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ATENÇÃO AO PACIENTE DE

MEDICINA TRADICIONAL CHINESA


UNIDADE III
OBSERVANDO O PACIENTE
Elaboração
André Teves Aquino Gonçalves de Freitas

Produção
Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração
SUMÁRIO

UNIDADE III
OBSERVANDO O PACIENTE............................................................................................................................................................... 5

CAPÍTULO 1
A FISIOGNOMONIA....................................................................................................................................................................... 5

CAPÍTULO 2
A FISIOGNOMONIA APLICADA À MTC.................................................................................................................................. 7

CAPÍTULO 3
O DIAGNÓSTICO POR OBSERVAÇÃO.................................................................................................................................. 11

CAPÍTULO 4
O INTERROGATÓRIO.................................................................................................................................................................. 15

REFERÊNCIAS................................................................................................................................................18
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OBSERVANDO O PACIENTE UNIDADE III

Capítulo 1
A FISIOGNOMONIA

1.1. O que é fisiognomonia


Fisiognomonia é nome dado ao estudo da face, dos traços, das expressões, na busca
por compreender, por meio dos reflexos externos, o interior. Essa é uma prática muito
antiga. Pensando que sempre buscamos identificar uma pessoa pela sua face, é nosso
cartão de visitas. Na maioria das vezes, podemos perceber facilmente o estado de espírito
de uma pessoa e sua saúde apenas olhando para seu rosto.

A expressão é algo extremamente individual, permitindo uma leitura precisa do


inconsciente de cada um. Muitas vezes usamos nossa consciência para mascarar um
sentimento, disfarçar uma dor, seja por meio de uma expressão forçada ou de recursos
como a maquiagem, mas, olhando a fundo, nosso inconsciente sempre se faz presente.

A partir dos anos 60, muitas pesquisas surgiram na àrea, mostrando, por exemplo, em
um trabalho de Ray Birdwhistell, que nossas expressões, denominadas como componente
não verbal, correspondem a mais de 65% das nossas percepções em uma relação direta
com outra pessoa, enquando o componenete verbal fica limitado a 35%.

Outra pesquisa, de Martinez (1999) mostrou a importância das nossas expressões por
meio da correlação entre a fala e a musculatura, afirmando que, a cada sílaba, movemos
cerca de 72 músculos do nosso corpo. Além disso, o pesquisador mostrou que expressões
caracterizadas puramente por contrações musculares têm forte poder de contágio: o riso
contagia 50% das pessoas ao redor, enquanto o bocejo, 90%. Esses dados mostram o
quanto nossas expressões são facilmente compreendidas, assimiladas e geram respostas
das pessoas com quem socializamos.

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1.2. Fisiognomonia e MTC


Os primeiros relatos formais do estudo da face são da Índia, onde os antigos povos
estudavam as origens das rugas. Na China, a fisiognomonia foi desenvolvida por Pen
Chiao, ampliada para um método de diagnóstico, relacionando diretamente a face com
os órgãos internos e sentimentos, seguindo a teoria dos 5 elementos.

O uso da face como diagnóstico é um importante recurso da Medicina Tradicional


Chinesa, consistindo na análise detalhada de rugas, sinais, manchas, regiões de inchaço
e o próprio formato natural do rosto. Alguns desses sinais funcionam como marcas
externas de nossos desequilíbrios internos.

Existem algumas adaptações modernas devido às variáveis que surgiram com o avanço
da humanidade, como a expectativa de vida e a implementação aos diferentes sexos e
etnias, já que a técnica foi desenvolvida especificamente para os homens asiáticos. Por
esse motivo, quando consultamos a literatura clássica, devemos compreender que são
necessárias adequações de acordo com o indivíduo avaliado, seu sexo, cor de pele e idade.

Por exemplo, tradicionalmente a face é dividida em 3 eixos, correspondentes às faixas


etárias de 1 a 28 anos, 29 a 50 anos e 51 a 75 anos, pela expectativa de vida da época.
Hoje, essa divisão sofreu uma alteração, e consideramos as seguintes partes:

» parte superior (da linha do cabelo até as sobrancelhas): chamada de céu, corresponde
aos eventos da nossa formação pessoal e profissional, de todo o nosso desenvolvimento
e capacidade intectual e de raciocínio, tendo também correlação com a fertilidade.
Corresponde à nossa vida até uns 35 anos de idade;

» parte média (das sobrancelhas até a base do nariz): corresponde à nossa fase
adulta, mais estável nos relacionamentos e no trabalho, aproximadamente entre
os 35 e os 60 anos;

» parte inferior (da base do nariz ao queixo): parte relacionada aos eventos da nossa
velhice, refletindo o que vivemos a partir dos 60 anos.

