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DESIGN ARTE MODA E TECNOLOGIA

Somente artigos da linha de pesquisa


Design, Arte e Moda: Inter-relações

Organização
Gisela Belluzzo
Jofre Silva
DAMT: Design, Arte, Moda e Tecnologia

Organização
Gisela Belluzzo
Jofre Silva

Concepção Projetual e Produção Digital


Magda Martins
Jorge Paiva
Leandro Fanelli
Mayra Mártyres

Promoção
Universidade Anhembi Morumbi
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Universidade Estadual Paulista -UNESP/Bauru

D172

DAMT: Design, Arte, Moda e Tecnologia / Organização Gisela Belluzzo e


Jofre Silva. – São Paulo: Edições Rosari, 2010.

Vários autores.
ISBN 978-85-8050-006-6

1. Design. 2. Design gráfico. 3. Design - Tecnologia.


4. Arte e design. 5. Design e moda. I. Belluzzo, Gisela.
II. Silva, Jofre. III. Título.

CDD 741.6

Design, Arte, Moda e Tecnologia.


São Paulo: Rosari, Universidade Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 2
Sumário

Apresentação, 5
Conselho Científico, 6

Design, Tecnologia e Linguagem: Interfaces


Design e naturalismo: Filosofia naturalista, biônica e ecodesign, 7
Ângela Ribas Cleve Costa, Juliane Vargas Nunes, Márcia Melo Bortolato, Richard Perassi Luiz de Sousa
Video game: análise ergonômica do jogador de Playstation,17
Carolina Poll, Marcelo Almeida
As tendências e o design: metodologia de projeto do mobiliário orientada para o futuro, 37
Aline Teixeira de Souza, Marizilda Santos de Menezes
A inovação através da relação da gestão de design com os princípios do Design
Thinking, 46
Diego Daniel Casas, Eugenio Andrés Díaz Merino
Diálogo entre design e emergência: O metadesign como estratégia projetual para problemas da alta
complexidade na área de design, 55
Rui Alão
Um estudo sobre a linguagem da ilustração e o design gráfico, 67
Jorge Paiva
Analisando o MECOTipo, 87
Leonardo A. Costa Buggy
O reaproveitamento de ideias e materiais no design de joias: origem, intertextualidade e sustentabi-
lidade, 104
Viviane Nogueira de Moraes
O Design e a Publicidade dos Anúncios Kolynos na Revista O Cruzeiro entre os anos 1950 e 1960, 117
Leandro Ferretti Fanelli
Classificação e escolha de um sistema de impressão, 126
Leonardo A. Costa Buggy, Lia Alcântara Rodrigues
Transparências e fragrâncias: materialidades simbólicas nas embalagens de perfume, 149
Maureen Schaefer França, Marilda Lopes Pinheiro Queluz
As experiências do design finlandês: reflexões para ações do design, 173
Maria Carolina Medeiros, Mariano Lopes de Andrade Neto, Lívia Flávia de Albuquerque Campos, Paula da Cruz Landim
Investigações metodológicas: aproximação entre design e tecnologia, 186
Deborah Kemmer

Design, Arte, Moda e Tecnologia.


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Design, Arte e Moda: Inter-relações
Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação, 201
Ana Mae Barbosa
As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da
Black Music, 221
Rita Aparecida da Conceição Ribeiro
Ilustração digital na moda, 244
Gabriela Coutinho Pinheiro, Adriana Leiria Barreto Matos
Moda e música: afinidade declarada, 262
Renata Santiag Freire, Adriana Leiria Barreto Matos
Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte, 277
Maria Alice Vasconcelos Rocha
Considerações éticas na pesquisa em design de moda, 290
Luciane do Prado Carneiro, Danilo Corrêa Silva, Marizilda dos Santos Menezes, Luis Carlos Paschoarelli,
José Carlos Plácido da Silva
Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os
designers de calçados, 308
Mariana Rachel Roncoletta
Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do
século XX, 325
Natalie Rodrigues Alves Ferreira, Cristiane Mesquita
Inovação em design na história do underwear masculino, 339
Taísa Vieira-Sena
O terno: questões e reflexões, 358
Luisa de Almeida Magalhães Simão, Cristiane Mesquita
Profissão: designer de moda, 367
Lívia Marsari Pereira, Maria Carolina Medeiros, Paula Hatadani, Raquel Rabelo Andrade, José Carlos Plácido da Silva
Designers: entre céticos e dogmáticos, 378
Diego Daniel Casas, Ricardo Goulart Tredezini Straioto, Richard Perassi Luiz de Sousa
Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas, 389
Marina A. Giongo, Daiane P. Heinrich
Design cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana, 398
Ary Scapin Júnior
O que faço com os meus diários de campo? Inquietações de uma antropóloga no Design e
na Moda, 408
Márcia Merlo
O design da marca Colcci: história e construção, 420
Alvaro de Melo Filho, Márcia Merlo
Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista, 443
Gisela Belluzzo de Campos, Tereza Grimaldi Avellar Campos
Designer artesão ou artesão designer? Uma questão contemporânea. As aproximações por meio das
intervenções de design no artesanato, 456
Savana Leão Fachone, Márcia Merlo
Estudar com Design – uma reflexão sobre o espaço universitário, 463
Fabíola Marialva Marques

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Apresentação
Design, Arte, Moda e Tecnologia (DAMT) busca contribuir
com a discussão em design, por meio de artigos resultantes
de estudos e de pesquisas de conceitos, de materiais, de
procedimentos, de formas e de produtos culturais. Por ser uma
área em franca e acelerada expansão no Brasil, a diversidade de
temas, enfoques e análises reflete a efervescência da produção
acadêmica em design que, em sua essência, já comporta um
caráter múltiplo e interdisciplinar.

A presente edição dá continuidade ao projeto editorial


intitulado Design, Arte e Tecnologia, iniciado em 2005, com o intuito
de fortalecer o diálogo entre estes campos do conhecimento.
Entretanto, com o envolvimento crescente de pesquisadores
interessados nas interfaces entre o Design e a Moda, a coletânea
amplia sua proposta original e inicia uma nova fase. Assim, ao
integrar a Moda em seu título, procura não apenas reconhecer
a valiosa colaboração já existente; mas também tratar a letra M
como uma marca do momento de movimentar, mexer e modificar
para mesclar, melhorar e motivar mudanças.

DAMT mantém o perfil conceitual das coletâneas


anteriores, reunindo trabalhos desenvolvidos por professores,
alunos, pesquisadores e profissionais da área. O sucesso do
projeto resulta da integração entre os Programas de Pós-
Graduação em Design da Anhembi Morumbi, da PUC-Rio e
da UNESP-Bauru; bem como do apoio da Edições Rosari. A
publicação conta, desde a sua quarta edição, em 2008, com um
Conselho Científico, para acompanhar a sua organização.

Design, Arte, Moda e Tecnologia.


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ico
Conselho científ
Ana Mae Barbosa, Universidade Anhembi Morumbi

Cristiane Mesquita, Universidade Anhembi Morumbi

Daniela Kutschat Hanns, SENAC-SP, FAU-USP

Denise Portinari, PUC-Rio

Gisela Belluzzo, Universidade Anhembi Morumbi

Giselle Beiguelman, PUC-SP

Jofre Silva, Universidade Anhembi Morumbi

José Carlos Plácido da Silva UNESP-Bauru

Kathia Castilho, Universidade Anhembi Morumbi

Luisa Paraguai, Universidade Anhembi Morumbi

Luis Antonio Coelho, PUC-Rio

Luis Carlos Paschoarelli, UNESP- Bauru

Márcia Merlo, Universidade Anhembi Morumbi

Marcus Bastos, Universidade Anhembi Morumbi

Marizilda Menezes, UNESP-Bauru

Miriam Cristina Carlos Silva, Universidade de Sorocaba

Rachel Zuanon, Universidade Anhembi Morumbi

Rejane Spitz, PUC-Rio

Rita Couto, PUC-Rio

Rosane Preciosa, UFJF-MG

Silvia Laurentz , ECA-USP

Suzete Venturelli, UNB

Vicente Gosciola, Universidade Anhembi Morumbi

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u c a ç ã o M o d e r n a, das
e ir e l e s : d e f e n s ora da Ed
Cecília M cação
C in e m a n a E d u
Artes e do em Desig n: U ni ve rs id ad e Anhembi Morum
bi

; Profess ora Dra. do PPG


Ana Mae Barbosa

Resumo
Este texto contextualiza alguns escritos de jornal de Cecília
Meireles que não foram incluídos em suas obras completas .São
textos que visavam a modernização da Educação e do ensino das
artes e do Cinema no Brasil. Outro objetivo de Cecília Meireles era
a internacionalização do dialogo educacional.

Palavras-Chave: cinema; artes visuais; educação

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação

Muito se tem escrito sobre a atuação de Cecília Meireles na área da educação. A reunião
de seus escritos de jornal sobre o assunto no quinto volume da edição de suas obras completas
contribuiu largamente para o entendimento da história da educação nos primeiros anos do
Estado Novo que ela ousa criticar muitas vezes de maneira sutil, como obrigava a situação de
censura e perseguição a educadores, jornalistas e intelectuais. Na crônica de 6 de setembro
de 1941 no jornal A Manhã do Rio de Janeiro ela escreveu: “Estes dez anos diferentes que
o Brasil tem vivido aconteceu coincidirem agora com uns anos bem diferentes para o resto
do mundo. Sejam quais forem os resultados finais destes graves dias, o indiscutível é que o
homem não está humanizado”. Palavras proféticas pois o nazismo estava em plena ascensão
na Alemanha e a perseguição aos judeus e comunistas, também em toda a Europa Ocidental.
Ela termina a crônica dizendo:

Qual é esta educação que tornará o homem bom sem ser débil, forte sem ser
monstruoso, livre de todos os excessos e fanatismo e equilibrado ao mesmo
tempo no universo a que pertence, na sociedade em que vive e no indivíduo
que é?i (MEIRELLES, 2001:38)

Como a obra educadora de Cecília Meireles vem sendo muito estudada vou me restringir
aqui ao aspecto internacionalista de sua atividade de publicista da educação, especialmente
seu esforço para interrelacionar a cultura da América Latina e a sua grande paixão pelo cinema,
tendo chegado a ser sub-Diretora Técnica da Instrução encarregada justamente do cinema.
Farei isto através de duas entrevistas uma feita com ela e outra feita por ela com um educador
uruguaio que viera ao Rio para a inauguração da Escola Uruguai, de volta de uma viagem de
estudos à Europa e aos Estados Unidos para visitar especialmente o Teachers College da
Columbia University, meca também dos escola novistas do Brasil.
No Diário de Notícias de 10/7/1930 em sua página de educação Cecília Meireles anuncia
conferência do reitor da Universidade de Montevidéu:

As linhas gerais do ensino secundário no Uruguai


O Dr. José Pedro Segundo, professor uruguaio e reitor da Universidade de
Montevidéu, que se acha no Rio, como já noticiou o DIÁRIO DE NOTÍCIAS, em missão de
intercâmbio intelectual com o seu colega Dr. Dardo Regules, fez ontem na Associação
Brasileira de Educação, uma interessante conferência que foi presidida pelo Dr. Cícero
Peregrino, reitor da Universidade do Rio de Janeiro, e teve a presença de muitos
professores dos nossos estabelecimentos de ensino.
Dissertando sobre as linhas gerais do ensino secundário no Uruguai, o
reitor da Universidade de Montevidéu apresentou ao auditório um quadro exato do
desenvolvimento lançado pelo seu país nesse ramo de instituição.”

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação

A imagem, que ilustra esta nota, é um aspecto da mesa tomado quando o professor
José Pedro Segundo fazia a sua conferência que não consegui recuperar tão bem como a
caricatura que ilustra a entrevista que se segue, com Crescencio Cóccaro:

Figura 1 - Desenho de Correia Dias para o Diário de Notícias em 10/07/1930

Conversando com o inspetor Crescencio Cóccaro


Os problemas da educação em várias partes do mundo
CECILIA MEIRELES
(Especial para o Diário de Notícias)
Preliminarmente, devo declarar que todos os discursos que se pronunciaram por
ocasião da inauguração da Escola Uruguai, foram excelentes. Dito isso, permitam-me
acrescentar, agora que, de todos, o que mais me interessou foi o do inspetor Crescencio
Cóccaro.
Por que?
Vejam por que: todas as pessoas, que falaram, tiveram, mutuamente, palavras
de admiração por alguns grandes vultos do Uruguai e do Brasil; todos fizeram votos
por uma perene amizade entre esses dois povos; e, se uns diziam que o Uruguai não se
detinha na sua fronteira e se prolongava pelo território brasileiro, outros, por sua vez,
afirmavam, com a mais sincera e comovedora convicção, que o Brasil se continuava
pelo Uruguai abaixo, atraído pela simpatia da república oriental. E assim se esforçaram
todos por demonstrar este afeto real, este parentesco amistoso que aproxima as terras
de Artigas e de Rio Branco.
O Sr. Crescencio Cóccaro, porém, lembrou-se de dizer uma coisa ainda mais
interessante que essas. Parece impossível, não é? Pois escutem; o Sr. Crescencio

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação

Cóccaro disse que, no seu país, se cuidava da revisão dos textos escolares, a fim de
que não ficasse, em nenhum deles, uma linha que pudesse lembrar, de qualquer modo,
qualquer luta que haja existido entre o Uruguai e outros povos...
Isto significa o seguinte: que, além de amizades presentes e futuras, evidentes
e insofismáveis, o Sr. Crescencio Cóccaro ofereceu a oportunidade de nos revelar
um Uruguai que reabilita algum tempo passado que, por desgraça não tinha sido de
completa cordialidade; mostra-nos um povo que, não só quer ser irmão, nas horas de
paz, como deseja remediar as desavenças antigas.
Essa pequena informação, no meio de um discurso, fez-me ver claramente as
qualidades de educador que possui o inspetor Cóccaro. E desde ai não mais o perdi de
vista.

UMA APRESENTAÇÃO
Eu já estava resolvida a pedir-lhe uma entrevista. Mas, para proceder por um
método gradativo, comecei por pedir-lhe o discurso. O Sr. Crescencio Cóccaro,
entretanto, não m’o quis dar. E sabem por quê? Simplesmente porque o inspetor nunca
publicou escrito algum. E, com aquele seu ar de generosidade sem limites, simples,
cordial, feliz, disse-me, sorrindo:
_ “Nós somos professorezinhos... apenas... nada mais...”
_ Por isso mesmo é tanto...
Ainda que, depois disto, eu não tivesse trocado mais nenhuma palavra com Sr.
Cóccaro, a minha opinião a seu respeito já estaria devidamente consolidada. Toda a sua
personalidade de educação estava naquela frase do discurso e nesta da apresentação.
Feliz aquele que pode dizer: “Sou apenas um professor, e não desejo ser nada mais!”
Depois, voltando à cidade com a delegação uruguaia, tive ocasião de saber que,
além da sua visão pessoal em educação é preciso atender com especial cuidado à sua
formação, para manter de pé os ideais acordados.
Foi por ai, justamente, que começou a nossa palestra.

NOTAS SOBRE O MAGISTÉRIO NO URUGUAI


O Curso Normal no Uruguai é de 6 anos, sendo 4 de ensino secundário e os dois
últimos de metodologia, prática escolar etc. Terminado o curso, o normalista ainda faz
um concurso, a fim de poder ser nomeado.
_ “Mas, em matéria de questões de educação, tinha o ilustre inspetor uruguaio
um vasto conhecimento dos problemas pedagógicos contemporâneos, acabando de
realizar uma viagem pela Europa e América, em missão do seu país, justamente para
observar o que, nesses assuntos, se vai realizando pelo mundo.

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Com grande alegria, portanto, marcamos a palestra do dia seguinte, tanto mais
que o Sr. Cóccaro me punha inteiramente à vontade dizendo:
_ “As coisas que interessam não se pedem nem se concedem por favor. É um
direito. E nem ao menos terá de me agradecer.
“(Vamos concordar que seja realmente um direito, Sr. Inspetor. Deixe-me, porém,
também ter esse de lhe oferecer todos os meus agradecimentos!)

A ENTREVISTA
O Sr. Crecencio Cóccaro é uma dessas criaturas em que já exteriormente se vê a
natureza dadivosa e exuberante que possuem. Alto, forte, simples, com uma expressão
de quem está acostumado a pousar as mãos carinhosamente na cabeça das crianças.
Sem dúvida nenhuma, quando se trata da nova orientação educacional, o
problema principal que nos aparece é o da formação do professor, porque, se do
professor depende esta nova era, concursos e exames, disse-nos o inspetor Cóccaro,
o nosso ponto de vista é sempre este: reprovar o menos possível.
“(Ficamos pensando nos conceitos de Eisntein sobre a maneira comum de
examinar, em que os professores, em geral, se esforçam por fazer o aluno mostrar o
que não sabe, quando justamente se deviam esforçar por fazerem-no revelar o que
conhece...)
_ “Além disso, continuava ele, os concursos não provam nada... Moças com
um curso belíssimo, e cuja capacidade ninguém ignora, podem fracassar, por várias
circunstâncias, disputando um lugar que outras facilmente conquistam, com menos
aptidões embora, com mais serenidade...
“(Nesse ponto ocorreu-nos a força irresistível de pistolão. Mas, não tivemos
coragem para perguntar nada sobre isso, porque estamos em dúvida se é privilégio
nacional...)
Quanto à prática escolar, faz-se em diversas escolas uruguaias, e não numa,
apenas, como aqui.
Há em particular cuidado na promoção dos professores. Os preferidos são os
que mais se dedicam à escola.
“Aqueles, dizia-nos o inspetor Cóccaro, que, nas quintas-feiras ficam preparando
planos, jogos, brinquedos para os seus alunos”.
Atualmente, pretende-se a unificação das classes. Parece que a opinião do nosso
interlocutor não é favorável a esse respeito.

IMPRESSÕES DOS ESTADOS UNIDOS


De tudo quanto viu nas suas viagens, parece que são as impressões dos Estados

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Unidos as que mais acentuadamente se fixaram no interesse do professor Crescencio


Cóccaro.
Notas sobre a organização escolar. Sobre as edificações e o aparecimento das
escolas. Sobre o sentido social da educação americana.
Depois de uma referência a High School da Philadelfia a conversa se encaminha
para o “Teacher’s College” da Unuiversidade de Columbia.
O “Teacher’s College” dá acesso central a duas instituições. Uma, a “Lincoln
School, em que se experimentam todos os métodos, sem distinção de proveniência.
As classes são reduzidíssimas. Verdadeiros laboratórios pedagógicos. Em cada sala
um piano ... Compõem-se poesias.... E o inspetor Cóccaro, descreve-nos a aula,
a professora sentada com os alunos; uma outras professora tocando ao piano uma
música. A primeira canta com as crianças a letra correspondente à música tocada.
Depois vai substituindo as palavras, isto é, compondo outra cantiga, que se sustenta
sobre arcabouço da primeira musica.
As classes têm vinte e dois alunos.
E, nesse ponto, o inspetor uruguaio nos manifesta a sua opinião: acha que as
classes devem ser mais numerosas. Se é preciso pôr a criança em contato com a vida,
fornecer-lhe inúmeras experiências, convém acostumá-la ao ambiente mais aproximado
daquele em que terá de viver, isto é, o mundo, com toda a sua população...
Em seguida, fala-nos das classes de aperfeiçoamento magisterial. Umas de 2
anos, outras de 3, tentando estas últimas a prevalecer. Vão a essas classes, nos Estados
Unidos, os professores que não saem da “High School”.
Refere-se, com entusiasmo, às chamadas Escolas de Continuação (Continuation
Schools)ii , destinadas às pessoas que, pertencendo a uma profissão qualquer, mas
desejando ingressar noutra, fazem os estudos necessários, auxiliadas pelos patrões,
que assim sentem favorecer um futuro bom operário, vendo nisso um proveito nacional.
Tem duas palavras para apreciar as aulas de costura com umas cento e cinquenta
máquinas elétricas, as aulas de datilografia, com certeza de duzentas máquinas de
escrever, e os Institutos de Beleza, sempre repletos de estudantes, que, assim que se
diplomam, logo encontram colocação. As Escolas de Moda são, a seu ver, um triunfo
americano sobre o velho prestígio francês. Rapidamente nos descreve uma das suas
classes, em que as aprendizes projetam modelos de vestidos segundo um certo tipo.
Ou dadas certas condições.
E fala-nos, retrocedendo à fase inicial da escola, aos Jardins de Infância
americanos.
_”Em todas as Escolas dos Estados Unidos _ diz,_ há uma classe para crianças
de cinco anos.
As crianças de cinco anos têm uma grande importância, para o inspetor Cóccaro.

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Parece-lhe que possuem capacidades particulares, nessa idade.


E, antes que ele nos dissesse, já tínhamos visto que, se alguma coisa o pudesse
interessar mais particularmente, dentro dos assuntos educacionais, seria o problema
do Jardim da Infância.

JARDINS DA INFÂNCIA
Deixaram-lhe muito boa impressão os Jardins da Infância, de Hamburgo. Mas
não teve tempo de nos pormenorizar as razões, porque logo lhe acudiu o problema
uruguaio: ainda não há, na sua terra, Jardins desses em todas as escolas. E isso
certamente interessa, porque insiste, com amor, nas aptidões das crianças de cinco
anos, e conta-nos o seguinte:
Fez-se uma representação da história de Chapeuzinho Vermelho, com as crianças
dessa idade. Não se ensinou como representar. Contou-se a história, e deixou-se a
interpretação correr por conta dos pequeninos atores. Imagine-se o que aconteceu:
a criança que fazia o lobo, depois do sacrifício da avozinha, escondeu atrás de uma
árvore a criança que representava esse último personagem, a fim de figurar, por meio
dessa ausência, que a tinha devorado.
Parece-lhe admirável, esse rasgo de inteligência. E concordamos, convictamente.
Até reagindo contra a lição-modelo, existe a Escola de Tirocínio.
_ “E como se adapta o professor que só assistiu ao Jardim da Infância, tendo de
enfrentar o curso primário?”
_ “Isso mesmo nos perguntávamos nós, explicou o inspetor Cóccaro. Mas é
que daí, passam para o primeiro ano, seguem com o segundo, e, depois disso, então
habilitados para trabalhar com qualquer classe.
No Uruguai há certa dificuldade em tirar do Jardim da Infância o professor que a
ele se acostumou.”
E como ainda se falasse na Itália, o nosso interlocutor disse:
_ Há mais uma coisa interessante na Itália. Em Roma e Florença, o Instituto Superior
do Magistério prepara especialmente diretores de escola, inspetores e professores para
a Escola Normal”.
(Ai está uma boa sugestão, pensamos nós. Mas logo em seguida refletimos que
não se pode, por enquanto, pensar em coisas tão transcendentes. E..... o inspetor
Cóccaro também parece um pouco séptico com os resultados...)

O DÓLAR
Não sabemos como se insinuou o dólar na nossa conversa. Mas o certo é que o Sr.
Cóccaro me falou em 106 dólares, vencimento do professor americano, e no projetado

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aumento de vencimentos do professor uruguaio.


Fiquei um pouco pensativa. Mas não tanto que prejudicasse a atenção com o que
seguia a conversa. E, precisamente nesse instante, o inspetor Cóccaro nos contava o
seguinte:
_ “Em Boston, os homens ganham mais que as mulheres. É muito justo, porque,
em regra, são os responsáveis pela família”.
Por questão de solidariedade feminina, não concordamos integralmente.
_ “Pois sabe o que fizeram as mulheres em Boston? Declararam que só dariam
seu voto para deputado ao cidadão que se comprometesse a igualar os vencimentos...”
Como se vê, nem exemplo podemos aproveitar...

EDUCAÇÃO ESTÉTICA
Já vimos como na “Lincoln School” se estuda canto e música ao mesmo tempo
que se compõem pequenos trechos de verso.
Na “Junior High School”, diz-nos o Sr. Crescencio Cóccaro, há cursos de
interpretação musical em que se traduzem os sons em coros. Quer dizer, já não é,
apenas, o ritmo, traduzido em linhas, aplicado a motivos de decoração – mas a impressão
sonora transformada em impressão visual.
Falando em grande respeito da cultura musical dos alemães, e dos cursos de
descrição oral das passagens de certas músicas, antes da sua execução, tem ainda
referência para a Escola Profissional que funciona, na Áustria, onde foi a célebre Escola
de Cavalaria, escola em que as crianças aprendem a esculpir utilizando um sabão
especial para esse fim, e onde a gravura em madeira é tratada com particular carinho,
bem como a arte tipográfica, e a da publicidade, na parte referente a cartazes.

MUSEUS
As suas últimas palavras são para os museus.
Fala-nos dos museus de animais vivos de Berlim. E ambos nos concentramos,
um pouco emocionados sobre um pensamento comum:
_ “Os museus de animais conservados são detestáveis. Ensinam a morte. Ensinam
a matar.”
E eu, recordando Tagore, pude concluir apenas:
_ “Um pássaro empalhado não tem nada a ver com o pássaro que a natureza
nos oferece. A sua personalidade não está na disposição das penas. O feitio do bico,
no tamanho das patas. O pássaro é o seu movimento, o seu vôo, o seu canto, as suas
expressões...”

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TERMINANDO
Ao terminar a palestra, quis o Sr. Cóccaro, por extrema gentileza, fornecer-nos
alguns dados sobre a situação do ensino no seu país. E disse-nos:
_ “Pela lei de 26 de outubro de 1926, foram votados cem milhões de pesos para
edificações escolares: 50 mil pesos para mobiliário etc.; 45 mil para livros de leitura
(porque o governo uruguaio adquire as edições para as escolas); 130 mil para material
escolar; 25 mil para o material científico; 10 mil para bibliotecas; 5 mil para a aquisição
de lanternas de projeção; 26 mil destinados, unicamente, ao serviço de varrer a escola...
Não se pagam materiais para exame. Há 27 mil pesos destinados aos examinadores; 26
mil para excursões; 200 mil para copos de leite, cantinas etc. Mas, nessa obra, gastam-
se 600 mil pesos. A diferença é fornecida pelas comissões de pais. Para roupa e calçado,
há uma verba de 30 mil pesos..
Mas há um projeto para elevar esses algarismos. Não nos lembramos bem se os
pretendem duplicar ou triplicar, mas é qualquer coisa assim grandiosa.

IMPRESSÃO FINAL
O Professor Crescencio Cóccaro mostrou-se, em toda a palestra como o
advinharamos pelo discurso.
Disse-nos coisas assim:
_ “Nos Estados Unidos ensinam a criança a significação da vida. Ela sabe lidar
com dinheiro, desde pequena... Compra o seu “copo de leite”. Nós achamos que a
criança, pelo próprio fato de ser criança, deve viver isenta dessa preocupação. Tem
direito à sua infância...”
Não é uma opinião digna de respeito?
Mais adiante:
_ “Mas, os Estados Unidos têm esta coisa excelente: são ecléticos, em métodos.
Estudam tudo. E procuram dar a todas as crianças as mesmas possibilidades.”
Sobre métodos, ainda, observou:
_ “Na minha opinião não há método melhor que o professor perfeito. Quando se
sai da aula, sentindo o contato com a alma da criança, pode-se ter certeza de que ela
também ficou sentindo o contato da nossa alma...
23/07/1930

Cecília Meireles deu sempre grande ênfase a necessidade de estabelecermos relações


com nossos colegas da América Latina. Convidou para escrever e prestigiou Gerardo
Seguel,chileno, arte/educador e poeta na sua página de educação do Diário de Notícias e não

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação

poupava espaço no jornal para elogiar os colegas desta parte do mundo em que vivemos.
Vejamos o que escreveu sobre Gabriella Mistral, também como Seguel, chilena, poeta,
educadora que veio posteriormente a receber o Premio Nobel.

Gabriella Mistral e o Cinema Educativo


Gabriella é um nome que pertence a toda a América.
A poetisa de tão humano sentir que tem repartido o seu coração em cada verso e
pensadora que tem sido nos lábios tanta palavra de fé nos destinos humanos formaram,
juntas, a educadora que, de olhos fitos no futuro do mundo, calcula com exatidão
toda a responsabilidade que nós, os adultos, temos na formação da infância, dessa
infância cujos direitos ela tão bem interpretou por ocasião de uma das Convenções de
Professores americanos.
Dessa notável mulher, que na Liga das Nações representa com elevação o seu
país, oferecemos hoje aos nossos leitores esta opinião sobre o ensino da geografia por
meio do cinema:
“o mapa só fala ao geógrafo. A criança – e os adultos que ainda têm a mesma
sensibilidade da infância – sente pela carta geográfica uma antipatia que eu conheci em
dez anos desse ramos do ensino. Não se poderia ter inventado coisa mais inerte e mais
estranha para dar a conhecer o concreto e o vital. A maravilha da ilha se transforma
em grão de mostarda; o fjord, um arranhão azul; a linha das montanhas, uma cobrinha
escura sem nenhuma sugestão. O mapa fica mais longe da criatura de dez anos que um
problema teológico.
Este mapa pedante e paralítico vai se transformar, tomar corpo e viver ao lado do
cinema, ofertador de paisagens viventes. Vai dar voz ao desenho dos rios; vai colorir as
massas oceânicas; vai reviver, galvanizada, a serpente morta e enroscada das grandes
cidades”.
Diário de Noticias – 19/10/30

O entusiasmo de Cecília Meireles pela América Latina e pelas relações com a Iberoamérica
foram muito estimuladas por seu contato com Alfonso Reyes quando foi embaixador do
México no Brasil (1930 a 1938). Ele já era um intelectual importante quando veio para o Brasil
. Desenvolveu uma relação muito fecunda para a aproximação intelectual dos dois países.
É interessante notar que editava um correio literário, Monterrey, através do qual difundiu a
cultura mexicana no Brasil dando chance a alguns poucos escritores brasileiros se fazerem
conhecer no México. A tarefa de intercambio cultural era desequilibrada . Na realidade a função
diplomática de fazer o México conhecido no Brasil prevaleceu. Mas, ele exerceu influencia
estimuladora entre políticos , como o jovem Carlos Lacerda e muito maior entre intelectuais
brasileiros que se tornaram seus amigos como Manuel Bandeira ,Ribeiro Couto, Ronald de

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação

Carvalho e Cecília Meireles que se correspondeu com ele de 1931 até mais ou menos 1940
.Segundo Regina Aída Crespo , Reyes forneceu a Cecília Meireles “livros e revistas mexicanos
sobre educação e cultura popular” (CRESPO, 2003:207) , assuntos com os quais ela estava
muito engajada .

Como Gabriella Mistral, Cecília Meireles dentre as Artes além da Literatura valorizava
especialmente o cinema, mas nos deixou várias crônicas sobre Arte na educação de um ponto
de vista geral e nas Artes Plásticas e no Teatro em especial. Somente no Jornal A Manhã
escreveu 9 artigos sobre o assunto entre agosto 1941 e janeiro de 1942 e acredito que
escreveu muito mais entre 1929 e 1931 no Diário de Notícias.
A interrelação dos arte/educadores dos países Latino Americanos ainda está para ser
construída apesar do Mercosul e principalmente da Bienal do Mercosul que tem uma influencia
muito positiva restrita principalmente ao Rio Grande do Sul
Houve uma extraordinária tentativa como o FLAAC (Festival Latino Americano de Arte
e Cultura) idealizado por Laís Aderne com a colaboração dos professores da UNB em Brasília
na década de 80. Mais de mil Latino Americanos de todas as Áreas de Arte, de fora do Brasil
se reuniram em Brasília para celebrar nossa união. Laís Aderne , poucos anos depois ,quando
era Secretaria de Cultura de Brasília ,organizou outro Festival Latino Americano que não teve a
importância do primeiro, pois imperaram as intrigas políticas e os boicotes contra ela. Nos anos
setenta um Congresso no Rio de Janeiro organizado pela mulher de um político da ditadura
e dono de jornais ,também grandioso, em nada resultou pois era mais uma demonstração
de poder da organizadora que desempoderou os arte/educadores pois convidou para as
palestras principais apenas pessoas famosas e seus amigos. Restou apenas os anais graças
ao trabalho dedicado de Cecília Jucá, que foi além de sua tarefa de designer.
A criação do CLEA, Comitê Latinoamericano de Educação pela Arte foi criado em 1984
no Rio de Janeiro. Trata-se do comitê da INSEA que representa a América Latina. Muitos
membros criadores deste Comitê continuam até hoje lutando por intercomunicação e ações
conjuntas, mas não temos dinheiro para estas operações. Apesar disto conseguimos realizar
muitos Encontros e Congressos.
Um livro sobre a História do Ensino da Arte na América Latina foi organizado por Manuel
Pantigoso membro fundador e representante do Peru que também tem Myriam Nemes como
sócia fundadora .
Os membros fundadores Victor Kon, na Argentina, Salomon Azar no Uruguai e Dora
Aguila no Chile permanecem como os baluartes do CLEA. Perdemos em 2008 um dos
membros fundadores, a artista e educadora Olga Blinder do Paraguai. Luís Errazuriz do
Chile e eu também somos membros fundadores, contudo nos dedicamos mais a INSEA, da
qual fui presidente do que propriamente ao CLEA. Só nos últimos 14 anos, depois de minha
aposentadoria da USP é que tenho dado maior atenção ao CLEA. Olga Olaya que se juntou

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação

ao grupo nos anos 90 foi uma força motriz da instituição e trouxe com ela seu orientador de
doutorado Ramon Cabrera de Cuba. Pela primeira vez, nos seus 25 anos de existência, a
Secretaria do CLEA (equivale a presidência) esteve no Brasil, nas mãos competentes de Lucia
Pimentel de 2006 a 2010. Lúcia Pimentel organizou um Congresso em 2009 na Universidade
Federal de Minas Gerais que juntou o CLEA e a Federação de Arte Educadores do Brasil.
A partir de 2008 encontramos na OEI, Organização dos Estados Iberoamericanos uma
aliada para intercâmbios e ações comuns que tem organizado e patrocinado encontros e
publicou em 2009 um livro, “Educação artística cultura e cidadania”, organizado por Lucina
Jimenez, Imanol Aguirre e Lucia Pimentel.
Ainda há muito que fazer pelo entendimento Latino Americano em Arte/Educação.
Vamos ao outro tópico que apaixonou Cecília Meireles e nos interessa especificamente,
o Cinema, que muitos arte/educadores esquecem que é Arte.
A Cultura Visual vem conferindo importância ao Cinema na Educação, mas para não
mediocrizar a escolha e a recepção dos filmes é preciso pensarmos que Cinema é Cultura
Visual mas antes disto é Cinema, como se depreende dos escritos de Alice Martins, uma das
pesquisadoras de cinema na educação mais atuantes do Brasil.
Segue-se uma entrevista concedida por Cecília Meirelles sobre a Cinematografia
Educativa.

A CINEMATOGRAFIA EDUCATIVA
A Sr.ª Cecilia Meirelles, entrevistada pelo O JORNAL, fala sobre a próxima
exposição e relata os resultados obtidos com a sua modesta “empresa” da Escola de
Aplicação.

A sub-Diretora técnica da Instrução, tomando a iniciativa de promover uma


exposição de cinema educativo, que será inaugurada na próxima semana, ocupando
várias salas da Escola “José de Alencar”, no largo do Machado, pôs em foco um dos
problemas mais interessantes dos novos métodos de ensino e educação, cujo emprego,
entretanto, por motivos mais de ordem econômica, não tem sido ainda, mesmo na
Europa e nos Estados Unidos, desenvolvido na amplitude permitida pelo atual progresso
da cinematografia.
A exposição, promovida pelo Sr. Jonathas Serrano, além de reunir elementos de
todas as procedências de serem observados pelo professorado, vai também proporcionar
ao público uma oportunidade para compreender a importância desse poderoso
instrumento educativo que já está sendo introduzido, com vantajosos resultados nas
escolas primárias cariocas, apesar da escassez de recursos da municipalidade.

O JORNAL, completando as informações que já tem publicado a respeito desse

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação

certâmen, entrevistou ontem a senhora Cecília Meirelles, professora da Escola de


Aplicação e membro da comissão encarregada da propaganda da exposição.
_ “A reforma Fernando de Azevedo – disse, de início, a professora – empresta
ao Distrito Federal o prestígio de poder colocar-se ao lado dos países evoluídos que,
vendo na criança o valor da civilização futura, fazem a sua renovação social, cultural,
filosófica, por intermédio e antecipação do processo educativo.
Esta reforma não é, internacionalmente, uma reforma de métodos. É uma
reforma daquilo que, no ensino, é a própria essência. Como, porém, os métodos são
os caminhos que conduzem a essa alta finalidade, é natural que esses caminhos sejam
também diferentes dos das rotinas antigas, como o obriga o ambiente de constantes
atualidade que a reforma espontaneamente requer”.

