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S. TERESA DE JESUS
mestra de vida espiritual
Titulo original
Sainte 'l1lérise de Jésus, ......,.._ de Yie splrltuelle
Tradução
Convellto Santa ,_ (São Paulo)
Revisão
Rubens Man:hloni
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PREFACIO DO AUTOR
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Se o conseguirmos, ainda que um pouco, a devoção
filial que inspira este trabalho achar-se-á abundantemen
te recompensada de suas fadigas. Além disso, a alegria
íntima que ele nos deu fez esquecer o esforço que nos
impunha. Viver em contato com a grande alma de nos
sa Mãe espiritual é tal reconforto que quisemos dele
beneficiar todos aqueles que se deleitam em seus escritos.
Todavia, esta intenção de ordem mais prontamente
prática não afasta de nosso horizonte o fim doutrinal
que nos fez empreender, no ano passado, uma série de
estudos sobre "a escola mística teresiana". Examinando,
à luz da doutrina tradicional do Carmelo, as diferentes
questões - as mais controvertidas da teologia espiritual
moderna - constatamos como o caráter "prático" da
mística teresiana conduz a soluções "equilibdadas", que
permitem entrever uma conciliação possível entre po
sições, à primeira ·vista, categoricamente opostas. O es
tudo mais direto da doutrina de S. Teresa - fonte verda
deira da "escola" do Carmelo reformado - nos ajudou a
dar um passo a mais nesta via de conciliação e aproximar
doutrinas que, na nossa opinião, são destinadas a se
completarem, em vez de serem postas em formal opo
sição.
Nutrida de uma tradição tomista várias vezes secu
lar, não parece possível que a mística teresiana esteja
em conflito com o ensinamento do Doutor Angélico; po
rém, a direção mais prática que a caracteriza pode dar
à sua síntese um aspecto bastante diferente daquele, o
qual conduz um ponto de vista mais especificamente es:.
peculativo dos problemas místicos.
Pensam.os fazer obra útil pondo em relevo um acor
do que cremos ser fundamental.
Terminando, nosso pensamento se volta para a que
rida família espiritual que vive dos ensinamentos da San
ta. Nós a tínhamos sempre presente ao espírito durante
nosso trabalho, e nosso desejo de ajudá-la a penetrar
mais profundamente na doutrina da nossa Mãe comum
não foi menor que o de aplainar o caminho aos "amigos"
de fora.
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Possam estas humildes páginas ser também, para
qualquer alma teresiana, ocasião de um aprofundam�nto
de sua própria vida. Então nosso íntimo desejo estará
satisfeito: teremos colaborado, em certa medida, para a
educação da família muito amada de S. Teresa de Jesus.
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INTRODUÇÃO
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Entretanto, uma primeira leitura delas nos dá sem
pre uma impressão de desordem. Admirando a profunde
za das concepções e a beleza dos pensamentos lançados
a mancheias nestas páginas, muitas vezes inflamadas e
sempre ardentes ( onde a mesma riqueza do pensamento
leva a Santa a abundantes digressões), mais de um per
derá facilmente o fio do discurso e ficará desejoso de
uma exposição mais ordenada e mais estritamente lógi
ca. Esta, porém, aí está e muito profunda. � a lógica
da própria vida de Teresa, revelando-se àqueles que sa
bem voltar com assiduidade ao estudo de seus escritos.
Esta mulher genial une as intuições profundas de uma
inteligência viva e sobrenaturalmente iluminada aos ar
dores de um coração humano que pode amar imensa
mente e cujas forças foram empregadas em amar total
mente o princípio mesmo e o fim da vida humana: Deus!
Admirável é a lógica de tal vida!
De outra parte, quem estuda S. Teresa percebe bem
depressa que suas freqüentes digressões ( semeadas de
tantas pérolas preciosas) não impedem o desenvolvimen
to de seu pensamento. Os parênteses se fecham e a Santa
retoma com destreza o fio das idéias que parecia perdi
do. Após uma longa interrupção, não tendo muitas vezes
o tempo de se reler, aproveitando os curtos momentos
dos quais dispõe, ela retoma perfeitamente o assunto
antes tratado e o escruta em profundeza, com um reno
vado vigor. Acrescentamos que, através da variedade dos
seus escritos, escalados no espaço de uns vinte anos,
aparece uma profunda unidade doutrinal. Os mesmos
pensamentos que alimentavam sua vida espiritual aos
quarenta anos se reencontram mais tarde, enriquecidos,
desenvolvidos e revestidos de expressões sempre mais
vivas e encantadoras. Estabelece-se uma síntese sempre
mais profunda em suas intuições, em linhas cada vez
mais claras. A Santa tende a um fim único: o encontro
da alma com Deus - e não conhece melhor caminho
que o da generosidade.
Uma só coisa explica adequadamente esta maravi
lhosa unidade em tanta variedade: a vida de Teresa. Ela
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fala como sente e vibra. Seus livros não são fruto de
uma simples especulação. Eles são o fruto de uma vida,
o retrato de sua alma; suas páginas fremem às pulsações
de um grande coração, todo orientado para um fim úni
co : amar a Deus com todas as suas forças. Os escritos
de Teresa são, pois, de uma lógica profunda, porque eles
refletem a lógica de sua vida. Tentar extrair dos livros da
Santa uma verdadeira síntese doutrinal não nos parece,
portanto, um esforço inútil.
Para tratar de maneira metódica o estudo da dou
trina espiritual da escola mística teresiana convém con
siderar, antes de tudo, os ensinamentos da Mãe espiri
tual do Carmelo reformado. S. Teresa, com efeito, me
rece o nome de Mãe, não somente como fundadora de
tantos mosteiros e conventos, 2 mas também e antes de
tudo, coqio criadora de um espírito que ela soube in
fundir em toda uma família religiosa. Este espírito de
vida devia atrair para nossos claustros carmelitanos tan
tas almas privilegiadas cujo perfume embalsamaria a
Igreja de Cristo; suscitar, além disso, uma linhagem: de
mestres da vida ·espiritual que, com mão segura, guia
riam as almas generosas para os cimos da intimidade
divina. Uma escola de espiritualidade nasceu dos ensi
namentos de -Teresa de Jesus. Verdadeiramente, a seu
lado a Providência quis pôr outro gênio - uma águia
-, cuja penetração profunda e poderoso vigor sintético
revestiram sua doutrina desta estrutura científica que
devia realçar-lhe o grande valor. S. João da Cruz tam
bém é filho .espiritual de Teresa de Jesus. No edifício
doutrinal levantado pelo Doutor Místico, reencontramos,
em grande parte, as idéias expostas e ensinadas pela fun.
dadora a suas filhas, ávidas da doutrina materna e de
sejosas de se fazer instruir por esta mestra que �las
viam caminhar na luz; Estudando S. Teresa nós tira
mos água � fonte mesma da escola mística do Carmelo
reformado.
2· S. Teresa foi fundadora de 18 mosteiros. A reforma dos
religiosos é igua!mente devida à sua iniciativa; a Santa lhes
conseguiu a casa do primeiro convento de Duruelo.
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Nossa intenção é considerar a Santa como mestra
da vida espiritual e determinar qual foi seu pensamento
sobre os problemas mais centrais da espiritualidade.
Procuraremos, antes de tudo, fixar sua concepção da
perfeição, a qual ela nos propõe como fim ao qual deve
mos tender. Deste primeiro tema derivará outro que,
em nossos dias, dele é inseparável: qual é o lu�ar do
ideal místico nesta concepção da vida espiritual ?
Este será o tema do segundo capítulo.
Analisando o Camirr.ho de perfeição no capítulo ter
ceiro, apresentaremos o concurso ativo que a alma deve
prestar à obra de sua santificação. Depois, guiados pela
Santa, visitaremos as diferentes moradas do " castelo
interior" e, ai, admiraremos as maravilhas operadas pelo
amor divino na alma que se dá inteiramente a Deus.
Enfim , para não omitir uma das características mais sa
lientes da doutrina teresiana, mostraremos como a San
ta, ao longo da subida espiritual, não quer separar-se
de Jesus Cristo. Isto quer dizer que ela é verdadeira
mente Teresa de Jesus.
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A PERFEIÇÃO MORAL
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grande desejo de seu coração: entrar na intimidade de
seu bem-amado Senhor. Mais tarde ela mostra lumino
samente como nesta doação consiste a verdadeira per
feição da alma e como, para este fim, são ordenadas as
consolações celestes da oração, pois que elas devem tor
nar-se ca1,azes de nos darmos sempre mais. Sob o ardor
da caridade divina, a Santa compreende que o amor
consiste mais em dar que em receber.
O livro da Vida
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O Caminho de perfeição
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va àquele que é ·tudo ? ... Demos-lhe as mais vivas
ações de graças por nos ter reunido neste asilo on
de não temos que pensar em outra coisa". 10
Em verdade, nesta casa não se pensa verdadeiramen
te em " outra coisa" ; impossível é aí viver sem uma gran
de generosidade:
" Pelo amor de Deus temos renunciado à nossa li
berdade... submetendo-pos, além disso, a toda espé
cie de penitências: jejum, silêncio, clausura, ássis
tênci� ao coro. Sim, a vida d� um bom religioso,
daquele que quer ser contado entre os amigos ínti
mos de Deus, é um longo martírio". 11
"Deus ", com efeito-; " não se dá totalmente, senão
àqueles que se dão totalmente a ele" . 12
Não penseis, entretanto, que a doação total seja uni
camente ativa! Certamente é preciso se sacrificar " dan
do ", mas também "aceitando " . C_omentando o " Pater
noster", Teresa nos revela a profundeza da oferta que
fazemos de nós mesmos a Deus, dizendo-lhe com todo
nosso coração:
" Fiat voluntas tua"! ª Quero vos expor ou vos re
cordar o· que é sua vontade. Não temais que ele vos
queira dar riquezas, prazeres... Não vos ama tão
pouco. Vede o que o Pai deu àquele que amava
acima de tudo: sofrimentos, a cruz ... e compreen
dereis qual é sua vontade. São estes, os seus dons
neste mundo. Ele os mede conforme seu amor por
nós. Dá mais àqueles que mais ama e menos àque
les que menos ama. Regula também conforme a co
ragem que descobre em cada um de nós. Vê que
é capaz de sofrer muito por ele aquele que muito
o ama, e sofrer pouco, quando o ama pouco. Estou
convencida que a medida da capacidade para supor-
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tar uma grande ou pequena cruz é a mesma do
amor". 13
Dar-se totalmente significa, pois, " querer sofrer". E
querer sofrer é dar a Deus uma prova convincente de
nosso amor por ele. Toda possuída pelo amor, Teresa
repete ao seu Senhor: " Sofrer ou morrer" . 14 A alma
amante de Jesus o procura sobre a cruz. Sabemos ago
ra até que ponto se estende o dom de nós mesmos: até
ao sofrimento abraçado por amor.
Reparemos, contudo, que nestas mesmas páginas em
que a magnânima Teresa convida suas filhas ao heroís
mo, recorda-lhes que o dom absoluto de si .dispõe a al
ma à mais doce intimidade com Deus : " Por este meio,
nos dispomos a atingir prontamente o termo do nosso
caminho e beber a água viva da fonte, da qual temos
falado". 15 Esta fonte de água viva simboliza, para Tere
sa, a união mística. Eis-nos, assim, diante do problema
da conexão entre a vida perfeita e as graças místicas.
A este tema, dada sua grande imoortância, consa
graremos inteiramente o capítulo seguinte.
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sores da Santa. lhe ordenou queimá-lo; ela assim fez
imediatamente. 16 O pobre padre ficou, com isto, todo
pesaroso ... e nós. privados de um manuscrito de S. Te
resa. Felizmente suas filhas já haviam dele copiado al
gumas páginas e assim a obra foi parcialmente salva.
"Que ele me beije com um beijo de sua boca . .. " ó
santa Esposa! Chegamos ao objeto de vossa súpli
ca, Ela consiste em unir nossa alma, de maneira
tão íntima à vontade de Deus. que não haja divisão
entre ele e ela. Não há mais que uma só e mesma
vontade. manifestada. não só por palavras ou dese
jos. mas por obras. Também. desde que ela compre
ende servir melhor o Esposo em qualquer coisa. ex
perimenta tal desejo de o contentar que não
escuta as razões que o entendimento lhe fornece pa
ra dissuadi-la. nem os temores que lhe sugere; dei
xa agir somente a fé, sem considerar seu interesse.
nem seu repouso .. . 11
Quem é esta esposa abrasada senão Teresa? Que de
seja ela? Não ter mais outra vontade senão a de seu
Senhor; que não haja mais entre eles "nenhuma divi
são". mas "uma só vontade" . Assim quer Teresa prová
-lo por obras. ·Percebe uma coisa mais agradável a Deus ?
:e.preciso que a realize. Arrebatada pelo amor. "não es
..
cuta mais nada . Não se contam mais as dificuldades:
o amor é forte como a morte.
Dar tudo, é dar-se sem limites! Como se admirar,
então. que Teresa tenha feito o voto do mais perfeito?
Não era este uma exigência de seu coração abrasado ? 18
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O livro das Fundações
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sa vontade• e " amar· . Teresa mostrá-lo-á claramente
em sua última obra onde, completando seu pensamento,
sintetiza os diversos aspectos da pezfeição moral.
O Castelo interior
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ajuda de nosso Senhor, quando nos esforçamos por
não ter mais vontade própria e por nos prende.r a
tudo o que é exigido pela vontade de Deus... Ele,
que é todo-poderoso, tem muitos meios para enri
quecer as almas e as introduzir nestas "Moradas ",
sem fazê-las passar pelo caminho abreviado ( da
união mística ) do qual se trata ". 21
E Teresa conclui: " ]! tal união que eu tenho deseja
do em toda minha vida, e que 11ão deixo de pedir ao
Senhor; além de tudo é a mais fácil de reconhecer e à
mais segura". 22
Por conseJruinte, mais que à união mística, não obs
tante tão desejável, Teresa tende à união de conformi
dade à vontade divina. Qual é esta vontade ? "A nós, o
Senhor só pede duas coisas: que o amemos e que ame
mos nosso próximo; este é o fim de nossos· esforcos.
Se a isto nos conformarmos de uma maneira nerfeita,
realizaremos sua vontade e lhe estaremos unidos. De
resto. isto está em nosso poder; basta que o aueira
mos " .23 1!,. portanto, a mesll\a perfeição da caridade que
nos toma perfeitamente conformes à vontade divina.
Teresa alcança aqui a opinião comum dos teóloP.:os: "a
p�rfeição cristã consiste na perfeicão da caridade". To
davia, como no-lo faz notar S. Tomás, esta perfeição
comporta dois graus : no primeiro, a alma goza da tr�
qüila posse dos bens comuns da gra�. atingindo ·cer
ta segurança, após ter lutado vitoriosamente na v� pur-.
gativa e iluminativa. No segundo, "ad quaelfbet diffi
cilia manum mittit ", 24 ela põe a mão em coisas· niais
difíceis. Basta-lhe saber que uma coisa agrada a Deus
para que a queira e logo a ame. "Isto ", diz Tomás, "é a
caridade consumada". 25 E Teresa, não podemos duvidar
depois do que temos lido, tende a esta perfeição mais alta
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O amor do próximo
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O ideal apostólico
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preço de mil vidas ... Este é o atrativo que o Senhor
pôs em mim". 32
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filhos, mas é certo que se ela tivesse assistido à partida
dos nossos primeiros missionários lhes teria beijado os
pés!
Entretanto, as filhas de Teresa não serão privadas
da vida apostólica. Em seu Caminho de perfeição ela
lhes explica como toda sua vida deve ser ordenada ao
bem da Igrej a e à salvação das almas. Ela une o ideal
contemplativo, que procura a intipndade divina, com o
desejo ardente de salvar as almas que se perdem.
" Todo meu desejo era - e ainda. é - que, uma vez
que o Senhor tem tantos inimigos e tão poucos ami
gos, estes ao menos lhe fossem devotados. Eu me
determinei, então, a fazer o pouco que deoendia de
mim, isto é, seguir os conselhos evangélicos com
toda a perfeição possível e levar ao mesmo p;ênero
de vida as poucas religiosas deste mosteiro. Entre
gando-nos à oração pelos defensores da Igreja, pelos
pregadores e sábios que a sustentam, aiudaremos,
na medida de nossas forças, o Senhor de nossa al
ma, tão perseguido por aqueles mesmos que ele
cumulou de tantos benefícios! Estes traidores que
rerão, parece, crucificá-lo de novo. não lhe deixando
um só �ugar onde reclinar sua cabeça". 37
Certamente, se Teresa quer salvar as almas, é por
Deus e para fazer amar seu Jesus! Interessar-se tanto
pelos padres e letrados é visar aos interesses de Jesus
que eles defendem neste mundo. Trabalhar por eles, sa
crificar-se por eles, não é sacrificar-se por seu Deus? Te
resa indica também este fim apostólico à vida de suas
filhas: " ô minhas irmãs, em Jesus Cristo, aj udai-me a
dirigir esta súplica ao Senhor; para este fim vos reuniu
ele aqui. Esta é a vossa vocação; estes são os vossos ne
gócios; tal deve ser o objeto de nossos desejos, o mo
tivo de nossas lágrimas, o fim de nossas orações". 38
Especificando, então, os detalhes de sua vida religiosa,
acrescenta: "Quando nossas orações, desejos, disciplinas
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e jejuns não tenderem mais aó fim do qual acabo de
falar, sabei que não realizais e não cumoris o fim para
o qual nosso Senhor vos reuniu aqui". 39
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fim de consolar uma doente, fazendo teu o seu so
frimento, jejuando para que ela tenha o que comer,
e isto, não tanto por ela mas porque teu Deus o
quer. Nisto consiste a verdadeira união à vontade
de Deus". 41"
S. Teresa ' jamais esquece a prática da virtude: " Se
vós não procurardes adquirir as virtudes e não vos exer
citardes nelas, permanecereis sempre como anãs", 42 diz
ela no último capítulo das "Sétimas Moradas", isto é,
nas moradas mais elevadas do castelo interior. Com efei
to, é lá que se acham, entre as maravilhosas descrições
da vida mística mais sublimes, intercaladas as mais be
las · páginas sobre a prática concreta da caridade frater
na. "Assim sendo, minhas irmãs, para que este edifício
tenha fundamentos sólidos, cada uma dentre vós deve
se aplicar a ser a menor de todas e a escrava da casa.
Examinai, pois, como e por que meios podereis ser agra
dáveis e prestar serviço aos outros" . 43 E não digais à
Santa: este é o ofício de Marta e nosso Senhor disse
que Maria tinha escolhido a melhor parte; neste caso
ela vos responderá: "Ela já tinha feito o ofício de Mar
ta, quando tinha prestado a nosso Senhor o serviço de
lhe lavar os . pés e os enxugar com seus cabelos". 44 Te
resa quer obras. Aliás, é fazendo o bem no ambiente
próximo em que elas vivem que suas filhas poderão
ajudar àqueles que estão separados delas: "Não queirais
fazer bem ( diretamente ) a todo mundo, mas fazei o bem
às pessoas em meio das quais viveis; para com elas,
aliás, é que tendes mais obrigação". 45
Trabalhando para tornar suas co-irmãs mais felizes,
ajudando-as na sua santificação, elas ajudarão, por este
meio, também as almas mais afastadas: "Pensai, pois,
qu� quanto mais vossas irmãs forem virtuosas, mais
também seus louvores serão agradáveis a Deus e mais
41 Id., ibid., cap. 3, n. 1 1 .
42 ld., ibid., "Sétimas Moradas n , cap. 4 , n . 9.
43 ld., ibid., cap. 4, n. 8.
44 Id., ibid., cap. 4, n. 13.
45 Id., ibid., cap. 4, n. 14.
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sua oração será proveitosa ao próximo ". 46 Verdadeira
mente, o amor de Deus se manifesta pelo amor do pró
ximo. O amor do próximo, porém, se prova por nossa
generosidade para com aqueles com quem vivemos. Te
resa, como mulher de bom senso, edifica seu castelo in
terior sobre o fundamento sólido de uma prática palpá
vel das mais iminentes virtudes.
O ideal carmelitano
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n�a". 49 A perfeição visada por Teresa é, pois, muito
ativa, operante. Deste modo, totalmente devotada ao Se
nhor, a carmelita não porá limites à sua generosidade.
Ela se entregará completamente a ele, por uma vida to
da inteira de serviço dedicado e amoroso sacrifício.
O amor consiste mais em dar que em receber: "Não,
o amor de Deus não consiste em derramar lágrimas ...
nem tão pouco nestas doçuras e ternuras tão desejadas
ordinariamente para aí achar consolação. Consiste em
servir a Deus na justiça, na força de alma e na humil
dade". 50 "O amor de Deus não consiste em experimen
tar muitas consolaçõe,s, mas em estar firmemente resol
vido a contentá-lo em todas as coisas ". 51
Ora, é a -caridade fraterna, o trabalho da salvação
das almas, uma das coisas que nós devemos, sobretudo,
procurar para contentar a Deus, pois que ele mesmo a
recomenda. A carmelita que deve viver unicamente para
Deus poderá, portanto, oferecer toda sua vida de gene
rosos sacrifícios pelos interesses da santa Igre.ia; em tu
do o que ela faz, será sempre animada de ardor apos
tólico. Todavia, esta caridade não pode permanecer em
estado vago e geral; deve se concretizar em humildes
serviços cheios de amor para com suas irmãs. Repetindo,
a perfeição da caridade fraterna é muito trabalhosa e
muito ativa: é um contínuo dom de si mesma.
