou quarenta metros de pano para confeccionar a vestimenta.
dêsse modo, a rematerialização do médium e dos objetos em questão.
Convidado pelo espírito a examinar o gabinete, ~í entrando êle
Colocado o médium na balança, "~l$; . p~~~ 121 libras", confirma o nada mais encontrou a não ser a cadeira vazia do médium. Tornou
autor. a sair, falou com o espírito e pediu-lhe um pedaço do seu vestuário.
Felizmente as observações repetidas no presente caso, e outras ~ste lhe respondeu:
persistentemente estudadas por criteriosos experimentadores, vieram nos
"Se cortardes algum pedaço, faltará na roupa do médium" _
dar a demonstração visível e em certos casos mesmo palpável, segundo
e acrescentou que, "em tal caso, seria preciso presenteá-lo com nôvo
o que se irá inferir do próximo relato, que aquilo que constitui essen- vestuário".
cialmente o corpo físico do homem é uma matéria qll~~mcl~!~J:miºªºªs
~~~S:9!~;~=2~~,~:~~i~gE~g~~~Si;!~~~~~ª~~~eT11lpq~t!~~~~~z, ~ in.t!~~í~el, Nesse ínterim, da vestimenta branca do espírito, êle cortou um
.~'-~m prei!!!~Q~g~jl}E"h2.g!:;!ª!!cl.ª.cl~._.~mª!!.clQ<:l~.º§_Y2ªg!~gª<:l.ºs.QL~l~m~º­ pedaço do tecido mais ou menos do tamanho da sua mão. O mate.
tgs .q!:;!e .lhe .c()ºstitl:l~mª•. p~J:s()ºªli<:lªg~J!§i~ª,qllªL~J:"ªªQ~!:fIQ1II1~º!~, rIalizado entrou no gabinete, e, instante após, o doutor também foi
.,sem .,_gll~_J~~.2..,.ªi~t~__m~.~!!}.º... Jig~~Eªm~ºte: . . . ~:~l:I; ....fllEl:sI()ºªE~mQ . . . J:e:gul.ªr,.. convidado a entrar,encontrando o médíum! prêso pelas cordas ence-
As observações que fazemos, a propósito do corpo do sensitivo radas e a sua roupa fixad.a no soalho como precedentemente; e no SeU
se desagregar, ou seja desmaterializar, 'e tornar agregar-se ou remate- vestido negro havia um grande buraco, exatamenfu igual ao pedaço
rializar, sem que lhe venha prejudicar o seu funcionalismo fisiológico, brtmco um pouco antes cortado (7).
apenas provam até que ponto nos achamos impotentes para compre-
ª
e:ºcle:J:"Q.P()<:le:J:qlle: e:.~e:ESe: . sª1:>J:e: 1J!.tl:t€.rilt. Q.. peri~Pi.r~tº (Qll SQXpQ fIlli:
gi~5~2_qllll.~,~()~,~.. ~ª.r.~().~~"S()~._().~ ... t{~ft!q~L.!ª.ºL(Lcl2ce:nSªEºª<:l2 (q11,e
Mais tarde o Doutor Newbrough recortou outra parte das vestes
negras para documentar o orifício em que se encaixava perfeitamente

m:~!e: ..sª.sg.~. e:t:.~ . . ()!!}~clillm).,<::ºmº . . clº:.<:le:§.e:!1(;ªJ:Qª~<:l,Q(qll~_~~J:iLQ.J:~~p-íritQ) , (7) Idêntico fato várias vêzes foi obsetvado nas sessões da Sra. d'Espérance, onde,
porquanto as hipóteses que se têm aventado até o presente momento, quan~o algum dos assistentes conseguia COItar clandestinamente um pedaço do vestido ou
do veu q,ue envolvia a figura materializada, reconhecia-se que algum pedaço do vestido
embora demonstrem o avanço pelo campo de pesquisa, não são ainda ou da sata da referida Senhora desaparecia.
344 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 345

o retalho branco. Depois, fêz examinar e analisar êsses tecidos, veri· E, finalmente, que os resultados existentes entre as observações
ficando que eram semelhantes, embora de côres diferentes'! (8). do Coronel Oleott, as do Dr. Newbrough e as de Aksakoff, e outros,
Em breve comentário, salientamos a feliz lembrança do Dr. New- confirmam que há uma lei de correlação que merece estudo atento
brough, quando cortou o téd<Ío quê compunha o vestido do médIum e continuado.
a fim de confrontá-lo com a . parte do vestuário que êle cortara do Em suma, é preciso refletir-se que as concordâncias em aprêço
espÍdto, anaI1sando a perfeIção do seu ajuste. Suponhamos, então, são tanto mais notáveis porque entre os médiuns, por meio dos quais
ver o pedaço do tecido prêto com um encaixe branco, combinando-se ~oram obtidos os fenômenos, e os experimentador,es, através dos quais
nos contornos do corte, nas reentrâncias, nos rebordos, na qualidadé eles foram controlados, destacam·se a diferença mediúnica e o método
da manulaturação, igual em tudo, apenas diferindo nas côres. Sem a empregado em cada observação, s,endo contudo nos resultados finais
pretensão de trocadilho, seria caso para se exclamar: '''de fato é um que se notam as mais impressionantes harmonias fundamentais e
maravilhoso fato"! secundárias.
Concernentes aos casos de desmaterialização, vamos oferecer aos Damos a palavra ao Conselheiro Aksakoff:
leitores as importantíssimas observações do Professor Aksakoff, con· "Em 1890, fui expressamente a Gothenburg, para efetuar com a
seguidas pela mediunidade de Elisabete d'Espérance, sendo mais tarde Sra. d'Espérance uma série de sessões de materialização.
cuidadosamente estudadas pelo Professor Conde Alberto de Rochas e
Dr. Gabriel Delanne. Ela autori,z~u-me a submetê·la a tôda espécie de provas que consi.
derasse necessatlas para convencer-me dos fenômenos, privilégio êste
Acresce, porém, salientarmos o seguinte: que ainda não havia concedido a ninguém.
Que com o médium Elisabete d:Espérance, a desmaterialização se Na sessão de 5 de junho, como de costume, estava sentado muito
"fazia com tal intensidade que parte de' seu próprio corpo se tornava perto do recanto do gabinete onde se encontrava encerrado o médium'
invisível e outras vêzes desaparecia de vez. só nos separa;a .a cortin: cu~a abert~ra lateral se achava próxima d~
Que quando a desmaterialização era pardal, os experimentadores, meu ombro dIreIto; eu nao tInha maIS que puxar a cortina um pouco
com a mão, atravessavam a parte que se tornava invisível, mas a ação de lado para poder vê-la.
causava no médium violenta dor. .. A fo:ma materializada, que então apareceu sob o nome de Iolanda,
Que, na balança, muitas vêzes os experimentadores verificaram J~ ~e ha-:la mostr~do em o,:tras sessões, e nesta, pois já se apresentara
que o médium perdia parte de seu pêso e que êsse pêso se reencontrava v,atlas vezes, apolando.se sobre o meu braço, fizéramos a volta pelo
no corpo do espírito materializado. CIrculo dos assistentes.

Que levado ao seu limite máximo, quando a desmaterialização Uma lâmpada ao fundo, velada com várias fôlhas de papel encaro
era integral, o fenômeno provocava o desaparecimento completo do nado, espalhava uma frouxa claridade; mas, assim mesmo, iluminava
corpo do médium e a sua aparição rematerializada em outro lugar, o suficiente para que eu, indubitàvelmente, pudesse reconhecer os
ficando intactos os selos, os sinetes, as correias lacradas na respectiva traços do espírito que se diferenciavam enormemente dos do médium.
Assim que voltamos ao gabinete, retomei o meu lugar,e Iolanda con.
cadeira, etc.
servou-se metade do lado de fora, na abertura central da cortina.
Que os resultados diretamente analisados pelo Professor Aksakoff,
. .Então, não cessando de observá-l.a, passei cautelosamente o braço
repetidas vêzes foram presenciados por outros assistentes. dIreIto pela abertura lateral da cortIna, perto de mim. Não tinha
Que os inúmeros exemplos dêsses fenômenos demonstram não mais que estender um pouco o braço para certificar·me se o médium
ser sôbre observações superficiais que se fundamentaram as experiên- se achava no lugar; foi o que fiz. Levantei a mão até à altura do
cias, mas em grande número de fatos bem estudados. encôsto da cadeira, e deixei-a em seguida deslizar do encosto até o
assento; o ,médium não estava lá.
(8) Tal fato jamais ocorreu com o médium Florence Cook, pois Katie King, o espio Mas, no momento exato em que minha mão se encontrava sôbre
.rito materializado, incontinenti recompunha os pedaços co.ttados em suas vestes, e de modo
$lá gim e";", nunca se notando no vestido de veludo pr,êto do médium alguma falha ou falta,
o braço da cadeira, Iolanda entrou no gabinete, e uma outra mão caiu
Vide pilg. 188.) sôbre a minha, repelindo-a.
346 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 347

Imediatamente o médium pediu-me de beber; estendi-lhe um copo O tateamento parecia produzir uma viva dor no médium; entre-
de água pela mesma abertura da cortina por onde já tinha passado tanto êle convidou ainda várias pessoas a irem apalpar a cadeira".
o braço; o médium estav.a no seu lugar com O' vestido encarnado de
No inquérito pessoal realizado pelo Professor Aksakoff, após ouvir
mangas apertadas. Iolanda um instante antes era visível com um
novamente tôdas as pessoas que com êle testemunharam o fato, eis
vestido branco, tendo os braços nus até as espáduas, os pés também
como o inicia:
nus, e de véu branco que lhe caía sôbre o corpo, desde a cabeça;
entretanto havia desaparecido, exatamente como sucedera instantes "Eu poderia, em rigor, contentar-me com todos os testemunhos
antes à Sra. d'Espérance. e detalhes que me foram fornecidos, evitando assim uma viagem a
Este caso me deu muito que pensar. Helsingfors; mas o caso de que se trata é de tal forma extraordinário,
Como Iolanda, que estava com meio corpo fora do gabinete, de tal modo inacreditável e, ao mesmo tempo tão importante, que eu
pôde notar os movimentos do meu braço no interior do gabinete? considerei um dever não desprezar nenhum meio para que a investi-
Era-lhe positivamente impossível, pois a obscuridade quase com- gação fôss,e a mais completa possível".
pleta não lhe permitia ver o movimento do meu braço sôbre a cadeira E depois de haver realizado, na casa do Sr. Seiling, um simulacro
ou se eu o introduzia atrás da cortina. Ainda menos possível era dessa inolvidável sessão, na qual também se efetuara a primeira, tendo
ver o que o meu braço fazia lá, ou então o que fazia a minha mão; a escritora Vera Hjelt a gentüeza de se prestar ao papel de médium,
entretanto, o movimento da mão que repeliu a minha era tão deli- usando um vestido de tecido igual e feitio idêntico, eis a conclusão
berado quanto preciso. de Aksakoff:
Se era realmente o médium em pessoa que, de modo consciente "Fazendo a soma dos dados contra o fenômeno e a seu favor,
ou inconsciente, r,epresentava Iolanda, e se a cadeira estava realmente sou obrigado a concluir que a dos prós é muito maior que a dos
vazia, o médium não podia ver e sentir o movimento da minha mão; contras, e que êsse fenômeno é realmente um.'t verdade.
êle deveria continuar no seu papel de espírito, permaneceria no seu
lugar ou entraria no gabinete, ou, então, sairia de nôvo, como se nada Compreendo perfeitamente que tal fato pareça fabuloso, inacre-
tivesse acontecido." ditável, mesmo para nós outros espíritas, sem falar dos profanos, que
de qualquer modo me considerarão louco; mas se admitimos o fenô-
Confirma também a observação de Aksakoff a escritora Vera
Hjelt, que a seu pedido lhe relata o ocorrido numa carta. Extraimos meno das materializações - e éste é um fato indiscutível para nós - o
da carta os seguintes tópicos: fenômeno da desmaterialização é a sua conseqüência lógica e inegável".
"Alguns instantes mais tarde, as mãos do médium tornaram a "1)
cair sôbre os joelhos. Vi então que os tateava com as mãos e observei
que êle se agitava cada vez mais. Isso me pareceu curioso; inclinei-me 2)
para diante e procurei com o maior empenho compreender o que se
passava. O médium soltou de nôvo êsse profundo suspiro que fazia 3)
supor alguma sensação bem desagradável.
Ainda alguns segundos mais, e êle disse ao meu primeiro vizinho 4) Como o demonstra a experiência, êsse processo de desma-
terialização e rematerialização não abrange somente os corpos orgâ-
da esquerda, Sr. Seiling:
nicos, mas também os in-orgânicos, resultando daí que os laços e
- Dê-me a sua mão. sinetes com que se prende o médium não oferecem garantia alguma.
O Sr. Seiling levantou-se e estendeu-lhe a mão. O médium 1l aqui oportuna a seguinte hipótese sôbre o modo por que se
então ordenou: dá o fato:
- Toque aqui. Ou bem que os laços são desmaterializados, ou bem que o médium
O Sr. Seiling exclamou: o é. Temos um exemplo notável no caso da Sra. Compton, que já
- 11 extraordinário! Eu vejo a Sra. d'Espérance, ouço-a falar, estudei detalhadamente. Temos, ainda, outro exemplo análogo na
rtttts, apalpando ai cadeira, acho-a vazia,. ela não está aqui,. apenas experiência de Crookes, narrada por Blackbutn. O pescoço, a cintura,
enC01Jtro o seu vestido. as mãos e os braços de Florence Cook foram presos por Crookes
AFINAL, QUEM SOMOS? 349

348 PEDRO GRANJA


desagregação e agregação da matéria, vindo também estabelecer que
o espírito materializado de Berde possui individualidade distinta.
com quatro cordões de linho a quatro pontos de uma escala portátil, Trata-se, em suma, do fenômeno da cruz.
e os nós cosidos e lacrados. No fim de cinco minutos, o médium
saiu do gabinete, livre de todos os laços, os quais jaziam intactos Isto significa, portanto, que vamos aSSIstIr a desmaterialização
por terra (9). d.e ~m objeto, isto é, uma cruz, oferta de Reimers ao espírito mate-
naltzado, e a sua conseqüente rematerialização em ocasião oportuna.
. Também posso citar a experiência pessoal que obtive com o mé-
diUm Léon Montet, que eu havia amarrado com o maior cuidado Vejamos agora os fatos, narrados diretamente pelos autores e
e que num instante ficou livre de todos os laços, sem que o menor que foram obtido através da mediunidade cla.Sra.. Firp~l1, cujos resul-
dos nós houvesse sido forçado. tados plenamente justificam a nossa interpretação: .

5)
Sendo incontestável êstes fatos, a mesma hipótese explica "Sobretudo curiosa é a história da cruz; dei-a eu (Reimers) de
t~mbém a .penetração ~a .'m'tltéria _pela m~tléria e os transportes que
presente à aparição que se havia apresentado, quando o médium estava
sao conhecIdos na medmnldade. Eles se ltgam evidentemente aos que encerrado no saco de filó. A cruz, porém, desaparecera. E só desatei
são mencionados acima. .:fi ocioso citar aqui exemplos. Chamo a o saco, a fim de despertar o médium, depois de haver empregado
atenção dos leitores para o meu 1ivroHAnil11isl11()~Es.Qiritisl11o" e todos os esforços para encontrar a cruz. Na sessão subseqüente, Bertie
para a minha experiência com o anel de ferro que pass;;uaúã~és- do apareceu materializada com a cruz suspensa ao seu pescoço ... " (11).
braço do médium Williams, mencionada na "Psychische Studien". Assim a desmaterialização da cruz coincide com o desaparecimento
de Bertie; se esta nada mais era do que a "transfiguração do duplo
6) do médium", o poder da aparição devia finalizar com a sua volta ao
7) Finalmente, o mistério da materialização recebe, senão uma corpo do médium,enquanto que, ao contrário, sua ação persiste e se
solução, ao menos uma espécie de explicação. Isto não é mais um mantém durante todo o intervalo de tempo que separa as sessões,
milagre, uma criação momentânea da matéria, de formas orgânicas o que nos leva a exigir a existência independente e contínua dessa
humanas tiradas do nada, por assim dizer; é uma transformação, a individualidade do Além.
~.r.~.~~~~!~.~.~.9: ~:.~1l:!~f9::1l:!~()Egâllicae:xistellt~ ep ()~!ra. .:fi ainda Eis, pois, a que ficará reduzida "a questão das fôrças do subcons-
maravilhoso, .mas não· é . miraculoso. ·Ado~ltrina espidtualista ganhará ciente transfigurando o duplo do médium", (criptomnesia, etc.) con-
com isso, porque ela tende a provar que o corpo não é somente o forme teoricamente classificam os nossos opositores e, a irromper dos
resultado do jôgo das fôrças físicas e químicas, mas sim o produto de seus esconderijos, ainda mais se complica essa teoria, se o virmos
uma fôrça organizadora, (perispírito) persistente, que pode modelar a tomar forma tangível, como nos casos de materializações; se essa
matéria à sua vontade. forma revestir o aspecto de um defunto reconhecível, como nas expe-
o corpo que conhecemos aparece como um revestimento material, riências já citadas; e se êsse defunto der para andar, falar,escrever,
apenas temporário. fazer previsões, contar coisas do passado, como no caso de Katie
King e no de Estela Livermoore, manifestar-se em grego antigo, como
A supremacia do espírito sôbre a matéria torna-se evidente" (10). no caso de Nepenthes, ou desmaterializar e levar consigo para o
Em apoio às "conclusões" de Aksakoff, quando afirma que "a espaço as flôres, como no caso de Raquel Figner, ou objetos, como
supremacia do espírito sôbre a matéria torna-se evidente", vem, a no caso da cruz de Herde ...
propósito, a interessantíssima observação de Reimers e Oxley constatar
um fato teoricamente muito importante e demonstrar, mais uma vez,
que as formas complementares do transcendental fenômeno combi-
nam-se perfeitamente.
Assim é que no relato dos autores sôbr'e os fenômenos de desma-
terialização, existe um episódio frisante e que asseveram com firmeza
não só a realidade do ocorrido mas o poder dos espíritos sôbre a
(11) Devemos salientar, para confronto, que o Padre Zaheu quando se materializa,
aparece Com um crucifixo. Vide págs. 324 e 325.