UM NOVO LEMA
_ “Um dos elementos de mais imediata importância nas escolas de hoje –
continuou a Sr.ª Cecilia Meirelles – é o cinema educativo. Ao lado do “learning by doing”
das escolas americanas, poder-se-ia inscrever também o “learning by seeing”. Porque,
na verdade, nós, e as crianças, também aprendemos vendo. Há uma generalizada
cultura popular que em grande parte se deve a essa difusão de conhecimento que o
cinema-diversão insensível, mas progressivamente faz.
O cinema nos mostra paisagens de todas as zonas, animais de todas as faunas,
costumes de todos os tempos e regiões. O espírito das épocas e das raças se faz
evidente através dos filmes históricos. E os tempos atuais, com os mais recentes
inventos, com as mais arrojadas aventuras, podem ser vividos e compreendidos em
toda a sua intensidade dentro de poucos minutos sobre uma tela próxima”.
Além de instrutivo, o cinema pode ser considerado até curativo, quando projeta
um Buster Keaton, e filosófico, quando apresenta Chaplin.
Mas o que interessa ao professor, em primeiro lugar, é que a criança, como o
adulto, ou mais que ele, aprecia via mente o cinema. Isso e não mais, seria suficiente
para afirmar que o cinema é uma necessidade das escolas.
Todos que já tiveram oportunidade de fazer uma projeção luminosa numa escola,
qualquer que fosse o assunto, hão de ter observado o seguinte: que o simples fato de
pôr ao alcance da criança (??) cidade: que o cinema ou a simples projeção fixa tem
para a criança uma realidade tão grande que as menorzinhas tentam pegar com as
mãos as figuras projetadas: que, após uma projeção, a lembrança das imagens vistas
é mais nítida e mais duradoura que a das mesmas imagens oferecidas por meio de
uma lição falada, e mesmo pela simples apresentação de figuras. Chego a crer que as
coisas vistas por esse meio sejam mais bem observadas que na natureza quer porque

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a atenção esteja limitada ao campo da tela, quer porque as condições de obscuridade,


a (?) coletiva e outros fatores (???). ?? para que as aquisições se façam com mais
facilidade e proveito.
E um dos fatores básicos é talvez que a criança vai para a sala de projeções com
alegria. E a alegria é uma condição favorável para aprender bem, porque é um estado
orgânico de superatividade em que, com todas as energias elevadas ao mais alto grau
o indivíduo fica com a sua capacidade elevada também ao máximo”.

NECESSIDADE NATURAL
Justificando as vantagens do novo instrumento de ensino, prosseguiu a professora:
_ “A introdução do cinema nas escolas não obedece, pois, a um capricho da
moda ou a qualquer intenção apenas decorativa. Obedece a uma necessidade natural
a que as circunstâncias do progresso humano podem atender.
Se a nossa vida se resumisse no lugar que habitamos e nas coisas que estão
mais perto de nós, seria tão fácil... ... _ conduzir a criança até essas coisas. Mas a vida
se desenvolve em campos mais vastos. Nós temos de conhecer todo o mundo, e todos
os homens, para compreendermos certas coisas universais. E o cinema, o cinema
bem orientado, bem organizado e bem dirigido (orientado nas seleções, organizado de
acordo com as capacidades a que se destina, e dirigido conforme as oportunidades,
pode ser como um grande livro ilustrado, que a criança interessadamente lê, metade nas
legendas, metade nas figuras. Sem esquecer que o cinema falando completará ainda
mais o ideal pedagógico transportando a criança, como num sonho, para ambientes,
como se o fizesse realmente, dentro da vida.”

O QUE HÁ ENTRE NÓS


Interrogada sobre o que, nesse sentido, há feito entre nós a Sr.ª Cecília
Meirelles informou que algumas escolas do Distrito Federal já possuem aparelhos de
cinematografia, ou, pelo menos, lanterna de projeção fixa. E acrescentou:
_ “Se tudo ainda não está resolvido em matéria de filmes adequados, alguma
coisa já se tem feito nesse particular. E não é possível exigir mais, em tão pouco tempo.
Agora, para que fique o professorado a par do que existe em matéria de aparelhos
cinematográficos, bem como do seu funcionamento, conservação etc., a Diretora de
Instrução resolveu organizar, na Segunda quinzena deste mês, uma exposição relativa
ao assunto. A escola “José de Alencar” no Largo do Machado, onde se começa a
preparar o futuro Museu Central, foi o local escolhido para essa exposição. Nela os
inspetores escolares apresentarão: os aparelhos existentes nas escolas primárias,
fotografias de escolas, aspectos de aulas, reuniões de Circuito de Pais, sopa escolar,

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação

copo de leite, gabinetes médico e dentário, enfim, todos os melhoramentos que, em


benefício das crianças, foram e estão sendo introduzidos nas escolas. Além disso,
deverão os inspetores apresentar gráficos estatísticos ou informações sugestivas de
qualquer obra de iniciativa do distrito.”

DETALHES DA EXPOSIÇÃO
Continuando, detalhou a Sr.ª Cecilia Meirelles:
- “Como a exposição se realiza no local em que se inicia a obra do Museu
Pedagógico Central, haverá uma sala em que ficarão as realizações desse Museu. Em
outras salas serão expostos exemplares dos decretos da reforma (lei e regulamento),
programas dos vários cursos (primário, complementar anexo, profissional e normal),
modelos de uniformes , plantas, maquetes e fotografias dos prédios escolares já
concluídos ou em construção etc., etc.
Já aderiram à exposição prometendo enviar aparelhos e demais artigos de que
são importadores ou fabricantes, as seguintes firmas: Theodor Wille & Cia., Casa Lohner
S.A, John Jurges & Cia., Fox Film, Meister Irmãos, Botelho Film, Pathé Baby, A .E. B.
Kodak.
Ofereceram também apoio, pondo à disposição da comissão organizadora
valiosos donativos das respectivas especialidades os seguintes estabelecimentos:
Villas Boas & Cia., Vasco Ortigão & Cia. (Parc Royal), Papelaria Americana, Casa Mattos,
Cardinale & Cia., Marcenaria Brasil, Papelaria União e Casa Pratt.
A Urania Film apresentará os tipos de aparelhos de projeção mais modernos, de
medida Universal, contentando-se a fazer correr filmes instrutivos.
A General Electric iluminará todo o recinto da exposição, sendo que uma parte
pelo moderno sistema de luz sem sombras. Instalará também um aparelho de rádio do
tipo mais moderno e, dando o seu completo apoio a essa iniciativa pedagógica fará
distribuir sorvetes preparados nos seus aparelhos de refrigeração.
Os floristas do Mercado Municipal se ofereceram para ornamentar diariamente a
exposição.
Como todos os dias chegam novas adesões de amigos do cinema Educativo, tudo
faz prever que o certame terá uma repercussão excepcional. Durante todo o tempo que
funcionar a exposição haverá demonstrações do manejo de qualquer dos aparelhos
expostos.
É de esperar que não só o professorado, que constitui, por assim dizer, a parte
diretamente interessada pelo assunto, como todas as famílias que têm filhos nas
escolas, e todas as pessoas que se interessam realmente pelo progresso do seu país,
visitem essa próxima exposição.
Agora, mais que nunca a escola deseja ser um lar, para as crianças. Os que

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sentirem a grandeza desse desejo, devem procurar saber como a escola se esforça
para o realizar”.

VANTAGENS DAS PROJEÇÕES


Insistindo sobre a importância pedagógica do cinema, frisou a Sr.ª Cecilia
Meirelles as vantagens das projeções:
_ “Animadas: muita coisa, senão quase tudo, pode ser aprendido só pelo cinema.
É uma opinião um pouco ilimitada, mas sincera: observação do crescimento das
plantas, da vida de todos os animais (e os insetos: formigas, abelhas, e os peixes no
seu ambiente submarino), com todos os detalhes mínimos como se consegue em filmes
pacientemente elaborados.
E os exemplos morais. E a vida higiênica etc. Sem esquecer filmes que se
organizam mostrando a vida das crianças de hoje, as suas escolas, o seu trabalho, para
efeitos de solidariedade etc. Mas isso é longo e não se consegue de uma hora para.
Não conheço os filmes que sei que há, no estrangeiro, dedicados a essa especialidade”.
Referindo-se depois às projeções fixas, explicou a professora:
“Tem a vantagem de uma fácil organização. Podem servir de atração aos centros
de interesse da classe e, em muitos casos, serem produzidos pelos próprios alunos.
Podem ser de interesse geral, quer sobre assuntos históricos (comemoração das datas
realmente importantes), quer sobre fatos atuais: febre amarela, a campanha contra
a tuberculose e outras propagandas. Podem também revestir-se de um caráter mais
divertido e serem, então pequenas histórias em quadros, inclusive desenhadas pelos
primeiros alunos e acompanhadas de legendas escritas por eles, ou sem legendas,
para que eles as imaginem, isto é, propriamente, já o problema da “interpretação” da
projeção. Problema vasto: qualquer projeção pode servir de pretexto a qualquer lição,
e, portanto, dar origem a que se reproduza a coisa projetada ou que com ela se tenha
revelações: uma composição, uma representação etc.”
O Jornal do Comércio
20/08/1929

O cinema escolar não se iniciou em 28, com a Reforma Fernando Azevedo, mas foi
esta reforma que deu ao cinema na escola um desenvolvimento que até então não se tinha
visto .Entre 1916 e 1918 houve o projeto Cinema Escolar criado pelos Inspetores Escolares do
Distrito Federal(Rio de Janeiro) José Venerando da Graça Sobrinho e Fábio Lopes dos Santos
Luz.(FERREIRA:2004) Eles produziam os scripts e contratavam alguém para filmar, pois não
dominavam a tecnologia. Produziram vários filmes e eu tive a curiosidade de ver um deles no
acervo da CENP da Secretaria de Estado da Educação em 1983, época em que trabalhei
lá por seis meses mas fui obrigada a me demitir, depois de fazer o Festival de Inverno de

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação

Campos de Jordão com Claudia Toni e Gláucia Amaral por não agüentar o cerceamento de
ações justamente no início da segunda democratização do Brasil, depois da segunda ditadura
que sofremos. Imaginem que em uma reunião me ofereci para convidar Paulo Freire para
conversar conosco e não aceitaram. Perguntei por que, pois imaginava que todos tivessem
estado como ele e como eu contra a ditadura. A resposta foi – Porque se a gente deixar você
domina tudo aqui. Confesso que neste dia me convenci que a Universidade era mais aberta
pois não me cerceava desde que eu trabalhasse sem dinheiro, o que fiz quase a vida toda.
Havia também no acervo da CENP muitos filmes produzidos por Humberto Mauro, ícone
da historia do cinema brasileiro, que também junto com Roquete Pinto ajudou a construir a
história do cinema na educação.
Cecília Meireles se empenhava nas relações internacionais com a América Latina e
com a Europa também, como demonstra este artigo abaixo que escreveu sobre a Maison des
Petits, escola de aplicação do Instituto Jean Jacques Rousseau em Genévè dirigido na época
por Claparede
A Dra Helena Antipof assistente de Claparede no Instituto Jean Jacques Rousseau
(IJJR) já se encontrava trabalhando no Brasil, quando Cecília Meireles publicou no Diário de
Notícias este artigo sobre a Maison des Petits, laboratório teórico/prático do IJJR. De certa
forma já estava preparando a visita de Claparede ao Brasil que como sabemos chegou ao Rio
de Janeiro dois meses depois , em setembro de 1930 Nesta época no IJJR trabalhava Piaget,
que posteriormente mudou o nome do Instituto, ou pior fechou-o para no seu lugar criar uma
Faculdade de Ciências Pedagógicas onde realizou toda sua obra.

A FORMAÇÃO DA JOVEM EDUCADORA


Como se trabalha na Suíça, na Maison des Petits
A Maison des Petits, essa casa em que se aprende a respeitar a criança e a conduzi-
la, pelo amor esclarecido à descoberta e ao desenvolvimento de suas possibilidades,
representa na Suíça, um laboratório, da infância, onde futuras professoras ensaiam as
suas aptidões observando e experimentando alunos e métodos:
Com o fim de divulgar a finalidade e as realizações da Maisson des Petits,
suas diretoras, as senhoras Audemars e Lafendeliii publicaram um pequeno livro
interessantíssimo para os pais, os professores, e todos os que se interessam por
compreender a alma infantil e os processos atuais de educação.
É dessa obra que extraímos a seguinte passagem, que encerra algumas
observações e conselhos dignos de atenção pela autoridade de quem os escreveu.
O Instituto JJ Rousseau, criado em Genebra em 1912, escola de ciência
em educação e ao mesmo tempo laboratório de investigação, sentiu inicialmente a
necessidade de constituir um meio educativo, onde se pudesse fazer a verificação
prática dos aperfeiçoamentos e reformas sugeridas pelo conhecimento mais profundo

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação

da psicologia da criança. Com esse fim fundou em 1913 a casa da criança.


As alunas que pensam dedicar-se especialmente à educação das crianças
menores, praticam nela durante 1, 2, 3 anos segundo o fim que pretendem alcançar.
O programa do trabalho infantil que acabamos de trabalhar indica muito
claramente o das jovens educadoras.
Enfrentando desde o primeiro momento os problemas práticos, iniciam-se elas
no trabalho pessoal. Durante o tempo de que dispões (3 manhãs por semana) as alunas
do primeiro ano se repartem, desde o começo, pelos cinco grupos do primeiro plano.
Cada uma delas sucessivamente consagra mais ou menos um mês aos estudos
das diferentes atividades; no fim do mês apresenta um resumo das suas observações,
das dificuldades que surgiram, dos problemas que tiveram que resolver.
Impõe-se uma colaboração incessante: a aluna que estudou e colecionou os
desenhos de uma criança deve conhecer as manifestações desta mesma criança,
suas diversas atividades; para isso, pede informações às companheiras que estão
encarregadas de outros grupos: construção, modelagem, cálculo, línguas, etc, e assim
pode conhecer com certeza o desenvolvimento da criança e traçar sua monografia.
Estuda-se, pois praticamente, toda a evolução das atividades infantis, servindo
o quadro dos períodos de desenvolvimento como guia precioso para precisar as
observações.
No decorrer das suas ocupações a criança multiplica as suas perguntas,
colocando a educadora na obrigação de responder.
Assim por exemplo: na aula da construção: Porque se sustentam os barcos na
água? (François). Como é que o funicular pode subir o morro? Na aula de línguas, como
que sai o carvão da terra? (Louis) Na aula de modelagem, Daniel examina sua mão e ao
fechá-la apertando o barro, exclama, recordando as dobradiças de uma porta: meus
dedos fazem como as portas. E assim por diante.
Este é um dos problemas mais interessante para o educador: Conhecidas as
necessidades da criança, saber alimentar e estimular seu espírito de curiosidade. É
preciso estar-se disposto a dar informações sobre todos os assuntos que lhes interessam.
Para isso é necessário documentação.
Possuímos uma biblioteca bem provida que está à disposição das alunas que tem
de por-se em condições de saber fazer e alimentar a curiosidade científica no período
do conhecimento.
As lacunas do segundo ano, que aspiram ao diploma da casa da criança,
encarregam de assumir a responsabilidade de pequenos grupos de criança de 6 a 7
anos. Também estudam um tema particular que elas mesmo escolhem; este ano uma
delas escolheu o ensino da leitura e se iniciou no método Decroly; outra escolheu a
iniciação matemática, e a terceira especializou-se principalmente para informar as

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação

crianças sobre a origem da navegação. Com este fim organizou uma série de ilustrações
outra de uma série de narrações e construiu pequenas máquinas destinadas a fazer
com que a criança compreenda a força e o papel do vapor.
Toda organização e o ambiente da casa às conduz a esta lei pedagógica: uma
lição deve ser uma resposta (Dr. Claparede).
Cada dia de trabalho dá lugar a palestras, discussões, induz o aluno a novas
investigações, e estimula o desejo de aperfeiçoar-se. Reúne-se uma vez por semana
um curso de 2 horas, com cada grupo de alunas (primeiro e segundo ano). As alunas
adiantadas apresentam trabalhos pessoais relativos aos seus ensaios de prática; todas
juntas estudam o material empregado com a criança, os diferentes métodos de ensino
Froebel, Montessori, Dewey, Decroly, etc....
A aluna que quiser pode iniciar-se praticamente nestes métodos, reservando-se
uma pequena sala para esse fim. O material completo está a sua disposição e pode
organizar um ensaio com um pequeno grupo de crianças.
Reservam algumas horas por semana para preparação do material de ensino,
jogos educativos de toda espécie, por exemplo: Tendo uma aluna notado um defeito
qualquer de linguagem em uma criança, estudou para preparar por meio de ilustrações
exercícios próprios que o corrigissem.
Tem também de aprender a conhecer a guiar a criança nos seus brinquedos ao ar
livre, no trabalho de jardinagem, nos seus passeios, visitas aos museus, oficinas, etc...
O campo e experiências é muito grande. Só podemos falar aqui do trabalho feito
sob a nossa direção e é necessário consultar o programa do Instituto Rousseau para
inteirar-se da grande quantidade de cursos e ensinamentos que se oferecem às alunas.
A educadora digna deste nome deve ser viva, entusiasta, livre de interesses
pessoais e de idéias fragmentárias e pré concebidas. Deve possuir as qualidades
indispensáveis de espírito curioso, investigador, experimentador, e se deixará sempre
levar pelo amor e pela dedicação à criança. Sem se deixar dominar ou encadear por
nenhum método procurará não unir se à letra que mata, mas ao espírito que vivifica.
As leis de psicologia da criança ditar-lhe-ão as leis da psicologia do professor. Ai
estão algumas delas deduzidas da nossa prática diária e formuladas com nossas alunas
no decorrer de nossas palestras.
Diário de Notícias 09/07/30

Despretenciosamente, como verdadeira educadora Cecília Meirelles se interessava


muito pelo ensino nos Jardins da Infância. Daí se justificar a escolha de centrar a entrevista
com Crescente Coccaro sobre o tema dos Jardins de Infância e de preparar o publico leitor do
Diário de Notícias para a chegada de Claparede escrevendo justamente acerca do Jardim de
Infância do Instituto Jean Jacques Rousseau,

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Cecília Meireles: defensora da Educação Moderna, das Artes e do Cinema na Educação

O modernismo em Arte e Educação teve uma escritora como Cecília Meireles escrevendo
nos jornais para convencer o público da necessidade do “aprender fazendo”. A virada pós-
moderna que acrescentou a necessidade do ver além do fazer Arte e a necessidade de
ampliar a visão da Escola para além de seus muros tomando em consideração a cultura dos
alunos , a cultura do meio, a cultura historicamente organizada e a cultura contemporânea,
não encontrou nenhum apoio nos meios de comunicação.

Notas
i Os artigos e entrevista de Cecília Meireles apresentados neste artigo são inéditos e portanto não
fazem parte das coletâneas publicadas.
ii Agora no Brasil chamamos educação continuada.
iii Trata-se do livro AUDEMARS, Mina e LAFENDEL,Louise.La Maison dês Petits de l’Institute Jean
Jacques Rousseau.Neuchatel:Delachaux et Niestle S.A.sem data

Referências
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, 9 jul. 1930.

DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, 23 jul. 1930.

DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, 19 out. 1930.

O JORNAL DO COMÉRCIO. Rio Grande do Sul, 20 ago. 1929.

MEIRELES, Cecília.”Historia da Educação no Brasil” In Obra em Prosa: Crônicas de Educação.


Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira/MINC, Fundação Biblioteca Nacional,2001.

MENDONÇA, Amélia da Motta. O cinema escolar na história da educação brasileira:


a sua ressignificação através da análise de discurso. Dissertação de mestrado apresentada
ao Programa de Educação da Universidade Federal Fluminense. Orientadora Clarice Nunes.
Niteroi, 2004.

NEVES, Margarida de Souza, LÔBO, Yolanda Lima, MIGNOT, Ana Chrystina Venâncio. Cecília
Meireles: a poética da educação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Loyola, 2001.

PIMENTA, Jussara S. Fora do outono certo nem as aspirações amadurecem: Cecília


Meireles e a criação da biblioteca infantil do Pavilhão Mourisco (1934-1937). Dissertação de
Mestrado.Departamento de Educação/PUC-RJ, 2001.

CRESPO, Regina Aida. Cultura e política : José Vasconcelos e Alfonso Reyes no Brasil (1922-
1938). Revista de História, São Paulo, ANPUH. v. 23, n.45 , 2003 p.187-207.

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a n a c o n s t it u iç ão de
a ç õ e s e n t r e m o da e músic c k Music
As inter das influê n c ia s d a B l a
s : u m a a n á l is e
identidade . em G eo gr afia ; P ro fª PPG Design: UE
MG
ro ; Dra
Conceição Ribei
Rita Aparecida da
om.br
rita_ribeiro@uol.c

Resumo
Esse trabalho analisa a interface entre a moda e a música a partir
da perspectiva de análise da constituição de modelos identitários
por ela disseminados. Tomamos como objeto empírico a Black
Music que surge nos anos 60 nos Estados Unidos, dando origem
ao movimento soul, em seus reflexos na moda e na constituição
de um ideal de identidade e orgulho negros. Entendemos que
a moda black surgida a partir dos anos 60 do século passado,
ainda hoje é um determinante na constituição da identidade de
determinados grupos sociais, como a tribo hip-hop e, sendo um
fenômeno duradouro e com características políticas marcantes,
merece uma análise mais apurada.

Palavras-Chave: moda; black music; identidade

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As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da Black Music

A moda e a música - a construção de um referencial identitário


A moda diz respeito a uma questão essencial para nossos contemporâneos,
talvez a mais essencial de todas: a de sua identidade. Sendo assim, interpretar
esse fenômeno como um sinal suplementar do materialismo do Ocidente
apenas leva a torná-lo incompreensível (ERNER, 2005, p. 219).

Os fenômenos que povoam o universo da moda, ainda que muito discutidos, ganham
perspectiva acadêmica somente a partir do final do século passado. Desde a antiguidade
os trajes já eram considerados elementos de diferenciação social. Nobres distinguiam-se de
plebeus, trabalhadores rurais do homem citadino. Distinções acerca da etnia e da religiosidade
revelavam-se pelos trajes usados. No transcorrer do século XX, principalmente no período pós
Segunda-Guerra, a moda começa a ser disseminada em grande escala, com o advento do
prêt-a-porter, com os modelos prontos, que podiam ser adquiridos nos magazines em todo o
mundo. No final dos anos 50, a geração baby-boom busca nos tipos sociais estereotipados
no cinema e na música os modelos de filiação e de afirmação de sua identidade. A grande
revolução na vestimenta começa a partir desse momento.

Para compreender como os novos significados são conferidos a itens de


vestuário, e o papel da cultura popular nesse processo, lançarei mão de teorias
segundo as quais alguns itens da cultura popular, entre eles o vestuário, são
‘abertos’, pois são frequentemente redefinidos tanto pelos criadores de cultura
como pelos consumidores. O cinema e a música são elementos importantes
nesse processo. Ao associar imagens de destaque a peças de roupas
específicas, ambos alteram o significado dessas peças e seu poder simbólico
para o público (CRANE, 2006, p. 339).

A moda, assim como a música, que começa a surgir a partir do final dos anos 50 tem
nos jovens seu público alvo e principais disseminadores das novas tendências. A moda para
os jovens começa a representar uma primeira forma de diferenciação e identificação dentro de
seu grupo social.

Entretanto, essas tendências, populares particularmente entre os jovens,


mostram mais uma vez que a moda é antes de tudo uma maneira de elaborar
a identidade. Pela aparência que assume, um indivíduo se situa em relação aos
outros, como também em relação a si mesmo. Nessas condições, a moda é
um dos meios que ele utiliza para se tornar ele mesmo (ERNER, 2005, p. 220).

Esse trabalho pretende discutir a influência da música na moda, a partir da constituição


de modelos identitários por ela disseminados. Tomamos como objeto empírico a Black Music
que surge nos anos 60 nos Estados Unidos, dando origem ao movimento soul, em seus
reflexos na moda e na constituição de um ideal de identidade e orgulho negros. A escolha

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As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da Black Music

do objeto é parte da pesquisa desenvolvida no doutorado que gerou a tese Identidade e


Resistência no Urbano: O Quarteirão do Soul em Belo Horizontei Entendemos que a moda
black surgida a partir dos anos 60 ainda hoje é um determinante na constituição da identidade
de determinados grupos sociais, como a tribo hip-hop e, sendo um fenômeno duradouro e
com características políticas marcantes, merece uma análise mais apurada.
A indumentária derivada da influência de cantores é claramente percebida ao longo dos
anos. Basta pensar no visual rebelde de Elvis Presley, nos modelos de “bons rapazes” dos
Beatles no início de sua carreira e do visual hippie que marcou o momento de sua separação.
A moda grunge disseminada pelos grupos de Seatle, até o visual rebelde-retrô da cantora
Amy Winehouse. No entanto, a moda black, não apenas influenciou na construção visual de
determinado grupo social, mas foi principalmente uma declaração de identidade e de princípios
políticos, bandeiras que hoje a moda carrega com propriedade, mas que, até então, não era
algo habitual.
Buscamos assim entender as origens da moda black, sua influência no movimento soul
e mais especificamente no movimento soul no Brasil e perceber a moda, principalmente a moda
black, como um fator de identificação social que ainda hoje é referência para determinados
grupos.

A roupa faz o homem


Crane observa que a atenção com o visual já fazia parte das preocupações da
comunidade negra nos Estados Unidos desde o final do século XIX. Ela ressalta que parte
desse cuidado diz respeito ao fato destas pessoas sentirem necessidade de se apresentar
bem nos eventos sociais (igreja, passeios).

Desde o final do século XIX, as roupas têm tido um significado especial na


cultura negra americana, em parte por causa da importância atribuída por
homens e mulheres à apresentação pessoal nas ruas de bairros negros e em
igrejas. Uma importante fonte de entretenimento para ambos os sexos era
andar pelo bairro exibindo as próprias roupas e observando as dos outros. Os
rapazes, particularmente, orgulhavam-se bastante de se vestir elegantemente.
(CRANE, 2006, p. 379-380).

Essa preocupação com o visual diz respeito, em primeiro lugar, aos momentos de lazer.
A autora apresenta uma discussão da separação entre a vestimenta de trabalho e do lazer,
como forma de diferenciação social. Enquanto a roupa de trabalho revela o status econômico
e social, essa distinção deixa de existir na roupa de lazer. As atividades de lazer criam uma
outra esfera de inserção social, que não a da estratificação econômica.

[...] As sociedades contemporâneas são caracterizadas por uma disjunção


entre economia e cultura, entre trabalho e lazer. Isso sugere que, com base em

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ocupações e profissões, a população é diferenciada em classes sociais distintas


cujos membros devem exibir identidades marcadas por tipos de atitude e
comportamento característicos no local de trabalho. Fora da esfera econômica,
as bases de estratificação são configurações culturais fundamentadas em estilo
de vida, valores e conceitos de identidade pessoal e de gênero. As atividades
de lazer, entre elas o consumo, moldam as percepções que os indivíduos têm
de si mesmos e, para muitos, são mais significativas que o trabalho. (CRANE,
2006, p. 44).

A construção da imagem social do indivíduo nos momentos de lazer diferencia-o das


atividades cotidianas. Novos papéis podem ser assumidos, em momentos específicos, sem
que haja o comprometimento da identidade do indivíduo, que alterna seus papéis sociais.
Assim o indivíduo pode se apresentar sobriamente em seu ambiente de trabalho e assumir seu
lado glamouroso nas noites de sábado na pista de dança.

Os indivíduos são tão mais lúcidos em relação às suas escolhas de vestuário


que doravante se tornam superinformados sobre os significados dos looks.
Além disso, a uniformização das aparências não resulta da imitação de um
modelo sugerido pelas classes dominantes. Nossa sociedade se caracteriza
por sua reflexividade, sua capacidade de decifrar os símbolos sociais que são
as roupas ou as marcas. Esses símbolos podem informar sobre a posição
social de um indivíduo, às vezes também sobre seu nível de renda. Contudo,
são sobretudo instrutivos a respeito da imagem que este último quer refletir.
(ERNER, 2005, p. 226).

A escolha da roupa hoje reflete muito mais a opção de apresentar-se ao outro e demarcar
questões de identidade, do que a simples imitação de um modelo sugerido pelas instâncias de
formação de opinião, surgidas geralmente a partir dos apelos midiáticos. A escolha da roupa,
muitas vezes, reflete a maneira do indivíduo perceber-se no mundo.

A variedade de opções de estilos de vida disponíveis na sociedade


contemporânea liberta o indivíduo da tradição e lhe permite fazer escolhas
que criem uma auto-identidade significativa. A construção e a apresentação
do eu tornam-se preocupações importantes na medida em que uma pessoa
reavalia continuamente a importância de eventos e compromissos passados
e presentes. O indivíduo constrói um senso de identidade pessoal ao criar
‘narrativas próprias’ que contenham sua compreensão do próprio passado,
presente e futuro. (CRANE, 2006, p. 37).

Essa identidade se constrói a partir da vestimenta, traz os elementos que refletem a


forma como o indivíduo quer se inserir, e principalmente, a forma como este quer ser percebido
pelo grupo. No depoimento do cantor Gerson King Combo, uma das personagens centrais da
soul music nos anos 70 no Brasil já está estampada a preocupação da mensagem que deveria

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ser percebida pelos fãs:

Aí nós criamos aquela imagem de uma pessoa forte, bem nutrida, pobre da
periferia, mas com saúde. Mostrar que a gente não vivia sob aquele [...] não
era tudo crioulo que era tudo maluco, como é que falavam: ‘esse negão aí’.
Então a gente botou aquela imagem. Minha falecida esposa, Angélica Maria,
criou a grife, criou a imagem. Ela me vestia dos pés a cabeça, mandava fazer
as botas, quer dizer, ela criou a imagem da pessoa, do King. King o forte,
gordo, bem nutrido, come bem. Eu adorei porque as pessoas me curtem até
hoje. E o que acontece no soul? Eu não posso me apresentar assim, sem
aquela vestimenta porque parece que, eu estou disfarçado, eu ando na rua
quase ninguém me conhece. Se eu botar certa touca, aí na mesma hora. Quer
dizer, ficou a imagem. (Gerson King Combo, 02 jul. 2007).

O surgimento do movimento soul e a ascensão da cultura juvenil

Foto 01 - James Brown - o ícone da Black Music


Fonte: Ribeiro, 2008.

A trajetória da black music no século XX começa a ter seu papel escrito a partir do blues.
Atribui-se sua origem ao lamento dos escravos trazidos para os campos dos Estados Unidos. De
suas origens africanas, os negros trouxeram os chamados hollersii gritos de entonações fortes
e diferentes que identificavam seus emissores. Eram, a princípio, uma forma de comunicação
nos campos do sul do país, mas também podiam ser ouvidos nas grandes cidades, nas
vozes de vendedores que anunciavam seus produtos de maneira peculiar. Grande parte dos
pesquisadores atribui o desenvolvimento do blues às work-songs, canções que objetivavam
organizar o trabalho escravo, conferindo-lhes ritmo e cadência. O spirituals, hinos religiosos

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criados pelos negros a partir de histórias da Bíblia, também exercem uma grande influência no
surgimento do blues, pois os seus acordes básicos são derivados da harmonia européia das
canções religiosas. A difusão massiva da música nos Estados Unidos ocorre com o advento
do rádio e da evolução da indústria fonográfica, que percebe nas diversas variantes do blues e
em seus consumidores espalhados por todo o país, um mercado potencial e em crescimento.
O período pós Segunda-Guerra, marcado por uma atmosfera de otimismo e prosperidade
econômica, alavanca a indústria dos gadgets, incluídos aí os toca-discos proporcionando
um aumento de público para os produtos musicais e a incorporação de uma nova massa
de consumidores: os jovens. A incorporação dos estilos musicais vindos dos guetos, a
crescente indústria de consumo de massa cada vez mais voltada para o público jovem e o
desenvolvimento acelerado dos veículos de comunicação tendo em primeiro lugar o rádio e
posteriormente a televisão, possibilita a difusão dos gêneros musicais e sua assimilação por
camadas cada vez maiores de jovens, ávidos pela identificação com os novos ídolos que
começam a surgir.

A novidade da década de 1950 foi que os jovens das classes alta e média, pelo
menos no mundo anglo-saxônico, que cada vez mais dava a tônica global,
começaram a aceitar a música, as roupas e até a linguagem das classes baixas
urbanas, ou o que tomavam por tais como modelo. O rock foi o exemplo mais
espantoso. Em meados da década de 1950, subitamente irrompeu do gueto
de catálogos de ‘Raça’ ou ‘Rhythm and blues’ das gravadoras americanas,
dirigidos aos negros pobres dos EUA, para tornar-se o idioma universal dos
jovens, e notadamente dos jovens brancos. (HOBSBAWM, 1999, p. 324).

O rock passa a ditar comportamentos que rapidamente são incorporados pela indústria
do entretenimento, a partir da criação dos novos grupos e artistas brancos, que incorporam os
elementos da black music abrindo espaço para o consumo de seus produtos.

A mudança mais importante (para o blues) foi a emergência de músicos e de


orquestras brancas de blues [...] esse desenvolvimento reflete a utilização do
blues enquanto componente da cultura juvenil [...] o blues passa, assim, de
uma música puramente negra a uma música substancialmente internacional [...]
Certamente trata-se do desenvolvimento mais inesperado, mas ele aconteceu.
(OLIVIER apud HERZHAFT, 1989, p. 108).

Enquanto no final dos anos 50 o quadro de efervescência política se acentua,


principalmente nos Estados Unidos, surgindo com mais força os movimentos pela igualdade
dos direitos civis, a música negra, cada vez mais aceita pelos brancos, vive uma outra fase.

Progressiva e implicitamente, era toda a atitude dos negros no passado


que denunciavam vozes cada vez mais numerosas. O blues, que tinha sido
a principal expressão cultural dos negros mais pobres e mais explorados,

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aparecia como que ligado a uma condição degradante, da qual não se queria
mais ouvir falar. Em contrapartida, a Igreja conduzia a luta de libertação dos
negros e sua tradição musical - o gospel - ainda ganhava consideração.
(HERZHAFT, 1989, p. 113).

Ao associar-se o rhythm and blues (música profana) ao gospel (música protestante


negra eletrificada descendente dos spirituals) temos o surgimento do Soul. O soul visava o
resgate para os negros de um ritmo autenticamente negro. Herzhaft chama a atenção para o
fato:
Os críticos e historiadores em geral saudaram com bastante justiça o papel
incomparável e bem concreto de ponte entre as raças que desempenhou a
música negro-americana. É verdade que os artistas negros mais ecléticos
obtiveram sucesso junto ao público branco. O que, entretanto, não notaram
a maior parte do tempo é que, à medida que as formas de música negra
tornaram-se populares entre os brancos, deixaram de sê-lo entre os negros,
que, em contrapartida, criaram novas expressões musicais, procurando em
um movimento espontâneo de desafio conservar a especificidade e a alma
(soul) do povo negro-americano. (HERZHAFT, 1989, p. 99).

A soul music, portanto, demarca os “limites com a América branca” ao utilizarem uma
linguagem específica denominando-se “irmãos” - brothers e “irmãs” - sisters, “que reunia-se
em uma comunidade solidária e fraternal que brilhava pela alma (soul)”. A pobreza, associada à
discriminação racial, somada ao fervor religioso desencadeado pelo gospel foram os elementos
que nutriram a cultura que no final dos anos 60 seria sinônimo de reação aos maus-tratos,
da busca da igualdade entre os homens e do orgulho racial - a soul music, tanto nos Estados
Unidos, como posteriormente em outras partes do mundo, inclusive no Brasil.

A soul music no Brasil: dos bailes Black aos festivais

Foto 02 - Tony Tornado no V FIC


Fonte: Disponível em: <http://weloverocknrollprincipal.blogspot.com/2010/05/v-fic-festival-internacion al-da-
cancao.html>.

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A chegada do movimento soul em nosso país coincide com o auge da ditadura militar.
No final dos anos 60 e início dos 70 começam a despontar os primeiros bailes no Rio de
Janeiro. Em pouco tempo surgem várias equipes de som que promovem bailes por toda
a cidade. Em alguns bailes são apresentados filmes que exaltam o orgulho racial. Por essa
mesma razão, são fortemente controlados pelas forças policiais.
Nesse período, fortemente marcado pela repressão política, surgem os festivais de
música, promovidos pelas redes de televisão com o apoio, e até mesmo patrocínio, em alguns
casos, do governo militar.

Nesse período a Record contratou Solano Ribeiro, que realizara o I Festival


de Música Popular Brasileira na Excelsior em 1965 e trouxe a estrutura de
competição dos festivais para a Record. Ribeiro se inspirou no modelo italiano
dos festivais de San Remo. Após o I Festival de Música Popular Brasileira,
seguiram-se outros, começando o período da Era dos Festivais, que durou
até 1972, um dos momentos mais expressivos de produção musical. [...] O
sucesso artístico e de público do empreendimento da Record levou a Globo
a realizar os Festivais Internacionais da Canção, que duraram até o início dos
anos 70, atraindo grandes nomes da música brasileira e estrangeira. (ROCHA,
2007, p. 142).

Os festivais da canção tornaram-se uma ferramenta de propaganda do governo brasileiro


ao apresentarem um clima de alegria, estimulado também pelas campanhas capitaneadas
pelo sucesso de Dom & Ravel “eu te amo meu Brasil”, ou pelos versos que comoviam “90
milhões” saudando a seleção brasileira, tricampeã mundial em 1970, compostos por Miguel
Gustavo. Os Festivais Internacionais da Canção (FIC), realizados em 07 edições (de 1966 a
1972) no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro tiveram o apoio da Rede Globoiii, emissora que
teve um crescimento vertiginoso a partir do governo militar.

Gradualmente o festival se transformava numa grande janela escancarada para


mostrar a felicidade do povo brasileiro. As odiosas vaias de cunho político eram
coisa do passado. […] A liberdade manifesta na assistência do Maracanãzinho
era um símbolo vivo, talvez até mais valioso e eficaz que as ações da AERP
(Assessoria Especial de Relações Públicas) promovidas no governo anterior.
Claro, liberdade desde que não ofendesse a família brasileira (MELLO, 2003,
p. 368-369).

A realização do V FIC em 1970, precedido pela conquista do tricampeonato mundial no


futebol, trazia um clima de euforia. Trazia também entre os concorrentes uma forte influência
da soul music, já demonstrada na apresentação da primeira concorrente da noite, em 15 de
outubro.