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Capítulo 2
A FISIOGNOMONIA APLICADA À MTC

2.1. Os 5 elementos e o paciente


Nossos órgãos e vísceras refletem em locais específicos no rosto, facilitando a identifcação
de seus distúrbios internos, como vemos na Figura 5. Os rins têm correspondência
na parte inferior e lateral dos olhos (a perda de Jing, que leva ao envelhecimento, faz
aparecer rugas nessa região, chamadas popularmente de “pés de galinha”) e também na
região inferior da boca, sendo que o queixo corresponde ao seu par, a bexiga urinária.

Já na região inferior medial dos olhos, temos a correspodência do fígado, muito associado à
presença de olheiras. O fígado também reflete na região da testa, na linha das sobrancelhas,
de forma que a raiva costuma causar rugas verticais nessa região, onde temos também
reflexo da vesícula biliar.

O coração se reflete ao redor do nariz, e logo abaixo dele, entre nariz e boca, encontramos
a correspondência do baço-pâncreas, presente também na região medial da testa. O
estômago se reflete na região do terceiro-olho, entre as sobrancelhas, e também nas
bochecas (é muito comum o aparecimento de espinhas nessas regiões, associadas ao
excesso de energia Yang nesses órgãos e vísceras).

Figura 5. Reflexos dos zang-fu na face.

Fonte: autoral.

Por fim, temos os reflexos de Pulmão e Intestino Grosso, sendo que o primeiro aparece
logo abaixo do nariz, na região lateral, e o segundo nas laterais da boca. Disfunções no

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elemento metal, ao qual pertencem, levam ao aparecimento de uma ruga bem nessa
região, conhecida popularmente como “bigode chinês”.

2.2. As características de cada elemento


Cada pessoa tem um biotipo de acordo com seu elemento predominante, de forma que
podemos identificar, por meio do rosto de cada um, características desse elemento e
traços de sua personalidade. O elemento predominante indica também tendências a
desequilibrios específicos, aos quais devemos no atentar, mesmo na ausência de qualquer
queixa, trabalhando de forma paliativa.

O biotipo água é muito comum em pessoas baixas e com sobrepeso; apresenta um


formato de rosto mais arredondado, em que quase não vemos a estrutura óssea, e a boca
se destaca. A coloração da face é escurecida. É o mais flexível dos elementos, podendo
de adaptar às mais diversas situações. São pessoas talentosas e dedicadas, mas com uma
tendência emocional à insegurança e até pânico. Podem desenvolver problemas ósseos
e dos sistemas genital e urinário, problemas articulares (principalmente nos joelhos),
dores lombares e edemas.

O biotipo madeira tem um rosto alongado e ovalado, de aparência firme, geralmente com
as orelhas compridas, o nariz reto, sulcos profundos e as sobrancelhas longas e finas. A
coloração do rosto é esverdeada. Tende emocionalmente à incoerência e rigidez, podendo
guardar muita mágoa e rancor, de forma autoagressiva, mas é amável, solidário, tenaz,
confiante, expressivo, um bom líder. Os distúrbios mais comuns são os metabólicos e
problemas nos tendões, limitações na articulação do ombro, dores de cabeça e insônia.
Esses individuos geralmente possuem maior produção de testosterona, o que pode
refletir em maior atividade sexual e força muscular.

O biotipo fogo é o mais violento dos elementos. Apresenta um rosto fino, pequeno, ou
em formato hexagonal (parte média mais larga), com destaque para a testa pontuda. A
coloração do rosto é avermelhada. São pessoas corajosas, ágeis, expansivas, impetuosas,
impactantes, inteligentes, mas predomina a tendência à ansiedade e à instabilidade
em suas ações e pensamentos. Podem se tornar ambiciosos demais, cruéis, temidos,
explosivos e com dificuldade nos relacionamentos. Os problemas cardiovasculares,
hipertensão, hiper-hidrose e alterações na articulação do punho são comuns. Devido à
ansiedade, é comum a hiperatividade infantil, dificuldade de concentração e o hábito
de roer as unhas.

