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Keywords: Climate change - Nature of the greenhouse gas reduction targets - Constitutionality of
the state climate change acts
Sumário:
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é analisar o caráter da meta de redução da emissão de gases de efeito estufa
prevista na Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC, aprovada pela Lei 12.187/2009.
O tema é de interesse geral: primeiro porque, segundo Vargas (2008, p. 45), “nenhum assunto
merece mais atenção, em escala global, do que a mudança do clima”. E, segundo, porque as
consequências da aprovação da PNMC poderão obrigar diversos segmentos do setor produtivo
brasileiro a reduzir suas atividades, podendo causar uma retração na infraestrutura do país.
Para entender melhor a discussão vale a pena analisar sucintamente o que é o efeito estufa e traçar
um histórico do arcabouço jurídico que norteia o tema.
Após, chega-se ao objeto proposto neste artigo, analisando, a partir das dúvidas e especulações
jurídicas que têm surgido, se a meta fixada pela PNMC possui caráter voluntário ou obrigatório e as
suas possíveis consequências no plano legal.
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O CARÁTER DA META DE REDUÇÃO DE GASES-ESTUFA
NA POLÍTICA NACIONAL DO CLIMA
O efeito estufa é a retenção de calor na atmosfera situada próxima à superfície terrestre, que pode
ser potencializada pelo acúmulo de gases liberados, dentre outros processos, na decomposição de
matéria orgânica e na queima de florestas e de combustíveis fósseis, principalmente o CO2 (dióxido
de carbono). 1
É um processo que sempre ocorreu naturalmente, mesmo sem a interferência antrópica. Dentro de
uma determinada faixa, é de vital importância, pois mantém o Planeta aquecido, em média, perto dos
+15º C; sem este fenômeno, acredita-se que a temperatura média da Terra poderia oscilar em torno
dos -18º C.
Muito se fala em aquecimento global, todavia cientistas também têm anunciado evidências de
resfriamento incomum em alguns pontos do globo. Diante disto, a comunidade científica preferiu
adotar o termo “mudanças climáticas”, que abrange tanto os efeitos de elevação e redução térmica,
como as alterações atípicas nos fenômenos naturais (chuvas, ventos etc.).
3. BREVE HISTÓRICO
A primeira Conferência Mundial sobre o Clima realizada pela ONU, ocorrida em 1979 (Genebra,
Suíça), reconheceu que a mudança do clima era um problema grave e de interesse global e que as
emissões antrópicas de dióxido de carbono poderiam causar significativas mudanças climáticas. 4
A norma traduz o principal instrumento jurídico internacional para os esforços mundiais no combate a
mudança climática. Seu objetivo final é estabilizar a concentração dos gases-estufa na atmosfera em
nível tal que assegure o equilíbrio climático, sem obstar o desenvolvimento dos países envolvidos
(art. 2).
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O CARÁTER DA META DE REDUÇÃO DE GASES-ESTUFA
NA POLÍTICA NACIONAL DO CLIMA
Com base neste princípio os signatários foram separados em países do Anexo I (países
desenvolvidos) e países do não Anexo I (países em desenvolvimento): os do Anexo I concordaram
em reduzir suas emissões a níveis abaixo das suas emissões registradas em 1990. Se não puderem
fazê-lo, poderão comprar créditos de carbono dos países não Anexo I.
Os países em desenvolvimento, por seu turno, não possuem metas de redução de emissões, mas
apresentam alguns compromissos, como a implantação de programas nacionais de mitigação e
adaptação a mudança do clima, elaboração de inventários das fontes de emissões, entre outros. 8
Apesar de estar mais para uma declaração de princípios, a Convenção do Clima previu alguns
instrumentos para atingir seus objetivos, como a Conferências das Partes (COP), órgão decisório
máximo, com poder para “examinar a implementação da Convenção, bem como os instrumentos
jurídicos que ela própria adotou, tomando as medidas necessárias para sua implementação”. 9
Logo na primeira reunião da COP ficou claro que para atingir o objetivo principal proposto pela
Convenção do Clima seria necessário estabelecer, em um instrumento jurídico mais detalhado,
metas quantitativas de redução das emissões de gases de efeito estufa para os anos futuros.
Assim, em 1997, na COP3 realizada no Japão, foi adotado o Protocolo de Quioto, 10 mas que
somente entrou em vigor em 2005 com a adesão da Rússia. Por este Protocolo os países do Anexo I
da Convenção do Clima se comprometiam a reduzir, entre 2008 e 2012, a emissão dos gases-estufa
em aproximadamente 5% abaixo aos níveis emitidos em 1990.
O Protocolo previu um primeiro período de vigência, que vai até 2012. Até lá os países signatários da
Convenção do Clima continuarão se reunindo para fixar novas metas e instrumentos de mitigação
dos efeitos das mudanças do clima. A esperança era que nas 15.ª e 16.ª COPs, realizadas em
Copenhague (Dinamarca) e Cancun (México), respectivamente, os países participantes chegassem
a um consenso das novas metas que passariam a vigorar num eventual segundo período de vigência
do Protocolo, a começar possivelmente em 2013.
Também era esperado que os países em desenvolvimento se comprometessem mais, pois, segundo
Motta (2010, p. 10), caso seja “mantido o padrão e o nível da taxa de crescimento, países como
China, Índia e Brasil logo terão uma responsabilidade importante e, sem a contribuição deles, uma
ação global rápida e eficaz será muito mais difícil”.
No entanto, nada de concreto foi obtido, ficando a esperança de que melhores resultados sejam
conseguidos nas próximas conferências.