No novo palco os títulos das canções, autores e intérpretes apareciam em

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três círculos iluminados acima das folhas de três portas giratórias por onde
surgiam os cantores. Os dois primeiros eram Mariá (revelação de cantora no
FIC anterior) e Luís Antônio (também premiado em outros festivais) à frente do
grupo com seis músicos - todos negros vestindo batas africanas coloridas,
liderados pelo pianista Dom Salvador ao órgão, para interpretar ‘Abolição
1860-1980’, dele e Arnoldo Medeiros, gênero spiritual. ‘Não, não se pode falar
em Black Power ou coisa assim’, declarou a cantora quando indagada se a
música tinha caráter político no tocante a racismo. ‘Tem grande vinculação
com a raça, raízes negras [...] mas sem intenções racistas, só musicais’. A
apresentação da primeira concorrente, bastante aplaudida, dava a pista do
que seria a tônica desse ano, a produção cênica das canções alimentada pela
soul music. Sendo artistas negros então, as chances eram maiores (MELLO,
2003, p. 373).

Nesse festival, dominado pelos ritmos da black music que esteve presente em várias
composições, dois nomes causaram sensação em suas apresentações: o maestro Erlon
Chaves, que com a composição Eu Só Quero Mocotó desafiava a plateia ao ser beijado e
reverenciado por mulheres brancas. E no estilo James Brown e do Harlem novaiorquino surge
Toni Tornado, com cabelo, dança e gestos do movimento black power, cantando BR-3. As
reações às apresentações de ambos levaram a plateia ao delírio, mas desagradaram muitos
setores da conservadora sociedade brasileira. Os problemas e perseguições acarretados
aos dois intérpretes serão mais um episódio lamentável de nossa história. No entanto, sua
participação alavancou o movimento soul em todo o país.
Mello (2003, p. 390) afirma que o “V FIC deixou um rastro de racismo, uma marca
de preconceito contra artistas da raça negra”. No entanto, se por um lado a repressão nos
bastidores aconteceu com tanta força, por outro, o que foi visto por milhares de negros foi
outra. O V FIC foi uma demonstração do poderio do negro, de seu talento e orgulho da
raça. A revolução da black music no país já estava em marcha, em um processo que parecia
irreversível.

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A moda black como declaração de identidade: do Black Rio ao


Quarteirão do Soul em Belo Horizonte

Foto 03 - Sapatos bicolores - marca da identidade black


Fonte: Ribeiro, 2008.

Percebe-se que a partir dos anos 60, com a ascensão dos movimentos pela igualdade
racial, sexual, movimento feminista, movimento hippie e o movimento estudantil, entre outros, a
moda passa a ter características políticas. O vestir torna-se uma declaração político-ideológica.
A moda black representa o movimento de afirmação da identidade negra.

Pode-se afirmar que a moda soul iv, como toda moda, mantém uma relação
direta e ininterrupta com o costume. Mas, por seu compromisso específico
com um grupo étnico em condição minoritária, o diálogo estabelecido é duplo
ou, se se prefere, referido a dois diferentes costumes ou tradições. De um lado,
a moda soul dialoga com o costume dominante na sociedade envolvente,
tomando-o como referência a partir da qual procura se distanciar e diferenciar.
De outro lado, ela evoca - e dialoga - com o costume e a tradição nos quais
o grupo vai buscar resgatar sua originalidade e o que seria sua autenticidade
(GIACOMINI, 2006, p. 201).

A moda black, principalmente aquela surgida no Rio de Janeiro, a partir do movimento


denominado Black Rio, alternava-se entre a extravagância das vestimentas coloridas e da
influência afro e a elegância composta pelos ternos, possibilitando uma alternativa em relação
à moda tradicional vigente, e carregava na escolha a peculiaridade dos grupos de filiação,
como apresenta o DJ da época Mr. Funky Santos:

Porque a partir de determinado momento a gente começou a criar a nossa


própria maneira de vestir. Que era muito elegante. Porque era uma roupa que
batia com a gente. Diferente de você chegar ali e comprar uma roupa numa
butique. Era diferente você comprar uma roupa numa loja. Você fazia a sua
roupa. A calça vinha na sua medida, o sapato vinha na sua medida, os sapatos

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eram umas obras de arte porque eram sapatos com tom sobre tom que eles
chamavam de salada de frutas. (Mr. Funky Santos, 03 jul. 2007).

A moda black foi, nesse momento, um determinante para a afirmação da identidade


negra.

A importância é o seguinte, é a identificação porque existia um provérbio


antigo que assim, pelo que você está vestido, pelo que você tem você mostra
a tua personalidade. O carioca era muito galhofeiro. Eles não andavam bem
vestidos, eles andavam mais esbugalhados. O carioca arrumava cada sapato
de 3 andares e não sei o quê, mas era bonito, era coisa bonita, mas só que
por um lado, eu fazia aquele negro bem vestido, com tipo. Fazia justamente
para eles copiarem. Alguns copiaram, mas a maioria da periferia já andava
com uma galhofa. Cada um que pintasse mais coisa viesse mais colorido,
era mais olhado pelas meninas. Em 1975 quando estava aflorando o Black
Rio existia até desfile, o mais bonito negro, a mais bonita, o mais dançarino,
o casal mais dançarino. Então as roupas influenciavam muito até por questão
deles se identificarem no grupo. Aquele grupo, aquele é da gravatinha, aquele
é paletó e fazia paletó, terno, gravata. Eles se sentiam gente, se sentiam
maravilhosamente gente, porque nunca se usou terno e gravata, não tinha
oportunidade. (Gerson King Combo, 02 jul. 2007).

Os trajes alternavam os elementos da cultura convencional, ou seja, terno e gravata, ou


usavam variações da moda também convencional, mas adaptando-as à sua visão de mundo e
aos apelos da identidade black. Eram comuns camisetas com desenhos de capas de discos,
frases de exaltação do soul power, ou do black power. Mas o principal, como revela a fala de
King Combo é o fato de a moda demarcar um sentimento de valorização, de auto-estima, em
suas palavras “de se sentir maravilhosamente gente”.

Sendo um amálgama de materiais extraídos de diversas fontes, os estilos de


roupas têm significados diferentes para diferentes grupos sociais. Assim como
alguns gêneros de música e literatura populares, os estilos de roupas são
significativos para os grupos sociais em que se originam ou para aqueles aos
quais são dirigidos, mas frequentemente incompreensíveis para os que estão
fora desses contextos sociais (CRANE, 2006, p. 47).

A distinção entre os grupos era fortemente marcada pelas visões políticas com as quais
se identificavam no momento, e passava ao largo de outros setores da sociedade que não
tinham (ou ainda hoje não têm) afinidade com o estilo dos blacks. Existiam basicamente dois
grupos: o que se identificava com os ideais africanos e aquele mais próximo ao poder negro
do Black Panther. Dom Filó, responsável pelos mais prestigiados bailes no Rio e pela equipe
de som Soul Grand Prix, era adepto deste último e explica a distinção:

Você tinha aqueles que eram apaixonados pela África, usavam aquelas calças

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coloridas, o cabelo também era afro ou trançado. Na época não era muito
trançado era mais afro porque não tinha ainda a leitura das tranças, mas já
tinham os coquinhos que eram feitos em casa, que ganharam publicamente
a rua com aqueles barbantes coloridos. E as batas que eram características
daquele jovem, o consciente. (Dom Filó, 03 jul. 2007).

Foto 04 - O cantor Stevie Wonder e o modelo afro


Fonte: Disponível em: <http://www.steviewonder.org.uk/Songs/HotterThanJuly/master6.jpg>

Convivendo com o modelo afro, o visual Black, inspirado no grupo político norte-
americano Black Panthers, que era mais agressivo.

E por outro lado tinha aquele que já fazia o visual diferente que era o black, o
visual que começamos a assumir. Você tinha na época, muito pouca opção
de roupa. Não tinha silk screen, não tinha nada. Você tinha camisas que eram
pintadas pelos próprios blacks e eles tiravam, alguns especialistas pintavam,
das próprias capas dos discos que geralmente eram da Soul Grand Prix, de
James Brown. Eles pintavam aquelas camisas coladas no corpo que eram
malha Hering mais baratas, mas sempre calça jeans que na verdade deixou
de ser Alpargatas para ser a calça Lee que começaram a ser compradas
no câmbio negro, geralmente nas zonas de cais do porto. Então você tinha
algumas coisas que eram praxe, as calças jeans que vinham largas e eram
todas apertadas no contexto Black e os sapatos eram todos característicos
porque eles eram plataformas que tinham dois andares, coloridos, tinham todo
um outro traçado. Você tinha, além disso, o visual. Então o visual do cabelo
começa a ser o seguinte, quanto maior mais lindo, mais bonito, mais maneiro,
mais formoso. (Dom Filó, 03 jul. 2007).

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Foto 05 - Os Panteras Negras


Fonte: Disponível em: <http://www.realhiphop.com.br/black-panthers/hot_blackpanthers.htm>.

Assim, outro elemento fundamental na composição do visual black era o cabelo, que
pela primeira vez era usado ao natural, sem alisar e em tamanho maior. No auge do movimento
soul, no final dos anos 60, a maioria dos cantores aderiu ao visual black power, de James
Brown a Toni Tornado.

O penteado soul é um exemplo desse duplo diálogo: o volume, a textura e a


produção do penteado expressam, ao mesmo tempo, o compromisso com o
que se representa como sendo o costume ancestral e marcam a diferença face
ao rejeitado penteado do padrão eurocêntrico. (GIACOMINI, 2006, p. 201).

A rejeição ao modelo tradicional dos cabelos, quase raspados para os homens ou


alisados para as mulheres revela também uma rejeição ao padrão de comportamento da
geração anterior e um inconformismo com as regras estabelecidas:

Para falar a verdade naquela época você tinha dois cortes, ou esse que era
o meu e de alguns adeptos, o black-power, e aqueles que usavam o Príncipe
Danilo que era rapadinho do lado e só uma cuia na cabeça. Até dentro de casa
a gente tinha uma pressão da mamãe, do papai, eles diziam: ‘não vai cortar
esse cabelo, tá parecendo macaco’. Então a gente já tinha no subconsciente
que não podia passar de um centímetro o cabelo, ou melhor, meio centímetro.
Então, isso aí fez com que alguns começassem a discutir essa questão da
discriminação. (Dom Filó, 03 jul. 2007).

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As interações entre moda e música na constituição de identidades: uma análise das influências da Black Music

Foto 06 - Cabelos black power (Aretha Franklin)


Fonte: Disponível em: <http://artfiles.art.com/images/-/Aretha-Franklin-Photograph-C12147468.jpeg>.

Foto 07 - Cabelos black power (Michael Jackson)


Fonte: Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/totp2/features/wallpaper/images/1024/michael_jackson. jpg>.

Ao atrelamento às raízes africanas, soma-se o orgulho negro nos penteados. Quanto


maior era o cabelo, mais bonito e “black”. De acordo com Mestre Tito, dançarino da atual
equipe Brother Soul em Belo Horizonte:

Importante também era a questão do cabelo, tinha uns caras com o cabelo
desse tamanho igual um repolho. E às vezes chegava com um ouriçador que
era uma madeira com 5 grampinhos assim de ferro para ouriçar o cabelo. Ficar
com cabelo redondão e ir para os bailes, aquilo era impressionante. (Mestre
Tito, 12 fev. 2006).

O orgulho negro revelava-se nos cabelos, que também eram um incômodo para

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as instituições de vigilância. Mesmo porque as vestimentas eram usadas em momentos


específicos, mas o cabelo acompanhava as pessoas onde quer que fossem. Temos relatos,
como já foi visto, de vários blacks em Belo Horizonte que tiveram a cabeça raspada pela
polícia.

O cabelo também é visto como marca ou sinal que melhor e mais decididamente
que qualquer outro, expressariam - ou negariam - o orgulho negro. Trata-se
de um ato de politização do cabelo, a generalização de uma leitura política
do penteado: o penteado transformado em manifesto. (GIACOMINI, 2006, p.
203).

A vestimenta como manifesto de identidade já era uma característica usada pelos


negros americanos nas décadas de 30 e 40, com o chamado terno “zoot”.

Segundo Martin e Koda, ‘o terno zoot [...] normalmente era composto de um


paletó na altura dos joelhos, com ombros largos e retangulares e ombreiras,
calça afunilada, larga na altura dos joelhos e justa na bainha’. Confeccionado
em cores fortes (como azul-celeste), com chapéu combinando, usado com
uma longa corrente dourada e um cinto com um monograma, o terno zoot
imediatamente identificava quem o vestia como parte de uma cultura diversa
da branca, pois era oferecido apenas em bairros negros e usado somente por
negros e hispânicos. O traje era uma afirmação contundente da identidade
negra; representava uma ‘recusa subversiva a ser subserviente’. (CRANE,
2006, p. 361-362).

Um aspecto curioso, é o fato de as calças do terno zoot terem a cintura bem alta, como
pode ser percebido nas fotos abaixo. Esta é uma característica também da indumentária dos
blacks do movimento soul em Belo Horizonte, ainda hoje.

Foto 08 - Terno Zoot


Fonte: Crane, 2006, p. 363.

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Ouriçador, suspensório, a calça era muito alta a calça pegava aqui (no meio
do peito). Inclusive a minha calça pegava aqui (no meio do peito) com dois
suspensórios e uma camisinha por dentro. Era uma coisa impressionante na
época dos blacks mesmo, essa coisa do James Brown estava tocando em
todas as casas de BH. (Mestre Tito, 12 fev. 2006).

O terno zoot, assim como o chapéu, os suspensórios, as correntes e a bengala foram


adaptados ao vestuário dos blacks, principalmente daqueles de Belo Horizonte. Em parte por
que:

O terno zoot [...] codificava uma cultura que exaltava uma identidade específica
de raça, de classe, de gênero e de geração. Os habitantes da costa leste
que o usavam durante a guerra eram basicamente jovens negros e latinos, da
classe operária, cujos locais de vida e círculo social limitavam-se aos guetos da
região noroeste, e o terno refletia uma luta pela negociação dessas identidades
múltiplas em oposição à cultura dominante. (MARTIN; KODAv apud CRANE,
2006, p. 362).

Outra explicação surge na fala dos frequentadores do movimento, ainda que, no fundo,
ela tenha o mesmo sentido da utilização do zoot. Os blacks de Belo Horizonte optaram pelos
trajes “formais”, entendidos como os ternos, em função da discriminação feita pela polícia.

Então é o que acontece: nós criamos, nós pensamos assim, nós temos que
mudar a cara a personalidade desse baile. Porque quem usa terno tem uma
visão diferente. Você pode ver se você colocar um cara bem vestido assim
desse estilo (mostra sua roupa, um terno). E pegar um outro com um bermudão
no meio da canela caindo, cheio de correntes e de tatuagem, assim tem uma
suspeitazinha. Então o que nós começamos a fazer? A ir para o baile de terno,
de paletó, você representando um cidadão. Nós usamos terno. Então esta
coisa está até hoje, porque o black em Belo Horizonte ele usa terno, roupa
social, sapato. (Ronaldo Black, 16 jun. 2007).

Na fala do dançarino, que ainda hoje participa do movimento soul, revela-se o sentimento
de exclusão e a tentativa, pela vestimenta, de se inserir na vida social: “você representando
um cidadão”. O sentimento de cidadania, de fazer parte da cidade não existia entre os blacks
naquele momento. Como completa Lourinho, outro dançarino que viveu a época, o terno seria
uma forma de “melhorar” sua situação frente à polícia:

O pessoal achou ‘na feira hippie dá muita batida’ então a polícia está dando
batida demais, aí o pessoal falou assim: ‘oh gente, pra melhorar, vamos usar
terno’. Isso já foi na caída de 77 pra 78. Então a gente dançava lá e começou a
usar terno porque estava dando muita batida, eu mesmo fui pra conversar com
o delegado umas seis vezes porque sem documento antigamente, menor tinha
que andar com documento, a maioria trabalhava e tal, mas a gente, negro [...]

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né igual hoje não. (Lourinho, 16 jun. 2007).

A sensação de melhoria poderia também ser entendida como o aumento da auto-


estima, o orgulho da cor e de estar numa posição socialmente reconhecida, dentro do seu
meio.

Então mexeu com uma geração de pessoas. Mexeu profundamente dentro


do ego dessas pessoas que eles passaram a se vestir melhor, deixou de ser
aquele negro vagabundo barbudo sabe, andava muito de malandragem.
Quer dizer, até no modo de falar, a cultura foi tão boa, você via os negros
falando, sabe quem é que levantou um pouquinho? Naquela década de 70, o
Renascença. O Renascença começou a expandir certa classe de negros que
trabalhavam em banco e outros lugares, já foi melhorando a coisa. Aí você
entrava no Renascença, mas dava gosto de você ir: ‘oh, meu Deus do céu, até
que a classe tá melhorando’. Você vê aquelas pessoas bem vestidas, bonitas,
sorrindo, conversando, falando sobre a Bolsa de Valores, tudo certo. Aquilo
era um orgulho nosso. Então a nossa cultura acendeu e reativou uma coisa
que eles tinham guardada dentro de si que não mexiam por medo de qualquer
coisa, de ser preso. (Gerson King Combo, 02 jul. 2007).

Nos bailes os trajes tinham toda uma concepção voltada para a dança. A calça, os
acessórios, sapatos, tudo fazia parte de uma encenação de um determinado ideal de beleza.
Os modelos variavam desde aqueles que se identificavam com o personagem principal do
filme Shaft, até os que seguiam o cantor James Brown, ou os modelos dos gangsters dos anos
30/40, de clara inspiração na vestimenta zoot. O terno caracterizaria uma forma de inserção
dentro de um modelo aceito socialmente, mas não deixando de afirmar a sua identidade,
pelos acessórios a ele atrelados, como os sapatos. Os sapatos, ainda hoje, constituem o foco
da atenção dos dançarinos. Os modelos de plataforma dos anos 70 foram substituídos, em
Belo Horizonte, pelos sapatos bicolores, símbolo de elegância retrô.

Foto 09 - Sapatos bicolores - marca da identidade black


Fonte: Ribeiro, 2008, p. 168.

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Pode-se observar que a roupa, na maioria das vezes é mais simples, tecidos mais
baratos. Mas os sapatos são sempre caros. Em Belo Horizonte os dançarinos do soul
podem adquirir os modelos bicolores mais simples em apenas uma sapataria. Os modelos
mais sofisticados, ainda hoje, são produzidos e personalizados, por uma única loja - Vivaldo
Sapatos. Eles não custam menos de R$200,00, um custo bastante elevado para a maioria
dos frequentadores dos bailes e do Quarteirão do Soul, espaço que desde 2004 reúne os
blacks da velha guarda e muitos jovens, aos sábados na região central de Belo Horizonte, que
também não abrem mão dos sapatos.

Esse flutuar você usava as mãos pra se equilibrar. Então, por isso se usava luva
porque você mostrava mais a parte e as luzes que faziam efeito, geralmente
com a bengala, por que era ousado. Por que o sapato era brilhoso? Porque
a parte mais importante do black era o sapato. Era o ‘tchan’. Não existia tênis
na época. Ninguém ia de tênis. Então você tinha que fazer um sapato. Ele era
feito sob medida, duas cores, três cores e, geralmente, em verniz. Com isso
se criou uma identidade. O visual do Black tem todo um sentido. E por que a
calça era apertada? Exatamente para aparecer o sapato. Sendo boca sino era
apertada, era difícil de colocar, pois era uma calça muito justa para passar o
movimento das pernas, para mostrar o brilho das pernas. Ali você identificava
o dançarino e na hora de dar o ‘espaguete’ que é quando você abre as pernas
e dá o ‘espaguete’, tem todo um contexto, na dança e na expressão da roupa.
(Dom Filó, 03 jul. 2007).

A composição do traje no soul é pensada de forma a revelar o porte e a elegância dos


dançarinos. Na pista eles deixam seus papéis tradicionais e encarnam os personagens mais
variados.

Foto 10 - Trajes black (James Brown)


Fonte: Disponível em: <http://www.theage.com.au/ffximage/2006/12/25/knJAMES_BROWN_narrowwe
b300x47,0.jpg>.; e <http://www.parisdjs.com/images/news/06125_James_Brown_RIP_b.jpg>.

O traje, ele é muito importante na dança Soul, porque o dançarino de Soul


tem que ter charme, tem que ter elegância, então realmente tem que se trajar

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elegantemente. Não existe nenhum traje mais elegante que um traje social, um
sapato bicolor, então tudo faz parte da dança. Às vezes você vê um dançarino
de nariz em pé e tudo é porque ali ele incorpora um personagem e ali ele
começa a soltar aquilo ali, tem uns que fazem uma postura de mafioso e tudo
porque o mafioso também ele traja bem, são impecáveis os trajes dele, então
é por isso que o traje é uma parte do Soul Music, não tem condições do
camarada de esporte fazer os passos de Soul, fica uma coisa ridícula, é a
mesma coisa que jogar futebol de calça esporte. (Stevie, 16 jun. 2007).

Os papéis incorporados pelos dançarinos do soul, na maioria das vezes diferenciavam-


se de sua real condição financeira, o que não era impeditivo para sua participação nos bailes.

Sair arrumado de casa impecável e a pé. Sem nenhum centavo no bolso.


Acontecia muito isso. Chegava lá e contava com a colaboração do colega,
para entrar no som. Às vezes acabava o som, faltava meia hora para acabar
e aí a gente conseguia entrar. Dançava três músicas e ficava feliz da vida.
(Adenauer, 12 fev. 2006).

A composição das roupas, os adereços criados para impressionar as mulheres. A


postura dos blacks nos bailes segue todo um ritual, ou como preferem os frequentadores - os
mandamentos black.

A gente ia com uma roupa e já deixava outra roupa pronta, aí você dançava.
Porque um dos mandamentos blacks que a gente tem é que nunca você
dança a primeira música lenta com a dama porque normalmente você está
todo molhado de suor. Então você pode ver o black sempre tem um lencinho
no bolso. Por exemplo, se pintar que você tem que dançar com uma menina,
pelo menos você disfarça o suor. Como a gente morava perto o que a gente
fazia? Ia com uma roupa, mas já pensava em outra e colocava em cima da
cama. Colocava em cima da cama, pois na hora da lenta você ia para a casa
rapidinho e trocava de roupa e já vinha com outro visual. Para você não levar
sacola. E a gente dançava até o som acabar. A gente também colocava graxa
atrás do salto do sapato de um jeito que se andasse não prejudicasse. Aí
chegava no som você pegava com um palito espalhava aquela cera no chão
para você deslizar melhor. Outra coisa é o pessoal que fumava: eles colocavam
aquela caixa de fósforos porosa que acende o palito, colocava na sola do
sapato, ali perto do salto. Aí ele estava dançando, riscava e parecia que ele
tinha feito uma mágica, aí ficava aquele glamour. (Eduardo, 16 jun. 2007).

Todos os códigos da moda black que ainda hoje permanecem no imaginário, não
apenas dos seguidores do movimento, mas das novas gerações que se identificam com a
postura do orgulho negro e da afirmação da identidade. A utilização de todos esses elementos
simbólicos proporciona a identificação e revela sua alteridade.

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Foto 11 - Os blacks no Quarteirão do Soul em Belo Horizonte


Fonte: Ribeiro, 2008.

Foto 12 - A elegância Black no Quarteirão do Soul em Belo Horizonte


Fonte: Ribeiro, 2008.

Considerações Finais
A identidade black hoje encontra outras variações: existem os que se identificam
com o movimento hip-hop, aqueles do movimento funk, entre outros ritmos. O que todos
esses grupos sociais têm em comum é a busca de uma identidade social que se afirma pela
identificação com a música e com os elementos visuais que compõem a moda dos músicos
de cada universo. Seja encarando uma postura mais politizada como os adeptos do hip-hop,
ou mais sexualizada como os do funk é a partir da moda que esses grupos se percebem e
afirmam as diversas identidades que povoam as ruas da cidade.
A moda é constituída a partir da reflexividade social. Portanto, as mais diversas interações
e mediações promovidas pelos meios de comunicação e pela cultura de massas refletem-se,

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não apenas na produção da moda, mas também nos diversos consumos e grupos sociais que
se identificam com seus signos.
Compreender assim as relações sociais que permeiam a constituição desses
signos possibilita, não apenas aos pesquisadores, mas também aos produtores de moda,
compreender um pouco como variáveis, às vezes desconsideradas, podem ser fundamentais
na identificação do consumidor e nas diversas significações que tais produtos podem assumir
em suas vidas.
A moda Black pode ser um bom exemplo de como essas identidades se constituem
a partir dos produtos da mídia, como no caso a música e, como sua identificação com ela
pode ser um reflexo dos modos de vida e da postura político-social do indivíduo. Podemos
também, a partir de sua análise, compreender as transições inerentes aos processos sociais:
da valorização da identidade negra do soul, até pensarmos na afirmação do eu pelo hip-hop.
A roupa comunica ao mundo a identidade desses indivíduos.
A moda no século XXI pode ser entendida como uma das principais formas que o
indivíduo tem de demonstrar, de maneira mais explícita, o seu estar no mundo. A vestimenta é
hoje, muito mais que um acessório, mas uma declaração de identidade do indivíduo. Portanto,
conhecer as influências que perpassam esse universo é estar em sintonia com as diversas
variantes que compõem o corpo social e perceber, por vezes antecipadamente, as tendências
que contribuirão para a transformação desta sociedade e na afirmação da alteridade dos
indivíduos, mesmo em meio a tanta padronização.

Foto 13 - O hip-hop visita a “velha guarda” do soul


Fonte: Ribeiro, 2008.

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Notas
i RIBEIRO, Rita Aparecida da Conceição. Identidade e resistência no urbano: o Quarteirão do Soul em
Belo Horizonte. 2008. 192 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências da UFMG, Belo
Horizonte.
ii De acordo com Herzhaft (1989), estes chamados também poderiam se chamar hoolies ou arhoolies.
iii Apenas o primeiro deles (I FIC), realizado em 1966, foi transmitido pela TV Rio.
iv Giacomini refere-se à moda surgida nesse período como moda soul. Preferimos optar pela
denominação moda black por ser mais abrangente e mais característica da identidade dos seguidores
do movimento que, na maioria das vezes, se autodenominam Blacks.
v MARTIN, Richard; KODA, Harold. Jocks and nerds. New York: Rizzoli, 1989. p. 209.

Referências
CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São
Paulo: Ed. Senac-SP, 2006.

ERNER, Guillaume. Vítimas da moda?. São Paulo: Ed. Senac-SP, 2005.

GIACOMINI, Sonia Maria. A alma da festa: família, etnicidade e projetos num clube
social da Zona Norte do Rio de Janeiro - o Renascença Clube. Belo Horizonte: Ed.
UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006.

HERZHAFT, Gerard. Blues. Campinas: Papirus, 1989.

HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999.

MELLO, Zuza Homem de. A era dos festivais. São Paulo: Ed. 34, 2003.

MUGGIATI, Roberto. Blues: da lama à fama. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.

RIBEIRO, Rita Aparecida da Conceição. Identidade e resistência no urbano: o Quarteirão


do Soul em Belo Horizonte. 2008. 192 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de
Geociências da UFMG, Belo Horizonte.

Relação dos entrevistados


Adenauer (Adenauer Marques da Silva) comerciário, integrante do grupo de dança Brother
Soul e colecionador de discos de vinil.

Dom Filó (Asfilófilo de Oliveira Filho) engenheiro coordena a ONG LUB, Liga Urbana de

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Basquete, com projetos voltados para o desenvolvimento e o resgate da auto-estima dos


jovens negros. Eventualmente toca nos bailes black do Rio.

Gerson King Combo (Gerson Côrtes) cantor carioca, considerado o James Brown brasileiro.
Teve 03 discos solo lançados: Gerson King Combo (1977), Gerson King Combo II (1978)
e Mensageiro da Paz (2001), além de diversas participações em coletâneas e trabalhos de
outros intérpretes. Atualmente trabalha para a Prefeitura do Rio de Janeiro em uma creche
comunitária em Vila Isabel, mas continua se apresentando em bailes black.

Lourinho (José Maria Gonçalves de Carvalho) pintor de automóveis frequenta o Quarteirão


do Soul sempre acompanhado pela mulher Cida, que vende salgados e bebidas no espaço, e
também é uma Dama do Soul.

Mestre Tito (José Antônio Tito) vigilante bancário desenvolve um trabalho social voltado para
capoeira. É integrante do grupo Brother Soul.

Mr. Funky Santos (Oséias Moura dos Santos) autônomo, agora faz participações nas
apresentações da Soul, Baby, Soul e do Club do Soul.

Ronaldo Black (Ronaldo Bernardo Soares) taxista faz parte do grupo de dança BH Soul.
Geralmente vai ao Quarteirão acompanhado do filho Ronaldinho, que já segue os passos do
pai na dança.

Stevie (Aloísio) dançarino do grupo BH Soul.

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al na moda
Ilustração digit Design de Moda:
UFC
Graduanda de
Gabriela C outinho Pinheiro;
gmail.com
gabrielapinheiro@ de D esign de Moda:
UFC
te do C ur so
reto Matos; Docen
Adriana Leiria Bar
c.br
adriana.leiria@uf

Resumo
O presente artigo tem o propósito de apresentar um estudo sobre
Ilustração Digital em Moda. Para isto, o artigo se inicia fazendo
um levantamento sobre a história da Ilustração em si, chegando
a um conceito de Ilustração de Moda, fazendo um paralelo com
a criação do próprio computador pessoal. Em seguida, foram
apresentados os principais softwares utilizados no processo
criativo de Ilustrações de Moda, como o CorelDRAW®, o Adobe
Photoshop® e o Illustrator®, visando expor as suas principais
aplicações. Após abordar os principais softwares, por fim serão
discutidas as técnicas fundamentais usadas por Ilustradores,
relacionando-as com os softwares, expondo as suas características
e aplicações. Espera-se assim contribuir com essa área de estudo
na formação de ilustradores de moda.

Palavras-Chave: ilustração; moda; digital

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Ilustração digital na moda

Introdução
O presente artigo aborda o tema Ilustração Digital em Moda, visando esclarecer a
importância dos recursos disponíveis para esse campo e também expor as técnicas que os
ilustradores profissionais utilizam a partir destes programas. A ilustração digital teve o seu início
recentemente, a partir dos anos 1990, portanto ainda carece de maiores investigações a seu
respeito.
Buscou-se levantar informações quanto à origem da Ilustração Digital de Moda, visando
compreender a sua importância para as ilustrações criadas hoje. Também foi analisada a
utilização das novas tecnologias em comunhão com os procedimentos tradicionais, assim
como buscou-se estudar a influência do uso desses aparatos no resultado final do processo
de criação de ilustrações.

Breve história da ilustração de moda


A história da ilustração de confunde com a própria história da escrita, já que as primeiras
formas de manifestação de comunicação humana deram-se através de figuras rupestres. Mais
tarde, no Egito antigo, surge a primeira versão do que viria a ser um livro ilustrado – o Rev Nu
Pert Em Hru, ou Livro dos Mortos. Inicialmente, os escribas dividiam o espaço do papiro para
fazer a narrativa em hieróglifos, deixando espaços em branco a serem futuramente preenchidos
pelos artistas. Gradativamente, as ilustrações passaram a ter mais importância, e coube aos
artistas iniciarem a produção, invertendo o processo e deixando espaços pequenos para os
escribas preencherem.
Por volta de 1450, surgem os primeiros impressos, denominados de “Manuscritos
Iluminados”. Profissionais adornavam esses manuscritos, contribuindo para a riqueza e
iluminação das páginas folheadas a ouro. Daí surgiu o termo ilustrador – ou iluminador.
A ilustração de moda teve a sua primeira manifestação no século XVII, com as gravuras
detalhadas de Wenceslaus Hollar, um artista inglês que produzia também gravuras de formas
arquitetônicas e plantas de edifícios e igrejas na Londres de 1600. Até então, a percepção de
moda só era possível através das pinturas e esculturas. De acordo com Gragnato: “quando
olhamos para a história da moda, percebemos que seus registros estão atrelados à história da
arte, principalmente em pinturas, esculturas e gravuras” (2009, p.32)
No século XVIII, a moda passou a ser disseminada em diversos jornais e revistas, e
então surgiram os primeiros fashion platesi – ilustrações que mostravam o que havia de novo
na moda, e usado como referência pelas mulheres interessadas (Figura 1).

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Ilustração digital na moda

Figura 1
“Evening and Walking dress”, 1827.
Originalmente publicado por J. B. Whittaker, Londres.

De acordo com Lever,

The Lady’s Magazine começou a publicá-los [os fashion plates] a partir de 1770.
E, de repente, figurinos semelhantes estavam sendo publicados em toda a
Europa. Para nós, acostumados às ilustrações de moda, é difícil compreender
que, antes da invenção do fashion plate, obter informações sobre a última
moda era [...] trabalhoso. (1989, p. 147)

Durante toda a evolução dos desenhos de moda, as técnicas se aperfeiçoaram desde


as gravuras, passando por técnicas mais tradicionais como guache e aquarela. As ilustrações
continuaram evoluindo nos anos 1920, e nas décadas 1960 e 1970 se intensificou a utilização
da estilização do traço, e a ilustração seguiu a sua história até o princípio dos anos 1990 –
época em que a ilustração digital entrou em cena. Com ela, tornou-se possível alcançar um
nível maior de realismo nas criações.
Uma ilustração de moda, ao contrário de um desenho de moda ou de um desenho
técnico, tem a preocupação de mostrar mais do que somente uma roupa. Como cita Esteves
(2009), “Ilustrações podem mostrar o ambiente no qual o produto será usado e sua interação
com o usuário”. Então, mais do que representar graficamente a criação de um estilista, a
ilustração de moda deve transmitir um conceito.

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Ilustração digital na moda

O ilustrador, na maioria das vezes, tem que se comunicar com o público leigo,
provavelmente o usuário do produto. Por isso, a imagem criada tem que ser
facilmente interpretada e ter um grande apelo visual, não importando detalhes
de um desenho (ESTEVES, 2009)ii.

Nas ilustrações, a representação real da forma deixa de ser crucial, e não é necessária
a sua reprodução fiel para que o produto em questão tenha o seu destaque. De acordo com
Carvalho (2010, p.31): “O ilustrador é, antes de tudo, um leitor e sua ilustração dá visibilidade
à sua interpretação”. Cabe ao ilustrador projetar as suas impressões, interpretá-las de acordo
com a sua visão.
Cardeal e Pedrini (2007) contribuem para essa linha de pensamento, e acrescentam
que, com as facilidades tecnológicas, a ilustração tornou-se uma forma eficaz e rápida de
comunicar, de expor uma ideia. Para Dawber (2003, p. 08) a ilustração proporciona uma
expressão artística que “apela mais ao coração que ao cérebro”.
A ilustração de moda obteve notoriedade nos últimos anos devido à sua utilização na
mídia, em campanhas publicitárias e lançamentos de produtos ilustrados. Nos anos 1990,
surge um dos artistas ilustradores contemporâneos mais importantes: Jason Brooks (Figura
2). Suas ilustrações lhe renderam o prêmio Vogue/Sotheby’s Cecil Beaton por ilustração de
moda ainda na mesma década, e suas criações estabeleceram um novo conceito a respeito da
ilustração vetorizada, antes tomada por rígida e desprovida de vivacidade. O artista produziu
várias ilustrações computadorizadas em flyers para casas de entretenimento.
Outro artista notório da época foi Graham Rounthwaite, que produziu uma série de
outdoors para a marca jeans Levi’s, o que voltou os olhos do público para a ilustração digital.

Figura 2
Ilustração de Jason Brooks
Fonte: Portfolio Online, disponível em: http://www.jason-brooks.com

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Ilustração digital na moda

O interesse atual por ilustração digital de moda se deve, em parte, à popularização de


softwares como o Adobe Photoshop®, Adobe Illustrator® e CorelDRAW®. A internet causou
reconhecimento do público em relação a esses programas, e até mesmo quem não possui
informações técnicas sobre o referido assunto já tomou conhecimento da existência dos
softwares de edição de imagem, como o Adobe Photoshop®.

As proporções nos desenvolvimentos tecnológicos sociais e globais são reflexo


da contemporaneidade que vivemos. A rapidez de informações, a efemeridade
de comportamentos sociais, necessita de uma expressão artística que
envolva os elementos atuais de subjetividade comportamentais; a ilustração
acompanha essa mutação em que se encerra a sociedade atual. Por isso ela
é um campo que atua com grande requisito em propagandas, livros, cartazes,
revistas, todos os meios midiáticos massivos em que ela possa se destacar.
(FREITAS, 2009, p. 3)

Hoje, com acesso à internet, pode-se encontrar com facilidade referências e conteúdos
que orientam o manuseio desses programas, compondo uma verdadeira biblioteca de efeitos,
recursos e imagens. Torna-se possível para um ilustrador aperfeiçoar as suas habilidades
técnicas e expressividade plástica através do compartilhamento de informações que a rede
mundial de computadores disponibiliza, constituindo-se no que Gomes (2010, p.52) chama de
“um vasto arquivo poético visual e objectual”.
O avanço tecnológico expandiu as possibilidades da ilustração. Com o auxilio de
computadores e de softwares especializados, tornou-se viável adicionar texturas e movimentos
com mais realidade e praticidade. Para o ilustrador, isso também significou o contato direto
e imediato com o público. Entretanto, após o surgimento e rápida propagação dessas novas
tecnologias, os ilustradores que antes trabalhavam com técnicas tradicionais tiveram que
adaptar-se:

O ilustrador encontra tantas facilidades técnicas que acaba tendo esvaziado


seu esforço frente a enorme concorrência com os ilustradores insurgentes,
apoiados sobre as facilidades dos atuais softwares de criação gráfica
(a máquina é a artista, o engenheiro, o médico e assim por diante). Nesse
maravilhoso novo mundo, o computador criou, principalmente, a possibilidade
de experimentar. (MILAGRE, 2008)iii

Um dos maiores desafios do ilustrador que presenciou a transição da arte tradicional


para a arte digital, mas que também é uma questão pertinente para os ilustradores iniciantes,
é o de compreender a transformação gerada pela revolução tecnológica sobre a produção
imagética. Com o decorrer do tempo, o repertório tecnológico amplia-se, assim como a
diversidade de informações proeminentes do mundo inteiro, que são compartilhadas a todo
instante numa rede de cooperação:

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Ilustração digital na moda

Alguns ilustradores, vencido o impacto inicial, mantiveram a calma e compraram


computadores para utilizá-los sempre que necessário sem jamais dispensar
o lápis, o guache, o papel e outros materiais tradicionais. Há, também, a
nova geração de ilustradores que, deslumbrados com o computador, estão
esquecendo de aprimorar a parte artística. (NAKATA, 2010, p. 41)

Continuando o raciocínio de Nakata (2010), torna-se imprescindível para um bom


ilustrador associar as técnicas nas quais tenha maior segurança com as crescentes inovações
tecnológicas, procurando expressar-se e mostrar a sua individualidade. Veremos como alguns
ilustradores fazem esse tipo de associação a seguir, mas antes se torna necessário introduzir
as ferramentas e softwares mais difundidos para a ilustração de moda.

