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Sobre a capa
SANTO AMBRÓSIO, BISPO E DOUTOR DA IGREJA
(7 de dezembro)

Nasceu em Treves, pelo ano 340, de uma família romana, fez os seus estudos em Roma e
iniciou em Sírmio a carreira da magistratura. Em 374, vivendo em Milão, foi inesperadamente
eleito bispo da cidade e recebeu a ordenação no dia 7 de dezembro. Fiel cumpridor do seu dever,
distinguiu-se sobretudo na caridade para com todos, como verdadeiro pastor e doutor dos fiéis.
Protegeu corajosamente os direitos da Igreja; com seus escritos e atos defendeu a verdadeira
doutrina da fé contra os arianos. Santo Ambrósio também foi responsável pela conversão de Santo
Agostinho e morreu no Sábado Santo, dia 4 de abril de 397.

Santo Ambrósio, rogai por nós!

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Sumário
Apresentação do Instituto .............................................................................................................. 13
Quem somos ...................................................................................................................... 13
Nosso objetivo ................................................................................................................... 13
Por que fazer o ensino cristão? .......................................................................................... 14
Estudo Sagrado ............................................................................................................................ 21
Semana 1 ....................................................................................................................................... 29
Doutrina Sagrada ............................................................................................................... 31
Amizade com Deus............................................................................................................ 37
A vida de Jesus .................................................................................................................. 46
Semana 2 ....................................................................................................................................... 50
Doutrina Sagrada ............................................................................................................... 50
Amizade com Deus............................................................................................................ 53
A vida de Jesus .................................................................................................................. 55
Semana 3 ....................................................................................................................................... 59
Doutrina Sagrada ............................................................................................................... 59
Amizade com Deus............................................................................................................ 62
A Vida de Jesus ................................................................................................................. 64
Semana 4 ....................................................................................................................................... 69
Doutrina Sagrada ............................................................................................................... 69
Amizade com Deus............................................................................................................ 73
A vida de Jesus .................................................................................................................. 75
Língua Portuguesa ...................................................................................................................... 79
Orientações para a disciplina de Língua Portuguesa ..................................................................... 81
Como se organiza o material de Língua Portuguesa? ....................................................... 81
Dicas para os responsáveis ............................................................................................................ 84
Recomendações iniciais ................................................................................................................ 91
Aprendendo com os Santos e com a Igreja ................................................................................... 92
1. São Raimundo de Peñafort: Um homem para todas as missões .................................... 94
2. Santa Escolástica: Quando o amor vence a razão.......................................................... 99
3. Nossa Senhora de Lourdes .......................................................................................... 101
4. Festa de Apresentação do menino Jesus no templo..................................................... 105

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5. Santos Paulo Miki e companheiros, Mártires.............................................................. 109
6. Por que é necessário fazer ação de graças após a comunhão? .................................... 114
7. Batismo do Senhor ...................................................................................................... 116
8. Os Sete Santos Fundadores da Ordem dos Servitas .................................................... 121
9. Santo Antão ................................................................................................................. 124
10. É verdade que a dor de Cristo na Cruz foi a maior que existiu? ............................... 129
11. Santa Gertrudes: Filha dileta do Coração de Jesus ................................................... 131
12. São Sebastião, Mártir ................................................................................................ 134
Sagradas Escrituras ..................................................................................................................... 139
Evangelho de Jesus Cristo segundo São Mateus 2,13-18 ............................................... 142
Evangelho de Jesus Cristo segundo São João 20, 2-8 ..................................................... 144
Evangelho de Jesus Cristo segundo São João 1, 35-42 ................................................... 146
Evangelho de Jesus Cristo segundo São João 1, 43-51 ................................................... 148
Leitura Mensal ............................................................................................................................ 151
A prática da humildade ................................................................................................... 153
Padre Domenico de Cese: Apóstolo da Sagrada Face de Manoppello ........................... 163
Teoria e Prática ........................................................................................................................... 167
Flexão das palavras ..................................................................................................................... 170
Palavra variável e palavra invariável .............................................................................. 170
Conjunção........................................................................................................................ 170
Conceito............................................................................................................... 170
Classificação das conjunções .............................................................................. 170
Conjunções coordenativas ............................................................................................... 171
Aditivas................................................................................................................ 171
Adversativas ........................................................................................................ 171
Alternativas.......................................................................................................... 171
Explicativas ......................................................................................................... 172
Conclusivas.......................................................................................................... 172
Conjunções subordinadas ................................................................................................ 172
Temporais ............................................................................................................ 172
Causais................................................................................................................. 173
Condicionais ........................................................................................................ 173
Proporcionais ....................................................................................................... 173

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Finais.................................................................................................................... 173
Consecutivas ........................................................................................................ 173
Concessivas.......................................................................................................... 173
Comparativas ....................................................................................................... 173
Conformativas...................................................................................................... 174
Integrantes............................................................................................................ 174
Interjeição ........................................................................................................................ 174
Classificação das interjeições .............................................................................. 175
Preposição........................................................................................................................ 176
Conceito ............................................................................................................... 176
Termo regente e termo regido.............................................................................. 176
Classificação das preposições .............................................................................. 178
Essenciais............................................................................................................. 178
Acidentais ............................................................................................................ 178
Locução prepositiva ............................................................................................. 179
Combinação e contração das preposições ....................................................................... 180
Combinação ......................................................................................................... 180
Aposto e vocativo ............................................................................................................ 182
Aposto .................................................................................................................. 182
Vocativo............................................................................................................... 182
Minigramática.................................................................................................................. 184
Matemática ................................................................................................................................ 185
Introdução.................................................................................................................................... 187
A função da matemática no plano da Salvação ............................................................... 187
O mistério dos números ................................................................................................... 187
Orientações ...................................................................................................................... 188
Capítulo 1 - Conjuntos Numéricos: uma breve revisão .............................................................. 191
Aritmética: Os Conjuntos Numéricos ............................................................................. 191
Conjunto dos Números Naturais (ℕ) ............................................................................... 191
Adição.............................................................................................................................. 192
Multiplicação ................................................................................................................... 193
As duas operações ........................................................................................................... 193
Conjunto dos Números Inteiros (ℤ) ................................................................................. 194

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Subtração ......................................................................................................................... 195
Conjunto dos Números Racionais (ℚ) ............................................................................ 195
Decimais Exatos .............................................................................................................. 197
Dízimas Periódicas .......................................................................................................... 199
Fração Geratriz ................................................................................................................ 199
Conclusão ........................................................................................................................ 202
Capítulo 2 - Conjuntos dos números Irracionais e Conjunto dos números Reais ....................... 204
Conjunto dos Números Irracionais (I)............................................................................. 204
Conjunto dos Números Reais (ℝ) ................................................................................... 205
Valor Absoluto (Módulo) ................................................................................................ 206
Números Simétricos (Opostos) ....................................................................................... 207
Lei da Tricotomia: A comparação entre dois números reais ........................................... 207
Comparando números reais na forma fracionária ........................................................... 208
Comparando números reais na forma decimal ................................................................ 210
Capítulo 3 - Propriedades Fundamentais da Aritmética em ℝ ................................................... 211
Propriedade Comutativa .................................................................................................. 211
Propriedade Associativa .................................................................................................. 211
Propriedade Distributiva ................................................................................................. 211
Elemento Neutro ............................................................................................................. 212
Elemento Oposto ............................................................................................................. 212
Elemento Inverso............................................................................................................. 212
Capítulo 4 - Os Santos e os números .......................................................................................... 213
Comentários .................................................................................................................... 214
Exercícios ................................................................................................ 215
Gabarito ................................................................................................... 223
Ciências ...................................................................................................................................... 233
Introdução ................................................................................................................................... 235
Capítulo 1 - Fundamentos ........................................................................................................... 235
Aula 1 - O que é ciência? ............................................................................................................ 235
O desejo natural de saber ................................................................................................ 236
Atividades ................................................................................................ 237
Hierarquia das ciências ............................................................................................................... 238
Ciência Sagrada ............................................................................................................... 238

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Atividades ................................................................................................ 240
Aula 2 - Hierarquia das ciências (parte 2) ................................................................................... 242
Ciências Naturais ............................................................................................................. 242
O método das Ciências Naturais .......................................................................... 244
Atividades ................................................................................................ 246
Ciência e Fé ................................................................................................................................. 248
A questão da Verdade ...................................................................................................... 249
Relação entre Fé e Ciência .............................................................................................. 251
Atividades ................................................................................................ 252
Aulas 3 e 4 - Antropologia básica ............................................................................................... 253
O Princípio....................................................................................................................... 253
Princípio e Natureza da Pessoa Humana ......................................................................... 256
Atividades ................................................................................................ 260
Antropologia básica (continuação).............................................................................................. 261
Natureza da Pessoa Humana (parte 2) ............................................................................. 261
Vida Humana ................................................................................................................... 262
Família ............................................................................................................................. 262
Corporeidade humana ...................................................................................................... 263
Amor humano .................................................................................................................. 263
Atividades ................................................................................................ 265
História ....................................................................................................................................... 267
Significado da imagem ................................................................... Erro! Indicador não definido.
Capítulo 1 - Apresentação da Disciplina História ....................................................................... 269
O que é a História? .......................................................................................................... 269
Por que estudar História?................................................................................................. 269
Introdução ........................................................................................................................ 270
Comentário da Bíblia de Navarra à Introdução do .......................................................... 271
Evangelho de São João: ................................................................................................... 271
Atividade ......................................................................................................................... 272
A divindade e eternidade de Jesus ................................................................................... 272
Atividades ................................................................................................ 279
Capítulo 2 - A Encarnação do Verbo e a Sua manifestação como homem ................................. 280
A intervenção do Verbo na Criação e na obra salvífica da humanidade ......................... 282

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A necessidade de uma Filosofia da História........................................................ 285
Atividades ................................................................................................ 287
Capítulo 3 - O comportamento diverso dos homens diante da vinda do Salvador ..................... 288
Introdução do livro “São José: Quem o conhece?” ............................................. 290
A cidade de Deus: Santo Agostinho .................................................................... 292
O sentido profundo da História: uma luta, um imenso drama. ............................ 294
Atividades ................................................................................................ 297
Capítulo 4 - Introdução ao estudo de História ............................................................................ 298
Linha do Tempo .............................................................................................................. 298
Divisão da História antes de Cristo ..................................................................... 298
Divisão da História depois de Cristo ................................................................... 298
A Igreja Católica: o Reino de Deus na Terra .................................................................. 299
Atividades ................................................................................................ 301
Anexos ........................................................................................................................................ 303
Qual é o verdadeiro eixo da História ............................................................................... 303
O silêncio de muitos historiadores .................................................................................. 303
Uma religião essencialmente histórica ............................................................................ 304
Fé num Deus pessoal e providente .................................................................................. 304
Perspectiva cristã da História em seu conjunto ............................................................... 305
O Humanismo: uma revolução cultural .......................................................................... 305
Um renascer da historiografia religiosa .......................................................................... 306
O Governo Divino: Suma Teológica de Santo Tomás .................................................... 306
Trecho do livro “O Catolicismo no Brasil” ..................................................................... 314
As Duas Civilizações: Delassus ...................................................................................... 315
A dupla concepção de vida.............................................................................................. 318
Geografia.................................................................................................................................... 323
Objetivos da Geografia ............................................................................................................... 325
Qual a importância desta ciência? Como ela nos ajuda a buscar a santidade? ............... 325
A Geografia católica........................................................................................................ 326
Reforçando o Saber ................................................................................. 328
Capítulo 1 - Desígnio do amor de Deus para a humanidade e para o mundo ............................. 329
Reforçando o saber .................................................................................. 330
Capítulo 2 - A missão divina....................................................................................................... 331

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Reforçando o saber .................................................................................. 333
Reforçando o saber .................................................................................. 335
Capítulo 3 - Contemplação do Amor Divino .................................................................................. 336
Reforçando o saber .................................................................................. 340
Capítulo 4 - A Cultura como meio de transformação da sociedade ............................................ 341
Reforçando o Saber .................................................................................. 342
Cultura: compêndio do Bem, da Beleza e da Verdade .................................................... 342
Reforçando o Saber .................................................................................. 344
Origens da Cultura ........................................................................................................... 344
Reforçando o saber .................................................................................. 346
Arte ............................................................................................................................................. 347
Introdução.................................................................................................................................... 349
Estudo da Arte: qual é a importância?......................................................................................... 349
Arte Sacra: santas imagens .......................................................................................................... 351
Princípios Composicionais .......................................................................................................... 352
Enquadramento ................................................................................................................ 352
Regra dos terços................................................................................................... 354
Atividade ..................................................................................................................................... 356
Estrutura Composicional ............................................................................................................. 357
Composição Simétrica ..................................................................................................... 357
Composição Assimétrica ................................................................................................. 359
Composição Triangular ................................................................................................... 360
Composição Diagonal ..................................................................................................... 362
Atividades.................................................................................................................................... 363
Exercício 1 ....................................................................................................................... 363
Exercício 2 ....................................................................................................................... 363
Exercício 3 ....................................................................................................................... 364

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Apresentação do Instituto
Quem somos
O Instituto Cidade de Deus é formado por um grupo de professores católicos que deseja
educar, com o auxílio da graça de Deus, crianças e jovens para a santidade e a sabedoria, isto é,
torná-los imagens de Cristo.
Ao longo de nossa atividade docente, percebemos que existe um projeto global de
destruição das famílias, da inteligência e da verdade, que visa transformar nossos estudantes em
materialistas e ateus usando a educação para este fim. Por isso, resolvemos nos dedicar
exclusivamente à elaboração de um programa educacional tradicional, o qual servirá de base para
pais e mestres formarem seus filhos e educandos na verdadeira sabedoria, fundamentando tudo na
Sagrada Escritura, na Tradição, no autêntico Magistério e nos Santos.

Nosso objetivo
Nosso objetivo é, através da educação e com o auxílio da graça divina, levá-los a conhecer
intimamente a Deus, a amá-Lo acima de tudo e de todos e a desejar viver com Ele por toda a
eternidade, o que vemos refletido fundamentalmente nas fortes palavras de Monsenhor Gaume:
“Fazer o ensino cristão eis o intento da luta; eis a empresa que é preciso tentar, e que é
preciso realizar. Isto quer dizer:
É preciso que o cristianismo substitua o paganismo na educação.
É preciso reatar o fio do ensino católico, manifesta, sacrílega e infelizmente quebrado na
Europa (e no mundo inteiro).
É preciso pôr ao pé do berço das gerações nascentes a fonte pura da verdade, em vez das
cisternas impuras do erro; o espiritualismo em vez do sensualismo; a ordem em vez da
desordem; a vida em vez da morte.
É preciso introduzir novamente o princípio católico nas ciências, nas letras, nas artes, nos
costumes, nas instituições, para curá-las das vergonhosas moléstias que as devoram e para
as subtrair à dura escravidão em que gemem.
É preciso salvar assim a sociedade, se ela ainda pode ser salva, ou ao menos impedir que
não pereça toda a carne no cataclismo que nos ameaça.
É preciso ajudar assim os desígnios manifestos da Providência, já temperando, como o aço,
aqueles que devem suportar o embate da luta, para que avancemos rapidamente; já
conservando à religião um pequeno número de fiéis destinados a serem o gérmen d'um
reino glorioso de paz e justiça”. (Monsenhor Gaume, “Paganismo na Educação”, 1886, p.
12-13, editado)
Somos inspirados pela encíclica Divini Illius Magistri, de Pio XI, na qual o Sumo Pontífice
exorta os católicos a educarem seus filhos para o fim último, o Céu. Para isso, a Religião deve ser
o “fundamento e a coroa de toda a instrução”, de modo que “não só em determinadas horas se
ensine aos jovens a religião, mas que toda a restante formação respire a fragrância da piedade

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cristã”. Estas frases do saudoso Papa Pio XI fazem parte da essência daquilo que Deus espera da
educação.
É cada vez maior o número de pessoas conscientes, que compreendem o modelo atual de
educação como um modelo que levará o mundo ao mais profundo abismo.
Entre tantas mentiras que as ideologias implantaram na educação, a maior delas foi
desassociar o conhecimento de Deus do entendimento e da sabedoria. Não é possível ser
verdadeiramente sábio e entendido sem conhecer a Deus.
“A sociedade está enferma, muito enferma. Sintomas cada vez mais assustadores não nos
deixam duvidar da gravidade do mal (...). É, pois, preciso um remédio enérgico. O ponto
capital não é fazer o ensino livre, é fazê-lo cristão. De outro modo a liberdade só servirá
para abrir novas fontes envenenadas onde a mocidade virá beber a morte”. (Mons. Gaume,
p. 12)

Por que fazer o ensino cristão?


“[Porque] Não se pode dar verdadeira educação sem que esta seja ordenada para o fim
último, assim na ordem atual da Providência, isto é, depois que Deus se nos revelou no Seu
Filho Unigênito que é o único ‘caminho, verdade e vida’, não pode dar-se educação
adequada e perfeita senão a cristã”. (Pio XI)
A solução para a educação não está nas ideologias vigentes, no “clássico” ou no
“conservadorismo”, pois não existe verdadeiro conservadorismo se não for católico. A solução
somente se encontra na educação católica conservadora. Muitos se digladiam com
questionamentos sobre os melhores métodos e o mais adequado modelo educacional, ficam
demasiadamente preocupados com essa ou aquela divisão do saber, enquanto a Religião
permanece em segundo plano.
Ao orientarmos todos os nossos estudos, todo nosso empenho e tudo que temos para
conhecer a Deus, nosso desejo de saber será saciado.
“Se somente Deus for visto, Ele, que é a fonte e o princípio de todo o ser e de toda a
verdade, preencherá o desejo natural de saber, a tal ponto que nada mais se buscará;
e assim se há de ser bem-aventurado”. (Santo Tomás de Aquino)
Este material foi elaborado no intuito de contribuir com o processo de restauração do ensino
católico rompido desde o Renascimento. Ao mesmo tempo, nossa intenção foi presentear a Mãe
de Deus com um conteúdo verdadeiramente católico e piedoso.
Não será nada fácil o longo caminho que percorreremos juntos, mas Deus nunca prometeu
facilidades e sim a graça necessária para passarmos pelas dificuldades. Você não está sozinho.
Deus está com você, Maria Santíssima está com você, seu Anjo da Guarda e os seus Santos de
devoção estão com você!
Dedicamos todas as nossas forças para elaborar um programa educacional que leve os
educandos à plena configuração a Cristo, à santidade, ao Céu! Sabemos, contudo, que nossas
forças não são suficientes para tão grande empreitada. Por isso, nos confiamos ao Divino Espírito
Santo, fonte de toda santidade, e a Maria Santíssima, modelo de toda perfeição, pois somente pela
ação da graça a santidade é alcançada.

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Orientações para antes dos Estudos
Sabemos que o nosso estudo agrada a Deus, mas qual seria a melhor forma de estudar?
Esta é uma pergunta muito difícil, mas muitos santos, ao longo da História, como Hugo de São
Vítor, deixaram algumas dicas preciosas que podemos seguir.

As dicas são:
1. Seja humilde: a humildade é uma virtude essencial para quem quer começar uma
verdadeira vida de estudante, cujo objetivo é a caridade e a sabedoria. Segundo Hugo de
São Vítor, a humildade é o princípio do aprendizado. Sem ela, o estudo só inchará o seu
orgulho. Uma virtude é um bom hábito, ou seja, é algo que precisa ser praticado todos os
dias para ser alcançado. O bom estudante deve ser humilde e manso, inteiramente alheio
aos cuidados do mundo e às tentações dos prazeres. Consciente de que será preciso buscar
a humildade para começar a trilhar o caminho da sabedoria, você terá Nosso Senhor Jesus
Cristo como modelo perfeito na prática da humildade.

2. Oração: Antes de qualquer coisa que fazemos, convém que rezemos para pedir a Deus as
graças que necessitamos para atingir um resultado que agrada ao Senhor. Assim também é
com os estudos. Antes de iniciar os passos para um bom estudo, se recolha em silêncio,
eleve o seu coração a Deus e Lhe dirija uma oração sincera, atenta e humilde.

3. Ouvir os ensinamentos: Ouvir o que o outro quer nos ensinar parece uma tarefa fácil, mas
nem sempre isto acontece. Algumas vezes nos distraímos com muita facilidade ou
“ouvimos apenas por ouvir”, sem nos esforçarmos para compreender o que se fala. Quando
um ensinamento lhe está sendo apresentado, coloque toda a sua atenção para entender o
assunto.

4. Disciplina: Contemple toda a ordem do universo. Veja como tudo funciona ordenadamente
de tal forma a possibilitar a nossa existência. Isto tudo ocorre porque Deus governa todas
as coisas através de regras e leis que Ele mesmo estabeleceu. Imagine o universo sem
regras. Imagine se, de repente, o planeta Júpiter resolvesse “passear” perto do nosso planeta
Terra. Que grande desastre! Imagine se cada um seguisse sua própria lei no trânsito.
Quantos acidentes! O mundo e o homem necessitam de regras, leis e muita disciplina para
viver de forma ordenada. Organize junto com seus pais uma boa rotina e a contemple com
disciplina; tenha horário para sua oração, estudo, alimentação, esportes, etc. Com o esforço
diário aparecerão os frutos!

5. Leitura: A leitura é um passo fundamental para o bom estudo. Leia atentamente, buscando
compreender bem o que o texto quer lhe ensinar. Busque o significado das palavras que
lhe são desconhecidas em um bom dicionário. Quando o texto for fácil, não o leia correndo

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de tal modo que se possa perder informações essenciais. Quando for difícil, não desanime
diante dos obstáculos. Sabemos que é muito reconfortante entender um texto complexo.
Peça ajuda do Espírito Santo, fonte da inteligência. Porém, tome cuidado com alguns tipos
de textos que “caem” em nossas mãos, pois o demônio muitas vezes nos ataca através de
más leituras.
Certa vez Dom Bosco teve um sonho no qual via um navio que representava a Igreja
sendo atacado por inimigos furiosos e, para nossa surpresa, uma das armas de ataque eram
livros incendiados que eram lançados sobre a barca de São Pedro. Vejam que sonho
impressionante e cheio de lições para nós!
São Jerônimo dedicava horas e horas de seus dias lendo, estudando e até decorando
livros de clássicos latinos (Cícero, Virgílio, Horácio, Tácito) e ainda encontrava disposição
para conhecer autores clássicos gregos. Tal era seu entusiasmo e admiração pelos escritores
clássicos que logo formou uma biblioteca só com obras deles, chegando até a copiar a mão
vários desses livros.
Um dia Jerônimo estava em oração e teve uma visão de seu julgamento. O próprio
Nosso Senhor Jesus Cristo presidia o Tribunal e perguntava sobre seu estado de alma e sua
fé:
– Sou cristão, responde Jerônimo.
Ao que o Juiz lhe replicou com severidade:
– Mentira! Tu não és cristão, mas ciceroniano…
Isso seria o mesmo que dizer: “Não és de Cristo, és de Cícero.”
O Juiz mandou que ele fosse açoitado. Os assistentes pediram clemência
argumentando que ele ainda era jovem e poderia corrigir-se, arrepender-se e salvar-se.
Diante do que lhe acontecia, Jerônimo reconheceu o estado de alma em que se encontrava
e tomou a única atitude que lhe seria conveniente: reconheceu seu erro e pediu perdão.
Naquele instante, ele fez o firme propósito de emendar-se:
“Desde aquela hora eu me entreguei com tanta diligência e atenção a ler as
coisas divinas, como jamais havia tido nas humanas”, (carta de São
Jerônimo a Santa Eustáquia).
Formados pelo exemplo dos santos e movidos pela busca de santidade de vida,
sugerimos ainda dois passos importantes após a leitura: o resumo e a memorização.
Um resumo consiste em descrever as principais informações contidas no texto lido
de forma que fique somente o essencial. Se você não foi capaz de resumir o texto, pode
significar que não entendeu o mesmo. Depois de resumir as principais ideias do texto, é
necessário que você as memorize de tal modo que fiquem guardadas em sua memória.
Certamente é difícil memorizar todas as informações de um texto, mas o que se pede é que
se retenha somente as principais, pois a memória existe para guardar em nosso interior
aquilo que se aprendeu. Este passo é fundamental para chegar ao próximo.

6. Meditação: Se a leitura é o início, a meditação é o término do processo, ou seja, através


da leitura extraímos do texto suas principais informações; já através da meditação

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buscamos a causa, a origem, a utilidade e a finalidade de cada coisa. Hugo de São Vítor
disse que o princípio da doutrina está na leitura, e, sua consumação, na meditação. Esta é
uma espécie de admiração das coisas estudadas, buscando dissipar tudo o que é obscuro no
que se estudou. Para meditar sobre algo é necessário você conduzir o seu pensamento na
direção de uma ideia e se esforçar para explicar as coisas que ainda não são claras. Depois
disso virá a contemplação.

7. Contemplação: A diferença entre a meditação e a contemplação está na “claridade”


daquilo que se pensa, isto é, na meditação buscamos explicar ideias que ainda não são
claras, já na contemplação o que pensamos já está claro, mas deve ser admirado. Outra
diferença entre esses dois passos do estudo é que a meditação se ocupa de uma única coisa,
já a contemplação reflete sobre muitas.

Para ficar mais claro todos esses passos vamos dar um exemplo:
Imagine um quebra-cabeça cuja imagem não lhe é conhecida. Primeiramente, você
deverá conhecer as peças do jogo, virando-as de tal forma que apareçam as suas formas e
cores (leitura). Depois você deverá reunir as peças que se assemelham e separá-las em
blocos (resumo e a memorização). Após separar, você deve tentar reunir as peças,
começando pelos blocos com as cores e formas semelhantes, esforçando-se para descobrir
a imagem do quebra-cabeça (meditação). Quando as peças começarem a se encaixar, você
começará a ter maior noção do que se trata o jogo, e, depois de várias tentativas, com erros
e acertos, você descobrirá a belíssima imagem de Nossa Senhora de Guadalupe, mas isso
ainda não é a contemplação. Somente depois de terminar de encaixar todas as peças, após
muito esforço, você poderá olhar para aquela pintura feita por mãos celestes, com riqueza
de formas e cores, símbolos e significados, fitar aquela Mulher vestida de Sol com a Lua
debaixo de seus pés e se deleitar de tal modo que seu coração se elevará até a Virgem,
como se ela estivesse em pessoa ali, naquele simples quebra-cabeça, e lhe dirigirá uma
belíssima oração de agradecimento pelo seu sim, que nos trouxe o Salvador! Isto é
contemplação. Mas ainda não acabou.

8. Ensinar: Ainda resta este último e não menos importante passo. Após percorrer esse longo
trajeto proposto de Leitura, Resumo, Memorização, Meditação e Contemplação, você
precisará ensinar alguém aquilo que o estudo lhe proporcionou, recordando que Santo
Agostinho nos ensinou que edificar os outros por caridade é o motivo pelo qual se deve
estudar. Para ensinar, você deve trilhar “o caminho das pedras” e, somente assim, poderá
orientar outros sobre qual caminho tomar. Observe que você deve orientar e não carregar
aquele que se ensina. É um grande desafio. Entretanto, se esse passo não for dado, de nada
valeram os outros; e, se não se consegue ensinar, quer dizer que os passos anteriores não
foram cumpridos.

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Orações para antes dos estudos

Sinal da Cruz Signum Sanctae Crucis


Pelo sinal da Santa Cruz, livrai-nos, Deus, Per signum Crucis, de inimícis nostris, líbera
Nosso Senhor, dos nossos inimigos. nos Deus noster.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito In nomine Patris, et Fílii, et Spíritus Sancti.
Santo. Amém. Amen.

Pai-Nosso Pater Noster


Pai nosso que estás nos céus, santificado Pater noster, qui es in caelis;
seja o Vosso nome. sanctificétur nomen tuum;
Venha a nós o Vosso Reino. advéniat regnum tuum;
Seja feita a Vossa vontade, assim na Terra fiat volúntas tua, sicut in caelo et in terra.
como no Céu. Panem nostrum cotidiánum da nobis
O pão nosso de cada dia nos dai hoje. hódie;
Perdoai as nossas ofensas assim como nós et dimítte nobis débita nostra,
perdoamos a quem nos tem ofendido. sicut et nos dimíttimus debitóribus nostris;
E não nos deixeis cair em tentação, mas et ne nos indúcas in tentatiónem;
livrai-nos do mal. Amém. sed líbera nos a malo. Amen.

Ave-Maria Ave Maria


Ave, Maria, cheia de graça, o Senhor é Ave, María, grátia plena, Dóminus tecum,
convosco. Bendita sois vós entre as benedícta tu in muliéribus, et benedictus
mulheres e bendito é o fruto do vosso fructus ventris tui Jesus. Sancta María, Mater
ventre, Jesus! Santa Maria, Mãe de Deus, Dei, ora pro nobis peccatóribus, nunc et in
rogai por nós pecadores, agora e na hora da hora mortis nostrae. Amen.
nossa morte. Amém.

Vinde Espírito Santo Veni Sancte Spíritus


Vinde Espírito Santo, enchei os corações Veni Sancte Spíritus reple tuórum
dos Vossos fiéis e acendei neles o fogo do corda fidélium, et tu amóris in eis
Vosso Amor. Enviai o Vosso Espírito e ignem accénde. Emítte Spíritum tuum
tudo será criado e renovareis a face da et creabúntur. Et renovábis faciem
terra. terrae.
Oremos: Ó Deus que instruístes os corações Oremus: Deus, qui corda fidélium
dos vossos fiéis, com a luz do Espírito Sancti Spíritus illustratióne docuisti da
Santo, fazei que apreciemos retamente nobis in eódem Spíritu recta sápere, et
todas as coisas segundo o mesmo Espírito e de ejus semper consolatióne gaudére.
gozemos sempre da sua consolação. Por Per Christum Dóminum nostrum.
Cristo Senhor Nosso. Amém. Amen.

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Sobre a capa
BEATO PIO IX PROCLAMA O DOGMA DA IMACULADA CONCEIÇÃO

Em 1854, pela Bula “Ineffabilis Deus”, o grande Papa Pio IX definia como dogma a
Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Ninguém sabia, mas esse solene acontecimento ia ficar
indissoluvelmente ligado à aparição de Nossa Senhora em Lourdes.
Com efeito, em 1858, de 11 de fevereiro a 16 de julho, Nossa Senhora apareceu dezoito
vezes, em Lourdes, a uma menina Bernadette Soubirous, declarando ser a Imaculada Conceição.
Esta obra foi pintada por Franceso Podesti (1800–1895) e está na sala dell'Immacolata,
Museu do Vaticano.

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Introdução
“O menor conhecimento das coisas mais elevadas, é mais desejável que uma ciência muito certa das
coisas menores.”
Santo Tomás de Aquino

O ensino da Sagrada Doutrina, servindo-nos das palavras do Sumo Pontífice Bento XIV, é o que
há de mais útil para a Glória de Deus e a Salvação das Almas.
O papa Pio XI, na encíclica Divini Illius Magistri, nos diz que a religião deve ser verdadeiramente
o fundamento e a coroa de toda a instrução e completa Santo Tomás que a ciência Sagrada, dentre todas
as ciências, é a mais excelente, pois seu objeto de estudo é o próprio Deus, o sumo bem; a mais certa,
porque parte daquilo que Deus revelou e, portanto, é perfeita. São Pio X, por sua vez, na carta Acerbo
Nimis, afirma que a maior parte dos condenados às penas eternas padece sua perpétua desgraça por ignorar
os mistérios da fé, que necessariamente se devem conhecer e crer para ser contado no número dos eleitos.

A disciplina “Estudo Sagrado”


Wolfgang Moroder / Domínio público

O Sermão da Montanha. Aqui, Nosso Senhor expõe maravilhosamente sua Doutrina e Ensinamentos.

O material de Estudo Sagrado foi, portanto, estruturado, para este fim: a Glória de Deus e a
Salvação das almas. Constituído de três seções, sua finalidade é mover a inteligência e a vontade do homem
para Deus.
A primeira parte, intitulada como Doutrina Sagrada, é a parte catequética do material. Nela se
encontra, na forma de perguntas e respostas, um resumo de toda a teologia, de todo o Evangelho, de todos

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os dogmas, de todas as verdades religiosas, de toda a moral cristã. Suas finalidades são conhecer e aprender
a doutrina em fórmulas breves, além de mover a inteligência, a vontade e o coração do estudante para que
ame a Deus e pratique, por amor d’Ele, o bem.
A segunda parte, intitulada Amizade com Deus, apresenta textos que versam sobre as Verdades
Eternas, que serão a base da Vida de oração e intimidade com Deus. Diz Santo Afonso “Quem reza, se
salva; quem não reza se condena”. Por isso, esses textos deverão ser meditados pelos alunos, em
oração. Santa Teresa d’Ávila nos ensina que “Que não é outra coisa a oração mental senão tratar de
amizade, estando muitas vezes tratando a sós com quem sabemos que nos ama”.
Por fim, temos a terceira e última parte, intitulada como “Vida de Jesus”, que consiste no
aprendizado de toda a história sagrada e da história eclesiástica. Nela, as crianças aprendem a ver na prática
com que amor corresponderam os grandes santos às petições do Amor Divino.
Em suma, o material de Estudo sagrado não consiste somente na instrução religiosa, senão em toda
a Educação Cristã de cada estudante.

Organização dos estudos


As três partes que compõem este material estão distribuídas em 40 semanas de estudo, ou
seja, cada semana vocês deverão estudar a “Doutrina Sagrada, a “Amizade com Deus” e a “Vida
de Jesus”, que já foram devidamente distribuídas a fim de facilitar os estudos e a organização do
material.

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Advertências aos pais e educadores católicos
1º - Ensinar o catecismo é instruir na fé e na moral de Jesus Cristo; é dar aos filhos de Deus
a consciência da própria origem, dignidade e destino, e dos próprios deveres; é lançar e
desenvolver nas suas inteligências os princípios e os motivos da religião, da virtude e da santidade
na terra, e, portanto, da felicidade no céu.
2º - O ensino do catecismo é, por isso, o mais necessário e proveitoso para os indivíduos,
para a Igreja e para a sociedade civil; é o ensino fundamental, que forma a base da vida cristã, a
qual sempre é tíbia, vacilante e facilmente se extingue, quando ele falte ou seja mal ministrado.
3º - Sendo pais cristãos, os primeiros e principais educadores de seus filhos, devem ser
também os primeiros e principais catequistas: os primeiros, pois lhes devem instilar quase como o
leite a doutrina recebida da Igreja; os principais, pois lhes devem fazer aprender de cór em família
os princípios fundamentais da Fé, a começar pelas primeiras orações, e fazer-lhes repetir todos os
dias de maneira que pouco a pouco penetrem profundamente nos corações dos filhos. E se os pais,
como a miúdo acontece, se veem obrigados a fazerem-se substituir por outrem na educação, não
esqueçam da obrigação sacratíssima que tem de escolher pessoas e institutos tais que saibam e
queiram conscienciosamente cumprir em vez deles tão grave dever. A indiferença nesta matéria
tem sido a perda irreparável de tantos filhos. Que contas deverão dar a Deus por isto!
4º - Para ensinar com fruto é preciso saber bem a doutrina cristã, expô-la e explicá-la de
modo adequado à capacidade dos alunos e sobretudo, tratando-se de doutrina prática, é preciso
viver em conformidade com ela.
5º - Saber bem a doutrina cristã: pois como pode instruir quem não é instruído? Daqui o
grande dever para os pais e educadores de reler o catecismo e penetrar a funda as verdades nele
expostas, assistindo às explicações mais desenvolvidas dos párocos aos adultos, interrogando
pessoas competentes e lendo, se puderem, livros apropriados.
6º - Expor de modo adequado a Doutrina Cristã, isto é, com inteligência e amor, de maneira
que as crianças não se desgostem ou enfadem do mestre nem da doutrina. Por isso convém falar
ao alcance delas, empregando palavras simples e bem conhecidas, despertando-lhes a inteligência
com oportunas comparações e exemplos, e movendo-lhes os sentimentos do coração. Haja suma
discrição e comedimento para não causar cansaço; caminhe-se pouco a pouco, não se enfadando
das repetições; suportem-se com paciência e afeto a irrequietação, as distrações, as impertinências
e os demais defeitos próprios da sua idade. Haja sobremaneira evitar um ensino maquinal, que
acanha e entenebrece, pondo só em ação a memória, deixando de lado a inteligência e o coração.
7º - Finalmente viver na fé e na moral que se ensina; pois de outro modo, quem terá
coragem de ensinar aos filhos a religião que não prática, os mandamentos e preceitos que mesmo
diante deles se transgridem? E em tal caso que frutos há a esperar? Antes, pelo contrário, os pais
exautorar-se-ão por si mesmos, e habituarão os filhos à indiferença e ao desprezo dos princípios
mais necessários e dos deveres mais sagrados da vida.
8º - E já que hoje se tem criado uma atmosfera de incredulidade funestíssima para a vida
espiritual, com a guerra e todo a ideia de autoridade superior, de Deus, de revelação, de vida futura,
de mortificação, inculquem os pais e educadores, com máximo cuidado, as verdades fundamentais
das primeiras noções do catecismo; inspirem o conceito cristão da vida, o sentimento da

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responsabilidade de todos os atos perante o Juiz supremo, que está em toda a parte, tudo sabe e
tudo vê; e infundam, com o santo temor de Deus, o amor a Nosso Senhor Jesus Cristo e da Igreja,
o gosto da caridade e da sólida piedade, e a estima das virtudes e práticas cristãs. Só assim a
educação dos filhos será fundada não sobre a areia de movediças ideias e de respeitos humanos,
mas sobre a rocha de convicções sobrenaturais, que resistirão durante a vida inteira ao embate de
todas as tempestades.
9º - Para tudo isto se requer fé viva, profunda estima de calor das almas e dos bens
espirituais, e aquele prudente amor que procura primeiro tudo assegurar a felicidade eterna às
almas que nos são mais queridas. Não é menos precisa uma graça especial para compreender a
índole dos filhos e descortinar as inclinações do espírito e do coração. Os pais cristãos, por virtude
do sacramento do Matrimônio bem recebido, têm direito às graças do próprio estado, e portanto,
às que são necessárias para a educação cristã dos filhos. Além disso, podem eles obter por meio
de humildes orações mais abundantes graças em ordem a este mesmo fim, pois é obra
particularmente agradável a Deus que se lhe eduquem adoradores, e filhos obedientes e devotos.
Façam-no, pois a custo de todo sacrifício: trata-se da eterna salvação das almas dos filhos e da
própria. Deus abençoará a sua fé e o seu a mor nesta empresa de importância capital, e há de
recompensá-los com o prêmio mais ambicionável, que é o de uma geração santa, eternamente feliz
com eles no céu.

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Aos queridos alunos

Q UANDO gostamos de alguém, nossa vontade é de estar perto dele. E, com essa
proximidade, a amizade vai aumentando cada vez mais, não é verdade? Nosso Senhor
Jesus Cristo é o nosso melhor amigo. É muito importante estar próximo d'Ele, conhecê-
Lo e unir nosso coração ao d’Ele. É necessário conhecer Seus ensinamentos, a Doutrina Cristã
Católica, isto é, as Verdades da fé. Para que essas verdades fiquem gravadas, é necessário decorá-
las.
A palavra decorar vem do latim "cor" (coração), “guardar no coração”, “memorizar”.
Sabendo disso, guarde os ensinamentos de Nosso Senhor em sua memória, mas o mais importante
é guardá-los em seu coração, para que tudo o que você pensar, falar e agir seja igual ao pensar, ao
falar e ao agir do grande amigo, Jesus Cristo!
“Trouxeram-lhe
também criancinhas, para que Ele as tocasse. Vendo isto, os discípulos as
repreendiam.16Jesus,
porém, chamou-as e disse: Deixai vir a mim as criancinhas e não as
impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se parecem com elas. Em verdade vos declaro:
quem não receber o Reino de Deus como uma criancinha, nele não entrará.”
(Lc 18, 15-17)

Organização da disciplina
Organizamos a disciplina Estudo Sagrado em três partes:
1. Doutrina Sagrada: primeiramente os alunos deverão estudar a doutrina da Igreja Católica,
que será exposta na forma de perguntas e respostas. Este ano vamos estudar toda a doutrina
a respeito das Virtudes e seus opostos, bem como Meios da graça: a oração, explicada
pelo teólogo Giuseppe Perardi.
2. Amizade com Deus: nesta parte, será apresentado semanalmente um texto a respeito das
virtudes cristãs, que deverá ser lido e meditado pelos alunos. Este ano vamos ler textos a
respeito da Obediência, do Exame de Consciência e da Conformidade com a Vontade de
Deus, todos escritos por Santo Afonso Rodrigues.
3. A Vida de Jesus: nesta parte, os alunos aprenderão a história da Vida de Jesus, pois Ele é
a Pessoa mais importante de toda a história do universo. Este ano continuaremos a leitura
da obra do Padre Carlos Herédia, “Memórias de um repórter dos tempos de Cristo”1.

1
Iniciada na etapa 7.

27
28
Semana 1
Nestes ano trataremos dos bons hábitos que nos fazem ser mais perfeitos e chegar até Deus.
Estes bons hábitos recebem o nome de virtudes. As virtudes são buscadas justamente para atender
ao pedido de Nosso Senhor: “Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai Celeste é perfeito”
(Mt 5, 48).

Sejamos Retratos de Deus2


Não podemos viver profanando e manchando a imagem divina que trazemos em nossa
alma. Nosso dever é trabalhar em todos os momentos de nossa vida e com todos os auxílios que
recebemos de Deus, para conseguirmos que esse retrato divino seja cada dia mais semelhante ao
modelo que temos diante dos olhos. O nosso modelo consumado é Jesus Cristo.
Quem é Jesus Cristo? É o mistério da pobreza... apresenta-se no mundo num estábulo.
Repousa sobre duras palhas num mísero presépio... chama a si os pobres: com eles se ajunta e quer
que formem a corte do novo Reino que veio fundar neste mundo.
Quem é Jesus Cristo? O mistério do trabalho... encerra-se numa oficina e trabalha para
comer o pão amassado com o suor do seu rosto... anda de cidade em cidade, espalhando a dou-
trina da verdade e a semente da perfeição. Ele mesmo afirma que não tem uma pedra para repousar
a cabeça...

Figura 2. Jesus desde criança mostra e ensina suas virtudes a todos aqueles que queiram aprender.

2
Texto extraído do livro: Tesouros de Exemplo – Volume 1. P. Francisco Alves C. SS. R.ed.2. p. 16-17.

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Quem é Jesus Cristo? O mistério da verdade... fala em toda a parte. Fala das doutrinas mais
elevadas. Trata dos problemas religiosos, os maiores que jamais foram tratados no mundo. Ouvem-
no seus inimigos, procurando surpreender nele algum erro... não o conseguem. Ele é o único
homem em cujos lábios jamais apareceu a sombra fatídica do erro e do engano.
Quem é Jesus Cristo? O mistério do amor... amou até à abnegação mais absoluta, amou até
ao sacrifício, amou seus verdugos, seus inimigos, amou até fazer-se nosso alimento, amou até a
morte da cruz...
Quem é Jesus Cristo? O mistério da humilhação... lavou os pés de seus discípulos. Subiu a
uma cruz e ali naquele madeiro, que era o patíbulo dos escravos, ali contemplou a humanidade
desnudo e abandonado de todos.
Quem é Jesus Cristo? O mistério da obediência... obedeceu desde o berço até o túmulo.
Não se desviou nem um ápice do caminho que lhe traçou o Pai Celeste.
Quem é Jesus Cristo? É o mistério do poder... contra ele se levantaram todos os partidos
políticos de sua nação. Os que representavam a lei e a religião coligaram-se também contra ele.
Até seus amigos mais íntimos na hora da dor o abandonaram. Estava só... mas, afinal, triunfou de
todos eles. Hoje, os que ontem o odiavam são pó e cinza levados pelo vento: Ele reina sobre os
povos e sobre os corações...
Quem é Jesus Cristo? É o mistério da glória... triunfou da morte. Subiu aos Céus. Ali está
sentado à direita de Deus Pai. Dali há de vir para julgar os vivos e os mortos. E a sua glória não
terá fim.
Eis aí, em resumo, quem é Jesus Cristo. Todos os Santos procuraram ser retratos
perfeitíssimos desse Deus que, como diz Santo Agostinho, para isso precisamente se fez homem,
para que tivéssemos o modelo mais admirável de Deus.

Trabalhemos e copiemos as divinas virtudes que nele resplandecem.

30
Doutrina Sagrada
VIRTUDES
O que é a virtude?
A virtude é uma disposição constante da alma para fazer o bem.
Esta brevíssima resposta precisa ser bem compreendida, porque nos ensina o que é
realmente a virtude. E convém compreender bem em que consiste a virtude, porque, geralmente,
chama-se virtude aquilo que não o é.
Antes de tudo, o que é que chamamos de bem? Chamamos de bem aquilo que é conforme
a vontade do Senhor; assim, chamamos de mal aquilo que é contrário a vontade do Senhor. São
muitas coisas que são conforme a vontade do Senhor, e, também, muitas que são contrárias.
Quando fazeis uma coisa conforme a vontade do Senhor, fazeis um bem ou uma boa obra; quando
fazeis uma coisa contrária a vontade do Senhor, fazeis um mal ou uma coisa má.
Se nos habituarmos a fazer sempre o bem, a fazer sempre aquilo que o Senhor quer,
adquiriremos uma inclinação, uma disposição, quase um hábito para fazer o bem: é isto uma
virtude. Por meio dela, como por uma força, uma tendência, sois inclinados a fazer sempre o bem.
Do mesmo modo, se alguém se habituar a fazer sempre o mal, aquilo que o Senhor não
quer que seja feito, adquire uma disposição, uma tendência para o mal que se chama vício.
Então, a virtude não é a boa obra ou o bem que se faz, mas sim, uma inclinação que se
adquire voluntariamente, com o uso da razão, para praticar o bem; assim como o vício não é a má
obra, mas a inclinação para fazer o mal, adquirida pela prática do mal. Se nos habituarmos a
praticar sempre um determinado bem, não adquiriremos a virtude em geral, mas sim uma virtude
especial. Por exemplo, praticando atos de mortificação, adquire-se a virtude da penitência, da
mortificação, assim como alguém, se praticar repetidas vezes um ato mau, por exemplo o furto,
adquire o hábito de roubar e terá por conseguinte o vício de roubar.

Prática
Não é possível viver sem contrair hábitos. Cultive o amor ao bem, para adquirir a
verdadeira virtude, isto é, a inclinação, a disposição constante da alma para fazer sempre o bem,
para fazer sempre aquilo que agrada ao Senhor, aquilo que Ele quer de nós.

Quantas espécies há de virtudes?


Há duas espécies de virtudes: as virtudes naturais, que adquirimos com a repetição de bons
atos, chamadas virtudes morais; e as virtudes sobrenaturais, que não podemos adquirir nem mesmo
praticar só com as nossas forças, mas são dadas por Deus, estas são as virtudes próprias dos
cristãos.

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Figura 4. No Sermão da Montanha (Mt 5), Nosso Senhor nos dá a regra perfeita da vida cristã, uma vida de virtudes
heroicas.

Figura 3. No Sermão da Montanha (Mt 5), Nosso Senhor nos dá a regra perfeita da vida cristã, uma vida de virtudes
heroicas.

Quais são as virtudes próprias dos cristãos?


As virtudes próprias do cristão são as virtudes sobrenaturais: a fé, a esperança e a caridade.
Estas se chamam teologais ou divinas, porque têm o mesmo Deus por objeto e por motivo.
Há duas espécies de virtudes: as virtudes naturais e as virtudes sobrenaturais.
As virtudes naturais, também denominadas morais, são as que são adquiridas praticando-
se bons atos. Por exemplo, obedecendo, adquire-se a virtude da obediência.
As sobrenaturais são superiores às forças da natureza humana e, por isso, não as podemos
adquirir nem exercitar só com as nossas forças. São nos dadas por Deus, portanto, Deus nos
confere o poder de exercitá-las, poder que devemos depois desenvolver e aperfeiçoar não com as
meras forças naturais, mas com os auxílios da graça.
As virtudes próprias do cristão são as sobrenaturais. Dizem-se próprias dos cristãos, porque
nós as podemos exercitar com os meios que Deus nos subministra como cristãos. São, em especial,
próprias do cristão as três virtudes: Fé, Esperança e Caridade. Chamam-se também, simplesmente,
virtudes teologais, porque se referem diretamente a Deus: Deus como suprema Verdade (a Fé),
Deus como nosso supremo Bem (a Esperança), Deus como supremo Bem em si mesmo (a
Caridade). São nos infundidas por Deus no Sacramento do Batismo e são absolutamente
necessárias para a salvação, com os atos relativos a cada uma delas.

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Explicação da imagem3 da próxima página:
A Fé está simbolizada na parte superior da estampa por uma virgem segurando a cruz com
a mão direita e tendo na esquerda uma tocha acesa, para indicar que a Fé ilumina nossa alma.
O Santo Patriarca Abraão praticou a Fé de um modo heroico, crendo em Deus, que lhe
ordenara imolar seu filho Isaac; cumpriria, contudo, a promessa que lhe fizera de dar-lhe uma
posteridade numerosa.
A Esperança está simbolizada à esquerda por uma virgem tendo na mão direita uma coroa
e na esquerda uma âncora.
Vê-se na parte inferior esquerda o Santo Patriarca Jó que no excesso do seu sofrimento
sempre esperou em Deus e não foi frustrada sua Esperança.
A Caridade está simbolizada à direita por uma virgem tendo na mão um cálice com a hóstia
e mostrando com a esquerda o seu coração em chamas.
Vê-se no canto inferior direito Nosso Senhor sentado à mesa de Simão, o fariseu, e Santa
Maria Madalena que se lançando aos pés de Jesus, banha-os de lágrimas, enxuga-os com os
cabelos, beija-os e perfuma-os com bálsamo.

Como nós recebemos e praticamos as virtudes teologais?


Nós recebemos as virtudes teologais juntamente com a graça santificante, por meio dos
Sacramentos ou pelo amor de caridade, e praticamo-las com as graças atuais dos bons pensamentos
e das inspirações com que Deus nos move e nos ajuda em todo ato bom.
A graça santificante confere-nos o poder ou a capacidade de exercitarmos as virtudes
teologais.
Exercitamos estas virtudes com o auxílio das graças atuais, isto é, dos bons pensamentos e
inspirações com que Deus nos move e nos ajuda em todo ato bom. Disto entendemos que podemos
nos submeter ao movimento da graça, e, portanto, exercitar a virtude, ou não se submeter,
resistindo-lhe e, portanto, não exercitar a virtude.
As virtudes sobrenaturais, consideradas como virtudes infundidas por Deus, são designadas
pelo nome de habituais; e, como virtudes exercitadas por nós com os respectivos atos bons, pelo
de atuais. Para a criança se salvar, basta que as virtudes teologais sejam habituais; com efeito, não
possuindo ela o uso da razão, não está em condições de as poder exercitar; assim como não está
em condições de poder andar, embora tenha pés. O jovem e o adulto, pelo contrário, devem, em
dados casos, torná-las atuais, isto é, deve, para se salvar, fazer em determinadas ocasiões atos de
Fé, de Esperança e de Caridade.

3
Explicação e imagem da próxima página retirada do Catecismo Ilustrado – com explicação das 68 gravuras. Paris
Maison de La Bonne Presse. 5, Rue Bayard, 5. Edição da Juventude Chatolica de Lisboa, 1910

33
Figura 4.

34
Entre as virtudes teologais, qual é a mais excelente?
A mais excelente é a Caridade, porque é inseparável da graça santificante, une-nos
intimamente a Deus e ao próximo, move-nos a perfeita observância da Lei e a todas as boas obras,
e não acabará nunca: nela está a perfeição cristã.
Por quatro motivos a Caridade é a virtude teologal mais excelente:
1º) Porque é inseparável da graça santificante. Por conseguinte, se existir a Caridade, o
pecado é apagado e é conferida a graça santificante. A Caridade nunca está com o pecado. Ao
passo que a Fé e a Esperança possam subsistir sem a graça e com o pecado, a Caridade não pode
estar com o pecado, e, por isso, perdendo-se a graça, perde-se também a Caridade. Do fato de ser
inseparável da graça se conclui que, se um infiel, correspondendo à graça, que Deus não nega a
ninguém, emitir um ato de Caridade perfeita, adquire a graça santificante; e, como ele tem, ao
menos implicitamente, o desejo do Batismo, encontra-se no caminho da salvação e pode ir para o
Paraíso, de que a Caridade perfeita o tornou merecedor.
2º) Une-nos intimamente a Deus e ao próximo, amando Deus sobre todas as coisas e ao
próximo como a nós mesmos por amor de Deus; “Se nós nos amamos mutuamente, permanece
Deus em nós e a sua caridade é em nós perfeita... Nós temos conhecido e crido a caridade que
Deus tem por nós. Deus é a caridade: e assim aquele que permanece na caridade permanece em
Deus, e Deus nele (1 Jo 4, 12-16)”.
3º) Move-nos a perfeita observância da Lei e a todas as boas obras. Ao que ama a Deus
sobre todas as coisas, agrada-lhe tudo o que Deus quer, nada deseja com mais ardor do que
encontrar em tudo o gosto de Deus, fazer a divina vontade, e, por isso, guarda os Mandamentos,
pratica tudo o que conhece como bem, e, portanto, como coisa que Deus quer ou deseja.
4º) Nunca deixará de existir. Durará eternamente. No Céu já não haverá Fé, porque
veremos a Deus e em Deus tudo o que agora cremos; nem Esperança, porque possuiremos o que
agora esperamos ou desejamos; haverá, porém, a Caridade, ou seja, a posse e o amor imperecível
de Deus.
“Sobre tudo isto, revesti-vos de caridade, que é o vínculo da
perfeição.” (Col 3, 14)
“Agora, pois, permanecem a fé, a esperança, a caridade, estas três
virtudes; porém, a maior delas é a caridade.” (1 Cor 13, 13)
“Se tiver toda a fé, até ao ponto de transportar montes, e não tiver
caridade, não sou nada. E, se eu distribuir todos os meus bens em
sustento dos pobres e se entregar o meu corpo para ser
queimado, se, todavia, não tiver caridade, nada disto me
aproveita.” (1 Cor 2, 3)
A perfeição da vida cristã consiste em vivermos
plenamente unidos ao Senhor, submetendo-lhe inteiramente o
espírito, o coração e a vontade. Ora, como o Espírito Santo,
através de São João, nos ensina, “a caridade vem de Deus e
assim todo aquele que ama é nascido de Deus e Figura 5. Estátua de São Pedro na praça do Vaticano.
conhece a Deus. Quem não ama, não conhece a
Deus, porque Deus é amor.” (1 Jo 4, 7-8)

35
Observa a este propósito São Francisco de Sales: “Vai cada
qual imaginando a perfeição como melhor lhe enquadra; uns fazem-
na consistir em dar esmolas, outros em receber com frequência os
Sacramentos, outros ainda na oração, etc.; mas todos estes se
enganam, porque confundem os meios com o fim, ou o efeito
com a causa. Quanto a mim, não sei nem conheço outra perfeição
que não seja a de amar a Deus de todo o coração e ao próximo
como a nós mesmo; qualquer outra perfeição é falsa.”

Prática
Procurai afervorar-vos cada vez mais no amor de Deus.
As obras de quem ama a Deus são sempre santas e de grande
merecimento para a vida eterna. A Caridade une-nos a
Deus. É esta a mais preciosa união que podemos desejar.
No Céu será a nossa bem-aventurança.

Figura 6. São Francisco de Sales.

36
Amizade com Deus
O tópico “Amizade com Deus” é feito para que possamos crescer na intimidade com Nosso
Senhor Jesus Cristo. Ora, mas como faremos para crescer nesta intimidade com Nosso Senhor,
quer dizer, nesta amizade com Deus? Respondemos: Contamos com a ajuda da graça, capaz de
criar em nós um coração novo e em perfeita sintonia com o de Cristo, que nunca quis o que não
fosse vontade de seu Pai. E para que essa graça produza em nós frutos copiosos de conversão e
sujeição à dulcíssima vontade de Deus, precisamos ser solícitos em nossa vida de oração,
porque é em oração que o Senhor nos fala mais particularmente e nos vai remodelando à
imagem e semelhança de seu Filho, a fim de que com Ele possamos dizer: “Eis que eu venho
[…]: fazer vossa vontade, meu Deus, é o que me agrada, porque vossa Lei está no íntimo de meu
coração” (Sl 39, 9-10)4. Devemos, portanto, rezar sem cessar, conforme o mandamento do Senhor,
pois a oração é uma necessidade tão vital ao homem que Santo Afonso Maria de Ligório,
resumindo-a numa fórmula expressiva, pôde dizer: “Quem reza se salva; quem não reza se
condena”.
No Evangelho da Transfiguração, os discípulos de Jesus são levados “a um lugar à parte,
sobre uma alta montanha”, a fim de se encontrarem com Deus, por meio da oração.
Santa Teresa de Jesus diz:
“Que não é outra coisa a oração mental senão tratar de amizade, estando muitas vezes
tratando a sós com quem sabemos que nos ama”.5
Então, a oração trata-se de amizade com Deus. E essa amizade brota do relacionamento
intratrinitário, da amizade que o Pai tem pelo Filho, expressa nas palavras: “Este é o meu Filho
amado, no qual eu pus todo o meu agrado”. Para que também nós entremos nessa amizade e nos
transfiguremos, por assim dizer, junto com Jesus, devemos atender ao apelo do Pai, que diz:
“Escutai-o!”. Da oração brota, então, um ato efetivo de amor a Deus: determinamo-nos a
transformar a nossa vontade na vontade de Deus, como o próprio Jesus indica em outra
passagem: “Vós sois meus amigos, se fazeis o que vos mando” (Jo 15, 14).
Mas Jesus também quer que o nosso amor a Deus se desdobre no amor ao próximo:
"Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos” (Jo 15, 13). Jesus
leva-nos para o monte, mas não para que fiquemos aí, isolados em tendas, como sugeriu São Pedro;
mas, ao contrário, para que, descendo o monte, entreguemos nossa vida por Ele e pelos outros.
Então, a oração, que é amizade com Deus, desabrocha, concretamente, na prática quaresmal da
caridade.
Ainda sobre a oração, Santa Teresa dá-nos algumas indicações preciosas:
“[O iniciante] pode fazer muito para se determinar a servir bastante a Deus e despertar o
amor. A pessoa pode imaginar que está diante de Cristo e acostumar-se a enamorar-se da
Sua Sagrada Humanidade, tendo-O sempre consigo, falando com Ele, pedindo-lhe auxílio
em suas necessidades, queixando-se dos seus sofrimentos, alegrando-se com Ele em seus
contentamentos e nunca esquecendo-se Dele por nenhum motivo, e sem procurar orações
prontas, preferindo palavras que exprimam seus desejos e necessidades. É excelente

4
Trecho extraído e adaptado de https://padrepauloricardo.org/episodios/o-porque-da-oracao. Acesso: 18.11.2019
5
Livro da Vida, cap. 8, 5.

37
maneira de progredir, e com rapidez. E adianto que quem trabalhar para ter consigo essa
preciosa companhia, aproveitando muito dela e adquirindo um verdadeiro amor por esse
Senhor a quem tanto devemos, terá grande benefício. 3. Para isso, não façamos caso de
não ter devoção sensível— como eu disse —, mas agradeçamos ao Senhor, que nos
permite estar desejosos de contentá-Lo, embora as nossas obras sejam fracas. Esse modo
de trazer Cristo conosco é útil em todos os estados, sendo um meio seguríssimo para tirar
proveito do primeiro e breve chegar ao segundo grau de oração, bem como, nos últimos
graus, para ficarmos livres dos perigos que o demônio pode pôr. Quem quiser passar
daqui e levantar o espírito a sentir gostos, que não lhe são dados, perde, a meu ver,
tudo.”6
A oração não consiste em “sentir gostos”, mas em determinar-se no amor. Precisamos
cultivar a verdadeira oração, “que não é outra coisa (...) senão tratar de amizade (...) com quem
sabemos que nos ama”7.
Portanto, todas as reflexões que serão feitas ao longo do ano só trarão frutos aos estudantes
se estes as meditarem, e as meditarem em oração. O trecho a seguir da Imitação de Cristo resume
bem o que queremos expressar:

Da Conversação Interior de Cristo com a Alma Fiel


Diz a Alma Fiel: Ouvirei o que em mim disser o Senhor meu Deus (Sl 84,
9)
Bem-aventurada a alma que ouve o Senhor falar-lhe interiormente e de
seus lábios recebe palavras de consolação.
Bem-aventurados os ouvidos atentos ao sopro das divinas inspirações e
surdos aos rumores do mundo.
Mil vezes bem-aventurados os ouvidos que escutam, não as vozes de fora,
mas os ensinamentos internos da Verdade.
Bem-aventurados os olhos, que, cerrados às coisas externas, estão abertos
às interiores.
Bem-aventurados os que penetram os mistérios da alma e, por meio dos
exercícios de cada dia, mais e mais se preparam para entender os segredos
celestiais.
Bem-aventurados os que suspiram por entregar-se a Deus e se
desembaraçam de todos os impedimentos do mundo.
Medita, ó alma, estas coisas, e fecha as portas dos teus sentidos a fim de
poderes ouvir o que te disser o Senhor teu Deus

6
Livro da Vida, cap. 12: 2 – 3.
7
Extraído de https://padrepauloricardo.org/episodios/oracao-amizade-com-deus. Acesso: 18.11.2019.

38
Portanto, para essa oração meditativa, para esta conversação interior com Cristo, sugerimos
que sigam os passos propostos por santo Afonso Maria de Ligório, que se encontra nas páginas
seguintes.
Recomendamos que o estudante, ou mesmo seus responsáveis, identifique qual é o melhor
horário do dia para fazer esta oração meditativa, cuja base de reflexão serão os textos aqui escritos.
Lembre-se que apesar de o tópico “Amizade com Deus” conter um texto para ser lido em um dia,
ele deverá ser meditado ao longo de toda a semana, escolhendo o aluno ora uma frase ora outra
para meditar a cada dia.8
Por fim, faça a consagração a Virgem Maria, que se encontra a seguir, pedindo-lhe a graça
de ser perseverante e paciente neste caminho que irá empreitar:

Consagração a
Nossa Senhora
Ó Senhora minha! Ó minha Mãe! Eu me ofereço
todo a vós. E em prova da minha devoção para
convosco, eu vos consagro, neste dia, meus olhos,
meus ouvidos, minha boca, meu coração e
inteiramente todo o meu ser. E como assim sou
vosso, ó boa Mãe, guardai-me e defendei-me como
coisa e propriedade vossa.
Amém.

8
É claro que cada um poderá escolher as obras e textos, além deste material, para sua meditação pessoal.

39
A Oração Meditativa9,
segundo Santo Afonso Maria de Ligório.
A oração tem sido sempre as delícias das almas fervorosas. Estas delícias, querido leitor, o
Sagrado Coração vos convida hoje a saborear. Mais aparentes do que reais são as dificuldades
deste santo exercício. “Fazer oração mental ou meditação, diz Monsenhor Dechamps, é pensar nas
verdades da fé, para se excitar no amor divino e na prática das virtudes, cuja graça será obtida pela
oração”. A meditação chama-se oração mental, pois a oração ou súplica é a parte principal da
meditação. Assim, fazer oração mental é pensar nas verdades da fé, por exemplo, na morte, no
juízo, no céu, no inferno, na eternidade, em Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho único de Deus, que
desceu do céu, fez-se Homem por nosso amor no seio da bem-aventurada Virgem Maria, padeceu
e morreu na cruz para nos alcançar o perdão de nossos pecados. Quando o cristão pensa numa das
grandes verdades que a santa fé ensina, e pensa para se excitar a evitar o pecado, imitar a Jesus
Cristo e empregar para isto os meios que ele nos deixou, principalmente a oração e os sacramentos,
que são os canais da graça, então faz a meditação ou oração mental.
Bem vedes que muitos cristãos que nunca ouviram talvez pronunciar estas palavras, fazem
contudo a oração, visto como pensam algumas vezes nas verdades da salvação, por exemplo,
quando depois de ouvirem o sermão do domingo, pedem a Deus perdão dos pecados, tomam a
resolução de confessar-se e lhe rogam a graça de vida melhor. Faz também oração mental aquele
que se prepara para uma boa confissão, porque então, depois de ter orado e reconhecido suas faltas,
excita-se à contrição pensando no inferno que mereceu, no céu e na graça de Deus que perdeu, em
Jesus Cristo a quem nossos pecados fizeram chorar, padecer e morrer. Ainda faz oração mental,
quem, depois de ter lido n’algum bom livro, pára um pouco considerando um ponto que lhe diz
respeito e mais o comove, o depois ora a Deus, a Jesus, a Maria, aos santos anjos, ou aos santos
padroeiros, a fim de conseguir uma graça que deseja, ou cumprir uma coisa que Deus exige dele.
Em viagem e até no trabalho pode uma pessoa fazer oração mental, pois ainda então pode pensar
nas verdades da salvação, e dirigir-se a Deus em súplicas. Não se creia, pois, que este exercício,
por difícil, seja raro. Não, quando se toma a peito o negócio da salvação eterna, nele se pensa todos
os dias com tão boa vontade como os negociantes no seu comércio; e tão impossível é que nos
saiamos bem no negócio de nossa salvação, sem nele pensarmos e nos resolvermos a empregar os
meios necessários, como o é ao negociante prosperar, sem pensar nos meios de adquirir fortuna. O
mundo está cheio de pecados e o inferno de réprobos, afirma Santo Afonso, porque não se medita
nas verdades eternas.
Portanto, alma cristã, nada mais fácil que fazer oração mental. Santo Afonso torna sua prática
extremamente simples, clara, fácil e não menos frutuosa; graças ao método que ele
ensina, este exercício indispensável a quem quer santificar-se, é posto com toda verdade ao alcance
de todos: também seu desejo é que todos aprendam a meditar. Eis aqui o método de fazer a oração
mental segundo o santo doutor: “A oração mental contém três partes: a preparação, a meditação e
a conclusão.

9
Disponível em http://almasdevotas.blogspot.com/2016/05/3105-consideracao-para-vespera-do-mes.html. Acesso
em 18.11.2019.

40
A oração mental contém três partes: a preparação, a meditação e a conclusão.
I. Na Preparação fazem-se três atos:
1. Ato de Fé na presença de Deus:

Meu Deus, eu creio que estais aqui presente e vos adoro.

2. Ato de humildade.

Eu deveria estar a esta hora no Inferno; Senhor, eu me arrependo de vos


ter ofendido.

3. Ato de petição de luzes.

Eterno Pai, por amor de Jesus e Maria, esclarecei-me nesta meditação,


para que tire proveito dela.

Uma Ave-Maria à Mãe de Deus, e um Glória ao Pai a S. José, ao Anjo Custódio e ao nosso
Santo protetor. Estes atos devem ser feitos com atenção, mas brevemente; depois faz-se a
meditação.

II. Para a Meditação sirvamo-nos sempre de um livro, ao menos no começo, parando nas
passagens que mais impressão nos fazem. S. Francisco de Sales diz que devemos imitar as abelhas,
que se demoram numa flor enquanto acham mel, e voam depois para outra.
Cumpre, além disto, saber que os frutos da meditação são
três: afetos, súplicas e resoluções; nisto é que consiste o proveito da oração mental. Assim, depois
de haverdes meditado uma verdade eterna, e ter Deus falado a vosso coração, é mister que faleis a
Deus:
1º. Pelos afetos, isto é, pelos atos de fé, agradecimento, humildade, esperança; mas repeti
de preferência os atos de amor e contrição. Conforme Santo Tomás, todo ato de amor nos merece
a graça de Deus e o Paraíso. O mesmo se deve dizer do ato de contrição. Eis aqui exemplos de atos
de amor:
— Meu Deus, eu vos amo sobre todas as coisas.
— Eu vos amo de todo o meu coração.
— Quero fazer em tudo vossa vontade.
— Muito me regozijo por serdes infinitamente feliz.

41
Para o ato de contrição basta dizer:

Bondade infinita, pesa-me de vos ter ofendido.

2º. É necessário também falar a Deus pelas súplicas, pedindo-lhe as luzes de que
precisamos, a humildade ou outra virtude, uma boa morte, a salvação eterna, mas
principalmente seu amor e a santa perseverança. E si nossa alma está em grande aridez, basta
repetirmos:

— Meu Deus, socorrei-me.


— Senhor, tende compaixão de mim.
— Meu Jesus, misericórdia!
— Ainda que nada mais fizéssemos, a oração seria excelente.

3º. É mister enfim falar a Deus pelas resoluções: antes de terminar-se a oração, cumpre
tomar alguma resolução particular, por exemplo, fugir de tal ocasião, sofrer o que parece nos
molestar em tal pessoa, corrigir-se de tal defeito, etc.

III. Enfim a Conclusão compõe-se de três atos:


1º. Meu Deus, eu vos agradeço as luzes que me destes.
2º. Proponho observar as resoluções que tomei.
3º. Peço-vos, por amor de Jesus e Maria, a graça de pô-las em prática.
Termina-se a oração por um Pai-Nosso e uma Ave-Maria, para recomendar a Deus as
almas do Purgatório, os prelados da Igreja, os pecadores, parentes e amigos.
S. Francisco de Sales aconselha notar algum pensamento que mais impressão nos faz na
oração, para o recordarmos de tempos a tempos durante o dia.
Além da oração, diz Santo Afonso, é utilíssimo fazer também, cada dia, uma Leitura
Espiritual por espaço de meia hora, ou ao menos de um quarto de hora, em algum livro que trate
da vida dos Santos, ou das virtudes cristãs.
Quantos há que foram convertidos e se tornaram grandes santos, por terem lido um livro
de piedade! Aí estão S. João Colombini, Santo Inácio de Loyola, e muitos outros.

42
Exercícios de Perfeição de Virtudes Cristã, Pe. Afonso Rodrigues.

TRATADO QUINTO
Da virtude da Obediência

Capítulo I
Excelência e valor da virtude da obediência

Melhor é a obediência do que as vítimas; e melhor é obedecer do que oferecer em sacrifício


gordura de carneiros. É muito sabida a história, a cujo propósito se disseram estas palavras, que
foi quando o rei Saul desobedeceu, pois, mandando-lhe Deus que destruísse a Amalec, sem deixar
coisa viva, ele guardou o melhor para sacrificar. Diz-lhe o profeta Samuel da parte de Deus:
Porventura quer Deus holocaustos e sacrifícios, e não que obedecemos ao seu mandamento? De
nenhum modo; porque melhor é a obediência que o sacrifício, e melhor é ouvir e obedecer a Deus
que oferecer-lhe abundantes carneiros. Fundados os Santos nesta passagem e em outras muitas da
Sagrada Escritura, onde se encarece muito a obediência, e a grande estima em que Deus a tem,
dizem muitos louvores desta virtude.
Santo Agostinho em várias partes vai perguntando por que razão impôs Deus ao homem
aquele preceito de não comer da árvore da ciência do bem e do mal. E responde que foi,
primeiramente para mostrar e dar a entender aos homens quão grande era a excelência e valor da
virtude da obediência, e quão grande mal é a desobediência. E bem se viu pelos efeitos, porque o
mal e o trabalho que se seguiu depois do pecado, não o causou a fruta da árvore, pois essa não era
má nem nociva por si mesma, antes boa, porque viu Deus que tudo quanto criou era muito bom; e
não havia ele de colocar no Paraíso coisa má. A desobediência, e o ter transgredido o mandamento
e ordem de Deus, esse é que foi o mal.
E assim, diz Santo Agostinho que não há coisa nenhuma com que se possa mostrar melhor
quão grande mal seja a desobediência, do que com ver o mal que veio ao homem, só por ter comido,
contra o mandamento de Deus, uma coisa que, se não fora proibido comer-se, não haveria nisso
mal algum, nem faria mal a ninguém. E nisto se descobre bem a culpa daqueles que por ser a coisa
leve, se atrevem a desobedecer e a faltar nela; porque não está o pecado na coisa material, mas só
na desobediência, e esta também a pode haver em coisas de pouco valor.
Dá Santo Agostinho outra razão disto, porque, tendo o homem sido criado para servir a
Deus, convinha que se lhe pusesse algum preceito, com o qual se lhe proibisse alguma coisa, para
que reconhecesse que tinha senhor, e se tivesse por súdito; porque, se não lhe proibissem ou
mandassem alguma coisa, não teria em que se pudesse sujeitar, e reconhecer que tinha senhor; e o
mesmo Deus quis que a virtude da obediência no homem fosse meio para reconhecer Senhor, e
merecer diante dele. Mas o Santo Doutor vai dizendo ainda muitos outros bens e louvores desta
virtude.
Uma das razões por que Deus se fez homem, diz, foi para nos ensinar e encomendar esta
virtude da obediência, dando-nos exemplo dela. Tinha o homem desobedecido até a morte; por

43
isso veio o Filho de Deus a obedecer também até à morte. Estava a porta do Céu fechada pela
desobediência de Adão; e abriu-se-nos pela obediência de Cristo.
Pois assim como pela desobediência de um só homem muitos se tornaram pecadores; assim
também pela obediência de um só, serão santificados muitos justos. E no prêmio e glória da
humanidade de Cristo, diz o Santo, nos quis também Deus mostrar o valor e merecimento da
obediência, coroando-a com tão sublimada glória, como diz São Paulo: Fez-se Cristo obediente
até a morte e morte de cruz; e por isso o exaltou Deus, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome,
para que ao nome de Jesus ajoelhem os céus, a terra e os infernos.
Muitas são as grandezas e excelências que dizem os Santos desta virtude; porém agora
somente diremos uma que para nós bastará, e é que a obediência é a principal e a mais própria do
religioso. Santo Tomás, que leva as coisas com rigor escolástico, trata esta questão: se o voto de
obediência é o principal dos três votos que fazemos na Religião. E responde que sim; e dá três
razões muito boas e proveitosas.
A primeira razão é porque pelo voto de obediência dá e oferece cada um mais a Deus, do
que pelos demais votos. Pelo voto de pobreza oferece o homem a Deus a sua fazenda e riquezas;
pelo da castidade oferece o seu próprio corpo: porém pelo voto de obediência oferece a sua
própria vontade e juízo; oferece-se a si mesmo inteiramente ao Senhor, o que é mais do que tudo
aquilo. Por isso diz São Jerônimo: Deixar o ouro e as riquezas é dos que principiam, e não dos
perfeitos; isso fizeram até muito filósofos, como Crates Tebeu e Antístenes. Porém, oferecer-se a
si mesmo, e entregar-se todo, é próprio dos cristãos e coisa apostólica, porque é imitar os apóstolos
que assim o fizeram. E a este propósito pondera muito bem o Santo Doutor que não disse Cristo
aos Apóstolos: “Em verdade vos digo que vós que deixastes todas as coisas, vos assentareis em
doze tronos”, senão: vós que me seguistes. Este seguir a Cristo é o mais perfeito; e nisto diz Santo
Tomás que se inclui o conselho evangélico da obediência; porque aquele que obedece, segue a
vontade e parecer de outro.
A segunda razão é porque o voto de obediência inclui e encerra em si todos os votos da
Religião; porém ele não está incluído nem contido nos outros votos: pois, ainda que os religiosos
se obriguem com particular voto a guardar a castidade e a pobreza, contudo estas virtudes também
caem debaixo da obediência, à qual pertence guardar estas e outras muitas coisas. E é isto tão
verdade, que algumas Ordens antigas, como a Cartuxa e a de São Bento, na profissão somente
fazem expressa menção do voto de obediência: Prometo obediência segundo a Regra, e debaixo
dela entendem-se compreendidos os votos de castidade e de pobreza, conforme os estatutos e o
costume da Ordem.
A terceira razão é porque uma coisa, quanto mais se encaminha e aproxima do seu fim, e
nos une mais com ele, tanto é melhor e mais perfeita. Ora a obediência é a que mais une e liga os
religiosos com o fim da sua Ordem, porque a obediência é a que lhes diz e manda que se exercitem
nas coisas que se ordenam para conseguir o fim da mesma Ordem; como a nós: que tratemos do
nosso próprio adiantamento e do dos próximos; que não nos descuidemos da nossa oração, nem
da nossa mortificação; que nos exercitemos em confessar e pregar, em ensinar a Doutrina Cristã,
e em todos os mais ministérios necessários para ajudar as almas; e assim nas demais Ordens.
Daqui infere e tira Santo Tomás uma conclusão muito importante, e é que o voto de
obediência é o mais essencial da Religião, e o que faz a um homem religioso, e o constitui no
estado de Religião; porque, ainda que um guardasse pobreza voluntária e castidade perpétua, e

44
ainda que disto tivesse feito voto, se não tem voto de obediência, ainda não é religioso nem está
em estado de Religião.

Figura 7. Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico.

45
A vida de Jesus
XXXIV
A TEMPESTADE.

A quinta onde se refugiou Maria, a Madalena, em Cafarnaum, está situada sobre uma pequena
colina que domina o lago, a pequena distância da do seu tio Samuel onde estou hospedado.
Várias vezes lhe tenho perguntado pela sua sobrinha e sempre me responde com um sorriso
prazenteiro, dando-me a entender que sua sobrinha não recebe visitas. Por este motivo ainda não
a visitei.
— Já não é a mesma — dizia-me Samuel — embora não o queira demonstrar. Vive
recolhida naquela mesma casa onde anteriormente dava reuniões quando vinha de Mágdala. Um
dos seus antigos amigos é um rico fariseu chamado Simão, que, segundo percebo, está muito
enciumado. Já veio diversas vezes procurá-la; ela, porém, se nega sempre a recebê-lo, o mesmo
acontecendo aos outros antigos conhecidos.
— E que faz ela agora?
— Vive a pensar em Jesus e a falar sobre ele com Joana, a mulher de Cuza, que a visita
frequentemente, e fica a contemplá-lo da janela sempre que Ele se dirige às turbas, da barca de
Pedro. Como muita gente o segue e o cerca aonde quer que vá, costuma tomar a barca, afastando-
a da margem, e dali dirige a palavra ao povo. Como o lago forma aqui uma pequena enseada, mais
gente pode ouvi-lo do que caberia na Sinagoga. Faz geralmente estas pregações ao cair da tarde,
depois de haver curado inúmeros enfermos. Então, já cansado, costuma adormecer, tendo um rolo
de cordas por travesseiro, enquanto os tripulantes se dedicam à pesca.
Deitava-se o sol por detrás das montanhas da Galileia. Samuel, levando-me à janela,
observou:
— Olha, ali vem Jesus.
Vi, com efeito, “o homem do albornoz branco” descendo da povoação para as margens do
lago, entre uma fila dupla de enfermos e gente pobre; a uns curava impondo-lhes as mãos, a outros
falava com carinho, abençoando de modo especial os pequeninos. Estes o acompanhavam
constantemente, apesar de se esforçarem seus discípulos por afastá-los para que não lhe
impedissem o caminho.
— Sempre com os pobres e enfermos! — disse eu.
— Sempre prodigalizando o bem e consolando os aflitos — acrescentou Samuel.
Bastante tempo demorou o Mestre a chegar à margem, e quando subiu à barca de Pedro,
este, dirigindo-se a multidão, disse:
— O Mestre está cansado e a noite se aproxima. Assim, pois, retirai-vos...
E assim falando deu ordem aos remadores que se pusessem em movimento, enquanto Jesus,
elevando as mãos ao céu, abençoava a multidão.
Caiu a noite, surgindo a lua em toda a sua plenitude por trás das montanhas de Basã. E a

46
barca de Pedro se afastou para o interior do lago.
— Dómine, trago-te uma visita, — disse Quarto, entrando.
Grande foi a minha surpresa ao ver Levi, o publicano, agora chamado Mateus.
— Imagina, Dómine, que me encontrei com meu bom amigo Mateus, e, perguntando-lhe
para onde se dirigia, respondeu-me que ia para o Kã público, a fim de lá passar a noite.
— Tu, Mateus, no Kã público? Acaso não tens casa própria em Cafarnaum?
— Tinha — respondeu sorrindo — mas agora já não é minha.
— Que aconteceu? Perdeste tua fortuna?
— Vendeu o que possuía — respondeu Quarto — e deu tudo aos pobres para seguir o
Mestre.
— É verdade — respondi — havia-me esquecido.
— Disse-lhe — continuou Quarto — que enquanto estiverdes aqui, tu e Samuel, teria ele
pousada segura, e por isso já o trouxe.
— Fizeste muito bem, Quarto; é claro que terá pousada segura!
— Muito agradeço — respondeu Mateus — tanto mais que poderemos falar do Mestre...
— E anotar outras profecias que se tenham cumprido — acrescentou Quarto.
Mateus sorriu e, sentando-se, começamos a falar de Jesus. Samuel, avisado da chegada do
novo hóspede, acorreu pressuroso a fim de cumprir para com ele todos os preceitos da
hospitalidade. Em seguida, avisou-nos que a ceia nos esperava.
Uma grande lâmpada de azeite de oliva de três mechas pendia do teto e iluminava a sala
de jantar, que, naquela noite, me pareceu particularmente sombria, talvez pelo rumo que tomou
nossa palestra enquanto ceávamos.
— Não reparaste — disse Mateus — no grande número de possessos que saem ao encontro
do Mestre?
— Tenho pensado nisso — respondi — e notei que o chamam: “Filho de Deus, Filho do
Altíssimo”, o que parece desagradar a Jesus, pois “os repreende e não os deixa falar...”
— Vou contar-te uma coisa que talvez não saibas — disse Mateus. Depois que o Mestre
foi batizado por João, “o Espírito o impeliu para o deserto para que fosse tentado pelo demônio. E
esteve no deserto quarenta dias e quarenta noites, sem comer nada naqueles dias e teve fome.”
— Lembro-me muito bem — interrompi — de que quando vi Jesus, depois de batizado,
dirigir-se ao monte, notei que uma névoa tenebrosa o envolvia.
— Havia perto da gruta, onde estava o Mestre, umas pedras redondas que se assemelhavam
muito, pela sua forma, ao pão. Então — prosseguiu Mateus — “aproximou-se dele o Tentador" e
disse-lhe: “Se és o Filho de Deus, dize a estas pedras que se convertam em pão...”
— Esta pergunta mostra claramente que o demônio não sabia se Jesus era ou não o Filho
de Deus, visto que lhe pedia um prodígio para confirmá-lo — observei. — E que lhe respondeu?
Converteu as pedras em pão como fizera com a água, transformando-a em vinho?
— Nada disso — continuou Mateus, — deu-lhe, ao contrário, uma lição, citando as

47
palavras do Deuteronômio (8, 3): Não só do pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da
boca de Deus.
— Onde estão estas palavras? — perguntou Quarto desenrolando seu pergaminho; — não
as encontro.
— Não é necessário — respondeu Mateus sorrindo. — “Depois, continuou, transportou-o
o Diabo à Cidade Santa de Jerusalém e o colocou sobre o Pináculo do Templo, dizendo-lhe: Se és
o Filho de Deus, lança-te daqui para baixo, porque está escrito que Deus mandou aos anjos
tivessem cuidado de ti e te guardassem e te sustivessem em seus braços, para não magoares, talvez,
o pé em alguma pedra...”
A primeira coisa que pensei ao ouvir aquilo, foi no meu tombo e na fratura da minha perna
no Pináculo, e imaginei que, se o demônio queria desfazer-se do Nazareno, não encontraria melhor
lugar para que ele desaparecesse do que caindo de semelhante altura. Assaltou-me, entretanto, uma
dúvida, e perguntei:
— Mas como pode o Demônio transportar alguém, com tanta facilidade, de um lugar para
outro?
— O Demônio — respondeu Mateus — é um Anjo decaído, e os Anjos têm poder para isso
e mais ainda. Lembra-te do que está escrito em Daniel (14, 35): “Então o anjo do Senhor tomou
Habacuc pelo alto da cabeça, e, tendo-o pelos cabelos, levou-o com a impetuosidade do seu espírito
da Judeia à Babilônia.” Ezequiel refere no capítulo 8º que “viu a figura de uma mão estendida que
o tomou por uma guedelha de sua cabeça e, levantando-o em espírito entre o céu e a terra, o levou
a Jerusalém...”
— Verdadeiramente extraordinário — disse. — E que respondeu Jesus?
— Derrotou-o, citando-lhe outro texto do Salmo 90 (11, 12): “também está escrito: não
tentarás ao Senhor teu Deus...”
— E como terminou esta luta com textos da Escritura? — perguntei.
— Com a derrota de Satanás — respondeu Mateus, — pois, tomando a Jesus, “levou-o a
um alto monte, e Lhe mostrou de relance todos os reinos da terra, e lhe disse: dar-te-ei todo este
poder e a glória destes reinos se, prostrado na minha presença, me adorares...”
Samuel interrompeu-o dizendo:
— Sem dúvida Satanás pensou que Jesus não era o Filho de Deus, pois doutra forma não
teria feito semelhante proposta.
— Mas então quem pensaria que fosse? — perguntei.
— Algum profeta — respondeu Samuel. — E, tentando frustrar sua missão, quis atraí-lo
para si, oferecendo-lhe tudo aquilo que, como a usurpador, lhe pertencia. Por este motivo chama-
se Satanás, o Príncipe do Mundo.
— E que lhe respondeu o Mestre? — perguntei a Mateus.
— Respondeu-lhe então Jesus: "Afasta-te de mim, Satanás, porque está escrito: Adorarás
ao Senhor teu Deus, e a Ele só servirás. E com isso, deixou-o o Demônio.”
— Vês — disse-me Samuel — como isso vem confirmar o que te disse outras vezes; se

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Jesus é o Messias, tem Satanás que lutar contra ele.
— Vejo que tens razão e desde já vou procurar analisar esta luta — respondi. — Vou pôr-
me no lugar de Satanás para poder interpretar sua conduta com relação ao Nazareno, na certeza de
que esta luta entre ambos deve existir...
Naquele momento, uma terrível rajada de vento abriu portas e janelas, apagou a lâmpada e
nos deixou às escuras. Seguiu-se uma série de trovões e relâmpagos, ouvindo-se nos intervalos o
rugir do furacão e o bramido das ondas enfurecidas que se quebravam nas margens do lago.
Lembrei-me da tempestade a que pessoalmente assistira, mas esta me parecia ainda mais violenta.
— O Senhor está no lago — disse Mateus.
— E certamente o Maligno — acrescentou Samuel — quer afogá-lo para se livrar da sua
presença...
Por longo tempo sucederam-se relâmpagos, vento e trovões. Repentinamente, como por
encanto, cessou a tempestade. Causou-nos verdadeiro espanto o fenômeno, parecendo-nos
estranho ver assim dissipadas num instante as nuvens pesadas e a brilhar novamente a lua sobre as
águas tranquilas do lago.

***
Na manhã seguinte levantei-me muito cedo, mas Mateus já me havia precedido e saíra com
Quarto em busca de notícias. Quando o sol começava a iluminar o horizonte, vi uma barca que,
tranquila, se aproximava da margem. Reconheci-a imediatamente: era a barca de Pedro. Da minha
janela vi Jesus descer, sendo recebido por Quarto, Mateus e outros discípulos, acompanhados de
diversas mulheres, que ansiosos inquiriam se nada lhe sucedera. Pouco depois chegou Quarto e
me disse:
— Boas notícias, Dómine; falei com Pedro e ele me contou o que ocorreu: Uma vez
despedida a turba e a barca posta ao largo, disse ontem o Mestre: “Passemos à outra margem do
lago. E, recostando-se, dormiu”. Continuamos a navegar tranquilamente à força de remos, pois
não havia o menor vento. Quando chegamos ao meio, começamos a pescar, como de costume, mas
repentinamente, formou-se uma tempestade de vento sobre o lago, e “arremessava as ondas dentro
da barca, de sorte que esta se enchia de água e estávamos em perigo. Entretanto, Jesus continuava
dormindo na popa sobre um travesseiro”. Aproximamo-nos dele e o despertamos, dizendo:
“Mestre, não te importa que pereçamos? Senhor, salva-nos, que perecemos. Então o Senhor nos
disse: Por que temeis, homens de pouca fé? E levantando-se increpou ao vento e à tempestade e
disse ao mar: Cala-te. E cessou o vento, e seguiu-se grande bonança
— “Onde está a vossa fé? disse-nos Ele. Acaso não tendes fé?..”
— Isto é admirável! — exclamei.
— E se visses como falavam todos os que presenciaram este fato! — prosseguiu Quarto.
— Aqueles homens, habituados ao mar, maravilhados e cheios de temor, diziam: “Quem vos
parece que seja este que assim manda aos ventos e ao mar, e eles lhe obedecem?”
Refletindo eu, então, no que se passara com Natanael e comigo mesmo, respondi: — Não
me admiro em absoluto que Jesus acalme com sua palavra os ventos do mar; não amainou ele, só
com o olhar, a tempestade tremenda da minha alma?