O biotipo terra apresenta o rosto redondo e compacto, pesado, com estruturas fortes, nariz
evidente, boca e orelha grandes e sobrancelhas grossas. A coloração da face é amarelada.

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Emocionalmente são tranquilos, confiáveis, reservados, mas podem se tornar firmes


demais, exigentes, com uma forte tendência à imperfeição e ao desenvolvimento de TOC
pela constante busca da perfeição. Podem surgir problemas digestivos e musculares,
limitações na ATM, gastrite e forte tendência à obesidade.

O biotipo metal apresenta um rosto de traços fortes, quadrado, geralmente com a


mandíbula e os ossos visíveis. A testa é larga, a boca grande, queixo quadrado e a pele
bem clara. Emocionalmente, tendem à constante insatisfação, depressão emocional e
grande dificuldade com as mudanças, pois são firmes demais, confiantes e corajosos.
As patologias que predominam são as respiratórias, intestinais e cutâneas, além das
alergias, rinites, sinusites e problemas na articulação do cotovelo. Quando associado ao
hipotireoidismo, a frouxidão ligamentar e o cansaço mental podem aparecer.

2.3. Observações específicas da fisiognomonia


Primeiramente, vale lembrar que as pessoas possuem características de diferentes
elementos, geralmente com predominância de um ou outro, mas dificilmente
encontraremos pessoas com todas as características de um elemento específico. Em
algumas partes do rosto, podemos observar outras tendências de personalidade de cada
pessoa, independentemente de seu elemento predominante.

As orelhas mais altas, que ultrapassam as sobrancelhas, indicam inteligência e longevidade,


enquanto as orelhas baixas, abaixo do nariz, determinação, perseverança e longevidade.
Nos lóbulos grandes, carnudos e longos temos a indicação de felicidade, sexualidade
exacerbada e riqueza, enquanto nos lóbulos pequenos, finos e curtos podemos encontrar
problemas nos relacionamentos e na vida sexual.

A testa pode ser dividida em várias regiões em sua análise, chamadas tradicionalmente
de palácios. No centro da testa, temos o palácio da carreira, que é próspera quando
vemos uma testa lisa, sem rugas, brilhante. Nas laterais, temos o palácio dos pais, que
indica nossa relação familiar com os pais, como interagimos com eles e como os vemos.
Bons relacionamentos levam a regiões claras, sem manchas escuras. O aparecimento
de manchas, cabelos e rugas na região podem indicar um mau relacionamento entre a
pessoa e seus pais ou diretamente entre os pais (como um divórcio).

Nas sobrancelhas grossas, temos a indicação de coragem, franqueza, lealdade, sexualidade,


impaciência e autoritarismo. Já quando são finas, indicam tendência ao conservadorismo,
baixa libido e excesso de organização. Sobrancelhas longas são sinais de longevidade e
expansividade, enquanto as curtas demonstram timidez, introspecção, solidão.

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Os olhos grandes são indicativos de pessoas movidas pela emoção, com dificuldade de
lidar com as questões financeiras e demais assuntos que precisam de razão. O oposto,
olhos pequenos, indica justamente o predomínio da razão sobre a emoção. A forma de
olhar também nos mostra características importantes, de fácil observação enquanto
conversamos com o paciente e fácil de avaliar a mudança durante o tratamento: um olhar
direto, olho no olho, indica confiança, sinceridade, transparência, segurança. Quando o
olhar foge do contato direto, é um sinal de medo, mentira, incerteza. Já quando o olhar
é para cima da cabeça, a indicação é de autoritarismo ou arrogância.

Nas narinas, quando grandes e largas, temos energia mental em abundância, com
facilidade para o empreendedorismo. As narinas pequenas indicam maior submissão e
fraqueza, com dificuldades em empreender. Quando a ponta é arrebitada, temos uma
tendência ao bom humor, autoconfiança e maior segurança, enquanto seu oposto indica
liderança profissional e familiar, seriedade e tendência ao autoritarismo e intolerância.

Na boca, podemos observar sua morfologia e postura. Quando ela fica sempre aberta,
temos uma deficiência no Qi dos pulmões e presença de calor. Se fica parcialmente aberta,
pode haver excesso de Yang no coração. Um desvio permanente indica deficiência de
Qi e Xue, geralmente associados à baixa autoestima. Um desvio momentâneo indica
estagnação do Qi do fígado, podendo ser resultado de impaciência, agitação ou irritação.