(li) "The Spiritualist", t. II.
(Hl) A. Aksakoff - "Um Caso de Desmaterialização".
CAPÍTULO XIX

TRANSFIGURAÇÕES

SELECIONANDO neste capitulo o que julgamos imprescindível


para melhor elucidar o leitor, analisaremos agora, à luz da Doutrina
dos Espíritos, os principais relatos sôbre as manifestações espíritas
de efeitos físicos, embora as revelações da própria doutrina muito
nos favoreçam o intento de contornar as agruras dêstes estudos, que,
todavia, s·e consolidam nas suas mais íntimas demonstracões: teórica,
analítica e prática. ' .
Como já comentamos o processus empregado pelos espíritos para
a manifestação dos fenômenos denominados materialização e desma-
terialização, indispensável s·e torna que nos ocupemos de um outro,
porém não menos maravilhoso, e que, mais uma vez, de forma cabal
confirma a sobrevivência do espíl'ito e demonstra o seu poder sôbre a
matéria: referimo-nos aos casos de "transfigurações".
Em suas múltiplas caracteristicas os fenômenos que examinamos,
intrínseca ou extrlnsecamente, conquanto distintamente diversos entre
si, tornam-s·e afins, pois são os resultados potenciais, em maior ou
menor escala, de fôrças mediúnicas e espirituais.
O fenômeno de transfiguração, por exemplo, "consiste na mu-
dança de aspecto de um corpo vivo". Ê êste fenômeno, no seu grau
mais elevado, acompanhado de transformação completa do médium,
isto é, o corpo e sobretudo a fisionomia do sensitivo, transfiguram-se
temporàriamente de tal forma que o fazem parecer extraordinària-
mente com a pessoa falecida.
Processa-se o fenômeno, pela seguinte forma:
Entrando o sensitivo em estado de transe, (letargia) o seu peris-
pirito exterioriz,a·se} e o corpo abandonado é ocupado pelo perispírito
do morto, que gradualmente vai amoldando e faCe/ando a matéria
orgânica do médium de forma a reproduzir, com maior ou menor
perfeição, os seus traços fisionômicos (1).

(l) Recordamos. ao leitor que, segundo está comprovado pela Doutrina dos Espíritos,
o poder de agregação e desagregação molecular da matéria consistem nas fôrças organi·
zantes e assÍmilantes do períspíríto. Vide explicações detalhadas nas págs. 155 e se-
guintes, e '169 e seguintes.
PEDRO GRANJA

AFINAL, QUEM SOMOS? 353


Os médiuns que, inconscientemente ou não, produzem as trans-
figurações, são aquêles que a natureza dotou da estranha faculdade Por último, o espirito reduzirá mais as suas vibrações fluídicas,
de exteriorizar o seu perispírito com facilidade extrema. Ora, como harmonizando e coligando-as com as do médium, depois disso é que
é sabido que o perispirito tem, por natureza própria, a faculdade de Pl'ovocara a exteríorização do perispírito dêle pela supe-rposição do
assimilar a si, do meio ambiente, os elementos materiais de que carece, seu corpo fluídico, ou perispírito, a fim de manipular as matérias
daí resulta que, exteriorizando-se O' perispírito do médium, o espírito somáticas e ectoplásmicas que envolvem o médium. Só então, e final-
que quer se manif.estar atrai a si êsseselementos materiais através de mente, é que o espírito poderá plastificar, amoldar e facetar a matéria
seu perispírito, e assim reproduz a imagem viva de si próprio, imagem do sêr vivo ao seu próprio perispírito, que lhe orienta a matéria
tão viva e real, que as transfigurações são sempre susceptívds de serem recebida e lentamente vai reproduzindo tôda a aparência que o corpo
vistas por qualquer pessoa. do espírito tinha em sua última encarnação.
A compreensão dêste fenômeno, pouco inteligível para os inex- É de sumo interêsse teórico notar-se aqui a opinião do Dr. Gabriel
perientes, é facilitada pelos conhecimentos do perispírito ou corpo Delanne. Diz êle:
fluídico do espírito. Sendo nêle, e não no organismo físico composto
de matéria fluente, incessantemente variável nas suas células constitu- "Parece-me que a transfiguração do médium é possível pela super-
tivas, que residem a ação poderosa da fôrça espiritual, o poder agre- posição do perispírito desencarnado, e é provável que a transfiguração
gante e a vontade inteligente do espírito desencarnado, conclui-se que do fantasma ódico do médium dev-e se produzir algumas vêzes, sobre-
é daí, graças ao perispírito, que êle pode se revelar sôbre a matéria. tudo quando o espírito, ainda pouco habilitado a se materializar, quer
tornar-se visível. É provàvelmente nessas circunstâncias que se veri-
Portanto, tendo o espírito levado para o espaço um corpo fluídico, fica, às vêzes, uma parecença entre a aparição e o médium" (2).
natural é que, quando se apresentam circunstâncias propícias, seja capaz
de manifestá-lo, isto é, transfigurar-se, amoldando e facetando a matéria Recordemos o seguinte:
orgânica do sêr vivo pela superposição do seu perispírito, o que não Se para os fenômenos de efeitos físicos o papel do sensitIVO é
impedirá, todavia, de conservar e de haver mesmo um ponto de refe- sempre importante, o dos assistentes está longe de ser indiferente.
rência qualquer, às vêzes, uma leve semelhança com os detalhes anatô- Constituindo êles um círculo fluidico, cujas vibrações mentais podem
micos do rosto do médium. aumentar a emissão da fôrça nervosa fluidica adensada sôbre a organi-
zação mediúnica e impedir que o perispírito do médium perca as
Para melhor ilustração figuremos que, dentro de certas leis que
energias condensadas como fluxões magnéticas, tolhem por outro lado
regem as manif.estações psíquicas, o espírito queira e possa se mani-
que influências exteriores e contrárias ao grupo, se as houver, apossem-se
festar através de um fenômeno de efeito físico, como no caso de
dêle. Os assistentes podem, pela sua boa ou má vontade, ou pela sua
transfigurar o sensitivo.
desconfiança para com o médium, auxiliar ou prejudicar, em parte, a
Inicialmente, se o espírito fôr de um plano mais elevado, o seu produção dos fenômenos (3).
perispírito, ou corpo etéreo, está,efetivamente, sintonizado por uma
escala vibrátil muito mais alta, que nada tem de comum com a escala Como todos os fenômenos espiríticos mereceram a atenção de Allan
vibratória de nosso plano; ou digamos com maior clareza ainda, que Kardec, o grande codificador assim definiu os de transfiguração:
o espírito pela elevação de sua categoria viva num ciclo superior aos "Os fenômenos de transfiguração consistem na mudança de aspecto
que circundam o nosso planêta - terá, então, que diminuir a tonalidade do corpo de um vivo" (4).
vibrátil de seu perispírito, ou melhor, sintonizar a irradiação fluídica
de suas vibraçõ-es perispiritaisem harmonia com o mundo em que nós, Quanto às regras a que se acha submetido êste fenômeno, podem-
-encarnados, vivemos. -se aplicar, com certas variantes, as mesmas que já expusemos a pági-
nas atrás.
A seguir, o espírito tem que abaixar ainda mais a vibração de
seu perispírito para sintonizar a sua densidade fIuídi:ca com a tona- Sem maiores preâmbulos, vamos, pois, diretamente ao assunto,
lidade vibratória do meio ambiente, pois que, no local onde êle se reportando-nos à primeira transfiguração registrada nos anais do Espi-
manifestar, raras e excepcionalíssimas são as vêzes que os assistentes se ritismo moderno.
equilibram em harmonia de s-entir e pensar, já não o diremos em
vibrações fluidicamente afins, etc. (2) Gabriel Delanne - "Les Apparitions Materialisées",
(3) A, Martins Velho - "O Espiritismo Contemporâneo".
(4) Allan K~lfdcc - \'0 Livro dos Médiuns".
354 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 355

,º",Pf}1neirg "ças,Q que se reconhece sôbre fenômeno de transfi- ttA Sra. Crocker, estimado médium de Chicago, contou-me há
guração, fôra citado por Allan Kardec. O fato, ocorrido durante os algum tempo o seguinte:
anos de lS.5.8" etª29, manifestou-se nos arredores de Saint-Etiênne e
vem narrado assim: Sob a direção do seu guia ·espiritual, começou há meses uma
série de sessões para o desenvolvimento de nova fase mediúnica; s~as
ttlJlI:Ia jovem, d~,.ln,~is o~. meJ.;!,os q,~l!1.zt:~nos, gozava da singular sessões eram circunscritas à família. Certa noite,em que a lareIra
faculdade de se transfigurar; isto é, de tomar, em dados momentos, projetava na sala um belo darão, e quando a luz da lua também aí
tôdas as aparêndas de certas pessoas mortas. Tão completa era a se refletia, ela foi transfigurada; sua fisionomia mudou completamente
ilusão, que os assistentes julgavam ter diante de si a própria pessoa de grandeza, forma e aspecto; uma espessa barba negra lhe apareceu.
cujo semblante ela reproduzia, tal a semelhança dos traços fisionô- Todos os que se achavam à mesa viram a mesma coisa.
micos, do olhar, do metal da voz e, até, da maneira peculiar de falar.
O genro, sentado ao seu lado, quando ela voltou a face para si,
Êste fenômeno, renovou-se por centenas de vêzes, sem que para isso a
observou: "Oh! mas é meu pai!" - declarando que a imagem era
vontade da jovem contribuísse em coisa alguma.
exatamente a do seu falecido progenitor.
Tomou, em várias ocasiões, a aparência de seu irmão, morto
Momentos depois a Sra. Crocker transfigurou-se numa mulher
alguns anos antes. Reproduzia-lhe não somente o aspecto, mas tam-
velha e de cabelos b~ancos. Essas metamorfoses se operavam sutil-
bém o porte e a corpulênda. Um médico do lugar, que muitas vêzes
mente e ·enquanto as testemunhas não deixavam de fitar a re~erida
testemunhou êsses extraordinários efeitos, querendo certificar-se de que
senhora. . . Ela conservava a consciência de si própria, mas experlmen-
não havia naquilo ilusionismo ou que não era joguete de uma mistifi-
tava viva sensação de picadas por todo o corpo, exatamente como se
cação, fêz a experiência que vamos relatar. Conhecemos os detalhes,
segurasse os polos de uma forte pilha galvânica".
pelo que êle próprio nos referiu, mais o pai da moça e diversas outras
testemunhas oculares, muito honradas e dignas de crédito. O caso de transfiguração que segue, são extratos da monumental
obra do eminente cientista francês, Dr. Gabriel Delanne, intitulada
Veio a êsse médico a idéia de pesar a moça no seu estado normal - ttLes Apparitions Materialisées". Êste fato, embora relatado ao
e de fazer-lhe o mesmo durante a transfiguração, quando apresentava Dr. Maxwell por um magistrado, seu particular amigo e testemunha
a aparência do irmão, que contava, ao morrer, vinte e tantos anos, do ocorrido, Delanne, nas belíssimas páginas de seu livro, divulga-o
e era mais alto do que ela e de compleição mais forte. assim:
Pois bem! verificou que, no segundo estado, o pêso ela moça era
"Meu pai, diz aquêle magistrado, era médico numa 1;equena ~ldeia
quase duplo do seu pêso normal. Concludente se mostra a experiência, do sul. Nascera em 1812. Casou-se em 1843, e, a partir dessa epoca,
tornando impossível atribuir-se aquela aparência a uma simples ilusão residiu na mesma casa até sua morte, ocorrida em julho de 1903,
de ótica" (5).
quando contava noventa anos. Em 1893, o casal celebrava suas bodas
Notemos, desde já, que essas transfigurações se produziam sem de ouro. Minha mãe faleceu em 1900.
que para isso a vontade da jovem contribuísse em coisa alguma. A l.Q de janeiro de 1903, meu progenitor começou a sentir os
Quanto à mudança de pêso, ocorrido no caso da mocinha de Saint- primeiros sintomas da dolorosa moléstia da qual seis me~'es depois
Etiênne, dever-se-ia também pesar os assist,entes, antes e depois da morreria. Certo dia, dois meses antes de falecer, pelas vmte horas
manifestação para verificar se êles não contribuíam com matéria suple- e meia, encontrava-me em seu quarto. Êle dormia em seu leito ao lado
mentar, ou seja, matéria ectoplásmica, porque, o espírito, segundo já da estufa, e eu estava sentado diante dêle na poltrona que outrora
expus·emos, quando se manifesta por uma dessas formas físicas, só os
servira à minha mãe.
torna ponderáveis à custa de seu médium e das pessoas presentes.
Eu lhe observava o sono e não tardei a perceber que aos poucos
Encontramos mais dois casos de transfiguração, divulgados num
a fisionomia tomava-lhe um aspecto que não er~ seu. .Terminei por
artigo de Miss Klislingbury,em "The Spiritualist", de 22 de dezembro
constatar que o rosto se assemelha~a de ~odo t'mpressto~ante ao de
de 1876, onde ela os apresenta, referindo-os assim:
minha mãe. Era como se a sua mascara fosse colocada sobre o rosto
dêle. Há muito que meu pai não tinha sobrancelhas e observ·ei, ao
(5) Allan Kardec - "O Livro dos Médiuns". contrário, acima dos olhos que estavam fechados, as sobrancelhas
AFINAL, QUEM SOMOS? 357
356 PEDRO GRANJA

negras e acentuadas que ela conservava até o último dia. As pálpe.


Devo, pois, acentuar ainda: ° fenômeno de que fui testemunha,
não desapareceu bruscamente, por assim diz·er; foi, segundo me pare-
bras, o nariz, a bôca eram de minha mãe. O rosto, porém, um tanto ceu, meu próprio nai que aos poucos recuperou sua fisionomia como
mais volumoso que em vida. Todavia, devo acrescentar que, nas últimas se viesse regressando através de placas (lâminas), se assim me posso
semanas, o seu rosto se entumescera; mas na aparição, a fisionomia era exprimir".
mais parecida do que antes de ter sido deformada pela moléstia.
Sob o ponto de vista analítico. o detalhe que se deve considerar
Meu pai usava bigode e tôda a barba em ponta, mas bem curta. é o fato do fenômeno realizar-se "sem que interviesse a vontade do
O bigode e a barba que eu vi, concorriam, contràriamente ao que se paciente". Realça ainda mais êste interessante fenômeno de transfi-
poderia julgar, para formar os traços de minha mãe. A aparição guração, a grande diferença fisionâmica entre a falecida mulher e o
durou cêrca de doze minutos; em seguida, paulatinamente, ela desa- marido, o que vem comprovar não só a sua autenticidade, mas, também,
pareceu e meu pai retomou a fisionomia habitual. o poder do espírito sôbre a matéria. Parece-nos, pois, ser tal assertiva
Cinco minutos depois êle despertou; e imediatamente lhe per- o suficiente para demonstrar que o espírito ao se manifestar, transfi-
guntei se havia sonhado especialmente com mamãe. Sua resposta foi gurando o sêr vivo, não é produzido, como se pretende, por uma
negativa. exteriorização dêsse mesmo sêr vivo, porque nesse caso o duplo seria,
quando muito, o seu sósia.
Durante a aparição, permaneci imóvel na poltrona, olhando aten·
tamente aquela metamorfose. Instintivamente evitei estender as mãos Frisamos, ainda, a particularidade de seu filho, testemunha e nar-
para tocar o que estava a ver, temendo que a visão desaparecesse, porque rador da ocorrência, tomar o cuidado de assinalar que a mudança da
meu pai me contara, assim como a outras pessoas, que durante a aparência do rosto de seu genitor antes se assemelhava à superposições
moléstia teve ocasião de ver minha mãe, isto por diversas vêzes, e de outra fisionomia do que a modificação dos traços paternos. Esta
sempre se arrependeu de ter levantado os braços para tentar abraçá.la, observação é tanto mais importante quanto corrobora a observação
pois, tôdas as vêzes que o fizera, a visão se desvanecia. precedente, ocorrida em Saint-Etienne, na qual o irmão da jovem,
maior e mais gordo que ela, modifica-a pela sua amplitude.
Eu só teria atribuído importância relativa a essa transfiguração,
que sem dúvida não passava, a meu ver, de pura alucinação, se, durante Do que precede, torna·se muito plausível a explicação do fenô·
a ocorrência, não houvesse entrado no quarto e não a visse como eu, meno dada por Allan Kardec. lHe não imagina, por um momento
a criada de meu pai, mulher de trinta e um anos, à qual minha mãe, s.equer, que o médium possa produzir semelhante máscara; o gr~~de
antes de morrer, recomendara. Ao entrar, limitei·me a dizer: iniciador admite que o espírito que se reconhece, envolve o sensItIVO
com o seu perispírito, transfigurando-oe ~ esta, evidentement~, _a
- Joana, observe o sono de papai. hipótese mais provável, porque resulta duetamente da exposlçao
Ela chegou-se a mim e exclamou : dos fatos.
Existem, aliás, exemplos que não admitem a suposição de uma
- Oh! como êle se parece com a pobre senhora. ~ extraor- ação pessoal do médium, mesmo inconsciente. São os em que seu
dinário o que vejo!
rosto reproduz fisionomias de alguém que jamais conheceu,. como no
Não fui, pois, joguete de uma ilusão e bem real era o que tinha caso já por nós transcrito da Sra. Crocker, no qual ela transfIgurava.se
visto. Essa aparição, cuja certeza me foi permitido verificar, forte- numa mulher velha de cabelos brancos, desconhecida de todos os
mente me impressionou e certamente dela me lembrarei ainda que presentes, e de outros casos que mais adiante veremos.
viva mais cem anos. A verdade, porém, é que a explicação de Allan Kardec tem sido
Depois disso, interrogava a mim mesmo se era o rosto de meu até aqui a mais viável, a menos utópica, a mais detiva.
pai que tomara os traços de minha mãe, ou se, ao contrário, êstes O Dr. Martins Velho relata-nos, numa de suas obras, o seguinte
se haviam superpostos ao rosto daquele. O que me induz a crer que caso de transfiguração, por êle observado:
foi o rosto de meu pai que sofreu a transfiguração, é que vi distinta·
mente as sobrancelhas de minha mãe, e não é possível admitir que as "Em Paris tivemos ocasião de assistir a uma sessão dêste gênero,
sobrancelhas de um sejam marcadas sôbre o rosto do outro que, preci- com o médium Lay Fonvielle.
samente, não as possuía.