4. A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL
Antes da aprovação do Protocolo de Quioto a delegação brasileira era a favor de que os países não
Anexo I se isentassem de assumir qualquer obrigação que restringisse o desenvolvimento. Nos
últimos anos, todavia, foi ficando cada vez mais evidente a contribuição dos países em
desenvolvimento para a mudança do clima, em especial China, Índia, Brasil e Indonésia. Este novo
cenário favoreceu os países do Anexo I a pressionar os demais a também assumir metas de redução
na emissão de gases-estufa.
Tal pressão surtiu consequência em duas esferas distintas: (a) internacionalmente, a intenção de
apresentação de metas voluntárias de redução pela delegação brasileira na COP15, posteriormente
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NA POLÍTICA NACIONAL DO CLIMA
Neste sentido, Müller, Geldhof e Ruys (2010, p. 23) recordam que a Corte Internacional de Justiça já
reconheceu expressamente a possibilidade de que declarações unilaterais sejam utilizadas como
fontes do direito internacional. Os autores citam o caso do julgamento dos testes nucleares franceses
no oceano Pacífico: Austrália e Nova Zelândia contestavam que a França continuava a realizar
testes nucleares na Polinésia Francesa, não obstante suas declarações passadas de que seriam
suspensos. Naquele caso a Corte entendeu que, para ter consequências legais, as declarações
unilaterais deveriam (a) ser públicas ou de conhecimento geral da comunidade internacional; e (b)
demonstrar a intenção do país de se vincular legalmente àquelas declarações. Desse modo, a
formalidade das declarações unilaterais poderia ser dispensada.
Andou bem a Corte Internacional de Justiça, pois a soberania dos países declarantes tem que ser
assegurada. Sempre que um país declarar expressamente que não possui a intenção de se vincular
obrigatoriamente a uma determinada declaração, sua vontade não pode ser distorcida, ainda que
para atender o interesse geral da comunidade internacional.
No caso em análise, vale recordar que a comunicação feita pelo Brasil à ONU referia-se
expressamente à voluntariedade dos compromissos assumidos pelo Acordo de Copenhague. Assim,
tal declaração não pode ter seu sentido alterado de modo a converter o compromisso em
compulsório, sob pena de ferir a soberania e a autonomia da vontade brasileira.
Decorrente do PLC 283/2009, a Política Nacional sobre Mudança do Clima foi instituída pela Lei
12.187/2009.
Trata-se de uma norma programática, de eficácia limitada, que contém conceitos técnicos
importantes para entender o tema da mudança climática, tais como a adaptação, mitigação e
vulnerabilidade.
Das medidas previstas na Lei para a sua execução destacam-se (a) o dever de atuar para reduzir os
impactos sobre o sistema climático, prevenindo, evitando ou minimizando as suas causas; (b) a
consideração dos diferentes contextos socioeconômicos, sopesando as responsabilidades
individuais quanto à origem das emissões; (c) o desenvolvimento sustentável, como condição para
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NA POLÍTICA NACIONAL DO CLIMA
A Lei previu, ainda, diversas diretrizes, com destaque para: (a) os compromissos assumidos pelo
Brasil na Convenção do Clima, no Protocolo de Quioto e nos demais documentos sobre mudança do
clima dos quais vier a ser signatário; (b) o estímulo e apoio à participação dos governos, do setor
produtivo, do meio acadêmico e da sociedade civil organizada, no desenvolvimento e execução da
PNMC; (c) a utilização de instrumentos financeiros e econômicos para promover ações de mitigação
e adaptação à mudança do clima; e (d) a cooperação internacional para a transferência de
tecnologias de mitigação e adaptação a mudança do clima.
Vários instrumentos foram definidos para sua execução, merecendo atenção: (a) o Plano Nacional
sobre Mudança do Clima; (b) o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima; (c) a Comunicação
Nacional do Brasil à Convenção do Clima; (d) os mecanismos financeiros e econômicos referentes à
mitigação e à adaptação à mudança do clima; (e) os inventários de emissões de gases de efeito
estufa e suas fontes; (f) o estabelecimento de padrões ambientais e de metas, quantificáveis e
verificáveis, para a redução de emissões; (g) o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima; e (h)
o Fórum Brasileiro de Mudança do Clima.
A Lei determina que as instituições financeiras oficiais deverão disponibilizar linhas de crédito e
financiamento específicas para desenvolver ações e atividades com a finalidade de induzir os
agentes privados a cumprir os objetivos da PNMC.
Delegou ao Poder Executivo a competência para estabelecer, via decreto, Planos setoriais de
mitigação e de adaptação às mudanças climáticas. Estes Planos deverão abranger determinados
setores com vistas a atender metas gradativas de redução de emissões antrópicas quantificáveis e
verificáveis, considerando suas especificidades, inclusive por meio do MDL e das Ações de
Mitigação Nacionalmente Apropriadas – Namas.
Por fim, a Lei estabeleceu, como compromisso nacional voluntário, ações de mitigação das emissões
de gases-estufa, a fim de reduzir entre 36,1% e 38,9% suas emissões projetadas até 2020. A
projeção dessas emissões e o detalhamento das ações para alcançar esse objetivo serão dispostos
por decreto, com base no segundo Inventário Brasileiro de Emissões.
Também define, no art. 4.º, o conteúdo mínimo dos planos setoriais citados no art. 11, parágrafo
único da Lei 12.187/2009, os quais deverão prever a meta de redução de emissões em 2020,
incluindo metas gradativas com intervalo máximo de três anos.