A coloração dos lábios é saudável quando é rosada, tendo os dois extremos de cor (arroxeada
ou pálida) como desequilíbrios de calor/Yang ou frio/Yin. Os lábios finos indicam
determinação e conservadorismo, enquanto os lábios grossos indicam honestidade,
emotividade, lealdade e sexualidade aflorada. A boca é conhecida como o palácio dos
relacionamentos, de forma que por meio dela podemos entender a facilidade em se
relacionar e a qualidade dos relacionamentos do nosso paciente.

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Capítulo 3
O DIAGNÓSTICO POR OBSERVAÇÃO

3.1. O início da observação


O diagnóstico por observação é geralmente o primeiro passo em todo o processo de
diagnóstico e tratamento, envolvendo tanto a observação do todo quanto de partes
específicas do corpo do paciente.

Iniciamos sempre pelo conjunto, assistindo o paciente em todos os gestos, trajes e


comportamentos desde o momento em que ele chega ao local de atendimento. Partindo do
princípio de que o paciente buscou um tratamento por possuir uma síndrome (partimos
dessa ideia, pois, culturalmente, no ocidente, não se tem o costume de buscar propostas
preventivas, como fazem os orientais; por isso, marjoritariamente, a busca pela Medicina
Chinesa é para um tratamento), podemos logo definir o padrão Yin ou Yang ali presente:
se observarmos disposição, um olhar brilhante, boa locomoção, agitação, ansiedade,
uso de poucas roupas (indicando calor – o que deve ser correlacionado à temperatura
externa), temos uma síndrome Yang, invasão de calor ou excesso de energia. Já quando
o paciente chega devagar, com timidez, fraqueza, mais agasalhado que as outras pessoas,
com as mãos frias, temos uma síndrome Yin, um quadro de invasão de frio ou de
deficiência energética.

Quando um paciente apresenta uma invasão de vento, podemos identificar facilmente


pela presença de espasmos ou alguma paralisia. Quando a invasão se associa a uma
deficiência de Xue, temos tremores de membros ou pálpebras.

3.2. A observação dos detalhes


Partimos então para observações mais minunciosas, os detalhes de cada pessoa, seus
traços, colorações. Iniciando pela cor de rosto, uma pessoa saudável sempre terá um
rosto corado, brilhando, enquanto a presença de uma patologia crônica e/ou grave deixa
o rosto opaco, pálido.

Quando um paciente apresenta um quadro de invasão de vento, a face adquire uma


coloração com tom mais azulado e opaco, enquanto uma face mais avermelhada indica
a invasão de calor. Se temos a coloração amarela, a umidade está presente, uma face
pálida indica deficiência de energia, e a face mais escurecida indica um padrão de frio.

Quanto aos lábios, sua coloração saudável também é rosada, sendo que a palidez indica
uma deficiência de Xue, e a vermilhidão excessiva a presença de calor e excesso de

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energia. Se o paciente permance com a boca aberta, a sindrome é de deficiência de


Qi; no caso oposto, uma boca sempre fechada é um excesso de Qi. Quando os lábios
estão muito secos, apresentando descação e rachaduras, a deficiência energética está
no Jin-Ye. Vale ressaltar que, na obervação da coloração da face e dos lábios, devemos
considerar o uso de maquiagem e, se necessário e possível, solicitar ao paciente que
compareça nas próximas sessões sem maquiagem. É importante também verificar se
o paciente realizou aplicação de botox ou algum outro tratamento estético que altere a
aparência natural do rosto.

Ao obervar os olhos, e para isso a empatia de conversar com uma pessoa “olho no olho
ajuda muito, podemos correlacionar uma coloração amarela, assim como na medicina
ocidental, com alterações no fígado. Um quadro em que há peso nos olhos, cansaço
ou congestão indica deficiência de energia Yin ou ainda presença de calor. Quando as
pálpebras estão inchadas, é sinal de que o Jin-Ye está estagnado, podendo ter deficiência
de baço-pâncreas ou síndrome de calor e vento no fígado, caso o inchaço acompanhe
vermelhidão. A deficiência dos rins resulta em midríase.

Nos períodos de inverno e do alto verão, aparecem mais alterações na região nasal,
como coriza, por presença de frio ou vento. Se essa coriza for pegajosa, a invasão já é
mais profunda, indicando que o calor ou vento adentraram as camadas mais internas.
Um estado purulento é sinal de que a deficiência atingiu os pulmões.