49
Semana 2
Doutrina Sagrada
VIRTUDES
O que é a fé?
A fé é uma virtude sobrenatural dada por Deus, pela qual cremos em Deus e em tudo aquilo
que Ele revelou à Santa Igreja Católica e ao que ela nos propõe crer.
1º) A palavra fé tem vários significados. Umas vezes usa-se para exprimir as verdades que
se creem; outras vezes significa confiança, e ainda outras usa-se para exprimir uma vida inspirada,
dirigida, regulada pelos princípios e máximas da mesma fé. Aqui, porém, emprega-se no seu
significado próprio e verdadeiro, que é a adesão firme, inabalável, da inteligência às verdades que
Deus nos revelou e que, por isso, se creem firmemente. Deus não propõe, diretamente, a cada um
de nós as verdades que Ele revelou; as propõe por meio da Igreja. Este meio, escolhido por Deus,
é convenientíssimo.
2º) Pela virtude da fé que Deus nos infundiu na alma, nós, pela autoridade d’Ele, isto é,
fundados em sua autoridade, sabedoria e veracidade, acreditamos que é verdadeiro tudo quanto
Ele revelou e nos propõe para crer por meio da Igreja. Por isso crer é ter por verdadeiro o que Deus
nos propõe para crer, por meio da sua Igreja; e tê-lo por verdadeiro, não porque o entendamos com
a nossa inteligência, mas unicamente pela autoridade de Deus que o revelou.
3º) A fé, como virtude infundida por Deus em nossa alma, é a fé habitual.
“Lanças no jardim ou num campo uma semente qualquer; pões numa amassadura de farinha um
pouco de fermento; enxertas uma árvore. Que foi que fizeste? Lançaste um princípio novo, uma
força nova no jardim, ou no campo, na amassadura de farinha ou na árvore; princípio e força
que ficam lá... que desenvolverão lá com estabilidade novos efeitos... Faze de conta que a fé é
esta semente, este fermento, ou enxerto que Deus misericordioso lançou na tua alma e que nela
permanece. Aplica a semelhança... Assim como Deus, sem nenhum merecimento teu, te deu os
olhos e com os olhos a força de veres as coisas, a inteligência e a força de conheceres, assim,
sem nenhum merecimento teu, te deu a fé e com a fé a potência, a força de creres na sua
palavra, que te é anunciada pela Igreja; e da mesma maneira que nenhum homem pode dar a si
mesmo a existência ou merecê-la, porque antes de existir nada pode fazer, assim também
nenhum homem pode dar ou merecer-se a si mesmo a fé porque ela é o princípio e a raiz da vida
espiritual.”
Mons. Geremia Bonomelli
A fé é absolutamente necessária para obter a salvação, porque “sem a fé é impossível
agradar a Deus” (Hb 6, 6). Na criança basta que seja habitual; no jovem e adulto deve conservar-
se sempre habitual, mas deve ser também atual, ao menos para algumas verdades e em
determinadas ocasiões. Além disso, no jovem e adulto a fé deve ser: firme, isto é, deve-se crer
com vigor e sem hesitação nas verdades da fé, sem exclusão alguma; operosa, isto é, as obras
devem estar conforme a fé professada, porque “a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma...
bem como um corpo sem espírito é morto, assim também a fé sem obas é morta” (Tg 2, 17.26).

50
Prática
Ponderai que com o ato de fé rendeis a Deus uma grande homenagem, pois protestais crer
firme na autoridade d’Ele. A qualidade da fé que em geral mais nos falta é a “operosidade”. De
fato, pode-se dizer que creia em Deus Pai quem não o ama, mas o ofende? Que creia no Inferno
quem comete pecado? Que creia na divindade da confissão quem se deixa ficar tranquilo em estado
de culpa? Que creia em Jesus sacramentado quem não o recebe quase nunca ou se em Sua presença
não tem respeito? Que creia, enfim, no Paraíso quem nada faz para o merecer? E o que vos diz a
voz da consciência? Que vos lembra a memória? Que fareis e como vivereis para o futuro?

“O homem justo vive pela fé (cfr. Rom 1, 17), é como uma


parreira carregada de cachos de uvas: espalha à sua volta
o bom odor das suas virtudes e a abundância das suas
obras. Mas aquele que vive sem Deus é como uma cepa
morta que só estorva e que tem que ser arrancada e
lançada ao fogo.”
São João Maria Vianney

Figura 8. São João Maria Vianney.

O crente
Nós vemos aquilo que conhecemos por nós mesmos; cremos naquilo que sabemos por meio
dos outros. Quando alguns dizem: “Eu não creio em nada!” proferem uma frase tão absurda como
se dissessem: “Eu sei tudo o que pode ser sabido” ou então “Eu não sou um ser humano”. De fato,
enquanto vivermos neste mundo, quer queiramos quer não queiramos, é muito mais aquilo que
cremos do que aquilo que vemos: não temos ciência própria da milionésima parte das coisas que
conhecemos, todo o resto acreditamos pela fé.

Quem crê em Deus é crente


O motivo da sua fé é este: Deus o disse! O crente contenta-se com este motivo, que é
superior a tudo, e ao mesmo tempo, quem se vai instruindo tem o prazer de verificar quão racionais
são as coisas em que ele crê. Suponhamos que um naturalista nos passa para a mão um pedaço de
mineral bruto, dizendo “Isto é ouro”. Nós acreditamos na sua palavra e, se nos empregarmos com
amor e constância em trabalhar, veremos que o metal precioso irá se manifestando pouco a pouco
e lança sobre nós o seu brilho. Da mesma maneira sucede com as verdades da fé.

51
Quantas belezas antes escondidas se manifestam com o estudo das verdades reveladas! Que
campo vastíssimo elas oferecem às elucubrações da inteligência do homem! Os maiores talentos
e até os maiores gênios têm multiplicado volumes sobre volumes para sondar os abismos da fé
revelada e proporcionar a todos os crentes as alegrias mais puras que nos são dadas gozar sobre a
face da Terra.

52
Amizade com Deus
TRATADO QUINTO
Da virtude da Obediência

Capítulo II
Necessidade da virtude da obediência

O glorioso São Jerônimo exortando os monges a obedecer ao seu superior, para mais os
persuadir, vai mostrando com muitos exemplos a necessidade que temos de seguir e obedecer em
tudo a um superior. Nos governos seculares vemos que há um Imperador, ou um Rei, ou um
governador supremo de uma província. Roma, quando se fundou, nem os irmãos puderam sofrer
juntamente como reis, mas um matou ao outro. Jacó e Esaú, estando ainda no ventre materno,
pelejaram entre si sobre qual havia de nascer primeiro. Na hierarquia eclesiástica vemos que tudo
se reduz a um Vigário de Cristo, e em cada distrito ou diocese eclesiástica, vemos que há um só
bispo ou prelado. E assim em todas as coisas vê-se que é necessária esta subordinação e sujeição
a um superior.
Em um exército por grande que seja, sempre há um capitão general, a quem todos
obedecem; e em cada navio há um capitão. E seria grande desordem e confusão para os que
navegam, e nunca chegariam ao porto, se cada um quisesse governar e encaminhar o navio
conforme o seu parecer, e não tivessem um capitão a quem todos pudessem seguir. Ainda na mais
mínima casa, embora seja uma pobre choupana, é necessário que haja um a quem os mais
obedeçam; e quando não há isto, não se pode conversar nem durar muito, nem a casa, nem a cidade,
nem o reino. Todo o reino dividido entre si, será assolado e destruído; e assim vemos isto mesmo
em todas as coisas, não só nas criaturas racionais, entre os homens e entre os Anjos (nos quais há
subordinação de uma hierarquia a outra), mas também entre os brutos animais, que têm o seu
capitão e guia a quem seguem.
As abelhas têm as suas mestras, e uma é a principal e a rainha a quem todas reconhecem e
obedecem. Até os grous se ajuntam em esquadrão para caminhar, e se dispõe, em ordem, fazendo
uma letra, que é um Y grego; e assim vão seguindo todos o primeiro no seu voo. Os céus também
estão debaixo de um primeiro móvel, e seguem o seu movimento, conforme dizem os filósofos. E
para não causar fastio com mais exemplos, diz São Jerônimo, o que eu desejo que tireis de tudo
isto, é que entendais quanto vos convém viver debaixo da obediência de um superior, em
companhia de muitos irmãos religiosos, servos de Deus, os quais com o seu exemplo vos ajudem
e animem a conseguir o vosso fim.
Ainda que o nosso bem-aventurado Padre Inácio quer que em todas as virtudes e graças
espirituais cresçamos, nesta especialmente nos pede grande perfeição; e deseja que, assim como
as outras Ordens, umas se assinalam e avantajam na pobreza, outras nas muitas penitências e
asperezas, outras no coro, e outras na clausura: assim nós sejamos na virtude da obediência, e que
todos procuremos assinalar-nos e esmerar-nos nela, como se desta só virtude despendesse todo o
bem. E com muito razão nos pede isto nosso Padre; porque o fim, depois do próprio
aproveitamento, é o aproveitamento dos próximos e ajudar a salvação das almas em todo o mundo;

53
e assim nos hão de estar dispostos e apercebidos, e sempre ponto para irem por todo esse mundo
a exercitar os seus ministérios, como soldados de cavalaria ligeira, para acudir a maior necessidade.
E este é o fim que fazemos, por exemplo, para obedecer ao Sumo Pontífice.

54
A vida de Jesus
XXXV
CURAS

O Clã de Nazaré não desistiu de atrair Jesus para suas fileiras, apesar da constante oposição
dos inimigos.
“Estava Jesus falando ao povo quando chegaram sua mãe e seus irmãos com desejo de
falar-lhe”. Estes eram os irmãos do Clã, que rogaram a Maria, mãe de Jesus, que os acompanhasse
para dar maior força à sua petição e, tendo por certo o êxito, o contavam entre os irmãos. Viam o
prestígio que dia a dia ganhava Jesus ante as turbas e tornaram à cena, com o intuito de conquistá-
lo. “Por causa da multidão que se acumulava em torno dele, não puderam aproximar-se, mas,
chegando à porta, destacaram um para chamá-lo”. Embora nem todos pudessem entrar, muitos o
teriam podido fazer, mas preferiram permanecer do lado de fora para mostrar seu número elevado
e, consequentemente, sua influência, pois que com eles vinha Maria. Enviaram, então, um dos
confrades do Clã que lhe disse: “Olha que tua mãe e teus irmãos estão aí fora e desejam ver-te”.
Jesus, como de costume, estava rodeado de numerosos discípulos. Dirigindo-se então ao
mensageiro, perguntou-lhe: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos? E olhando para os seus
discípulos que estavam sentados à sua volta, estendendo as mãos sobre eles, disse: Eis aqui minha
mãe e meus irmãos”. E para que compreendessem qual era seu pensamento, acrescentou: “Porque
todo aquele que fizer a vontade do meu Pai, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.
Estas últimas palavras deram-me a entender, claramente, que Jesus tencionava fundar
alguma coisa, um Clã ou o que fosse, com um fito muito diverso dos demais, e ao qual poderiam
pertencer não somente os homens, mas também as mulheres que o desejassem. Isto, unido às
palavras que não saíam dos seus lábios: “O Reino dos Céus”, fez-me suspeitar que seria este o
título do seu novo Clã, e resolvi aprofundar-me nos planos ocultos de Jesus sobre este
interessantíssimo ponto.

***
Outra comissão veio procurá-lo. Há tempos não ouvia eu falar de João, que continuava
preso em Maqueronte. Como só acontece nas horas de desgraça, a maior parte dos seus discípulos
o abandonara, uns para seguir a Jesus e outros por covardia. Só um pequenino grupo permanecia
fiel ao Precursor. Este, pressentindo próximo o seu fim, e querendo que os discípulos que lhe
restavam se persuadissem de que terminada estava a sua missão e que deviam seguir a Jesus,
encarregou dois dos seus amigos que fossem vê-lo e lhe perguntassem: “És tu aquele que há de
vir, ou devemos esperar outro?”
Para o Batista não havia dúvida, pois ele mesmo já muitas vezes dissera, designando o
Nazareno: “Eis aqui o Cordeiro de Deus, que tira os pecados do mundo. Este é aquele de quem
disse: depois de mim virá aquele que foi formado antes de mim... Eu o vi e dou testemunho de que
este é o Filho de Deus”.

55
Tão elevada ideia fazia de Jesus, que, ao enviar-lhe seus discípulos, não lhes dissera: ide e
observai o que faz ou que doutrina prega; mas quis que lhe perguntassem, pessoalmente, se “Ele
era aquele que devia vir ou se deveriam esperar outro”. Pois assim como João, tendo sido
interrogado se ele era o Cristo, respondera com toda humildade e franqueza que não o era, do
mesmo modo, estava certo, Jesus responderia a verdade. Seu testemunho lhe bastava. Se dissesse
sim, não teriam eles mais que duvidar.
Chegaram, pois, os dois fiéis discípulos do Batista e seguiram Jesus. Desde logo observei
que o Nazareno multiplicava seus prodígios, consistindo em curas extraordinárias; com maior
insistência, porém, pregava aos pobres.

***
Tenho verdadeira satisfação quando Mateus renova suas visitas. Sempre que me vem ver,
traz notícias fidedignas do Mestre. Esteve, pois, aqui mais uma vez o bom amigo, acompanhado
de Tomé e Ben Messa, os quais haviam sido testemunhas do que vou contar.
— “Entrando em um sábado na Sinagoga — disse Mateus — pôs-se o Mestre a ensinar,
segundo seu costume:’
— Reparei — interrompeu Ben Messa — que havia ali diversos fariseus que
constantemente o espreitavam, anotando suas palavras e examinando suas ações.
— Era um sábado? — perguntei.
— Sim — respondeu Tomé.
— Já imagino que o Mestre terá dado outra lição a esses senhores que ficaram tão
revoltados com a história das espigas... — disse eu.
— Foi uma lição magnífica — concordou Ben Messa. — Haviam-me levado um homem
para examinar, o qual tinha uma mão paralítica, ou ressecada, como diz o povo. Era um caso
autêntico das consequências da paralisia infantil. Aquele homem, quando criança, sofrera aquela
terrível enfermidade e, tendo crescido, os outros membros se desenvolveram normalmente, ao
passo que a mão ficara atrofiada e do mesmo tamanho que era ao contrair a moléstia. E’ claro que
o declarei incurável. Ouviram minha opinião alguns fariseus e, certos do fracasso do Mestre,
levaram o homem à Sinagoga. Era sábado, e ao apresentá-lo ao Mestre, pensavam que Ele
pretenderia curá-lo, embora sem o conseguir, violando, de qualquer maneira, segundo diziam, a
lei do sábado. Se o deixasse como estava, compreendendo que o não poderia curar, redundaria o
fato em desabono do Mestre, pois o povo se persuadiria de que o poder de Jesus não era tão grande
como diziam...
— E que aconteceu? — perguntei intrigado.
— Deixo Mateus contar-te — falou Tomé.
— "Havia na Sinagoga um homem — principiou Mateus — que tinha a mão direita
ressecada. Espreitavam Jesus os escribas e fariseus, para ver se o curaria no sábado, encontrando
assim do que o acusar. E perguntavam-lhe: e lícito curar em dia de sábado?”
— E o curou? — insisti.
— O caso foi verdadeiramente espetacular e eu estava mais interessado do que ninguém,
visto ter declarado incurável o rapaz — disse Ben Messa.

56
— “Mas o Mestre — prosseguiu Mateus — penetrava os pensamentos dos seus inimigos e
disse ao homem da mão seca: levanta-te e coloca-te no meio.”
— Formávamos um grande círculo em torno do enfermo — disse Tomé.
— Estando o homem em pé diante de todos — continuou Mateus — Jesus, encarando seus
adversários, perguntou-lhes:
— “É lícito no sábado fazer bem ou mal? Salvar a vida ou perdê-la?”
— Muito bem! — exclamou Quarto, ainda pensando na sua dor de dentes.
— E o partido contrário, que disse? — interroguei.
— Calavam-se — disse Mateus. — Então o Senhor continuou: “Que homem haverá entre
vós que, tendo uma ovelha, e caindo-lhe esta, em dia de sábado, numa cova, não lhe lance a mão
para tirá-la?”
— Muito bem respondido! — exclamei.
— "Então Jesus — continuou Mateus — disse: Ora, quanto mais vale um homem do que
uma ovelha! portanto, é lícito praticar o bem em dia de sábado...”
— Que te parece a resposta? — disse-me Ben Messa; — mas espera o final.
— “Então o Mestre — terminou Mateus — olhando para seus adversários e triste com a
cegueira dos seus corações, disse ao homem: Estende a mão; ele a estendeu e esta lhe foi restituída
sã, como a outra...”
— Quer dizer que a curou? — perguntei a Ben Messa.
— Não há a menor dúvida, — respondeu-me. — E note que foi tudo questão de um instante.
Não lhe aplicou remédio algum, nem sequer a tocou. Sua palavra foi suficientemente poderosa
para que a paralisia de muitos anos, ou melhor, a atrofia, desaparecesse instantaneamente. Não há
remédio que faça isto.
— E o que fizeram os fariseus? — indaguei.
— “Cheios de cólera — disse Mateus — saíram dali e foram consultar os herodianos,
deliberando a maneira de matá-lo.”

***
— Se este caso te deixou tão surpreendido, como também a mim, vou contar-te outro, não
menos notável, que me acaba de descrever um médico chamado Lucas — disse Ben Messa.
— Do que se trata agora? De outro paralítico? De algum possesso? De um leproso?... —
perguntei-lhe.
— Epiléptico?... — disse Quarto, que se achava atrás de mim.
Ben Messa prorrompeu numa boa gargalhada, que me fez rir também.
— Não — disse o Rabi médico — o caso é completamente fora do comum. Trata-se da
ressurreição de um morto.
— De um morto? — disse eu, entre admirado e incrédulo.
— Tenho o caso anotado no meu livro de apontamentos — continuou Ben Messa — e vou

57
citar-te as palavras de Lucas, que é também médico. Assim falou ele:
— “Dirigindo-se Jesus, acompanhado de seus discípulos e enorme multidão, de Cafarnaum
para uma cidade chamada Naim, encontrou, logo à chegada, um cortejo fúnebre que levava a
enterrar o filho único duma pobre viúva, à qual acompanhavam muitas pessoas da cidade.”
— Lembro-me de ter visto um enterro naquela mesma cidade — disse eu.
— “Assim que o Senhor viu a viúva — continuou — movido de compaixão para com ela,
disse-lhe: Não chores. E, aproximando-se, tocou no esquife, fazendo parar os que o levavam. E
disse Ele: Jovem, eu te ordeno, levanta-te. Imediatamente se levantou o morto e começou a falar.
E Jesus o entregou a sua mãe." Que dizes disto? — perguntou-me Ben Messa.
— E tu que achas? — disse eu.
— Apenas te direi o que diziam aqueles que tal prodígio presenciaram: “a multidão
admirada, penetrada de grande temor, glorificava a Deus, dizendo: um grande profeta se levantou
entre nós, e Deus visitou o seu povo...”
— O feito — falei — não pôde deixar de chamar a atenção de todos, pois que as duas
ressurreições de mortos operadas pelos grandes profetas Elias e Eliseu, seu discípulo, foram muito
menos extraordinárias. O primeiro tomou o morto, que era o filho da viúva que sustentava o
profeta, “o pôs em cima do seu leito e clamou ao Senhor, e disse: Senhor, meu Deus, faze, eu te
rogo, que a alma deste menino volte ao seu corpo. E o Senhor ouviu a voz de Elias e a alma do
menino voltou a ele e ele recuperou a vida”. Eliseu, depois que Giezi, seu criado, não pudera
ressuscitar o filho da Sunamita, teve que “subir à cama onde jazia o defunto, pôr a sua boca sobre
a boca do menino, e seus olhos sobre os olhos dele; e encurvou-se sobre ele, e a carne do menino
aqueceu-se e recobrou a vida”.
— Pois Jesus não fez nada disto. Falou no próprio nome e mandou o morto levantar-se. A
ordem do Mestre foi suficiente para fazer o morto voltar à vida — disse Ben Messa.
— Sua voz, sua voz, — exclamei, — é onipotente... contudo, por mais maravilhosas que
sejam as obras do Nazareno, o que mais me impressiona n’Ele é sua doutrina admirável, pois fala
como ninguém jamais falou, e seu olhar penetra até ao âmago dos corações.
— Os dois discípulos de João, que tudo haviam presenciado — prosseguiu Ben Messa —
estavam pasmos. Aproximando-se então do Mestre, fizeram-lhe a pergunta de que lhes havia
incumbido o Batista: “És tu o que deve vir ou esperamos outro?”
— E que lhes respondeu? — perguntei, contendo a respiração.
— Foi sublime a sua resposta — falou Ben Messa comovido. — Continuou Jesus curando,
à vista de todos, inúmeros enfermos, cegos e coxos. Voltando-se depois para os que esperavam
sua resposta, lhes disse:
— “Ide contar a João as coisas que acabais de ver e ouvir: os coxos andam, os leprosos
tornam-se limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciado o
Evangelho...”
— Isto! Isto mesmo! — exclamei com o maior entusiasmo. — Os pobres são
evangelizados. Este é para mim o sinal inequívoco de que Jesus é “aquele que há de vir...” e graças
dou ao céu por já ter vindo, pois que meus olhos O puderam contemplar.

58
Semana 3
Doutrina Sagrada
VIRTUDES

Onde se encontram as verdades reveladas por Deus?


As verdades reveladas por Deus encontram-se na Sagrada Escritura e na Tradição.

O que é a Sagrada Escritura?


A Sagrada Escritura é a coleção dos livros escritos por inspiração de Deus no Antigo e no
Novo Testamento, e recebidos pela Igreja como obra do mesmo Deus.
1º) O que Deus revelou, isto é, fez conhecer para que o homem o creia, e que nos propõe
por meio da Igreja, conserva-se na Sagrada Escritura e na Tradição. Deus, revelando aquilo que
queria que o homem conhecesse ou para ele o acreditar (verdades de fé) ou para que ele o praticar
(deveres morais), quis que essa revelação ficasse depositada de um modo seguro e estável ou na
Sagrada Escritura ou na Tradição.
2º) A Sagrada Escritura não é um livro só, mas a coleção de muitos livros, isto é, dos
livros escritos por inspiração de Deus no Velho e no Novo Testamento, ou seja, antes e depois da
vinda de Jesus Cristo, e recebidas pela Igreja como obra de Deus. Nós, efetivamente, sabemos
pela Igreja que esses livros são divinamente inspirados.
Os livros divinamente inspirados, que foram escritos por inspiração de Deus, têm dois
autores: Deus inspirador e um homem escritor. O homem que escreve por inspiração de Deus não
escreve como sob um ditado, de maneira a ele limitar a sua obra puramente à parte material, como,
por exemplo, nós fazemos quando nosso mestre nos dita qualquer escrita.
A inspiração consiste em que Deus:
A) Move eficazmente um escritor, ainda quando este é determinado a escrever por
circunstâncias humanas.
B) Ilumina-lhe a inteligência para que ele recolha com exatidão aquelas coisas que Deus
quer.
C) Assiste-lhe para que não omita nem acrescente nada ao que Ele quer que seja escrito e,
especialmente, para que não incorra em nenhum erro.
De modo que o livro é obra de Deus no conteúdo, e obra do homem como escrito e pela
forma literária.
Deus não pretendeu com a Sagrada Escritura nos ensinar a ciência natural, mas, sim, o
caminho da salvação; por isso, quando ela fala de coisas científicas ou naturais é para um fim mais
nobre, e fala delas não usando da linguagem científica, a qual nos tempos passados não seria
compreendida em grande parte, nem mesmo hoje o seria plenamente. Para alcançar a ciência, o

59
homem tem o estudo; porém, na Sagrada Escritura, tem um meio de conhecer, amar, servir a Deus
e alcançar a salvação.
3º) A Sagrada Escritura é a coleção dos livros recebidos pela Igreja como obra do mesmo
Deus. Deus não disse diretamente a cada um de nós quais são os Livros Sagrados, mas nos ensinou,
por meio da Igreja, a quem confiou o patrimônio sagrado da revelação e a quem constitui mestra
da verdade.
A divindade da Igreja, da qual recebemos a Sagrada Escritura, demonstra-se pela razão, ou
seja: pela sua miraculosa propagação e conservação no meio de tantas lutas, pelos milagres nela
operados, etc. Aqui nos limitamos em observar que todas as “provas que a Igreja apresenta da sua
origem divina e da sua missão, conferida por Jesus Cristo, foram examinadas, discutidas e
reconhecidas como claras, indubitáveis e evidentes por cinquenta gerações e por um grande
número de pessoas eruditas, em que a ciência, o talento, a honestidade, e até a santidade,
admiravelmente se aliavam. Sabemos que milhões de homens viveram no seio desta Igreja e que
deram por ela a vida entre os mais atrozes tormentos. Quem poderá, pois, duvidar do seu ensino,
sem fazer ultraje à sua própria razão?”10

Prática
Tenha o maior respeito pela Sagrada Escritura e, especialmente, pelo Evangelho – Leia
muitas vezes, com ardente fé e com devoção, alguma página do Evangelho, que deveria ser o
primeiro livro de todos os fiéis.

Mártires da Sagrada Escritura


O respeito à Sagrada Escritura foi sempre
grande entre os fiéis, que pelos Livros Sagrados
sacrificavam a própria vida ao invés de
abandonarem à profanação dos infiéis. No edito da
perseguição pública, no ano de 303, Diocleciano
exigia que os cristãos entregassem os Santos Livros
e os Vasos Sagrados. São Félix, bispo africano,
recusando obedecer às ordens do Imperador, foi
preso na África e de lá transferido para a Sicília, a
fim de perder a sua constância com os rigores do
cativeiro. Como permanecesse inflexível, foi
conduzido a Venosa, na Apúlia, para aí receber a
coroa do martírio. Intimando-lhe o juiz pela última
vez que entregasse os Livros Santos, ele respondeu:
Antes quero ser queimado vivo do que por
minha causa ser lançado no fogo o Volume das
Santas Escrituras. Figura 9. Afresco das Catacumbas de Comodila
retratando a Virgem com o Menino ladeada por São
Félix e Santo Adauto.

10
Bonomelli, Misteri Cristiani, vol I. p. 271.

60
Ditas estas palavras, foi-lhe decepada a cabeça.
Santo Eupílio, diácono da igreja da Catânia, tinha recusado entregar os Livros Santos. O
juiz chamou-o à sua presença e perguntou-lhe a razão por que, rebelde ao edito do imperador, não
os queria entregar. O Santo Mártir respondeu-lhe:
Isso seria um crime: estes Livros contém a Vida Eterna, e quem os entregar aos
profanadores torna-se indigno da Vida Eterna.
Irritado pela sua constância, o juiz mandou-o para a tortura e, por último, matar à espada.

Visão de Ezequiel sobre os quatro Evangelistas


Entre os Livros da Escritura, estão em primeiro lugar os quatro Evangelhos: são seus
autores São Mateus, São Marcos, São Lucas e São João. É opinião unânime dos Santos Padres que
os quatro Evangelistas são figurados por quatro Querubins, que, com as asas abertas, transportam
o carro misterioso da glória de Deus. Cada um dos quatro Querubins, descritos em Ezequiel e no
Apocalipse de São João, tem uma forma diversa: o primeiro apresenta a figura de um homem, o
segundo de um leão, o terceiro de um boi e o quarto de uma águia que voa. O rosto do homem
indica São Mateus, que começa o seu Evangelho com a genealogia de Jesus Cristo como homem;
o leão indica São Marcos, que começa com este brado de São João Batista: “Fazer penitência,
porque se aproxima o Reino de Deus”, brado que ressoou como um poderoso rugido no deserto.
O boi indica São Lucas, que no princípio de seu Evangelho fala do sacerdócio de Aarão, figurado
pelo boi, holocausto da Antiga Lei. Finalmente, a águia representa São João, que começa o seu
Evangelho pelas alturas mais inacessíveis da divindade, para nos expor a geração eterna do Verbo,
dizendo: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”.

Figura 10.

61
Amizade com Deus
TRATADO QUINTO
Da virtude da Obediência

Capítulo III
Da obediência cega

Dizia o nosso bem-aventurado Padre Inácio que assim como na Igreja militante abriu Deus
Nosso Senhor dois caminhos aos homens para se poderem salvar, um comum que é o da guarda
dos Mandamentos, outro que acrescenta a este os Conselhos Evangélicos, que é próprio dos
religiosos; assim na mesma Religião há dois gêneros de obediência, um imperfeito e comum, outro
perfeito e completo, no qual resplandece a força da obediência, e a perfeita virtude do homem
religioso.
A obediência imperfeita, diz, tem olhos, mas para seu mal; a obediência perfeita é cega,
porém nesta cegueira consiste à sabedoria. Uma forma juízo do que se lhe manda; a outra não.
Aquela inclina-se mais a uma parte que a outra; esta nem a uma nem a outra, porque sempre está
direita como o fiel da balança, e igualmente disposta e preparada para todas as coisas que lhe
mandarem. A primeira obedece no exterior, e resiste com o coração, e assim não merece o nome
de obediência; a segunda executa o que lhe mandam, e sujeita o seu juízo e vontade, à vontade e
juízo dos superiores, tendo por bom o que é mandado por eles, e não busca razões para obedecer,
nem segue as que se lhe oferecem, mas só obedece por esta consideração: que aquilo é obediência.
Esta é a obediência cega tão usada e comandada pelos Santos e mestres da vida espiritual.
Não se chama cega porque hajamos de obedecer em qualquer coisa que nos mandarem, seja ou
não seja pecado, pois isso seria erro, como expressamente o declara nosso Padre nas Constituições:
mas chama-se cega, porque em todas as coisas onde se não vir pecado, havemos de obedecer
simplesmente, sem inquirir nem buscar razões do que nos mandam, pressupondo que o que se
manda é santo e conforme a divina vontade, e contentando-nos só com esta razão: que é obediência
e ordem do superior. E assim, Cassiano chama a esta obediência sem discussão e sem exame;
porque não haveis de disputar nem examinar porque nem para que, mas obedecer simplesmente
ao que vos mandarem.
Diz São João Clímaco: A obediência é obra sem exame, morte voluntária, vida sem
curiosidade, resignação do próprio juízo e discrição, não sem grande discrição. Tratando São
Basílio como Cristo Nosso Redentor encomendou a São Pedro que apascentasse as suas ovelhas e
nele a todos os superiores que dirigissem seus súbditos, diz que assim como as ovelhas obedecem
ao seu pastor, e vão pelo caminho que ele quer: assim o religioso há de obedecer ao seu superior,
e ir pelo caminho que ele manda, com muita simplicidade, como ovelhinha dócil, sem inquirir nem
investigar o que lhe mandam.
Desta obediência cega trata muito bem São Bernardo; e diz que esta é a perfeita obediência:
A perfeita obediência especialmente no que principia, há de ser indiscreta. “E sabeis, diz, em que
sentido lhe chamo indiscreta? Da vossa parte há de ser indiscreta, isto é, de modo que não queirais

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vós discernir nem examinar para que ou porque me mandam fazer isto, senão que a olhos fechados,
com humildade e confiança obedeçais, não por outra razão senão porque vo-lo mandam”.
Caro custou a nossos primeiros pais o querer inquirir e examinar a razão do que se lhes
tinha mandado. Por aí entrou e os derrubou o demônio, e esse foi o princípio de todo o seu mal e
do nosso. Perguntou-lhes a serpente infernal: “Porque é que vos mandou Deus que não comêsseis
de todas as árvores do Paraíso? Respondeu Eva: Para que não morramos. Tinha-lhes Deus dito
determinadamente que, se comessem daquela árvore, morreriam: e já Eva o põe em dúvida,
parecendo-lhe que a sentença de Deus não seria absoluta, mas só indimidação ou uma ameaça,
disposição manifesta para ser enganada, como foi. Diz-lhe então o demônio: Andai, que não haveis
de morrer; antes, se comerdes do fruto desta arvore, sereis como deuses, e sabereis do bem e do
mal: e por isso vos mandou Deus que não comêsseis para que não chegásseis a saber tanto como
ele.
Eva deixou-se levar pelo apetite de subir e ser mais do que era, e não só comeu, mas
também fez com que Adão comesse. Puseram-se a inquirir e a examinar a causa daquela
obediência, e daí vieram a comer e a desobedecer, e finalmente a ser expulsos do Paraíso.
Morreram logo de morte espiritual, porque pecaram mortalmente, e depois de morte corporal. E
como por aqui lhe foi tão bem ao demónio e teve tão boa ocasião, acomete-nos a nós muitas vezes
pelo mesmo caminho. E disto nos previne e avisa o Apóstolo São Paulo, dizendo: Temo não vos
faça cair, e perder a santa simplicidade. Guardai-vos da serpente; não a tomeis pela cabeça, porque
vos morderá; tomai o que vos mandam pelo cabo, e a letra, executando-o sem inquirir, nem
examinar o porquê nem o para que, e deste modo servir-vos-á a obediência de norma e regra do
que haveis de fazer.

63
A Vida de Jesus
XXXVI
MAQUERONTE

S UCEDEU, finalmente, o que devia suceder. Eu, sem ser profeta, o previ quando escutei a
ameaça de Herodíades ao Batista: “João, disse-lhe ela, repara bem na esposa do Rei
Herodes, e recorda-te das suas feições; em breve nos veremos”. Não foi tão depressa, é
verdade, pois um ano já decorrera, mas a vingança chegou por fim e foi... vingança de mulher,
admiravelmente bem planejada. Deixo a Cuza, mordomo de Herodes, que nos relatou, o descrever
todos os pormenores do terrível e sublime drama da morte de João Batista.
— Sem dúvida te recordas — disse-me Cuza — das circunstâncias da prisão do Batista.
— Lembro-me de que foi à entrada de Tiberíades, a pedido de Herodíades, e que o levaram
para Maqueronte.
— Isto de levá-lo para Maqueronte foi obra minha, pois pensei que, tirando-o de
Tiberíades, Herodíades não tornaria a se lembrar dele.
— Isto é difícil — repliquei — lembra-te do provérbio: “Não excites a vingança duma
mulher, pois ela jamais esquece.”
— De fato me enganei — confessou simplesmente Cuza. — Herodíades não se esqueceu;
tão somente aguardou a oportunidade, tendo, sem dúvida, muito à mente o outro provérbio: “Mais
pode a mulher com uma colher, que o homem com uma pá.”
— E qual foi a oportunidade?
— Direi quando chegar o momento. Agora escuta como tudo preparou a pérfida criatura.
No dia seguinte ao da prisão de João, chamou-me Herodíades e deu-me ordem para esvaziar e
limpar um grande salão que há num dos ângulos do palácio de Tiberíades. Fiz o que me pedira e,
quando tudo estava pronto, entreguei-lhe as chaves. Cerca de dois meses depois chegou uma trupe
de mulheres que vinham do Egito; logo em seguida outra veio da Grécia e, finalmente, outra de
Roma.
— Tua história me intriga — interrompi — e não posso saber aonde vais chegar.
— Estas mulheres fechavam-se, diariamente, por várias horas, no salão, juntamente com
Herodíades e sua filha Salomé. Ao ouvir o som das harpas, do saltério e das cítaras, supus que
tudo aquilo fosse para distrair Herodíades e sua filha nas suas longas horas de ociosidade.
Enganava-me, porém.
— O que faziam então?
— Espera e não sejas impaciente — respondeu-me Cuza sorrindo. — Não tornei mais a
pensar no Batista. Certo dia chamou-me Herodíades e me deu uma lista de vinhos, ordenando-me
que os mandasse vir da Itália. Cumpri a ordem, como era minha obrigação. Há um mês, mais ou
menos, tendo Herodes recebido notícias alarmantes da fronteira, sobre as incursões dos árabes

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nabateus, foi precipitadamente a Maqueronte, levando o melhor do seu exército e grande número
de soldados romanos que tem a seu soldo.
— Os nabateus — perguntei — estão ao sul do Mar Morto?
— Precisamente, e seu rei é Aretas.
— O pai da legítima esposa de Herodes?
— Isto mesmo. Esta, vendo que Herodes, ao voltar de Roma, trazia consigo Herodíades,
não pôde suportar tal insulto e foi para junto do pai, a quem contou sua infâmia. Passaram-se os
meses sem que este desse uma providência visível. Ultimamente, porém, como te disse, chegaram
a Herodes notícias alarmantes das incursões dos nabateus, o que o fez suspeitar, com razão, que
Aretas pretendia vingar-se e por isso partiu precipitadamente.
— E Herodíades o acompanhou? — interroguei.
— Não, e segundo parecia, mantinha-se tranquila. Andava, entretanto, a espionar e sabia
com quem poderia contar. Por fim, faz duas semanas, Herodíades deu ordem para tudo
prepararmos e tomou o caminho de Maqueronte, com seus músicos e bailarinas, sem se esquecer
de levar os vinhos que me havia encomendado.
— E Herodes? — perguntei.
— Não acreditarás no que te vou dizer, mas a verdade é que o Tetrarca mantinha relações
com seu prisioneiro.
— Com o Batista?
— Sim, com ele mesmo. Herodes é extremamente supersticioso e bastante medroso.
Conhecia perfeitamente a grande influência de João sobre o povo, e receava causar-lhe qualquer
dano com medo das turbas. Além disto, o Batista infundia-lhe um respeito supersticioso. Temia
que, sendo João um profeta, fizesse, como Elias, descer o fogo do céu e num momento o destruísse
e aos seus. E assim ia visitá-lo, a fim de garantir sua própria segurança.
— E Herodíades sabia disto?
— Desde que o soube, partiu para lá imediatamente.
— Não vás, porém, dizer-me que as atenções de Herodes conquistaram João Batista!
— De modo algum. Quando chegou Herodíades com sua corte, desceu do seu dromedário
no pátio onde estava preso o Batista. Este, arrastando suas correntes, gritou-lhe por detrás das
grades da prisão: “Não te é lícito viveres com teu cunhado... adúltera duas vezes...”
— E que fez Herodíades?
— Sorriu amavelmente e com as pontas dos dedos atirou um beijo ao prisioneiro.
— E o Batista?
— Com toda a dignidade virou-lhe as costas. Mas sempre que a via passar,
imperturbavelmente lhe gritava a mesma coisa: “Duas vezes adúltera, não te é lícito viver com teu
cunhado.”
— Terá ela contado isto a Herodes?
— Nada lhe disse, mas pôs-se a preparar com todo empenho uma grande festa para celebrar

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o aniversário natalício do Tetrarca. Na verdade, eu não podia explicar a conduta daquela mulher,
e cheguei a pensar que também ela tivesse medo de João Batista. Enganava-me, porém.
— Pois que fez?
— Chegou por fim o dia da festa. Eu estava tão ocupado que não tive tempo de pensar nem
em Herodíades nem em João. A mandado daquela preparei a mesa do banquete num salão do andar
superior e longe do pátio principal. No centro da ferradura formada pelos divãs, pusemos um
estrado coberto com riquíssimo tapete da Pérsia, sobre o qual deviam realizar-se os bailados.
Começou o banquete e, a mandado expresso de Herodíades, o copeiro real principiou a derramar
os melhores vinhos no copo do Tetrarca, copo este de ouro e de proporções colossais.
— Pretendia embriagá-lo?
— Herodíades sabe muito bem que Herodes tem uma cabeça muito forte e dificilmente se
embriaga; esmerava-se por isso em ministrar ao Tetrarca variadas espécies de vinho. Estando já
os comensais um pouco alegres, iniciou-se o bailado, que constituiu verdadeira surpresa. Subiu ao
tablado uma jovem com o rosto encoberto; logo, porém, retirou o véu: era Salomé. Trajava-se à
moda herodiana, calças bombachas de seda finíssima e uma blusa bordada a ouro que lhe encobria
os braços até ao pescoço. Ninguém esperava que a filha da rainha fosse apresentar-se em cena, e
mais do que ninguém se surpreendeu Herodes, ignorando aquela habilidade de Salomé. Todos
receberam a jovem com entusiásticos aplausos e o bailado começou. Consistia ele em uma série
de passos muito airosos dançados ao ritmo das harpas e saltérios, tocados pelas escravas. Para
terminar, apresentou Salomé saltos graciosos e movimentadas piruetas, dançando sobre as mãos e
com os pés para o alto. Ficaram todos empolgados e aplaudiram com entusiasmo.
— E que fazia Herodíades?
— Recomendava aos copeiros que continuassem a servir vinho a Herodes e que o dessem
também aos lictores, que faziam guarda por detrás do Tetrarca. Ela também bebia, mas
moderadamente. Os assistentes, entre os quais havia diversos que estavam instruídos para o caso,
por Herodíades, insistiram para que Salomé dançasse de novo. Então a jovem, que, além de
elegante, é bonita como o diabo...
— Que espécie de beleza é esta?
— A dos dezoito anos — respondeu Cuza sorrindo. — Começou, pois, uma dança egípcia,
usando menos roupa que no primeiro. O êxito foi naturalmente maior. Herodes estava
entusiasmado; bebia sem parar, e pedia a Salomé que continuasse a dançar. Surgiu ela então com
a escassa vestimenta que requerem as danças das ninfas gregas. Foi delirante a ovação que lhe
fizeram todos, a começar pelo Tetrarca, que, toldado pelo vinho, gritava: Outra! Outra! Trouxe
então Salomé uma enorme bandeja de prata, em torno da qual executou seu último e mais
aplaudido bailado.
— E que se passou então?
— O que Herodíades esperava. O “partido” desta clamava: Um prêmio! E’ preciso dar-lhe
um prêmio!
Gritou então o Tetrarca: — Dançaste admiravelmente, “pede-me o que quiseres e te darei.
E acrescentou como juramento: “qualquer coisa que me pedires, dar-te-ei, ainda que seja metade
do meu reino.”

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— Juramento de bêbado — disse eu. — Seguro está o reino deste bruto, que pende dum
fio de Roma, quando menos se espera, pode rebentar!
— É apenas uma maneira de dizer — acrescentou Cuza. — E’ a frase consagrada para
significar que lhe daria um valioso prêmio.
— “Saiu ela, então, e perguntou a sua mãe: “Que hei de pedir? E ela lhe respondeu: a
cabeça de João Batista...”
— E pediu?
— Na mesma hora. “Tornou a entrar sem demora e, apresentando-se pressurosa ao rei,
exigiu: Quero que me dês agora mesmo, nesta bandeja, a cabeça de João Batista...”
— E que fez Herodes?
— Caiu-lhe tal pedido como um raio e, apesar de embriagado como estava, começou a
tremer. Em tudo pensara, menos nisto. Os do “Clã” de Herodíades começaram a gritar:
— Dá-lhe! Dá-lhe! Ela o merece! Esse homem insultou a sua mãe, insultou a ti, insultou-
nos a todos! E, levantando as mãos, viravam o dedo polegar para baixo como se faz nos jogos
quando se pede a morte de algum gladiador.
— E então o que aconteceu?
— “Entristeceu-se Herodes profundamente; mas, por causa do juramento e daqueles que
estavam com ele à mesa, não a quis desgostar.” Torceu também ele o polegar para baixo e
“chamando um dos lictores, mandou trazer no prato a cabeça de João.”
— E que fez Herodíades?
— Sorveu mais uma taça para que não lhe faltasse ânimo e, tomando a dianteira ao verdugo,
desceu com passo incerto até ao cárcere de João.
— E assistiu à execução?
— Não teve coragem para tanto. Quando o verdugo abriu os portões do calabouço onde
estava o Batista dormindo sobre um monte de palhas, abriu este os olhos e pôs-se de pé. Herodíades
estava do lado de fora, mas apenas viu brilhar os olhos de João à luz da tocha resinosa que o
verdugo cravara numa fresta do muro, encheu-se de pavor e, sem poder contê-lo, subiu correndo
as escadas, indo cair nos braços de suas escravas, às quais pediu mais vinho para beber.
— E o verdugo?
— Esteve também a ponto de falhar. O olhar de João o aniquilava, apesar de não
demonstrar ira o seu rosto.
— Garanto-te — disse eu — que se João tivesse olhado o verdugo como olhava ao falar
contra o pecado, o machado ter-lhe-ia caído das mãos.
— Também assim me parece, mas, segundo me contou o próprio verdugo — continuou
Cuza — não o olhava ele com raiva, antes lhe parecia dizer: tu és ministro da justiça, embora esteja
entre as mãos de infames ... E como se fosse sua voz o eco de longínquas palavras, acrescentou:
“Convém agora que assim cumpramos toda a justiça...” Tira-me, porém, estas correntes —
continuou João — a fim de que não pareça que vou à força para a morte... Obedeceu o verdugo.
— Que homem admirável!...

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— Saiu João do calabouço. Eu o pude ver à claridade das luzes acesas no pátio. Era um
gigante; com o cabelo em desalinho e a barba crescida, sua túnica paupérrima de pelo de camelo
caía-lhe em pedaços, e suas feições, mais macilentas do que nunca, davam à sua pessoa um aspecto
sublime que inspirava respeito. Jamais esquecerei o que se passou então. As estrelas brilhavam e
João as contemplou como se quisesse orientar-se...
— Para o Templo? — perguntei.
— Isto pensei eu; mas assim não foi. Em lugar de voltar o rosto para o poente, virou-o para
o norte...
— Galileia?
— Exatamente. Lá estava Ele. Ergueu então a voz e disse:
— “Foi oferecido porque ele mesmo o quis, e não abriu a boca; como uma ovelha que é
levada ao matadouro e como um cordeiro diante do que o tosquia, guardou silêncio...”
— Estas palavras não são de Isaías no capítulo 53? — perguntou Quarto comovido.
— Sim — respondeu Cuza. — Erguendo então os olhos ao céu, acrescentou João: “Agora,
Senhor, deixa partir teu servo em paz, segundo a tua palavra, porque os meus olhos viram a tua
salvação que preparaste ante a face de todos os povos, como luz para a iluminação dos gentios, e
para glória de teu povo, Israel. . E enquanto, de longe, se ouviam os acordes da música e os gritos:
vinho!... mais vinho!... voltava o Batista para sua prisão, dizendo ao verdugo: Estou pronto...
Ao baixar a cabeça para que lhe tombasse o machado sobre a nuca, exclamou ainda: “E
preciso que Ele cresça e eu diminua...
Poucos segundos depois tombou ao solo a cabeça de João, e o verdugo apresentou-a a
Salomé, que, horrorizada, entregou-a à sua mãe...

68
Semana 4
Doutrina Sagrada
VIRTUDES
O que é a Tradição?
A Tradição é o ensinamento de Jesus Cristo e dos Apóstolos, feito de viva voz, e pela Igreja
transmitido até nós sem alteração. Jesus Cristo, confiando aos Apóstolos a missão de ensinar, de
instruir o mundo, não lhes entregou nenhum livro, mas a doutrina que tinham ouvido d’Ele e que
o Espírito Santo lhes havia de recordar e aperfeiçoar na sua inteligência.

Figuras 11 e 12. “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (São Marcos 16, 15). Jesus
concede a graça necessária para que os Apóstolos realizem a missão que lhes deu.

Os Apóstolos pregaram o Evangelho. Por inspiração de Deus escreveram também,


posteriormente, livros (os Evangelhos, as epístolas, etc.), mas nunca disseram que nestes livros
estivesse toda a revelação, antes criaram Bispos para governar as Igrejas por eles fundadas, e às
quais não podiam atender pessoalmente, e para lhes sucederem naquelas que eles pessoalmente
governavam. A estes Bispos confiaram a mesma missão que haviam recebido de Jesus Cristo:
ensinar o Evangelho tal como ele lhes tinha ensinado vocalmente, que por seu turno deviam
transmitir aos seus sucessores.
O Espírito Santo, que assiste a Igreja, faz que o Ensino oral de Jesus Cristo e dos Apóstolos
se transmita íntegro e puro na Igreja; e por esse modo nós o aprendemos íntegro e sem alteração

69
mediante o Ensino da mesma Igreja. Grande parte, porém, do ensino de Jesus Cristo e dos
Apóstolos, que se transmite por Tradição, foi recolhido em escritos não sagrados, mas
respeitabilíssimos, nos escritos dos Santos Padres e Doutores da Igreja, e nas numerosas definições
que a mesma Igreja tem emitido nos sagrados Concílios.

Prática
Devemos ter pela doutrina que nos é transmitida pela Tradição o mesmo respeito e a mesma
fé que temos pela doutrina da Sagrada Escritura, pois uma e outra são Palavras de Deus, uma e
outra Verdades que Deus revelou.

Quem é que pode com autoridade fazer-nos conhecer inteiramente e no verdadeiro sentido
as verdades contidas na Escritura e na Tradição?
Só a Igreja tem autoridade para fazer-nos conhecer inteiramente, e no verdadeiro sentido,
as verdades contidas na Escritura e na Tradição, porque só a ela Deus confiou o depósito da Fé e
mandou o Espírito Santo que continuamente a assiste, a fim de que não erre.

Figura 13. A Igreja Católica é a Verdadeira Igreja deixada por Cristo.

1º) Jesus Cristo ensina-nos o que devemos crer e o que devemos praticar por meio da Igreja
que Ele instituiu e a qual confiou o depósito da fé, isto é, toda a revelação. Por isso só a Igreja
pode com autoridade fazer-nos conhecer as verdades contidas na Escritura e na Tradição. Em
outras palavras: os homens retos e estudiosos podem nos explicar as verdades de Fé; mas só a
Igreja o pode fazer com verdadeira autoridade e por isso devemos nos submeter plenamente a ela.
Estejamos, pois, certos de que ela não erra, pois Jesus Cristo mandou o Espírito Santo que
continuamente a assiste precisamente para que ela não erre, isto é: para que seus ensinamentos
sejam infalíveis. Jesus Cristo disse aos Apóstolos:

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“Quando vier o Paráclito, o Espírito da Verdade, ele vos ensinará toda a verdade, porque não
fala por si mesmo, mas dirá o que ouviu, e vos anunciará as coisas que virão.”
São João 16, 13

2º) Os protestantes, que negam a Sagrada Tradição e admitem só a Sagrada Escritura, não
querem reconhecer a autoridade da Igreja na interpretação dos Escritos divinos. Dizem que se deve
interpretar a Escritura segundo o sentido privado, isto é, que cada um forme pessoalmente a sua fé
sobre a Sagrada Escritura. É este o princípio fundamental do protestantismo e o primeiro motivo
por que ele não pode ter nem unidade de fé (pois cada um encontra a maneira de formar para si a
fé que deseja), nem a santidade (pois, desse modo, é fácil acomodar qualquer expressão da Sagrada
Escritura aos próprios desejos, para justificar a própria vida).
Da Sagrada Escritura não se infere de maneira nenhuma que tenha acabado na Igreja o
dever do ensino oral, como meio essencial para aprender a Verdade, nem que haja de aprender a
verdade com o estudo da Sagrada Escritura.
Tal meio, além de difícil e, humanamente impossível, é também absurdo. Com efeito:
A) Quem tem vigiado de modo que, através dos tempos bárbaros e ignorantes, não fosse
alterado (por mão de tantos e tão diversos copistas e com tantas e tão vairadas traduções) o texto
da Sagrada Escritura?
B) Com o passar do tempo passam também as línguas por grandes modificações. Quem
teria podido vigiar, a não ser a Igreja, para que o texto exprimisse sempre, nas várias épocas, o
verdadeiro sentido, de modo a estar ao alcance comum?
C) Nunca legislador nenhum confiou uma lei aos súditos, para que a observassem segundo
sua interpretação particular. E haveria Deus de proceder assim com os Livros Sagrados, que
apresentam verdades e deveres que nem sequer estão dispostos em forma de códigos?
D) Com tal sistema ninguém teria o direito de reprovar uma doutrina de fé e de moral, por
muito absurda que fosse, que alguém tivesse formado interpretando livremente, e até
licenciosamente, a Sagrada Escritura.
E) Tal sistema teria o desprezo do próprio Deus, que deveria aprovar todas as
interpretações, embora antagônicas, que se dessem de sua Palavra. Em suma, Deus teria que
aprovar aquilo que, na mesma Sagrada Escritura e por meio de São Pedro, Ele reprova como abuso
e causa de perdição. Lamentava-se efetivamente, de alguns cristãos a respeito das Epístolas de São
Paulo e das Escrituras em geral: “Nas quais (Epístolas) há algumas coisas difíceis de entender, as
quais adulteram os indoutos e inconstantes como também as outras Escrituras, para a ruína de si
mesmos” (2 Pd 3, 16).

3º) Os protestantes acusam a Igreja de proibir aos católicos a leitura da Bíblia. A acusação
é falsa. A Igreja não só não proibe, mas até recomenda a leitura da Bíblia e, especialmente, do
Evangelho. O que proíbe é a leitura das bíblias protestantes ou publicadas sem a sua aprovação,
porque Ela deve dar-nos a segurança de que a tradução e a impressão são exatas, e porque devemos
receber este livro divino, com todas as verdades da fé, da Igreja e não dos homens.

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Prática
Recomenda-se a leitura frequente de alguma página do Evangelho; mas deve-se ler com
espírito de fé, de veneração, de reconhecimento para com Deus e de submissão à Igreja, a quem
compete dizer-nos em qual sentido deve ser interpretado.

Basta crer nas verdades reveladas por Deus para se obter a salvação?
Não, para se obter a salvação é preciso crer nas verdades reveladas que Deus propõe por
meio da Igreja e, também, expressar atos de fé.

“O discípulo de Cristo não deve apenas guardar a fé e nela viver, mas também professá-la,
testemunhá-la com firmeza e difundi-la: “Todos devem estar prontos a confessar Cristo perante
os homens e segui-Lo no caminho da Cruz, entre perseguições que nunca faltam à Igreja”. O
serviço e o testemunho da fé são requisitos da salvação: “Todo aquele que se declarar por mim
diante dos homens também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos céus.
Aquele, porém, que me renegar diante dos homens também o renegarei diante de meu Pai que
está nos céus” (Mt 10, 32-33).” CIC 1816

Prática
Recordai:
A) Que a Fé tem grandes inimigos, e são, principalmente: a soberba, a ignorância, a
impureza e o respeito humano: acautelai-vos deles!
B) Que há muito perigos de a perder, e são, principalmente: os
divertimentos mundanos, as más companhias e as más leituras. Muitos
deixaram de crer porque se tornaram viciosos. O vício é a sepultura
da fé.
C) Que os bons meios para tornar a fé mais viva são: a
oração, a frequência dos Sacramentos e a prática constante da
mesma fé por meio das boas obras.

“Se não podes entender, crê para que entendas. A fé precede,


o intelecto segue.”
Santo Agostinho

Figura 14

72
Amizade com Deus
TRATADO QUINTO
Da virtude da Obediência

Capítulo III
Da obediência cega
(continuação)
Principalmente nos princípios, diz São Bernardo, importa muito que um se acostume a
obedecer deste modo e sem inquirição alguma; porque é impossível, moralmente falando, que
possa perseverar e durar na Religião aquele que desde o princípio quer ser muito prudente e saber
a razão de tudo. Pois que há de fazer? Como se há de haver? Há de fazer-se como néscio e louco,
para ser sábio. Esta há de ser toda a sua discrição: que nas coisas da obediência não tenha discrição
alguma, nem forme juízo de nada; porque o discernir e inquirir as razões, o porquê e para que, é
próprio do superior, e do bom súdito; é somente abraçar com muita humildade, simplicidade e
confiança o que ordenar o superior. A discrição, diz o Santo, há de estar no superior, no súdito a
execução.
O Apóstolo São Paulo pondera muito bem a este propósito a obediência cega do patriarca
Abraão em sacrificar a seu filho Isaac. Tinha-lhe Deus prometido que multiplicaria a sua
descendência como as estrelas do céu e como as areias do mar, fazendo-o pai de muitas gentes; e
não tinha mais do que aquele filho Isaac, em quem se pudesse cumprir esta promessa; nem tinha
esperança de ter mais filhos porque ele e sua mulher eram já velhos; e ainda que a tivesse, no
mesmo Isaac é que Deus lhe tinha feito a promessa. E com tudo isso, mandando-lhe Deus que lhe
sacrificasse esse único e tão desejado filho Isaac, nem hesitou na obediência, nem duvidou também
do cumprimento da promessa que Deus lhe tinha feito; e com uma obediência cega começou a
executar o que Deus lhe mandava, e já levanta a espada para lhe cortar a cabeça.
Aqui Abraão teve esperança contra a esperança natural; venceu a esperança sobrenatural
contra a natural desconfiança que os olhos viam, pois via que ficava sem filho, sacrificando-o, e,
contudo, não duvidava da promessa de Deus; antes estava muito certo que lhe havia de cumprir,
ou ressuscitando-o depois, ou de outro modo que ele não entendia nem sabia. E agradou tanto a
Deus esta obediência, que logo ali lhe fez a promessa que dele nasceria Cristo, e que deste modo
se havia de multiplicar a sua descendência, como as estrelas do céu”. Por mim mesmo jurei que
em prêmio desta façanha de não perdoar a teu filho único por amor de mim, eu te darei a minha
bênção, e multiplicarei a tua descendência como as estrelas do céu e como as areias que estão nas
praias do mar. A tua posteridade possuirá as cidades de seus inimigos, e em tua descendência serão
benditas todas as nações da terra, porque soubeste obedecer à minha voz. “
Diz São Jerônimo: Vede quanto agradou a Deus a obediência cega de Abrão, pois deste
modo a premeia. Por um filho que por obediência quis sacrificar a Deus, lhe diz que conte as
estrelas do céu, e que desse modo há de multiplicar-se a sua descendência. Daqui vieram a estimar
tanto aqueles Padres antigos esta obediência cega, a praticá-la e a exercitá-la tanto, que temos os
livros cheios de exemplos disto, e muitos deles confirmados com milagres para nosso exemplo,
para que entendamos quanto agrada a Deus este modo de obediência.

73
Santo Afonso, seguindo esta doutrina comum dos Santos, no-la declara com duas
comparações muito próprias e úteis. “Persuada-se cada um, diz, que os que vivem em obediência,
se devem deixar levar e reger da Divina Providência por meio do seu superior, como se fossem
um corpo morto, que se deixa levar para qualquer parte e tratar como se quiser”. Desta comparação
usava também São Francisco, e a repetia muitas vezes aos seus religiosos: ‘ Já estamos mortos
para o mundo e para as suas coisas”. Isto é ser religioso; estar morto para o mundo; e por isso
chamam morte civil a entrada na Religião. Consideremo-nos, pois, como mortos.
O sinal de estar um homem morto é não responder, não sentir nem se queixar. Portanto não
tenhamos olhos para ver, nem para julgar as coisas do superior; não tenhamos réplicas nem
respostas para aquilo que ordena a obediência; não nos queixemos nem nos sintamos, quando nos
mandam o que não é do nosso gosto. Para o corpo morto busca-se o pior de cada para vestir e
amortalhar, e o lençol mais velho e mais desprezível. Cada um se há de persuadir que o pior de
casa há de ser para ele, no vestir, no comer, no quarto e em tudo o mais. E se não está disposto
para isto, antes se mostra sentido de ser assim tratado, não está morto nem mortificado.
Diz mais nosso Padre, que nos havemos de deixar levar e reger da Divina Providência por
meio do superior, “como o bordão de um velho, que serve onde quer e para qualquer coisa em que
o quiser empregar quem o tem na mão”. Assim como o bordão vai para onde o levam, e está onde
o colocam, e de si não tem movimento algum, mas só o que lhe dá quem o leva; assim também o
religioso não há de ter movimento próprio, mas há de se deixar reger e governar pelo superior:
para onde o levarem, para aí há de ir; onde o colocarem, aí há de ter o pé, ou seja no lodo ou no
enxuto, quer no alto quer no baixo, sem resistência nem contrição alguma.
Se o bordão que vos há de servir de auxílio e alívio para andar, vos fizesse alguma
resistência, e não quisesse assentar onde vós quereis, senão em outra parte: em vez de vos ajudar,
vos serviria de estorvo, e por isso o deitaríeis fora. Assim também, se quando o superior se quiser
valer de vós e empregar-vos em tal lugar ou em tal ofício ou ocupação, resistis à mão do superior,
e tendes movimento contrário ao seu, na execução, na vontade ou no juízo: em lugar de o ajudar,
o estorvareis e lhe sereis pesado, e dareis em que intender aos superiores, e eles só desejarão ver-
se livres de vós como de carga muito pesada; e vos arrojarão a outra parte, e darão continuamente
convosco de casa em casa, porque não sois bom e útil bordão, nem se podem servir nem ajudar de
vós como querem.
Toma uma pessoa um bordão na mão para o trazer por passatempo e recreação, porque faz
o que quer e joga dele como lhe apraz. Assim há de ser o religioso, de modo que seja prazer trazer-
vos na mão, e mandar-vos, e que possa o superior fazer de vós o que quiser, e gloriar-se como o
centurião: Tenho as minhas ordens soldados, e digo a este que vá, e vai; aquele que venha, e vem;
e a outro que faça isto, e o faz.
Outra boa comparação traz São Basílio para isto. O oficial que edifica, ou faz alguma obra,
usa dos instrumentos da sua arte à sua vontade, e nunca houve instrumento que não obedecesse
muito facilmente ao artífice, para que se servisse dele como quisesse. Assim há de ser o religioso;
há de procurar ser instrumento útil na Ordem, para que o superior se sirva dele como lhe parecer
conveniente para o edifício espiritual; e de nenhum modo há de resistir ao que dele quiserem fazer.
Além disso o instrumento não escolhe em que há de servir e ajudar. Do mesmo modo o religioso
não há de escolher, mas deixar tudo ao juízo e parecer do artífice que é o superior.

74
A vida de Jesus
XXXVII
UM PASSEIO

A CABO de chegar duma excursão pela Judéia e Galileia, para verificar pessoalmente o
efeito que causara ao povo e à gente culta a pregação do Nazareno. De modo geral posso
afirmar, sem receio de equívoco, que tanto os amigos como os inimigos de Jesus o
consideram como “aquele que há de vir” e que pretende estabelecer na terra o seu reino. Os efeitos
causados por esta certeza são, entretanto, bem diversos. Enquanto o povo, cada vez mais
entusiasmado, está disposto a proclamá-lo Rei, os saduceus, fariseus e herodianos mostram-se
indignados com sua extraordinária popularidade. Se Jesus tivesse tomado partido por um daqueles
três grupos, creio bem que, nessa hora, apesar de suas tendências divergentes, estariam todos de
acordo, pelo menos em reconhecer no Nazareno um grande profeta. Jesus, porém, colocou-se do
lado do povo e isto mantém os políticos não somente irritados, mas justamente alarmados. Por
isto, os de Nazaré, sentem-se repelidos e tratam de desacreditá-lo, dizendo que “perdeu o juízo”.
Os fariseus e os escribas procuram desacreditá-lo também, divulgando que Jesus “tem
pacto com Belzebu, e que expulsa os demônios por Belzebu, príncipe dos demônios." Aos que
assim opinam, o Nazareno fez calar com um simples argumento de grande senso. “Como pode
Satanás — disse-lhes Jesus — expelir Satanás? Todo reino desunido jamais subsistirá; nenhuma
cidade, nenhuma casa desunida poderá permanecer em pé. Se, pois, Satanás se levanta contra si
mesmo, está em desacordo consigo mesmo. E como pode então subsistir seu reino? Não poderá
permanecer e seu fim está próximo.’
O silogismo era concludente e os adversários não sabiam como responder. Mas Jesus foi
mais adiante. Enviara seus discípulos a fim de pregarem ao povo a boa nova e também eles
expulsavam os demônios. Deste fato tomou, pois, um argumento contra seus inimigos e lhes disse:
“E, se é por Belzebu que eu expulso os demônios, por quem os expulsam então vossos filhos? Por
isso eles — a gente do povo que desprezais — serão vossos juízes." O fato de que homens do povo
se tornassem os juízes dos juízes de Israel constituiu uma afronta, muito merecida, aliás, para os
orgulhosos fariseus. Jesus, vendo que não respondiam, prosseguiu: “Se, porém, é pelo espírito de
Deus que expulso os demônios, claro está que chegou a vós o Reino de Deus.”
Refletindo sobre este caso, mais me confirmei no que já havia pensado quando me convenci
de que, sem o Diabo, não poderia haver Cristo. Dois poderes lutam constantemente desde o
princípio: o Reino de Deus e o Poder das Trevas. Satanás só pode ser abatido pelo Espírito de
Deus. Se Jesus expulsa, pois, tantos demônios, e seus discípulos fazem também o mesmo, é porque
Deus opera por Jesus. Isto indica que Deus tem mais poder que Satanás, e que a luta principiou. O
Reino de Deus já chegou. Satanás começou a ser vencido desde que Jesus principiou a expulsá-lo
dos homens em virtude do poder que possui. O Nazareno arrebata de Satanás suas conquistas, e,
o que ainda é mais vergonhoso, os discípulos que operam em nome de Jesus expulsam também os
demônios. Satanás começa a ser vencido, faltando apenas ser perseguido em sua derrota.

75
O grande inimigo é, pois, Satanás, já que os fariseus somente são seus filhos. “Vós —
disse-lhes Jesus — tendes por pai o Diabo.” Devia Ele iniciar a luta contra o inimigo principal e
assim lhes dá um exemplo: "Como pode um ladrão penetrar na casa do poderoso e roubar-lhe os
haveres, sem que primeiro prenda o poderoso? Só então lhe poderá saquear a casa.” “Vi Satanás
cair do céu como um raio” — disse outra vez. A luta prossegue e assim é necessário que se
decidam por um ou outro partido. O Nazareno tem tanta confiança no triunfo final, que disse aos
fariseus: “Quem não está comigo está contra mim; e quem não recolhe comigo dispersa.”
Não terminou aqui a discussão iniciada em má hora para os inimigos, pois Jesus,
encarando-os, disse-lhes palavras ainda mais severas: “Raça de víboras, como podeis falar coisa
boa, quando sois maus? Se a árvore é boa, seu fruto o será, mas se a árvore é má, também o serão
seus frutos." E já que, como diz o provérbio, da abundância do coração é que fala a boca, “o
homem bom tira do tesouro bom coisas boas; e o homem mau tira do tesouro bom coisas más.”
Isto me demonstrou, visivelmente, que minha dedução era exata: Jesus está do lado do
povo, dos pobres e dos necessitados, pregando-lhes a boa nova e curando suas enfermidades. Em
troca, os três grandes partidos formados pelos filhos do Diabo unem-se contra Ele. E embora estes
não confessem jamais que é “O que há de vir”, intimamente o têm como tal e o temem.
Conjuraram, pois, contra Ele e combinaram perdê-lo.
Uma coisa, porém, é a persuasão geral de que Jesus de Nazaré é “aquele que há de vir”, e
outra é estarem todos de acordo sobre a natureza do reino que pretende estabelecer. Tenho notado
sobre este ponto uma grande diversidade de pareceres, mesmo entre os próprios discípulos do
Mestre.
Se Jesus se tivesse colocado ao lado dos saduceus, estes se esforçariam por fazê-lo rei —
já que odeiam Herodes — mas um rei amigo de Roma, que eles temem. Se houvesse, ao contrário,
tomado o partido dos herodianos, estes teriam tentado, unindo-o a seu rei, formar um duunvirato11
formidável. E todo o povo o seguiria.
Se, finalmente, se tivesse colocado do lado dos fariseus, estes também o teriam aceitado
por rei, contra Roma, acrescentando-lhe as forças dos zelotes. Tendo-se, porém, Jesus colocado ao
lado do povo, a única coisa que os três partidos veem chegar irremissivelmente, é sua próxima
ruína, se não conseguirem conter o inovador.
Quanto ao povo, todos o querem para seu rei; mas cada um tem ideia própria sobre o que
será este novo reino. A propósito disto, como já disse, tenho ouvido as opiniões mais
contraditórias, a começar pelos próprios discípulos de Jesus. Este, entretanto, prossegue sua obra,
visando sempre ao seu fim. Qual será este fim? Francamente respondo que, no momento, também
eu me encontro às escuras, ainda que repleto de esperanças de descobri-lo bem depressa, pois
minhas observações vão por caminho muito diferente do que trilham os amigos e inimigos do
Mestre. Sua maneira de agir dá-me a impressão de que ela difere do modo pelo qual agiria outro
homem qualquer. A superioridade indiscutível de Jesus faz-me pensar que seu fim é muito mais
elevado do que alguém poderia cogitar. E, para demonstrar a razão que me obriga a assim pensar,
vou expor duas curas, quase simultâneas, em que a maneira de agir de Jesus parece contraditória,
mas onde, estou certo, não existe contradição alguma.

11
Duunvirato: governo de duas pessoas ou duúnviros (indivíduo que, junto com outro, exerce governo autoritário,
próximo da ditadura).

76
“Estava Jesus perto do lago de Tiberíades, quando se aproximou dele um magistrado
chamado Jairo, que era príncipe da Sinagoga, e atirando-se aos seus pés disse: Senhor, minha
filha está à morte, mas vem, impõe-lhe tuas mãos para que sare e viva. E Jesus, levantando-se, o
foi seguindo com seus discípulos e uma multidão os acompanhava.”
“E eis que uma mulher, há doze anos vítima de um fluxo de sangue, e que muito sofrera
nas mãos dos médicos que já lhe tinham consumido parte dos seus bens, sem poder ser curada
por nenhum, chegou-se por detrás d’Ele e Lhe tocou a orla do vestido.”
Qual não seria minha surpresa ao reconhecer, naquela mulher, Verônica, sobrinha de José
de Arimatéia. Bem sabia eu a enfermidade de que sofria e o muito que já havia gasto com médicos
e remédios. Lembro-me da impressão profunda que lhe causou a transformação da água em vinho,
em Caná, e me recordo também que, desde então, fizera o propósito de aproximar-se de Jesus e
pedir que a curasse. Envergonhava-se, entretanto, e, por isso, procedeu com todo sigilo. Sem nada
dizer a ninguém, e valendo-se da situação em que se encontrava o Mestre, rodeado por todos os
lados pela multidão que o comprimia, tocou em seu manto, confiando encontrar o remédio
desejado, e o conseguiu.
Sua surpresa e embaraço foram grandes ao ver-se descoberta, pois “Jesus conhecendo em
Si mesmo que havia saído virtude de Si, voltou-se e perguntou: Quem me tocou?” Disseram-lhe
então Pedro e seus companheiros:
— “Mestre, o povo Te comprime e te aperta e ainda perguntas: quem me tocou?”
Replicou, todavia, Jesus:
— “Alguém me tocou, porque eu conheci que de mim saiu uma virtude. E voltando-se
olhava em torno para ver quem o havia tocado. Quando a mulher se viu assim descoberta, veio
toda trêmula e se prostrou aos pés de Jesus, declarando diante de todos a causa por que o havia
tocado, e como ficara instantaneamente curada. E Ele lhe disse: Filha, tua fé te salvou, vai em
paz.”
Levantou-se Verônica imediatamente e desde então ficou perfeitamente sã e extremamente
agradecida ao Mestre, da mesma forma que Berenice, sua irmã, e seu tio José.
Ainda falava o Mestre, quando chegou um criado de Jairo e disse a este: “É morta tua filha;
não dês ao Mestre o trabalho de vir até cá. Jesus, porém, tendo ouvido isto, disse ao pai da
menina: “Não temas, crê somente, e ela será salva”. Não permitiu que ninguém o seguisse, a não
ser Pedro, Tiago e João. Como chegasse Jesus à casa de Jairo e visse os tocadores de flauta e a
multidão que se comprimia e os que lamentavam, entrou e disse: “Por que chorais? afastai-vos,
porque não está morta a menina, mas dorme.” Porém, os que sabiam que ela estava morta,
zombavam d’Ele. Jesus mandou-os para fora e, levando consigo o pai, a mãe e os discípulos,
entrou onde jazia a menina, e tomando-lhe a mão, disse em alta voz: “Menina, eu te ordeno,
levanta-te.” E a sua alma tornou ao corpo, e ela se levantou e imediatamente começou a andar.
E Jesus mandou que lhe dessem de comer. E ficaram tomados de assombro seus pais, a quem
Jesus ordenou que a pessoa alguma contassem o que se tinha passado.”
Não é preciso dizer que, apesar da proibição, o fato se divulgou logo por toda a região.
Refleti muito sobre estes dois casos e os tenho discutido com amigos e inimigos do Mestre.
Era costume de Jesus, ao operar suas curas, apenas com sua palavra e sem usar remédio algum,
recomendar insistentemente que não as publicassem; agora, no entanto, no caso de Verônica,

77
quando ninguém, senão ela, teria tido conhecimento do que se havia passado, parece que Jesus se
empenhava em mostrar o prodígio e fazer com que todos confiassem n’Ele. Por quê?
Minha opinião é a seguinte: desde o princípio de sua pregação Jesus anunciou a fundação
de um Reino que Ele veio estabelecer. Seus adeptos naturalmente se alegravam, pensando que este
reino viria destruir a odiosa dominação romana. Jesus, no entanto, não parece cuidar de semelhante
coisa. Para o estabelecimento deste Reino, Jesus não somente prega mas opera uma profusão de
prodígios que revelam sua missão. Quer, pois, que todos e cada um destes prodígios sejam
conhecidos, sendo parte das credenciais que o confirmam na qualidade de enviado de Deus. Mas,
como o Reino que pretende estabelecer não é um reino como os outros, quer evitar que as massas,
entusiasmadas com os milagres, cogitem, contra sua vontade e planos, de proclamá-lo rei, e por
este motivo, recomendando-lhes segredo, evita, não a publicidade, mas sim o entusiasmo que pode
ser prejudicial aos seus projetos.
Se, ao operar as curas admiráveis, deixasse que sua fama de taumaturgo crescesse a ponto
de excitar as massas, inevitavelmente estas o proclamariam seu chefe. Isto acarretaria gravíssimo
conflito, não somente com os partidários de Herodes, mas também com os romanos, pelos quais
seria acusado de sedicioso e amotinador do povo.
Que espécie de Reino pretende Jesus estabelecer? Ainda não o entendo; mas estou certo de
que não é um reino temporal, apesar de que todos, amigos e inimigos, pensem o contrário. Se Jesus
tivesse tal intento, em lugar de buscar seus sequazes entre os civis e a gente trabalhadora, os
buscaria entre os militares e os ricos, e estou certo de que estes o seguiriam sem vacilar. Por que,
pois, escolhe seus principais discípulos entre os pescadores? A meu ver, a razão é clara: Jesus quer
estabelecer um reino, mas não à semelhança dos demais. Daí resulta que, embora queira que todos
os seus prodígios sejam conhecidos, evita o transbordamento do entusiasmo, recomendando
àqueles que cura de toda espécie de enfermidades, guardarem um segredo impossível de manter.
Esta ordem, porém, reprime o entusiasmo indiscreto de seus admiradores. Por esse motivo,
segundo penso, torna pública a cura secreta de Verônica e proíbe, insistentemente, que a
ressurreição da filhinha de Jairo seja relatada ao público, pois este, sem tal contrapeso,
transbordaria de entusiasmo, publicando o prodígio, em prejuízo dos planos ulteriores do
Nazareno.

78
79
Sobre a capa
NÃO OS IMPEÇAIS DE VIR A MIM

As crianças podem entregar-se ao Pai com confiança e espontaneidade, com a candura e a


simplicidade típicas de um espírito inocente. Assim, podemos encontrar a referência desta capa no
evangelho de São Mateus, capítulo 19 e versículos de 13 a 15:
“Então lhe foram apresentados vários meninos para que lhes impusesse as mãos e orasse
por eles. Mas os discípulos increpavam-nos. Jesus, porém, disse-lhes: ‘Deixai os meninos, e não
os impeçais de vir a mim, porque deles é o reino dos Céus.’ E, tendo-lhes imposto as mãos, partiu
dali.”

80
Orientações para a disciplina de Língua Portuguesa
Para formarmos crianças santas, dotadas de sabedoria e virtudes, precisaremos, para esta
disciplina, de muita dedicação e de empenho diário, distribuído em leitura, interpretação, produção
de textos e realização de atividades. Com a graça de Deus, os frutos serão abundantes e todo
esforço valerá a pena!
“Conhecer a Deus intimamente, amá-Lo acima de tudo e de todos e desejar viver com
Ele por toda a eternidade!”. Este objetivo é o que toda a equipe do Instituto Cidade de Deus
almeja, e é também o que perpassará todos os conteúdos da disciplina de Língua Portuguesa.
Todas as seções desta disciplina utilizam a leitura como ponto inicial de reflexão, uma vez
que, como nos ensina Hugo de São Vitor, estimula a primeira operação da inteligência, que é o
pensamento. É por meio de cada leitura cuidadosamente proposta que o aluno poderá meditar e
despertar um amor profundo por Deus, por sua Santa Igreja, por Sua Santa doutrina e Tradição;
Como explicamos na introdução deste material, todo o conteúdo curricular e a abordagem desta
disciplina estarão mergulhados nesta essência católica.
Conhecer os exemplos mais significativos e concretos de santidade, de pessoas que fizeram
a diferença onde estiveram e que são perfeitos cristãos, como nos exorta o Santo Padre Pio XI em
sua Encíclica, poderá levar cada formando a fugir de sensos e estereótipos comuns modernos e a
aderir a uma vida que busca, com a graça de Deus, a verdadeira sabedoria e santidade.
No atual universo globalista, onde o prazer e a centralidade da “vontade” estão acima de
tudo, os mestres terão uma grande e árdua missão que aparece cada vez mais na contramão de ser
fielmente cristão, católico; educar para a sabedoria e para a santidade, além de humildade,
exigirá renúncias, docilidade, obediência e perseverança por parte do aluno, onde a autoridade
será aquele que irá a frente, indicando o caminho, sendo antes de tudo o exemplo que seguramente
pode ser seguido.
Para auxiliar este aprendizado, nesta introdução são propostas dicas para melhor
organização e aplicação da disciplina. Para iniciar o trabalho, leia atentamente cada tópico:

Como se organiza o material de Língua Portuguesa?


Para alcançarmos todos os objetivos e conteúdos disciplinares organizamos cada volume
em quatro partes diferentes, embora complementares e indissolúveis:

Aprendendo com os Santos e com a Igreja: propomos leituras diversificadas e diárias


sobre a biografia, testemunhos, curiosidades e aspectos relevantes da vida dos Santos, da
Sagrada Tradição, Magistério e Sagradas Escrituras, trabalhando por meio destes textos
virtuosos e piedosos todos os componentes curriculares da disciplina, de modo que possam
contemplar A Beleza, A Verdade e A Bondade providenciadas por Deus;

Sagradas Escrituras: passagens bíblicas são contempladas e interpretadas por meio dos
comentários consagrados de Grandes Santos e orações. Exercícios de memorização e de

81
registros, que envolvem produções textuais, interpretação de textos, declamação e também
o ensino dos conteúdos aprendidos, são propostos com o objetivo de tornar fecundo todo
ensinamento da Tradição Católica;

Leitura mensal: mensalmente um livro é escolhido e trabalhado detalhadamente (aspectos


literários, ortográficos, gramaticais e interpretativos). Este livro deve ser adquirido
separadamente pelo aluno.

Volume 1
Título: A prática da humildade
Autor: Giocchino Pecci (Papa Leão XIII)
Editora: Cléofas
Ou
Padre Domenico de Cese: Apóstolo da Sagrada Face de Manoppello.

Teoria e prática: parte essencialmente constituída de conceitos gramaticais e aplicações


práticas da teoria exposta. Enfatizamos o ensino gramatical para que o aluno compreenda
e desenvolva suas habilidades, leia, fale e escreva corretamente, purificando-se de todos os
vícios aos quais está gramaticalmente exposto. Todas as considerações gramaticais são
apresentadas (ou revistas) tendo como exemplificação frases católicas, de Santos ou
bíblicas.

Frequência das Seções:


No material, as seções estão na seguinte ordem:

1- Aprendendo com os Santos e com a Igreja: propomos ao menos três textos por semana
para serem trabalhados;

2- Sagradas Escrituras: propomos que seja trabalhada uma vez por semana;

3- Leitura mensal: pode ser feita como trabalho mensal ou semanal, a critério do
responsável.

4- Teoria e prática: propomos que seja trabalhada uma ou duas vezes por semana
(dependendo da dificuldade do aluno, esta quantidade terá que aumentar);

82
Atenção Responsável:
Organize a distribua as seções e as atividades conforme o seu planejamento, escolhendo o
dia em que trabalhará cada uma;
O senhor poderá contar com o auxílio do Instituto para resolução de dúvidas e orientações,
por meio da tutoria e apoio dos nossos docentes.

Qual é o significado desta imagem?

Todas as vezes que encontrarem esta imagem no material será proposta uma
atividade que precisará de atenção/auxílio especial. Assim como São José,
na imagem, está ensinando seu filho Jesus, esta é uma oportunidade de, com
paciência e ternura, o responsável estar mais próximo do aprendiz para uma
atividade que necessita de supervisão.

Qual é o significado deste símbolo: ?

Na disciplina de Língua Portuguesa, todas as vezes que este símbolo (Flor de lis)
aparecer, o aluno deverá realizar algum tipo de atividade (com registro no caderno): leitura,
produção de algum texto, interpretação de textos ou frases, registros no caderno, memorização,
dentre outras exigências.

Responsável: Fique atento aos registros que o aluno fará no caderno! Leia tudo o que ele
escrever, motive-o, corrija-o com docilidade, firmeza, e interceda sempre, pois o senhor será um
dos maiores responsáveis por todas as virtudes que ele poderá alcançar, com a graça e Providência
de Deus!

83
Dicas para os responsáveis

Registro das atividades


O registro de todas as atividades, avaliações e respostas são fundamentais não apenas
para atingir o objetivo deste material, mas também para a organização do aprendiz, o seu
amadurecimento e até mesmo o reconhecimento de tudo o que está aprendendo e o modo como
está se desenvolvendo.
Diariamente propomos que seja feita uma checagem do que foi feito pelo aluno. A leitura
dos textos ou respostas elaboradas também o motivarão a ir cada vez melhor, de modo mais seguro
e eficaz.
Quando um registro é bem elaborado, haverá, por parte do responsável e do aprendiz, um
acompanhamento dos frutos, dos passos, do desenvolvimento do aluno, o que os tornarão mais
motivados, seguros e confiantes de estarem no caminho certo.
A checagem e vistoria das atividades podem ser feitas de diversos modos: avaliação oral,
observação do caderno, leitura das atividades realizadas, dentre outras possibilidades. O que
enfatizamos é que este registro e análise deve ser sempre feito, preferencialmente todos os dias em
que tiverem a disciplina.

Como corrigir textos?


A tarefa de produção de textos é fundamental para o desenvolvimento, crescimento e
formação do aluno, mas, justamente pelo imenso valor, exige uma atenção e trabalho maiores por
parte dos docentes.
Oferecemos abaixo dicas fundamentais que auxiliarão na conferência e abordagem de toda
produção textual, desde as respostas mais simples até a elaboração de textos:
Sempre encontrar e dizer primeiro os aspectos positivos da produção textual; seja o título,
a letra, a ideia, a quantidade de palavras, o empenho... o elogio alcança milagres em todas
as crianças, desde que verdadeiro, sincero e oportuno! Nunca faça afirmações elogiosas se
não forem, de fato, merecidas pelo aluno.
Todos os erros devem ser corrigidos, mas com cautela e paciência:
-Se o aluno apresentar muitas dificuldades com a escrita, todos deverão ser
corrigidos, mas não convém que todos os erros sejam corrigidos de uma vez;
corrigir todos os erros de uma vez pode implicar que todas as linhas e palavras
fiquem perdidas dentro de um mar vermelho de correções. Priorize um ou dois
erros iniciais para corrigir e recordar, e, depois, ao longo da semana ou do mês,
fique atento aos outros que ele cometeu na produção anterior para corrigir também.
-Se o aluno não apresenta dificuldades com a escrita, para incentivá-lo, pode
sugerir que troque algumas palavras do texto por sinônimos mais rebuscados,
deixando o texto mais formal e aumentando seu vocabulário;

84
Atividades de reescrita, a partir da correção dos erros, podem ajudar o aluno a ir cada
vez melhor, refletindo sobre o que escreve;
Não responda a dúvidas ortográficas dos aprendizes rapidamente/ diretamente (por
exemplo: `PORQUE` se escreve junto ou separado? /PASSO/ se escreve com SS ou Ç?).
Sugerimos que incentive a procura em dicionários, para que seja mais difícil esquecer o
que é aprendido! Muitos aprendizes optam sempre pelo mais rápido e fácil, o que não
combina com um aprendizado efetivo, que busca formar santos sábios!
A maioria dos erros que os alunos cometem podem ser evitados com a releitura do texto
feita com muita atenção, antes de mostrar para o docente. Quando identificar um
problema que seria facilmente evitado com a releitura, destaque o parágrafo e peça para
que o aluno releia na sua frente, tentando perceber se algo está errado. Quando notar o
equívoco, peça que corrija imediatamente. Na ansiedade de acabar as atividades propostas,
muitas vezes o aluno pula algumas palavras, não conjuga alguns verbos, não faz a
concordância correta do sujeito com o verbo, costuma utilizar palavras e expressões da
oralidade e informais (exemplos: tipo assim... aí, né... daí...), dentre outros erros que são
mais claramente observáveis e que devem ser sempre corrigidos;
Nunca subestime o aluno! Este é um dos maiores erros de docentes que, julgando a
incapacidade do aprendizado de uma sala, nivelam “por baixo” todas as salas de aula,
deixando o ensino limitadíssimo e fraco. Não significa que deve estipular para o aprendiz
metas inalcançáveis, mas que, de modo equilibrado, deve sempre levar em conta que a
inteligência é uma graça dada por Deus, que ele conseguirá se perseverar, aprenderá e dará
muitos frutos. Não caia na tentação de pensar “isto é muito difícil, ele nunca aprenderá!”!
Confie em Deus e nas graças que a Virgem Santíssima concederá aos que pedirem de todo
o coração. Coragem!
Peça ajuda: muitas vezes a humildade abrirá todas as portas necessárias para um efetivo
aprendizado. O encaminhamento de dúvidas para os professores responsáveis pela
disciplina poderá ajudar muito e poupar horas de trabalho em excesso do docente.

Apresentaremos aos senhores um modelo de roteiro que os amparará na correção de textos e


análise de leitura. Estes roteiros poderão auxiliar qualquer disciplina:

85
Roteiro para correção de textos
- Aspectos positivos;
- Grafia (letra legível? Diferencia letras maiúsculas e
minúsculas...);
- Pontuação (vírgula, ponto final, de interrogação...);
- Coerência (Tem sentido? Começo, meio e fim?);
- Abordagem do tema (concluiu o objetivo da atividade?);
- Aspectos que deve melhorar;

Roteiro para aferição de leitura


- Clareza, dicção (pronúncia correta e / articulada das
palavras);
- Pontuação;
- Entonação, ritmo da leitura;
- Intensidade/ altura da voz;
- Velocidade da leitura;
- Aspectos positivos;

86
Avaliações mensais
Após a realização das atividades mensais, duas atividades avaliativas são propostas em todo
volume que deverão ser cuidadosamente analisadas pelos responsáveis:
Frutos de santidade: atividade em folha separada que demonstra os frutos que a
história mensal e as biografias lidas geraram na vida do aprendiz (formará um livro no
término desta etapa).
Minigramática: um resumo dos principais conceitos gramaticais vistos no volume,
feito em folha separada. Este resumo se unirá com os resumos dos próximos volumes
e formará uma minigramática ao término desta etapa.
Avaliação da seção “Teoria e prática”: avaliação mensal que visa avaliar os
conhecimentos construídos na seção Teoria e prática.

Jesus, Maria e José, nossa família vossa é!

87
Tabelas de correções que poderão auxiliar o
trabalho docente:
Tabela de correção de textos avaliativos.

TABELA DE CORREÇÃO DE TEXTOS

Aspectos avaliados Primeira análise Reescrita do texto Avaliação Final


Aspectos positivos
(identifique todos os
bons aspectos da leitura,
como argumentos, letra,
etc...)
Caligrafia (letra legível e
caprichada?)
Ortografia (A grafia das
palavras estão corretas?)
Coerência (O texto
escrito possui sentido e
ligação entre as ideias?)
Coesão (O texto está claro
e sem ambiguidade?)

Pontuação (Utilizou
corretamente a
pontuação?)
Tema (Obedeceu ao que
foi pedido?)
Parágrafos (Os
parágrafos foram
empregados
corretamente? Em
sentido e em estrutura?)

88
Repetição (Foram
utilizadas as mesmas
palavras muitas vezes?)
Confusão (O texto
apresenta ideias
confusas?)
Ausência de palavras
(por algum motivo,
palavras importantes
foram esquecidas?)
Outras observações
importantes:

ATENÇÃO:
Caso queira atribuir uma nota à produção elaborada, estabeleça um ponto (1,0) para cada
item que será analisado, sendo que, em cada item, deverá analisar se o texto está:
0 - Insatisfatório
0,5 - Satisfatório
1,0 - Plenamente satisfatório
Os aspectos positivos (primeiro item) poderão acrescentar até um ponto bônus, caso o
aluno se destaque em algum quesito.

89
Tabela de avaliação de leitura

TABELA DE AFERIÇÃO E AVALIAÇÃO DE LEITURA

Análise da leitura Avaliação da Releitura Avaliação Final


gravação
Entendimento do texto (a
partir da leitura, é
possível identificar com
facilidade o assunto do
texto lido?)

Clareza, dicção
(pronúncia correta e
articulada das palavras)

Pontuação, entonação,
ritmo da leitura.

Intensidade/ altura da
voz.

Velocidade da leitura.

ATENÇÃO:
Caso queira atribuir uma nota à leitura gravada, estabeleça dois pontos (2,0) para cada item
que será analisado, sendo que, em cada item, deverá analisar se a leitura está:
0 - Insatisfatória
1,0 – Satisfatória
2,0 - Plenamente satisfatória

90
Recomendações iniciais
1- Antes de iniciar o trabalho, ofereça seu estudo a Deus, peça a presença do Divino Espírito
Santo, busque o silêncio e a concentração. Realize as orações propostas na introdução deste
material e entregue seu coração e entendimento nas mãos de Nossa Senhora, para que Ela o
conduza pelo caminho da sabedoria e da santidade;
2- Cuide com muito zelo deste material e do seu caderno, os mantenha limpos e organizados!
Eles serão grandes instrumentos do amor de Deus que o conduzirá ao conhecimento da Verdade;
3- Na primeira página de seu caderno desenhe ou cole uma imagem que o inspira ou motiva a
seguir esta etapa, um exemplo de persistência, de perseverança e de virtudes! Esta imagem irá
motivá-lo ao longo do ano;
4- A organização de sua rotina será essencial para um bom trabalho. Para tal fim, organize com o
seu responsável um horário (cronograma semanal) que deverá seguir para contemplar todas as
atividades e leituras propostas. Não passe para os próximos itens antes de formalizar este
horário!
5- Se apresentar qualquer dificuldade ortográfica (como letra ilegível, má utilização das linhas e
espaços para a escrita, falta de alinhamento, etc.), sugerimos que as produções textuais e as
atividades sejam realizadas no caderno de caligrafia;

São Domingos Sávio, rogai por nós!

91
Língua Portuguesa

Parte 1

Aprendendo com os Santos e


com a Igreja

92
Atividades para parte “Aprendendo com os santos e
com a Igreja”
Orientações: selecionamos três biografias que devem ser lidas semanalmente. Os exercícios
que devem ser feitos estão apresentados antes das biografias da semana. Cada semana é proposta
um tipo de atividade diferente.

Semana 1 - Resumo

Glossário
DEFINIÇÃO: Vocabulário ou livro em que se explicam palavras de significação
desconhecida.

Leia cada biografia e procure no dicionário os vocábulos que desconhece. Construa um


glossário.

Nesta semana trabalhará com resumos. Sabe elaborar um resumo de modo adequado?
Quais informações deve considerar?

Resumo
DEFINIÇÃO: Ato ou efeito de resumir. Exposição curta, breve, de uma sucessão de
acontecimentos, das características gerais de algo, etc; extrato, síntese, sinopse, sumário.
Apresentação, em poucas palavras, do conteúdo de artigo, livro, etc. Aquilo que representa,
ilustra ou traz em si as principais características de algo maior.