Por fim, os arts. 10 e 11 do Dec. 7.390/2010 determinam que deverão ser adotadas metodologias e
mecanismos apropriados para aferir o cumprimento do compromisso no art. 6.º, e que serão
publicadas, a partir de 2012, estimativas anuais de emissões de gases-estufa, a fim de permitir que a
sociedade acompanhe o cumprimento do compromisso fixado pela PNMC.
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O CARÁTER DA META DE REDUÇÃO DE GASES-ESTUFA
NA POLÍTICA NACIONAL DO CLIMA
Visto o processo histórico de formatação dos principais instrumentos jurídicos estrangeiros para o
combate às mudanças do clima, o papel do Brasil, que culminou na adoção do compromisso
voluntário assumido no Acordo de Copenhague e na aprovação da Política acima resumida, cumpre
verificar o caráter da meta prevista nesta norma.
Um dos objetivos da PNMC é a proteção do sistema climático, mediante a redução das emissões de
gases-estufa. Para alcançá-lo, a norma fixou o compromisso de adotar medidas para reduzir as
emissões, conforme previsto no dispositivo abaixo:
“Art. 12. Para alcançar os objetivos da PNMC, o País adotará, como compromisso nacional
voluntário, ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa, com vistas em reduzir entre
36,1% (trinta e seis inteiros e um décimo por cento) e 38,9% (trinta e oito inteiros e nove décimos por
cento) suas emissões projetadas até 2020.”
Não obstante a clareza do dispositivo supra, podem surgir dúvidas se o compromisso expressado
tem, de fato, caráter voluntário, ou se poderia ser interpretado de outra forma, conferindo à meta de
redução da emissão de gases-estufa adotada na PNMC um caráter obrigatório.
O primeiro argumento a favor desta hipótese seria a suposição de que o adjetivo “voluntário” previsto
no dispositivo supra estaria qualificando o compromisso assumido pelo Brasil no Acordo de
Copenhague, nada tendo que ver com o vínculo interno imposto pelo legislador, este sim
compulsório. Ou seja, o caráter voluntário se refere exclusivamente ao compromisso assumido no
âmbito internacional, não qualificando as ações que serão adotadas internamente.
É que a oração “como compromisso nacional voluntário”, colocada entre vírgulas, pode dar a
entender que se trata de um aposto da oração, acrescentado justamente para explicitar a posição
que a delegação brasileira adotou na COP15 – uma espécie de anúncio de boa-fé.
Todavia, tal contorcionismo gramatical não se sustenta no mundo jurídico. Também utilizando a
técnica hermenêutica de interpretação gramatical, pode-se chegar à conclusão inversa: sabe-se que
na gramática o aposto exerce a mesma função sintática de outro elemento a que se refere à oração,
11
e que uma de suas características é a sua prescindibilidade na oração (o aposto pode ser retirado
de uma oração sem que esta perca o seu sentido). Por outro lado, sabe-se também que nenhum
elemento colocado em uma norma pode ser considerado prescindível, pois a lei não contém palavras
sem significância. Como diria Maximiliano (1965, p. 262): “as palavras devem ser compreendidas
como tendo alguma eficácia. Não se presumem, na lei, palavras inúteis”.
Diante disto, constata-se que a citação “como compromisso nacional voluntário” foi colocada entre
vírgulas a fim de demonstrar, na verdade, que se trata de uma adjetivação intercalada do substantivo
“ações de mitigação das emissões de gases de efeito estufa”. Assim, o adjetivo “voluntário” estaria,
de fato, qualificando a meta de mitigação de emissões de gases-estufa prevista na PNMC.
Além do mais, ao colocar o verbo “adotar” no futuro, o legislador quis referir-se ao compromisso
interno brasileiro; caso a intenção fosse referir-se ao compromisso anunciado na COP15 e
posteriormente ratificado no Acordo de Copenhague, o legislador deveria ter optado por outro tempo
verbal, apropriado a um fato passado, deixando explícita tal orientação na redação do caput do art.
12.
Ainda que não estivesse correto o entendimento supra, considerando-se como um aposto da oração,
juridicamente não seria possível que o adjetivo “voluntário” se referisse ao compromisso brasileiro
assumido no Acordo de Copenhague. É que as normas internas não são fonte do Direito
Internacional. Neste sentido, Soares (2003, p. 171) esclarece que, tradicionalmente, consideram-se
como fontes formais das obrigações internacionais aquelas enunciadas no Estatuto da Corte
Internacional de Justiça, verbis:
“Art. 38. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que sejam
submetidas, deverá aplicar:
b) o costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como sendo direito;
d) as decisões judiciais e as doutrinas dos publicitários de maior competência das diversas nações,
como meio auxiliar para a determinação das regras de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 59.”
12
Na esfera exterior, o Brasil se relaciona juridicamente com os demais países através dos institutos
consagrados do Direito Internacional Público, em especial os tratados e as convenções. As normas
internas brasileiras não possuem o condão de “dar satisfação” aos demais Estados, nem de anunciar
ou exteriorizar a posição do País frente à comunidade estrangeira.
Também cabe pontuar que o art. 84, VIII, da CF (LGL\1988\3) atribuiu privativamente ao Presidente
da República poder para celebrar tratados e convenções, i.e., o Congresso não dispõe de
competência para assumir compromissos internacionais.