Ferramentas utilizadas para ilustrar


A ilustração de moda pode ser produzida com técnicas que vão desde aquelas
com materiais artísticos como aquarela, giz, carvão, pastel, nanquim, tintas,
canetas, grafites, até as consideradas mais sofisticadas em função do uso de
softwares como Photoshop® e CorelDRAW®. Pode-se ainda mesclar essas
técnicas (manuais e digitais) buscando enriquecer e personalizar ainda mais o
resultado final do desenho. (AMORIM, 2008, p. 01)

A ilustração digital teve a oportunidade de surgir com o advento de computadores a


preços mais acessíveis. Nos anos 1980 já existiam os personal computers, ou PCs, mas a
criação do mouse incorporou a gestualidade do artista aos processos digitais.
De acordo com Tallon (2008, p. 12), um ilustrador precisa de instrumentos digitais para
desenho e pintura, a exemplo da mesa digitalizadora, ou pen tablet. Este recurso possibilita
a digitalização imediata do traço composto diretamente sobre uma superfície plana com tela
sensível (a tablet, ou mesa digitalizadora propriamente dita) e uma caneta ótica. Em algumas
marcas, a tecnologia que transmite o desenho para a tela do computador está situada na
caneta; entretanto, a tecnologia em que a superfície da tela é sensível permite um melhor
desempenho. A tablet possibilita uma pintura digital superior à obtida com o mouse, por sua
precisão e pela capacidade de alteração de pressão. Com ela, pode-se também desenhar
diretamente na tela do computador, sem a necessidade de um rascunho prévio digitalizado.
Outra inovação que viabilizou digitalizar esboços foi o scanner, imprescindível para
a transposição do desenho traçado com instrumentos tradicionais para o computador. Um
ilustrador também necessita de métodos de captura de imagens. Tallon (2008, p.12) frisa que
se deve dispor de um scanner de qualidade, que servirá para as possíveis digitalizações no
dia-a-dia.

Um dado bastante significativo em relação à introdução do computador como


ferramenta nas editorias de arte, a partir da década de 90, diz respeito ao

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Ilustração digital na moda

formato dos originais dos desenhos. [...] Os desenhos realizados na década de


80 são de diferentes tamanhos e materiais. Eram fotografados no estúdio do
jornal, sem impedimento de dimensões. Desde a década de 90 as redações
ou os estúdios dos ilustradores dispõem de escaners tamanho A-4 (o tamanho
maior é muito caro), o que acarreta numa limitação evidente em termos de
gestualidade e textura. (GUIRALDO, 2006, p. 10)

Um scanner de alta qualidade detém um custo elevado, então, caso o artista necessite
de uma qualidade superior, é mais viável terceirizar as digitalizações em gráficas especializadas.
Outros recursos disponíveis são as câmeras digitais, tanto para composições quanto para
eventuais aquisições de imagens que irão compor o banco de imagens do ilustrador com a
finalidade nortear futuros trabalhos.

Softwares utilizados
Pode-se considerar que as imagens no meio digital podem ser classificadas em vetoriais
ou bitmaps. Imagens vetoriais são compostas de linhas e pontos, objetos matemáticos,
definidos por vetores. Já a imagem no formato de bitmap (mapa de bits) é constituída por uma
sequência de bits que formam uma figura que consiste em centenas de linhas e colunas de
pequenos elementos, chamados pixelsiv. Dependendo da quantidade de ampliação da imagem
trabalhada, o pixel não pode ser visualizado individualmente, resultando em uma percepção
da imagem em suaves gradações de cor.
A imagem vetorial, por sua vez mantém a sua nitidez quando redimensionada, ao
contrário das imagens em bitmap, que necessitam de um número considerável de pixels para
obter uma imagem nítida. Alguns softwares só produzem imagens vetoriais, como é o caso
do CorelDRAW® que por definição de Canto (2002, p. 5), são desenhos matematicamente
ligados por vários pontos unidos por linhas. Dessa forma, é possível alterar o tamanho e o
formato de um objeto vetorial sem que ele perca as suas definições – ao redimensioná-lo, ele
é recalculado matematicamente para o novo formato, sem que haja perda na qualidade final.
No tocante à edição de imagem, a criação de softwares como Adobe Photoshop®
e CorelDRAW® coincidiram com a criação de máquinas capazes de executá-los. Em 1988
foi lançada a primeira versão do programa CorelDRAW®, mas apenas em 1995 surgiu a
primeira versão do programa em 32 bits, ou seja, em cores. Este programa facilitou em muito
a criação de desenhos técnicos de moda, que é a expressão gráfica primordial do ambiente
industrial, sendo assim de significativa importância. Além da maior rapidez com que as peças
são desenhadas, a utilização desse software possibilita uma imagem perfeitamente simétrica,
dentre outros padrões de exigência específicos da representação técnica, que costumavam
requerer mais tempo e atenção para serem atingidos com ferramentas tradicionais.
Houve uma evolução gradativa em que as ferramentas vetoriais do CorelDRAW®
passassem a ser utilizadas não somente para desenhos técnicos, mas também para desenhos

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Ilustração digital na moda

estilizados e ilustrações. Para isso, torna-se necessário não somente dominar as principais
ferramentas do programa, como também possuir conhecimento também sobre o desenho
de moda. Além de linhas retas e desenhos planificados, o CorelDRAW® também permite a
criação de traços mais fluidos, transparências e outros efeitos que auxiliam na suavização da
imagem.
Outro programa da Corel Corporation é o Corel® PHOTO-PAINT, um software voltado
para edições de imagens em bitmap. Através dele é possível aplicar efeitos em imagens, como
alterar seu brilho e contraste, redimensioná-las e, assim, aprimorar o seu feitio. Também há
o Corel® Paint Shop Pro®, criado em 1991, inicialmente apenas para auxiliar usuários de
computador a modificar o formato das imagens, com alterações básicas na cor e algumas
manipulações, como alterações em brilho e contraste das imagens.
O CorelTRACE®, por sua vez, permitia converter bitmaps em gráficos vetoriais. O
programa transforma uma imagem escaneada num vetor, que pode ser editado futuramente no
CorelDRAW®, viabilizando assim o processo de vetorização de imagem. Hoje o programa foi
incorporado como ferramenta dentro do CorelDRAW®, sob o nome de Corel PowerTRACE®.
Também desenvolvido pela Corel Corporation o programa Corel Painter® destaca-se
na ilustração digital, especialmente no quesito de pintura. De acordo com Grossman (2010,
p. 11): “O Painter foi o primeiro programa de emulação de mídias naturais, criado por artistas
para artistas”. Ele tem a capacidade de imitar virtualmente qualquer técnica tradicional, e
possui uma vasta quantidade de estilos de ferramentas que permitem uma pintura digital
com muitos atributos. Grossman (2010) compara o programa com o Adobe Photoshop®,
que também é voltado para imagens com pixels, declarando que enquanto o Photoshop®
é ideal para manipulação de imagens, o Painter é mais completo em termos de ferramentas
para a pintura digital; ainda de acordo com Grossman(2010), com o passar dos anos, os dois
programas têm se tornado cada vez mais compatíveis, tornando-se assim possível criar uma
imagem utilizando os melhores recursos dos dois programas.
O Adobe Photoshop® surgiu há mais de 20 anos, e tem o seu uso geralmente ligado à
edição e retoques de imagens. Com ele torna-se possível alterar cores, ajustar a luz, adicionar
texturas e estampas e mais uma infinidade de ferramentas. Com o auxílio de um scanner e a
ajuda de uma mesa digitalizadora, pode-se finalizar um croqui feito à mão, adicionando cor
e aperfeiçoando o traço. Também é possível criar uma ilustração ou desenho de moda sem
a necessidade de um esboço inicial digitalizado: na sua área de trabalho é possível a criação
espontânea, com ajuda dos recursos do programa e da tablet:

O programa oferece inúmeras facilidades para designer e produtores gráficos


criarem imagens sofisticadas, que poderão ser impressas ou colocadas na Web.
[...] Apresenta diversas ferramentas específicas para alterar brilho, contraste e
cores de uma imagem; preparar uma foto para ser utilizada por um software
de paginação, como o InDesign, ou de ilustração digital, como o Illustrator®;
otimizar uma imagem para a Web, a ser utilizada em um programa como o

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Ilustração digital na moda

Dreamweaver; realizar um gerenciamento avançado de camadas; ferramentas


de desenho vetorizado; entre outras funções. (ANDRADE, 2007, p. 11)

Todas as imagens produzidas no Adobe Illustrator® são criadas em vetor, incluindo as


fontes. Uma imagem vetorial, como já foi dito antes, é feita através da união de pontos unidos
por retas – isso faz com que a sua resolução seja independente, tornando a imagem capaz de
ser redimensionada para qualquer tamanho e impressa em qualquer mídia. Isso faz com que
gráficos vetoriais, de acordo com Centner e Vereker (2007), possam ser considerados como o
formato ideal para criar desenhos técnicos detalhados e ilustrações de moda.

A Adobe não batizou o seu produto como Illustrator® sem razão. Artistas
podem criar ilustrações para livros infantis, capas de revistas e artigos e uma
enorme variedade de produtos, e eles utilizam o Illustrator® para aproveitar
a alta qualidade e precisão disponíveis no programa. Uma variedade de
instrumentos, [...] permitem que os ilustradores possam traduzir as imagens
que vêem em suas mentes para a realidade. (GOLDING, 2009, pág. 17)

No universo da moda também são utilizados outros softwares, de cunho mais


especializado e integrado com o ambiente fabril, a exemplo dos programas de CAD ou CAM
(Computer-Aided Design e Computer-Aided Manufacturing), como o Audaces. O CAD / CAM
foi introduzido na indústria da moda na década de 1980 como um sistema autônomo. Ele foi
originalmente desenvolvido para a Indústria Têxtil e de Vestuário, no âmbito do processo de
fabricação e produção, que incluiu a criação de produtos têxteis, a elaboração e classificação
de modelagens.

Há uma série de softwares de moda e desenho especificamente para


as pequenas empresas e designer freelancer, mas as grandes empresas
de vestuário são mais propensas a usar o poderoso CAD para vestuário e
programas têxteis produzidos pela Lectra e Gerber. Estes programas têm sido
desenvolvidos para integrar todas as áreas do processo de vestuário e design
têxtil, fazendo modelagens, classificações, e criação de vestuário através
do merchandising e gerenciamento de dados. Consequentemente, estes
programas são caros, mas permitem que as empresas grandes possam obter
economias de escala. (BURKE, 2006, p. 157)

Há também o Lectra Kaledo, um software recomendado para a área de criação; e ainda


programas como o Digital Fashion Pro, My Label 3D, Fashion Tool Box e Virtual Fashion. Este
último é o primeiro programa em 3D voltado especialmente para a moda, destacando-se dos
demais por suas várias possibilidades e efeitos. Nele, torna-se possível criar modelos com
mais veracidade, alcançados com os recursos disponíveis para a representação automática
de textura e de caimento de tecidos.

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Ilustração digital na moda

Técnicas e ilustradores
No campo da ilustração digital, constata-se que, apesar de inúmeras possibilidades de
ferramentas e efeitos que podem ser criados com o auxilio de softwares, algumas técnicas se
destacam.
A técnica mais utilizada pelos ilustradores é a de fazer um esboço a lápis, escaneá-lo
e então aperfeiçoá-lo em softwares específicos. A artista espanhola Carmen Garcia Huerta é
adepta a esse método: ela produz um rascunho a lápis e o digitaliza, então faz o traçado da
imagem inteira no Adobe Illustrator®. Neste ponto, são escolhidas as cores que virá a utilizar,
e então utiliza o Photoshop® para adicionar volumes, luzes, suavizar a pele (Figura 3).

Figura 3:
Ilustração de Carmen Garcia Huerta
Fonte: Portfolio Online, disponível em: http://www.cghuerta.blogspot.com/

A ilustradora Yuko Shimizu utiliza o Adobe Photoshop® como “uma máquina


computadorizada de silk-screen” (MORRIS, 2009, p. 117): após fazer a ilustração à mão com
tinta nanquim, utilizando pincéis de bambu, ela então digitaliza o desenho final e somente
adiciona a cor por intermédio dos recursos digitais. (Figura 4)

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Ilustração digital na moda

Figura 4
Ilustração de Yuko Shimizu
Disponível em: http://koikoikoi.com

O trabalho de Miles Donovan (Figura 5) se destaca por ser digital, mas ao mesmo aliado
a recursos tradicionais, como a fotografia e a colagem. Inicialmente ele utiliza uma foto, que
é escaneada e manipulada no Adobe Photoshop®. A partir da imagem manipulada, utiliza
então o Illustrator® para separar as cores da imagemv, criando estênceis individuais, que serão
impressos. Os estênceis são cortados e pintados com spray em imagens individuais, que
serão mais uma vez digitalizadas e montadas em camadas no Photoshop®. É um processo
longo e trabalhoso, mas que garante que o artista possua controle absoluto nas formas e nas
cores de todos os elementos de seu trabalho.

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Ilustração digital na moda

Figura 5:
Ilustração de Miles Donovan
Fonte: Portfolio Online, disponível em: http://www.milesdonovan.co.uk/

Já Stephen Campbell (Figura 6) cria as suas ilustrações diretamente no Adobe


Illustrator®, sem um rascunho prévio. Ele utiliza o mouse para criar linhas grossas que lembram
marcadores permanentes, e aprecia o momento de “brincar com as cores durante o processo
criativo” (MORRIS, 2009, p. 132). O ilustrador Marcos Chin também cria diretamente na área
de trabalho do Adobe Illustrator®, mas se diferencia de Stephen Campbell por planejar a sua
ilustração com papel e lápis antes, e usá-la como guia durante todo o seu processo.

Figura 6:
Ilustração de Stephen Campbell
Fonte: Portfolio Online, disponível em: http://www.art-dept.com/illustration/campbell/index.html

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Ilustração digital na moda

Nice Lopes é uma ilustradora brasileira que recentemente teve seu trabalho publicado
no livro Illustration Now, vol. 2 (TASCHEN, 2007). Ela utiliza o CorelDRAW® em conjunto com
o Adobe Photoshop® para criar as suas ilustrações vetorizadas (Figura 7). A argentina Evelyna
Callegari também produz as suas ilustrações utilizando o CorelDRAW®, criando bonecas
estilizadas e com um ar infantil, além de também produzir ilustrações mais complexas que
retratam a mulher moderna. Já o designer de moda praia e ilustrador Roger Hahn também
utiliza o CorelDRAW® para compor as suas ilustrações vetorizadas, utilizando as ferramentas
dos programas para alterar as cores dos trajes de banho das modelos com maior facilidade e
fidelidade ao modelo original.

Figura 7:
Ilustração de Nice Lopes
Fonte: Portfolio Online,
disponível em: http://nicelopes.blogspot.com

Discussão

A despeito da vasta produção imagética de nosso país, no que diz respeito


à formação visual ainda persistem valores românticos como “ter ou não ter
talento”, “saber ou não saber desenhar”, descuida-se da necessidade de

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Ilustração digital na moda

educação para a linguagem visual e de um entendimento menos obscuro


acerca da elaboração mental envolvida na produção de imagens. (GUIRALDO,
2006, p. 01)

Mesmo depois de discussões referentes ao surgimento da Ilustração de Moda, e o


momento da sua união com a era dos computadores, gerando assim a Ilustração Digital, ainda
existem dúvidas pertinentes ao tema. A primeira é a diferenciação de uma Ilustração de Moda
e de um desenho de moda.
Como comenta Gragnato:

Entendida aqui também como linguagem de representação visual, a ilustração


de moda traz elementos próprios deste universo e vai mais além, incorporando
e interpretando elementos culturais e sociais. Isto significa dizer que a ilustração
de moda traz o “pulsar do tempo”, pois carrega traços desse tempo, valores
e comportamentos, mudanças e oscilações, que influenciam a percepção e a
concepção de novas estéticas, bem como análise e interpretação do espírito
do tempo, da época em que ela foi realizada. Por isso mesmo, a diferença
entre desenho e ilustração é muito sutil e suas nuances se entrelaçam e se
misturam, dificultando a percepção de limites (2008, p. 63)

Um dos maiores obstáculos de um ilustrador de moda é diferenciar o seu trabalho de


um desenho de moda comum; atribuir a ele significados subjetivos, passar sensações e criar
um contexto dê destaque a ilustração. Gomes (2010, p.54) menciona que Couchot considera
o computador e suas funcionalidades detentores de vantagens no que diz respeito à recepção
do expectador ao objeto de visual. Ou seja, a transformação tecnológica na produção imagética
não se restringe somente aos métodos de trabalho do ilustrador, mas também a quem aprecia
e experimenta o processo de fruição dessas imagens.
Sobre a importância das ilustrações, Freitas discorre que:

Talvez por ser uma expressão artística mais midiática e popular, tenha sido
excluída do campo artístico durante muito tempo e hoje ela faça parte do
campo de artes visuais. Esteticamente ela se compõe de vários elementos
significativos que colaboram com o resultado final. (2009, p. 2)

Outro questionamento pertinente é que, até pouco tempo atrás, se considerava a


Ilustração Digital como uma forma de ilustração menor, atribuída a imagens rígidas e sem a
vivacidade conferida às artes tradicionais; hoje, cabe ao ilustrador e aos pesquisadores do
assunto quebrar esses paradigmas. Gomes (2010, p.53) justifica que “[...]‘um novo’ paradigma
no desenvolvimento dessas imagens [...]” torna-se objeto de investigação e análise sob o
ponto de vista técnico-científico. Percebe-se que, a Ilustração Digital amplia as possibilidades
de criação e representação plástica de objetos, contextos e tendências socioculturais através

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Ilustração digital na moda

de seus inúmeros recursos. Para isso, o ilustrador pode ampliar o seu repertório expressivo
através da utilização dos softwares, para assim poder aplicá-los em seus trabalhos da melhor
forma possível. Entretanto, torna-se necessário ressaltar a importância de um conhecimento
prévio em estilos e técnicas de representação tradicionais, para que a utilização dos meios
digitais sirva para aperfeiçoar todo o processo de composição das ilustrações.

Conclusão
Com a utilização de softwares e demais recursos digitais, torna-se possível criar
ilustrações com um grau de complexidade que só seria alcançada no desenho tradicional
através de muita habilidade técnica e detalhamento. Com o auxilio desses programas, pode-
se retocar, alterar e colorir as ilustrações digitalizadas, atribuindo tanto mais vivacidade quanto
mais uniformidade ao desenho. Também se podem incorporar tecidos e texturas, sobrepondo-
as ao traço, e também representar estampas com mais precisão.
O universo dos recursos digitais enriquece o trabalho, valorizando o traço manual.
Existem inúmeras possibilidades de utilização, tanto na criação direta da ilustração quanto na
combinação entre o desenho digital e outras técnicas tradicionais. Torna-se assim necessário
deter conhecimento abrangente a respeito das ferramentas e programas existentes, assim como
adquirir referências para compor o processo. Todas essas ferramentas auxiliam na elaboração
de uma ilustração autoral, com significação e impacto, diferindo-se dos desenhos de moda.
Uma ilustração que seja capaz de refletir a contemporaneidade, atingindo o expectador por
meio da sensibilidade e da experimentação:

Um possível ponto de referência que permite a diferenciação entre o desenho


e ilustração é a própria idéia de comunicação do produto de moda. Se em
ambos há a representação gráfica de peças de roupa ou acessório, o desenho
ou croqui preocupa-se com seu detalhamento e características envolvidas em
sua fabricação e na ilustração concentra-se na mensagem de moda intrínseca
a este produto. A partir dessa perspectiva, podemos entender que a ilustração
de moda está no campo experimental: novas estéticas, conceitos e técnicas
de comunicação tanto de moda como de estilos de vida (GRAGNATO, 2008,
p. 63)

A popularização dos computadores e criação de novos softwares, aliados à enorme


quantidade de informações encontradas na internet, livrarias, grupos de estudo e de discussão,
eventos e encontros, fez com que hoje a quantidade de designers e ilustradores expondo o
seu trabalho aumentasse consideravelmente. A disseminação de bons trabalhos através de
portfólios online e websites pessoais tornaram-se um desafio para o ilustrador iniciante. Agora,
cada artista pode digitalizar seus trabalhos e expô-los em sites especializados ou pessoais.
Assim, não somente todo o público pode apreciar, como também amplia-se a visibilidade e,
assim, há uma maior difusão da produção de ilustrações.

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Ilustração digital na moda

Não obstante possuir domínio das mídias artísticas tradicionais, como também
conhecimento abrangente sobre as ferramentas disponíveis dos softwares, o ilustrador
possui o desafio também de se diferenciar dos demais. A inclusão digital permite que muitos
outros artistas exponham o seu trabalho, gerando assim uma rede vasta de ilustrações,
ilustradores e imagens. Pode-se considerar que um dos maiores obstáculos para o ilustrador
na contemporaneidade é atingir a identidade visual de sua produção imagética.
Por outro lado, é exatamente o caráter personalizado e diversificado da ilustração que
têm lhe conferido o prestígio perdido para a fotografia. As imagens de moda retratadas através
dos ilustradores refletem além das inovações digitais, uma longa tradição pictórica, aliada ao
seu poder de comunicação. As ilustrações digitais fazem parte de nosso contexto cultural e
unem arte e tecnologia na busca da representação da expressividade contemporânea.

Notas
i Termo em inglês que significa, em tradução livre, tela de moda. As fashion plates eram imagens
que circulavam em revistas especializadas e através de costureiras, expondo o que havia de novo no
mundo da moda em forma de ilustração.
ii Disponível em: http://www.cadesign.com.br/artigos/comunicacao-entre-o-projetista-e-o-ilustrador.
html
iii Disponível em: http://www.webartigos.com/articles/3892/1/Cefetinho---A-Ilustracao-Pedagogica/
pagina1.html#ixzz16mcCZnn1
iv Pixel: abreviatura de picture element - elemento da imagem.
v As imagens na tela do computador são formadas por camadas de cores sobrepostas, chamadas de
RGB (a abreviatura do sistema de cores aditivas formado por Vermelho - Red, Verde - Green e Azul -
Blue). A união dessas camadas dá a cor da foto.

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Distância. In: Modapalavra E-periódico, ed. 4, 2009.

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a : a f in ida d e d e clarada
Moda e músic Design de Moda:
de
UFC
Freire; Graduanda
Renata Santiago
hotmail.com
renatasantiagof@ Moda: UFC
D oc en te do C ur so de Design de
reto Matos;
Adriana Leiria Bar
c.br
adriana.leiria@uf

Resumo
O presente artigo tem o objetivo de analisar e compreender
algumas relações possíveis entre moda e música ao longo
do séc. XX e início do século XXI. Analisa-se a importância e
influência da moda e da música na construção da subjetividade
do indivíduo assim como na construção de grupos e tribos sociais
e culturais. Assim, são conceituadas moda e música, citando
as suas principais semelhanças e lógicas enquanto sistemas,
assim como os principais movimentos históricos em que ambas
enunciam a mesma estética de comportamento. Por fim, situa-
se a ligação e materialização da união entre moda e música na
contemporaneidade. Almeja-se assim contribuir com essa área
de estudo na formação de estudiosos de moda, música e afins,
considerando que pouco foi pesquisado sobre esse assunto tão
importante devido ao seu rico caráter cultural e interdisciplinar.

Palavras-Chave: moda; música; cultura

Design, Arte, Moda e Tecnologia.


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Moda e música: afinidade declarada

Introdução
Realizou-se uma pesquisa com o objetivo de analisar e compreender a relação entre
moda e música ao longo do séc. XX e início do século XXI. O séc. XX é o ponto de partida deste
artigo, já que foi a partir dele que observamos o surgimento denovas mídias e tecnologias de
gravação, o rádio foi popularizado, a música tornou-se portátil e a moda se transformou em
um meio poderoso de expressão e criação de valores da sociedade.
Com a finalidade de comprovar as possíveis relações de afinidade entre moda e música,
é necessário observar as manifestações sociais e movimentos criados no interior dessas duas
representações artísticas que tanto revelam o indivíduo, o espaço e o tempo a que se referem
em determinada época histórica.
Com o advento do séc. XX, a figura da mulher ganhou mais autonomia dentro da
sociedade, que passou a se desenvolver em prol dos valores do consumo e da juventude
(LIPOVETSKY, 1989).Pollini (2007) diz: “Durante a Primeira Guerra, as mulheres tiveram de
assumir trabalhos que antes eram exclusivamente desempenhados por homens, o que
impulsionou de certa forma uma nova postura da mulher” (pág.45). Para Braga (2007) o
“conturbado” e “empolgante” séc. XX fez com que os interesses da moda passassem a ser
outros como as atividades de trabalho, o esporte e o divertimento, especialmente a dança.
Assim, as roupas iam se adaptando às novas necessidades.
Busca-se descobrir qual o papel da música no nascimento e difusão de um estilo de
moda assim como a influência da moda na propagação e fama de determinado estilo musical.
Descrevendo as primeiras décadas do século XX e constatando a união entre a moda e a
música, Braga (2007) articula que: “A diversão fazia parte da vida das pessoas e um dos
valores muito em voga nesse período foi a dança e, por incrível que pareça, contribuiu para as
mudanças da moda”.
Com tantas semelhanças em suas lógicas e conceitos, é necessário refletirmos acerca
da ligação forte entre duas correntes que exploram os sentidos e funcionam como poderosos
meios de comunicação a nível individual e social. E finalmente, são mencionados os movimentos
históricos mais importantes a fim de clarificar a interrelação da moda e da música em nossa
contemporaneidade.
Observa-se que a moda está presente no figurino dos ícones da música, que por sua
vez, inspiram e influenciam a criação dos estilistas, assim como cada vez mais a moda vende
e apropria-se das tendências e ideias criadas pela música.

Moda e música: afinidade declarada


Moda é um poderoso meio de expressão, reflexão e apropriação dos sentidos. É um
sistema amplo que envolve fatores econômicos, sociais, culturais, e ajuda na construção de
nossa identidade através dos inúmeros códigos simbólicos aos quais disponibiliza. Segundo

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Moda e música: afinidade declarada

Polhemus (1994), vestuário e ornamentos são utilizados há milhões de anos com o intuito de
comunicar as suas necessidades, fossem elas pessoas, tradição ou autenticidade.
A moda é um fenômeno peculiar aos seres marcados pela linguagem, representa as
atitudes que o sujeito adota, seja na escolha de uma peça do vestuário ou na preferência
de determinado estilo musical. Para Baldini (2006), a roupa fala e geralmente transmite
informações ambíguas, pois utilizamos o vestuário com o intuito de satisfazer necessidades
pessoais, sociais ou simplesmente pelo simples prazer estético.
A moda cria uma identidade mutável, simplesmente por pregar posições que o sujeito
deve ou não adotar. Através da sua linguagem visual, tão carregada de significações nos
mostra características de um indivíduo assim como as transformações de uma sociedade.
De acordo com Pearson:

A moda não visa exclusivamente homenagear a beleza e a estética - cujos


ideais são variáveis - propondo uma simbologia visual que transmita a idéia ou
sensação que o usuário deseja, naquele instante comunicar ao expectador.
Por esta razão, a Moda se modifica de acordo com os fundamentos culturais
de cada época vivenciada pela história da humanidade. (1994, pág.33)

Ou seja, a linguagem da moda nos possibilita o conhecimento da trajetória do homem


através do estudo e decodificação de seus símbolos. Possui uma historicidade valiosa, sendo
capaz de caracterizar determinada época por ser dotada de um objeto concreto e visível: o
vestuário.
Existem várias definições para a música, assim como muitas possibilidades para
sua classificação segundo gêneros, estilos e formas. Tais classificações podem servir como
uma referência para agrupar obras musicais distintas sob uma mesma vertente a partir da
comparação entre elementos musicais como melodia, harmonia, ritmo, dinâmica e timbre.
Jourdain (1998) defende a idéia de que a música oferece meios para experimentarmos relações
muito mais profundas do que as encontradas por nós no cotidiano.
A relação entre a música e os sentidos se aprimorou ainda mais com a criação dos
primeiros videoclipes já na década de 1950 e também com as cenas de Gene Kelly no filme
Cantando na Chuva de 1952 e Elvis Presley no filme Jailhouse Rock de 1957.

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Moda e música: afinidade declarada

Figura01:Elvis Presley Jailhouse Rock, 1957 Fonte: Website http://www.iill.net/tag/presley

Aliando som, letra e imagem, os videoclipes se tornaram cada vez mais difusores de
moda a partir da década de 1980, quando estrelas do pop como Madonna e Michael Jackson
exibiam seus figurinos bem elaborados através de uma música forte e envolvente. Segundo
Braga (2007, pág. 100): “Ídolos musicais foram grandes formadores de opinião na identificação
de moda jovem. Prince, Madonna e Michael Jackson deixaram suas contribuições na moda,
não só norte-americana, como também na de todo o mundo.

Hoje, não muito diferente do passado, verifica-se as mesmas


influênciascomportamentais geradas por algum determinado estilo musical
que é respondidoem forma de aceitação ou rejeição à cultura. Esse tipo de
exemplo pode ser vistoao observar que em algumas décadas, como as de 60
e 70, os jovens brasileirosutilizaram a música como forma de protesto contra
a dependência cultural e ainfluência estrangeira. (MOUTINHO & VALENÇA,
2005, pág. 225).

Os movimentos que criam estilos musicais geralmente são ditados e difundidos pela
juventude. E é aí que a música se une à moda, mesclando símbolos e criando códigos de
identificação. A escolha de determinada moda ou música funciona como uma espécie de
veículo de comunicação do eu, pois ambas possuem caracterizações específicas que definem
o indivíduo de acordo com seus gostos, aquisições e preferências. Assim, moda e música
possuem uma linguagem própria, são dois ricos meios de expressão, e estão em constante
mutação ao longo de suas evoluções enquanto manifestações históricas. Agem criando
desejos, aspirações e ídolos a serem cultuados e imitados. Ferron discorre acerca da interação
dinâmica de cada indivíduo com o coletivo e o meio no qual ele está inserido, instaurando um
processo que ele chama de percepção inventiva:

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Moda e música: afinidade declarada

As necessidades de “pertencer”, de “fazer parte” de um determinado grupo


em um determinado momento duelam com as necessidades de “surpreender,
de ter destaque, ser notado” pelos outros que cada indivíduo projeta. E a
moda como linguagem e os trajes como suporte registram e animam essa
expressão, dando forma, criando produtos e sonhos. (1994, pág. 7)

Moda e música são fenômenos culturais que se influenciam e fundem-se, dotados de


carga histórica e emocional. Observa-se durante o século passado que os movimentos de
juventude representam de acordo com suas especificidades, os fatos sociais, as manifestações
culturais de uma época e não raro estão relacionados à determinada moda ou música.
Analisando os principais movimentos comportamentais do séc. XX, se pode constatar
a constante união entre moda e música. Aliança essa que auxilia na formação dos conceitos e
definições e no reforço da identidade de tais movimentos perante os seus seguidores.
O início do séc. XX é caracterizado musicalmente pelo surgimento do Jazz que tinha
o apelido pejorativo de “música dos pretos”, por ter sido criado e tocado em sua maioria por
negros. Música essa que nasceu nos EUA, nas proximidades da cidade de Nova Orleans,
e se transformou no símbolo de um novo e mais intenso estilo de vida. Braga (2007, pág.
73) cita que: “Os ritmos mais em evidência foram o charleston, o foxtrot e o jazz.” O jazz
foi fundamental para a expressão e desenvolvimento cultural de seus artistas que utilizavam
referências afro-americanas com notas de blues e swing.

E ainda, o Jazz, o Charleston e as novas descobertas cientificas (que


encorajavam a prática de esportes e passeios ao ar livre) contribuíram para, de
repente, a moda dar um pulo: subitamente, a silhueta mudou, o cabelo mudou,
a altura das saias mudou, os costumes mudaram. (POLLINI, 2007, pág. 45)

Nos anos 1920, o ritmo musical do jazz era compatível com as mudanças aceleradas
que o séc.XX trazia para todos. Segundo Braga (2007) eram os chamados “anos loucos” e
as mudanças foram tantas e tão marcantes que fica difícil desvincular a palavra “novo” dessa
década. Foi um período que vivenciou prosperidade e foi ilustrado pela figura das melindrosas,
que eram as mulheres mais modernas da época, por frequentarem os salões de dança e
traduzirem através de seu comportamento, e modo de vestir, o sentimento e o espírito da Era
do Jazz.
A dança pedia movimento e o vestuário ofereceu o padrão: vestidos curtos com franjas,
costas de fora e longos colares. Com o embalo da música, os padrões de moda da época são
rompidos e as mulheres passam a mostrar mais o corpo e a conquistar aos poucos cada vez
mais autonomia.
As décadas de 1930 e 1940 foram marcadas pela crise financeira mundial, originada
pela queda da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929 e pela eclosão da Segunda Guerra

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Moda e música: afinidade declarada

Mundial, respectivamente. Porém, Braga (2007, pág.75) afirma que: “Paradoxalmente à crise
econômica, a moda refletiu um momento de grande sofisticação, luxo e esplendor.” Nessa
época, o cinema passa a ter destaque e refletia-se no comportamento de moda. A música
popular passa a ser um fenômeno de proporções continentais e de massa. Para Canellas
(2008), o estilo musical em ascensão, em meados dos anos 1930 era o swing, estilo de jazz
próprio para dançar e adotado fortemente pela mídia com o intuito de estimular e entreter a
população.
O rock and roll, por exemplo, embalou e caracterizou o novo mercado jovem dos anos
1950. O vestuário passa a representar um verdadeiro símbolo de pertencimento a um grupo,
atribuindo papéis e reconhecimento entre pessoas que acreditam em uma mesma atitude
perante o mundo. Segundo Pearson (1994, pág.5): “a cultura rock, evolução de um estilo
musical (rock and roll) para um movimento mundial foi, talvez a primeira fórmula criativa dos
jovens que influenciou a moda entre 1955 e 1965, aproximadamente.”
Nos anos 1960, a moda era questionar o sistema vigente. É nesse momento histórico
que surge a figura dos beatniks e a febre chamada Beatles. O espírito de contestação é a
bandeira dos beatniks. O termo beat, origina o nome Beatles, mania de toda uma geração.
Esses jovens vivem a certeza e o conforto da sociedade de consumo. Evitam luxo e brilho,
usam calças caquis, suéteres longos e sandálias. Possuíam uma imagem doce, amável e
pacífica.