358 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 359

Numa sessão, realizada em plen<f; luz do dia, vimos esta senhora, tôdas as espec1es de rostos e, entre êles, fisionomias de orientais e
que devia ter então os seus cinqüenta anos, transformar-se, fisionomia indus, calmos, graves e espirituais.
e voz, em uma bonita rapariga de dezoito anos, e pouco depois numa
Um dos episódios mais impressionantes foi a personificação de
pessoa da minha família, homem velho e doente. E a semelhança
uma menina paralítica, conhecida por mim nos Estados Unidos da
era tal, que a comoção que senti foi profundíssima e penosa em
América. Todo o corpo do sensitivo, juntamente com o seu rosto,
extremo".
se havia contraído e transformado em forma radicalmente distinta
Interessantíssimos casos de transfiguração também serviram de do aspecto normal da mesma, repr.esentando, com tôda a exatidão,
empolgante assunto para mais uma admirável obra do Professor Ernesto as lamentáveis condições em que se encontrara aquela pobre vítima
Bozzano, intitulada "Dei Fenomeni di Trasfigurazione", magistral- da paralisia".
mente traduzida pelo Dr. Francisco Klõrs Werneck, sob o título "Fenô-
Em 1932, noutro número da mesma revista "Light", portanto um
menos de Transfiguração".
ano após a experiência do Reverendo Erwood, um grupo de pesquisa.
Publicando-a em 1934, o Professor Bozzano salientava que a mu- dores, da "Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Belfast", noticia o
dança de aspecto do médium não era somente circunscrita aos traços seguinte:
fisionômicos da pessoa falecida, mas que, em vários casos, o fenômeno
era integral, pois transformava totalmente o corpo do médium, acres- "Os estudiosos das investigações psíquicas de Belfast, ainda há
c-entando que, naquela época, por não se ter ainda conseguido fixá-los pouco, muito se interessaram pelas experiências da Sra. Bullock, que
em chapa fotográfica, infelizmente legitimavam dúvidas e cepticismo. se realizaram na sede da "Sociedade de Pesquisas Psíquicas". Essas
manifestações foram de caráter incomum. O referido médium sentou·
Acresce, porém, que, na referida obra, já o autor fazia alusão -se defronte de uma lâmpada vermelha, de luz algo tênue, e, depois
aos admiráveis trabalhos dessa natureza, conquistados pela mediuni- que se manifestou seu "espírito guia", começaram a produzir-se as
dade da Sra. Bullock. Apesar de ser o médium ainda inexperiente, assombrosas transfigurações de seu rosto que ia tomando os semblantes
pois que só se desenvolveu notàvelmente de 1934 em diante, não teve dos espíritos que, sucessivamente, se comunicavam em voz direta.
Bozzano, posteriormente, ocasião de se referir às inúmeras fotografias
de transfiguração, obtidas muito tempo após a publicação da sua obra. Por detrás do médium fôra estendido um largo pedaço quadrado
de veludo prêto, e, como o médium se vestira igualmente de prêto,
Como os fenômenos foram bem analisados, vamos transcrever
os rostos que apareciam se destacavam de forma notável.
apenas dois fatos, extraídos da revista "Light", números de 1931 e
1932, e que Bozzano narra no caso XIV do seu notável estudo. Eis O mais extraordinário a verificar-se na produção das transfigu-
o resumo da citada revista, de 1931: rações consistia na circunstância de que elas cresciam e se dissolviam
internamente, e, como Se apresentaram também rostos de orientais
"O Reverendo Will J. Erwood divulga na revista "The NationaI
muito velhos, era originalíssimo e prodigioso observar-se como a
Spiritualist", de Chicago, o relato de uma sessão feita por êle, em
fisionomia do médium se tornava, de repente, enrugada, ao mesmo
Hale, Manchester, com o médium de transfiguração Sra. Bullock, tempo que as sobrancelhas se alargavam obliquamente e se desenhava
durante a qual se obtiveram manifestações muito notáveis.
sôbre o lábio a sombra de bigodes virados para baixo. Desnecessário
O médium sentava-se de maneira que Se faziam visíveis, em plena é dizer que se manifestaram muitas personalidades de defuntos conhe·
luz, os menores detalhes das manifestações; e, no espaço de hora e cidos dos presentes que conversaram, assim, com parentes e amigos.
meia, apareceram nada menos de cínqüenta rostos diferentes, sobre-
Devemos acrescentar que a Sra. Bullock é uma pessoa muito
postos ao seu rosto, isto é, transfigurando-o".
simpática, cuja modéstia lhe iguala a sinceridade. O seu aparecimento
E mais adiante, o Reverendo Erwood, entra na parte analítica, entre nós, possuidora como é de rara e prodigiosa mediunidade, foi
relatando: um acontecimento que despertou o maior interêsse".
"Era como s·e o rosto do médium fôsse uma massa plástica mode- Dêstes dois casos medianímicos que acabamos de citar, não pode-
lável à vontade e modelada, ademais, com assombrosa pericia e rapidez, mos nos abster de apresentar ao leitor os magníficos comentários do
por um exímio mestre na arte, o qual, com fervor inesgotável, passava Professor Bozzano que, sôbre os fatos em aprêço, com seu magistral
de uma a outra efígie. No decurso dessa admirável sessão apareceram sentido de analista, já naquela época, em 1934, dizia:
PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 361

"Como se verifica dêstes sucintos relatos, a mediunidade da Sra. dlmata fotográfica já os pôde focalizar, segundo comprovam os vários
Bullock é realmente notável e promissora e, pôsto que se trate de dichés estampados na citada "Revista", a fim de que se dissipem as
médium todavia muito nova, é dado esperar ulterior desenvolvimento dúvidas e as negativas sôbre as maravilhas de Além Túmulo".
de suas faculdades supranormais uma vez que a estudem experimenta- Apresentando-se apenas as dificuldades iniciais, oriundas pelo ades-
dores que se proponham a observar os fenômenos sob um ponto de
tramento mediúnico e pelas divergências acidentais das primeiras mani-
vista rigorosamente científico.
devemos assinalar que, dai em diante, se realizaram as mais
Teoricamente falando, mostra-se importante a observação feita importantes sessões desta extensa série de experiências. Esclarecido
pelo relator quando diz que as transfigurações "crescem e se dissolviam concernente à sensibilidade mediúnica da Sra. Bullock, e em
interiormente", o que induz a se presumir que em tais fenômenos virtude de não nos ser possível resumir as demais repletas
tenha lugar a manifestação e conformação interior da substância de interessantes revelações do Além, em breve passagem vamos citar
sctoplásmica que constitui os tecidos do rosto do médium. Caso êsse nm dos seus impressionantes casos de identificação espírita ocorrido
em que os tecidos se dissolveriam numa substância amorfa muito com Robert Rowan, pois o valor demonstrativo adquirido por tal fato,
maleável com a qual as distintas personalidades espirituais, que se incontestàvelmente deu margem ao autor para publicar a resenha
comunicam, plasmariaml sua efígie em virtude de um ato volitivo, no que se segue:
qual entrariam em função suas próprias "fôrças organizantes" (peris- "Devo muito à Sra. Bullock. Fui livre pensador, mas depois
pírito) individuais. de assistir as suas sessões, não me restou uma única dúvida sôbre a
Assombroso, até o inconcebível, é o fato de que, no intervalo existênda do Além.
de hora e meia, se tenham podido sobrepor, materializar e dissolver, Insistindo um amigo para que eu fôsse conhecer tais trabalhos,
çinqüetlta. r()stos sôbre o do sensitivo. Contudo, o fenômeno, apesar depois de muita persuasão e relutância, resolvi ir. Devo antes explicar
da nossa incapacidade para compreendê-lo, não é raro nas experiências que minha querida espôsa falecera há três meses, apenas com vinte e
de transfiguração e já foram citados casos análogos. nove anos de idade. Iniciados os trabalhos, seu guia declarou que
presente estava um sêr que me fôra caro, que assegurou ser Gertrudes
Noto, enfim, que ambos os relatores falam de manifestações de o seu nome, e chamava-me por Robert.
defuntos conhecidos dos experimentadores, com provas de identifi-
cação pessoal, entre aS quais a notável referência do Reverendo Erwood, A seguir, o rosto do médium se transfigurou; e imediatamente
reconheci minha mulher. Mas o acontecimento mais surpreendente
em que o médium se transfigura no rosto e no corpo, personificando
uma menina paralítica, conhecida pelo narrador. produziu-se quando ela veio ao meu encontro com as mãos estendidas,
mãos que apertei entre as minb.as. Notei que havia um anel num
Não há quem não veja, em tal episódio, que a plena identificação dos dedos, o mesmo que eu lho deixara quando ela foi sepultada.
física da falecida induz racionalmente a presumir que, Se o mesmo Pensei que se tratava de surpreendente coincidência possuir o médium
fato não pode desta vez explicar-se como o trabalho de uma fôrça idêntico aneL Minha mulher também apareceu com os três dentes
modeladora subconsciente - e isto pelas considerações precedente- artificiais, detalhe êsse que pude analisá-lo bem.
mente expostas, reforçadas pela circunstância de que o médium jamais Tão abalado me senti que, terminada a sessão, pedi permissão
conhecera a jovem que se manifestara - então se deveria concluir no para examinar as mãos de Bullock. Ela assentiu imediatamente e
mesmo sentido para as materializações de todos os outros rostos, isto grande foi a minha surprêsa ao verificar a inexistência de semelhante
é, no sentido de que, sob os numerosos semblantes aparecidos, dever. anel em seu dedo. Não se tratava de um caso de imaginação. Eu
-se-ia pressupor a intervenção de outras tantas personalidades de tocara o anel. Era sólido. O amigo que me levara à sessão, também
defuntos". o viu. Foi essa a prova suficiente para me convencer da sobrevivência
de minha espôsa.
Acresce, também, a êste comentário, que o Dr. Francisco. Klõrs
WeEneck, autor da notável tradução da obra "Fenômenos de Trans- Não encontro palavras com que agradecer à Sra. Bullock, pois
figuração", de Bozzano, em artigo publicado mais tarde na "Revista essa prova transformou meu modo de vere minha vida. Agora sou
Internadonal do Espiritismo", afirma que "posteriotmente aos fatos feliz e sinto orgulho em dedarar-meespiritista" (6).
transcritos pelo Professo·r Bozzano, muitos fenômenos de transfigu-
ração se produziram com o referido médium e êsses felizmente, uma (6) Robert Rowan - Artigo publicado em "The Two Worlds".
362 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 363

Encontram-se, no caso que acabamos de transcrever, dois fatôres Ah! mas como estou pesaroso pelo que fiz a você e à sua
que, ignorados pelo médium, foram absolutamente verídicos. mãe. .. Muitas vêzes o seu estômago sentia fome, meu filho... e
eu voltei para implorar-lhe o perdão.
Primeiro: era-lhe desconhecida e dos presentes a entidade que
se manifestara; por conseguinte, nenhuma possibilidade haveria de E, como se o pêso das crueldades cometidas na terra o derreasse
transmissão da fôrça subconsciente dos assistentes e muito menos a de vez, soluçou:
do marido (telemnesia), visto o médium ignorar a presença dêste - Terríveis são as trevas que me rodeiam; grande foi a minha
último. Nestas condições, como se poderia estabelecer a "relação psí- injustiça.
quica (rapport psychique) entre duas subconsciências que se ignoravam;
relação psíquica que corresponda exatamente à "sintonização" das Reconhecendo, finalmente, a identidade do espírito, o assistente
ondas hertezianas na telegrafia sem fio? pôde confirmar, dizendo:
Segundo: a entidade se comunicara com um anel no dedo, o - Ah! papai, não calcula o mal que fêz a mim e à mamãe ...
mesmo que o marido "deixara no dedo quando ela foi sepultada", Mas o senhor então resgatou tudo o que fêz?
fato que vem afastar a hipótese de "psicometria", pois que, neste caso, Interrompendo-o, o espírito lhe diz:
sàmente por meio de um objeto é que seria possível o sensitivo entrar
em relação com o desconhecido; mas, na ausência absoluta de seme- - Eu paguei e muito mais ainda ...
lhante objeto, como documentou o próprio interessado, a interpretação E com visível impaciência êle esperava a declaração de estar
espírita de tal fato se impõe irrefutàvelmente. absolvido, porém, dos lábios do filho, o perdão não saía fàcilmente.
Se muitas pessoas supõem que a reunião entre mortos e vivos - A sua mãe já me perdoou, meu filho ...
só constitui motivos de regozijo, equivocam-se; o que muitas vêzes
O pai suplicava e, ansioso, aguardava a resposta do filho, até
deparamos são lágrimas e súplicas de perdão, de um ou de outro lado,
que afinal o perdão foi pronunciado:
mau grado a decepção desalentadora que produz aos que são teste-
munhas de tal ocorrência. - Tudo está olvidado, meu pai; não lhe guardo mais ressenti-
mentos. Agora pode voltar ...
Na Inglaterra, idêntico incidente ocorreu durante uma sessão de
transfiguração e, embora o articulista, por discreção, mantenha incóg- A figura do espírito foi desaparecendo até que os presentes perce-
nita o nome da pessoa, o assunto não deixa de ser interessante e beram o rosto normal do médium. O sr. F ... , filho do espírito que
verídico, pois foi intensamente divulgado pelas revistas "Light", acabara de se manifestar, então contou aos assistentes que o pai abando-
"Psychic News" , "The Psychic Observer", "Revue Spirite"e, final- nara a mulher e os filhos há meio século, deixando-os em extrema
mente, pela '''Internacional do Espiritismo". Ei-Io em resumo: miséria, voltando depois de vinte anos de seu falecimento para implo-
"O assistente, F ... , que era homem de meia idade, só há pouco rar-lhe o perdão.
tempo (seis meses) fôra atraído pelo Espiritismo, e viera de longe
para assistir a sessão de tais trabalhos, pondo-se, pela primeira vez, * '* *
em contacto com as manifestações físicas dos espíritos. Êle, porém,
saiu-se bem recompensado. Tão consideráveis e freqüentes são as observações dêstes fenô-
menos que, apesar das humanas hesitações, hoje não se pode pôr
Iniciados os trabalhos, o rosto do médium se transfigura e, aoS em dúvida a sua existência, nem explicar racionalmente a sua realização
poucos, vai tomando as feições de um homem velho, de bigodes. O pela cômoda mas fantástica lei das coincidências, que para tais casos
assistente, bisonho como era, sentia dificuldade em reconhecer o rosto nada elucida.
que se ia formando, até que o espírito, já integrado em seu nôvo
estado, pôde exclamar: Ê, pois, nesta compilação de fatos extraordinários, baseados sobre-
tudo na narração direta de homens habilitados com as experimentações
- Não se recorda de seu pai, rapaz? científicas e que dispunham em seus estudos de instrumentos especiali-
Velhas lembranças voltaram-lhe, então, à mente, enquanto que, zados e de métodos analíticos pessoais, que iremos buscar, resumindo,
findo algum tempo de silêncio, o espírito prosseguia: um ou outro fato mais notório.
364 PEDRO GRANJA
CAPÍTULO XX
E agora, - quando o testemunho unânime de conspícuos e meti-
culosos observadores e fatos de nossa observação provaram que as
mais assombrosas manifestações do Espiritismo, longe de ser um em-
buste, são realidades inegáveis; agora, quando demonstramos que emi- VOZES
nentes homens se têm dedicado ao estudo dêste nôvo ramo do saber,
terminando por renegar as suas antigas teorias e crenças materialistas
DIRETAS
para se converterem à nova doutrina, a despeito das zombarias e E
protestos daqueles que, enfatuados pela deficientíssima ciência que
possuem, pretendem argumentar de cátedra sôbre o que nunca estu- CONCLUSÃO
daram nem conhecem; agora, quando os cépticos e os materialistas
de tôdas as escolas recebem, COril fatos indiscutíveis, o mais rude golpe
que fôra possível vibrar-se contra os seus sistemas e descrenças - só
nos resta, como dissemos, continuar a série de nossos estudos, passando
a relatar as observações experimentais realizadas em outros sectores, a
fim de levar ao conhedmento do leitor as maravilhas de que se
compõe o conjunto das pesquisas espíritas. .
Após reunirmos vários estudos atinentes a uma outra moda-
lidade de manifestação física dos espíritos, denominada "voz direta",
seledonamos o material necessário entre os nomes de nossos contem-
porâneos, não menos ilustres, e que, prosseguindo com as pesquisas
de outros mestres, enriqueceram o saber humano de novas revelações.
O fenômeno que se classifica como "voz direta" é o que constitui
o assunto principal dêste capitulo. Em presença do médium, vozes
independentes, que absolutamente não provêm dêle e que elas próprias
dizem ser de pessoas falecidas, falam e, contraditas, respondem escla-
recendo, mostrando que ali não está, por detrás da voz, apenas uma
memória; mas uma inteligência apta a ouvir, tanto quanto falar.
E a elucidar o assunto, o elegante polígrafo Dr. Carlos Imbassahy,
reforçando as nossas explanações, já explicou numa de suas obras:
"Tomemos o caso das línguas estranhas, do indivíduo que fala,
que discorre, que conversa, que escreve numa língua que desconhece.
Não se trata de palavras isoladas, nem frases, que poderiam ter ficado
gravadas na memória ou na subconsciência de alguém, mas de todo o
mecanismo de um idioma, com a pronúncia e a gramática, com a orto-
grafia, a lexeologia e a sintaxe, com as dificuldades da sematologia,
com os modismos, os idiotismos, as peculariedades de uma linguagem,
exprimindo-se o paciente sem apresentar sequer, qualquer sotaque, o
qual só se perde com o tempo e o emprêgo constante da língua
alienígena.
"Achar que sai de uma cabeça ou dos fundos da alma o que é
necessário para apr·ender, compreender, falar e escrever uma língua,
nunca dantes estudada, e nela responder a tôdas as perguntas, e nela
entabular-se uma palestra, já não é usar, é exorbitar o direito de
invenção" (1).

(1) Carlos Imbassahy ~ "Çiência Metapsíquica".