A carmelità modelada em S. Teresa é, pois, uma al
ma que, por um amor ativo e generQso, vive totalmente
na intimidade divina e aoroveita do seu poder sobre o
coração de Deus para salvar as almas e as fazer _ amar
a Deus. S. Teresinha do Menino Jesus, digna filha da
grande Teresa, não sintetizou maravilhosamente este pen
samento, dizendo: "Há somente uma coisa que fazer aqui
�a terra: amar a Jesus e salvar-lhe almas para que ele
seja amado". 52
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A alegria teresiana
53 Fundações.
54 Vida. cap. 39, nn. 10.11.
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virtude brilha de várias maneiras: em sua obediên
cia, na alegria que experimentam por se acharem
em uma tão austera clausura e solidão tão profunda,
no júbilo que sentem, quando se apresenta qual
quer ocasião de praticar a mortificação". ss
E a Mãe se regozija com suas filhas quando sente
que transbordam de alegria espiritual.
Conclusão
55 Fundações, cap. 1 8, n. 5.
56 Castelo interior cu muradas, "Sextas Moradas", cap. 6,
n. 12.
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cebido por um grande coração que ignora as meias me
didas; é a plenitude da caridade que leva ao sacrifício
inteiro de si mesmo, à doação total, às grandes obras,
sempre mais perfeitas, abraçadas para dar prazer ao
Amado. Não somos nós todos chamados a esta perfei
ção? A doutrina teresiana se dirige, pois, a todas as
almas, ainda que mais diretamente às generosas. Eis
por que estas saboreiam geralmente as obras da Santa,
cuja doutrina não é exclusivamente reservada às suas
monjas; pelo contrário, é um ensinamento que vai lan
çando sua semente de magnanimidade em todos aqueles
que se dispõem a recebê-la. Mesmo a santa Igreja pede,
na oração da festa de S. Teresa, em nome de todos:
"Para que sejamos nutridos com o alimento de sua ce
leste doutrina". sr A plenitude do amor de Deus e do
próximo é o fim para o qual tende a vida cristã. Teresa
conseguiu apresentar este duplo amor com um encanto
particular. O amor de Deus é para ela uma intimidade
amorosa, a intimidade do coração que pertence total
mente ao Bem-amado, porque se entregou todo a ele;
uma intimidade que só tem em vista dar-lhe prazer a
todo custo, e que se abisma numa conformidade total
de vontade com a sua. Teresa nos assegura que " isto
está em nosso poder, contanto que o queiramos". 58
Todas as almas cheias de boa vontade podem, pois,
atingir uma íntima união com Deus, mas na medida da
perfeição de sua generosidade. Generosidade divinamente
fecunda, toda orientada ao bem da santa Igreja e das
almas! O verdadeiro amor de Deus não se concebe sem
o das almas; ele reauer uma grande generosidade. Em
suma, o amor das almas é o mesmo amor de Deus que
se difunde nos filhos de Deus. Querendo Teresa que nos
demos todo a Deus, quer também que nossa vida seja
toda ordenada ao bem das almas; se amar a Deus é ser
vi-lo, amar as almas será servi-las, esquecendo-se e sa
crificando-se por elas. Cativa da intimidade divina, Te-
57 Oração da festa.
58 Castelo interior ou moradas, "Quintas Moradas.", cap. 3,
n. 7.
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resa o é também dõ apostolado: sua alma se entrega.
totalmente a este duplo atrativo.
Em meio a um mundo moderno insaciável de pra
zeres sensuais, arrastado pelos gozos fugitivos, procu
rando em sua mediocridade criar um ideal que não exi
ja muito esforço - um compromisso entre o espírito
do século e o Espírito de Deus - felizmente encontram
-se por toda parte almas que têm horror a esta superfi
cialidade. Elas não querem viver assim repartidas e têm
razão. Uma tal existência não vale a pena ser vivida.
A doutrina teresiana se dirige diretamente a essas al
mas. Desejosas de uma · vida perfeita, elas olham, com
tristeza a dança frívola dos prazeres fugazes da terra,
os quais inebriam e enlaçam as almas mesquinhas. Elas
não se podem desalterar em semelhantes fontes, pois
que são feitas para maiores coisas. Experimentam no
mais profundo de si mesmas, a nostalgia do divino, uma
aspiração obscura, porém, profunda à união com Deus.
Estas almas compreenderão a linguagem de Teresa
de Jesus; se a traduzem em atos, dando-se totalmente ao
Senhor, como o quer a grande Mestra da vida espiritual,
sentirão logo nascer no íntimo de seus corações, gene
rosamente sacrificados, a doce alegria teresiana.
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O -IDEAL CONTEMPLATIVO
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Esta questão da conexão entre a contemplação e a
perfeição é, aliás, uma das grandes preocupações da
teologia espiritual moderna. s9
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estudo, apoiando todos os seus elementos nas mesmas
palavras de S. Teresa.
Antes de nós, outros tentaram este trabalho. Em sua
História da espi.ritualidade, M. Pourrat tratou o argumen
to brevemente, há alguns anos, mas concluiu " que o
pensamento da Santa permanece flutuante sem que pos
samos deduzir dele uma solução certa". 60 Nós não par
tilhamos de nenhum modo do pessimismo do autor. O
pensamento de S. Teresa, sempre rico e variado, nos
parece poder ser coligido em uma síntese harmoniosa,
lógica· e clara. Em todo o caso, vale a pena tentar a
empresa. A fim de proceder a este estudo com a clareza
necessária determinaremos, antes de tudo, o que a San
ta entende por contemplação, para examinar, em segui
da, a resposta que os seus escritos nos dão quanto ao
problema da conexão. entre a contemplação mística e a
perfeição cristã.
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da via percorrida pela alma propriamente contemplati
va. O caráter comum de todas estas orações é, de certa
maneira, fazer perceber a ação de Deus em nós, porém,
com mais ou menos clareza. Bem mais consciente disto
está a alma, por exemplo, na oração de união, do que
na de recolhimento infuso que é a primeira das orações
místicas descritas pela Santa. 6 1 Em toda contemplação,
entretanto, a alma se sente passiva; sente que outro
opera nela. Esta experiência da passividade da alma é,
para S. Teresa, a característica da contemplação. Para
limitar o campo da mística a Santa se serve, portanto,
de um critério psiçológico, experimental: a contempla
ção é um estado de oração onde a alma experimenta,
em si, a ação de Deus.
Os aut�res não empregam q mesmo critério para
caracterizar a contemplação mística. A escola tomista
moderna, por exemplo, considera a contemplação místi
ca sob um ponto de vista antes ontológico do que psi
cológico. Para ela, a contemplação infusa não requer
esta experiência de passividade assinalada por S. Teresa.
Basta-lhe que haja elevação de nossa alma para Deus, na
qual os dons contemplativos do Espírito Santo prestem
seu concurso, mesmo se estas moções sobrenaturais per
manecem escondidas e são antes transitórias. Esta é uma
concepção mais larga da contemplação infusa, certamente,
que a expressa por S. Teresa. Algumas irradiações dos
dons contemplativos, que dirigem as almas santas, são
ainda designadas sob o nome de contemplação infusa. 62
Concluamos: a terminologia de S. Teresa ( e pode
mos dizer o mesmo da de sua escola ) é um pouco dife
rente da que nos apresenta a escola tomista moderna.
Ela foi escolhida de um ponto de vista diferente; psico
lógico, antes que ontológico. Aquele que quer estudar
comparativamente as diversas opiniões espirituais dos
61 Castelo interior ou moradas, "Quartas Moradas", cap. 3,
n. 3. "Ela sente distintamente no íntimo da alma um recolhi
mento suave".
C.2 Pe. Ganigou Làgrange, Perfection et contemplation, Saint
Maximin, 1923, p. 407ss.
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teólogos místicos não podem negligenciar estas diver
gências, sob pena de confundir linguagens diferentes e
embaraçar as questões em vez de as elucidar.
Tendo, portanto, determinado o que S. Teresa en
tende por ª contemplação" , examinaremos o lugar que
ela lhe dá em nossa vida espiritual.
Contemplação e perfeição
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filhas que elas são votadas a uma vida de abnegação
total e humildade profunda. Porque Teresa jamais terá
confiança em uma via de alta oração que não esteja fun
dada sobre uma virtude sólida. Mas, após ter satisfeito
a esta exigência de seli bom senso sobrenatural, no mo
mento de atacar a questão candente do caminho que leva
à contemplação, eis que a Santa sente ainda a necessi
dade de tratar primeiramente de "uma coisa de grandís
sima importância nesta ocorrência ... " "um ponto que diz
respeito à humildade e é muito necessário a todos aque
les que se dão à oração". 63 Qual é, pois, este famoso
ponto?
Detalhadamente, ao longo do Caminho de perfeição,
S. Teresa falará da contemplação: ao termo deste cami
nho ela mostrará a fonte de água viva, que simboliza as
graças místicas. A atenção de seus leitores será, pois,
naturalmente atraída para este fim que a Mãe propõe e
os desejos de seus corações se orientarão neste sentido.
As almas aspirarão a estas graças fascinantes e serão
sedentas desta "água viva " que Teresa não hesita em
chamar um "fim " , 64 para o qual tende a vida de suas
filhas. Ora, enquanto, de uma parte, ela as põe em
face destas riquezas divinas, de outra, experimenta a ne
cessidade de lhes inculcar em dois longos capítulos, "que
o Senhor não conduz todas as almas pela mesma via e
que, podemos atingir a santidade, sem a contemplação" .65
Suas palavras são muito claras:
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poderá uma religiosa ser muito perfeita se realiza
o que tenho dito. Poderá mesmo ter mais mérito,
pois que trabalha mais à sua custa" . 66
Em resumo, a Santa não parece crer que a condição
desta alma seja grandemente inferior às das outras: " Não
temais, pois que podeis chegar à perfeição, como os maio
res contemplativos". 67 Não se trata, portanto, de uma
perfeição qualquer; S. Teresa fala da santidade. "Santa
Marta não deixava de ser uma santa, embora não se
diga que ela fosse contemplativa ". 68 Parece bem claro
que para nossa Santa a contemplação não está propria
mente ligada à santidade.
Aliás, esta não é uma afirmação isolada. Não! � um
pensamento amadurecido em Teresa e que reaparece em
seus outros escritos, principalmente em sua mística obra
-prima, o Castelo interior, onde o expõe com a maior
clareza possível. Por outra parte, afirmações ainda nume
rosas a completam e desenvolvem.
Nas "Quintas Moradas " do "castelo interior " ( as
"Quintas Moradas " são as primeiras que pertencem à
via unitiva, ou via dos perfeitos ), tratando da alma que
aspira à união, S. Teresa nota o seguinte: "Será bom
mostrar que, aqueles a quem o Senhor não enriqueceu
de graças tão sobrenaturais ( isto é, da união mística ),
não devem perder toda a esperança de atingir estas 'Mo
radas'. Porque a verdadeira união sempre se pode obter
com a ajuda de nosso Senhor, quando nos esforçamos
por adquiri-la, submetendo em tudo nossa vontade à
vontade de Deus ". 69 Já vimos que para Teresa a ver
dadeira perfeição espiritual consiste nesta união total da
vontade humana com a vontade divina. Insiste a Santa:
"Nesta espécie de união, a suspensão das faculdades...
não é necessária. Deus é todo-poderoso; tem muitos
meios de enriquecer as almas e as introduzir nestas
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'Moradas', sem as fazer passar pelo caminho de atalho
do qual tenho tratado". 70
Evidentemente, várias vias conduzem à união; uma
dentre elas é a "vereda", isto é, a via da união mística.
Veremos mais adiante porque ela merece o nome de
" vereda" ou "atalho". E S. Teresa conclui :_
"Que nós possamos chegar à perfeição, não pode
mos de nenhum modo duvidar, mas é preciso que
nossa união com a vontade de Deus seja real. Essa
é a união que eu desejei toda a minha vida e que
não cesso de pedir a nosso Senhor; é, além disso, a
mais fácil . de reconhecer e a mais segura... tanto
mais que está em nossas mãos, se nós o quiser
mos" . 71
A via da união mística não é, pois, parece claro, a
única via! Repetidas vezes, Teresa fala da alma que não
vai por " este caminho" ou que segue por " uma outra
via". 72 Ela sustenta " que Deus não está obrigado a nos
dar estas graças, como o está de nos conceder a glória
em recompensa da observância dos seus mandamen
tos" .73 " Estas graças", diz ela, " são um dom de Deus,
que as distribui quando quer e como quer, sem ter de
considerar o · tempo e os serviços... Com efeito: a uma
alma, Deus não concede a contemplação nem mesmo
após vinte anos, enquanto a outra ele a concede ao
fim de um ano apenas; sua Majestade sabe o porquê". 74
Em outro lugar: " Como se trata de favores que perten
cem a Deus, ele os concede quando quer, como quer e
a quem quer ... sem fazer agravo a ninguém". 1s
Portanto, se Deus não no-los concede, não é preciso
se atormentar, mas abandonar-se simplesmente ao Se-
44
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nbor. " Somos suas, minhas irmãs, que ele faça de nós
o que qu�r e nos conduza por oi;ide aprouver". 76
E ainda: " O que há de melhor para nós, minhas
irmãs, é pôr-nos sob o olhar de Deus, para consi
derar de uma parte sua misericórdia e magnificênda
e, de outra, nossa própria baixeza. Uma vez que ele
sabe melhor o que nos convém, dê-nos o que lhe
aprouver: água ou secura... seguiremos então nosso
caminho na paz e o demónio não terá tantas oca
siQeS de nos enredar em seus enganos". 77
Te�sa recomenda, portanto, a plena submissão ao
bel-prazet · de Deus. Bem mais; ela nos fala de certas al
mas que fazem ainda mais que se abandonar: "Eu co
nheço pessoas que seguem a via do amor como se deve
nela andar, com a única ambição de servir a seu Deus
crucificado e que, não só não lhe pedem consolações,
nem as desejam, mas, antes, lhe suplicam que não lhas
conceda nesta vida". 78 O contexto mostra claramente que
se trata das consolações experimentadas na oração in
fusa.
:e, pois, bem certo que a perfeição não está ligada
às graças místicas, às orações infusas. Podemos atingi
-la por outra via: " Que se possa aí chegar", diz S.
Teresa, "não é permitido duvidar". 79
O "atalho"
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têm escrito sobre a oração, não se possa chegar, às
custas de grandes trabalhos, à perfeição e a um pro
fundo desprendimento, ao fim de longos anos; por
tanto, não será depressa. Enquanto em um mo
mento ó Senhor opera sua obra em nós, sem que
nos custe muito. Ele arranca a alma, definitivamen
te, das coisas daqui da terra e lhe dá um império
sobre todos os bens deste mundo". 80
Teresa fala por experiência. Um arrebatamento a
curou para sempre das imperfeições que anos de esfor
ços não tinham podido desarraigar. Recordando-se, ao
mesmo tempo, o ideal elevado de perfeição moral, a
doação total que ela deseja de todo seu coração e nossa
humana fraqueza, ela confessa humildemente:
"Ao meu parecer, é impossível, vista a fraqueza de
nossa natureza, sentir-se levado às grandes coisas,
quando não se está convicto de que se goza do favor
de Deus. Somos tão miseráveis, tão inclinados para
as coisas da terra, que é muito difícil desprezar real
mente todos os bens daqui da terra e viver em um
despreendimento absoluto, se não se reconhece em
si algum penhor dos bens do alto. Com efeito, por
estes dons o Senhor nos dá a força que tínhamos
perdido por nossos pecados. Mas se ainda não se
tem sinais do amor divino e uma fé muito viva, será
bem difícil aspirar a tomar-se um objeto de des
prezo e de horror para todas as criaturas, como tam
bém, aplicar-se a todas estas outras virtudes subli
mes que os perfeitos possuem. Nossa natureza é tão
inerte, que não nos inclinamos senão ao que vemos
presente". 81
O texto citado revela daramente o ideal sublime de
S. Teresa tendendo à virtude mais heróica; mostra, ao
mesmo tempo, quanto é poderosa a ajuda das graças
místicas para realizar em nós a santidade. " Estes favo-
80 Vida, cap. 21. n. 8.
81 Id., ibid., cap. 10, n. 6.
46
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res... são acompanhados de tanto amor e força que a
alma c.aminha com menos fadiga e avança mais na prá
tica das boas obras e das virtudes". 82
Estas graças são, portanto, verdadeiramente um
" atalho"; de tal modo facilitam o trabalho da vida es
piritual que, sem elas, é duro morrer a si mesmo; entre
tanto, iste é necessário.
"Prestai atenção, minhas filhas, que este verme (nos
sa natureza) deve absolutamente morrer e que de
vemos fazê-lo morrer às nossas custas. Na outra
união (mística) a alma experimenta tanta alegria
na vida nova à qual passou, que nela se acha pode
rosamente apoiada: aqui, porém, é preciso que nós
lhe demos a morte. Eu confesso que isto só é pos
sível a custo de grandes lutas". 83
Teresa continua sustentando: "Que se possa a isto
chegar é indubitável, contanto que a união à vontade de
Deus seja real". 84 Perfeitamente. Mas se custa de tal
modo, sem a ajuda da contemplação, enquanto as graças
místicas aí conduzem por atalho, são pois favores bem
desejáveis! ... Importa também saber se podemos espe
rar obtê-los e como promover a realização de tal es
perança.
A esta dupla questão, Teresa dá uma resposta que,
embora nos mantendo na maior humildade, não deixa
de ser muito animadora.
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santidade, Teresa repetirá com a mesma firmeza que as
orações infusas são habitualmente concedidas às almas
que tendem a uma santidade integral e perfeita, fazendo
tudo o que podem para a ela se dispor.
Notemos primeiramente um fato: as primeiras filhas
de Teresa, aquelas das quais ela sempre tem recordado
a grande generosidade, atingiram em grande número a
oração mística. A Santa deixou disto um duplo testemu
nho. O primeiro se lê no livro das Fundações, escrito em
1573. Oito mosteiros são fundados até esta época. Teresa
não pode calar as maravilhas que neles opera o Senhor:
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encontra lugar suficientemente preparado. Sim, a Santa
parece ter penetrado os segredos da generosidade divipa:
"Quem mais do que vós, Senhor, tem prazer em dar,
quando encontrais alguém pronto a receber vossas lar
guezas?" 1r1
Teresa regozija-se ao pensamento da onipotência de
um Deus tão bom: "O Senhor pode fazer o que quer e
quer fazer muito por nós". 88 Recordando-se dos favores
concedidos a certos santos, ela acrescenta: "Ah! minhas
filhas, Deus está disposto a nos dar estas graças, hoje
como outrora; de certa maneira, ele tem mesmo maior
necessidade de almas que queiram recebê-las... mas te
mos demasiado amor a nós · mesmos". 89 Em outro lu
gar: "Quando Deus encontra almas dispostas, deseja
enriquecê-las". 90 Verdadeiramente, parece que Deus só
espera nossas disposições para nos distribuir seus fa
vores. Já conhecemos o adágio, muitas vezes repetido
por Teresa: " São graças, estas, que Deus dá a quem ele
quer, quando quer e como o quer"; a Santa não exclui,
portanto, a influência de nossas disposições de alma: " O
Senhor dá seus favores a quem ele quer e a quem me
lhor para isto se dispõe". 91 Falando da união fruitiva,
afirma ainda: "Sem dúvida, favores são estes, que o
Senhor concede a quem ele quer, mas se o amássemos
como ele nos ama, a todas nós os concederia. Ele só
tem um desejo; achar almas a quem possa dar". 92 As
disposições da alma são, pois, de grande importância
na obtenção dos favores divinos. Indubitavelmente, nós
também podemos. fazer q�quer coisa; se não é tudo,
será, não obstante, muito: "Ainda que não possamos por
nós obter esta obra que Deus realiza em nós, podemos,
entretanto, fazer muito, pondo-nos nas disposições re-
87 Fundações, cap. 2, n. 7.
88 Castelo interior ou moradas, ª Sextas Moradas•, cap. 11,
n. 1.
89 Id., lbid., "Quintas Moradas", cap. 4, n . 6.
90 Pensamentos, cap. 6, n. l.
91 Vida, cap. 39, n. 10.
92 Castelo interior ou moradas, "Sextas Moradas•, cap. 4,
n. 12.
49
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queridas para que Sua Majestade no-la conceda". 93 Por
que apraz a Deus recompensar-nos às vezes desde esta
terra: " Pelo amor de Deus, minhas filhas, despertai-vos
de vosso torpor e pensai que Deus não espera sempre a
outra vida para nos recompensar o amor: Ele o faz des
de esta terra ... ". 94
Teresa, entretanto, está convencida de que não pode
mos propriamente merecer estes favores divinos: " Po
nhamos bem em mente que estes dons nos são dados
por Deus, sem nenhum mérito de nossa parte" . 9s "As
pessoas espirituais que, depois de terem passado anos
no exercício da oração, se imaginam ter adquirido algum
direito aos favores divinos, jamais chegarão ao cume · da
perfeição, segundo minha convicção". 96 Estes favores,
pois, permanecem sempre um dom gratuito, raramente
recusado, entretanto, à alma verdadeiramente generosa:
" Quando Deus dá a urna alma esta delicadeza de cons
ciência que lhe faz evitar a mais leve imperfeição, pre
para nela como um leito de rosas e flores, vindo cedo
ou tarde aí repousar com delícias". '17 Certas expressões
são mesmo muito absolutas: " 1=. absolutamente certo,
com efeito, que se expulsamos de nós tudo o que é
criado e nos desprendemos de tudo pelo amor de Deus,
este divino Mestre deve então nos encher dele mesmo.