Atividades Para Todas as biografias Desta Semana:


Leia diariamente os textos da seção Aprendendo com os Santos e com a Igreja.
Procure no dicionário os vocábulos desconhecidos e construa um glossário.
Elabore um resumo de cada texto lido, levando em conta todos os aspectos fundamentais
deste tipo textual.

93
1. São Raimundo de Peñafort: Um homem para todas as missões
A alguns Santos a Providência dá uma missão restrita,
bem delimitada. Outros são chamados para acudir às
necessidades gerais da Igreja, nos mais diversos campos de
apostolado. Eles sustentam a causa de Deus em toda parte, são,
por assim dizer, factótuns (faz-de-tudo) de Deus.

Uma vocação universal


Nessa perspectiva, a vida de São Raimundo se torna mais
facilmente compreensível. Trata-se de um Santo com uma
vocação universal. Chamado pela Providência para as missões
mais diversas, ele, com uma versatilidade prodigiosa, “faz de
tudo”, quase ao mesmo tempo.
Nasceu em 1175, no castelo de Peñafort, na Catalunha, Espanha. Seus pais eram de nobre
estirpe de cavaleiros. Ainda leigo, com a idade de 20 anos, já ensinava filosofia em sua cidade,
mais com o intuito de formar os corações do que de instruir os espíritos. O tempo que lhe sobrava,
empregava-o em socorrer os infelizes e conciliar divergências entre seus concidadãos.
Aos 30 anos ingressou na Universidade de Bolonha, onde estudou Direito Canônico e Civil
com tal êxito que não tardou em doutorar-se e passar de aluno a mestre. As qualidades e virtudes
do piedoso doutor faziam dele um dos mais belos ornamentos da famosa Universidade. Em pouco
tempo, sua reputação já alcançava países distantes.
Em 1219, o Bispo de Barcelona, Dom Berenger, foi a Bolonha, com o objetivo de levar
consigo Raimundo para sua diocese. Bem sabia o Prelado quanto este lhe seria valioso instrumento
para reforma dos costumes, reafervoramento do povo e até mesmo do clero da Catalunha. O
famoso professor, entretanto, não se mostrava disposto a abandonar seu campo de trabalho, onde
podia fazer tanto bem para a salvação das almas.
O Bispo, porém, sabia como tocar as cordas sensíveis do Santo. Após expor-lhe as
prementes necessidades da Igreja em Barcelona, afirmou que ele tinha uma particular obrigação
de atender primeiro seu país natal. Depois lhe mostrou o perigo de se afastar do caminho de Deus,
ao qual ele ficaria mais exposto se seguisse apenas sua própria vontade. E encerrou com o seguinte
argumento: em Bolonha, o brilho de sua reputação lhe atraía tão grandes aplausos que não poderia
deixar de aumentar desmedidamente suas ocupações, com prejuízo da vida interior. Por fim,
Raimundo se deixou persuadir e transferiu-se para Barcelona, dedicando-se de corpo e alma ao
serviço do Altar.

Modelo dos sacerdotes


Nomeado cônego, e pouco depois arqui-diácono, logo tornou-se o modelo dos sacerdotes
na igreja de Barcelona, tanto pela inocência de sua vida quanto pela regularidade e exatidão no
cumprimento de todos os ministérios.

94
Empenhou-se para que os atos litúrgicos fossem realizados com a maior dignidade e beleza.
Autorizado pelo Bispo, promoveu pela primeira vez a celebração da festa da Assunção de Nossa
Senhora, com ofício solene.
Raimundo estava sempre pronto a socorrer os indigentes e auxiliar a todos quantos iam
consultá-lo. Em pouco tempo fez-se amado e respeitado por todos. O exemplo de suas virtudes
contribuiu mais para a reforma dos costumes que toda a autoridade da qual fora revestido pelo
Bispo.
Mas o desejo de levar uma vida mais perfeita, mais penitente e menos exposta aos olhos
dos homens, cujos louvores temia, o impelia a procurar um estado de maior dedicação. Quando
professor em Bolonha, testemunhara as grandes virtudes de São Domingos e os milagres que Deus
realizava por meio desse Santo. Era grande admirador da vida angélica dos primeiros dominicanos
estabelecidos em Barcelona. Dócil à voz de Deus que o chamava a ser como eles, recebeu o hábito
religioso de São Domingos na Sexta-Feira Santa de 1222, na idade de 47 anos.
Seu exemplo atraiu para a Ordem Dominicana vários personagens ilustres, como Pedro
Ruber, Raimundo de Rosannes e outros piedosos eclesiásticos, cuja vocação e talento deram novo
brilho à Ordem em toda a Catalunha.

Homem de grande ciência


Esse novo estado de vida foi para ele um acréscimo de fervor e uma escola de perfeição.
As graças que recebia na oração aumentavam-lhe sempre o desejo de se mortificar e tornar-se útil
no serviço da Igreja e do próximo.
Os superiores valeram-se sabiamente de tais disposições para fazer frutificar suas
qualidades. Tendo ele rogado que lhe impusessem uma severa penitência para expiar, segundo
dizia, as vãs complacências que tivera ensinando no mundo, ordenaram-lhe que compusesse um
compêndio dos casos de consciência, para facilitar a delicada missão dos confessores.
Frei Raimundo executou esse trabalho com admirável exatidão, apresentando de forma
ordenada os “casos de consciência” e dando a solução para cada um deles, com base nos
ensinamentos das Sagradas Escrituras, nos cânones das leis eclesiásticas, na doutrina dos Padres
da Igreja e nos decretos pontifícios. O Papa Clemente VIII fez grandes elogios a essa obra,
afirmando ser ela igualmente útil aos penitentes e necessária aos confessores.
Conhecedor da grande ciência de São Raimundo, o Papa Gregório IX chamou-o a Roma
como Penitenciário Papal e lhe deu a incumbência de realizar um trabalho de proporções
universais, a compilação da vasta legislação canônica então em vigor.
Dela se desincumbiu o insigne canonista dominicano com o zelo e a competência de
costume. Em 1234 apresentou ao Pontífice a obra concluída. Sob o título de Decretais, essa
codificação vigorou na Igreja até 1918, quando foi publicado o primeiro Código de Direito
Canônico.
Insaciável zelo pelas almas
Em 1238 foi eleito Superior Geral dos Dominicanos. Desejoso, porém, de dedicar-se por
inteiro ao apostolado de conquista de almas para Jesus Cristo, pediu e obteve dispensa desse cargo.

95
O zelo da salvação das almas o devorava. Seus pensamentos estavam voltados para fazer novas
conquistas para a Igreja, sobretudo entre os infiéis.
Com o objetivo de facilitar a conversão de judeus e muçulmanos, criou centros para o
ensino de suas línguas e pediu a Santo Tomás de Aquino para escrever a Suma Contra Gentiles.
Servindo-se deste poderoso instrumento de apostolado, o Santo pôs-se a campo, e os bons
resultados não se fizeram esperar: em uma carta sua ao Superior Geral, datada de 1256, pode-se
ler que obteve a conversão de mais de dez mil árabes na Espanha. Esse célebre canonista organizou
também missões para a conversão dos judeus e dos muçulmanos. Não havia, por assim dizer,
campo de apostolado ao qual não se lançasse: trabalhar sem esmorecimento para converter os
pagãos, ou pelo menos impedir que corrompessem os cristãos; atrair os pecadores à penitência e
reconciliá-los no tribunal do confessionário; instruir os fiéis pelo ministério da palavra; apoiar os
bons, consolá-los nos seus sofrimentos; obter para os pobres as esmolas e os auxílios dos ricos –
nada era demasiado para o desejo de salvar almas, que nele crescia mais e mais.

Navegando sobre um escapulário de lã


São Raimundo é um dos mais esplendorosos exemplos de confirmação das palavras de
Cristo: “Aquele que crê em Mim fará também as obras que Eu faço, e fará ainda maiores do que
estas” (Jo 14,12).
O Rei Jaime de Aragão era senhor da Ilha de Maiorca, localizada no mar Mediterrâneo a
360 quilômetros de Barcelona. Numa de suas viagens a essa ilha, convidou para acompanhá-lo
Frei Raimundo, que na época exercia as funções de capelão da corte. Durante o percurso, o
monarca – cujo procedimento moral muito deixava a desejar – tentou forçar a consciência do
Santo, exigindo que ele complacentemente fizesse vistas grossas a esse mau proceder.
O homem de Deus resistiu com vigor, chegando a ponto de pedir licença para descer do
navio, em pleno mar, e retornar a Barcelona. O Rei negou autorização para essa “loucura” que
para o Santo, entretanto, parecia coisa simples, uma vez que Jesus veio até seus discípulos
“caminhando sobre as águas do mar” (Mt 14, 25). Confiante em Deus, ele respondeu ao monarca:
– Um rei da terra me fecha a passagem, mas o Rei do Céu há de me abrir caminho melhor;
ou por outra, Ele próprio é meu caminho!
Porém o Rei, à negativa de autorização, acrescentou uma ameaça de pena de morte, caso o
Santo tentasse fugir. E ao desembarcar na ilha, Frei Raimundo notou que uma escolta armada havia
sido incumbida de guardá-lo para impedir sua fuga.
Após, com sua acolhedora bondade, conquistar a confiança dos guardas, manifestou-lhes
o desejo de rezar andando pela praia. Eles consentiram. Afinal, pensavam, o que poderia fazer esse
bom frade, desarmado, para escapar de nossa vigilância? Tal raciocínio, inteiramente válido para
outros homens, revelou-se ilusório para o indomável Santo.
Sob o olhar estupefato dos soldados, ele estendeu seu escapulário de lã sobre as águas do
mar, e nele “embarcou”. Após agasalhar-se com parte de seu manto, içou a outra ponta ao seu
bastão, constituindo uma vela. O resto… foi só invocar o santo nome de Maria, a Senhora dos
ventos, de quem era fiel devoto. Um sopro suave, mas veloz, impulsionou o veleiro de Deus e em
menos de seis horas ele chegava ao porto de Barcelona, vencendo milagrosamente a distância de
360 km que separam a Ilha de Maiorca dessa cidade espanhola.

96
Era alta madrugada quando chegou a seu convento, onde a grande porta abriu-se por si
mesma, como braços maternos a acolher um filho que há tempos não a transpunha. Ele dirigiu-se
à sua cela conventual, onde até as paredes pareciam exultar de alegria. Ao amanhecer, com a
despretensão característica dos santos, ele foi tomar bênção do Superior e comunicar que sua
missão na corte real estava cumprida. Do portentoso milagre, só muito depois os irmãos tomaram
conhecimento, e por outras vias.

E o Rei, como reagiu?


Caindo em si, ante essa manifestação de um poder sem comparação maior que o seu, passou
a seguir fielmente as advertências de Frei Raimundo, tanto no que dizia respeito à direção de sua
consciência, quanto no que concernia ao governo do Reino.

Cem anos de vida inocente


Recolhido no convento de Barcelona, São Raimundo cuidou de preparar-se para sua última
viagem. Com redobrado fervor, consagrava dias e noites à oração e à penitência.
Chegou afinal o almejado e temido dia do encontro com Deus, 6 de janeiro de 1275.
Justamente nesse dia, ele completava 100 anos de idade! Após receber os sacramentos da Igreja,
sua grande alma retornou às mãos do Criador, tão inocente quanto delas havia saído. Antes de sua
partida para a eternidade, os reis de Castela e Aragão o visitaram com suas respectivas cortes, para
receber pela última vez sua bênção.
São Raimundo foi canonizado em 1601, pelo Papa Clemente VIII. Em seu túmulo,
operaram-se numerosos milagres, muitos dos quais são mencionados na bula de sua canonização.
Sendo o dia 6 de janeiro dedicado à festa dos Reis Magos, a Igreja celebra no dia 7 a entrada
gloriosa de sua alma no Céu.
******

São Raimundo e a Ordem dos Mercedários


São Raimundo de Peñafort está também na origem da Ordem de Nossa Senhora das
Mercês, cujas Constituições foram redigidas por ele. Seu fundador, São Pedro Nolasco, na idade
de 25 anos, travou contato com ele em Barcelona e logo se pôs sob sua direção espiritual.
Naquela época, milhares de cristãos eram aprisionados por piratas mouros no Mar
Mediterrâneo ou nas regiões costeiras, e encerrados em sombrias masmorras ou vendidos como
escravos nas cidades maometanas.
O milagre das Cadeias de São Pedro, narrado nos Atos dos Apóstolos, serviu de inspiração
para a fundação de uma ordem religiosa com o objetivo de resgatar esses infelizes cativos: “Pedro
dormia entre dois soldados, ligado com duas cadeias. Um anjo do Senhor resplandeceu no cárcere
e, tocando-o, disse: Levanta-te e segue-me. E as correntes caíram das suas mãos (…) Chegaram
ao portão de ferro, que dá para a cidade, o qual se lhes abriu por si mesmo” (At 12, 6-10). Em
homenagem a este milagre, a Igreja estabeleceu a festa das Cadeias de São Pedro, comemorada no
dia 1º de agosto.

97
Justamente nesta festa, no ano 1218, Nossa Senhora apareceu a São Pedro Nolasco e lhe
disse ser do agrado de Deus a fundação de uma congregação com o título de Nossa Senhora das
Mercês, para o resgate dos cativos cristãos. Ele foi logo comunicar o fato a São Raimundo, o qual
declarou ter recebido a mesma graça da Mãe de Deus.
Pouco depois, foram os dois tratar com o Rei Jaime sobre os meios para levar avante a
fundação, e este lhes informou que também a ele a Santíssima Virgem havia aparecido, fazendo
idêntica comunicação.
Assim, graças a uma conjugação de fatores sobrenaturais, e ajudada pelo prestígio de São
Raimundo, a Ordem de Nossa Senhora das Mercês se desenvolveu rapidamente, atraindo para suas
fileiras numerosos fidalgos da França, Alemanha, Inglaterra e Hungria.
Antonio Queiroz; Revista Arautos do Evangelho, Jan/2005, n. 37, p. 34 a 37

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2. Santa Escolástica: Quando o amor vence a razão
A história de Santa Escolástica está intimamente
ligada à aquele que por desígnios da Providência nasceu
com ela para a vida, o grande São Bento, seu irmão gêmeo
e pai do monacato ocidental, a quem amou com todo o seu
coração.
Quando Nosso Senhor veio ao mundo, trouxe-nos
um mandamento novo: “Como eu vos tenho amado, assim
também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13, 34).
Este amor levado às últimas consequências propiciou-nos
a Redenção. E um relacionamento humano regrado e bem
conduzido deve seguir o exemplo do Divino Mestre. O
verdadeiro amor ao próximo é aquele que se nutre por
outrem por amor a Deus e que tem o Criador como centro,
visando a santidade daqueles que se amam. Já ensinava
Santo Agostinho que só existem dois amores: ou se ama a
si mesmo até o esquecimento de Deus, ou se ama a Deus
até o esquecimento de si mesmo.
Assim foi Santa Escolástica, alma inocente e cheia de amor a Deus, de quem pouco se
conhece, mas que, abrindo-se à sua graça, adquiriu excepcional força de alma e logrou chegar à
honra dos altares. Sua história está intimamente ligada àquele que por desígnios da Providência
nasceu com ela para a vida, o grande São Bento, seu irmão gêmeo e pai do monacato ocidental, a
quem amou com todo o seu coração.
Nasceram Escolástica e Bento em Núrsia, na Úmbria, região da Itália situada ao pé dos
montes Apeninos, no ano 480. Como seu irmão, teve ela uma educação primorosa. Com seus pais,
muito católicos e tementes a Deus, constituíam uma das famílias mais distintas daquelas
montanhas. Modelo de donzela cristã, Escolástica era piedosa, virtuosa, cultivava a oração e era
inimiga do espírito do mundo e das vaidades.
Sempre caminhou em uníssono com seu irmão Bento, unidos já antes de nascer e irmãos
gêmeos também de alma. Com a morte dos pais, Escolástica vivia mais recolhida no retiro de sua
casa. Quando se inteirou que seu irmão deixara o deserto de Subiaco e fundara o célebre mosteiro
de Monte Cassino, decidiu ela professar a mesma perfeição evangélica, distribuindo todos os seus
haveres aos pobres e partindo com uma criada em busca do irmão.
Encontrando-o, explicou-lhe suas intenções de passar o resto da vida numa solidão como
a dele e suplicou-lhe que fosse seu pai espiritual, prescrevendo-lhe as regras que deveria seguir
para o aperfeiçoamento de sua alma. São Bento, já conhecendo a vocação da irmã, aceitou-a e
mandou construir para ela e a criada uma cela não muito longe do mosteiro, dando-lhe basicamente
a mesma regra de seus monges.
A fama de santidade desta nova eremita foi crescendo e, pouco a pouco, se juntaram a ela
muitas outras jovens que se sentiam chamadas para a vida monástica, colocando-se todas sob a
sua direção, juntamente com a de São Bento, formando assim uma nova Ordem feminina, mais

99
tarde conhecida como das Beneditinas, que chegou a ter 14.000 conventos espalhados por todo o
Ocidente.
A cada ano, alguns dias antes da Quaresma, encontravam-se Bento e Escolástica a meio
caminho entre os dois conventos, numa casinha que ali havia para este fim. Passavam o dia em
colóquios espirituais, para depois tornarem a ver-se no ano seguinte. Um dos capítulos do livro
“Diálogos”, de São Gregório Magno, ajudou a salvar do esquecimento o nome desta grande Santa
que tem lugar de predileção entre as virgens consagradas. O grande Papa santo narra com
simplicidade o último encontro de São Bento e Santa Escolástica, em que a inocência e o amor
venceram a própria razão.
Era a primeira quinta-feira da Quaresma de 547. São Bento foi estar com sua irmã na
casinha de costume. Passaram todo o dia falando de Deus. Ao entardecer, levantou-se São Bento
decidido a regressar a seu mosteiro, para voltar apenas no próximo ano. Pressentindo que sua morte
viria logo, Santa Escolástica pediu ao irmão que passassem ali a noite e não interrompessem tão
abençoado convívio. Ao que o irmão respondeu:
– Que dizes? Não sabes que não posso passar a noite fora da clausura do convento?
Escolástica nada disse. Apenas abaixou a cabeça e, na inocência de seu coração, pediu a
Deus que lhe concedesse a graça de estar um pouco mais com seu irmão e pai espiritual, a quem
tanto amava. No mesmo instante o céu se toldou. Raios e trovões encheram o firmamento de luz e
estrondos. A chuva começou a cair torrencialmente. Era impossível subir o Monte Cassino
naquelas condições. Escolástica apenas perguntou a seu irmão?
– Então, não vais sair? São Bento, percebendo o que se havia passado, perguntou-lhe:
– Que fizeste, minha irmã? Deus te perdoe por isso…
– Eu te pedi e não quiseste me atender. Pedi a Deus e Ele me ouviu – respondeu a cândida
virgem.
Passaram aquela noite em santo convívio, podendo o Santo fundador regressar ao seu
mosteiro apenas no outro dia pela manhã. De fato, confirmou-se o pressentimento de Escolástica.
Entregou sua alma ao Criador três dias depois deste belo fato. São Bento viu, da janela de sua cela,
a alma de Escolástica subir ao céu sob a forma de uma branca pomba, símbolo da inocência que
ela sempre teve. Levou o corpo para seu mosteiro e aí o enterrou no túmulo que havia preparado
para si próprio. Alguns meses mais tarde também faleceu São Bento. Ficaram assim unidos na
morte aqueles dois irmãos que na vida terrena se haviam unido pela vocação.
Comentando este fato da vida dos dois grandes santos, São Gregório diz que o
procedimento de Santa Escolástica foi correto, e Deus quis mostrar a força de alma de uma
inocente, que colocou o amor a Ele acima até da própria razão ou regra. Segundo São João, “Deus
é amor” (I Jo 4, 7) e não é de admirar que Santa Escolástica tenha sido mais poderosa que seu
irmão, na força de sua oração cheia de amor. “Pôde mais quem amou mais”, ensina São Gregório.
Aqui o amor venceu a razão, nesta singular contenda.
Peçamos a Santa Escolástica a graça da restauração de nossa inocência batismal, para que
cresça o amor a Deus em nossa alma e possamos ter sua força espiritual para dizer com toda
propriedade as palavras de São Paulo: “Tudo posso naquele que me conforta” (Fl 4, 13).
(Disponível em: http://www.arautos.org/secoes/artigos/especiais/santa-escolastica-quando-o-
amor-vence-a-razao-143622 )

100
3. Nossa Senhora de Lourdes
Em 11 de fevereiro de 1858, na vila francesa
de Lourdes, às margens do rio Gave, a Virgem
Santíssima manifestou seu profundo amor para
conosco, aparecendo a uma menina de 14 anos,
chamada Bernadete (Bernardita) Soubirous.
A história da aparição começa quando
Bernadete, que nasceu em 7 de janeiro de 1844, saiu,
junto com duas amigas, em busca de lenha na Pedra
de Masabielle. Para isso, tinha que atravessar um
pequeno rio, mas como Bernadete sofria de asma,
não podia entrar na água fria, e as águas daquele
riacho estavam muitas geladas. Por isso ela ficou de
um lado do rio, enquanto as duas companheiras iam
buscar a lenha.
Foi nesse momento que Nossa Senhora
aparece a Bernadete: "senti um forte vento que me
obrigou a levantar a cabeça. Voltei a olhar e vi que
os ramos de espinhos que rodeavam a gruta da pedra de Masabielle estavam se mexendo. Nesse
momento apareceu na gruta uma belíssima Senhora, tão formosa, que ao vê-la uma vez, dá vontade
de morrer, tal o desejo de voltar a vê-la".
"Ela vinha toda vestida de branco, com um cinto azul, um rosário entre seus dedos e uma
rosa dourada em cada pé. Saudou-me inclinando a cabeça. Eu, achando que estava sonhando,
esfreguei os olhos; mas levantando a vista vi novamente a bela Senhora que me sorria e me pedia
que me aproximasse. Mas eu não me atrevia. Não que tivesse medo, porque quando alguém tem
medo foge, e eu teria ficado ali olhando-a toda a vida. Então tive a ideia de rezar e tirei o rosário.
Ajoelhei-me. Vi que a Senhora se persignava ao mesmo tempo em que eu. Enquanto ia passando
as contas ela escutava as Ave-Marias sem dizer nada, mas passando também por suas mãos as
contas do rosário. E quando eu dizia o Glória ao Pai, Ela o dizia também, inclinando um pouco a
cabeça. Terminando o rosário, sorriu para mim outra vez e retrocedendo para as sombras da gruta,
desapareceu".
Em poucos dias, a Virgem volta a aparecer a Bernadete na mesma gruta. Entretanto, quando
sua mãe soube disso, não gostou, porque pensava que sua filha estava inventando histórias -
embora a verdade é que Bernadete não dizia mentiras -, ao mesmo tempo alguns pensavam que se
tratava de uma alma do purgatório, e Bernadete ficou proibida de voltar à gruta Masabielle.
Apesar da proibição, muitos amigos de Bernadete pediam que voltasse à gruta; com isso,
sua mãe disse que se consultasse com seu pai. O senhor Soubiruos, depois de pensar e duvidar,
permitiu que ela voltasse em 18 de fevereiro.
Desta vez, Bernadete foi acompanhada por várias pessoas, que com terços e água benta
esperavam esclarecer e confirmar o narrado. Ao chegar, todos os presentes começaram a rezar o
rosário; é neste momento que Nossa Senhora aparece pela terceira vez. Bernadete narra assim a
aparição:

101
"Quando estávamos rezando o terceiro mistério, a mesma Senhora vestida de branco fez-
se presente como na vez anterior. Eu exclamei: ‘Aí está'. Mas os demais não a via. Então uma
vizinha me deu água benta e eu lancei algumas gotas na visão. A Senhora sorriu e fez o sinal da
cruz. Disse-lhe: ‘Se vieres da parte de Deus, aproxima-te'. Ela deu um passo adiante".
Em seguida, a Virgem disse a Bernadete: "Venha aqui durante quinze dias seguidos". A
menina prometeu que sim e a Senhora expressou-lhe "Eu te prometo que serás muito feliz, não
neste mundo, mas no outro".
Depois deste intenso momento que cobriu a todos os presentes, a notícia das aparições
correu por todo o povoado, e muitos iam à gruta crendo no ocorrido, embora outros zombassem
disso.
Entre os dias 11 de fevereiro e 16 de julho de 1858 houve 18 aparições. Estas se
caracterizaram pela sobriedade das palavras da Virgem, e pela aparição de uma fonte de água que
brotou inesperadamente junto ao lugar das aparições e que deste então é um lugar de referência de
inúmeros milagres constatados por homens de ciência.
(Disponível em: http://www.arautos.org/secoes/servicos/santodia/nossa-senhora-de-lourdes-4-
139997)

102
Atividades para a parte “Aprendendo com os Santos
e com a Igreja”

Semana 2 - Resenha
Nesta semana serão trabalhadas resenhas.
Como elaborar uma resenha de modo adequado? Quais informações devemos considerar?
Qual é a diferença entre resumo e resenha?

Resenha
DEFINIÇÃO: Relato ou descrição minuciosos. Texto breve, com apresentação e exame crítico
de um livro ou de um escrito.

Diferença entre resumo e resenha


“Para se fazer um resumo ou uma resenha é necessário que se faça primeiramente uma boa
leitura. E, para um melhor entendimento de um texto, a leitura pode ser feita.
1ª) Ler para se ter a visão do conjunto do tema;
2ª) Retomar a leitura com maior atenção e sinalizar tópicos frasais de maior relevância.

Resumo
-O resumo, além da definição já apresentada, deve ter:
a) Brevidade;
b) Claridade;
c) Fidelidade;

Resenha
Não deixa de ser uma condensação do texto, mas também há a análise interpretativa do
texto lido. É um resumo crítico, deve existir uma apreciação crítica sobre a obra.

— Como fazer a resenha?


Primeiramente deve-se resumir o conteúdo e depois fazer a transição para a crítica,
seguindo o esquema:
a) Introdução;
b) Desenvolvimento;

103
c) Conclusão;
d) Crítica (quando for feita a parte).
A resenha é muito utilizada em jornais e revistas
(Referência Bibliográfica: Elaboração de Resumos e Resenhas/Silvana Drumond Monteiro/ Editora UEL)

Atividades Para Todos Os Dias Desta Semana


Leia diariamente os textos da seção “Aprendendo com os Santos e com a Igreja”.
Procure no dicionário os vocábulos desconhecidos e construa um glossário.
Elabore um breve resumo de cada biografia.
A partir da leitura de cada biografia elabore uma resenha, que consiste em resumir um
determinado assunto expressando opinião, apresentando uma visão crítica, positiva ou
negativa. (Mínimo: 15 linhas)
Esta resenha deverá ser direcionada a uma das seguintes opções (a cada dia escolha uma):
- Algum familiar;
- Algum colega;
- Uma revista católica;
- Um site católico;
- Um noticiário.

104
4. Festa de Apresentação do menino Jesus no templo
Na época de Salomão, a inauguração do
Templo de Jerusalém havia se dado com pompa e
majestade. Logo depois “uma névoa enchera a casa
do Senhor, e os sacerdotes não podiam ter-se de pé
nem fazer as funções do seu ministério por causa da
névoa, porque a glória do Senhor tinha enchido a casa
do Senhor. Então disse Salomão: O Senhor declarou
que habitaria numa névoa. Eu edifiquei esta casa para
tua morada, para teu trono firmíssimo para sempre”
(1 Rs 8, 10-13).
Mas agora, “não parece ele, aos vossos olhos,
como uma coisa de nada?” – perguntava Ageu ao
povo (Ag 2, 3).
Apresentação do menino Jesus no templo. A consternação se abateu sobre todos os que
ouviam a recriminação de Deus pelos lábios de seu profeta. Mas logo suas faces se tornaram mais
luzidias do que nunca: “Porque isto, diz o Senhor dos exércitos: Ainda falta um pouco, e eu
comoverei o céu e a terra, o mar e todo o universo. Abalarei todas as nações, e virá o desejado de
todos os povos; e encherei de glória esta casa… Minha é a prata, meu é o ouro… A glória desta
casa será maior que a da primeira… e darei a paz neste lugar” (Ag 2, 7-10).
Quem poderia imaginar a cena na qual a profecia de Ageu se cumpriria? O Templo na
glória de sua inauguração, ou na esperança da hora de sua reconstrução, jamais acolheu alguém
mais importante: o próprio Criador Menino, nos braços de sua Mãe, para ser oferecido ao Pai!
Tem Ele já o pleno uso da razão, apesar de ainda tão criança. Quais teriam sido, então, seus
pensamentos ao cruzar o portal daquele sagrado edifício? Grande emoção humana num Coração
Infante e Sagrado, que ardia em desejo de se oferecer como vítima expiatória. Já ao ser concebido
por obra do Espírito Santo no claustro de sua Mãe, esse ofertório se efetivara. Durante os trinta
anos em Nazaré, a vida do Cordeiro de Deus foi uma constante renovação desse ato supremo da
entrega de Si próprio em holocausto, que atingiu seu ápice no Calvário. É o que afirma São Paulo:
“… entrando no mundo, Cristo diz: Não quiseste sacrifício, nem oblação, mas me formaste um
corpo… Em seguida ajuntou: Eis que venho para fazer, a tua vontade… Foi em virtude desta
vontade de Deus que temos sido santificados uma vez para sempre, pela oblação do corpo de Jesus
Cristo.” (Hb. 10, 5, 9-10).
Mas foi quando Simeão, representante do povo judeu, tomou o Cristo nos braços para
entregá-Lo ao Pai, que a oferenda ganhou um caráter oficial. O sacerdote se uniu a Cristo nesse
momento, ou vice-versa? É um belo problema teológico. Com inteira propriedade exclama Frei
Luís de Granada: “Cristo não só se oferece ao Pai, mas por meio de Maria é entregue à Igreja,
representada por Simeão. Maria… nos entrega o melhor que possui. A Santíssima Trindade ratifica
essa doação, pois o Pai assim havia disposto, o Filho se oferecera para nosso remédio e o Espírito
Santo trouxe Simeão.
“Hoje é-nos entregue oficialmente em lugar público o Templo; por pessoa pública, Maria…
Correi, pois… e aprendei na escola desse Menino como, sendo Deus tão elevado, agradam-Lhe os

105
corações humildes no céu e na terra” (Obra selecta de Fray Luis de Granada, 1.3, c.15, p. 763 e
764). Quanto à Purificação da Virgem Maria, está ela adstrita à Lei Mosaica (Lv. 12). Nenhum
dos requisitos da Lei precisava cumprir Maria. Entretanto assim procedeu a Mater Ecclesiae, para,
entre outras razões, ensinar-nos com que amor e carinho devemos seguir as leis da Igreja. Ela fará
o oferecimento dos pobres: “um par de rolas, ou dois pombinhos”.
“A rola”, dirá São Tomás (Summa Theologica, III – q. 37, a. 3), “com seu contínuo canto
significa a pregação e confissão da fé; ave casta e solitária, recorda essas duas virtudes. A pomba,
mansa e feita de simplicidade, amiga de viver em coletividade, representa a vida ativa; a perfeição,
portanto, da comunidade formada por Cristo e seus membros.
Rolas e pombos com seus gemidos nos falam do suspirar contínuo dos santos pela vida
futura. Enquanto a rola solitária significa o gemido da oração serena, a pomba, animal gregário,
geme em público, como a oração da Igreja. Oferecem-se dois animais que simbolizam a Igreja.
Oferecem-se dois animais que simbolizam a dupla santidade: a do corpo e a da alma” (ad 2 e 3).
O famoso Beda, anteriormente a São Tomás, já afirmara representar a pomba a candidez,
por amar a simplicidade, e a rola, a castidade, porque, se perde sua companheira, não procura outra
(in homil. Purificat.)
“Havia em Jerusalém um homem chamado Simeão. Este homem era justo e temente a
Deus…” (Lc 2, 25).
É bem o elogio e a essência correspondentes a um varão santo. São as características de
uma ancianidade perfeita. “…esperava a consolação de Israel…” (idem).
É muito adequado o comentário de Santo Ambrósio a esse respeito. O velho Simeão não
procurava a graça tão-só para si; ele a queria para todo o povo. Compreendia, portanto, dessa forma
quão mais importante é a graça para a coletividade do que para uma só pessoa. Era um varão
conhecedor do papel relevante da opinião pública.
Era um homem de grande fé. Cria nas promessas de Deus. De grande discernimento, pois
sabia ser a libertação do pecado o consolo do povo, e não o mero término das opressões
estrangeiras.
“…e o Espírito Santo estava nele” (idem).
É o que se passa com toda alma em estado de graça. Mas, aqui, São Lucas parece querer
indicar algo de mais profundo, ou seja, destacar que se trata de um verdadeiro profeta, conforme
melhor transparecerá mais adiante, na promessa recebida e no fato de ter sido guiado ao encontro
com Jesus e Maria.
“Tinha-lhe sido revelado pelo Espírito Santo que não morreria sem primeiro ver o Cristo
do Senhor” (Lc. 2,26). Não paira a menor dúvida de que se tratava de uma revelação mística e
clara. A promessa de ver a Cristo Jesus também nos foi feita. Para tal acontecer, é necessário
imitar Simeão, ser justo, temer a Deus e esperar contra toda a esperança.
“Impelido pelo Espírito Santo, foi ao Templo” (Lc 2, 27)
Tratava-se de uma alma que havia alcançado os píncaros da união transformante. Deixava-
-se conduzir pelo Espírito. “E levando os pais o menino Jesus, para cumprirem a respeito dele os
preceitos da lei…” (idem).

106
Não no s esqueçamos de que o esposo era senhor e dono de todo fruto de sua mulher. Jesus
pertencia a José, e, assim, este era mais que um pai adotivo.
Graça maior do que ter o Menino Jesus nos braços”…“tomou-O nos braços…” (Lc 2,28).
Que graça extraordinária! Talvez depois de São José, Simeão tenha sido o primeiro varão
a gozar dessa indizível felicidade. Deus lhe deu mais do que prometera.
São Beda assim se expressa sobre esta passagem: “Aquele homem recebeu o Menino Jesus
em seus braços, segundo a lei, para demonstrar que a justiça das obras, que, segundo a Lei, estavam
figuradas pelas mãos e os braços, devia ser substituída pela graça, humilde certamente, mas
revigorante, de fé evangélica. Tomou o ancião o Menino Jesus, para demonstrar que este mundo,
já decrépito, ia voltar à infância e à inocência da vida cristã” (Beda, in homil. Purificat.).
Porém, nós ainda recebemos mais do que Simeão, pois, na hora da comunhão, nossa união
com Cristo é muito mais íntima. Que Simeão nos obtenha a graça de comungar diariamente como
ele mesmo teria gostado de fazê-lo.
“…e louvou a Deus nestes termos: Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz” (Lc 2,
29).
Mais uma vez transparece por suas próprias palavras, a fidelidade desse varão. Certamente
suas forças estiveram para abandoná-lo várias vezes. Quais não devem ter sido suas súplicas a
Deus para que não falhasse em sua divina promessa? Quantas vezes não terá sido provado: “Será
que agora morrerei sem ter visto o Messias?”
Não O vimos, nem O vemos, mas, na Eucaristia, podemos unir-nos a Ele mais intimamente
do que Simeão. Que felicidade a nossa!
Um Salvador para todos os povos
“…luz para iluminar as nações, e para glória de teu povo” (Lc 2,32)
A nossa íntima união com Cristo através da Sagrada Eucaristia é uma graça maior do que a de
receber nos braços o Menino Jesus.
Sim, as outras nações não haviam recebido a Revelação. A glória cabia ao povo judeu; aos
demais devia ser concedido o conhecimento da chegada do Salvador. Nesse momento estavam a
caminho os três Reis Magos, que dariam ocasião à manifestação da missão universal do Menino
Deus, a Epifania.
“Seu pai e sua mãe estavam admirados das coisas que se diziam” (Lc 2, 33).
Assim haviam estado ao constatarem as manifestações angélicas e a presença dos pastores
na gruta em Belém. A mesma admiração se repetirá na chegada dos Reis do Oriente. Discerniam
ambos a glória futura da Civilização Cristã, promovida pelo oferecimento de Jesus.
“Simeão os abençoou” (Lc 2, 34)
Cabia-lhe abençoar, pois era da raça de Levi, sacerdote, portanto. É à corredentora que ele
se dirige.
Sinal de contradição, para se revelarem os segredos dos corações
“Eis que este Menino está destinado a ser uma causa de queda e de soerguimento para
muitos homens em Israel, e a ser um sinal de contradição” (Lc. 2, 34).

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No primeiro livro de suas homilias (hom. 15, De purificatione Beatae Mariae: PL 94, 79-
83), São Beda, o Venerável, assim se expressa: “Com júbilo ouvem-se essas palavras, que
exprimem haver sido destinado o Senhor a conseguir a ressurreição universal, conforme o que Ele
mesmo disse: ‘Eu sou a ressurreição e a vida; o que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá’
(Jo 11, 25).
“Mas quão terríveis soam aquelas outras palavras: Eis que este Menino está destinado a ser
uma causa de queda! “Verdadeiramente infeliz aquele que, depois de haver visto sua luz, fica, sem
embargo, cego pela névoa dos vícios… porque, segundo o Apóstolo (2 Pd. 2, 21), ‘melhor fora
não terem conhecido o caminho da justiça, do que, depois de tê-lo conhecido, tornarem atrás,
abandonando a lei que lhes foi ensinada’.
“Contradizem-No os judeus e gentios, e, o que é mais grave, os cristãos que, professando
interiormente o Salvador, desmentem-No com suas ações.”
“…a fim de serem revelados os pensamentos de muitos corações” (Lc 2, 35).
Continua São Beda:“Antes da Encarnação, estavam ocultos muitos pensamentos, mas uma
vez nascido na terra o Rei dos céus, o mundo se alegrou, enquanto Herodes ‘se perturbava e com
ele toda Jerusalém’. Quando Jesus pregava e prodigalizava seus milagres, enchiam-se as turbas de
temor e glorificavam o Deus de Israel; mas os fariseus e escribas acolhiam com raivosas palavras
quantos ditos procediam dos lábios do Senhor e quantas obras realizava.
Quando Deus padecia na cruz, riam com alegria os ímpios, e choravam com amargura os
piedosos; mas, quando ressuscitou dentre os mortos e subiu aos céus, mudou-se em tristeza a
alegria dos maus, e se converteu em gozo a pena dos amigos…” (S. Beda: ut supra).
Ainda hoje e até o Juízo Final, os cristãos, outros Cristos, são “sinais de contradição” e, em
função deles, revelar-se-ão os pensamentos escondidos nos corações de muitos.
Maria, corredentora, e o amor às nossas cruzes “E uma espada transpassará tua alma” (Lc
2, 35).
Maria é corredentora do gênero humano. Essa profecia de Simeão, Ela já a conhecia. Mais
ainda, estaria gravada em seu espírito até a ressurreição de Jesus. Ela é a Rainha dos Mártires e,
desde a Anunciação, sofreria com Cristo, por Cristo e em Cristo.
Nós somos convidados neste trecho do Evangelho a dar um caráter de holocausto às dores
que nos forem permitidas pela Providência. Tenhamos amor às cruzes que nos cabem, unindo-nos
a Jesus e a Maria nessa grandiosa cena da apresentação.
Por Monsenhor João Scognamiglio Clá Dias.
Disponível em: http://cleofas.com.br/a-apresentacao-do-senhor/. Acesso em 11 jan.
2018.

108
5. Santos Paulo Miki e companheiros, Mártires

Santos Paulo Miki e companheiros.

No século XVI, uma revolução havia dividido o Japão em 66 principados ou reinos


independentes. Essa descentralização era um momento propício para a implantação do
cristianismo. A Providência suscitou então São Francisco Xavier, quem em menos de onze anos
de apostolado no Oriente batizou aproximadamente dois milhões de pagãos, ganhando para a
Igreja o que Ela perdera no norte da Europa com o protestantismo. Entre os neoconvertidos para a
verdadeira fé no Japão, havia reis, bonzos (sacerdotes pagãos), generais e primeiros senhores da
corte, bem como gente de todas as camadas sociais.
Sucederam a São Francisco Xavier outros sacerdotes da Companhia de Jesus, que seguiram
com o mesmo zelo os passos do Santo Apóstolo. Durante 40 anos, o cristianismo floresceu na terra
do Sol Nascente.
Em 1582, um homem de origem obscura conseguiu impor-se como Imperador sob o nome
de Taicosama, reduzindo os demais reis a meros governadores, que ele mudava a seu bel-prazer.
No início Taicosama favoreceu o cristianismo. Mas aos poucos foi sendo trabalhado pelos
inimigos da Religião, os quais alegavam que ela acabaria por governar em seu lugar, entregando
o Japão aos espanhóis. Os jesuítas receberam então ordem de expulsão do país num prazo de seis
meses. Entrementes os missionários puderam continuar, com cautela e privadamente, o seu
apostolado.
Assim correram os eventos até 1587 — quando mais de 200 mil japoneses já haviam
abraçado a fé —, ano em que foi promulgado novo edito imperial de proscrição da religião cristã.
Vinte e seis residências dos missionários e 140 igrejas foram então destruídas. Os 130 jesuítas que
estavam no país precisaram se esconder e diminuir muito sua atividade apostólica para não
provocar as autoridades. Esse apostolado clandestino surtiu efeito, pois, de 1587 a 1597, quando a
perseguição se tornou sangrenta, houve mais de cem mil conversões apesar da proibição.
Essa era a situação quando, em 1593, sete franciscanos provenientes das Filipinas
estabeleceram-se no Japão por ordem de Felipe II, Rei da Espanha, fundando dois mosteiros. Isso
contrariava a proibição do Papa, que destinara a evangelização do país aos jesuítas. Esses filhos

109
de São Francisco começaram então zelosamente seu trabalho de caridade e evangelização,
pregando publicamente, em violação ao edito imperial.
O Imperador foi então implacável: condenou à morte os franciscanos e os de sua Casa, num
total de 21 pessoas, três das quais ainda quase crianças. A essas foram juntados três jesuítas,
perfazendo o número de 24 pessoas condenadas.
Esses confessores da fé deveriam ser levados de Meaco a Nagasaki, onde seriam
martirizados, numa marcha forçada de mais de 600 milhas (quase 1000 quilômetros). Mas antes,
os verdugos, num requinte de crueldade, cortaram a parte superior da orelha esquerda de cada um
dos condenados, que sangrando deram início à longa marcha.
Entretanto, no longo percurso sob o gélido frio do inverno japonês, os confessores da fé
deram mostra de tanta constância e alegria, que os próprios pagãos demostravam simpatia e
admiração em relação a eles.
Sucedeu então que dois heroicos cristãos, os irmãos Pedro e Francisco Sukechiro, que
seguiam os condenados a fim de assisti-los em suas necessidades, foram presos e incluídos no
número dos condenados, elevando assim seu número para 26.

São Paulo Miki


O mais conhecido é São Paulo Miki, oriundo de família nobre e educado pelos jesuítas
desde os 11 anos de idade. Aos 22 entrou para o Seminário da Companhia, “por causa da devoção
desta à Santíssima Virgem e do zelo apostólico que nela admirava”. Por sua ciência, modéstia e
eloquência, ele foi destinado à pregação antes mesmo de ordenar-se, obtendo grandes frutos.
Durante a longa viagem a caminho do martírio, Paulo Miki não cessava de exortar seus
companheiros à constância, e seus guardas pagãos a abraçarem o cristianismo.
No momento de sua crucifixão, disse ele a seus carrascos: “A única razão de minha morte
é a de que ensinei a doutrina de Cristo. Agradeço a Deus por isso. [...] Sei que credes em mim,
por isso quero dizer-vos tudo mais uma vez: pedi a Cristo que vos ajude, e sereis felizes. Eu
obedeço a Cristo. [...] Rogo a Deus que tenha piedade deles (dos perseguidores), e espero que
meu sangue caia sobre eles como uma chuva frutuosa”.

São João de Goto


João de Goto tinha sido batizado quando criança. Estudou com os jesuítas e desejou ser
admitido na Companhia de Jesus, mas era muito novo. Por isso tornou-se catequista enquanto
aguardava. Pouco antes de ser crucificado, vendo seu pai na multidão, disse-lhe: “Bem vedes, pai
e senhor, que não há no mundo coisa tão amável que se não deva sacrificar pela salvação eterna.
Eu tenho a ventura de dar a vida pela fé; agradecei muito ao Céu este grande benefício que ele
nos fez, a mim e a vós”. Tinha apenas 19 anos de idade.

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São Tiago Kisai
O terceiro leigo próximo dos jesuítas chamava-se Tiago Kisai. Batizado na juventude, ele
se distinguia pela piedade e zelo apostólico. Casou-se e viveu modelarmente, mas sua esposa
apostatou. Tiago então a deixou e providenciou a educação na fé de seu único filho, indo viver
com os jesuítas como porteiro e catequista aos 64 anos de idade.
Esses dois mártires puderam confessar-se com o Pe. Pásio, missionário presente à
execução, através do qual fizeram, em artigo de morte, os votos na Companhia de Jesus, Tiago
como irmão leigo.

Os mártires franciscanos
Os seis franciscanos martirizados foram os padres Pedro Batista, Martinho de Aguirre e
Francisco Blanco, e os irmãos leigos Francisco de São Miguel, Gonçalo Garcia e Felipe de Jesus.
Os 17 leigos incluídos na condenação ou ajudavam na catequese ou nos ofícios divinos. Quase
todos eram terciários Franciscanos. Desses, três eram ainda quase crianças, como dissemos.

São Martinho Aguirre da Ascensão


Também espanhol, foi escolhido para a missão no Japão por falar bem o japonês.

São Francisco Blanco


Assistindo ao fervor com o qual os japoneses se disputavam a felicidade de morrer por
Jesus Cristo, este outro garboso espanhol exclamou: “Tenho vergonha de mim mesmo vendo
homens que tão recentemente entraram no seio da Igreja mostrar tal coragem face à morte”.

São Felipe de Las Casas


Nascido no México de pais espanhóis, após uma vida tumultuada tornou-se franciscano. O
navio que o conduzia das Filipinas ao México aportou no Japão no preciso momento em que os
franciscanos eram aprisionados. Com isso ele teve a glória do martírio, aos 23 anos de idade, tendo
sido o primeiro a morrer, com três lancetadas.

São Gonçalo Garcia


Irmão leigo nascido em Baçaim, na Índia Portuguesa, de pai lusitano e mãe indiana. Como
tinha sido antes mercador, sabia bem a língua japonesa, razão pela qual foi levado para a missão
no país. Era excelente pregador. Do alto da cruz exortava os japoneses a abraçarem a religião de
Jesus Cristo.

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São Francisco de São Miguel
Espanhol e também irmão leigo, foi favorecido com o dom dos milagres. No Japão, ele se
destacou como o franciscano que obteve o maior número de conversões, apesar de não ser
sacerdote.
Entre os leigos que viviam com os franciscanos, havia três adolescentes:

Luís
Menino de apenas 11 anos, era coroinha. Por ser muito novo, não estava na lista dos
condenados. Mas chorou tanto, que foi preciso introduzi-lo.
Em Nagasaki, um pagão, vendo-o tão novo ser condenado à morte, propôs-lhe que
renunciasse à fé para salvar-se. O menino respondeu: “Pelo contrário, sois vós que deveis vos
fazer cristão, pois não há outro meio de vos salvar”.

Antônio
Tinha 13 anos. No momento do martírio, seus pais, que também eram cristãos, o
conjuraram a não morrer, mas esperar para confessar a fé numa idade mais avançada. Ao que ele
respondeu: “Cessai esses conselhos, não exponhais assim nossa santa fé ao desprezo e à chacota
dos pagãos”.

Tomás
Tinha 14 anos e era filho de Miguel Cozaki, que também sofreu o martírio.
Para que se tenha uma ideia do fervor com que esses heróis cristãos procuravam o martírio,
citemos um exemplo. Havia no convento dos franciscanos um cristão chamado Matias, que era o
provedor. Quando a polícia foi procurá-lo, ele estava ausente. Mas um cristão da vizinhança, que
tinha o mesmo nome, apresentou-se aos soldados dizendo: “Eis aqui um Matias; não sou o que
procurais; mas sou também cristão e amigo dos padres”. Foi então levado no lugar do outro e
recebeu a coroa do martírio.
Esses lídimos heróis da fé — cuja festividade a Igreja celebra no dia 7 de fevereiro —
foram canonizados em 8 de junho de 1862, festa de Pentecostes, pelo bem-aventurado Papa Pio
IX.

Notas Bibliográficas:
1. Cfr. Thomas Kennedy, Nagasaki, in The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.
2. Pe. José Leite, S.J., São Paulo Miki, S. Pedro Batista e companheiros mártires, Santos
de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, tomo I, p. 187).
3. http://www.americancatholic.org/Features/Saints/saint.aspx?id=1283
4. Pe. José Leire, op.cit., p. 189.

112
5. Mgr. Paul Guérin, Les Vingt-six Martyrs Du Japon, in Les Petits Bollandistes, Vies des
Saints,Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo X, p. 314.
6. Id., ib., p. 316.
7. Id. IB.

Disponível em: http://catolicismo.com.br/materia/materia.cfm/idmat/0242AF6B-BBE4-


65C4-3621341887A43F4B/mes/Fevereiro2016. Acesso em: 11 de jan. 2018.

113
6. Por que é necessário fazer ação de graças após a comunhão?
Há quem diga não ser necessário fazer ação de graças depois de ter recebido a comunhão.
Se a Eucaristia já é, como indica a palavra grega εὐχαριστία, "ação de graças", não seria essa
prática repetir o que já foi feito na Missa?
O que está em questão, na verdade, mais do que um "jogo de palavras", é a natureza do
Sacramento da Eucaristia e como ele age na alma dos que o recebem. Segundo Santo Tomás de
Aquino, "este Sacramento produz em relação à vida espiritual o efeito que a comida e a bebida
materiais produzem a respeito da vida corporal" (S. Th., III, q. 79, a. 1).
Um dos pontos defendidos pela chamada "nutrição funcional" é que as pessoas não são
simplesmente o que comem, mas o que conseguem absorver dos alimentos que ingerem. Assim,
de nada adianta consumir produtos nutritivos, se não se aproveitam as substâncias neles contidos.
Analogamente, há muitas pessoas participando da Mesa Eucarística, sem todavia aproveitar de
seus frutos: embora realmente recebam Jesus – porque é Ele quem está presente na hóstia
consagrada, com Seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade –, o divino hóspede passa por suas almas
sem deixar rastro, porque elas não se abrem à Sua ação. Infeliz e desgraçadamente, são muitas as
comunhões, mas poucas as almas comungantes; muitos que recebem Nosso Senhor, mas poucos
que verdadeiramente se unem a Ele.
A Teologia nos ensina que a presença de Cristo na Eucaristia "perdura enquanto
subsistirem as espécies do pão e do vinho". Isso quer dizer que, nos poucos minutos em que as
aparências do pão permanecem indigeridas, logo após a comunhão, Jesus Cristo está fisicamente
unido a quem comunga, tocando todo o seu ser com a Sua divina humanidade. Essa ação acontece
ex opere operato, isto é, por força do próprio Sacramento: Deus verdadeiramente envia a Sua graça,
bastando que nos disponhamos a recebê-la.
Não é suficiente, portanto, que a pessoa se ponha em contato com Cristo, se não reconhece,
com a fé, a grandeza de quem a visita, e não trata com amor este esposo que vem chamá-la à união
Consigo. Assim como eram muitos os que circundavam Jesus, mas somente a hemorroíssa foi
curada, porque tocou com confiança na fímbria de Seu manto (cf. Jo 5, 25-34). Se o problema de
alguns é com a linguagem, se a expressão "ação de graças" gera incômodos, procure-se um outro
termo ou mesmo que não se use nenhum, contanto que seja dada a devida atenção ao divino
hóspede das almas.
Ao receber o corpo puríssimo e mansuetíssimo de Cristo, peçamos a Ele que nos cure de
nossa impureza e irascibilidade, e nos ajude a viver a castidade e a mansidão de coração. Ao ver a
Sua sapientíssima e amorosíssima alma unida à nossa, supliquemo-Lhe que nos cure de nossa
ignorância e de nossa má vontade, iluminando a nossa inteligência com a Sua luz e fortalecendo a
nossa vontade com o Seu ardentíssimo amor. Só não desperdicemos esse tempo oportuno, em que
Deus nos visita maravilhosamente na humanidade de Seu divino Filho.

Disponível: https://padrepauloricardo.org/episodios/por-que-e-necessario-fazer-acao-de-
gracas-apos-a-comunhao

114
Atividades para a parte “Aprendendo com os Santos
e com a Igreja”

Semana 3 - Carta
Nesta semana serão trabalhadas cartas.
Como elaborar uma carta de modo adequado?
Já enviou alguma carta? Já recebeu alguma?

Carta
DEFINIÇÃO: Comunicação manuscrita ou impressa, endereçada a uma ou várias pessoas;
missiva, epístola.

Atividades Para Todos Os Dias Desta Semana


Leia diariamente as biografias dos santos.
Procure no dicionário os vocábulos desconhecidos e construa um glossário.
Após a leitura do texto elabore uma carta. Para isso deve escolher uma das propostas a
seguir e escrever (uma para cada biografia):

Proposta 1: Escolher um dos Santos citados e enviar-lhe uma carta no contexto da


mesma época em que o Santo viveu, como se estivesse lá;

Proposta 2: Escrever uma carta pedindo a intercessão do Santo da biografia, como se


fosse endereçar ao Céu;

Proposta 3: Escrever uma carta direcionada a um amigo na qual conta a biografia do


Santo escolhido;

115
7. Batismo do Senhor

Uma voz clama no deserto


Cortando a antiga terra de Israel de norte a sul, o rio Jordão
devia sua importância aos acontecimentos históricos que
transcorreram ao longo de seu curso, mais do que ao fato de ser
elemento indispensável para a manutenção da vida naquele árido
território.
Fora ele palco de muitos milagres e assistira a cenas
grandiosas, nas quais brilhara a justiça de Deus. Contudo, por volta
do ano 28 de nossa era, o que ocorreu ali superava de longe todo o
passado. João, filho do sacerdote Zacarias, deixou seu isolamento
no deserto e passou a percorrer a região do rio, “pregando o
batismo de arrependimento para a remissão dos pecados”. (Lc 3,
3).
A corroborar sua autoridade moral, tinha o Batista sua vida
de penitente do deserto, extraordinariamente santa e mortificada:
“Andava vestido de pêlo de camelo e trazia um cinto de couro em
volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre”.
Acrescia-lhe a reputação seu nascimento milagroso, de muitos
conhecido.
Mais ainda: sabido era entre o povo eleito que fora profetizada a vinda de um precursor do
Messias: “Como está escrito no livro das palavras do profeta Isaías: ‘Uma voz clama no deserto:
Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas”. (Lc 3, 4). Suas exortações partiam,
assim, de alguém com todas as credenciais de autenticidade para conduzir à conversão.

Grande comoção em Israel


Havia cerca de 400 anos que nenhum profeta fazia ouvir sua voz em Israel.
Nada mais explicável, pois, do que o alvoroço causado por São João Batista. De todos os
lados afluíam multidões para ouvi-lo. Vendo-as diante de si, ele as admoestava, e suas palavras
calavam fundo nas almas, levando muitas ao arrependimento: “Dizia ele: Fazei penitência porque
está próximo o Reino dos céus”. (Mt 3, 2).
Símbolo da purificação da consciência, necessária para receber esse “reino dos céus” que
estava “próximo”, o batismo conferido por São João confirmava as boas disposições de seus
ouvintes. “Confessavam seus pecados e eram batizados por ele nas águas do Jordão”, conta São
Mateus (3, 6).
Israelitas de todas as classes acorriam ao profeta da penitência, dispostos a purificar o
coração. Entretanto, havia também os opositores. Saduceus, fariseus e doutores da lei, que o viram
inicialmente com bons olhos, não demoraram a votar-lhe profunda antipatia. Incomodados com
sua extraordinária influência, irritados com as pregações, nas quais condenava os vícios em que

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eles incorriam, passaram a agir contra João. Questionaram seu direito de batizar e lhe prepararam
armadilhas. Demonstrando grande sagacidade, São João não se deixou enlear.
Inexorável para com os hipócritas e os soberbos, o profeta mostrava-se doce com os
sinceros e os humildes. “Preparai-vos!” repetia incansavelmente, “abri a via do Senhor!”
Apareceram-lhe discípulos, que o assistiam em seu ministério, e que passaram a constituir
um modelo de piedade mais fervorosa. Enfim, sua pregação produzia um grande movimento
popular rumo à virtude, como nunca se vira na história de Israel.

Encontro com o Messias


A missão do Precursor era preparar os caminhos do Messias. Vivia, portanto, na
expectativa do encontro com Ele. Não esperou muito tempo. Certo dia, notou a presença de Jesus
no meio dos peregrinos. Tomado de sobrenatural emoção, inclinou-se para o recém-chegado,
esquivando-se de Lhe dar o batismo: “Eu devo ser batizado por ti e tu vens a mim!” Respondeu-
lhe, porém, Jesus: “Deixa por agora, pois convém cumpramos a justiça completa”. Obediente, São
João O imergiu no Jordão.
Logo que saiu da água, Jesus se pôs a orar. Então o céu se abriu e o Espírito Santo desceu
sobre Ele na forma de uma pomba. “E ouviu-se dos céus uma voz: Tu és o meu Filho muito amado;
em ti ponho minha afeição”.

Missão encerrada
Algum tempo depois de batizar o Messias, São João caminha para o martírio, deixando a
cena histórica, como ele mesmo havia predito: “Importa que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3,
30). Entrara em cena o Salvador, estava cumprida a missão do Precursor. Restava-lhe apenas o
derradeiro ato de sua grandiosa vida: o martírio.
Conforme afirma Santo Tomás de Aquino, “todo o ensinamento e a obra de João eram
preparatórias da obra de Cristo, como a do aprendiz e do operário inferior é preparar a matéria para
receber a forma que há de introduzir o principal artífice”.
Os grandes artistas tiveram aprendizes que pintaram as partes menos importantes de seus
quadros, ocupando-se eles apenas dos aspectos essenciais. Também os grandes entalhadores
tiveram auxiliares que afiavam as ferramentas, limpavam o ateliê, faziam as compras das madeiras
apropriadas, etc. Assim foi o trabalho de São João, preparando a vinda de Nosso Senhor.
Diante da altíssima vocação do Batista, os Doutores da Igreja exprimiram sempre grande
admiração. Santo Tomás de Aquino, por exemplo, colocava João entre os profetas do Novo
Testamento. Se o considerássemos do Antigo, dizia o Aquinate, seria maior que Moisés.
Já São Francisco de Sales vê João como profeta do Antigo Testamento, a última luz da Lei
mosaica e – diz sem titubear – a maior.
De qualquer modo, a grandeza de João era tal que o próprio Jesus declarou ser ele mais que
um profeta, acrescentando este elogio supremo: Entre os nascidos das mulheres, não veio outro ao
mundo maior que João Batista. (Mt 11, 11).

117
Por que Jesus quis ser batizado?
O batismo conferido por São João não era da mesma natureza que o Batismo sacramental,
instituído posteriormente por Nosso Senhor Jesus Cristo. Provinha verdadeiramente de Deus, mas
não tinha o poder de conferir a graça santificante. O próprio Batista pôs em realce a diferença: “Eu
vos batizo na água, mas eis que vem outro mais poderoso do que eu, a quem não sou digno de lhe
desatar a correia das sandálias; ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo.” (Lc 3, 16).
O efeito do batismo de João consistia num incentivo ao arrependimento dos pecados,
explica Santo Tomás de Aquino. Ora, em Jesus não havia sequer sombra de pecado, nem poderia
haver, uma vez que Ele era o Homem-Deus. Não tinha, portanto, matéria para arrependimento e
penitência. O que explica, então, que Ele tenha querido ser batizado?
Sujeitar-se à condição humana.

Várias são as razões dadas pelos Padres e Doutores da Igreja.


Eis uma delas: quando o Verbo se fez Homem, Ele quis se sujeitar às leis que regem a vida
humana. Por exemplo, obedeceu às leis que estavam em vigor entre os judeus, sendo apresentado
no Templo após seu nascimento, sofrendo a circuncisão, e cumprindo os ritos da Páscoa judaica.
Assim, quis também receber o batismo penitencial de João. Perdido no meio da multidão, Jesus
inocente submeteu-se a um rito destinado ao pecador: “Convém cumpramos a justiça completa”,
justificou-se Ele perante o profeta.
Comentando essas palavras, Santo Agostinho diz que Nosso Senhor “quis fazer o que
ordenou que todos fizessem”. E Santo Ambrósio acrescenta: “A justiça exige que comecemos por
fazer o que queremos que os outros façam, e exortemos os outros a nos imitarem pelo nosso
exemplo”.

Purificar as águas
Entre as dez razões enumeradas na Suma Teológica para o batismo de Jesus, Santo Tomás
de Aquino coloca em destaque o objetivo da purificação das águas.
Citando Santo Ambrósio, diz o Doutor Angélico que “o Senhor foi batizado, não por querer
purificar-se, mas para purificar as águas”. Desse modo, continua ele, as águas “purificadas pelo
contato com o corpo de Jesus Cristo, que não conheceu o pecado, tivessem a virtude de batizar”.
E conclui citando o mesmo argumento, de São João Crisóstomo, de que Jesus “deixou as águas
santificadas para os que, depois, deveriam ser batizados”.
Temos aqui um interessante problema teológico-metafísico: por que razão Deus escolheu
a água como matéria para o Batismo?
A água é um elemento rico em simbolismo. Por exemplo, é uma imagem da exuberância
de Deus. Basta considerar que três quartas partes da superfície da Terra são constituídas por água.
Também é símbolo de vida. É elemento essencial para a manutenção de todos os seres
vivos. Quanto mais abunda a água numa região, maior é a quantidade de plantas e animais que ali
se desenvolvem. Além disso, ela é o elemento preponderante da matéria viva, de modo tal que o
próprio corpo humano é composto, na sua maior parte, de água.

118
Podemos considerá-la também um símbolo da bondade, do carinho e da magnanimidade
de Deus para com a humanidade. Agrada ao ser humano vê-la cair, em forma de chuva, cristalina,
refrescante, tornando fértil o solo, favorecendo as plantações, limpando o ar.
Vista por outro prisma, tem ela uma potência descomunal de destruição. Apesar de toda a
técnica moderna, e de um presunçoso progresso que se julgou capaz de um dia conseguir dominar
os elementos da natureza, os homens se espantam e se aterrorizam com a força destruidora das
águas. E ainda nisso ela é para nós um símbolo, o do poder onipotente de Deus.
Por sua capacidade de lavar, ela lembra a limpeza espiritual. Por diversas vezes a Sagrada
Escritura assim a ela se refere, como no seguinte trecho: “Derramarei sobre vós águas puras, que
vos purificarão de todas as vossas imundícies e de todas as vossas abominações” (Ez 36, 25). Neste
texto, o profeta Ezequiel prediz o batismo de São João e, mais especialmente, o Batismo
sacramental, instituído por Jesus. Do mesmo modo, ele é referido por Zacarias, quando este diz:
“Naquele dia jorrará uma fonte para a casa de Deus e para os habitantes de Jerusalém, que apagará
os seus pecados e suas impurezas” (13, 1).
Nada mais conveniente, portanto, do que a água ser a matéria do Batismo. E nada mais
adequado que Deus encarnado ter querido purificá-la pelo contato de seu sacratíssimo corpo.

Incentivo ao Batismo
Outro motivo, dos mais importantes, para o Senhor decidir sujeitar-se ao ritual do Jordão
era estimular nos homens o desejo do Batismo sacramental. A recepção do Batismo é necessária
para a salvação, como demonstram as palavras de Jesus a Nicodemos: “Quem não renascer da
água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus” (Jo 3, 5). Pelo tom categórico da afirmação,
avalia-se a importância desse Sacramento.
O batismo de João levava ao arrependimento dos pecados, mas não tinha o poder de perdoá-
los. O Batismo sacramental, instituído por Jesus Cristo, tem efeitos infinitamente maiores.
Adão transmitiu a todos os seus descendentes a culpa original. O Sacramento do Batismo
limpa a alma da mancha desse pecado, confere a graça santificante, eleva o homem à condição de
filho de Deus e abre-lhe as portas do Céu. Ele é a chave de todos os outros Sacramentos,
indispensáveis para o homem cumprir com fidelidade a Lei de Deus.
Tal é a grandeza e a eficácia do Sacramento do Batismo.

Exortação que permanece até o fim do mundo


“Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29), declarou São João Batista
a dois de seus discípulos, indicando Nosso Senhor Jesus Cristo que passava.
São João Evangelista e seu irmão, São Tiago, que até então haviam seguido fielmente o
Batista, compreenderam que Jesus, era Aquele ao qual deviam entregar suas vidas. E deixando seu
antigo mestre, procuraram logo o Senhor, pedindo-Lhe permissão para O acompanharem e viver
com Ele.
Pelos séculos dos séculos, essas palavras do grande profeta da penitência, ressoarão no
mundo, convidando todos os homens a também colocarem seus olhos no Divino Salvador, a se

119
encantarem com a figura d’Ele e como católicos fiéis a seguirem seus mandamentos, até o
momento em que forem chamados para estar definitivamente com Ele, na vida Eterna.

(Revista Arautos do Evangelho, janeiro/2003, n. 13, p. 7 à 11)

120
8. Os Sete Santos Fundadores da Ordem dos Servitas
No dia 17 de fevereiro, a Igreja celebra a memória dos Sete Fundadores da Ordem dos
Servitas. No Ofício das Leituras nos é apresentado a origem e o modo de viver desses religiosos.
Abaixo entre aspas publicamos trechos da Legenda sobre a origem da Ordem dos Servos de Maria.
“Houve sete homens, dignos de reverência e de honra, que Nossa Senhora reuniu como
sete estrelas, para dar início com a sua fraterna união de alma e de corpo, à Ordem sua e de seus
servos.”
Cerca do ano de 1233, quando Florença era dilacerada por lutas fratricidas, sete
comerciantes, membros de uma sociedade de leigos devotos da Virgem, ligados entre si pelo ideal
evangélico de comunhão e de serviço aos pobres, decidiram retirar-se à solidão, para uma vida
comum de penitência e contemplação. Abandonaram os negócios, suas casas e distribuíram os
bens aos pobres.

Quatro aspectos importantes


“Do modo de vida desses sete homens, antes de terem iniciado a vida em comum, quero
realçar quatro aspectos.
Em primeiro lugar, com relação à Igreja. Alguns deles, por estarem decididos a guardar a
virgindade ou castidade perfeita, não se casaram; outros já estavam ligados pelo vínculo do
matrimônio; outros, enfim, eram viúvos.
Em segundo lugar, com relação ao serviço da sociedade civil. Eram todos negociantes, e
compravam e vendiam bens terrenos. Mas quando descobriram a pérola preciosa, isto é, a nossa
Ordem, não só deram aos pobres tudo o que possuíam, mas entregaram-se a si mesmos a Deus e à
Senhora para servi-lo com toda a alegria e fidelidade.
O terceiro aspecto diz respeito à veneração e culto de Nossa Senhora. Em Florença havia
uma certa irmandade, fundada já há muito tempo, em honra da Virgem Maria; por sua antiguidade,
pelo número de seus membros e pela santidade dos homens e mulheres que dela faziam parte, tinha
posição de destaque no meio das outras irmandades; e por isso era chamada ‘Companhia de Nossa
Senhora’. Dela também faziam parte os sete homens como membros especialmente devotos de
Nossa Senhora, antes de se reunirem em comunidade.
O quarto aspecto diz respeito à perfeição de suas almas. Amavam a Deus sobre todas as
coisas; e dirigindo para ele tudo o que faziam como sendo de justiça, honravam-no por
pensamentos, palavras e ações”.
Por volta de 1245 retiraram-se ao Monte Senario, perto de Florença, onde construíram uma
pequena casa e um oratório dedicado a Santa Maria. Levavam uma vida austera e solitária, não
rejeitando, no entanto, o encontro com pessoas que, impulsionadas pela ansiedade e dúvidas,
procuravam o conforto de suas palavras. Cada vez mais propagada a sua fama de santidade, muitos
pediram para fazer parte da sua família. Então eles decidiram começar uma Ordem dedicada à
Virgem, de quem se disseram Servos – a Ordem dos Servos de Maria – adotando a Regra de Santo
Agostinho.

121
Em 1888, Leão XIII canonizou em conjunto os sete primeiros Padres. No Monte Senario
um único túmulo recolheu os restos mortais daqueles que partilhando a vida tinham se tornado um
só coração e uma alma.

São Bonfíglio Monaldi


Pai e líder do grupo e, em seguida, prior da nascente comunidade
dos Servos de Maria. É representado com a pomba branca que repousa
sobre o seu ombro direito para indicar os dons do Espírito Santo dos quais
cada um dos sete era ornado, manifestado de modo especial nele, pai do
primeiro grupo e da comunidade. Ele morreu, segundo a tradição, em 1 de
janeiro de 1262.

São Bonaiuto Manetti


Homem austero em relação a si mesmo, mas doce, amoroso e
compreensivo para com os outros. Ocupou o cargo de Prior Geral
entre 1256 e 1257. Por sua tenacidade na defesa da verdade e da
justiça, tentaram envenená-lo, mas foi salvo por Deus. Ele morreu em
31 agosto 1267.

São Manetto del Ántella


Também ele prior geral, era um homem de grande
capacidade organizativa e de direção, tanto que se
atribuem a ele as primeiras fundações na França. Ele que
acolheu Arrigo de Badovino, primeiro da grande multidão
de leigos que se agregou à Ordem dos Servos. A Tradição
coloca o dia de sua morte em 20 de agosto de 1268.

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Santo Amadio Amidei
Podemos dizer que, no
Grupo dos Sete, ele era como a
chama que dava calor a todos
com sua grande caridade que se
nutria do amor de Deus. Seu
nome, Ama a Deus, era um
verdadeiro presságio, um sinal
da riqueza de sua vida espiritual e de caridade. Ele morreu
em 18 abril 1266.

São Sostenio e São Ugoccio Ugoccioni


Entre estes dois santos é lembrada em particular sua
amizade, tanto que a iconografia os representa juntos, e a
morte de ambos foi no mesmo dia e ano (3 de maio 1282),
sendo um sinal e um selo de autenticidade do Céu à sua
fraternidade. No grupo dos sete, eles permaneceram como
um símbolo de fraternidade vivida em comunhão de vida e
de intenções, mas também como um sinal especial de
amizade que, se for verdadeira e gratuita, é inspirada por
Deus e ajuda uns aos outros a subir a Deus.

São Aleixo Falconieri


Da família Falconieri, tio de Santa Juliana, brilhante exemplo de humildade e pureza. Sua
vida foi um contínuo louvor a Deus. Gostava de pedir esmolas, empenhando-se especialmente em
sustentar os frades enviados para estudar na Sorbonne, em Paris. Ele morreu na idade de 110 anos,
em 17 de fevereiro de 1310.

Monumenta Ord. Serv. B. Mariae Virginis, 1,3.5.6.9.11, pp. 71ss e do site


www.santiebeati.it – 2012/02/17

123
9. Santo Antão
Em Coma, pequena vila perdida na região de
Heracléia (no alto Egito), veio à luz no ano 251
aquele que foi chamado a ser um luzeiro da Igreja
por mais de um século. Antão era filho de pais
nobres e religiosos que foram também seus mestres,
para que o menino não se contaminasse com o
paganismo das escolas públicas. Santo Atanásio,
primeiro biógrafo e admirador de Antão, afirma que
ele não aprendeu as “belas letras”, isto é, as ciências
dos gregos, mas que amava muito a leitura. Santo
Agostinho chega a dizer que Antão simplesmente
não aprendeu a ler, e que toda sua sabedoria e
ciência foram favores divinos.
Protegido desse modo no recanto de um lar
cristão e nobre, Antão passou sua infância e
juventude em grande inocência de vida. Religioso,
respeitoso, afável, obediente, era o consolo dos pais.
Aos 20 anos, com o falecimento destes, herdou sua herança, que, entretanto, não o tornou
feliz, porque, mais inclinado para as coisas celestes, só pensava em como melhor servir a Deus.
Certo dia ouviu na igreja as palavras de nosso Divino Mestre ao jovem rico do Evangelho:
“Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no Céu; e depois
vem, e segue-me” (Mt 19, 21). Essas palavras, que ouvira já tantas vezes, adquiriram um novo
significado para ele, e pareceram ser-lhe diretamente dirigidas. Voltando para casa, vendeu o que
tinha, distribuiu o produto aos pobres, não reservando senão o indispensável para ele e uma irmã
mais nova se manterem.
Estava tudo feito? Não, isso ainda não era o mais perfeito. Voltando à igreja, ouviu outras
palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Não vos preocupeis com o dia de amanhã” (Mt 6, 34).
Antão deu-se conta de que não dera tudo, era preciso ser mais radical. Recomendou sua irmã a
algumas virgens prudentes, despojou-se do que lhe restava e renunciou ao mundo.

Ininterrupta luta contra o demônio


Naquele tempo não existiam ainda no Egito os numerosos mosteiros que depois encheram
de Santos suas solidões. Havia nos campos, perto das cidades, eremitas que viviam separados do
povo, e por isso eram chamados de “monges” — quer dizer, “solitários” — e que eram consultados
sempre que aparecia ocasião. Antão estabeleceu-se perto deles e começou a visitá-los, recolhendo
de seu ensinamento tudo que era útil para sua alma. Assim, de um aprendia a humildade, de outro
a paciência, de outro mais o espírito de penitência; e finalmente, de todos, o espírito de oração.
Foi quando o espírito do mal, adivinhando todo o bem que aquele jovem tão radical poderia
fazer no futuro, começou, por especial permissão divina, como a Jó, a ininterrupta série de ataques
que duraria toda sua vida, e que o tornariam célebre no combate ao demônio.

124
O espírito tentador começou a sugerir ao jovem anacoreta, ainda principiante, remorsos por
ter deixado o mundo antes mesmo que dele pudesse gozar as delícias; não dando isto resultado,
incriminou-lhe ter abandonado sua irmã; incutiu ainda em seu corpo movimentos impuros, e
apresentou-lhe imagens lascivas para que sucumbisse. A tudo Antão resistiu, como se fosse
experimentado batalhador, saindo ainda mais fortificado na virtude. “Sua fé viva o fazia triunfar
de todos esses ataques, pelos remédios que são próprios a domar os apetites desregrados: os jejuns,
as vigílias e as outras indústrias da mortificação e da penitência”. Uma esteira lhe servia de leito;
pão duro e água uma vez por dia lhe serviam de alimento, passando ele horas inteiras em oração.
Para combater a ociosidade, começou a fazer trabalhos manuais enquanto meditava, e assim vencia
o demônio; ou melhor, como diz Santo Atanásio, Nosso Senhor nele vencia o demônio.
Antão jamais pensava no que tinha feito, mas só no que lhe restava fazer, mantendo-se
assim sempre pronto para o combate e nas condições em que queria comparecer na presença de
Deus.

“Confesso que tu me venceste”


Os demônios não lhe davam trégua. Apareciam-lhe como manadas de porcos selvagens,
grunhindo espantosamente e ameaçando dilacerá-lo com suas presas; como bandos de chacais
furiosos, ou ainda como milhares de serpentes e dragões que rodeavam seu corpo, lançando fogo
pela boca.
“Terríveis e pérfidos são nossos adversários — dirá ele mais tarde a seus discípulos —,
suas multidões enchem o espaço. Estão sempre perto de nós. [...] Deixando aos mais sábios
explicar sua natureza, contentemo-nos com inteirar-nos das astúcias que usam em seus assaltos
contra nós”.
Num dia em que ele era assaltado mais terrivelmente pelos demônios em forma de bestas
selvagens, viu finalmente uma luz celeste que fez dissipar todas as figuras infernais. “Onde estavas,
Senhor — gemeu ele docemente — que demorastes tanto para me acudir e curar minhas feridas?”.
Respondeu-lhe o Salvador: “Contigo estava, Antão, e assistia a teu generoso combate. Não temas;
esses monstros não voltarão a causar-te o menor dano”.
Uma vez o demônio, não podendo fazê-lo cair em tentação, utilizou outra tática: apareceu-
lhe como um anão de feiúra inexprimível que, lançando-se a seus pés, lhe disse com voz lastimosa:
“Pobre de mim; eu já enganei e fiz cair muitos servidores de Deus. Mas confesso que tu me
venceste”. Antão, sem se importar com essa canonização extemporânea, perguntou ao ser imundo
quem era. “Eu sou o espírito de incontinência, que já perdeu muitas almas”. O Santo respondeu-
lhe que muito propriamente ele tomara a figura de um anão, pois nada podia, com todas as suas
forças, contra um homem que punha sua confiança em Deus Nosso Senhor.

A virtude atrai mais que qualquer gloríola humana


Para isolar-se do mundo, Antão foi viver então num sepulcro que só um amigo conhecia;
este levava cada dia o pão necessário à sua subsistência. Logo depois o demônio atacou-o com
tanta violência, que o deixou semi-morto no solo. Levado à cidade para ser curado, pôs-se de pé
logo que pôde e voltou para seu campo de batalha. E desafiou seu mortal inimigo: “Eis-me aqui

125
de novo, [sou] Antão. Eu não fujo, não me escondo e te desafio; tua violência não me separará
jamais do amor de Jesus Cristo”.
Até então o jovem anacoreta tinha vivido a vida dos ascetas, na vizinhança de Coma. Estava
então com trinta e cinco anos de idade. Seguindo uma inspiração divina, resolveu fugir de todo
contato humano. Tornar-se-ia ele pai e fundador da vida monástica e cenobítica.
Atravessando o rio Nilo, Antão dirigiu-se para o sopé de uma montanha não longe da atual
Atfih, onde encontrou as ruínas de um castelo. Instalado nelas, fechou totalmente a entrada,
provido de pão para seis meses. Ali viveu durante vinte anos de oração, penitência e combate
encarniçado com o demônio, sem ver nenhum ser humano, nem mesmo o bom cristão que a cada
seis meses lhe levava pão para os outros seis.
Tudo o que é bom e extraordinário atrai os bons. Nos últimos desses anos, correndo a
notícia de que um monge estava recluso nas ruínas do castelo, vivendo só para Deus, peregrinos
começaram a afluir de todas as partes para pedir-lhe conselho ou a cura de males físicos ou morais.
Naqueles tempos da primitiva Igreja, em que a virtude atraía mais que qualquer gloríola humana,
“a santidade de vida do bem-aventurado Antão provocava tanta admiração que, do lugar em que
estava, sua reputação espalhou-se por toda a terra. [...] De modo que grande número de pessoas,
tocadas pelo espírito de Deus, acorreram ao deserto para seguir-lhe os passos e viver sob sua
orientação. Por isso fundaram-se muitos mosteiros; e os desertos foram de tal modo cheios, que
pareciam cidades povoadas por habitantes celestes”.
Antão demonstrava uma paciência celestial, doçura seráfica e calma infinita. Um sorriso
angélico florescia perenemente em seus lábios, e seus olhos eram como dois mananciais de águas
imaculadas. “As orações e as lágrimas — dizia — purificam até o mais impuro”.

Na virtude, recomeçar todos os dias


Antão dizia a seus discípulos que “uma das coisas mais importantes para a vida espiritual
é crer que se começa todos os dias; que se pode encontrar o paraíso em todo lugar, quando o
coração está apegado a Deus; que os espíritos das trevas temem as orações, vigílias e penitências
dos servidores de Deus, sobretudo a pobreza voluntária, a humildade, o desprezo do mundo, a
caridade e a mortificação das paixões; que são as virtudes que esmagam e partem a cabeça da
serpente”. Acrescentava que “as melhores armas para vencer o inimigo são a alegria e o gáudio
espiritual da alma que tem sempre a presença de Deus em seu pensamento, porque essa luz dissipa
as trevas e faz com que as tentações de satanás se reduzam a fumaça. Que, enfim, é preciso ter
sempre os exemplos dos Santos para nos excitar à virtude”.
Em 311, quando o imperador Maximino Daza, sobrinho de Galério, desencadeou no Egito
furiosa perseguição aos cristãos, Antão deixou seu retiro e foi confortar os confessores da fé,
desejoso também de participar de sua sorte. Ia visitá-los nas prisões, acompanhava-os ao tribunal
e fazia-lhes companhia até o local de suplício. Mas não foi vontade de Deus que ele perecesse
então, pois, apesar da idade, tinha ainda outras batalhas a vencer.
De volta ao seu isolamento, remontou o curso do Nilo, chegando ao Monte Colzim, distante
uma jornada do Mar Vermelho, onde passou o resto de sua longa vida. Também lá seus discípulos
o encontraram, e mudaram-se para as proximidades. De sua cela, Antão os dirigia.

126
Foi por volta do ano 342 que ele teve uma visão singular: viu subir aos Céus com grande
glória um venerando ancião, rodeado de Anjos. Consultando a Deus na oração, conheceu que se
tratava de outro anacoreta, São Paulo de Tebas, que acabava de falecer. Conhecendo, por
inspiração celeste, o lugar onde se encontrava o corpo do Santo, foi prestar-lhe as honras fúnebres.

Alentando os perseguidos pelo arianismo


Santo Atanásio, o grande batalhador da Igreja contra a heresia ariana, pedia o auxílio de
Antão para confirmar, em sua diocese de Alexandria, os fiéis perseguidos pelos hereges. Apesar
de já centenário, Antão atendeu a tão justo pedido. Sua presença naquela cidade foi de um efeito
maravilhoso sobre o povo fiel. Mesmo os sacerdotes pagãos iam às igrejas para tentar falar com o
homem de Deus. Lá ele fez muitos prodígios, e Santo Atanásio reconhece que, durante o pouco
tempo que Antão ali esteve, converteu à verdadeira fé mais infiéis do que tinham sido convertidos
durante todo um ano. Os filósofos que vinham discutir com ele, diante de suas respostas tão
pertinentes, ficavam espantados com a viveza de seu espírito e a solidez de seu julgamento. Via-
se que Deus falava por sua boca.
Os monarcas, os príncipes e o próprio imperador Constantino escreviam-lhe cartas cheias
de respeito, implorando o socorro de suas preces e pedindo a consolação de uma resposta sua.
Antão lhes respondia exortando-os a não se deixar ofuscar por sua dignidade, pois eram homens e
teriam que prestar contas de seu poder ao Rei dos Reis. Que usassem de misericórdia e clemência
para com todos, socorressem os pobres e se lembrassem de que só Jesus Cristo é o verdadeiro e
eterno Rei. Constantino conservava uma dessas cartas como o seu mais caro tesouro.
Enfim, cheio de méritos, Santo Antão faleceu aos 105 anos, recomendando aos seus
discípulos que escondessem seu corpo para que não fosse adorado pelos pagãos como a um deus.
Deixou sua túnica para o campeão da Igreja, Santo Atanásio. A Santa Igreja comemora a
festividade de Santo Antão Abade no dia 17 de janeiro.

Disponível em: http://catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?IDmat=315ABED0-3048-313C-


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Atividades para a parte “Aprendendo com os Santos
e com a Igreja”

Semana 4: Autobiografia
Como elaborar uma autobiografia? Esta semana dedicaremos um tempo para produzir este
tipo textual.

Autobiografia
DEFINIÇÃO: Vida de um indivíduo escrita por ele mesmo.

Atividades Para Todos Os Dias Desta Semana


Leia diariamente os textos da seção “Aprendendo com os Santos e com a Igreja”.
Procure no dicionário os vocábulos desconhecidos e construa um glossário.
Escolha diariamente uma biografia e reconte a vida do santo, como se fosse este santo.
(Utilize a primeira pessoa do discurso, exemplo: Eu passei por muitos sofrimentos, ...)
Escolha um dia da semana e escreva sua autobiografia.

128
10. É verdade que a dor de Cristo na Cruz foi a maior que existiu?
Algumas pessoas argumentam que, cientificamente falando, não se pode dizer que a dor de
Cristo foi a maior dor que já existiu, uma vez que existem gêneros muito piores de morte que a
crucificação, como pessoas que morrem lentamente, corroídas por ácidos, etc. Mas em que sentido
se pode entender essa afirmação da Igreja, contida inclusive na doutrina de Santo Tomás de
Aquino?
É o próprio Doutor Angélico que o responde, em sua Summa Theologiae:
“Ao tratarmos das deficiências assumidas por Cristo, deve-se dizer que ele suportou uma
autêntica dor; tanto sensível, causada por algo que fere o corpo, como interior, causada pela
percepção do que é nocivo e que é chamada de tristeza. Ambas foram em Cristo as maiores dores
na presente vida. E assim foi por quatro motivos."
“Primeiro, pelas causas da dor. Pois a causa da dor sensível foi a lesão corporal, que se
tornou pungente não só pela extensão do sofrimento, da qual se falou, mas também pelo gênero de
sofrimento. É que a morte dos crucificados é muitíssimo cruel, pois são transfixados em locais de
nervos muito sensíveis, ou seja, nas mãos e nos pés; o próprio peso do corpo suspenso aumenta
continuamente a dor; e é uma dor que perdura, uma vez que o crucificado não morre logo, como
os que são mortos a espada. – Já a causa da dor interior foi, em primeiro lugar, todos os pecados
do gênero humano, pelos quais, sofrendo, Cristo dava satisfação, a ponto de, por assim dizer,
assumi-los para si, como declara o Salmo: 'As palavras das minhas faltas' (21, 2). Em segundo
lugar, especialmente a culpa dos judeus e dos demais que tramaram sua morte, mas de modo
particular dos discípulos, que se escandalizaram com a paixão de Cristo. Em terceiro lugar, a perda
da vida corporal, que por natureza é horrível à condição humana."
“Segundo, a extensão do sofrimento pode ser considerada pela sensibilidade do paciente.
Ora, ele tinha uma ótima compleição física, pois seu corpo fora formado de modo miraculoso pela
ação do Espírito Santo; aliás, tudo o que foi realizado por um milagre era melhor que o resto, como
diz Crisóstomo a respeito do vinho em que, na festa de núpcias, Cristo transformara a água. Assim,
era agudíssimo nele o sentido do tato, com o qual se percebe a dor. – Igualmente, a alma, com suas
forças interiores, captava de modo intenso todas as causas de tristeza."
“Terceiro, a grandeza da dor de Cristo ao sofrer pode ser estimada pela pureza dessa dor.
Nos demais pacientes, com efeito, mitiga-se a tristeza interior e mesmo a dor externa com alguma
consideração da razão, por alguma derivação ou redundância das forças superiores para as
inferiores. Mas isso não aconteceu com Cristo em sua paixão, pois, como diz Damasceno, 'ele
permitiu que cada uma de suas potências exercesse a função que lhe era própria'."
“Quarto, a extensão da dor de Cristo em sua paixão pode ser estimada pelo fato de seu
sofrimento e dor terem sido assumidos voluntariamente, com o objetivo de libertar os homens do
pecado. Assim, ele assumiu a intensidade da dor proporcional à grandeza do fruto que dela se
seguiria."
“De todas essas causas consideradas em seu conjunto, fica evidente que a dor de Cristo foi
a maior."
Na paixão de Nosso Senhor, com efeito, cumpriu-se a profecia de Jeremias: “Olhai e vede
se há dor igual à minha dor". Importa, porém, encarar a paixão de Cristo não tanto sob a ótica da
dor, mas considerando o grande amor com que Ele nos amou. Nem os piores sofrimentos do mundo

129
seriam capazes, por si só, de remir o homem do pecado. Foi a profunda união de Cristo com a Sua
Pessoa Divina que deu sentido a todo o sofrimento que Ele experimentou, em Sua carne. Por isso,
deve-se dizer que o que nos salvou na cruz, na realidade, mais do que a agonia de Jesus, foi o Seu
amor.
Um autor espiritual recorda que, para haver um sacrifício, é preciso fogo. Então, na cruz,
donde pende o Cordeiro de Deus imolado, onde está o fogo? O fogo é o Espírito Santo, que, no
Calvário, transforma toda a dor de Cristo em amor.
Disponível em: https://padrepauloricardo.org/episodios/e-verdade-que-a-dor-de-cristo-
na-cruz-foi-a-maior-que-existiu

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11. Santa Gertrudes: Filha dileta do Coração de Jesus

Tão ligada ao sobrenatural, mais parecia um


Anjo do Céu que uma criatura terrena. Viveu alheia
às atrações mundanas e foi tida como “sustentáculo
da religião”
Pouca coisa se sabe da vida de Santa
Gertrudes. Os cinco livros de suas revelações nos
oferecem poucos dados sobre sua própria vida.
Sabemos que nasceu pelo ano de 1256. Seus pais a
colocaram como aluna das beneditinas de
Rodesdorf quando tinha apenas cinco anos.
Era priora desse mosteiro outra Gertrudes,
de Hackeborn. Muito piedosa e culta, esta priora,
vendo a estupenda inteligência de sua homônima,
incentivou-a muito não apenas na observância
monástica, mas também nas atividades intelectuais
que Santa Lioba e suas freiras anglo-saxãs haviam
transmitido às suas fundações na Germânia.
A pequena Gertrudes encantava a todos. “Nessa alma, Deus reuniu o brilho e o frescor das
mais belas flores à candura da inocência, de maneira que encantava todos os olhares como atraía
todos os corações”, diz sua biógrafa e contemporânea.
A educação de Gertrudes foi confiada à irmã da priora, Matilde, muito adiantada na via
mística e na santidade. Esta procurava incutir nas almas de suas alunas o fogo do amor de Deus
que devorava seu coração. E encontrou em Gertrudes um campo propício para isso. Assim,
“conservando a pureza de coração durante os anos de sua infância e adolescência, e entregando-se
com ardor aos estudos e artes liberais, [Gertrudes] foi preservada pelo Pai das misericórdias de
todas as frivolidades que, com frequência, arrastam a mocidade”.