AFINAL, QUEM SOMOS? 367
366 PEDRO GRANJA

Com efeito, os mortos comunicantes, além de se exprimirem extraordinário, visto que ser-Ihe-á necessário recordar-se de inúmeros
correntemente, quando o fazem em línguas ou dialetos desconhecidos tipos distintos de vozes, com suas peculiaridades, cadência, sonoridade
do médium, dão à voz o timbre característico, a construção peculiar, e inflexões.
a expressão familiar que em vida tinham, bem como patenteiam as Mas essa hipótese desaparece em absoluto diante do fato de duas,
tendências e a intel,ectualidade que lhes eram próprias. Não se lhes três ou mais vozes do Além se correspondem simultâneamente, quer
escapam também a recordação de qualquer detalhe, por mais insigni. sôbre o assunto de que falam, quer recordando algum fato, como
ticante, da existência terrena sua e de amigos seus, mesmo os já esque· acontece numa sala em que reunem várias pessoas.
cidos, relatando, não raro, pormenores ignorados de todos os assistentes O detalhe de vozes que simultâneamente falam, muitas vêzes em
e cuja exatidão se acaba, afinal, por s'e comprovar. línguas diferentes, revela imenso valor teórico em aJ;>0!o da hi1?ót:se
As provas cumulativas e mais provas, ainda acabarão um dia espírita, visto que seria absurdo supor que a atIvIdade pSIqu~ca
por persuadir. Com essa arma ofensiva, as muralhas de ignorância, do médium pudesse dividir-se em partes, partes essas capaz:s de ~rtar
da descrença e do antagonismo serão postas abaixo e não há instru- personalidades psíquic~s. diferentes, igno:a~a~ pela persona~Idade. tute-
mento mais forte e ·eficaz para lhes completar a destruição, do que a gral, isto é, pelo sensItIVO, o que constItultla um verdadeIro mIlagre
prova da sobrevivência, obtida através da fenomenologia espírita. do qual há analogias mesmo remotas.
Nada há que mais impressione e deslumbre do que ouvir, nova- Embora apagada pelo decorrer dos anos, a, todos nós, em cert~s
mente, a voz querida de alguém falecido. Um pai, uma mãe, um momentos de tristeza e de saudade, volta-nos a mente a recordaçao
irmão, um amigo que volta do Além e mantém conosco uma conversa suave de uma voz querida. É a voz materna. Se tivermos, porém,.a
prolongada, revelando assuntos íntimos e desconhecidos ao ambiente grande felicidade de ouvi-la novam~nte, sêr humano nenhum sena
em que nos achamos, é uma das provas esmagadoras da sobrevivência capaz de mistificá-la aos nossos sentIdos.
e da comunicação dos espíritos. -"- A dicção de cada sílaba, a enunciação perfeita de outrora, a ent?-
nação, as peculiaridades de sua maneira de f~lar, voltando ~ rep~tI:,
Depois, afirmou um escritor espiritualista, "há ainda o fator prin-
carinhosamente, as frases já ouvidas : "Meu fIlho! meu quertdo ftlhI-
cipal da entonação da voz". Quem, por maior que seja a sua farça,
poderá imitar dez, vinte ou trinta vozes e idiomas diferentes num nho!" - convencerá o mais rude e mais céptico homem.
período curto de duas ou três horas durante o curso dos trabalhos? Sabemos, entretanto, que a êstes fenôme~os os incré?ulos vã? re-
correr às grandes palavras da época, telepatta, subc~nscten!e, crtptes-
E qual o cérebro, por maior que seja a sua capacidade retentiva, tesia ou outras assim elementares. Semelhantes teortas, maIS uma vez
capaz de substituir improvisadamente o próprio dialeto por uma língua afirmamos reduzem-se a nada diante da palestra de várias pessoas
estrangeira, que nunca ouviu falar e que fala desembaraçadamente, com os espíritos, em linguagem desconhecida do médium e do~ pr:-
com inata espontaneidade, com absoluta correção, como se fôsse a sua sentes, tertúlia que os espíritos mantêm com as vozes· exatamente IguaIS
própria linguagem, sem nunca incorrer em êrro de construção grama-
às que tinham na terra.
tical, s·em sombra de acento estrangeiro e com tôdas as modulações
a acentuações peculiares ao mesmo idioma? De maneira como são expostas estas teorias" acresce que, ai?da
hoje, ficamos nós sem saber como, por exempl.o: as escuras, plan~Ja~
Evidente é que poderá ser utilizável somente por quem se achasse elas uma linguagem, "como tôdas as suas ~I~Iculdade~ 9r.amatlcaIs,
plenamente a par do significado de cada vocábulo de per si, assim com têrmos obsoletos, com peculiaridades leXlcas e slDtatlcas, com
como da conjugação dos verbos, das declinações dos nomes, das cons- tôda uma estrutura e um vocabulário, dificílimo de aprender-se ~m
truções gramaticais, das locuções dialéticas e das inúmeras e1isões ine- anos, isto quando o médium conhece apenas alguns ~êrm~s da dIta
rentes ao idioma a que pertencem os aludidos vocabulários:" .. linguagem, ou os ouviu.' por ~cas~, ou não sabe, ~ nem VIU CoIsa nen~lU­
E como poderá recordar-se, decorridas várias semanas, que o tim- ma, não saindo o paCIente JamaIS do seu torrao natal, nem haVIdo
bt"e da voz de A é surda e grave, de B vibrante e aguda e de C poderosa, jamais apr·endido línguas" (2).
grossa, de baixo profundo? Essas teorias constituem, em suma, o último recurso dos "adian-
Se alguém aventar a ridícula hipótese de ventriloquismo, como tados", que ainda não vieram conhecer, por experiência própria ou
dizia Bradley, terá da admitir que o médium é o maior mímico e 'O
maior ator falante que o mundo jamais viu, e possuidor de um cérebro (2) Carlos Imbassahy - Artigo sôbre "VOZes Diretas", publicado no "Revelador",
368 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 369

por estudos, a maravilhosa realidade da ação das vozes diretas dos empregados para deturpá-la ou suprimi.la. A história da humani·
que já partiram para o Além. dade constitui, sempre exemplo tão frisante ...
Afora. a te?ria espírita, não existe nenhuma outra explicação me- 11 devastadora a Verdade porque arranca da face do mundo a
lhor e maIS racIonal para as comunicações de voz direta. A teoria de hipocrisia dos séculos. 11 a única ~rma que destrói ~e u_m golpe ?S
.>!licl1 et criptestesia - sensibilidade oculta - é de tão difícil aceita. dogmas do evangelho do mêdo, cnado para a escravIzaçao das crIa-
ção como para alguns o é a admissão da existência espiritual no Além, turas; que desmascara a burla das leis feitas para opressão; que denun-
com poder de comunicar-se com os que vivem na terra. cia as mentiras da reverência tradicional, inventadas para retardar o
progresso; e que destrói os mitos religiosos, impostos pelas castas, a
Caberá a hipótese da criptestesia - recordações escondidas, ou fim de proteger os seus credos.
percepção de realidades, por meio de canais extra·s·ensórios? Mas,
Porém a Verdade é uma só. O grande plano do Universo não
poderá a memória, ou êsse meio de percepção, produzir uma voz? poderia nunca ser baseado numa mentira ou uma ilusão. Quem olha
Poderá a nossa memória profunda ou a Sua percepção extra-sensória, para as estrêlas compreende a insígnifícância da :erra. Se pl~dés:emos
habilitar um médium, normal ou supranormalmente, não só a descre- nos deslocar para além da zona em que atua a força de gravltaçao do
ver com exatidão nosso falecidos amigos aos quais nunCa viu, como nosso planêta, então alcançaríamos a esfera dos espíritos, onde vibram
com~ também a lhes produzir as vozes, de modo a serem por nós reco- os pensamentos da Verdade e da Onipotênda de Deus.
nheodas e a nos falarem de coisas que ignorávamos inteiramente, e
que, depois, verificamos certas? Quão poucos dentre nós se apercebem de que, quando olham
para o céu, estão olhando através de planos de densidades diferentes,
Se a telepati~, a subconsciência, ou a criptestesia, é tudo quanto que algum dia habitaremos e onde os que já viveram na terra estão
nos podem s~genr para os fenômenos da voz direta, como explicar vivendo uma existência ativa e proveitosa!
por que motivo a voz que se fez ouvir pode subitâneamente, num Assim o pensamento, intelecto, individualidade, personalidade,
dado momento, responder a. uma pergunta mental e ler até no nosso afeição, emoção e memória, tudo isso sobrevive à morte do nosso
subconsciente?
corpo. Constituem vibrações eternas do espírito.
Os "sabichões" fogem ao exame dêste ponto quando, falando da O espírito é eterno, mas nós, humanos, atolados no pântano do
subconsciência, dizem que "no rude estado atual do conhecimento não egoísmo terrestre, sucumbimos com tanta freqüência às car:íc!as. da
há meios de se poder defini-lo". Onde reside a sua lógica? Como matéria que raramente podemos elevar nosso eu aos cumes altIssImos
apresentar a explicação de uma teoria que não pode ser definida? da compreensão - da compreensão que a onipotência está no espírito,
mas não na matéria. Temos que aceitar isso" (3).
. Chegou o momento de pormos ao lado, também, a teoria tetepá~
ttC~. Como ~ possível a?s. espíritos dar noticia de questões que não
eXIstem no cel'ebro do medmm nem dos assistentes? * * *
Como explicar, então, o maravilhoso fenômeno da voz que direta Antes de entrar no tema dêste capítulo, cabe·nos, ainda, recordar
e independentemente nos vem dos espíritos? as belas e esclarecidas palavras que sôbre o fenômeno de "voz direta"
Em suma: "Uma voz quando fala do espaço, livre de qualquer dissera em seu último e magnífico livro o nosso estimado confrade
ação física, constitui ao mesmo tempo prova física e mental da inteli. Cte. Edgard Armond e que muito bem se coadunam com o assunto
gência e da sobrevicênda do espírito e destrói de modo absoluto· as que vamos agora tratar.
hipóteses da telepatia, da subconsciência e da criptestesía, afirmando "Não temos espaço neste ligeiro trabalho para entrar em análise
a grande Verdade. mais detalhada do assunto e citamos apenas alguns de seus aspectos
Mas quando a Verdade é revelada recebem-na os homens com mais interessantes; mas podemos entretanto acrescentar que estas ma·
cepticismo, e muitos anos se passam antes que lhes seja permitido nifestações de voz direta apresentam duas modalidades que são: fenô·
entra r no seu conhecimento. E se essa Verdade, embora tenha a seu menos de classe inferior e fenômenos de classe superior, sendo os
as ln'ovas, se apresenta em condições de perturbar o equi-
das fôrças sociais, religiosas e politicas, todos os esforços são (3) Dennis Bradley - "Rumo às Estrêlas".
370 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 371

primeiros aquêles que os espíritos provocam usando fluidos pesados,


obtidos no próprio ambiente em que no momento atuam, e os segundos por . .1l1~is.~.~.~i~~e, . al1(}s~r~(lli:Z()1l . . ~:lCp~riêl:lciª~ . C:Q1Il1,1mª<:Iª~ . . 1IlªiS.JIQtá"
veis1l1é~iulls . d~.. y()z.dir~t(l,.ª§l'(l,~1I1inY~,fr~11c:1:I, q1,1~estêy~ . !Qd.Qs
aquêles que exigem purificação e filtragem dos fluidos, combinações êsses anoss()b' sua' atenta observação, residindo, a maior parte do
com fluidos mais finos, obtidos do reservatório cósmico e com outros
tempo, na sua própria casa.
elementos operacionais que, no mais das vêzes, não estão ao alcance
da maioria dos operadores, exigindo por outro lado médiuns de maior Eis as conclusões a que chegou o Dr. Randall:
capacidade" (4). "Tenho plena e firme convicção de que a vida continua; que nada
Já tivemos oportunidades de demonstrar como os espíritos conse- se perde; que é possível, e já se tem conseguido, de vários modos,
guem se manifestar fisicamente e chegamos, também, a compreender a comunicação com os que se acham na vida do Além. Empreguei
que o que se passa é, ao mesmo tempo, natural, racional e lógico. esforços para realizar uma condição em que se tornasse possível aos
espíritos revestirem de uma substância física seus órgãos de respiração,
Portanto, quando os espíritos querem se comunicar conosco, mate-
rializando somente a voz, descem ao nosso plano e sintonizam suas a fim de poderem nos falar, como quando na terra.
vibrações em harmonia com o meio ambiente, reunindo em tôrno de Tive a ventura de lhes ouvir as vozes, pelo melhor de todos os
seus órgãos vocais o ectoplasma (5) e o fluido necessários, tomando-os métodos, milhares de vêzes. Centenas de individualidades falaram,
ao médium e aos assistentes,e, dêsse modo, forma o órgão adequado falaram, servindo-se de seus próprios órgãos vocais, e eu lhes respondi.
para emitir o som. Dessa procedência grandes ensinamentos advêm, assim como o conhe-
Sabemos que a matéria corresponde a uma ordem muito restrita cimento de fatos acima do saber dos homens e que em nenhum livro
de vibrações, precisamente as que denominamos matéria física, visto se encontram. E tenho a fortuna de os pôr ao vosso alcance" (7).
que, presentemente, se tem a matéria como sendo o próprio éter em Outro grande observador, de largo tirocínio e profunda visão,
certos estados de vibração e que são etéreos ambos, sendo a matéria, foi o ,Yic~~A.lmiral1teYsborn~ Moore, que se especializou em estudos
apenas, o mesmo éter numa condição particular. Potencialmente, por- de "voz direta", conforme se produziam com o médium Wriedt, e
tanto, todo éter é matéria e tôda matéria é éter. os seus cuidadosos relatos se encontram no importante livro que
De fato, a nossa capacidade de compreensão cresceu tanto, nestes publicou (8).
~ltimos anos, que tôda a tendênda da ciência física, hoje é para con- A posição de destaque que ocupava na Armada, o apuro e a
SIderar como base estrutural do Universo, não a substância física, mas exatidão com que procedia em tudo, fizeram-no especialmente apto
essa substância etérea. a êsse gênero de pesquisas, do mesmo modo que a sua capacidade o
Em resumo, a matéria física que nos afeta os sentidos nada mais fizera meticuloso em tudo quanto empreendia.
vem a ser do que uma parcela do éter a vibrar dentro de certos . A seguir destacamos, resumidamente, do livro publicado na Ingla-
limites. Segundo o que se induz de suas leis, para lá dessas vibrações terra, sob o título "Au Revoir, not Good Bye", de que é autor Walter
há um Universo pleno de vida, correspondendo a uma ordem mais Appleyard, Juiz de Paz e Lorde Maior da cidade de Shefield, o
elevada de vibrações, para nós irreal, mais real, com efeito, do que seguinte:
a matéria física (6). Entre outras, narra êle as suas experiências com uma senhora de
Enquanto não nos capacitarmos disso tudo, não poderemos apre- alta distinção, que desenvolv·eu notável mediunidade de "voz direta".
ender ou compreender, em tôda a sua plenitude, os fenômenos físicos A mulher de Walter Appleyard, já então falecida, não tardou a
que se desenvolvem através da mediunidade. se manifestar por intermédio do médium, conversando com o próprio
Sôbre tal gênero de pesquisa, voz direta, :§,gI!ªgIQ~Ç,Jlªl:ldan, timbre de voz que tinha em vida e fornecendo provas admiráveis de
advogado, de Búfalo, Estados Unidos, foi, não obstante, o mais feliz identificação pessoal.
de todos os antigos investigadores dêste importante assunto, pois que, Destacamos, também do livro de Hannen Swaffer, "Northcliffe's
Return", livro bastante interessante, o episódio no qual o autor trata
(4) Edgard Armond - "Mediunidade". das manifestações e das provas de reconhecido valor pessoal dos espí-
(5) Vide explicações sôbre o assunto nas, págs. 169 e seguintes.
. (6) Os leitores que quiserem colhêr infotmes científicos sôbre o ectoplasma. fluído,
Vibrações, éter, etc., poderão consultar as seguintes obras: "O :Etcr e a Realidade" (Ether
and Reality) - Oliver Lodge; "No Limiar do Etéreo" - ]. Arthur FindJay; "Análise (7) Eduardo C. RandaIJ ~ "The Dead Have Never Died". (Os Mortos nunca MOI"
das Cousns" - Paul Gibicr; <tA (:.;ênçia Avansa" - Rogers D. Uusk. reram) .
(8) Vice-Almirante Usborne Moore -
AF1NAL, QUEM SOMOS?

372 PEDRO GRANJA

Nessa noite, a penúltima que êle passava em nossa companhia,


ritos de Lorde Northeliffe e da Sra. Walter Appleyard, obtidas através ajudei-o a arrumar as malas; quando tratávamos disso, veio-me à
de vários sensitivos. mão uma bolsinha, e eu perguntei-lhe se êle a queria.
mais outra maravilhosa prova de "voz direta", é mais um caso
:Ê - Põ·e-ma aí também, disse êle, serve para os botões de camisa.
de identificação espírita de primeira ordem, inexplicáv.eis por qualquer Ali a pus, perguntando a mim mesma se não teria um dia ainda
teoria materialista e que se vem juntar à coleção vasta e preciosa dos de tornar a desembrulhar aquela bolsinha - no seu quarto então
fenômenos medianímicos dessa natureza, constatados nestes últimos vazio. Subitamente o meu filho quis dar-me coragem, e a modo de
tempos. último gracejo, sacou do velho baralho e se pôs a perseguir-me, rindo
em volta do quarto; depois, deitou as cartas na cama dêle.