Com efeito, Jesus Cristo, rezando pelos seus apóstolos,
pedia " que eles fossem um com ele e com .o Pai, como
ele está no Pai e o Pai nele". Estamos nós também aí
compreendidos, porque Sua Majestade acrescentou: " Eu
não rogo somente por eles, mas também por todos aque
les que devem crer em mim". E ainda_:
"Eu estou neles". " Oh! valha-me Deus! como estas
palavras são verdadeiras e como as compreende
bem a alma que, elevada a esta oração de união
mística, as vê realizadas em si! Que inteligência
50
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.clara teríamos todas disto, se não puséssemos obs
táculos por nossa culpai' Porque as palavras de. Je
sus Cristo, nosso rei e senhor, não podem deixar de
se realizar". 98
A Santa parece, pois, convencida de que nossa pre
paração deve de qualquer modo ser seguida de favores
divinos. Diante de ideal tão sublime, ela se comove e
palavras abrasadas brotam de seu coração:
"O minhas irmãs ! Tudo o que deixamos é nada.
Nada, o que fazemos ou poderíamos fazer por um
Deus que se dá tão intimamente a vermes da terra,
como nós. E se t�mos a esperança de gozar mesmo
desde esta vida de tal favor, que fazemos nós ?
Em que nos detemos ? Que coisa poderá nos impe
dir um só instante de procurar este Senhor, como
o fazia a esposa dos Cânticos, pelas ruas e pelas
praças públicas? Oh! que loucura deter-se em to
dos os bens deste mundo, se eles não conduzem a
esse fim e não nos ajudam a atingi-lo ". 99
Feliz, pois, a carmelita chamada por Deus a dirigir
sua vida na procura de tal tesouro.
51
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"Vede que o Senhor convida a todos e, sendo ele a
mesma verdade, não se pode duvidar de sua palavra.
Se o banquete não fosse para todos, ele não chama
ria todos ou então mesmo que chamasse, não diria:
'Eu vos darei de beber'. Ele teria podido dizer: 'Vin
de todos, porque, enfim, nada perdereis, e eu daref ·
de beber àqueles que eu quiser'. Mas, repito-o, ele
não põe restrição; sim, chama a todos. Tenho, pois
como certo, que todos aqueles que não se deixarem
ficar no caminho beberão desta água viva. Praza ao
Senhor que no-la promete, dar-nos a graça de bus
cá-la como deve ser buscada! " 101
Durante toda sua vida, · Teresa sentiu, obscura, mas
profundamente, o apelo divino.
Jovem ainda, se detinha sempre a contemplar na
sombra acolhedora do solar paterno, uma pintura -
sinal luminoso sobre fundo austero - que representava
Jesus no poço de Jacó . 102 Dos lábios da menina, sedenta
já do dom de Deus, brotava a súplica da samaritana:
" Senhor, dá-me desta água" Quanto amou esta mulher,
símbolo da alma em busca desta água viva que Jesus
oferece a todo o mundo! Desde sua juventude, Teresa
quis dela ter- sempre a imagem a seu alcance; 103 mais
tarde fez decorar com ela o poço dos mosteiros de Avila
e de Medina. 104 Então vendo-a, a Mãe e suas filhas, para
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sempre presas ao ideal contemplativo, suspiram: "Se
nhor, dá-me desta água.».
Como poderia Jesus recusar esta água viva às almas
generosas que a procuram "como devem" ?
Aparente contradição
53
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a ele, Deus leva em consideração nossa fraqueza. Por que
falar aqui de fraqueza? O motivo parece claro: Teresa
insistiu muito sobre a necessidade da abnegação total
para obter a contemplação; ainda mais: ela tem caloro
samente assegurado ( precursora nisto de S. João da
Cruz ), que os contemplativos devem sofrer muito. Deus
não impõe à força a todas as almas uma via tão dura
e tão elevada. Entretanto, ele não proíbe ninguém de a
ela aspirar, pelo contrário, convida a ela tender. Escute
mos Teresa:
" Ele não obriga estes a seguir por um caminho,
nem aqueles por outro. Sua misericórdia é tão gran
de, que não impede ninguém de ir beber à fonte
de vida... certissimamente, ele não afastará nin
guém, pois é publicamente que ele clama e convida
as almas". 107
Deus convida, não excluindo ninguém; entretanto,
não nos força e considera nossa fraqueza. É o mistério
do apelo divino e da livre correspondência humana. Ou
tras vias, menos elevadas que a da contemplação, com
portando sempre grandes sofrimentos, podem conduzir
à perfeição. P�ece justo, entretanto, que Deus reserve
seu · caminho "abreviado " às almas que, por sua parte,
escolheram um trilho mais escarpado, pois que mais di
reto. A contemplação se encontra neste atalho íngreme
levando à santidade; entretanto, nem todos o freqüen
tam. Eis, então, o primeiro motivo da diferença entre as
almas. Mas há também outro que devemos atentamente
considerar.
Se é verdade que Deus quer desalterar todas as al
mas parece, no entanto, não ser com igual liberalidade.
Escutemos ainda Teresa: "Ele dá a beber de mil manei
ras aos que querem segui-lo, a fim de que ninguém seja
privado de consolação, nem morra de sede. Desta fonte
caudalosa jorram arroios, uns grandes e outros pequenos,
55
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bém porque apraz a Deus não lhe dar de beber de outro
modo, mas em pequenos goles. Pode-se, pois, falar de
uma via que conduz à santidade e mesmo à sua pleni
tude, sem passar propriamente pelas orações místicas.
Isto acontecerá, sem dúvida, mais freqüentemente à al
ma que Deus destina mais diretamente à vida ativa.
Os textos em que S. Teresa parece afirmar de ma
neira mais ou menos absoluta a conexão entre nossas
disposições e a doação da contemplação são, portanto,
susceptíveis de uma interpretação bem ampla. A graça
contemplativa poderá ser concedida à alma em tão pe
quena dose que não chegará a provocar nela esta cons
ciência de ser passiva, o que, para Teresa, caracteriza
a oração mística.
Todavia, crer na freqüência de semelhantes casos
seria a nosso ver, ir manifestamente ao encontro de seu
pensamento. É que Teresa fala por experiência : vimos
como notara em suas filhas que a generosidade de sua
abnegação e a assiduidade de seu recolhimento eram
habitualmente recompensados pela oração mística.
Aliás, ·alguns textos, mostrando-nos a contemplação
bem próxima para as almas verdadeiramente dispostas,
fazem claramente alusão a uma experiência mística pro
priamente dita. m Para interpretar fielmente o pensa
mento da Santa convém, pois, dizer: na via da mais
alta santidade, seguida pelas almas plenamente gene
rosas, as orações místicas, embora não sendo neces
sárias são, entretanto, ordinárias. Esta é, aliás, a o osi
ção tradicional da escola mística teresiana, partilhada
pelo recente congresso teresiano de Madri. 113
56
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A .disposição para a contemplação
57
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pessoal... ele logo se comunica a ela, por numerosas e
diversas maneiras ... " 1 19 Mais ainda: "Não é seu costume
recusar-se àquele que se dá todo a ele: não lhe é pos
sível e não o pode sofrer". 120
A verdadeira disposição para a contemplação é, por
conseguinte, o dom absoluto de si mesmo. Esta verda
de é bem consoladora e encorajante. Vimos no primei
ro capítulo que este dom absoluto conduz a alma à mais
alta perfeição cristã; se não aprouver a Deus conceder
a união mística, o trabalho realizado a fim de se dispor
a ela terá conduzido a alma à união perfeita de confor
midade, a qual é mais preciosa que a · mesma união mís
tica. Não teremos então trabalhado em vão. Assim diz
S. Teresa: "Quando uma alma é verdadeiramente humil
de, mesmo se Deus não lhe der consolações, dar-lhe-á
sempre, ficai persuadidas, uma paz e conformidade, que
-a tornam tão feliz quanto outras almas que gozam de
sua delícia ". m A contemplação, portanto, não é o fim
último. Teresa o diz e repete com insistência ao termi
nar a última morada do castelo interior:
"Minhas irmãs, será bom dizer-vos o fim pelo qual
nosso Senhor concede tantos favores neste mundo...
Nenhum� de vós deve imaginar que ele quer apenas
cumular a alma de delícias... Tenho como certo que
estes favores têm por fim fortificar nossa fraqueza,
como já o disse, a fim de poder suportar, a seu
exemplo, muitos sofrimentos ". 122
Logo em seguida: "Sabeis, com que finalidade Deus
dá estas graças à alma? ... Será para convidá-la a dormir?
Não, não, não! Faz a alma uma guerra mais terrível às
faculdades, aos sentidos e a tudo o que é corporal, para
os impedir de estar na ociosidade, do que quando sofria
por causa deles". 123 As graças contemplativas têm, pois,
1 19 Pensamentos, cap. 5, o. 5.
120 ld., ibid., cap. 6, n. 9.
121 Castelo interior ou moradas, "Terceiras Moradas", cap.
1, o. 9.
122 Id., ibid., "Sétimas Moradas", cap. 4, o. 4.
123 ld., ibid., cap. 4, n. 10.
58
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o fim de nos estimular a uma doação mais total de
nós mesmos. Teresa não se pode impedir de compade
cer-se um poucochinho da sorte do pobre corpo habita
do por uma alma abrasada de amor: "O corpo", diz ela
com uma fina ironia, "tem, pois, uma sorte bem dura;
apesar de tudo o que ele pode fazer, a força da alma
aspira sempre a exigir dele maiores sacrifícios. Ela lhe
faz uma guerra encarniçada ... " 124 Nos santos, a alegria da
alma é ordinariamente paga pelos sofrimentos do pobre
corpo. Parece, todavia, que eles não se queixam disto.
Através destas diversas vias reencontramos, pois,
sempre a amante generosa de Jesus crucificado, a Teresa
que quer "dar-se totalmente". A contemplação lhe é de
um grande valor, porque nos toma mais generosos, mais
desejosos de doação, mais corajosos em face do s.ofri
mento. O que Teresa deseja é fazer-nos apaixonar por
esta ajuda tão preciosa para a santidade, confessando
ingenuamente: "Escrevendo por obediência sobre a con
templação, não tenho outra intenção, que a de atrair as
almas para um fim tão elevado ". 125
Entretanto, ela não quer que nos intrometamos por
nós mesmos na aquisição desta graça. Este ensinamento
da Santa não parece bastante notado. Mostramos mais
acima quanto ela condena todo esforço em vista de al
cançar a contemplação. Vejamos agora com que delica
deza a Santa regula até os desejos destes favores divinos.
Nas ª Terceiras Moradas" { as últimas antes das graças
místicas ), Teresa fala destas almas "que não podem pa
cientemente suportar que se lhes conserve fechada .a
porta do aposento " { do Rei ) . Ela as ·desaprova:
59
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coisa ... Se perseverarmos na desnudez e neste aban
dono de tudo, chegaremos ao termo dos nossos de
sejos, mas será com a condição - peço-vos bem
considerar - de que nos olhemos como servos inú
teis. Jamais se creia que, por algo que façamos, es
teja Deus obrigado a nos conceder estes favores.
O Salvador não deixou de nos servir enquanto viveu
sobre a terra. Não vamos, pois, pedir-lhe de novo
delícias e regalos ". 126
60
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são bens que lhe pertence e, portanto, não faz agravo
a ninguém". 130
Podemos, de outra parte, atingir a santidade, a união
divina de conformidade sem a contemplação! Assegura
nos S. Teresa: "Que se possa a ela chegar não há motivo
para se duvidar! " m
Conclusão
61
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vo a ninguém, "os distribui como ele quer, quando e a
quem ele quer". A Santa parece crer que a água viva
da contemplação jamais será recusada totalmente à al
ma plenamente disposta; entretanto, alguma poderia be
ber pequenos goles e mesmo passar um pouco de sede,
enquanto outras se desalterarão em profusão. Seria
uma pretensão inadmissível querer nos entrometer nes
tas concessões dos favores divinos; abandonemos a coisa
ao Senhor, sobretudo quando se trata de tal ou qual
forma de contemplação, de tal ou qual modo de rece
bê-la hoje ou amanhã. Tanto mais que a Deus jamais
faltam meios para promover nossa santificação; saberá
conduzir a alma generosa a uma grande santidade, mes
mo sem fazê-la passar pelo caminho experimental das
orações místicas.
De outro lado, todas as aimas não são levadas pela
via mais elevada e também a mais difícil, eriçada de
espinhos e semeada de inumeráveis cruzes, que termina
nos cumes; há vocações mais humildes, ainda que to
das sejam chamadas a este cimo que se chama santidade.
A escola mística teresiana sintetizou os ensinamen
tos de sua grande Mestra de oração, distinguindo uma
dupla via de perfeição: a via comum e a via mística
ou da contemplação.
A via comum não conhece as orações infusas con
forme o modo característico descrito por S. Teresa. To
davia, não está inteiramente desprovida delas. A água
viva que Deus dá a toda alma, a iluminação do Espírito
Santo por meio dos dons contemplativos jamais é re
cusada inteiramente a quem se dispõe com generosidade
para recebê-la. Não será sempre abundante e impetuosa
ao ponto de a alma ter consciência dela e gozar, um
espaço de tempo notável, de uma passividade experimen
tal; mas sem lhe fazer alcançar a forma característica
das orações místicas descritas por S. Teresa, conseguirá
q�e a irradiação dos dons contemplativos lhe seja real
e freqüente, difundindo-se através de toda a vida es
piritual.
62
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As orações místicas própriamente ditas, ao contrá
rio, se desenvolvem em plenitude nesta via mística $1Ue
conduz ao matrimônio espiritual. Progressivamente, a
alma vai tomandó consciência da operação de Deus nela.
Nesta fonte de água viva, onde outros bebem apenas
aos golinhos, a alma contemplativa dessedenta-se farta
mente, e a iluminação do Espírito Santo, intensa e su
perabundante, se revela claramente nela. Através das di
versas etapas do caminho, essa alma atinge o feliz estado
da união transformante, onde se sente verdadeira esposa
de Deus, unida a ele, em um contínuo abraço de amor.
A escola teresiana não nega que a graça da contem
plação se encontre de algum modo em toda alma verda
deiramente santa, mas reserva habitualmente a palavra
"contemplação infusa" às orações místicas nas quais a
alma é consciente da operação divina nela e se sente
passiva. Mesmo neste sentido mais preciso, a contem
plação infusa não é uma graça extraordinária; todas as
almas são convidadas. Ela é uma plenitude singular de
vida sobrenatural, graça gratuita da ordem daquelas que
desenvolvem a santidade, e não "gratis data" ; é real
mente uma atividade eminente da vida espiritual, a mais
plena. Os autores da escola vêem também ordinariamen
te, na contemplação mais elevada da união fruitiva, a
beatitude sobrenatural aqui na terra. 132
Eles admitem, portanto, a profunda unidade da vida
sobrenatural: mesmo as contemplações místicas mais
sublimes pertencem à perfeição própria desta vida. Em
lugar, porém, de considerar sua evolução de um modo
abstrato, ou em uma alma ideal ( como o faz a escola
tomista moderna), a doutrina teresiana dá mais atenção
às modificações que encontra tal evoh,1.ção, confor
me a diversidade de vocação das pessoas nas quais ela
se realiza. Nem todos são chamados a uma mesma ele
vação, nem à mesma- forma de vida. A vocação pessoal
63
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do sujeito influencia notavelmente o desenvolvimento de
sua vida sobrenatural.
Seria imprudente e antiscientífico edificar nossa sín
tese doutrinal sem considerar estas diversas modalida
des que a evolução da graça contemplativa pode apre
sentar e que a experiência das almas confirma, sobretudo
n
quando se tem por fim imediato " dirigir na prática da
vida espiritual.
Tendo geralmente em vista, de maneira mais con
creta, a direção das almas votadas à vida de oração, a
escola teresiana parece ter prestado uma atenção parti
cular a este aspecto, talvez menos elevado, mas certa
mente importante da vida espiritual. Evidentemente, es
tas preocupações tiveram sua influência na organização
de sua doutrina.
Esta não é inconciliável com a síntese tomista mo
derna da vida sobrenatural. A tese da normalidade da
contemplação infusa, ponto central da síntese tomista,
tende a pôr em relevo esta unidade profunda da vida
espiritual, admitida igualmente pela doutrina teresiana.
Mas semelhante tese, formulada de modo abstrato, cor
re o risco de ser compreendida com muita rigidez e pa
recer pouco conciliável com os fatos da experiência. A
distinção das vias, pelo contrário, atribuindo à via mís
tica a plenitude e à via comum reais participações -
quer nas orações contemplativas, quer na união fruiti
va - elucida melhor como a mesma iluminação do Es
pírito Santo pode revestir formas muito variadas e per
manecer, entretanto, fundamentalmente única.
Pensamos, pois, que a doutrina teresiana pode, não
só completar utilmente, mas também ilustrar a síntese
moderna tomista da vida espiritual. 133
64
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Ela não propõe, ali.ás, com menor vigor, o magnífico
ideal contemplativo, uma vez que para ela a contempla
çao infusa não é uma graça extraordinária que é preciso
afastar de nossa perspectiva ou relegar a um canto, co
mo um regalo posto sob chave e reservado a algum
raro privilegiado; ao contrário, é o termo das mais legí
timas aspirações de nossa alma, exatamente porque cons
titui a atividade mais elevada da vida sobrenatural e a
ajuda mais eficaz para conduzir à perfeição moral e ao
dom total de nós mesmos a Deus. Porém, a alma é co
locada diante deste ideal numa atitude mais humilde;
sendo a contemplação um dom gratuito, uma recompen
sa que Deus não estâ obrigado a dar nesta vida - onde
as recompensas não são adequadamente proporcionadas
aos méritos - a alma não pretenderá a ela ter direito
e estará contente mesmo se Deus não lha concede. En
tretanto, se os autores teresianos se opõe a toda pre
tensão, proclamam altamente a legitimidade do desejo
humilde e ardente deste precioso tesouro divino; alguns
deles chegam a ensinar que devemos aspirar e tender à
contemplação infusa e à união fruitiva.
Idêntica é a doutrina da mestra de escola, S. Teresa
de Jesus:
" Coragem, minhas irmãs ! Uma vez que podemos, de
certa maneira, gozar do céu na terra, supliquemos
ao Senhor nos conceda seu socorro, a fim de que
65
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não sejamos privadas, por nossa culpa, do favor
do qual falamos. Peçamo-lhe se digne mostrar-nos
o caminho e pôr em nossa alma a força de cavar,
até que tenhamos encontrado este tesouro escon
dido! Considerai, porém, que para o adquirir, Deus
não quer que vos reserveis o que quer que seja .
. Pouco ou muito, ele reclama tudo para si e, confor
me o vosso dom seja mais ou menos absoluto, seus
favores serão mais ou menos elevados ". 134 Sim, Deus
é generoso para a alma generosa.
66
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O CAMINHO DE PERFEIÇÃO
67
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tes de amor ilimitado. A alma renasce para uma vida no
va, plena, profunda e abundante. Ela se sente feliz, dila
tada. Com que ardor a alma abrasada de amor reza pela
santa Igreja, pelos interesses de seu Bem-amado! Com
quanta generosidade a alma que goza de sua intimidade
se sacrifica por Jesus!
Amar - ser amado - fazer amar o Amor, é todo
o ideal teresiano. Cabe à Santa ensinar-nos a via que
conduz à realização deste ideal.
Todos os seus preciosos escritos pretendem este mes
mo fim.
Um dentre eles encanta de maneira particular sua
família religiosa. :É um livro que se relê sempre com
prazer e proveito espiritual, sendo a obra mais humilde
de S. Teresa. Nele é antes de tudo a mãe, cuidadosa da
educação de suas filhas, que fala e não a escrutadora
genial das vias místicas. A Santa o escreveu a pedido de
suas carmelitas e o destinou à sua formação espiritual,
chamando-o por justo título: Caminho de perfeição.
Teresa condensou nele a quintessência do espírito
que queria infundir em suas filhas. Educadora incom
parável, com arte e delicadeza, ela as inicia na prática
desta vida de amor muito perfeito, organizada para elas.
Documento precioso em verdade, não só para a família
. carmelitana, que nele encontra uma direção muito prá
tica, concreta e adaptada às necessidades da vida claus-
· tral, mas ainda para todas as almas, pois que a vida do
. Carmelo, como mostramos nos primeiros capítulos, tem
. o mesmo fim que a vida cristã, considerando-a em sua
_ plenitude integral. As diretivas que a Santa nos oferece,
revestidas das particularidades do ambiente monástico
.poderão, pois, se adaptar sem grandes dificuldades a
·outras condições de vida. Os meios indicados por esta
grande educadora e recolhidos no patrimônio comum
da vida sobrenatural poderão - mediante ligeiras mo
dificações - servir igualmente às almas que, em outros
institutos religiosos ou no mundo, procuram amar a
Deus de todo seu coração e dele se a-proximar o mais
intimamente possível. Cremos que a leitura mais assí-
68
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dua deste livro de ouro seria útil a muitos cristãos.
Com o fim de tomá-lo mais bem conhecido, a ele dedj.ca
remos um capítulo inteiro. Ele preparará excelentemente
o terreno ao estudo da obra-prima da Santa: O castelo
interior, obra complementar ao nosso ver, ao C!l,1ninho
de perfeição. Enquanto o Caminho insiste muito espe
cialmente sobre a cooperação pessoal em nossa santifi
cação, o Castelo expõe de maneira mais imediata a obra
que Deus ope:r:a habitualmente na alma plenamente ge
nerosa, para a elevar em pouco tempo a uma alta per
feição.
Para melhor aproveitar dos ensinamentos da San
ta, faz-se necessário, antes de transpor o limiar do cas
telo interior, considerar atentamente o caminho que �
ele conduz. Presa do ideal contemplativo e convencida
da importância que tem nossa disposição na busca da
contemplação, Teresa pôs todos os seus cuidados em en
sinar a suas filhas como, prática e concretamente, se
revestir destas disposições. Vendo com mais exatidão · que
espécie de generosidade a santa Madre exige das almas
que tendem à contemplação, acharemos talvez menos
estranho que Deus o queira dar a experimentar a quem
se entrega tão totalmente a ele.