Na conversão, recebe os estigmas de Cristo


Entretanto, em seu afã de passar das línguas para a retórica, e desta para a filosofia, ela
diminuiu um tanto seu primitivo fervor. Foi quando, aos 26 anos de idade, depois de um mês de
terrível provação, Nosso Senhor apareceu-lhe e fez-lhe compreender sua falta: “Provaste a terra
com meus inimigos e sugaste algumas gotas de mel entre os espinhos. Volta a mim, e te inebriarei
na torrente de meu divino amor”. Explica a biógrafa: “Então Gertrudes compreendeu que tinha
estado longe de Deus, em região desconhecida, quando, aplicando-se até esse dia aos estudos
mundanos, descuidara de lançar seu olhar para a luz da ciência espiritual e, devido a um apego
muito forte aos encantos da sabedoria humana, descuidara de lançar seu olhar para a luz da ciência
espiritual”. Nessa visão foram-lhe impressas, não de modo visível externamente, os sagrados
estigmas de Cristo Senhor Nosso.

131
Após tais acontecimentos, que ela chama de “sua conversão”, entregou-se com ardor ao
estudo da teologia escolástica e mística, da Sagrada Escritura e dos Padres da Igreja, sobretudo de
Santo Agostinho, São Gregório Magno, São Bernardo e Hugo de São Vítor.
No mosteiro ela não exercia outra função senão a de irmã-substituta da irmã-cantora, Santa
Matilde. Apesar de sempre doente e lutando tenazmente contra suas paixões, atendia às inúmeras
pessoas que a vinham consultar, “com citações dos livros sagrados empregadas tão a propósito,
que não permitiam objeções”. Para esclarecer seus consulentes escreveu em língua vernácula (as
outras obras, escreveu-as em latim) alguns tratados, nos quais explicou passagens obscuras da
Sagrada Escritura e transcreveu as mais belas sentenças dos Padres da Igreja. Infelizmente essas
obras se perderam.
Sua biógrafa, que era uma de suas ardentes condiscípulas, afirma também que Gertrudes
“era fortíssimo apoio da Religião, defensora tão zelosa da justiça e da verdade, que seria possível
aplicar-lhe o que se diz do sumo sacerdote Simão no mesmo livro da Sabedoria: ‘Sustentou a casa
durante sua vida’, isto é, foi o sustentáculo da Religião; ‘e em seus dias fortificou o templo’, no
sentido de que, por seus exemplos e conselhos, fortificou o templo espiritual da devoção e excitou
nas almas um maior fervor”.

Pureza, humildade, bondade, fidelidade, caridade


Num ano em que o frio ameaçava os homens, animais e colheitas, durante a Missa Santa
Gertrudes implorava a Deus que desse remédio a esses males. E teve a seguinte resposta: “Filha,
hás de saber que todas tuas orações são ouvidas”. Ao que ela replicou: “Senhor, dai-me a prova
desta bondade fazendo com que cessem os rigores do frio”. Ao sair da igreja, a Santa notou que
os caminhos estavam inundados pela água produzida pela neve derretida. O tempo favorável
continuou, e começou mais cedo a primavera.
Santa Gertrudes procurava esclarecer-se sobre suas visões, especialmente com Santa
Matilde, que também era favorecida com aparições de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sobre as duas,
tendo uma alma santa do mosteiro perguntado a Nosso Senhor “por que exaltava Gertrudes acima
de todas e parecia não reparar em Matilde, Ele respondeu: ‘Eu faço grandes coisas nesta, mas as
que faço e ainda farei naquela são bem maiores’”. E explicou o porquê dessa predileção: “Um
amor todo gratuito me prende a ela, e é este mesmo amor que, por um dom especial, dispôs e
conserva agora em sua alma cinco virtudes, em que me deleito: uma verdadeira pureza, pela
influência contínua de minha graça; uma verdadeira humildade, pela abundância de meus dons,
pois, quanto mais realizo grandes coisas nela, mais ela mergulha nas profundidades de sua
indignidade pelo conhecimento de sua fragilidade; uma verdadeira bondade que a leva a desejar a
salvação de todos os homens; uma verdadeira fidelidade, pela qual todos os seus bens me são
oferecidos pela salvação do mundo; enfim, uma verdadeira caridade que a faz amar-me com fervor,
com todo seu coração, toda sua alma e todas suas forças, e ao próximo como a si mesma por minha
causa”.

Devoção ao Sagrado Coração de Jesus


Uma das inúmeras aparições de Nosso Senhor à Santa, nas quais já preludia a devoção ao
Sagrado Coração de Jesus A Eucaristia era o centro da piedade de Gertrudes, que oferecia a Nosso

132
Senhor todos seus atos e orações antes da comunhão, como preparação para acercar-se mais
dignamente da Sagrada Mesa; e todos os que se seguiam à comunhão, como outros tantos atos de
ação de graças pelo excelso benefício.
“Diz-se que Santa Gertrudes foi a Santa da santa humanidade de Cristo, assim como Santa
Catarina de Gênova o foi da divindade. Diz-se igualmente que Santa Gertrudes ensinou de maneira
admirável a teologia da Encarnação, que foi a teóloga do Sagrado Coração, e que, se não foi
escolhida para ser a apóstola do Sagrado Coração, foi ao mesmo tempo a amante radiosa, a poetisa
delicada e a profetisa dessa devoção. Encarnação, misericórdia de Jesus e intimidade confiante
com Ele, Sagrado Coração, tal é, com efeito, o domínio de Santa Gertrudes. A isso convém
acrescentar a Eucaristia: poucos levaram avante a comunhão frequente, tanto quanto ela, e com
um sentido tão justo das condições requeridas”.
Algumas das revelações de Nosso Senhor a Santa Gertrudes parecem preludiar as que faria
quatro séculos depois a Santa Margarida Maria Alacocque sobre seu Sagrado Coração.
Apresentou-lhe um dia, por exemplo, seu divino Coração sob a forma de um turíbulo de ouro, do
qual subiam ao Pai Celeste tantas colunas de perfumado incenso quantas são as classes de homens
pelas quais Ele deu a vida.
Santa Gertrudes assim fala de graças recebidas desse divino Coração: “Além desses
favores, me admitistes ainda à incomparável familiaridade de vossa ternura, oferecendo-me a arca
nobilíssima de vossa divindade, quer dizer, vosso Coração Sagrado, para que nele me deleite. Vós
o destes a mim gratuitamente ou o trocastes pelo meu, como prova ainda mais evidente de vossa
terna intimidade. Por esse Coração divino conheci vossos secretos juízos. Por ele me destes tão
numerosos e doces testemunhos de vosso amor, que se não conhecesse vossa inefável
condescendência, eu ficaria surpreendida ao ver-vos prodigalizá-los até mesmo à vossa amada
Mãe, se bem que Ela seja a mais excelente criatura e reine convosco no Céu”.
Santa Gertrudes havia escrito uma preparação para a morte, para proveito dos fiéis.
Consistia em um retiro de cinco dias, o primeiro dos quais consagrado a considerar a última
enfermidade; o segundo, a confissão; o terceiro, a unção dos enfermos; o quarto, a comunhão; e o
quinto a dispor-se para a morte. Certamente ela se preparou desse modo para seu falecimento.
Segundo a tradição, este deu-se pelo ano 1302 ou 1303, durante um de seus inumeráveis êxtases,
provavelmente no dia 15 de novembro.
Santa Teresa de Ávila e São Francisco de Sales promoveram muito o culto a essa Santa
extraordinária, mas só em 1739 ele foi estendido à Igreja Universal.
Disponível em: http://catolicismo.com.br/materia/materia.cfm?idmat=BB285BA7-3048-313C-
2E849BAA9860B617&mes=Novembro2009

133
12. São Sebastião, Mártir

A imensa quantidade de brasileiros que ostenta o nome Sebastião permite imaginar o


quanto aquele Santo militar romano é admirado e venerado em nosso país, o que também ocorre
em numerosas outras nações, especialmente do Ocidente. Crianças são batizadas com seu nome,
paróquias o têm por padroeiro, igrejas o festejam como titular, bairros e cidades também a ele se
vinculam na devoção ao Santo que é tido como padroeiro dos soldados, arqueiros e atletas, sendo
muito invocado no combate às epidemias. A Cidade Maravilhosa, uma das mais conhecidas em
todo o mundo, tem por nome oficial “São Sebastião do Rio de Janeiro” (assim como a importante
arquidiocese ali sediada), uma homenagem ao Santo cujo nome era ostentado pelo então soberano
português reinante à época em que a localidade recebeu a nominação.
Quem foi, porém, São Sebastião? Os registros oficiais são escassos a seu respeito, o que
não impede que dele possamos ter muitas informações que emanam da feliz e indissociável
combinação entre a história e a piedade popular, e que permite retratar, ainda que não exatamente
a realidade, ao menos (o que é o mais importante) o espírito da realidade com que um militar
cristão, servindo no exército de um dos mais sanguinários imperadores romanos, ajudou
numerosas almas a não enfraquecerem na fé, consolando-as e permitindo-lhes trilhar de cabeça
erguida o caminho do Paraíso; ademais, ele próprio não deixou, no momento oportuno, de declarar-
se cristão, dando o testemunho e servindo de exemplo a numerosos outros seguidores de Jesus que
enfrentavam as perseguições da Era dos Mártires, como foi chamado o período de busca e morte
aos fiéis conforme ordenado pelo sanguinário imperador Deocleciano.
Já antes do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo os romanos chamavam Mare Nostrum
(“nosso mar”) ao Mediterrâneo, uma vez que todas as terras por ele banhadas faziam parte do
império. Foi em uma região costeira, na província da Gália, correspondendo à atual cidade de
Narbonne (França), que Sebastião veio ao mundo. Sua família era de Milão (na atual Itália), e não
era ele inclinado à carreira das armas, tendo-a seguido por causa do desejo de servir aos irmãos na
fé, que sofriam as perseguições.

134
Sebastião desempenhou corretamente seus deveres como soldado, mas por baixo das vestes
militares estava um verdadeiro cristão, e dentro de seu corpo pulsava um coração ardente de
desejos de apoiar os perseguidos e ajudá-los a seguir o Divino Mestre, não só durante esta vida
mas também quando se encontravam prestes a partir para a outra. Mantinha em segredo sua fé,
como era comum entre os cristãos nas épocas de perseguição, pois assim podia ajudar os que dele
precisavam, mas não tinha receio de perder seus bens ou sua própria vida.
Uma de suas ações apostólicas refere-se aos irmãos gêmeos Marcos e Marceliano, que
haviam sido aprisionados em Roma, os quais eram visitados diariamente por Sebastião.
Submetidos a chicotadas, apesar de serem membros de família de senadores, foram condenados à
decapitação, tendo seus familiares obtidos do administrador romano, chamado Cromácio, um
prazo para que se tentasse mudá-los quanto à opinião. Mantidos acorrentados na casa do escriba
da prefeitura, Nicóstrato, eram submetidos a tentativas de convencimento por parte de seus pais,
suas esposas e seus filhos ainda pequenos, além de amigos, mas quando estavam em risco de
fraquejar foram as palavras de Sebastião que os reanimaram, as quais impressionou a todos que as
ouviram.
Zoé, esposa de Nicóstrato, discernindo em Sebastião um homem de Deus, atirou-se aos
seus pés e por gestos indicou-lhe a doença de que padecia: uma doença lhe fizera perder a
capacidade de falar. Sebastião fez o sinal da cruz sobre a boca de Zoé e pediu em voz alta a Nosso
Senhor Jesus Cristo que a curasse, e imediatamente ela recuperou a dicção e pôs-se a louvar aquele
homem, acrescentando que acreditava em tudo o que ele acabara de dizer. Diante da cura da
esposa, o próprio Nicóstrato lançou-se aos pés de Sebastião e pediu perdão por ter mantido os dois
cristãos aprisionados, libertando-os em seguida e declarando que se sentiria feliz se viesse a ser
aprisionado e morto em lugar deles. E os dois irmãos, naquele momento libertados, recusaram-se
a abandonar a luta para a ela expor outra pessoa, firmando-se na fé ao ver a ação de Deus, que
anulou todos os esforços feitos para fazê-los abandonar a Igreja, além de nela ingressarem os donos
da casa em que estiveram aprisionados.
Nas horas que se seguiram, outras pessoas também abraçaram a fé cristã, sendo 68 o
número de pessoas convertidas e batizadas por São Policarpo, ali chamado por Sebastião:
Nicóstrato, sua esposa Zoé, toda a família de Nicóstrato, seu irmão Castor, o carcereiro Cláudio
com dois filhos e sua esposa Sinforosa, o pai dos gêmeos, chamado Tranquilino, com sua esposa
Márcia e seis amigos, as esposas dos gêmeos, e dezesseis outros encarcerados.
Sem saber os detalhes – pois houvera sido enganado – o prefeito de Roma, Cromácio, que
havia concedido aos gêmeos o período de espera para que renunciassem à fé, chamou o pai de
ambos, Tranquilino, determinando que eles oferecessem incenso aos deuses; Tranquilino então
afirmou-se cristão, acrescentando que assim houvera sido curado de uma enfermidade da qual o
prefeito também padecia. Cromácio disponibilizou dinheiro para conseguir a cura da enfermidade,
arrancando de Tranquilino risos, tendo este assegurado que para ser curado bastaria recorrer a
Cristo.
Após um instrutivo catecumenato, no qual foi explanada a superioridade da fé sobre a
simples cura de sua doença, Cromácio e seu filho se tornaram também cristãos, permitindo que
fossem quebradas mais de duzentas estátuas de ídolos que eram por eles adorados, bem como que
fossem destruídos os instrumentos que eram utilizados para astrologia e outras práticas
divinatórias. Porém não apenas aquele pai e seu filho se tornaram cristãos em sua casa, mas um

135
total de 1.400 pessoas, incluindo escravos a quem deu a liberdade dizendo que os que passaram a
ter Deus por pai não mais podiam ser escravos de um homem.
Diocleciano, tendo assumido o império romano, conservou Sebastião no posto, e lhe deu o
cargo de capitão da primeira companhia de guardas pretorianos em Roma, depositando nele muita
confiança.
Chegou, porém, o momento em que Sebastião afirmou-se cristão, depois de ter cuidado
para que muitos trilhassem o caminho do Paraíso. Inconformado o imperador o enviou para a
morte: foi preso a um tronco, e teve o corpo perfurado por flechas. Crendo-o morto, foi abandonado
pelos que o supliciaram, mas uma piedosa viúva, que pretendia sepultá-lo com honras cristãs,
encontrou-o vivo, tendo dele cuidado para que se recuperasse. Algum tempo depois, ei-lo
apresentando-se a Diocleciano (que se surpreendeu ao vê-lo vivo), a quem censurou pela injustiça
com que perseguia os cristãos, pois estes rezavam pelo império e por seus exércitos, mas eram
supliciados como se fossem inimigos do estado.
O cruel imperador, obstinado em seus erros, mandou que Sebastião fosse imediatamente
levado a um local próximo, onde foi morto a bordoadas. Foi sepultado na catacumba que
atualmente leva seu nome, sobre a qual se ergue uma das sete principais igrejas de Roma, a Basílica
de São Sebastião, na Via Appia.
FONTES: Vida dos Santos, Padre Rohrbacher / Dix Mille Saints, Beneditinas de
Ramsgate / Catholic of Saints, John Delaney

Hino a São Sebastião


REFRÃO: Glorioso Mártir São Sebastião
dê a seus devotos firme proteção,
dê a seus devotos firme proteção

Por nós intercede junto ao Bom Senhor


que salva seu povo em qualquer horror (bis)

Da peste e o flagelo, a fome e a guerra


por tua bondade afasta da terra (bis)

Que assim preservados possamos viver,


pra seu santo nome sempre bendizer (bis)
Disponível em: http://www.arautos.org/secoes/artigos/especiais/sao-sebastiao-martir-143619

136
Este é o dia de louvar e agradecer a Deus por mais
uma etapa concluída em sua vida!
O senhor leu, rezou, estudou, escreveu e refletiu sobre muitos Santos que testemunharam sua
fé com a vida, que souberam dizer sim a Deus, que O amaram verdadeiramente e transbordaram
todas as graças recebidas.

Escolha o santo que mais despertou em seu coração o desejo de ser santo e escreva os
motivos.
Finalize este Volume escrevendo uma oração de ação de graças e peça a intercessão deste
santo que escolheu, para que seja um aluno segundo o coração de Deus, que busque a
Verdade para transformar o mundo!

137
138
Língua Portuguesa

Parte 2

Sagradas Escrituras

139
140
Neste volume iniciaremos um estudo mais detalhado sobre as
Sagradas Escrituras, com o objetivo de conhecer profundamente o que Deus
nos diz, nos ensina e aconselha em toda a história da Salvação. Como nos
evidencia São Paulo, na segunda carta a Timóteo:
"As Sagradas Escrituras (...) têm o condão de te proporcionar a
sabedoria que conduz à salvação, pela fé em Jesus Cristo. Toda a
Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar, para repreender,
para corrigir e para formar na justiça. Por ela, o homem de Deus se
torna perfeito, capacitado para toda boa obra". (II Tm 3, 15 – 17)

Os que mais perfeitamente viveram o Evangelho foram os santos da


Igreja Católica. Quem melhor viveu o “Se queres ser perfeito, vai, vende
teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-
me!" (Mt 21, 19), que São Francisco de Assis? Quem viveu com tanta
perfeição a bem-aventurança da pureza como São Luís Gonzaga? Não há
nada que esteja nos evangelhos que não foi vivido pelos santos, e, por isso,
lê-los é como ler uma explicação, uma analogia das Sagradas Escrituras.
Deste modo, uma vez por semana, após cada leitura sagrada, são
apresentados escritos de santos sobre as passagens bíblicas.
É muito importante que leia cada versículo e cada ensinamento com
muita atenção, em silêncio, em oração e com o coração aberto para tudo o
que Deus quer revelar.

“A Bíblia é um espelho que reflete a nossa mente. Nela vemos nossa


face interior. Das escrituras aprendemos nossas belezas e deformidades
espirituais. E ali também descobrimos o progresso que estamos fazendo,
e quão longe estamos da perfeição.”

São Gregório Magno

141
Sagradas Escrituras

Evangelho de Jesus Cristo segundo


São Mateus 2,13-18
13
Depois que os magos partiram, o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José e
lhe disse: "Levanta-te, pega o menino e sua mãe e foge para o Egito! Fica lá até
que eu te avise! Porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo".
14
José levantou-se de noite, pegou o menino e sua mãe, e partiu para o Egito.
15
Ali ficou até à morte de Herodes, para se cumprir o que o Senhor havia dito
pelo profeta: "Do Egito chamei o meu Filho".
16
Quando Herodes percebeu que os magos o haviam enganado, ficou muito
furioso. Mandou matar todos os meninos de Belém e de todo o território vizinho,
de dois anos para baixo, exatamente conforme o tempo indicado pelos magos.
17
Então se cumpriu o que foi dito pelo profeta Jeremias:
18
"Ouviu-se um grito em Ramá, choro e grande lamento: é Raquel que chora seus
filhos, e não quer ser consolada, porque eles não existem mais".

Comentário ao Evangelho por Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein)


Carmelita, mártir, Copadroeira da Europa
O Presépio
Os Santos Inocentes, companheiros do Cordeiro: «Seguem o Cordeiro para onde quer que ele vá»
(antífona de entrada; Ap 14,4)
Não sabemos aonde é que o Deus Menino nos quer conduzir neste mundo e não devemos
perguntar-Lhe antes de tempo. A nossa certeza é de que «tudo concorre para o bem dos que amam
a Deus» (Rom 8,28), e ainda, que os caminhos traçados pelo Senhor conduzem para além deste
mundo. Ao tomar um corpo, o Criador do gênero humano oferece-nos a sua divindade. Deus fez-
Se homem para que os homens se pudessem tornar filhos de Deus. Oh troca maravilhosa! [...]
Ser filho de Deus significa deixar-se conduzir pela mão de Deus, fazer a vontade de Deus
e não a nossa, depositar na mão de Deus todas as nossas preocupações e todas as nossas esperanças,
não nos preocuparmos mais conosco nem com o nosso futuro. É sobre este alicerce que assentam
a liberdade e a alegria dos filhos de Deus. [...]
Deus fez-se homem para que nós pudéssemos participar na sua vida. [...] A natureza
humana que Cristo assumiu tornou possível que Ele sofresse e morresse. [...] Todos os homens

142
têm de sofrer e morrer mas, se forem membros vivos do Corpo de Cristo, o seu sofrimento e a sua
morte recebem força redentora da divindade daquele que é a cabeça. [...]
Na noite do pecado, brilha a estrela de Belém. E sobre a luz resplandecente que brota do
presépio desce a sombra da cruz. A luz extingue-se nas trevas de Sexta-Feira Santa, mas surge
mais brilhante ainda, qual sol de graça, na manhã da Ressurreição. O caminho do Filho de Deus
feito carne passa pela cruz e pelo sofrimento, até à glória da Ressurreição. O caminho para chegar
à glória da Ressurreição com o Filho do homem passa pelo sofrimento e pela morte, para cada um
de nós e para toda a humanidade.
(Disponível em:
https://mensagenscatolicas.com.br/index.php?r=viewmail/index&dispatchid=1765)

Reescreva o texto bíblico em seu caderno.


Leia o Evangelho de São Mateus e memorize (no mínimo) o versículo que mais lhe chamou
a atenção.
A partir desta leitura, faça um propósito de vida para esta semana e escreva-o em seu
caderno.
Quem comenta o Evangelho de São Mateus?
Segundo Santa Teresa Benedita da Cruz o que significa ser filho de Deus?

143
Evangelho de Jesus Cristo segundo
São João 20, 2-8
No primeiro dia da semana,
2
Maria Madalena saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo,
aquele que Jesus amava, e lhes disse: "Tiraram o Senhor do túmulo, e não
sabemos onde o colocaram".
3
Saíram, então, Pedro e o outro discípulo e foram ao túmulo.
4
Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e
chegou primeiro ao túmulo.
5
Olhando para dentro, viu as faixas de linho no chão, mas não entrou.
6
Chegou também Simão Pedro, que vinha correndo atrás, e entrou no túmulo. Viu
as faixas de linho deitadas no chão
7
e o pano que tinha estado sobre a cabeça de Jesus, não posto com as faixas, mas
enrolado num lugar à parte.
8
Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo.
Ele viu, e acreditou.

Comentário ao Evangelho por São Pedro Damião, Bispo e Doutor da Igreja


Sermão 63; PL 144, 857ss.
São João, o discípulo bem-amado
É justo e bom que aquele que foi mais amado por Cristo que todos os mortais seja objeto
de um amor particular por parte dos amigos de Cristo, tanto mais que João deu provas de um amor
tão grande por nós que partilhou conosco [...] as riquezas da vida eterna que ele próprio tinha
recebido. Com efeito, foram-lhe dadas as chaves da sabedoria e do conhecimento (cf Lc 11, 52).
[...]
O espírito de João, iluminado por Deus, concebeu a incomparável altura da sabedoria
divina quando, na Última Ceia, repousou sobre o peito do Redentor (Jo 13, 25). E, porque no
coração de Jesus se encontram «todos os tesouros da sabedoria e da ciência» (Col 2,3), foi aí que
ele foi buscar e daí que tirou os conteúdos com que enriqueceu grandemente a nossa miséria de
pobres e distribuiu amplamente os bens tomados da fonte para a salvação do mundo. E, porque o
bem-aventurado João fala de Deus de maneira maravilhosa, que não pode ser comparada com
nenhuma outra entre os mortais, é compreensível que tanto os gregos como os latinos lhe tenham
dado o nome de o Teólogo. Maria é Theotokos porque foi verdadeiramente Mãe de Deus, e João
é Theologos porque viu, de maneira que não pode ser descrita, que o Verbo de Deus estava junto

144
de Pai antes de todos os séculos e era Deus (Jo 1,1), e também porque no-lo revelou com
extraordinária profundidade.
(Disponível em:
https://mensagenscatolicas.com.br/index.php?r=viewmail/index&dispatchid=1765)

Reescreva o texto bíblico em seu caderno.


Leia o Evangelho de São João e decore, no mínimo, o versículo que mais lhe chamou a
atenção.
Quem comenta o Evangelho de São João?
Por que São João evangelista é chamado o teólogo?
A partir desta leitura, faça um propósito de vida para esta semana e escreva-o em seu
caderno.

145
Evangelho de Jesus Cristo segundo
São João 1, 35-42
Naquele tempo,
35
João estava de novo com dois de seus discípulos
36
e, vendo Jesus passar, disse: “Eis o Cordeiro de Deus!”
37
Ouvindo essas palavras, os dois discípulos seguiram Jesus.
38
Voltando-se para eles e vendo que o estavam seguindo, Jesus perguntou: “Que
estais procurando?” Eles disseram: “Rabi (que quer dizer: Mestre), onde moras?”
39
Jesus respondeu: “Vinde ver”. Foram, pois, ver onde ele morava e, nesse dia,
permaneceram com ele. Era por volta das quatro da tarde.
40
André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram as palavras de João
e seguiram Jesus.
41
Ele foi logo encontrar seu irmão Simão e lhe disse: “Encontramos o Messias
(que quer dizer: Cristo)”.
42
Então André conduziu Simão a Jesus. Jesus olhou bem para ele e disse: “Tu és
Simão, filho de João; tu serás chamado Cefas” (que quer dizer: Pedra).

Comentário do dia por São João Crisóstomo


Presbítero de Antioquia, Bispo de Constantinopla, Doutor da Igreja
Homilia n.° 19 sobre São João
«Fitando nele os olhos, Jesus disse-lhe: "Tu és Simão, filho de João. Chamar-te-ás Cefas" — que
quer dizer "Pedro".»
«"Tu és Simão, filho de João. Chamar-te-ás Cefas" — que quer dizer "Pedro".» […] Eis o
nome que Cristo dá a Simão. A Tiago e a seu irmão chamar-lhes-á «filhos do trovão» (Mc 3, 17).
A que se devem estas mudanças de nome? Servem para mostrar que Ele, Jesus, é o mesmo que
havia estabelecido a antiga aliança, que tinha mudado o nome de Abrão, que passou a ser Abraão,
o de Sarai, que passou a chamar-se Sara, e o de Jacob, que passou a ser Israel (Gen 17, 5 ss; 32,
29). E que também dera o nome a vários, aquando do seu nascimento: a Isaac, a Sansão, aos filhos
de Isaías e de Oseias. […]
Nós temos um nome muito superior a todos os outros: o nome de «cristãos» – o nome que
faz de nós filhos de Deus, amigos de Deus, um mesmo corpo com Ele. Haverá nome que possa
tornar-nos mais fervorosos na virtude, encher-nos de maior zelo, levar-nos mais a fazer o bem?
Evitemos, pois, fazer alguma coisa que seja indigna deste nome tão grande e tão belo, derivado do
nome do próprio Jesus Cristo. Quantos ostentam o nome de um grande chefe militar ou de alguma
personagem ilustre consideram-se honrados por esse fato e tudo fazem para ser dignos dele.

146
Quanto mais nós, que não tiramos o nosso nome de um general nem de um príncipe desta Terra,
nem sequer de um anjo, mas do Rei dos anjos, quanto mais nós devemos estar dispostos a tudo
perder, incluindo a própria vida, pela honra deste santo nome!
(Disponível em: http://www.arautos.org/secoes/servicos/evangelhodiario/evangelho-do-dia-
2018-01-04-204166)

Reescreva o texto bíblico em seu caderno.


Leia o Evangelho de São João e memorize (no mínimo) o versículo que mais lhe chamou
a atenção.
Quem comenta o Evangelho de São João?
A partir desta leitura, faça um propósito de vida para esta semana e escreva-o em seu
caderno.
Qual a importância de recebermos o nome de cristãos?

147
Evangelho de Jesus Cristo segundo
São João 1, 43-51
Naquele tempo,
43
Jesus decidiu partir para a Galileia. Encontrou Filipe e disse: “Segue-me”.
44
Filipe era de Betsaida, cidade de André e de Pedro.
Filipe encontrou-se com Natanael e lhe disse: “Encontramos aquele de quem
45

Moisés escreveu na Lei, e também os profetas: Jesus de Nazaré, o filho de José”.


46
Natanael disse: “De Nazaré pode sair coisa boa?” Filipe respondeu: “Vem ver!”
47
Jesus viu Natanael que vinha para ele e comentou: “Aí vem um israelita de
verdade, um homem sem falsidade”.
48
Natanael perguntou: “De onde me conheces?” Jesus respondeu: “Antes que
Filipe te chamasse, enquanto estavas debaixo da figueira, eu te vi”.
49
Natanael respondeu: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel”.
50
Jesus disse: “Tu crês porque te disse: Eu te vi debaixo da figueira? Coisas
maiores que esta verás!”
51
E Jesus continuou: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: Vereis o céu aberto e
os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem”.

Comentário do dia por São Romano, o Melodista


2.º Hino para a Epifania, § 15-18
Jesus Salvador
Ergamos todos o olhar para o Senhor que está nos céus, e digamos, como o profeta: «Fez
a sua aparição na terra, onde permaneceu entre os homens» (Bar 3,38). Esse mesmo que aos
profetas Se mostrou sob aparências várias, Esse que surgiu a Ezequiel com o aspecto de um homem
num trono de fogo (Ez 1, 26) e que Daniel viu como Filho do Homem e ancião, velho e jovem ao
mesmo tempo (Dn 7, 9.13), proclamando-O como um só Senhor, Esse é Aquele que apareceu e
que tudo iluminou.
Ele dissipou a noite sinistra; graças a Ele, é sempre dia. Resplandeceu no mundo a luz sem
ocaso, Jesus, nosso Salvador. O país de Zabulão vive na abundância e imita o paraíso, pois todos
podem «saciar-se» no seu «rio de delícias» (Sl 35,9), e Ele faz desaguar nele uma corrente de água
sempre viva [...]. Na Galileia contemplamos «a fonte da vida» (v. 10), Aquele que apareceu e que
tudo iluminou.
Também eu Te verei, Jesus, a iluminar o meu espírito e a dizer aos meus pensamentos: «Se
alguém tem sede, venha a Mim e beba!» (Jo 7,37). Refresca este coração humilhado que a minha
vida errante fez quebrar. Ela consumiu-o de fome e de sede; não fome de alimentos, não sede de

148
beber, mas de ouvir as palavras do Senhor (Am 8,11) [...]. Por isso o meu coração geme baixinho,
esperando o juízo que vem de Ti, que apareceste e que tudo iluminaste [...].
Dá-me um sinal claro, purifica os meus erros escondidos, pois as feridas minam-me. [...]
A teus pés me lanço, Salvador, como a hemorroísa. Também eu toco na fímbria da tua túnica e
digo: «Se ao menos tocar nas suas vestes, ficarei curado» (Mc 5,28). Não tornes vã a minha fé, Tu,
que és médico das almas [...]. Encontrar-Te-ei, para minha salvação, a Ti, que apareceste e que
tudo iluminaste.
(Disponível em: http://www.arautos.org/secoes/servicos/evangelhodiario/evangelho-do-dia-
2018-01-05-204228)

Reescreva o texto bíblico em seu caderno.


Leia o Evangelho de São João e memorize (no mínimo) o versículo que mais lhe chamou
a atenção.
Que Santo nos explica o Evangelho de São João?
A partir desta leitura, faça um propósito de vida para esta semana e escreva-o em seu
caderno.
Escreva uma oração pedindo para que assim como Natanael encontrou a salvação por
reconhecer que Jesus era o Messias, assim também seja salvo por reconhecer que Nosso
Senhor Jesus Cristo é o Senhor da sua vida.

149
150
Língua Portuguesa

Parte 3

Leitura Mensal

151
152
Leitura Mensal
Atividades sobre o livro mensal:

A prática da humildade (Gioacchino Pecci)


As histórias são meios pelos quais Deus fala conosco, como nos
diz são Jerônimo: “Quando rezamos, falamos com Deus, e quando
lemos, é Deus que nos fala!”. Durante este ano, escolhemos diversas
leituras que irão te levar para mais perto de Deus, de Sua palavra e
ensinamentos.
Para começar o trabalho, escolhemos um livro: A prática da
humildade, de Gioacchino Pecci. Este livro é fundamental para que
consigam alcançar os objetivos deste material, sendo a humildade a
base para se conquistar qualquer virtude, por isso o apresentamos como
São Jerônimo fundamento das bases de leitura.
Caso já tenha lido e memorizado este livro, releia as respostas das atividades que já fez,
para recordar, e realize a leitura do segundo livro que propomos neste material (está após as
atividades da prática da humildade).
Queremos reafirmar que a prioridade é esta primeira leitura, faça com atenção e zelo,
em oração. Se terminar, também pode realizar a segunda leitura proposta.

Livro “A prática da Humildade”

Atividade 1
Antes de ler o livro, escreva:
Qual é o título do livro?
Quem é o autor do livro?
Qual(ais) é(são) a(s) editora(s) do livro?
Em que local (cidade) o livro foi publicado?
Qual o ano de publicação do livro?

153
Quantas páginas o livro possui?
Com base nas informações anteriores, complete a estrutura da referência bibliográfica:

SOBRENOME DO AUTOR, Nome. Título do livro. Local de Publicação: Nome da Editora, Ano
de publicação. Número de páginas p.

Exemplo: CASTRO, Juliana Sant’Anna de. Literatura católica. São Carlos: Civitate Dei, 2018.
125p.
Por que o nome do Papa Leão XIII aparece em parênteses na capa do livro?

Atividade 2
Leia o prefácio do livro e responda, com base em sua leitura, quem disse: “olhou para a
humildade de sua Serva”?
Pesquise e escreva na íntegra o Magnificat em português. (Lc 1,46-55)

Magnificat Lc 1,46-55
- 46 Magnificat *
anima mea Dominum,
- 47 et exultavit spiritus meus *
in Deo salvatore meo,
- 48 quia respexit humilitatem ancillæ suæ. *
Ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes.
- 49 Quia fecit mihi magna, qui potens est, *
et sanctum nomen eius,
- 50 et misericordia eius in progenies et progenies *
timentibus eum.

- 51 Fecit potentiam in brachio suo, *


dispersit superbos mente cordis sui;
- 52 deposuit potentes de sede *
et exaltavit humiles;
- 53 esurientes implevit bonis *
et divites dimisit inanes.

- 54 Suscepit Israel puerum suum, *


recordatus misericordiæ,
- 55 sicut locutus est ad patres nostros, *

154
Abraham et semini eius in sæcula.

- Gloria Patri, et Filio, *


et Spiritui Sancto.
- Sicut erat in principio,
et nunc, et semper, *
et in saecula saeculorum. Amen.
(LITURGIA DAS HORAS III, 2000, p. 605)

Atividade 3
Leia a apresentação do livro (p. 9 e 10).
“Se queres ser grande, começa por ser pequeno. Se queres construir um edifício que
chegue até o céu, pensa primeiro em pôr os alicerces da humildade. Quanto maior for o
volume do que se queira edificar e a altura da casa, tanto mais fundos devem ser cavados
os alicerces.” (SANTO AGOSTINHO. Sermão 49,2).
A partir da frase de Santo Agostinho, medite sobre o que ele diz sobre a humildade.
Em seguida reflita sobre a importância da humildade para o estudo e escreva o que deseja
para este ano como estudante.
Elabore uma oração agradecendo a Deus pela oportunidade e graça que tem de estudar
materiais que o levam a maior intimidade com Ele, ademais, registre esta oração em seu
caderno.

Atividade 4
Leia o capítulo que fala sobre o autor (p. 11-17) e responda em seu caderno:
Qual importância teve o Papa Leão XIII na promoção e incentivo do estudo da ciência
verdadeira?
Gioacchino Raffaele Luigi Pecci, após tornar-se pontífice, escolheu o nome de Leão XIII,
pois o significado do nome representa sua missão.
Conhece o porquê da escolha do seu nome.
Pesquise o significado do seu nome, prossiga registrando tudo o que aprendeu em seu
caderno.
Gioacchino Raffaele Luigi Pecci tornou-se o Papa Leão XIII. Siga o exemplo e escreva o
nome de batismo de cada pontífice.
(Pode utilizar este link http://w2.vatican.va/content/vatican/pt.html)
GIOACCHINO RAFFAELE LUIGI PECCI – Leão XIII
SÃO JOÃO PAULO II –
SÃO PIO X –

155
SÃO PIO V –
SÃO CELESTINO V –
SÃO GREGÓRIO VII –

Atividade 5
Introdução do Livro
“O brilhante livro de Leão XIII, A prática de humildade, deve ser lido não apenas como
uma literatura frugal, mas sim como um manual de vida espiritual e humana.
A humildade é o princípio para todos aqueles que querem aprender, e o primeiro passo para
aprender é reconhecer que não se sabe; mesmo para reconhecer que não se sabe é necessário a
humildade. Sendo assim, Deus não poderia manifestar a sua providência de uma maneira tão
magnânima! Nos presenteando com esta obra nobre, que nos acompanhará como um manual de
aprendizado durante toda a nossa vida.”
Aproveite bem este manual de humildade e boa leitura!

Definição
GLOSSÁRIO: Vocabulário ou livro em que se explicam palavras de significação
desconhecida.

Leitura das páginas: 20, 21, 22 e 23.


Escolha dez palavras que não conhece o significado e construa um glossário.
Escolha um dos conselhos de I a VI, aquele que mais lhe chamou a atenção; leia e releia
várias vezes, e responda:
Por que escolhi este conselho?
O que farei para colocar este conselho em prática? Escreva um propósito para o seu dia.
Escreva uma oração pedindo a virtude da humildade.

Atividade 6
Leitura das páginas: 24, 25, 26 e 27.
Escolha dez palavras que não conhece e construa um glossário.
Qual é a importância do silêncio para adquirir humildade?
“Se te faltarem as consolações temporais, e se Deus te subtrair as doçuras espirituais,
pensa que gozaste delas com abundância superior ao teu mérito, e contenta-te em tudo com a
maneira como trata o Senhor.”

156
Com base no conselho acima, reflita sobre tudo aquilo que Deus lhe concedeu em Vossa
Divina Providência, e agradeça a Ele. Escreva os frutos da sua oração em seu caderno.

Atividade 7
Leitura das páginas: 28, 29, 30 e 31.
Escolha cinco palavras que desconhece e construa um glossário com os significados
encontrados.
“Pela mesma razão, não te indignes ou tenha náuseas, quando nas refeições te apresentarem
comidas a descontento do teu paladar; pelo contrário, farás então como os pobres de Jesus
Cristo, que comem de bom grado o que se lhes apresenta, e dão graças à Providência”.
Com base no conselho acima, descreva qual é a relação da humildade com a gratidão às
comidas que desagradam o paladar.
Escreva o Conselho XXVI em seu caderno, e, depois, registre o que Deus te inspirou
através destes escritos.
“Nunca desejes ser especialmente amado. Porque, considerando que o amor procede da
vontade e sendo esta por sua natureza ordenada ao bem, segue-se que o ser amado e o ser
considerado bom são uma só e mesma coisa; ora, o desejo de se estimado de forma particular e
preferencial não pode concordar com uma sincera Humildade.
Oh! Quão grande fruto colherás, se assim agires! – Tua alma, não desejando mais o amor
das criaturas, se ocultará nas chagas sagradas do Salvador, e no coração adorável de Jesus
gozarás inefáveis e divinas doçuras; porquanto, generosamente renunciando por Ele ao amor das
criaturas, poderás saborear com abundância o mel das consolações divinas, o que te seria
negado, se cobiçasses o falso e lisonjeiro deleite das consolações terrestres; porque as
consolações divinas são tão puras e tão sinceras, que não admitem mescla alguma com as deste
mundo, e tanto mais cheios delas nós seremos, quanto mais desligados das terrenas. Poderá assim
tua alma voar mais livremente a Deus, e, com o pensamento da sua presença e das suas infinitas
perfeições, descansar no gozo d’Ele.”
Finalmente, como não há coisa mais doce do que amar e ser amado, se te privares deste
prazer por amor de Deus, e para que só Deus possua o teu coração, não dividido pelo amor de
outras criaturas, oferecerás ao senhor um sacrifício que Lhe será sumamente grato, e para ti
sumamente meritório.
Não temas que, procedendo assim, se esfrie em teu peito a caridade para com o te u
próximo; pelo contrário, o amarás com um amor mais perfeito, porque não o amarás com
interesse, isto é, para satisfazer tua natural inclinação, mas só para agradar a Deus, fazendo o
que sabes ser mais do seu agrado.”

Atividade 8
Leitura das páginas: 33, 34, 35 e 36.

157
Procure no dicionário o significado de três palavras que desconhece e construa um
glossário.
“Por mínimas que sejam as tuas ações, executa-os com muita atenção e com máxima
exatidão e diligência; porque fazer as coisas com pressa e precipitação é indicio de presunção:
o verdadeiro humilde evita e teme falhar até nas coisas mais insignificantes.
Pela mesma razão, praticarás sempre aqueles atos de piedade que são mais comuns, e
evitarás em geral qualquer coisa extraordinária que a tua inclinação possa sugerir-te;
porque, assim como o orgulhoso busca sempre as singularidades, assim o humilde se
compraz em praticar as ações mais comuns e ordinárias.”
Correlacione o conselho anterior com a sua vida de estudante e registre-a em seu
caderno.
“Aqui nesta vida, Senhor, queimai e cortai em mim o que quiserdes; não me poupeis aqui,
contanto que me poupeis e perdoeis na eternidade.” (Santo Agostinho)
Com base na frase de Santo Agostinho, sobre os vícios que trazemos em nós e que
precisam ser exterminados, elabore uma lista de sete vícios que gostaria de vencer e
correlacione com virtudes que deverão substituir essas imperfeições.
Exemplo:
- Impaciência – Paciência
Escreva uma prece para cada virtude requisitada.

Atividade 9
Leitura das páginas: 37, 38, 39 e 40.
Procure no dicionário o significado de três palavras que desconhece e construa um
glossário.
Escolha um dos conselhos apresentados na leitura e, a partir deste, discorra uma oração no
desejo de viver a virtude da humildade.
Registre esta oração em seu caderno.

Atividade 10
Leitura das páginas: 41, 42, 43 e 44.
Procure no dicionário o significado de três palavras que desconhece e construa um
glossário.
Escreva, a partir do conselho a seguir, a importância da humildade para receber a Sagrada
Comunhão.
“Se te apresentas à Sagrada Comunhão com um coração todo inflamado de amor divino,
deve,s além disso, ter o espírito penetrado por uma verdadeira Humildade. Como não espantar-
se de que um Deus infinitamente Santo chegue a tal extremo de amor para com a miserável

158
criatura que és tu, a ponto de se dar a ti em alimento? Toma consciência da tua profunda
indignidade, e não te aproximes daquela adorável Santidade senão com a maior reverência; e
quando aprouver ao Amável Senhor, que é todo Caridade neste Sacramento, agraciar-te com suas
inenarráveis doçuras, acautela-te bem para que isso não diminua o teu respeito à sua Infinita
Majestade; conserva-te sempre no teu lugar, isto é, na submissão, na abjeção, no nada.
Mas que o sentimento da tua pobreza e da tua miséria não te leve a fechar o coração, nem
diminua em nada a santa confiança que deves ter neste celeste banquete; ao contrário, que a
humildade te faça crescer ainda mais no amor para com teu Deus, que se humilha a ponto de
tornar-se o alimento de tua alma.”

Atividade 11
Leitura das páginas: 45, 46, 47 e 48.
Procure no dicionário o significado de três palavras que desconhece e construa um
glossário.
Após a leitura das páginas descritas, releia o Conselho LII e responda:
Porventura és tu iluminado ou mais santo do que eles?
Por que então não segues o seu exemplo, considerando-te vil e desprezível?
Por que não põe, como aqueles Santos, todas as tuas delícias na Santa Humildade?

Atividade 12
Leitura das páginas: 49, 50, 51, 52, 53, 54 e 55.
Procure no dicionário o significado de três palavras que desconhece e construa um
glossário.
São Miguel Arcanjo foi o primeiro humilde em oposição a soberba de Lúcifer. Copie a
oração de São Miguel em seu caderno e peça-lhe Sua intercessão em favor da sua humildade.
Escreva os frutos da sua oração.

Oração a São Miguel Arcanjo


São Miguel Arcanjo,
Defendei-nos no combate;
Sede nossa proteção
Contra os embustes e
Ciladas do demônio.
Subjugue-o Deus,
Instantemente o pedimos,
E vós Príncipe da Milícia

159
Celeste, pelo divino poder,
Precipitai no inferno
A Satanás e aos outros
Espíritos malignos, que andam
Pelo mundo para perder as almas.
Amém.

Ao terminar a leitura destes conselhos, faça um resumo do que aprendeu sobre a humildade
e o que fará para praticá-la.
Registre tudo em seu caderno.

Atividade 13
Leitura das páginas: 56, 57, 58 e 59.
Procure no dicionário o significado de três palavras que desconhece e construa um
glossário.
Neste capítulo trataremos de exortações a respeito da humildade. Estas são palavras da
Igreja que, proferidas por santos homens e mulheres, nos ajudam a percorrer o caminho que
passa pela virtude da humildade para alcançar a santidade.

Escolha uma das exortações e responda:


⎯ Quem a escreveu?
⎯ Qual é o título?
⎯ Qual é a mensagem central desta exortação?
⎯ O que mais chamou a sua atenção nesta exortação?
⎯ Faça uma oração direcionada através desta exortação e um compromisso de
vida para esta semana.
Registre tudo em seu caderno.

Atividade 14
Leitura das páginas: 60, 61, 62 e 63.
Procure no dicionário o significado de três palavras que desconhece e construa um
glossário.
Escolha a exortação que mais chamou a sua atenção e explique a importância da realização
das tarefas mais simples e ao mesmo tempo mais indignas para se alcançar a humildade.

160
Atividade 15
Leitura das páginas: 64, 65, 66 e 67.
Procure no dicionário o significado de três palavras que desconhece e construa um
glossário.
Podemos ver que a humildade nos faz reconhecer a grandeza dos outros e a nossa pequenez.
Escolha uma das exortações e escreva a importância da humildade para amar verdadeiramente
a pessoa humana.

Atividade 16
Leitura das páginas: 68, 69, 70 e 71.
Procure no dicionário o significado de três palavras que desconhece e construa um
glossário.
Escreva a Ladainha da humildade em seu caderno.

Ladainha da Humildade
Ó Jesus, manso e humilde de coração, ouvi-me.
Do desejo de ser estimado, livrai-me, ó Jesus.
Do desejo ser amado, livrai-me, ó Jesus.
Do desejo de ser conhecido, livrai-me, ó Jesus.
Do desejo de ser honrado, livrai-me ó Jesus.
Do desejo de ser louvado, livrai-me, ó Jesus.
Do desejo de ser preferido, livrai-me, ó Jesus.
Do desejo de ser consultado, livrai-me, ó Jesus.
Do desejo de ser aprovado, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser humilhado, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser desprezado, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de sofrer repulsas, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser caluniado, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser esquecido, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser ridicularizado, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser infamado, livrai-me, ó Jesus.
Do receio de ser objeto de suspeita, livrai-me, ó Jesus.
Que os outros sejam amados mais do que eu, Jesus, dai-me a graça de desejá-lo.

161
Que os outros possam elevar-se na opinião do mundo, e que eu possa ser diminuído, Jesus,
dai-me a graça de desejá-lo.
Que os outros possam ser escolhidos e eu posto de lado, Jesus, dai-me a graça de desejá-lo.
Que os outros possam ser louvados e eu desprezado, Jesus, dai-me a graça de desejá-lo.
Que os outros possam ser preferidos a mim em todas as coisas, Jesus, dai-me a graça de
desejá-lo.
Que os outros possam ser mais santos do que eu, embora me torne o mais santo quanto me
for possível, Jesus, dai-me a graça de desejá-lo.
(Cardeal Merry del Val – Ladinhada Humildade)

Crie dez pequenas invocações pedindo a humildade.


Exemplo: Ó Jesus, socorro dos humildes, ouvi-me
Ó Jesus, consolo dos pequenos, ouvi-me
Ó Jesus, graça dos ignorantes, ouvi-me...

Atividade 17
Leitura das páginas: 72, 73, 74 e 75.
Procure no dicionário o significado de três palavras que desconhece e construa um
glossário.
Escreva a exortação XX em seu caderno e destaque os atos que são soberbos.
“Deixa-me que te recorde, entre outros, alguns sinais evidentes de falta de humildade: -
pensar o que fazes ou dizes está mais bem feito ou dito do que aquilo que os outros dizem; - querer
levar sempre a tua avante; - discutir sem razão ou – quando a tens – insistir com teimosia e de
maus modos; - dar o teu parecer sem que to peçam, ou sem que a caridade o exija; - desprezar o
ponto de vista dos outros; - não encarar todos os teus dons e qualidade como emprestados; - não
reconhecer que é indigno de qualquer nota e estima, que não mereces sequer a terra que pisas e
as coisas que possuis; - citar-te a ti mesmo como exemplo nas conversas; - falar mal de ti mesmo,
para que façam bom juízo de ti ou te contradigam; - desculpar-te quando te repreendem, - ocultar
ao diretor algumas faltas humilhantes, para que não perca o conceito que faz de ti; - ouvir com
complacência quando te louvam; ou alegrar-te de que tenham falado de ti; doer-te de que os
outros sejam mais estimados do que tu; - negar-te a desempenhar ofícios inferiores, - procurar ou
desejar singularizar-te; - insinuar na conversa palavras de louvor próprio ou que deem a entender
a tua honradez, o teu engenho ou habilidade, o teu prestigio profissional...; - envergonhar-te por
careceres de certos bens...”
(São José Maria Escrivá, Sulco, n. 263)
Após finalizar a leitura do livro:

162
Leitura Mensal 2
Caso já tenha lido o livro a prática da humildade na etapa anterior, nesta propomos a
leitura do livro:

Padre Domenico de Cese: Apóstolo da Sagrada Face de Manoppello.

“Não entendo por que vocês vêm de tão longe para


me ver, se têm o Padre Domenico tão perto”. Era assim
que São Pio de Pietrelcina recebia os peregrinos de
Abruzzio, região onde nasceu o servo de Deus, Padre
Domenico de Cese, um frade capuchinho extremamente
caridoso, em especial com os pobres e doentes. Ele foi um
exemplo do carisma franciscano, e também um homem de
intensa oração que a partir das 4 horas da manhã já era
visto com a coroa do rosário entrelaçada nos dedos. No
Santuário de Manopello, onde viveu até a sua morte,
promoveu com zelo singular a devoção à Sagrada face de
Manoppello – um finíssimo tecido que contém
misteriosamente a imagem do rosto de Nosso Senhor Jesus
Cristo -, a ponto de ficar conhecido como o “Apóstolo da
Sagrada Face de Manopello”
Boa Leitura!
Antes de ler o livro, escreva:
Qual é o título do livro?
Quem é o autor do livro?
Qual(ais) é(são) a(s) editora(s) do livro?
Em que local (cidade) o livro foi publicado?
Qual é o ano de publicação do livro?
Quantas páginas o livro possui?
Com base nas informações anteriores, complete a estrutura da referência bibliográfica:

SOBRENOME DO AUTOR, Nome. Título do livro. Local de Publicação: Nome da Editora,


Ano de publicação. Número de páginas p.

- Leitura: Apresentação – Páginas 7-12.


Como se deu início da devoção à Sagrada Face de Manoppello?
Qual curioso fato sobre Padre Domenico está associado ao cortejo fúnebre de São Pio de
Pietrelcina?

163
- Leitura: Capítulo I :As recordações dos confrades – Páginas 13-22.
Qual descrição é dada sobre o olhar de Padre Domenico?
Qual devoção de Padre Domenico é constantemente citada no livro, além da Sagrada Face?

- Leitura: Capítulo II: Dados biográficos – Páginas 23-34.


Como era a família de Padre Domenico? De onde eles são provenientes?
Que desastre natural atingiu o local onde vivia a família Petracca? Quais foram as
consequências do ocorrido para essa família?
Por qual motivo Emídio Petracca assumiu o nome o nome de Frei Domenico de Cese?
Cite três adjetivos constantemente atribuídos ao Padre Domenico.
Como Padre Domenico passava seu tempo livre?
Em que circunstâncias se deu a morte de Padre Domenico?

- Leitura: Capítulo III: Um frade capuchinho – Páginas 35-44.


Qual é a relação de Padre Domenico com São Francisco de Assis?
Qual acontecimento fez com que São Francisco de Assis mudasse a perspectiva se sua
vida?
Qual é o objetivo dos votos de consagração de vida a Deus?
Qual é o apostolado dos frades capuchinhos?

- Leitura: Capítulo IV: Amante da oração – Páginas 45-52.


Sob quais condições Jesus afirma que o pedido feito será concedido?
O que deve ser feito para que a oração se torne uma expressão de fé?

- Leitura: Capítulo V: Apóstolo da confissão – Páginas 53-66.


Em qual data mariana Frei Domenico recebeu a consagração sacerdotal?
O que é celebrado no Sacramento da Penitência? Quando este foi instituído?
Quando é afirmamos que um pecado é cometido?
O que acontece à alma quando se perde a noção de pecado?
Quais os frutos do Sacramento da Confissão?
Qual foi a exortação feita por Padre Domenico à senhora Florinda Rodorigo?
Segundo Santo Afonso Maria de Ligório, como o padre confessor deve tratar as almas?
Santo Afonso diz que o confessor deve ser professor, juiz e médico. Explique.

- Leitura: Capítulo VI: Conselheiro espiritual – Páginas 67-72.


O que diz Padre Domenico sobre a espiritualidade conjugal?
Como se revela a alma de Padre Domenico em suas cartas?

164
- Leitura: Capítulo VII: Arauto da Sagrada Face – Páginas 73-80.
Como é descrita a expressão da Sagrada Face impressa no véu?
A Sagrada Face e o Sudário são consideradas imagens acheropitas. O que isso significa?
Qual foi a conclusão após as análises feitas do véu da Sagrada Face?

- Leitura: Capítulo VIII: Peregrino do Santo Sudário – Páginas 81-88.


O que pode ser observado no Santo Sudário quando este foi fotografado?
Como foram os últimos instantes da vida de Padre Domenico?
Que festa a Igreja celebra no mesmo dia da morte de Padre Domenico?
Como o jovem Giovanni Cardella passou a compreender a frase: “(...)todos sobre esta Terra
somos instrumentos nas mãos de Deus?”

Leitura: Capítulo IX: O encontro com a “irmã morte” – Páginas 89-92.


A que Padre Domenico oferece os sofrimentos do final de sua vida?
O que se pode perceber na narração do final da vida de Padre Domenico? O que este fez
até os seus últimos instantes?

- Leitura: Capítulo X: A lembrança de alguns fiéis – Páginas 93-102.


Entre os fiéis que conviveram com Padre Domenico, alguns deixaram por escrito alguns
episódios de caráter sobrenatural, miraculoso. Cite três.
As homilias de Padre Domenico eram consideradas fortes e expressivas, pautando-se
sempre em alguns assuntos essenciais. Quais são eles?

-Leitura: Coroinha ao Sagrado Coração – Páginas 103-104.


Copie a Coroinha ao Sagrado Coração em seu caderno.

165
Frutos de Santidade
Todas as leituras feitas durante o ano poderão levá-lo a uma vida mais virtuosa, à busca da
sabedoria e da santidade, que produza abundantes frutos. Com este objetivo, ao término de cada
livro lido faremos uma atividade que demonstra o fruto que a história lida gerou em sua vida.
Para esta atividade utilize o papel almoço ou o sulfite (escolha apenas um tipo e utilize-o
até o fim); ao término desta Etapa se surpreenderá com tantos exemplos e testemunhos de amor e
entrega a Deus.

Para começar...
Folha 1
Escreva em uma folha de papel (almaço ou sulfite) um resumo dos aspectos que mais
chamaram a sua atenção na “Leitura Mensal” realizada.
Este resumo deve responder as seguintes questões:
Como esta história me ajudou a ter uma vida mais virtuosa?
Quais foram os frutos que esta leitura trouxe?
A partir da leitura, eu pretendo alcançar um propósito de vida: (coloque alguma virtude,
tarefa, algum sacrifício que ficou motivado a fazer para ser uma pessoa mais sábia, virtuosa
e santa!).

Escolha alguém de sua família ou amigos para contar esta experiência.

166
Língua Portuguesa

Parte 4

Teoria e Prática

167
168
Teoria e Prática
Hugo de São Vitor, em seu livro Didascalicon - Arte de ler, escreve:

“Gramática é a ciência de falar sem vícios”.

Muitas vezes pedimos a Deus a graça de nos livrarmos de nossos pecados, vícios e
imperfeições, para que nos tornemos virtuosos, pessoas que buscam a Verdade, O Bom, O Belo,
por meio de uma santa sabedoria, dada por Deus. O problema é que pouquíssimas pessoas
percebem, de fato, o alcance destes vícios e imperfeições, que atingem diretamente a nossa
disciplina, principalmente por meio de falsas promessas modernistas e relativistas.
É abundante o número de livros pecaminosos e nada virtuosos, de leituras que ferem a
essência e a dignidade da pessoa humana, personagens que em nada são exemplo de vida, e o
bombardeio diário de falsas garantias de felicidade por meio de uma liberdade desenfreada que faz
com que as crianças e jovens fiquem cada vez mais perdidos e desorientados.
A gramática de uma língua não está fora desta rede de confusões na qual o ser humano está
preso. Quem nunca ouviu falar que “o que importa é a comunicação”, que “não precisamos de
regras”, que “o que realmente importa é estar bem e falar como quiser”? Ao relativizarmos o uso
gramatical, não percebemos o mal que está sendo dia após dia gerado.
É possível imaginar o trânsito sem regras? Não há regras para estacionar, o semáforo torna-
se um enfeite, o pedestre é um mero acessório, cada um faz o que gosta, do modo que se sente
“bem”. O que é correto? O que é inadequado? Dirigir e mesmo caminhar pela cidade seria um
caos! O problema é que muitos desejam fazer o mesmo com a Língua Portuguesa, evitando e
ignorando tudo aquilo que organiza, norteia e justifica a linguagem. O trânsito sem as leis equivale
a língua sem a gramática! O caos se instaura.
Não é fácil termos e perseverarmos em uma vida de santidade, mas valerá a pena!

Peçamos a Deus a graça de nos livrar de todos os vícios que nos impedem de estar mais
próximos d’Ele, para realizarmos a Sua Vontade em todas as áreas de nossas vidas e a assim
sermos santos sábios que farão a diferença no mundo! Peça esta graça por meio de uma oração
(escrita, em seu caderno).

Nos anos anteriores foram aprendidos alguns princípios importantíssimos que irão ajudá-
lo a penetrar mais profundamente no universo da Língua Portuguesa. Por isto, separamos os
conceitos e princípios mais significativos da etapa anterior para revisar:

Atenção:
As atividades práticas que deverão ser realizadas estão inseridas junto ao texto teórico,

com o símbolo:

169
Flexão das palavras
Palavra variável e palavra invariável
Uma palavra é variável quando sofre flexão. A rigor, sobre flexão a palavra que admite
alteração em sua forma pela presença das desinências nominais, de gênero e número, ou das
desinências verbais, de modo, tempo, número e pessoa.
É invariável a palavra que não sofre flexão. Dessa forma, as classes gramaticais podem
ser variáveis e invariáveis. Veja:

Variáveis Invariáveis

substantivo advérbio
artigo preposição
adjetivo conjunção

numeral interjeição
pronome
verbo

Conjunção
Conceito
“Vi ímpios receberem sepultura e gozarem de repouso, enquanto que aqueles que tinham
feito o bem iam para longe do lugar santo e eram esquecidos na cidade. Isso é ainda vaidade.” (Ecl
8-10).
As palavras destacadas são conjunções. A conjunção, assim como a preposição, é um
elemento de ligação, um conectivo, liga palavras e complementos.

Conjunção é a palavra que liga orações ou termos semelhantes de uma oração.

Classificação das conjunções


As conjunções ligam orações coordenando ou subordinando umas às outras, podendo ser,
então, coordenativas ou subordinativas.

170
Conjunções coordenativas
São coordenativas as conjunções que ligam:

1. Termos semelhantes de uma mesma oração.


Ventos fortes e chuvas intensas atrapalhavam a Santa Missa.

2. Duas orações independentes ou coordenadas.


O terço acabou e o silêncio rondara todo o orfanato.

1ª oração 2ª oração

Essas orações são independentes ou coordenadas porque para o entendimento de uma


oração, nenhum termo é exigido da outra; são entendidas independentemente, podendo, cada uma,
sozinha, formar uma frase, sendo até mesmo dispensável em algumas situações, por exemplo:
-O terço acabou. O silêncio rondara todo o orfanato.
As conjunções coordenativas são nomeadas de acordo com o sentido que estabelecem entre
as orações que ligam. Veja:

Aditivas
Sentido de adição, de soma: e, nem (=e não), mas (ou como) também (depois de não só)
etc.
Exemplos: Reza e trabalha sem se cansar.
Não trabalha nem reza o fraco na fé.
Não só trabalha, mas (como) também reza o amigo de Deus.

Adversativas
Sentido de adversidade, contraste, oposição: mas, porém, todavia, contudo, no entanto,
entretanto, não obstante etc.
Exemplo: “A sabedoria vale mais que a força, mas a sabedoria do pobre é desprezada e as
suas palavras não se dão ouvidos”.

Alternativas
Sentido de alternância ou exclusão: ou, ou... ou, ora... ora, quer... quer, seja... seja etc.
Exemplo: Ora aparece, ora desaparece esse São Pio.

171
Explicativas
Sentido de explicação: que, porque, pois (anteposto ao verbo), portanto.
Exemplo: “Eu irei confessar semanalmente pois desejo ser santo!”

Conclusivas
Sentido de conclusão: logo, assim, portanto, por isso, por conseguinte, pois (posposto
ao verbo).
Exemplo: “Pois, que proveito tira o homem ao ganhar o mundo inteiro, se perder a sua
alma? Ou o que dará o homem em recompensa da sua alma?”

A partir da leitura dos textos “Aprendendo com os santos e com a Igreja”, encontre
exemplos de conjunção coordenativa e classifique-as (conjunção aditiva, conjunção
explicativa etc.).
Explique depois de cada exemplo o que justifica a classificação atribuída.
Exemplo: Reza e trabalha sem se cansar = conjunção coordenativa aditiva, pois adiciona
ideias que o sujeito realiza.

Conjunções subordinadas
São subordinadas as conjunções que ligam duas orações, sendo uma dependente da outra.
O sentido de uma oração depende da outra oração, que é a principal.
Exemplo: Espero que você não se atrase para a missa.
A primeira oração -“Espero” - precisa da segunda para completar o seu sentido. A segunda
é, portanto, uma oração dependente da primeira, ou seja, uma oração subordinada. A oração que
tem uma subordinada a ela é denominada oração principal.
As conjunções subordinativas iniciam orações adverbiais e orações substantivas. Elas são
nomeadas de acordo com as circunstâncias que exprimem (adverbiais) ou com a função que
exercem (substantivas).

Temporais
Iniciam orações adverbiais que exprimem tempo: quando, enquanto, logo que, depois
que, antes que, desde que, sempre que, até que, assim que etc.
Exemplo: Fomos maravilhados para casa quando a missa terminou.

172
Causais
Iniciam orações adverbiais que exprimem causa: porque, como (= porque), uma vez que,
já que, visto que etc.
Exemplo: “Porque aquele jovem saiu da prisão para reinar, apesar de ter saído pobre.”

Condicionais
Iniciam orações adverbiais que exprimem condição: se, caso, contanto que, salvo se,
desde que etc.
Exemplo: Contanto que rezemos, quase todos nós iremos para o céu.

Proporcionais
Iniciam orações adverbiais que exprimem proporção: à proporção que, à medida que, ao
passo que, quanto mais, quanto menos etc.
Exemplo: A graça vem à medida que a pedimos.

Finais
Iniciam orações adverbiais que exprimem finalidade: para que, a fim de que etc.
Exemplo: Os mandamentos foram criados para que a verdadeira lei fosse ordenada.

Consecutivas
Iniciam orações adverbiais que exprimem consequência: que (combinada com tal, tanto,
tão, tamanho), de sorte que, de forma que etc.
Exemplo: As coisas foram ordenadas de forma que houvesse ordem no caos.

Concessivas
Iniciam orações adverbiais que exprimem concessão: embora, conquanto, ainda que,
mesmo que, se bem que, apesar de que etc.
Exemplo: Devemos amar incondicionalmente, mesmo que custe nossas vidas.

Comparativas
Iniciam orações adverbiais que exprimem comparação: como, mais... (do) que, menos...
(do) que, maior... (do) que, menor... (do) que etc.

173
Exemplo: A santidade foi mais almejada (do) que buscada.

Conformativas
Iniciam orações adverbiais que exprimem conformidade: conforme, segundo, como,
consoante etc.
Exemplo: Fomos ao Vaticano conforme planejado.

Integrantes
Iniciam orações substantivas que representam sujeito, objeto direto etc.: que e se.
Exemplo: Espero que ele cresça em virtudes.

Observação
O estudo das conjunções deve voltar-se para o sentido em que estão empregadas na frase, e
não à simples memorização classificatória, para que o aluno aprenda a refletir e não apenas
a repetir fórmulas prontas. Observe os exemplos:
Sou como você. (Como- estabelecendo comparação- ... assim como você é.)
Faço como você pede. (Como- indicando conformidade-... conforme você pede.)
Como você não veio, saí sozinho. (Como- exprimindo causa- porque você não veio...)

A partir da leitura dos textos da seção “Aprendendo com os Santos e com a Igreja”,
encontre exemplos de conjunção subordinativa.
Explique, depois de cada exemplo, o que justifica a classificação atribuída.

Exemplo:

O santo se dirigiu ao Vaticano conforme recomendado. (conjunção subordinativa conformativa-


expressa ideia de conformidade, de agir segundo algo pedido)

Interjeição
A interjeição expressa uma reação espontânea a determinadas situações. É de caráter
emocional, exprimindo diferentes tipos de sentimento.
Observe:
Nossa! – Exprime sentimento de admiração, espanto.

174
Que horror! - Exprime sentimento de aflição, medo.
Ufa! – Exprime sentimento de alívio.
Viva! Hoje farei a primeira comunhão!

Interjeição é a palavra que produz efeito de sentido ao representar reações a determinadas


situações.
Como tem sentido completo, a interjeição costuma ser denominada palavra-frase; e por ser
ligada a situação em que ocorre, o seu significado depende do momento em que é expressa e da
entonação de voz do emissor. Por se tratar de uma frase situacional:

Uma mesma interjeição pode exprimir sentimentos diferentes:


Exemplos:
Ah! Machuquei meu dedo... (exprimindo dor)
Ah! Que coisa linda... (exprimindo admiração)
Ah! Não era isso que eu queria... (exprimindo desapontamento)
Ah! Então é você que não quer fazer a primeira leitura na missa... (exprimindo
reprovação)

Diferentes interjeições podem exprimir sentimentos semelhantes:


Exemplos de expressão de alegria:
Oba! Chegou a hora da missa!
Oh! Que maravilha poder participar da oração!
Viva! O padre chegou!

Classificação das interjeições


As interjeições, assim como as locuções interjectivas, são classificadas conforme os
sentimentos que exprimem. Veja:
De alegria: Ah!, Eh!, Oh!, Oba!, Viva!
De dor: Ai!, Ui!
De animação: Vamos!, Coragem!
De chamamento: Alô!, Olá!, Psiu!, Ô!, Oi!
De desejo: Tomara!, Quem me dera!
De silêncio: Psiu!, Boca fechada!, Quieto!
De aplauso: Bis!, Viva!, Bravo!, Muito bem!, Fenomenal!

175
De medo: Ui!, Uh!, Ai!, Que horror!
De espanto, surpresa: Ah!, Oh!, Nossa!, Ih!, Xi!
De alivio: Ufa!, Ah!, Uf!, Arre!, Uai!
De afugentamento: Fora!, Xô!, Passa!
De impaciência: Arre!, Puxa!

A partir da leitura da Ladainha da humildade (68, 69, 70 e 71 ) do livro mensal 1,


encontre todas as interjeições.
Copie as interjeições e classifique-as.
Escolha três tipos de interjeições que não aparecem nas páginas lidas e construa três
frases sobre a vida dos santos.

Preposição
Conceito
Viajei para o Vaticano com a minha família.

As palavras destacadas no texto são preposições.


Observe: Para o Vaticano – 1° termo
Com a família – 2° termo

“Preposição é a palavra que liga dois termos de uma


oração.”

Termo regente e termo regido


Quando dois termos são ligados por uma preposição, um deles torna-se dependente do
outro, está subordinado a ele. Nessa dependência são estabelecidas, também, relações de
significados entre os termos.
Veja:
O padre chegou de Belém, onde fez uma palestra sobre confissão.
Duas preposições foram utilizadas. Essas preposições, como indica o conceito, liga dois
termos da oração:
- chegou DE Belém;
- palestra SOBRE confissão.

176
1° termo (termo
2° termo (termo
regente ou Preposição Significado
regido subordinado)
subordinante)
Chegou De Belém Lugar

Palestra Sobre Confissão Assunto

Uma mesma preposição pode estabelecer diferentes relações de significados.


Outros exemplos:
Admiro muito as músicas de Marcos Frisina. (indica autoria)
Perdi meu anel de ouro. (indica matéria)
Esta Bíblia de Guilherme. (indica posse)
O Papa gosta de viajar de carro. (indica meio)

Quais são os termos regidos e os termos regentes dos exemplos dados acima?
Crie mais dois exemplos de frases que utilizam preposições que trazem o significado de
lugar e de assunto. Se preferir, procure-as na Bíblia ou em frases de Santos.

Alguns significados estabelecidos pelas preposições

Assunto- discutir sobre Doutrina. Limite – Correr até se cansar.

Autoria- Livro de Tolkien/Tela de Lugar – Viajar para Jerusalém / Colocar


Frá Angélico. algo sobre a mesa.

Causa – morrer de alegria Matéria - Capela de madeira.

Companhia – passear com os irmãos. Meio – Andar a cavalo.

Conteúdo - Naveta de incenso. Modo – Ele faz tudo com tranquilidade.

Distância – Estuda a uma quadra da Oposição – Argumentos contra as ideias


Igreja. do comunismo.

Fim ou finalidade - Sair para a


Posse – Batina do padre.
Missa.

177
Instrumento – Escrever com o lápis. __________

Há preposições que estabelecem significados opostos:


Exemplos:
Os monges oraram pelas almas do purgatório com as famílias.
Fomos à missa sem preocupações posteriores.
➔ Com ≠ sem
e
O padre meditava sobre a cama.
O padre meditava sob a cama.
➔ Sobre ≠ sob

Classificação das preposições


Há preposições propriamente ditas e há palavras de outras classes gramaticais que, às
vezes, são empregadas como preposições. As primeiras são denominadas preposições essenciais
e as outras, acidentais.

Essenciais
São as preposições propriamente ditas: a, ante, após, até, com, contra, de, desde, em,
entre, para, perante, por, sem, sob, sobre, trás.
Exemplos:
Cidade de Deus contra os pagãos. (Santo Agostinho)
Amanhã irei até sua casa para pegar um missal.
Não parei de orar desde sua viajem.
Observação: algumas preposições podem aparecer aglutinadas a artigos, como por
exemplo o de, o por e o em:
-do (de + o);
-pela (por + a)
-num (em + um)

Acidentais
São as palavras de outras classes gramaticais que, às vezes, são empregadas como
preposições. As mais comuns são: como, conforme, consoante, durante, fora, mediante, salvo,
segundo, senão etc.

178
Exemplos:
Atuei como padre no teatro. (= na qualidade de)
Resolvi o problema conforme a orientação do bispo. (= de acordo com)
O padre ficou muito nervoso durante a confissão. (= no decorrer de)

Locução prepositiva
São locuções prepositivas duas ou mais palavras que têm o valor e a função de uma
preposição.
Exemplos:
Conseguimos estacionar o carro bem em frente ao Santuário.
Chegamos a uma capela através de um pequeno rio.
“Agora, pois, Pai, glorifica-me junto de ti [...].” (Jo 17, 5)
Algumas locuções prepositivas
Abaixo de A par de Embaixo de Graças a
Acerca de A respeito de Em cima de Junto a
Acima de De acordo com Em frente a Junto de

Além de Dentro de Em redor de Perto de


Ao lado de Diante de Em vez de Por cima de

Observação:

A última palavra de uma locução prepositiva é sempre uma preposição, o que não
ocorre com a locução adverbial. Forma uma locução prepositiva. O acréscimo de
uma preposição, após um advérbio ou após uma locução adverbial. Forma uma
locução prepositiva.
Perto - advérbio
Por perto – locução adverbial

Perto de e por perto de – locuções prepositivas

Escolha um texto da Seção “Aprendendo com os Santos e com a Igreja” e circule todas as
preposições que encontrar.
Escreva-as no caderno e classifique-as.
Nestas biografias encontrou exemplos de locuções prepositivas?

179
Combinação e contração das preposições
As preposições a, em, de e por, nas frases, podem unir-se a palavras de outras classes
gramaticais, formando uma só palavra. Essa união ocorre por meio de dois processos: combinação
e contração.

- Combinação
Na união, a preposição não sofre perda de som ou fonema.

A combinação ocorre com:


• a preposição a + os artigos definidos o, os.
Ex.: Os cristãos vão ao Santuário de Guadalupe fazer orações. (a + o)

• a preposição a + o advérbio onde.


Ex.: Eu costumo frequentar aonde vão meus irmãos. (a + onde)

- Contração
Na união das palavras, a preposição sofre perda de um som ou fonema. A contração ocorre
com:
• as preposições a, de, em e por (na forma antiga per) em diversas situações.
Ex.: Foi aqui mesmo, neste lugar, que nos confessamos. (em + este = neste)

Quadro de contrações
De + artigos Em + artigos
O(s), a(s): do(s), da(s) O(s), a(s): no(s), na(s)
Um(ns), uma(s): dum(ns), duma(s) Um(ns), uma(s): num(ns), numa(s)
De + pronome pessoal Em + pronomes demonstrativos
Este(s), esta(s): neste(s), nesta(s)
Esse(s), essa(s): nesse(s), nessa(s)
Ele(s), ela(s): dele(s), dela(s) Aquele(s), aquela(s): naquele(s),
naquela(s)
Isto, isso, aquilo: nisto, nisso, naquilo
De + pronomes demonstrativos Em + pronomes indefinidos
Este(s), esse(s): deste(s), desse(s) Outro(s),outra(s): noutro(s), noutra(s)

180
Esta(s), essa(s): desta(s), dessa(s)
Aquele(s), aquela(s): daquele(s), daquela(s)
Isto, isso, aquilo: disto, disso, daquilo
O(s), a(s): do(s), da(s).
De + pronome indefinidos Per + artigos
Outro(s), outra(s): doutro(s), doutra(s) O(s), a(s): pelo(s), pela(s)
De + advérbios A + artigo indefinido feminino
Aqui, aí, ali: daqui, daí, dali A(s): à(s)
__________________________
A + pronomes demonstrativos

Aquele(s), aquela(s), aquilo: àquele(s),


__________________________
aquela(s), aquilo

CURIOSIDADE:

O a pode ser:
• Preposição – liga termos (dá ideia de lugar, meio, modo, instrumento, distância).
Ex.: Meus irmãos foram a Roma.
Gosto de andar a cavalo.
Moro a um quarteirão da Igreja.
• Pronome pessoal – substitui um substantivo (significa ela).
Ex.: Nós levamos as meninas ao padre.
Nós as levamos ao padre.
• Artigo – acompanha o substantivo (indicam um ser específico).
Ex.: Nós levamos a menina ao padre.

Circule as preposições dos versículos bíblicos abaixo:


“E vós conheceis o caminho para ir aonde vou.” (São João 14 ,4)
“Moisés referiu aos israelitas tudo o que o Senhor lhe tinha ordenado.” (Números 30, 1)
“O jovem Samuel servia ao Senhor sob os olhos de Heli. A palavra do Senhor era
rara naqueles dias, e as visões não eram frequentes.” (I Samuel 3, 1)
“Tenho compaixão deste povo. Já há três dias perseveram comigo e não têm o que comer.”
(São Marcos 8, 2)

181
“Em toda parte aonde chegar a corrente, todo animal que se move na água poderá viver, e
haverá lá grande quantidade de peixes. Tudo o que essa água atingir se tornará são e
saudável e em toda parte aonde chegar a torrente haverá vida.” (Ezequiel 47, 9)
“Noêmi respondeu-lhe: É melhor, minha filha, que sigas as suas servas e que não te
encontrem noutro campo.” (Rute 2, 22)

Volte nos exemplos anteriores e indique qual processo (contração ou combinação) as


preposições sofreram.
Elabore uma pequena narrativa que contenha dez preposições diferentes. Deve ser sobre
a rotina de um Santo que possua o seu nome (deve criar).

Aposto e vocativo
Aposto
Aposto é um termo que retoma outro termo da oração para explicar, ampliar,
desenvolver ou resumir esse termo.

O aposto se refere a substantivos (ou outros termos nominais) e possui o mesmo valor
sintático do termo a que se refere. Geralmente aparece em vírgulas ou evidenciado por dois pontos
(:). Exemplo: Tudo o que eu preciso para salvar-me: Igreja católica, confissão e Tradição.

A partir da definição, encontre nas sentenças abaixo o aposto e circule-o:


- “Eis o que diz o Senhor a Ciro, seu ungido, que levou pela mão para derrubar as
nações diante dele. [...]” (Is 45,1).
- “Eis a promessa que ele nos fez: a vida eterna.” (1Jo 2,25).

Vocativo
Enquanto o aposto é um termo acessório da oração, o vocativo é independente, não se
liga a nenhum outro termo da oração.

Vocativo é um termo que não mantém relação sintática com nenhum outro termo da
oração. Não pertence, portanto, nem ao sujeito nem ao predicado.

O vocativo não é um termo da oração, trata-se de um nome usado quando se quer atrair a
atenção da pessoa do discurso, da pessoa com quem se fala.
Exemplo: Ó Cristo, iluminai-me!

182
A partir da definição de vocativo, encontre nas sentenças abaixo o exemplo e circule-o:

“Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes e a Palavra de Deus permanece em vós, e
vencestes o Maligno.” (1Jo 1,14).

“Meu Deus eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão para os que não crêem,
não adoram, não esperam e não Vos amam!” (Anjo de Fátima)

183
Minigramática
Após a conclusão de todas as leituras e atividades propostas na Seção “Teoria e Prática”,
elabore um resumo que contenha os principais conceitos gramaticais estudados no mês.
Guarde o resumo em uma pasta para unir com os próximos volumes organizando, ao
término do ano, uma Minigramática.

184
185
Sobre a capa
SANTO ISIDORO DE SEVILHA
(4 de abril)

Nasceu próximo do ano 556, numa família muito cristã da nobreza goda. Seus três irmãos
foram elevados às honras dos altares: São Leandro, São Fulgêncio e Santa Florentina. Seu irmão,
São Leandro, funda um mosteiro, onde os jovens passam a ser educados, inclusive Isidoro. Depois
que seu irmão Leandro foi eleito bispo, tornou-se o abade do mosteiro, e não mostrou menos
empenho do que ele na santificação de seus monges e jovens. Para ele, o trabalho manual e
intelectual estavam unidos, e frisava que o estudo faz parte dos deveres do religioso. Desta forma,
incentivava seus monges a darem importância à leitura, em especial das Sagradas Escrituras,
recomendando que a esta se seguisse a meditação. Depois, escreveria em seu Terceiro Livro das
Sentenças: “Todo proveito nos vem da leitura e da meditação, pois com a leitura aprendemos as
coisas que ignoramos e com a meditação conservamos as que aprendemos”.
Quanto ao trabalho intelectual, dedicou-se com afinco a escrever várias obras que se
conservam até hoje. A principal delas, “Etimologias”, é um compêndio de todos os ramos da
ciência da época, inclusive a ciência da Aritmética e da Geometria. Exímio professor, a escola de
Sevilha tornou-se célebre em toda a Europa, e formou Santos como São Bráulio e Santo Ildefonso,
além dos reis Sisenando e Sisebuto.
Por volta do ano 600 seu irmão São Leandro faleceu, e ele teve de suceder-lhe nas honras
do episcopado. Seu fervor e sabedoria marcavam suas pregações, que logo atraíram multidões de
fiéis, dedicando especial atenção, principalmente, na formação de seus sacerdotes.
No dia 31 de março de 636, acompanhado de seus dois bispos sufragâneos, dirigiu-se à
Basílica de São Vicente, para cumprir o rito preparatório para a morte, segundo o costume do
tempo. Prostrado ante o altar, vestido de saco e movido por profunda humildade, fez pública
penitência de seus pecados, pediu perdão aos fiéis por seus possíveis maus exemplos e deu seus
derradeiros conselhos à multidão, que via pela última vez seu Pastor. Passados quatro dias, sua
santa alma subiu ao Céu.

186
Introdução
A função da matemática no plano da Salvação
Caríssimos,
Salve Maria Santíssima!
Entre todas as disciplinas, a matemática mostra-se como aquela na qual é mais difícil
perceber e contemplar a ação de Deus durante o aprendizado dos conteúdos. À primeira vista,
parece impossível relacioná-la com a sã Doutrina Católica ou com a vida dos Santos que
sustentaram a Igreja ao longo destes séculos.
No entanto, a própria Sagrada Escritura vem em nosso auxílio e nos exorta a reconhecer
que Deus dispôs “tudo com medida, número e peso” (Sb 11,20).
Os Santos da Igreja, profundos conhecedores da Palavra que são, também escrevem em
consonância com esta e outras passagens. O Doutor e Santo Agostinho de Hipona (354 – 430 d.C.)
escreve que “sem os recursos da matemática não nos seria possível compreender muitas
passagens da Santa Escritura”, e, para São Jerônimo (347 – 420 d.C.), “a Matemática possui uma
força maravilhosa capaz de nos fazer compreender muitos mistérios de nossa fé”.
Os números nos são absolutamente necessários, e, como seres dotados de razão, somos os
únicos, além das hierarquias Angélicas, a captá-los, entendê-los e utilizá-los. Nos diz Santo Isidoro
(560 – 636 d.C.):
“Em alguma medida, nossa vida dá-se sob a ciência dos números: por ela sabemos as
horas, acompanhamos o curso dos meses, sabemos quando retorna cada época do ano. Pelo
número aprendemos a evitar enganos. Suprimido o número de todas as coisas, tudo perece. Se se
tira o cômputo dos tempos, tudo ficará envolto na cega ignorância e o homem não se pode
diferenciar dos animais, que ignoram os procedimentos de cálculo."
Em sua obra intitulada “O livre-arbítrio”, Santo Agostinho faz emergir de suas mais
profundas elucubrações a realidade de que existe algo imutável, que não perde sua essência e que
não se transforma, independente do gosto ou da maneira como cada um utiliza: o Número! Não
importando como serão utilizados, a essência e verdade dos números nunca serão alteradas.
Acreditar ou não que a soma de quatro e três resulta em sete, não mudará a realidade desta
constatação, e isto é um fato imutável em todos os países, para todas as culturas.
Observada a imutabilidade dos números e das leis matemáticas, estaremos preparados para
meditar e contemplar a imutabilidade do que é Divino e Eterno, por exemplo, os dez mandamentos,
os dogmas da Santa Igreja Católica e a essência de toda a Criação, que nos remeterão sempre ao
Imutável Criador de toda a imutabilidade, ou seja, ao próprio Deus.

O mistério dos números


Nosso Senhor se comunica conosco através das Sagradas Escrituras, onde tudo “é
inspirado por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça”
(II Tm 3,16). Assim sendo, todos os números contidos nas passagens da Palavra têm um

187
significado fundamental para compreender além do que está explicitamente escrito. Como alerta
Santo Isidoro: “Não se deve desprezar os números, pois em muitas passagens da Sagrada
Escritura se manifesta o grande mistério que encerram”. Tomemos o exemplo, presente no
Evangelho, segundo o Discípulo amado, capítulo 21, que relata a pesca milagrosa, realizada após
a ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, onde os discípulos apanharam 153 peixes:
“E, sendo já manhã, Jesus se apresentou na praia, mas os discípulos não
conheceram que era Jesus. Disse-lhes, pois, Jesus: Filhos, tendes alguma coisa de
comer? Responderam-lhe: Não. E ele lhes disse: Lançai a rede para o lado direito
do barco, e achareis. Lançaram-na, pois, e já não a podiam tirar, pela multidão
dos peixes.
Então aquele discípulo, a quem Jesus amava, disse a Pedro: É o Senhor. E, quando
Simão Pedro ouviu que era o Senhor, cingiu-se com a túnica (porque estava nu) e
lançou-se ao mar. E os outros discípulos foram com o barco (porque não estavam
distantes da terra), levando a rede cheia de peixes. Logo que desceram para terra,
viram ali brasas, e um peixe posto em cima, e pão. Disse-lhes Jesus: Trazei dos
peixes que agora apanhastes. Simão Pedro subiu e puxou a rede para terra, cheia
de cento e cinquenta e três grandes peixes e, sendo tantos, não se rompeu a rede.”
(Jo 21,4- 11)
Santo Agostinho escreve o simbolismo numérico como um elemento importante para a
compreensão da Revelação e por isso explica um dos possíveis significados para o número 153
nesta narração: Se somarmos os números de 1 + 2 + 3 + 4 + 5 +... até 17, temos como resultado o
número 153 (faça o cálculo para verificar!). Mas 17 é o mesmo que 10 + 7. Por quê 10? Porque
os mandamentos são 10. Por quê 7? Por causa da perfeição que se celebra nos 7 dons do Espírito
Santo. Portanto, estarão no número daqueles que serão salvos, os que viverem segundo os
mandamentos e os dons do Santo Espírito!
Nessa mesma linha, o abade beneditino Rábano Mauro (784 – 856 d.C.), escreveu uma
obra enciclopédica, intitulada “De universo”, na qual expõe os sentidos das Sagradas Escrituras,
e dedica um de seus livros ao sentido místico dos números, o “De numero”. Nesta época, era
comum a busca do sentido e da essência de tudo o que se aprendia e vivia, e por isso, para seus
contemporâneos não era difícil compreender textos como os de Rábano, Agostinho e Isidoro.
Entretanto, existe para nós um grande abismo a se atravessar, para enfim voltarmos a buscar o
sentido das realidades que nos envolvem e enfim aprender a relacionar cada fato à nossa vida
pessoal e com o Transcendente que nos sustenta. Será necessário fazer um esforço para reavivar
este modo de pensar em nosso tempo, a fim de contemplar o sentido mais profundo de tudo o que
iremos aprender. Estás disposto?

Orientações
Posto que a matemática pode ser um caminho para conhecer Nosso Senhor Jesus Cristo e
compreender mais profundamente os mistérios de seu plano de Salvação, revelado através das
Sagradas Escrituras, da Sagrada Tradição e do Magistério, se faz necessário conhecer, antes de
tudo, a própria matemática, seus fundamentos e suas leis. Esperamos que este material possa ser
útil neste processo, e para isso é preciso seguir com humildade e paciência algumas orientações:

188
1º O estudante desta etapa deverá operar cálculo complexos, porém, não tão somente
mecanicamente, mas atendo-se em entender a essência e o fundamento do será feito. O estudante
não precisa terminar rapidamente as tarefas, ou adiantar conteúdos para provar que é capaz. Isso é
orgulho. Uma vez aprendido um conteúdo, ele ficará gravado na memória e será usado sempre que
necessário para compreensão de uma nova gama de lições. Por isso, é importante que o estudante
só passe para o próximo conteúdo quando aprender de maneira satisfatória aquele que está
estudando.
2º O aluno nunca deve perder de vista que não é detentor do conhecimento, ou seja, ele
ainda não sabe e está nesse processo para aprender. Assim sendo, é função dos responsáveis
fomentar diariamente a virtude da humildade em seus aprendizes, antes de começar cada novo
aprendizado.
3º O método de ensino utilizado neste material utiliza a abstração como ferramenta para
aprender matemática: “A matemática (pode começar a) elevar a alma a grandes alturas obrigando-
a a discorrer sobre os números em si, rebelando-se contra qualquer tentativa de introduzir objetos
visíveis ou palpáveis na discussão.”12
Isso significa que não utilizaremos materiais concretos no ensino da matemática; iremos
desenvolver a abstração dos estudantes, para que estejam capacitados ao aprendizado da filosofia
e de todas as outras matérias, já que a abstração matemática aprimora o pensamento.
4º Os responsáveis e os alunos devem ter plena clareza de que tudo o que for aprendido
não ocorrerá por mérito do filho, mas por ação da graça de Deus. Mesmo que uma pessoa não
tenha plena consciência, é Deus quem está agindo em sua inteligência, e o Magistério da Igreja
Católica nos ensina que “aquele que se esforça, com perseverança e humildade, por penetrar no
segredo das coisas, é como que conduzido pela mão de Deus, que sustenta todos os seres e faz que
eles sejam o que são, mesmo que não tenha consciência disso.” (CIC 159)
5ºEm todos os textos, é importante que o estudante procure no dicionário as palavras das
quais não sabe o significado. Escreva no caderno a definição de cada uma e sublinhe o significado
que mais se adequa ao contexto do texto. Por exemplo:

Importante: O próprio estudante deve procurar no dicionário e perceber qual é o


significado que mais se encaixa no contexto do texto!
6ºAo final do conteúdo mensal o estudante encontrará o tópico “Exercícios”. Neste tópico
é importante que o responsável verifique e corrija tudo o que o filho fizer, desde as respostas às
perguntas, até a própria letra com que ele copiou os textos no caderno. O uso da régua é
fundamental para desenhos, tabelas e gráficos. As atividades não precisam ser feitas todas no

12
A Educação segundo a Filosofia Perene: Síntese Sobre a Educação Humana, p. 110. (www.cristianismo.org.br)

189
mesmo dia: o estudante pode dividi-las ao longo do mês, ou conforme terminar cada capítulo ou
tema.
7ºQuanto aos procedimentos de avaliação, temos três sugestões:
Um resumo oral, realizado às sextas-feiras ou sábado, sobre o que foi aprendido
naquela semana. Isto aumenta a percepção do responsável sobre o que o aluno
realmente aprendeu. O pai pode direcionar o resumo com perguntas essenciais sobre o
que foi estudado;
Os próprios exercícios no caderno.
8ºÉ preciso também ter prudência para não elevar a matemática a algo maior do que é –
embora seu papel para se chegar à contemplação seja de maior importância - como se aprendê-la
tivesse como consequência o abandono do estudo das outras disciplinas. Tudo o que você irá
aprender só trará benefícios a tua alma se antes existir uma profunda intimidade com Nosso Senhor
Jesus Cristo e se houver empenho no conhecimento da Filosofia, dedicação e disciplina na
aquisição do aprendizado em todas as outras ciências, como a história, geografia, artes etc., e
exímio domínio da língua portuguesa.
Vamos então começar o nosso estudo com uma primeira atividade: escreva em seu caderno
um glossário inicial contendo o significado das palavras que você não conhece desta introdução.
Lembre-se de grifar o melhor significado que se encaixe em cada contexto.