3.3. O diagnóstico pela língua


A inspeção da língua como forma de diagnóstico é uma das mais clássicas marcas
da Medicina Tradicional Chinesa, passada por gerações como uma verdadeira arte e
patromônio da humanidade, demandando longos estudos, observações e dedicação. Para
sua realização, devemos pedir que o paciente coloque a língua toda para fora, sempre
explicando o motivo do pedido para que o paciente compreenda o que está acontecendo
e colabore, mesmo sendo tímido. A língua deve ficar relaxada, de forma que as bordas
não subam e a deixem com formato côncavo.

É importante ressaltar que a iluminação do ambiente deve permitir uma boa anamnese
da língua. Além disso, devemos questionar o paciente sobre o consumo de balas, chicletes,
cafés e outros alimentos ou bebidas que podem alterar a coloração natural da língua. O
mesmo vale para o cigarro. A partir dessa checagem, iniciamos a avaliação da língua.

No corpo da língua, vamos observar sua morfologia, coloração e movimentação. Iniciando


pela morfologia, se observamos uma língua ressecada, com aspecto envelhecido, grossa

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Observando o paciente | UNIDADE III

e enrijecida, é um sinal da presença de calor, enquanto características opostas, como


umidade, brilho, aparência fina e mole indicam a presença do frio e deficiência do Qi.

De maior grau de dificuldade, mas grande importância, o exame das papilas também
nos dá informações. Quando as papilas estão altas e separadas, temos a presença
de calor, muitas vezes associada a doenças infecciosas. A ausência ou mesmo uma
grande diminuição das papilas indicam uma deficiência do Qi do rim ou um quadro
de deficiência geral (em quadros mais avançados). Por fim, quanto à movimentação,
devemos observar se a língua tem alguma paralisia ou tendência a se desviar para um
dos lados. Se apresentar tremores, observados principalmente na ponta da língua em
exposição, temos uma deficiência de Xue ou de Yang.

Na camada superficial da língua, devemos analisar sua coloração própria e sua qualidade,
para entender a relação que existe entre o Wei Qi e a patologia instalada. Quanto mais
espessa for essa camada, que recebe o nome de saburra, mais grave é a patologia, podendo
ainda estar associada à presença de catarro espesso. Uma língua saudável apresenta
um nível intermediário de umidade, de modo que os extremos de secura ou umidade
são sinais patológicos, com síndrome de calor (que na maioria dos casos se apresenta
com fissuras pelo corpo da língua), deficiência grave de Qi ou deficiência de Jin-Ye no
primeiro caso e de frio e umidade no segundo.

Uma língua pegajosa, com saburra aderente, revela distúrbios de secreção no organismo,
sendo mais pegajosa à medida que se agrava a doença. Já a ausência completa de secreção
revela uma deficiência no Wei Qi, também relacionada a problemas gástricos quando
acompanhada de vermelhidão.

Uma saburra saudável deve ser fina e levemente esbranquiçada e brilhante. Quando
ocorre uma invasão de calor, a saburra fica amarelada, com intensidade proporcional de
cor, chegando a apresentar fissuras e ressecamento na Síndrome do Fogo. Uma doença
crônica, avançada, deixa a camada superficial acinzentada, podendo ainda se associar
a umidade acentuada na presença de frio e deficiência do Qi e atingir a coloração negra
em casos de agravo extremo.

Como a língua é um microssistema, ou seja, uma área que representa todos os pontos do
corpo, temos relação direta entre essas alterações e os órgãos e vísceras, de acordo com a
região da língua em que elas aparecem. As alterações na ponta da língua se correlacionam
com o coração e com o pulmão. A região central representa o baço-pâncreas e o estômago.
A base, bem ao fundo, correlaciona-se com os rins, bexiga e intestinos, e as laterais com
o fígado e a vesícula biliar.

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UNIDADE III | Observando o paciente

Figura 6. Representação da correspondência dos Zang Fu na língua.

Fonte: autoral.