Além do mais, os principais instrumentos jurídicos internacionais que regem a questão climática,
especificamente a Convenção do Clima e o Protocolo de Quioto, incorporados no Direito interno
brasileiro com força de lei ordinária, conforme estabelece o art. 5.º, § 2.º, da CF (LGL\1988\3),
posicionam o Brasil no grupo de países que não possuem obrigação de reduzir suas emissões de
gases-estufa. Desta forma, qualquer lei que impusesse um compromisso compulsório neste sentido
contrariaria as referidas normas internacionais, gerando uma confusão no microssistema
jurídico-climático brasileiro.
Seria de certo modo contraditório que, no plano internacional, o país assumisse compromisso
voluntário, mas internamente o transformasse em compulsório. Geraria desconfiança nas instituições
públicas e privadas que participaram e colaboraram para construir a posição brasileira nas
negociações climáticas internacionais.
Um segundo argumento que poderia ser utilizado a fim de tentar caracterizar o compromisso interno
como vinculante ou obrigatório é o fato de que pode parecer inapropriado que o Direito preveja
regras não cogentes. Entretanto, há que se observar que a PNMC se insere em um microssistema
jurídico muito peculiar: o da mudança do clima. 1314 Trata-se de uma disciplina jurídica nova e com
características próprias, a exemplo do princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada, o
qual confere fundamento jurídico para a adoção de meta obrigatória por algumas partes e voluntária
por outras.
Superada a interpretação acerca do caráter da meta conferido pela PNMC, restam algumas
indagações: poder-se-ia supor que, na prática, a sua eficácia poderia ser considerada inócua para
atingir o objetivo proposto na Lei, forçando o entendimento de tal objetivo somente seria alcançado
através da definição de uma meta obrigatória? Caso afirmativo, o detalhamento das ações para
alcançar a meta da PNMC, a ser fixado por regulamento na forma prevista pelo parágrafo único do
art. 11 da PNMC, 15 poderia conferir à meta prevista no art. 12 caráter compulsório?
Para a primeira indagação, mister ressalvar que o Direito pátrio costuma adotar dois sistemas
distintos para fazer cumprir a lei: o comando e controle e os mecanismos de incentivos. Comando e
controle, nas palavras de Castello (2008, p. 1011), “é a regulação que enfatiza o legalismo,
condenando meios e fins legais, e processando aqueles que não obedecem aos standards
estabelecidos”. Já os mecanismos de incentivo objetivam influenciar os agentes privados,
estimulando ou desestimulando determinadas condutas ou atividades. Pressupõe-se que o agente
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NA POLÍTICA NACIONAL DO CLIMA
Tais sistemas são antagônicos: enquanto um busca a efetividade das normas através da ameaça da
punição pelo seu descumprimento, o outro segue o caminho inverso, oferecendo incentivos àqueles
que optam por atender as regras previstas.
Todavia, mormente na legislação ambiental, é comum que estes sistemas sejam utilizados de modo
complementar. A Lei 9.985/200016 é um exemplo: ao mesmo tempo em que prevê instrumentos de
comando e controle para a implantação de unidades de conservação, através do pagamento da
compensação ambiental prevista no art. 36, § 1.º, oferece aos agentes econômicos que instituírem
tais espaços incentivos tributários (isenção do Imposto Territorial Rural) e acesso preferencial aos
recursos do Fundo Nacional de Meio Ambiente e à concessão de crédito agrícola. 17
Castello (2008, p. 1011) observa com razão que “a ferramenta de comando e controle é muito
criticada porque ela estabelece o procedimento que deve ser utilizado pelo regulado para atingir os
standards, não permitindo que o regulado escolha o melhor procedimento. Consequentemente, o
comando e controle não estimularia a inovação, pois o regulado deveria seguir o procedimento
estabelecido na regulação, independentemente da existência de um outro procedimento, mais novo,
mais barato e menos poluente”.
A limitação do comando e controle fez com que os legisladores envolvidos nas discussões climáticas
optassem por instrumentos que respondessem melhor e mais rapidamente a um mundo cada vez
mais globalizado, pragmático e dinâmico. Daí a predominância dos mecanismos de incentivo sobre
os demais na Convenção do Clima e no Protocolo de Quioto (o MDL, em especial).
Esta fórmula foi repetida na PNMC, que não previu nem vinculou seus objetivos a nenhum
instrumento de comando e controle; ao contrário, inúmeras são as vezes em que a Lei cita
mecanismos de incentivo: (a) “a utilização de instrumentos financeiros e econômicos para promover
ações de mitigação e adaptação à mudança do clima (…)” (art. 5.º, VII); (b) “apoio e fomento às
atividades que efetivamente reduzam as emissões ou promovam as remoções por sumidouros de
gases de efeito estufa” (art. 5.º, IX); (c) “ as medidas fiscais e tributárias destinadas a estimular a
redução das emissões e remoção de gases-estufa (…)” (art. 6.º, VI); (d) “ as linhas de crédito e
financiamento específicas (…)” (art. 6.º, VII); (e) “os mecanismos financeiros e econômicos
referentes à mitigação da mudança do clima e à adaptação aos efeitos da mudança do clima que
existam no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e do
Protocolo de Quioto” (art. 6.º, X); (f) os mecanismos financeiros e econômicos, no âmbito nacional,
referentes à mitigação e à adaptação à mudança do clima” (art. 6.º, XI).
Além do mais, o comando e controle não estimula o desenvolvimento sustentável, pois tal sistema
não assegura que as melhores tecnologias serão utilizadas nos processos produtivos, mas apenas
aquelas suficientes para atender o mínimo padrão legal.
