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20 Stegmüller: A Filosofia contemporânea Os problemas da Filosofia atual 21

mais complexas deduções matemáticas. A semântica baseada em Tarski dum, demonstrando a conseqüência relativista à qual essas tentativas de­
procura, entre outras coisas, apresentar de uma maneira nova o con­ veriam necessariamente levar. Por outro lado, a ética própria de Kant,
ceito aristotélico de verdade, de modo que caiam por terra as objeções por causa do seu caráter formal e construtivo, apresentava consideráveis
contra as definições anteriores desse conceito. Esse conceito é extraor­ dúvidas. Era preciso tentar uma estrutura da ética livre dessas deficiên­
dinariamente útil principalmente na pesquisa fundamental matemática. cias, sem recair nas concepções já superadas por Kant.
Carnap procurou, igualmente com subsídios semânticos, delimitar com Scheler procurou demonstrar que a alternativa de Kant: ética de
precisão a área do lógico puro ( com os dois conceitos básicos de ver­ bens e de fins - ética formal, não representa uma disjuntiva completa.
dade lógica e conclusão lógica). O que se fez foi precisar uma antiga Além destas, existe ainda a possibilidade de uma ética de valores ma­
idéia de Leibniz, segundo a qual as verdades lógicas constituem precisa­ teriais e, contudo, absolutos que, por um lado, se separa de toda ética
mente aquelas afirmações verdadeiras, que valem "em todo mundo pos­ relativista de fins e, por outro lado, deve superar o caráter de vazio
sível". de conteúdo da ética kantista, em virtude do seu reconhecimento de
A maioria dos representantes do empirismo moderno e da filosofia determinados valores de conteúdo e das suas relações hierárquicas obje­
analítica nega conhecimentos sintético-apriorísticos da realidade. A classe tivas. Hartmann aproveitou esta idéia e ampliou o pensamento de Scheler
das afirmações científicas significativas divide-se, por um lado, em ver­ com uma análise de valores concretos individuais.
dades analíticas e, por outro lado, em juízos sintético-empíricos da rea­ Brentano, ao contrário, procedeu de maneira totalmente diferente.
lidade. Por isso, além da delimitação da área do pensamento lógico, Também segundo ele a ética de Kant era falha. Julgou encontrar o fun­
cabe ao teórico do conhecimento tratar dos problemas ligados ao conhe­ damento da ética em uma experiência, que é análoga à experiência da
cimento empírico da realidade. Neste contexto temos especialmente o evidência teórica, mas de origem emocional. Chamou-a de "o amar e o
problema da indução, que Carnap tenta solucionar com o seu sistema odiar caracterizados como corretos". Desta maneira se evitaria o recur­
da lógica indutiva. Aqui entra também o problema conceitual, cuja ur­ so a "valores que existem por si", em que Brentano via apenas ficções
gência aumentou nos últimos tempos, pois verificou-se ser impossível Iingüísticas.
reduzir, através de definições, os conceitos mais complexos das ciências Mas, pode uma ética filosófica fundamentar uma doutrina de va­
experimentais teóricas (por exemplo, da física teórica) a conceitos mais lores? Reininger contesta-o: também a ética e a ciência dos valores de­
simples, que se referem somente ao observável. vem ser ciências livres de valores, se não quiserem perder a característica
Queremos mencionar ainda um fato curioso. O empirismo moderno de objetividade. Elas podem descrever somente a consciência de valor
e .a filosofia analítica foram, às vezes, designados também como "posi­ realmente existente e descobrir o erro de determinadas tentativas, por
tivismo lógico". O termo "positivismo" procede do tempo do antigo po­ exemplo, procurar um sentido da vida no transcendente ou em uma
sitivismo imanente ( E. Mach e os seus seguidores), segundo o qual a i ordem cósmica, etc. Se, por outro lado, chegou a uma resposta à ques­
função científica consiste na descrição mais exata possível do que é dado '.~ tão do "sentido da vida", também aqui, conforme o seu ponto de vista
imediatamente. A maioria dos empiristas atuais considera tão inclaro J! da "proximidade da realidade", não é abandonada a imanência da cons­
este conceito do dado ou algo eivado de tantas aporias até agora não 1 J ciência imediata do avaliador.
solucionadas, que o rejeitam como inútil. Conseqüentemente, o termo l Para a filosofia existencialista, ao contrário, todo o problema da
"positivismo" já não pode mais ser aplicado para esta corrente. A única j ética, como tal, deslocou-se. Não se trata mais do bem objetivo, daquilo
corrente filosófica, na qual o conceito do dado aipdà constitui um con- · que tem valor absoluto, de uma hierarquia de escalas de valores. No
ceito central, é a filosofia fenomenológica. Assim,jos
1êste
fenomenólogos se­ lugar de uma graduação contínua do bem, numa de cujas extremidades
riam os únicos "positivistas" atuais. Mas, como uso._ do termo "po­ está o mal puro e simples e, na outra, o bem perfeito, entra uma alter­
sitivismo" seria muito equívoco, é melhor não empregá-ló-mais. nativa sem possibilidade de graduação: o homem só pode existir como
não autêntico ou como autêntico. E o problema consiste em como fazer
c) Ética com que o homem que, na maioria dos casos, existe de maneira não
autêntica e se dilui meramente no mundo, sinta a possibilidade da auten­
Também no campo da ética a influência de Kant é evidente. A ética ticidade da sua existência, que o arranca da perdição no mundo e o
pré-kantiana era sempre marcada ou por traços eudemonísticos, ou era eleva à verdadeira existência própria. O radicalismo religioso sem com­
uma ética de bens ou de fins. Segundo Scheler, é mérito de Kant ter promisso de Kierkegaard após a sua secularização conservou, assim, na
reduzido todas aquelas tentativas de fundamentação da ética ad absur- filosofia existencialista, todo o seu rigor original.

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