.N.ão nos esqueçamos de. ~ue no decurso das sessões houve impor-
tantIssImos detalhes probatorlOs, dentre os quais se deverá realçar Após a partida, juntei as cartas tôdas e, cega pelas lágrimas,
o fato de que as personalidades de Senhora Walter Appleyard e Lorde embrulhei-as num papel de sêda, atei-as nos quatro lados com uma
Northcliffe falavam com a tonalidade de voz que lhes havia sido pe- larga fita e lacrei o embrulho. Pus o meu sinete em cada nó, depois
culiar em vida e identificaram-se com tantas provas pessoais, cujos fechei-as numa caixa que continha os tesouros dêle. Fechei-a à chave,
detalhes produziram nos assistentes profunda impressão. dizendo a mim própria:
Mme. Stuart, no seu livro, "No More Tears" (Basta de Lágrimas), - "Enquanto eu viver, nenhum olhar pousará mais sôbre estas
conta-nos como recebera a notícia de que seu filho Athol, rapaz de cartas, e nunca mais mão nenhuma na terra lhe tocará, a não ser que
18 anos, observador na Real Fôrça Aérea, durante a guerra havia êle próprio volte e o faça r'.
falecido. Mais adiante, o leitor compreenderá o valor dêste tópico. Por
Para que o leitor possa avaliar a mágoa que o triste informe lhe ora, limitemo-nos a grifá-lo e a citar outros pormenores.
causou, será necessário ler a obra, pois que, em têrmos comoventes, A seguir a autora descreve a carinhosa e festiva despedida dos
a pobre mãe recorda-se da infância acidentada, das moléstias, da intui- seus amigos, feita na véspera, ao seu filho; a sua própria agonia ao
ti,:a cert~za d~ que ? filho sempre recuperaria a saúde, que atingira vê-lo partir; as promessas que lhe fizera; as saudades do querido
a Idade Juvell11, glorlOso, desabrochado, e que, "exatamente aOs dezoi- ausente, etc.
to anos e nove meses, morreria". Seguem-se as cartas que do "front" o moço escrevia a amigos e
E ela nos conta, então, o porque dessa secreta intuição, que nas parentes, de uma elevação de espírito e de tal maturidade que não
horas mais difíceis da meninice do filho a encorajava: era de se esperar de um "tommie" de dezoito anos.
"Quando, pela primeira vez, diz ela, a patteira lhe pusera o bebê Depois, a Sra. Stuart consagra um capítulo para explicar como
nos braços, uma voz lhe murmurou baixinho ao ouvido: Jj só empres- recebera a primeira comunicação de seu filho morto. Era a notícia,
tado . .. só emprestado". escrita a lápis por uma pessoa que voltava da sessão, na qual Athol se
havia manifestado e que, em virtude dos presentes não compreenderam
E,efetivamente, Athol Stuart, aos dezoito anos e quase noves o que êle dizia, contentou-se em ditar por tiptologia esta mensagem:
meses de idade, falecia ...
- Dizei simplesmente à minha mãe O' "arum" e a "tulipa".
Antes de reportarmo-nos ao fato "post mortem", devemos chamar
Foi para o portador verdadeira surprêsa, quando a Sra. Stuart
a atenção do leitor para dois ou três pequenos incidentes de caráter
revelou o segrêdo da mensagem a propósito do "arum" e da "tulipa".
afectivo, pois, mais adiante, em virtude de extraordinárias circunstân-
~ias, ve~-s~-á o porque· de sua necessidade e o valor que representam No capítulo IX da obra,ela narra porque ainda não se sentia
esses mIll1mOS detalhes, como prova de identidade espiritual. convicta com as provas que, depois dêsse fato, foram se avolumando.
Porém tal prova, ardentemente desejada e que a convenceu da reali-
Diz, a Sra. Stuart, a respeito dessas ocorrências, o seguinte: dade, ela a tivera pela primeira vez numa sessão de voz direta.
"O meu filho g~stava apaixonadamente de fazer adivinhações com Quando se iniciou a sessão, o megafone fosforescente, depois de
cartas quando era crIança, e geralmente o seu público era os de casa.
diversas evoluções no espaço, veio imobilizar-se a cinqüenta centímetros
Inventou várias; causavam-nos indescritíveis acessos de hilaridade
. que trocávamos nessas ocasiões.
e numerosos eram os gracejos '
374 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 375
dos s.eus olhos; .e, no intervalo que a separava da cabine, finalmente
seu ftlho s·e mamfestou em voz direta e logo mais se materializou. bordada com franjeado, passou e repassou acariciando·me a cabeça e
o rosto, para me tornar ciente que êles têm vestimenta igual à da terra.
~~ora ouçamo-Ia~ pois as suas palavras são de grande valor na
descnçao dos aconteClmentos: Finalmente, a autora narra o acontecimento que irá ligar 'O sentido
sôbre o qual, páginas atrás, pedíramos a atenção do leitor, pois ressal-
. "~obrava~me bem tempo para me permitir olhar a claridade do tamos, agora, o importante detalhe, imposto pela vontade dela, de
pavtlhao lumln?s? Seus olhos mergulhavam nos meus; um sorriso que ninguém tocaria nas cartas do falecido, "a não ser que êle próprio
separava seus lablOs, e sua voz pronunciou:
volte e o faça". Diz a autora:
- Mamãe! " . .. E agora é preciso que eu vos avive a memória sôbre o dia
Só Deus ~abe e o.s meus. bem-amados em espírito, o que esta em que eu pus as cartas de meu filho, lacradas, em uma caixa. Elas
palav~a produzn.~ em mIm. FOI um sobressalto indizível igual ao que aí ficaram treze anos, sem que pessoa alguma nelas tocasse, ou as
dever~a ter sen~ldo Maria Magdalena, quando Jesus lhe apareceu e visse, e, durante êsses anos, eu mesma não ousava tocar a tampa da caixa.
lhe dIsse esta SImples palavra: Maria! Certo dia, pondo em ordem a sala de s·essões, aconteceu que expe·
rimentei incontrolável desejo de retirar as cartas de seu .túmulo obscuro
.Depois de ~lguns minutos mais, à corporalização de meu filho e colocá·las em cima do meu santuário. Fazendo isto, eu não podia
segum-se a de mInha mãe. Ela repetiu duas vêzes meu prenome, que deixar de admirar·me do que fazia. Minha mão tremia, enquanto
era 'O mesmo q~e o seu, acrescentando as palavras: "Meu belo bebê". meu olhar se voltava sôbre êstes selos que jamais deviam ser que-
Eu era ~ sua ftlha mais moça s?brevivente. Alguns momentos mais, brados. Eu escondi o jôgo de cartas, atrás de uma grande fotografia
e apareCIa o rosto de meu mando.:Ê1e não pronunciou senão uma de meu filho que se achava no alto do santuário, antes da chegada de
palavra, uma palavra familiar que nos era cara. minhas irmãs e do médium ...
. Logo que êle desapareceu, sucederam.lhe ràpidamente diversas . . .A sessão estava em meio quando um ruído de papel, como
entl?~des : .uma a~niga de infância, que me chamou pelo meu nome que esfregado, vindo do altar, foi ouvido. Exclamei:
famlhar, cUJa maOlfestação causou·me viva surprêsa, porque, nesse mo- - Que barulho é êsse?
me~to, e~a. estava m;uíto longe do meu pensamento; outra parenta - São as minhas cartas, respondeu a voz de meu filho.
mU1~o proxlma ~ambem se manifestou, e enfim, um rosto que eu não Após alguns segundos, eu senti alguma coisa enlear os meus dedos.
podIa, ne~ deSIgnar nem reconhecer, por falta de nitidez. Parecia- Era a fita e o papel de sêda que as envolvia. Maravilhada pela emo·
-me um ftlmeenvolto de claridade. Eu disse: ção, eu expliquei com palavras de momento à assistência.
- Eu não distingo bem, quem é êsse espírito? E eis que em meio das minhas explicações, começou a distribui·
Mas a nitidez da voz a vaga materialização e êle me respondeu ção das cartas, que nos eram jogadas, uma por uma, nos nossos
com decepção: ' joelhos. " Mas ouvi agora o que se segue:
Quando examinamos a fita, nem um nó fora desfeito, nem um
- Vamos, não é possível que me tenhas esquecido. Eu sou sêlo violado, nenhum traço do papel de sêda estava danificado! Tudo
Bunny!
continuava perfeito, somente faltavam as cartas ... " (9).
Era a a!c.u nha ,do ,pilôto de meu filho, que jamais o havia visto, Tais são, em resumo, os fatos que Mme. Stuart apresenta à nossa
mas. em. esg1t1to no~ eramos velhos e caros amigos. Quando retru- meditação, a fim de que tenhamos a certeZa de que a sobrevivência
quel-l~e. Eu o veJo, Bunny, mas não estás bem nítido" a voz de humana e a possibilidade de nos corr.esponder com os entes caros, que
meu ftlho se interpôs vivamente, dizendo: ' vivem no Além, não mais são conjecturas, mas sim fatos reais, posi.
tivos e categóricos.
-Êste é o Bunny perfeito; mas êle foi queimado e perdeu a
cabeça; então falta-lhe vibração ...
* '* *
Enquanto eu. fi~ava maravilhada ante o espetáculo dos milagres Foi um caso fortuito, ocorrido em Ramsey, que transformou o
d: Deus e da cnaçao, perguntando a mim mesma o que me estava céptico H. Dennis Bradley em fervoroso adepto do Espiritismo. Escritor
aInda teservado, um braço envolto numa grande manga flutuante,
(9)1 Mme. Stuart - "No More Tears". (Basta de Lágrimas).
AFINAL, QUEM SOMOS? 377
376 PEDRO GRANJA

notável, teatrólogo, crítico e psicólogo, predicados êsses confirmados "Em ArIena Towers, diz êIe, De Wyckoff perguntou-me se dese-
na sua vasta produção literária, nada sabia, porém, sôbre o assunto java assistir a uma sessão espírita, ou o que quer que fôsse. Respondi
espírita. que sim, vendo nisso apenas algo de divertir, e êIe telefonou a um
médium de nome George Valiantine, (10) convidando-o a passar conos-
. Materialista convicto, intelectualidade desenvolvida na crítica gla-
co o fim da semana.
elal do nada, essa faculdade, filha da desilusão, não podia admitir a
possibilidade de alguma forma de vida além da comum. Antes do jantar, nesse sábado de junho de 1923, tive curta palestra
com Valiantine. Psicólogo nato e estudioso do cárater das pessoas,
Contemporâneo da mais devastadora guerra da história (1914)
formo minha opinião sôbre os homens dentro de poucos minutos.
e dos efeitos igualmente devastadores da paz, vivendo na era do
"tumulto feito govêrno e do ódio erguido à categoria de suprema Até então jamais me encontrara com um médium, genuíno ou
lei humana, não achava razão nenhuma para que a vida do homem simulado, e porisso aquêle me interessou como bem típico. Deu-me
fôsse eterna. A civilização tornara-se-Ihe uma farça e a palavra huma- a impressão de um americano comum, simples no trato e no falar.
nidade um nome sem sentido". Eis, em resumo, como se pode apre- Não sabia expressar-se com influência; não revelava educação superior
sentar Bradley. - nem leituras. Mas não percebi nêle os silêndos capciosos, as evasivas
hábeis ou a exuberância~ -efusiva que trai os charlatães ou os piratas.
Entretanto, êle obtém com os médiuns George Valiantine, Osbar·
ne, .e outros, fenômenos espontâneos. Mas o que o grande escritor Tinha a voz normal e agradável, mas como que denunciativa de
regIstra e nos causa espanto não são, por exemplo, transportes, levi- escassa educação. Anoto êste detalhe pela importância que terá na
tações, "apports", enfim manifestações físicas dos desencarnados. seqüência desta história.
Isto não impressiona mais. O que impressiona é a identificação dos Fomos os quatro para a mesa: De Wyckoff, Dasher, Valiantine
esp~ri~os. Tais expe::iências, rodeadas como eram de máximo rigor e eu. A Lei Sêca estava em vigor, mas apesar disso eu podia louvar
e. hmltadas a. um numero de pessoas selecionadas, entre as quais: se a adega do meu anfitrião. Naquela noite, entr·etanto, só tivemos água
Viam p:rsonahdades como Marconi, ou embaixadores, príncipes e escri- gelada. Não gostei, mas apreciei a precaução; ninguém poderia ard-
tores, sao relatadas nas suas abrasem caráter verdadeiramente cientí- huir ao álcool nada do que ocorresse.
fico, demonstrando duas teses: a sobrevivência e a comunicabilidade
Terminado a jantar e servido o café, conversamos por meia hora
dos espíritos.
mais ou menos sôbre vários assuntos, nenhum dêles ligado ao espiri-
Eis como Bradley teve a oportunidade de ingressar no Espiritismo: tuali,mo. Em seguida fomos para a sala onde ia realizar-se a sessão.
De seus encontros com o Dr. Joseph De Wyckoff, na Inglaterra,
Depois cantamos hinos. Isto foi pior. Podia ser ótima a intenção,
vem a saber que êste era propenso a estudos de espiritualismo, e sôbre
mas sempr·e tive horror à miserável música dos hinos. Vinte minutos
o tema ~igeiramente conversaram. Mas ignorando o assunto, interessou-
se passaram assim. Se o propósito de tais cantorias era alcançar uma
·lhe mUlto pouco a palestra e encarou o fato com o maior cepticismo.
atmosfera de comunhão de pensamentos, confesso que de minha parte
Instato pelo amigo para uma estada em sua caSa de campo, em o resultado não foi atingido.
Arlena Towers, Ramsey, Estado de New Jersey, tivera a agradável
oportunidade de realizá-la quando a New York fôra a negóciós. Por felicidade a expressão do meu rosto não podia ser vista no
Depois de conseguir o que para lá o levara, dirigiu-se para Arlena escuro; meu nariz estava torcido e meus lábios só denunciavam
Towers que fica a vinte e cinco milhas da capital. desprêzo.
Para que tenhamos uma idéia de seu amigo, o Dr. Joseph De Eis minha atitude mental naquele momento; a prinClplO, meio
Wyckoff, apresentêmo-Io em rápidas linhas: De Wyckoff é russo de interessado na "brincadeira"; depois, irritado; depois, com a irritação
nascimento, mas vive na América há mais de trinta anos. Inteligente, transformada em desprêzo. Nenhuma esperança de ilusão, de encan-
crítico severo, astuto, escritor, advogado. Publicou várias obras. Na tamento, de exotismo; nada além de um cérebro frio, já cansado com
profissão de advogado, que exerceu, acumulou grande fortuna. aquela excepcionalmente sorna exibição.
yamos, finalmente, transcrever as palavras de Dennis Bradley
(10) O célebre juiz Canon foi, também, rigoroso observador do médium Valiantinc~
l)ubhcadas no livro "Rumo às EstrêIas" , destacando, naturalmente, os em um círculo. de elementos juristas, ~endo afinal um de seus mais ardorosos defensores c
trechos que mais interessam ao assunto. admiradores.
378 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 379

Foi quando, sem nenhum aviso, o assombro aconteceu. revelava doce e delicada timidez de voz. "Quando você está escre-
vendo, 'eu sempre procuro ajudá·lo".
Sobreveio repentino e profundo silêncio, e senti a presença de
alguém mais na sala. Uma voz de mulher soou. Chamava·me pelo Perguntei de sua vida no Além, e respondeu-me estar perfeita-
nome, e eSSa voz, vinda da distância de um metro à minha direita mente feliz. Vida sem dor - maravilhosa!
revelou-se cheia de ternura. Antes que Se retirasse perguntei.lhe se viria conversar comigo
Conservei minha calma habitual e o meu senso de observação. na noite seguinte. Prometeu-me que sim.
Não me senti nem de leve perturbado ou afetado, e foi em tom natural
Dissemo·nos "Boa noite"! - e no ar soou o ruído de um beijo.
que respondi: "Sim. Meu nome de batismo foi repetido duas vêzes.
A voz mostrava-se alegre como a de um amigo que revê outro depois Nenhum daqueles fenômenos poderia ser explicado pela lógica
de longa ausência. humana. Mesmo admitindo que por algum truque misterioso fôsse
possível produzirem-se as manifestações dos outros espíritos, nem De
- Sim, estou aqui. Que tem a me dizer?
Wyckoff, nem Valiantine, nem Deus poderiam abalar minha certeza
- d, eu te quero muito, muito !exclamou a voz. de que durante trinta e cinco minutos eu tinha conversado sôbre
Essas palavras foram ditas num tom carregado de beleza e ter- assuntoS' pessoais - assuntos desconhecidos de todo o mundo - com o
nura. Muitas vêzes na minha vida comum ouvi equivalentes, simples- espírito desencarnado, porém vivo, de minha irmã: sua voz sua perso-
mente faladas ou declamadas pelas grandes atrizes, mas nunca com nalidade, sua inteligência, sua alma.
aquêle indizível acento de ternura. A verdade que me foi mostrada ergue-se sôbre o pedestal indes-
Meu espírito consultou a memória, na tentativa de achar no pas· trutível de um fato; de um fato inexpugnável aos ataques da dúvida,
sado quem assim me amasse, mas nada descobriu. e por sua substância espiritual impérvio a qualquer tentativa material
Poderá dizer·me quem fala? indaguei. de denegação.

Annie, foi a resposta. Desde o primeiro momento êsse fato deixou de ser um objetode
dúvida, porque se tornou matéria de conhecimento. E com esta convic-
Tive num relâmpago a compreensão de tudo, mas com o natural ção meu cérebro, isento dos embaraços da filosofia material sentiu·se
cepticismo de quem pela primeira vez defronta o inexplicável, pedi que livre para erguer·se às paragens do Desconhecido.
se identificasse melhor.
Tenho mantido 'longas e inteligentes conversas com diversos espí-
- Annie, sua irmã. ritos cujas vozes se revelam claras e audíveis a todos os presentes.
E a mesma afir,mação fazem muitos homens e mulheres de probidade
Sim, era ela, Annte! - e pusemo-nos a conversar em voz clara,
perfeitamente audível, como palestram duas criaturas da terra; e mu- fora de dúvida.
tuamente nos dissemos mil coisas maravilhosas. Isto forma agora um conhecimento meu - não uma crença;
notem bem: um conhecimentlo. Sei que não há morte. A vida na
O diálogo foi ouvido por todos os presentes, nenhum dos quais
terra não passa de sombra da existência. Vivemos por tôda a eterni-
sabia das minhas relações com Annie, nem sequer que eu tivera uma
dade, de esfera em esfera, e à medida que aprendemos e nos desenvol-
irmã com êsse nome, falecida dez anos atrás.
vemos, aproximamo-nos mais e mais da inteligência do grande e incom-
Durante quinze minutos discorremos sôbre assuntos que só a ela preensíve'l Deus que é a inspiração do Universo (11).
e a mim nos era dado conhecer, e mais vinte minutos sôbre motivos Eu nada compreendia então das dificuldades do espiritualismo, de
diversos.
como a gente tem que se esforçar e preservar através de inúmeros desa-
Disse Annie que por vários anos tentara comunicar·se comigo; pontamentos; só hoje, depois de anos de estudos, é que avalio como
que nunca me abandonou; que sempre me tem guardado e acampa· fui: feliz ao receber logo de início tão soberbas demonstrações de
nhado em minhas viagens. Sabia dos livros que es escrevera e de evidência" (12).
outras coisas sucedidas depois de sua morte. Disse que quando eu
(11) As partes grifadas não são nossas. Foram rigorosamente transcritas como se
ficava só em meu quarto, a trabalhar, seu espírito vinha para meu encontram no original.
lado e procurava esclarecer meu pensamento. Ao dicutir meus livros (12) H. Dennis Bradley - "Rumo às Estrêlas".