Figura02:The Beatles, 1960Fonte: WebsiteGetty Images

Já a moda disco teve origem em 1976 e nasceu nas discotecas, através de uma música
dita “comercial” e de ritmo simplificado. As discotecas eram o palco principal para a exibição
de uma moda sexy que exalta corpos e com conteúdo musical desprovido de contestação

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Moda e música: afinidade declarada

política ou social. As divas da dance music como Donna Summer, Grace Jones e Gloria Gaynor
influenciaram o comportamento da época. Braga (2007, pág. 92) fala acerca da ligação entre
moda e música da época: “(...) surgiu uma proposta muito excêntrica para a moda jovem
associada aos grupos musicais em alta, em que a palavra de ordem era o “glamour”.”.
Enquanto na Inglaterra nascia o movimento punk, nos EUA a voz de Barry White e os
grupos Shirley andCo. e The Hues Corporation retratam o estilo da era Disco, que foi levada
aos clubes noturnos cheios de fumaças e luzes coloridas, virando uma mania entre os jovens.
Conhecida por celebrar o amor, a alegria e a dança, a música disco é eletrônica, e se utiliza
de sintetizadores e guitarras. É praticamente uma música dita negra, composta por notas de
soul e blues, pois:

O movimento negro, muito em alta no anos 1970, especialmente nos Estados


Unidos, fez-se presente em ideologia como, por exemplo, a onda “Black
isBeautiful”, privilegiando as raízes afro, a cultura caribenha e também o ritmo
“soul”. (Braga, 2007, pág. 93)

A descoberta da AIDS e Off the Wall, o primeiro disco solo de Michael Jackson, são
acontecimentos responsáveis por retratar o fim do movimento disco, que em 1980, já era quase
que por completo inexistente, com muitos de seus artistas e estilos caindo no anonimato.
Com a crise econômica dos anos 1970, muitos movimentos perderam a força. Porém, a
própria crise inspirou o surgimento do expressivo movimento dos punks, cujo lema “No Future”,
falava justamente da dificuldade de viver com a violência e agressividade presente em todos
os lados da vida moderna. A cultura punk defende a autonomia individual e a simplicidade no
viver. Provocativa e contestadora em sua essência, a música punk é considerada uma vertente
do rock: é composta, em sua grande maioria, por letras rebeldes, sarcásticas, politizadas, e
cheias de subversão à cultura vigente.
A primeira manifestação do estilo punk-rock surge nos Estados Unidos com a banda
The Ramones, em 1974. É caracterizado pela combinação do revivalismo da cultura rock and
roll (com suas músicas curtas, simples e dançantes) e do estilo rocker/greaser (jaquetas de
couro estilo motociclista, camiseta branca, calça jeans, tênis e o culto a juventude, diversão e
rebeldia).
O estilo punk expressava-se a respeito da crise econômica, o desemprego, a falta de
opções e perspectivas; e defendia a total insanidade, ou seja, nada de sonhar ou planejar
demais a vida, o importante é viver o hoje com muita rebeldia, se possível. Seus trajes remetem
a uma linguagem, inusitada, diferente etransgressora (Braga, 2007): couro, tatuagens, botas,
correntes, taxas, óculos escuros, corpos sujos e suados. O movimento punk surgiu em 1977
na Inglaterra. A estilista Vivienne Westwood e o seu então marido, Malcon McLaren, músico
e líder do grupo “Sex Pistols” exemplificaram a afinidade entre moda e música do movimento
punk:

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Moda e música: afinidade declarada

Juntaram ali as vontades de ambos os lados, uns satisfazendo os outros e, com


isso, Vivienne Westwood, uma estilista já renomada, acabou intelectualizando o
movimento e criando roupas para esses jovens contestadores, que cresceram
em número de adeptos ao estilo. (Braga, 2007, pág. 93)

Figura03:Banda The Ramones, 1974.Fonte: Website Getty images

Já em 1978 surge a estética chamada New Wave. Surgindo após a era Disco, o
movimento New Wave é mais intelectual, possui caráter dançante e é conduzida musicalmente
por sintetizadores. O destaque vai para o clube GBGB, localizado no bairro de Manhattan, em
Nova Yorque, onde as bandas do momento se apresentavam, como Elvis Costello, Blondie e
Television.
A imagem visual é alinhada, com roupas bem cortadas, cores fortes, brilho, ombreiras
e caracterizada por uma variada mistura de tendências. Vale ressaltar que estamos falando
do início da década de 1980, contexto marcado pela extrema valorização do trabalho e da
riqueza pessoal. Bandas como Duran Duran e Spandau Ballet, com um pop neo-romântico,
ou grupos como The Police, que possuía um viés musical mais punk, são ícones da época.
A irreverência também é uma característica forte do movimento New Wave. The B52´S
representa essa vertente que é ilustrada por cores cítricas, tecidos tecnológicos, perucas e
meias coloridas.

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Moda e música: afinidade declarada

Figura04:The B52´s, 1979.Fonte: Website http://www.filesbay.net/file/1522616-b52.html

Nos anos 1980 começamos a nos deparar com uma explosão e variedade de imagens
e sons que no começo do século XXI servem de referência ao trabalho de moda e música. A
noção de identidade se torna mais fragmentada diante da variedade de códigos e significados
escondidos em simples escolhas do cotidiano.

Os anos de 1980 trouxeram-nos uma verdadeira profusão de influências e


contrastes, em que os opostos começaram a conviver em harmonia e ambos
sendo aspectos de moda. Essa característica antagônica foi, como ainda o
é hoje, início do século XXI, uma das referências da moda contemporânea.
(Braga, 2007, pág. 95)

Os cultos ao êxito pessoal, financeiro e, ao corpo, assumem grandes proporções. A


moda é globalizada e se consagra como uma linguagem universal, onde mensagens são
enviadas e circulam por todos os países do mundo em uma velocidade rápida onde as
mudanças frenéticas de conceitos e de consumo regem comportamentos.
Segundo M. FILHO (1994, pág.17): “A cultura underground tem um peso essencial nos
anos 80. Grupos ligados geralmente a um determinado tipo de música proliferam, assim como
revivais de movimentos já existentes (neo-hippies, new-romantics).”
O estilo que caracterizou os anos 1980 é basicamente formado pela mistura e a citação
de outras épocas, dando início ao revivalismo na moda. Elementos passados são incorporados
com humor resultando em formas novas e únicas em seu estilo. A moda e a música da época

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Moda e música: afinidade declarada

são caracterizadas pela coexistência de estilos e tendências.


Em 1981 surge a MTV, revolucionando e ligando ainda mais os universos da moda e
da música, aliando som e imagem. Os vídeos clipes popularizam e consagram os estilos da
juventude. É nesse momento que a moda faz uma aliança definitiva com a música jovem.
Surge o estilo streetwear e as roupas unissex. A influência pop foi ricamente representada por
Madonna e Michael Jackson. Ambos fizeram a cabeça da juventude com os seus figurinos
extravagantes, muitas vezes assinados por grandes estilistas, e desenvolveram suas músicas
embaladas por danças com movimentos rápidos e batidas fortes.
Madonna é o ícone feminino da década de 1980. Mudando sempre de imagem e
explorando tabus e preconceitos sociais, representava o exemplo perfeito da ambição feminina,
poder e da importância do trabalho árduo. Em seu primeiro álbum (1983), Madonna adotou
o estilo “bad girl” com referências ao punk e ao fetichismo e explorou a combinação entre
moda, música e movimento. Depois, Madonna deu ênfase ao corpo e ao estilo mais sexy com
a adesão aos tecidos elásticos. Podemos citar como exemplo de peça marcante do figurino
da cantora, o corpete criado pelo estilista Jean Paul Gaultier para a turnê BlondAmbition Tour
em 1990, apresentado na figura 05.

Figura 05Madonna 1990. Fonte: Antenna Web

Ao contrário das mulheres, os cantores exibiam uma imagem suave e carregada de


androginia. As vozes agudas, o forte uso da maquiagem e o vestuário justo e adornado faziam
de Prince, Boy George e Michael Jackson ícones da época.
Observa-se que a década de 1990 contempla uma grande liberdade de se expressar
visualmente. Segundo Braga (2007, pág. 101): “(...) entraram em evidência clubbers,

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Moda e música: afinidade declarada

dragqueens, cybers, ravers, dentre outros grupos, e a ordem foi a moda jovem, ousada e
irreverente.”
A roupa e a música servem mais do que nunca como retratos do estilo de vida de
cada um. Polhemus (1994) defende que a geração atual parece às vezes ser tão absorvida
pelo passado que chega a ser difícil discernir o seu presente e muito menos o seu futuro.
Observamos a mistura e a ligação entre o mundo real e a realidade virtual. Há também uma
variação de estilos e silhuetas já existentes e uma relativa falta de novidade. Para Lipovetsky
(1989):

(...) o importante não é estar o mais próximo possível dos últimoscânones da


moda, menos ainda exibir uma excelência social, masvalorizar a si mesmo,
agradar, surpreender, perturbar, parecerjovem.(pág.122)

O estilo grunge, nascido em Seatle, marcou toda uma juventude inconformada e


questionadora. Ele possui um caráter juvenil, individualista e que se opõe às normas sociais.
O unifome grunge é basicamente composto por bermudões, padronagem xadrez, o jeans,
a camisa de malha, flanela e tênis. A banda Nirvana foi a mais famosa difusora desseestilo
musical e de moda, transformado o grunge em um forte movimento juvenil.
O estilo hip hop também explodiu nos anos 1990, aliando dança, música e indumentária
em uma mesma linguagem.
No contexto cultural contemporâneo, as celebridades da música se transformaram em
verdadeiros ícones de moda. Fazem o papel de modelo para marcas poderosas, transformando
os seus figurinos em verdadeiros objetos de desejo.

Figura 06Lady Gaga, 2010.Fonte: Websitehttp://resumododia.wordpress.com/2010/02/20/lady-gaga-no-


brasil-2010/

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Moda e música: afinidade declarada

Polhemus (1994) defende que assim como na música pop, a tendência predominante
hoje em estilo de aparência é regida por misturas diversas, ecléticas e muitas vezes
contraditórias. E acredita que é justamente nessa mistura que encontraremos a nossa própria
realidade. Baseado nesse pensamento, a cantora Lady Gaga desponta como o nome mais
expressivo da contemporaneidade onde moda e música são explorados. Em suas músicas,
fala de temas atuais com humor, irreverência e personalidade. Fazendo dos padrões de beleza
e comportamento ditados pela sociedade, suas obras primas.
Ironizando atitudes através de suas letras provocantes e ambíguas, ou com seu figurino
extravagante e assinado por grandes estilistas, Lady Gaga mostra que não só utiliza a última
moda, como a lança de uma forma ousada e bastante particular.

Discussão
Mais do que um mero produto cultural dentre tantos outros, moda e música representam
conceitos, são manifestações que expressam a própria definição do homem ao longo da
história.

Antes de ser signo da desrazão vaidosa, a moda testemunha o poder dos


homens para mudar e inventar sua maneira de aparecer; é uma das faces
do artificialismo moderno, do empreendimento dos homens para se tornarem
senhores de sua condição de existência. (LIPOVETSKY, 1989, pág. 34)

Através de seus ícones, a música acaba por criar e difundir um estilo de moda. Em
contrapartida, a moda se utiliza da música oferecendo fortes significados simbólicos, que
definam determinado estilo musical para os seus seguidores. Segundo Moraes:

Na pré-história considerava-se a música como um ato instintivo e impulsivo do


homem. Ao perceber os sons que o cercava, o homem pré-histórico detectou
a necessidade de tocar instrumentos musicais e cantar. Ou seja, a música, a
dança e o canto eram ferramentas utilizadas como meio de manifestar seus
sentimentos. (1983, pág. 81)

Nota-se que um figurino bem elaborado é responsável pela construção visual da melodia
de uma música. Assim, acabará por ser apoderado por aqueles que se identificam e seguem
determinado estilo musical.
Em um ambiente repleto de símbolos, gêneros e códigos, tanto a moda quanto a
música se apropriam desses elementos a fim de contar uma narrativa, expressar uma idéia
ou comportamento social. Para M. FILHO (1994, pág. 17): “As tribos são agrupamentos com
um idioma claro no que diz respeito à linguagem, incluindo aí atitudes, fala, gostos, hábitos e
gestos.”A dificuldade de se definir os limites dos movimentos da juventude, que expressam

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Moda e música: afinidade declarada

através da moda e da música o que pensam de si e o que sentem do mundo é evidente. Há


uma verdadeira mistura e apropriação de todos. O contexto atual é marcado pela era das
releituras que nada mais fazem do que agir fixando conceitos já existentes e alimentando a
nossa sociedade efêmera e de consumo.
Segundo Polhemus (1994), vivemos num contexto chamado “supermercado de estilos”,
ou seja, a sensação vigente é de que todos os períodos existentes existem e aparecem como
latas de sopa disponíveis ao nosso alcance em prateleiras de supermercado.
Assim sendo, não se fala mais em movimentos sociais, divisões de classe, idade ou
gênero, e sim em estilos individuais de vida baseados em escolhas diversas de comportamento
e atitude.

Conclusão
Pode-se observar o quanto as tendências e novidades musicais assim como as
tendências de moda são fortes formadoras de opiniões, comportamentos e atitudes para o
indivíduo. São instrumentos utilizados com o objetivo de comunicar e expressar. A música,
através da letra e melodia; e a moda, através do vestuário, são capazes de traduzir e transmitir
sentimentos e desejos.
As revistas de moda e os clipes musicais são ótimos exemplos em que moda e música
se transformam em meios difusores de tendências de comportamento e por consequência,
meios poderosos de comunicação. Originando assim o surgimento e formação de tribos
sociais que são organizadas de acordo com a aceitação ou não do conjunto de códigos
lançados a cada novidade que aparece no mercado cultural midiático
Observa-se que moda e música representam universossemelhantes, com expressões
e denominações que se complementam e até se fundem. Uma agrega valor à outra. A moda
determina o visual de determinado estilo musical e a música embala a fama de qualquer estilo
de moda. A música costuma dizer o que queremos ouvir, enquanto a moda aponta o que
desejamos ver e vestir.
A moda está presente no figurino dos ícones da música, que por sua vez, inspiram e
influenciam a criação dos estilistas. É notório: cada vez mais a moda vende e se apropria das
tendências e ideias criadas pela música.
Há artistas da música que criam suas próprias marcas de roupas, aonde elaboram e
vendem ainda mais a imagem que querem passar. Assim como também existe um fenômeno
recente aonde os profissionais da moda invadem os palcos, atuando como DJ ou formando
suas próprias bandas.
Assim, observa-se que influências e inspirações musicais sempre ditaram e continuam
ditando e também reeditando, através das releituras, verdadeiros estilos de moda. Uma arte
necessita da outra para criar o novo ou simplesmente evocar estilos do passado já consagrados
como caminho seguro para não fracassar no mercado.

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Moda e música: afinidade declarada

Modelos criam bandas de rock. Músicas embalam comerciais de moda. Os melhores


desfiles são aqueles que têm banda ao vivo. Músicos criam suas próprias grifes, codificando
visualmente e reforçando ainda mais a sua mensagem.
Clarifica-se a intensa ligação que os universos, da moda e da música, manifestações
autênticas, possuem entre si. Ambas sensibilizam nossos sentidos, constituem nossas
memórias e constroem imaginários e identidades.
Música é atitude, moda também. Se a música transmite uma mensagem sonora, a
moda sacramenta uma linguagem visual. Se a moda representa um estilo, a música difunde
sua fama. Ambos criam ícones que marcam a cultura do homem. Certamente, moda e música,
ainda farão infinitas combinações para marcar o ritmo e mostrar a forma da juventude, das
individualidades de cada um, dos anos que virão e da história que se fará.

Referências
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Design, Arte, Moda e Tecnologia.


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u á r io, d e s ig n e arte
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Conexões conce em Desig n de M od a: U ni versity of Kent (U
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ia A lic e Va sc on celos Rocha; PhD as : U FR P E - m odalice@dcd.ufrp
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Resumo
Este estudo discute a complexidade da moda, promovendo a
reflexão de algumas interfaces possíveis entre campos do saber.
Diversas teorias se conectam buscando um alinhamento conceitual
que dê suporte à promoção de conhecimento relacionando a moda
ao vestuário, ao design e à arte sem, no entanto, confundir seus
limites. Por fim, a explanação dos motivos que levam o consumidor
a procurar um produto-roupa que contenha elementos de moda,
de certo colabora para a evolução do pensamento sobre o tema.

Palavras-Chave: teoria de moda; design de vestuário;


complexidade

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte

Introdução
É certo que não há unanimidade na definição do que é moda. Ao longo da história, a
moda pode ser entendida como um jogo de distinção da classe dominante (BARNARD, 2002).
Já de acordo com Lauwaert (2006), “o vestuário não é um meio de representação, mas um
meio de apresentação. O vestuário não define, ele posiciona. É pragmático, não é semântico.
O vestuário não mente, mas irrevogavelmente denuncia você”i
Hoeks e Post (2006) dizem que o aspecto complementar que une moda e vestuário
fica claro com as estações do ano: a moda, para ser moda precisa estar em voga mas o que
materializa as mudanças fica óbvio por meio das roupas. Ainda de acordo com os autores,
enquanto a indústria do vestuário vende produtos, a indústria da moda não comercializa
objetos e sim significados. E é esta combinação que garante a satisfação das necessidades
dos consumidores.
Ao mesmo tempo, tanto a moda quanto o vestuário são as commodities mais
fetichizadas produzidas e consumidas na sociedade capitalista. ...Moda e vestuário talvez seja
a maneira mais significativa na qual as relações sociais são construídas, experimentadas e
compreendidasii.
Sabe-se que os consumidores e consumidoras tem necessidade de ser sociedade e
indivíduo simultâneamente, e a combinação entre moda e vestuário parece ser uma boa maneira
de negociar essa complexidade humana. Campos do saber como Estética, Ciências Sociais,
Estudos Culturais, Psicologia, Antropologia, Gestão, Economia, Marketing, Comunicação,
Design e Produção possuem inter-relações em cada nível que se investiga a combinação
entre moda e vestuário.
Como a moda e o vestuário englobam uma diversidade de disciplinas, cada uma
delas deve ser considerada quando da análise do conceito moda-vestuário. Além disso,
cada disciplina procura encontrar uma maneira específica de explicar a moda e o vestuário
usando termos precisos e as análises teóricas necessárias. O desafio posto é combinar tudo
como normalmente o consumidor vê e experimenta todos estes conceitos em conjunto.
Considerando isso, o conceito do pensamento complexo desenvolvida por Morin (2003)
parece ser uma base adequada para se examinar a questão.
Morin (2000) explica que o conhecimento científico, por razões metodológicas, é
fragmentado. Estas divisões facilitam uma compreensão profunda do fenômeno, mas a forma
ocidental do pensamento científico tem ensinado os pesquisadores a submergir em campos
separados, e há uma falta de movimento no sentido de re-envolver esses campos um com o
outro. O autor afirma que “as coisas” separadas são ligadas, são distintas e são necessárias
para o desenvolvimento da sociedade.
Os indivíduos, as sociedades e todas as “espécimes” são entidades distintas e não
podem ser isolados por conta de sua função cooperativa na compreensão da humanidade.
Assim, o pensamento complexo se baseia na distinção (não separação) e na ligação; não é

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte

composto apenas pela ciência ou apenas pela filosofia, mas permite a comunicação entre
os campos dos saberes, atuando como uma ponte. O paradigma da complexidade deve ser
considerado como aquele que une enquanto distingue.
Seguindo a abordagem do Pensamento Complexo, um diagrama foi desenvolvido a fim
de identificar alguns dos fatores que tornam a combinação moda-vestuário em um tema da
complexidade atual. As abordagens relacionam um conjunto de elementos, tais como o ciclo
de vida do produto, o meio ambiente, a individualidade, a inclusão social, a adequação física
e estratégia para influenciar ou promover a satisfação do consumidor.
O ato de consumir é composto por sete fases: (1) reconhecimento da necessidade, (2)
procura, (3) pré-compra, (4) compra, (5) consumo, (6) avaliação pós-consumo e (7) descarte,
que são afetadas por influências ambientais e diferenças individuais (BLACKWELL ET AL.,
2002). Por outro lado, o sistema de moda é baseado nas fases da difusão que são influenciadas
pelas culturas e ambientes locais e globais.
Frequentemente, o consumo de moda é dividido em dois tipos distintos “universos”
que devem ser devidamente equacionados: primeiramente aquele que poderia ser chamado
de “tendências, estilo ou comportamento “e, em segundo lugar, aquele outro responsável pelo
desenvolvimento das roupas. O primeiro é mais provável em receber a atenção das áreas de
Psicologia, Sociologia, Comunicação e Antropologia enquanto que o último é mais plenamente
analisado através de Ergonomia, Antropometria e Fisiologia Humana.
É a aproximação das tendências com as roupas que cria o produto moda-vestuário,
objeto desta pesquisa. Esta abordagem permite que o negócio seja adicionado à equação
reforçando a complexidade da compreensão do consumo.
Vale lembrar que o ciclo de consumo, quando concluído, gera satisfação ou insatisfação
do consumidor, e este resultado influencia os próximos ciclos do consumo, num movimento
contínuo de retroalimentação do sistema.
Todos os elementos presentes na discussão foram extraídos de teorias ou representam
um insight a partir de uma teoria já existente. Como essas teorias são provenientes de campos
muito diversos, estão classificados nas áreas-chave de investigação que compõem o diagrama
do sistema moda-vestuário.
Citando Barnard (2002), este trabalho é sobre “todas estas coisas: é sobre moda,
roupa, vestimenta, adorno e estilo.”iii. Este estudo foi concebido para fornecer rumo a um
modo holístico de visualizar o fenômeno e onde o leitor encontrará conceitos e reflexões que
ajudam a esclarecer a complexidade da moda.
Por razões metodológicas e respeitando os objetivos da pesquisa, todas as explicações
relacionadas com produtos de moda se referem a peças de roupas com valor de moda,
excluindo os acessórios, sapatos, bolsas, mobiliário, equipamentos, automóveis, etc., mas
incluindo as marcas de moda-vestuário no contexto. A Figura 1 ilustra a área de produtos que
esta pesquisa investiga (em amarelo).

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte

Figura 1 – A interconexão Proposta (ilustração da autora)

É importante afirmar que a moda é um sistema extremamente complexo em


relacionamentos. As teorias relacionadas à Moda, como campo de pesquisa são extremamente
relevantes, mas ainda não exploradas o bastante para abarcar todas as direções que a
envolvem. Por isso, nas subseções a seguir serão apresentadas algumas teorias que podem
auxiliar na reflexão dos relaciomentos entre Moda & Vestuário, Moda & Design e Moda & Arte.
Essas áreas possuem uma relação direta com a prática no desenvolvimento projetual, embora
elas também possam influenciar os consumidores ou impactar nas decisões empresariais.

Moda & Vestuário


A forma mais própria e direta para que se possa observar o fenômeno de moda é por
meio das roupas. O vestuário é um artigo essencial na vida humana e guarda uma ligação
importante com os profissionais de projeto e de produção. Não são freqüentes os estudos
acerca do vestuário com valor de moda, ou seja, moda tangível, se comparados com os de
moda intangível. Os primeiros, quando ocorrem estão mais relacionadas com a funcionalidade,
a ergonomia e as demandas específicas do corpo.
Porém, do ponto de vista do consumidor, as roupas se tornaram a maneira mais fácil
de representar a moda. Além disso, como Lipovetsky (2002) afirma, peças de vestuário são
o meio mais popular para as empresas estimular o consumo de moda. Apesar da existência

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte

de vários trabalhos que creditam à sazonalidade como o principal catalisador do curto ciclo
de vida das roupas, a subseção a seguir apresenta um dos mais conhecidos e reconhecidos
estudos relacionados à motivação para estar vestido.
Como este estudo se preocupa diretamente com vestuário é importante introduzir a
obra de Flügel (1930), difundida na década de 30 do século passado. Tal como definido por
Flügel proteção, enfeite e pudor são a base, as motivações originais para o surgimento das
roupas. A forma com o autor discute a passagem do nu para o vestido implica numa viagem
que se inicia com a natureza e finda na cultura (CARTER 2003).
De acordo com o conceito de Flügel (1930) a proteção do corpo contra a sensação
desagradável de frio no período pré-histórico, e posteriormente contra qualquer elemento ou
organismo nocivo à saúde, é uma das razões fundamentais para se vestir. Devido à evolução
científica, as considerações sobre higiene mudaram e o vestuário tende a ter uma ligação forte
tanto física quanto psicológica com a proteção. Assim, as roupas possam ser utilizadas como:

[...] a proteção contra a hostilidade geral do mundo no seu conjunto ou, de


forma mais psicológica, uma garantia contra a falta de amor. Se estivermos
numa atmosfera hostil, quer seja humana ou natural, tenderemos, por assim
dizer, a nos abotoar, trazendo nossas vestes mais perto de nós. iv
(FLÜGEL, 1930:77)

Em civilizações tropicais, a função original de enfeite ou adorno, descrita por Flügel está
relacionada com a sua finalidade essencial de distinguir a aparência física a fim de atrair os
olhares de admiração dos outros. O autor cita habitantes indígenas para explicar os instintos
exibicionistas natural da Humanidade embora o trabalho mostre alguma das realidades
contemporâneas de enfeite como exposição sexual, rivalidade política, traje cerimonial e
condição social entre outras.
A função de pudor, de acordo com Flügel (1930), é ocultar as características físicas,
geralmente afetando o destaque de uma pessoa dentro de um grupo, podendo ser no sentido
de permissão ou proibição. Flügel explica o pudor como algo que não é geneticamente
determinado e varia entre as sociedades.
Ainda de acordo com Flügel, nas sociedades “‘civilizadas”, a proteção, o enfeite e o
pudor desempenham seus papéis simultaneamente, embora os antagonismos entre enfeite
e pudor seja uma importante questão defendida pelo autor como um “conceito da condição
da vida humana”. É interessante fazer referência ao fato que no mundo natural, os animais
já carregam todos esses atributos. Segundo Carter (2003, p.84), Flügel identifica diferentes
atitudes para roupa:

Alguns vêem as roupas como equivalentes à camada mais exterior de si e


assim as incorpora na sua vida com pouca dificuldade. Outros consideram
suas roupas quase inteiramente relacionadas ao ambiente externo, o vestuário

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte

é “o outro” no seu senso de si. (CARTER, 2003:84)v

Baudrillard (1998) introduz o conceito da sociedade de consumo e analisa a relação


entre o objeto de consumo e a sua utilidade, então a necessidade de um produto perpassa do
foco utilitarista para o simbólico.
Em um estudo recente, Kawamura (2005) classifica a moda como um produto simbólico
que não tem substância física e a considera separadamente dos produtos de vestuário por
serem objetos concretos. Mais que isso, para a autora, “A moda não é roupa visível, mas é os
elementos invisíveis que o vestuário carrega.”
Como o desafio deste estudo é manter os elementos simbólicos e utilitários associados,
visto que ambos são importantes e não passivamente dissociados pelos consumidores, outros
modelos teóricos entram na discussão.
Vários estudos consideram os fatores funcionais, ergonômicos e estéticos como
questões distintas e oferecem visões limitadas que os vinculam de forma limitada a dimensões
psicológicas, sociais e culturais quando no desenvolvimento de produtos com valor de
moda para o mercados específicos, como o esportivo ou o maduro (LAMB E KALLAL 1992;
BENKTZON ET AL. 2003) .
Ballin (1885), no seu estudo inicial sobre a ciência vestimentar estava ciente dos prejuízos
que a roupa pode trazer para um organismo saudável e descreve recomendações para uma
roupa ideal: “Elas devem ser leves e quentes de forma a permitir a transpiração natural, ou em
outras palavras, ventilar bem, não exercer qualquer pressão sobre qualquer parte do corpo, e
devem ser livres de todas as partículas tóxicas, seja de sujeira ou de corantevi. (BALLIN 1885
IN JOHNSON 2003)
Outro estudo de Barr (1934) observa atitudes fundamentais na psicologia da escolha
vestimentar: (1) o desejo de se portar conforme dentro de um grupo; (2) o desejo de conforto
em termos de temperatura e sensações tácteis; (3) pudor, resistência a uma nova moda;
(4) o desejo da economia, quando e o que comprar e (5) o impulso estético, o desejo de
estar bonita. Aliás, Barr (1934) explica a fundo o desejo de auto-expressão: uma mistura de
consciência do seu físico, expressão de personalidade, o desejo de parecer distinta, digna ou
jovem, e o desejo de parecer competente ou próspera (BARR 1934 IN JOHNSON 2003).
Considerando a adequação do modelo de motivação para o vestuário de Flügel,
é necessário acrescentar mais variáveis à equação pois os indivíduos diferem em suas
características físicas e psicológicas. A subseção seguinte é dedicada à discussão das
alterações do corpo humano e suas implicações para o vestuário.

Moda & Design


A atividade do designer é crucial para alimentar a criatividade no sistema da moda.
Existem dois diferentes aspectos a considerar quando se analisa o design de produto com

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte

valor de moda: o primeiro, intangível, que compreende as tendências, atitudes, valores e estilos
de vida (SOLOMON E RABOLT 2004) e o segundo, o tangível, que se preocupa com o corpo,
a sua forma, os materiais e os fatores sensoriais (COOPER E PRESS 1995). Nota-se que há
uma tendência dentro da indústria de moda para minimizar os aspectos tangíveis.
Mas, o produto de moda - vestuário - atua sobre o corpo como uma segunda pele
e deve ter um desempenho compatível com o formato do corpo do consumidor. Uma das
variáveis mais ignorada na concepção dos produtos da moda é o formato do corpo devido às
tendências ditatoriais do padrão “alta e magra” e a forma do corpo pode não variar somente
por fatores genéticos, mas também é determinada pela dieta, estilo de vida, nível de aptidão
física e idade (LI 2003).
Segundo Pheasant (2006), o produto deverá coincidir com características do usuário,
sendo necessário levar em conta os seguintes critérios para um bom caimento: eficiência
funcional, facilidade de utilização, conforto, qualidade de vida no trabalho e na saúde e segurança.
Na área de design, os produtos de moda-vestuário são um dos poucos desenvolvimentos
nos quais é possível (e necessária) adotar uma abordagem verdadeiramente sob medida,
utilizando tabelas de tamanhos, diferentemente de produtos como automóveis ou cadeiras.
Nesse sentido, o uso da antropometria é relevante, principalmente devido às variações
do corpo, que se altera primeiramente entre os sexos e origens raciais e, de forma contínua,
devido ao envelhecimento. Essas mudanças afetam não apenas a identidade visual do
consumidor, mas seu comportamento e atitudes e, certamente, determinadas diferenças no
formato do corpo têm implicações para o consumo de moda.
Rasband (2002) recomenda muita atenção no ajuste ao vestir uma roupa, pois ela deve:
(1) realçar a aparência e a atratividade; (2) contribuir para a auto-confiança; (3) cair suavemente
sobre a figura; (4) melhorar a relação entre o vestuário e o formato corporal; (5) enfatizar
as áreas mais atraentes do corpo; (6) tirar a atenção das imperfeições físicas (7); se ajustar
naturalmente no corpo em movimento (8) dar suporte a uma vida ativa.
Ainda segundo Rasband (2002), a forma do corpo pode variar devido a seis
características: estatura (baixa, média e alta), estrutura óssea (delgada, média e graúda), peso
(há uma proporção ideal entre peso, estatura e estrutura óssea), áreas do corpo proporcional
(um diagrama do conjunto de medidas), tipo de figura (o polígono formado por seus ombros,
cintura e quadris) e postura (o alinhamento de partes do corpo em relação a outras).
Sheldon (1940) introduziu o conceito de somatotipo, derivado da antropologia física,
definindo três classificações diferentes para os tipos de corpo, numa combinação de
tamanho, peso e formato: endomorfos, mesomorfos e ectomorfos. Embora seja raro que um
indivíduo se encaixe inteiramente dentro uma classificação é possível identificar características
preponderantes em cada pessoa, visto que a classificação é baseada em medidas físicas
utilizando uma escala de um a sete para cada um dos tipos, resultando numa combinação
relacionada a uma das três opções.

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte

O tipo físico endomorfo é caracterizada por ombros estreitos, quadris largos, cabeça
grande e uma tendência a gordura corporal, principalmente em braços e pernas. O corpo
mesomorfo apresenta ombros amplos, quadris estreitos, cabeça quadrada, baixo acúmulo
de gordura e braços e pernas musculosas. O tipo de corpo ectomofo compreende ombros
e quadris estreitos, pouca gordura corporal e músculos pouco desenvolvidos, rosto, braços e
pernas finas.
Considerando o exposto, os consumidores e consumidoras freqüentemente enfrentam
problemas de dimensionamento no tamanho das roupas. Faust et al. (2006) adiciona
mais uma variável à complexidade do design de vestuário: a imprecisão das empresas no
dimensionamento de seus produtos. Os autores analisam a variação dos tamanhos de roupa
no mercado do Canadá e as dificuldades que os consumidores enfrentam para encontrar
peças adequadas. Segundo eles, o problema comporta, entre outras coisas, a falta de
padronização no dimensionamento de tamanhos e falhas nos procedimentos de controle
relativos às especificações. Como a especificação é uma ação diretamente vinculada à
atividade de design, apresenta-se a seguir conceitos e teorias que podem apoiar o argumento
deste trabalho.
Segundo Cooper e Press (1995), “o design se localiza entre os mundos da cultura e do
comércio, entre a paixão e o lucro” (p. 4) e nas palavras do designer de moda japonês Issey
Miyake, “sonhamos entre dois mundos”. Walker (1990) sugere uma falta de atenção analítica
para a prazerabilidade no ato de consumir, partindo da noção de Marx sobre o fetichismo da
mercadoria para justificar o aumento do consumo na pós-modernidade e identificando cinco
fontes de satisfação do ato de consumo: o desejo, a aquisição, o objeto, o uso e a percepção
de terceiros.
De acordo com Jones (1992), os objetivos do designer estão menos relacionados
com os próprios produtos e mais relacionados para a realização bem sucedida de previsões
interrelacionadas e especificações em resposta a um briefing. Esta hipótese introduz a
complexidade no processo de desenvolvimento de produtos onde existem pelo menos três
atores: a empresa (o ordenador), o designer (o mediador) e o usuário (o receptor). Nesta
seara há ainda um conceito a acrescentar: a autoria, e o equilíbrio entre a racionalidade e
subjetividade é uma questão central para essa relação. A sub-secção seguinte introduz a
questão da subjetividade do designer.

Moda & Arte


A arte, assim como a moda, tem um conteúdo estético que se materializa na prática do
design, embora por muito tempo, a ligação entre moda e arte tenha se limitado à capacidade
do artista em fornecer informação valiosa sobre as roupas usadas pelas elites (MACKRELL
2005) visto que o artesão que usou suas habilidades para criar a roupa era anônimo. O
segundo link entre moda e arte veio por meio dos ilustradores de moda do século XIX, quando

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte

jornais e revistas passaram a influenciar o consumo e o início da divulgação de tendências se


consolidou como conseqüência.
Os primeiros sinais de identidade de moda com a literatura e a pintura surgiram com
escritores e poetas, ao descreverem os personagens de suas histórias e seus retratos, seja
por meio escrito ou figurativo. O primeiro registro de um monopólio vestimentar autoral é
atribuído a Charles Frederick Worth (1825-1895) que considerava seus vestidos como obras
de arte e usava extensivamente a história da arte como uma fonte de inspiração para suas
criações (MACKRELL 2005).
Em 1883, enquanto Emile Zola, escritor realista francês, escrevia Au Bonheur des
Dames (O Paraíso das Damas), uma história clássica sobre a efervescência do consumo de
moda por mulheres, Edouard Degas, pintor impressionista, registrava a emoção de clientes
consumindo naquela mesma época. Em Londres, a famosa loja de departamentos Liberty,
instituiu em 1884 uma seção de traje, destinada à direção de arte e moda, criando uma marca
de estilo reconhecido até os dias de hoje.
Uma das grandes transformações da indústria da moda no início do século 20 foi a
invenção do “estilista”, uma profissão que tem sua identidade compreendida entre o comércio
e o artista da vez (MacKrell 2005).
No período intermediário entre a duas Guerras Mundiais, a moda francesa consolidou a
liderança com o “Pavilhão da Elegância”, no qual os estilistas tinham um importante papel no
meio artístico, como MacKrell (2005) descreve o “l’air du temps”:

Milhões de americanos e europeus e centenas de fabricantes internacionais


visitaram o exposição que tem sido chamado de o ‘paraíso dos compradores.
As lojas de departamento francesas (“museus para pessoas”) e a “rua das
butiques” junto à Ponte Alexandre III (“centros de compras para mulheres
modernas”) representaram, com cuidadosa orquestração, vitrines que
pretendiam destacar a posição de Paris como o centro do mundo para
comprasvii. (MACKRELL, 2005:128)

Do surrealismo ao pós-modernismo, diversos períodos da arte moderna têm sido


associados à moda. Artistas estiveram envolvidos com a concepção de vestuário, designers
de moda se inspiraram em obras de arte, e a fronteira entre o costureiro e o artista se tornou
mais tênue. A compreensão pessoal e a interpretação de realidade se tornou uma obrigação
para designers de moda e o espetáculo efêmero do desfile de moda se tornou algo como uma
obra de arte propriamente dita. Uma recente exposição em Paris, apresentou a quantidade de
trabalho e profissionais envolvidos antes, durante e depois de um desfile de moda, estimulando
um novo campo de investigação própriaviii.
Os anos 80 trouxeram o reconhecimento oficial da moda como “forma digna de
expressão cultural” (MACKRELL 2005, P.153). A exposição retrospectiva de Yves Saint Laurent
no Metropolitan Museum of Art de Nova York em 1983-84 confirmou a importância moda em

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte

museus. Muitas iniciativas se seguiram, incluindo a exposição Biennale di Firenze - Il Tempo


e la Moda de 1996, que definitivamente ligou a arte com a moda. A exposição de obras de
designers de moda em museus agora é comum e há um número crescente de artistas plásticos
contemporâneos que usam materiais têxteis e elementos de moda como temas fundamentais
em suas criações. De acordo com Taylor (2005, p.448), as divisões entre o artista e o designer
de moda poderiam ser consideradas como desnecessárias neste clima de criatividade, no
qual os limites foram ultrapassados em outras áreas de produção.
O currículo de cursos de design de moda hoje em dia tem mais de conteúdos
relacionados à curadoria do que a modelagem e costura. Segundo Müller (2000 p. 15)
“o vocabulário da moda adotou a linguagem da arte e passou a incluir expressões como
“conceitos”,”happenings” e “instalações”. Como consequência, os designers tendem a se
afastar do consumidor de roupa e se aproximar do expectador de moda.
Outro aspecto dessa relação dialética entre a arte e o design é o fato de que a moda
é um estado efêmero em comparação com um artefato de arte (LIPOVETSKY 2002; TAYLOR
2005). A produção em massa que caracteriza o declínio de uma moda é algo que deve ser
parâmetro para separar ”moda arte” de “simplesmente moda”. Mas a tendência vintage dentro
da moda responde a esta inquietação, já que vintage é uma palavra da enologia para designar
a melhor seleção de vinhos de cada estação, e aquilo que poderia ser considerado “antiquado”
em moda pode ser vestido, colecionado e desejado.