Bom trabalho!

190
Conjuntos Numéricos:
1 uma breve revisão
IZ o Apóstolo em sua segunda carta a Timóteo “Toda a Escritura é inspirada por Deus, e
D útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça” (2 Tm 3, 16). De
fato, não há palavra ociosa nas Sagradas Escrituras, e para nós, os números ali presentes
serão nossos objetos de estudo ao longo deste ano. Ainda observa o Livro da Sabedoria “Deus
dispôs de tudo com medida, quantidade e peso” (Cf. Sb 11, 20).
A Lógica, a Geometria e a Aritmética se mostram presentes desde o princípio da Criação,
com caráteres imutáveis. Esses três estudos estão de tal maneira interligados, que normalmente os
agrupamos em um conjunto maior, denominado Matemática! Já dizia o grande doutor, Santo
Agostinho, “Sem os recursos da matemática, nos seriam impossíveis compreender muitos
mistérios da nossa Fé.”
Por estes motivos, vamos nos ater em apreender as verdades matemáticas ao longo deste
material!

Aritmética: Os Conjuntos Numéricos


O ramo da matemática que versa as operações e os números denomina-se aritmética, e já
estudamos até o momento três grandes conjuntos numéricos: Os Naturais (ℕ), os Inteiros (ℤ) e os
Racionais (𝑄). Antes de introduzirmos os novos conteúdos deste ano, vamos relembrar os
fundamentos de cada um destes conjuntos.

Conjunto dos Números Naturais (ℕ)


O conjunto dos números naturais, cujo símbolo é representado por ℕ, são a base de toda
a aritmética e deste conjunto, decorrem todos os outros.
Os elementos pertencentes a este conjunto são todos os números inteiros positivos e o zero.

ℕ = {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, ...}

Os elementos deste conjunto são utilizados desde os primórdios da humanidade, isto é,


desde Adão. Não é por acaso que ele, ao nomear todas as espécies de animais, percebeu-se sozinho,
percebeu-se único (uno = um), enquanto os animais eram sempre dois. O senso numérico sempre
esteve presente em nós humanos, e, no entanto, foi preciso centenas de anos para desenvolver a
ideia de números negativos, por exemplo.

191
De fato, as únicas duas operações que eram possíveis de serem realizadas, sem qualquer
restrição, neste conjunto, eram a adição e a multiplicação. Destas duas operações decorrem todas
as outras (subtração, divisão, potenciação e radiciação).
A representação dos números naturais na reta é:

Adição
A palavra adição provém do Latim adere e significa “acrescentar a, juntar quantidades
homogêneas”, e seu significado já nos diz muito sobre a essência desta operação, que consiste em
junta duas quantidades de mesma natureza.
Mas... o que significa juntar quantidades de mesma natureza? Significa que para que a
operação de adição seja possível, precisamos observar quais são os dois elementos que estamos
adicionando e verificar se podemos considerá-los como de mesma natureza. Por exemplo:

João possui 4 bíblias e 3 terços.

➔ Quantos objetos ele possui? R: 7


Perceba que a única forma de adicionarmos a quantidade de bíblias à quantidade de terços
é perguntando “quantos objetos ele possui?”, pois desta forma consideramos que ambos tenham
a mesma natureza, isto é, ambos são objetos. Veja mais exemplos:

Certo dia, Clara doou para um lar de crianças 12 peças de roupas e 6 brinquedos. Em uma
outra ocasião, doou mais 3 peças de roupas e mais 1 brinquedo.

➔ No total, quantas peças de roupa ela doou?


R: 12 peças + 3 peças = 15 peças de roupas

➔ No total, quantos brinquedos ela doou?


R: 6 brinquedos + 1 brinquedo = 7 brinquedos

➔ No total, quantas coisas ela doou?


R: 15 peças + 7 brinquedos = 22 “coisas”
Novamente podemos analisar que, na primeira pergunta pudemos adicionar as quantidades
de peças doadas nas duas ocasiões porque ambas são de mesma natureza, e o mesmo vale para os
brinquedos. No entanto, para podermos adicionar as roupas e os brinquedos, precisamos considerá-
los como “coisas”.
Esta explicação era necessária até a etapa sete, uma vez que até então não se tinha a ideia
de que era possível a adição de dois números negativos. Como os números negativos possuem a
mesma identidade, isto é, a mesma natureza, então é possível somá-los. Mas isto somente depois
de introduzirmos o conjunto dos números inteiros.

192
Os termos que constituem uma adição são denominados parcela, o sinal da operação mais
(Símbolo: +), e o resultado do cálculo soma.
Já deve ser de seu
𝑨 conhecimento que as
Parcela letras podem
+ 𝑩 assumir qualquer
𝑪 Soma valor numérico!

***
Multiplicação
A palavra multiplicação provém do Latim Multiplicatio e significa “ato de aumentar, tornar
várias vezes maior em número”, e de fato, é isto que esta operação faz. Esta operação é uma
maneira resumida de se escrever uma adição onde as parcelas são todas iguais e se repetem
inúmeras vezes.

A + A + A + ... + A = n . A

n vezes

Os termos que constituem uma multiplicação são denominados fator, o sinal da operação vezes
(Símbolo: x ou .), e o resultado do cálculo produto.

𝑨
Fator
𝒙 𝑩
𝑪 Produto

As duas operações
De fato, essas duas operações que brevemente acabamos de rever, são as únicas (e delas
decorrem todas as outras) que podemos definir no campo do conjunto dos naturais, e o motivo é
que, não importam os números que se escolhem, nem a ordem em que se colocam, o resultado
sempre é um natural.

ℕ + ℕ = ℕ, a soma de dois naturais sempre será natural


ℕ x ℕ = ℕ, o produto de dois naturais sempre será natural
anturalsempre sera
Entretanto, não realizamos somente estas operações, e os números naturais não são
suficientes para expressar todos os números que utilizamos. Como representaríamos
numericamente, por exemplo, a dívida do servo mau:

193
“Disse-lhes Jesus: Por isso, é semelhante o Reino dos Céus a um rei que quis ajustar contas
com os seus servos. Logo ao começar, foi-lhe apresentado um que devia dez mil
talentos.”(Cf. Mt 18,22 –24);

Ou ainda, como representaríamos as medidas da Arca construída por Moisés, onde


aparecem dados como:
“Farás uma arca de madeira de acácia com dois côvados e meio de comprimento, um
côvado e meio de largura, e um côvado e meio de altura.” (Cf. Êx 25, 10)

As palavras grifadas, retiradas das Sagradas Escrituras, expressam quantidades que não são
possíveis de se expressar no campo dos números naturais. Foi então necessário, expandir nossos
conjuntos numéricos!

***
Conjunto dos Números Inteiros (ℤ)
O próprio nome do conjunto já nos dá uma ideia de quais números pertencem a ele: todos
os números inteiros, sejam eles positivos, sejam eles negativos.
Como os números naturais são anteriores a este conjunto, vamos utilizá-los como base para
definir nosso novo conjunto:

Definição: Pertence ao Conjunto dos Números Inteiros, todo número resultante da


subtração de dois naturais.

ℕ-ℕ=ℤ

ℤ = {..., -3, -2, -1, 0, 1, 2, 3, ...}


A palavra “número”, em alemão, se escreve “Zahl”, e por este motivo é que utilizamos
como símbolo para este conjunto a letra ℤ.
Perceba que, com a expansão dos conjuntos numéricos, agora é possível realizar mais uma
operação: a Subtração. De fato, quaisquer números naturais que substituirmos na definição acima,
não importando a ordem dos mesmos, resultarão em um número natural. Faça a experiência de
escolher números aleatórios e realizar a subtração acima para verificar a autenticidade do que
acabamos de afirmar!
Podemos ainda concluir que, embora os números naturais sejam infinitos, os números
inteiros também o são, e o infinito dos inteiros é maior que o infinito dos naturais. Ademais, o
conjunto dos naturais está contido no conjunto dos inteiros, isto é, todo número natural pertence

194
ao conjunto dos números inteiros, mas nem todo número inteiro pertence ao conjunto dos números
naturais.

ℤ ℕ⊂ℤ
Lê-se: Naturais contido nos
ℕ inteiros

A representação dos números inteiros na reta numérica é:

Agora é possível escrever numericamente o número de soldados israelita perdidos na


batalha: 30 000 homens perdidos ou saldo de homens = - 30 000.

Subtração
A palavra subtração deriva do Latim “subtractio” e significa “retirada”. Essa operação
sempre é considerada como o inverso da adição.
Os termos que constituem uma subtração são denominados minuendo, subtraendo e
diferença. O sinal da operação denomina-se menos (Símbolo: - ).
𝑨 Minuendo
− 𝑩 Subtraendo
𝑪 Diferença

Das quatro operações básicas, três já foram definidas, a saber: Adição, Multiplicação e
Subtração. Falta-nos definir a quarta e última operação: a divisão. E, para isto, precisamos expandir
mais uma vez os nossos conjuntos numéricos, uma vez que não pertencem ao conjunto dos inteiros
o resultado de qualquer divisão (por exemplo: 5 : 2 = 2,5 e sabemos que este número não é inteiro).

***
Conjunto dos Números Racionais (ℚ)
O conjunto dos números racionais leva este nome devido à sua definição:
Definição: Pertence ao Conjunto dos Número Racionais, todo número resultante da
razão entre dois Inteiros.
O símbolo
ℤ ℤ∗ indica todos os
=ℚ inteiros menos o
ℤ∗
zero

195
ℚ = {...; -4,5; -3; -2; - 1,7; -1; 0; 1; 2,444...; 3; ...}
ou


ℚ={ }
ℤ∗

De fato, você já aprendeu em outro volume que, na matemática, a palavra Razão significa,
a grosso modo, uma divisão. Por isso, concluímos que toda e qualquer divisão entre dois inteiros
resultará sempre em um número racional.
Mas... Por que o símbolo é a letra Q? Isso se deve ao fato de que a resposta de toda divisão
se denomina Quociente, e, por este motivo, a primeira letra desta palavra foi resignada para
representar todos os números que estão no conjunto dos racionais, isto é, que são o resultado de
uma divisão.
Podemos ainda concluir que, embora os números inteiros sejam infinitos, os números
racionais também o são, e o infinito dos racionais é maior que o infinito dos inteiros. Ademais, o
conjunto dos inteiros está contido no conjunto dos racionais, isto é, todo número inteiro pertence
ao conjunto dos números racionais, mas nem todo número racional pertence ao conjunto dos
números inteiros.

ℤ ℕ ⊂ ℤ ⊂ℚ
ℚ Lê-se: Os Naturais estão contidos
ℕ nos Inteiros, que por sua vez estão
contidos nos Racionais

Os números que fazem parte do conjunto dos racionais são todos os inteiros, os decimais
exatos e as dízimas periódicas. Vamos relembrar um pouco mais sobre estes números.
A representação dos racionais na reta são:

196
Vale ressaltar que entre dois números racionais sempre é possível encontrar infinitos
números racionais! Na reta acima representamos somente alguns para dar esta ideia (por exemplo:
entre 1 e 2 está o 1,5)

Decimais Exatos
Os números denominados como decimais exatos são todos aqueles que podem ser escritos
como uma fração cujo denominador é 10, 100, 1000 etc.
Uma outra forma de identificá-los é analisar seu denominador: se o número que está ali for
múltiplo, somente dos números primos 2 e/ou 5, então o número será um decimal exato. Caso
contrário, isto é, se o numerador não for múltiplo do denominador, e o denominador for múltiplo
de qualquer outro primo senão 2 e/ou 5, então o número é uma dízima periódica!
Exemplos:
𝟕
= 𝟎, 𝟕
𝟏𝟎
Atenção!!! Esta classificação
𝟒 só pode ser feita quando a
= 𝟎, 𝟖 Perceba que em todos os
𝟓 casos o denominador ou fração estiver em sua forma
irredutível!
𝟐𝟑 é 10,100,1000 etc. ou
= 𝟎, 𝟎𝟐𝟑
𝟏𝟎𝟎𝟎 somente é múltiplo dos
𝟏𝟓 primos 2 e/ou 5
− = −𝟏, 𝟖𝟕𝟓
𝟖

Verificando os decimais exatos:


𝟖
a) Dada a fração verifiquemos se é um decimal exato ou uma dízima periódica
𝟏𝟓

R: Vamos analisar o denominador, isto é, o número 15:


1º) 8 não é um múltiplo de 15, portanto, este número será ‘quebrado’
2º) 15 é múltiplo dos números primos 3 e 5. Ser múltiplo de 5 é um requisito para
que a divisão resulte em um decimal exato; no entanto, ele também é um múltiplo do
número primo 3, o que indica que este número não será um decimal exato, e, portanto,
será uma dízima periódica.
𝟖
= 𝟖 ∶ 𝟏𝟓 = 𝟎, 𝟓𝟑𝟑𝟑 …
𝟏𝟓
𝟗
b) Dada a fração 𝟖, verifiquemos se é um decimal exato ou uma dízima periódica

R: Vamos analisar o denominador, isto é, o número 8:


1º) 8 não é um múltiplo de 9, portanto, este número será ‘quebrado’
2º) 8 é múltiplo somente do número primo 2. Ser múltiplo de 2 é um requisito para
𝟗
que a divisão resulte em um decimal exato. Portanto, 𝟖 será um decimal exato

𝟗
= 𝟗 ∶ 𝟖 = 𝟏, 𝟏𝟐𝟓
𝟖
197
Para encontrar os decimais exatos, basta realizar a divisão do numerador pelo
denominador:
𝟕 Lembre-se:
= 𝟕 ∶ 𝟏𝟎 = 𝟎, 𝟕
𝟏𝟎
1ª casa após a vírgula: décimos
𝟒
= 𝟒: 𝟓 = 𝟎, 𝟖 2ª casa após a vírgula: centésimos
𝟓
𝟏𝟓 3ª casa após a vírgula: milésimos
− = −𝟏𝟓 ∶ 𝟖 = −𝟏, 𝟖𝟕𝟓
𝟖

De maneira análoga, para transformar um decimal exato em fração, basta utilizar os


recursos da linguagem para tal:

➔ A fração 𝟏𝟎𝟕 é lida como ‘sete décimos’;


O número 0,7 é lido como ‘sete décimos’;
Como ambos são lidos de maneira igual, chegamos à conclusão que
𝟕
0,7 = 𝟏𝟎

O axioma de Euclides
enuncia que “duas
coisas iguais a uma
terceira são iguais
entre si”

➔ Transformando 0,04 em fração:


Pelo axioma:
R: O número 0,04 é lido como “quatro centésimos”.
𝟒
𝟒 0,04 =
A fração 𝟏𝟎𝟎 também é lida como “quatro centésimos” 𝟏𝟎𝟎

➔ Transformando 1,25 em fração:


Pelo axioma:
R: O número 1,25 é lido como “cento e vinte e cinco centésimos”
𝟏𝟐𝟓
𝟏𝟐𝟓 1,25 =
𝟏𝟎𝟎
A fração 𝟏𝟎𝟎 também é lida como “cento e vinte e cinco centésimos”

198
Dízimas Periódicas
As dízimas periódicas também fazem parte do conjunto dos números racionais. A palavra
dízima nos remete aos números após a vírgula (dízima semelhante a decimais), e a palavra
periódica nos remete a algo que se repete com frequência. As dízimas periódicas são, portanto,
números infinitos que apresentam uma repetição. A barra acima do número indica que ele se
repetirá infinitamente!
Exemplos:
𝟖
̅ Dízima periódica de período 3.
= 𝟖 ∶ 𝟏𝟓 = 𝟎, 𝟓𝟑𝟑𝟑 … = 𝟎, 𝟓𝟑
𝟏𝟓
𝟕
̅
= 𝟕 ∶ 𝟗 = 𝟎, 𝟕𝟕𝟕 … = 𝟎, 𝟕 Dízima periódica de período 7.
𝟗

Perceba que as dízimas periódicas não podem ser escritas como uma fração decimal, e,
portanto, se torna mais complicado encontrar a fração que gera este número (chamada de fração
geratriz).
𝟕 𝟕𝟕 𝟕𝟕𝟕
= 𝟎, 𝟕 = 𝟎, 𝟕𝟕 = 𝟎, 𝟕𝟕𝟕
𝟏𝟎 𝟏𝟎𝟎 𝟏𝟎𝟎𝟎
Faríamos este processo infinitas vezes e ainda não seria o suficiente para expressar este
número. Vamos então aprender:

Fração Geratriz
Para encontrar a fração geratriz de uma dízima periódica, vamos utilizar o pensamento
algébrico e muita atenção!!!
Exemplo: Dada a dízima 0,555...

1º Passo: Vamos chamar a dízima de x:

X = 0,555... 1

2º Passo: Vamos multiplicar ambos os lados da igualdade por 10 (afinal o período possui apenas
um algarismo)

10. (X = 0,555...)
10x = 5,555... 2

199
3º Passo: Vamos fazer a diferença entre a equação 2 e a equação 1

10x = 5,555...
- X = 0,555...
9x = 5
4º Passo: Resolva a nova equação
9x = 5
5
X=9
5
Portanto: 0,555... = 9

Perceba que o segundo passo consistiu em multiplicar toda a equação por 10 e que, feito
isto, subtraímos as duas equações. Logo em seguida podemos observar algo interessante: na
subtração, o período desapareceu! Este sempre será nosso foco no momento de encontrar a fração
geratriz, e muitas vezes multiplicar por 10 não será suficiente (pode ser que multipliquemos por
100, 1000 etc.). Vamos agora ver como se encontram outras dízimas periódicas onde o período
possui duas casas:

Exemplo: Dada a expressão 0,212121...

1º Passo: Vamos chamar a dízima de x:

X = 0,212121... 1

2º Passo: Vamos multiplicar ambos os lados da igualdade por 100 (pois o período possui dois
algarismos)

100. (X = 0,212121...)
100x = 21,212121... 2

200
3º Passo: Vamos fazer a diferença entre a equação 2 e a equação 1

100x = 21,212121...
- X = 0,212121...
99x = 21

4º Passo: Resolva a nova equação


99x = 21
21
X = 99

21
Portanto: 0,212121... =
99

Pode acontecer também que, em alguns casos, existam partes não periódicas nas casas
decimais. Caso isto ocorra, precisamos, antes de tudo, transformar esta parte não periódica em uma
parte inteira. Observe o exemplo:

Exemplo: Dada a expressão 0,25444...


1º Passo: Vamos chamar a dízima de x:

X = 0,25444... 1

2º Passo: Vamos multiplicar ambos os lados da igualdade por algum dos múltiplos 10, 100,
1000, etc. de tal forma que a parte não periódica se torne uma parte inteira. Neste caso, como
existem dois algarismos que não fazem parte do período, vamos multiplicar ambos os lados por
100.

100. (X = 0,212121...)
100x = 25,444... 2

3º Passo: Agora que à direita da vírgula está somente o período, iremos proceder como nos
exemplos anteriores. Vamos então multiplicar os dois lados da equação por 10 (já que o período
possui apenas um algarismo):

10. (100x = 25,444...)


1000x = 254,444... 3

201
3º Passo: Vamos fazer a diferença entre a equação 3 e a equação 2

1000x = 254,444...
- 100x = 25,444...
900x = 229
4º Passo: Resolva a nova equação
900x = 229
229
X = 900
229
Portanto: 0,25444... = 900

Conclusão
Vimos ao longo destas páginas toda a base do conteúdo de aritmética até a Etapa 8 e 9.
→Primeiramente, relembramos o Conjunto dos Números Naturais (ℕ), e as duas operações básicas
definidas neste conjunto: a Adição e a Multiplicação.
→Vimos depois que a subtração entre dois números naturais poderia não resultar em um número
pertencente a este mesmo conjunto, e que, portanto, era preciso expandir os conjuntos numéricos.
Disto decorre que a diferença entre dois números naturais representa todo e qualquer número do
novo conjunto, o Conjunto dos Números Inteiros (ℤ), introduzindo assim, a ideia de positivos e
negativos
→Ademais, como ainda nos restava realizar divisões sem nenhuma restrição, precisamos caminhar
um pouco mais e novamente expandir os conjuntos numéricos. Disto decorre que a razão/divisão
entre dois números inteiros representa todo e qualquer número do novo conjunto, o Conjunto dos
Números Racionais (ℚ).


ℕ+ℕ=ℕ

ℕxℕ=ℕ
ℕ ℕ-ℕ=ℤ

=ℚ
ℤ∗

No entanto, será que estes três conjuntos são suficientes para expressar todos os números
existentes na natureza? Vamos ver...

202
Um matemático chamado Arquimedes, em aproximadamente 200 a.C., observou que
dividir a medida do perímetro de uma circunferência pelo seu diâmetro, não importando o tamanho
do círculo, apresentava praticamente sempre a mesma medida, com apenas uma diferença: ele
nunca conseguia determinar com exatidão qual era o último algarismo deste número.

Em todos os casos, a divisão do


perímetro (parte verde), pelo
diâmetro (parte azul), o
resultado se aproxima de algo
perto de 3,14.

Se você observou bem, quando falamos sobre o resultado das divisões utilizamos uma
aproximação e não um resultado exato. Isto porque esta divisão apresenta um quociente de infinitos
algarismos, isto é, uma dízima, que, no entanto, não apresenta nenhum período. Este número
acabou ganhando o nome de Pi e seu símbolo é 𝜋, e estima-se que já foram encontrados mais de
1 trilhão de algarismos após a virgula, sem, no entanto, encontrar um período.
Esse número não pode ser descrito como uma divisão de dois inteiros, e, portanto, não é racional.
Números como estes pertencem a um outro conjunto de números, que vamos estudar a partir de
agora.

***

203
Conjuntos dos números
2 Irracionais e Conjunto
dos números Reais

Conjunto dos Números Irracionais (I)


Pertencem ao conjunto dos números irracionais todas as dízimas não periódicas, isto é,
todo número que não pode ser descrito como a divisão de dois números inteiros.
Normalmente, a representação destes números se dá de maneira aproximada, assim como
sua representação em uma reta numérica.

Nesta reta estão representados todos os conjuntos: Naturais (ex: 1,2,3), Inteiros (ex: -
1,0), Racionais (ex: 2,2; 0,333...) e Irracionais (ex: 𝜋, √2 )



I

Operações nos Irracionais: Aproximando valores


Para operar com os irracionais, trabalharemos com valores aproximados. Logo, precisamos
arredondar da melhor maneira possível, de tal forma que o resultado seja o mais próximo do real.
As regras para o arredondamento são:
Se o primeiro número que será ignorado for menor que 5, então os algarismos que permanecem
não sofrem alterações;

204
Se o primeiro número que será ignorado for maior ou igual a 5, então o último algarismo que
permanecerá será acrescido em 1.
Exemplos:
Seja dado o número irracional a = 1,2735462... Vamos arredondá-lo até 1 casa.

➔ 4 casas decimais
Quando se pede o arredondamento com 4 casas decimais, a casa a ser ignorada é a 5ª:

1,2735462... Como 4 < 5, temos: 1,2735

➔ 3 casas decimais
Quando se pede o arredondamento com 3 casas decimais, a casa a ser ignorada é a 4ª:

1,2735462... Como 5 = 5, temos: 1,274

➔ 2 casas decimais
Quando se pede o arredondamento com 2 casas decimais, a casa a ser ignorada é a 3ª:

1,2735462... Como 3 < 5, temos: 1,27

➔ 1 casa decimal
Quando se pede o arredondamento com 1 casa decimal, a casa a ser ignorada é a 2ª:

1,2735462... Como 7 > 5, temos: 1,3

***
Conjunto dos Números Reais (ℝ)

Assim como a reta numérica acima, todos os conjuntos numéricos, vistos por nós até o
momento, podem ser agrupados em um grande conjunto, denominado Conjunto dos Números

.
Reais, cujo símbolo é a letra ℝ

205

ℚ I


Definição: Pertencem a este conjunto todos os números racionais e os irracionais
A partir de agora, não especificaremos mais um número como sendo natural ou racional,
todos serão tratados como reais. Vamos então rever as propriedades que antes eram aplicadas a
um conjunto específico e agora se expandem para o conjunto dos reais.

Valor Absoluto (Módulo)


Definição: O valor absoluto (ou módulo) de um número real é a distância desse número
em relação ao zero.
Por se tratar de uma distância, o valor absoluto de qualquer número sempre será positivo!
A representação do valor absoluto de um número se dará sempre entre duas barras │ │.

Exemplos: │ 3│= 3 “ lê-se: o valor absoluto de três é três”

│ -7│= 7 “lê-se: o valor absoluto de menos sete é sete”

206
Perceba que números como 3 e -3, 7 e -7 possuem o mesmo valor absoluto.

Seja a um número real, então │ a│= a e │ - a│= a

Números Simétricos (Opostos)


Definição: Números que possuem o mesmo valor absoluto são identificados como
números simétricos ou números opostos. Isto porque quando representamos estes números na reta
numérica, eles ficam à mesma distância do zero, no entanto, em lados opostos.

Exemplo: 12 e -12 são opostos ou simétricos


-15 e 15 são opostos ou simétricos

Vale ainda ressaltar que a soma de números opostos sempre resulta em zero. Portanto, se
existem dois números opostos em uma expressão numérica podemos cancelá-los, isto é, ignorá-
los, de tal forma que o resultado permanecerá o mesmo se os utilizarmos ou não.

4+5–5+2 4+5–5+2
9–5+2 4+2
4+2 6
6 Cancelando os opostos

Lei da Tricotomia: A comparação entre dois números reais


Segundo esta lei, dois números só podem se relacionar, isto é, serem comparados, de três
maneiras (e por isso o sufixo Tri):

207
Definição: Sejam dados dois números quaisquer representados por a e b.

a>b Lê-se “a maior que b”

a<b Lê-se “a menor que b”

a = b Lê-se “a igual a b”

Vale salientar que a leitura sempre deve ser feita da esquerda para a direita.

Exemplos: 14 > 5 lê-se “Quatorze é maior que cinco.”


15 < 20 lê-se “Quinze é menor que 20.”
12 = 12 lê-se “ Doze é igual a doze”

Importante:
1º) Qualquer número positivo é maior que zero;
2º) Qualquer número negativo é menor que zero;
3º) Entre dois números negativos, o maior sempre será o que tiver menor valor absoluto;
Da primeira e da segunda observação decorre uma quarta: “Na comparação entre um
número positivo e um negativo, o positivo sempre é __________ que o negativo”.

Comparando números reais na forma fracionária


Para comparar dois números reais na forma fracionária, os denominadores precisam ser
iguais. Verificado isto, basta comparar os numeradores: o maior numerador indicará a maior
fração.

𝑎 𝑐
Dada as frações: 𝑒 , com b ≠ 0
𝑏 𝑏
𝑎 𝑐
Se 𝑎 > 𝑐, 𝑒𝑛𝑡ã𝑜 >𝑏
𝑏

𝑎 𝑐
Se 𝑎 < 𝑐, 𝑒𝑛𝑡ã𝑜 <𝑏
𝑏

𝑎 𝑐
208 Se 𝑎 = 𝑐, 𝑒𝑛𝑡ã𝑜 =𝑏
𝑏
Caso os denominadores sejam diferentes, precisamos igualá-los através do método do
mínimo múltiplo comum (mmc).
Ademais, também é possível igualá-los através de um processo que envolve a multiplicação
entre os denominadores e numerados, e que aqui vamos realizar por se mostrar mais fácil na
realização da comparação entre as frações.
31 21
Exemplo: Dadas as frações , compare-as.
4 2
Por mmc 31 21
𝑥 𝑥
Nºs Primos 4 2

4,2 ÷ ÷
2 4 4
2, 1
31 42
1,1 2
X 4 4
Como 31 < 42, então
4
31 42 31 21
< e, portanto <
4 4 4 2

Pelo método da multiplicação entre denominadores e numeradores:


31 21
4 2
Todas as setas indicam multiplicação. O 4 multiplica o 2 e o resultado fica no denominador.
31 21
8 8
Depois disso, o 4 multiplica o 21, e o resultado fica no lugar do numerador, isto é, do 21.
31 84
8 8
Depois disso, o 2 multiplica o 31, e o resultado fica no lugar do numerador, isto é, do 21.
62 84
8 8
Agora, basta comparar 62 e 84. Como 62 < 84,
62 84
<
8 8
E, portanto,
31 21
<
4 2

209
Comparando números reais na forma decimal
Para comparar dois números reais na forma decimal, basta analisar a parte inteira do
número. A comparação se dá de maneira similar a qualquer comparação entre números inteiros.
Caso a parte inteira seja igual, analisamos os décimos; se eles forem iguais, analisamos os
centésimos e assim sucessivamente até que se encontre algarismos distintos.
Exemplo:
4,35 2,21
Como 4 > 2, então 4,35 > 2,21
2,43 2,49
Como a parte inteira é igual, analisamos os décimos. Como os décimos são iguais, analisamos
os centésimos. Como 3 < 9, então 2,43 < 2,49

***

210
Propriedades
3 Fundamentais da
Aritmética em ℝ
Propriedade Comutativa
Essa propriedade enuncia que a ordem dos elementos em uma adição e em uma
multiplicação podem ser trocadas, sem alterar o resultado do cálculo final.
a) A + B = B + A Lê-se “a ordem das parcelas não altera a soma”
b) A . B = B . A Lê-se “a ordem dos fatores não altera o produto”

Propriedade Associativa
Esta propriedade enuncia que a adição entre três números produz o mesmo resultado, quer
adicionemos ao primeiro a soma do segundo e do terceiro, ou ao terceiro a soma do primeiro e
do segundo. O mesmo vale para a multiplicação.
c) A + (B + C) = (A + B) + C
d) A . (B . C)= (A . B) . C

Propriedade Distributiva
Esta propriedade enuncia que para multiplicar uma soma por um natural, podemos
multiplicar cada termo da soma por este inteiro e depois adicionar os produtos.
A . ( B + C) = A . B+A.C
Vejamos um exemplo desta propriedade:

A multiplicação do número 3 pela soma de 7 e 6.


R: Queremos que 3 . ( 7 + 6) seja igual a 3 .7 + 3 .6
3.(7+6) =3.7+3.6
3. 13 = 21 + 18
39 = 39
Perceba que, como ambos os lados da igualdade possuem o mesmo valor, podemos
concluir que são iguais e que, portanto, a propriedade distributiva é verdadeira.
Para facilitar a memorização desta propriedade, muitos costumam chamar esta propriedade
de “chuveirinho”.
Lê-se: Três vezes sete mais
3.(7+6) três vezes seis.

3.7+3.6

211
Elemento Neutro
O elemento neutro da adição é o número zero ( 0 ).

ℝ+0=ℝ
O elemento neutro da multiplicação é o número um ( 1 )

ℝ.1=ℝ

Elemento Oposto
Esta propriedade enuncia que qualquer que seja o número real a, existe um real -a, de tal
forma que

a + (-a) = 0 = (-a) + a
Exemplo:
a) Dado o real 2, existe – 2, de tal forma que: 2 + (-2) = 2 – 2 = 0
b) Dado o real -4, existe – (-4) = +4, de tal forma que: - 4 + (+4) = 0
c) Dado o real 3,14159265..., existe – 3,14159265... de tal forma que: 3,14159265... + (-
3,14159265...) = 3,14159265... – 3,14159265... = 0

Elemento Inverso
Esta propriedade enuncia que qualquer que seja o número real representamos por a, com
1
a ≠ 0, existe um real ou (𝑎 −1 ),tal que
𝑎

𝑎 . 𝑎−1 = 1 = 𝑎−1 . 𝑎

1
Exemplo: Dado o real 4. Existe 4−1 = 4 , de tal forma que:

1 4
4. = =1
4 4

212
Os Santos e os
4 números

IZ São Paulo a Timóteo que “Toda a Escritura é inspirada por Deus, e útil para ensinar,
D para repreender, para corrigir e para formar na justiça” (2 Tm 3, 16). De fato, não há
palavra ociosa nas Sagradas Escrituras, o que nos leva à conclusão de que os números que
ali aparecem nos são úteis para a compreensão do texto, não tão somente em seu sentido literal,
mas também no seu sentido alegórico. Portanto, quando o evangelista afirma que Cristo
multiplicou cinco pães e dois peixes, por exemplo, cremos que ali existiam de fato cinco pães e
dois peixes. No entanto, o Magistério da Igreja, com Santo Agostinho, São João Crisóstomo,
Rábano Mauro e outros, muitas vezes nos ensinam que além do sentido literal das Sagradas
Escrituras podemos também identificar o sentido espiritual, o que nos leva a perguntar “Porque é
que são cinco pães, e não seis pães? O que significa o número cinco nesta passagem?” . É com o
intuito de responder estas perguntas que a seção “Os Santos e os Números” foi criada, para que
pudéssemos, em nossos estudos matemáticos, identificar o sentido espiritual e alegórico dos
números em cada texto bíblico, mostrando assim que a matemática nos é muito útil para o
conhecimento de Nosso Senhor e de sua Igreja e, consequentemente, para nossa Salvação.
A estrutura deste capítulo apresentará sempre uma passagem bíblica que contenha números
e os respectivos comentários dos Santos e Padres da Igreja que expliquem o sentido alegórico
daquele número.

***
“Será também como um homem que, tendo de viajar, reuniu seus servos e lhes confiou seus
bens. A um deu cinco talentos; a outro, dois; e a outro, um, segundo a capacidade de cada um.
Depois partiu. Logo em seguida, o que recebeu cinco talentos negociou com eles; fê-los
produzir, e ganhou outros cinco. Do mesmo modo, o que recebeu dois, ganhou outros dois. Mas,
o que recebeu apenas um, foi cavar a terra e escondeu o dinheiro de seu senhor. Muito tempo
depois, o senhor daqueles servos voltou e pediu-lhes contas. O que recebeu cinco talentos
aproximou-se e apresentou outros cinco: ‘Senhor’ – disse-lhe –, ‘confiaste-me cinco talentos; eis
aqui outros cinco que ganhei’. Disse-lhe seu senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel; já que foste
fiel no pouco, eu te confiarei muito. Vem regozijar-te com teu senhor’. O que recebeu dois
talentos adiantou-se também e disse: ‘Senhor, confiaste-me dois talentos; eis aqui os dois outros
que lucrei’. Disse-lhe seu senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, eu te
confiarei muito. Vem regozijar-te com teu senhor’. Veio, por fim, o que recebeu só um talento:
‘Senhor, disse-lhe, sabia que és um homem duro, que colhes onde não semeaste e recolhes onde
não espalhaste. Por isso, tive medo e fui esconder teu talento na terra. Eis aqui, toma o que te
pertence’. Respondeu-lhe seu senhor: ‘Servo mau e preguiçoso! Sabias que colho onde não
semeei e que recolho onde não espalhei. 27.Devias, pois, levar meu dinheiro ao banco e, à
minha volta, eu receberia com os juros o que é meu. 28.Tirai-lhe este talento e dai-o ao que tem
dez. 29.Será dado ao que tem e terá em abundância. Mas ao que não tem será tirado mesmo

213
aquilo que julga ter. 30.E a esse servo inútil, jogai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e
ranger de dentes’.”
(Mt 25, 14 – 30 )

Comentários
São João Crisóstomo
Nos cinco talentos, ou nos dois, e mesmo em um, entendemos que a cada um foram dadas
diversas graças.

Orígenes
Entre aqueles a quem Cristo confiou a administração da Palavra de Deus, verás que alguns
têm mais e outros tem menos e não são, por assim dizer, menos inteligentes no assunto em
comparação com os melhores; verás que outros têm ainda menos; perceberás então a diferença
entre aqueles que receberam a Palavra de Cristo: pois uma foi a força daqueles a quem foram dados
cinco talentos, outra a dos que receberam dois e outra à dos que receberam um; e um não alcançava
a medida do outro; também aquele que recebeu um talento recebeu algo não desprezível: é, com
efeito, também grande coisa um talento de um Senhor assim. Há, no entanto, três tipos de servos,
assim como são três os gêneros daqueles que produzem frutos; recebeu cinco talentos aquele que
pode conduzir tudo o que nas Escrituras é sensível a sentidos mais divinos; recebeu dois aquele
que foi bem instruído na doutrina corporal – o dois, com efeito, parece ser um número carnal – ;
por fim, o Pai de família deu um talento àquele que era ainda menos capaz.

São Gregório Magno


Ou, de outro modo, os cinco talentos denotam os cinco sentidos, isto é, a ciência das coisas
exteriores; enquanto os dois talentos significam a inteligência e o trabalhar; e um talento indica
tão só o dom da inteligência.

São Jerônimo
Recebidos, pois, os sentidos corporais, duplicou em si o conhecimento do celestial,
conhecendo pelas criaturas o Criador, pelas coisas corporais as incorpóreas, e, pelas coisas
temporais, as eternas.

Orígenes
Ou os que excitaram os sentidos, viveram de modo salutar, elevando-se a uma maior
ciência e ensinando com esmero, lucraram outros cinco talentos. Porque ninguém recebe
facilmente um aumento de outra virtude a não ser daquela que tem; e, quanto ele a possui, tanto a
comunica aos outros, e não mais.

214
Santo Hilário de Poitiers
Ou aquele servo que recebeu cinco talentos é o povo crente que veio da Lei, a partir da qual
duplicou seu mérito, cumprindo a obra da fé evangélica.

Orígenes
Ou ganhou outros dois, isto é, a inteligência literal e outra mais sublime.

Santo Hilário de Poitiers


Ou aquele servo a quem foram confiados dois talentos é o povo gentio, justificado pela fé
e pela confissão do Filho e do Pai; isto é, pela confissão de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e
homem pelo espírito e pela carne. Estes são, pois, os dois talentos que lhes foram confiados. Mas,
como o povo judeu tinha conhecido todos os mistérios que se contém nos cinco talentos, isto é, a
Lei, e duplicou-o pela fé no Evangelho, assim o povo dos gentios mereceu a compreensão e as
obras pelo aumento dos dois talentos.

Santo Hilário de Poitiers


Ou este servo que recebeu um talento e o escondeu na terra é o povo que persiste na lei,
que, por inveja dos gentios que devem ser salvos, escondeu na terra o talento recebido; ocultar o
talento na terra é ocultar sob a difamação da paixão corporal a glória da nova pregação.

SANTO TOMÁS DE AQUINO. Catena Áurea: Exposição contínua sobre os evangelhos:


Volume 1: Evangelho de São Mateus. Campinas: Ecclesiae, 2018. 766p

215
Exercícios
Obs. Para melhor aproveitamento de estudo, o estudante precisará fazer a prova real em todos
os exercícios.

Obs.2 Sugerimos também que o estudante copie todo o conteúdo teórico no caderno. Desta forma
ele treinará a escrita e a leitura ao mesmo tempo.
Após a leitura do texto “A Função da Matemática no Plano da Salvação”, responda aos seguintes
itens:
1. Quais santos são citados no texto?
2. Como Santo Agostinho define os números?
3. Explique, de maneira sucinta, o significado do número 153.
4. Qual é o objetivo deste ano que estudaremos em matemática?
5. Qual é o principal fator para que os estudos tragam benefícios às nossas almas?
6. Por que a adição e a multiplicação são as únicas operações que podem ser realizadas sem
restrições no conjunto dos números naturais? Qual é o símbolo que representa este conjunto?
7. Qual é a definição do conjunto dos Números Inteiros? Qual é o símbolo utilizado para
representá-lo? Qual operação passou a ser realizada com a invenção deste conjunto?

8. Qual é a definição do Conjunto dos Números Racionais? Por que ele leva este nome? Qual
símbolo é utilizado para representá-lo? Qual operação passou a ser realizada com a invenção deste
conjunto?

9. Qual é a condição para um número ser denominado como um ‘decimal exato’?


10. Dadas as frações abaixo, classifique, sem realizar as divisões, quais números são decimais
exatos e quais são dízimas periódicas:
𝟕 𝟏𝟎𝟐 𝟒𝟐
a) d) − g)
𝟐𝟎 𝟓 𝟏𝟒

𝟏𝟕 𝟑𝟐 𝟏𝟑
b) e) h)
𝟏𝟓 𝟐𝟕 𝟑

𝟑𝟕 𝟏𝟓
c) − 𝟏𝟎𝟎 f) 𝟕

216
11. Transforme as frações em decimais e os decimais exatos em frações (simplifique quando
necessário):
a) 1,28 𝟐𝟗 𝟕
i) m) 𝟐𝟎
b) 3,125 𝟏𝟎
c) -31,25
𝟑𝟏 𝟓
d) 0,72 j) 𝟏𝟎𝟎
n) 𝟑
e) 0,153
f) 1,332 𝟑𝟕 𝟕
k) 𝟏 𝟎𝟎𝟎
o) − 𝟔
g) 4,718365
𝟕
h) 𝟏𝟎 𝟖 𝟐𝟎
l) 𝟓
p) − 𝟗

12. Abaixo há diversos números:

𝟕
0,5 -72 1,2 40 -3
𝟑
𝟏
-1,53 0 0,001 − -20 1
𝟏𝟐

a) Quantos deles são os números naturais? Quais?


b) Quantos deles são números inteiros? Quais?
c) Quantos deles são números racionais? Quais?
13. Escreva o período dos números decimais periódicos:
a) 0,342342342...
b) 58,6777...
c) 456,989898...
14. Encontre a fração geratriz das seguintes dízimas periódicas:

a) 0,777... e) 6,333...
b) 0,153153153... f) 6,1777...
c) 3,222... g) 5,8333...
d) 5,474747...
15. Arredonde os seguintes valores para 4 casas decimais, 3 casas decimais, 2 casas decimais e 1
casa decimal:

a) 2,4681012141...
b) 1,3579111315...
c) 1,234567892354...

16. Quais números pertencem ao conjunto dos números reais? Qual símbolo é utilizado para
representar este conjunto?

17. Pensando na reta numérica, responda:

217
a) O número - 4 está à direita ou à esquerda do número – 3?
b) O número 1 está à direita ou à esquerda do número -1?
c) O número 5 está à direita ou à esquerda do número 8?
d) O número -200 está à direita ou à esquerda do número -7?
e) O número 1,23456.. está à direita ou a esquerda do número 1,2?
𝟐𝟗
f) O número 𝟏𝟎 está à direita ou a esquerda do número 3?

𝟏 𝟏
g) O número 𝟑 está à direita ou a esquerda do número 𝟐?

18. O que é o valor absoluto de um número? Como representamos o valor absoluto de um número
real?
19. Calcule o módulo dos números abaixo:

a) │ 0│= d) │ -1,131313...│=
b) │ 0,222...│= e) │ 𝜋│=
c) │ -2│= f) │ -5│=

g) │ − 𝟑𝟓│=

20. O que são números simétricos? Dê exemplos utilizando a reta numérica.


21. A soma de dois números opostos sempre resulta em ________?
22. Utilizando o método do cancelamento de opostos, resolva as expressões numéricas abaixo:

a) 3–7+4+7–1–7+1
b) 16 – 8 – 4 + 16 – 4 + 8
c) 4 + 100 – 100 – 7 + 6 – 1
d) – 23 – 8 + 17 + 6 – 4 + 8
23. Responda:
É possível determinar quantos inteiros existem entre -1 e -5, incluindo estes dois números? E
números racionais, é possível?
24. Compara os números utilizando <, > ou = :
a) 2 -3 𝟕𝟏
g) 0,71
b) -3 -5 𝟗𝟗
𝟑 𝟕
c) h) -0,83333 0,83411
𝟓 𝟓

𝟐 𝟑
d) − 𝟕 −𝟕 i) 1,25 1,2345672...

𝟏
e) 0,75 0,75 j) -0,333.... −𝟑

f) 2,98 2,957

218
25. Explique as cinco propriedades fundamentais da aritmética e dê dois exemplos numéricos
para cada uma.

26. Encontre o elemento oposto de cada valor abaixo:


a) -12
b) -5,153153153...
c) 72/3
d) 3,14159265...
27. Encontre o elemento inverso de cada valor abaixo:
a) 2
𝟕
b) 𝟓
c) -5

28. Sabendo que √5 = 2,23606797 … e que √2 = 1,41421356 … , calcule, utilizando


aproximações com duas casas decimais: (IEZZI - adaptado

a) √5 + √2
b) √5 − √2
29. Com os dados do exercício acima, calcule usando aproximações com três casas decimais:
(iezzi – adaptado)

a) 2√2
√5
b) 2
√5
c) - 2√2
2
d) √5 𝑥 √2
30. Dados os números a = 1,3333333... e b = 1,757575... (iezzi apatado)
a) use valores aproximados com seis casas decimais e calcule valores aproximados dos
números 6a e a + b;
b) determine os valores exatos de 6a e a + b;
31. Sabendo que x = 5,6789101112..., y = 2,777777777... , z = 0,969696969696...., calcule
usando as aproximações com 6 casas: (Iezzi – adaptado)
a) x+y
b) y+z
c) z–x
d) 3y
e) 11z
f)
32. Utilizando os mesmos valores do exercício 31 para x, y e z, determine os valores exatos:
a) y + z
b) 3y
c) y . z

219
33. Observe a multiplicação abaixo:
7 . 53 = 7 . ( 50 + 3 )
= 7 . 50 + 7 . 3
= 350 + 21
= 371
Utilizando o mesmo modelo, calcule:
a) 5 . 21
b) 8 . 34
c) 9 . 57
d) 6 . 123
34. Aplique a distributiva e encontre os resultados das expressões numéricas:
a) 4 . ( 7 – 3) e) x . ( y + z)
b) -2 .( 5 + 4) f) x . ( y – z)
c) 3 . ( - 4 – 5) g) (a + b) . c
d) -1 (- 7 -10) h) -x. ( y – z)

35. Elimine os parênteses, o excesso de sinais e calcule:


a) (+7) + (+5) g) (+85) + (-60)
b) (+31) + (+10) h) (+18) + (-12) + (-10)
c) (-12) + (-3) i) (+16) + (-21) + (+3)
d) (-40) + (-17) j) (+9) + (+17) + (-27)
e) (-14) + (+10) k) (-10) + (- 4) + (+8)
f) (+9) + (-3)
l) (+6) – (-3) o) (-7) – (+2) – (-4)
m) (+4) – (-9) p) -20 + (- 10) + (+5)
n) (+10) – ( +3)
36. Resolva as expressões numéricas associando as parcelas de mesmo sinal:

a) 12 + 21 – 15 + 3 – 20
b) – 5 + 12 – 5 + 12
c) 52 – 27 – 3 – 10 + 1

37. Qual é o elemento neutro da adição? Qual é o elemento neutro da multiplicação?

220
38. As contas de Pe. Paulo estavam atrasadas, e sua conta no banco era de – R$ 520,00. Ele recebeu
de um fiel R$810,00, e colocou em sua conta bancária. Para os lares de caridade, o padre fez
algumas compras e gastou o seguinte:

R$ 440,00 em cestas básicas;


R$ 180,00 em escapulários;
Se os gastos do padre foram descontados de sua conta, qual será seu novo saldo?

39. Em relação ao nível do mar, a altitude de um avião é +2 500 metros, e a altitude de um


submarino é – 400 metros. Qual é a diferença entre as altitudes do avião e do submarino?
40. Sabendo que,
Dobrar (ou o dobro) significa multiplicar por dois,
Triplicar (ou o triplo) significa multiplicar por três,
Quadruplicar (ou quádruplo) significa multiplicar por quatro,

Encontre o valor de:


a) O dobro de -7
b) O dobro de 12
c) O triplo de 0,22222....
d) O triplo de 1,24444....
6
e) O dobro de
5
f) O dobro do triplo de -5
g) O triplo do dobro de -12
h) O quádruplo do dobro de -6

41. Classifique como verdadeira ou falsa.


( ) Todo número inteiro é um número natural, mas nem todo número natural é um número inteiro.
( ) O conjunto dos inteiros permitiu-nos realizar subtrações sem restrições, o que não ocorria
apenas com o conjunto dos naturais.
( ) O conceito de números simétricos é diferente do conceito de números opostos.
( ) A propriedade associativa da multiplicação diz que “a ordem das parcelas não altera o produto”
( ) O valor absoluto de -5 é igual ao valor absoluto de 5.
( )Os irracionais pertencem aos racionais.
( ) Todo Racional é um número inteiro, mas nem todo número inteiro é um número racional.
( ) Ao conjunto dos números reais pertencem os números racionais e os irracionais.

42. Roberto tinha 35 relíquias de santos. Deu 7 para André, 12 para João e ganhou 5 de Tomás.
Com quantas relíquias ficou Roberto?
43. A soma de dois números é 75. Se um deles é 31, qual é o outro?

221
44. Observe a idade das três irmãs: Maria é doze anos mais nova que Ester e cinco anos mais
velha que Clara. Ester tem 47 anos. Quantos anos Clara, Maria e Ester juntas?
45. Uma livraria vendeu neste mês 2216 exemplares do livro Banquete do Cordeiro (R$ 30,00),
de Scott Hahn, 1970 exemplares do livro A inocência de Padre Brown ( R$ 75,00), de G. K.
Chesterton, 780 exemplares do livro Salve, Santa Rainha (R$ 32,00), de Scott Hahn, e 1001
exemplares do livro Ortodoxia (R$ 50,00), de G. K. Chesterton.
a) Somando todas as vendas, quantos livros a livraria vendeu?
b) Quantos livros de G. K. Chesterton foram vendidos?
c) Quantos livros de Scott Hahn foram vendidos?
d) Considerando o preço unitário de cada livro indicado entre parênteses, quanto gastou uma
pessoa que comprou os dois livros de Scott Hahn?
e) Quanto gastou quem comprou os dois livros de G. K. Chesterton?
f) Quanto gastou quem comprou os quatro livros?
46. Na missa festiva do dia 8 de dezembro, a catedral poderia abrigar até 3 250 pessoas sentadas.
No entanto, comparecem à missa 2.628, das quais 1863 eram homens.
a) Quantas mulheres compareceram?
b) Quantos lugares ficaram vazios?
c) Na festividade anterior, 1.384 lugares ficaram vazios. Quantas pessoas compareceram
naquele dia?
34
47. Qual é o oposto de − ? E o inverso?
43
48. Qual é o inverso do oposto do número 2,2222....? Responda na forma decimal. Iezzi
49. Calcule: (iezzi)
a) 2,3333... x 1,75
b) 1,2555... x 4,444444....
c) 0,757575... : 0,66666…
50. Após a leitura do texto de Santo Agostinho, faça o que se pede:
a) Grife todas as palavras que se referem a números que encontrar
b) No texto aparecem seis números diferentes. Quais são eles?
c) Qual é o significado que Santo Agostinho dá para cada um destes números?

222
Gabarito
1- Santo Agostinho, Santo Isidoro de Sevilha, São Jerônimo.

2- Santo Agostinho diz que os números são imutáveis, que não perdem sua essência,
independentemente de quem os utiliza e de como os utiliza.

3- Para Santo Agostinho o número 153 significa 17. Significa 17 porque a soma de 1 + 2 + 3
+ ... + 17 resulta em 153. Para o santo isso é de grande significado porque a Igreja sempre
creu que aqueles 153 peixes pescados pela rede representavam os homens eleitos, aqueles
a quem os discípulos pescariam para o céu. Mas como seriam esses homens? Seriam todos
aqueles que vivem conforme o número 17, isto é, 10 + 7: os 10 mandamentos e os 7 dons
do Santo Espírito!

4- O objetivo da matemática é permitir que, quem a estuda, chegue a adquiri-a com tal
perfeição que possa ser introduzido aos estudos da metafísica, que assim como a
matemática, trata de coisas abstratas. Também faz com que o estudante percebendo a
imutabilidade dos números conclua que, por exemplo, também a moral é imutável, também
Deus é imutável, também a Igreja é imutável. A matemática é um caminho para conhecer
o Senhor!

5- Para que os estudos tragam proveito às nossas almas é preciso termos intimidade com
Nosso Senhor Jesus Cristo, pedindo-Lhe que Ele próprio nos ensine tudo. Além disso,
humildade e dedicação!

6- Por que qualquer resultado da adição de dois naturais e da multiplicação de dois naturais
sempre é um número natural, o que nem sempre acontece com a subtração de dois
quaisquer naturais nem com a divisão de dois naturais

7- Pertence ao conjunto dos Números Inteiros todo número resultante da subtração de dois
números naturais ( ℕ - ℕ = ℤ). O símbolo que representa esse conjunto é ℤ.

8- Pertence ao Conjunto dos Números Racionais todo número resultante da divisão de dois
inteiros (ℤ : ℤ* = ℚ). O símbolo que representa esse conjunto é ℚ. A divisão.
9- Um número é classificado como um decimal exato se ele puder ser escrito como uma fração
cujo denominador é 10, 100, 1000, .... Além disso, basta verificar se o número é múltiplo
somente do número primo 2, ou somente do número primo 5, ou somente de 2 e 5.

10- a) Decimal exato


b) Dízima Periódica
c) Decimal Exato
d) Decimal exato
e) Dízima Periódica
f) Dízima Periódica
g) Decimal Exato

223
h) Dízima Periódica

128
11- a)
100

3125
b)
1000

3125
c)−
100

72
d)
100

153
e)
1000

1332
f)
1000

4718365
g)
1000000

h) 0,7

i) 2,9

j) 0,31

k) 0,037

l) 1,6

m) 0,35

n) 1,666...

o) – 1,1666...

p) – 2,222...

12- a) Três; São eles: 0, 1, 40


b) Seis; São eles: -72, -20, -3, 0, 1, 40
𝟏
c) Onze; São eles: 0,5 ; -72 ; 1,2 ; 40 ; -3 ; -1,53 ; 0 ; 0,001 ; − 𝟏𝟐 ; -20 ; 1

13- a) 342
b)7
c)98

224
7
14- a)
9

153
b)
999

29
c)
9

542
d)
99

57
e)
9

556 278
f) =
90 45

525 105 35
g) = =
90 18 6

15- a) 4 casas: 2,4681


3 casas: 2,468
2 casas: 2,47
1 casa: 2,5
b) 4 casas: 1,3579
3 casas: 1,358
2 casas: 1,36
1 casa: 1,4
c) 4 casas: 1,2346
3 casas: 1,235
2 casas: 1,24
1 casa: 1,2

16- Todos os números racionais e os irracionais. O símbolo utilizado para representar esse
conjunto é ℝ

17- a) Esquerda
b) Direita
c) Esquerda
d) Esquerda
e) Direita
f) Esquerda
g) Esquerda

18- Valor absoluto ou módulo de um número é a distância desse número em relação ao zero.
O símbolo que representa valor absoluto são duas barras verticais, com o número
localizado entre essas duas barras (p.e. |ℝ| )

225
19- a) 0
b) 0,222...
c) 2
d) -1,131313...
e) 𝜋
f) 5
3
g)
5

20- Números simétricos ou opostos são números que possuem o mesmo valor absoluto. Isso
significa que estão localizados à mesma distância do zero, mas que, no entanto, possuem
sinais contrários (p.e. 2 e -2)

-2 -1 0 1 2

|−2| = 2 |2| = 2

21- Zero

22- a) 0
b) 24
c) 2
d) 2

23- Sim, existem 5 números; Não, pois entre dois racionais sempre é possível encontrar outro,,
o que torna o número de racionais entre -1 e -5 infinito.

24- a) 2 > -3
b) -3 > -5
c) 3/5 < 7/5
d) -2/7 > -3/7
e) 0,75 = 0,75
f) 2,98 > 2,957
g) 0,71 < 71/99
h) -0,83333 < 0,83411
i) 1,25 > 1,2345672...
j) -0,333... = -1/3

25- Comutativa da adição: essa propriedade enuncia que a ordem das parcelas não altera a
soma. 7+2=2+7 - 20 + 3 = 3 + (- 20)
9 = 9 -17 = -17
Comutativa da adição: essa propriedade enuncia que a ordem dos fatores não altera o
produto. 7.2=2.7 -20 . -3 = -3 . -20
14 = 14 60 = 60
Associativa da Adição: essa propriedade enuncia que em uma adição de três ou mais
parcelas, podemos somá-las em qualquer ordem que o resultado não se altera.
7 + (-2) + 3 = 7 + (-2) + 3 20 + 5 + 4 = 20 + 5 + 4
5+3 = 7 + 1 25 + 4 = 20 + 9

226
8 = 8 29 = 29
Associativa da multiplicação: essa propriedade enuncia que em uma multiplicação de três
ou mais fatores, podemos multiplicá-los em qualquer ordem que o resultado não se altera.
-7 . -2 . 3 = -7 . -2 . 3 20 . 5 . 4 = 20 . 5 . 4
14 . 3 = - 7 . - 6 100 . 4 = 20 . 20
42 = 42 400 = 400
Comutativa: essa propriedade enuncia que no produto de um elemento por uma soma,
podemos somar o produto deste elemento com cada parcela e o resultado não será alterado:
7.(2+3)=7.2+7.3 -5 . ( 4 + 2) = (- 5) . 4 + (-5) . 2
7. 5 = 14 + 21 -5. 6 = -20 + (- 10)
35 = 31 - 30 = - 30

26- a) 12
b) 5,153153153...
c) – 72/3
d) – 3,14159265

1
27- a) 2
5
b)
7
1
c) − 5

28- a) 2,24 + 1,41 = 3,65


b) 2,24 – 1,41 = 0,83

29- a) 2,828
b) 1,118
c) -1,71
d) 3,161704

30- a) 6a = 7,999998 e a + b = 3,090909


12 72 12 174 306 102 34
b) 6a = 6 . 9 = 9 = 8 e a + b = 9 + 99 = 99 = 33 = 11
31- a) 8,456688
b) 3,747475
c) -4,709213
d) 8,333334
e)10,666667

25 96 371
32- a) y + z = + 99 =
9 99
25 75 25
b) 3y = 3 . = =
9 9 3
25 96 2400 800
c) y . z = . 99 = = 297
9 891

227
33- a) 5 . 21 = 5 . ( 1 + 20 ) = 5 .1 + 5 . 20 = 5 + 100 = 105
b) 272
c) 513
d) 738

34- a) 16
b) -18
c) -27
d) 17
e) xy + xz
f) xy - xz
g) ac + bc
h) -xy + xz

35- a) 12
b) 41
c) -15
d) -57
e) -4
f) -6
g) 25
h) -4
i) -2
j) -1
k) -6
l) 9
m) 13
n) 7
o) -5
p) -25

36- a) 1
b) 14
c) 13

37- O elemento neutro da adição é o zero, pois qualquer número adicionado a zero permanece
inalterável ( - 3 + 0 = -3 ; 0 + 5 = 5)
O elemento neutro da multiplicação é o um, pois qualquer número multiplicado por um
permanece inalterável ( 4 . 1 = 4 ; -5 . 1 = - 5)

38- O saldo do padre será trezentos e trinta negativos ou - R$ 330,00

39- A diferença entre eles é de 2 900 metros

2 336 56
40- a) -14 b) 24 c) d) =
3 90 15
12
e) f) –30 g) -72 h) -48
5

228
41- a) Falsa
b) Verdadeira
c) Falsa
d) Falsa
e) Verdadeira
f) Falsa
g) Falsa
h) Verdadeira

42- Roberto ficou com 21 relíquias

43- 44

44- Juntas elas somam 112 anos

45- a) A livraria vendeu 5967 livros


b) Foram vendidos 2971 livros de G. K. Chesterton
c) Foram vendidos 2996 livros do Scott Hahn
d) A pessoa gastou R$ 62,00
e) A pessoa gastou R$ 125,00
f) A pessoa gastou R$ 187,00

46- a) 765 mulheres


b) 622 lugares vazios
c) Compareceram 1866 pessoas.

34 43
47- Oposto: , Inverso : − 34
43

48- 0,45

49
49- a)
12
452
b)
81
25
c)
22

50- b) Os números são: 5, 1, 38, 40, 2, 50 e 10


c) 5: representa os cinco livros do Pentateuco, isto é, toda a Lei dada por Deus a Moisés.
1: representa a Unidade da Igreja Católica e a salvação daqueles que pertencem à Ela.
38: representa que aquele homem estava sob o julgo da Lei e não possuía o mais
importante, que era o número 2, isto é, o amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo
como a si mesmo, e por isso ele não podia ser curado
40: é um número sagrado pois Moisés, Elias e Nosso Senhor jejuaram por quarenta dias
2: representa os dois maiores mandamentos, Amar a Deus sobre todas as coisas e Amar
ao próximo como a si mesmo.
50: Representa a recompensa após os 40 dias de jejum somado ao denário que é o salário
do trabalhador.

229
10: Representa o salário do trabalhador, em sentido espiritual, a recompensa que teremos
no céu.

230
Referências

Exercícios
• Exercícios 13, 39(adaptado), 42(adaptado), 43,
https://portaldosaber.obmep.org.br/uploads/material/di85mgb082gc4.pdf
https://portaldosaber.obmep.org.br/uploads/material/20iw041huzz4o.pdf
https://portaldosaber.obmep.org.br/uploads/material/notacao.pdf

• Exercícios 45(adaptado), 46(adaptado):


Iezzi, Gelson. Matemática e realidade: 6º ano. 6 ed. São Paulo: Atual, 2009.
• Exercícios 13, 14(adaptado), 15, 25(adaptado):
Iezzi, Gelson. Matemática e realidade: 7º ano. 8 ed. São Paulo: Atual, 2013.
• Exercícios 10, 14(adaptado), 24(adaptado), 28(adaptado), 29(adaptado), 30(adaptado),
31(adaptado), 32, 48, 49.
Iezzi, Gelson. Matemática e realidade: 8º ano. 6 ed. São Paulo: Atual, 2009.

Imagens
• Imagem da Capa: Santo Isidoro, por Bartolomé Esteban Murillo, Catedral de Santa
Maria, Sevilha – Espanha. Fonte:
https://es.m.wikipedia.org/wiki/Archivo:Isidor_von_Sevilla.jpeg

231
232
233
Sobre a capa
SANTA HILDEGARDA
(17 de setembro)
Santa Hildegarda foi a décima filha de seus pais, e apesar da frágil saúde, dava ela – desde
os primeiros anos de existência – mostras de muita inteligência e inclinação religiosa.
Certo dia, caminhando com sua ama pelas redondezas do castelo, exclamou radiante: “Veja
aquele bezerrinho, como é bonito! Todo branco, tem manchas apenas na cabeça e nas patas. Ah!
tem uma também no lombo!” A criada, olhando para os lados e nada vendo, perguntou-lhe onde
estava o bezerro. Sem compreender como ela não via o animalzinho, a menina apontou uma grande
vaca e disse incisiva: “Está ali! Está ali!”. Perplexa, a mulher pensou estar ouvindo mais uma
fantasia infantil e, em tom de gracejo, contou o sucedido à mãe de Hildegarda. Entretanto, algum
tempo depois nasceu um bezerro e ninguém mais riu: possuía exatamente o aspecto predito pela
menina!
Como Hildegarda dava sinais inequívocos de vocação contemplativa, aos oito anos de
idade, ela ingressou na ermida de Disibodemberg, onde “cresceu em graça e santidade” a exemplo
do Menino Deus. Havia, entretanto, um fator que a unia especialmente a Deus: as comunicações
sobrenaturais de que era objeto. Iniciadas as visões na primeira infância e tendo continuidade ao
longo de toda a sua vida, elas deram a Santa Hildegarda um discernimento profundo da ação do
bem e do mal, da graça e do pecado, da realização da vontade de Deus a que o homem é chamado
e a facilidade que este tem em desprezar os desígnios divinos.
Sabe-se que, naquele tempo, a Bíblia era quase sempre divulgada em latim. Embora não
entendesse o significado das palavras, Santa Hildegarda conseguia explicar o conteúdo dos textos
sagrados. Fato que constitui um milagre dos mais assinalados, e também contínuo e palpável. Era
um fenômeno manifestado exteriormente, e qualquer um podia constatá-lo.
Em determinado tempo a ordem divina lhe disse: “Manifesta as maravilhas que aprendes.
Escreve e fala!” Assim originou-se a principal obra escrita de Santa Hildegarda, “Liber Scivias”,
o qual recebeu nada menos que o louvor de São Bernardo de Claraval e a aprovação do Papa
Eugênio III. Ambos reconheceram em suas palavras e em sua vida a autenticidade das revelações.
Para ela, o Universo criado é um espelho admirável das realidades espirituais e divinas:
“Deus, que fez todas as coisas por um ato de sua vontade e as criou para tornar conhecido e honrado
o seu nome, não se contenta em mostrar através do mundo apenas o que é visível e temporal, mas
manifesta nele aquelas realidades que são invisíveis e eternas. Isto é o que me foi revelado”. Por
isso escolhemos Santa Hildegarda para ser a intercessora dos estudos de ciências.
Aos 81 anos, aquela que nunca recusou socorro aos filhos de Deus entregou sua alma em
meio à grande paz e serenidade de seu mosteiro. Era o dia 17 de setembro de 1179. Em pouco
tempo, encheu-se de peregrinos o seu túmulo, multiplicaram-se os milagres. A vida e a ação desta
celebérrima Santa nos ensinam que a união com Deus e o cumprimento da vontade divina são os
bens que, acima de todos, se devem ambicionar. Além disso, esta mestra, cheia de Deus, mostra
que o mundo só pode ser entendido e governado, se visto como criatura saída das mãos do Pai que
está nos céus, cheio de amor e providência. Sem jamais se vangloriar de suas prerrogativas ou
utilizar em benefício próprio os dons recebidos, ela pode ser definida com estas suas próprias
palavras: “Aqueles que, na elevação de sua alma, gozaram da sabedoria de Deus e se portaram
com humildade, converteram-se em colunas do Céu”.

234
Introdução
(Leitura para responsáveis e alunos)
Caríssimos responsáveis e alunos,
Este material tem o objetivo de, a partir do conhecimento do mundo natural, mais
especificamente com ajuda da ciência natural, auxiliar o desenvolvimento do pensamento, da
meditação e da contemplação, ações necessárias para que se alcance a sabedoria e tenha sempre a
mente em Deus e nas coisas divinas.
Para alcançarmos este objetivo tão importante rumo à santidade, procuraremos, ao longo
deste ano de estudo, possibilitar uma maior compreensão da obra da Criação, do próprio Criador
e da Pessoa Humana criada à Imagem e Semelhança de Deus.
Sugerimos que este estudo seja realizado duas vezes por semana, ou conforme os
responsáveis preferirem, sendo que em cada semana o estudante deverá realizar a leitura e a
compreensão do conteúdo, bem como as atividades sugeridas, para melhor entendimento do
mesmo. As atividades deverão ser corrigidas semanalmente pelos responsáveis, e poderão
esclarecer qualquer dúvida com a professora responsável na tutoria.
Vamos começar?

Capítulo 1 - Fundamentos
Aula 1 - O que é ciência?

A palavra ciência vem do latim (Scientia) e significa conhecimento. Ciência, portanto, é uma
forma de conhecimento, ou seja, de conhecer as coisas, de estudar as realidades existentes,
de saber melhor sobre elas.
Conhecer algo não é simplesmente saber um pouco sobre aquilo, mas é compreender o que
se estuda de forma profunda, ou seja, não apenas observando os fatos (acontecimentos), mas
procurando entender as razões, as causas do que se observa.
Entender a causa das coisas é entender o que se estuda da melhor forma possível, pois é
compreender o que cada coisa é.
Por exemplo, ao observamos a água em um copo,
sabemos que ela existe, que é um líquido sem cheiro,
sem cor e sem gosto; temos um pouco de conhecimento
sobre a água, o que é um princípio de ciência. Ter uma
verdadeira ciência profunda sobre a água é saber, por
exemplo, que ela é formada por substâncias menores (o
oxigênio e o hidrogênio), que foi criada por Deus para
que os seres vivos pudessem existir (conforme Gênesis
2,4-5), e ainda mais, que é a água, derramada sobre a
cabeça no batismo, que permite o nascimento para uma
Vitral representando o batismo de Jesus.

235
vida nova e verdadeira, em Cristo, de modo a tornar a pessoa filha de Deus, parte da Igreja. Mesmo
que não tenhamos escrito tudo o que se pode conhecer sobre a água, podemos entender com esse
exemplo, que ter a ciência das coisas é procurar este conhecimento mais profundo, que busca a
causa, a função e o objetivo de as coisas existirem.
Outro exemplo: ao observarmos o mundo ao nosso redor, o céu azul, o Sol que todos os
dias vai e volta iluminando o dia, as belas aves, as árvores verdes com suas sombras frescas, a
chuva caindo para refrescar o calor... vemos em meio a tudo uma beleza e uma ordenação
extraordinárias. Isso certamente nos leva a pensar de onde veio tudo, quem criou toda esta
maravilha, e não é difícil chegar a conclusão de que tudo provém de Deus! Isso já é um princípio
de ciência, pois contemplando a natureza conseguimos saber que ela provém de Deus. Mas ainda
não é uma ciência profunda sobre Deus, pois, para que conheçamos a Ele profundamente, é
necessário mais.
Santo Tomás de Aquino (imagem abaixo) é um santo chamado Doutor da Igreja pois, seus
muitos livros e ensinamentos nos ajudam a conhecer melhor a Deus e a Sua vontade. Este santo
nos ensina também sobre Ciência, no início de uma obra chamada Suma Teológica (um “resumo”
sobre várias coisas importantes a saber sobre Deus e sua doutrina). Santo Tomás foi um homem
muito sábio, e tinha o dom da ciência, ou seja, de conhecer profundamente as coisas, o que elas
são, a causa delas. Ele nos ensina o seguinte sobre ciência:
Existem dois tipos de ciência:
1. A ciência que se faz a partir do conhecimento de realidades
que podem ser vistas, observadas, e são possíveis de serem
estudadas pela luz natural da inteligência. São exemplos a
matemática, a lógica, a biologia.
2. A ciência que se faz a partir do conhecimento de realidades
que são superiores à luz natural da inteligência, pois tem origem
na revelação feita por Deus como é o caso da Ciência Sagrada ou
Teologia, ou que utiliza conhecimentos de várias ciências que
partem da luz natural da inteligência como a Música, que utiliza
conhecimentos da matemática, da ciência natural, e de outras.
Santo Tomás de Aquino,
Doutor da Igreja

O desejo natural de saber


Santo Tomás de Aquino, também em sua Suma Teológica, nos ensina que a criatura
racional (que é o ser humano, como estudaremos mais adiante) tem o desejo natural de saber tudo
o que constitui a perfeição do intelecto, ou seja, de sua inteligência. Sendo que o que constitui a
perfeição do intelecto é conhecer o que as coisas são, seu SER, e sua causa (suas razões), por isso
a verdadeira ciência contribui para o desejo natural de saber que toda pessoa têm.
É interessante ainda o que o Santo nos acrescenta; ele diz que outros conhecimentos (como
as coisas que não existem e que Deus poderia fazer) não fazem parte da perfeição do intelecto, e
por isso não temos um desejo natural desses conhecimentos.
Utilizando-se dos ensinamentos de Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino explica ainda
algo maravilhoso: conhecer a Deus profundamente é o que permite a maior perfeição do intelecto,

236
uma vez que conhecendo a Deus, conhecemos Aquele que é a fonte e
o princípio de tudo o que existe e de toda a verdade. Portanto, ao
conhecermos profundamente a Deus, o nosso desejo natural de saber
é totalmente preenchido, a tal ponto que nada mais se buscará além de
estar com Deus.
Santo Agostinho ensina:
“Infeliz o homem que conhece todas estas coisas (as criaturas)
e, no entanto, Te ignora! Bem-aventurado quem Te conhece e ignora
tudo o mais. Mas quem Te conhece e a todas as coisas não é mais feliz
em razão disso; é bem-aventurado graças a Ti somente”.
Conhecer a Deus perfeitamente é impossível para nós, ao
Santo Agostinho com seu
menos nessa vida terrena, uma vez que temos um intelecto limitado, coração inflamado e
mas estudaremos como é importante ter um conhecimento profundo preenchido pelo
conhecimento da Verdade,
de Deus e como as outras ciências podem ajudar nisso. que é Deus.

Atividades
1) Leia o texto acima três vezes: duas vezes silenciosamente e a terceira em voz alta.

2) Copie em seu caderno este texto introdutório sobre “O que é ciência?”.

3) Copie as questões abaixo em seu caderno e depois as responda de forma breve:


1. Quando podemos dizer que temos uma verdadeira ciência de algo?
2. Quais são as duas formas de ciência ensinadas por Santo Tomás de Aquino?
3. Por que o ser humano quer conhecer as coisas?
4. Qual é o conhecimento que pode saciar todo o desejo de saber do homem?

4) Decore a frase de Santo Agostinho e a repita para seus familiares (responsáveis).

237
Hierarquia das ciências

J Á vimos que a ciência envolve um conhecimento profundo sobre as coisas. Há diversas coisas
e realidades que podemos observar, compreender e estudar, por isso dividimos o nosso
conhecimento em várias Ciências diferentes, sendo que cada uma estuda algo específico.
Por exemplo, as Ciências Naturais estudam a natureza, mas de um modo profundo, que
compreenderemos melhor nas próximas semanas. As Ciências Humanas estudam matérias
relacionadas ao ser humano, sua história, locais de habitação, entre outras coisas, sendo sempre
um estudo profundo, que veremos melhor também nas próximas semanas.

Todas as formas de conhecimento são importantes para nós, pessoas, pois todos
queremos conhecer a verdade, devido a nossa inteligência, e conhecendo profundamente as
realidades podemos chegar às verdades mais importantes para nós, para nossa vivência no mundo,
e caminhar em direção a Deus e à santidade.

Mesmo que todas as ciências ajudem o ser humano a conhecer cada vez mais as
realidades e a verdade, há um tipo de ciência que é a mais importante de todas: a Ciência Sagrada.
A seguir veremos por que a Ciência Sagrada é tão importante, o que ela estuda e
compreenderemos por que ela está em 1º lugar na hierarquia das ciências.

Ciência Sagrada
A Ciência Sagrada também recebe o nome de Doutrina Sagrada. Essa ciência pertence
ao segundo tipo de ciência ensinado por Santo Tomás de Aquino, isto é, é uma ciência que se faz
a partir do conhecimento de realidades que são superiores à luz natural da inteligência, e, portanto,
seu conhecimento não é possível simplesmente a partir de um saber natural, mas precisa de algo
mais, de um conhecimento superior.

A Ciência Sagrada se faz


a partir do conhecimento de Deus e
dos santos (bem-aventurados), ela
aceita o que foi revelado por Deus
na história da salvação, e que está
contido na Sagrada Escritura
(Bíblia) e nos ensinamentos da
Igreja Católica. Isso significa que a
Ciência Sagrada parte daquilo que o
próprio Deus revelou, e que,
portanto, é superior ao que se estuda Imagem para representar o fundamento da Ciência Sagrada, que se
dá a partir do conhecimento de Deus e dos santos (representado
simplesmente pela luz natural da acima) que é revelado aos homens que crerem no Cristo
inteligência. (representado abaixo).

A Ciência Sagrada pertence a um campo de estudo chamado Teologia (palavra que vem do
grego e significa “theos” – Deus e “logos” – estudo; portanto “estudo de Deus”). Esta ciência é
muito importante, pois como São Paulo nos ensina na bíblia: “Toda Escritura inspirada por Deus

238
é útil para ensinar, refutar, corrigir e educar na justiça” (2 Tm 3,16). Santo Tomás de Aquino
também nos ensina que a Ciência Sagrada é importante porque era necessário existir, para a
salvação do homem, um ensinamento fundado na revelação divina, pois as coisas que vão além de
sua inteligência precisariam ser reveladas por Deus.

Sendo as Ciências Sagradas uma forma de ciência que parte daquilo que Deus revelou,
e que, portanto, mostra muitas coisas superiores à inteligência humana, não será alcançada
principalmente pelo esforço do conhecimento humano, mas sim pelo ato de Fé.
O ato de fé é livremente decidir acreditar em tudo o que Deus fez e revelou, conforme nos
ensina a bíblia:
“A fé é o fundamento do que se espera, é uma certeza a respeito do que não se vê. Foi a
fé que fez a glória dos nossos antepassados. Pela fé sabemos que o universo foi criado pela
palavra de Deus, de modo que do invisível teve origem o visível. [...] Ora, sem fé é impossível
agradar a Deus, pois quem se aproxima de Deus deve acreditar que Ele existe e que recompensa
aqueles que O procuram.” (Hb 11, 1-3.6)
Santo Tomás de Aquino também nos explica que surgindo dúvidas a respeito de artigos da
fé, nunca devem ser atribuídas à incerteza das coisas, já que as coisas são certas por terem sido
reveladas por Deus, mas à fraqueza do intelecto humano.

Estudaremos agora os motivos pelos quais a Ciência Sagrada está em 1º lugar na hierarquia
das ciências.
Vimos que há diversas ciências que estudam várias realidades diferentes. Vimos também
que todas as formas de conhecimento são importantes para o ser humano em sua busca pela
Verdade. Mesmo que todas as ciências contribuam para o conhecimento das realidades e, portanto,
da Verdade, há ciências que são mais importantes, e por isso dizemos que há uma hierarquia nas
ciências.

Hierarquia das ciências significa que há uma organização das ciências, conforme sua
importância. Nesta hierarquia, a Ciência Sagrada ocupa o 1º lugar, ou seja, é a mais importante de
todas as formas de conhecimento.

Santo Tomás de Aquino nos ensina que podemos afirmar que a Ciência Sagrada está em
1º lugar pelos seguintes motivos:

- Entre todas as formas de conhecimento (matemática, história, geografia, ciências naturais,


etc), a mais excelente (perfeita) é a Ciência Sagrada porque ela estuda aquilo que é o mais
importante: o próprio Deus. Ela também é a ciência mais certa, porque foi Deus que se revelou
para nós, e sendo assim, ela não pode errar.

- A forma de conhecimento mais perfeita é aquele que leva a um objetivo mais elevado, e sendo
assim, a Ciência Sagrada é a mais perfeita porque nos leva à santidade, à contemplação de Deus,
ao Paraíso, principais objetivos da vida de todo cristão.
Vamos estudar alguns exemplos para que os motivos acima fiquem mais claros:

239
• Diferentemente da Ciência Sagrada que parte daquilo que Deus revelou, as outras ciências
partem de princípios estudados pelas pessoas e compreendidos a partir da inteligência
humana. Uma vez que nossa inteligência não é perfeita, podemos errar. Já a Ciência
Sagrada não erra, pois foi revelada por Deus, que é perfeito.
• A Ciência Natural, por exemplo, estuda a natureza, enquanto a Ciência Sagrada estuda o
próprio Deus. Deus foi quem criou a Natureza e tudo o que existe, portanto, Ele é mais
importante do que tudo; logo, estudá-Lo e conhecê-Lo é mais considerável do que estudar
e conhecer outras realidades.
• Ao conhecermos os números ou mesmo os animais, podemos perceber a perfeição de tudo
o que Deus fez, mas ao estudarmos o que Deus revelou e como chegar a Ele, estamos
estudando o que é mais importante, e aquilo que, como cristãos, buscamos em toda a nossa
vida.

Vamos finalizar com as palavras de Santo Tomás de Aquino:


“O menor conhecimento das coisas mais elevadas é mais desejável que uma ciência
muito certa das coisas menores”

“Adoração da Santíssima Trindade”, de autoria de Albrecht Dürer. Representa o Pai


segurando a cruz do Filho e o Espírito Santo em forma de pomba sobre a cabeça do Pai.
Os três são adorados pela multidão de anjos e santos.

Atividades
1) Leia o texto acima três vezes: duas vezes silenciosamente e a terceira em voz alta.

240
2) Copie em seu caderno:

- O título “Hierarquia das ciências” e abaixo os parágrafos que apresentam este lápis ( ) no
seu início.

- o subtítulo “Ciência Sagrada” e abaixo os parágrafos que apresentam este lápis ( ) no seu
início

3) Copie as questões abaixo em seu caderno e depois as responda de forma breve:


1. O que é a Ciência Sagrada?
2. O que é o ato de fé?
3. O que é hierarquia?

4) Leia para seus responsáveis a citação da bíblia sobre o que é a fé (Hb 11,1-3.6) e peça para
eles explicarem a você a importância da fé. Escreva o que eles te ensinaram.

5) Qual é a ciência mais importante de todas? Por que ela é tão importante? (Após responder,
conte isso aos seus responsáveis).

241
Capítulo 1 - Fundamentos
Aula 2 - Hierarquia das ciências (parte 2)

C ONHECEREMOS agora um pouco sobre as outras ciências, que serão o campo de estudo
deste material, as Ciências Naturais.

Ciências Naturais
As Ciências Naturais, também chamadas de Ciências da Natureza, estudam os seres vivos, a
criação, a natureza naquilo que ela tem de necessário. Procura compreender tudo o que faz parte
da natureza em profundidade, chegando até a causa de cada coisa, e, consequentemente, em Deus.

Há muitos motivos importantes para se estudar as ciências naturais. Alguns são:

- o estudo da natureza remove a ignorância, retirando a superstição e criando uma piedade


confiante em Deus;

- a observação da natureza e de todo o universo nos permite reconhecer a ordenação de tudo, e,


consequentemente, nos direciona àquele que tudo criou, o próprio Deus;

- o ser humano é a única criatura que pode não apenas observar, mas procurar compreender o
que vê, conhecer em profundidade a criação, o sentido das coisas existirem e também o Criador.

Estudar e contemplar a Criação é, portanto, um caminho para reconhecer o Criador em


todas as realidades e assim caminhar na direção d’Ele, o princípio e o fim de tudo.
Pensemos, por exemplo, em uma
floresta. Ao observarmos uma parte da
floresta e tudo o que ela contém (o
movimento das árvores com o vento, as
aves e outros animais, as plantas que
alimentam os bichos, o Sol que aquece e
ilumina a floresta durante o dia, o solo que
serve de apoio para os seres vivos, etc),
tudo está em ordem. O mínimo que
conseguirmos refletir sobre a realidade
que observamos, como a floresta, já nos
permite perceber quão belo e ordenado foi
o que Deus fez. Como essa beleza visível
na natureza só pode se originar da beleza Adão e Eva no Paraíso Terrestre. Pintura de Wenzel Peter.

perfeita, que é o próprio Deus Criador.


Estudando as Ciências Naturais procuraremos conhecer em profundidade a criação, a ter
sempre a mente nas coisas divinas e em Deus.

242
Apesar das Ciências Naturais não serem as mais elevadas, elas podem contribuir muito
para que se consiga desenvolver o pensamento, a meditação e a contemplação, de forma a poder
ajudar muito no aprendizado da Ciência Sagrada.

Muitas pessoas atualmente acabam pensando de forma errada e entendem que a Ciência
Natural (muitas vezes chamada apenas de ciência) é certa, sempre verdadeira, e por isso deixam
de acreditar naquilo que é o mais correto, que é o que a Doutrina Sagrada da Igreja nos apresenta.
Esse erro acontece porque as pessoas esquecem, ou muitas vezes não sabem, que não é possível
estar errado o que o próprio Deus revelou, pois Ele é perfeito e conhece toda a verdade, foi Ele
quem criou tudo.

A Ciência Natural, que é aquela que as pessoas estudam a partir das observações da
natureza, pode errar, e sabemos que as explicações dessa ciência já mudaram várias vezes ao longo
da história, pois as novas tecnologias ajudam a compreender melhor os fenômenos que se
observam. A explicação cientifica não é algo certo, que não pode mudar, é na verdade a melhor
explicação que os cientistas podem dar até aquele momento com os estudos realizados, e também
está sujeita a erros, já que um ser criado não possui uma inteligência perfeita como a de Deus.
Vamos entender melhor com alguns exemplos:
- Antigamente acreditava-se que os astros (o Sol, a Lua, as Estrelas) eram deuses que governavam
o mundo e decidiam sobre ele. Deus, então, por meio de seu servo Moisés, ao revelar como foi
que criou tudo, mostrou que na verdade estes astros são luzeiros que Deus fez para iluminar o dia
e a noite, e não deuses. Esse entendimento dos astros simplesmente como luzeiros é certo, pois foi
revelado por Deus, está na bíblia, no livro do Gênesis. Os cientistas, ao observarem o céu,
confirmaram aquilo que Deus já havia revelado.
- Hoje em dia muitas pessoas estão preocupadas com o cuidado dos animais, da natureza, e com
isso acabam muitas vezes prejudicando o próprio ser humano ou culpando-o por todos os males
do mundo. Deus revelou em Gênesis que as pessoas são as únicas criaturas a “Imagem e
Semelhança de Deus”, e a Igreja ensina que o ser humano não se engana ao se achar superior às
outras criaturas. Sendo assim, como somos inteligentes e recebemos de Deus a missão de cuidar
da Terra, temos que viver bem no mundo, sabendo utilizar a natureza e cuidar dela, mas não
podemos pensar que as pessoas são menos importantes do que as outras criaturas.

Imagem de Cristo, Rei do Universo, com o mundo nas mãos. Deus Filho é o senhor de
tudo.

243
É interessante pensarmos, como nos exemplos acima, que muitas vezes utiliza-se de
ciências diversas para compreender a Ciência Sagrada. Muitas vezes a Ciência Natural é utilizada
neste sentido. Mas isso não significa que isso aconteça porque as Ciências Sagradas sejam
incompletas ou apresentem alguma falha, pelo contrário, as Ciências Sagradas são tão perfeitas
(por seus princípios virem diretamente de Deus, por revelação) que nosso intelecto não consegue
compreendê-la perfeitamente. A partir disso, buscamos ajuda nas ciências que são mais próximas
a nós para entender a perfeição da Ciência Sagrada.

Santo Tomás de Aquino explica, em sua Suma Teológica, que não pertence à Doutrina
Sagrada estabelecer os princípios das outras ciências, mas a Doutrina deverá julgar esses
princípios, ou seja:

“Tudo o que em qualquer ciência se encontra como contrário à verdade da Ciência Sagrada,
deve ser condenado como falso, conforme está na Escritura: ‘Nós destruímos os raciocínios
pretensiosos e todo o orgulho que se levanta contra o conhecimento de Deus’(2 Cor 10,5).”

O método das Ciências Naturais


As ciências naturais, ao longo da história, foram sofrendo diversas modificações em seu
método, devido aos contextos dos estudos e à forma de pensar dos cientistas.

Em seu princípio, as Ciências Naturais e toda ciência em geral, fazia parte do estudo dos
filósofos, que eram homens que dedicavam a vida ao estudo, ao conhecimento, e que muitas vezes
partiam das realidades naturais para chegarem às realidades mais elevadas.

Os métodos utilizados eram principalmente dois: o método dedutivo e o método


indutivo. O método dedutivo consistia em observar situações particulares, identificar suas causas
comuns e abstrair para uma ideia mais universal que abrangeria o todo, o universal (do individual
para o universal). Por exemplo: para se descobrir por que os pássaros voam, observava-se o voo
de diferentes pássaros, identificava-se a causa do voo de cada ave e, depois, especulava-se sobre a
causa universal do voo dos pássaros. Já o método indutivo seguia o caminho contrário, do universal
para o individual. Por exemplo, quando Sócrates era questionado sobre ser justo ou não, o ato de
um governante, ele, usando o método indutivo, buscava primeiro compreender o que seria a
Justiça, no sentido mais universal possível, para depois aplicá-la no caso particular do tal
governante, buscando sempre a explicação transcendente, ou seja, que vai além do fato observado.

Foi assim até o que chamamos de nascimento da Ciência Moderna, por volta do século
XVII, na Europa. A Ciência Moderna, que é a ciência estudada hoje na maioria das escolas,
universidades e laboratórios científicos, utiliza-se de outro método, o chamado método científico.
O método científico, assim como a ciência moderna, não tem o objetivo de conhecer
profundamente a realidade, o que seria a finalidade de uma ciência, mas eles permitem um
conhecimento de realidades experimentais, pois conhecem apenas aquilo que pode ser estudado
por meio de experimentos. Vamos compreender melhor iniciando pelos passos do método
científico.

244
O método científico apresenta, de forma
resumida, os seguintes passos:
1 – Observação: o cientista observa
algum fato ou fenômeno.
2 – Elaboração de hipótese(s): a partir do
fato observado o cientista elabora uma ou mais
explicações possíveis sobre aquele fato.
3 – Teste da(s) hipótese(s): o cientista
elabora um experimento para testar se sua
hipótese é verdadeira.
4 – Aceitação ou refutação da hipótese: a
Etapas do método científico.
partir do experimento, o cientista percebe que sua
explicação estava correta (a hipótese foi aceita) ou errada (a hipótese foi rejeitada, refutada) e,
neste segundo caso, elabora-se uma nova hipótese.
5 – Uma hipótese aceita depois de ser testada por vários cientistas e não ser rejeitada pode
se transformar em uma lei. Diversas leis utilizadas para explicar um fenômeno formam uma teoria.