380 PEDRO GRANJA

'AFINAL, QUEM SOMOS? 381

:R importante destacarmos dêsse livro ("Rumo às Estrêlas") a


citação de alguns exemplos que Bradley frisa, nos quais os espíritos irmão mais velho, o que não deixa de ser bastante significativo.
comunicantes conversam correntemente com os experimentadores nos Quando o espírito comunicante se retirou. "Bert Everett", o "espí-
seus patoás nativos, sendo que um era o Basco e o outro do país de rito guia", dirigiu-se a Gonnoské Komai, disse-lhe: "Com teu irmão
Gales.
estava tua mãe".
No segundo livro do mesmo autor, "The Wisdom of the Gods",
Vem a propósito notar que Gonno~ké !"oma~ é ainda muito moço,
infelizmente ainda não traduzido, se encontram interessantes casos
a ninguém sendo lícito supor que seu ltmao ~ats velho e ~esmo sua
dêsse gênero de manifestações, nos quais os espíritos, s·empre por meio
mãe houvessem falecido, além de que os aSSIstentes tudo Ignoravam
de "voz direta", se exprimem em francês, alemão, italiano, dinamarquês,
a seu respeito e ninguém conheda uma só palavra de japonês.
polonês, russo, chinês, japonês, etc. Em duas ocasiões, por exemplo,
os consulentes, a fim de porem à prova o espírito comunicante, que Julgo êsse episódio, em que se conversa em língua japonesa e
havia principiado a conversa no idioma do médium - o inglês - o no qual notáveis provas de identificaç~o pessoal.fo!am dadas, c.omo
convidaram a continuar na sua língua nativa, o que imediatamente um dos exemplos mais belos e incontestav·els, dos ultImamente obtIdos,
se verificou. a favor da sobrevivência" (13).
Em outra circunstância, uma senhora russa, casada na Dinamarca, Sem outros comentários, aliás desnecessários tendo-se em vista a
dirigiu a palavra em dinamarquês a um espírito que se comunicava; explícita exposição de seu autor, vamos limitar as citações ~os fat?s
êste, porém, dizendo-se seu irmão falecido, observou: "Eu sou Oscar; que acabamos de transcrever, p~ra não n?s .alongan:lOs deIr:a:s. ~x~s­
falemos em russo". E o assunto prosseguiu nesse idioma. tem, porém, muitos outros, e rnteressant1SSImoS, cUJa desc:Içao fact!-
mente atrairá o interêsse do leitor, consultando-se as refendas obras.
Para não alongarmos demasiadamente esta série de relatos sôbre
questões tão claras, limitar-nos-emos a citar mais um interessante epi-
sódio, cujo tema se discutiu em japonês. * '* *
Na noite de 18 de março de 1925, fôra convidado a assistir à
:R também importante recordar o curioso incidente ocorrido momen-
sessão ()poeta japonês (Jonnos~é Komai. Bradley narra o que se
passou, ao seguinte'moêfo': : ., tos antes do desencarne de Denis Bradley, em seu leito de morte.

"O episódio mais dramático da sessão se deu quando uma '''voz'' Bradley estava lendo o livro de William Gerhardi - "Resurrec-
se dirigiu em japonês a Gonnoské Komai. Por duas vêzes o porta voz tion" e, de quando em quando, transmitia em alta voz trechos à
tombou antes que o espírito comunicante conseguisse reunir fôrças mulher, sentada à cabeceira da cama. Eis que, inesperadamente, êle
para materializar a voz. O porta voz luminoso se ergueu pela terceira caiu sôbre os travesseiros, desfalecido. A espôsa, no auge de deses-
vez, transportou-se para a frente de Gonnoské Komai, nêle tocou duas pêro e consternação, chamou-o, sa~udiu:o, se~ ~o~segui.r !eanimá-Io.
OU três vêzes, ouvindo-se então sairem do porta voz as palavras: Correu, então, ao telefone, a prOVIdencIar assIstencIa medIca.
"Gonnoské! Gonnoské!" :Rste modo de nomeá-lo impressionou viva- Mas, poucos instantes depois, Bradley se reanimou, ergueu-se e
mente Gonnoské Komai, por motivo que adiante daremos. sentou-se no leito. Parecia transfigurado e rejuvenescido. Seu rosto
Pouco a pouco a voz foi adquirindo vigore clareza, pronunciando irradiava uma expressão de estática exultação, que já não era terrestre.
o nome do comunicante: "Otani". A identidade do espírito assim em seguida,exclamou:
estabelecida, seguiu-se ligeira converSa em japonês, na qual o morto _ Estive lá em cima. Vi a morada espiritual. Que maravilha!
falava principalmente dos seus filhos.
Tudo é sublime!
Mais tarde Gonnoské Komai nos revelo~ circunstância muito Assim dizendo, afastou os cobertor·es, estendeu os braços para o
interessante relativa ao fato do espírito comunicante o haver cumpri-
?'lentado chamando: "Gonnoské! Gonnoské"! Ora, segundo o uso alto e exclamou:
japonês, só os pais ou o irmão mais velho têm o direito de saudar uma - Deixa-me ir! Deixa-me ir!
pessoa pelo seu prenome, e o espírito que se havia manifestado a E caiu para trás. Estava morto ...
Gonnoské Komai tinha o privilégio de assim fazer, pois era o seu
(13) H. Dennis Bradley - "The Wisdom of the Gods".
382 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 383

Alguns meses após, William Gerhardi, autor do livro que Bradley umcos assistentes por meio de ataduras adesivas, marcadas nas extre-
estava lendo minutos antes de morrer, assistia a uma sessão de voz midades a lápis'azul, sinais que se lhe continuavam pela epider~e.
direta com outro médium, sessão que se realizava no "Instituto Inter- Se ela se movesse, verificar-se-ia depois, visto que as marcas ,estanam
nacional de Investigação Psíquica". A êle se manifestou o recém-fale- fora dos lugares assinalados.
cido e amigo, e William lhe perguntou, à guisa de identificação:
Ao fim da sessão, reconhecido ficou que aquelas se achavamexata-
- Bradley amigo, poderás dizer-me que livro estavas lendo quando mente nas mesmas posições onde tinham sido ~o~tas. Portanto, m~te­
ocorreu o teu desencarne? ,
rialmente impossível era a fraude, vindo o me~IUm a ser responsavel
O comunicante do Além foi pronto em responder: pelos fenômenos extra-humanos que se prodUZIram.
- "Resurrection". Durante a sessão, sôbre diversos pedaços de cêra derretida, ,p.ri-
meiro obtiveram as impressões de todos os dedos de uma flUldlca
William Gerhardi considera esta resposta como de alto valor pro-
bante, pois, além da viúva que referira o fato a Gehardi, ninguém mão, impressões que em nada se assemelh~m às duas ~nicas pessoas
conhecia tal particularidade. Acrescente-se que Gehardi reconheceu presentes, (Drs. Ti1lyard e Crandon) e, no fIm, uma voz lOdependente,
o defunto pelo timbre da voz e pelo seu modo característico de que dizia ser o irmão do médium, e reconhe~ida pelo Dr. Crandon,
exprimir-se (14). entabulou animada conversação com o Dr. Tlllyard.
- Que-a voz era aútônomae não provinha do sensitivo, bem c?~o
não era dêste, ficou provado pelo fato de que, enquanto o espmto
* * * falava, a "Voice Cut Out Machine" (máquina de impedir a voz)
estava ligada à bôca do médium.
Não menos dignas de aprêço são as experlencias do Dr. R. J.
Tillyard, entomologista-chefe do serviço sanitário da República da ~sse aparelho foi idealizado com garantias .tão absol';tas e, tal
Austrália, e do Dr. Crandon, de Boston, Estados Unidos. rigor científico de contrôle que, mesmo qu.e. o queIra, tor~a. lmpossl;el
ao sensitivo falar quando êle está sendo ut1l1zado pelo .espl:ltO. ASSIm,
Ambos conseguiram resultados notáveis nessas pesquisas e tiveram desde que seja empregado, se alguma voz se faz OUVIr, nao pode ser
a necessária coragem de publicá-Ias, embora enfrentando a zombaria a do médium.
dos incrédulos, certos de que a Verdade trinufaria e que seguir a
Os comentários do Dr. Ti1lyard sôbre essa sessão íntima que se
Verdade, onde quer que ela conduza, é o único proceder honesto.
Não dispomos de espaço suficiente para descrever as minuciosas
ª,
realizou a 10 de agôs~o de 192.. encontram-se tam~ém nu~a c~rta
que êle escreveu, em data de 11 daquele. mesmo mes, a SIr Ohver
precauções dos ensaistas, a fim de evitar fraudes, nem os resultados Lodge, cujos tópicos principais são os segulUtes:
práticos alcançados; mas, enfàticamente, podemos afiançar que fize-
ram tudo quanto lhes era possível para impedir que o médium se "Parece-me inteiramente impossível. ~escobrir, um~ só. falha 9ue
tornasse responsável pelo ocorrido. seja no que se produziu. .. O meu obJetlvo, porem, e regIstrar Cle~­
rlficamente que oS fatos se deram, que êles fazem parte dos feno-
Vamos, portant()~~ transcrever resumidamente uma das sessões rea-
menos da Natureza e que a Çi~B$iª~.Jonte da Verda~e e do Conhe-
lizadas na residência do Dr. Crandon, em Boston, à qual apenas assis- cimento, só poderá conservar-sealheada dêles (9m perIg9 mor~ªl·para
tiram o Dr. Tillyad, o Dr. Crandon, e sua mulher. Atuou como a sua existência futura de fôrça condutora do mundo.
médium a própria espôsa do Dr. Crandon, conhecidíssima nos meios
em que estudam os fenômenos espíritas, em virtude de suas extraor- Para mim, esta sessão foi o ponto culminar:te de tôdas a~ t;Ii?has
dinárias faculdades mediúnicas. pesquisas psíquicas. Posso agora dizer, se qUIser, Num. dtmtttts, e
prosseguir nos meus ?enuínos traba.lhos de entomolo?:a... ~eço
A

Conduzidos pelo Dr. Crandon à sala onde se realizavam as expe- apenas se digne de aceItar, e bem aSSIm toda a sua falTIlha, a ~nha
riências e antes que se apagasse a luz e se fechasse a porta, a Sra. narrativa como absolutamente verídica, pois me conhecem qual sou ...
Crandon foi fortemente ligada à cadeira em que se sentara, pelos dois
Presentemente, um dos últimos e mais distintos investigadores
(l<f) CL "Light" c "Psychic Ncws", de 1934. que a maior distância chegou à frente de seus contemporâneos e
AFINAL, QUEM SOMOS? 385
384 PEDRO GRANJA

trar. Verdadeiramente privilegiada foi a posH;ao em que vim a encon-


teve a ousadia de proclamar suas descobertas é, sem dúvida, ° Pt'· J. trar-me, desde que há doze anos me foi dada a glande ventura de
Arthur de Gl~sg?",,(15). encontrar o Sr. C. Sloan, um dos sensitivos melhor dotado
Diz Sir WilEam Barrett, professor de física no Real Colégio de dêste país.
Ciências da Irlanda, prefaciando uma de suas obras, que poucos homens Em sua presença, favoráveis as condições, voz-es que lhe
há mais apreciados pela sua integridade e retidão de caráter e poucos eram comnletamente estranhas me falaram, dizendo serem de amigos
os que, como êle, não são considerados impostores ou charlatães. .1. ~ ~ 1\ 1 F
meus, que -eu, na mmha 19norane1a, supunna mortos. """ssas võzes
G

E conduia: ~ necessária grande coragem moral para que alguém não as produz o médium e não se f~zem ouvir ~~icamente quando ?á
arrisque uma posição dessas, proclamando abertamente a sua crença outras pessoas presentes, mas tambem quando ele e eu estamos sos.
nos admiráveis fenômenos psíquicos que descreve. Não são produzidas por meio de qualquer fraude e, após anos
Inegàvelmente, deve-se à sua brilhante inteligência e aos inúmeros de meditação, cheguei à convicção plena de que os espiritos dos que
anos de laboriosa pesquisa, as mais belas e documentadas provas da supomos mortos podem revelar-se, presentes de nôvo, ao nosso mundo
imortalidade e da comunicação dos espíritos. A publicação dêsses material, tomando de empréstimo do médium uma certa substância,
estudos assinalou-lhe destacado lugar entre os que se dedicam à feno- que lhe emana do corpo e que os habilita a reconstituir, t-emporària-
menologia da voz direta. mente, seus órgãos vocais e fazer vibrar a nossa atmosfera, mediante
~ no primeiro capitulo da sua obra - "~~i~!~r,9-0Étére()"
a utilização dêsses órgão:;".
- que Findlay ressalta o modo empregado para reconhecer os fatos. Foi por tais meios que conseguiu o Dr. Findlay aperceber-seda
Ouçâmo-lo: existência do mundo etéreo e, progressivamente, assenhorear-se da
multiplicidade das fontes de ensinos provenientes dos espíritos, que
"Tenho meditado e ponderado muito sôbre as extraordinárias
frustra e torna estél'eis tôdas as oposições. Existe, porém, um acôrdo
experiências a que procedi, durante êstes últimos doze anos, expe-
majestoso em tôdas essas vozes que se têm comunicado, e essas mensa-
riências tão extraordinárias, tão estranhas às nossas idéias sôbre os
gens afirmam a sobrevivênciaconsdente dos espíritos.
fenômenos da natureza, que compreendo fàcilmente a dificuldade que
muitos hão de encontrar para admitir o que aqui exponho como nar- Quanto à persistência da vida consciente, como todos oS atributos
rativa fiel e verdadeira do que realmente ocorreu. Posso apenas que comporta - memória, inteligência, faculdades afetivas, conhed-
esperar que aquêles que já se adestraram em semelhantes ensaios aceitem mentos, etc. - foi estabelecida pelas numerosas provas de identidade
o que afirmo, sem hesitação nem dúvida. e capaddade pessoais, recolhidas no decurso dessas experiências e
investigações. Os espiritos manifestaram-se não somente com o caráter
Reconheço que se, há treze anos, eu mesmo fôra convidado a
pessoal e a totalidade das recordações que constituiam a sua persona-
crer nestes fatos singulares, houvera tido por impossível fazê-lo; é
lidade moral, mas também com tôdas as características e particulari-
que,então, o meu desenvolvimento mental não estava suficientemente
dades da sua forma tenena de falar, confirmadas por quem os
apto para compreender o assunto. Não teria percebido que as mani-
festações psíquicas, que tive a fortuna de observar, são, como as demais conheciam.
manifestações da natureza, reguladas por lei e devidamente ordenadas. Não deixa de ser interessante a desconfiança do Dr. Findlay,
Só quando os nossos conhecimentos hão avançado bastante, é que nos quando pela primeira vez assiste a uma sessão. Encarando friamente
apercebemos de que esta nova ciência se harmoniza com tôdas as com o assunto, duvidoso de tudo, seus olhos de céptico vêem, em tôdas
que já nos inteiramos. as pessoas, cúmplkes e impostores a auxiliarem o médium na fraude.
Como disse, efetnei interessantes e maravilhosas investigações, Com a atenção alerta e vigilante, o espírito pronto para revida! à
porque me pus em contacto com um Mundo Nôvo, um mundo em menor falha os concentrados nos movimentos dos presentes,
que mesmo os maiores pesquisadores da matéria mal começam a pene- eis como o ~ncontramos no inicio dêss-es trabalhos:
"Da primeira vez que tomei parte em experiência com essas vozes,
(15) Para nos certificar que o Dr. ]. Arthur Findlay não é uma personalidade apa-
ou de nenhum; relêvo no rol dos homens cultos" diremos que, além de outros títulos
achava-me positivamente suspeitoso; mas,. já durante a sessão, ~~pan­
h;;ti.(~~:')~:;;~,'~o~d;a notoriedade de que goza. é ~ Membro do Glasgow Stock Exchange; Diretor tava-me de que um homem, mesmo que tivesse comparsas a auxt1Ia-lo,
d anel General Trust"; ,autor de algumas obras sôbre Economia e Finanças;
"1;:,~;I'I~;~'tl~. cm .Agr;culr:ura~ Presidente do Instituto Internacional de Pesquisas Psíquicas;
prolongasse por duas ou três horas uma impostura de tal monta.
fi H
dt) "Looclon Spiritualist AlIiance"; Presidente do "Psychic News" e do '(Light •
386 PEDRO GRANJA
AI'lNAJ", QUEM SOMOS?

Trinta vozes distintas) que falaram naquela noite, em tons e com Tal o meu primeiro contacto com John C. S~oan e com ~s "vozes
inflexões diferentes, deram seus nomes, suas residências exatas na <">.~ •.,,," Finda a sessão, perguntei-lhe se podena voltar, p01S est,;'va
terra e, dirigindo-se a pessoas sérias, foram reconhecidas, mediante saber mais sôbre o assunto."Certamente, tôdas as vezes
referência a íntimas questões familiares. vir, terei o maior prazer em r~c~bê.lo", respor~deu êle.