Considerações Finais
Este estudo procurou demonstrar a complexidade do sistema moda e as diferentes
formas de ver e tratar algumas das variáveis que divergem em campos do saber mas convergem
no processo de desenvolvimento de produtos com valor de moda, e especificamente, na
indústria do vestuário. Por outro lado, as reflexões apresentadas procuraram demonstrar suas
influências no ambiente de escolha do consumidor. Neste trabalho é possível perceber que,
apesar da moda ser cada vez mais estudada, por meio de diversos pontos de vista, há ainda
lacunas na literatura referenciada acima a serem preenchidas no que tange suas inter-relações,
determinações e mediações.
Neste sentido, buscou-se a inclusão de autores comumente não considerados na
discussão sobre os temas desenvolvidos, visando especialmente a possibilidade de influenciar
estudos posteriores. Procurou-se ainda trazer ao debate algumas relações de causalidade
vinculadas à realidade concreta e mediar reflexões a respeito de vínculos possíveis entre dois
ou mais elementos distintos no sentido de contribuir, principalmente, para a solução de conflitos
de interesse entre campos do saber. Em particular, o fenômeno da moda foi analisado sob
uma perspectiva ontológica, considerando os aspectos psicossociais e envolvendo também a
contribuição de aspectos da anatomia e da fisiologia nas atitudes dos consumidores. Desta forma,
vislumbra-se a possibilidade de uma moda cada vez mais inclusiva e de estudos mais plurais.

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Notas
iTradução livre da autora do trecho original: ‘clothing does not represent, it presents. Clothing does not
define, it positions. Clothing is pragmatic, not semantic. Clothing does not lie, but irrevocably betrays
you.’ (p.17).

ii Tradução livre da autora do trecho original: ‘At the same time, fashion and clothing are the most
fetishised commodities produced and consumed within capitalist society. …Fashion and clothing may
be the most significant ways in which social relations between people are constructed, experienced and
understood.’ (Barnard, 2002, pp.8-9).

iii Tradução livre da autora do trecho original: ‘all these things: it is about fashion, clothing, dress,
adornment and style.’ (Barnard 2002, p.9).

iv Tradução livre da autora do trecho original: … a protection against the general unfriendliness of the
world as a whole; or, expressed more psychologically, a reassurance against a lack of love. If we are
in unfriendly surroundings, whether human or natural, we tend, as it were, to button up, to draw our
garments closely round us. (Flugel 1930, p.77).

v Tradução livre da autora do trecho original: Some see clothes as equivalent to the outmost layer of
their selves and so incorporate them into their life-world with little difficulty. Others locate their clothing
almost wholly within the external environment; clothing is “other” to their sense of themselves. Carter
(2003, p.84).

vi Tradução livre da autora do trecho original: ‘They should be light, warm, permit free transpiration, or,
in other words, ventilate well; they should exert no pressure on any part, and they should be free from
all poisonous particles, whether of dirt or of dye.’ (Ballin 1885 in Johnson 2003)

vii Tradução livre da autora do trecho original: Millions of Americans and Europeans and hundreds of
international manufacturers visited the Exposition, which has often been called a ‘shoppers’s paradise’.
French department stores (‘museums for people’) and a ‘rue des Boutiques’ (‘shopping centres for
modern women’) along the Pont Alexandre III were represented, with carefully orchestrated window
displays intended to underline Paris’s position as a world centre for shopping. (Mackrell 2005, p.128).

viii Showtime, le défilé de mode, exposição realizada no período de 4 de Março a 30de Julho de 2006
no Palais Galliera - Musée de la Mode la Ville de Paris.

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Conexões conceituais entre moda, vestuário, design e arte

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a e m d e sign de moda
éticas na p e s q u is
Considerações Design: PPG Design UNESP/B
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Carne iro; Mestranda em
Luciane do Prado
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luciane@unipar.b auru
Design: PPG Design UNESP/B
Danilo Corrêa S ilva; Mestrando em
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danilo@idemdesi P/Bauru
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Marizilda dos San
sp.br
marizil@faac.une
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Luis Carlos Pasch
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paschoarelli@faac
ESP/Bauru
da S ilv a; Ti tu la r: PPGDesign UN
do
José Carlos Pláci
sp.br
placido@faac.une

Resumo
A moda é uma especialidade que nos últimos anos se apropriou
de metodologias do design para sistematizar a sua atuação e
adequar-se às necessidades do mercado. Assim também ocorreu
com a pesquisa científica em design de moda, que atualmente está
em acentuada expansão. No entanto, tal como no design, grande
parte dessas pesquisas envolvem abordagens junto a usuários,
consumidores ou agentes do processo produtivo, o que requer a
observação de aspectos éticos em seus materiais e métodos. O
objetivo desse estudo foi avaliar quantitativamente a consideração
desses critérios na produção científica em design de moda nos
principais eventos científicos/acadêmicos brasileiros da área.

Palavras-Chave: pesquisa cientifica; moda; ética.

Design, Arte, Moda e Tecnologia.


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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

Introdução
Atualmente, constata-se uma acentuada convergência entre a moda e o design,
com múltiplas interações, seja na busca de referências visuais ou estéticas, ou na busca
de metodologias que permitam sistematizar e integrar processos produtivos. O design,
que em suas origens se associou à racionalidade e à função, passou a buscar elementos
inspiradores, como formas, cores e estampas no universo da moda. Por outro lado, a moda
busca no design o embasamento metodológico projetual,e/ou científico, visando se adequar
às exigências produtivas do mundo globalizado. Dessa união surgem diversos aspectos que
podem e devem ser analisados para um desenvolvimento progressivo não só da área da
moda, mas também do design em suas diversas especialidades.
Como regra geral o designer atua no projeto das interações dos produtos com os seres
humanos, tornando a utilização dos produtos mais efetiva, eficiente e confortável, melhorando
assim a qualidade de vida dos usuários. Assim também atua o designer de moda, gerando
produtos que interagem diretamente com o ser humano, como o vestuário ou acessórios
(calçados, joias e ornamentos). Com a incorporação de metodologias do design à produção
desses itens, também são adquiridos métodos de análise e pesquisa científica, que geram os
parâmetros para a produção desses produtos.
Grande parte das pesquisas científicas em design envolve a participação direta de
indivíduos, seja por meio de entrevistas, questionários ou experimentos laboratoriais; e esta
participação é motivo para o questionamento ético das abordagens, uma vez que é reguladopor
códigos de ética ou resoluções normativas, mas nem sempre considerado.
Este estudo teve como propósito identificar se a produção científica em design de
moda compartilha dessa característica da pesquisa em design no Brasil, e se os aspectos
éticos da participação de seres humanos estão sendo observados. É importante destacar
que não cabe a esse artigo julgar os métodos dos pesquisadores, o intuito é, por outro lado,
divulgar e fortalecer esse aspecto no meio científico do design.

O design de moda no Brasil


O design é uma profissão relativamente recente no Brasil, tendo suas raízes em meados
do século 20 e que, ainda hoje, tem suas fronteiras, áreas de atuação e corpo de conhecimento
prático e científico pouco definido. Também recente é a passagem da tradicional dualidade
entre design gráfico ou de produto, para uma infinidade de novas especializações, demandadas
pelo mercado globalizado, seguindo tendências adotadas nos países desenvolvidos, dando
margem ao surgimento de campos como o design de interiores, design de joias, design de
móveis, design de calçados, gestão do design, e também o design de moda. O design de
moda, portanto, é um dos ramos do design, o qual tem como objetivo o desenvolvimento de

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

vestuários ou acessórios para o ser humano, respeitando as características culturais, técnicas,


mercadológicas e de moda ou tendências.
Segundo Magnus et al. (2006), até meados da década de 1980, quem desejasse
estudar ou aperfeiçoar-se em moda não tinha alternativa senão ir ao exterior. Destacam que
até então os estilistas eram leigos e autodidatas, ou apenas dotados de talento artístico e que
tinham como fundamento o aprender pela prática. Diante disso, a moda não era vista como
uma área que se valia de conhecimentos científicos. A partir da segunda metade da década de
1970, na França, a moda alcançou legitimação acadêmica, com publicações de Bourdieu, em
1974, Baudrillard, em 1976,eLipovetsky, em 1987. No Brasil, a primeira dissertação tratando
do assunto é “O espírito das roupas”, escrita em 1950 por Gilda de Mello, mas publicada
apenas em 1987.
Esses acontecimentos coincidem com dois momentos de grande importância
do cenário da moda. O primeiro se refere ao fim da década de 1950, quando houve uma
alteração significativa no processo produtivo da moda no Brasil, a partir da qual se observou
uma expansão da indústria têxtil e do comércio. Na década de 1980, essa demanda produtiva
levou à necessidade de profissionais com conhecimentos mais estruturados, culminando com
o surgimentodos primeiros cursos profissionalizantes no eixo Rio/São Paulo e em Minas Gerais
(PORTINARI et al., 2002).
A história da moda no Brasil é rica, e já foi alvo de diversos estudos, incluindo o de
Gilberto Freyre, Modos de homem & Modas de mulher, publicado primeiramente em 1987.
Sociólogo famoso por suas análises críticas da formação e costumes da sociedade brasileira,
o autor equaciona em sua obra as raízes e influências dos costumes do povo brasileiro
em paralelo com outras sociedades do mundo. Cabe aqui ressaltar que um estudo mais
aprofundado sobre a história e os desenvolvimentos do design de moda merece estudos
muito mais aprofundados e que fogem ao escopo desse trabalho. Com isso, o objetivo aqui
é apenas traçar um panorama do desenvolvimento da área e, principalmente, da evolução
acadêmica e científica do design de moda.
Na questão do ensino formal da área, o primeiro curso superior em Desenho de Moda
começou a funcionar em 1988, tendo suas origens na disciplina homônima, introduzida em
1967 nos cursos de bacharelado e licenciatura em Desenho e Plástica da Faculdade Santa
Marcelina, em São Paulo. Na década de 1990 houve uma grande expansão na oferta de
cursos de graduação na área, instalados em locais onde a produção têxtil ou de confecção
encontrava-se consolidada, e sua população comprometida com esse processo, com
destaque para:

• São Paulo (SP), com a Faculdade Anhembi Morumbi (UAM – 1990);

• São Paulo (SP),Universidade Paulista (UNIP - 1990);

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

• Caxias do Sul (RS), com a Universidade de Caxias do Sul (1993);

• Fortaleza (CE), na Universidade Federal do Ceará (1994);

• Rio de Janeiro, na Universidade Veiga de Almeida (1995);

• Londrina (PR), Universidade Estadual de Londrina (1997);

• Curitiba (PR), Universidade Tuiutí do Paraná (1997);

• Blumenau (SC), Universidade Regional de Blumenau (1997);

• São Paulo (SP), Centro de Educação em Moda (SENAC - Moda - 1998); e

• Maringá (PR), Centro de Educação Superior de Maringá (1999), entre outros.

Atualmente, a oferta de cursos de graduação em design de moda se expandiu


consideravelmente, sendo que algumas instituições oferecem pós-graduação lato sensu na
área. Esses cursos normalmente se agregaram às faculdades de artes ou design, queem 1999
receberamreformulação curricular, passando a incluir estudos demoda em suas habilitações.
Com a expansão na oferta de cursos, houve uma ampliação da produção acadêmica, como
evidenciado por Portinari et al. (2002). Essas autoras também destacam que os estudos
e pesquisas na modaabordam áreas diversas,como a linguística, história, comunicação,
engenharia de materiais, administração, psicologia, artes, design, entre outras.
O design de moda também compartilha de alguns pressupostos do design, como o
desenvolvimento de produtos para melhorar a qualidade de vida do ser humano. Portanto é
inquestionável a necessidade de produção bibliográfica especializada pertinente e de caráter
científico, que além de dar suporte ao desenvolvimento tecnológico do setor, ainda auxiliará
na formação de discentes e docentes. É focado nessa pequena parcela de atuação que o
presente estudo terá a sua área de análise.
Estudos realizados em qualquer área do conhecimento devem observar alguns
princípios metodológicos específicos, que são ainda desconhecidos ou ignorados por boa
parte da comunidade científica, principalmente quando se trata da participação de seres
humanos. A ética na atuação profissional do designer já foi alvo de alguns questionamentos,
porém a ética na pesquisa científica em design ainda é um princípio raramente contemplado
(PASCHOARELLI et al., 2008).

Princípios éticos e morais


Ética e moral são dois termos adjacentes, que comumente não conduzem a uma
definição consensual. Isso se deve principalmente às variações inerentes aos aspectos culturais

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

e filosóficos de cada comunidade. Do ponto de vista etimológico, o termo ética tem origem
do grego ethiké (ou ethos), que significa “costume”, apresentando como objeto de estudo os
valores oujuízos valorativos daquilo que se considera“certo” ou “errado” na conduta humana.
Da mesma forma, o termo moral (do latim mores) também significa “costume” e se caracteriza
pelo aspecto subjetivo da ação reconhecida pelo sujeito praticante (LADRIÈRE, 1994).
La Taille 2006) afirma que os termos contém o mesmo significado, variando apenas
na sua origem etimológica (grega e latina). Paim (1992) trata sobretudo da evolução histórica
do tema, indicando que os princípios da ética grega estão relacionados à virtude humana e
associada ao saber. Posteriormente, na Idade Média, os preceitos gregos foram associados
à teologia, criando um vínculo entre moral e religião. Durante o século 20, houve um esforço
por dissociar novamente a ética da religião, e diversos pensadores ora atribuíram soluções
racionais (Kant), ora puseram por terra a possibilidade de uma sociedade racional (Weber).
De qualquer maneira, o código moral ocidental é de origem judaico-cristã, e tem o
pressuposto de universalidade. O principal aspecto do modelo ético atual é o ideal de pessoa
humana, que representa o seu núcleo e fonte de inspiração de grande parte dos preceitos
abrangidos pela moralidade. A moral, portanto, deve ser interiorizada e incorporada à vivência
individual, o que exige um diálogo contínuo sobre a universalidade da cultura. Assim, se conclui
que a moral é o acordo entre a consciência individual e os preceitos consagrados, sendo a
primeira o juiz das atitudes (PAIM, 1992).
Porém, o mesmo autor afirma que alguns homens tendem a desviar-se dos
comportamentos morais, o que fez surgir uma nova instância apta a agir de forma preventiva
ou punitiva: o direito. As relações entre moralidade e lei jurídica geralmente são, ao menos
nas sociedades democráticas ocidentais, apoiadas pela comunidade, sendo justamente esse
o traço que as distingue do totalitarismo. Portanto, as considerações de natureza moral (ou
ética), por serem amplamente adotadas pela comunidade, transitam para a esfera do direito
(legislação).
Existem amplas discussões de cunho filosófico sobre o assunto, normalmente em livros
específicos da área, não cabendo a esse artigo se aprofundar demasiadamente no tema.
Para esse estudo, foi adotada a diferenciação por fronteiras utilizada em Paschoarelli et al.
(2008), que possui caráter menos agressivo. O termo “ética” é comumente adotado quando
o julgamento realizado se limita ao grupo no qual se insere o praticante, num âmbito mais
específico. Como exemplo, podem ser citadosdiversos Comitês de Ética responsáveispor
regular o comportamento de determinada categoria e, com isso, manter a integridade do
grupo diante da população. Já o termo moral é adotado num contexto amplo, ou seja, como
a ação pontual de um praticante é avaliada por umindivíduo externo a esse grupo.
Os aspectos éticos e morais são variáveis segundo o tempo e o espaço (PASCHOARELLI
et al., 2008), o que requer uma constante revisão dos códigos que regem as condutas de
determinados grupos. Esses códigos são comumente baseados em comportamentos que

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

devem ser evitados ou proibidos, embora também possam ser utilizados aquelesconsiderados
virtuosos, éticos ou socialmente responsáveis. McKinneyet al. (2010) ressalta que o
desenvolvimento moral de um indivíduo se caracterizaria por este ter o comportamento ético
como um objetivo, visto que teria consciência de que é o “certo a se fazer”.
Segundo Lau (2010), o primeiro passo no processo de decisão ética é reconhecer a
natureza moral da situação. Uma decisão ou ação pode afetar interesses, expectativas ou o
bem estar alheio, de modo conflitante com um ou mais aspectos éticos. O comportamento
ético pressupõe um questionamento a priori, que segundo Ladrière (1994), se caracteriza
por“[...]uma reflexão sobre a ação”, na ocasião em que é evidente “[...]um apelo à iniciativa do
homem, enquanto essa iniciativa não é condicionada (inteiramente em todoo caso) pelo curso
das coisas, pela necessidade natural” (p. 29).Portanto, as questões éticas se caracterizam
como um dos aspectos metodológicos da pesquisa científica, devendo considerar uma ação
equânime dos indivíduos e as suas possíveis consequências (PASCHOARELLI et al., 2008).

Considerações éticas na pesquisa científica


O desenvolvimento científico e tecnológico tem como metas teóricas e básicas a
melhoria das condições de vida humana. Portanto, seria lógico afirmar que toda pesquisa
deve considerar o bem estar do ser humano, assegurando que “... ninguém seja prejudicado
ou sofra consequências adversas devido às atividades de pesquisa” (COOPER; SCHINDLER,
2003, p. 110). Entretanto, no decorrer da história humana podem ser encontradas diversas
situações onde esses princípios.
As considerações sobre ética na pesquisa são relativamente recentes em todos os
campos do saber científico (PAIVA, 2005). Embora as práticas médicas utilizassem o código
de Hipócrates desde a Antiguidade, apenas na segunda metade do século 20 as pesquisas
envolvendo seres humanos começaram a ser controladas, principalmente devido aos
experimentos médicos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Grande parte desses
questionamentos teve o seu ápice na série de julgamentos de crimes de guerra nazistas,
conhecidos como Julgamentos de Nuremberg. Daí resultou o código homônimo, que
estabelecia a participação voluntária dos indivíduos (ROBINSON, 2010).
Entretanto, nem sempre esse código era respeitado. Como resultado dessas violações,
a Associação Médica Mundial (World Medical Association) criou, em 1964, a Declaração de
Helsinque, cuja versão revisada ainda é um padrão mundialmente aceito para pesquisas
biomédicas envolvendo seres humanos (FADARE; PORTERI, 2010). Também na década de
1960, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NationalInstituteof Health) começou
a exigir que toda pesquisa envolvendo participação humana e desenvolvida com seu apoio
financeiro fosse submetida a uma revisão ética. Nessa ocasião, cada instituição deveria revisar
seus protocolos de pesquisa caso quisessem fundos federais para seus projetos.
Em 1979, o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos da América criou o

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

Relatório de Belmont (BelmontReport), no qual havia a exigência de três princípios básicos


para pesquisas envolvendo humanos: o respeito às pessoas; beneficência; justiça. Estas
exigências eram possíveis por meio do consentimento esclarecido, uma avaliação de riscos e
benefícios e uma seleção “justa” dos participantes (ROSSet al., 2010).
O consentimento esclarecido é um requisito básico da conduta ética em pesquisa
envolvendo seres humanos. O Council for InternationalOrganizationsof Medical Sciences
define consentimento esclarecido como uma “decisão de participar em uma pesquisa realizada
por um indivíduo competente que recebeu as informações necessárias; compreendeu
adequadamente essas informações; e após considerá-las, chegou a uma conclusão sem
coerção, influência imprópria, indução ou intimidação”. O consentimento é deve ser tomado,
preferivelmente, na forma documental, escrita (FADARE; PORTERI, 2010).
Essas exigências resultaram na criação dos Conselhos Institucionais de Revisão
(InstitutionalReviewBoards - IRB),nos Estados Unidos. Atualmente, esses IRB se expandiram
para cobrir virtualmente todas as instituições de pesquisa desse país (ROBINSON, 2010).
Muitos outros países possuem conselhos como esses, como os ResearchEthicsCommittees na
Inglaterra e os Comitês de Ética em Pesquisa (CEP), no Brasil. Ainda assim, as determinações
e exigências desses comitês possam variar segundo essas localidades, sendo que em alguns
casos sua atuação se limita às áreas biomédicas.
No Brasil, a regulamentação sobre a participação de seres humanos em pesquisa
científica está pautada na Resolução Nº 196, de 10 de outubro de 1996, do Conselho Nacional
de Saúde. Esta resolução fundamenta-se em alguns tratados anteriores, a saber:

• Código de Nuremberg, de 1947;

• Declaração dos Direitos do Homem, de 1948;

• Declaração de Helsinque de 1964, e suas revisões de 1975, 1983 e 1989;

• Acordo Internacional Direitos Civis e Políticos da Organização das Nações Unidas


(ONU) de 1966;

• Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres


Humanos, do CIOMS / World Health Organization (WHO), de 1982 e 1993;

• Diretrizes Internacionais para Revisão Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS /


WHO), de 1991.

Além disso, cumpre as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil


(1988); do Código de Direitos do Consumidor; Código Civil e Penal; do Estatuto da Criança e

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

do Adolescente; e outros elementos legais.Segundo a Resolução No 196/1996, a “eticidade”


em pesquisa implica em quatro princípios básicos:

• Autonomia, ou consentimento livre e esclarecido dos indivíduos e proteção dos grupos


vulneráveis e legalmente incapazes;

• Beneficência, ou ponderação entre riscos/benefícios, atuais e potenciais, individuais


e coletivos, objetivando o aumento nos benefícios e a minimização extrema dos riscos;

• Não Maleficência, ou plena garantia de que danos previsíveis serão evitados; e

• Justição e Equidade, ou relevância social da pesquisa com vantagens significativas


para os sujeitos, com igual consideração dos interesses.

Segundo essa resolução, as pesquisas que envolvem seres humanos, individual ou


coletivamente, direta ou indiretamente, em sua totalidade ou partes do indivíduo, incluindo a
manipulação de informações ou materiais, devem ter seus projetos submetidos aos Comitês de
Ética em Pesquisa (CEP). Ou seja, mesmo entrevistas, aplicações de questionários, utilizações
de banco de dados ou revisões de prontuários, e que, independente do nível da pesquisa
(iniciação científica, graduação, mestrado ou doutorado, de interesse aplicado ou científico)
devem ser submetidas à avaliação dos CEP, então caracterizados como:

“[...] colegiados interdisciplinares e independentes, com “munus público”, de


caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses
dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir
no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos” (CONSELHO
NACIONAL DE SAÚDE, 1996).

Na prática, os CEP registrados no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa possuem


diversas exigências para a aprovação de um projeto, entretanto podemos destacar a aplicação
do “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)”, uma vez que:

“[...]o respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe
após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos
que por si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à
participação na pesquisa” (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 1996).

Objetivo
O objetivo deste estudo foi mensurar quantitativamente o relato de quaisquer
preocupações éticas na pesquisa envolvendo seres humanos no design de moda, por meio

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

de análise bibliométrica de alguns dos principais meios de divulgação científica em design no


país.

Metodologia
Objeto de estudo
Foram analisados 5883 artigos científicos, nos anais dos seguintes eventos:

• Colóquio de Moda – 2005 a 2009;

• ABERGO - Congresso Brasileiro de Ergonomia, nas edições de 1999 a 2008;

• P&D Design - Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, nas


edições de 2000 a 2008;

• CIPED - Congresso Internacional de Pesquisa em Design – Brasil, nas edições de


2003 a 2009;

• ERGODESIGN - Congresso Internacional de Ergonomia e Usabilidade


deInterfacesHumano-tecnologia: Produtos, Informação, Ambiente Construído,
Transporte, nas edições de 2002 a 2010;

A escolha por esses bancos de dados (anais de eventos) se deu pela representatividade
e expressividade com que são caracterizados na área do conhecimento do design.

Critérios avaliados
Os critérios analisados foram semelhantes aos descritos em Paschoarelli et al. (2008),
sendo:

• Participação de sujeitos;

• Preocupação relativa a qualquer aspecto ético (consentimento informal ou TCLE);

• Submissão a um CEP;

Procedimentos
Tanto para os anais impressos (anais do P&D Design até a edição de 2002), quanto
para os anais em formato digital, recorreu-se a leitura integral dos artigos envolvendo a área

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

da moda, agrupados em diversas classificações, como ergonomia, gestão do design, design


de produto, etc. Buscou-se identificar qualquer interação com voluntários, seja entrevista,
questionário, ou participação ativa, como experimentação laboratorial, pesquisa de campo ou
teste de produtos.
Os dados coletados se referem ao título do artigo, o evento no qual foi publicado e
a observância dos critérios descritos no item 4.2 deste trabalho. Essas informações foram
tabuladas em planilha eletrônica do Microsoft Office Excel 2007®, onde foram efetuadas
análises estatísticas básicas e geração de gráficos.

Resultados
Colóquio de Moda
O Colóquio de Moda é o maior congresso científico em moda no Brasil. Reúne
pesquisadores de diversos locais e especialidades, caracterizando-se por sua diversidade. A
análise bibliométrica de suas cinco edições permitiu a contagem de 688 artigos (Figura 01).

Figura01: Infográfico da produção científica no Colóquio de Moda.

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

Como visto na Figura 01, a produção científica é crescente nesse evento. Em 61 dos
artigos analisados foi possível identificar a participação de seres humanos, o que representa
8,9% do total, e apenas em um dos artigos houve atendimento às questões éticas (na edição
de 2005). Nesse único caso, o projeto foi também submetido e aprovado por um CEP. No
entanto, todas as demais publicações não mencionaram nenhum tipo de atenção aos aspectos
éticos.

ABERGO
O Congresso Brasileiro de Ergonomia ocorre a cada dois anos, reúne pesquisadores
e especialistas do país todo, bem como do exterior, sendo um dos principais congressos em
ergonomia e design do Brasil. A análise bibliométrica permitiu identificar 56 artigos relacionados
à moda ao longo de todas as edições, o que representa 3,6% da produção total (Figura 02).
Também é possível notar o crescimento do número de publicações, tanto em outras áreas
quanto especificamente para a moda.

Figura02: Infográfico da produção em moda por edição daAbergo.

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

Como visto na Figura 02, é notável a participação de seres humanos na pesquisa em


design de moda, somando 46 publicações, das quais apenas duas mencionaram algum critério
ético: em 2002 um artigo garantiu o sigilo das informações; e em 2008 houve a utilização de
um TCLE.

P&D Design
O Congresso Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento em Design – P&D Design é o
maior congresso em design do Brasil. Esse evento é realizado a cada dois anos, reunindo
pesquisadores das mais diversas especialidades. A participação do design de moda ao
longo das edições tem crescido consideravelmente, representando cerca de 7% do total da
produção total do evento (Figura 03).

Figura03: Infográfico da produção em moda no P&D Design por edição do P&D Design.

Como visto na Figura 03, a produção científica em design de moda é crescente nesse
evento. Ressalta-se aqui que,dos 146 artigos analisados, 56 foram realizados com participação
de voluntários, e nenhum desses mencionou qualquer critério ético.

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

CIPED
O Congresso Internacional de Pesquisa em Design – CIPED conta com a participação
de pesquisadores de diversas áreas do design, em nível internacional. A análise bibliométrica
permitiu identificar 95 artigos relacionados à moda ao longo das edições de 2003 a 2009, o
que representa 10,4% da produção total (Figura 04).

Figura04: Infográfico da produção em moda por edição do CIPED.

Nota-se um crescimento vertiginoso das publicações em moda nesse evento. A


participação de voluntários se deu em 33 dos 95 estudos publicados e, em apenas um deles,
na edição de 2009, foi identificada a adoção de critérios éticos, com a utilização simultânea de
um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e submissão do projeto de pesquisa
a um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).

Ergodesign
O Congresso Internacional de Ergonomia e Usabilidade de InterfacesHumano-tecnologia
– Ergodesign surgiu por iniciativa da pesquisadora Anamaria de Moraes e colaboradores, no

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

Rio de Janeiro, em 2001. Éum dos principais congressos em ergonomia e design do Brasil,
reunindo pesquisadores de diversas regiões e áreas temáticas.A análise bibliométrica permitiu
identificar 36 artigos relacionados à moda ao longo de todas as edições, o que representa
5,2% da produção total (Figura 05).

Figura05: Infográfico da produção de artigos em moda, por edição do Ergodesign.

Como visto na Figura 05, a produção científica em design de moda está num patamar
relativamente estável nesse evento. A participação de voluntários se deu em 24 dos 36 estudos
publicados, com a menção a questões éticas em apenas dois deles, ambos na edição de
2009. No entanto, embora tenham utilizado o TCLE, apenas um deles relatou a aprovação dos
procedimentos por um CEP.

Considerações finais
O presente estudo propôs contextualizar a pesquisa em design de moda no Brasil,
sob o ponto de vista dos critérios éticos envolvidos nos estudos científicos que envolvem a
participação de seres humanos. É importante destacar que o caráter desse artigo é meramente

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

informativo, com o intuito principal de ressaltar a importância da discussão e consideração


dessa necessidade na metodologia de pesquisa científica. Também não se trata de questionar
a validade ou imperfeições da norma, cuja análise merece ser discutida em profundidade em
outra ocasião.
Diante do proposto foi traçado um breve panorama dos conceitos intimamente
relacionados: moral e ética. Embora essa questão remonte a Antiguidade, com o código de
Hipócrates, apenas a partir da Segunda Guerra Mundial foi esboçado um regimento com
amplitude normativa. No Brasil, a Resolução Nº 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde
tem quase a mesma longevidade do P&D Design, no entanto são recentes e raros os artigos
científicos que mencionaram preocupações do seu escopo e, muito mais raros os que de fato
a atendem.
Destaca-se que, de maneira geral, esse deve ser um questionamento inerente da
pesquisa em design, pois o mesmo se utiliza de metodologias advindas de diversas outras
áreas do conhecimento, como a Antropologia, a Sociologia e até mesmo Ciências da Saúde
e que, comumente, envolvem participação humana. Para á especialidade do design de moda
não é diferente, por isso buscou-se primeiramente, realizar uma breve abordagem histórica e
teórica da área, demonstrando seu imenso potencial de crescimento.
A moda lida com valores sociais e culturais, e por tratar de produtos em contato tão
próximo com o ser humano, parece se utilizar de abordagens a indivíduos como meio de
obter parâmetros projetuais ou desvendar questões teóricas. Essa “ferramenta” metodológica
proporciona resultados mais confiáveis para compreender as questões que envolvem o design
de moda e sua interferência social, tecnológica e cultural.
Como pôde ser observado, em todos os eventos analisados no presente estudo, houve
uma expansão na pesquisa em design de moda. Os números demonstram um amadurecimento
do setor, com importante participação junto a outras áreas do design. No entanto, assim
como em todas as outras especificidades do design, há de se considerar um constante
aprimoramento e rigor metodológico, sobretudo no que trata a participação humana em seus
procedimentos e, nesse aspecto, a preocupação ética ainda parece incipiente.
Destaca-se que os eventos analisados pareceram não exigir dos participantes (autores /
coautores) quaisquer tipos de considerações quanto aos tópicos descritos no presente estudo.
Nesse sentido é importante destacar que o presente estudo não questiona o mérito dos comitês
científicos e tampouco os seus procedimentos de análise, seleção e aceite para publicação
dos artigos analisados. Pelo contrário, apenas procura demonstrar uma particularidade de
uma determinada área do conhecimento científico, que como qualquer outranecessita de uma
ampla abordagem e discussão, já que o tema não deixa de ser polêmico e complexo.
O presente artigo também não teve a pretensão de discutir a validade ou aplicabilidade
da Resolução Nº 196/1996do CNS em estudos na área do design de moda, em toda a sua
diversidade de abordagens existentes. Pretendeu apenas verificar se há um questionamento ou

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

uma preocupação no que concerne à participação humana nesses estudos. Como exemplo,
foi citado um estudo onde foi garantido aos participantes o sigilo de suas informações. Assim,
mesmo não atendendo plenamente aos critérios éticos normativos, foi demonstrada uma
preocupação com a integridade dos participantes.
Os resultados desse estudo são relativos a 1021 artigos em design de moda, nos
diversos eventos analisados. Os dados corroboram aqueles obtidos por Paschoarelli et al.
(2008), pois foi encontrada uma expressiva taxa de participação de voluntários nas pesquisas
científicas, representando um total de 216 artigos (21,15% do total). Considerações a critérios
éticosainda são escassas, ocorrendo em apenas 6 artigos e, dentre esses, a submissão
a um CEP foi relatada em apenas 3 casos (0,3% do total). É importante destacar que os
resultados verificados no presente estudo, não indicam necessariamente o não cumprimento
das exigências éticas, mas sim que, não foram mencionados tais procedimentos de pesquisa
quando da descrição da metodologia empregada.
Nesse aspecto, é importante destacar que os dados levantados referem-se apenas a
uma das especialidades do design (a moda), no entanto, partiu de uma inferência a partir de
estudo mais amplo e que, portanto, as ressalvas realizadas aqui reafirmam as anteriores e se
aplicam a qualquer domínio do design. De maneira geral, a pesquisa em design de moda já
conta com iniciativas quanto aos aspectos éticos, demonstrados em alguns poucos estudos,
os quais já relatam preocupações com consentimento dos participantes ou quanto ao uso das
informações obtidas.
Um aspecto notável é que, embora fossem encontrados indícios de participação
de sujeitos em vários estudos, muitos deles não expuseram os resultados dessa interação
diretamente. Dessa forma, vários artigos parecem deixar claro que a abordagem a um indivíduo
foi meramente para coletar informações a respeito do mercado, das necessidades do usuário
ou simplesmente para auxiliar na geração de ideias, o que não os exime de acatar os princípios
éticos da pesquisa científica.
Também foi notado que grande parte das fotografias utilizadas na produção dos
artigos analisados (quer abordem humanos ou não) permite a identificação do sujeito. Embora
possivelmente tenham sido publicadas com autorização do indivíduo, pode ser interessante
uma postura mais segura do pesquisador, como desfocar os rostos nas imagens, o que não
abriria margem para questionamentos futuros.
De qualquer forma, discussões sobre os conceitos de ética e moral são muito vastos
e ainda serão alvo de muitas publicações, não se pretendendo aqui elucidar todos os seus
termos e particularidades. Quanto à história da moda, omissões possivelmente foram feitas,
mas como resultado de síntese de um ponto de vista que buscou apenas posicionar e entender
a importância da área junto ao conjunto de especialidades do design,bem como outras áreas
do conhecimento.
Os resultados demonstram que é necessária uma ampla discussão sobre o assunto, quer

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Considerações éticas na pesquisa em design de moda

seja pela adoção dos critérios, quer seja pela sua menção quando da publicação das pesquisas
da área. Nesse sentido, destaca-se que ainda há muito espaço para aperfeiçoamentosno
desenvolvimento de estudos de caráter científico na área do design de moda, o que pode ser
considerado inerente a uma área do conhecimento recente e que ainda traça os caminhos
para sua consolidação.

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m u l h e r e s p o rtadoras de
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a:
deficiência físic l para os designers de calçados
jáve
um desafio dese
bi
: Universidade Anhembi Morum
a: FA U/USP; Docente
na R ac he l R on coletta; Doutorand
Maria
roncoletta.com
mariana_rachel@

Resumo
Este artigo discute as funções estéticas e simbólicas do design
de calçados para mulheres portadoras de deficiência física.
Combinamos os estudos fenomenológico e de caso conforme o
Código de Ética de Pesquisa da CONEP – Resolução 196/96 para
realizar entrevistas semi-estruturadas que apresentou imagens
e produtos. As usuárias revelaram os desejos por calçados
que remetam à sensualidade e à feminilidade como diretrizes
fundamentais da pesquisa projetual do design de calçados para
mulheres com necessidades especiais. Concluímos que a adoção
destas diretrizes conceituais no desenvolvimento de calçados
podem aprimorar a qualidade de vida de nossas usuárias com
relação ao bem estar social.

Palavras-Chave: design de calçados; deficiente físico; imagem


pessoal

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

Introdução
O presente artigo possui como objetivo descrever os desejos e anseios das usuárias
portadoras de deficiência física do aparelho locomotor com diferença de membros inferiores
entre 2 a 5 cm com relação ao objeto de design de moda - calçados. Este estudo inicia-se
com a vivência das usuárias entrevistadas.

“Nem coisa, nem ideia, o corpo está associado à motricidade, à percepção, à


sexualidade, à linguagem, ao mito. À experiência vivida, à poesia, ao sensível
e ao invisível, apresentando-se como um fenômeno que não se reduz à
perspectiva de objeto...”. Merleau-Pontyi (1994) apud Nóbrega (2000, p. 101).

Observamos o corpo que se movimenta na passarela da vida, o corpo do outro. Este


corpo que manca, ao subir e ao descer dos movimentos de seus quadris, aquele que rebola
e pisa pelas pontas dos pés. Corpo este que balança o próprio olhar, num sobe e desce
sinuoso, e que, claro, atrai o nosso olhar.
Corpo meu, corpo seu, corpo do outro encontram lugar de destaque na obra
Fenomenologia da Percepção, de Merleau-Ponty, que privilegia o mundo das experiências
vividas como primeiro plano da configuração do ser humano e do conhecimento pela
percepção. A percepção fenomenológica é dotada de significação, tem sentido na nossa
história de vida e faz parte da nossa experiência, depende da nossa vivência corporal, das
situações de nossos corpos. É a forma de comunicação que estabelecemos com os outros e
com as coisas, envolve nossa personalidade, desejos e paixões, “é a maneira fundamental dos
seres humanos estarem no mundo”, complementa Chauí (2000, p. 157).
Neste projeto observou-se as relações destes corpos portadores de deficiência física
do aparelho locomotor com o objeto calçado por intermédio do relato das entrevistadas. Suas
falas percorrem todo o artigo com foco nas necessidades físicas, estéticas e simbólicasii do
design de calçados revelando seus desejos e anseios associados ao seu contexto sociocultural
e as suas experiências.
O desejo, na área do design, é compreendido como ato de querer do “sujeito desejante”
nos níveis consciente ou inconscientes. Segundo Portinari in Coelho (2008, p. 70), o desejo
é um hiato, “condicionado à possibilidade de simbolização da falta, depende da ordem da
linguagem”, ou seja, o ato de desejar está relacionado diretamente a querer aquilo que nos
falta como indivíduos socioculturais.