Após ter apresentado o caráter particular do livro
e sua estrutura lógica, exporemos brevemente o que ele
ensina quanto ao trabalho ativo da alma que quer atin
gir a intimidade divina.
Estrutura do livro
69
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de acordo. Este é, em verdade, o caráter geral do livro,
consagrado, na maior parte, à exposição da prática da
abnegação e da oração mental comum e ativa. Notemos,
todavia - e necessariamente, sob pena de não apreen
der o verdadeiro caráter da obra - que todo o trabalho
ascético descrito está ordenado à contemplação. E uma
ascese contemplativa, isto é, própria para a alma que
tende à contemplação.
Julgando esta afirmação muito importante, parece
nos oportuno demonstrá-la com clareza. Procuraremos
as provas na estrutura do livro e, assim, poremos em
claro sua organização.
Advertimos mais acima como os escritos de S. Te
resa, com suas freqüentes digressões e redigidos livre
mente, sem plano bem concebido são, todavia, de uma
lógica profun4a. Esta lógica deriva da mesma vida desta
mulher geniai, cujas intuições penetrantes e aspirações
profundas dirigem toda a atividade, inspirando sua pe
na e dando às diversas partes da obra - escritas às
vezes de tempos em tempos e sem revisão - uma coe
rência e uma unidade harmoniosas, mas um tanto es
condidas. Este é particularmente o caso de nosso Ca
minho de perfeição, cuja estrutura não aparece clara
mente ao leitor apressado, mas que se revela, após uma
paciente análise, como uma síntese magnífica da vida
espiritual contemplativa.
A obra, consagrada à formação da alma votada à
vida de oração, pode ser dividida em três partes. A pri
meira desenha em traços vigorosos a fisionomia da car
melita, verdadeira alma de oração; a segunda expõe os
fundamentos da vida de oração, isto é, a prática emi
nente da virtude; a terceira estuda o exercício da oração.
Faremos corar a humilde Teresa ou sorrir a gran
de amiga da verdadeira ciência ao dizer que, para com
por seu Caminho de perfeição, ela se serve inconsciente
do mesmo princípio que rege toda a segunda parte da
Suma teológica? Antes, com isto estará contente, pois
que foi com alegria que ela recebeu o elogio dos teólogos
70
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que aprovaram-lhe o livro. Certo dia, diz ela ao padre
de Yepes, com um prazer evidente: "Homens graves
me asseguram que isto parece Sagrada Escritura ". 135
" Ex fine oportet accipere rationes eorum quae or
dinantur ad finem", proclama o Doutor Angélico no
princípio da "Pars secunda ", onde ele nos expõe o fim
de nossa vida, antes de abordar o tratado dos atos hu
manos. Assim Teresa fundamenta todo o edifício do Ca
minho de perfeição na consideração do fim que suas
filhas devem atingir. Em páginas transbordantes de es
pírito e vida ela delineia, nos primeiros capítulos do li
vro, a fisionomia ideal da monja teresiana que quer ser
a amiga íntima de Deus : toda "dele", e consagrar sua
vida aos interesses de Deus e da santa Igreja. Ela será
o anjo que reza e a vítima que se imola por aqueles que
combatem, a fim de lhes obter a vitória. A fim de tor
nar sua oração mais poderosa, pois que é este seu meio
de apostolado, a filha de S. Teresa procura agradar to
talmente ao coração divino, àquele que tudo deve con
ceder.
As pretensões da carmelita são elevadas: "Acabas
tes de ver, minhas filhas ", escreve Teresa ao final de sua
exposição, "a grandeza do fim que deveis atingir. Como
deveremos ser, se não quisermos passar por muito atre
r
vidas aos olhos de Deus e do mundo 136 Teresa res
ponderá a esta pergunta fundamental indicando a suas
filhas a via que deverão seguir para vir a ser "verdadei
ras almas de oração ". Veremos que ela tem a intenção
71
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de conduzi-las ao cume mais elevado da vida de oração,
porque jamais se detém em meio-caminho.
Passemos à segunda parte da obra. Guiada por seu
firme bom senso, Teresa procura a rota a indicar, no
sulco traçado pelas leis de seu próprio instituto. " Eu
não vos peço nada de novo, minhas filhas: conformai-vos
à vossa profissão e ao que exige de vós, a vossa vo
cação ". Todavia, acrescenta: " ...se bem que haja grande
diferença entre guardar e guardar ( suas leis ) ". 131 Com
efeito, uma lei pode ser observada com mais ou menos
generosiBade; pode-se fazer o· êstrito necessário para não
pecar, ou então ultrapassar, com um magnânimo im
pulso, a letra desta lei, para dela penetrar o espírito.
Mas quem quer atingir um fim sublime deve trabalhar
seriamente: "Será preciso evidentemente trabalhar mUi
to. Um socorro poderoso para nós, será ter muito alto
os nossos pensamentos, a fim de que nos esforcemos
para elevar também nossas obras ". 138 Eis-nos desde o
princípio em uma atmosfera de generosidade, de vida
plena e perfeita. Trata-se, aliás, de uma existência cuja
ocupação principal e central é a oração:
"A Regra Primitiva de nossa Ordem diz que deve
mos rezar sem cessar. Nada negligenciemos para
cumprir este dever, o mais importante de todos, e
observaremos igualmente os jejuns, disciplinas e o
silêncio que a Ordem pede de nós; porque, já sabeis
que a oração, para ser verdadeira, deve ser ajudada
por todas estas práticas, uma vez que oração e vida
regalada não vão juntas ". 139
A oração sustentada pela mortificação, os atos de
penitência destinados a nutrir na alma o espírito de ge
nerosidade; estas são as práticas fundamentais da vida
do Cannelo. 140 Portanto, é "sobre a oração ", principal-
72
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mente, que as monjas de S. José de Avila querem se fa.
zer instruir por sua Madre. Mas as boas filhas nãQ se
contentavam com pouco ! Elas pediam a S. Teresa nada
menos que lhes mostrar " a via para chegar à contem
plação ". 141
A Madre não recusou satisfazê-las. Tenciona corres
ponder aos seus desejos, porque pretende fazer de suas
filhas " as amigas íntimas do Senhor", 142 " sem outra as
piração senão a de permanecerem sempre sós com ele
só ". 143 Semelhante vida parece chamar a contemplação.
Mas, como mulher de bom senso, Teresa quer construir
sobre um terreno sólido.
"Antes de vos falar de oração... direi certas coisas
necessárias àquelas que querem empenhar-se neste
caminho; elas são mesmo de tal modo necessárias
que se pode estar com elas muito adiantado no ser
viço de Deus, sem ser muito contemplativo, enquan
to que, se não as possuís, não conseguiríeis sê-lo". 144
S. Teresa indicará às suas filhas a via que conduz
à contemplação, começando pelos fundamentos da vida
espiritual. Antes de falar da intimidade divina tratará de
três virtudes, das quais o exercício perfeito desprende a
aJma do mundo inteiro e de si mesma: uma delicada
caridade fraterna, um despojamento de todas as cria
turas e a humildade profunda, abraçados por amor de
Deus, conduzirão a alma à verdadeira nudez do espírito.
Não é exagero exigir uma renúncia tão absoluta ?
Teresa não pensa assim quando diz: ""Não creiais que
seja muito tudo quanto falei até agora; ainda nada fiz,
a não ser arrumar no tabuleiro as peças do xadrez" . 145
O xadrez ! Que singular comparação para ensinar a
carmelitas! Teresa se dá conta disto; as monjas se admi-
73
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rarão ao ouvir falar de jogo, "nestas casas onde o jogo
não é permitido e jamais o será. Vede que mãe Deus
vos deu, que até esta vaidade sabia". 146
Entretanto, ela ensinará a se servir da "tática" deste
jogo; falará de dar xeque-mate ao Rei do Amor. Dar
mate ( xeque-mate ) ao Senhor não é outra coisa senão,
de certa maneira, forçar-lhe a mão para que lhe seja
concedida a contemplação. Mas este fim não se atinge
por uma vida de virtude comum; ele exige uma virtude
mais elevada:
" Perguntareis talvez, minhas filhas, por que vos fa
lo em virtudes... quando desejais que eu trate de
contemplação. Eu vos respondo que, se me fosse pe
dido falar-vos da meditação, eu teria podido fazê-lo
imediatamente... quanto à contemplação, minhas
filhas, é outra coisa". 147
Para obter a contemplação ou, como o diz graciosa
mente Teresa, para dar mate (xeque-mate ) ao Rei do
Amor é preciso se dar totalmente: "porque este Rei do
qual falamos não se entre�a senão àqueles que se en
tregam totalmente a ele". 148
:S, pois, evidente que, mesmo nesta parte mais ascé
tica da obra, Teresa não perde de vista a contemplação;
exige o despojamento tão completo, precisamente por
que é esta à verdadeira disposição para a união mística.
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diretamente e propôs mais completamente sua delicada
solução: a contemplação não é, de fato, necessária à san
tidade; esta pode também ser atingida por vias menos
altas, onde não há oração mística; mas Deus concede
ordinariamente a contemplação à alma plenamente gene
rosa. O convite divino à fonte de água viva é geral; se
todas as almas convenientemente preparadas não rece
bem a iluminação divina com esta abundância que delas
n
fará "verdadeiras contemplativas , nenhuma, entretan
to, será totalmente privada dela. É, pois, oportuno dar
em nossa vida espiritual um lugar ao ideal contemplati
vo. Teresa ensina também indistintamente a todas as
suas filhas a se disporem à contemplação: " Fazei tudo
o que está em vosso poder, para vos dispor à contem
plação com toda a perfeição da qual tenho falado e ficai
certas de que, a meu ver, ele não deixará de vo-la con
ceder desde que sejais verdadeiramente humildes e
desprendidas . 1so " Prestai atenção ... tal preparação de
n
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Concluindo, Teresa se maravilha de ver quanto esta
santa oração, ensinada por Jesus, u contém toda a vida
espiritual, desde o ponto de partida até aquele em que a
alma se abisma em Deus, e onde Deus a sacia, supera
btmdantemente, com esta água viva que se acha ao tér
mino do caminho". 165
Parece-nQs ter provado nossa afirmação. O Caminho
de perfeição é um livro de ascese, sim, mas de uma as
cese totalmente ordenada à contemplação. Não pode
mos, pois, duvidar de que, seguindo os ensinamentos da
Santa, seja oportuno e legítimo ordenar nossa vida es
piritual em vista da contemplação. Após ter descrito as
propriedades da água viva, símbolo ela contemplação in
fusa, acrescenta: " Por qual motivo, pensais, minhas fi
lhas, quis eu vos propor o fim e vos mostrar a recom
pensa, antes do combate?" Responde ela mesma: ":e.
para
que vos não aflijais com os trabalhos e as condições do
caminho e prossigais com coragem, sem vos deixardes
vencer pelo cansaço" . 166
O caminho de perfeição traçado por S. Teresa, con
duzindo verdadeiramente à perfeição moral ( que con
siste J;J.a doação total de nós mesmos a Deus e que per
manece nosso fim fundamental ) tem sempre em vista a
contemplação mística, meio eminente e eficaz de santi
dade, via mais curta e fácil, verdadeiro " atalho" para
chegar rapidamente a uma alta perfeição.
Convém agora expor mais especificamente os ele
mentos de nossa preparação aos favores divinos.
A virtude generosa
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Recordemos como S. Teresa põe como base da via
contemplativa o exercício de três virtudes.
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A caridade fraterna
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mas nossa sensibilidade e fraqueza nele têm sua
parte". 172
Teresa só admite o primeiro. "Quero agora vos en
treter" , diz ela, " deste amor espiritual onde a paixão
não tem nenhuma parte". 173
Ela descreve então as almas que amam com tal
amor: "Não encontram nenhuma satisfação em
amar coisa tão miserável quanto nossos corpos ...
deter-se em amá-los por causa de suas vantagens
exteriores, seria a seus olhos amar uma sombra...
elas não ousariam mais, sem· ficar cheias de confu
são, dizer a Deus que o amam... Mas, me direis, vós,
se não amam o que vêem, a que se afeiçoam? Na
verdade, amam o que vêem... mas só vêem as coisas
estáveis... lançam seu olhar à alma e examinam se
há nela alguma coisa que mereça sua afeição ... ". 174
O objeto de tal amor é, pois, a alma. Vejamo-lo
agora na prática:
ªQuando estas almas amam uma pessoa, desejam
apaixonadamente que ame a Deus e que seja dele
amada... E ste amor lhes custa muito caro, porque
não há nada a seu _alcance que não estejam prontas
a empreender para a utilidade daqueles que amam.
Estão prontas a sacrificar mil vezes sua vida, para
lhes proporcionar mesmo o menor bem". 175
E Teresa nos mostra como tal amor aceita mes
mo que Deus purifique, pelo sofrimento, aqueles que nós
amamos:
ª Sem dúvida, pode-se experimentar um primeiro
movimento de sensibilidade natural... mas logo a
razão examina se as provações em que se acha a
80
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pessoa amada são destinadas à sua perleição, se
ela cresce em virtude e como suporta seus sofri
mentos; a alma suplica a Deus dar paciência a sua
amiga e ajudá-la a ganhar méritos. Vendo-a resigna
da, não experimenta mais nenhuma pena, pelo con
trário, se regozija e se consola n . 116
Espontaneamente se pensa no heroísmo de S. Teresa
do Menino Jesus, a qual não quis pedir a cura de seu
tão virtuoso pái. Teresa conclui: " Este amor parece ser
a imagem e a semelhança daquele que teve por nós,
Jesus, o verdadeiro amigo n . 177 :E. evidente; o amor fra
terno que ela nos propõe está purificado de todo amor
próprio, de toda busca de consolação pessoal; ele é in
teiramente regido pelo desejo de dar a Deus mais amor.
Tal amor ama a Deus nas almas e ama as almas para
lhes fazer amar a Deus. :E. realmente o puro amor.
Certamente, S. Teresa não se contenta com pouca coisa;
ela quer levar suas filhas à perfeição mais elevada. Com
efeito, é unicamente na via desta perleição tão elevada
que se encontra a contemplação.
O desprendimento absoluto
81
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nossas forças, não mais teremos muito a combater.
O Senhor estenderá sua mão para nos defender con
tra os demônios e o mundo inteiro". 11s
Alusão evidente à ajuda do Espírito Santo, que a al
ma inteiramente despoj ada pode esperar.
Capítulo por capítulo, a Santa nos descreve um tra
balho de despojamento que começa nas coisas exterio
res e termina na abnegação interior profunda, a qual
se prova na humildade perfeita. Teresa quer que suas
filhas tenham o coração completamente livre, capaz de
amar com todas as suas forças. Antes de tudo, portanto·,
elas não procurarão consolações sensíveis em suas re
lações com os parentes: " Em outras partes ( noutros mos
teiros ), será permitido consolar-se junto a seus paren
tes; aqui, quando se admite algum parente para nos vi
sitar, é com o fim de consolá-lo". 179 Em Teresa, sempre
a mesma preocupação de amar sem interesse próprio!
Entretanto, não se creia que as carmelitas devem ser in
diferentes para com os seus parentes: " Neste mosteiro,
minhas filhas, deve-se ter muito cuidado de rezar, como é
justo, por todos os nossos parentes". 1 80 O que Teresa não
quer, é que se esteja inutilmente ocupado com · sua lem
brança, o que, aliás, para nada serve. "Depois", diz ela,
ª devemos procurar afastá-los o mais possível de nosso
espírito". 181
Fazer de outro modo poderia prej udicar muito a
paz da alma: "Não podemos nem devemos tomar parte
em seus prazeres; resta-nos apenas partilhar de suas
provações pelas quais derramamos lágrimas mais abun
dantes que eles mesmos". 1 82 Com efeito, a monj a en
clausurada que não seguisse estes conselhos tão psico
lógicos carregaria inutilmente, em sua solidão, todas as
penas de seus parentes e, não tendo as distrações que
82
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eles gozam, estaria exposta a sofrer mais do que eles
e a perturbar sua alma indefinidamente e sem proveito.
Desprender-se dos outros não basta: é preciso nos
desprendermos de nós mesmos. Diz a Santa : " Procurai
não vos assemelhar àquele que se deita bem tranqüilo,
porque fechou cuidadosamente suas portas, por medo
dos ladrões, mas que os deixou dentro de sua casa. Vós
já o sabeis; não há piores ladrões do que estes e, somos
n
nós mesmos que ficamos dentro . 183
Daí, um novo conselho:
83
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n
e, nos três dias seguintes, para que não tome a doer . 1as
Teresa dá outros princípios às suas filhas:
" Nosso corpo tem esta manha; quanto mais o rega
lamos mais necessidades inventa ". 189 "Recordai-vos
de quantos pobres enfermos que não têm ninguém
a quem se queixar e vós quereis ser pobres e ao
mesmo tempo bem tratadas: isto não seria justo.
Lembrai-vos de nossos Padres, esses santos eremi
tas dos tempos antigos, cuja vida pretendemos imi
tar. Quanto sofrimento não suportaram em sua so
lidão ? O frio, a fome, o sol e o calor, tudo eles
suportaram, sem ter ninguém que os pudesse ali
viar, senão Deus só. Acreditais qué eram de ferro ? ...
Crede-me, minhas filhas, quando começarmos a ven
cer este miserável corpo, ele nos atormentará muito
menos ... Que nos importa morrer ? Quantas vezes
tem o corpo zombado de nós : não é justo que zom
bemos algunia vez dele ? ' 190
Certamente não! A Santa não é condescendente pa
ra com nosso corpo. O tesouro da contemplação se paga!
Mas a mortificação corporal não basta; deve ser
reforçada e animada pela mortificação interior. Ainda
aqui, Teresa B.ão se detém em meias medidas :
" Trabalhemos pois em contradizer nossa vontade,
em tudo ... Não parece muito duro, entretanto, dizer
que não devemos procurar nossa satisfação em na
da ? Por que não evocar ao mesmo tempo os gostos
e as delícias que resultam desta renúncia, tudo o
n
que aí se ganha desde esta vida ? 19 1
A vida de obediência total nos fará praticar profun
damente este despojamentq de nossa vontade própria
mas, por sua vez, a humildade nos virá em ajuda, para
aperfeiçoá-la e conduzi-la ao termo.
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A humildade profunda
192 Vida, cap. 37, n. 10. Ver suas reflexões sobre as etique
tas do mundo.
193 Id., ibid., cap. 31 , n. 23.
194 Constituições, Da ordem a obseivar quanto às coisas
espirituais : "O canto será sempre em tom uníssono e sem mo
dulações". (.N. do T. : O papa S. Pio X, na reforma litúrgica,
incentivou os mosteiros a adotarem o canto gregoriano. Assim,
foi ele introduzido nos cannelos teresianos).
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logia, não deve mais baixar para ensinar Filosofia, por
que o ponto de honra quer que suba e não desça " . 19s
Teresa ensina também às suas filhas reagirem com todas
as suas forças contra as tentações do orgulho.
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guem os passos do Salvador, que se carregou dos nossos
pecados". 19s O amor de Jesus toma tudo possível.
- Mas, enfim, por qu� tanta insistência sobre a práti
ca da humildade? Teresa quer dar (xeque ) "mate" ao
Rei divino; ela quer forçá-lo a se dar à alma. "Neste
jogo é sobretudo a dama quem lhe faz a guerra... Pois
bem! Não há dama que obrigue o Rei divino a se render,
como a humildade ... Crede; aquela que for mais humil
de, mais o possuirá". 199
Concluiremos com razão: o edifício da oração que a
Santa quer elevar repousa sobre fundamentos muito só
lidos; as virtudes que ela nos propõe não são ordinárias
e sim profundas, perfeitas, heróicas. Teresa conhece a
variedade das almas : algumas caminham " como pintai
nhos, com pés embaraçados", outras ao contrário, "levan
tam seu vôo como águias". 200 A Santa quer que suas fi
lhas não sejam pintainhos, mas que se lancem para os
cumes como as águias. Mas a águia tem a vista pene
trante; eleva-se bem alto na luz resplandecente e tem a
obsessão de sua radiante claridade.
Se a alma chega a se alçar da terra, por um perfeito
desprendimento, não será justo que também seja mer
gulhada na luz da amorosa contemplação?
A oração ativa
87
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ativo, enquanto aguarda que apraza a Deus dotá-lo do
amor passivo.
Para Teresa, a oração mental é a preparação mais
próxima à intimidade divina, o começo de uma intimi
dade procurada pela alma, mas que um dia, - se aprou
ver a Deus - tornar-se-á mais profunda pela operação
do Espírito Santo.
Teresa insiste muito sobre a necessidade absoluta
da oração para a alma que se quer preparar para a
contemplação: "Minhas irmãs, fazei a oração mental! ...
aquelas que não o éonseguirem dedicar-se-ão à oração
vocal. à leitura e colóquios com Deus... Não deixeis as
h.aras de oração marcadas para todas". Segue uma ad
vertência característica: "Não sabeis em que nioment?
o Esposo vos chamará; procurai evitar a sorte das vir
gens loucas". 201
A apliµição assídua à oração desenvolve o amor.
Para S. Teresa, com efeito, a oração é, antes de tudo,
um exercício de amor. Muitas veze� diz claramente que
consiste " não em pensar muito, mas em muito amar",
dando, assim, uma espécie de definição. Explica como
vê aí o grande meio de aprofundar-se na intimidade di
vina: " A oração é um comércio de amizade, onde nos
entretemos sempre intimamente com Quem sabemos nos
ama n . 202 Estar com Deus, falar-lhe intimamente, eis para
Teresa toda a substância da oração mental. O discurso
intelectual será certamente proveitoso, em muitos casos,
porque serve para despertar o amor, mas permanece
em tudo subordinado ao exercício afetivo. Na oração, a
vontade é a rainha, porque dela procede o amor; fazer
oração é dizer a nosso Senhor que o amamos e que
queremos efetivamente amá-lo.