A partir da utilização do método científico, a ciência moderna compreende como


comprovado cientificamente, ou seja, como “verdade” aquilo que foi experimentado e que não foi
provado estar errado. No entanto, o método científico, apesar de permitir certo conhecimento do
que estuda, não apresenta toda a verdade (todo o conhecimento) sobre algo, pois é limitado, uma
vez que não estuda a causa e a finalidade das coisas. Vejamos em um exemplo algumas de suas
limitações:
Vamos pensar em uma analogia: imaginemos um arqueiro que tenciona contra seu peito a
corda de seu arco com uma flecha retirada de sua aljava e aponta em direção a um alvo posicionado
a certa distância. Ao soltar a corda, a flecha passa pela alça de mira e voa em direção ao alvo; após
algum tempo, poucos segundos talvez, o acerta bem no centro. Ao olhar para esta cena, a ciência
moderna, se reduziu apenas ao estudo do movimento da flecha, esquecendo que este movimento
foi causado pela vontade e inteligência do arqueiro e que está direcionado para um fim. Tudo o
que a ciência, através do seu método, disser e provar sobre o movimento da flecha, sua velocidade,
sua aceleração e desaceleração, o peso da flecha, o desvio por causa do vento, o movimento
parabólico, etc., é verdade, mas é uma verdade incompleta, pois não saberá a causa e a finalidade.
Sendo assim:

- a primeira grande limitação do método científico é esta: não estudar as causas primeiras e a
finalidade do objeto em estudo;

- a segunda é que só podem ser estudados objetos e realidades que são capazes de serem
quantificados ou medidos experimentalmente, sendo que há diversas realidades que não podem
ser medidas e que existem, como Deus, o amor, a amizade, a fé;

- outra limitação é que, se bem avaliarmos, veremos que todas as etapas do método científico
são passíveis de erros, pois pretende-se estudar uma certa realidade, mas muitas vezes não

245
conseguimos reproduzi-la em laboratório, então estudamos apenas uma amostra – que já é limitada
por si só e jamais será uma reprodução fiel da realidade que se pretende estudar. A partir desta
amostra, se realizam experimentos e observações – que também podem ser limitados visto a
capacidade tanto dos equipamentos como das pessoas de realizar tais experimentos e observações.
São recolhidos os dados – dados que dependem do equipamento ou do observador e, portanto,
falíveis. Dos dados são reconhecidas tendências a partir de uma interpretação – também limitada.
Cria-se uma hipótese especulativa – e, portanto, limitada – para explicar as tendências observadas.
Essa hipótese é novamente provada - dentro das limitações dos experimentos e observações –
virando uma teoria. A teoria tenta responder ou explicar a questão – mas não as causas – e é
corroborada pela criação de um modelo – que naturalmente irá explicar a realidade de uma forma
reducionista, pois seria impossível um modelo que abarcasse toda a realidade.
Mesmo com todas estas limitações, o método científico proporcionou e tem proporcionado,
de modo geral, uma melhora da qualidade de vida através de todo este desenvolvimento
tecnológico em meios de transporte, fármacos, comunicações, etc., pois permite certo
conhecimento (limitado) da realidade; mas, como disse Pio XII em sua radio mensagem de natal
de 1953, não podemos confundi-la com o verdadeiro infinito (com a verdadeira ciência):
“O moderno progresso técnico em suas múltiplas aplicações com absoluta confiança que
infunde e com as inexauríveis possibilidades que promete, está estendendo diante dos olhos
do homem de nossa época uma visão tão vasta que muitos a confundem com o próprio
infinito. A consequência desse fato é que os homens passam a atribuir a essas realidades
do desenvolvimento tecnológico uma autonomia impossível e não obstante a esta
autonomia ser impossível, essa suposta autonomia acaba se constituindo no fundamento
de uma concepção de vida e de mundo. E esta concepção que se baseia na infinitude do
progresso material consiste em basicamente três coisas: 1ª considerar como mais alto
valor do homem e da vida humana, extrair o maior proveito possível das forças dos
elementos naturais; 2ª fixar como objetivos preferenciais a todas as demais atividades
humanas o desenvolvimento de novas tecnologias de produção de bens materiais; 3ª
colocar nesses processos a perfeição da cultura e da felicidade terrena.
Qualquer um poderá ver, porém, que um mundo conduzido desta maneira, que considera
o valor mais alto do homem extrair o maior proveito das forças naturais, colocar como
primeiro objetivo o desenvolvimento de novas tecnologias de produção e colocar a
perfeição da cultura e da felicidade nisso, não é mais um mundo que é iluminado por
Aquela luz, nem construído por Aquela vida que o Verbo de Deus, no Esplendor da Glória
divina, fazendo-se homem, veio trazer aos homens.”

Atividades
1) Leia o texto acima três vezes: duas vezes silenciosamente e a terceira em voz alta.

2) Copie em seu caderno:

- O título “Ciências Naturais” e abaixo os parágrafos que apresentam este lápis ( ) no seu início.

246
3) Copie as questões abaixo em seu caderno e depois as responda de forma breve:
A. O que a Ciência Natural estuda?
B. Por que a Ciência Sagrada é mais importante que todas as outras ciências? (Caso precise, volte
a consultar o material da semana anterior).
C. Por que a Ciência Natural pode errar?
D. Por que a Ciência Sagrada é certa (não erra)?
E. Faça um esquema do método científico.
F. Quais as limitações do método científico?

4) Qual é o grande alerta feito pelo Papa Pio XII em sua mensagem?

247
Ciência e Fé

E STUDAMOS sobre a ciência e suas diversas áreas de estudo. Vimos que a Ciência Sagrada
apresenta a soberania diante de todas as ciências, e que ela exige de nós o ato de Fé.
Vimos como a Ciência Natural pode contribuir muito para o caminho até Deus, mas que, a
partir da ciência moderna, adotou-se um método limitado: o método científico. Estudaremos agora
a relação que todo cristão precisa viver da Ciência com a Fé, e suas principais implicações.
Vamos, primeiramente, nos aprofundar no que é a Fé. Comecemos por relembrar o que as
Sagradas Escrituras nos ensinam e que já vimos anteriormente:
“A fé é o fundamento do que se espera, é uma certeza a respeito do que não se vê. Foi a fé que
fez a glória dos nossos antepassados. Pela fé sabemos que o universo foi criado pela palavra de
Deus, de modo que do invisível teve origem o visível. [...] Ora, sem fé é impossível agradar a
Deus, pois quem se aproxima de Deus deve acreditar que Ele existe e que recompensa aqueles
que O procuram.” (Hb 11, 1-3.6)
A partir deste ensinamento, compreendemos a importância
da fé na vida de um cristão que quer seguir os passos de Cristo e
agradar a Deus. Se não podemos agradar a Deus sem a fé, logo
também não podemos ser salvos sem ela. O Catecismo da Igreja
Católica (CIC) nos ensina, no seu número 150, que a fé é
“primeiramente uma adesão pessoal do homem a Deus; é, ao
mesmo tempo e inseparavelmente, o assentimento livre a toda a
verdade que Deus revelou”, ou seja, é uma decisão que cada pessoa
deve tomar de, para agradar a Deus, acreditar em tudo aquilo que
Ele revelou em seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo.
O Catecismo Romano, quando diz sobre a fé, explica que os Ícone de Nosso Senhor Jesus
Cristo. Inscrição “Eu sou a luz
fiéis não podem ter dúvida das afirmações que vêm de Deus, porque
do mundo, quem me segue não
Deus conhece tudo e é a própria Verdade. andará nas trevas, mas terá a
luz da vida”.
De volta ao CIC, no parágrafo 159, encontramos a seguinte
explicação da Igreja sobre a relação da Fé com a Ciência:
“Portanto, se a pesquisa metódica, em todas as ciências, proceder de maneira
verdadeiramente científica, segundo as leis morais, na realidade nunca será oposta
à fé: tanto as realidades profanas quanto as da fé originam-se do mesmo Deus. Mais
ainda: quem tenta perscrutar com humildade e perseverança os segredos das coisas,
ainda que disso não tome consciência, é como que conduzido pela mão de Deus, que
sustenta todas as coisas, fazendo com que elas sejam o que são”.
Essa frase nos mostra que a ciência, quando é verdadeira ciência (conforme estudamos
anteriormente) não é oposta à Fé, pois tudo tem sua origem em Deus. O problema surge, quando
a ciência torna-se uma pseudociência (falsa ciência), pois deixa de buscar aquele conhecimento
profundo, das causas e finalidades, e passa a querer explicar somente o que é superficial, e que não
é, na maioria das vezes, verdadeiro. Neste cenário, torna-se necessário aprender como saber o que

248
é verdade, pois aquilo que Deus já revelou está claro, mas há alguns conhecimentos que não foram
revelados, e que cabe ao homem buscar a ciência sobre eles, mas uma ciência VERDADEIRA.

A questão da Verdade
Estudamos na primeira semana que toda pessoa, por ser uma criatura racional, apresenta o
desejo natural de saber, de conhecer a verdade sobre as coisas.
A fé permite ao ser humano um conhecimento certo, imutável, porque foi revelado pelo
próprio Deus.
Santo Tomás de Aquino, novamente na Suma Teológica, define a verdade como “a perfeita
correspondência entre a realidade e o intelecto”. Sendo o intelecto de Deus o único perfeito, Ele,
como Criador, revela a verdade plena de tudo. E, por outro lado, sendo o intelecto humano
imperfeito, aquilo que apreendemos da realidade quando não foi revelado por Deus, pode estar
sujeito ao erro, com exceção dos princípios que são evidentes por si mesmos.
Por exemplo, Deus colocou no coração de toda pessoa princípios que permitem,
simplesmente pelo uso da razão, o conhecimento do bem e do mal, da verdade e da mentira, são
as Leis Naturais. Após o pecado original, como a natureza humana não se encontrou mais em seu
perfeito estado, as pessoas passaram a ter dificuldade de fazer tal discernimento. Mas Deus, em
sua misericórdia, tornou essas leis conhecidas nos 10 mandamentos da Lei de Deus.
Os dez mandamentos (também chamados de
Decálogo) são, segundo Santo Agostinho, um
resumo ou apanhado de todas as Leis. Sendo uma lei
dada por Deus, permite distinguir o bem do mal, o
justo do injusto, a verdade da mentira. É, portanto,
uma forma de percebermos o que é verdadeiro
(aquilo que é conforme a lei de Deus) e o que não é
(o que é contrário a lei de Deus).
Por exemplo, o decálogo afirma que não se
deve matar (5º mandamento), deve-se, portanto,
entender que qualquer ato voluntário e que tenha
como objetivo a morte de uma pessoa é algo errado,
independente das circunstâncias (não estamos
falando aqui de um ato com objetivo de defesa –
como a legítima defesa – ou com objetivo de cumprir uma ordem divina – como quando Deus
ordena a morte em certas partes da Bíblia. Esses são casos diferentes). Esse fato já demonstra a
mentira que é o direito ao aborto (provocar, a partir de um desejo da mãe, a morte do bebê na
barriga da mãe), pois fere a lei de Deus, independente de alguns dizerem que é direito da mulher.
As realidades que não são evidentes em si e que não foram reveladas, cabe ao homem
estudar, buscar em Deus a verdadeira ciência, de modo que seu intelecto possa apreender a
correspondência perfeita com a realidade.
O método científico, conforme estudamos, é também uma forma de se conhecer a realidade,
mas veremos agora qual o seu problema na relação com a verdade.

249
Diferente da concepção de Santo Tomás de Aquino, que diz que a verdade é a
correspondência entre a realidade e o intelecto, o método científico segue uma forma de
conhecimento da verdade denominada positivismo lógico.
O positivismo lógico afirma que “é verdadeiro aquilo que pode ser verificado”, ou seja,
apresenta um princípio de verificação que afirma: uma proposição tem significado (pode ser
considerada válida) somente se pudermos verificá-la empiricamente. Isso significa que, segundo
esta ideia, é verdade, somente aquilo que pode ser testado, experimentado ou verificado por meio
de um experimento.
Por exemplo, segundo o positivismo lógico, se não podemos experimentalmente provar
que Deus existe, seria insensato fazer esta afirmação, bem como afirmar que a fé, o amor, e tantas
outras coisas são verdadeiras. Só é verdade aquilo que está no campo material. Sendo assim, essa
teoria positivista sobre o que é a verdade, é reducionista e materialista:
- Reducionista: porque não considera a realidade no seu todo, mas apenas aquilo que pode ser
experimentado. Sabemos que Deus, a fé, o amor, a verdade existem. Ainda que não possam ser
provadas por meio de um experimento material, são verdades acessíveis ao homem. Reduzir tudo
o que existe ao que é material é ser materialista.
- Materialista: porque reduz tudo ao campo material, exclui o que é metafísico (que vai além do
físico) e o que é transcendente. É um grande passo em direção ao ateísmo (negação de Deus), uma
vez que Deus não é material e sim espiritual.
Essa mentalidade positivista origina o que denominamos cientificismo, ou seja, a crença
na ciência como detentora da verdade. O cientificismo é uma realidade muito presente na
sociedade hoje. Compreendamos com um exemplo:
Muitos quando querem que sua fala, ideia ou argumento seja bem aceito, costumam dizer
“isso foi (com)provado cientificamente”. Em nossa sociedade, a afirmação de que foi comprovado
cientificamente parece ser uma garantia de que aquilo “é verdade”, ou seja, todos devem acreditar.
No entanto, vimos que o que hoje dizemos “cientificamente” significa que foi estudado por meio
de experimentos, e isso não é nenhuma garantia de ser verdade (já vimos as limitações do método
científico).
A ciência não apresenta a verdade absoluta das coisas, uma vez que é uma forma de
conhecimento humano e limitado. Atualmente, o que a ciência pode fazer é apresentar a melhor
explicação conhecida através dos métodos experimentais, uma vez que, com o desenvolvimento
tecnológico, as descobertas e afirmações vão mudando.
A mentalidade cientificista apresenta dois grandes imperativos que precisamos conhecer e
estar atentos para não viver desta forma. São eles:
a) Princípio de verificação: só é verdadeiro o que pode ser provado experimentalmente (já
explicado anteriormente).
b) Imperativo tecnológico: o que pode ser feito, deve-se fazer para não impedir o progresso
científico. Essa mentalidade não considera a verdade do mundo em que vivemos, e deixa
de lado a lei natural que estudamos anteriormente, e que é critério para se saber o certo e o
errado. Promove-se tudo o que for “progresso científico” (como o próprio aborto que
analisamos antes).

250
Há, no entanto, no positivismo lógico, um grande problema de incoerência interna que fez com
que ele fosse abandonado como teoria filosófica:
- O princípio de verificação afirma que uma proposição é verdadeira se pudermos prová-la por
meio de experimento.
- O princípio de verificação também é uma proposição.
- Para que ele seja verdadeiro, segundo ele mesmo, o que deveríamos fazer? Poder prová-lo por
meio de experimento.
- Podemos fazer isso? Não.
- Conclusão: segundo seu próprio princípio de verificação, essa afirmação (de que somente o que
é provado experimentalmente é verdadeiro) não pode ser provada, logo, não pode ser verdadeira.
Apesar de todo o problema que pudemos conhecer do método científico, do cientificismo
e do positivismo lógico, infelizmente é nestes pressupostos que a Ciência Moderna se baseia.
Podemos utilizar o experimento como um método de conhecimento da realidade, pois permite que
conheçamos aquilo que é passível de experimentação, mas não podemos considerá-lo como “O”
critério para definição do que é verdadeiro. Outras características próprias do pensamento
cientificista são: a busca excessiva de certeza, logo a dúvida de praticamente tudo; a consideração
da matemática (por ser exata) como única ciência verdadeira; conhecer algo é saber fazer.
Resta-nos, então, compreender isso para que possamos fazer uma ciência verdadeira,
conforme aprendemos, o que hoje é difícil de ser encontrado.

Relação entre Fé e Ciência


Concluiremos, portanto, nosso estudo com um quadro comparativo das realidades
estudadas pela ciência com as realidades da fé:

FÉ CIÊNCIA (moderna)
- Acredita-se naquilo que não se vê - Parte-se da observação material
-É imutável, mas cada vez melhor - Muda com o desenvolvimento tecnológico
compreendida
- É certa, pois parte da Revelação do próprio - Não há certeza, mas a melhor explicação
Deus conhecida a partir dos conhecimentos
humanos

O quadro acima não esgota tudo o que foi estudado até o momento sobre fé e ciência, mas
mostra-nos a diferença entre essas duas formas de conhecimento.
É necessário recordar que a fé faz parte da Ciência Sagrada, que é a ciência mais importante,
e que qualquer divergência entre a ciência e a fé pode ser resolvida pela frase de Santo Tomás de
Aquino que estudamos anteriormente:

251
“Tudo o que em qualquer ciência se encontra como contrário à verdade da ciência
sagrada deve ser condenado como falso, conforme está na Escritura: ‘Nós
destruímos os raciocínios pretensiosos e todo o orgulho que se levanta contra o
conhecimento de Deus’(2 Cor 10,5).”

Atividades
1) Leia o texto acima três vezes: duas vezes silenciosamente e a terceira em voz alta.

2) Faça em seu caderno um resumo do texto acima. Este resumo deve conter as seguintes
explicações:
- O que é fé.
- O que é a verdade e como podemos conhecê-la.
- O que é Lei Natural e qual sua importância.
- O que é o positivismo lógico.
- Quais os problemas do positivismo lógico.
- Como resolver os impasses entre ciência e fé.

252
Capítulo1 - Fundamentos
Aulas 3 e 4 - Antropologia básica

D EDICAREMOS grande parte deste ano de estudos ao conhecimento da pessoa humana, ou


seja, do ser humano. Utilizaremos como grande referência as Catequeses de São João Paulo
II sobre “O Amor Humano no Plano Divino”, mais conhecidas como “Teologia do corpo”,
bem como todos os escritos da Doutrina e do Magistério da Santa Igreja sobre o assunto.
Essas catequeses, como o próprio Santo diz, são um tratado da Igreja de Antropologia, ou
seja, de estudo (logia) do homem (antropo). Para compreender melhor o ser humano, iniciaremos,
portanto, este percurso de ensinamentos feito pelo Papa e ao longo das próximas duas semanas
estudaremos os fundamentos desta antropologia católica.

O Princípio
Compreender o Princípio é essencial para que se entenda tudo o que existe. Jesus, no
evangelho, nos ensina a importância desse princípio em um diálogo com os Fariseus sobre a
indissolubilidade do matrimônio, em Mateus 19 (versículo 3 e seguintes) ou em Marcos 10
(versículo 2 e seguintes). Vejamos:
“3Os fariseus vieram perguntar-lhe para pô-lo à prova: É permitido a um homem rejeitar
sua mulher por um motivo qualquer?4Respondeu-lhes Jesus: Não lestes que o Criador,
desde o princípio, fez o homem e a mulher e disse: 5Por isso, o homem deixará seu pai e
sua mãe e se unirá à sua mulher; e os dois formarão uma só carne?6Assim, já não são
dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu. 7Disseram-lhe
eles: Por que, então, Moisés ordenou dar um documento de divórcio à mulher, ao rejeitá-
la?8Jesus respondeu-lhes: É por causa da dureza de vosso coração que Moisés havia
tolerado o repúdio das mulheres; mas no princípio não foi assim.”
(Leia ao menos duas vezes essa passagem para compreendê-la bem).
Podemos ler neste trecho do Evangelho que Jesus diz: “Não lestes que o Criador desde o
princípio....”; “ao princípio não foi assim”.
Nestas frases, Jesus faz uma clara referência ao
princípio como uma forma de conhecer o que é
correto, ou seja, de viver conforme o que Deus pensou,
visto que no princípio encontramos o que Deus fez.
Quando Jesus cita que “o Criador disse: Por
isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à
sua mulher; e os dois formarão uma só carne”, Ele está
se referindo ao Gênesis (2,24). Isso indica outra
consideração importante: podemos encontrar as
informações sobre o princípio em Gênesis, o primeiro Imagem que representa O Princípio, a
livro das Sagradas Escrituras. Conhecer esse princípio Criação.

253
e o que Deus pensou sobre tudo o que fez é muito importante, pois é apenas compreendendo Deus
como o Princípio da existência que é possível encontrar o sentido da própria existência.
O trecho do Evangelho escrito acima apresenta ainda uma
outra verdade importante de ser compreendida, sendo um estudo
realizado por muitos teólogos: no diálogo com os fariseus, Jesus
questiona-os dizendo “Não lestes que o Criador...” e mostra assim
como os fariseus estavam errados no seu jeito de pensar. Esse
ensinamento de Jesus contradiz, portanto, aquilo que os fariseus
pensavam. Mas há algo a mais: Jesus não somente contraria os
fariseus, mas mostra também como Moisés (que era considerado o
maior profeta dos judeus, aquele que falava com Deus face a face)
estava errado, ao dizer “É por causa da dureza de vosso coração
que Moisés havia tolerado o repúdio das mulheres; mas no
princípio não foi assim”. Essa fala nos mostra algo muito Ícone da Transfiguração de
Jesus. Cristo está ao centro,
importante, a identidade de Cristo: que Ele é maior que Moisés, e com Moisés (direita) e Elias
ainda, que Ele estava no Princípio, pois é o maior conhecedor do (esquerda). Na parte inferior
estão os discípulos que
Princípio, daquilo que Deus pensou. Nessa fala de Jesus, portanto,
acompanharam-No (Pedro,
podemos perceber que Ele era o próprio Deus. Thiago e João).

O princípio elimina toda a possibilidade de relativismo, pois ao ensinar o que Deus fez e
pensou, tudo recebe um sentido: é bom aquilo que é conforme o que Deus pensou; e é ruim tudo
aquilo que diverge do que Deus pensou. Vimos anteriormente que quando Deus criou o ser
humano, ele também revelou o que era bom/ruim para ele, na Lei Natural, que está inscrita no
coração de cada pessoa.
Retomemos um pouco sobre essa lei: vimos que ela permite ao homem, simplesmente pelo
uso da razão (inteligência), saber o que é o bem ou o mal, a verdade ou a mentira, o justo ou o
injusto. Vimos também que ela foi revelada nos dez mandamentos, visto que o homem, atingido
pelo pecado, não conseguia mais seguir claramente essa lei. É importante ainda acrescentar que a
Lei Natural é universal, ou seja, seus preceitos e sua autoridade se estendem a todos os homens,
independentemente da religião. Há estudos que até mostram como as “regras” das diversas
religiões podem ser resumidas nestes únicos 10 preceitos.
O sentido do existir de cada pessoa, que só pode ser encontrado a partir de Deus, se expressa
através dos atos que cada pessoa realiza, e é o campo de estudo da Teologia Moral. A moral é,
segundo Santo Tomás de Aquino, o movimento da criatura racional em direção a Deus (“motus
rationalis creatureae in Deum”), sendo moral tudo aquilo que nos faz caminhar na direção de
Deus, e imoral, tudo aquilo que nos afasta de Deus.
Todos os nossos atos, tudo o que fazemos, tem um sentido em nossa vida. Esse sentido é
sempre bom ou ruim (dependendo se nos dirige na direção de Deus ou se nos afasta dEle). Por
sermos criaturas racionais e termos sido criados por Deus com a inteligência, sabemos que nossa
vida tem um sentido, e este sentido deve ser buscado em tudo o que fazemos. Nossos atos não são
simplesmente atos externos, mas mostram quem somos, nos transformam, nos tornam pessoas
melhores ou piores.
Pensemos em um exemplo: se estamos em casa e resolvemos assistir algo na TV,
precisamos neste simples ato corriqueiro pensar se é um ato que está nos aproximando ou nos

254
afastando de Deus. Não é simplesmente o ato de assistir TV, mas além dele, o que está sendo
assistido, como o nosso tempo (que é precioso) está sendo gasto... entre outros fatores.
Em um documento da Igreja, a Encíclica Veritatis Splendor, São João Paulo II ensina que
nossos atos podem receber sua moralidade (ser considerados bons ou ruins), quando analisamos
os 3 seguintes aspectos:
a – Fim (ou intenção);
b – Objeto (ou ação em si);
c – Circunstâncias;
Esses três aspectos devem ser analisados para que um ato seja considerado bom ou ruim.
Sendo que:
➢ Para que o ATO seja BOM, os três aspectos devem ser bons.
➢ Para que o ATO seja RUIM, basta que um dos aspectos seja ruim.
Analisemos cada um:
- O fim ou intenção de um ato é objetivo daquela ação que é realizada. Cada ação humana
tem um objetivo (ou fim) próximo, isto é, algo que estamos procurando alcançar simplesmente
com aquela ação, mas também um objetivo (ou fim) último, isto é, o objetivo que temos de forma
mais geral em nossa vida, por exemplo, a santidade.
Por exemplo, o ato de dar uma esmola. Dar uma esmola muitas vezes tem como fim
próximo ajudar uma pessoa necessitada, e como fim último agradar a Deus, que nos pede para
ajudar o próximo. Neste caso, a intenção (ou fim) do ato da
pessoa é boa. Algumas pessoas, por outro lado, acabam dando
esmola simplesmente para dispensar o mais rápido possível
aquela pessoa que está ali pedindo, e acabam nem se
recordando do fim último, que é a santidade e agradar a Deus.
Neste caso, a intenção deste ato não foi boa porque o fim
próximo não foi bom (dispensar o pedinte o mais rápido
possível).
Simplesmente pelo ato externo não podemos saber qual
São Martinho de Tours: após repartir
é o fim, ou intenção, do ato de alguma pessoa, podemos apenas seu manto com um pobre, recebe a
conhecer os nossos próprios atos, e é por eles que seremos visita de Jesus que estava vestido com
seu manto.
julgados, salvos ou condenados. O único além de nós que
conhece nosso interior, nossos pensamentos, vontades, e tudo o que vivemos é Deus, por isso só a
Ele cabe julgar.
- O objeto ou ato em si é a ação que realizamos. Por exemplo, o dar esmola, o respeitar, ou
qualquer ação do nosso dia. O objeto pode tornar o nosso ato ruim quando ele é totalmente
contrário ao fim último do homem, e, portanto, contrário à direção de Deus. Chamamos de atos
intrinsicamente maus aqueles que sempre são contrários a lei de Deus, logo os atos contrários aos
mandamentos, conforme a encíclica:
“[...] Existem atos que, por si e em si mesmos, independentemente das
circunstâncias, são sempre gravemente ilícitos, por motivo do seu objeto».[...] «Tudo
quanto se opõe à vida, como são todas as espécies de homicídio, genocídio, aborto,

255
eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana,
como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar
as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como
as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a
escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições
degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos
de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras
semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana,
desonram mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente;
e ofendem gravemente a honra devida ao Criador»
Estes atos, intrinsicamente maus, são sempre contrários ao fim último e por isso, sempre
errados. Quando queremos analisar se um ato é bom ou ruim e já sabemos que não é certamente
ruim (por não ser contrário aos mandamentos) devemos examinar os outros aspectos (intenção e
circunstâncias).
- As circunstâncias dizem respeito as condições em que o ato é realizado, bem como as
consequências do ato. Por exemplo: se o ato foi realizado em uma situação extrema na qual não
foi possível pensar muito sobre o que se estava fazendo. As circunstâncias sozinhas não
determinam se um ato é bom ou ruim, mas tornam o ato mais perfeito ou mais grave.

Princípio e Natureza da Pessoa Humana


O trecho do Evangelho que vimos no início deste estudo revela ainda algo sobre o ser
humano, no início da criação, quando Jesus diz: “Não lestes que o Criador, desde o princípio, fez
o homem e a mulher [...]”. Retornemos ao livro do Gênesis para melhor entendermos a criação,
principalmente a criação do ser humano.
A criação do mundo e de tudo o que existe está relatada na Bíblia, no livro dos Gênesis,
mas especificamente nos capítulos 1 e 2. A Bíblia também é chamada de Sagrada Escritura, por
apresentar a Revelação de Deus.
A palavra Gênesis significa origem, e vem da língua grega. O livro do Gênesis é o primeiro
livro das Sagradas Escrituras e conta como tudo começou, o que Deus fez e pensou sobre tudo,
sendo por isso um livro muito importante. Segundo a tradição da Igreja, quem escreveu este livro
foi Moisés, um homem escolhido por Deus (também podemos encontrar a história de Moisés na
Bíblia). Vamos então ler o primeiro capítulo desse livro.

- Pegue uma bíblia da sua casa e leia uma vez silenciosamente e uma em voz alta o
primeiro capítulo do livro do Gênesis (Gn 1, 1-31).
- Copie em seu caderno a descrição abaixo, que indica o que Deus criou no primeiro dia, e em
seguida escreva também no caderno as obras de Deus em cada um dos sete dias da criação:
1º dia: Deus criou os céus e a terra; criou também a luz e separou a luz das trevas.
(Continue até o 7º dia)

256
A obra da Criação também é relatada em algumas outras partes da bíblia, confirmando ou
complementando aquilo que está no capítulo que lemos. Para conhecer melhor, vamos ler esses
textos também:

- Utilize novamente a bíblia, mas agora para ler o 2º capítulo do livro do Gênesis. Leia
também duas vezes (uma silenciosamente e uma em voz alta). Neste capítulo, a criação não é
narrada em dias, mas podemos conhecer melhor como Deus fez algumas coisas. Sobre este
capítulo, anote:
- Como ocorreu a criação do primeiro homem (Adão)?
- Como ocorreu a criação da primeira mulher (Eva)?
- Qual foi a tarefa que Deus deu ao homem?

- Utilize agora a bíblia para ler o Salmo 103. Este Salmo também fala da Criação. Leia
ele ao menos duas vezes, como nas leituras anteriores. Anote o versículo que mais chamar sua
atenção.

Continuação do estudo
As Sagradas Escrituras nos revelam tudo o que Deus fez no início, e também explicam
diversas vezes como Deus fez as coisas.
Ao estudarmos sobre a criação, precisamos saber que a Santa Igreja nos ensina algumas
verdades, que não podem ser contestadas, por terem origem na Revelação de Deus. Essas verdades
são:
1. Todas as coisas foram criadas por Deus do nada.
(Isso significa que Deus não usou nada para criar tudo que existe, do nada ele formou e fez tudo).
2. Deus é o único princípio do universo, de todas as coisas visíveis e invisíveis,
espirituais e materiais.
(Isso significa que nada no universo se originou fora de Deus, e que foi Ele que criou tudo o que
podemos ou não podemos ver).
3. Toda criação foi um ato da bondade de Deus, que Ele criou por sua vontade e amor,
não por necessidade.
(Isso significa que Deus não precisava criar tudo, mas Ele quis realizar toda a obra da criação num
gesto do seu amor. Por ser Deus, Ele não precisava das criaturas ou do mundo, mas Ele quis fazer
tudo o que existe por Seu imenso amor, Ele desejou que existíssemos).
4. Foi Deus quem criou o ser humano, “à Sua Imagem e Semelhança”, dotado de
inteligência e liberdade, e o constituiu senhor do universo.
(Isso significa que nós, seres humanos, também fomos criados por Deus do nada, e com
características únicas. E por sermos Imagem e Semelhança de Deus, fomos agraciados por Ele
como aqueles aos quais o universo está submetido, ou seja, temos que reinar sobre o mundo e
temos responsabilidades sobre ele).

257
5. Deus não apenas criou o mundo, mas o conserva. Ele mantém a existência das
coisas, fazendo com que elas sejam o que são.
(Isso significa que Deus além de criar tudo, continua mantendo o que criou, ou seja, tudo o que
existe, só existe porque Deus fez e permanece sustentando tudo aquilo que fez).
Essas verdades são muito importantes, e não podemos deixá-las de lado ao longo de
nosso estudo sobre a criação.
Retornando à narrativa da Criação, queremos
chamar a atenção para um aspecto muito importante: em
cada um dos dias em que Deus realizava sua obra, a Sagrada
Escritura afirma que “Deus viu que era bom”, até que no
sexto dia, está escrito “Deus contemplou toda a sua obra, e
viu que tudo era muito bom”. Santo Tomás de Aquino
ensina que essas afirmações indicam que tudo o que havia
sido feito deveria ser conservado, ou seja, sustentado na
existência, deveria continuar a existir. É uma demonstração
do amor de Deus para com suas criaturas.
Ainda retomando as narrativas da criação,
analisemos agora minunciosamente a criação do homem e
da mulher, pois é possível perceber que essa criação se
distingue das obras precedentes. Criação dos animais e de Adão.
Inscrição no ícone: “Deus disse:
Ao lermos todo o relato da criação, podemos Produza a terra seres vivos. E então
observar, que de maneira única, quando cria o ser humano Deus disse: Façamos o homem a
nossa Imagem e Semelhança”. Por
Deus diz “Façamos o homem a nossa imagem, a nossa
Michael Kapeluck.
semelhança”, como que retornando a si mesmo para fazê-lo
como Trindade. Podemos ler que, ao criar todas as obras precedentes, Deus utiliza-se do verbo
“Faça-se”, e apenas na criação do homem diz “Façamos”, de modo que podemos afirmar que o
homem é criado na comunhão (da Trindade, Pai
Filho e Espírito Santo) e para a comunhão (com os
outros, com o mundo e com Deus).
São Basílio Magno explica o “Façamos o
homem a nossa imagem, a nossa semelhança”, de
forma magnífica:
“‘Façamos o homem’. Começa a conhecer-te a ti
mesmo. Esta palavra não foi escrita sobre nenhum
dos outros seres criados. A luz foi feita. Simples
ordem. Disse Deus: ‘Faça-se a luz’ (Gn 1,3). O céu
Ícone da criação do homem. Inscrição:
“Façamos o homem a nossa Imagem e foi feito sem conselho preliminar. Apareceram as
Semelhança”. Gn 1,26. estrelas; não houve precedente deliberação acerca
dos luzeiros. Foram criados o mar e o pélago infinito; por meio de uma só ordem
começaram a existir. Quanto a todas as espécies de peixes, foi mandado e elas foram
feitas. Às feras e os rebanhos, aos animais que nadam e aos que voam, Deus disse e foram
feitos. Ainda não existia o homem; e delibera-se a respeito dele. Deus não disse, como
aconteceu relativamente às outras criaturas: «Faça-se o homem». Reconhece a tua

258
dignidade. Tua origem não se encontra num mandamento. Deliberou Deus como viria à
existência esse honroso ser vivo. «Façamos». Um sábio delibera, um artista raciocina.
Acaso, a arte o abandonou, e ele, preocupado, quer dar a sua obra-prima trabalhado
acabamento e perfeição? Ou busca te mostrar que és perfeito diante de Deus?”.
(Basílio de Cesaréia, Homílias sobre a origem do homem.)
Somente o ser humano é Imago Dei, somente o ser humano Deus cria com as próprias mãos
e não apenas com as palavras e sobre o ele sopra Seu Espírito, o ruah, como podemos ler em
Gênesis 2,7. O homem é marcado por uma interioridade, uma vida interior que é espiritual, ele é
capax Dei, ou seja, capaz de conhecer a Deus e de acolher o dom que Ele faz de Si mesmo.
A pessoa humana é um ser com uma unidade dual, isto é, somos constituídos por uma
unidade corpo-espírito. O corpo é testemunho da criação como um dom fundamental e nos faz
entrar numa “lógica do dom”, já que como dom recebido é também através do corpo que podemos
nos doar aos outros. O corpo nos mostra que fomos gerados, que nossa existência é uma existência
recebida de Deus com a cooperação dos nossos pais. A alma é a forma do corpo, ou seja, é o
princípio intrínseco e constitutivo dele, segundo o qual ele age ou opera.
Lemos em Gênesis 2,19-20 que, após a criação do primeiro homem, Adão, Deus confiou a
ele a tarefa de dar nome às criaturas e, ao exercer essa tarefa, Adão se dá conta de que é diferente
de todos os outros seres e se sente só.
É a partir daí que Deus cria a mulher: “Não é bom que homem esteja só, vou fazer-lhe uma
auxiliar que seja semelhante a ele” (Gn 2,18). A
criação do ser humano como homem e mulher nos
mostra novamente que Deus os fez para a comunhão,
para a relação. A dualidade do sexo, a pessoa criada
como homem ou mulher, é um dado natural da
criação, um dado originário da natureza humana e
imprescindível para a compreensão do homem como
Deus o fez. Desde o princípio Deus os criou assim e,
a partir disso, podemos compreender que
diferentemente do que se entende hoje, é a relação
Ícone da Criação de Eva.
que constitui o ser humano, a Pessoa humana.
Percebe-se também, a partir deste trecho do livro do Gênesis, que o ser humano apresenta uma
autocompreensão, ele se reconhece em meio às outras criaturas e sabe que não é como elas.
O ser humano, denominado acima como Pessoa Humana, foi criado à imagem e
semelhança de Deus, com o que os filósofos denominam como uma natureza racional, e a partir
desta, pode compreender seu agir, conhecer o que faz e ter liberdade para fazê-lo. A racionalidade
do homem diferencia-o dos seres irracionais porque permite que ele tenha domínio dos próprios
atos, guiado pela razão e pela vontade age com liberdade (livre-arbítrio).
Santo Agostinho afirma que “O que faz a excelência do homem é que Deus o fez à sua
imagem, pelo fato de lhe ter dado um espírito inteligente que o torna superior aos animais”.
Santo Tomás de Aquino afirma que a imagem de Deus no homem pode ser vista de três
maneiras: enquanto o homem tem uma aptidão natural para conhecer e amar a Deus (presente em
todos os homens); enquanto o homem conhece a ama atual e habitualmente a Deus de forma

259
imperfeita (presente nos homens justos); e enquanto o homem conhece e ama a Deus de forma
atual e perfeita (presente nos bem-aventurados). É essa bem-aventurança que buscamos.
Por todas as características anteriormente citadas e por existir como natureza racional, todo
ser humano é considerado pela tradição da Igreja como PESSOA HUMANA, ou seja, segundo
São Tomás de Aquino, chamar o homem de pessoa lhe confere um status particular, é um nomem
dignitatis, é o nome exclusivo para a substância individual de natureza racional. O Aquinate ainda
completa “A pessoa significa o que de mais nobre existe em todo o universo, ou seja, o subsistente
de natureza racional”.
A alma humana é, entre as formas, a mais elevada em nobreza, pois apresenta o intelecto,
potência que transcende a matéria corporal na medida em que tem uma operação: a de conhecer,
que como vimos, é a fonte do nosso desejo natural de saber.
Estudamos então como a criação da pessoa humana diferencia-se da criação de todas as
outras criaturas, bem como as características exclusivas da pessoa.

Atividades
1) Leia o texto acima três vezes: duas vezes silenciosamente e a terceira em voz alta.

2) Faça em seu caderno um resumo do texto acima. Este resumo deve conter as seguintes
explicações:
- O que é princípio e qual é a sua importância;
- Por que o princípio elimina toda possibilidade de relativismo;
- O que é lei natural e qual é a sua importância;
- Aspectos que devemos analisar para saber se um ato é moral ou imoral;
- Verdades que a Igreja sustenta sobre a criação;
- Especificidades da criação da Pessoa Humana.

3) Copie e responda as seguintes questões em seu caderno:


A. Quais são os dez mandamentos?
B. Por que a tradição da Igreja chama o ser humano de Pessoa Humana?
C. Dê exemplos de atos que são intrinsicamente maus.

4) Decore as cinco verdades citadas no texto sobre a Criação, depois recite-as e explique-as a
seus responsáveis.

260
Antropologia básica (continuação)
Natureza da Pessoa Humana (parte 2)

A
NTERIORMENTE, estudamos sobre a criação da Pessoa Humana, a Imagem e Semelhança
de Deus. Isso faz parte da identidade de toda pessoa, assim como a razão, a liberdade, a
autocompreensão, a capacidade de transcendência, entre outras características
exclusivamente humanas que estudamos.
Veremos agora o que significa de natureza e porque agir conforme a própria natureza é
importante.
Em filosofia, a natureza de um ser é aquilo que o ser é a sua essência, ou seja, seu
princípio natural e para o qual deve tender cada vez mais, em direção ao próprio fim para o qual
existe. Vamos compreender melhor: aquilo que o ser é na sua essência, é aquilo que Deus pensou
para o ser, visto ser Ele seu criador. E sendo o que Deus pensou para o ser, é a isto que o ser deve
buscar viver cada vez mais, para alcançar o fim para o qual foi criado.
A pessoa é uma criatura corpórea-espiritual (espírito encarnado), de natureza racional, feita
a Imagem e Semelhança de Deus. Isso significa que é natural do ser humano a presença de um
corpo unido a uma alma, a razão (inteligência) e a busca da aproximação de Deus. Nós nascemos
com essa natureza, e assim devemos querer ser cada dia mais, visando nos tornarmos perfeitamente
conforme Deus nos pensou. Esse conceito clássico da natureza humana começou com Aristóteles
e foi complementado pelos santos (Santo Tomás de Aquino e São João Paulo II) no decorrer da
história da Igreja.
Há, no entanto, no mundo de hoje, outros conceitos
utilizados para explicar a natureza humana, conceitos estes que
são reducionistas e ideologizados. Por exemplo, o conceito
naturalista de natureza diz que a natureza humana é sua parte
física, biológica, sendo, portanto, um conceito materialista (uma
vez que que exclui tudo o que não é físico) e que busca explicar
o homem sempre baseado na sua matéria e na sua relação com os
outros animais. Esse conceito naturalista é muito comum no
pensamento evolucionista tão enraizado na sociedade, mas não é
um conceito adequado para explicar a pessoa humana, por reduzi- Santa Terezinha sabiamente
la a uma de suas partes (a matéria). Outro exemplo é o conceito dizia: “Sou o que Deus pensa
de mim”.
culturalista, que diz que a natureza da pessoa é se opor ao físico,
devendo se fazer a partir de sua criatividade, liberdade, cultura e história, é um conceito contra a
matéria, defendendo que a parte biológica deve ser superada. É a visão comum do feminismo, da
ideologia de gênero. É, portanto, também, um conceito reducionista, uma vez que exclui a matéria
e também o plano de Deus. Somos seres corpóreo-espirituais, essas realidades não podem ser
negadas.

261
Vida Humana
A vida humana, por ser vida da Pessoa Humana, apresenta uma dignidade única. Nossa
dignidade reside no fato de sermos pessoas, isto é, sermos criados à Imagem e Semelhança de
Deus.
São João Paulo II ensina, em sua norma personalista, que ao nos relacionarmos com
qualquer pessoa, precisamos reconhecê-la com sua dignidade única, como Imagem e Semelhança
de Deus.
Toda vida humana é um bem, e deve-se reconhecer seu valor inviolável. A vida humana
não pode ser qualificada, classificada ou desvalorizada. Cada pessoa é única e a vida humana
apresenta uma especificidade que a difere de todos os outros tipos de vida: é a vida da criatura com
a maior dignidade em todo o Universo.
O que faz com que muitas pessoas deixem de reconhecer a dignidade humana é justamente
o esquecimento de Deus, uma vez que nossa dignidade está fundada em ser Imagem e Semelhança
d’Ele. O CIC nos ensina (número 2258):
“A vida humana é sagrada porque, desde a sua origem, postula a ação criadora
de Deus e mantém-se para sempre numa relação especial com o Criador, seu
único fim. Só Deus é senhor da vida, desde o seu começo até ao seu termo:
ninguém, em circunstância alguma, pode reivindicar o direito de dar a morte
diretamente a um ser humano inocente”.
Nossa vida é Sagrada por manter uma relação com o Sagrado.

Família
Continuando nosso estudo de antropologia básica, é
importante estudarmos algo natural a toda pessoa: a Família.
A família é de extrema importância na vida de uma
pessoa, uma vez que é nela que normalmente a pessoa nasce e
se desenvolve. A família é local de comunhão, é nela que todas
as potencialidades, riquezas e singularidades da natureza de
cada pessoa pode ser revelada.
Na família aprendemos em 1º lugar que fomos Criados,
que dependemos dos outros, e que precisamos saber lidar com
as pessoas. É na família que a pessoa se prepara para ser um
sujeito moral, isto é, aprende o que é certo e errado, como deve
agir, qual deve ser seu objetivo.
Ícone da Sagrada Família. Irmã Lúcia, vidente de Fátima, diz que Nossa Senhora
revelou que o último ataque do inimigo será nas famílias! E como
já temos vivido este ataque! Precisamos reconhecer o valor da família e lutar por ela.

262
Corporeidade humana
Como pessoas humanas, somos espíritos encarnados, isto é, somos formados por uma
unidade de corpo-espírito. O corpo e o espírito fazem parte da natureza humana, sendo o espírito
uma realidade mais elevada, por aproximar-se mais de Deus, mas que é encarnado, e portanto,
só pode alcançar a salvação e a santidade também através do corpo.
Vamos retornar um pouco ao nosso estudo do livro do Gênesis para compreender mais
alguns aspectos importantes sobre a pessoa humana.

- Pegue uma bíblia e leia uma vez silenciosamente e uma em voz alta o terceiro capítulo
do livro do Gênesis (Gn 1, 1-31).
O livro do Gênesis, em seu terceiro capítulo, vem nos relatar uma realidade muito
importante na nossa vivência como pessoas e busca de santidade. Ele nos conta sobre o pecado
original.
Antes do pecado original, Adão e Eva viviam em um estado de inocência, suas naturezas
estavam íntegras (status naturae integrae), e eles viviam conforme os planos de Deus. Depois de
comer do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, momento em que eles pecam, a natureza
dos dois passa a uma segunda situação, torna-se corrompida pelo pecado (status naturae lapsae),
e eles quebram a aliança com Deus, pois desobedecem à Ele.
O pecado original faz parte do homem histórico,
isto é, de toda pessoa, pois por natureza se estendeu a
todo gênero humano, por geração, por virmos de Adão
e Eva.
Jesus Cristo vem e se encarna justamente para
nos tornar livres do pecado, para nos salvar. Ele deixa
a nós o batismo, pelo qual ficamos limpos do pecado
original. Mas, mesmo livres do pecado, nossa natureza
continuou corrompida; precisamos seguir os passos
que Jesus ensinou para voltarmos a viver conforme o
Princípio.
Se a queda (o pecado) ocorreu pelo corpo, a
redenção também veio pelo corpo: Jesus ofereceu seu
próprio corpo para nos salvar. Bento XVI ensina que é
pelo corpo que podemos nos relacionar com o outro e
Representação de Adão e Eva sendo
estar em comunhão com Deus e com os irmãos: a expulsos do Paraíso após o pecado original.
salvação do homem vem pelo corpo pois o corpo
permite a comunhão e a salvação é a comunhão com Deus e com os irmãos.

Amor humano
Deus nos criou por amor, por um gesto de sua bondade deu-nos o dom da vida. Santo
Tomás de Aquino e muitos outros santos ensinam que: por ter sido criada no amor e para o amor,
tudo o que a Pessoa Humana faz é por amor.

263
Pode parecer estranho dizer isso, uma vez que vemos as pessoas fazendo diversas coisas
que nos parecem ser falta de amor. Mas sim, tudo o que a pessoa faz é por amor, o problema está
no fato de que muitas pessoas têm um amor desordenado, isto é, que não é conforme os
ensinamentos de Nosso Senhor.
No Evangelho, Jesus nos ensina a “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como
a si mesmo” (Mc 12, 29-31), e quando nosso amor não está orientado dessa forma, nossos atos
que deveriam ser bons acabam sendo ruins, por estarmos com o amor desordenado. A solução
nos foi dada por Santo Agostinho: é necessário o ORDO AMORIS, isto é, a ordenação do amor.
Toda pessoa foi criada para amar, e a partir disso apresentamos uma vocação ao amor.
Isto é, o amor é sempre originariamente uma resposta a um amor que nos precede, um dom
recebido e que pode ser compreendido a partir da Criação. A lógica da Criação nos revela um
dom gratuito, um ato de amor originário, pois, simplesmente pela Essência Divina, não se pode
deduzir a criação, ela não é necessária. Mas Deus, a partir da sua liberdade, quis criar tudo e o
homem, por amor. O amor é o princípio explicativo do ser das coisas, delas existirem.
Ao negar este dom originário, não agindo segundo sua vocação ao amor, o homem nega
um encontro decisivo para sua vida, o encontro com uma Pessoa, que está no início da caminhada
de todo cristão. Com essa negação, o homem peca, ou seja, recusa este dom originário, que como
um dom precisa ser recebido. Deus então, em sua infinita misericórdia, nos dá o dom perfeito, o
perdão (em italiano perdono, que vem de dom perfeito), que não pode ser recusado.
A vocação de cada pessoa ao amor se concretiza ao longo do tempo e da história em uma
doação sincera de si. O amor faz parte da identidade de pessoa, ninguém pode viver sem amar.
O amor originário é a fonte de todo o bem, porque é a fonte de todo amor, do verdadeiro amor,
é esse amor originário que afirma o bem como bem e evita toda a vaidade. É neste sentido que
Santo Tomás ensina que “Amar é querer o bem do outro”, pois quando se tem o verdadeiro amor,
ele permite que se faça o verdadeiro bem, até a doação total de si, como Cristo que morreu na
cruz por nós.
É necessário, portanto, que cada pessoa aceite primeiramente o dom originário, recebido
desde a Criação (1º dom de amor), para, a partir do amor recebido, desse encontro com o
verdadeiro amor, com Deus, ela possa amar, doar-se aos outros e assim frutificar esse amor.
A Santa Igreja nos ensina que há duas formas
da Pessoa Humana realizar sua vocação ao amor
neste mundo: a virgindade (ou celibato) e o
matrimônio.
- Virgindade (ou celibato): é a opção livre de não se
unir a ninguém nesta vida para consagrar todos os
seus desejos à união com Cristo, a única capaz de
satisfazer plenamente. É um casamento celebrado no
céu. Não é uma rejeição da sexualidade, mas uma
ordenação da mesma a algo superior, pois é uma
antecipação do que viveremos no céu, uma
comunhão com Deus e com todos os santos. Seu alto
Dedo incorrupto de Santa Catarina de Sena, no
valor também é devido a sua grande renúncia, o qual a virgem recebeu do próprio Cristo o anel
que simboliza sua consagração a Ele.

264
virgem renuncia ao matrimônio e se entrega totalmente a Deus.
- Matrimônio: é a união do homem e da mulher para a geração e educação dos filhos, bem como
para o bem dos cônjuges. É a imagem da união de Cristo com a Igreja. É a vocação mais comum,
e que permite a procriação (geração de novas pessoas para a Igreja).

Atividades
1) Leia o texto acima três vezes: duas vezes silenciosamente e a terceira em voz alta.

2) Faça em seu caderno um resumo do texto acima. Este resumo deve conter as seguintes
explicações:
- Qual é a definição filosófica de natureza;
- As outras definições, que são reducionistas e infelizmente muito comuns nos dias atuais;
- Por que a vida humana é sagrada;
- Qual é a importância da família para uma pessoa;
- Quais são as consequências do pecado original para as pessoas;
- Por que temos um chamado, uma vocação ao amor;
- Como podemos realizar a vocação ao amor.

265
266
267
Sobre a capa
BATALHA DE LEPANTO

A imagem da capa do material de História representa a grande Batalha de Lepanto, ocorrida


em 1571, onde a Liga Católica, com a ajuda de Nossa Senhora do Rosário, triunfou sobre a invasão
muçulmana na Europa. Essa foi uma das maiores batalhas navais da História. Os muçulmanos
ameaçavam dominar e escravizar toda a Europa, destruindo o cristianismo. Formou-se, então, a
Liga Católica convocada pelo Papa São Pio V e liderada pelo príncipe Dom João d’Áustria, filho
do imperador do Sacro Império Carlos V. A preparação dos soldados católicos consistiu em jejuns,
orações e procissões, suplicando a Deus, por meio de Maria Santíssima, a graça da vitória, pois o
inimigo não era apenas uma ameaça para a Igreja, mas também para a civilização. Tendo recebido
a Santa Eucaristia, partiram para a batalha. No dia 7 de outubro de 1571, invocando o nome de
Maria, Auxiliadora dos Cristãos, travaram dura batalha nas águas de Lepanto. Em terra, toda a
Igreja, comandada pela fé e piedade de São Pio V, se pôs a rezar o Santo Rosário. Após algumas
horas de conflito, a Liga Católica derrotou a frota muçulmana que viu sobre os navios católicos
“uma Senhora majestosa e ameaçadora”. Era Nossa Senhora que auxiliou a Santa Igreja e
conseguiu do Senhor dos Exércitos o triunfo sobre o mal.
Esse grande acontecimento histórico foi escolhido, por comprovar a visão adotada neste
material:
1. A História é palco de uma grande batalha entre o bem e o mal (Liga Católica X
Muçulmanos);
2. Nessa batalha, Deus intervém constantemente em favor de seus eleitos (aparição e
intervenção de Maria Santíssima);
3. O bem triunfará definitivamente sobre o mal no fim dos tempos (vitória católica).

268
Capítulo 1
Apresentação da Disciplina História
Este material de História deseja fazer com que você ame a Deus e contemple a Sua
Providência através dos acontecimentos históricos, ao longo do tempo. Conheceremos o grande
percurso da história da humanidade, onde observamos momentos bons, que nos fazem engrandecer
o nome de Deus, e outros ruins, que nos recordam a triste queda dos nossos primeiros pais, Adão
e Eva, e suas terríveis consequências.

O que é a História?
A História é a realização, no tempo, de tudo o que foi pensado e desejado por Deus desde
toda a eternidade.
Desde a criação do mundo até o fim deste, os homens têm o dever de se desenvolverem
para alcançarem a perfeição destinada a eles pelo Criador. Todavia, existem aqueles que rejeitam
buscar essa perfeição e seu fim último que é a comunhão eterna com Deus.
Os homens são criados de tal forma que, se corresponderem à graça santificante, podem
aumentar sua semelhança com Deus. Essa é a razão de nossa existência, ou seja, foi para isso que
Deus nos criou.

Por que estudar História?


Quem nos responde
essa pergunta é o grande São
João Paulo II: “O cristianismo
é religião entranhada na
História. Visto no seu
mistério divino e humano,
Cristo é o fundamento e o
centro, o sentido e a meta
última da história”. Isso
significa que estudar o
passado é contemplar os
passos de Deus através da
História.
Imagine um salão
belíssimo, com quadros de
pintores famosos, esculturas Interior do Museu do Vaticano
raras, contendo, enfim, uma
infinidade de coisas preciosas. O dono do salão, para atrair observadores, deve cuidar de um
detalhe muito importante: a iluminação.

269
Não adianta alguém entrar em um belíssimo salão, cheio de preciosidades, com a luz
apagada, pois assim não verá nada. Se o salão está escuro, não importa que haja nele as mais belas
pinturas. É necessário que se acendam as luzes! “Ah! Que magnífica pintura”, dirá o observador.
“Que escultura genial”, exclamará o visitante. Somente com a luz acesa as coisas se tornarão
interessantes.
O salão é a História e a Luz é Nosso Senhor Jesus Cristo. “O povo que andava nas trevas
verá uma grande luz e amanhecerá o dia para os que moravam nas sombras da morte” (Is 9, 1).
Jesus Cristo é o motivo de estudarmos a História, porque toda ela só faz sentido se
entendermos que Deus faz parte dela de tal forma que se fez homem e habitou entre nós, porque
nos ama e quer que vivamos com Ele por toda a eternidade.
Primeiramente estudaremos alguns aspectos de Filosofia e Teologia da História para depois
analisarmos os principais fatos ocorridos desde a Criação.
Começaremos com a leitura de um trecho da Sagrada Escritura que nos ensina coisas muito
importantes sobre Deus e sobre a História.

Introdução

N o princípio era o Verbo

e o Verbo estava junto de Deus,


e o Verbo era Deus!
Ele estava, no princípio, junto de Deus.
Tudo foi feito por Ele, e sem Ele nada foi feito.
Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens.
A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a dominaram.
Houve um homem, enviado por Deus, que se chamava João.
Este veio como testemunha, para dar testemunho da luz,
a fim de que todos cressem por meio dele.
Não era ele a luz, mas veio para dar testemunho da luz.
O Verbo era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem.
Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não O reconheceu.
Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam.
Mas a todos aqueles que o receberam, aos que creem no seu nome,
deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus,
os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim
de Deus.
E o Verbo se fez carne e habitou entre nós,
e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai,

270
cheio de graça e de verdade.
João dá testemunho d’Ele e clama, nestes termos:
“Era d’Este que eu dizia: O que vem depois de mim passou à minha frente,
Porque era antes de mim”.
E da Sua plenitude todos nós recebemos, graça por graça.
E que a Lei foi dada por meio de Moisés,
A graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo.
A Deus ninguém jamais O viu.
Um Deus, Filho Único, que está no seio do Pai,
é que O deu a conhecer.

João 1, 1-18

Faça-se em mim segundo a vossa palavra


Anunciação e a encarnação do Verbo Eterno por Fra Angélico

Comentário da Bíblia de Navarra à Introdução do


Evangelho de São João:

271
Estes versículos formam a introdução ao Evangelho de São João Apóstolo; são um belo
canto que, antes do relato da vida terrena de Jesus Cristo, engradece e proclama a Sua divindade e
eternidade. Jesus é o Verbo Incriado, o Deus Unigênito que assume a nossa condição humana e
nos oferece a possibilidade de sermos filhos de Deus, isto é, de participar real e sobrenaturalmente
da própria vida divina.
Como ensinamentos principais que aparecem na introdução podem se observar:
1. A divindade e eternidade de Jesus;
2. A Encarnação de Jesus e a Sua manifestação como homem;
3. A intervenção de Jesus na Criação e na obra de salvação da humanidade;
4. O comportamento diverso dos homens diante da vinda do Salvador: uns O aceitam com fé
e outros O rejeitam;

Atividade: Escreva e decore os quatro itens acima.


Estes quatro ensinamentos fundamentarão filosófica e teologicamente este livro de
História, pois conformam-se com a chave de leitura que será usada para interpretar os
acontecimentos históricos e suas relações com o Plano Salvífico de Deus Eterno.

A divindade e eternidade de Jesus

o princípio era o Verbo

N e o Verbo estava junto de Deus,


e o Verbo era Deus!
Ele estava, no princípio, junto de Deus.
Tudo foi feito por Ele, e sem Ele nada foi feito.
Nele havia a vida, e a vida era a luz dos homens.
A luz resplandece nas trevas, e as trevas não a dominaram.

Jo 1, 1-5
O princípio deste livro busca olhar para os acontecimentos da história submetidos ao Poder
e à Providência de nosso bom Deus, ou seja, Ele e Sua Igreja serão o princípio, o meio e o fim
desse material. Portanto, primeiramente estudaremos alguns aspectos importantes sobre Deus.
Para isso, faremos uso de um texto escrito no terceiro volume da obra “A conjuração anticristã”
escrita por Delassus.
A obra do amor eterno: Monsenhor Henry Delassus
O ser existe, não posso negá-lo: tenho consciência de minha existência e tenho a visão e o
contato com mil e mil objetos que me rodeiam, que agem sobre mim e sobre os quais exerço minha
ação.

272
Existo, mas não existia há cem anos. Eu era menos do que um grão de areia perdido no
fundo dos mares. Como existo? Não posso explicá-lo senão através da ação de um outro ser,
anterior à minha existência e que me produziu, assim como eu mesmo produzo. E assim como
todas as coisas que me circundam, o próprio céu e a própria terra, tiveram começo, minha razão
conclui pela existência de um primeiro Ser, que existe, Ele, por Si mesmo, e por consequência, é
eterno. Um tal Ser pode sozinho tirar todas as coisas da “ausência eterna”, a fim de que elas
existam com Ele.
A razão que não deseja enganar-se a si mesma não pode se impedir de remontar dessa
forma do ser contingente e limitado que é, e cuja presença ela observa fora de si, ao Ser necessário,
que carrega em si mesmo a razão do seu ser. Existindo em Si mesmo, tendo em si o princípio do
ser, ele pode ser a fonte eterna.
Por que quis Ele que com Ele existíssemos? Não podemos oferecer outras razões que não
estas: Ele quis ver imagens da sua essência, porque é isto que somos. Ele quis transbordar as ideias
que n’Ele existem e transmitir sua felicidade.
Bonnum est diffusivum sui, disse São Tomás de Aquino depois de Aristóteles. O bem
encontra prazer em se difundir, sua natureza é de se dar. Consequentemente, o Bem infinito, o Ser
infinito tem um desejo infinito de se comunicar. O apóstolo São João, inspirado por Deus, deu
d’Ele essa definição: Deus é amor, Deus charitas est. É, pois, no amor que existe em Deus, que é
Deus, que se encontra o motivo da criação e o princípio de todas as criaturas.
Deus se conhece infinitamente porque se ama infinitamente. Conhecer, amar, esta é a vida
das inteligências. Conhecer-se, amar-se, é no Ser infinito a vida absoluta. Assim Deus é chamado
nas Sagradas Escrituras: o Deus que vive.13 A vida em Deus — Ele no-lo revelou — é a geração
do Verbo e a exalação do Amor, relações inefáveis de onde promanam as três Pessoas que
constituem a natureza divina.
Nos transportes do seu amor natural, as três Pessoas divinas chamaram do nada novas
pessoas para nelas verem a repetição da sua felicidade.14 Elas nos concederam o dom do ser, da
vida e da inteligência para nos amarem e para serem amadas por nós, para obterem essa glória
acidental e derramar em nós algo da felicidade d’Elas. Tal é o mistério da criação: explosão do
Amor de Deus, como diz Saint-Bonnet, transbordamento do amor infinito. Deus é bom, Ele é
impelido por Sua natureza a Se dar. Tal é a evidência que se coloca diante do homem quando ele
reflete sobre o que ele é, sobre o que é o universo.
Blanc de Saint-Bonnet começa o livro póstumo editado pela piedade fraternal, com o título
de L’Amour et la Chute [O Amor e a Queda], com estas palavras:

“O cristianismo torna-se hoje menos visível aos espíritos nas suas duas grandes noções: o Amor,
que é a vida de Deus, e a queda que compromete a vida do homem. Esse esquecimento, que
produz todos os nossos males, ameaça deixar desabar a civilização. Se o pensamento da queda
do homem e do amor que Deus lhe vota pudesse entrar de novo nos espíritos tudo mudaria de
aspecto na Europa”.

13
A palavra Deus, com a qual se denomina o Infinito, deriva de um verbo grego que significa: viver.
14
Somente as inteligências, somente as pessoas são capazes de felicidade; mas se as criaturas materiais não são feitas
para serem felizes, elas o são para contribuir para a felicidade dos seres espirituais.

273
Todos os escritores que compreenderam a Revolução, que gostariam de libertar o mundo
dela, esforçam-se em restaurar o pensamento da queda. O divino Salvador Jesus encarregou-se a
Si mesmo de restaurar o pensamento do amor, manifestando o abrasamento do seu Sagrado
Coração.
Deus não podia satisfazer sua Bondade no dom da existência de uma única criatura, como
não podia esgotar sua Beleza numa única imagem da sua essência. Ele então multiplicou suas
criaturas e multiplicou as espécies (species, imagem). Deus, diz São Tomás de Aquino, transportou
as ideias ao ser para comunicar às criaturas sua bondade e representá-la nelas.15 Ele produziu
naturezas múltiplas e diversas a fim de que aquilo que falta a uma delas para representar sua
Bondade divina seja suprido por outra. E acrescenta: “Existe distinção formal para os seres que
são de espécie diferente; existe distinção material para aqueles que diferem apenas do ponto de
vista numérico. Nas coisas incorruptíveis (os puros espíritos) existe somente um indivíduo para
cada espécie”. A incontável multidão dos anjos apresenta, pois, graus infinitos de perfeição
sempre mais alta, de beleza sempre mais perfeita, de bondade sempre mais comunicativa.
Puros espíritos e seres materiais não constituem toda a criação. Deus também produziu os
seres mistos, que somos nós, animais racionais compostos de corpo e de alma. O conjunto desses
seres forma o mundo. “Aquele que vive eternamente, diz a Sagrada Escritura, criou tudo ao mesmo
tempo”.16 Os seres animados não puderam aparecer senão quando a matéria chegou ao ponto de
poder prestar-se à formação dos seus corpos. Eles existiram inicialmente apenas no princípio de
suas espécies, que se desenvolveu em indivíduos através de sucessivas gerações.
Assim nasceu o mundo: “O mundo foi feito por Ele”, diz São João.17 Colocando no singular
a expressão “o mundo”, o apóstolo assinala que existe apenas um mundo, quer dizer, que não se
encontra na criação nenhuma parte que seja estranha às outras.
Mas, nessa unidade, que multiplicidade e que diversidade! Falando apenas dos anjos,
Daniel exclama: “Mil milhares O servem e uma miríade de miríades O assiste, o Senhor dos
18

exércitos”, o Senhor de toda a hierarquia das diversas ordens de seres.


Comentando essa palavra, diz São Tomás: “Os anjos formam uma multidão que ultrapassa
toda a multidão material”. Ele se apoia sobre o que São Denis, o Areopagita, diz no capítulo XIV
da “Hierarquia Celeste”: “São numerosas as bem-aventuradas falanges dos espíritos celestes; elas
ultrapassam a medida ínfima e restrita dos nossos números materiais”.19
Ora, formando uma espécie única para si, cada um desses espíritos reflete, por assim dizer,
um ponto do infinito, constitui uma imagem diferente da perfeição divina, um resplendor especial
da divina Bondade. Que imaginação poderia representar o esplendor crescente desses espelhos da
divindade que, partindo dos confins do mundo humano, vão subindo sempre em grupos graduados,
até o trono do Eterno? Quem poderia ir em pensamento de um para o outro até aquele que está no

15
Summa Theologica, parte I, q. XLVI. Nas edições ordinárias esta questão contém apenas três artigos. No manuscrito
138 da Biblioteca de Monte Cassino encontra-se um outro, que está reproduzido na edição das obras de São Tomás,
publicada por Leão XIII: Da subordinação das coisas.
16
Ecles. XVIII, 1. Deus simul ab initio temporis utrumque de nihilo condidit creaturam, spiritalem et corporalem,
angelicam videlicet et mundanum et deinde humanam quasi comunem ex spiritu et corpore constitutam (4° Concílio
de Latrão, cap. 1).
17
Jo. I, 10.
18
Dan. VII, 10.
19
Quem considera os milhões de estrelas que a mão de Deus lançou no espaço, pode admirar-se da multidão dos
espíritos celestes, os quais podem glorificá-Lo por si mesmos?

274
cume dessa hierarquia e recebe a primeira e a mais resplandecente irradiação da glória de Deus!
“Ó abismo inesgotável da sabedoria e da ciência de Deus, exclama São Paulo. D’Ele, por Ele e
para Ele são todas as coisas. A Ele a glória por toda a eternidade! ”20
Mas eis o que é mais aflitivo para o nosso espírito e mais comovente para o nosso coração.
O Amor não encontrou apaziguamento na criação, por inefável que fosse o dom do ser, e a vida
no ser, e a inteligência na vida! Após ter feito das criaturas imagens de Sua perfeição, Deus quis
fazer das criaturas suas amigas e para tanto elevá-las até Ele. Não nos admiremos. Deus é amor,
e sua caridade desce como uma torrente que derruba todos os obstáculos, os que vêm do Infinito
como os que vêm da natureza do finito.
Aqui reside os mistérios dos mistérios do Amor: esse dom de Deus para nós, elevando-nos
até Ele para nos amar e ser amado por nós! Como dar, a esse respeito, já não digo o conhecimento
adequado, mas uma ideia suficiente para nos convidar ao abandono amoroso da nossa alma ao
Amigo divino?
Com Deus se dá a nós? Como O possuímos? Com que amor somos chamados a amá-Lo?
Digamos inicialmente com São Tomás que Deus está em todas as suas criaturas como a
causa está no seu efeito. Ele é, Ele, causa primeira, a causa inicial e a causa persistente, a causa
criadora e a causa conservadora de tudo quanto existe. Ele está, ademais, em suas criaturas, através
da sua essência, quer dizer, através da ideia que cada uma delas realiza. Ele está, enfim, através
do seu poder que, depois de as ter criado, as mantêm no ser que Ele lhes deu e constitui o primeiro
princípio da atividade delas.
Nas inteligências Deus está, ou pelo menos pode estar, de um outro modo: como o objeto
conhecido naquele que conhece e o objeto amado naquele que ama. Mas isto não constitui um
modo especial de presença distinta do modo geral. Concedendo à criatura racional que conheça e
O ame, Deus não faz senão movê-la para o seu fim, segundo pede sua natureza, como Ele faz com
as outras criaturas.
Um modo de presença verdadeiramente especial seria aquele que produzisse um efeito de
uma ordem externa, acima da ordem natural. Ora, esse modo existe. Deus, no seu amor infinito,
inventou-o, criou-o e revelou-nos sua existência. Digamos no que consiste.
O uso normal da razão faz-nos chegar ao conhecimento de Deus e esse conhecimento
produz em nós o amor. É um conhecimento abstrato, através do raciocínio, da visão dos seres e
de sua contingência. Esse conhecimento faz-nos desejar um outro conhecimento: a visão direta
do próprio Ser Supremo. Como explicamos nas primeiras páginas deste livro, 21 essa visão não é
naturalmente possível a nenhuma criatura que existe ou venha a existir. Mas concebemo-la
possível se, na natureza criada, Deus vier enxertar, por assim dizer, uma participação da natureza
divina. Participando dessa natureza, o homem, o anjo, poderiam produzir atos dela: ver a Deus e
amar a Deus, como Deus se vê e se ama.
Deus dignou-se informar-nos de que seu amor chegou a esse ponto. Pelo dom da graça
santificante Ele nos tornou partícipes da natureza divina. “Deus, por Jesus Cristo Nosso Senhor,

20
Rom. XI, 33-34.
21
Tomo I, p. 18.

275
diz o apóstolo São Pedro, concedeu-nos os maiores e mais preciosos dons que nos havia prometido;
por eles tornou-nos participantes de sua natureza divina”.22
Qual é a obra própria da natureza divina? É engendrar o Verbo e emanar o Amor. Essa
obra é tão absoluta, que seus resultados são as Pessoas: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Se
verdadeiramente tornamo-nos participantes da natureza divina, essa participação que é a graça
santificante deve trazer para nossa alma como que um eco da geração do Verbo e da processão do
Espírito Santo. Que isto é e será assim é coisa ainda afirmada: “Vede, diz-nos o apóstolo São João
da parte de Deus, vede que amor o Pai tem por nós, em querer que sejamos chamados filhos de
Deus, e com efeito o somos... Sim, meus bem-amados, nós somos, desde agora, os filhos de Deus.
Mas aquilo que seremos um dia ainda não nos foi revelado. Sabemos que quando Ele vier na sua
glória, seremos semelhantes a Ele, porque O veremos tal qual é. E todo aquele que tem essa
esperança n’Ele torna-se santo como Deus”.23
Veremos a Deus tal como Ele é, e isto porque seremos, porque somos semelhantes a Ele;
e sendo semelhantes a Ele, somos legitimamente chamados seus filhos, somos verdadeiramente
seus filhos. Nós o somos desde agora, porque já possuímos a graça santificante que nos faz
participar da natureza divina. Essa natureza participada já produz em nós seus atos, os atos das
virtudes teologais, a Fé, a Esperança e a Caridade, que nos fazem alcançar Deus n’Ele mesmo e
que, após o tempo da prova, transformar-se-ão em visão, posse, amor beatífico.
A produção desses atos, assim na terra como no céu, é e será, dissemos acima, como um
eco em nós da geração do Verbo e da processão do Espírito. São Tomás fá-lo compreender nos
oito artigos da sexagésima terceira questão da primeira parte da sua Suma, parte esta intitulada Da
missão das Pessoas divinas.
Houve missão visível da segunda Pessoa da Santíssima Trindade através do Pai na
Encarnação.
Houve missão visível da terceira Pessoa através das duas outras em diversas circunstâncias.
Além dessas missões visíveis, há as invisíveis em cada um de nós e em todos os instantes
da vida cristã. E é por elas que Deus está em nós de forma diferente do que a título de causa e de
exemplar, como ele está em todas as suas criaturas, segundo a diversidade das suas naturezas. A
missão O faz habitar em nós de outra maneira. Da mesma maneira que em Deus o Filho é
engendrado pelo Pai e que o Espírito procede do Pai e do Filho, em nós, cristãos, e em geral em
todas as criaturas inteligentes ornadas da graça santificante, e por isso tornadas participantes da
natureza divina, o Pai, do qual procede o Filho, envia o Filho; o Pai e o Filho, dos quais procede o
Espírito, enviam o Espírito Santo, e isto não uma vez, mas em todos os atos da vida sobrenatural
que são fé e caridade; missão do Filho no ato de fé, missão do Espírito Santo no ato de caridade,
como no céu, a visão intuitiva será produzida pela missão do Verbo, e o amor beatífico pela missão
do Amor divino.
De onde resulta que as três Pessoas divinas habitam em nós como nelas mesmas, agem em
nós como nelas mesmas. É o que Nosso Senhor prometera: “Se alguém me ama, corresponde às
propostas do meu amor, Nós viremos a ele e nele faremos nossa morada”.24 E não somente Elas
aí habitam, mas Elas têm aí suas relações e essas relações têm repercussão nas nossas almas, nas

22
II Ped. I, 4.
23
I Jo. III, 2.
24
Jo. XIV, 23.

276
nossas inteligências e nos nossos corações sobrenaturalizados pela graça. “Falamos de missão a
respeito do Filho, diz Santo Agostinho,25 em razão dos dons que tocam a inteligência”. Podemos
dizer a mesma coisa a respeito do Espírito Santo, em razão dos dons do coração: ele abrasa as
faculdades afetivas de um amor sobrenatural, como o Filho ilumina a inteligência com as luzes da
fé.
Aí está em nós o começo de uma vida divina que desabrochará nos céus; aí, a fé será visão
e o amor beatitude, pela mesma maneira, pela ressonância da vida divina em nós.
Toda a vida adquire sua origem num nascimento. Uma vida nova não pode sair senão de
uma nova geração. Foi o que realizou em nós o santo batismo. Ele nos fez entrar nessa vida
superior, especificamente e genericamente distinta da vida natural. É a necessidade que Nosso
Senhor assim exprimira: “Em verdade, em verdade eu vos digo, quem não renascer da água e do
Espírito Santo não entrará no reino de Deus”, 26 onde Deus é visto e amado como Ele se vê e se
ama. O primeiro nascimento tornou-nos partícipes da natureza humana, o segundo, da natureza
divina.

25
De Trinit., IV, cap. XX.
26
Jo. III, 5.

277
A criação se explica pelo
desejo de Deus que é induzido, se
assim podemos dizer, pelo
esplendor do seu Verbo, a querer
que seu brilho reapareça nos
espíritos criados à sua imagem. O
dom do sobrenatural encontra sua
explicação na santidade de Deus.
Ela faz a união divina, ela chama as
criaturas a uma união participada:
Sanctus, sanctus, sanctus,
Dominus Deus Sabaoth. Santo,
santo, santo é o Deus dos exércitos.
Ele é três vezes santo n’Ele mesmo
pela Trindade das suas Pessoas; e
Ele é santo na multidão dos
espíritos ordenados,
hierarquizados como um exército,
que Ele convida à união
santificante, a se unirem a Ele
sobrenaturalmente. Essa união
exige uma regeneração n’Ele, Ele é
suficiente poderoso para produzi-
la, não obstante peça uma virtude
mais alta do que a exigida para a
criação. Assim a Santíssima
Virgem, cheia da graça divina,
manifestou sua admiração e sua
alegria com estas palavras: “Fecit
A visitação – Jerónimo Ezquerra
mihi magna qui POTENS est et
SANCTUM nomem ejus”. Ele fez em minha alma grandes coisas, Aquele que é poderoso e cujo
nome é santo. Pela santidade entramos no infinito sem nos confundir, penetramos no seio de Deus
sem nos perder, conservando nossa individualidade, nossa personalidade, estando unidos à
Divindade, de tal maneira que ela produz em nós o que ela produz n’Ela mesma. Eis a grande
coisa que maravilhava a Santíssima Virgem e A fazia lançar este brado: “Magnificat anima mea
Dominum et exultavit spiritus meo in Deo salutari meo”.
A união sobrenatural com Deus, assim entre os anjos como entre nós, tem dois graus: a
preparação e a fruição, a graça e a glória. Pela graça somos dados em garantia do dote que é
entregue somente no feliz final da prova à qual a preparação nos submete.
Porque Deus quer respeitar a liberdade das suas criaturas, e essa vontade obriga a não tornar
definitivo o dom do sobrenatural senão após a aceitação reconhecida e amorosa.
As Pessoas divinas que querem habitar em nós, batem, primeiramente, através dos apelos
da graça, à porta do nosso coração. Elas querem ser acolhidas como amigas antes de produzirem

278
em nós as grandes coisas de que falamos. Elas nos oferecem sua amizade, Vos amici mei estis; 27
é preciso que lhes demos a nossa, que entremos em comércio com Elas, em comércio de amor. Se
essa oferta deve ser aceita, pode ser recusada, recusa que seria uma ofensa e uma ofensa de uma
culpabilidade infinita, o limite da injúria, tratando-se de Deus.

Atividades
1) O que é História?
2) Por que estudar História?
3) Quem é o centro e o sentido da História?
4) Por que podemos dizer que Jesus é a luz da História?
5) Sublinhe as palavras que você não conhece e procure o significado no dicionário.
6) Leia a Primeira Carta de São João, capítulo 3, versículos 7 a 21.

27
Jo. XV, 14.

279
Capítulo 2

A Encarnação do Verbo e a Sua manifestação como homem

E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos Sua glória, a glória que o
Filho único recebe do Seu Pai, cheio de graça e de verdade.

Jo 1, 14.

Nosso Senhor Jesus Cristo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Verbo de Deus,
se fez homem e habitou entre nós para perdoar os nossos pecados, para nos servir como O modelo
de vida, para nos ensinar Suas doutrinas recebidas do Pai, para elevar a nossa natureza decaída por
causa do pecado à natureza divina, isso tudo sem perder nada de Sua infinita glória.
Esse é um texto central sobre Jesus Cristo. Nele se manifesta a realidade da Encarnação do
Filho de Deus. “Ao chegar a plenitude dos tempos, enviou Deus o Seu Filho, nascido de mulher”
(Gl 4, 4).
A frase “e o Verbo se fez carne” significa que Jesus se fez homem. “E habitou entre nós”:
Em vários momentos do Antigo Testamento anuncia-se que Deus “habitará no meio do povo” (Jr
7,3; Ez 43,9; Eclo 24,8). Jesus é perfeito Deus e perfeito homem, em Quem se cumpre todas as
antigas promessas, mais além do que poderíamos esperar. Também a promessa feita pelo profeta
Isaías onde ele anuncia que Deus habitaria conosco (Is 7,14; cfr Mt 1,23) se cumpre quando Jesus
veio viver a nossa história.
Essa é a maior prova do amor de Deus por nós! Para entender melhor quem é Jesus, leia
essas belas palavras de São
Pio X:
“Contempla Jesus na
serena beleza da Sua
humanidade. Você aprendeu
a conhecer e amar Jesus no
colo de Sua mãe. Jesus é o
Filho de Deus feito homem,
isto é, a Segunda Pessoa da
Santíssima Trindade. Fez-se
homem para nos salvar. Ele
é eterno como o Pai, imenso
como o Pai, perfeitíssimo
como o Pai.
O Evangelho de São
João começa com esta
solene introdução: ‘No

280
princípio era o Verbo e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus’ (Jo 1, 1). ‘E o Verbo se fez
carne e habitou entre nós’ (Jo 1, 14). Deu Pai confirmou no Monte da Transfiguração, que Jesus
Cristo é o Verbo Encarnado: ‘Este é o meu Filho amado, escutai-O’ (Mc 9,6).
Por que o Filho de Deus se fez homem?
Jesus se fez homem para nos salvar, isto é, para nos remir do pecado e nos reconquistar o
Paraíso.
Deus criou Adão e Eva, cumulando-os de dons maravilhosos: eram imensamente felizes,
inclinados ao bem, isentos de todas as doenças e da morte. Deu-lhes ainda o maior de todos os
dons: a graça, que os faziam filhos de Deus e herdeiros do Paraíso.
Para lhes provar a fidelidade,
Deus os proibiu de comer o
fruto da árvore do bem e do
mal. Mas o demônio, tomando
a forma de serpente, tentou
Eva para comê-lo. Eva escutou
o demônio, comeu o fruto e o
deu a Adão, que também
comeu. Cometeram assim o
primeiro pecado e Deus os
castigou imediatamente.
Perderam a graça e todos os
outros dons, tanto para si
quanto para os seus
Adão e Eva sendo expulsos do Paraíso
descendentes; foram expulsos
do Paraíso terrestre e o Senhor
fechou-lhes também as portas do Céu.
Como poderia o homem reconquistar a graça, tornar-se novamente filho de Deus e se salvar
do Inferno?
O Pai Celeste enviou seu Filho para nos salvar e reabrir as portas do Céu. Santo Agostinho,
grande sábio e doutor da Igreja, diz que Deus se fez homem para que nos tornássemos semelhantes
a Ele. Oh! Como Jesus é Bom e como devemos amá-Lo” (São Pio X).
“A doutrina cristã da Encarnação não é, simplesmente, uma Teofania – uma revelação de Deus
ao Homem -, é uma nova criação – a introdução de um novo princípio espiritual cuja ação
gradualmente influencia e transforma a natureza humana em algo novo. A história da raça
humana se dobra diante desse evento único, o qual confere unidade espiritual a todo o processo
histórico. Primeiramente, temos a história da Antiga Libertação, que é a história da preparação
providencial da humanidade para receber a Encarnação, quando “a totalidade do tempo”, usando
uma expressão de São Paulo, se manifestou. Em segundo lugar lemos a Nova Libertação, que é o
desenrolar da Encarnação na vida da Igreja Católica. Finalmente, temos a realização do divino
propósito no futuro, no estabelecimento final do Reino de Deus, quando os frutos deste mundo
são colhidos. Portanto, a concepção cristã da História é, essencialmente, unitária. Tem um
começo, um ponto central e um final. Esse começo, esse centro e esse fim transcendem a

281
História, uma vez que não se confundem com os eventos históricos no sentido comum do termo,
mas são atos da criação divina, perante os quais a totalidade do processo histórico se subordina”.
Christopher Dawson

A intervenção do Verbo na Criação e na obra salvífica da humanidade


O
Verbo era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem. Estava no
mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não O reconheceu. Veio para o que
era Seu, mas os Seus não O receberam. Mas a todos aqueles que O receberam, aos
que creem no Seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, os quais não
nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de
Deus”.

Jo 1, 9-13
“A Igreja Católica sabe que todos os acontecimentos se desenvolvem de acordo com a vontade
ou a permissão da Divina Providência e Deus realiza na História os seus próprios objetivos.
Deus é realmente o Senhor da História”.
S.S. Papa Pio XII
Leia o versículo abaixo com os seus responsáveis e peça para eles explicarem para você:
“Quem suscitou do Oriente aquele cujos passos são acompanhados de vitórias? Quem pôs então
as nações à sua mercê, e fez cair diante dele os reis? Sua espada os reduz a pó, seu arco os
dispersa como se fossem palha. Persegue-os e passa invulnerável, sem mesmo tocar com seus
pés o caminho. Quem, pois, realizou essas coisas? Aquele que desde a origem chama as
gerações à vida: eu, o Senhor, que sou o primeiro - e que estarei ainda com os últimos.”
Isaías 41, 2-4

Jesus Cristo, o Senhor da História

282
Todos os acontecimentos da História não passam despercebidos por Deus, uma vez que
“nenhum cabelo cai de vossa cabeça sem que Deus permita” (Lc 12, 7). Todo o universo é obra
criada por Deus, que o sustenta no ser. O ser humano é o ápice da criação e tudo foi feito para o
seu benefício. A partir disso, é certo que Deus, ao criar tudo, estabeleceu Seu plano para a
humanidade viver em comunhão com Ele na eternidade. A finalidade da ação de Deus na História
é estabelecer com seus filhos uma aliança já nessa vida que se estenderá para a eternidade.
“Deus, árbitro de todos os tempos, do centro de Sua eternidade desenvolve toda a ordem dos
séculos, reconhece-se como Todo-Poderoso e sabe que nada pode escapar às Suas mãos
soberanas.”
Jacques Bossuet
Dessa forma, ressalta-se que tudo o que acontece em nossas vidas, acontece por permissão
divina, previamente determinada por Deus em Seu trono. Isso não significa que Deus quer ou,
muito menos, pratica o mal. O mal, sendo um ato da vontade, é decidido e praticado a partir da
liberdade de cada um. Esse aspecto será estudado com mais detalhe ao longo do material.
A partir de nossa liberdade, podemos nos conformar com o Plano Divino ou Lhe fazer
oposição. Entretanto, mesmo nos opondo, Deus, em Sua Eterna Sabedoria, realiza Seu querer.
“Deus eleva ou rebaixa os impérios, estabelece para cada povo um destino e um papel; entre
Suas mãos, os reis e os Estados não passam de instrumentos dos quais Ele se utiliza para
conduzir a humanidade a Seu celeste destino.”
História e Providência
“É preciso voltar bem atrás, à origem, ao princípio – ao núcleo flamejante que está no coração
de nossa fé. No ponto de partida de toda reflexão, é preciso afirmar que Deus existe (não há nada
de mais belo e de maior para se contemplar do que o fato de que há Deus); e nós sabemos que
Ele existe, sustentando todos os seres, e é Senhor da História; o que Ele faz é conhecê-la, tudo o
que ocorre só acontece porque Ele quis ou permitiu. E Ele nos ensinou a invocá-Lo como Pai: tal
é o primeiro fundamento de nossa segurança e de nossa confiança na História – a fé em Sua
providência, em Seu amor. Sabemos que a Sua mão Toda-Poderosa e misericordiosa sustenta,
invisível mas presente, o desenrolar das idades desde o primeiro dia da criação”.
Henry Marrou
Essa lógica da História se exemplifica nesse episódio famoso da Sagrada Escritura:

H AVIA, na terra de Hus, um homem chamado Jó, íntegro, reto, que temia a Deus e fugia do
mal. Um dia em que os filhos de Deus se apresentaram diante do Senhor, veio também
Satanás entre eles. O Senhor disse-lhe: De onde vens tu? Andei dando volta pelo mundo,
disse Satanás, e passeando por ele. O Senhor disse-lhe: Notaste o meu servo Jó? Não há ninguém
igual a ele na terra: íntegro, reto, temente a Deus, afastado do mal. Mas Satanás respondeu ao
Senhor: É a troco de nada que Jó teme a Deus? Não cercaste como de uma muralha a sua pessoa,
a sua casa e todos os seus bens? Abençoas tudo quanto ele faz e seus rebanhos cobrem toda a
região. Mas estende a tua mão e toca em tudo o que ele possui; juro-te que te amaldiçoará na tua
face. Pois bem, respondeu o Senhor. Tudo o que ele tem está em teu poder; mas não estendas a tua
mão contra a sua pessoa. E Satanás saiu da presença do Senhor”.
Jó 1, 6-12

283
Ao observarmos atentamente esse episódio da
vida de Jó percebemos que Deus está sentado
em Seu Trono Altíssimo onde é adorado por
Seus filhos, os Anjos. Diante d’Ele se
apresentou também Satanás, desejoso de obter a
permissão divina para tentar Jó. Nada pode o
demônio sem o consentimento do Pai.
Percebemos a mesma coisa na passagem em que
Jesus disse a Pedro que Satanás pediu para
peneirá-lo, contudo o Senhor intercedeu por ele:
“Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou
para vos peneirar como o trigo. Mas eu roguei
por ti, para que a tua confiança não desfaleça; e
tu, por tua vez, confirma os teus irmãos”.
Lc 22, 31-32
Contemple por alguns instantes a
imagem ao lado e peça a Deus a graça de
Jesus Cristo em seu trono onde governa o mundo e
compreender e aceitar o Seu plano de amor para julgará vivos e mortos
a humanidade.
“À vontade em Seu reino, Deus orienta e governa, a partir de uma ordem universal, tanto ‘os
acidentes irregulares que confundem a vida dos particulares’, como ‘os grandes e memoráveis
acontecimentos que decidem a sorte dos grandes impérios’. O governo divino se desenvolve sob
a forma de escolhas sucessivas efetuadas no seio da humanidade e as Sagradas Escrituras as
evoca passo-a-passo, com sua contrapartida de eliminações progressivas. Na verdade, a Bíblia
não possui outro objeto, senão esse governo divino do mundo e, especialmente, dos homens.”
História e Providência
Para compreender essa concepção da História é necessário, inicialmente, um ato de Fé,
pois:
“É muito difícil, talvez até mesmo impossível, explicar a visão cristã da História para um não
cristão, uma vez que é preciso aceitar a fé cristã para que se entenda a visão cristã sobre a
História. Aqueles que rejeitam a ideia da participação de uma revelação divina são obrigados,
necessariamente, a rejeitar também a visão cristã da História”.
Christopher Dawson
Assim, serão narrados neste livro os principais acontecimentos da História da Salvação da
humanidade e como os acontecimentos históricos se inserem no Plano de Deus. Certos, por um
ato de fé, da intervenção constante de Deus na História da humanidade, excluímos as propostas de
entender os fatos históricos a partir de causas puramente materialistas ou naturalistas.
“Assim, devemos entender que esse universo, e particularmente o gênero humano, é o Reino de
Deus, que Ele mesmo regula e governa segundo leis imutáveis”.
Jacques Bossuet

284
Adotaremos a visão sacramental da História, onde os principais acontecimentos estudados
serão a Criação, a Queda, a Encarnação, a Redenção, a fundação da Igreja, a Santificação e o Reino
de Deus. As histórias dos egípcios, dos gregos, dos romanos, das revoluções industrial e francesa,
as guerras mundiais e a História do Brasil serão estudadas na relação que se estabelece com o
Plano Salvífico de Deus.
“A questão está em enxergar, com Chesterton, que as duas histórias configuram uma só história.
A História Universal e a História da Salvação não correm paralelas; A História da Salvação é a
história humana lida na sua autêntica profundidade e contra um plano de fundo suficientemente
amplo. O romance da ortodoxia, quer dizer, a história da salvação lida como história de Deus, é
nada mais nada menos que a história do mundo. E a aventura da ortodoxia é a maior aventura
humana. Não é algo acrescentado, uma espécie de milhagem que se ganhe por voar com
frequência. É a coisa real, aquilo que é mesmo. Isso é o que ensina a imaginação sacramental”.
George Weil
“Tal como ninguém pode ver a beleza de um poema, se o seu olhar não alcança cada verso,
assim ninguém pode compreender a beleza da ordem e do governo do Universo, se não vê na sua
inteireza. E porque nenhum homem é tão longevo que a possa ver inteiramente com os olhos da
sua carne, ou seja, enquanto estiver nessa vida, e não pode por si mesmo prever os
acontecimentos futuros, o Espírito Santo ofereceu-nos o livro da Sagrada Escritura, cuja
longitude se adapta ao decurso da História universal.”
São Boaventura
Incrível semelhança entre a introdução do Evangelho de São João e a concepção
sacramental que um historiador católico deve ter com a História: Deus Eterno criou todas as coisas
e se fez carne para salvar a humanidade caída pelo pecado. A Luz veio ao mundo, mas as trevas
não A receberam. Essa humanidade vive no tempo e suas ações determinam a qual civilização ela
pertence, ao Reino de Deus ou ao Império da Trevas cujo líder é Satanás. Uns acolhem Jesus e
seus ensinamentos e outros O rejeitam direta ou indiretamente. Deus age nos acontecimentos deste
mundo incessantemente fazendo apelos com a Sua graça ao homem que busca a si mesmo.
“O Cristianismo é religião entranhada na História. Visto no seu mistério divino e humano, Cristo
é o fundamento e o centro, o sentido e a meta última da História.”
São João Paulo II, Novo Millennio Ineunte

Leia este belo texto do Professor Plinio Correa de Oliveira:

A necessidade de uma Filosofia da História


Não é possível estudar História sem procurar fazer uma Filosofia da História; não é
possível fazer Filosofia da História sem tentar responder a esta questão: qual é sua origem, seu
meio e seu fim?
Imaginem um avião que se desloca com um grupo de pessoas cujas memórias estivessem
abaladas e que de repente dão-se conta, surpresas, de estarem navegando pelo ar. Começam a
se colocar uma série de perguntas, logo que percebem estarem em movimento pelo espaço:

285
"De onde estamos vindo? Para onde vamos? Quando e onde chegaremos?"
Espíritos mais práticos entre elas perguntariam: "Como é que isto se move? É preciso
que façamos algo para este veículo se mover?"
Alguns poderiam sentir-se doentes durante a viagem, constituindo para si mesmos um
duplo problema: o da navegação (como chegar ao fim), e o de sarar da doença que tem:
"Enquanto não chego, o que fazer?"
Independente disso, há necessidades passageiras, antes de se atingir o fim da viagem: é
preciso comer, beber, dormir, etc.
Imaginem que haja um quinto fator: o inimigo. Quer dizer, em determinado momento
percebe-se que existe um inimigo dentro do avião que está tramando para que a nave sofra um
desastre horrível. Então, é preciso liquidá-lo. Nesta imagem estão bem representados os
problemas da Filosofia da História.
Com efeito, uma História estudada sem levar em consideração essa filosofia que a
explica é completamente anticientífica. Ora, é essa História superficial que aprendemos
comumente nos colégios, na qual se encaixa a tese que nos ensinam, do chamado evolucionismo
histórico.
Os professores costumam explicar, infundadamente, ser impossível remontar-se à
origem do povo egípcio, perdida na noite da História. Para tais docentes, ninguém sabe qual foi
o primeiro passo do longo caminhar da humanidade nesta terra.
Pergunta-se a um deles: "Por que o senhor começa o estudo da História pelos egípcios,
se há tantas pré-histórias?"
Em vez de responder como São João no início de seu Evangelho, "no princípio era o
Verbo", a maioria dos professores dirá: "No princípio eram os egípcios!"
Em seguida, surgem os caldeus — por que não os etíopes? —, e sai a História como
sabemos: a guerra entre gregos e persas, com direito a gestos de heroísmo dos primeiros, que
muitos professores julgam formidáveis, etc.
Decora-se aquilo maquinalmente, e surge a dúvida: por que os gregos brigaram com os
persas? Por que os caldeus brigaram com o Egito? Ninguém o explica de modo convincente.
De repente, na continuidade da narração histórica, aparece uma pequena luz que, para os
nossos professores comuns nada ilumina: apenas os mais ousados mencionam o nascimento de
Jesus Cristo na Galileia. E só.
Todavia, para nós, católicos, é impossível ler uma concepção de Filosofia da História
que abstraia de Deus e da Religião Católica. Só n’Ele encontraremos as respostas acertadas às
perguntas que acima formulei.
Em primeiro lugar, por ser a História um elemento vivo e de grande valor da Criação,
obra de Deus Nosso Senhor.
Com efeito, ao fazer um ato de Fé no fato de ser Deus o Autor do Universo, incluímos
na noção de Universo a História humana, e não apenas a consideração estática do mundo. É
preciso considerar o Universo de modo dinâmico.