O poder dos calçados para o público feminino


Os sapatos são as peças mais importante do guarda-roupa feminino, segundo uma
pesquisa realizada pelo site brasileiro Chiciii de Gloria Kalil, em 2007. A pesquisa teve o
objetivo de identificar entre calças, blusas, vestidos e sapatos, qual era o item indispensável

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

na composição do look feminino. Das 1.291 voluntárias, 53% consideraram os sapatos a peça
principal. Para Garcia e Miranda (2005) entende-se por look uma organização na construção
de determinadas roupas, associadas à postura corporal, à atitude, ao cabelo, à maquiagem
e etc. Nossos calçados foram identificados com significativa importância na composição de
nossos guarda-roupas e por consequência de nossos looks.
Podemos ser atraídos primeiro pelas qualidades estéticas de um determinado produto,
como a cor vibrante do calçado, ou sua textura macia ou até mesmo a forma sinuosa e sensual
de um salto fino que nos remete historicamente ao poder e fetiche dos calçados. Fetichismo
entendido como adoração a objetos animados ou inanimados produzidos pelo homem. Steele
in Riello e McNell (2006) afirma que os saltos altos exercem um charme poderoso para muitas
pessoas, são os substitutos dos corselets da Belle Époque, e estão associado à feminilidade
e sensualidade da mulher do século XX.
Os calçados são ferramentas protéticas poderosas no sentido de ampliar os valores
simbólicos de nossos corpos, reforçam identidades pessoais ou coletivas. Argumento
reforçado por Castilho e Martins (2005) ao comentar que a moda é um sistema de linguagem,
um discurso de ideias transformadas em produtos, e que estes, por sua vez, refletem os
valores e preocupações socioculturais pela interpretação subjetiva de seu criador.
Relembramos que os produtos de moda utilizam-se dos fatores emocionais
intensamente, estes por sua vez são associados à estética, segundo Norman (2000). São
objetos lúdicos, capazes de satisfazer o usuário através da estimulação sensorial de seus
sentidos. O design de moda é um território de sonhos e desejos, adquirir um par de sapatos
novos, provavelmente não o será para suprir as necessidades básicas do indivíduo, mais sim
desejo, o mesmo vale para não nos desfazermos dos mesmos.
O design com foco na emoção tenta desvendar estas relações entre usuário e produto:
o porquê do calçado, em vez da blusa, o porquê deste sapato específico, daquela marca,
daquele modelo. As teorias de Jordan (2000) com enfoque no prazer são comumente citadas
pelos pesquisadores do design e emoção.
O prazer, construto abstrato, encontra-se na relação entre o usuário, os produtos e o
ambiente onde tais produtos são usados. Os objetos podem ser vistos como objetos vivos
com os quais o ser humano se relaciona, podem nos deixar alegres, tristes, seguros, ansiosos,
etc. “É necessário não somente ter compreensão sobre como as pessoas usam os produtos,
mas também o papel que tais produtos têm na vida das pessoas.”iv afirma Jordan (2000). O
autor apresenta os quatro tipos de prazer: físico, social, psicológico e ideológico. Sua teoria
está baseada nos estudos antropológicos do canadense Lionel Tiger.
O físico é derivado da relação do objeto com os órgãos sensoriais. O prazer social
é a interação entre várias pessoas proporcionada por um objeto. Já o psicológico está
associado às reações emocionais e cognitivas das pessoas em relação ao produto. Refere-
se ao prazer da mente em realizar tarefas relacionadas à usabilidade e compatibilidade dos

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

produtos considerados amigáveis. O prazer ideológico está associado aos valores estéticos e
éticos de uma determinada cultura, geração ou indivíduo. Encontram-se aqui os valores ecos-
sustentáveis, responsabilidade social, política e moral.
Sob esta perspectiva, o conforto é abordado tanto como uma relação física entre
usuários e objetos como uma relação social por meio dos objetos. Na segunda, os modismos
podem mais uma vez inserir ou excluir um grupo de indivíduos. Aqueles que não possuem
o último lançamento da Apple podem se sentir constrangidos (desconfortáveis) em relação
àqueles que possuem. Segundo nossas entrevistas as telenovelas brasileiras possuem forte
influência social, ou seja, a informação e cultura de moda que é transmitida para as usuárias é
por intermédio dos canais de comunicação que massificam os modismos e não pelas imagens
das publicidades de moda significando, portanto, que os desejos por calçados sejam aqueles
que as telenovelas demonstram “estar na moda”.
Ao questionarmos nossas entrevistadas sobre conforto dos calçados, as respostas
foram em relação às funções de uso diretamente relacionadas às questões físicas e fisiológicas,
como “este sapato me machuca, faz bolhas, calos”, ou ainda “este outro é muito quente”,
“este aqui aperta meus dedos”, ou “este é o único que consigo usar”. E ainda, “este tem salto,
mas parece que estou descalça”.
O conforto depende, em grande parte, da percepção da pessoa que está experimentando
a situação, não existindo uma definição universalmente aceita. (Lueder, 1983; Slater, 1985;
Zhang, 1991). Recentemente, alguns pesquisadores sugeriram que o conforto está relacionado
com o prazer, o que apresenta fronteiras mal definidas com a usabilidade e a funcionalidade
(Slater, 1995; Jordan, 2000). Simultaneamente, outra corrente assume que o conforto e o
desconforto estão em duas dimensões: o conforto associado a sentimentos de relaxamento e
bem estar, e o desconforto ligado a fatores biomecânicos e à fadiga (Zhang, 1992; Zhang, et
all, 1996; Goonetilleke, 1999). Apesar da falta de consenso acadêmico sobre o tema, nossas
usuárias consideram o conforto um aspecto importante relacionado diretamente ao uso do
objeto, relacionados, portanto, à usabilidade e funcionalidade do produto e ao prazer físico.
No Brasil existe uma análise biomecânica dos calçados realizado pelo Instituto Brasileiro
de Tecnologia do Couro, Artefatos e Calçados (IBTeC), responsável pelo “Selo Conforto”. Seus
critérios incluem: a qualidade das costuras, da cola, a resistência dos materiais utilizados,
a espessura da palmilha, os pontos de apoio da alma de aço, os pontos de pressão da
modelagem. Os testes biomecânicos são realizados simulando a marcha normal do corpo
humano, durante determinado tempo. São fundamentais para verificar o conforto físico e
fisiológico dos calçados.
A usabilidade (neologismo traduzido do inglês usability) é definida como “efetividade,
eficiência e satisfação com as quais os usuários específicos atingem metas específicas em
ambientes particulares”, segundo a ISOv apud Jordan (2000, p. 07). Não depende das
características do produto, mas da interação entre usuário, produto e ambiente. O importante

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

é como usar um produto para fazer alguma coisa. A usabilidade tende a ser limitada, defende
o autor, os critérios de avaliação tendem a enxergar os produtos como ferramentas das quais
os usuários realizam tarefas.
Martins (2006) acrescenta que a usabilidade representa a interface que possibilita a
utilização eficaz dos produtos, tornando-os amigáveis e prazerosos. A autora desenvolveu
a Oikos, metodologia de avaliação de usabilidade e conforto de vestuário: são estudados as
tarefas de vestir e desvestir; a facilidade de manutenção, assimilação, manuseio, os índices
de conforto e os riscos de segurança, ao considerar os aspectos psicofisiológicos do usuário.
Sobre funcionalidade, Silveira (2008, p. 21-39) argumenta: não é uma característica do
objeto em si, “mas uma série de relacionamentos complexos entre hábitos e usos, técnicas
de fabricação e significados simbólicos.” A autora observa a funcionalidade sob o prisma da
linguagem, com foco na semiótica por intermédio de Bürdek (2005), esta é indissociável das
funções estéticas e simbólicas do design de produtos.
Neste sentido, podemos entender que a usabilidade e a funcionalidade estão
relacionadas diretamente ao uso do objeto e suas funções práticas. Correlacionam-se também
com as questões estético-simbólicas do mesmo, ou seja, o uso do objeto depende também
de sua comunicação, do contexto do usuário, de seu repertório de experiências anteriores,
aspectos estes subjetivos.
Muitos produtos desenvolvidos para pessoas com necessidades especiais possuem
uma estética médica ou clínica facilmente reconhecida por meio da aparência destes aspectos.
As aparências de tais produtos comunicam as restrições de seus usuários contribuindo para a
exclusão social, e não para inclusão. Uma situação social de desprazer e desconforto para o
usuário, caso dos sapatos para diabéticos que, por sua aparência, denunciam a restrição do
usuário, um benefício emocional de valor negativo, acrescenta Roncoletta (2009a).
Devemos acrescentar que muitas mulheres sacrificam a saúde de seus corpos pelo
poder mágico destes aspectos estéticos e simbólicos. As nossas entrevistadas não o fazem
mais, admitem que já sacrificaram seus corpos, mas atualmente procuram artefatos mais
equilibrados entre suas funções. Devido às suas restrições físicasvi elas necessitam de
calçados seguros e desejam calçados sensuais. Encontrar estes dois conceitos no mesmo
par de calçados é uma tarefa praticamente impossível e extenuante, acrescenta Karin, uma de
nossas entrevistadas.

Personal Styling, uma ferramenta de comunicação do indivíduo


A palavra styling, no campo do design, deriva do style (estilo), introduzido nos EUA
entre os anos de 1930-40, segundo Coelho (2008), para estimular o consumismo por meio da
maquiagem estética de produtos antigos.
O estilo pode ser representado pela repetição dos aspectos formais encontrados em
determinado produto até que o mesmo seja identificado por tais características atribuídas à

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

autoria do produto ou à época. Para o autor, a palavra estilo ainda pode ser empregada para
representar valores socioculturais atribuídos a determinado produto.
Na área de moda, segundo Roncoletta (2009b) o styling é considerado a maneira de
comunicação do conceito de uma marca, editorial ou indivíduo. Ferramenta de comunicação
simbólica, é a criação do conceito da imagem de moda: o como a imagem é elaborada envolve
a seleção do suporte (casting vivo ou inanimado), ambientação cenográfica, edição dos looks
(roupas, acessórios, cabelo, maquiagem), atitude (coreografia) e, inclusive, trilha sonora
inseridas num determinado contexto. Estes elementos compõem o conceito da imagem, que,
na moda, tende a ser valorizado. Nos desfiles, representa o conceito da marca; nos editoriais
das revistas, a interpretação daquele título sobre determinado assunto; já na esfera pessoal,
representa a forma de comunicação do indivíduo. Esta pesquisa explora a comunicação do
indivíduo, conhecido na área de moda pelo termo em inglês: personal styling.
Relembramos que, na pós-modernidadevii, a comunicação pessoal não está
necessariamente relacionada a um único estilo: podemos querer ser um determinado
personagem num dia, e vestir outro personagem em outra ocasião. O antropólogo Ted Polhemus
(1994) cunhou o termo Supermercado de Estilos que já apontava para estas possibilidades.
Representamos diversos personagens durante nossas vidas, não pertencemos a um único
grupo social, ou a um único estilo de representação visual. Neste sentido, o styling, forma
de comunicação imagética, representa nossas imagens variáveis de acordo com diferentes
contextos em diferentes situações.
Nelly, outra de nossas entrevistadas, inicia nossa conversa comentando: “Nós somos
um sem roupa nenhuma, sem sapato nenhum, mas nós somos outro, um ser social que quer
acertar sua própria imagem.” Acertar sua própria imagem, comunicar através do look aquilo
que o indivíduo gostaria de comunicar é entendido na área de moda como styling.
O calçado faz parte da composição do conceito do look. Solicitar que nossas usuárias
usassem botas ortopédicas no baile de formatura, ou durante seu próprio casamento, ou até
mesmo numa reunião de negócios é NÃO permitir que elas possam assumir os personagens
que queiram. É admitir que os portadores de deficiências físicas não podem construir
imagens lúdicas e poéticas de si mesmos. É negar-lhes o poder de construir suas próprias
representações simbólicas de acordo com seus valores estéticos, sociais, políticos e morais
e, portanto, de acertar sua própria imagem social. Neste sentido, a moda por intermédio do
styling pessoal, pode ser positiva, proporcionando prazer social, psicológico e ideológico/
intelectual ao construir personagens.

Materiais e métodos
Estudo fenomenológico com enfoque nas experiências e vivências das usuárias com
relação as funções práticas dos calçados combinado com pesquisa de campo. Utilizamos
imagens, produtos e entrevistas semi-estruturadas com foco nos aspectos subjetivos –

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

estéticos e simbólicos do design de calçado com o objetivo de identificar os valores, desejos


e anseios das usuárias em potencial.
Realizamos as entrevistas nas casas das usuárias, para que assim pudéssemos conhecer
alguns valores subjetivos. Visitamos seus guarda-roupas no intuito de registrar as adaptações
dos calçados realizadas pelas mesmas. As usuárias foram indicadasviii pelos ortopedistas e
fisioterapeutas parceiros desta pesquisa nos aspectos físicos, clínicos e ergonômicos dos
calçados. Foram selecionadas participantes que possuíssem diferença de membros inferiores
entre 2 a 5 cm, independente de suas patologias, uma vez que, precisavam de compensações
nos calçados para equilibrar a diferença entre seus membros inferiores.
Solicitamos que as entrevistadas assinassem o “Termo de Consentimento Informado”,
conforme a Resolução 196/96 do Código de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do
Conepix, que nos permite utilizar seus nomes, publicar os depoimentos com fotos de seus
pertences e elementos audiovisuais. Alguns detalhes das entrevistas foram omitidos por
solicitação dos participantes desta pesquisa. Todos os sujeitos da pesquisa obtiveram um
retorno da pesquisadora para que aprovassem a publicação do material e também para que
conhecessem os resultados desta pesquisa.
A pesquisa estruturou-se de maneira a permitir que o usuário fizesse seus comentários
com relação às dificuldades e os benefícios encontrados nos calçados, requisitos físicos,
comentasse seus desejos e vontades, demonstrasse seus calçados e soluções de adaptações.
Falassem sobre marcas, formas, cores, ou ainda atributos estéticos que lhes fossem desejáveis.
Por último, solicitamos que opinassem livremente sobre os calçados transformáveis das figuras
1 a 6 e sobre as experiências da autora das figuras 7 e 8.

Fig. 1: Sheila’s Heels – Fig. 2: Footloose – patente de Fig. 3: 38degrees – desenvolvido


desenvolvido em 2005 por uma Marte den Hollander, estudante em 2004 pelo estudante de pós-
seguradora de carros inglesa, de Design Industrial em Delf – graduação Wei-Chieh Tus,do
possui variação de 2 alturas, é Holanda, desenvolvido em 2006. Brooklyn Institute, varia em 6
comercializado na Inglaterra. Custo Ainda não foi comercializado. alturas de salto apertando o botão
aproximado de 300 libras o par. Fonte: site Virtual Shoes Museum. cinza. Não está à venda. Fonte:
Fonte: site Sheila’Insurece. site NY Times

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

Fig. 4: Sophie Cox – trabalho de graduação em design de produtos da australiana em 2004. Fonte: blog
GizMag.

Fig. 5: Hilo Shoes - projeto iniciado em 2000, comandado pela designer de moda Rosemary Wallin, recebeu
recentemente 500.000 libras para o desenvolvimento industrial do produto. Fonte: site Britsh Council.

Fig. 6: Camileon - desenvolvidos por Donna e David Handel, existem em vários modelos e são comercializados
desde 2004 nos EUA. Custam de US$ 210, 00 a 350,00. Fonte: site Camileon Heels.

Com o auxílio destas imagens, verificamos alguns aspectos relacionados aos quesitos
estéticos do objeto, como cores, formas e materiais de confecção. A adaptação do calçado
Mercadal (fig. 7), utilizada como objeto tridimensional em conjunto com o protótipo (fig. 8),
construído pela autora durante o curso de extensão de design de calçados da FASM, são
indispensáveis para percepções táteis de materiais, construções de formas e análise de
composição cromática, além dos requisitos ergonômicos utilizados na construção deste
calçado. Estes objetos permitiram, também observações relacionadas às questões de prazer
social.
Vale ressaltar que, devido às diferenças de tamanho nas numerações de pés e de
membros inferiores, as entrevistadas não puderam usar os calçados: esta é uma limitação do
método de nossa pesquisa. Os aspectos levantados nesta pesquisa com relação às funções
de uso do objeto vieram de depoimentos relacionados às suas próprias experiências com
calçados anteriores. Alguns aspectos subjetivos também foram levantados através destas
experiências.

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

Fig. 7: A vista frontal dos sapatos adaptados Fig. 8: Calçado construído pela autora de couro macio,
simulando o movimento da macha. Fonte: a com salto de madeira e solado antiderrapante; possui a
autora. diferença de altura de 3cm, sendo 1cm na planta e 2cm
de salto. Fonte: a autora.

Discussão: A voz das usuárias


Nossas entrevistadas relatam a dificuldade de fazer as adaptações sugeridas pelos
ortopedistas nas casas ortopédicas. O procedimento costuma acontecer da seguinte maneira:
de posse da receita médica, elas procuram as casas ortopédicas que cobram por centímetro,
acrescenta Nelly, e confeccionam o produto sem a menor preocupação estética. “... E além do
mais, jamais consegui usar o produto, era feio e me machucava e ainda paguei uma fortuna”.
Estas afirmações nos remetem à importância de investigar holisticamente a relação entre um
objeto de design e seu usuário para conhecer seus anseios, desejos e vontades é até mesmo
suas decepções.
Para Nelly não poder variar de calçados para acompanhar suas próprias roupas e,
assim, escolher o personagem do dia-a-dia, era inconcebível. Ela nos conta que sua relação
com os calçados iniciaram-se na infância:
Quando tinha 7 anos de idade sua família foi expulsa do Egito e não podiam retirar
muitas coisas: “Meu pai mandou fazer 2 pares: um vermelho, para passear, e um marrom, para
ir para a escola... o sapateiro fez uma botina, um coturno de exército com fivela lateral que ia
durar 3 gerações: somos em 3 meninas. Eu os usei por muito tempo... não suportava mais
aquilo... na época, as minhas colegas já usavam sapatinho de boneca, de verniz... era lindo.
Eu era apaixonada por aqueles sapatos tão femininos. Eu tentava acabar com os meus mais
rápido, os arrastava no chão, e eles não gastavam nunca: eu os molhava para estragar. Meu
pai comentava: não se preocupe, minha filha. Vou secá-lo no forno. Até que um dia molhei os
dois, e fui de Alpargatas para a escola; meu pai os esqueceu no forno e os 2 pares torraram.
Ele chorava, e eu ria, e ria... Então, meu amor pelos sapatos começou aí,... Economizei o

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

dinheiro do sorvete para comprar meu primeiro sapatinho vermelho de alcinha e botão. Era
macio, tinha um cheiro delicioso, e eu dormia tão feliz do lado do sapato.”
Podemos observar que os sapatos têm um valor especial na vida de Nelly; ela
necessitava solucioná-los depois da fatalidade de seu acidente. Seu armário possui 42 pares
de calçados adaptados, até nossos encontros. Suas primeiras experiências foram com tênis
de cano alto; por serem mais fechados, davam suporte à nova movimentação de seu corpo,
protegendo os tornozelos e diminuindo a probabilidade de virar os pés para o lado. Ela já
tinha resolvido as questões físicas com o tênis de cano alto, mas sua paixão por calçados,
associada a diversas situações sociais, como festas, casamentos, ou até mesmo caminhadas,
exigiam outras soluções. As figuras 9, 10, 11 e 12 demonstram algumas destas adaptações
realizadas pela entrevistada.

Fig. 9: Acima à esquerda, sua primeira sandália.


Fig. 10: Acima à direita, a Birkenstock.
Fig. 11: Do lado esquerdo, a sandália de
casamentos e para dançar. Fig. 12: Bota adaptada.
Fonte: a autora.

Todo o seu depoimento é relatado por vontade e desejo de ter diversos pares de
calçados: às vezes, sandálias de salto alto ou tênis para caminhar, ou ainda um determinado
modelo para ir a uma festa, ou aquele desejo por plataformas, ou a vontade por determinadas
cores - preto e vermelho são suas preferidas. O depoimento de Nelly reforça os aspectos
subjetivos relacionados ao prazer como premissas básicas do desenvolvimento projetual. Para
ela, um sapato é uma maneira de se expressar, um vínculo emocional que lhe traz satisfação,
bem estar, apreciação, dentre outros valores atribuídos pela entrevistada. Nelly está preocupada
com segurança e usabilidade, mas não são estes aspectos que a fazem procurar um calçado
e, sim, a elegância das formas, a fluidez das linhas, o desejo por diversas cores de alguns para
determinadas ocasiões, ou ainda vontade de ter um determinada forma, ou a necessidade
de possuir uma bota apropriada, seja ela para inverno ou para caminhada. Seu fetiche por
calçados é evidente, e suas aquisições são baseadas no desejo.
Vanessa só é vista como portadora de restrições físicas pelo movimento de seu corpo.

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

Durante sua marcha, ela manca um pouco e seu corpo se projeta para os lados; outras marcas
reconhecíveis pelo outro seriam através de suas cicatrizes. Não existe mais uma aparência física
que possa denunciá-la como deficiente física, conforme a fig. 13. Suas limitações encontram-
se no movimento de seu corpo, e talvez seja por isso que estas questões são fundamentais
para ela.

Fig. 13 e 14: Na imagem da esquerda podemos observar a bota feita sob medida com plataforma de 14
cm utilizada na perna arqueada de Vanessa. Na imagem 71 da direita, observamos a solução realizada com
sobreposições de solas de Havaianas da mesma cor de seu vestido de festa. Fonte: doação da entrevistada.

Com relação aos aspectos estéticos, podemos observar o cuidado com as cores
selecionadas pela usuária ao adaptar sua Havaiana em tons de verde e branco que se
harmonizam com seu vestido de festa na fig. 14. A composição do styling do look para esta
ocasião especial demonstra o cuidado da usuária com sua aparência: maquiagem, vestido
e chinelos estão cuidadosamente elaborados para simbolizar harmonia e vaidade, para
comunicar o cuidado com sua aparência independente do aparelho Ilizarovx.
Aos aspectos socioculturais, podemos acrescentar ainda o ambiente em que vivia
quando as entrevistas foram realizadas. Vanessa é formada em biomédicas com TCC que
discute a acessibilidade em trilhas para portadores de restrições físicas. Em seu ambiente
de estudo, “professores doutores e alunos são largados [se refere à preocupação com a
aparência deles] usam bermuda e Havaianas”, ainda acrescenta que o melhor calçado pra ela
são as Havaianas, que permitem movimento e ainda são leves, o peso dos sapatos também
é uma grande preocupação.
Seu critério de escolha é muito claro: o calçado precisa proporcionar segurança
e equilíbrio, em primeiro lugar. As experiências de seu próprio corpo remontam às suas
preocupações com os aspectos de funcionalidade e usabilidade de qualquer produto
associados ao prazer físico e ao conforto.

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

Jacqueline, outra jovem entrevistada argumenta que as botas ortopédicas são


vergonhosas. Ela não utiliza calçados ortopédicos e nem faz adaptações. Durante sua
formatura procurou incansavelmente uma sandália que a deixasse segura e que ao mesmo
tempo fosse delicada e sensual. Como uma garota romântica como Jacqueline poderia sentir-
se uma princesa de botinha ortopédica na sua noite de formatura? Ela prefere passar por outra
cirurgia do que usar botas ortopédicas: “são vergonhosas”, diz, indignada.
Não podemos ser hipócritas, temos que assumir a nossa parcela de culpa dentre
aqueles que fazem moda e sugerem para garotas como Jacque que só se sintam bem em
ocasiões especiais, nas alturas do salto alto e fino. A indústria cultural do modismo é cruel.
Nós culturalmente impulsionamos este desejo, principalmente nestas ocasiões especiais. As
campanhas e desfiles de moda, as cerimônias do Oscar, diversos filmes e seriados de TV,
inclusive telenovelas brasileiras mostram mulheres usando saltos altos e muitas vezes finos.
Os saltos finos e bicudos representam poder e sedução neste imenso universo midiático que
faz com que garotas como Jacqueline só se sintam poderosas nas alturas de um salto alto.
Encontrar um par de calçados que proporcione um equilibro entre as funções é uma
tarefa praticamente impossível e extenuante. Karin, outra entrevistada comenta: “...Imagina,
você vai com o marido, roda e ele lhe pergunta, não é possível que você não achou um par
de sapatos? Como você tem que comprar 2 pares? Aquilo vira o drama e você perde toda
vontade, já é duro achar um que não seja duro, não tenha abinha atrás, que não me aperte,
que segure... então vira um drama. O drama do sapato.”
Após a dificuldade de escolher e adquirir um par de sapatos, a maioria das usuárias
ainda precisam transformá-los - levar ao sapateiro para realizar as modificações necessárias,
as mais comuns são: acrescentar solado antiderrapante, acrescentar tornozeleiras para
proporcionar maior sensação de segurança e ainda fazer modificações nos saltos (trocá-los)
por saltos mais estáveis e de diferentes tamanhos, conforme as diferenças entre membros
inferiores.
O ato de escolher, comprar e usar calçados são negativos para Karin, sob a perspectiva
do prazer psicológico, que afetam não somente a usuária mas também sua família. Os aspectos
do conforto físico são mencionados pela entrevistada como fator essencial que proporcionem
segurança, porém, podemos perceber em seu discurso que a sensualidade dos calçados é
um fator tão importante quanto o conforto físico, ela acrescenta: “Ah, o salto. A mulher não
vive sem”, comenta sorrindo. “Eu adoraria usar um salto, não precisa ser muito alto... aqueles
sapatos bem bicudos. Aquele que eu ia falar humm, ai que lindo! É o clássico, o preto. Eu
tenho um guardado, da Franziska Hübner, só pra me lembrar...é o meu conceito de sapato
lindo”. O scarpin de salto alto é representante simbólico de um personagem que Karin não
pode e não quer abandonar, mesmo sem poder usar seu scarpin, ela não se desfaz.

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

Considerações finais: a procura de calçados poéticos


As nossas usuárias identificaram que os sapatos devem ser fáceis de calçar e descalçar,
e fáceis de limpar; confeccionados em materiais macios, que permitam a transpiração, e
que suas costuras não as machuquem. Devem também proporcionar segurança, isto é, os
calçados devem estar firmes em seus pés, bem presos pelo cabedal , seus saltos devem
proporcionar estabilidade ao marchar com sola antiderrapante, não provocando a sensação
que podem virar o pé, e, por último, seria agradável poder sentir o chão, acrescentam.
Durante nossas entrevistas, verificamos que o contexto do portador de deficiência
física está muito aquém dos universos do design ou da moda. Encontramos ainda muito
preconceito social. As vozes das usuárias relataram diferentes preocupações que as rodeiam
constantemente, são elas: inserção sociocultural, inclusão no mercado de trabalho, preconceito,
mobilidade, possibilidade de educação, acesso e falta de informação.
Esta pesquisa possui como foco as relações entre usuárias e seus calçados, isto é,
como as mulheres se relacionam com o objeto calçado e porque eles são tão importantes em
suas vidas. O estudo fenomenológico utilizado trouxe-nos a abrangência acima citada como
variáveis inesperadas, porém fundamentais na reflexão central deste estudo.
Nossas entrevistadas reforçam a vontade de “se sentir bem no meio social”, o que,
para elas, significa poder construir o styling pessoal, valorizado principalmente em ocasiões
especiais, como as festas, formaturas e casamentos. Elas desejam e necessitam de sonhos
em suas vidas. Sentir-se sensual e feminina é essencial para as usuárias, nestes momentos
de destaque.
O design de moda, representado aqui pelo design de calçados, é uma das ferramentas
que permite construir imagens sociais. A composição de seus looks pode transformá-las na
princesa romântica, essencial para Jacque, ou na rainha do baile, indispensável para Nelly,
ou ainda na empresária poderosa, ressaltada por Karin. Os calçados fazem parte destas
transições de personagens dos quais vivemos. A falta de artigos, combinada com a dificuldade
de encontrá-los ou adaptá-los, é a negação desta possibilidade de se construir personagens;
é abrir portas para a depressão, como Nelly relatou.
Nossas entrevistas apontam para necessidades e desejos completamente distintos,
com relação aos sapatos. O único ponto em comum é a necessidade de conforto físico
proporcionado pelos calçados seguros que não as machuquem. Em relação às necessidades
corporais, os requisitos levantados são muito díspares: diferentes tamanhos de pé (largura
e comprimento) das próprias entrevistadas e entre elas; diferenças de membros inferiores
distintas, ou em pernas distintas e grau de sensibilidade. São corpos únicos, percebidos de
maneiras diferentes.
As questões relacionadas à segurança e à diversificação corporal que foram trabalhadas
na abrangência desta pesquisa já eram requisitos essenciais previsto por nós. As características
de sensual e feminino atribuídas aos calçados, foram extraídas dos depoimentos de nossas

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

entrevistadas. A sensualidade se encontra no poder de seduzir o outro e de nos auto seduzir


através da excitação dos sentidos. O visual e o tátil são os mais utilizados na área do design
de moda. Materiais macios e suaves, como o couro de ovelha, literalmente acariciam a
sensibilidade tátil de nossos corpos.
O objeto, ou melhor, o calçado com características sensuais e femininas é aquele que
faz com que a usuária se sinta confiante, incluída em relação ao meio social, isto é, que
lhe proporcione benefícios emocionais, prazer social e psicológico, conforme o contexto da
situação. No dia-a-dia, nossas usuárias estão razoavelmente satisfeitas com os modelos
de tênis, sapatilhas e anabelas, se os mesmos permitirem a construção do styling pessoal.
Vale relembrar que estes calçados devem ser adaptados aos seus corpos. Já em ocasiões
especiais, pressionadas, muitas vezes pela indústria cultural, os calçados tipo scarpin ou
sandália de salto alto (mais de 6 cm) ou médio (aproximadamente 4 cm), foram apontados por
nossas usuárias como modelos capazes de transmitir esta confiança, relacionada diretamente
ao poder de sedução feminino. São nestes momentos especiais que elas querem encantar e
fascinar o outro. São estes instantes de estrelas da passarela da vida que as preocupam.
Satisfazer suas necessidades básicas não basta; se fosse assim, ficariam com as botas
ortopédicas. O calçado é um objeto de design de moda que precisa ser variável conforme os
sonhos, vontades e desejos do indivíduo que o utiliza em situações diversificadas.
A possibilidade de possuir alguns pares de calçados para se harmonizarem com
suas roupas e com as ocasiões nas quais se encontram colocam o styling num patamar
de significativa importância. Não é qualquer sapato, mas um sapato de festa, não é uma
preocupação estética, mas uma preocupação com a comunicação de seus look relacionado à
ocasião que se encontra, associada ainda ao e seu estilos de vida e personalidade.
Concluímos que as funções estético-simbólicas dos calçados podem aprimorar a
qualidade de vida de nossas usuárias. Qualidade de vida significa mais do que ser saudável
no aspecto físico, mas, também, no sentido de “se sentir bem”. O bem estar está relacionado
com a possibilidade de se construir imagens pessoais de acordo com nossas vontades,
influenciadas também pela indústria cultural. Poder, sedução e feminilidade são os principais
valores simbólicos atribuídos por nossas entrevistadas aos calçados desejáveis. Os sapatos
fazem com que as mulheres se sintam bem socialmente, proporcionando melhor qualidade de
vida, aprimorando o bem estar.
Encontrar um equilíbrio entre sedução, como melhoria de qualidade de vida social
e recomendações ergonômicas, como melhoria de qualidade de vida através da saúde, é
projetar calçados seguros e sensuais baseado no prazer físico, social, psicológico e intelectual.
Oferecer uma gama de produtos as usuárias deficientes físicas que possa ser utilizada para
comunicar seus desejos e não suas restrições físicas nos parece, sim, fazer design de moda
com responsabilidade.

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Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

Notas
i A obra Phénoménologie de la Perception foi publicada originalmente em 1945 pelo filósofo francês
Maurice Merleau-Ponty.
ii Para Löbach (2001), os produtos possuem três funções: a) a função prática – relações entre o
produto e seus usuários no nível fisiológico de uso; b) a função estética – relação entre o produto e o
usuário no nível dos processos sensoriais, um aspecto psicológico da percepção sensorial durante o
uso; e c) função simbólica – determinada pela capacidade psíquica e social de fazer conexões entre a
aparência percebida sensorialmente e a capacidade mental de associação de ideias (símbolos).
iii CHIC, disponível em: http://chic.ig.com.br/materias/444501-445000/444935/444935_1.html.
Acesso em agosto de 2007 a setembro de 2008.
iv “It’s necessary not only to have understanding of how people use products, but also of the wider role
that products play in people’s life” Jordan (2000, p.08) Tradução da autora.
v Referindo-se a ISO DIS 9241-11. ISO – International Standards Organization.
vi Todas as nossas entrevistadas passaram por diversas cirurgias devidos às suas restrições físicas.
Além das cirurgias ortopédicas, são necessários anos de tratamento fisioterapêutico para recuperarem
ou aprimorarem o máximo possível do potencial de força, resistência e equilíbrio muscular. Ainda
são recomendados tratamentos como acupuntura, para alívio de dores, e re-conexões dos eixos
energéticos do corpo; tratamentos como pilates e RPG, para redescobrirem o alinhamento corporal,
e até mesmo a conscientização postural, um tratamento que alia corpo e mente, e refaz as sinapses
cerebrais. São anos de dedicação, que também envolve alto custo financeiro.
vii A sociedade pós-industrial descreve a rápida queda entre o número de operários, a partir
da década de 1970, e o avanço do setor de serviços. “O termo pós-moderno mostra ser um
campo minado de noções conflitantes. Embora de caráter controvertido, consegue porém
caracterizar, melhor do que outros, a cena cultural atual. A predominância de seu emprego
talvez explique porque expressa adequadamente o clima de mudança cultural em que vivemos.
Mas há quem prefira chamar a era atual de modernidade tardia (Ulric Beck), neomoderno
(Rouanet), hipermodernidade (Lipovetsky) ou – para se contrapor à rigidez da modernidade
de outrora denominada sólida – modernidade liquida (Bauman)”. O autor ainda acrescenta: “A
produção [de artefatos] é feita segundo o gosto do consumidor, adaptada aos seus desejos
e necessidades muito específicos, em estado constante de alteração.” Carmo (2007, p. 179).
viii Neste projeto, unimos as opiniões dos sujeitos do Instituto do Pé do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC), da Clínica de Ortopedia e Fisioterapia
(COF), ambas na cidade de São Paulo, e da Clínica Nivaldo Baldo (CNB) - especialista em
fisioterapia para atletas, da cidade de Campinas. Ele trabalha com diferenciação de membros
inferiores desde 1978. O termo sujeito é utilizado pela Comissão de Ética em Pesquisa para
descrever todos os envolvidos, sejam eles usuários, ortopedistas, fisioterapeutas ou designers.

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São Paulo: Rosari, Universidade Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 322
Calçados desejáveis para mulheres portadoras de deficiência física: um desafio desejável para os designers de calçados

ix Conselho Nacional de Ética em Pesquisa


x Método russo utilizado em alongamento e calcificação ósseas.

Referências
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Cristiane M
mbi.br
cfmesquita@anhe

Resumo
A partir de uma breve análise da produção em design de calçados,
assim como do uso deste artefato em obras de arte no período
Moderno e na contemporaneidade, este artigo investiga possíveis
diálogos e interseções entre os campos do design, da arte e da
moda ao longo do século XX, apoiada nas ideias de GRANDI,
LIPOVETSKY, McDOWELL e O’KEEFFE.

Palavras-Chave: design de moda; arte; calçados

Design, Arte, Moda e Tecnologia.


São Paulo: Rosari, Universidade Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 325
Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX

Introdução
Uma análise do artefato calçado, em determinado período da história do século XX e do
início do século XXI, é capaz de nos fazer visualizar contágios e cruzamento de fronteiras entre
linguagens e conceitos de arte, moda e design. Este diálogo é frequente a partir do surgimento
de movimentos artísticos de vanguarda, por meio de criações de moda de costureiros e
sapateiros no início do século, além de estilistas e designers no século XX.
Segundo GUMBRECHT (1998), as primeiras décadas do século XX — denominada
de “Alta Modernidade” — são períodos produtivos na história ocidental, incluindo as artes
com experimentos audaciosos tais como o cubismo, o surrealismo e o dadaísmo, com
manifestações artísticas que rompem com a representação.
Não existe uma definição que imponha limites à arte e seus conceitos são contraditórios
em alguns momentos. Para os modernistas, a arte seria produto de um esforço individual,
enquanto o design seria produto de empreendimento coletivo típico da sociedade industrial.
Em definições mais reducionistas, a arte é considerada “atividade específica que visa
produzir objeto — em geral, de caráter simultaneamente material e visual — capazes de
suscitar uma resposta estética em espectadores através de sua contemplação e fruição” —
podendo ser produzido através de processo artesanal, industrial ou outro qualquer (COELHO,
p.18, 2008).
Para MOURA (2008), a arte tem servido como fonte de pesquisa e referência para a
criação e o desenvolvimento de projetos e produtos na esfera da moda e do design. Vários
artistas na história da arte desenvolveram objetos de moda ou design e talvez utilizem os dois
campos como referência ou foram despertados pelo objeto utilitário para a criação de obras
artísticas.
A criação é livre em todas as direções, tanto na arte como na moda. As relações entre a
moda e design são estreitas, ligadas pelo mundo dos projetos, pelos desejos e estilos de vida
dos usuários. Ambos compartilham da novidade como motivação (MOURA in PIRES, 2008).
Na contemporaneidade, os artefatos e objetos são projetados por designers que os
atribuem diversos significados, que testemunham suas subjetividades e também vínculos
estéticos, culturais e sociais como afirma PRECIOSA (2007).
FIORINI (2008, p.71), descreve que “o design é em sua essência um processo criativo
e inovador, provedor de soluções para problemas de importância fundamental para as esferas
produtivas, tecnológicas, econômicas, sociais, ambientais e culturais”. Em seu termo, estão
vinculadas questões expressivas, simbólicas e estéticas e não somente questões produtivas
e técnicas.
Os conceitos de design podem ser baseados no objeto ou no processo. Porém,
não é apenas a união entre estas duas formas a maneira mais coerente de analisar suas
atividades, pois é importante considerar que os produtos desenvolvidos por um determinado
processo podem conter significados não percebidos de forma clara. O objeto pode adquirir

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX

além de questões funcionais e estruturais, diversos significados provenientes de necessidades


subjetivas, como os desejos, anseios e expectativas do consumidor. Portanto, estes objetos,
se “inserem no tempo e no espaço, vão perdendo sentidos e adquirindo novos” (FIORINI,
2008, p.34).