Nem uma só vez qualquer equívoco pôde ser apontado, e a l)ilnl~H1ldcHIle a alguém que me estava proX1mo, perguntei quanto
escuridão contribuia para tornar mais evidente a genuidade de tudo pagar ao Sr. 510an. Lembrar-me-ei sempre da respos~a que
aquilo, porquanto, Se difícil já seria lembrar-se alguém, em plena luz, obtive: "Se falar em pagar-lhe, ofendê-lo-á profunda:men.te. .Ele faz
dos falecidos amigos e conhecidos de cada um dos presentes e de seus cônsdo de cumprir um dever, não para consegUir dmhelro com
respeçtivos negócios familiar.es, duplamente impossível fôra isso no sua mediunidarle".
escuro, pois nada menos de quinze pessoas ali se achavam e o médium Isso me deu a impressão de não ser um método de que possa
teria de saber com exatidão o lugar onde cada uma delas se sentara. usar qualquer embusteiro. Como poderia um homem q~e trabalha
A voz, de cada vez, falava diante daquele que lhe conhecia o nome, ganhar algumas libras por semana, perguntava a mlm mesmo,
o ·enderêço terreno e os detalhes que dava. tempo e o dinheiro em obter tôdas as informações que eu lhe
Era verdadeiramente assombroso, e não menos o fato de duas ouvira dar às pessoas presentes naquela noite?
ou três vozes falarem ao mesmo tempo. Não só devia haver cúmplices, Tão viva impressão me deixara a singular experiência, que, de
pensava eu, como também um admirável sistema de colhêr informações. regresso à casa, me pus a escrever até ao alvorecer da ma~hã.seguin~e,
Mas, como se poderia conseguir isso de modo tão cabal - ou, então, uma cuidadosa descrição de tudo o que ocorrera nessa pnmelra sessao
como poderiam falar os mortos? a que assistira, prática que, daí por diante, segui invariàvelmente, até
Mesmo que êles ali acorressem, seus órgãos vocais estavam sem quando consegui levar comigo um estenógrafo.
dúvida sepultados e de que modo logravam fazer que a atmosfera Lenta, porém, firmemente, cheguei a compreender que o que eu
vibrasse sem um instrumento psíquico.corpóreo ? Não, nada mais pensava fôsse impossível era, em realidade, possível,' que com efeito,
impossível do que semelhante coisa. Eu já ouvira referências a fraudes se dava o que eu supunha não poder dar-se; que os que eu cria mortos
e a impostores, porém, nunca ouvira dizer que os mortos falassem; estavam inteiramente vivos, tinham corpos de tecidos mais delicados,
portanto, o que ali havia era sem dúvida fraude. porém de formas semelhantes às dos nossos; e que o médium fornecia
Tumultuavam assim as minhas idéias naquela memorável noite, uma substância que os habilitava a materializar suas bôcas, gargantas
quando, de súbito, uma voz se pôs a falar defronte de mim, Espan. e línguas, para fazerem vibrar a nossa atmosfera".
tei-me. Disse um dos assistentes, a meu lado: "Amigo, alguém lhe Mas, interrompamos alguns instantes o relato presente e refli·
quer falar". Repliquei, então: "Sim, quem és?" - Teu pai, Roberto tamos um pouco sôbre o valor teórico dêstes vários detalhes: O fato
Dorwin Findlay", respondeu a voz e entrou a referir·se a determinada do Dr. Findlay ser desconhecido de todos, de não ter sequer revelado
coisa de que somente êle, eu e u.m terceiro sabíamos, na terra, sendo o nome e a circunstância principal de nenhum dos presentes conhe·
que êsse terceiro também já morrera, havia anos. Era eu, pois, a cerem o menor indício sôbre sua vida, vem provar que a voz manifes·
única pessoa viva que tinha ciência daquilo a que a voz aludia. tada era portadora de conhecimentos íntimos, longe do alcance dos
Já bastante extraordinário se me afirmou êsse fato; entretanto, a pt'esentes e do próprio médium.
minha surprêsa cresceu de pronto, quando, tendo meu pai concluído, Nessas condições, daro está que as hipóteses de tele;patia e subcons-
outra voz declinou o nome da terceira pessoa que na terra estivera a cíente, reforçada pela da sobrevivência temporária de uma m:hlória
par da questão lembrada e essa voz continuou a conversação que meu - duplicata da existência terrena, mas sem atividade possível fora
pai começara. A nenhum sistema de espionagem, por perfeito que de um espírito encarnado que a ressuscite - está claro, dizíamos, que
fôsse, a nenhuma personificação por parte do médium se poderia atri- êsse conglomerado de hipóteses fantásticas não se aplica à referida
buir o que acabara de dar-se, acrescendo que, absolutamente, nenhuma manifestação, fora de tôda influência dos vivos.
das pessoas presentes me conhecia. Não dera o meu nome) ao entrar Contudo não devemos esquecer do valor teórico, contido no fato
para a sala, não conhecia ninguém dos que lá se achavam e nenhum de uma "voz independente" revelar um nome ignorado de todos os
dêles sabia o que quer que fôsse a meu respeito. assistentes e que estava distante do pensamento do Dr. Findlay, seu
PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 389

filho.De onde, com efeito, o nome dessa pessoa dotadas da faculdade de clarividência, que nunca o conheüeram,
dE~§con,hé;dC!a,
cuja presença se manifesta para referir-se a uma deter- jamais o viram na terra, lhe descreveram a figura tão exatamente,
minada ocorrência de que sômente oespirito seu filho e acabei por me assegurar que, de fato, estava falando com meu
um terceiro, êste também falecido, sabiam? Se não fôra êle, quem poderia ser? Seu aspecto físico e a sua
Eis um nôvo enigma que aquêle "conglomerado d.e hipóteses" , personalidade, na vida terrena, eram, para mim, o que representava
não pode resolver. Para a teoria eopitita, porém, tudo isto é tão meu e ali tudo isso se reproduzia e não com relação a êle somente,
claro que dispensa as delongas de uma nova explicação. maS com referência a uma d{~zia de pessoas que eu conhecera na terra".
Resta-nos assinalar a circunstância do segrêdo ser concluído peIa E mais adiante, a propósito das conversas s.imultâneas de várias
outra voz que declinou o nome certo e continuou a relatar o que seu vozes enquanto que o médium se mantinha alheio ao assunto ou em
falecido pai começara. pales~ra com a pessoa que lhe estava próxima, criteriosamente observa:
Não nos esqueçamos também que no decorrer da sessão as perso-
"lIvluitas vêzes, eu e outros amigos e os dema 1s presentes ouvimos
nalidades manifestadas falavam com o timbre da voz que lhes havia
sido peculiar em vida, detalhe que produziu sôbre o Dr. Findlay duas e, não raro, três vozes distintas, de tonalidades dif~rentes e de
profunda impressão. personalidades diversas, falando simultâneamente aos Circunstantes,
sôbre questões várias, conhecidas apenas daquele a quem a voz se
De modo especial submetemos agora a continuação dessas expe-
dirigia enquanto que o médium ou conver~ava de algum outro assunto
riências à apreciação do leitor, o que concorrerá para tornar evidente , . 'I l d '
o lado demonstrativo, prova essa irretorquíve1 e decisiva em favor da com a pessoa que lhe estava próxima, ou tmhal o meu ouvuw co a o a
teoria espírita: sua bôca, de cujos lábios nerzhmn som escap/wa.
"Para muitos, uma sessão com Sloan basta para induzi-los da Dos casos que exporei evidenciar-se-á que a ~elepatia, a criptestesi~
A

realidade do após vida e, a menos que haja pessoas recém-falecidas e outras teorias, com que alguns pretendem explicar o~ fen~menos PSI-
com as quais queiram entrar em contacto, aquilo os satisfaz. Eu sinto
de modo diverso. Não me convenci logo à primeira sessão, mas fiquei
quicos, não podem se~ lev~das ~m conta. Uma a~p;a Salda :e
ao investigador e de l1mguem sei que, tendo o ensejo de expenmentac
abr:
suficientemente impressionado para desejar perquirir posteriormente, a voz direta, seja capaz de chegar a outra conclusão, que não a de
a fim de obter a significação de tudo aquilo. Por isso voltei, assim
que as vozes procedem d?s que já viveram aqui na~ terra e ~~~'
que tive oportunidade, depois da minha primeira experiência. Não havendo passado pelo fenon1:eno da morte, voltam paca n~s. cettlL-
ia, entretanto, para ser vencido. Se houvesse ali uma grande fraude,
carem de que, na realidade, não há morte, ma:, ao contrano, uma
eu a descobriria; se não, teria de refundir todo o meu modo de ver
vida além-túmulo, cheia de constantes desenvolvimentos e progressos,
acêrca da vida e da morte.
num mundo etéreo, que interpenetra o nosso mundo tei'reno.
Tomando cuidadosas precauções e inventando engenhosas contra-
provas, persuadi-me, com o tempo, de que os fenômenos eram genuínos, Concluindo, quew ainda dizer, com todo o vigor de uma con-
mas não fiquei CGnveneido de que as vozes eram de trespassados. Só vicção profunda, que há continuidade de vida, que nada. se perde,
gradualmente adquiri a convicção, devido ao conhecimento que as sem excetuar a vida. A comunicação entre os que agora vrvem reves-
vozes possuíam de coisas que nenhum dos presentes tinha a probabi- tidos de corpos feitos de matéria física e aos que já se despojaram
lidade de saber e que somente aquêle a quem a voz se dirigia podia de corpos dessa natureza não só é possível, com~ também s~ verific.a
conhecer. em condições apropriadas. Os resultados que obtive consegm-os reali-
A voz que dizia ser de meu pai, por exemplo, mostrou um conhe- zando essas condições, que posúbilitam ao desencarnado falar nova-
cimento tal da nossa vida de família, do nosso lar e de meus trabalhos, mente com o encarnado.
os quais também eram os seus antes de morrer, que só faltou a possibi- Em muitas ocasiões, foi-me concedida a satisfação de conversar e
lidade, para mim, de vê-lo. Se o houvesse visto, nada mais seria discutir com os que já se encontram no plano mais vasto da vida;
necessário para tornar completa a minha convicção. ou de ouvi-los falar com os se me achavam ao lado. Escute.
Não podemos, porém, chamar "morta" a uma pessoa que nos centenas de vozes e centenas fatos nos vier,am a êles e a
volta com um corpo semelhante ao que tinha na terra e nos fala mim, que os que falavam erarn com efeito as que se decla-
como fazia quando se achava revestido do corpo carnal. Diversas ravam presentes.
590 PEDRO GRANJA
AFINAL, QUEM SOMOS? 591

Dessas conversações muito aprendi, não só acêrca da continuação


aos médiuns, que para mim significavam fraude, ilusionismo deleitando
da vida, como também sôbre as condições desta no mundo etéreo que
uma multidão de gente crédula, pronta a deglutir tudo o que se
:ii
nos envolve e sôhre os métodos que empregam os que lá vivem para
lhe apresentava .. ,
se comunicarem conosco. Muito do que me foi dito não pude aprender,
nem compreender e, mesmo depois de meditar a questão durante doze Estávamos no mês de maio de 1914.
anos, mais do que nunca lhe sinto a profundeza" (16), Sozinha, eu me dirigi a casa de W riedt, em Wimbleton, sem reve-
Para melhor precisar a afirmação teórica da Doutrina dos Espí- lar meu nove ao médium.
ritos no que se refere aos fenômenos denominados "vozes diretas" ou Etta Wriedt não caía em transe. Ela ficava sentada em sua
"xenoglossia", pare,ce-nos, como sempre, que a opinião do Professor ~:adeira, inteiramente consciente do que se passava, tomando parte na
Ernesto Bozzano, no artigo que escreveu para "La Revue Spirite" conversação; em seguida se lembrava de tudo o que acontecera. Assim
intitulad~ "Respi~ga?do na Autobiografia de uma Dama Inglês~", de é que ela, muitas vêzes, falava por sua própria conta, mesmo quando
fato, multo contnbulU para realçar o seu valor demonstrativo. l1n;a voz se comunicava a um dos assistentes.
De início, o Professor Bozzano nos apresenta a dama, salientando Dessa vez, porém, estávamos sós. A. sala de ,
sessões era grande,
que se trata da viúva de Philip Champion de Crespigny, falecida em desguarnecida de móveis, exceto as cade1!as que ocupavamos e um
1935, .e. que fô~a presidente da "British College of Psychic Sciences", sofá, Instalamo-nos defronte uma da outra, e entr·e nós havia uma
compos1tora, pmtora, romancista, poetisa, ,e...horade ciência, espiri- distância de cinco a seis pés; o porta-voz de alumínio foi colocado
tuahsta e que escrevera a sua autobiografia, publicada um ano antes no soalho, entre nós duas.
de sua morte.
Experimentei uma sensação de mal-estar moral por achar-me sen-
Segue, o autor, comentando-lhe a autobiografia e, finalmente, tada C1;1 completa obscuridade, à espera de algo indefinível. Mas
tece os melhores elogios, dizendo que, "em estilo suave e brilhante" logo que com:eçaram a ressoar as "vozes", tudo se tran[formou como
a int,eligênda variada e desenvolvid~ da autora soube relatar os acon~ por encanto; o sentimento de inconveniência que me assaltara devido
tedmentos, de sua juventude, assaz movimentada, porque durante um à estranha situação em que me encontrava, desapareoeu imediatamente.
longo penodo ela acompanhara o pai às diferentes estações navais a
Após a obscuridade, senti que me tocavam em um joelho, ao
que .
, era enviado em sua qualidade de almirante da frota britânica,
mesmo~ tempo que, do lugar que ocupávamos, Wriedt e eu palestr~­
ate a sua V1Uvez que, em penoso estado de alma, lhe abatera a crenca
e o ânimo à vida, resultados psicológicos das perplexidades irônic~s vamos; instantes depois, uma voz falou-me através do porta-voz. Ven-
que a atonnentavam. fiquei imediatamente que as habituais objeções da imaginação exaltada,
de ilusão e de telepatia eram absurdas e insustentáveis, pois essa voz
Foi nesse momento de penosa crise de consciência que ela encon- era bem objetiva e real; el.a se fazia ouvir mesmo quando Wriedt
trou, por simples acaso, o Coronel Johnson. A conversa de inicio comigo conversava, sempre colocada no mesmo sítio. Fui .obrigada a
variável, incide, então, sôbre as religiões, e o Coronel sustenta que o pedir-lhe silêncio para não perturbar a voz que se comumcava.
~5piritismo havia provado a existência da alma, estudo pelo qual se
1Uteressava. Compreendendo o estado de alma da Sra. Crespigny, êle O médium me afirmou que percebia o rosto do espírito e forneceu
se afer·ece para conseguir-lhe uma sessão da célebre médium americana excelente descrição de meu falecido marido, "que envergava uniforme
de "voz direta", EUa Wriedt, que então se encontrava em Londres. com galões de ouro sôbre as mangas e com dragonas reluzentes",
uniforme de aala com que fôra sepultado. Ela acrescentou que -
A êsse respeito, o Professor Bozzano afirma que, na sua "Auto- f'lzera um g1ro
. d e va Isa.
biografia", a Sra. Crespigny assim se refere: provàvelmenteb para fazer-se recon h e~er - eie
AI

(Efetivamente, nós, dois éramos apaIxonados pela dança). Ao mesmo


"O Coronel Johnson ignorava tôda minha vida passada, e jamais tempo, por meio do porta-voz, eu ouvi asso?iar alguns compassos da
se encontrara com meu marido, falecido havia pouco tempo. Preciso valsa Darehin, que o falecido apreciava particularmente!
acentuar que eu estava repleta de prev·enção, relativamente ao Espiri-
Em seguida outra voz, evidentemente presa de grande excitação,
Eu não tinha objeções sérias a opor, mas sentia grande aversão
chamou-me pelo nome, dizendo ser meu marido. Contudo, não
reconheci nessa voz o timbre vocal que lhe era próprio; não pude,
(6) ), .,A:UbUi' Findlay - "No Limiar do Etéreo". pois, crer em sua presença real. Mais tarde conheci muitas coisas
392 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 393

a êste respeito; mas é preciso não esquecer que se tratava da minha feita,conduindo nada se produzira de absolutamente convincente,
estréia. .. De todo modo, compreendi imediatamente que me achava do ponto de vista espiritualista, e que, pelo contrário, eu descobrira
em presença de um prodígio infinitamente superior às invenções e de um grave êrro nas narrações de meu suposto marido. Fôra quando,
tôdas as descobertas do gênio humano. em certo momento, êle dissera:
Essa ~oz continuou a dirigir-me perguntas e a responder as que - Eu te agradeço as flôres.
eu lh~ ~azIa; mas ~s respos~as pareciam vagas ,e insuficientes, visto que
eu eXIgIa provas mcontestaveis, literalmente decisivas. Desejando pô-lo à p1'Ova, respondi com esta pergunta insidiosa:
A seguir manifestou-se uma terceira voz, que se fêz conhecer - Quereis falar das flôres- que depositei sôbre tua sepultura?
chamand~ :neu marido pelo nome que só os inembros da família Pareceu-me que êle dera resposta afirmativa quando na verdade
eram os U111COS a empregar; assim reconhecia naquele que falava um nada disso acontecera".
dos meus cunhados, morto quinze anos atrás. Grande foi a minha
surpcêsa, justamente porque nunca esperava que se manifestaria em O Professor Ernesto Bozzano continua, no seu artigo, comentando
uma sessão mediúnica. as dúvidas que o primeiro encontro post-mortem do marido causara
à viúva, deixando-a imersa em profundas perplexidades, aparentemente
Êle me disse:
insolúvel. Se de um lado, a Sra. Crespigny meditava no êrro que,
Jamais esperei encontrá-la aqui ... a seu ver, cometera a personalidade que se comunicara, no timbre
vocal com que se exprimira e que não fôra reconhecido, de outro lado
Por que? respondi. As comunicações com o mundo espiritual recordava-se do fato inexplicável do compasso da valsa favorita, que
sempre me pareceram um problema que seria resolvido no futuro. ela ouvira, assim como as informações autênticas, fornecidas pelo
Muito bem; mas você é o único membro de nossa família que espirito de seu cunhado, referentes a acontecimentos de sua juventude.
tentou comunicar-se conosco.