Diante do exposto, a eficácia da PNMC não pode ser colocada em xeque pelo fato de a norma não
ter previsto instrumentos de comando e controle. Demonstrou-se acima que no âmbito internacional
os mecanismos de incentivo são altamente eficazes.
A outra divagação ventilada acima se refere à possibilidade de que o regulamento que detalhou as
ações para alcançar a meta da PNMC pudesse descaracterizar a sua voluntariedade, tornando-a, na
prática, obrigatória.
Ainda que a intenção do Poder Executivo fosse de conferir obrigatoriedade ao cumprimento da meta
de redução de gases-estufa, tal hipótese seria juridicamente inapropriada. O regulamento da PNMC
não poderia inovar o conteúdo nela fixado, pois, conforme preceitua o art. 84, IV, da CF
(LGL\1988\3), ao Presidente compete expedir decretos e regulamentos para garantir a fiel execução
das leis. Com isso, se quer dizer que o regulamento tem que ser fiel ao que diz a lei, não podendo
promover alterações explícitas no seu conteúdo, nem implícitas que possam induzir o aplicador do
direito a uma interpretação distinta do sentido original previsto.
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NA POLÍTICA NACIONAL DO CLIMA
Neste ínterim, vale recordar as palavras de Mello (2003, p. 311), que conceitua o regulamento como
o “ato geral e abstrato, de competência privativa do Chefe do Poder Executivo, expedido com a
estrita finalidade de produzir as disposições operacionais uniformizadoras necessárias à execução
de lei cuja aplicação demande atuação da Administração Pública” (grifos no original).
Diante do que foi preliminarmente exposto, cumpre verificar se, de fato, o regulamento da PNMC
obedeceu o comando do ato que lhe deu origem, seguindo o caminho da voluntariedade proposto no
art. 12 da Lei. Primeiramente, há que se destacar que o art. 6.º do regulamento repete que o
compromisso de que trata o caput do art. 12 da PNMC é voluntário.
O que o regulamento fez foi definir em números a meta prevista pela Lei para o ano de 2020, bem
como definir em que setores dever-se-á atuar com mais empenho para reduzir as emissões de
gases-estufa. Veja-se, que o art. 5.º, IV, fixou que em 2020 o setor “Processos Industriais e
Tratamento de Resíduos” deverá emitir até 234 milhões de tonCO2eq, e que o art. 6.º define quais
serão as ações iniciais adotadas para se chegar a este resultado, como, por exemplo, “o incremento
da utilização na siderurgia do carvão vegetal originário de florestas plantadas e melhoria na eficiência
do processo de carbonização” (inc. X).
Uma possível dúvida poderia ser suscitada pela redação do art. 10 do Dec. 7.390/2010, que
estabeleceu que “deverão ser adotadas metodologias e mecanismos apropriados para aferir o
cumprimento do compromisso mencionado no art. 6.º”, delegando para outros regulamentos a forma
como isto se concretizará. No entanto, as chances de que tais sub-regulamentos possam distorcer o
caráter da meta fixada pela PNMC são nulas, em face ao impedimento constitucional demonstrado
acima.
Sem embargo da clareza do caráter da meta prevista no art. 12 da PNMC demonstrada acima,
mister analisar cenários hipotéticos caso se entenda que ela seria obrigatória.
O status quo de diversas relações obrigacionais seria alterado, a exemplo do acesso a créditos e
financiamentos de instituições financeiras oficiais, que ficaria condicionado ao cumprimento das
metas setoriais estabelecidas nos respectivos planos e programas previstos pela PNMC,
atrapalhando a transição para uma economia de baixo carbono. A obtenção dos incentivos tributários
e econômicos previstos na PNMC também poderá seguir o mesmo rumo, ou seja: aqueles que não
conseguissem cumprir a meta setorial estabelecida poderiam ser obrigados a devolver o incentivo
concedido.
Ocorre que o órgão responsável pela aprovação das normas internacionais referentes aos projetos
de MDL entende que as normas ambientais aprovadas pelos países hospedeiros de projetos de MDL
são implicitamente consideradas no conceito de adicionalidade. Ou seja: existindo uma exigência
legal que induza a redução de emissões de gases-estufa, não se poderia considerar que esta
somente seria alcançada mediante a implantação de um projeto de MDL. Portanto, o entendimento
de que a meta da PNMC possui caráter cogente pode significar o fim dos projetos brasileiros de
MDL.
possível supor que aqueles que não atendam ao quanto disposto nos planos setoriais estariam
sujeitos ao cometimento do crime ambiental previsto no art. 60 da Lei 9.605/1998, verbis: 18
“Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território
nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou
autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares
pertinentes:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente” (grifos
nossos).
Ou, de igual modo, sujeito às sanções previstas no Dec. 6.514/2008, 19 caso viole o disposto no seu
art. 66, com redação semelhante ao tipo penal supra. Neste caso, a norma prevê sanção de multa
que pode variar de R$ 500,00 a R$ 10 milhões, sem prejuízo de embargo ou suspensão do
empreendimento ou da atividade.
Sob uma ótica ainda mais pessimista em relação à hipotética obrigatoriedade da meta fixada na
PNMC, poder-se-ia imaginar, além do cenário descrito acima, a possibilidade de que os órgãos
licenciadores entendessem que a renovação da Licença Ambiental de Operação (LO) ficaria
condicionada ao cumprimento da PNMC e seus regulamentos. Destarte, não só os novos
empreendimentos e atividades, mas também os já em funcionamento, teriam que se adequar aos
novos parâmetros legais.