Uma coisa tão simples não requer, de modo algum,
µma grande inteligência; basta ter um coração, mas um
coração sadio que saiba aniar a Deus. Então, é preciso
fazer trabalhar este coração. Escutai como Teresa ensi-
88
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na a algumas de suas filhas que acham a meditação di
fícil. Um primeiro ponto, muito . importante desde o prin
cípio da oração, é o de se pôr bem em presença de Deus;
em seguida, tudo se reduz a um amoroso colóquio com
o Senhor: "Não vos. peço fixar vosso pensamento nele,
nem fazer numerosos raciocínios, ou altas e sábias con
siderações. O que vos peço é pousar sobre ele o olhar
de vossa alma... considerai-o atado à coluna, cheio de
dores, todo o corpo flagelado, pelo grande amor que vos
tem. Ele volverá para vós seus olhos tão belos e . com
passivos, cheios de lágrimas. Esquecerá seus sofrimen
tos para vos consolar dos vossos, para que... volvais a
cabeça para ele a fim de o contemplar... Vendo-o em
tal estado, vosso coração se enternecerá... ser-vos-á
uma alegria entreter-vos com ele, não com orações es
tudadas, mas com a linguagem do coração... Podereis
lhe dizer :
"ô meu Senhor e meu Bem-amado, como estais re
duzido a tal estado ? ... Como é possível que admitais
em vossa presença, em vossa companhia uma mendi
ga como eu? Vejo em vossa face que vos consolais
de me ver perto de vós ... E já que consentis, Senhor,
em suporar tantos sofrimentos por amor de mim,
que é que eu suporto por vós? ... Caminhemos jun
tos, Senhor, por onde fordes eu também irei ; por
onde passardes hei de passar ". 203
Quem não vê? Tal maneira de rezar é todo um
exercício de amor afetivo, que excita o amor efetivo e a
resolução prática de querer sofrer por Jesus. Sim! Na
verdade, semelhante oração é fonte de generosidade.
Mas o amor tende à intimidade e a gera. A alma
sente a necessidade de ter seu Deus mais perto de si e
pouco a pouco se habitua a considerá-lo dentro de si
mesma. Teresa nos fala de outra espécie de oração
ativa, mais perfeita que a primeira: é o recolhimento
ativo. A base desta oração é a presença de Deus em nós,
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mas isto pressuposto, a alma deve fazer duas coisas: afas
tar-se da criatura e aproximar-se de Deus de todo o co
ração.
Teresa desej a imprimir no espírito de suas filhas,
menos instruídas, em razão da sua condição de mulher,
esta grande e consoladora verdade, que é a presença real
de Deus em nós: " Há dentro de nós alguma coisa incom
paravelmente mais preciosa que o que vemos fora pelos
sentidos. Não imaginemos que todo nosso interior é va
zio! ... " E acrescenta: " Praza a Deus, não sej am apenas
as mulheres a ignorar esta verdade! " 204 Com efeito, a
Santa havia encontrado algum teólogo que ignorava uma
verdade sobrenatural tão importante para a vida espiri
tual. Também quanto não se decepcionou com estes
meio-letrados? Um dentre eles lhe disse que Deus não
estava em nós, senão por meio da graça que em nós
produz. Mas Teresa, que tinha a experiência mística pes
soal da presença real de Deus na alma, estava ( como nar
ra ela mesma) de tal. modo persuadida desta verdade,
que não o pode crer. " Depois interroguei outras pessoas,
que me disseram a verdade e fiquei, com isto, muito
consolada". 205 Pois que Deus habita realmente em nós,
a Santa ensina a nos recolhermos no pequeno céu in
terior de nossa alma e a conversar com ele, muito inti
mamente: " Tratai com ele como com um pai, um irmão,
um mestre, um esposo, umas vezes sob um aspecto, ora
sob outro ... Não sej ais tolas de nada lhe pedir! Desde
que é vosso esposo, deve manter a palavra e tratar-vos
como suas esposas". 206 Estando tão perto de Deus, não é
necessário multiplicar palavras: " Quando antes precisá
vamos recitar muitas vezes o " Pater" para nos fazermos
entender dele, agora, entender-nos-á desde a primeira
vez... Ele não gosta que quebremos a cabeça. para lhe
dirigir longos discursos". 207 Esta é a oração já muito
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tranqüila e simplificada, chamada pelos teólogos moder
nos " oração de simples olhar", e que· .a escola teresiana
designa sob o nome de contemplação ativa ou adquirida.
Pode-se. chamá-la "contemplação" porque a alma, reco
lhida em Deus, se contenta habitualmente com a atitude
de um simples olhar amoroso, antes que com o apro
fundar raciocínios num mistério particular; mas trata-se
de uma contemplação adquirida pela alma. Toda influên
cia dos dons do Espírito Santo não está dela excluída,
certamente, mas esta influência permanece escondida à
alma e não cria nela uma nova experiência psicológica.
Não se trata, portanto, de mística propriamente dita.
Todavia a mística não parece mais afastada. Teresa
nota a este propósito:
"Ali, o divino Mestre virá mais prontamente instruí
-la e dar-lhe a oração de quietação ... Aquelas que,
dentre vós, puderem se encerrar assim no pequeno
céu de sua alma... seguirão, creiam-me, uma via ex
celente; chegarão certamente a beber, na fonte de
água viva". 208
Sim, a oração mística está próxima sob a condição,
porém, de que a alma seja plenamente generosa. :e. pre
cisamente nestas páginas que Teresa formula mais cla
ramente seu princípio de ascese cont�mplativa: "Deus
não se dá totalmente se a alma não se dá totalmente a
ele ". 209 A alma deve se dar inteiramente, mesmo na bus
ca ativa da intimidade divina. Não pode restringir seu
esforço somente às horas de oração mental, mas, duran
te todo o dia, procurará manter-se em companhia do
Senhor: "Devemos nos retirar de nós mesmos, em meio
de nossas ocupações", diz Teresa, dando ainda a receita
prática para a alma desejosa de cultivar o recolhimento:
"Se ela fala, lembrar-se-á que tem em si mesma, al
guém com quem falar; se escuta, recordar-se-á que
deve prestar ouvidos àquele que lhe fala mais de
208 lei., ibid., cap. 28, nn. , 4-S.
209 Id., ibid., cap. 28, n. 12.
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perto. EJ]fim, constatará que pode, se o quiser, per
manecer sempre com Deus... Se nisto vos aplicar
des, minhas irmãs, consegui-lo-eis, com a ajuda de
Deus, dentro de um ano ou, talvez, em seis me
n
ses . 210
Um exercício contínuo da presença de Deus deve,
pois, acompanhar o exercício generoso e heróico da vida
virtuosa.
A oração e a prática das virtudes são como dois
braços que se estendem simultaneamente para o Senhor...
e ele, deseja tanto se comunicar às almas, como poderia
resistir aos suspiros de um coração verdadeiramente
bem disposto?
Conclusão
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do desejo de intimidade divina e quer dar tudo ao Se
nhor, porque " Deus não se dá totalmente, se a alma
não se dá totalmente a ele... " A grande austeridade que
esta ascese exige é uma conseqüência de ardente desej o
de Deus. O espírito de amor não é um espírito de rigidez;
não é frio, nem duro - porque o amor toma tudo amá
vel - mas sabe ser extremamente exigente. A ascese do
Carmelo é, portanto, árdua, porque quer conduzir a al
ma a essa plenitude de intimidade amorosa com Deus,
para a qual se requer um coração livre da criatura.
Certamente o Carmelo tende à contemplação, mas
proclama altamente que é a vida generosa que prepara a
alma para ela. Nutrir o desejo da contemplação sem
abraçar a via de nudez espiritual é algo a que falta o equi
líbrio. A contemplação não é encontrada. em todas as vias
que tendem à perfeição; normalmente ela não será con
cedida à alma que foge dos caminhos árduos, mas àquela
que galga a áspera vereda, subindo reto, bem reto o lado
escarpado do Carmelo. A contemplação não é dada a
quem anda " a passo de galinha"; é destinada às águias
que se lançam da terra para sobrepairar, com o olhar
fixo no sol divino, esquecendo e desprezando os vãos
prazeres do mundo. A contemplação se acha na via ele
vada da santidade perfeita. " 1! verdade", afirma a Santa
com vigor, " a santidade pode ser atingida sem a con
templação". Acrescenta que algumas vezes, mesmo a
alma generosa provará apenas pequenos goles da água
viva da iluminação divina; mas é certo que muitas almas
não são elevadas à contemplação por sua própria culpa,
uma vez que elas não abraçam com plena generosidade
a ascese enérgica que lhes conferem as disposições ne
cessárias.
Mesmo nesta via elevada da perfeição, não o esque
çamos, nosso primeiro devér é a observância da lei di
vina e eclesiástica. 1! preciso também condenar absolu
tamente o pseudomisticismo que pretende não observar
a letra da lei, para se engolfar mais no espírito... não
da lei, mas no espírito próprio, bem distinto do espírito
de Deus. Entretanto, ainda aderindo à lei, há uma gran-
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de diferença, como diz a Santa, entre observar e obser
var; entre fazer parcimoniosamente o estrito necessário
para não pecar e o dar-se totalmente ao trabalho, ao
ofício, à prática das mais altas virtudes. Para nos pre
pararmos para a contemplação é preciso a observância
plena e perfeita, magnânima e generosa da lei. Assim
diz a Santa: " Persuadi-vos de que, para adquirir isto de
que falo, quer Deus que não nos reservemos nada. Pouco
ou muito, reclama tudo para ele " . 21 1
Em seus escritos, Teresa quer elevar-nos a um pla
no moral superior, a uma vida mais fecunda e mais
plena de virtudes heróicas. Procura, como diz ela mesma ,
" atrair para este bem tão grande, que é a contempla
ção",2 12 a fim de nos decidir a viver mais inteiramente
para Deus. Quem, com freqüência, lê os seus escritos,
deverá sofrer a influência benfazeja desse coração ar
dente, sedento de totalidade e que se sente pulsar em
todas as páginas de seus livros: "Cum sanctis sanctus
eris ". 213 Aprendamos de Teresa a não limitar nosso ho
rizonte, não restringir nossas aspirações, nem marcar
passo na mediocridade, mas ao contrário, desejar a vida
profunda e abundante, a vida de total e íntimo amor,
onde a alma se dá a Deus e Deus se dá à alma. Tal
vida é divinatnente fecunda, rica em frutos espirituais
para toda a santa Igreja.
Eis os cimos descobertos ao nosso olhar e ao nosso
coração, por S. Teresa de Jesus: e se esse ideal não é
sempre plenamente realizado aqui na terra - desde
que a oração mística é um dom gratuito e a via da con
templação não é a única que conduz à santidade - pou
co importa ! Nossos esforços jamais serão baldados! "Se
nos renunciamos em todas as coisas, se tomamos a cruz
e seguimos Jesus", 214 não é por amor da contemplação,
mas por seu único amor!
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O CASTELO INTERIOR
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ta, atingira a plena maturidade. Eram passados treze
anos desde a primeira redação do Caminho de perfeição;
há cinco anos gozava a Santa, em plenitude, da vida
mística e vivia de experiência o estado de -matrimônio
espiritual. Entrementes, de quantas almas tinha ela re
cebido íntimas confidências, quantas tinha dirigido, por
seus conselhos maternais e doçura de sua autoridade,
para os cumes da mais sublime perfeição! Ei-la, pois,
rodeada de uma legião de elite, que se chamam " suas
filhas", uma vez que todas foram nutridas e educadas
por ela. Elas esperam que sua Mãe ponha a última de
mão no trabalho de ensinamento, para o qual o m�smo
Deus a preparou e instruiu.
No dia da festa da Santíssima Trindade, do ano
1577, 217 numa cela solitária mas agradável do mosteiro
de Toledo, 218 Teresa, movida pela obediência, pôs-se a
descrever as moradas de seu Castelo interior.
Há um ano que habita este mosteiro, nele perma
necendo reclusa por ordem do padre geral João Batista
Rossi. 219 Encontramo-nos, com efeito, no meio mesmo
da tempestade que sacudiu a Reforma teresiana até em
seus fundamentos.
Estava longe o tempo em que o padre geral se com
prazia em chamar Teresa " sua filha" ; 220 presentemente,
enganado por informações falsas, ele se mostra severo
e descontente. O coração de Teresa chora. 221 Ah! isto é
apenas o principio! Logo a tempestade se desencadeará
e a Rofonna correrá o maior perigo. Quanta angústia
para a pobre Madre!
� precisamente nesta época que ela edifica seu Cas
telo. Terminá-lo-á em Avila no mês de novembro do mes
mo ano, quatro dias antes de João da Cruz, confessor
do mosteiro da Encarnação da mesma cidade, ser preso
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e encerrado em um obscuro cárcere do convento de
Toledo. 22? O livro escrito em meio de tal borrasca é
de uma maravilhosa serenidade. Na verdade, os aron
tecimentos humanos não podem abater essa verdadeira
esposa de Jesus! Ela pode sofrer e até morrer, sim!
Bater em retirada, nunca! Toda inflamada por seu ideal
de conduzir as almas à mais alta santidade, - como se
nada estivesse acontecendo, como se o céu estivesse lím
pido, - tranqüila e serena, traça a via da intimidade
divina. Na profundeza em que ela vive, nada mais pode
p�rturbar-lhe a paz.
Quem não se sentiria plenamente confiante junto de
semelhante mestra de vida espiritual ?
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Deus, o sol divino envia sua luz através de todo o cas
telo. J! verdade que nos aposentos mais afastados a
luz será mais velada, enquanto nos mais próximos do
centro é mais abundante e mais clara. Nenhuma parte
do castelo dela fica privada, pois que em todas a luz e
o calor do sol se fazem sentir.
A alma entra neste palácio iluminado quando pro
cura tomar contato com este grande Deus que habita em
seu centro, isto é, quando pratica a oração mental.
A oração é, se assim podemos dizer, " a porta de en
trada" do castelo. 225 Com efeito, por ela a alma se apro
xima da intimidade divina, se expõe aos raios do sol
divino e dele recebe, naturalmente, mais abundante ilu
minação. Mas como a luz divina se derrama em maior
quantidade nos aposentos centrais, a alma que se toma
mais interior é também mais esclarecida e mais facil
mente tem consciência disso.
Há, pois, graus de oração, que nos fazem experi
mentar a vida de Deus em nós. Eles correspondem, de
certa maneira, às diversas etapas da vida interior da alma.
Veremos, segundo a exposição mesma da Santa, que ela
não considera estes diferentes modos de oração como
estritamente ligados ao progresso na santidade; estão,
todavia, ordinariamente tão unidos ao desenvolvimento
da vida interior generosamente vivida, que se pode atri
buir aos diversos graus de contemplação uma época de
terminada da vida espiritual. Os estágios do progresso·
espiritual aparecem, pois, como o substrato conatural dos
diferentes modos de oração. Além disso, a palavra "Mo
radas" tem, para a Santa, dupla significação. Indica,
e sempre de preferência, os graus de oração; entretan
to, serve também, em muitos lugares, para designar os
degraus do progresso espiritual, que são como o am
biente conatural onde se exercitam as diversas orações
e o fundamento sólido sobre o qual elas se apóiam.
Com efeito, Teresa jamais esquece que toda vida de
oração deve ser fundada sobre o exercício contínuo das
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virtudes. Através de tudo, permanece sempre sua prin
cipal preocupação: conduzir a alma para uma vida de
doação total de si mesma a Deus.
Se em seu livro ascético, o Caminho de pe,jeição,
ela convida . à generosidade a fim de chegar à contem
plação, no Castelo, consagrado à exposição das graças
místicas, sua preocupação é mostrar que a vida de amor
consiste mais em dar que em receber, e que o grande
valor das graças místicas está no fato de que elas ele
vam a um plano moral superior; sim, elas nos levam a
uma imolação mais completa de nós mesmos ao serviço
de Deus.
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formidade de sua vontade com a vontade de Deus. m
Ora, sabemos que, para a Santa, semelhante conformi
n
dade constitui a perfeição moral. As "Quintas Moradas
pertencem, pois, aos perfeitos. De outro lado, as três pri
meiras Moradas consideram a alma desde o momento em
que entra na vida espiritual, para conduzi-la a um estado
em que se enraíza no temor· de Deus, ao ponto de poder
concentrar todas as suas preocupações no progresso es
piritual. Os teólogos místicos vêem, ordinariamente,
tal disposição como o indício da passagem à via ilumina
tiva. Esta, ou via dos adiantados, começa, portanto, após
n
as "Terceiras Moradas J! a esta etapa iluminativa da
vida espiritual que são propriamente atribuídas às "Quar
tas Moradas ".
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apesar dos seus desejos de não mais ofender a
Deus e de suas mesmas boas obras". 228
Elas não são também muito esclarecidas: "Nestas
'Primeiras Moradas', ainda quase nada recebem da luz
que sai do centro do palácio do Rei. Não estão comple
tamente nas trevas, nem negras, como quando a alma
está em estado de pecado, mas permanecem, �ntretanto,
em uma certa obscuridade". :e. o resultado de todas as
solicitudes mundanas da alma, "preocupada com os
bens terrenos, honras e negócios". Se quer progredir e
entrar nas "Segundas Moradas" deve "se desprender dos
cuidados e negócios que não são indispensáveis". 229 Em
resumo, nas "Primeiras Moradas", a alma, se bem que
em estado de graça, está muito dividida entre Deus e o
mundo, não praticando ainda a vida interior; esta só
começa nas "Segundas Moradas".
Aqui, a alma se dá de maneira regular à oração
mental, isto é, à meditação; aplica-se em aprofundar,
por meio de suas faculdades, as grandes verdades da fé,
as quais servirão de fundamento à sua nova vida - o
exercício da penitência ajuda a nutrir a tendência para
a generosidade. Realmente, dela temos grande necessi
dade na vida espiritual, e desde o princípio Teresa quer
nos habituar a dar antes que receber. Então se poderá
enfrentar com mais coragem as dificuldades causadas
pela aridez, que bem depressa visita a alma.
Não é preciso procurar as consolações! Absoluta
mente! "A única ambição daquele que começa a se dar
à oração, deve ser trabalhar por se fortalecer nas boas
resoluções e não negligenciar nenhum meio para tomar
sua vontade conforme com a vontade de Deus". 230
Sim! Esta é a única coisa necessária! "Quanto mais
esta conformidade for perfeita, tanto mais Deus vos
cumulará de graças � maiores serão vossos progressos
101
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na via da perfeição". Apraz-nos mostrar aqui como, des
de o princípio do caminho que conduz ao centro do
castelo, Teresa tem em vista, não as consolações divi
nas, mas a conformidade de nossa vontade com a de Deus.
Durante o trajeto, nós a veremos manter suas posições,
afirmá-las com um vigor sempre crescente e delas pene
trar as páginas sublimes das últimas "Moradas".
Eis-nos, porém, apenas no termo ãa via purgativa.
Teresa nos descreve as almas que acabam de entrar nas
"Terceiras Moradas":
" Elas têm wn desejo ardente de não mais ofender
o Senhor; mantêm-se mesmo em guarda contra os
pecados veniais; dedicam-se à mortificação; têm
suas horas de recolhimento; empregam bem seu
tempo; são caridosas para com o próximo, ponde
radas em suas palavras, ordenadas em seus modos
de trajar, e quando se acham à frente de uma casa,
a governam com sabedoria". 231
São por conseguinte, almas das quais pode-se dizer
que entraram plenamente na vida espiritual. Sua oração
própria é a meditação simplificada, chamada por Teresa,
oração de recolhimento. Teresa acredita que elas podem
nutrir as mais belas esperanças: " Este estado é digno de
inveja, pois parece que nada as impedirá de chegar até
à última "Morada". Se o querem, nosso Senhor não lhes
recusará a entrada! " 232 A última "Morada" estaria, en
tão, bem próxima? Certamente que não! Ser-lhes-â neces
sário muito esforço antes de atingi-la!
Teresa trata com uma ponta de malícia estas almas
que caminham sempre a "passo de galinha". " Se pudés
seis, minhas filhas, empregar oito dias para ir de um
país a outro, seria razoável gastar um ano sob chuva e
neve, expondo-se a todos os incômodos das hospedarias
e do caminho? ... " Amavelmente ela caçoa de tanta len
tidão!
102
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"As pessoas das quais falo, têm suas penitências tão
,bem reguladas quanto o seu modo de proceder.
Querem muito à vida, a fim de empregá-la no ser
viço do Senhor, dizem elas... Não temais que se ma
tem; estão ainda muito em sua razão e o amor ainda
não é bastante forte para as pôr fora de si. Quanto
a mim, preferiria que nossa razão nos levasse a não
nos contentarmos com essa maneira de servir a
Deus, sempre tão lenta, a ponto de nunca chegarmos
ao termo do caminho". 233
"Se o queremos", dizia ela mais acima. Sim! Mas é
preciso, antes de tudo, querer ser generosos, e depois
outra coisa ainda: não se impacientar se aprouver ao
Senhor manter fechada a porta do aposento onde ele
reside. "Não peçais o que não tendes merecido", 234 diz
Teresa, que polsui a arte de nos propor um ideal muito
elevado, sem pôr nossa humildade em perigo: " Se per
severarmos neste despojamento e abandono de todas as
coisas chegaremos, sem dúvida, ao termo dos nossos de
sejos, mas sob a condição, que vos peço considerar bem,
que nos consideremos como servas inúteis... e que ja
mais creiamos esteja Deus obrigado a nos conceder seus
favores... " Repete então um pensamento que lhe é caro:
" Oh! humildade! humildade! ... Eu não me posso impe
di r de crer que é falta de humildade quando as almas se
afligem com a aridez que lhes faz sofrer". 235 Sim! Tere
sa está bem entre aqueles que pensam que o amor con
siste mais em dar do que em receber.