286
À medida que os povos vão vivendo e se desenvolvendo, se o fizerem dentro da ordem
disposta pela Providência e da ordem da graça, as suas perfeições também vão crescendo. Há
neles grandezas novas que irão desabrochando: é um modo de glorificar a Deus.
Com isto, verifica-se na própria História uma espécie de manifestação especial e mais
direta da magnificência divina.
Desse modo, ao considerarmos a Criação em relação ao Criador, não apenas podemos
dizer que “o lírio canta a glória de Deus”, “a inteligência de um homem como São Tomás canta
a glória de Deus”, etc., mas também que a própria História dos povos cristãos, enquanto processo
que vai fazendo as nações se elevarem na ordem da graça (ou, se romperem com Nosso Senhor,
serem punidas e degradadas), glorifica a Deus de modo especial.

Atividades
1) Faça um breve resumo do capítulo 2.
2) Sublinhe as palavras que você não conhece e procure o significado no dicionário.
3) Como podemos dizer que todos os acontecimentos históricos não passam desapercebidos por
Deus?
4) Por que podemos dizer que tudo o que acontece é por vontade ou permissão de Deus?
5) O que significa a visão sacramental da História?
6) Por que o Filho de Deus se fez homem?
7) Escreva em seu caderno uma oração de agradecimento a Jesus porque Ele se fez homem para
nos salvar.

287
Capítulo 3

O comportamento diverso dos homens diante da vinda do Salvador:


uns aceitam-No com fé e outros rejeitam-No

“ ELE havia a vida, e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas
N trevas, e as trevas não a dominaram. O Verbo era a verdadeira luz que,
vindo ao mundo, ilumina todo homem. Estava no mundo e o mundo foi
feito por ele, e o mundo não O reconheceu. Veio para o que era seu, mas
os seus não o receberam.”
Jo 1, 1-5
“Dois amores fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor próprio, levado ao desprezo a Deus,
a terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial”.
Santo Agostinho

Imagem que representa as duas cidades, ou seja, o Bem e o mal

A luta entre a Luz e as trevas, ou seja, a luta entre o bem e o mal, é a verdadeira chave de
interpretação dos acontecimentos históricos. Muitos historiadores católicos perceberam essa

288
realidade, contudo é a própria autoridade dos ensinamentos do Verbo Encarnado que nos faz olhar
a História dessa forma.
“Enquanto o mundo durar, a História será sempre teatro do conflito entre Deus e Satanás, entre o
bem e o mal, entre a graça e o pecado, entre a vida e a morte”.
São João Paulo II
O Concílio Vaticano II nos chamou a atenção sobre essa realidade em um de seus
documentos mais importantes:
“Um duro combate contra os poderes das trevas atravessa, com efeito, toda a História humana;
começou no princípio do mundo e, segundo a palavra do Senhor (cf. Mt 24, 13; 13, 24-30.36-
43), durará até ao último dia”.
Concílio Vaticano II: Gaudium et spes
A História não se desenvolve separada de Deus. Pelo contrário, sendo Ele quem a governa,
ela é um constante combate contra o mal e, apesar das aparências, o bem é sempre invencível. Na
História sempre se verificará a vitória do bem sobre o mal, pois a Igreja é imortal e “as portas do
Inferno não prevalecerão contra Ela” (Mt 16, 18).
O salmo 32 serve de fundamento para esse entendimento da História: “O Senhor desfaz os
planos das nações pagãs, reduz ao nada os projetos dos povos. Só os desígnios do Senhor
permanecem eternamente e os pensamentos de seu coração por todas as gerações” (Sl 32, 10-11).
Ao analisar esses versículos, a Bíblia Comentada por Maximiliano Cordero e Gabriel Pérez diz:
“O salmista fala sobre a luta entre o bem e o mal na História. Toda a Bíblia gira em torno de um
drama que é a batalha entre aqueles que representam os interesses de Deus e se empenham em
difundir seus desígnios na História e, de outro lado, os que se opõem a essa marcha religiosa da
História”.
Bíblia Comentada, Libros Sapienciales, Madri (adaptado)
No final de 1958, o Sumo Pontífice São João XXIII ordenou aos católicos enfrentar essa
realidade de frente:
“Nesta hora terrível em que o espírito do mal busca todos os meios para destruir o
Reino de Deus, devemos pôr em ação todas as energias para defendê-lo”
São João XXIII
Da mesma forma, as palavras pronunciadas em 1976, pelo Cardeal Wojtyla (futuro Papa
São João Paulo II) nos confirmam essa concepção:
“Estamos agora perante a maior confrontação histórica presenciada pela humanidade.
(...) Deparamo-nos com o embate final entre a Igreja e a anti-Igreja, o Evangelho e o
antievangelho”.
Cardeal Wojtyla
Em um almoço promovido pelo Santo Padre Bento XVI ao Colégio Cardinalício em 2012,
o Papa alertava a respeito de uma perniciosa tática usada pelos inimigos da Igreja:

289
“Hoje, a expressão Ecclesia militans está um pouco fora de moda, mas na realidade podemos
compreender cada vez melhor que é verdadeira, contém em si mesma a verdade. Vemos como o
mal quer dominar no mundo e que é necessário travar uma luta contra o mal. Vemos como o
faz de muitos modos cruentos, com diversas formas de violência, mas também com a máscara do
bem e, precisamente assim, destruindo os fundamentos morais da sociedade”.
Bento XVI
Ainda antes de ser Papa, o Cardeal Ratzinger declarou que “a Igreja existe para exorcizar
o avanço do Inferno sobre a terra, e torná-la habitável pela luz de Deus”. Assim também o Papa
Pio XII afirmou em sua encíclica Evangelii praecones (1951):
“O gênero humano quase todo tende hoje rapidamente a separar-se em dois opostos campos de
batalha: por Cristo ou contra Cristo. Vê-se agora num momento decisivo, de que há de sair ou a
salvação de Cristo ou a tremenda ruína”.
Pio XII

Introdução do livro “São José: Quem o conhece?” do Monsenhor


João S. Clá Dias, EP: p. 21-22.
O prólogo do Evangelho de São João é uma magnífica síntese de toda a obra da
Encarnação e Redenção. Ao tratar em seus versículos da ação divina no mundo, por meio do
Filho de Deus feito carne no seio puríssimo de Maria, o Evangelista dá a clave para interpretar
o desenrolar dos acontecimentos desde a criação até o Juízo Final: a luta entre o bem e o mal.
Esta é a essência da História, o fator que a explica em seu sentido mais profundo.
Com efeito, afirma o Discípulo Amado, referindo-se a Jesus Cristo: “A Luz brilha nas
trevas, e as treva não conseguiram dominá-la” (Jo 1, 5). Terrível confronto, que será ainda
melhor descrito por Nosso Senhor na conversa noturna com Nicodemos: “A luz veio ao mundo,
mas os homens preferiram as trevas à luz” (Jo 3, 19a). E o motivo dessa péssima escolha é a
desobediência à Lei divina: “porque suas ações eram más” (Jo 3, 19b).
Ao nascer, Jesus encontra o mundo na escuridão, devido às loucuras e máculas do
pecado. Por isso o Salvador é rejeitado pelos homens, pois “quem pratica o mal odeia a luz e
não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas” (Jo 3,20). Sim, aquele que
anda nas vias tortuosas do vício, ao ver-se diante da luz percebe sua própria torpeza e procura
esconder-se da claridade que revela seu lamentável estado.
Atitude inversa é a do homem virtuoso: “Quem age conforme a verdade aproxima-se da
luz, para que se manifeste que suas ações sejam realizadas em Deus” (Jo 3,21). Está então
delineada a fisionomia moral do bem e do mal: os filhos amam a Deus e desejam d’Ele se
acercar; os filhos das trevas O detestam e procuram distanciar-se, chegando ao extremo de
querer destruí-Lo, se isso fosse possível. Nessa clave deve ser contemplada a vida de Nosso
Senhor Jesus Cristo. Ele é, em sua Morte e Ressurreição, a luz vencedora das trevas, e seu triunfo
foi tanto mais glorioso quanto maior foi o ódio desencadeado contra Ele pelo demônio e seus
asseclas.
Todavia, antes de consumar essa derrota do mal no alto do Calvário, Nosso Senhor
determinou entrar na História humana longe do fausto dos palácios, no silêncio de um refúgio

290
escondido e sujeito à debilidade da infância. Os únicos cortesãos do Rei dos reis foram sua
incomparável Mãe, Maria, e seu pai virginal, São José, o varão justo por excelência, em tudo
cumpridor da vontade de Deus. Junto a esse Casal imaculado e inocente quis nascer Jesus,
mostrando assim sua preferência pela mais elevada e sublime virtude.

Estas duas cidades estão entrelaçadas uma na outra e intimamente misturadas, de sorte que
nos
“ é impossível separá-las, até o dia em que o Juízo as separará. Recorre-se naturalmente à
parábola evangélica do joio e do trigo.

O
Reino dos céus é semelhante a um homem que tinha semeado boa semente em seu
campo. Na hora, porém, em que os homens repousavam, veio o seu inimigo, semeou joio
no meio do trigo e partiu. O trigo cresceu e deu fruto, mas apareceu também o joio.
Os servidores do pai de família vieram e disseram-lhe:
— Senhor, não semeaste bom trigo em teu campo? Donde vem, pois, o joio?
Disse-lhes ele:
— Foi um inimigo que fez isto!
Replicaram-lhe:
— Queres que vamos e o arranquemos?
— Não, disse ele; arrancando o joio, arriscais a tirar também o trigo. Deixai-os crescer
juntos até a colheita. No tempo da colheita, direi aos ceifadores: arrancai primeiro o joio e atai-o
em feixes para o queimar. Recolhei depois o trigo no meu celeiro.
Em seguida, entrou de novo na casa e seus discípulos agruparam-se ao redor dele para
perguntar-lhe:
— Explica-nos a parábola do joio no campo.
Jesus respondeu: O que semeia a boa semente é o Filho do Homem. O campo é o mundo.
A boa semente são os filhos do Reino. O joio são os filhos do Maligno. O inimigo, que o semeia,
é o demônio. A colheita é o fim do mundo. Os ceifadores são os anjos. E assim como se recolhe
o joio para jogá-lo no fogo, assim será no fim do mundo. O Filho do Homem enviará seus anjos,
que retirarão de seu Reino todos os escândalos e todos os que fazem o mal e os lançarão na
fornalha ardente, onde haverá choro e ranger de dentes. Então, no Reino de seu Pai, os justos
resplandecerão como o sol. Aquele que tem ouvidos, ouça.
Mt 13, 24-30; 36-43
O limite que separa estas duas cidades é praticamente invisível a nossos olhos: quantas
vezes Santo Agostinho não voltou a esse ponto em sua pregação – também o Evangelho sugere
isso, em mais de uma ocasião: ao lado da parábola do joio, aquela, paralela, da rede lançada ao
lago e que traz à Igreja bons e maus, ou na pregação de Batista, a eira do Senhor, onde o trigo e a
palha ainda estão misturados: “O inimigo semeou o joio por toda a parte: leigos, clero, bispos,
pessoas casadas, religiosos, não deixou nada em que isso não estivesse misturado” (Marrou).

291
“Como crescem juntos no campo evangélico o joio e o bom trigo, assim na História (...)
encontram-se lado a lado, por vezes profundamente tão emaranhados entre si, o mal e o bem, a
injustiça e a justiça, a angústia e a esperança”.
São João Paulo II
Leia um trecho da grande obra de Santo Agostinho, Cidade de Deus:

A cidade de Deus: Santo Agostinho


Dividi a humanidade em dois grupos: o dos que vivem segundo o homem e o dos que
vivem segundo Deus. Em linguagem figurada chamamos-lhes também duas cidades, isto é, duas
sociedades de homens das quais uma está predestinada a reinar eternamente com Deus e a outra
a sofrer um suplício eterno com o Diabo. Mas este é fim delas; dele trataremos mais tarde. Mas
por agora — Pois que já disse o suficiente acerca dos seus começos, quer dos anjos, cujo número
ignoramos, quer dos dois Primeiros homens — parece-me conveniente tratar do seu
desenvolvimento desde o dia em que os dois começaram a procriar até ao dia em que os homens
hão de deixar de procriar. Efetivamente, todo esse tempo ou século durante o qual uns
desaparecem, morrendo, e outros aparecem, nascendo, é que constitui o desenvolvimento das
duas cidades de que estamos a falar.
Caim, o primeiro a nascer dos dois pais do gênero humano, pertence à cidade dos
homens; e Abel, o segundo pertence à cidade de Deus. Assim como, num só homem, constatam
o que diz o Apóstolo: O espiritual não é o que nasceu primeiro: primeiro nasceu o animal depois
o espiritual (1 Cor, 15, 46) (cada um saindo dum tronco condenado, deve primeiro nascer de
Adão, mau e carnal; e se, renascendo em Cristo, progredir, tornar-se-á bom e espiritual), —
assim também em todo o gênero humano: quando por nascimentos e mortes as duas cidades
começaram a desenvolver-se, primeiro nasceu o cidadão deste século, em segundo lugar nasceu
o estrangeiro neste século um membro da cidade de Deus, predestinado e eleito pela graça,
peregrino cá em baixo pela graça e pela graça cidadão do Alto. Pelo que lhe respeita, ele nasce
da mesma massa, toda ela condenada desde a origem; mas Deus, como um oleiro, fez da mesma
massa um vaso de honra e outro de ignomínia. O vaso de ignomínia foi o primeiro a ser feito e
depois o outro — o de honra, porque num só e mesmo homem, como já disse, está primeiro o
que é reprovável, pelo qual devemos necessariamente começar, sem sermos obrigados a lá
permanecer; e em seguida está o que é louvável aonde, avançando, chegaremos e, uma vez
chegados, permaneceremos. Consequentemente, nem todo o homem mau será bom; mas
ninguém será bom que antes não tenha sido mau, e quanto mais depressa se mudar para melhor,
tanto mais depressa também se tornará notado o que adquiriu e substituirá o seu antigo nome
pelo novo.
Está escrito que Caim fundou uma cidade; como peregrino que era, não a fundou, porém,
Abel. É que a cidade dos santos é a do Alto, embora procrie cá cidadãos entre os quais ela vai
peregrinando até que chegue o tempo do seu reino. Então ela reunirá a todos, ressuscitados nos
seus corpos, dando-lhes o reino prometido onde reinarão para sempre com o seu Chefe, o Rei
dos séculos.
Uma sombra certamente, uma certa imagem profética desta cidade, mais sinal do que
representação, viveu como escrava na Terra, no tempo em que era preciso que se manifestasse.
E também ela se chamou Cidade Santa pelo fato de ser imagem significativa e não por ser a

292
expressão verdadeira da futura cidade. Desta imagem escrava e da cidade livre de que é a
imagem, fala o Apóstolo nestes termos na epístola aos Gálatas:
“Dizei-me: vós que vos quereis submeter à lei, não ouvistes a lei? Está, de fato, escrito
que Abraão teve dois filhos — um da escrava e outro da mulher livre. Mas o da escrava nasceu
segundo a carne — e o da mulher livre segundo a promessa. Isto é uma alegoria. Representam
elas as duas alianças: uma, vinda do Monte Sinai, gera para a servidão — é Agar, pois o Sinai
é uma montanha da Arábia. Corresponde à Jerusalém atual que é escrava com seus filhos. Mas
a Jerusalém do Alto é livre — é a nossa mãe. Está na verdade escrito «alegra-te estéril, tu que
não tens filhos. Clama em gritos de alegria, tu que não conheces as dores do parto — porque
os filhos da abandonada são muito mais do que os da que tem marido». Mas, nós, irmãos,
somos, como Isaac, filhos da promessa. Mas, assim como então o que nasceu segundo as leis
da carne perseguiu o que nasceu segundo o espírito, — assim também agora. Mas que diz a
Escritura? «Expulsa a escrava e o filho — pois o filho da escrava não herdará com o filho da
mulher livre». Mas nós, irmãos, nós não somos filhos da escrava, mas da mulher livre. Para
que sejamos livres nos libertou Cristo” (Gal, 4, 21-31).
Esta maneira de interpretar, fundada na autoridade apostólica, abre-nos o caminho da
autêntica compreensão dos dois Testamentos de que fala a Escritura — o Antigo e o Novo
Testamento. Na verdade, uma parte da cidade terrestre tornou-se a imagem da cidade celeste,
sem ser sinal de si própria mas da outra — e por isso é que ela é escrava. Pois não foi ela a razão
da sua fundação, mas sim a de significar a outra — embora também a mesma cidade que
prefigura tenha sido prefigurada por uma imagem anterior. Agar, a escrava de Sara, e seu filho
são, com efeito, uma espécie de imagem desta imagem. E como as sombras se deviam dissipar
ao surgir a luz, Sara — a livre, que significava a cidade livre, e de quem Agar, essa sombra, era
a escrava para a significar de uma outra maneira — disse:
“Expulsa a escrava e seu filho— porque o filho da escrava não herdará com meu filho
Isaac” (Gen, 21, 10).
ou, como diz o Apóstolo,
“Com o filho da mulher livre” (Gal, 4, 30).
Encontramos, portanto, duas partes na cidade terrestre: uma parte mostra-nos a sua própria
presença e a outra presta o seu serviço de escrava para significar com a sua presença a cidade
celeste. A natureza viciada pelo pecado gera cidadãos da cidade terrestre — mas a graça, que
liberta a natureza do pecado, gera cidadãos da cidade celeste. Donde se conclui que os primeiros
se chamam «vasos de cólera» e os últimos «vasos de misericórdia». É ainda o que está
significado nos dois filhos de Abraão: um, o da escrava chamada Agar, nascido de modo natural
(secundum carnem natus), é Ismael; o outro, o de Sara, mulher livre, nascido devido a uma
promessa (secundum repromissionem natus), é Isaac. Ambos são, sem dúvida, da semente de
Abraão: mas a um gerou--o ele segundo o modo habitual da natureza e o outro resultou da
promessa que significa a graça. Naquele mostra-se a maneira humana — e neste evidencia-se o
benefício divino.

Outro texto que nos clareia a grande luta entre o bem e o mal travada na História é o do
Professor Dr. Plinio Correa de Oliveira:

293
O sentido profundo da História: uma luta, um imenso drama.
A História se divide em três grandes períodos: o primeiro, da criação do homem, passando
pelo pecado original, até o advento de Nosso Senhor Jesus Cristo; o segundo, quando Ele nasceu
e morreu na cruz por nós, resgatou o gênero humano e fundou a Igreja; terceiro, os séculos que
antecedem a outra vinda d’Ele, no fim do mundo, para julgar os vivos e os mortos, encerrando
a História da humanidade.
É tomada nesse amplo contexto, relacionada não apenas com um povo ou uma civilização,
mas com a globalidade do gênero humano, que a História adquire o seu sentido profundo e
merece ser examinada.
Um sentido profundo que remonta a Deus Criador, tirando do nada o universo, com todas
as suas incomensuráveis riquezas, os anjos, e a síntese da matéria e do espírito que é o homem,
posto por Ele no Paraíso Terrestre, lugar de delícias e de extraordinária felicidade física,
espiritual e intelectual.
Se não tivesse havido o pecado original e, portanto, o gênero humano continuasse a se
propagar no Paraíso, este, com o contínuo e magnífico crescimento da virtude, inspirando os
mais variados e excelentes talentos, teria se tornado resplandecente de glória e beleza. Desse
modo, o homem prestaria sua colaboração para deixar ainda mais esplendorosa a obra de Deus.
E assim o foi de início, quando — diz a Escritura — às tardes o Senhor descia ao Éden
numa brisa fresca, para passear e conversar com Adão, fazendo com que este compreendesse e
aperfeiçoasse a beleza de todas as coisas.
Porém, essa ordem e esse plano maravilhoso foram frustrados pelo Pecado Original. Adão
e Eva caíram e foram expulsos do Paraíso. Punidos, iniciam nesta Terra de exílio a sua vida
difícil. Nascem os primeiros filhos. Um deles é a flor da progênie: Abel. Abel o suave, Abel o
bom, Abel o perfeito.
O outro, Caim, é um filho torto, que vê com maus olhos o irmão virtuoso, em relação ao
qual se consome de inveja e de vontade de liquidar. Os pais notam a perversidade no íntimo da
alma de Caim e procuram aconselhar: "Abel é seu irmão, você precisa amá-lo".
Debalde. Cedendo à tentação, Caim mata Abel. E aí, presumivelmente, pela primeira vez
Adão e Eva viram uma criatura morta e puderam contemplar em todo o horror — na pessoa de
seu filho — a morte que viria para eles e para todos os seus descendentes, por culpa deles.
Podemos imaginar a atitude de Eva, sentada sobre uma pedra, com Abel em seu colo, sem
vida. Ela segurando a cabeça de seu filho dileto, enquanto, ao longe, Caim se afasta gritando
ultrajes! Ela tinha ali a figura do primeiro assassinato, do primeiro morto e do primeiro bandido.
É a História do gênero humano que vai começando.
Passam-se os séculos. Os Nabucodonosores, os Assurbanipais aparecem. Os reis também
vão se tornando celerados. Tudo vai se tornando crime pelo mundo.
Mas, em Israel, no povo eleito, uma Virgem imaculada havia, a qual, ao lado de alguns
poucos justos, insistentemente rogava a Deus a vinda do Messias. "Rorate coeli desuper, et
nubes pluant Justum" — reza a Igreja no Advento: Destilai, ó céus, lá dessas alturas o vosso

294
orvalho; e as nuvens chovam o Justo". Quer dizer, que venha o Bem-amado e o Bem-esperado
de todas as gentes.
O Perfeito surgiu, afinal, para modificar o curso do mundo. Durante séculos O esperou a
nação de Israel. Eis que o Redentor chegou. O que fez esta nação? Matou-O! Uma minoria fiel
O acompanhou e constituiu a Igreja. A maioria, infiel, sacrificou o Verbo Encarnado!
Mas não sabiam que o Salvador, com sua morte, resgatava o gênero humano! O pecado
original e todos os pecados atuais, até o fim do mundo, necessitavam de uma expiação condigna
diante do Altíssimo. Esta, o Homem-Deus a satisfez inteiramente.
Redimido o homem, perdoado, pelo mundo começam a soprar outros ventos. Aparecem
os santos, os mártires e as obras de caridade de toda ordem. Em determinado momento, surgem
os eremitas e os doutores da Igreja, gerados do sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor
Jesus Cristo.
Iniciou-se, igualmente, a grande batalha da Cruz através dos séculos. Assim como no Céu,
Deus Se serviu de São Miguel Arcanjo e dos Anjos bons para de lá expulsar os demônios, assim
também, na Terra, é desejo de Nosso Senhor que os homens bons combatam os maus, numa luta
que perdurará até o fim do mundo.
Temos, então, de um lado, a história da graça divina, que vai soprando aqui, lá e acolá,
para tal pai de família, para esta e aquela pessoa, etc., a fim de serem melhores que os outros,
para chamá-los e guiá-los.
A história do Santo Sacrifício da Missa que se repete diariamente no mundo inteiro, da
Igreja que vai distribuindo os Sacramentos, vai ensinando, governando e santificando os
homens, no intuito de que todos alcancem o Céu. É a tarefa por excelência da Hierarquia
sagrada. E dos fiéis, sob as ordens da Hierarquia, travando essa batalha com vistas a levar para
a bem-aventurança eterna o maior número de almas. Essa é a história da salvação.
De outro lado, é a história dos maus, que constituem organizações, que tramam entre si e
promovem propagandas para arrastar as almas ao inferno.
E o grande, o verdadeiro sentido da vida cotidiana, não é saber se tal povo irá conquistar
tal outro, ou se o preço do petróleo vai subir ou cair. Essas são coisas completamente acidentais.
O problema é: eles estão se salvando ou se perdendo? Nós estamos nos salvando ou nos
perdendo?
Quando saímos à rua e observamos o fluxo contínuo de pessoas a pé ou de carro, a
pergunta que devemos nos fazer não é: “Para onde vão? Qual é a marca do automóvel de cada
uma delas?” Tudo isto é secundário. A questão é: “Elas são ou não de Deus? Estão ajudando o
bem ou o mal?”
Este é o sentido mais profundo da História da humanidade. Toda ela é uma luta pela
salvação ou perdição de muitos, uma batalha em que uns homens influenciam outros,
aproximando-os ou os afastando de Nosso Senhor Jesus Cristo. E compreendemos que, assim,
ela deixa de ser o formigamento de um sem-número de pessoas que nem conhecemos, que mor-
reram muitos séculos antes de nós, que não tinham nada a ver conosco, e se transforma na
história de um imenso drama.

295
E nós podemos compô-la como um quadro gigantesco, onde percebemos nossas próprias
pessoas dentro do drama. Porque todos nós, cada homem nascido em um determinado século,
faz parte do drama da sua época, e tem um inalienável papel — disposto pela Providência — a
desempenhar na ingente luta pela salvação das almas.

Assim se resume o grande drama da História, ou seja, o que a move: a luta entre os filhos
de Deus e os filhos das trevas, a luta pela salvação das almas ou pela perdição dessas. Essa
concepção da História se encontra na grande encíclica Humanum Genus, de Leão XIII:
“O Gênero Humano, após sua miserável queda de Deus, o Criador e Doador dos dons celestes,
‘pela inveja do demônio’, separou-se em duas partes diferentes e opostas, das quais uma
resolutamente luta pela verdade e virtude, e a outra por aquelas coisas que são contrárias à
virtude e à verdade. Uma é o reino de Deus na terra, especificamente, a verdadeira Igreja de
Jesus Cristo; e aqueles que desejam em seus corações estar unidos a ela, de modo a receber a
salvação, devem necessariamente
servir a Deus e Seu único Filho com
toda a sua mente e com um desejo
completo. A outra é o reino de
Satanás, em cuja possessão e controle
estão todos e quaisquer que sigam o
exemplo fatal de seu líder e de nossos
primeiros pais, aqueles que se
recusam a obedecer à lei divina e
eterna, e que têm muitos objetivos
próprios em desprezo a Deus, e
também muitos objetivos contra Deus.
Este reino dividido Santo Agostinho
penetrantemente discerniu e descreveu
ao modo de duas cidades, contrárias
em suas leis porque lutam por
objetivos contrários; e com sutil
brevidade ele expressou a causa
eficiente de cada uma nessas palavras:
‘Dois amores formaram duas cidades:
o amor de si mesmo, atingindo até o
desprezo de Deus, uma cidade terrena;
e o amor de Deus, atingindo até o
desprezo de si mesmo, uma cidade
Essa imagem representa a luta entre os filhos de Deus e os filhos das
celestial.’ Em cada período do tempo trevas. Nosso Senhor já nos revelou que o bem vencerá, assim como
uma tem estado em conflito com a Nossa Senhora em Fátima prometeu o triunfo do seu Imaculado
Coração.
outra, com uma variedade e
multiplicidade de armas e de batalhas, embora nem sempre com igual ardor e assalto. Nesta
época, entretanto, os guerrilheiros do mal parecem estar se reunindo, e estar combatendo com
veemência unida, liderados ou auxiliados por aquela sociedade fortemente organizada e
difundida chamada Maçonaria. Não mais fazendo qualquer segredo de seus propósitos, eles

296
estão agora abruptamente levantando-se contra o próprio Deus. Eles estão planejando a
destruição da santa Igreja publicamente e abertamente, e isso com o propósito estabelecido de
despojar completamente as nações da Cristandade, se isso fosse possível, das bênçãos obtidas
para nós através de Jesus Cristo nosso Salvador”.
Humanum Genus, nº 1 e 2

Atividades
1) Faça um breve resumo do capítulo 3.
2) Por que podemos dizer que a História é uma imensa guerra?
3) Onde esta guerra começou e quando vai terminar?
4) Quem sairá vitorioso deste combate?
5) Copie as frases:
“Dois amores fundaram, pois, duas cidades, a saber: o amor próprio, levado ao desprezo a
Deus, a terrena; o amor a Deus, levado ao desprezo de si próprio, a celestial”.
Santo Agostinho
“O gênero humano quase todo tende hoje rapidamente a separar-se em dois opostos
campos de batalha: por Cristo ou contra Cristo. Vê-se agora num momento decisivo, de
que há de sair ou a salvação de Cristo ou a tremenda ruína”.
S.S. Pio XII
6) Sublinhe as palavras que você não conhece e procure o significado no dicionário.

297
Capítulo 4
Introdução ao estudo de História
Linha do Tempo
Uma linha do tempo serve para facilitar o estudo da História. Normalmente ela é composta
por acontecimentos que o seu autor considerou determinantes na História. Como a concepção
sacramental da História foi adotada para a elaboração desse material, a divisão cronológica será
fundamentada nas obras de São João Bosco (História Sagrada) e Pe. Bartolomeu Holzhauser (As
Sete Igrejas do Apocalipse).
A História será dividida em 14 períodos: 7 antes de Cristo (da Criação do Mundo até o
advento de Nosso Senhor) e 7 depois de Cristo (de Nosso Senhor até o Juízo Final).

Observação inicial: A sigla a.C. significa tudo o que aconteceu Antes de Cristo. A sigla d.C.
significa Depois de Cristo. A vinda de Jesus foi o maior acontecimento da História e, por isso, seu
nascimento marca a nossa forma de contar o tempo.

Divisão da História antes de Cristo (a partir de São João Bosco)


Primeiro período: Inicia-se com a Criação do mundo e vai até o dilúvio (4000 a.C. a 2240 a.C.).
Segundo Período: Do dilúvio até Abraão (2240 a.C. a 1850 a.C.).
Terceiro Período: De Abraão até Moisés (1850 a.C. a 1350 a.C.).
Quarto Período: De Moisés até à fundação do templo de Salomão (1350 a.C. a 968 a.C.)
Quinto Período: Da fundação do Templo até ao Exílio da Babilônia (968 a.C. a 586 a.C.).
Sexto Período: Do Exílio até o nascimento de Jesus Cristo (586 a.C. a 0).
Sétimo Período: Advento de Jesus (ano 0 a 33 d.C)

Divisão da História depois de Cristo (a partir do Pe. Bartolomeu Holzhauser)


As sete Igrejas, às quais São João se dirige na primeira parte do Apocalipse, são o símbolo
sob o qual são descritos os sete períodos futuros da Igreja Católica. É, com efeito, o desígnio que
São João acrescenta: E eu, me voltando (para o que me falava), vi sete candelabros de ouro (que
eram as sete Igrejas). Quer dizer, sete estados (ou situações) futuras da Igreja. É a esses períodos
que se referem os sete dias do Senhor quando Ele criou o mundo. Esses sete períodos se referem
também aos sete espíritos ou dons do Senhor, enviados no dia de Pentecostes, sobre toda a carne.
Pois, do mesmo modo que o Senhor nosso Deus consumou o curso de todas as gerações e das
coisas naturais em sete dias e sete épocas; do mesmo modo, Ele consumará a regeneração em sete
períodos da Igreja, em cada um dos quais Ele espargirá, fará germinar e florir novos gêneros de

298
graça com o fim principal de mostrar as riquezas da Sua glória. Com efeito, se bem que a Igreja
de Jesus Cristo seja uma, nós a dividimos, entretanto, em sete períodos em virtude dos grandes
acontecimentos que se darão n’Ela, com permissão divina, nos diferentes tempos, até a
consumação dos séculos.

Primeiro período da Igreja: Éfeso - Idade Apostólica (33 d.C. a 67 d.C)


Segundo período da Igreja: Smirna (67 d.C. a 305 d.C.)
Terceiro período da Igreja: Pérgamo - Padres da Igreja (305 d.C. a 800 d.C.)
Quarto período da Igreja: Tiatira - Idade Média (800 d.C. a 1520 d.C.)
Quinto período da Igreja: Sardes (1520 d.C. até o advento do Grande Rei e do Pontífice Santo).
Sexto período da Igreja: Filadélfia (Do advento do Grande Rei e do Pontífice Santo até o advento
do Anticristo).
Sétimo período da Igreja: Laodicéia - Tempo do Anticristo (Do advento do Anticristo até a
segunda vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo).
Confira a tabela no final deste capítulo.

A Igreja Católica: o Reino de Deus na Terra


A Igreja Católica é o motivo pelo qual Deus criou todas as coisas. Ela é a Esposa do Cristo
que se fez uma com Ele. Ela é o próprio Corpo de Cristo que estabelece uma continuação da
Encarnação do Verbo na História. Ela é “um projeto nascido do coração do Pai” (CIC 759).
“O mundo foi criado em vista da Igreja, diziam os cristãos dos primeiros tempos. Deus criou o
mundo em vista da comunhão com sua vida divina, comunhão esta que se realiza pela Igreja. A
Igreja é a finalidade de todas as coisas, e as próprias vicissitudes dolorosas, como a queda dos
anjos e o pecado do homem, só foram permitidas por Deus como ocasião e meio para desdobrar
toda a força do seu braço, toda a medida de amor que Ele queria das ao mundo: Assim como a
vontade de Deus é um ato e se chama mundo, assim também sua intenção é a salvação dos
homens e se chama Igreja”.
CIC nº760
Isso significa que só existe o mundo e, portanto, a história pois Deus quis estabelecer seu
Reino entre os homens e esse Reino é a Igreja Católica. Deste modo, a Igreja assume um papel
histórico de suma importância, não podendo ser relegada ao segundo plano.
“Para que houvesse unidade na História do mundo, era preciso haver uma instituição que a per-
corresse do começo ao fim: seria uma espécie de "portadora da História". Houve uma instituição
que tenha percorrido a vida dos homens sobre a terra de ponta a ponta? É historicamente
demonstrável que a Sinagoga remonta até as origens patriarcais do povo hebraico; e é de igual
modo demonstrado que a Igreja Católica constitui um prolongamento da Sinagoga. Ela tem,
portanto, a continuidade de toda a História do mundo, quase desde o começo até nossos dias; e
presume-se que ela chegará até o fim dos séculos. De maneira que a Igreja Católica é o único
filão, o centro que dá coordenação à História universal. Por causa disso, ela é o vínculo que

299
liga todas as épocas: ela está para a História, mais ou menos como a encadernação está para as
páginas de um livro, A encadernação das páginas da História é a Igreja Católica”.
Plinio Correa de Oliveira
“Alegremo-nos, portanto, e demos graças por termos tornado não somente cristãos, mas o
próprio Cristo. Compreendeis, irmãos, a graça que Deus nos concedeu, ao dar-nos Cristo como
Cabeça? Admirai e rejubilai, nós nos tornamos Cristo. Com efeito, uma vez que Ele é a Cabeça e
nós os membros, o homem inteiro é constituído por Ele e nós. A plenitude de Cristo é, portanto,
a Cabeça e os membros. O que significa isto: a Cabeça e os membros? Cristo e a Igreja”.
Santo Agostinho
“Nosso Redentor mostrou-se como uma só pessoa com a santa Igreja, que Ele assumiu”.
São Gregório Magno
“Quanto a Jesus Cristo e à Igreja, parece-me que são uma só coisa e que não se deve fazer
objeções a isso."
Santa Joana d'Arc

Essa imagem quer mostrar a Igreja em sua totalidade, ou seja, a presença de Jesus Cristo que é a Cabeça da Igreja, e os seus
filhos fiéis que são o seu Corpo

300
“A Igreja está na história, mas ao mesmo tempo a transcende. É unicamente com os olhos
da fé que se pode enxergar em sua realidade visível, ao mesmo tempo, uma realidade espiritual,
portadora da vida divina”. (CIC 770)

Atividades
1) Em quantos períodos a História foi dividida por Dom Bosco e pelo Pe. Bartolomeu? Quais são
os acontecimentos que marcaram essa linha do tempo?
2) Faça um breve texto que explique a importância da Igreja Católica.
3) O que significa dizer que a “Igreja Católica é o único filão, o centro que dá coordenação à
História universal”?
4) Sublinhe as palavras que você não conhece e procure o significado no dicionário.

301
302
Anexos 28

Qual é o verdadeiro eixo da História


Situar a História da Igreja dentro da História universal ou, melhor dizendo, a História
profana na História da Salvação, parece-me ser o principal dever de um autêntico historiador
cristão. De fato, esta concerne a todos os homens, pertencentes ou não à Igreja; além disso, é,
afinal de contas, História.
Entretanto, verifica-se desde alguns séculos - creio não me equivocar ao situar em fins da
Idade Média o início desse processo - uma gradual dissociação entre a História da Igreja e a
História universal. Assim, abundam os manuais desta última nos quais são raras as referências ao
papel da Esposa Mística de Cristo nos acontecimentos. E muitos a mencionam apenas para tecer
acerbas críticas à atuação de certos eclesiásticos ou difundir contra ela calúnias emanadas do
espírito laicista e anticristão de seus autores.

O silêncio de muitos historiadores


Um exemplo dessa separação entre ambas as disciplinas históricas faz-se notar na ausência
de menções a muitos santos que com sua atuação provocaram mudanças determinantes na
sociedade de sua época.
Tomemos a esmo o caso do grande São João Bosco: poucos manuais de História laicistas
o mencionam; no entanto, o trabalho por ele realizado em favor dos seus queridos birichini
representou uma radical inovação na forma de tratar a juventude abandonada, com repercussões
não pequenas no campo social. Consideremos também a transformação operada por São Camilo
de Lellis e seus discípulos, em fins do século XVI, no modo de conceber e organizar os hospitais,
com todos os benefícios daí decorrentes para a humanidade.
Poderíamos acrescentar casos como o de Isabel a Católica e seu empenho em proteger e
evangelizar os indígenas do Novo Mundo, enfrentando a ganância de muitos conquistadores. Pode-
se perguntar se - sem a promulgação de suas famosas Leyes de Indias- a América Latina seria hoje
a região mais católica do mundo e se teria sido possível alcançar o grau de integração étnica tão
característico de nosso Continente.
Para certos historiadores, infelizmente, exemplos como estes não merecem sequer ser
mencionados. E quando incluem um ou outro em seus manuais, atribuem-lhe uma importância
muito menor da que tiveram de fato no fluxo geral dos acontecimentos.

28
Estes anexos são de leitura opcional. Servem para fundamentar tudo o que foi escrito nestes primeiros capítulos.

303
Uma religião essencialmente histórica
Por outro lado, é preciso reconhecer o importantíssimo aporte dos cronistas cristãos à
historiografia de suas respectivas sociedades; sem dúvida, eles realizaram um trabalho pioneiro e
insubstituível.
Nada de estranho nesta constatação, pois o Cristianismo é uma religião essencialmente
histórica. O depósito da Revelação, plenamente consumada em Jesus Cristo, se transmite e se
explicita no decorrer dos séculos. E para isso são necessárias testemunhas que façam chegar com
fidelidade às gerações posteriores a mensagem da Salvação. Os Evangelistas - como também,
mutatis mutandis, os autores veterotestamentários - têm consciência da importância daquilo que
transmitem. É este o motivo de eles indicarem com escrupulosa precisão certos detalhes dos
acontecimentos relatados.
Até o nascimento do Divino Salvador, a religião judaica alimentou-se das crônicas que
narravam as gestas dos patriarcas, governou sua vida pelas máximas e preceitos dos profetas e
rezou repetindo os Salmos inspirados pelo Espírito Santo a Davi, como, diga-se de passagem,
continuamos a fazer hoje dia a dia, na Santa Missa e na Liturgia das Horas.
À margem dos Evangelhos, não faltaram na época dos primeiros cristãos crônicas e relatos
que forneceram aos historiadores de séculos posteriores documentação sobre as formas de vida, os
ritos e a cultura, bem como sobre as relações religiosas, políticas, sociais e econômicas daqueles
tempos.

Fé num Deus pessoal e providente


As crônicas cristãs - excelentes fontes para seguir os caminhos da História humana - não
se distinguiam, em sua forma, das pagãs, mas refletiam como fundo de quadro uma visão universal
da História. Poderíamos dizer que procuravam descobrir na voragem dos acontecimentos os traços
concretos do desígnio de Deus sobre a humanidade, delineados nas Sagradas Escrituras.
Exemplo disso é Teófilo de Antioquia que, no Livro III de Ad Autolicum, escrito depois
do ano 180, esboça uma cronologia da História do mundo, desde a Criação até a morte do
imperador Marco Aurélio. Algumas décadas depois, Sexto Júlio Africano redige os cinco livros
nos quais compara os acontecimentos bíblicos com a História cristã, grega e do povo judeu. No
início do século IV, deparamo-nos com a História Eclesiástica, de Eusébio de Cesareia, que toma
em consideração a forma pela qual diversos povos computam o transcurso do tempo e menciona
os fatos da História universal dispostos em esquemas sinópticos.
Ou seja, os historiadores cristãos dos primeiros tempos tinham essa visão universal que
harmonizava os eventos religiosos e os meramente humanos. Sua forma de entender os fatos
históricos pressupõe a fé em Deus, num Deus pessoal e providente que criou todas as coisas e as
sustenta, as governa e dirige os acontecimentos humanos.

304
Perspectiva cristã da História em seu conjunto
Após a derrocada do Império Romano e as invasões bárbaras no Ocidente, o mundo da
cultura se refugiou nos conventos e mosteiros. Coube, assim, aos monges e religiosos relatar os
eventos dignos de memória que mais tarde seriam de incalculável valor para estudiosos e
pesquisadores.
Os historiadores medievais - monges ou sacerdotes em sua grande maioria - realizam uma
leitura cristã da História. Nosso Senhor Jesus Cristo é o alfa e o ômega, princípio e fim dos tempos.
Criação, Encarnação e Parusia são os momentos mais importantes da humanidade que, depois de
ter conhecido a queda original e a Redenção, caminha rumo ao fim dos tempos.
Nessa perspectiva cristã, Deus guia os homens nas vias da salvação eterna. Portanto,
intervém de forma direta ou indireta em seu devir. Descobrir esses sinais sobrenaturais na História
do mundo, quase sempre encobertos por causas segundas, é próprio do historiador dotado de uma
visão universal dos acontecimentos.
Na Idade Média se reconhecia o senhorio de Deus nos acontecimentos e, em consequência,
sobre o mundo; e isto era um fato, por assim dizer, político que a História não podia deixar de
considerar. A identificação da Igreja histórica com a agostiniana Civitas Dei foi também um
aspecto típico da Civilização Cristã medieval, que exerceu forte influência sobre a teoria e a prática
da historiografia.

O Humanismo: uma revolução cultural


Com o que poderíamos denominar "revolução cultural" do Humanismo, teve início esse
divórcio entre História humana e História da Igreja, concomitante a um processo de progressiva
separação entre fé e razão, teologia e filosofia.
O equilíbrio entre fé e razão, teologia e filosofia - alcançada pela Escolástica no século XIII
- saltou pelos ares, abrindo caminho para uma visão assistemática e até inorgânica da condição
humana. Do teocentrismo medieval passou-se para uma visão antropocêntrica da qual a religião
não está excluída, mas relegada a um discreto segundo plano. A visão do universo tornou-se muito
mais afim ao paganismo que ao Cristianismo.
No âmbito desse processo, a História religiosa passou a ser um mero capítulo da História
do homem. E tal separação - convém insistir - não se restringiu ao campo da História, mas abarcou
todos os aspectos da vida do homem ocidental. A ruptura com a tradição teológica tomista e
medieval cedeu lugar, num primeiro momento, a um renascer do paganismo antigo, e séculos
depois desembocou no neopaganismo de nossos dias, muito mais ilógico, radical e desestruturado
que o humanismo renascentista.
Os frutos dessa "revolução cultural" não tardaram a chegar, abrindo campo para um dos
momentos mais críticos da História da Igreja: o da pseudorreforma luterana.

305
Um renascer da historiografia religiosa
Entretanto, nem tudo é negro no panorama cultural moderno. Após séculos de vão e
denodado esforço para expulsar Deus da História, cada vez mais especialistas procuram colocar a
História da Igreja na posição que lhe corresponde dentro do conjunto da História universal.
Até o fim da Segunda Guerra Mundial, a História religiosa era posta de lado, desconhecida,
desprezada. Sem embargo, desde os anos 70 ela está se tornando uma das disciplinas mais ativa e
frutuosamente desenvolvidas, por exemplo, na França. Multiplicaram-se nos últimos anos os
trabalhos, os colóquios, as teses, renovando em profundidade os métodos e as problemáticas.
Facilitaram a tomada de consciência sobre a importância dos fatores religiosos na História. Através
da exploração dos ritos, da fé, das crenças e de suas implicações, se alcança a substância própria
do homem e de suas motivações nos domínios político, social, econômico ou cultural. A História
religiosa é essencial para se compreender a História global do homem.
Termino com um ilustrativo fato. Faz alguns anos, escutei de uma docente universitária
francesa - católica praticante, professora de Sociologia das Religiões - este espirituoso comentário:
"Antigamente, quando eu queria fazer rir meus alunos, falava-lhes de Deus e da Religião; de
política e economia, quando desejava que eles ficassem sérios. Agora, ao contrário: se quero
mantê-los sérios, falo-lhes de Deus e da Religião; se viso fazê-los rir, abordo temas políticos ou
econômicos". (Revista Arautos do Evangelho, Agosto/2014, n. 152, pp. 16 a 18).

O Governo Divino: Suma Teológica de Santo Tomás


Questão 103: Do governo das coisas em comum. Depois que se tratou da criação das coisas e da
distinção delas, resta agora, em terceiro lugar, tratar do governo das mesmas. E primeiro, em
comum. Segundo, em especial; dos efeitos do governo.
Sobre a primeira questão oito artigos se discutem:
Art. 1 – Se o mundo é governado por alguém. O primeiro discute–se assim. – Parece que o mundo
não é governado por ninguém.
1. – Pois, são governados os seres que são movidos ou operam em vista de um fim. Ora, os seres
naturais, que são a maior parte do mundo, como não conhecem o fim, não são movidos nem
operam em vista dele. Logo, o mundo não é governado.
2. Demais. – São governados os seres movidos para algum termo. Ora, o mundo, tendo em si a sua
estabilidade, não é movido para nada. Logo não é governado.
3. Demais. – O que tem em si a necessidade, pela qual é determinado a um só termo, não precisa
de governante externo. Ora, as principais partes do mundo são determinadas, nos seus atos e
movimentos, a um só termo, necessariamente. Logo, o mundo não precisa de governo.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Tua providência ó Pai, é a que governa. E Boécio: Ó tu, que
governas o mundo com perpétua razão.
SOLUÇÃO. – Alguns filósofos antigos negaram o governo do mundo, dizendo que tudo se realiza
fortuitamente. Mas se demonstra a impossibilidade desta opinião, por duas razões. – Primeiro, pelo
que se manifesta nos próprios seres. Pois vemos que os seres naturais realizam o melhor, sempre

306
ou na maioria dos casos; o que não se daria se tais seres não fossem dirigidos a um fim bom, por
alguma providência, o que é governar. Por onde, a mesma ordem certa das coisas demonstra
manifestamente o governo do mundo; assim como quem entrasse numa casa bem ordenada, dessa
mesma ordem concluiria a razão do ordenador, como diz Aristóteles (Cleantes), citado por Túlio.
– Em segundo lugar, o mesmo resulta da consideração da divina bondade, da qual as coisas
receberam o ser, como claramente se conclui do que já foi dito. Pois, como ser ótimo produz efeitos
ótimos, repugna à suma bondade de Deus não levar as coisas produzidas até a perfeição. Ora, a
perfeição última de um ser é a consecução do seu fim. Por onde, à divina bondade pertence, depois
de ter dado às coisas a existência, levá–las ao fim. E isso é governar.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – De dois modos um ser é movido ou opera,
em vista de um fim. De um modo, conduzindo–se a si mesmo ao fim, como o homem e as outras
criaturas racionais; e tais seres conhecem a razão do fim e dos meios a ele conducentes. De outro
modo se diz que um ser opera ou é movido para um fim, quando é por alguém conduzido ou
dirigido para ele; assim, a seta, que não conhece o fim, é movida quando dirigida para o alvo, pelo
sagifário, que o conhece. Por onde, assim como o movimento da seta para um determinado fim
demonstra abertamente que ela é dirigida por
alguém dotado de conhecimento; assim, o curso certo dos seres naturais, privados de
conhecimento, declara manifestamente que o mundo é governado por uma razão.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Em todas as coisas criadas há algo de estável. pelo menos a matéria
prima; e algo de móvel, compreendendo–se, no movimento, também a operação. E de um e outro
modo, as coisas precisam de governo; pois, isso mesmo que nas coisas é estável reduzir–se–ia ao
nada, donde vieram, se as mãos do governador não as conservassem, como a seguir se verá.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A necessidade natural, inerente aos seres determinados a um termo,
foi impressa neles por Deus, que dirige para o fim; assim como a necessidade pela qual a seta é
levada a tender a um alvo determinado, é impressão do sagitário e não dela. Mas há diferença em
que as qualidades recebidas de Deus pelas criaturas constituem a natureza delas; ao passo que, por
violência é que o homem imprime nos seres naturais o que Ihes é estranho à natureza. Por onde,
assim como a fatalidade da violência, no movimento da seta, demonstra a direção do sagitário:
assim, a necessidade natural das criaturas demonstra o governo da providência divina.
Art. 2 – Se o fim do governo do mundo é algo de exterior ao mesmo. O segundo discute–se assim.
Parece que o fim do governo do mundo não é nada de exterior ao mesmo.
1. – Pois, o fim do governo de um ser é o para o que tal ser tende. Ora, aquilo para o que um ser
tende é um certo bem nele mesmo existente; assim o enfermo busca a saúde, que é um bem nele
mesmo existente. Logo, o fim do governo dos seres é um bem não extrínseco, mas existente neles
próprios.
2. Demais. – O Filósofo diz: dos fins, umas são tu operações e outras, tu obras, isto é, as coisas
feitas. Ora, como a operação está nos operantes, nada de extrínseco a todo o universo pode ser
operado. Logo, nada de extrínseco pode ser o fim do governo das coisas.
3. Demais. – O bem da multidão é a ordem e a paz, que é a tranquilidade da ordem, como diz
Agostinho. Logo, o mundo consiste numa multidão de coisas. E, portanto, o fim do governo do
mundo é a ordem pacífica, existente nas coisas mesmas. Por onde, o fim do governo das coisas
não é nenhum bem extrínseco.

307
Mas, em contrário, diz a Escritura: Tudo fez o Senhor por causa de si mesmo, Mas, Ele mesmo
está fora da ordem total do universo. Logo, o fim das coisas é algum bem extrínseco.
SOLUÇÃO. – Como o fim corresponde ao princípio, não é possível, uma vez conhecido este,
ignorar–se o fim das coisas. Ora, sendo, conforme resulta do que já foi dito, o princípio das coisas,
Deus, ser extrínseco a todo o universo, necessariamente também o fim delas há de ser algo de
extrínseco. E isto racionalmente se demonstra. Pois, é manifesto que o bem tem natureza de fim.
Por onde, o fim particular de um ser é algum bem particular; e o fim universal de todos, é algum
bem universal. Ora, universal é o bem em si e essencial, que é a essência mesma da bondade; e
particular é o bem, participativamente. E sendo manifesto que, em toda a universidade das
criaturas, nenhum bem há que não o seja participado, necessariamente há de o bem, que é fim de
todo o universo, ser extrínseco à totalidade do mesmo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – De muitos modos podemos conseguir um
bem: de um modo, como forma existente em nós, e assim a saúde ou a ciência; de outro, como
algo operado por nós, e assim o edificador consegue o fim fazendo a casa. De outro, como um bem
adquirido ou
possuído, e assim quem comprou consegue o fim, possuindo o campo. Por onde, nada impede seja
aquilo, a que é levado o universo, um bem extrínseco.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O Filósofo se refere aos fins das artes, das quais umas tem como
fim, as próprias operações. sendo assim o fim do citarista tocar citara: ao passo que outras tem,
como fim uma cousa feita, sendo assim o fim do edificador, não edificar, mas a casa. Ora, dá–se,
que o extrínseco pode ser fim, não só como operado, mas também como possuído e como
adquirido, ou ainda, como representado; assim, se dissermos que Hércules é o fim da imagem feita
para representá–lo. Por onde, pode–se dizer que o bem extrínseco a todo o universo é fim do
governo dos seres; como adquirido e como representado; porque todos eles tendem a participar
dele, e a assimilá–lo o mais possível.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Há um fim do universo que é um bem nele mesmo existente e esse
fim é a ordem do dito universo. Porém tal bem não é o último fim, mas se ordena ao bem extrínseco
como ao fim último; assim como também a ordem de um exército se ordena ao chefe, como diz
Aristóteles.
Art. 3 – Se o mundo tem um só governador. O terceiro discute–se assim. – Parece que o mundo
não tem um só governador.
1. – Pois, julgamos da causa pelo efeito. Ora, o governo dos seres manifesta que eles não são
uniformemente governados e nem operam uniformemente; porque, certos fenômenos são
contingentes, certos, necessários, e outros, ainda, tem modalidades diversas. Logo, o mundo não
tem um só governador.
2. Demais. – Seres submetidos a um só governador não dissentem entre si, a não ser por imperícia,
insipiência ou impotência do governador; o que não se pode supor em Deus. Ora, os seres criados
dissentem entre si, entre si se combatem, como se vê nos contrários. Logo, o mundo não tem um
só governador.
3. Demais. – A natureza sempre tende para o melhor. Ora, como diz a Escritura, melhor é, pois,
estarem dois juntos do que alar um só. Logo, o mundo não é governado por um só governador,
mas por vários.

308
Mas, em contrário, confessamos existir um só Deus e um só Senhor, conforme aquilo da Escritura:
Para nós, há um só Deus, o Pai e só um Senhor. Ora, ambos dizem respeito ao governo: pois, ao
senhor pertence o governo dos súbditos: e o nome de Deus é derivado da providência, como já se
disse antes. Logo, o mundo tem um só governador.
SOLUÇÃO. – Necessário é admitir–se que o mundo tem um só governador. Pois, como o fim do
governo do mundo é o essencialmente bom, que é óptimo, necessário é seja óptimo o governo do
mundo. Ora, óptimo é o governo de um só. E á razão é que o governo não é senão a direção dos
governados para um fim, que é um certo bem. Ora, a unidade se implica em a noção da bondade,
como o prova Boécio; pois, como todas as coisas desejam o bem, desejam ao mesmo tempo a
unidade, sem a qual não podem existir, porquanto, um ser existe na medida em que é uno. E por
isso vemos que as coisas soberanamente repugnam à divisão, e que a dissolução de um ser provém
de alguma deficiência sua. Por onde, aquilo para o que tende a intenção de quem governa a
multidão é a unidade ou a paz. Ora, a causa da unidade, é o ser uno em si; sendo manifesto que
diversos não podem unir e fazer concordarem, coisas múltiplas, a não ser que eles próprios se
unam de algum modo. Ao passo que o ser uno, em si, pode ser causa da unidade mais
convenientemente que muitos unidos; e por isso, a multidão é melhor governada por um só do que
por vários. E conclui–se, portanto, que o governo do mundo,
governo ótimo, provém de um só governador. E é isto mesmo que o Filósofo ensina: os entes não
querem ter mal dispostos; nem é boa a pluralidade dos principados; haja, pois, um só príncipe.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O movimento é o ato do móvel, proveniente
do motor. Donde, a não uniformidade dos movimentos procede da diversidade dos móveis, exigida
pela perfeição do universo, como se disse antes, e não pela pluralidade dos governadores.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora os contrários dissintam quanto aos fins próximos, convêm,
contudo, quanto ao fim último, enquanto compreendidos numa mesma ordem do universo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Nos bens particulares, dois são melhores que um só; mas ao bem
essencial nenhuma adição de bondade pode ser feita.
Art. 4 – Se o efeito do governo do mundo é um só e não vários. O quarto discute–se assim. –
Parece que o efeito do governo do mundo é um só e não vários.
1. – Pois, efeito do governo é o causado pelo mesmo, nas coisas governadas. Ora este é um só a
saber, o bem da ordem, como claramente se vê num exército. Logo é um só o efeito do governo
do mundo.
2. Demais. – É natural que de um ser proceda só um outro. Ora, o mundo tem um só governador,
como já se demonstrou. Logo, também é um só o efeito do governo.
3 . Demais. – Se o efeito do governo não fosse um só, por causa da unidade do governador, então
devia necessariamente ser multiplicado relativamente à multiplicidade dos seres governados. Ora,
estes são para nós inumeráveis. Logo, os efeitos do governo não podem ser compreendidos num
determinado número.
Mas, em contrário, diz Dionísio, que a Divindade com providência e bondade perfeita contém
todas as causas, e as completa a todas em si mesma. Ora, o governo se inclui na providência. Logo,
são alguns, determinados, os efeitos do governo divino.

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SOLUÇÃO. – Devemos considerar o efeito de qualquer ação relativamente ao fim desta; pois, da
operação resulta a consecução do fim. Ora, o fim do governo do mundo é o bem com o qual tendem
todas as coisas. Por onde, em tríplice acepção pode–se tomar o efeito do governo, – Primeiro,
relativamente ao fim, em si mesmo; e, então, o governo só tem um efeito, que é assimilar–se ao
Sumo Bem. Segundo, pode–se considerar o efeito do governo relativamente ao que leva a criatura
à assimilação com Deus. E então, em geral, tem o governo dois efeitos, porque, quanto a duas
coisas a criatura se assimila com Deus, a saber: quanto a ser Deus bom, e a criatura, boa; e quanto
a ser Deus a causa da bondade dos outros seres, e uma criatura mover a outra para a bondade. Por
onde, dois são os efeitos do governo: a conservação das coisas no bem, e a moção delas para o
bem. – Terceiro, o efeito do governo pode ser considerado em particular e, então são para nós
inúmeros.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A ordem do universo inclui em si tanto a
conservação das diversas coisas instituídas por Deus, como a moção delas; pois, segundo esta
doutrina, dupla ordem se encontra nas coisas, por ser uma cousa melhor que outra, e uma movida
por outra.
RESPOSTAS ÀS OUTRAS DUAS. – Deduzemse claras, do que acaba de ser dito.
Art. 5 – Se todos os seres estão sujeitos ao governo divino. O quinto discute–se assim. – Parece
que nem todos os seres estejam sujeitos ao governo divino.
1. – Pois, diz a Escritura: Vi que debaixo do sol não é o prêmio para os que melhor correm, nem a
guerra, para os que são mais fortes, nem o pão para os que são mais sábios, nem as riquezas para
os que são mais doutos, nem a boa aceitação para os que são mais hábeis artífices; mas que tudo
se faz por encontro e por casualidade. Ora, seres submetidos a um governo não são casuais. Logo,
o que está debaixo do sol não está sujeito ao governo divino.
2. Demais. – A Escritura diz: Acaso tem Deus, cuidado dos bois? Ora, cada qual cuida do que lhe
está submetido ao governo. Logo, nem todos os seres estão sujeitos ao governo divino.
3. Demais. – Quem pode se governar a si mesmo não precisa do governo de outrem. Ora, a criatura
racional pode se governar a si mesma, pois, tem o domínio dos seus atos, age por si; e não é levada
por outrem, somente, o que é próprio de coisas governadas. Logo, nem todos os seres estão sujeitos
ao governo divino.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Deus não abandonou o céu e a terra, o anjo e o homem, e nem
ainda a estrutura interna de qualquer ser animado, por pequeno e desprezível que seja, nem a
penazinha da ave, nem a florzinha da erva, nem a folha da árvore, sem a das suas partes, Logo,
todos os sujeitos ao seu governo:
SOLUÇÃO. – Pela mesma razão Deus é governador e causa dos seres; pois a Ele pertence produzi–
los e dar–lhes a perfeição, o que tudo é próprio de quem governa. Ora, Deus é, não a causa
particular de um gênero de seres, mas a universal, da totalidade dos seres, como já se demonstrou.
Por onde, assim como nada pode existir sem ser criado por Deus, assim também nada há que lhe
possa escapar ao governo. – E isto mesmo também se deduz claramente da noção do fim. Pois, o
governo de alguém se estende até onde pode alcançar o fim desse governo, Ora, o fim do governo
divino é a bondade mesma de Deus, como antes se demonstrou. Por onde, como nada pode haver
que se não ordene à bondade divina, como fim, segundo do sobredito se colhe, impossível é a
qualquer ser subtrair–se ao governo divino. – Logo, estulta é a opinião dos que dizem que os seres

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inferiores corruptíveis deste mundo, ou mesmo ser em particular, ou ainda as coisas humanas, não
são governados por Deus. E em nome desses diz a Escritura: O Senhor deixou a terra.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Diz–se que estão debaixo do sol as coisas
geradas e corrompidas pelo movimento do mesmo. E em todas elas se encontra o acaso; não que
seja casual tudo quanto nelas se faz, mas porque em cada uma delas pode–se encontrar algo de
casual. E isto mesmo demonstra que elas estão sujeitas ao governo divino. Pois, se tais seres
corruptíveis não fossem governados por um superior, sobretudo, os que não tem conhecimento
não tenderiam para nada; e, então, não poderia existir neles nada contrário à intenção, sendo esta
contrariedade o que constitui a essência do acaso. Por onde, para significar que o casual realiza–
se conforme à ordem de uma causa superior, na Escritura não se diz simplesmente que se viu o
acaso em todas as coisas, mas se diz tempo e casualidade porque segundo certa ordem do tempo,
encontram–se nas coisas deste mundo defeitos casuais.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O governo é uma mutação das coisas governadas, proveniente do
governador. Ora, todo movimento é um ato do móvel, proveniente do motor, como diz Aristóteles.
Ora, como todo ato é proporcionado ao ser do qual resulta, necessário é que móveis diversos sejam
movidos diversamente, mesmo relativamente ao movimento de um só motor. Assim pois, por um
só modo do
governo de Deus as coisas são governadas diversamente, conforme a diversidade delas. E então,
certas, tendo domínio sobre os seus atos, agem, por natureza, por si mesmas; e estas são governadas
por Deus, não só por serem movidas por Ele, que nelas opera interiormente, mas ainda porque Ele
as induz ao bem e retrai do mal por meio de preceitos e proibições, prêmios e penas. Ao passo que
desse modo não são governadas por Deus as criaturas irracionais, que são levadas a agir, somente,
e não agem. Assim, pois quando o Apóstolo diz, que Deus não cura dos bois, não os subtrai
totalmente ao cuidado do governo divino; mas só quanto ao modo que convém propriamente à
criatura racional.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A criatura racional governa–se a si mesma pelo intelecto e pela
vontade; e ambas essas faculdades necessitam ser governadas e completadas pelo intelecto e pela
vontade de Deus. E portanto, além do governo pelo qual a criatura racional se governa a si mesma,
como senhora dos seus atos, necessita ela ser governada por Deus.
Art. 6 – Se todas as coisas são imediatamente governadas por Deus. O sexto discute–se assim. –
Parece que todas as coisas são governadas imediatamente por Deus.
1. – Pois, Gregório Nisseno ataca a opinião de Platão, que admitia três sortes de providência: a
primeira, a do primeiro Deus que provê aos corpos celestes e a todos os seres do universo; a
segunda, a dos deuses secundários, que percorrem o céu e provêm às coisas sujeitas à geração e à
corrupção: e a terceira, enfim, a de certos demônios, guardas na terra, das ações humanas. Logo,
resulta que todas as coisas são governadas imediatamente por Deus.
2. Demais. – Sendo possível, melhor é fazer–se uma cousa por um só que por muitos, como diz
Aristóteles. Ora, Deus pode, por si mesmo, sem causas intermediárias, governar todas as causas.
Logo, conclui–se que as governa a todas imediatamente.
3. Demais. – Em Deus nada há de deficiente e imperfeito. Ora, é um defeito do governador
governar mediante outros; assim um rei terreno, não podendo fazer tudo, nem estar presente em
todas as partes do reino, necessita ter, ministros, para o seu governo. Logo, Deus governa todas as
coisas imediatamente.

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Mas, em contrário, diz Agostinho: Assim como os corpos mais crassos e inferiores são regidos,
numa certa ordem, pelos mais subtis e potentes, assim, todos os corpos, pelo espírito racional da
vida; e o espírito desertado da vida racional e pecador, pelo espírito da vida racional pio e justo; e
esse, pelo próprio Deus.
SOLUÇÃO. – Dois elementos se devem considerar, no governo: o plano do governo, que é a
providência mesma, e a execução. Quanto àquela, Deus governa imediatamente todas as coisas;
quanto à esta, governa certos seres mediante outros. – E a razão é que, sendo Deus a essência
mesma da bondade, deve–se–lhe atribuir tudo o que for ótimo. Ora, é ótimo em qualquer gênero,
noção ou conhecimento prático – e tal é o governo por essência que sejam conhecidas as
particularidades, em que consistem os atos. Assim, é ótimo o médico que não só conhece as coisas
em universal, mas também pode conhecer as menores particularidades; e o mesmo se dá em outras
condições. Por onde, deve–se dizer que Deus governa, essencialmente, todas as coisas, ainda nas
mínimas particularidades. Mas como as coisas governadas devem pelo governo ser levadas à
perfeição, tanto melhor será ele, quanto maior for a perfeição comunicada pelo governador às
coisas governadas. Ora, maior perfeição é que um ser, além de ser bom em si mesmo, seja também
para os outro; causa de bondade, do que ser somente bom em si mesmo. E portanto, Deus governa
as coisas de modo a fazer de umas as causas das outras, quanto ao
governo; como se um mestre não só comunicasse a ciência aos seus discípulos, mas ainda os
fizesse mestres de outros.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A opinião de Platão é atacada porque,
mesmo quanto à essência do governo, admitia que Deus não governa imediatamente todas as
coisas; o que bem se vê por ter tripartido a providência, que é da essência do governo.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Se Deus governasse só, seriam as coisas privadas da perfeição
causal. Por onde não seria melhor fazer–se por um só o que é feito por muitos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Não só por imperfeição é que um rei terreno tem executores do seu
governo, mas ainda por dignidade; pois, pela ordem dos ministros o poder real se torna mais
excelente.
Art. 7 – Se podem acontecer coisas fora da ordem do governo divino. O sétimo discute–se assim.
Parece que podem acontecer coisas fora da ordem do governo divino.
1. – Pois, como diz Boécio, Deus dispõe tudo por meio do bem. Se portanto, nas coisas, nada
acontecesse fora da ordem do governo divino, resultaria que nada nelas seria mau.
2. Demais. – Não é casual o que se realiza segundo a preordenação do governador. Se pois, nada
acontece, nas coisas, fora da ordem do governo divino, resulta que, nelas, nada há de fortuito e
casual.
3. Demais. – A ordem do governo divino é certa e imutável, porque se funda na razão eterna. Se
pois, nas coisas, nada pode acontecer fora da ordem desse governo, resulta que tudo se realiza
necessariamente e nada há, nelas, contingente, o que é inadmissível. Logo, podem–se dar coisas
fora da ordem do governo divino.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Senhor, Senhor Rei Onipotente, porque no teu poder estão
postas todas as coisas, e não há quem possa resistir à tua vontade.

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SOLUÇÃO. – Pode um efeito resultar fora da ordem de uma causa particular; não, porém, fora da
causa universal. E a razão é que, só por impedimento de alguma outra causa é que pode se dar
alguma cousa fora da ordem de uma causa particular; e essa causa impediente há de
necessariamente reduzir–se à causa primeira universal. Assim, uma indigestão se dá, fora da ordem
da virtude nutritiva, por algum impedimento, por exemplo, de alimentos pesados, que hão de
reduzir–se, necessariamente, a alguma outra causa, e assim até à causa primeira universal. Ora,
como Deus é a causa primeira universal, não só de um gênero, mas da totalidade dos seres, é
impossível que alguma cousa aconteça, fora da ordem do governo divino. Por onde, qualquer cousa
que escape, de um lado, à ordem da divina providência, considerada essa ordem em relação a
alguma causa particular, necessariamente há de entrar na sobredita ordem, por outra causa,
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nada há no mundo que seja totalmente mau,
porque o mal sempre se funda no bem, como antes se demonstrou. Por onde, diz–se má a cousa
que escapa à ordem de algum bem particular. Se pois escapasse, totalmente à ordem do governo
divino, reduzir–se– ia totalmente ao nada.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Chama–se casual, nas coisas, aquilo que escapa à ordem das causas
particulares; mas, em relação à divina providência, nenhum acaso há no mundo, como diz
Agostinho.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Alguns efeitos se chamam contingentes por comparação às causas
próximas que, nos seus efeitos, podem ser deficientes. E não porque alguma cousa possa realizar–
se escapando à ordem total do governo divino, porque o fato mesmo de alguma cousa se dar fora
da ordem da causa próxima é em virtude de alguma causa sujeita ao governo divino.
Art. 8 – Se pode haver alguma resistência à ordem do governo divino. O oitavo discute–se assim.
– Parece que alguma resistência pode haver à ordem do governo divino.
1. – Pois, a Escritura diz: a língua deles e as invenções da sua fantasia são contra o Senhor.
2. Demais. – Nenhum rei justo pune os que não lhe resistem às ordens. Se pois, nada se opusesse
à ordem divina, ninguém seria punido justamente por Deus.
3. Demais. – Cada ser está sujeito à ordem do governo divino. Ora, há seres opostos a outros.
Logo, há coisas que contrariam à ordem divina.
Mas, em contrário, diz Boécio: nada há que queira ou possa opor–se a este Sumo Bem. É pois o
Sumo Bem. que rege firmemente todas as causas e as dispõe suavemente, como diz a Escritura
falando da divina sapiência.
SOLUÇÃO. – De duplo modo podemos considerar a ordem da divina providência: em geral,
enquanto resultante da causa governadora de tudo; e em especial, enquanto resultante de uma causa
particular, executiva do governo divino. – Ora, do primeiro modo, nada se opõe à ordem do
governo divino, o que se evidencia por duas razões. A primeira é que a ordem desse governo tende
totalmente para o bem; e cada cousa, na sua operação e no seu impulso, não tende senão para o
bem; pois, ninguém opera o mal refletidamente, como diz Dionísio. A segunda resulta clara de
que, como já se disse antes, toda inclinação natural ou voluntária de um ser não é mais do que uma
impressão do primeiro motor, assim como a inclinação da seta para o alvo determinado não é mais
do que uma impressão do sagitário. Por onde todos os seres que agem, natural ou voluntariamente,
chegam como espontaneamente ao fim para que foram ordenados divinamente. Por onde se diz
que Deus dispõe de tudo suavemente.

313
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Diz–se que alguns pensam, falam ou agem
contra Deus, não porque totalmente resistam à ordem do governo divino, pois mesmo os pecadores
buscam algum bem; mas porque se opõem a algum determinado bem que lhes é conveniente pela
sua natureza ou estado. E por isso são justamente punidos por Deus.
E daqui se deduz clara a RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O fato de uma cousa se opor a outra mostra que um ser pode resistir
à uma ordem procedente de alguma causa particular; não, porém, à ordem dependente da causa
universal total.

Trecho do livro “O Catolicismo no Brasil”


Quando historiadores, cronistas, ou compiladores de fatos históricos nos falam do
descobrimento da América, e especialmente do Brasil como de aventuras felizes de navegadores
ousados, ou de simples coincidências e acasos, sem dúvida eles não o fazem com o propósito
esclarecido e consciente de negar os princípios que regem a ciência da História, e as leis que
adaptam o meio, o teatro, o cenário, por assim dizer, do drama humano ao desenvolvimento)
progressivo, lógico, harmonioso e necessário de seus episódios.
É certo, entretanto, que assim descrevendo com tamanho descuido ou indiferença pela sua
essencial razão de ser os fatos históricos, eles de todo não apreendem o elemento divino da
História. Esta, é bem claro, se lhes apresenta como uma simples aglomeração de fatos sem
coordenação a leis fixas, imutáveis, estranhos e superiores à liberdade humana.
É certo, entretanto, que, como entendia o mais ilustre e grave dos contemporâneos que a
cultivaram, a História é um edifício onde a vontade do homem pode impor a decoração, mas não
determinar as linhas gerais, prescritas por leis imutáveis. É certo que a história não é a crônica,
nem a gazeta: é a harmonia do verdadeiro, do belo e do bom; é uma ciência que ligando o presente
ao passado como o efeito à causa, e os meios ao fim, transporta para a ordem eterna do universo
as leis que regem o mundo moral. Daí é que decorre a necessidade de se exigir da história a fórmula
de seus fenômenos e também a necessidade de se combinar o seu elemento livre, acidental, humano
com o seu elemento essencial, imutável, divino. Sem isso, não se compreendem os fatos; não se
determina nem caracteriza nenhum fato, muito menos o fato religioso, isto é, o maior e o mais
imponente de todos os fatos.
Por mais sintética que deva ser a Memória de que fui encarregado, não posso escrevê-la
senão sob a inspiração desse critério sem o qual não compreendo que se possa escrever uma
memória histórica sobre a Religião no Brasil, onde o início e o desenvolvimento de nossa
nacionalidade, a formação da pá¬tria, as lutas coloniais, a educação do povo, os usos e costumes
- tudo isto está identificado com as crenças religiosas de nossos antepassados. Aliás, o critério que
adoto para descrever o fato religioso no Brasil é o critério que se impõe a todo escritor
consciencioso; porque, quer se trate do fato religioso na história geral do mundo, quer se trate,
como nesta Memória, do fato religioso na história particular de um povo, o papel do historiador
deve ser sempre o mesmo. Ele não pode impunemente, isto é, sem faltar à verdade, violar as leis
divinas da História.
Considerando neste trabalho o descobrimento da América um fato providencial, de
indústria preparado por Deus para compensação e equilíbrio das perdas que na Europa o

314
protestantismo acarretou à Igreja; dando a Pedro Alvares Cabral uma missão divina; fazendo,
enfim, do Brasil um novo cenário dado ao cristianismo, dirão, talvez, que eu faço do Discurso
sobre a História Universal, essa obra-prima de Bossuet, o modelo, a regra, o limite dos quadros e
narrações da História. Respondo que a História, mesmo servida pelos processos de Taine, não pode
ser escrita verdadeira e exatamente, amesquinhando¬-se a amplitude do fato religioso, tão largo,
tão vasto, tão complexo, e tão preso também aos outros fatos que os próprios adversários da Fé
reconhecem a sua supremacia, e o estudo comparado das religiões se tornou, principalmente na
Alemanha e na França, um dos grandes objetos de trabalho científico.
Assim devia acontecer; porque não se pode escrever a história particular de cada povo sem
relacioná-la com a história geral do mundo, que, máxime no fato religioso, atrai irresistivelmente
todas as histórias particulares. Como alguém, ainda mesmo muito mais habilitado do que eu,
poderia escrever uma memória histórica sobre a religião no Brasil, segregando o fato cristão
brasileiro do fato cristão que se desenvolveu nos outros países, segregando a história do Brasil da
história geral do mundo?!
Duvido que alguém o pudesse fazer; porque eu penso com ilustre escritor contemporâneo
que o objeto da História não é apenas a série dos impérios e dinastias; a cadeia das grandes batalhas
que têm sucessivamente mudado a carta do mundo político; a vida dos grandes capitães dos
diferentes séculos; as guerras entre os Estados que têm disputado a preponderância, e em cada
Estado as lutas entre os partidos que têm disputado o poder; o progresso das letras, das artes, das
ciências, da indústria e do comércio nas diferentes nações: a condição do direito privado e do
direito das gentes nas diferentes épocas do mundo. Penso que o objeto da História é, além de tudo
isso, o quadro fiel da marcha do gênero humano através dos séculos. Esta marcha não consiste
somente no movimento político, jurídico, científico, literário, industrial, artístico das nações; mas
também no movimento geral que abrange e arrebata todos esses movimentos interiores dos povos
para o fim, o destino da humanidade.

As Duas Civilizações: Delassus


O Syllabus de Pio IX termina com esta proposição condenável e condenada: “O Pontífice
romano pode e deve se reconciliar e transigir com o progresso, o liberalismo e a civilização
moderna”.
A última proposição do decreto que se chamou o Syllabus de Pio X, proposição igualmente
condenável e condenada, está concebida assim: “O catolicismo de hoje não se pode conciliar com
a verdadeira ciência, a menos que se transforme num cristianismo não dogmático, isto é, num
protestantismo sábio e liberal”.
Sem dúvida não foi sem intenção que essas duas proposições receberam, num e noutro
Syllabus, este lugar, o último, aparecendo aí como conclusão. Dá-se que, com efeito, essas
proposições resumem as precedentes e precisam-lhes o espírito. É necessário que a Igreja se
reconcilie com a civilização moderna. E a base proposta para essa reconciliação é, não a aceitação
dos dados da verdadeira ciência, que a Igreja jamais repudiou, que Ela sempre favoreceu, cujos
progressos Ela sempre aplaudiu e para o qual contribuiu mais do que qualquer outra instituição;
mas o abandono da verdade revelada, abandono que transformaria o catolicismo num
protestantismo largo e liberal, no qual todos os homens pudessem se reencontrar, quaisquer que

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fossem suas ideias a respeito de Deus, de Suas revelações e de Seus mandamentos. Dizem os
modernistas que é apenas através desse liberalismo que a Igreja pode ver novos dias se abrirem
diante d’Ela, obter a honra de entrar nas vias da civilização moderna e marchar junto com o
progresso. Todos os erros assinalados num e noutro Syllabus apresentam-se como as diversas
cláusulas do tratado proposto à assinatura da Igreja para essa reconciliação com o mundo, para sua
admissão na cidade moderna.
Civilização moderna. Existe, pois, civilização e civilização? Existiu, portanto, antes da
era dita moderna uma civilização diversa daquela que o mundo de nossos dias usufrui, ou pelo
menos, persegue? Com efeito, existiu, e existe ainda na França e na Europa, uma civilização
chamada civilização cristã. Que motivo faz com que essas duas civilizações se diferenciem? Elas
se diferenciam pela concepção que têm do fim último do homem, e dos efeitos diversos e mesmo
opostos que uma e outra concepção produzem assim na ordem social como na ordem privada.
“O objetivo último do homem é ser feliz”, diz Bossuet. Isto não é exclusivo dele: é o fim
para o qual tendem todas as inteligências, sem exceção. O grande orador não falha em reconhecer
isso: “As naturezas inteligentes não têm vontade nem desejo senão para sua felicidade”. E
acrescenta: “Nada de mais razoável, porque o que há de melhor do que desejar o bem, quer dizer,
a felicidade? ” . Assim, encontramos no coração do homem um impulso invencível, que o impele
a procurar a felicidade. Se quisesse, não poderia se desfazer dele. É o fundo de todos os seus
pensamentos, o grande móvel de todas as suas ações; e mesmo quando ele se atira à morte, é por
estar persuadido de achar no nada uma sorte preferível àquela na qual ele se vê. O homem pode se
enganar, e de fato ele se engana muito frequentemente na busca da felicidade, na escolha da via
que deve levá-lo a ela. “Colocar a felicidade onde ela está é a fonte de todo o bem, diz ainda
Bossuet; e a fonte de todo o mal consiste em colocá-la onde não é preciso.” Isto é tão verdadeiro
para a sociedade como para o homem individual.
O impulso em direção à felicidade vem do Criador, e Deus nele acrescenta Sua luz para
iluminar o caminho, diretamente por Sua graça, indiretamente pelos ensinamentos de Sua Igreja.
Mas pertence ao homem, indivíduo ou sociedade, pertence ao livre arbítrio dirigir-se, ir buscar sua
felicidade ali onde lhe agrada colocá-la, no que é realmente bom, e, acima de toda bondade, no
Bem absoluto, Deus; ou naquilo que têm apenas as aparências do bem, ou que não é senão um bem
relativo.
Desde a criação do gênero humano o homem se desviou do bom caminho. Ao invés de crer
na palavra de Deus e de obedecer à Sua determinação, Adão deu ouvidos à voz encantadora que
lhe dizia para colocar seu fim nele mesmo, na satisfação de sua sensualidade, nas ambições de seu
orgulho. “Sereis como deuses”; “o fruto da árvore era bom de comer, belo de ver, e de um aspecto
que excitava o desejo”.
Tendo assim se desviado desde o primeiro passo, Adão arrastou sua descendência na
direção que ele acabava de tomar. Nessa direção ela caminhou, nessa direção ela avançou, nessa
direção ela submergiu durante longos séculos. A história aí está para contar os males que ela
encontrou nesse longo extravio. Deus teve piedade dela. No Seu conselho de infinita misericórdia
e de infinita sabedoria, Ele resolveu recolocar o homem sobre o caminho da felicidade. E a fim
de tornar Sua intervenção mais eficaz, Ele quis que uma Pessoa divina viesse sobre a terra mostrar
o caminho por Sua palavra, tocar os homens por Seu exemplo. O Verbo de Deus se encarnou e
veio passar trinta e três anos entre nós, para nos tirar da via da perdição e para nos abrir a estrada

316
de uma felicidade não enganosa. Suas palavras e Seus atos derrubavam todas as ideias até então
aceitas.
Ele dizia: Bem-aventurados os pobres! Bem-aventurados os mansos, os pacíficos, os
misericordiosos! Bem-aventurados os puros! Até a vinda d’Ele, dizia-se: Bem-aventurados os
ricos! Bem-aventurados aqueles que dominam! Bem-aventurados os que vivem sem nada recusar
às suas paixões! Ele tinha nascido em um estábulo, fizera-Se o servidor de todos, sofrera morte e
paixão, a fim de que não se considerassem suas palavras meras declamações, mas lições, as mais
persuasivas lições que possam ser concebidas, dadas que eram por um Deus, e um Deus que Se
aniquilou por amor a nós. Ele quis perpetuar essas lições, torná-las sempre expressivas e operantes
aos olhos e nos ouvidos de todas as gerações que deviam vir. Para isso Ele fundou a Santa Igreja.
Estabelecida no centro da humanidade, Ela não cessou, pelos ensinamentos de seus doutores e
pelos exemplos de seus santos, de dizer a todos os que Ela viu passar sob seus olhos: “Procurais,
ó mortais, a felicidade, e procurais uma coisa boa; ficai atentos apenas para não procurardes onde
ela não está. Vós a procurais na terra, mas não é aí que ela está estabelecida, nem aí que se
encontram esses dias felizes dos quais nos falou o divino Salmista: Diligit dies videre bonos... Aí
estão os dias de miséria, os dias de suor e de trabalhos, os dias de gemidos e de penitência, aos
quais nós podemos aplicar as palavras do profeta Isaías: “Meu povo. Os que te dizem feliz, abusam
de ti e perturbam tua conduta”. E ainda: “Os que fazem o povo acreditar que é feliz, são
enganadores”. Pois onde se encontra a felicidade e a verdadeira vida, senão na terra dos vivos?
Quem são os homens felizes, senão aqueles que estão com Deus? Esses vêem dias bonitos, porque
Deus é a luz que os ilumina. Esses vivem na abundância, porque Deus é o tesouro que os
enriquece. Esses, enfim, são felizes, porque Deus é o bem que os contenta e que, somente Ele, é
tudo para todos”.
Do século I ao século XIII, os povos tornaram-se cada vez mais atentos a essa pregação, e
o número dos que dela fizeram luz e regra de vida foi cada vez maior. Sem dúvida, havia fraquezas,
fraquezas das nações e fraquezas das almas. Mas a nova concepção da vida permanecia lei para
todos, lei que os desvios não faziam perder de vista e à qual todos sabiam, todos sentiam que era
preciso retornar uma vez que se tivessem afastado. Nosso Senhor Jesus Cristo, com Seu Novo
Testamento, era o doutor escutado, o guia seguido, o rei obedecido. Sua realeza era a tal ponto
reconhecida pelos príncipes e pelos povos, que eles a proclamavam até em suas moedas. Em todas
estava gravada a cruz, o signo augusto da ideia que o cristianismo tinha introduzido no mundo,
que era o princípio da nova civilização, da civilização cristã, que devia regê-lo, o espírito de
sacrifício oposto à ideia pagã, ao espírito de gozo que tinha construído a civilização antiga, a
civilização pagã. À medida que o espírito cristão penetrava as almas e os povos, almas e povos
cresciam na luz e no bem, se elevavam pelo só fato de verem a felicidade no alto e de a carregarem
consigo. Os corações tornavam-se mais puros, os espíritos mais inteligentes. Os inteligentes e os
puros introduziam na sociedade uma ordem mais harmoniosa, aquela que Bossuet nos descreveu
no sermão sobre a eminente dignidade dos pobres. A ordem mais perfeita tornava a paz mais geral
e mais profunda; a paz e a ordem engendravam a prosperidade, e todas essas coisas davam ensejo
às artes e às ciências, esses reflexos da luz e da beleza dos céus. De sorte que, como observou
Montesquieu: “A religião cristã, que parece não ter outro objetivo além da felicidade da outra vida,
ainda constrói nossa felicidade nesta”.
É, ademais, o que São Paulo tinha anunciado, quando disse: “Pietas ad omnia utilis est,
promissiones habens vitae quae nunc est et futuraep. A piedade é útil para tudo, possuindo as

317
promessas da vida presente e aquelas da vida futura”. Não havia o próprio Nosso Senhor dito:
“Procurai primeiro o reino de Deus e Sua Justiça, que o resto vos será dado de acréscimo”? Não
há aí uma promessa de ordem sobrenatural, mas o anúncio das consequências que deviam sair
logicamente da nova orientação dada ao gênero humano.
De fato, vemos que o espírito de pobreza e a pureza de coração dominam as paixões, fontes
de todas as torturas da alma e de todas as desordens sociais. A mansidão, a pacificação e a
misericórdia produzem a concórdia, fazem reinar a paz entre os cidadãos e na cidade. O amor da
justiça, mesmo contrariado pela perseguição e pelo sofrimento, eleva a alma, enobrece o coração
e lhe proporciona os mais sãos prazeres; ao mesmo tempo eleva o nível moral da sociedade.
Que sociedade, aquela em que as bem-aventuranças evangélicas fossem colocadas sob os
olhos de todos, como objetivo a conquistar, e na qual seriam oferecidos a todos os meios de
alcançar a perfeição e a bem-aventurança assinaladas no sermão da montanha:
Felizes os que têm espírito de pobreza!
Felizes os mansos!
Felizes os que choram!
Felizes os que têm fome e sede de justiça!
Felizes os que são misericordiosos!
Felizes os que têm o coração puro!
Felizes os pacíficos!
Felizes os que sofrem perseguição por amor da justiça!
A ascensão, não direi das almas santas, mas das nações, teve seu ponto culminante no
século XIII. São Francisco de Assis e São Domingos, com seus discípulos São Luís de França e
Santa Elisabete da Hungria, acompanhados e seguidos por tantos outros, mantiveram por algum
tempo o nível que havia sido atingido pela emulação que tinham excitado nas almas os exemplos
de desapego das coisas deste mundo, de caridade em relação ao próximo e de amor a Deus, que
tantos outros santos tinham dado. Mas enquanto essas almas nobres atingiam os mais altos cumes
da santidade, muitas outras esfriavam no seu entusiasmo por Deus; e por volta do fim do século
XIV, manifestou-se abertamente o movimento de retrocesso que arrebatou a sociedade e que a
conduziu à situação atual, quer dizer, o triunfo próximo, o reino iminente do socialismo, fim
obrigatório da civilização moderna. Porque enquanto a civilização cristã elevava as almas e tendia
a dar aos povos a paz social e a prosperidade mesmo temporal, o fermento da civilização pagã
tende a produzir seus últimos efeitos: a procura, por todos, de todos os prazeres; a guerra, para
consegui-los, de homem contra homem, de classe contra classe, de povo contra povo; guerra que
não poderia terminar senão com o aniquilamento do gênero humano.