“(…) a ordem econômica e a livre iniciativa são norteadas pela defesa do meio ambiente, assim
como o exercício do direito de propriedade. (…) as normas editadas com o escopo de defender o
meio ambiente, por serem de ordem pública, têm aplicação imediata e se aplicam não apenas aos
fatos ocorridos sob sua vigência, como também às consequências e aos efeitos atuais e futuros dos
fatos ocorridos sob a égide da lei anterior ( facta pendentia). Estas normas só não atingirão os fatos
ou relações jurídicas já definitivamente exauridos antes de sua edição ( factapraeterita)” (grifos no
original).
Por fim, um cenário mais temerário ainda poderia ocorrer se a ciência do clima decidisse classificar
os gases-estufa como agentes poluidores. 20 Neste caso, ainda que possa parecer improvável, sob
pena de colocar em risco a própria sustentabilidade do ser humano, 2122 ficar-se-ia passível de
cometer crimes e infrações administrativas tipificadas como causadoras de poluição, conforme
preveem os arts. 5423 da Lei 9.605/1998 e 61 do Dec. 6.514/2008. 24
Permitiria, ainda, a imputação da responsabilidade civil ambiental, que, por ser objetiva, reclama a
existências de apenas três elementos: ação (comissiva ou omissiva), dano e nexo causal – o dolo e
a culpa são prescindíveis.
Veja-se: da forma como ocorre atualmente, atividade e dano são possíveis de se identificar e
constatar; o nexo causal, todavia, não. Por mais que se argumente em contrário, o formalismo da
ciência jurídica exigiria que a causalidade entre as emissões antrópicas de gases-estufa e a
mudança do clima fosse evidente, o que a ciência ainda não foi capaz de atender. 25 Como os
gases-estufa não são considerados agentes poluentes, não haveria, portanto, nexo causal entre a
atividade (lançamento desses gases na atmosfera) e o dano (mudanças climáticas), impossibilitando
a imputação da responsabilidade ambiental na esfera civil.
No entanto, a reversão desta situação pela ciência, passando a considerar tais gases como
poluentes, evidenciaria o nexo causal, tornando possível a imposição de ações civis públicas em
face daqueles que não cumprissem a meta prevista na PNMC, bem como as respectivas metas
setoriais a serem fixadas em normas regulamentares.
A urgência que pertine ao assunto da mudança do clima levou alguns Estados a se antecipar à
União e aprovar suas próprias Leis Climáticas, a exemplo do Amazonas ( Lei 3.135/2007) e de São
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O CARÁTER DA META DE REDUÇÃO DE GASES-ESTUFA
NA POLÍTICA NACIONAL DO CLIMA
Paulo ( Lei 13.798/2009). Logo após a aprovação da PNMC outros Estados vislumbraram a
necessidade de também ter uma Lei Climática própria, complementando a nacional, a fim de atender
suas peculiaridades.
Parte do ordenamento constitucional brasileiro dá orientação para que, na ausência de lei federal
estabelecendo normas gerais sobre a proteção do meio ambiente, em particular sobre a mudança do
clima, os Estados legislem de forma plena, a fim de atender suas peculiaridades, conforme prevê o
art. 24, VI, c/c art. 24, § 3.º. Esta aí a base constitucional que justifica o fato de alguns Estados terem
aprovado suas Leis Climáticas antes mesmo da Política Nacional.
A Constituição também permite que, mesmo quando existir lei federal dispondo sobre normas gerais,
os Estados a complementem, atendendo suas necessidades específicas, conforme reza o art. 24, §
2.º.
Daí surgem algumas dúvidas: até aonde vai o poder da União de dispor sobre normas gerais a
respeito da proteção do meio ambiente, em especial da mudança do clima? O que se caracteriza,
neste particular, como normas gerais e o que poderá ser complementado pelos Estados?
A linha que separa uma norma geral de uma norma complementar, às vezes, é tênue, a ponto de
nem sempre ser possível identificar os limites da União para legislar sobre regras gerais sem usurpar
dos Estados seu poder complementar. No entanto, a doutrina e a jurisprudência apontam
ensinamentos que poderão esclarecer alguns casos específicos.
Segundo Bortolozzi e Freitas (2010, p. 49, nota de rodapé 44), “Normas Gerais são aquelas que pela
sua natureza podem ser aplicadas a todo território brasileiro, referem-se a um interesse geral. A
norma não é geral porque é uniforme, mas a generalidade deve comportar a possibilidade de ser
uniforme. A norma federal não ficará em posição de superioridade sobre as normas estaduais e
municipais simplesmente porque é federal, mas porque a norma federal é geral”.
Greco (1992, p. 9) observa que são gerais “as normas emanadas da União, desde que aplicáveis
uniformemente a todos os Estados e a todos os cidadãos, sem discriminações, ou seja normas de
aplicação isonômica em todo o território nacional”.
Na ADIn 3.645 (j. 31.05.2006, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 01.09.2006) o Min. Carlos Ayres Britto
observou que a “norma geral é aquela que emite um comando passível de uma aplicabilidade
federativamente uniforme”. Destarte, pode-se dizer que a norma geral tem o condão de estabelecer o
equilíbrio equitativo entre os entes federados, evitando a reprodução das diferenças de poder entre
eles – a própria Constituição elenca como um de seus princípios a igualdade entre os Estados (art.
4.º, V).