Após ter considerado a conversão da alma, de uma
vida tI'bia a uma vida generosa, sigamos os principiantes
generosos introduzidos na via dos adiantados.
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As "Quartas Moradas"
104
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O efeito desta água celeste não tarda em se fazer
sentir à alma: "Apenas começa a correr de sua fonte
que está no íntimo de nós mesmos, todo nosso interior
se alarga e dilata. As faculdades, ainda que não estejam,
ao meu parecer, unidas a Deus, estão inebriadas e como
maravilhadas; elas se perguntam o que é isto". Manifes
tamente a alma se sente passiva, incapaz de produzir por
si mesma semelhantes efeitos : " Este não é um favor que
se possa J.maginar. Mesmo com todas as nossas diligên
cias, não poderíamos consegui-lo, manfestando-se clara
mente que não é do nosso metal, mas ouro puríssimo da
Sabedoria divina". 238 Em que parte da alma se experi
menta esta passividade? A Santa é aqui muito explícita
e, nas diversas passagens de seus escritos onde trata des
ta oração, repete sempre que a vontade aí se acha unida
a Deus. 239 Vejamos como é ela cativada: " Só a vontade
age de tal maneira que, sem saber como, se toma cativa.
Ela não faz outra coisa senão dar seu consentimento
para que Deus a segure, exatamente como alguém que
sabe bem tomar-se cativo de quem ama. ô Jesus! meu
Senhor ... como vosso amor. nos ajuda aqui! Ele segura
o nosso de tal maneira encadeado, que não lhe deixa a
liberdade de amar então, outra coisa que vós! " 240 Ven
do seu amor voltar-se irresistivelmente para Deus, a al
ma se dá conta de que se acha bem próxima dele: " Suas
faculdades estão em repouso. Ela compreende, melhor
que com seus sentidos exteriores, que está perto de seu
Deus e que, por pouco mais que se aproxime, tomar-se
-ia, pela união, uma mesma coisa com ele". 241 Isto ainda
não é a união, mas Deus já se faz sentir, agindo sobre
a vontade e atraindo-a suavemente a si. Só esta faculdade
está prisioneira; as outras, a inteligência e a memória,
permanecem livres e às vezes importunam muito a alma,
perturbando com seus movimentos e divagações o pací
fico gozo da vontade. Teresa nos ensina a não nos preo-
105
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cupar com isto, mas concentrar toda a nossa atenção
sobre o amor.
A ação ··divina na alma começa, pois, na vontade,
mas pouco a pouco se desenvolve e cativa as outras fa.
culdades - ora duas dentre elas, ora as três. A oração
de quietação é, com efeito, a característica destas Mora
das, mas há também outras. :e.
de notar antes de tudo
certo " recolhimento infuso", 242 pelo qual Deus produz
passivamente na alma uma excelente disposição pa
ra se aproximar ativamente dele. Esta graça nos pre
para a oração de quietação e, para Teresa. constitui a
primeira oração infusa concedida no princípio da vida
iluminativa. Outras orações desta via são descritas mais,
pormenorizadamente pela Santa no livro de sua Vida,
onde fala de uma " espécie" de "união" 243 que cativa as
duas faculdades: inteligência e vontade; mas a memória
e a imaginação permanecem livres e atormentam muito
a alma que quereria gozar tranqüilamente de sua con
templação. No " sono das potências", 244 pelo contrário.
todas as três estão cativas e fixadas, sem, entretanto,
estarem completamente unidas; a união perfeita começa
somente nas "Quintas Moradas". Como sempre, de pre
ferência, a Santa recorre à comparação da água. Assim
é que, falando desse elemento, diz: "Como me seria útil
poder me entreter com alguém que conhecesse a filoso
fia. Se eu estivesse a par das propried�des das coisas,
conseguirià melhor explicar-me". 245 No " sono das facul
dades", retoma Teresa, " a água da graça submerge a al
ma até a garganta. ao ponto de não saber como avan
çar nem retroceder; eu compreendia bem que não havia
aí união completa de todas as faculdades com Deus, mas
reconhecia claramente que esta união era mais perfeita
que na oração precedente ( de quietação) " . 246 A união
ainda não é perfeita, pois que as faculdades permane-
106
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cem .um tanto livres de agir por si mesmas, não estando
totalmente arrebatadas em Deus. "Realmente, as facul
dades estão quase inteiramente unidas a ele, mas ·não
estão de tal modo absorvidas que não operem ainda; to
davia, não têm então outra liberdade senão a de se ocu
parem inteiramente com Deus " . 247 Nas orações da via
iluminantiva a passividade da alma não é, pois, ainda
completa.
101 ·
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como era a respeito de tudo o que toca à vida sobrena
tural, deveu se mostrar interessada e... ( damos a palavra
ao Pe. Baltazar ) " posta ao corrente por alguns padres
ao assunto dessa controvérsia, como era disputada e
qual a opinião de uma parte e da outra, chegou a dizer
que praticamente sentia em si a eficácia da graça deter
minante ". 248 Parece, pois, que a Santa tenha dado razão
aos padres dominicanos! Entretanto, o pacífico Pe. Bal
tazar prossegue: "Mas para não tornar odiosas... as pa
lavras de nossa Madre aos sábios padres da Companhia,
que nos são tão afeiçoados, pode-se crer que a Santa fazia
alusão a essas iluminações e moções místicas... que são
experimentalmente sensíveis". Conclui, então, o ancião:
" Quanto a mim, eu acato a todos". 249
108
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gostos de Deus, assim como de que jamais gozareis
deles nesta vida". 250
:e evidente que, embora esteja persuadida de que es
sas graças são freqüentemente comunicadas às almas
que se dispõe convenientemente, Teresa não quer que es
tejamos muito preocupados em as obter. Nossos contí
nuos esforços não devem tender para elas, mas, antes,
para realizar a vontade de Deus: " Somos suas, minhas
irmãs! Que ele faça de nós o que quiser, conduzindo-nos
por onde melhor lhe aprouver! " 251 Eis um princípio para
Teresa: "A perleição... não consiste nos gostos, mas é
tanto mais perleito quem mais ama a Deus e o serve
com justiça e verdade". 252 Aqui recorda o exercício das.
virtudes, que deve ser sempre a primeira e grande preo
cupação. Jovialmente, a Santa prossegue: " Se é assim,
como de fato é, perguntar-me-eis: para que serve tratar
desses favores? ... " Responde então: " Eu o ignoro; per
guntai àquele que me mandou escrever... " 253 Mas isto é
apenas um repente, uma vez que logo enumera vários
bons motivos para no-los fazer desejar; entre eles, mos
tra " que esses favores... são acompanhados de tanto
amor e força que a alma pode, sem nenhuma fadiga,
avançar mais na prática das boas obras e das virtu
des ". 254 Os favores permanecem, pois, muito desejáveis,
porque estimulam o exercício das virtudes e tornam mais
fácil o caminho do amor perfeito.
As "Quintas Moradas.,
109
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a Deus, até certo ponto, aqui a união se torna total e
a alma experimenta uma transformação em si mesma,
que a faz viver de uma vida divina. Uma deliciosa com
paração nos dá a compreender, em conjunto, a profun
deza da transformação que se deve realizar e a maneira
de nos prepararmos para ela. Em seu estilo pitoresco,
Teresa nos descreve as metamorfoses do bicho da seda.
"Tereis ouvido falar", diz ela, "que ele vem de uma se
mente semelhante a grãozinho de mostarda... Nunca o
vi, mas ouvi dizer... " - seus conhecimentos de história
natural parecem verdadeiramente bastante reduzidos! -
"Se pois o que vos digo não é certo, disto não sou res
ponsável" . Ela poderia ter-se informado melhor, mas não
sej amos muito exigentes para com uma monj a enclau
surada! " Quando chega o verão, desde que as amoreiras
começam a se cobrir de folhas, esta semente se põe tam
bém a tomar vida. Enquanto o alimento que deve sus
tentá-la não está pronto, permanece como morta. Ao con
trário, quando os vermes crescem se prendem a certos
ramos onde, com a boquinha, fiam a seda que tiram de
si mesmos. Fazem, assim, casulos muito apertados, onde
se encerram. � aí que esses vermes, grandes e feios, che
gam ao fim da vida. Pouco depois, porém, desse mesmo
casulo sai uma borboleta branca e graciosa. 255
Eis a aplicação prática: a alma, da qual o verme é a
imagem, começa a viver quando, com a ajuda do Espí
rito Santo, aproveita do socorro geral que Deus concede
a todos. " Quando esse verme cresce, põe-se a fiar a seda
e a construir a morada onde deve morrer" . 256 A alma
constrói sua casa imitando o Cristo, por uma vida de des
pojamento perfeito e de virtudes generosas. Morre a si
mesma, mas prepara seu renascimento à vida divina.
" Coragem, pois, minhas filhas! Mãos à obra sem
demora! Teçamos nosso casulinho renunciando a
nosso amor-próprio, à nossa vontade e a todo ape
go às coisas da terra, produzindo obras de penitên-
1 10
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eia, de oração, de mortificação e de obediência... E
depois, que morra, morra esse verme, como o bicho
da seda, após ter realizado a obra para a quai foi
criado. Então saberemos como se contempla a
Deus ... quero dizer, a maneira pela qual ele se dá a
sentir nessa espécie de união ". 251
A união da qual fala Teresa é uma morte, mas que
faz viver em Deus. As faculdades aí estão suspensas;
não se sente mais nada, e mesmo a respiração parece
interrompida. Mas, entrementes, que vida!
" Deus se estabelece então de tal modo no mais ínti·
mo dessa alma, que voltando a si, lhe é impossível
duvidar que tenha estado em Deus e Deus nela.
Essa verdade se imprime tão vivamente em seu
espírito que, mesmo passados anos sem que Deus
lhe tenha renovado esta graça, ela não a pode es•
quecer nem dela duvidar". 258
Este é o caráter distintivo da presente união. Assim
diz Teresa: " Se falta essa certeza não se trata mais, a
meu ver, de uma união total da alma com Deus; haverá
somente união de uma ou outra das faculdades, ou en
tão será um ou outro dos numerosos favores com os
quais Deus presenteia as almas ". 259
Sempre desejosa de perfeição moral, Teresa nos des
creve com entusiasmo os efeitos produzidos por esta
oração:
" Quando o verme entra nesta oração e aí permane
ce morto ao mundo, sai transformado em uma pe
quena borboleta branca. Verdadeiramente essa alma
não se reconhece mais ... sente um desejo, que a con
some, de louvar a Deus e de afrontar mil mortes
por ele. Ei-la que aspira a levar grandes cruzes e
esse desejo é irresistível. Tem sede de penitência,
suspira pela solidão e quereria que Deus fosse co-
257 Id., ibid., n. 6.
258 Id., ibid., "Quintas Moradas", cap. 1, n. 9.
259 Id., ibid., n. 11.
111
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nhecido de todos os homens; daí vem uma aflição
profunda por vê-lo tão ofendido ". 260
Uma vida muito generosa nasce desta união total;
n
todavia é apenas um princípio. As duas "Moradas se
guintes nos mostram como essa "graça de união se de
senvolve até invadir totalmente a alma e tornar-se habi
tual. As graças dessas últimas "Moradas " são, com efei
to, todas da mesma ordem. A Santa diz expressamente
que as "Sextas Moradas" não se distinguem das prece
dentes, enquanto que, entre as sextas e as "Sétimas Mo
radas " "não há mais porta fechada " . 261
A Santa, portanto, pode logicamente comparar os
três estágios do progresso da alma na união mística aos
diversos momentos de um mesmo desenvolvimento; no
caso presente, às etapas de um casamento: o primeiro
namoro, o noivado e a união nupcial. Veremos agora
como desenvolve sua comparação. As primeiras graças
da união total, recebidas nas "Quintas Moradas ", é pri
meiro namoro da alma com Deus.
" Sua Majestade ", diz Teresa, "querendo fazer-se me
lhor conhecer à alma, lhe faz esta graça ... de vir ao
que se chama um namoro... porque é muito breve...
a alma vê apenas de maneira místeriosa que é
aquele que vai tomar por esposo ... Ela se acha , des
de então, de tal modo enamorada, que põe tudo em
ação para que esses divinos esponsais não sejam
entravados ". 262
:S muito oportuno que a alma conheça antes seu
noivo, porque terá que suportar muitos trabalhos antes
de obter de Deus a promessa do matrimônio espiritual.
As descrições dessas provas, no princípio das "Sextas
Moradas " 263 fazem de Teresa uma verdadeira precursora
de S. João da Cruz na asserção de que terríveis noites
1 12
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de purificação devem preceder a aurora dos desposórios
espirituais. 2S4 Em seguida vem a descrição das graças
concedidas durante este período. :e
todo um conjunto
de favores celestes que cercam a graça mais profunda
e mais central dos desposórios.
As "Sextas Moradas"
1 14
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" Oh! que confusão experimenta a alma", diz S. Te
resa, quando volta inteiramente a si. Que ardentes
desejos de trabalhar por Deus, de todas as manei
ras que a ele aprouver! ... Quisera ter mil vidas para
todas lhas consagrar; desejaria que tudo o que há
na terra se transformasse em línguas para o louva
rem por ela. Desejos insaciáveis tem de penitên
cias ... Queixa-se também a Sua Majestade quando
lhe faltam as ocasiões de sofrer" . r,s
Estamos longe deste empobrecimento da vida psí
quica que certos racionalistas modernos querem ver no
êxtase. 2i6 Absolutamente; o arrebatamento é para a alma
mística a fonte de obras magnânimas.
115
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Visões e revela9ães
1 16
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n
razões . Enumerando-as, Teresa nos mostra, certamen
te, que não é desprovida de intuição, mesmo no terreno
da psiquiatria: " É certo", escreve ela, " que aquele que
desej a estas graças jâ estâ na ilusão, ou em grande pe
rigo de cair nela... quando o desej o é veemente, a ima
ginação intervém e então imagina-se ver ou ouvir o que
se deseja, do mesmo modo que se sonha à noite com
aquilo que se desejou e pretendeu durante o dia". 282
Certamente seria exagerado afirmar que a Santa te
nha chegado a estabelecer sobre visões e revelações uma
doutrina tão clara e sólida quanto a do Doutor Místico,
S. João da Cruz; 283 podemos, entretanto, concluir que ela
também preferiu se enquadrar na via de uma prudente
reserva.
Prouvera a Deus que todos os dir�tores espirituais
seguissem uma via tão segura e que todas as almas obe
decessem verdadeiramente, quando se lhes traça uma li
nha de conduta prudente. Evitariam, assim, muitas ilu
sões e uma grande perda de tempo e de forças. Será sem
pre um dos grandes méritos de S. Teresa o ter distingui
do bem as duas categorias de favores sobrenaturais, pon
do-nos em guarda contra toda crendice.
As "Sétimas Moradas"
1 17
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última preparação à união do matrimônio espiritual, an
gústia. intensa de amor que é igualmente descrita por
S. João da Cruz, 23s depois do que a alma é introduzida
no aposento do Rei. Anteriormente, já no curso do êxta
se, suas faculdades apenas nele penetravam, permanecen
do completamente cegas pela luz; agora, pelo contrário,
a alma toda inteira ali entra e sem perder o uso de suas
faculdades. "Deus faz cair as escamas dos olhos da al
ma", diz Teresa, " a fim de que ela contemple e com
preenda... alguma coisa do favor com o qual a gratifi
ca " . 21!6 Que compreende ela? Vê-se admitida à companhia
contínua da Santíssima Trindade: "As três pessoas da
Santíssima Trindade a ela se comunicam; falam-lhe e lhe
descobrem o sentido dessa passagem do Evangelho em
que nosso Senhor anuncia que ele virá, com o Pai e o
Espírito Santo, habitar na alma que o ama e guarda os
seus mandamentos n . 281
A alma não perderá mais esta divina companhia, mas
não será sempre igualmente luminosa, porque em certos
momentos, como diz a Santa, "fecham-se as janelas e
a alma fica na obscuridade" . 288 Entretanto, através de
tudo, ela permanece consciente da presença divina.
Desde então pode ser ao mesmo tempo Marta e Ma
ria; as ocupações exteriores não a afastam mais de seu
Deus. 289 Nas " Sétimas Moradas ", tais são os bens que
constituem o ambiente conatural à graça do matrimônio
espiritual, que deve completar a transformação da alma.
O mesmo Cristo, em sua santa humanidade, se re
vela em seu mais íntimo centro e a ela se une com um
laço perpétuo. " O espírito dessa alma", diz a Santa, " tor
na-se a mesma coisa com Deus... como a água do céu,
que caindo num rio ou fonte, confunde-se de tal modo
que não se pode mais nem separá-las, nem distinguir
118
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qual é a água do céu". 290 "Mihi vivere Christus est",
repete a Santa, com S. Paulo. " :e, aqui que a pequena
borboleta morre, mas com uma indizível alegria, por
que já sua vida é Jesus Cristo''. 291 Quando Teresa quer
dar uma idéia dessa vida nova que sente transbordar em
si, uma profusão tumultuosa de símbolos, figuras abun
dantes j orram de sua pena!
"Daqueles peitos divinos, onde Deus sustenta conti
nuamente essa alma, brotam então veios de leite que
reconfortam todos os habitantes do castelo... Desse
rio imenso, onde essa pequeníssima fonte se perde,
j orram jatos de água... Com efeito, como a água não
pode j orrar sem ter sua fonte em algum lugar, as
sim a alma compreende claramente que dentro de
si alguém lhe arroja as setas que a transpassam e
dá vida à sua vida; ... um sol, enfim, difundindo
de seu interior, essa brilhante "luz que lhe' ilumina as
faculdades". 292
Quem não sente palpitar aqui umã vida profunda,
imensa, divina?
Quando pensa que as riquezas da união divina po-
dem ser nossas, Teresa se comove:
"ô minhas irmãs! Como tudo o que deixamos é
um nada! Nada é também tudo o que fazemos e o
que podemos fazer por um Deus que se quer comu
nicar, assim, a uns vermezinhos como nós! Desde
que temos a esperança de gozar, já nesta vida, de
semelhante felicidade, que fazemos nós? Em que
nos detemos? ... :e.
verdade que são dons que Deus
concede a quem ele quer,· entretanto, se amássemos
o Senhor como ele nos ama, no-los concederia a to
das. Ele nada deseja tanto, quanto achar a quem
dar". 293
290 Castelo interior ou moradas, "Sétimas Moradas", cap.
2, nn. 3-4.
291 Id., ibid., n. S.
292 Id., ibid., n. 6.
293 ld., ibid., "Sextas Moradas•, cap. 4, nn. 10-12.
1 19
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A união de conformidade
120
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zem". Aqueles que Teresa assinala com predileção se
reduzem sempre ao nosso progresso moral.
"Quero vo-lo repetir ainda, para não vir alguma de
vós a pensar que o desígnio de Deus seja unicamen
te cumular essas almas de carícias. Seria um grande
erro. Sua Majestade não nos pode conceder nada de
mais precioso que uma vida conforme à de seu Filho
Bem-amado. Disto estou também absolutamente
convencida... essas graças são destinadas a fortificar
a nossa fraqueza e a nos tomar capazes de imitar
esse divino Filho, suportando como grandes sofri
mentos". 2'11
Grandes sofrimentos : imitar Cristo sofrendo e sacri
ficando-se, eis a verdadeira prova de amor. O amor é
tudo! O Castelo se encerra com um hino de amor, onde
aparece uma última vez, a Teresa que quer se dar total
mente: " O Senhor olha menos a grandeza das nossas
obras que o amor com o qual as realizamos". 298 Mas, co
mo precisamente o amor se revela no sacrifício, " no bre
ve tempo desta vida, devemos oferecer ao Senhor, inte
rior e exteriormente, todo o sacrifício do qual somos ca
pazes". 299 O verdadeiro amor se dá inteiramente. Gosta
mais de dar que de receber.
Conclusão
121
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via ilum.inativa a influência divina se estende gradual
mente: ela prepara a alma para o recolhimento infuso,
se apodera da vontade na oração de quietação, para ca
tivar em seguida também as outras faculdades, sem, to
davia, privar a alma de todo concurso pessoal. As ora
ções dessa via são, pois, ainda imperfeitamente passivas.
A via unitiva se caracteriza, ao contrário, por uma pas
sividade mais completa. Com ela, pode-se falar de morte
e de renascimento. Como o bicho-da-seda que morre,
para retomar a vida sob a forma de borboleta bran
ca, assim a esposa de Deus morre ao mundo e a si mes
ma pela abnegação. E, uma vez preparada pelas graças
místicas interiores, é arrebatada fora de si mesma e vive
inefáveis momentos de vida divina, onde não tem mais
outra liberdade que a de dizer " Sim n ao Bem-amado.
Esta mesma vida nova déve crescer; os toques divinos
irão se multiplicando até introduzirem a alma em um
estado de união contínua, onde não perde quase nunca
a presença de seu Bem-amado. São as graças da união
mística.
Existe, pois, certa correspondência entre as eta
pas da vida espiritual e a profundeza da oração mística.
Na via ilumínativa, onde a vida sobrenatural não está
ainda perfeita, se acham as contemplações imperfeita
mente passivas, enquanto na via unitiva, ou dos perfei
tos, Deus se apodera totalmente da alma. Em certos mo
mentos a alma se torna, pois, consciente da ação sobre
natural de Deus nela, com mais ou menos força e cla
reza, conforme os diversos graus de profundeza de sua
vida espiritual. Para dizer a verdade, não parece que essa
consciência seja essencial à vida perfeita, mas, produzida
pela intensidade particular de uma iluminação divina que
jamais é recusada totalmente à alma bem disposta; ela
acompanhará freqüentemente a santidade plena e per
feita.