Acresce que, dias depois do oco1'1'ido, o Coronel Johnson, em visita
. I~to era v~r~ade; mas do ponto de vista probante, poder-se-ia à Sra. Crespigny, informa-lhe haver assistido, na noite anterior, a
~tt1bU1r a e::,atldao da observação à simples coincidência. Contudo, outra sessão do méd;mn Wriec1t, na qual se manifestou uma voz muito
ele pross~gU1u lembrando-me uma festa, da qual participamos durante inquieta, dando-lhe o nome e sobrenome de seu falecido marido. Na
a ,nossa ]u.ventude, fazendo também alusão às flôres que eu levei. comunicação ° espirito lastimava-se do incidente ocasionado pela má
Tod.as as ~1rcun~tândas eram ve~idicas. Te.rminou dizendo que o meu interpretação de suas palavras, de modo a sugerir suspeitas na mente
mando lh" pedIra para sema111festar a mIm, a fim de me convencer de sua mulher, pois que ela ainda não se convencera de haver falado
de quem me falara fôra efetivamente êle, seu mano ... com êle. O espírito pedia, então, que o Coronel fôsse persuadi-la
Depois da comunicação de meu falecido cunhado intervieram de que se enganara, transmitindo-lhe com voz angustiada essa
outros visitantes do Além, um dos quais não conheci :m vida mas mensagem:
que se torno~ ? liame p.redoso para as minhas correspondência~ com - Dizei-lhe que me compreendeu mal; pois julga que eu afirmei
o mundo esp1t1tuaL Afumou chamar-Se Florence Nightingale; disse- ter ela depositado flôres no meu túmulo. Ora, eu absolutamente
-me que mostraria sua luz espiritual - luz que futuramente deveria não disse isto. Meu corpo foi incinerado; meu túmulo não existe ...
representar o sinal de sua presença. Pergunte-lhe se se recorda de Galaton, na estação naval da Austrália.
Com efeito" vi aparecer uma forma luminosa, cujas irradiações Ela compreendetá a que eu faço alusão, e desta vez se há de convencer".
assemelhavam-se as de uma grande lâmpada, igual em brilho, mas que A Sra. Crespigny então descreve a alegria que a nova mensagem
tomava as proporções de um disco luminoso. Por diversas vêzes ela lhe trouxera e a fé inexprimível que lhe invadiu a alma tão sequiosa
o agi!ou, quase ~ tocar-me o rosto; não pude resistir ao desejo de da verdade. Mas ouçâmo-Ia novamente, como transcreve Bozzano:
agarra-la; mas mmha mão passou através do disco luminoso. Meu
ato impulsivo fôra uma das insensatas e perigosas audácias, ordinària- "Ser-me-ia impossível exprimir por meio de a imensa
mente cometidas por principiantes cépticos. Audácia que não repetirei. onda de convicção que essa mensagem derramou em minha alma!
Era esta it j'1'otJa das até então eu quisera ansiosamente.
De todo e a despeito das maravilhas que presenciei, não Era a revelação de nosso l\u havia batido a tôdas as portas
o de cepticismo que me dominava. Parti insatis- para obtê-la - e, finalmente, a porta do grande mistério se abrira.
394 PEDRO GRANJA AFINAL, QUEM SOMOS? 395

Ninguém, a não ser meu marido, poderia enviar-me essa men- Entretanto, as belíssimas páginas da Sra. Crespigny, em sua "Auto-
.s,agem (17). biografia", e as do Vice-Almirante Usborne Moore, em "As Vozes",
bastariam para demonstrar, de maneira irrefutável, a manifestação
Em resumo: o Professor Bozzano diz que à fôrça de tais relatos
dos espíritos que converSam em línguas ,e dialetos desconhecidos pelo
a Sra. Crespigny começou, seriamente, a dedicar-se a investigações
médium. Infelizmente, tendo-se em vista a extensão do que aqui cita-
psíquicas, e que, no decorrer de urna longa série de sessões COm o
mos, limitamo-nos somente a reproduzir mais uma dessas passagens,
mesmo médium, multiplicaram-se as provas de identificação pessoal
na qual a Sr. Crespigny, no seu livro, resume-as nestes têrmos:
do marido, do pai e de muitas outras entidades, de maneira a trans-
mitir-lhe a certeza da presença dêsse~ espíritos. "Ouvi, várias vêzes, quatro ~'vozes" que falavam simultâneamente
a outros tantos experimentadores; uma delas me falava ao ouvido, com
O Professor também conta que o marido e o pai freqüentemente
timbre normal, a todos perceptível; era meu pai que me dava infor-
se manifestavam quando a Sra. Crespigny não estava presente, e pediam
mações sôbre assuntos privados, aO mesmo tempo que em outro extremo
a qualquer pessoa que lhes transmitissem as mensagêns; e salienta ser do circulo outra voz sonora palest1"ava em holandês.
um , ' excelente método, "visto eliminar a possibilidade de leitura no
subconsciente dessa senhora, no caso de se achar pr,esente". Em dif.erentes épocas ouvi conversações que se realizavam em
treze ou catorze idiomas diferentes, enquanto que o médium Wriedt
Ressaltando, finalmente, que a mensagem transmitida ao Coronel somente conheda sua língua materna. Entre essas Hnguas, citarei as
Johnson é exatamente desta espécie, Bozzano ainda frisa que apenas seguintes: o dialeto bretão, estranho e difícil; o dialeto maltês, o
alguns dias eram passados, surge outro caso análogo, ao receber a croata, o sérvio, o grego moderno, a língua indostânica; entre as
referida senhora uma carta do Vice-Almirante Usborne Moore (18), ocidentais: os idiomas francês, alemão, sueco e outras mais.
então desconhecido na qual informava-lhe ter assistido a uma sessão
do médium Wriedt, e que nela se manifestara uma voz que declarou Jamais se observaram incertezas, na designação da pessoa que
ser Felipe de Crespigny, dando-lhe informes desconheddos e pedindo o porta-voz tocava, pois que ,em todos casos, a entidade que se comu-
que os transmitissem, a fim de confirmar a assertiva do espírito. nicava, dirigia-se, sem hesitar, ao assistente que conhecia a língua em
que ia falar. E êste um detalhe por si mesmo muito elucidativo em
Houve, ainda, outros fatos de grande valor probativo nas mani- sentido espiritual ... "
festações dêsses espíritos. Um dos casos, por exemplo, é o do anel
de prata, presente que o pai da Sra. de Crespigny fizera a uma amiga
íntima e que o espirita recordou, assim que ela pela primeira vez fôra * * *
à sessão; o outro, é a prova da memória do espirito ao corrigir o
êrro sôbre aclata em que êle assumiu o comando da frota reunida em Na presença de diversos médiuns, - que se distinguiram pelos
W,eymauth em 1878, e não em 1879 como afirmara a filha, e que ela valores educacional, cultural e social que possuíam, desde os de con-
capacitou-se do êrro consultando os documentos da época; finalmente, dições as mais humildes, s,emi ou analfabetos de vez, aos de condições
o caso supranormal do disco luminoso quando a Sra. Crespigny e3tava m~is elevadas, ou relativamente instruidos, ou possuidores de geral e
só, em sua casa, lendo um livro. No dia imediato à ocorrência, o brilhantíssima instrução, como no caso do nosso amigo, o conceitua-
Vice-Almirante Usborne Moore lhe entrega uma mensagem, direta- dissimo médico Dr. Erlindo Salzano, - fenômenos análogos aos que
mente obtida por êle, na qual o espírito lhe recordava que a luz em acabamos de expor repetidamente foram por nós presenciados, assim
forma de "disco luminoso" proJetada sôbre o livro, era a forma pela como ouvimos inúmeros espíritos se manifestar por "voz direta".
havia prometido manifestar-se o espírito de Florence Nightingale.
Ouvimo-los, por vêzes, falar diretamente, sem o auxílio do mega-
Antes de terminar a resenha destes casos, devemos acrescentar fone, e conversamos com êles como duas pessoas comumente o fazem.
que com o médium Wriedt se obtiveram numerosos e maravilhosos
Ambos, espíritos e nós, trocávamos idéias e, à semelhança de qualquer
fenômenos de vozes diretas, alguns dos quais citados no volume da
mortal, debatíamos nossos pontos de vista, calorosamente sustentando
Sra. Crespigny e confirmados, mais tarde, pelo Vice-Almirante Usborne
nos dois livros que publicou.. as opiniõ,es que defendíamos.
Outras vêzes, cluando possuíamos em nossa reunião sensitivos mais
(l7)Grifo da nllora. vigorosos, os espíritos manifestavam-se conjuntamente; e enquanto duas
«8) Na sua obra denominada tIAs Vozes",o Vice~Almirante lJsborne Moore relata
LltOgidtnti(}s a êste. entidades falavam em voz alta com a assistência, uma terceira sussur-
AFINAt, QUEM SOMOS?

rav~-nos" quas'e. c~lada ao ouvido, conselhos tão íntimos, que não assuntos a atenção de todos os que amam a Luz e a Verdade - jul-
fugl1nos a ~onvlcçao de que essas vozes eram bem reais e não podiam gamos apenas ter cumprido, conforme nos foi possivel, um dever de
ser produ:l1das por fraude ou qualquel' meio mecânico, em virtude fratemidade,e uma parte da nossa missão".
das rigorosas condições de contrôle a oue estavam submetidos os Não temos, pois, a tôla vaidade de supor ter convencido todos os
médiuns. ' que nos leram; mesmo há muita gente cuja
i~teEgênda, embora está em de podereIevar-se a
Sem conta, também, foram as vêzes que amarramos os sensltivoS
estudos dêstes e e há outros que, por
na cadeira, impossibilitando-os do menor movimento, enquanto que
sistema ou por não querem mudar de idéias e convencer-se de
sua bôca era forçada a um silêndo absoluto pela fita de esparadrapo
fatos que lhe poderiam causar ou remorsos.
adesiva, fortemente presa de um ao outro extremo do rosto e em
condições que tornavam impossível qualquer tentativa de fraude. Se, porém, logramos convencer algum espirito descrente ou dúbio,
se conseguimos fazê" lo interessar-se por êstes assuntos, essa é para nóS
Tivemos, certa feita, a oportunidade de acompanhar o desenvol-
a máxima recompensa que aspirar; porque assim o nosso
vimento de um médium de "voz direta" e, dêsse modo, assistir as
tempo e o nosso estudo não ficaram de todo improdutivos para os
primeiras manifestações do espírito comunicante, desde as tentativas
nossos semelhantes.
de levitar. o mega:one, os primeiros sopros do espirito, as primeiras
palavras amda mUlto mal pronunciadas, até a sua fase final, em que E, antes de concluir êste capítulo, necessário se faz um reparo nosso:
o espírito, já desenvolto, falando fácil e fluentemeIite, sem o auxílio Aos que se deixam dominar pelas influências materiais, aos que
do. megafone, sustentava conosco um diálogo que às vêzes durava acham tão difícil ser honestos para e para com os outros, aos
malS de uma hora, revelando uma inteligência lucidissima e uma soma aue se enfeitam, levianamente, com o nome e relêvo de sábios, aos
de .conhecimentos extraordinàriamente superiores aos do médium e dos
aSslstentes.
que motejam de tudo o que para êles é inexplicável - talvez °
que
acabamos de afirmar-lhes cause grande estupefação e indignação, levan-
Então, nesse gênero de manifestações, pudemos apreciar cenas do-os a julgar 'crtoneamente sôbre a honestidade de tais fatos e dos
das mais variadas. Umas vêzes eram comunicacões reLitivas à vida lnterêsses subalternos de nossos sentimentos.
do espírito,. ou dos seus parentes vivos; outras, quando o espírito era As linhas que imprimimos, ,evidentemente, não foram
culto e tinha certo adiantamento espiritual, eram temas sôbre a vida
de além-túmulo, exortações sôbre moral, sociologia, ou sôbre filosofia para êles ...
e ciêndas diversas, surpreendendo pela clareza de exposição, concor- Porém, aos homens simples e de bom-senso, aos de caráter impo-
dância de principios e sublimidade moral; e tais assuntos foram sempre luto, aos de coração fraterno, aos que compreendem a Vida como
tratados com elevação superior, que transcendiam de muito à capad- missão superior e preestabelecida por uma Sabedoria Maior - para
dade intelectual de todos os presentes. êles são impressas as linhas dêste livro, certos de que não hesitarão
em acreditar na nossa sinceridade, pois há muito já se asseveraram
El~ suma, podemos, finalmente, afirmar que foram os espíritos que também tivemos de sacrificar aS nossas opiniões, oriundas de
que maiS se esforçaram para nos dizer, em viva voz, que não morreram; uma falsa educação, as nossas vaidades, motivadas por uma imt1'ução
que conservam, no chamado Além, a sua per;:onalidade, apenas sem errônea, os nossos interêsses e as tranqüilidades de nossas comodi-
o p~sado fardo da matéria; que através do seu invólucro perispirital, dades pessoais, em beneHdo do que consi.deramos a absoluta Verdade.
contmu,am na posse de tôdas as suas aquisicões morais e intelectuais
que aqui ~a. terra possuíam; e que evolue~11 e1;1 outros mundos segundo Frisamos somente isto; e também pedimos que compreendam que
os seus mentos. tivemos de afrontar corajosamente OS fatos, quando pela primeira vez
,e nos apresentaram como testemunho insofismável da imortalidade
a da alma solapando e ruindo as nossas crenças rotineiras. Tivemos,
citado então, de reedificá-las sôbre as dnzas de um passado, abrir o caminho
da incompreensão, afastar os escolhos do orgulho, banir para longe
e sempre a presunção e a vaidade antigas entrando finalmente em
ter denlon ;trado (at:~lrnente a tese luta com a nossa personalidade, a fim de despertar a nova individua-
e fa:Dendo"o chamando êsses lidade, traçando-lhe os horizontes do porvir.
398 PEDRO GRANJA

como se nos afigurou profundíssima o "homem conhece-te


·a ti mesmo"! ...
E quando essa compreensão nos veio, chegou também a verda-
deira serenidade, pois que somente os conhedmentos da mente e do
espírito, despidos de qualquer artificialismo, fazem com que o individuo
honesto não siga apenas pelo caminho mundano da sabedoria, mas,
conscientemente, palmilhe a estrada luminosa da Redenção.
As nossas palavras, porém, não saberão exprimir as alegrias que
isso traz aos que buscam essa estrada, de ânimo sereno e consdênda
tranqüila, porque muitas coisas reservam para êles os que já seencon-
tram no plano do Além ...
- Por que?
- Porque o "AFINAL, QUEM SOMOS?" deixa-lhes de ser uma
interrogação!

* * *
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INDÚSTRIA GRÁFICA SARAIVA S. A.
à RUd SalJJ.!'.Wll, 265, São Pmdo,

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tos e tôdas as gtandezas das épocas em que imperou
como guia, ou como algo-z da humanidade.
Não deixando à margem o interêsse por êsses
estudos, nêles constatou que <tos fenômenos que
sempre impressionaram a humanidade continuavam
a se manifestar, embora a ação inibidcra da ~'Santa
Inquisição" mantivesse sempre vigilante os seus
"olhos de Medusa", p'tontas a calcinar os que não
se ('harmonizavam com o santo saber".
E como O "Além teimasse em suas manifesta~
çõe," surgiu em meados do século XVIII, de per-
meio à civilização agonizante. uma nova Revelação.
Seria divulgada uma nova Doutrina, "'que simultâ~
oeamente iluminaria como Ciência, esclareceria como
Filosofia, e confortaria como Religião" ~
Legiões do Além, espíritos na condição de
desincarnados, vieram. então, ensinar a seus irmãos
da terra a lei do progresso infinito e a concretizar
as promessas dos profetas, pensadores, taumaturgos
e sábios· de tôdas as épocas e de tôdas as religiões.
Codificada mais tarde a Revelação, que dima-
nava dos ensinos dos espíritos, tomou o nome de
Espiritismo, cujo poder princip:al reside na sua
universidade, caus,a preponderante da rápida propa-
gação, cnfiO brm afirmou o seu codificador, profes w

sor dr. Léon Hippolyte Denisard Rivail.


Impressionando os sábios, a ciência procurou
então estudá~los através do terreno neutro, experi"
mental, onde a análise comprovada dos fatos o
transformou em verdadeira ciência - tIa ciência
da alma",
Daí, perdendo o caráter de miraculoso com
que o presenteou a ignorância, invadiu o campo das
pesquisls e das investigações de laboratórios e per-
quirições várias, onde a tudo e a todos se submeteu,
vencendo galhardamente tôdas as provas que em
nome da ciência se lhe impunham.
Encarado então pelo lado científico, o espm-
rismo, isto é, a ciência da alma" tornou"se a mais
U

profunda de tôdas as ciências, pois se ap6ia em


fatos positivos, categóricos, (ontroláveis e analisá ..
veis em tôdas as fórmulas reagentes da química, da
físic3:, da biológia, etc., positivando cientificamente
que a alma sobreexiste e continua a ter mais viva..
cidade após Se despojar do seu invólucro carnal.
Se os sábios afirmaram que a alma é imortal,
não fôra por deduções filosóficas ou fé dogmática,
m'ls pnrque viram, conversaram com ela quando
materializada em seus laboratórios, auscultaram~lhe
os pulmões, fizeram reações químicas do ar que
ela expelia pela respiração e que, soprando na
águ"l de barita, produziram um precipitado de bário,
e lhe tomaram o pulso e a temperatura, tiraram"lhe
o retrato, cortaram~lhe os cabelos e os retiveram,
modelaram~lhe as mãos recurvas e entrelaçadas e
o rosto em parafina derretida, provaram enfim que
ela se corporifica quando, em circunstâncias espe"
ciais, o seu perispírito pode ~lagenciar" os elementos
necessários para se materializar, revestidas de carne
e oss,o, com todos os predicados de um sêr humano
como nós outros.
E concluiram então que as leis tão rigorosas e
inflexíveis como as que governam a matéria, regem
o mundo do invisível; e que no concêrto universal
tudo, sêres e coisas, se encadeia e liga em estreita
solidariedade, em profunda e sublime harmonia,
não havendo motivo para o milagre e ,o sobrcnatu w

ral, porque .êles não existem.


Esta é, em síntese, H a ciência da vida da a1.ma H
não só na sua condição de encarnada ou dcsencar-
nada, mas também em suas, evoluções sucessivas e
irrevogáveis através do tempo e do espaço. E as
afirmativas desta nova ciência trazem o endôsso
de homens que não saberiam mentir e jamais pode-
riam ser enganados.
Tal soma de conhecimentos está enfeixada neste
livro. Quem fôr curioso, que o leia.

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