Apesar de ser um Estado Federativo, cuja característica é manter a mínima quantidade de poderes
no Governo Central (competência residual) e conferindo aos poderes regionais e locais máxima
autonomia, o Brasil é adepto do federalismo cooperativo, princípio cuja “ideia central é a necessidade
de coordenação entre o exercício das competências federais e estaduais, sob a tutela da União”
(MORAES, 2005, p. 637). Com efeito, alguns assuntos devem ser tratados de modo equitativo e
uniforme em todo o território, para não colocar em risco a unidade política e econômica do País
(MORAES, 2005, p. 637), ou, como observa Moreira Neto (1988, p. 158), “Essa atividade
homogeneizadora [que as normas gerais desempenham] se justifica na medida em que a excessiva
diversificação normativa prejudique o conjunto do país, daí ter sido adotada em inúmeros Estados
federativos”.
O meio ambiente é um assunto em que ora predomina o interesse local, ora o regional, ora o
nacional, e por vezes até o mundial. Isto porque o dano ambiental não respeita fronteiras políticas,
podendo, não raro, ultrapassar os limites de um Estado ou de um país. Neste sentido, a Constituição
optou por atribuir competência comum a todos os entes da federação para proteger o meio ambiente,
na forma do art. 23, VI, admitindo-se, por exemplo, a atuação da União ou do Estado em casos de
impactos ambientais locais, cuja atribuição seria, via de regra, do órgão municipal.
pelos países do hemisfério norte, ao longo de décadas, poderão, v.g., ser sentidas nos países do
hemisfério sul, e vice-versa. Com efeito, a responsabilidade para evitar maiores prejuízos pelas
mudanças climáticas é de todos (princípio das responsabilidades comuns…), ainda que se possa e
deva atribuir maiores ou menores doses de responsabilidades a um ou outro país (…mas
diferenciadas).
Destarte, a PNMC goza do status de norma geral, na medida em que o combate às mudanças
climáticas no âmbito interno brasileiro diz respeito a todos os entes: União, Estados, Distrito Federal
e Municípios. Todos devem agir de forma harmônica a fim de alcançar o objetivo maior da PNMC:
assegurar o equilíbrio climático. Com base nesta conclusão, o art. 12 da Lei há que ser entendido
como a norma geral que subsidiará as ações de combate a mudança climática no país, sejam elas
da esfera da União, dos Estados ou dos Municípios.
Uma vez que a Constituição prevê que, no âmbito do poder concorrente para legislar, as leis federais
terão caráter de norma geral e que cabe aos Estados apenas suprir os vazios deixados por aquelas,
as leis climáticas estaduais não poderão delas dispor de forma diversa. Portanto, os Estados que
não possuíam leis climáticas antes do advento da PNMC somente poderão legislar em harmonia
com esta, inclusive a respeito da questão da meta de redução dos gases-estufa, que deverá ter o
mesmo caráter, qual seja: voluntária.
E as leis climáticas estaduais aprovadas antes da publicação da PNMC terão sua eficácia suspensa
naquilo que for contrário a esta, conforme definido no art. 24, § 4.º, da CF/1988 (LGL\1988\3).
“Ementa: (…) 6. Da legislação estadual, por seu caráter suplementar, se espera que preencha vazios
ou lacunas deixados pela legislação federal, não que venha dispor em diametral objeção a esta” (MC
na ADIn 2.396, j. 26.09.2001, rel. Min. Ellen Gracie, DJ 14.12.01).
“Não se afigura admissível que no uso da competência residual o Estado do Paraná formule uma
disciplina que acaba por afastar a aplicação das normas federais de caráter geral” ( ADIn 3.035, j.
06.04.2005, voto do rel. Min.Gilmar Mendes, DJ 14.10.2005).
“3. Não resta dúvida de que, seja tratando sobre consumo (art. 24, V, da CF/1988 (LGL\1988\3)),
seja proteção e defesa da saúde (art. 24, XII, da CF/1988 (LGL\1988\3)), busca o Diploma estadual
impugnado inaugurar uma regulamentação paralela e explicitamente contraposta à legislação federal
vigente, suprimindo, no âmbito do indispensável dever de informação ao consumidor, a tolerância de
até 1% de transgenia acaso existente no produto ofertado. Esta oposição ao modelo federal foi
abertamente declarada nas informações prestadas pelo Governador do Estado do Paraná. Apesar
de politicamente legítima tal oposição, não poderia ela se converter em atividade legislativa praticada
muito além dos limites impostos pela regra constitucional de competência concorrente suplementar
de que dispõem os Estados” ( ADIn 3.645, j. 31.05.2006, voto da rel. Min. Ellen Gracie, DJ
01.09.2006).
Desse modo, a Lei Climática Paulista, que prevê como meta compulsória a redução de 20% das
emissões de gases-estufa no Estado, na verdade, deverá ter sua eficácia suspensa, uma vez que
incompatível com a lei federal. Ou, alternativamente, poder-lhe-á ser conferida uma interpretação
conforme a Constituição, na modalidade interpretativo-corretiva, inserindo no art. 32, § 1.º, da lei
estadual o adjetivo voluntário após a palavra “meta”, a fim de adequá-la à norma geral emanada na
PNMC. Com isso o licenciamento ambiental estadual não poderia estabelecer limites para as
emissões de gases-estufa, tal como fez o art. 32, § 1.º, do Dec. 55.947/2010, que regulamentou a Lei
Climática Paulista.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
ignorar que, no Brasil, a realidade, em algumas situações, é um fator mais determinante do que a
letra fria da norma para que uma lei pegue ou não; assim, a caracterização das metas como
obrigatórias não seria, por si só, uma garantia de efetivo cumprimento da PNMC.