A essas graças de contemplação se juntam, por ve
zes, visões e revelações, que são favores de menor im
portância e expostos a mais ilusões. Todas essas graças
celestes, porém, tendem a um mesmo fim: preparar a
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alma para a prdtica de uma caridade magnificamente
generosa. Se as recebemos de Deus, aqui na tel'nl, é
para que possamos dar mais.
123
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gir e porque só ele merece mais plenamente o nome de
fiin, pois que é o termo imediato de nossos esforços.
Além de tudo, o amor perfeito é absolutamente necessá
rio à nossa perfeição sobrenatural; chegar aí é alcançar
ao mesmo tempo a santidade.
Logicamente, Teresa atrai o olhar da alma para esse
fim, de maneira contínua e absoluta; quando se trata,
porém, da contemplação, sua atitude é, pelo contrário,
toda cheia de matizes. Mesmo a custo de muito esforço,
devemos atingir a perfeição da caridade; a contemplação
é muito desejável, certamente, porque ela nos confere
novas forças para amar; porém, uma vez que ela é
dom gratuito de Deus, convém afastar de nós toda preo
cupação muito viva em obt�la e, sobretudo, toda pre
tensão de a conseguir. � preciso, entretanto, fazer tudo
o que se pode para remover os obstáculos que se opõem
à concessão de uma graça de santificação tão eficaz.
Mas, depois de nos dispormos com generosidade, deve
mos reconhecer que somos "servos inúteis".
Aliás, será essa a maneira mais segura de chegar à
contemplação. Deus ama tanto a humildade! ª �la ", diz
Teresa, "f�lo descer do céu, ao seio da Virgem". 300 Dese
jamos forçar a mão do Esposo divino ? Queremos, co
mo diz Teresa, dar xeque-mate ao Rei dos corações? Hu
mildade e ainda humildade! Pois que ªnão há dama que
obrigue o Rei a se render como a humildade ". 301 " Nós
somos " dele", minhas irmãs; que faça de nós o que lhe
aprouver, levando-nos por onde preferir! Porém, se nos
humilharmos e nos desprendermos verdadeiramente... o
Senhor não deixará de nos fazer essas graças e outras
ainda, acima de nossos desejos. Seja ele para sempre
louvado e bendito! Amém! ". 302
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TERESA '�DE JESUS"
125
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templação " pura". 304 Nessa espécie de contemplação, a
alma está de tal modo ocupada do conhecimento geral
de Deus na fé obscura, que perde toda consciência -
ou quase toda - do concurso da imaginação. De modo
que muitos teólogos místicos apresentam a questão: po
de existir, aqui na terra, uma contemplação desprovida
da "conversio ad phantasmata?" 305 Certos autores espi
rituais, querendo, pois, aj udar as almas a progredirem
no conhecimento místico ( suposto que Deus tenha co
meçado a lhes conceder essa graça), lhes aconselham a
moderar muito, na oração, o trabalho da imaginação.
Como o espírito humano tem uma tendência para gene
ralizar, alguns acham bom estender à humanidade de
Cristo a supressão sobredita das imagens. A seu ver, no
momento da vida de oração em que Deus introduz a al
ma na contemplação obscura, seria melhor abandonar
simplesmente a consideração dos mistérios do Verbo en
carnado, para se abismar totalmente no pensamento ge
ral de Deus presente na alma. Por outra parte, habitual
mente, trata-se apenas de um método temporário; esses
autores comumente estão de acordo que a alma, chegada
à maturidade, habituada à contemplação de fé e gozando
de uma vida mística mais perfeita, volta a nosso Senhor
Jesus Cristo. Daqui se poderá concluir quão profundo
é o erro de alguns racionalistas modernos que vêem na
prática da contemplação de fé ob�cura uma espécie de
divórcio entre a fé dogmática da Igreja católica e a fé
viva dos místicos, que se desenvolve além de todo dogma.
Nesta conjuntura, eles não receiam mesmo atribuir ao
Doutor Místico, S. João da Cruz, semelhante absurdo. 306
Nossa intenção não é refutar aqui tais aberrações, mas
expor a opinião de S. Teresa sobre um método recomen
dado algumas vezes por autores que se dizem do campo
católico.
304 Pe. Baltassare di S. Caterina, Splendori riflessi... , p.
159ss.
305 Joseph A. SS., Cursus theologiae mystico-scholasticae,
tomo II, Disp. XVII, q. 4.
306 J. Banizi, Saint Jean de la Croix et le probleme de
l'expérience mystique, Paris, 1924.
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Parece que a Santa teve um contato direto com os
partidários dessa doutrina que recomenda suprimir, em
çerto momento da vida espiritual, toda representáção
de nosso Senhor Jesus Cristo. Encontrou-a exposta nos
livros espirituais da época e a ouviu formular pelos teó
logos por ela consultados e com os quais, por vezes,
examinava os problemas da vida sobrenatural. Dizemos
de propósito: "ela examinava n porque a humilde Teresa,
quando se tratava de um ensinamento em que a experiên
cia tinha o que dizer,. não temia submeter ao julgamento
dos letrados os fatos que ela havia observado. Ela o fa
zia, aliás, com muito tato; o que não excluía nem a insis
tência nem a firmeza. Teremos a ocasião de o constatar
nessa discussão em que Teresa toma totalmente o "parti
do de Jesus ". Ela foi muito feliz de trocar seu nome de
" Teresa de Ahumada " pelo de " Teresa de Jesus ". A todo
n
instante veremos como quer ser sempre " dele e como
n
"não podia sofrer o seu afastamento, nem mesmo em
favor de sua amada contemplação. Sim, Teresa perma
necerá sempre e antes de tudo: "de Jesus " !
. A mesma Santa pôr-nos-á ao corrente dos verdadei
ros dados da discussão e dos motivos sobre os quais
baseia sua opinião; em seguida nos ensinará como Jesus
pode ser "nosso companheiro " durante toda nossa vida
espiritual.
127
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oração, mas tem sua repercussão no conjunto da vida es
piritual.
Teresa havia lido em alguns livros de oração - pa
rece que entre eles o Terceiro abecedário, do francisca
no Osuna 309 - como a alma, ainda que pouco avançada
na vida espiritual, pode favorecer seu progresso na con
templação, "desprendendo seu espírito de todas as coi
sas criadas e elevando-o humildemente para Deus ". 310
Não creiais que se trate aqui do desapego geral de todas
as coisas, tão recomendado por Teresa à alma que se
prepara para a contemplação. Não; trata-se de um exer
cício que tem por fim libertar das imagens o pensa
mento no momento mesmo da oração contempla
tiva:
"Esses livros", diz a Santa, "recomendam com insis
tência afastar de si toda imagem corporal e elevar-se
à contemplação da Divindade. Porque, dizem eles,
essa espécie de imagens, mesmo a da humanidade
de nosso Senhor é, para aqueles que chegam a um
estado tão elevado, um embaraço e um obstáculo a
uma mais alta contemplação ". 311
Na ocasião em que lia esses livros, Teresa ainda não
tinha diretor espiritual e, por um momento, tinha-se
deixado convencer por essa doutrina.
"Desde que comecei a ter um pouco de oração de
quietação ", diz ela, "eu me apliquei em afastar de
meu pensamento toda coisa corporal... Eu sentia,
contudo, parece-me, a presença de Deus e me aplica
va em me manter recolhida nele... Experimentando
309 Abecedário esipritual, prólogo : " ...achamos escrito que
convém, aos que querem chegar a alta e pura contemplação,
deixar as criaturas e a sagrada humanidade para subirem mais
aJto e receber mais inteiramente a comunicação das coisas pu
ramente espirituais... Pois que aos apóstolos foi conveniente
deixar algum tempo a contemplação da humanidade do Senhor
para mP.is livremrnte se ocuparem inteiramente na contempla
ção da divindade; bem parece convir também isto, . algum tempo,
aos oue Querem subir a maior estado".
310 Vida, cap. 22, n. l.
3H ld., ibid., cap. 22, n. 1.
128
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tanto proveito e gozo, ninguém teria podido, então,
fazer-me voltar à consideração da humanidade $àn
ta de Cristo, que me parecia verdadeiramente um
obstáculo n . 312
Teresa não permanecerá longo tempo em seu erro,
pois que experimentará bem depressa os inconvenientes.
Quando depois se lembra disso, experimenta bem viva
dor :
"O Senhor de minha alma, 6 meu Bem, ó Jesus
crucificado ! Não posso recordar tal üusão sem pro
var uma verdadeira pena. Parece-me que era da mi
nha parte uma grande traição, ainda que procedesse
da ignorância ... Como pude ter, ain$ que um ins
tante apenas, o pensamento de que vós devíeis ser
para mim um obstáculo a um bem maior ? De onde
me vieram, pois, todos os bens, a não ser de vós ?
Não ! Eu não quero mais pensar que tenha havido
nisso falta da minha parte. Tenho disso excessivo
pesar ... n 313
Esta passagem, excerto do livro de sua Vida, já fala
n
claramente de "ilusão e mostra a Santa muito aflita de
ter seguido um conselho tão pouco respeitoso para com
o Cristo. Com os anos, porém, sua convicção se fortifica;
apesar da oposição encontrada ela se afirma sempre mais
radical em sua maneira de ver e escreve, no Castelo:
"1:: verdade que tenho deparado com contraditores.
Disseram que eu não entendia a questão... e que,
uma vez superados os começos, é melhor ocupar-se
da Divindade, afastando tudo o que é corporal. Ora
bem ! Apesar de tudo, não me farão confessar que
esse caminho seja bom ... Notai bem ! Eu ouso mes
mo dizer-vos que não creiais naqueles que vos fala
n
rem diferentemente . 3 14
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Certamente Teresa não conhece o medo quando se
trata de defender Jesus!
Todavia, seria um erro crer a Santa totalmente pos
ta a toda "purificação" do pensamento; suas reservas
dizem respeito diretamente à humanidade de Cristo. Ela
recorda como alguns autores ensinam a " considerar que
somQ_s completamente cercados de Deus por todas as
partes", 315 sem dar lugar a qualquer imagem corporal,
e acrescenta: "Esse método algumas vezes me parece
bom; mas abandonar inteiramente a consideração do
Cristo e pôr no mesmo nível seu corpo divino com nos
sas misérias ou com uma criatura qualquer, não posso
sofrê-lo". 316 Parece que uma passagem da Sagrada E�
critura serviu, mais de uma vez, de apoio a seus adver
sários, porquanto a Santa a ela se refere em dois luga
res: "Eles alegam a palavra que o Salvador dirigiu a
seus apóstolos, reunidos no_JD.omento de subir ao céu:
'Expedit vobis ut ego vadam'. - � bom para vós que
eu me vá. Mas Teresa não admite que o texto se aplique
ao nosso caso e refuta, vigorosamente, o argumento:
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teria sido para eles um obstáculo n . 318 A alma que se exer
cita na oração mental já crê firmemente que Jesu.s é
Deus e homem; seu caso é, antes, semelhante ao da Vir
gem, "Mãe de Deus, a quem essa palavra jamais foi diri
gida, se bem que ela amasse o Salvador mais do que to
dos os apóstolos". 319 Se a presença humana de Cristo
foi sempre, para a Virgem santíssima, um estímulo para·
mais amar, igualmente o será para a alma amante que
souber utilizar como deve a lembrança de Josus Cristo.
Vimos Teresa bem decidida. Ela tomou posição con
tra os autores que pretendem possa a alma ajudar-se a
si mesma a progredir na contemplação, aconselhando,
em conseqüência, habituar-se a rejeitar na oração toda
imagem, mesmo a que representa Jesus Cristo. A Santa
não condena, na alma contemplativa, toda a tendência
a moderar o uso da imaginação, mas não admite de
modo algum que a alma afaste de si, de propósito deli
berado e com esforço, a lembrança de nosso Senhor.
Vejamos agora suas razões.
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-nos ao Senhor, pois fazer de outro modo seria faltar
à humildade, quando é exatamente a humildade que nos
dispõe melhor à contemplação.
Devemos, pelo contrário, ·pretender a todo preço a
perfeição da caridade, praticando com todas as nossas
forças as mais altas virtudes e exercitando-nos numa
vida generosa. Para atingir essa perfeição não temos pro
priamente necessidade da contemplação, mas temos ne
cessidade de Jesus: " Para a ela chegar, não é preciso que
o Senhor nos conceda grandes delícias espirituais; bas
ta o dom, que ele nos fez, de seu Filho, para nos ensinar
o caminho". 320 A via da santidade é imitar Jesus! Por
tanto, a alma que abandona Jesus sob pretexto de mer
gulhar mais profundamente na contemplação, estará pra
ticamente em contradição formal com as diretivas fun
damentais da doutrina teresiana: não se serve dos apoios
que Deus lhe deu para progredir na virtude e se intro
mete, com pouca humildade, na obtenção da contem
plação.
Teresa no-lo fará compreender muito claramente.
Falta de humildade
132
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do contra a humildade. " Eu estou persuadida de que,
quando uma alma faz qualquer coisa para se ajudar nes
sa oração de união, ainda mesmo que parecesse no prin
cípio realizar algum progresso, não tarda a cair muito
prontamente, como um edifício sem fundamento". 322
e
" ...este pequeno defeito de humildade parece nada en
tretanto, causa o maior prejuízo à alma que quer adian
tar-se na contemplação" . 323 Com efeito, a contemplação
requer como disposições fundamentais uma profundís
sima humildade, imensa abnegação e aquela pobreza de
espírito que "consiste", diz Teresa, "não em procurar
consolações e doçura na oração, após ter a elas renun
ciado aqui na terra, mas em encontrar sua felicidade em
sofrer por aquele cuja vida toda inteira foi uma cruz con
tínua". 324 Se quisermos atingir a contemplação é preciso
não querer procurá-la, afastando-se de Jesus, mas obtê-la
da misericórdia divina, conformando-se com Jesus.
Não, Teresa não pode admitir que nos entremeta
mos, por nossa própria indústria, no que depende total
mente de Deus:
" Devemos àndar com toda liberdade no caminho da
oração, entregando-nos nas mãos de Deus. Se Sua
Majestade quer nos elevar à dignidade de sua corte
e de seus mais íntimos amigos, a isso nos presta
mos com simplicidade; caso contrário, que o sirva
mos nos ofícios mais insignificantes e, como o te
nho dito algumas vezes, não vamos por nós mesmos
assentar-nos no melhor lugar". 325
Se Deus nos quer elevar, saberá fazê-lo sem que pro
curemos remover o obstáculo imaginário da lembrança
do Cristo, pois que ele não necessita de nossa ajuda.
" Oh! como Deus sabe bem, quando o quer, vir às claras,
sem empregar todos esses pobres e pequeninos meios.
Apesar dos nossos esforços, ele arrebata nosso espírito
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como um gigante a uma palha, sem que possamos resis
tir". Graciosamente continua: " Se ele quer fazer voar
um sapo, vai esperar que o sapo levante o vôo por si
mesmo? " 326 Portanto, até que apraza a Deus fazer-nos
voar, não devemos ter a pretensão de nos elevar por
nós mesmos. Aliás, todo o esforço em vista de elevar o
e.
nosso espírito mais do que Deus o quer, seria vão e
inútil. preciso contentar-nos com o dom de Deus, so
bretudo nos domínios dos favores gratuitos: " Se alguém
tem a voz áspera, apesar de todos os seus esforços não
conseguirá tomá-la agradável. Mas se Deus dignar-se dar
-lha befa, poderá cantar sem, antes se esganiçar" m, diz
Teresa.
Não querer ocupar-se com a lembrança de Cristo
é, por outro lado, outra falta de humildade:
134
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nossos cuidados ... em evitar... ter sempre presente a
santa humanidade ... isto, repito, parece-me inadmis-
sível" . 329
Desse ensinamento da Santa tiramos uma regra prá-
tica : quando desaparece a representação de nosso Senhor,
simplesmente em conseqüência de nosso recolhimento em
Deus, tudo vai bem; mas afastar de propósito deliberado a
imagem de Jesus Cristo, nem querer de maneira alguma
tê-la presente ao espírito - como se ela fosse um obstá
culo ao progresso da oração - é inaceitável. Teresa não o
pode suportar.
" Uma alma que segue esta via", diz ela, "parece-me
andar... no ar. Ainda que ela se creia cheia de Deus,
está privada de apoio, porque a prática de nos re
presentar nosso Senhor sob a forma humana é im
portante para nós, fracos mortais, enquanto vi
vemos aqui na terra". 330
O segundo motivo alegado por Teresa para rejeitar
esse método põe às claras quanto temos necessidade des
se apoio.
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abrigo do sol do verão, Teresa tinha sempre sobre seus
j oelhos uma pequena imagem do Menino Jesus. 333 As
sacudidelas e os choques do carro parecem embalar o
Infantezinho que ela contempla temamente. Então, aju
dada pela pobre imagem, o olhar interior da amante
contemplativa se eleva suavemente ao mistério do amor
do Verbo por nós. E seu coração de esposa, que quer se
imolar totalmente por ele, canta a embaladora canção
do " todo-nada" ( tudo-nada), da amorosa renúncia, que
um dos seus filhos devia um dia traduzir, em estrofes
imortais:
" Para venir a gustar le todo,
No quieras tener gusto en nada...
y cuando lo vengas dei todo a tener,
has de tenerlo sin nada querer". 334
" Para chegares a saborear tudo,
Não queiras ter gosto em nada...
E quando vie:res a tudo ter,
Hás de tê-lo sem nada querer".
Não, a humanidade de Jesus não impede a contem
plação; pelo contrário, provoca-a. Escutemos ainda os en
sinamentos da Santa, tão cheios de bom senso cristão:
"Não somos anj os, mas temos um corpo. �. pois, uma
loucura querer imitar anj o, quando se está nesta terra...
De maneira habitual, nosso pensamento tem neces
sidade de um apoio ". 335 "Viver separado de tudo o que
é corporal e estar sem cessar abrasado de amor é bom
para os espíritos angélicos; mas não é conveniente para
nós, que habitamos um corpo mortal". 336
Teresa mostrar-vos-á quanto isto é verdade, tanto pa
ra a vida de oração como na prática das virtudes.
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Jesus na oração 111ental
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to ? Que sabemos a esse respeito ? Não convém se intro
meter nos desígnios de De�!
"Guardemo-nos de esperar, ficando como estúpidos
e perdendo nosso tempo, aquilo que nos foi conce
dido apenas uma vez. Com efeito, nos princípios po
de muito bem acontecer que se passe um ano e
mesmo mais, sem que nosso Senhor renove esse fa.
vor. Sua Majestade tem suas razões: quanto a nós,
não procuremos sabê-las, pois que não é necessá
rio ". 339
Trata-se, por conseguinte, de fazer esforço ! " Seria,
pois, preciso", prossegue Teresa com graça, "que a alma
permanecesse na secura, esperando, como nosso Pai
Elias, que o fogo do céu venha consumar o sacrifício que
ela faz de si mesma ?! Certamente não ! Pois que não se
deve esperar milagres ". 340
Ponhamo-nos , pois, à obra!
" Sabemos por qual caminho podemos contentar a
Deus: é o dos mandamentos e dos conselhos evan
gélicos; andemos por ele diligentemente e pensemos
na vida e na morte de nosso Senhor, como também
em seus imensos benefícios. Tudo o mais virá quan
do Deus quiser". 341
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gurança. Esse dulcíssimo Mestre é a fonte de todos os
bens. � ele quem vos ensinará. Considerai sua vida; é
o mais perleito dos modelos ". 342 Mas, se não queremos
pensar em Jesus durante a oração, - conseqüência mui
to psicológica - sua lembrança não nos permanecerá
familiar durante o dia. O divino modelo não nos ficará
presente. Entretanto, temos uma verdadeira necessidade
do Cristo. Sem ele, nos sentimos excessivamente sós!
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sutilezas de alguns exegetas. "Alega-se que essas pala
vras devem se entender num outro sentido; o primeiro
é aquele que minha alma sempre sentiu ser o verdadeiro
e nele tenho-me achado muito bem". 345 Seu firme bom
senso cristão, esclarecido pela luz celeste - que lhe foi
concedida com tanta profusão - a tranqüiliza e assegu
ra que ela está na verdade. Não! Nunca mais Teresa se
separará de Jesus! Bastou-lhe ser enganada uma vez! Do
tempo em que ela não queria pensar em Jesus, diz: "Meu
espírito errava aqui e ali, assemelhando-se minha alma
a um pássaro que voej a sem achar onde pousar. Eu per
dia muito tempo, não avançava nas virtudes e não fazia
nenhum progresso na oração". 346 Teresa quer que nos
aproveitemos do seu erro momentâneo e que alimente
mos nossa vida espiritual com a contínua lembrança de
Jesus:
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A. intimidade com Jesus
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um tal abandono... 1! bom servir-se do raciocínio,
durante alguns instantes, examinando o motivo pe
lo qual nosso Senhor sofre, quem é aquele que so
fre e o amor com o qual sofre n. 351
Mas, embora conhecendo e estimando esses. meios
que aj udam o trabalho do intelecto ( meios muito reco
mendados pelos autores espirituais do seu tempo), Te
resa quer que dem95 mais largas ao coração em nossa
oração meditativa:
"Àqueles que se servem do discurso, recomendo não
empregar nele todo o tempo da oração... que eles se
conservem, portanto, assim como já o disse, na pre
sença de nosso Senhor, sem cansar seu intelecto;
que lhe falem e ponham sua alegria em se achar
com ele ... 352
...façamos-lhe companhia, falemos-lhe, exponhamos
-lhe nossos pedidos; humilhemo-nos e lembremo-nos bem
de que não merecemos estar em sua presença". 353 Ela
q uer, por todos os modos, tornar a oração mental mui
to fácil, e verdadeiramente é assim, quando se faz em
companhia do nosso - bom Mestre. Ensinando a oração
em seu Caminho de perfeição, Teresa conduz suas filhas
diretamente a Jesus. Escutemo-la:
"Antes de tudo se faz o sinal da cruz. Depois exami
na-se. a consciência e se recita o Confiteor. Logo em
seguida, minhas filhas, aplicai-vos em procurar
uma companhia, pois que estais sós. E, que melhor
companhia podeis encontrar que a do mesmo Je
sus?! ... Representai esse Senhor perto de vós e con
siderai com que amor e humildade ele vos ensina.