A dupla concepção de vida


A civilização cristã procede de uma concepção de vida diversa daquela que dera origem à
civilização pagã. O paganismo, empurrando o gênero humano pelo declive em que o pecado
original o colocara, dizia ao homem que ele estava sobre a terra para fruir a vida e os bens que este
mundo lhe oferece. O pagão não ambicionava, não buscava nada além disso; e a sociedade pagã

318
estava constituída para oferecer esses bens tão abundantes e esses prazeres tão refinados, ou
também tão grosseiros quanto possam ser, para os que estavam em situação de pretendê-los. A
civilização antiga nasceu desse princípio, todas as suas instituições dele decorriam, sobretudo as
duas principais, a escravidão e a guerra. Pois a natureza não é suficientemente generosa, e
sobretudo então não tinha sido cultivada pelo tempo necessário e bastante bem para oferecer a
todos os prazeres cobiçados. Os povos fortes subjugavam os povos fracos, e os cidadãos
escravizavam os estrangeiros e mesmo seus irmãos, para obter produtores de riquezas e
instrumentos de prazer.
O cristianismo chegou e fez o homem compreender que devia procurar numa outra direção
a felicidade cuja necessidade não cessa de atormentá-lo. Ele destruiu a noção que o pagão criara
da vida presente. O divino Salvador ensinou-nos por Sua palavra, persuadiu-nos por Sua morte e
ressurreição, que se a vida presente é uma vida, ela não é A VIDA que Seu Pai nos destinou.
A vida presente não é senão a preparação para a vida eterna. Aquela é o caminho que
conduz a esta. Nós estamos in via, diziam os escolásticos, caminhando ad terminum, na estrada
para o céu. Os sábios de hoje exprimiriam a mesma ideia, dizendo que a terra é o laboratório no
qual se formam as almas, no qual se recebem e se desenvolvem as faculdades sobrenaturais que o
cristão, após a morte, gozará na morada celeste. Como a vida embrionária no seio materno. É
também uma vida, mas uma vida em formação, na qual se elaboram os sentidos que deverão
funcionar na estada terrestre: os olhos que contemplarão a natureza, o ouvido que recolherá suas
harmonias, a voz que a isso misturará seus cantos etc.
No céu nós veremos a Deus face a face, é a grande promessa que nos foi feita. Toda a
religião está baseada nela. E, no entanto, nenhuma natureza criada é capaz dessa visão.
Todos os seres vivos têm sua maneira de conhecer, limitada por sua própria natureza. A
planta tem um certo conhecimento das substâncias que devem servir à sua manutenção, posto que
suas raízes se estendem em direção a elas, procurando as para ingeri-las. Esse conhecimento não
é uma visão. O animal vê, mas ele não tem a inteligência das coisas que seus olhos abarcam. O
homem compreende essas coisas, sua razão as penetra, abstrai as ideias que elas contêm e através
delas se eleva à ciência. Mas as substâncias das coisas permanecem escondidas, porque o homem
é apenas um animal racional e não uma pura inteligência. Os anjos, inteligências puras, vêem a si
mesmos na sua substância, podem contemplar diretamente as substâncias da mesma natureza da
deles, e com mais razão as substâncias inferiores. Mas eles não podem ver a Deus. Deus é uma
substância à parte, de uma ordem infinitamente superior. O maior esforço do espírito humano
conseguiu qualificá-Lo de “ato puro”, e a Revelação nos diz que Ele é uma trindade de pessoas na
unidade da substância, a segunda engendrada pela primeira, a terceira que procede das outras duas,
e isso numa vida de inteligência e de amor que não tem começo nem fim. Ver a Deus como Ele
é, amá-Lo como Ele Se ama e nisto consiste a beatitude prometida está acima das forças de toda
natureza criada e mesmo possível. Para compreendê-Lo, essa natureza não deveria ser nada menos
que igual a Deus.
Mas aquilo que não tem cabimento pela natureza pode sobrevir pelo dom gratuito de Deus.
E isto é: nós o sabemos porque Deus no-lo disse ter feito. Isto serve para os anjos e isto serve para
nós. Os anjos bons veem a Deus face a face, e nós somos chamados a gozar da mesma felicidade.
Nós não podemos chegar a isso senão por alguma coisa de sobre-acrescentado, que nos
eleva acima de nossa natureza, que nos torna capazes daquilo de que somos radicalmente

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impotentes por nós mesmos, como seria o dom da razão para um animal ou o dom da visão para
uma planta. Essa alguma coisa é chamada aqui embaixo de graça santificante. É, diz o apóstolo
São Pedro, uma participação na natureza divina. E é preciso que seja assim; pois, como acabamos
de ver, em nenhum ser a operação ultrapassa, pode ultrapassar a natureza desse ser. Se um dia
somos capazes de ver a Deus, é porque alguma coisa de divino terá sido depositada em nós, ter-
se-á tornado uma parte do nosso ser, e o terá elevado até torná-lo semelhante a Deus.
“Bemamados, diz o apóstolo São João, agora somos filhos de Deus, e aquilo que um dia seremos
ainda não se manifestou: seremos semelhantes a Ele, porque nós O veremos tal como Ele é” (I Jo,
III, 2).
Essa alguma coisa nós a recebemos desde este mundo, no santo Batismo. O apóstolo São
João a chama um germe (I Jo, III, 9), isto é, o início de uma vida. Era o que Nosso Senhor nos
assinalava quando falava a Nicodemos sobre a necessidade de um novo nascimento, de uma
geração para a nova vida: a vida que o Pai tem n’Ele mesmo, que Ele dá ao Filho, e que o Filho
nos traz ao nos enxertar n’Ele pelo Santo Batismo. Essa palavra enxerto, que dá uma imagem tão
viva de todo o mistério, São Paulo a tomara de Nosso Senhor, que disse a Seus apóstolos: “Eu sou
a videira, vós sois os ramos. Assim como o ramo não pode dar fruto por si só, sem permanecer na
videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim”.
Essas ideias elevadas eram familiares aos primeiros cristãos. O que o demonstra é que os
apóstolos, quando levados a falar delas nas Epístolas, fazem-no como de uma coisa já conhecida.
E de fato, foi assim que os ritos do batismo lhes foram apresentados em longas catequeses. Depois,
as vestes brancas dos neófitos lhes dizia que eles começavam uma vida nova, que relativamente a
essa vida eles estavam nos dias da infância: Filhos espirituais, era-lhes dito, como crianças recém-
nascidas, desejai ardentemente o leite que deve alimentar vossa vida sobrenatural: o leite da fé sem
alteração, sine dolo lac concupiscite, e o leite da caridade divina. Quando o desenvolvimento do
germe que recebestes tiver chegado a seu fim, essa fé tornar-se-á clara visão, essa caridade tornar-
se-á amor divino.
Toda a vida presente deve tender a esse desabrochar, à transformação do velho homem, do
homem da pura natureza e mesmo da natureza decaída, em homem deificado. Eis o que acontece
aqui embaixo ao cristão fiel. As virtudes sobrenaturais, infundidas em nossa alma no batismo,
desenvolvem-se a cada dia pelo exercício que nós lhes damos com os socorros da graça, e tornam
assim a graça capaz das atividades sobrenaturais que deverá desdobrar no céu. A entrada no céu
será o nascimento, assim como o batismo foi a concepção.
Assim são as coisas. Eis o que Jesus fez e a respeito do que Ele veio informar o gênero humano.
Desde então a concepção da vida presente foi radicalmente mudada. O homem não estava mais
sobre a terra para gozar e morrer, mas para se preparar para a vida do alto e merecê-la.
GOZAR, MERECER, são as duas palavras que caracterizam, que separam, que opõem as duas
civilizações.
Isto não quer dizer que desde o momento em que o cristianismo foi pregado os homens não
pensaram em mais nenhuma outra coisa que não fosse a sua santificação. Eles continuaram a
perseguir as finalidades secundárias da vida presente, e a cumprir, na família e na sociedade, as
funções que elas requerem e os deveres que elas impõem. Ademais, a santificação não se opera
unicamente pelos exercícios espirituais, mas pelo cumprimento de todo dever de estado, por todo
ato feito com pureza de intenção. “Tudo quanto fizerdes, diz o apóstolo São Paulo, por palavras

320
ou por obras, fazei-o em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo... Trabalhai para agradar a Deus em
todas as coisas, e dareis frutos em toda boa obra” (Col, I, 10 e III, 17).
Além disso, permaneceram na sociedade, e nela permanecerão até o fim dos tempos, as duas
categorias de homens que a Santa Escritura tão bem denomina: os bons e os maus. Todavia é de
se reparar que o número dos maus diminui e o número dos bons aumenta à medida que a fé adquire
mais influência na sociedade. Estes, porque têm a fé na vida eterna, amam a Deus, fazem o bem,
observam a justiça, são os benfeitores de seus irmãos, e por tudo isso fazem reinar na sociedade a
segurança e a paz. Aqueles, porque não têm fé, porque seus olhares ficaram fixados nesta terra,
são egoístas, sem amor, sem piedade por seus semelhantes: inimigos de todo o bem, eles são na
sociedade uma causa de discórdia e de impedimento para a civilização.
Misturados uns aos outros, os bons e os maus, os crentes e os incrédulos, formam as duas cidades
descritas por Santo Agostinho: “O amor a si, que pode ir até ao desprezo de Deus, constitui a
sociedade comumente chamada “o mundo”; o amor a Deus, levado até ao desprezo de si mesmo,
produz a santidade e povoa “a vida celeste”.
À medida que a nova concepção da vida trazida por Nosso Senhor Jesus Cristo à terra entrou nas
inteligências e penetrou nos corações, a sociedade se modificou: o novo ponto de vista mudou os
costumes, e, sob a pressão das ideias e dos costumes, as instituições se transformaram. A
escravidão desapareceu, e ao invés de se ver os poderosos subjugarem seus irmãos, viu-se-os se
dedicarem até ao heroísmo para obter-lhes o pão da vida presente, e também, e sobretudo, para
obter-lhes o pão da vida espiritual, para elevar as almas e santificá-las. A guerra não mais foi feita
para se apoderar dos territórios de outrem, e conduzir homens e mulheres à escravidão, mas para
quebrar os obstáculos que se opunham à expansão do reino de Cristo e obter para os escravos do
demônio a liberdade dos filhos de Deus.
Facilitar, favorecer a liberdade dos homens e dos povos nos seus passos em direção ao bem,
tornou-se a finalidade para a qual as instituições sociais se encaminharam, senão sua finalidade
expressamente determinada. E as almas aspiraram ao céu e trabalharam para merecê-lo. A busca
dos bens temporais pelo gozo que deles se pode tirar não foi mais o único nem mesmo o principal
objeto da atividade dos cristãos, pelo menos dos que estavam verdadeiramente imbuídos do
espírito do cristianismo, mas a busca dos bens espirituais, a santificação da alma, o crescimento
das virtudes, que são o ornamento e as verdadeiras delícias da vida daqui de baixo, e ao mesmo
tempo garantia da bem-aventurança eterna.
As virtudes adquiridas pelos esforços pessoais se transmitiam pela educação de uma geração a
outra; e assim se formou pouco a pouco a nova hierarquia social, fundada não mais sobre a força
e seus abusos, mas sobre o mérito: em baixo, famílias que se detiveram na virtude do trabalho; no
meio, aquelas que, sabendo juntar ao trabalho a moderação no uso dos bens que ele lhes propicia,
fundaram a propriedade através da poupança; no alto, aquelas que, desembaraçando-se do
egoísmo, se elevaram às sublimes virtudes da dedicação a outrem: povo, burguesia, aristocracia.
A sociedade foi baseada e as famílias escalonadas sobre o mérito ascendente das virtudes,
transmitidas de geração em geração.
Tal foi a obra da Idade Média. Durante seu curso, a Igreja realizou uma tripla tarefa. Ela
lutou contra o mal que provinha das diversas seitas do paganismo e o destruiu; ela transformou os
bons elementos que se encontravam entre os antigos romanos e as diversas espécies de bárbaros;
enfim, Ela fez triunfar a ideia que Nosso Senhor Jesus Cristo dera da verdadeira civilização. Para

321
aí chegar, Ela tinha-Se empregado primeiramente em reformar o coração do homem; daí viera a
reforma da família, a família reformara o Estado e a sociedade: via inversa daquela que se quer
seguir hoje.
Sem dúvida, crer que, na ordem que acabamos de explanar, não tenha havido desordem,
seria se enganar. O antigo espírito, o espírito do mundo, que Nosso Senhor havia anatematizado,
jamais foi, jamais será completamente vencido e aniquilado. Sempre, mesmo nas melhores
épocas, ainda quando a Igreja obteve na sociedade a maior ascendência, houve homens bons e
homens maus; mas viam-se as famílias subir em razão de suas virtudes ou declinar em razão de
seus vícios; viam-se os povos distinguir-se entre si por suas civilizações, e o grau de civilização
prender-se às aspirações dominantes em cada nação: elas se elevavam quando essas aspirações
depuravam e subiam; elas regrediam quando suas aspirações levavam-nas em direção ao gozo e
ao egoísmo. Entretanto, ainda que acontecesse que nações, famílias, indivíduos se abandonassem
aos instintos da natureza ou a eles resistissem, o ideal cristão permanecia sempre inflexivelmente
mantido sob os olhos de todos pela Santa Igreja.
O impulso imprimido à sociedade pelo cristianismo começou a diminuir, dissemos, no
século XIII; a liturgia o percebe e os fatos o demonstram. Inicialmente houve a paralisação, depois
o recuo. Esse recuo, ou melhor, essa nova orientação, foi logo tão manifesta que recebeu um
nome, a RENASCENÇA, renascença do ponto de vista pagão na ideia da civilização. E com o
recuo veio a decadência. “Tendo-se em conta todas as crises atravessadas, todos os abusos, todas
as sombras no quadro, é impossível contestar que a história da França - a mesma observação vale
para toda a república cristã - é uma ascensão, como história de uma nação, enquanto a influência
moral da Igreja domina, e que ela se torna uma queda, apesar de tudo o que essa queda às vezes
tem de brilhante e de épico, desde que os escritores, os sábios, os artistas e os filósofos substituíram
a Igreja e A despojaram de seu domínio”.

322
323
Sobre a capa
SÃO JOÃO BOSCO
(31 de janeiro)

São João Bosco é um dos Santos mais populares da Igreja e do mundo. Foi sua missão
específica a educação cristã da juventude. Para o desempenho da sua missão salvadora, jamais o
Céu lhe faltou com extraordinários dotes humanos e sobrenaturais.
Dom Bosco tinha sonhos místicos e em um destes sonhos determinou a latitude e a
longitude de uma região, que hoje reconhecemos como sendo Brasília, a capital do Brasil. Por
estes conhecimentos geográficos místicos, escolhemos Dom Bosco como o padroeiro da Geografia
nesta trajetória de estudo.

324
Objetivos da Geografia

Qual a importância desta ciência? Como ela nos ajuda a buscar a


santidade?
Caríssimos pais e filhos,
É com grande alegria que lhes apresentamos este humilde material da ciência geográfica,
que tem por finalidade o engrandecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Sua Igreja e o triunfo
da Bem-Aventurada Virgem Maria em vossos corações e mentes, para que através desses estudos
consigam contemplar a Beleza, o Bem, a Verdade e a Unidade expressos no Catolicismo.
É de extrema relevância que os senhores pais se dediquem à Geografia na educação de seus
filhos, pois o presente material quer apresentar uma nova Geografia, a Católica! Sendo assim, ela
é muito importante, porque trata de assuntos diferentes que envolvem toda a nossa vida, tanto a
terrena, quanto a eterna, com assuntos referentes à mapas (Cartografia), ajudando-nos a lê-los e
compreendê-los, a localizarmo-nos e orientarmo-nos no espaço. Observa, também, aspectos da
Criação Divina que nos cerca e sua perfeita harmonia, mostrando as cores, movimentos e formação
dentre os mais diversos materiais que a formam, percebendo assim a Grandeza, Beleza e Glória
de Deus Criador. Dentro deste tema, a natureza recebe destaque, por conta da formação do relevo,
vegetações, os climas, furacões, raios, mares, rios, oceanos, expondo o magnífico toque de
perfeição e poder do Senhor. São de tão grandiosa perfeição, que não faltarão passagens das
Sagradas Escrituras que exaltem sua beleza e mostrem o toque divino dado a elas, ressaltando
inclusive a importância da Geografia para a interpretação e entendimento dos lugares bíblicos.
Outro ponto fundamental da Geografia são as relações entre as pessoas (cultura, religião,
guerras, alianças, migrações etc.), que foram transformando a si mesmas e o espaço à sua volta, a
partir de uma missão dada pelo próprio Deus, Senhor do Universo, ainda em tempos de Adão. Essa
missão santa será apresentada mais adiante.
Como se observa, a Geografia possui muitos assuntos a serem tratados e todos serão vistos
a partir da fé católica que está por trás de toda a ciência e vida humana.
Mas, antes de definirmos o que vem a ser a Geografia em sua visão católica, passemos a
algumas orientações simples e objetivas de como o estudante e os educadores/pais devem proceder
ao longo deste ano. Elas são de extrema importância no aprendizado do estudante; se forem
seguidas, o estudante obterá um ótimo desenvolvimento intelectual e espiritual, e também as
qualidades necessárias para prosseguir no estudo da ciência geográfica.
Seguem as orientações:
1ª) Exclusivamente neste primeiro volume serão apresentados os principais fundamentos da
Geografia, para que o estudante tenha uma base correta de como enxergar o conteúdo de cada
capítulo.
2ª) Ser rígido no estudo semanal de Geografia, tanto teórico (leitura), quanto prático (exercícios e
atividades).

325
3ª) Para o estudo teórico recomenda-se que se estude cerca de 40 minutos semanais; para o estudo
prático não há recomendação de tempo, pois deve-se utilizar o que for necessário para que o
estudante adquira o conhecimento essencial do conteúdo estudado.
4ª) Ainda sobre o estudo prático: semanalmente será proposta uma atividade escrita (exercícios
dissertativos, ou algum outro tipo de atividade) sobre o assunto que está sendo estudado, intitulada
“Reforçando o saber”. Essa atividade será enviada junto ao material teórico e corrigida pelos
responsáveis, com a resposta contida no próprio texto. Além disso, será realizada uma avaliação
bimestral (a cada dois volumes).
5ª) Trabalho de mapas: será proposto, ocasionalmente, uma atividade sobre mapas na folha
vegetal, para que o estudante adquira uma maior noção sobre os lugares que estão à sua volta e do
estudo que está realizando.
6ª) Ter sempre em mãos um dicionário da língua portuguesa para encontrar o significado das
palavras presentes nos textos. Para facilitar, seria interessante sublinhar de vermelho as palavras
que não souber e uma estrela ao lado dos parágrafos que tiver dúvida, para serem levadas na tutoria.
7ª) Procurar a tutoria online em caso de dúvidas, via Skype, ou Whatzapp.
8ª) Evitar ao máximo assistir TV, usar computador (a menos que seja necessário) e jogar
videogame. Essas práticas, na maioria das vezes, além de estarem abarrotadas de ideologia,
sensualidade e vício, pela quantidade de imagens e o prazer que causam, destroem a imaginação
sadia, vontade de estudo e busca pela virtude.
Posto tudo isto, é muito importante ressaltar a prática da virtude da Humildade nos estudos, pois,
como diz Hugo de São Vitor, “a Humildade é o princípio do aprendizado, e sobre ela, muita coisa
tendo sido escrita, as três seguintes, de modo principal, dizem respeito ao estudante. A primeira
é que não tenha como vil nenhuma ciência e nenhuma escritura. A segunda é que não se
envergonhe de aprender de ninguém. A terceira é que, quando tiver alcançado a ciência, não
despreze os demais.”29 Estas três prescrições da humildade são o ponto chave para o bom estudo
e alcance da graça santificante. Mas, acima de tudo, tanto o filho quanto os pais, devem procurar
em tudo a virtude e agradar a Deus em suas ações: “Buscai primeiro o Reino de Deus e a Sua
justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6, 33).

“Aos que fizeram tudo o que tiveram em seu alcance para permanecer fiéis, não lhes faltará
nada, nem a guarda dos anjos nem a proteção dos santos”
(Santo Hilário de Poitiers)

A Geografia católica
No tópico anterior, vimos um pouco sobre o que é a Geografia em si. Para facilitar ainda
mais o entendimento, comparemo-la à uma árvore. Ela é composta por tronco e galhos que lhe
conferem uma aparência diferenciada; as raízes que lhe dão nutrientes e sustentação; e a parte mais

29
SÃO VITOR, Hugo de. Opúsculo sobre o modo de aprender e de meditar. Disponível em:
www.cristianismo.org.br.

326
central, chamada de cerne, que é considerada a melhor madeira para se construir um móvel, pois
é bela, muito resistente e trabalhosa de se extrair da árvore.
Os galhos e o tronco, podem ser comparados aos assuntos mais comuns à Geografia,
conforme apresentamos anteriormente.
Porém, ficaria faltando apresentar também seu cerne mais belo e suas raízes mais
profundas. O cerne da Geografia representa o que há de mais belo no mundo: todas as belezas
naturais que Nosso Deus
criou para que as
contemplássemos, o ser
humano e suas diferentes
ações que o levam para
Deus. É a identidade que
possui o perfume de Cristo,
com conteúdos que
engrandecem e santificam
a pessoa de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Sua essência,
o cerne, é então o próprio
Deus, Criador de todas as
coisas.
As raízes, responsáveis por sustentar a árvore e lhe dar o alimento necessário, são as
Sagradas Escrituras, a santa doutrina católica, a vida dos santos e seus ensinamentos, tudo reunido
e harmonizado dentro da Igreja Católica Apostólica Romana.
Por definição, a Geografia Católica consiste em uma ciência que estuda a natureza e a ação
de Deus no agir humano, a partir do momento em que este recebe do Senhor uma grande missão:
governar e administrar toda a terra (a criação), podendo transformá-la e usá-la livremente, desde
que com sabedoria, para agradar e servir ao Único e Todo Poderoso Deus. E para fazer tudo isso
com perfeição, deve-se conhecer a essência da paisagem que o cerca, os animais, as plantas, águas,
rochas, e as pessoas que ali habitam, transitam, sobrevivem e contemplam a Deus, até alcançarem
a vida eterna. Aquelas que vivem para si mesmas em um grande egoísmo, como Adão decaído,
podem até desfrutar de alguns bens terrenos, mas carregando o peso do pecado mortal dentro de
sua alma, perdem a vida eterna.
Depois desta extensa definição, talvez ainda fique difícil de se entender tudo o que se estuda
em Geografia. Mas não há com o que se preocupar, pois ao longo dos volumes dessa etapa será
apresentado todo este rico conceito de Geografia em uma forma mais ampla.
Contudo, façamos aqui um resumo do que é esta matéria tão importante para nossas vidas:
quando se vai construir uma casa, depois de limpar o terreno, a primeira coisa a ser feita é o
alicerce. Ele é a base da casa, evitando que ela fique torta e dando-lhe firmeza. O alicerce da
Geografia é o estudo e contemplação da Grandeza e Beleza de Deus Criador expressas na natureza
criada por Ele e na Igreja Católica. As paredes são os assuntos referentes ao mundo natural e a
tudo aquilo que for tratar sobre a formação da sociedade, observando as principais transformações
do espaço geográfico realizadas pelo homem, desde a época de Adão até a atualidade. O telhado
que forra toda a construção é a missão geográfica do homem de ser cocriador com Deus.

327
Assim, é necessário lembrar que o que forma e transforma a sociedade é a Religião e a
contemplação da Verdade, ou seja, o transcendente espiritual, o Verdadeiro Deus Criador de todas
as coisas. Quanto mais um povo se aproxima disso, mais desenvolvido e santo será, caso contrário,
ficará cada vez mais destruído e sem beleza, semelhante a uma planta que não recebe água, que
depois de um tempo, murcha, seca e morre. Deus e Sua Igreja são esta água que faz com que a
planta cresça, apresente as mais belas flores e saborosos frutos.

Reforçando o Saber
1- Defina com suas palavras o que é a Geografia Católica utilizando o exemplo da árvore e da
construção da casa para facilitar a explicação.

328
Capítulo 1
Desígnio do amor de Deus para a humanidade e para
o mundo

D
EUS é o Senhor e Criador do universo. Diz-se Criador porque Ele fez do nada o céu, a
terra e todas as coisas que no céu e na terra contém, isto é, todo o universo e fez tudo por
amor. Ele cuida do mundo e de todas as coisas que criou, conserva-as e governa-as com a
sua infinita Bondade e Sabedoria, e nada acontece no mundo sem que Deus o queira ou o permita.30
Nas Sagradas Escrituras, observamos esse processo da Criação no livro do Gênesis, logo no seu
primeiro capítulo, quando Nosso Senhor faz a luz, depois o céu, divide as águas, faz aparecer a
terra firme, o Sol, a Lua, estrelas, vegetais e os animais marinhos e terrestres.
Observando esta passagem bíblica, nota-se que, para a manutenção da vida no planeta Terra
em harmonia e perfeição, nada mais seria necessário, pois já existia o céu com regime de chuvas,
rios, florestas para ajudar na chuva e no alimento dos seres vivos, animais das mais variadas
espécies, todos participantes da cadeia alimentar. Entretanto, Nosso Senhor não criou o mundo
para apenas se manter vivo. Ainda faltava algo para que o Amor Divino se manifestasse com maior
perfeição: o homem, a criatura mais nobre que Deus colocou sobre a terra.
Assim, na continuação do primeiro capítulo de Gênesis, Deus chega ao ápice de seu plano:
“Deus disse: ‘Façamos o homem à Nossa imagem e semelhança, e que eles dominem sobre os
peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que
rastejam sobre a terra’.”
Diz-se que o
homem foi criado à
imagem e semelhança de
Deus porque a alma
humana é espiritual e
racional, com liberdade
para agir, capaz de
conhecer e de amar a Deus,
e de adorá-Lo eternamente,
perfeições que refletem em
nós um raio da infinita
“Nosso Senhor o convida a uma grande missão: cultivar e guardar a terra em que grandeza de Deus.31 Ao
Ele o pôs, tornando-o administrador e co-criador do mundo”. mesmo tempo, O eterno
Pai, por meio do livre e
profundo desejo da Sua Sabedoria e Bondade, criou todo o universo e elevou os homens à
participação da vida divina para um fim maior: a Igreja Católica. “O mundo foi criado em vista da
Igreja”, diziam os cristãos dos primeiros tempos. Deus criou o mundo em ordem à comunhão na

30
CATECISMO MAIOR DE SÃO PIO X. Rio de Janeiro: Permanência, 2009.
31
Idem.

329
Sua Vida Divina, comunhão que se realiza pela "convocação" dos homens em Cristo, e esta
"convocação" é a Igreja. A Igreja é o fim de todas as coisas.32
Por este motivo, toda a humanidade deve buscar fazer parte da família de Deus e, de modo
particular ao homem geográfico, Nosso Senhor o convida a uma grande missão, a de cultivar e
guardar a terra em que Ele o pôs, tornando-o administrador e cocriador do mundo, com liberdade
e autonomia, mas também sabedoria e responsabilidade.

Reforçando o saber
1- Por qual motivo Deus criou o mundo?
2- O que o homem tem de especial em relação às outras criaturas?
3- Qual é a missão do homem dada por Deus?

32
CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Edições Loyola, 1999.

330
Capítulo 2
A missão divina

A PÓS Adão e Eva terem sido criados, Deus lhes deu a missão de serem cocriadores com Ele,
ou seja, administradores e transformadores do espaço, missão esta que se perpetuaria entre
as gerações seguintes até os dias atuais:
“Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a
mulher. Deus os abençoou: ‘Crescei e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a.
Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se
arrastam sobre a terra.’ Deus disse: ‘Eis que eu vos dou toda a erva que dá semente sobre
a terra, e todas as árvores frutíferas que contêm em si mesmas a sua semente, para que
vos sirvam de alimento.’ (Gn 1, 27-29)
Esta missão foi dada aos dois ainda dentro do Paraíso: “Deus tomou o homem que fizera e
o pôs no Paraíso para trabalhá-lo e guardá-lo”. Mas, como cocriadores ainda não necessitavam de
muito esforço para administrar este local, pois era perfeito. O sentido de Deus ter dado a Adão a
missão de trabalhar no Paraíso, foi por conta de que as coisas que Deus criara, cresciam mais e
melhor com a ajuda do trabalho humano, porém, este trabalho não era uma coisa necessária, era
uma graça prazerosa. Mas, isso só ocorria porque o casal vivia ainda em estado de inocência e de
graça. Aliás, todos aqueles que buscam viver na perfeita santidade também podem realizar seus
trabalhos, embora necessários à sobrevivência, de forma fácil e agradável, a ponto de não perceber
as fadigas próprias dele.
Podemos citar o exemplo de um agricultor, que
trabalha todos os dias (de Segunda à Sábado) em uma
grande plantação de feijão. Ele trabalha debaixo do Sol
quente, da manhã e da tarde, cansado pelo acúmulo das
fadigas diárias e para piorar a terra é difícil de fazer
crescer alguma coisa. Assim, ele tem duas escolhas: se
alegrar em estar lá, por saber que Deus providencia todo
o necessário e que se fizer bem feito, com amor e
dedicação, haverá muito feijão que servirá de alimento
para muitas pessoas; ou fazer o mesmo trabalho, mas
sempre preocupado se conseguirá atingir a meta, se não
vai chover muito e destruir a plantação, qual o melhor
adubo e pensar no cansaço que vai se repetir no dia
seguinte. No primeiro caso, como faz tudo por amor e
servidão a Deus, acaba se esquecendo das fadigas do dia
a dia e de todas as outras preocupações e se alegra. No Mosaico de Abel e Caim oferecendo os frutos de
a Deus – Um faz tudo com amor e
segundo, por mais que a plantação cresça muito e sirva seudátrabalho
o melhor, o outro é ranzinza e dá o pior.
de alimento para todos, não falte dinheiro e nenhum
outro contratempo, mesmo assim não ficará satisfeito e
feliz. Por isso, é de extrema relevância que observemos essas duas situações, pois elas se repetem

331
muitas vezes na sociedade atual, seja no campo, na cidade, em casa, na fábrica etc. Mais abaixo
mostraremos como mudar esse quadro.
Voltando ao percurso da História da humanidade decaída, após o pecado original e a
expulsão do Jardim, Adão e Eva perderam a graça de Deus e o direito que tinham ao Céu,
submetidos a muitas misérias na alma e no corpo e condenados a morrer. Como agora não são
mais imortais e passaram a condição de pecadores fracos, necessitavam voltar à perfeição:
“E o Senhor disse a Adão: Porque destes ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore
de que te ordenei, dizendo: ‘Não comerás dela’, maldita é a terra por causa de ti; com dor
comerás dela todos os dias da tua vida. Espinhos, e cardos também, te produzirá; e
comerás a erva do campo. No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à
terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás.” (Gn 3, 17-19)
Entretanto, isto não quer dizer que Deus os abandonou a sua própria sorte, ou que os
expulsou do Paraíso apenas para dar-lhes uma repreensão pelo delito cometido:
“Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de nós, sabendo o bem e o mal;
ora, para que não estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva
eternamente, o Senhor Deus, pois, o lançou fora do jardim do Éden, para lavrar a terra
de que fora tomado.” (Gn 3, 22,23).
Mesmo com o pecado dos dois, Deus, por amor à humanidade, deixa inalterada a missão
do homem de guardião da criação, mas acrescenta, então, um meio pelo qual volte a alcançar o
paraíso eterno: o trabalho (“lavrar a terra de que fora tomado”). Como será visto adiante, o
trabalho não é diferente da missão de cocriação, mas, a partir do pecado, essa missão se torna árdua
e por vezes sem interesse na salvação e servidão a Deus, vivendo apenas para enriquecimento e
vanglória de si próprio.

Após a queda, Deus prometeu um Redentor a Adão. Ele perdoou o homem e por amor à humanidade, deixa
inalterada a missão do homem de guardião da criação. E ainda fala da Santíssima Virgem, a mulher que
esmagará a cabeça da serpente.

332
Dessa maneira, o homem conseguirá voltar à perfeição e ser merecedor da habitação na
morada celeste, realizando a missão geográfica dada por Deus de dominar a terra e toda criatura,
só que agora não mais como no Paraíso Terrestre que o faziam de forma agradável. Como agora
não possuem mais as dádivas da perfeição santa, o trabalho se torna algo por vezes sofrido e
angustiante. Este foi dado a Adão e Eva não como maldição eterna, mas como fadiga e pena por
causa do pecado cometido. Eles pecaram pela desobediência e soberba, querendo ter o domínio
absoluto sobre todas as coisas, ser deuses, sem se submeterem à vontade do Criador e isso os
afastou de Seu olhar de amor.

Reforçando o saber
1- Após o pecado original, a missão de cocriação continua? Como será realizada? Será fácil?
Explique.
2- A missão dada por Deus ao homem está inscrita em sua alma, porém, nem todos alcançam a
santidade com ela. Por qual motivo isso não acontece?

Continuação do estudo...

A ruptura com Deus causada pelo pecado de Adão e Eva, foi transmitida à toda a humanidade
até o tempo presente. Ela provocou também uma ruptura interior na pessoa humana,
gerando um desequilíbrio na relação entre o homem e a mulher e na relação deles com as
demais criaturas. Nesta condição, o solo se torna ruim, ingrato e somente com o suor do rosto será
possível tirar dele alimento.
Aí explica-se a raiz mais profunda de todos os males existentes até a atualidade nas relações
entre as pessoas, de todas as situações que vão contra a dignidade da pessoa, contra a justiça e a
solidariedade. Assim, se o homem rompe com Deus, o mesmo Senhor que colocou Sua perfeição
e harmonia em todas as coisas (animais, plantas, água, rochas etc.), perde também essas qualidades
de santidade. Nesta ocasião, fica igual à Adão que antes, quando era perfeito, vivia ao lado de
muitas feras e as tomava por animais domesticados, mas agora precisava de abrigo e acessórios de
proteção contra eles. Assim como precisará, no futuro, de proteção contra seus descendentes, pois
estes também nascerão com a mancha do pecado e muitos escolherão o mal caminho, sendo
egoístas, violentas e destruindo tudo e todos que os impedirem.
Um exemplo bem conhecido de uma pessoa que resgatou a perfeição e harmonia entre
todas as coisas é São José de Anchieta, que quando começou a evangelizar os índios canibais e
violentos do Brasil, conseguiu convertê-los e trazê-los a Luz da Verdade, assim como certa vez,
enquanto rezava o rosário em uma floresta, contemplando as maravilhas de Deus expressas na
natureza, fora surpreendido por uma feroz e faminta onça e de forma dócil e amigável exclamou:
“onça, sou eu, José de Anchieta”. Ela se aproximou dele e mansamente lhe ofereceu sua cabeça
para ser acariciada. O santo também, de tanto andar pelo litoral brasileiro em busca de evangelizar
e fazer os cristãos e índios guardarem a fé, deixava rastros de sangue de seus pés por onde passava.
São José de Anchieta é de fato um santo trabalhador, que exerceu bem sua missão geográfica.

333
Nas palavras do próprio santo, em uma carta escrita ao responsável pelos jesuítas, Diego
Láyñez, no dia 1.º de junho de 1560, conta um pouco o que enfrentavam os primeiros evangelizadores da
Terra de Santa Cruz (Brasil), cheio de perigos, doenças,
até perda de alguns, trabalhando dia e noite, mas com
muita alegria por saber que estavam levando mais pessoas
a Deus:
“Quase sem parar, andamos visitando várias
povoações, tanto de índios como de portugueses, sem se
importar com os dias eram calmos, de chuvas ou de
grandes enchentes de rios e muitas vezes, de noite,
andamos por bosques muito escuros a socorrermos os
enfermos, com grande trabalho. Passamos por caminhos
cheios de pedras, espinhos, penhascos e são tantas estas
povoações e tão longe umas das outras, que não somos
suficientes para acudir tantas necessidades, mesmo se
estivéssemos em maior número, não poderíamos bastar.
Ajunta-se a isto, que nós que socorremos as necessidades
dos outros, muitas vezes estamos maldispostos e cheio de
dores, desfalecemos no caminho, de maneira que apenas São José era perfeito e vivia em harmonia com a
criação de Deus, realizando justamente a missão
podemos chegar até o local dos índios e não conseguimos geográfica – cromolitografia ed. Berzinger & Co.
voltar; assim parece que os médicos (jesuítas) tem mais
necessidade de ajuda do que os enfermos (índios). Mas nada é árduo aos que têm por meta trabalhar
somente pela honra de Deus e a salvação das almas, pelas quais não duvidarão dar a vida.”
Como pôde ser observado na história de São José, o
trabalho era sofrido, mas como ele e os jesuítas procuravam
fazer tudo com perfeição e amor à Deus, o sofrimento era
esquecido por causa da alegria com que faziam tudo. Isto é
a verdadeira missão de cocriação que Deus havia dado à
Adão dentro do Paraíso.
Falando um pouco mais sobre o trabalho de resgate
à santidade, para ser completo, ele deve ser realizado por
meio de dois esforços: a) esforço carnal, para
sobrevivência e sofrimento do corpo, através da penitência
piedosa (sofrimento do corpo) em expiação dos pecados
cometidos; b) esforço espiritual, que através da oração e
intimidade com Deus, exigem um empenho da inteligência,
do corpo e confiança na graça de Deus, para alcançar a
perfeição, além de ser responsável pelo auxílio na
contemplação das obras do Criador e de Sua própria
Adão e Eva trabalharam na terra e viveram
Grandeza. (O esforço espiritual será melhor detalhado no
em grande penitência (esforço carnal) e capítulo sobre a “Contemplação do Amor Divino”).
oração (esforço espiritual) para voltar ao
estado de inocência – Catedral de O esforço carnal seria realizado lavrando a terra,
Canterbury. caçando e sobrevivendo em um mundo cheio de incertezas
e sofrimento. Mas Deus estava com eles providenciando

334
todo o necessário para viverem bem: “E fez o Senhor Deus a Adão e à sua mulher túnicas de peles,
e os vestiu”. Eles ainda possuíam a grande graça de estar na presença do Senhor, pois Adão e Eva
viveram até o fim da vida em penitência pelo erro cometido e isso agradava ao Senhor.
O trabalho enquanto esforço carnal deve ser honrado, porque é fonte de riqueza ou pelo
menos manutenção da vida e eficaz contra a pobreza (falta das necessidades básicas), mas não o
colocando como objetivo de vida, idolatrando-o, pois nele não se encontra o sentido da vida, mas
sim uma forma de adoração e temor a Deus (vale mais ter um pouco com Deus, do que muito sem
Ele). Nosso Senhor Jesus Cristo ensina a apreciar o trabalho quando passa grande parte de sua vida
terrena dedicando-se ao serviço de carpinteiro na oficina de São José, a quem estava submisso.
Ensina que todos devem exercer seus dons e talentos e não esconde-los, sejam quais forem, mas
sempre se preocupando, antes de tudo, com a alma, em ganhar a salvação e não o mundo. 33 Deus
dá a cada ser humano a oportunidade única de viver e espera amorosamente que ele trabalhe e
desenvolva os talentos que Ele lhe concedeu. "Trabalhai na vossa salvação com temor e tremor" (Fl 2,
12), diz também São Paulo.

Reforçando o saber
1- Quais foram as consequências do pecado de Adão e Eva para toda a humanidade? Qual a solução
apresentada por São José de Anchieta para restaurar o equilíbrio com as coisas criadas por Deus e
com Ele próprio?
2- Cite as principais características dos dois esforços presentes no trabalho. Cite exemplos de
santos ou pessoas que vivem cada um, ou os dois ao mesmo tempo.

33
Pontifíco Conselho “Justiça e Paz”; tradução Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Compêndio da
doutrina social da Igreja. 7ª ed. – São Paulo: Paulinas, 2011.

335
Capítulo 3
Contemplação do Amor Divino

N O capítulo anterior, vimos um pouco sobre o esforço carnal do trabalho para voltar à
perfeição divina. Agora, falaremos mais sobre o esforço espiritual, que se refere à vivência
de um fiel católico, segundo as determinações da Igreja, que deve cumprir os dez
mandamentos da Lei de Deus e os cinco da Igreja, viver os sacramentos, orações diárias de
intimidade com Deus, práticas de piedade e obras de misericórdia, dentre outras coisas que fazem
parte da vida em Cristo (todas essas práticas serão ensinadas na disciplina de Ensino Religioso).
Contudo, um outro aspecto a ser considerado nesse conceito de trabalho geográfico é a
contemplação.
Contemplar é possuir um olhar mais profundo sobre as coisas, entendê-las por completo, à
ponto de encontrar seu Criador, conhecê-Lo pela grandeza e equilíbrio de suas criaturas. Enxergar
que é o Senhor que move todas as coisas: nenhuma pena de um pássaro cai, ou um peixe é fisgado
no anzol do pescador sem que Deus saiba. Ele conhece e auxilia em todas as coisas. Se usamos a
mente com toda a pureza e intensidade para ver como o Senhor beneficiou os santos no passado e
no presente, ou para entender que quando nosso coração bate é Ele que o faz dar cada batida, ou
ainda consideramos que Ele contou todas as areias da praia, as gotas do oceano e as estrelas do
céu, aí sim estamos contemplando.34
Assim como a abelha nasceu para fazer mel e a aranha suas teias, o homem nasceu para a
contemplação. Segundo Santo Tomás de Aquino, a perfeita felicidade consiste na contemplação
da Verdade, que é Deus. As pessoas não se estabeleceram em sociedade somente para nascer,
crescer e morrer, mas para viver felizes, pois essa é a finalidade da vida humana, a Felicidade. 35

São Francisco de Assis é um exemplo


perfeito de contemplação, pois através do
Cântico das criaturas, consegui ver toda a
Beleza, Grandeza e Imensidão de Deus na
natureza. Ele não amou e adorou a
natureza, mas amou e adorou a Deus
através da natureza.

Em todo ser que possui inteligência existe o desejo de conhecer as causas daquilo que
veem, ou seja, saber a origem das coisas, quem ou o que as fez e para que elas existem. É claro
que a origem de todas as coisas é Deus Todo Poderoso e que nelas existem somente partículas
muito pequenas de Sua Realeza Celeste, mas é possível, por meio da contemplação das obras de

34
ROSA, Antonio Donato. A Educação segundo a Filosofia Perene: síntese sobre a Educação humana. Disponível
em: http://cristianismo.org.br/efp-ind.htm. Acesso em: 05 Jan. 2018.
35
Idem.

336
Deus e de tudo o que representa o esforço espiritual da missão geográfica, chegar ao caminho da
verdadeira felicidade.
À princípio, Deus não quis colocar toda a Sua Bondade e Beleza em uma única criatura,
por isso, multiplicou as criaturas e as espécies. Ele produziu coisas diversas para que aquilo que
faltasse a uma seria suprido por outra. A águia possui olhos mais aguçados; o guepardo talvez não
tenha uma vista tão boa, mas é o mais veloz; a tartaruga, embora não tenha uma potente visão,
nem velocidade em seus atos, possui um casco de grande rigidez; o rato-canguru é capaz de passar
a vida inteira sem ingerir água, e o pavão tem as mais belas penas.

Monsenhor João Clá Dias, fundador dos Arautos do Evangelho, em sua espetacular obra
“São José: quem o conhece?”, relata a história de um anjo que passeia pelo mundo, a fim de
encontrar a mais bela das criaturas. Nisso, começa a observar toda a bondade, glória, beleza e
presença de Deus existentes na natureza e se encanta com elas, à ponto de conseguir ver aquilo
que talvez seja a maior preciosidade Dele. Veja a seguir:

337
“Certa vez um anjo resolveu percorrer a terra em busca da mais bela das criaturas. Contemplava,
maravilhado, a obra dos seis dias e encantava-se com os reflexos das perfeições divinas nela contidos.
Abalava-se com a singeleza das plantas e a ordenação dos pequenos animais, maravilhava-se com a
vastidão das mais belas paisagens naturais, impressionava-se com a majestosa e implacável força da
natureza. Tudo o que via com os olhos do espírito enchia-o de sentimentos de adoração a Deus. Todavia,
não encontrou uma criatura que condensasse os incontáveis esplendores que o haviam fascinado.
Então pensou: “Se me fosse dado criar um ser perfeito, que características ele deveria ter?”
Voltou-se para o oceano e admirou sua grandeza: imponente e forte, mas envolvente; ora feito de
calma, rico em cores e variações, ora violento, furioso e indomável. O Anjo pensou que uma criatura, para
ser perfeita, precisaria harmonizar em si todas as qualidades do mar.
Nesse momento, porém, os ventos atraíram-lhe a atenção. Às suaves brisas que acariciavam com
delicadeza a vegetação sucediam-se ventanias impetuosas, furacões e tempestades, símbolos da cólera
divina. “Como seria bom reunir também estes atributos”, pensou.
Mal cessara o vento,
se interessou pelas árvores,
cuja força e fertilidade
mostram a imensidão de
Deus. O Anjo não cabia em si
de assombro quando avistou
ainda as águas puras e
cristalinas dos lagos, e
observou o brilho e o calor
do fogo, instrumento divino
para purificação da terra.
Considerando assim a obra
do Altíssimo, concluiu que a
criatura perfeita seria aquela
que refletisse, ao mesmo
tempo, todas as excelências
divinas disseminadas entre
Viagem da vida: infância – Thomas Cole
os diferentes seres.
Então, elevando os olhos, pôde ver a formosura inefável da Virgem Santíssima. E compreendeu
que Deus reunira n’Ela o brilho de todas as suas qualidades, pois em seu seio virginal a Segunda Pessoa
da Santíssima Trindade (Jesus Cristo) tomaria carne. Em razão da proximidade da mãe com seu filho,
Nossa Senhora, chamada a ser a Mãe de Deus, deveria ser inundada por Ele de insondáveis perfeições na
ordem da natureza e da graça.”36

Vê-se com esta bela história a possibilidade de contemplar toda a riqueza, perfeição, amor
e harmonia de Deus no mundo natural, mas principalmente como a contemplação da pessoa
humana é infinitamente superior, pois reúne todas essas qualidades de Nosso Criador,
especialmente quando se trata dos seres mais dignos do universo, como a Bem-Aventurada Virgem
Maria, os Santos Anjos ou a mesmo a Santíssima Trindade. Caso contrário, se ficássemos
contemplando as belezas naturais e humanas, se esquecendo de quem as criou, cairíamos no
mesmo pecado que caíram os homens insensatos citados no capítulo 13 do livro da Sabedoria:

36
DIAS, Mons. João S. Clá Dias. São José: quem o conhece?. São Paulo, 2017.

338
"São insensatos por natureza todos os que desconheceram a Deus, e, através dos bens
visíveis, não souberam conhecer Aquele que é, nem reconhecer o Artista, considerando
suas obras. Tomaram o fogo, ou o vento, ou o ar agitável, ou a esfera estrelada, ou a água
impetuosa, ou os astros dos céus, por deuses, regentes do mundo." (Sb 13, 1-2).
Deus não condena quem quer contemplá-Lo através das coisas criadas, mas é preciso
compreender que o único meio de encontrar e adorar verdadeiramente o Nosso Senhor, é
reconhecendo que todas as coisas foram criadas por Ele, que toda a grandeza, perfeição, harmonia
e beleza do universo foram feitas pelas Mãos Divinas e Poderosas do Senhor:
"Se tomaram essas coisas por deuses, encantados pela sua beleza, saibam, então, quanto
seu Senhor é maior do que elas, porque é o Criador da beleza que fez estas coisas. Se o
que os impressionou é a sua força e o seu poder, que eles compreendam, por meio delas,
que seu Criador é mais forte; pois é a partir da grandeza e da beleza das criaturas que se
conhece o seu Autor. Contudo, estes só recebem uma leve repreensão, porque, talvez, eles
caíram no erro procurando Deus e querendo encontrá-Lo; vivendo entre Suas obras, eles
as observam com cuidado, e porque eles as consideram belas, deixam-se seduzir pelo seu
encanto. Ainda uma vez, entretanto, eles não são desculpáveis, porque, se eles possuíram
luz suficiente para poder entender a ordem do mundo, como não encontraram eles mais
facilmente aquele que é seu Senhor?" (Sb 13, 3-9)
O nosso espírito, ensina Santo Tomás, “para se unir com Deus, precisa ser conduzido pelas
coisas sensíveis (ou seja, coisas que podemos tocar, ver, sentir, ouvir), porque ‘as coisas invisíveis
de Deus são conhecidas por intermédio das criaturas’ (Rm 1, 20)”. As pessoas, com exceção de
alguns santos (como São Francisco de Assis), não conseguem ver a Deus diretamente. Elas se
elevam até onde podem na contemplação do divino por meio de imagens sensíveis”.
Santo Tomás ainda diz que o culto a Deus precisa usar de coisas corpóreas para que, por
elas, que são como sinais, a mente humana desperte para atos espirituais, podendo assim se unir
de fato com Deus”. Essas coisas corpóreas, como as árvores, belas aves, flores, rios, não são o fim
da santidade, quer dizer, elas não podem nos levar para o Céu sozinhas, mas podem sim ser como
uma janela na muralha que existe entre nós e Deus, convidando os fiéis católicos a uma atitude de
admiração, entrega e gratidão.
Nos tempos atuais, o homem sente-se órfão do belo, dessa janela que torna mais fácil a
nossa passagem para o Céu. Sua alma busca valores eternos que vem de Deus, mesmo sem
conhece-Lo. Porque “assim como a corça suspira pelas águas vivas” (Sl 41, 2), o ser humano tem
sede de Deus, Beleza absoluta e eterna, mas não consegue mais encontrá-La, pois ficou cego
procurando a si próprio, na soberba e egoísmo deixados como herança pelos primeiros pais (Adão
e Eva).
Diante disso, percebe-se a valorosa importância do esforço espiritual na missão geográfica
e na volta à perfeição divina: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a Sua justiça e todas
estas coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 6, 33).

339
Dois grandes exemplos bíblicos famosos em que os personagens tiveram perante sua face
a importante decisão de viver para sua vanglória ou para a glória de Deus, é a história de Caim e
Abel e de Marta e Maria: no primeiro caso, a soberba, inveja e desequilíbrio foram ao máximo
grau, quando irmão mau ceifou a vida do servidor do Criador. Abel, em suas atitudes, realizava os
dois esforços impostos pelo trabalho (corporal e espiritual) de maneira santa. Caim vivia para si,
se esforçava muito para que suas plantações dessem bons frutos, mas oferecia o pior a Deus,
mostrando seu egoísmo. Embora o esforço corporal de Caim enquanto sobrevivência fosse bem
exercido, não estava completo, carecia da penitência e do esforço espiritual.

Ícone de Marta e Maria Ícone do assassinato de Abel

No segundo caso, Marta se ocupa com muitas coisas, preparando a refeição do Senhor.
Maria, ao contrário, preferiu alimentar-se do que dizia o Senhor. Não reparou na agitação contínua
de sua irmã e sentou-se aos pés do Senhor Jesus, sem fazer outra coisa senão escutar as Suas
palavras. Tinha compreendido de forma fidelíssima o que diz o Salmo: “Descansai e vede que Eu
sou o Senhor” (Sl 46, 11). Marta consumia-se, Maria alimentava-se; aquela se preocupava com
muitas coisas, esta só com uma. Marta representa a vida ativa, exercendo o trabalho corporal e em
menor proporção o espiritual. Maria, por sua vez, simboliza a vida contemplativa, em que dá plena
dedicação ao esforço espiritual. Deste modo, se a vida ativa (esforço corporal) é desprovida da
união com Deus, é inútil e estéril. Mas, também uma suposta vida de oração que dispense a
evangelização e a doação pelos outros também não agrada a Deus. A chave está, pois, em saber
unir estes dois esforços, sem prejuízo nem de um nem de outro.37

Reforçando o saber
1- No que consiste a contemplação? Escreva um exemplo de santo citado no texto que conseguiu
fazer isso com perfeição.
2- Como Deus se faz presente nas criaturas? Quais foram as Suas qualidades colocadas nelas?
3- Qual é o possível risco encontrado na contemplação da natureza?

37
BÍBLIA SAGRADA: anotada pela Faculdade de teologia da Universidade de Navarra: Santos Evangelhos. Braga:
Edições Theologica, 1985. 1501p.

340
Capítulo 4
A Cultura como meio de transformação da sociedade

N ESTE capítulo, nós analisaremos um outro aspecto essencial para o estudo da Geografia,
que nos ajudará a entender um pouco mais sobre a pessoa humana na busca pela
felicidade. Esse aspecto é a cultura.
Segundo o papa Gregório XIII, uma Geografia que se desligue da cultura e das relações
humanas que formam a pátria na qual habitam, estudando somente os elementos naturais que
compõem a paisagem, não pode ser chamada de ciência verdadeiramente geográfica.

A imagem representa Nosso Senhor


entregando o mundo ao Papa Gregório XIII
e ao rei Felipe II da Espanha, por terem
descoberto as Filipinas e a terem tornado um
celeiro católico e pelo papa ter encorajado os
fiéis católicos e diplomatas a continuarem
com seu trabalho missionário na Ásia. Ela
representa bem os fundamentos da
Geografia, pois Deus é o Criador de todas as
coisas e quis partilhar seu poder com o
homem, tornando-o cocriador, por isso
entrega-lhe o Globo. E cabe a nós retribuir
este favor, dobrando os joelhos perante o Rei
dos reis e Senhor dos senhores, unindo as
culturas de cada povo (representado por
Felipe II), com a fé e doutrina católica
(representada pelo papa).

Diante do que o papa falou, vemos a necessidade de unir os estudos geográficos do mundo
natural (mares e oceanos, vegetações, rochas, clima etc.), com a ação do homem na sua vida
terrena, tanto na transformação da natureza para sobreviver (cortar árvores para construir casas,

DEUS GEOGRAFIA

HOMEM

NATUREZA

O esquema representa as características da Geografia: a NATUREZA está na base do triângulo, pois ela é a base de todo nossa vida
corporal, para sobrevivência e como forma de contemplação de Nosso Senhor, porém, foi criada para servir ao HOMEM, por isso há
uma seta apontando para ele. E ambos estão cercados por um triângulo, símbolo medieval que representa DEUS, pois tanto o homem
quanto a natureza são submissos a Ele. E por último, a GEOGRAFIA, que circula todos esses pontos dentro de si, mas está totalmente
voltada para Deus, por isso está com uma seta apontada para Ele, ou seja, em todos os assuntos estudados, deverá sempre manter os
olhos fixos em Nosso Senhor.

341
ou uma plantação), quanto na relação com as outras pessoas e com Deus, especialmente para falar
de sua sobrevivência e da contemplação da Beleza de Deus Criador presente nas coisas criadas.
Por exemplo, quando estudamos o a geografia do Brasil, vemos as vegetações aqui
existentes os principais rios, os tipos de relevo, os lugares mais quentes e úmidos, ou mais frios e
muitas outras coisas. Contudo, se parássemos aí, ou seja, se não estudássemos a pessoa humana e
sua missão geográfica, segundo o Papa Gregório XIII, não poderíamos chamar esse estudo de
Geografia. O que devemos fazer é ver a relação do homem com a natureza como ele a usa para
sobreviver e contemplar a Deus.
Mas, muito mais do que isso, é indispensável o estudo das relações humanas enquanto
sociedade, que cresce e se desenvolve com o intuito de buscar a Felicidade e a Verdade. Ou seja,
não devemos estudar somente a natureza em sua relação do homem, mas o vínculo que existe entre
as pessoas, como se comunicam, as roupas que usam, as comidas que comem, suas trocas
comerciais, conflitos e, acima de tudo, sua relação com Deus.
E todas essas relações entre os povos se expressam da melhor forma dentro do que
chamamos de Cultura.

Reforçando o Saber
1- O que o papa Gregório XIII disse sobre a Geografia?
2- Escreva as principais características da Geografia com base nos 4 pontos do esquema da página
anterior.

Cultura: compêndio do Bem, da Beleza e da Verdade


Cultura é o conjunto de valores de um povo, como a religião, a moral, os conhecimentos,
os costumes tradicionais, o modo de vida, as artes, a culinária, vestimentas etc. A lista desses
valores poderia ser quase infinita, mas, podemos simplificar reunindo todos esses elementos
culturais em três grupos principais: a religião, incluindo nela a Verdade; a moral, isto é o Bem,
incluindo os costumes tradicionais, modos de vida; e as artes, ou seja, a Beleza.

Cultura

Religião Moral Artes


(Verdade) (Bem) (Beleza)

Aliás, o Bom, Belo e o Verdadeiro são reflexos da essência de Deus presente no mundo
criado por Ele. Seja nas roupas que vestem, na língua que falam, virtudes ou vícios que praticam,
tudo está intimamente ligado à moral (Bom), às artes (Belo) e à religião (Verdade). Sendo assim,
a cultura é resultado da visão sobrenatural (espiritual) de um povo sobre o mundo, ou seja, está

342
intimamente ligada com a fé dele. É
uma visão iluminada pela fé capaz de
enxergar os símbolos de Deus
existentes no mundo e a partir disso
escolher os elementos culturais que
melhor representem o Bem, a Beleza
e a Verdade.
São Tomás de Aquino e São
Boaventura demonstram que os
vestígios de Deus, ou seja, Sua
Beleza que se encontra nos seres
irracionais, nos minerais, vegetais e
animais. O bem que existe neles são
vestígios do Criador, assim como as
marcas de cascos, na areia de uma
praia, nos dizem que um cavalo
passou por lá. Uma correta visão
espiritual do mundo vê Deus em todo
o universo, podendo assim
contemplar Sua Beleza. Mas quem
não tem o coração reto, não pode ver
a Deus em todas as coisas. Por isso,
disse Nosso Senhor Jesus Cristo: "Este é o meu corpo, que será entregue por vós". A Santa Missa é o que melhor
representa o que seja o Bem, a Beleza e a Verdade, pois Jesus Eucarístico é o Sumo
"Bem-aventurados os puros de Bem, a Verdade por excelência e transmite toda a Sua beleza por meio da Liturgia.
coração, porque eles verão a
Deus" (Mt 5, 8).
Deus nos fala por meio de suas criaturas de modo simbólico. Daí a Sagrada Escritura
afirmar que as nuvens e as tempestades, as montanhas e as colinas nos falam de Deus. Através da
inteligência, entendemos esses símbolos e vemos as verdades que existem neles.
Mas, além da Verdade dos símbolos de Deus, também podemos encontrar o Bem que existe
neles, nascendo a Moral em nós. Esta pode ser resumida na Lei Natural, ou seja, na capacidade
natural de uma pessoa conseguir discernir entre o bem e o mal e escolher o bem, isto é, observar
as coisas que estão à sua volta e conseguir saber se são boas, se são virtude ou pecado. Essa Lei
demonstra a vontade de Deus enquanto governa a natureza, pois tudo aquilo que é ruim e causa
um mal, não possui o Bem de Deus. Como é o caso de um povo que permite a escravidão de
pessoas, ou o roubo, ou a morte de outra pessoa só porque não faz parte de sua cultura. Essas
práticas são imorais, ou seja, vão contra a Lei Natural e o Bem de Deus, por isso não podem fazer
parte de uma cultura. Contudo, se um povo escolher valores culturais bons que os levem ao Bem
e por consequência a Deus, é um ótimo valor moral. Como é o caso do nosso país, em que a prática
do terço mariano é muito comum.
Portanto, quando um povo viola a Lei Natural, estabelecendo um vício (pecado) como
hábito diário, ele entra em decadência. Por isso, esses vícios não podem ser aceitos como cultura,
pois violam a ordem natural. A aceitação de um vício como se fosse um elemento da cultura de
um povo é uma negação da Verdade e do Bem.

343
Assim sendo, se uma cultura possui a Moral (Bem), a Arte (Beleza) e a religião (Verdade)
como centro de suas vidas, estará repleta de valores verdadeiros, podendo se aproximar de Deus
na santidade. Deste modo, assim como existe uma só visão correta do universo, que é aquela que
consegue enxergar e contemplar Deus através do Bem, do Belo e do Verdadeiro (embora ela possa
ser expressa de modos variados), existe uma só verdadeira Cultura, a que foi iniciada com os
descendentes de Adão, os Patriarcas, os profetas, até o próprio Jesus Cristo, que renovou todas as
coisas, inclusive o modo de se viver a religião, a moral e a contemplação das belezas divinas,
sendo transmitido pelos Apóstolos na Única e verdadeira Igreja de todos os tempos.
Ela pode ser expressa de modos diferentes em cada povo, porém, com a única visão
espiritual correta, a católica. Por exemplo: os católicos brasileiros, embora pertençam à mesma
Igreja que os católicos italianos, possuem valores culturais diferentes, como a língua, modo de se
cumprimentar na rua, comportamento dentro de casa, as roupas, até mesmo o modo de rezar possui
algumas diferenças, mas ainda assim, a essência da Verdade, do Bem e da Beleza permanecem os
mesmos.

Reforçando o Saber
3- Quais são os três principais elementos da cultura?
4- O que o homem deve buscar para encontrar a Beleza? É uma tarefa fácil?
5- O que é a Verdade? O que os povos devem fazer para conseguir escolher somente aquilo que é
verdadeiro para formar sua cultura?
6- O Bem está relacionado à Moral. Como esta pode ser resumida? Escreva um exemplo de sua
vida sobre esse assunto.

Origens da Cultura
O termo Cultura nasceu no cultivo dos campos,
da agricultura, por causa da semelhança entre as etapas
do cultivo de um terreno e a formação da cultura humana.
Da mesma maneira que a agricultura é o conjunto de
técnicas e modos de fazer a terra produzir os bens
necessários à manutenção da vida corporal, a cultura é o
conjunto de verdades, valores e bens necessários para
manter a vida espiritual de um povo. A cultura de um
terreno necessita de limpeza de toda sujeira e ervas
daninhas, da aragem e do cultivo dos vegetais desejados.
Porém, a plantação deve obedecer determinadas regras.
Será preciso plantar, antes de mais nada, coisas úteis,
pois uma cultura de ervas daninhas seria uma falsa
Dono da plantação separa o joio (pecados) do trigo
cultura, sem a menor utilidade. É como o joio plantado (virtudes) e manda atear fogo no primeiro, pois não
no meio do trigo. Ele não serve para nada, por isso o dono serve para nada.

da plantação o arranca e joga no fogo (Mt 13, 24-30).

344
Algo semelhante se passa com a formação da cultura dos homens e dos povos. A boa
cultura exige que se limpe a inteligência de todos os erros e falsas opiniões - ervas daninhas e o
joio da mente humana - que podem estragar tudo o que nelas venha a ser plantado, distorcendo a
visão correta do mundo. Após isso, será preciso “arar” a inteligência, habituando-a a estudar e
pensar. Não há cultura sem esforço intelectual, ainda que pequeno.
Passados os processos preparatórios do terreno intelectual da mente humana, finalmente
será chegado o momento de “plantar”, em ordem, verdades úteis na mente, como o amor ao
próximo, uso de roupas que exaltem a castidade, comidas que não façam mal à saúde, ler bons
livros que possuam claramente a moral católica.
No entanto, por causa do pecado original, não sabemos mais discernir com facilidade o que
é bom ou ruim. Por causa dele a humanidade foi perdendo sua moral natural. Desta forma, o que
nasce naturalmente na mente dos homens são pecados. Entretanto, o homem, mesmo pecador,
ainda é imagem e semelhança de Deus, por isso pode ter algumas ideias verdadeiras que lhe brotam
naturalmente na sua mente e assim descobrir a Verdade.
Apesar disso, em uma plantação não basta plantar coisas verdadeiramente úteis. É preciso
que elas sejam plantadas em ordem. Do mesmo modo, de nada adianta à pessoa humana ter alguns
conhecimentos verdadeiros que não estejam em ordem equilibrada. Essa ordem se expressa no
homem que vive para Deus e O contempla, compreendendo a relação que existe entre o mundo
criado e a Divindade.
Quando os líderes de um povo exigem a honestidade no comércio, respeito às mulheres,
autoridade dos homens, famílias numerosas, mas não estão ordenadas em Deus, ou seja, suas ações
não são feitas para agradar ao Senhor, por mais que haja boas virtudes nessa cultura, ainda lhes
faltam o principal, por isso são imperfeitas. Pior, talvez com o tempo, até essas boas virtudes
desapareçam.
Pensando nisso, é importante lembrar que, embora a maioria das pessoas concordem que a
religião é um elemento integrante e essencial da cultura, por outro lado muitos tem negado que há
um só Deus, uma só Religião (Católica) e uma só Verdade. Para essas pessoas, qualquer religião
seria igualmente "verdadeira" e igualmente falsa, ou seja, pouco importa se Deus realmente existe,
o que importa é fazer a vontade própria de cada um. Esse foi o pecado que Adão e Eva cometeram
e sujaram toda a humanidade, com seu egoísmo e soberba e continuam até hoje. Para essas pessoas
não se poderá afirmar que há uma Cultura única e verdadeira. Essa negação causou um grande mal
na sociedade. Mesmo as poucas virtudes naturais existentes em outras culturas têm se perdido.
Não há mais respeito entre os povos, a vida humana perdeu toda a sua dignidade, reinando o pecado
sobre muitos países. Por causa dessa rejeição, o Rei do Universo perdeu Seu trono no coração das
pessoas para o príncipe do mundo, Satanás. Na verdade, Deus continua sendo o Senhor de todas
as coisas, mesmo daqueles que O odeiam, dando inclusive várias oportunidades para se
converterem, com bens materiais, terra fértil, exército conquistador, ouro etc., pois se tiverem
alguma coisa que lhes cause felicidade, podem talvez chegar à Verdade. A diferença é que aqueles
que possuem uma cultura verdadeira e trabalham para servir a Deus, tudo frutificará mais. Mesmo
no sofrimento e perseguição, permanecerão até o fim dos tempos, sendo dignos da Morada Eterna,
a Cidade de Deus. Os que rejeitam Deus, o Bem, a Beleza e a Verdade em sua cultura, podem até
durar muito tempo, mas cedo ou tarde perecerão.

345
Quem viver na verdadeira cultura, terá a recompensa final: "Não se perturbe o coração de
vocês. Creiam em Deus; creiam também em mim. Na casa de meu Pai há muitos aposentos; se
não fosse assim, eu teria dito a vocês. Vou preparar lugar para vocês. E, quando eu for e preparar
lugar, voltarei e os levarei para mim, para que vocês estejam onde eu estiver” (Jo 14, 1-3).

Cidade de Deus (em cima), onde as pessoas foram virtuosas


e tudo fizeram para agradar a Deus, e a cidade dos homens
(embaixo), onde viveram no pecado, fazendo somente sua
vontade, se esquecendo do Senhor.

Reforçando o saber
7- Quais são os principais constituintes de uma cultura? O que torna uma cultura perfeita ou
imperfeita? Cite exemplos.
8- Qual é a cultura verdadeira?
9- O que significa a palavra “Cultura”?
10- Faça um breve resumo de como a cultura humana se relaciona com o cultivo de plantas.

346
347
Sobre a capa
São Lucas, o Evangelista, era médico, como podemos notar na epístola de São Paulo aos
colossenses, do qual era inseparável e fiel companheiro de missão (“o caríssimo médico”,
Colossenses 4, 14). Mas, não raro, também se diz que ele era pintor, por isso é o padroeiro dos
médicos e pintores. Além de médico, homem culto e letrado, o Evangelista teria sido o primeiro a
retratar a Virgem Maria. Segundo antiga tradição, São Lucas a teria pintado enquanto ela relatava
o que teria acontecido com seu Filho, Jesus. Há pinturas atribuídas a ele que existem até hoje,
como é o caso dos ícones da “Theotokos de Vladimir” e de “Nossa Senhora de Czenstochowa”.

São Lucas pinta a Virgem (detalhe), obra preservada na Academia Nacional de San Luca,
em Roma. Obra atribuída a Rafael Sanzio.

Imagem disponível em:


https://i0.wp.com/www.ilmessaggeroitaliano.it/news/wp-
content/uploads/2015/10/San-Luca-dipinge-la-Vergine.jpeg

348
Introdução
Este estudo tem por objetivo levar o estudante a contemplar a beleza como
reflexo de Deus, expressa na obra da Criação. Nesta Etapa, especificamente, o ensino
de Arte desenvolverá os princípios de organização composicional, a partir de
conceitos, definições, apreciação de imagens e atividades que contribuam para a
ordem, ou seja, para o desenvolvimento da habilidade de compor com equilíbrio,
proporção e harmonia para se atingir um conjunto coeso e unificado que transmita
com clareza uma informação sem perder o interesse do observador. Para isso, serão
estudados, além de equilíbrio, proporção e harmonia, os princípios de unidade,
variedade, dominância e economia.
A leitura atenta, as análises sugeridas e a apreciação profunda das imagens,
serão fundamentais a esse processo, que ampliará, e muito, a sua compreensão de
obras de arte como produções belas e comprometidas com o bom e o verdadeiro .

Caro estudante,
Para exercer a apreciação e a escuta musical, durante as atividades escute Cantos
Gregorianos.
A saber, o Canto Gregoriano é o canto oficial da Igreja Católica e por essência é
uma oração. Foi estabelecido pelo Papa São Gregório Magno, no século VI.

Indicação para encontrar os cantos:


TV Arautos (Cantos disponível em:
<https://www.youtube.com/channel/UCV7p2362kGftQc07bpVomUQ>

Procure a sessão “Clave de Sol”).

Procure fazer silêncio, aproveitando esse tempo para rezar e exercer essa virtude
enquanto ouve.
As aulas de Arte podem acontecer duas vezes por semana. Para que os trabalhos de
Arte sejam organizados e preservados, guarde-os em uma pasta. Sugestão: arquivar
os trabalhos em uma pasta catálogo (fácil acesso).

349
Estudo da Arte: qual é a importância?

S EGUNDO a doutrina da Igreja Católica, contida no Catecismo, a arte é de fato uma forma
de expressão propriamente humana; acima da procura das necessidades vitais, comum a
todas as criaturas vivas, ela é uma superabundância gratuita da riqueza interior do ser
humano. Nascendo de um talento dado pelo Criador e do esforço do próprio homem, a arte é uma
forma de sabedoria prática, que une conhecimento e habilidade para dar forma à verdade de uma
realidade na linguagem acessível à vista e ao ouvido. A arte inclui certa semelhança com a
atividade de Deus na Criação, na medida em que se inspira na verdade e no amor das criaturas.
Como qualquer outra atividade humana, a arte é ordenada e enobrecida pelo fim último do homem:
o Céu. (Catecismo da Igreja Católica - 2501)

O grande e único Autor de todas as coisas, nosso Deus Todo Poderoso, vendo toda a sua
obra, a Criação, considerou-a muito boa. São João Paulo II declara, em sua Carta aos Artistas, que
a página inicial da Bíblia nos apresenta Deus quase como o modelo exemplar de toda a pessoa que
produz uma obra de arte; no artesão, reflete-se a sua imagem de Criador. No final de sua obra,
criou o homem, o fruto mais nobre do seu projeto, a quem submeteu o mundo visível como um
campo imenso onde exprimir a sua capacidade inventiva.
Segundo, ainda, São João Paulo II, Deus chamou o homem à vida, dando-lhe a tarefa de
ser artesão. Na criação artística, o homem revela-se como imagem de Deus e primeiramente realiza
essa tarefa modelando a matéria estupenda da sua humanidade, e depois exercendo um domínio
criativo sobre o universo que o rodeia. Com amorosa aprovação, o Artista divino transmite uma
centelha da sua sabedoria transcendente ao artista humano, chamando-o a partilhar do seu poder
criador. Obviamente é uma participação, que deixa intacta a infinita distância entre o Criador e a
criatura. Deus, ao criar, dá existência a um ser ao qual todos os elementos que o formam não
existiam anteriormente. O artesão não cria! Um pintor por exemplo, não dá existência à tela, nem
à tinta, nem aos outros elementos característicos de seu quadro. Sua ação se limita a confeccionar,
com meios preexistentes, um ser novo, que é o quadro. O artesão utiliza algo já existente, ao qual
dá forma e significado. Este modo de agir é peculiar do homem enquanto imagem de Deus. Por
isso, quanto mais consciente está o artista do dom que possui, tanto mais se sente movido a olhar
para si mesmo e para a criação inteira com olhos capazes de contemplar e agradecer, elevando a
Deus o seu hino de louvor. Só assim é que ele pode compreender profundamente a si mesmo e a
sua vocação e missão.
Contemplando a beleza existente no mundo, tendemos naturalmente a transcender a
aparência material das criaturas, pois, como nos diz o livro da Sabedora: “... a grandeza e a beleza
das criaturas fazem, por analogia, contemplar seu Autor” (Sb 13, 5), “pois foi a própria fonte da
beleza que as criou” (Sb 13, 3).

“A criação, admirável e harmoniosa, Deus não a fez senão para o homem, e se a fez tão
maravilhosa, tão grande, diversificada, rica, útil, benéfica, para alimentar o corpo e conduzir a
alma a Deus, é por causa do homem”.
(São João Crisóstomo)

350
Arte Sacra: santas imagens

U
MA obra de arte (arquitetura, pintura, escultura, música, etc) é considerada sacra quando
é destinada a uma função litúrgica. Essa função a distingue da arte religiosa, ou seja, a
arte que aborda temas bíblicos ou a vida dos Santos, mas não tem função litúrgica.

As artes, mas, sobretudo a arte sacra, têm em vista exprimir de alguma forma a beleza
infinita de Deus e procuram aumentar seu louvor e sua glória na medida em que não tiverem outro
propósito senão o de contribuir poderosamente para encaminhar os corações humanos a Deus. O
Catecismo da Igreja Católica afirma que a arte sacra é verdadeira e bela quando corresponde, por
sua forma, à sua vocação própria: evocar e glorificar, na fé e na adoração, o Mistério transcendente
de Deus, beleza excelsa e invisível de verdade e amor, revelada em Cristo. A arte sacra verdadeira
leva o homem à adoração, à oração e ao amor de Deus Criador e Salvador, Santo e Santificador.

O Concílio de Nicéia II, em 787, declarou: “Na trilha da doutrina divinamente


inspirada dos nossos santos Padres, e da Tradição da Igreja Católica, que sabemos ser a
tradição do Espírito Santo que habita nela, definimos com toda a certeza e acerto que as
veneráveis e santas imagens, bem como a representação da cruz preciosa e vivificante, sejam
elas pintadas, de mosaico ou de qualquer outra matéria apropriada, devem ser colocadas nas
santas igrejas de Deus, sobre os utensílios e as vestes sacras, sobre paredes e em quadros, nas
casas e nos caminhos, tanto a imagem de Nosso Senhor, Deus e Salvador, Jesus Cristo,
quanto a de Nossa Senhora, a puríssima e santíssima mãe de Deus, dos santos anjos, de todos
os santos e dos justos” (Catecismo da Igreja Católica, nº 1161).

Para muitos que não sabiam ler, as belas imagens e esculturas foram como que o
Evangelho pintado nas paredes ou reproduzido nas esculturas. As imagens nos lembram de
que aqueles que elas representam, chegaram à santidade por graça e obra do próprio Deus,
são exemplos a serem seguidos e diante de Deus intercedem por nós.

São João Damasceno diz que a beleza e a cor das imagens estimulam sua oração. É uma
festa para seus olhos, tanto quanto o espetáculo do campo estimula seu coração a dar glória a Deus.
Há belezas existentes nas criaturas, que são reflexos da Beleza do Criador e ao contemplar tal
beleza estaremos conhecendo, amando, louvando e glorificando a Deus.

A tradição musical da Igreja é um tesouro de inestimável valor, que excede todas as outras
expressões de arte, sobretudo porque o canto sagrado, intimamente unido com o texto, constitui
parte necessária ou integrante da Liturgia solene. A música sacra será, por isso, tanto mais santa
quanto mais intimamente unida estiver à ação litúrgica, quer como expressão delicada da oração,
quer como fator de comunhão, quer como elemento de maior solenidade nas funções sagradas.

“A beleza é o reflexo de Deus”

(Santo Tomás de Aquino)

351
Princípios Composicionais

O S princípios que organizam os elementos visuais no espaço composicional, é o que você


estará estudando no decorrer desta Etapa. Iremos passo a passo, para que você assimile,
gradativamente, cada conceito. Conceitos que deixarão claro o que diz Santo Tomás de
Aquino quando define a beleza como aquilo que visto agrada. Com efeito, o belo naturalmente
atrai a atenção humana, agrada o intelecto e cativa a vontade. Ele nos diz através da Suma
Teológica que: “Para a beleza são requeridas três coisas: primeiro, a integridade ou perfeição, pois
o que é inacabado, por ser inacabado, é feio. Também se requer a devida proporção ou harmonia.
Por último, é necessária a claridade, e daqui decorre que aquilo que tem nitidez de cor seja
chamado belo”. Iniciaremos com alguns conceitos básicos e posteriormente os princípios
propriamente ditos.

Enquadramento
O primeiro passo para que uma composição fique visualmente agradável é um
enquadramento bem feito, para isso a proporção entre figura e fundo é essencial. O tamanho da
figura deve ser suficientemente grande para dominar os espaços vazios, mas não tão grande que
invada as margens. Também é importante verificar se é melhor colocar o papel, ou qualquer outro
suporte, na vertical ou na horizontal. Se os elementos da composição forem altos é melhor colocar
o suporte na vertical, se forem largos é melhor usá-lo na horizontal.

Todo trabalho precisa ter um tema principal, um ponto de interesse, para o qual os olhos
do espectador devem ser imediatamente atraídos. O primeiro senso que temos de enquadramento
e de ponto de destaque composicional é a centralidade. O elemento principal da imagem situa-se
no centro do suporte. A centralidade é um recurso bastante presente na arte sacra, principalmente
as do estilo bizantino, românico e gótico. A Virgem Maria, representada na imagem a seguir, foi
pintada por Duccio di Buoninsegna, em posição centralizada e em escala hierárquica, ou seja, ela
foi representada no centro e maior que as outras figuras da composição devido a sua importância.
Os Anjos que a ladeiam foram distribuídos simetricamente no espaço, contra um fundo dourado,
e parecem prestes a carregar o trono para o Céu para a glorificação de Maria.

A Madonna Rucellai foi pintada em têmpera sobre madeira para um painel da Igreja de
Santa Maria Novella, sendo posteriormente transferida para a capela da família Rucellai, de onde
vem sua identificação, atualmente conservada na Galeria Uffizi, em Florença. O autor da obra,
Duccio (Siena, 1255 - Siena, 1319), foi um dos principais representantes da arte gótica italiana,
mestre na técnica de têmpera, teve inicialmente seu estilo influenciado pela arte bizantina, com os
planos de fundo dourados, figuras simplificadas e temas religiosos (católico).

A têmpera é uma técnica de pintura em que o pigmento ou corante em pó é misturado a


um aglutinante. A têmpera a ovo é a mais antiga das emulsões de têmpera, tendo como veículo
(aglutinante) a gema. É uma técnica conhecida desde a antiguidade que foi amplamente utilizada
entre o séc. XIII e finais do séc. XV, sobretudo na Europa.

352
Madonna Rucellai, 1285, por Duccio di Buoninsegna
Galeria Uffizi, Florença, Itália.

Embora pareça lógico situar o tema principal no meio do trabalho, essa solução nem sempre
é usada pelos artistas, por ser muito óbvio ou por criar um resultado monótono. Para resolver essa
questão, pintores, desenhistas, fotógrafos e cineastas lançam mão da regra dos terços, através da
qual se determina o ponto de maior atração visual dentro de um espaço ou campo de visão.

353
Regra dos terços
É uma teoria utilizada para compor imagens, que
consiste em dividir a cena com duas linhas horizontais e duas
linhas verticais, formando quatro pontos de intersecção, que
segundo estudo, são os pontos para os quais nossos olhos têm
maior atração. O conceito básico da regra dos terços é colocar
os elementos mais importantes da composição nos pontos em
que as linhas se cruzam. É um enquadramento que evita que o
centro de interesse fique no meio, porém, por razões de
expressão ou para isolar um objeto do todo, se pode enquadrar de outra maneira.

Note como na representação da “Visitação”, Fra Angélico tira a cena principal do centro e
a coloca próxima à linha vertical direita e, a cabeça de ambas as personagens estão situadas na
altura da linha horizontal superior. Outra coisa que pode ser observada na imagem é que a linha
do horizonte fica pouco acima do meio (siga as linhas diagonais da arquitetura para localizar a
linha do horizonte).

A Visitação (1433-1434), por Fra Angélico – Museu Diocesano de Cortona, Itália.

Segundo esta regra de enquadramento, você irá obter paisagens mais contrabalanceadas e
atrativas ao olhar se não centralizar horizonte, árvore, monumento, linhas entre outros. Se o céu
está mais interessante, deixe-o em evidência colocando o horizonte próximo à linha horizontal
inferior. Se o céu não tem nada demais e você quer dar destaque para o que está abaixo dele,
coloque a linha do horizonte posicionada no terço superior.

354
Paisagem vista de Niterói, RJ. Pôr do sol.

Os pontos de intersecção são


usados para dar destaque a uma parte
específica do assunto. Como fez o pintor
Almeida Júnior, na obra representada ao
lado, que posicionou os olhos da
personagem na altura e junto ao ponto de
intersecção.

José Ferraz de Almeida Júnior (Itu,


SP, 1850 - Piracicaba, SP, 1899).
Pintor brasileiro formado
pela Academia Imperial de Belas
Artes (Aiba), destacou-se no estilo
acadêmico e marcou sua pintura com
um tratamento especial à
luminosidade.
Monge capuchinho, 1874, por Almeida Júnior.
Museu de Arte de São Paulo.

As linhas de enquadramento
(horizontais e verticais) ajudam a
equilibrar a composição, quando usadas
para o alinhamento do horizonte, o
alinhamento dos rostos em uma foto em
grupo ou para destacar linhas em uma
foto de arquitetura, por exemplo.

355
Atividade
Para confeccionar o visor ou moldura de enquadramento você vai precisar de um pedaço
de papelão ou papel cartão, fita adesiva e barbante ou linha grossa.

Orientações:

Trace no papelão um retângulo de 260 x 200 mm


Trace margens de 40 mm formando um retângulo interior de 180 x 120 mm (linha laranja da fig.
B).
Usando a régua, divida os lados do retângulo menor em três partes iguais fazendo marcas na
margem (figura B)
Corte o retângulo externo deixando o papelão com a medida de 260 x 200 mm.
Corte o retângulo interno (linha laranja da figura B) formando uma moldura vazada. Para cortar,
faça um orifício no centro do retângulo para que você possa introduzir a tesoura e chegar à linha
de corte.
Cole o barbante esticado formando a grelha (use cola ou fita adesiva). Outra opção é substituir o
barbante por um pedaço de plástico transparente (220 x 160 mm) e traçar as linhas da grelha com
caneta permanente.
260

60 60 60
A B
40
200

40
40

C D

Exercite-se usando o visor para observar e enquadrar paisagens, objetos, pessoas,


monumentos e arquitetura, colocando em prática o que foi estudado neste capítulo.

356
Estrutura Composicional
Depois de se familiarizar com o enquadramento você irá treinar o olhar para perceber a
forma como são estruturadas as composições visuais. Não iremos, por enquanto, estudar os
fundamentos, mas a percepção visual de estruturas básicas.

Compor é organizar harmoniosamente um conjunto de elementos visuais em um determinado


espaço. A harmonia de uma composição está no equilíbrio entre todos os elementos, criando uma
unidade coerente e sutil.

Composição Simétrica
Na composição simétrica, os elementos que a compõe ocupam o espaço de forma
equivalente, ou seja, são distribuídos igualmente de um lado e do outro no espaço composicional.
Na imagem abaixo você pode apreciar uma obra do período românico, onde Cristo é
representado no centro, em escala hierárquica, cercado de ornamentos abstratos. Os Apóstolos
estão simetricamente distribuídos à direita e à esquerda no espaço composicional. As figuras
parecem estáticas e são simplificadas conforme característica da época.

Cristo Pantocrator e os Apóstolos, arte românica, têmpera sobre painel de autor desconhecido.
Museu Nacional de Arte da Catalunha, Barcelona, Espanha.
A simetria composicional também pode ser vista na pintura “Anunciação”, obra do artista
italiano Ambrogio Lorenzetti, do período gótico. Nessa composição, as figuras posicionadas à
direita e à esquerda do eixo central, ocupam espaços equivalentes na obra.

357
Anunciação, 1344, têmpera sobre madeira, por Ambrogio Lorenzetti - Pinacoteca Nazionale, Siena.

Imagine a simetria com que Salomão ornamentou o Templo do Senhor: “Levantou


colunas, uma à direita e outra à esquerda da fachada do templo” (2 Crônicas 3, 17).” Salomão
fez também dez bacias, das quais cinco foram colocadas à direita e cinco à esquerda, para nelas
fazer as abluções. [...] Fez dez candelabros de ouro, de acordo com modelo prescrito e colocou-
os no templo, cinco à direita e cinco à esquerda. Fez dez mesas e colocou-as no templo, cinco à
direita e cinco à esquerda; e cem vasos de ouro” (2 Crônicas 4, 6–8).

358
Composição Assimétrica
Em uma composição de estrutura assimétrica, os elementos que a compõe não se
posicionam de maneira equivalente como na simetria, mas ocupam o espaço de maneira que tenha
equilíbrio visual.

Observe a imagem abaixo com atenção, perceba a distribuição das figuras no espaço.

Cristo com os apóstolos, têmpera na madeira (1308-1311) por Duccio di Buoninsegna.


Retábulo da Catedral de Siena, atualmente no Museu dell'Opera del Duomo de Florença.

Ao observarmos a imagem, logo notamos o agrupamento de figuras de um lado e o


isolamento de Jesus do outro. A figura isolada chama a atenção, dirige nosso olhar e logo a
identificamos. Nesta obra, Duccio usou a assimetria para compor e isolou a figura de Jesus para
criar um atrativo visual capaz de equilibrar a obra.

O mesmo recurso usou Giotto na obra representada a seguir. Ao observá-la note que as
figuras se acumulam no espaço em diferentes posições; Jesus é o único representado em pé, de
maneira a atrair nosso olhar.

359
Ressurreição e Noli me Tangere (não me toque) 1303-1305, por Giotto di Bondone.
Afresco da Cappella degli Scrovegni all'Arena, Pádua, Itália.

Composição Triangular

Tipo de composição em
que os elementos se acumulam
na base (terço inferior) e se
estreitam na parte superior,
dando uma forma triangular à
estrutura composicional.
A base larga confere à
composição estabilidade e
solidez.

Tímpano da Sainte-Chapelle mostra a Coroação da Virgem Maria.

360
Na imagem abaixo, podemos apreciar um dos afrescos de Arezzo pintado por Piero della
Francesca, pintor italiano que se dedicou à obras religiosas marcadas por simplicidade,
serenidade e clareza. Os afrescos de Arezzo foram iniciados na década de 1450, sendo a
encomenda mais vultosa de Piero. Ele também se interessava por geometria e matemática e era
conhecido por suas contribuições nesses campos. Em Ressurreição de Cristo ele usou uma
perspectiva dupla: os soldados diante do sepulcro são vistos de baixo para cima, enquanto a parte
superior do quadro pressupõe um ponto de vista na altura do rosto de Cristo.

Ressurreição de Cristo, Piero Della Francesca, Museu Cívico de Sansepolcro, Arezzo, Itália.

361
Composição Diagonal

Tipo de composição em que os elementos são distribuídos na diagonal causando


informalidade, dinamismo e tensão. Dessa maneira, cria-se um caminho que conduz o olhar de um
canto ao outro da imagem.

Oração no Horto. Por Bartolomé Esteban Murillo. Museu do Louvre, Paris.

362
Atividades
Exercício 1
Composição com recortes de formas geométricas
Recorte uma série de quadrados, triângulos, círculos e retângulos de cores e tamanhos
variados. Ao recortar procure girar o papel e não a tesoura. Com os recortes, sobre uma folha de
papel, faça as várias composições que foram estudadas neste Volume.

Orientações:
Os recortes não devem ser muito pequenos para que haja proporção entre figura e fundo.
Faça uma composição para cada uma das estruturas composicionais, sem exagerar no número de
figuras.

Procure usar a sobreposição de figuras.


Verifique qual é a melhor posição para a folha de papel que servirá de suporte.
Figuras maiores equilibram-se melhor na composição se forem centralizadas ou estiverem
próximas ao centro.
Antes de fazer a colagem estude bem a composição, verificando qual a melhor posição para cada
figura.

Pronta a composição, guarde-a em sua pasta colocando uma etiqueta com o título ou o conteúdo
estudado.

Exercício 2
Escolha três objetos de tamanhos e formatos diferentes. Arranje-os numa mesa e desenhe-
os de forma simples, fazendo um esboço rápido, pois o objetivo não é criar um desenho realista,
mas exercitar os vários tipos de composição.

Orientações:
Escolha o posicionamento do papel (horizontal ou vertical).
Desenhe, em forma de esboço rápido, os objetos de sua composição.
Comece com um desenho centralizado, depois tente fazer um desenho deslocado do centro,
compensando o lado vazio com algum elemento gráfico, como a linha da mesa, por exemplo.

363
Exercício 3
Escolha alguns objetos e arranje-os sobre a mesa, estudando a melhor forma de compor
com eles. Tente várias estruturas e escolha a que ficou mais agradável. Use o visor para determinar
o melhor enquadramento.

Orientações:
Você fará um desenho de observação seguindo as etapas: esboço, delineamento das formas e arte
final.

Analise cada elemento de sua composição, estudando a estrutura básica de cada um.
Comece desenhando a estrutura de cada elemento de sua composição, usando formas simples.
A partir da estrutura, faça o esboço de cada elemento.

Faça as correções necessárias antes de concluir a forma.


Defina as linhas que compõem cada figura, exceto as que ficam escondidas pela sobreposição,
em seguida acrescente os detalhes.

Apague os traços que não são mais necessários.


Verifique se há necessidade de colocar uma linha de fundo em seu desenho.
Escolha a técnica de seu domínio para fazer a arte final.

Trabalhe observando áreas de sombra e luz.


Independente da técnica escolhida, não queira fazer tudo de uma vez, faça-a em etapas.
A atividade só estará pronta quando a arte final estiver bem executada.
Coloque seu trabalho para apreciação, expondo a seus familiares a sua intenção e os recursos
usados na execução.

"Todas as coisas criadas são sombras, ecos, imagens ou semelhanças de Deus, que é a
Causa Primeira de todas as coisas"
São Boaventura

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