Pode se pensar em prognósticos negativos na execução das políticas públicas ambientais caso se
houvesse optado por metas compulsórias, em especial quanto ao licenciamento ambiental de
empreendimentos e atividades com fontes de emissões de gases-estufa, seja para novas
instalações, seja na renovação das licenças já concedidas. Um cenário pessimista poderia conduzir
à moratória no licenciamento ambiental de novas atividades industriais e agrícolas, por exemplo.
Em resumo, haveria uma retração na infraestrutura do país nos próximos anos, em especial na oferta
de energia elétrica. Segundo Vargas (2008, p. 50), isso significaria uma desaceleração drástica no
crescimento econômico dos países em desenvolvimento.
Ademais, para Motta (2010, p. 11), as metas brasileiras permitirão, pela primeira vez, uma
quantificação mais apurada das intenções do país, nas quais as negociações poderão se basear
daqui em diante. Vale observar que ao assumir o compromisso, ainda que voluntário, de redução das
emissões de gases-estufa, a posição brasileira é um avanço, considerando que no passado o país
sequer aceitava discutir a adoção de quaisquer compromissos neste sentido.
A voluntariedade da meta evidenciada na PNMC não significa que o país, tanto o setor público como
o privado, será negligente na busca pelos objetivos expostos na Lei. São muitas as oportunidades
para a transição de uma economia de baixo carbono à disposição do setor produtivo. Quem não se
adaptar agora ficará para trás, e a sociedade já incorporou esta nova mentalidade. A questão
ambiental está se tornando tão essencial para a sustentabilidade da economia como foram outros
aspectos no passado.
Com relação ao Poder Público, em particular, a voluntariedade da meta prevista na PNMC não
impede que continue aumentando os esforços para conter as atividades ilícitas que contribuem para
que o Brasil seja o quarto maior emissor de gases-estufa do mundo, especialmente combatendo-se o
desmatamento e as queimadas na floresta Amazônica. Estudos indicam que as emissões brasileiras
causadas por estas atividades giram entre 50% e 75% do total nacional, portanto bem acima dos
quase 40% indicados como a meta a ser alcançada no art. 12 da PNMC.
Motta (2010, p. 14) diz que “Metas nacionais concentradas no controle do desmatamento podem
oferecer ao país uma significativa vantagem comparativa, pois a redução do desmatamento é, sem
dúvida, menos restritiva ao crescimento econômico que as restrições ao consumo de energia,
inclusive no processo industrial”.
A responsabilidade de um problema criado por uma parcela que age na ilegalidade não pode ser
transferida para outra, especialmente quando se identifica que a causa principal do problema reside
na ineficiência do Estado no controle do crime organizado na Amazônia e outras regiões, e que
estudos estimam que o custo para conter o desmatamento é quase a metade do custo da maioria
das ações de mitigação e adaptação no parque industrial.
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O CARÁTER DA META DE REDUÇÃO DE GASES-ESTUFA
NA POLÍTICA NACIONAL DO CLIMA
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2 Os principais gases estufa são o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4), o óxido nitroso (N2O)
e os Perfluorcarbonetos (PFCs).
5 No Brasil a Convenção do Clima foi aprovada pelo Decreto Legislativo 1/1994 e promulgada pelo
Decreto Presidencial 2.652/1998.
6 Vargas (2008, p. 46) qualifica este princípio como a “coluna vertebral do regime internacional sobre
a mudança do clima”.
7 Não se trata de consenso geral na ciência do clima. Existe a corrente dos cientistas conhecidos
como céticos, assim denominados por não acreditarem que as mudanças atuais vistas no clima
global sejam consequência de atividades desenvolvidas pelo homem no passado recente. Para
estes, o Sol está em um período de atividade intensa, causando desequilíbrios na atmosfera
terrestre.
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NA POLÍTICA NACIONAL DO CLIMA
12 O autor ainda acrescenta, por conta própria, as declarações unilaterais dos Estados, conforme
visto acima (SOARES, 2003, p. 171).
13 A Convenção do Clima, v.g., é uma soft law, não sendo considerada um tratado impositivo, com
normas e regras cogentes.
20 Os gases-estufa não são considerados pela ciência climática como agentes poluentes, uma vez
que alguns deles são emitidos pela própria natureza, sem interferência do homem, a exemplo do
metano (CH4), que pode ser gerado pelo metabolismo de animais ruminantes ou pela decomposição
de matéria orgânica. Há rumores, porém, de que a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (
Environmental Protection Agency) estaria analisando a possibilidade de incluir o dióxido de carbono
(CO2) na relação de gases poluentes.
21 Ainda não existe um modelo de vida na Terra que não emita gás-estufa. Até mesmo as atividades
naturais, como o metabolismo biológico, são fontes emissoras de gás carbônico.
22 Segundo Steigleder (2010, p. 239), “Sob o ponto de vista da discussão de modelos de imputação
da obrigação de reparar os danos causados, percebe-se, de início, a insuficiência da
responsabilidade civil, mesmo objetiva, para o enfrentamento de tais danos, porque as mudanças do
clima são o resultado de uma crise civilizatória“ (grifos no original).
23 “Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar
em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição
significativa da flora: Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.”
24 “Art. 61. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar
em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição
significativa da biodiversidade: Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000.000,00 (cinquenta
milhões de reais).”
violada, tendo em vista que a prova do nexo causal é mais uma questão jurídica do que fática
(LEMOS, 2010, p. 73); (c) ou mesmo por meio da inversão do ônus da prova em favor das vitimas do
dano (FENSTERSEIFER, 2010, p. 109).
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