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Capítulo 4
O INTERROGATÓRIO

4.1. O interrogatório
Outro momento do diagnóstico, o qual eu julgo ser o mais importante, é chamado de
interrogatório. Embora a Medicina Tradicional Chinesa valorize muito os diagnósticos
pela língua e pelo pulso, que são verdadeiras artes, eu acredito que o interrogatório se
sobressai no ocidente. Isso se dá pela conexão que ele promove. É um diálogo (poderia
até dizer que o termo interrogatório soa um tanto agressivo), o momento de conversar
com o seu paciente e ouvir tudo o que ele tem para contar.

As perguntas dirigdas ao paciente (ou a seu acompanhante, no caso de crianças ou


pacientes com dificuldades de comunicação) têm a intenção de entender todo o processo
que o levou a suas queixas, deixando explicar, à sua maneira, tudo que sente. Mesmo nos
atendimentos a menores de idade e pacientes com dificuldades ou idade muito avançada, é
importante dirigir a palavra diretamente a eles, criando o vínculo, deixando-o se expressar
e, em sequência, confirmando ou complementando as informações diretamente com o
responsável. Algo comum na prática clínica é um paciente ser indicado por outro, ou um
responsável procurar para o agendamento e contar previamente o que está acontecendo,
muitas vezes trazendo informações que o paciente omite nas primeiras sessões. Quando
temos essas informações prévias, nunca devemos expor ao paciente, mas saber conduzir
a conversa de forma que ele se sinta confortável para falar sobre as queixas.

Todos os questionamentos têm a função de descrever o processo patológico, identificar o


início da doença, sua causa, evolução, todo o histórico do paciente e a localização da dor
ou desconforto, assim como os hábitos de vida, os hábitos alimentares e outros dados
que possam ser relevantes dentro do quadro. Ainda assim, é importante que o terapeuta
mantenha o foco na queixa principal, pois foi esse o motivo que levou o paciente a buscar
tratamento e provavelmente o sintoma que mais o incomoda. Mas isso não significa
que não deva interrogar todos os aspectos da vida do paciente, fundamentais para um
diagnóstico completo e correto, pois queixas importantes podem estar correlacionadas.

4.1.1. As 16 perguntas

Inicialmente, os grandes mestres chineses elencavam 10 perguntas fundamentais para


o interrogatório, por meio das quais poderiam identificar todo o processo patológico e
conhecer seu paciente. Com o passar dos anos, os perfis mudaram, as pessoas passaram
a ter novas fontes de desequilíbrios, e a MTC seguiu se modernizando, ampliando para

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UNIDADE III | Observando o paciente

16 o número de perguntas, sempre com a finalidade de avaliar os sinais e sintomas que


o paciente apresenta.

Essas perguntas se relacionam a:


1. dor;
2. alimento e sabor;
3. fezes e urina;
4. sede e bebidas;
5. níveis de energia;
6. cabeça, face e corpo;
7. tórax e abdome;
8. membros;
9. sono;
10. transpiração;
11. ouvidos e olhos;
12. sensação de frio, calor e febre;
13. sintomas emocionais;
14. sintomas sexuais;
15. sintomas das mulheres;
16. sintomas das crianças.

4.2. A empatia
Além da importância do interrogatório para entender as queixas de seu paciente, mapear
seus sintomas, identificar os principais desequilíbrios e suas causas secundárias, o diálogo
é parte do processo de identificação pessoal, do vínculo, da confiança, da humanização.

Muitas vezes o paciente demora para se abrir e até mesmo para identificar todas as suas
queixas, de forma que o diálogo mais leve, sem tom de interrogatório, pode ajudar muito
o terapeuta nesse processo.

Todavia, o diálogo nem sempre é fácil e bem-vindo para o paciente. O processo tem
que ser natural para todos os envolvidos. Alguns pacientes, por perfil natural ou em
decorrência do seu quadro patológico, não querem conversar, não se sentem dipostos

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Observando o paciente | UNIDADE III

ou confortáveis com isso e devem ser respeitados. Para esses casos, recorremos aos
diagnósticos por observação, somado ao que o paciente se dispuser a relatar.

Esses bloqueios de diálogo costumam ser quebrados ao longo das sessões, conforme
o paciente ganha confiança em seu terapeuta, conhece os procedimentos e gosta
dos resultados. Com isso, é muito comum na prática clínica o diganóstico contínuo,
complemetando-se ao longo de todo o tratamento, por mais longo que seja.

Identificar o perfil do seu paciente e saber conduzir a conversa, respeitando seus limites,
é um dos pontos mais importantes para a boa prática clínica.

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REFERÊNCIAS

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