Acreditai-me; nada negligencieis, para q_ue nunca es
tejais sem um amigo tão fiel. Se vos habituardes a
considerá-lo perto de vós, se ele vê que assim fazeis
142
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com amor e que vos aplicais em lhe agradar, não
podereis mais, como se diz, livrar-vos dele. Jamais
vos faltará; em todos os vossos trabalhos ajudar
-vos-á e ·por toda parte andareis em sua companhia.
Pensais que seja pouca coisa ·ter tal Amigo per
to de vós ? " 354
Teresa quer que freqüentemente o olhemos: ...ainda
que por um instante, se não pudermos mais.. Uma vez
que podeis olhar os objetos mais horrendos, como não
teríeis a possibilidade de considerar o objeto mais ar
rebatador que se possa imaginar? Se não o achardes
belo, permito-vos que nunca mais o olheis! " 3SS Eis um
conselho muito prático para melhor se habituar a re
presentar nosso Senhor presente: " Um bom meio para
vos manter na presença do Senhor é ter uma imagem
ou pintura sua que seja do vosso gosto. Não vos conten
teis de trazê-la sobre vosso peito sem jamais olhá-la;
antes, servi-vos dela para vos entreterdes muitas vezes
com ele; então ele mesmo vos sugerirá o que tereis de
lhe dizer ". 356 Assim a alma entrará bem depressa na in
timidade de Jesus.
143
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neste mundo, ela ria interiormente. Uma vez que
o possuímos no Santíssimo Sacramento, tão verda
deiramente como então, que desejamos mais?" 358
Ela o " via n , com efeito, com os olhos da fé, ª e no
momento da comunhão pareceia vê-lo entrar em sua
alma, nem mais nem menos que com os olhos do
n
corpo . 359
Ela nos · ensina, pois, a aproveitar dessas visitas do
Se�or: " Quando acabardes de comungar procurai fe
char os olhos do corpo e abrir os da alma, pois que vos
encontrais com nosso Senhor em pessoa, e fixai o olhar
nele, em vosso coração". 360 Esse não é o momento de
ir rezar diante de um quadro de Cristo:
" Se assim o fizerdes, ficando .então a considerar uma
imagem do Cristo, seria a meu ver, uma extrava
gância... Pois que, não seria um desatino se, tendo
o retrato de uma pessoa que amamos e recebendo
a visita dessa pessoa, deixássemos de lhe falar, para
nos entretermos com seu retrato?" 361
� preciso, pelo contrário, entrar em contato ime
diato com nosso Senhor, realmente presente em nós.
Teresa cercava de tal devoção a presença real
da humanidade de Cristo, que recebia com prazer
particular uma hóstia grande, crendo talvez que nosso
Senhor permaneceria, por isso, mais longo tempo pre
sente nela. Quando era priora no mosteiro da Encarna
ção, sendo então o confessor S. João da Cruz, manifes
tou esse atrativo ao prudente diretor de almas; este,
temendo, sem dúvida, uma busca de prazer demasiado
sensível, quis mortificá-la. Um dia - era a oitava de S.
Martinho do ano 1 572 ( 18 de novembro) - no momento
em que Teresa se aproximava do comungatório, o Pe.
João partiu a hóstia e lhe deu apenas a metade.
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" Eu logo pensei ", conta Teresa, "que ele fazia isso ...
para me mortificar, pois que lhe tinha confiado mi
nha preferência pelas hóstias grandes, sabendo em
bora que isto não tinha nenhuma importância, já
que o Senhor está tanto e todo inteiro, mesmo na
mais pequenina parcela. Ora! Bis que Sua Majesta
de, querendo me fazer compreender que em ver
dade isto não importava, diz-me estas palavras:
'Não temas, minha filha; ninguém te poderá sepa
rar de mim' ". 362
� belo ver na Santa esta pronta reação da fé pura
e forte, que as palavras do Senhor vêm confirmar. Não!
Teresa não tinha necessidade de ser mortificada em sua
devoção; entretanto, a prudência vigilante dos minis
tros da santa Igreja está longe de ser inútil! Certamente
nossa fraca natureza pode abusar das menores coisas
e, mesmo na recepção de Jesus-Eucaristia, as ilusões po
dem se introduzír. Teresa nos fala no livro das Funda
ções, de duas religiosas que temiam morrer se não rece
bessem cada dia a sagrada eucaristia; uma delas julga
va mesmo que devia comungar " de madrugada". Que
rendo lhe fazer apalpar sua ilusão, "eu lhe disse", es
creve Teresa, "que eu também sentia esses mesmos de
sejos e que, apesar disso, ia me abster da comunhão;
ajuntava que se não o pudéssemos assim fazer, sem mor
rer... morreríamos todas três juntas ". 363 Assim foi feito;
mas, é claro, nenhuma morreu! ...
Em todas as práticas da religião Teresa se disti.Ii,rue
por um sólido bom senso; ela encarna a piedade sadia,
forte, católica. Na sua escola se está em sep.urança. Ela
nos mostra como convém procurar Jesus pela represen
tação imaginária, ou na sua presença real eucarística.
Nutridos por essa intimidade com ele, tornar-nos-emos
generosos. Resta-nos ver como podemos prolongar �sse
comércio de amizade com Jesus, mesmo quando a ora
çã·o se torna mais elevada.
362 Mercedes, n. 35 (18 de . novembro de 1572).
363 Fundações, cap. 6, n. 1 1 .
145
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A primeira oração da qual Teresa fala após a me
ditação, é a de recolhimento ativp. Nela, a alma perma
nece facilmente em presença de Cristo: "Recolhida den
tro de si mesma, pode meditar na paixão, reproduzir
mentalmente a imagem do Filho de Deus e oferecê-lo ao
Pai celeste, sem cansar o espírito indo procurá-lo no
Calvário, nQ Horto ou à coluna". 364
Jesus está, pois, muito perto; uma. vez que a alma
se habitua a considerá-lo dentro de si mesma, ele se tor·
na realmente mais íntimo. Teresa não se estende muito
sobre a maneira de praticar esta oração mais íntima; po
rém, as explicações que ela dará em seguida, tratando do
modo de agir de uma alma j á habituada à contempla·
ção, far-nos-ão compreender como nos devemos compor
tar. Tocamos, com efeito, no ponto mais delicado de to
da ascensão espiritual. Após a oração de recolhimento
vêm as orações místicas imperfeitamente passivas, da
via iluminativa; ora, precisamente à alma que começa
a ser nela introduzida é que c.ertos autores aconselham
abandonar a consideração do Cristo. Teresa, que "não
pode sofrer" semelhante ensinamento, como boa Mestra,
deve nos dizer como a alma, já contemplativa, ainda
pode se exercitar nessa consideração de Cristo. Com efei·
to, parece que tal alma não pode mais ·realmente me
ditar; mas, então, que fazer?
Jesus na contemplação
146
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por conseguinte, a meditação fosse o único modo de con
siderar atentamente Jesus Cristo e os mistérios da .san
tíssima humanidade, o contemplativo deveria forçosa
mente renunciar à mesma. Mas Teresa observa, com
grande habilidade, as diversas maneiras de proceder do
nosso entendimento e nota judiciosamente: " Uma coisa
é discorrer com o entendimento e outra é apresentar
verdades à inteligência com a cooperação da memó
ria" . 365 Em seguida ela explica mais claramente seu pen
samento:
" Chamo meditação o discorrer com o entendimento.
Por exemplo: pensamos primeiramente na graça que
Deus nos fez, dando-nos o seu Filho único e, sem
nos determos, vamos adiante percorrendo todos os
mistérios de sua gloriosa vida... ou também, se es
colhemos um mistério da paixão: a prisão de Jesus,
por exemplo, e vamos pensando e aprofundando
esse mistério, considerando-o em minúcias, tudo o
que pode tocar o espírito e comover o coração, co
.mo seja a traição de Judas, a fuga dos apóstolos e
assim por diante" . 366
Esta é a maneira habitual de meditar, gerando
em nós as afeições, levando-nos a conversar amorosa
mente com nosso Senhor.
Tratando-se de semelhante discurso intelectual, Te
resa admite francamente que as almas já contemplati
vas, dele são habitualmente incapazes. Mas, não há
outro modo, muito mais perfeito, de considerar os mis
térios de Cristo ? A priori podemos dizer que existe um:
"Quando essas pessoas afirmam que não se podem
deter nesses mistérios, nem os recordar freqüente
mente, sobretudo nas épocas em que a Igreja cató
lica os celebra, estão em erro; pois não é pos
sível que uma alma, assim favorecida por Deus, per-
147
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ca a lembrança de semelhantes provas de amor ( co
mo são as da santíssima humanidade ), centelhas
vivas, tão próprias para mais inflamar aquele que
muito ama a nosso Senhor". 367
Não nos parece ouvir aqui o mesmo bom senso cató
lico-? Certamente! Não é possível que a alma contempla
tiva não possa participar na vida da Igreja quândo esta
celebra os mistérios da Redenção! Seria absurdo! Deve,
pois, haver maneira de considerá-los, adaptada a seu
estado. " Essas pessoas", diz a Santa, "não se entendem
a si mesma" . 368 Teresa traz nova luz:
"A verdade é que a alma compreende· então esses
mistérios de maneira mais perfeita. O entendi
mento representa-os tão vivamente e sua memória
recebe deles uma impressão tão profunda, que só o
aspecto de nosso Senhor estendido por terra no jar
dim das Oliveiras, banhado de suor e sangue, basta
para ocupar não somente uma hora, mas muitos
dias. Por um simples olhar, ela considera a gran
deza daquele que sofre e a ingratidão - com a qual
temos correspondido a essa imensa dor. Talvez, até
sem ternura de devoção, logo a vontade é tomada
do desejo de pagar algo por tão insigne benefício,
sofrer algo por aquele que tanto sofreu por nós,
com outros desejos do mesmo gênero que ocupam
a memória e o intelecto" . 369
Portanto, sem realmente meditar, a alma é capaz de
se ocupar de Jesus. Mas em lugar de discorrer, ela se
contenta · com um simples olhar, mais profundo, toda
via, que as múltiplas considerações da meditação, e que
é como o .fruto das meditações anteriores. Esses sim
ples olhares geram um amor mais ardente e exci
tam à generosidade. Sendo, por outra parte, mais sim
ples, são mais duráveis. E Teresa nota que podem per-
148
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manecer atuantes durante vários dias. Donde conclui
remos que Teresa tan.i:...:::-
,.nnhece claramente a prática
de uma contemplação ativa. O modo que ela nos pro
põe de considerar Cristo depende da alma. A esse res
peito a Santa diz claramente: " Se a alma não pensa fre
qüentemente (em Cristo e · na sua paixão ), que se es
force por fazê-lo; sei que isto não porá obstáculo à mais
sub.lime oração e não· aprovo que deixe de exercitar-se
nisto muitas vezes". 370
Essa consideração não é, aliás, discursiva: o olhar
simples, profundo e sintético substitui os raciocínios
múltiplos da meditação e basta para produzir na alma
afeições e resoluções mais ardentes e mais eficazes que
aquelas procedentes do discurso.
Teresa, portanto, reconhece uma oração interme
diária entre a meditação e a contemplação experimental
mente infusa ; pode-se facilmente chamá-la contemplação
ativa ou adquirida. Semelhante contemplação tomar-se-á
a oração habitual da alma que já é mística, no tempo
em que não for favorecida por Deus pelas graças celes
tes mais particulares. Na via iluminativa, a contempla
ção ativa ou adquirida alternar-se-á freqüentemente com
a infusa. Assim o entende toda a escola teresiana.
149
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bom Jesus, não acertarão com o rumo; já será muito
n
se ficarem em segurança nos demais aposentos . 371 Sen
do Jesus nosso modelo e nossa luz, parece a Teresa que
sem ele jamais poderemos atingir uma perfeição moral
que dele devemos aprender. Ora bem! As últimas " Mo
radas" supõe a alma já muito perfeita. Por outro lado,
Teresa experimentou em sua própria vida como Jesus
pode intervir, de maneira mais direta, nessas últimas
" Moradas" . As visões intelectuais e mesmo imaginárias
da humanidade de Cristo ajudaram muito a alma da
Santa em sua ascensão para os cumes sublimes dos des
posórios e tnatrimônio espiritual. Falando do matrimô
nio espiritual, Teresa nota como as almas que a ele che
gam " não deixam de estar de uma maneira admirável
com Jesus Cristo nosso Senhor, o qual juntamente com
sua divindade e humanidade lhes faz fiel companhia". 372
Todavia, não pretendemos de modo algum afirmar que
� visões que acompanharam a celebração do matrimô
nio espiritual de S. Teresa pertençam à essência deste
estado sublime; elas provam, entretanto, e claramente,
que mesmo este estado de oração não exclui a presença
da humanidade de Cristo.
A mesma união mística, aliás, não desabrocha numa
perfeita conformidade com Jesus sofredor? Numa pági
na comovente do último capítulo do Castelo interior Te
resa nos recorda que todas as graças místicas têm por
n
fim, não "acariciar as almas , mas conduzi-las a uma
vida conforme à de Jesus Cristo, tornando-as aptas para
"muito sofrer". 373 A visão da cruz redentora nimbada
dos raios luminosos do amor fecha a série das mara
vilhas contempladas no castelo míst(co. E a alma aman
te abraça com paixão essa cruz do seu divino esposo Je
sus. A união mística transformante gue é, segundo o
ensinamento de S. João da Cruz, a "vida espiritual per-
150
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feita", 374 não deixa de nos "incorporar" totalmente a
Cristo e "identificar" com a sua, a nossa vida.
Concluamos com Teresa : a alma jamais deve, no cur
so de sua vida espiritual, se desprender de Jesus. Pelo
contrário! Jesus permanece sempre o seu mais poderoso
apoio, seu mestre, sua luz, sua " vida " e também seu
"fim". Sim, Teresa tem razão de querer ser sempre "de
Jesus".
Conclusão geral
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Na escola de Teresa não se conhece medida p� o dom!
Dá-se tudo!
Contudo, o grande coração de Teresa compreende
instintivamente as leis do amor. Ela sabe que o amor
intenso tem necessidade da presença do Amado: quem
ama quer também ser amado. Ela convida ao amor
ativo, generoso e total, mas quer também que não po
nhamos limites às nossas aspirações de amor. Sabendo
que Deus admite de bom grado em sua intimidade a
alma que se dá totalmente a ele, Teresa permite à alma
generosa aspirar à contemplação. Ao lado do ideal da
doação total, ela propõe um segundo: o ideal contem
plativo, a intimidade com o Senhor, experimentada des
de esta vida. Esse ideal aparece como um complemento
do primeiro, pois que pertence à mesma vida de amor,
a qual não é completa sem a reciprocidade no amor.
A esse duplo ideal a alma ordena toda a sua vida.
Entretanto não os pretende de uma maneira igualmen
te absoluta. Quer realizar, a todo custo, a doação total,
enquanto que diante da intimidade divina ela se sente
sempre sem nenhum mérito e se abandona ao bel-prazer
de Deus.
Todavia, saber que Deus concede sempre sua inti·
midade à alma totalmente generosa é um agradável con
forto e um estímulo poderoso para a prática das virtudes.
A plenitude do ideal que nos propõe permite a Teresa
pedir com mais insistência a totalidade de nosso esforço
ascético. Com efeito, a contemplação não pei tence a
qualquer via de santidade, mas somente à via 3uperior
da generosidade plena. A ascese proposta por Teresa é
severa, mas se envolve na cálida luz do amor. Ela . re
quer a nudez de espírito, mas, como meio preparatório
para gozar de Deus, na plenitude da vida de amor. O
amor tem, portanto, exigências que o mais austero espí
rito de penitência jamais atingiria. Porque o amor exige
não apenas "muito ", mas exige "tudo " . Contudo, · a es
perança de gozar do amor suaviza o sacrifício. Não! A
ascese do Carmelo não pode ser declarada " rígida" e,
seria preciso acabar inteiramente com o erro com que
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se pinta o Doutor do Carmelo, S. João da Cruz, como
um homem duro e implacável. Para S. João, a cnµ é
amável porque conduz à união com Deus.
As belezas da vida contemplativa, descritas com
tanta magnificência no Castelo interior, são bem próprias
para excitar os desejos ardentes de um coração amante.
Novos horizontes se abrem ao olhar da alma; imensas
riquezas se manifestam acessíveis, mesmo aqui na terra,
e a alma repete com Teresa: "Ah! como tudo o que faze
mos é um nada! E - se temos a esperança de gozar
desde ·esta vida de tamanha felicidade - que fazemos
nós?... Em que nos detemos?" 37s
Sim, a espiritualidade de Teresa é bem alta e supe
rior é o ideal que nos propõe. Trata-se de uma singular
plenitude de amor: a doação total da alma a Deus, acom
panhaêla freqüentemente da doação de Deus à alma; e
para nos conduzir a esses cumes, a generosidade plena,
nutrida da doce esperança de chegar à intimidade divina.
Posto que permitindo à alma nutrir aspirações su
blimes, Teresa a mantém; entretanto, no terreno prático;
é o que confere à sua doutrina uma nota particular de
segurança e solidez. Teresa propõe à alma o ideal con
templativo, mas não fez dele o acabamento de seu edi
fício doutrinal. A "meta" onde quer levá-la, o "centro"
para o qual converge o conjunto de seus ensinamentos,
é a perfeição da caridade, concebida como uma doação
total e atual da alma a Deus, isto é, como um exercício
completo de virtudes muito elevadas, coadjuvado por
um amor ardentíssimo. Para atingir tal cume, a alma
evidentemente deve aplicar-se inteiramente à prática das
virtudes.
:8 verdade que Teresa vê também na contemplação
um meio muito eficaz para atingir essa perfeição moral
superior; permite à alma aspirar à mesma e a ela ten
der, mas proíbe terminantemente todo esforço direto
para obtê-la, enquanto recomenda com insistência a
375 Castelo interior ou moradas, "Sextas Moradas", cap. 4,
n. 10.
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aqws1çao de uma disposição que lhe é habitualmente
indispensável. Esta disposição é o exercício eminente das
virtudes: a abnegação total e o recolhimento contínuo.
A doutrina teresiana concentra, pois, toda a imediata
preocupação da al.ma na aquisição das virtudes. Não é
somente uma doutrina emin�ntemente mística, que abre
horizontes ilimitados às nossas aspirações íntimas, mas
é também uma doutrina profundamente ascética, que
mergulha a alma na abnegação e na imolação. Ela não
se contenta com grandes desejos, mas quer obras mag
nânimas.
Ainda mais: ensinando a alma a se apoiar através
de tudo em Jesus Cristo, diretamente lhe indica a fonte
de toda virtude generosa. Teresa quer que a alma viva
na intimidade de Cristo e que ame sua humanidade,
e,catamente para dela f�er o modelo de sua vida. Quer
que seu desejo mais profundo seja o de se conformar
com ele no sacrifício total de si mesma para o bem
das almas. A plena conformidade a Jesus crucificado é
o último termo para o qual tende a Santa nesta vida.
Mesmo as graças contemplativas que nos são concedi
das por Deus têm por fim dar a força de imitar Jesus
" no muito sofrer". 376
Jesus é também mais caro a Teresa que a mesma
contemplação. Jesus é mais indispensável que a oração
mística. Sem ela se pode chegar à santidade, mas sem
Jesus, nunca! Ele é o modelo da nossa santidade!
Teresa, ainda menina, contemplando o quadro da
n
Samaritana, rezava: " Senhor,. dá-me dessa água . 377 En
tão, por que na idade madura, engolfada na via de união,
suspira ardentemente: " Sofrer ou morrer ? 378 - Porque,
n
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1NDICE
7 Prefácio do Autor
10 Introdução
14 A PERFEIÇÃO MORAL
15 O livro da Vida
17 O Caminho de perfeição
19 Pensamentos sobre o amor de Deus
21 O livro das Fundações
22 O Castelo interior
25 O amor do próximo
26 O ideal apostólico
29 Caráter prático da doutrina teresiana
31 O ideal carmelitano
33 A alegria teresiana
34 Conclusão
37 O IDEAL CONTEMPLATIVO
39 Diversas acepções do vocábulo " contemplação"
41 Contemplação e perfeição
45 O "atalho"
47 A contemplação ordinária nas almas generosas
53 Aparente contradição
57 A disposição para a contemplação
61 Conclusão
67 O CAMINHO DE PERFEIÇÃO
69 Estrutura do livro
77 A virtude generosa
79 A caridade fraterna
81 O desprendimento absoluto
85 A humildade profunda
87 A oração ativa
92 Conclusão
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95 O CASTELO INTERIOR
97 O palácio da intimidade divina
99 As sete "Moradas" e as
três vias
n
100 As três primeiras " Moradas
104 As " Quartas Moradas"
109 As "Quintas Moradas "
1 1 3 As " Sextas Moradas"
1 16 Visões e revelações
117 As " Sétimas Moradas n
120 A união de conformidade
121 Conclusão