As influências da arte moderna na criação do calçado


Em determinados períodos da História da Arte, os calçados, assim como outros
componentes da indumentária, eram apenas retratados nas obras de arte. Era o início de um
flerte entre o objeto e a arte. Um exemplo é a pintura “Old Boots”, de 1886, do pintor holandês
Van Gogh (1853-1890). Antes do século XX, pintores se atentavam aos detalhes, mas desde
essa época os calçados eram considerados partes da personalidade humana (McDOWELL,
1989).
A arte se aproxima da moda e a moda da arte em diversos períodos do século XX,
especialmente naqueles momentos em que estão acentuados seus conceitos e criações,
questões do cotidiano e da subjetividade. LIPOVETSKY (1989, p.78), em passagem do livro
“O Império do Efêmero” afirma que não se pode ignorar a influência da arte moderna nas
transformações da moda no início do século XX. As estéticas modernistas, que recusavam o
decorativo e pregavam as linhas puras também influenciam a moda.
No design de calçados, as influências da arte na moda podem ser percebidas de
modo bastante claro. Um dos muitos exemplos são os calçados criados no final década de
1920 e início da década de 1930. São calçados de formas simples e recortes geométricos,
demonstrando inicialmente uma influência do movimento Art Decói. Costureiros e grandes
sapateiros admiravam e homenageavam frequentemente os artistas modernos. Os maiores
exemplos são o costureiro francês Paul Poiret (1879 -1944), a francesa Gabrielle (Coco) Chanel
(1883 -1971), a italiana Elsa Schiaparelli (1880-1973) e o estilista francês Yves Saint Laurent
(1996 - 2008) que, por meio de suas criações, dialogam com grandes artistas e movimentos
de arte, pois “a moda aproximou-se ao mesmo tempo da lógica da arte moderna, de sua
experimentação multidirecional, de sua ausência de regras estéticas comuns” (LIPOVETSKY,
1989, p.125).
Um designer pode confeccionar calçados recorrendo a variados e excêntricos materiais,
utilizando referências culturais e históricas. Duas importantes correntes de vanguarda do início
do século XX influenciaram e dialogaram em diversos momentos com o design e a moda
calçadista. São eles o cubismo e o surrealismo. O cubismo tinha como princípio enfatizar
os aspectos geométricos dos objetos, desviando de uma plástica “realista”. As estruturas
poderiam ser reduzidas a alguns componentes fundamentais, os sólidos geométricos. Alguns
artistas integrantes deste movimento, tais como o artista espanhol Pablo Picasso (1881-1973)
e o francês Georges Braque (1882-1963), argumentavam que seus trabalhos buscavam
múltiplos pontos de vista (AGRA, 2006).

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Um dos designers de calçados que mais se destacou em criações de calçados que


dialogam com o universo da arte foi o francês André Perugia, nascido em 1893 em Nice, na
França, filho de sapateiro. Aos dezesseis anos abriu sua primeira sapataria e em pouco tempo
inventava novas formas de saltos e cabedaisii com qualidades artísticas e características
ousadas. As senhoras da sociedade, frequentadoras da Riviera Francesa, logo se encantam
com seu trabalho elegante e seu sucesso se firma na parceria com o famoso costureiro Paul
Poiret. André Perugia foi considerado um gênio por suas criações excêntricas e referências
à arte como suas duas sandálias inspiradas (Figura 1 e 2 ) nas obras dos cubistas Picasso e
Braque.

Figura 1: Sapato “Peixe” em homenagem ao cubista Braque, André Perugia, 1931.


Fonte: O’KEEFFE, 1996.

Figura 2: Sandália cubista em homenagem a Picasso, André Perugia, 1950.


Fonte: O’KEEFFE, 1996.

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Figura 3: Sapato “sem salto”, André Perugia, 1937.


Fonte: O’KEEFFE, 1996.

O Surrealismo e a Moda
Um dos movimentos das chamadas “vanguardas históricas”, o Surrealismo, apresentou
traços da associação da arte com o comportamento, trazendo a grande novidade de libertação
do inconsciente e negação da própria razão. “Enquanto Salvador Dali explora o inconsciente a
todo custo, sem muita preocupação além de fazê-lo aflorar por imagens, René Magritte (Figura
4) o faz pelo caminho da discussão dos próprios estatutos simbólicos” (AGRA, 2006, p.124).

Figura 4: “O modelo vermelho”, René Magritte, 1937.


Fonte: McDOWELL, 1989.

Para McDOWELL (1989), o Surrealismo é um movimento de arte com senso de humor


particular. Desta forma, não surpreende que os artistas surrealistas da década de 1920 e 1930

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respondessem muito rapidamente aos absurdos da moda e os utilizassem para declarações


com atitudes modernas. As principais características da abordagem surrealista são o choque
e a surpresa causados pelas justaposições inesperadas dos objetos do cotidiano.
Além de Schiaparelli, o estilista Pierre Cardin (1922), a artista Regina Martino e o designer
espanhol de calçados femininos Manolo Blahnik (1942) dialogaram com o movimento. Cardin
criou um par de sapatos em formato de pés (Figura 5), Martino criou um sapato-árvore e
Manolo criou sapatos-fantasia, como os sapatos-luvas (Figura 6) e os sapatos siameses.

Figura 5: “Men’s Shoes” (1986) de Pierre Cardin.


Fonte: McDOWELL, 1989.

Figura 6: Esboço de “sapato-luva”, Manolo Blahnik, 1982.


Fonte: McDOWELL, 1989.

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Outro exemplo — talvez o mais conhecido de interseção entre a arte e a moda —


foi a parceria entre a costureira italiana Elza Schiaparelli e o artista do movimento surrealista
Salvador Dalí, que também desenvolveu peças de design como o “telefone lagosta”iii e
“sofá de lábios”iv. Dali desenvolveu e desenhou, além de roupas, acessórios como o famoso
“chapéu-sapato” (Figura 7) e a “bolsa-telefone” para a coleção de outono-inverno de Schiaparelli
de 1937/1938.
O inventor do solado “anabela” — um solado no estilo da plataforma, com salto alto
e sola, porém é uma peça única — e da alma de aço — suporte que se instala no interior da
palmilha para sustentar os saltos femininos — foi Salvatore Ferragamo. O italiano, um dos mais
importantes designers de calçados do século XX, também firmou parceria com Schiaparelli na
década de 1930: “Perugia dava asas a imaginação. O primeiro par do conhecido “sapatos-
strech” surgiu assim. Para eliminar o uso de botões ou fechos que Schiaparelli odiava, ele
simplesmente construiu tiras de camurça lado a lado com tiras plásticas, tão engenhoso
quanto o famoso “chapéu-sapato” (CHAVES in BARROS, 1991, p.22). Schiaparelli também
desenvolveu parcerias com Perugia e Ferragamo, que confeccionou a famosa “monkey-boots”
(Figura 8), em 1938.

Figura 7: Ilustração de Marcel Vertes do “chapéu-sapato” de Elsa Schiaparelli, 1937.


Fonte: McDOWELL, 1989.

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX

Figura 8: “monkey-boots”, Elsa Schiaparelli, 1938.


Fonte: http://plasticbox.wordpress.com/2009/05/13/mop-top/, acesso em 16/05/2010.

Um outro exemplo de diálogo é a obra “Original Sin” (Figura 9), pintado por Salvador
Dalí em 1941, apresenta-nos uma mensagem complexa. As botas (velhas e desgastadas, mas
bem cuidadas) foram retiradas às pressas e os pés estão envolvidos pela cobra. Dalí contrasta
o exótico e monótono, levando as botas e os pés descalços como paradigmas do cotidiano
de trabalho do homem, ligado à terra e
às mulheres livres e desembaraçadas, prontas para decolar em mundos exóticos e
românticos (McDOWELL, 1989).

Figura 9: Original Sin, Salvador Dali, 1941.


Fonte: McDOWELL, 1989.

O´KEEFFE (1996) destaca a importância dos calçados dizendo que estes sempre
refletiram o estatuto social e a situação econômica de quem os calça, porém não refletem só
a história social, mas também através do calçado encontramos um registro pessoal através
de memórias.

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Exemplos de diálogos entre o design, arte e moda na pós-


modernidade
Além de artistas que adentraram nos campos do design e moda como Salvador
Dalí, designers como Beth Levine (1914-2006) enveredam pelo campo das artes, criando
sapatos únicos. Alguns sapateiros demonstravam estar dispostos a “fazer arte”, com modelos
excêntricos como os saltos vírgula e bola, extremamente criativos, concebidos pelo sapateiro
francês Roger Vivier, parceiro do costureiro Christian Dior.
A americana Beth Levine desejava, desde muito jovem, desenhar calçados. Casou-
se com Hebert Levine, um empresário e em 1948 fundaram sua empresa de calçados.
Frequentavam seu estúdio desde criadores de moda como Halston até famosos como Bette
Davis e Liza Minnelli. Levine não teve formação técnica, mas através da prática na indústria e
senso estético permitem-na lançar modelos ousados. Ela foi pioneira em cobrir sapatos com
pedras falsas e a criação da bota strech de vinil, no inicio da década de 1950, uma década
antes das botas se tornarem tendência pelo mundo todo. Utilizava materiais inusitados como
madeira de mobiliários e acrílicos para a confecção de saltos e materiais como o vinil e lurex
no cabedal.

Para criar o seu sapato “Topless”, uma das suas fantasias mais divertidas, cobriu
uma sola acolchoada com cetim vermelho e, nos pontos onde o calcanhar e
o meio do pé tocavam a palmilha, colocou pequenas esponjas embebidas da
cola usada nas barbas falsas. As esponjas colavam-se à sola do pé e o salto
parecia ser uma extensão do calcanhar. (O´KEEFFE, 1996, p.478 e 479)

O curador do The Metropolitan Museam of Art’s Costume Institute, Harold KODA (2010)
descreve que Beth explorava uma variedade de vertentes do modernismo, exotismo oriental e
pop arte, influenciada pelo estilo de vida americano.

Figura 10: Sapato “Topless”, 1959 de Beth Levine. Fonte: http://www.virtualshoemuseum.com/vsm/o.


php?id=1031&col=person&sub=185, acesso em 17/05/2010.

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Outro exemplo do diálogo entre as três áreas do design, arte e moda são algumas
obras do artista americano pop Andy Warhol (1928-1987), uma das figuras mais conhecidas
e publicizadas da atualidade. O artista, no início, ilustrador comercial, desenhava sapatos, um
fetiche cultuado e amado, desde 1949, para anúncios da indústria de calçados americana
I.Miller, um dos primeiros fabricantes de calçados dos Estados Unidos.
Segundo GRANDI (2008), a Pop Art abriu um diálogo com a linguagem do design e
a comunicação de massa, estabelecendo uma horizontalidade entre as artes e a produção
visual e gráfica dos fenômenos de consumo.
Na década de 1980, Warhol volta ao tema e cria uma obra impressa chamada “Shoes”,
onde mostravam imagens de calçados de saltos coloridos em fundo preto, que foi comentada
da seguinte maneira por SCHMIDT (2003):

Ele transformou os sapatos em objetos de desejo, assim como ele fez com
Marilyn Monroe e Jacqueline Kennedy. Também é intrigante que os sapatos
não são mostrados em pares, como se de propósito Warhol destaca-se em
cada sapato propriedades únicas, dando a cada um uma identidade.

Esta impressão particular realmente mostra o passado de Warhol como ilustrador


comercial, pois os calçados não mostram sinais de desgaste e poderiam ser usados facilmente
em uma propaganda comercial.
O papel de Warhol no mundo da arte e da moda é reconhecido por tratar como
mercadorias mesmo as criações que são ou foram consideradas artísticas, e também propor
um encontro feliz e menos superficial de quanto é afirmado pelo próprio artista, entre arte e
moda, entre notoriedade e imaginação (DORFLES, 1988).

Figura 11 e 12: “Shoes, Shoes, Shoes”, 1955 e “Diamond Dust Shoe”, 1980-81, Andy Warhol.
Fonte: http://www.artesdoispontos.com/cvs.php?tb=cvs&id=6, acessado em 23/05/2010.

Para BARNARD (1996), este é o momento quando paradigmas são questionados. A

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identidade e a cultura são as idéias centrais. É a era da produção dos significados, que se
refletem por meio das três áreas analisadas. Questões urgentes relacionadas ao cotidiano
são intensificadas nos conceitos artísticos a partir da década de 1960, época de reviravoltas
ligadas à política e à cultura, mudando intensamente os paradigmas vigentes.
Desde os movimentos de vanguarda, grupos de arte procuram aproximar a arte da
vida. Artistas e designers — inclusive designers de moda — presenciam uma mudança
significativa de ordem material e sensível, como afirmam PRECIOSA e BELLUZZO (2008).
Para estas autoras, as esferas, situadas entre estética e o consumo, como a moda e o design,
costumam absorver das artes seus conceitos, atitudes e padrões, que posteriormente se
tornam linguagens acessíveis a um grande público.
Neste momento, a realidade não será apenas representada, surgem movimentos
valorizando “o comum”, o cotidiano e principalmente o individualismo. Segundo LYPOVETSKY
(1989, p.12) “A moda está nos comandos de nossas sociedades; a sedução e o efêmero
tornam-se, em menos de meio século, os princípios organizadores da vida coletiva moderna;
vivemos em sociedades de dominante frívola, último elo da plurissecular aventura capitalista-
democrática-individualista”.
As áreas da arte e a da indústria influenciam o design com seus valores característicos,
o que demonstra que as criações de moda de calçados, assim como no vestuário, possuem
influência dos dois campos na construção de seus discursos e significados. No final da
década de 1980 e na de 1990, diversos artistas criaram sapatos como obras de arte. Alguns
exemplos destas criações são os da artista Yone Levine, nascida em Israel, que concebeu
com minúsculas contas de vidros antigas, presos à estrutura de arame, um sapato e a artista
Gaza Bowen, que confeccionou uma série de sapatos com materiais do cotidiano, como
esfregões, esponjas e escovinhas, elaborando uma crítica feminista ao questionado papel
tradicional feminino (O’KEEFFE, 1996).
Neste contexto, um olhar que explore tais diálogos poderá perceber que também no
campo do design de moda essas relações se complexificam. Podemos visualizar tais relações
a partir de criações de calçados contemporâneos de estilistas como Alexander McQueen e de
grifes como Dolce & Gabanna e Prada trilham novos caminhos para a linguagem artística e de
significados na dos trajes urbanos. Para MARINHO (2006, p.5):

Seria possível afirmar que criar constitui, por si, só um fenômeno apropriativo,
seja para o designer ou para o artista. Essa apropriação, contudo, como jogo
de linguagem, explicita-se quando o artista, e também o designer, deslocando
elementos do seu contexto, deixa nas formas finais, do projeto ou da obra, os
rastros que revelam o modo como foram apreendidas as informações e sua
origem.

Para GRANDI (2008, p.91) o estilista é considerado um “gênio criativo”, e em determinados

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momentos, pode “... concorrer com o artista no setor da pesquisa e da experimentação visual,
que por seu maior poder comunicativo e de imagem, quer por seu inegável poder econômico,
que, ao contrário, falta ao produtor de arte”.

Figuras 13, 14 e 15: Alexander McQueen primavera-verão 2010, Marc Jacobs primavera-verão 2008 e Prada
primavera-verão 2008. Fonte: www.style.com, acesso em 02/06/2010.

Segundo GRANDI (2008) moda e arte devem ser analisadas como repositórios culturais
que participam das mudanças dos modos de vida, de pensamento, de sintonia com o próprio
tempo, pois juntas, assim como o design, atravessam um período de intenso intercâmbio,
como em diversas áreas da produção material e ideacional, envolvidos nas mudanças sócio-
econômicas e tecnológicas que contribuíram para mudar o nosso panorama de referência
global.

Considerações Finais
Desde a década de 1990, tornam-se cada vez menos evidentes as fronteiras entre a
arte e a moda pois, para GRANDI (2008), estas duas áreas, assim como outras relacionadas
à cultura, estética e criatividade, mesclaram suas modalidades expressivas e comunicativas,
perdendo em alguns momentos, sua especificidade de linguagem, facilitando o fenômeno de
sobreposição de uma área sobre a outra, dificultando a percepção do que pertence a uma
área ou a outra. O vocabulário da moda passa a utilizar com frequência termos da arte como
“instalação”v e “concept”vi.
Um exemplo que contribui para a visualização dessas conexões é o trabalho da artista
performática italiana Vanessa Beecroft (1969), que participou da 25°Bienal Internacional de
São Paulo. Suas obras de arte desconstroem a delimitação da arte e da moda, demonstrando
a existência de um contágio entre estas áreas em suas performances nas quais se utilizam
modelos nuas com características bastante parecidas, calçadas com sapatos de grifes famosas
como Gucci, Prada e Helmut Lang. Beecroft é aficionada por calçados de grife e diz apreciar
a combinação entre a consciência feminista e o clichê da mulher- objeto (ALZUGARAI, 2005).

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Figura 16: Performance “VB 45”: as modelos vestem apenas botas de Helmut Lang.
Fonte: http://www.terra.com.br/istoegente/138/reportagens/vanessa_beecroft.htm, acesso em: 03/06/2010

Desta forma, podemos então refletir que a arte, os artistas contemporâneos, estilistas
e designers possuem diversos pontos de contato enriquecedores em suas atividades,
apropriando-se da moda e seus meios de difusão, com suas estratégias comunicativas e
promocionais e seu aparato glamoroso para atingir uma visibilidade, como argumenta GRANDI
(2008). Desta forma, os conceitos de áreas como a da arte, design e moda estão em constante
diálogo, propiciando a interdisciplinaridade, através de relações complexas e criativas.
Este diálogo se desenvolve também por meio de criações de calçados, com suas
formas, volumes, proporções, detalhes, cores e significados, assim como na concepção de
uma obra de arte, representando uma época, pois notamos o crescente desejo de autonomia
entre os consumidores, que abrem espaço para o desejo de peças autênticas e inovadoras
em conexão com a cultura e a sensibilidade.

Notas
i A Art Decó foi um movimento internacional de design decorativo dos períodos da década de 1920
a 1930.
ii O cabedal é termo calçadista que significa parte superior do calçado.
iii O “telefone lagosta”, criado em 1938 foi realizado com as técnicas de metal pintado, gesso, borracha
e papel.
iv O “sofá de lábios” de Mae West foi construído com armação de madeira e coberta por cetim rosa,
realizado nos anos de 1936-37.
v Na arte contemporânea, obra tridimensional concebida e montada para ocupar uma área num
determinado recinto, e cujos diversos elementos ou dispositivos agem sobre o imaginário do expectador.
Sua exposição é temporária e a obra desmontada, subsiste através de registros fotográficos.
vi Arte Conceitual.

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Aspectos do diálogo entre design, arte e moda a partir de uma análise dos calçados do século XX

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u n d e r w ear ma sculino
n na hist ó r ia d o
ig
Inovação em des esign: Universid ade Anembi Mor
umbi
Mestranda em D
Taísa Vieira-Sena;
ail.com
taisavieira13@gm

Resumo
O presente artigo tem como objetivo estudar a evolução do
underwear masculino com ênfase no período do século XX aos
dias atuais, identificando aspectos inovadores de design e sua
relação com o contexto sócio-cultural.

Palavras-Chave: underwear masculino; design; inovação

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Inovação em design na história do underwear masculino

Introdução
A palavra underwear é entendida hoje, dentro do contexto atual da moda, como
conceito que extrapola o sinônimo de cueca ou roupa de baixo. Dentro do sistema de moda
o underwear está ligado a elementos e significados que remetem a um estilo de vida. Porém,
este conceito foi instituído na década de 1980, até então encontrávamos produtos com foco
na função de uso.
Com exceção às camisolas ou túnicas usadas por homens e mulheres como roupa
interior, a diferença na anatomia ditou variações básicas das peças íntimas masculinas e
femininas. O underwear feminino tem um maior apelo voltado para a estética e a sexualidade
ao invés de praticidade. Já com as peças masculinas a primeira preocupação foi por muito
tempo apenas funcional, confeccionadas de acordo com a forma do corpo, em materiais
resistentes e na cor branca.
O que chamamos de roupa íntima ou roupa de baixo, enquanto produto de design,
passou por inúmeras inovações incrementais, tecnológicas e até sustentáveis para chegar aos
produtos que encontramos no mercado atualmente.

Inovações no Design do Underwear Masculino


As cuecas, como conhecemos hoje, foram criadas no século XX, até então havia
peças que compunham a roupa interior. No entanto, as tangas já eram usadas na pré-história.
Segundo Benson & Esten (1996), em 1991 montanhistas encontraram nos Alpes Tiroleses, os
restos congelados de um homem que viveu cerca de 3300 a.C. Ele usava uma tanga de couro
sob a capa, fornecendo a documentação mais antiga de underwear masculino.
Depois da invenção da energia hidráulica, das máquinas de fiação e do descaroçador de
algodão durante a Revolução Industrial, o underwear poderia, pela primeira vez, ser produzido
em massa, o que causou uma reestruturação dos processos e do consumo. As pessoas
começaram a comprar suas roupas íntimas nas lojas em vez de fazê-los em casa, o que podia
levar até três dias.
A roupa de baixo padrão deste período para homens, mulheres e crianças foi os “union
suits”. Uma espécie de macacão, geralmente feito em malha, que cobria desde os tornozelos
até os punhos, possuía uma abertura na parte superior na frente fechada por botões, e uma
abertura na parte de trás inferior de vestir e facilitando os atos de vestir e ir ao banheiro. Em
1895 o catálogo Montgomery Ward (figura 1) oferecia peças em “lã de cor natural, cinza e
vermelho, que se tornou muito popular.

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Inovação em design na história do underwear masculino

Figura 1: Catalogo Montgomery Ward de 1895

Destacamos o uso da cor vermelha como um indício de outras inovações tecnológicas


no desenvolvimento da roupa de baixo. Pois, indicava o domínio da técnica de tingimento da
lã em vermelho, uma cor forte e que precisava de uma boa fixação para não descolorir. Thales
de Andrade (2004), entende por inovação tecnológica alterações e/ou criações tecnológicas
significativas em produtos e processos. A inovação tecnológica pode ser considerada como a
transformação de uma idéia em um produto ou processo novo para utilização na indústria, no
comércio, na ciência ou em uma nova leitura de um serviço social.
No século XX, a historia do underwear masculino, parece ser uma história americana,
as maiores empresas e os grandes investimentos estavam nos Estados Unidos. Havia também
empresas francesas que se destacavam na produção de roupas íntimas mas, os lançamentos
e inovações geralmente ocorriam primeiro na América.
Joe Boxer (1995) observa que como muitos produtos importantes, roupa interior foi
melhorada significativamente pela guerra. Durante a Primeira Guerra Mundial, foi confeccionado
o primeiro bermudão com botões (figuras 2 e 3), como underwear de verão para os soldados
da infantaria. As peças tiveram tão boa aceitação, que os homens insistiram em usá-las quando
eles voltaram para casa.

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Figura 2: Bermuda usada na I Guerra Mundial Figura 3: Detalhe dos botões

Os esportes e as guerras tiveram forte influência no uso da roupa interior, e com o


surgimento do bermudão com botões, vemos uma importante inovação incremental na roupa
de baixo. De acordo com Fontanini & Carvalho (2005) dentro de um processo de inovação, as
inovações incrementais estão inseridas em um contexto peculiar de investimentos (tempo e
necessidades) em que gradualmente a empresa promove melhorias e aperfeiçoamentos em
seus produtos, equipamentos e métodos de fabricação. A inovação incremental é aquela em
que o novo produto ou processo incorpora alguns novos elementos em relação ao anterior,
sem que, no entanto, sejam alteradas as funções básicas. Neste caso, ocorre a separação do
union suit em camisa e bermuda, mas estas peças continuaram a desempenhar papel de roupa
interior. Estas modificações no produto acarretaram também modificações os processos, de
forma incremental.
Segundo Blackman (2009) a tecnologia e modernização das cidades trazem novos estilos
de vida, assim, quando o homem tornou-se mais ativo e sua roupa interior começou a ser mais
leve, mais fina e confortável. Os esportes tornaram-se parte do lazer vigente, trazendo com
ele a necessidade de liberdade de movimentos. Na década de 1920 as empresas americanas
investiram em diversas tecnologias e usavam os anúncios publicitários para divulgar a patente
de seus novos projetos. Os avanços tecnológicos nos materiais ganharam destaque, entre
eles estavam os tecidos pré-encolhidos e com propriedades de isolamento térmico, como o
Duofoldi (figura 4); e Keepkool (figura 5), que tratava-se de underwear feito em ribana elástica
e porosa que oferecia conforto e frescor.

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Figura 4: Anúncio de undewear com Duofold Figura 5: Anúncio de undewear Keepkool

As inovações em modelagem também causaram grande impacto e melhorias na


usabilidade da roupa interior. A empresa Swiss American lançou o Navycltohh (figura 6), um
modelo de union suit curto e com peces nas costas para dar melhor ajuste ao corpo. Já a
marca Hatchway criou um modelo em malha com transpasse frontal, que dispensava o uso
de botões (figura 7).

Figura 6: Anúncio de undewear Navicloth Figura 7: Anúncio de undewear Hatchway

Os “shorts íntimos” foram a novidade que chegou com o século XX. De acordo com John
de Greef (1989), duas invenções na década de 1930 modificaram o conceito de underwear,
aproximando-o das peças que conhecemos hoje. A primeira foi quando Jacob Golomb, o

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fundador da marca Everlast, aplicou um cós elástico nos calções íntimos, deixando-o com
a aparência do short de pugilista, esta peça ficou conhecida como boxerii e a segunda foi a
criação do Jockey Breif ®iii ou slip Jockey (figura 8).
A cueca slip Jockey foi criada em 1934 por Arthur Kneibler, um executivo e designer da
Cooper Inc. A inspiração para o modelo veio de cartão-postal da Riviera Francesa, mostrando
um homem em um maiô estilo biquíni. Depois de algumas experiências, Kneibler introduziu
um novo tipo de roupa interior, confortável sem pernas, com uma sobreposição em Y invertido
parte da frente. Tal formato trazia benefícios funcionais, oferecendo aos seus usuários mais
conforto e suporte do que as outras roupas íntimas masculinas disponíveis no momento.

Figura 8: Modelo Slip Jockey (1935)

Com certeza este dois produtos revolucionaram o mercado de roupa íntima na década
de 1930, mas discordamos de John de Greef quando ele afirma que a concepção da cueca
boxer é uma invenção, trata-se sim de mais uma inovação incremental nesta linha de produtos.
Já o modelo de cueca slip, pode ser considerado uma invenção, que conforme Gomes (2001)
apresenta-se como um produto novo, desenvolvido a partir da manifestação da criatividade
utilizada com foco no incremento funcional do mesmo. Um invento dotado de novidade,
atividade inventiva e utilidade industrial, torna-se suscetível de concessão de patentes. O que
aconteceu com a Jockey Breif ®, patenteada no mesmo ano de sua invenção.
Conforme Bernhard Roetzel (2000), o modelo slip tornou-se “uma cueca verdadeiramente

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revolucionaria”. Sua modelagem apresentava a vantagem de proporcionar mais su¬porte e


de não marcar ou fazer volume sob as calças leves. Seu corte particular¬mente confortável,
oferecia suporte e um perfeito encaixe, e sobretudo era confeccionada em material de
excelente qualidade. A fita elástica intro¬duzida na parte abaixo da virilha, apenas ajustava a
parte exterior da coxa de forma a não prejudicar a circulação do sangue. Para o autor, o êxito
das cuecas justas da marca Jockey também teve conseqüências no restan¬te roupa, pois
permitiu que as calças fossem confeccionadas com cortes mais ajustados. “Em combinação
com as cuecas Jockey, adaptadas à anatomia do ho¬mem, as calças modernas ajustavam-se
pro-gressivamente mais.” (ROETZEL, 2000 p. 46).
Mais tarde, em 1944, outra marca americana, a Munsingwear, modificou a contronstrução
da parte frontal da cueca slip, tranzendo um bolso horizontal amplo e aberto. E chamou o
produto de Slip Kanguru, devido a relação com a bolsa do marsupial (figuras 9 e 10).

Figura 9: Anúncio da marca Munsingwear 1945 Figura 10: Ilustração do modelo slip Kanguru

O sucesso da slip Jockey não eliminou o modelo boxer. Seu uso passou a ser uma
questão de escolha, pois por mais conforto que a slip pudesse oferecer, para os adeptos da
boxer, ela era sempre apertada. As boxers tinham a vantagem de poder ser feitas sob medida
por um alfaiate, o que simbolizava uma questão de status.
De acordo com John de Greef (1989), nos anos de 1930, o raiom foi introduzido na

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produção de cuecas, uma novidade vendida sob a denominação de seda artificial. Outro
marco importante, foi a introdução dos Fasteners Gripper, um pequeno fixador de pressão.
A publicidade da Scovill Manufacturing Companyiv divulgada na Publication Unknown em
1937 (figura 11), anunciava as vantagem destes fixadores sobre os botões. Para isto usava
o depoimento de Ralph Guldohl e Sam Snead, dois jogadores premiados de golf, sobre a
facilidade dos fixadores na prática de esporte, pois estes ficavam embutidos, não faziam volume
e não machucavam. E de donas de casa, que destacavam que os grippers não quebravam, o
que acontecia constantemente com os botões comuns durante o uso ou a lavagem da peça.
A anúncio destacava ainda, marcas de underwear que usam seus Fasteners Gripper.

Figura 11: Anúncio da Scovill Manufacturing Company 1937.

A revista Life abriu uma nova era de foto jornalismo em 23 de novembro de 1936. Logo
Jockey, Scovill, Quickees entre outras empresas estavam utilizando fotografias em vez de linha
de desenhos em anúncios de suas roupas íntimas, como observado na figura acima.

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Na primeira metade da década de 1940 a inovação no underwear masculino permaneceu


estática. Benson & Esten (1996), destacam que isto ocorreu porque toda a energia americana
estava voltada para o esforço de guerra. A escassez causada pela guerra estava declarada
em um anuncio da marca Jockey que dizia: “Tio Sam precisa de borracha por isso o cós da
Jockey não é mais de elástico”. Neste momento viu-se o retorno do cós de tecido com dois
botões laterais. Mas a guerra também trouxe uma novidade à roupa íntima, a introdução do
conceito de cor. Para uma melhor camuflagem os soldados usavam cuecas verde-oliva, pois
observaram que as peças brancas chamavam a atenção do inimigo quando estavam para
secar. Em 1944 marca Zorba, entrou no mercado nacional e virou sinônimo de cuecas no
Brasil.
Após a guerra, a Cluett, Peabody & Co. Inc, desenvolveu e patenteou o “Sanforized”,
um novo processo de pré-lavagem que impede os tecidos de encolherem. Passam a
ser comercializadas cuecas com o tecido cortado em viés, que se adaptavam a todos os
movimentos. As inovações foram imediatamente adotadas pelos produtores mais importantes,
cada empresa buscava o seu reconhecimento de marca própria.
Segundo Joe Boxer (1995) o conceito de modernidade estava cada vez mais presente.
A revolução das cuecas começou em 1950, quando os fabricantes começaram a confeccionar
underwear estampados e coloridos. Depois de anos de roupas íntimas, simples e brancas, os
homens foram finalmente apresentados a opções variadas quando como mostra o anúncio da
marca Jockey na Look Magazine, como mostra a figura 12.

Figura 12: Anúncio de underwear estampado na década de 1950

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As inovações não se restringiram às cores, novos materiais como raiom, dracon, nylon,
lycra e o spandex entraram no mercado, mas o algodão ainda era o material mais usado. Já nos
anos de 1960 a busca por novos e melhores estilos de roupas íntimas causou uma propulsão
nas empresas de produtos químicos para aprimorar as fibras sintéticas, tornando popular
as cuecas em malha de nylon, ou poliamida. John de Greef (1989), afirma que a Du pont e
designers italianos criam novos produtos e as cuecas se tornam mais elásticas e menores.
Quanto às formas, a tangav e o fio dentalvi foram introduzidos como uma opção entre uma
nova geração de jovens determinados a desafiar o sistema. Também foram foi introduzidas
estampas de leopardo, tigre e estampas de zebra. Havia no mercado uma grande variedade
de produtos, oferecidos em materiais, modelagens, cores e estampas diferenciadas (figura
13), possibilitando que a escolha do underwear figurasse como uma expressão da identidade
de cada homem. Conforme Dario Caldas (1997) no final dos anos 1960, a maior parte dos
homens que seguiam um pouco as tendências de moda começaram a efetuar mudanças em
seu modo de se comunicar através da roupa e do corpo. Ainda na década de 1960 a marca
Zorba introduz o modelo slip no Brasil.

Figura 13: Anúncio Jockey Underwear da década de 1960.

Na década de 1960 ocorrem importantes modificações não apenas peças, mas


também na sua aprensentação ao consuminor. Expondo o corpo masculino de forma mais
explícita, sem que isto maculasse sua masculinidade, isto graças as mudanças sócio culturais
em curso. De acordo com Fernando de Barros (1997) o sentido de juvenilização e a cultura
jovem foram o fio condutor para as primeiras mudanças do masculino na década de 1960,
assimiladas principalmente pela moda, que quebra a visão conservadora de homem, que
começa a passar por transformações.

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Faz-se importante lembrar que qualquer relação estabelecida entre um grupo social
e os padrões estéticos que o identificam ocorra, é preciso que tais padrões sejam aceitos e
compartilhados pelos integrantes do grupo, mesmo se considerarmos que essa estética foi
forjada pela indústria da moda e imposta através da mídia. Assim, vemos que estas primeiras
mudanças no padrão de masculinidade foram possíveis por que estavam em sintonia com os
acontecimentos sócio-culturais vigentes, com destaque para cultura jovem.
Para Marco Sabino (2007) a clássica cueca samba-canção, com altura no meio das
coxas, nunca deixou de ser consumida, mas, nos anos 1970, passou a ser sinônimo de
“caretice” e uma peça adotada por pessoas mais tradicionais. Nesta época ganharam espaço
propagandas enfatizando a sexualidade do underwear, relacionando-o com a revolução sexual
em curso, o corpo masculino passou a ser mostrado de forma mais descontraída e jovial.
“Como nunca antes, os homens eram adorados como símbolos sexuais e, muitas vezes
expressava sua sexualidade recém-descoberta em boates popular conhecido como “discos”.”
(BOXER, 1995, p. 27). Quebraram-se tabus na representação masculina (figura 14), o homem
conservador, provedor da família e com foco no sucesso, pode ser substituído por um jovem,
alegre e sem muitas preocupações, que se permite tomar café em uma caneca tão colorida
quanto sua cuecavii. Parte do corpo da mulher vestindo uma camisola de seda e renda, que
aparece de costas, sugere que a felicidade no jovem também pode estar relacionada a suas
atividades sexuais, porém de forma muito sutil. Como o próprio titulo, “a great understatement
by Jockey” (um grande eufemismo por Jockey) indica. A figura feminina, mesmo que colocada
de forma secundária na imagem, auxilia no equilíbrio da publicidade, para que este homem
não seja percebido como gay.

Figura 14: Anúncio Jockey Underwear da década de 1970.

Há uma mudança significativa na tônica dos discursos que venda, os produtos além
de conforto passam a vender estilo, diversão, juventude, sensualidade e uma diversidade de

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modelos (formas, cores e materiais) criando diferentes opções e possibilidades de construções


visuais masculinas. Segundo Fernando de Barros (1997), na década de 1970 a palavra moda
passou a ser natural para os homens, que passam a escolher novas formas de identificação
a partir do vestuário. O autor afirma ainda que das mudanças introduzidas pela moda nesta
época, a variedade de cores e materiais foi a mais bem aceita na construção dos discursos
sobre o corpo masculino. “A “política do corpo” destacava-se como um dos símbolos de um
novo comportamento. “Permitir, liberar, experimentar” valia também para a moda.” (BAROS,
1997. p. 152)
Conforme Benson & Esten (1996), na década de 1980 a roupa íntima tornou-se
um produto de moda, com peças lançadas em coleções. Quase todas as marcas usavam
publicidade de atração “sexy”, com corpos masculinos e pouca roupa como seu principal
chamariz. Marco Sabino (2007), complementa que a Calvin Klein acabou entrando para a
História da Moda quando exibiu, em um outdoor em plena Times Square, Nova York, o atleta
olímpico Tom Hintnaus de torso nu e ana¬tomia perfeita vestindo apenas uma cueca (figuras
15 e 16).

Figura 15: Outdoor Calvin Klein na Times Square - NY 1982. Figura 16: Imagem aproximada

Observamos que a cultura de massa impulsionou novas representações do corpo, novas


concepções de masculinidade, além de novas lógicas sociais de compartilhamento coletivo,
de aparência, de prazer e de estética, como algo que se faz experimentar e compartilhar com
os outros. Conforme Semprini (2010), a “redescoberta” do corpo se dá a partir da década
de 1960, mas é de 1980 em diante que o corpo se tornou o protagonista da cena social e do

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consumo. A sua liberação progressiva de exigência e de censuras lhe permitiu se fazer notar
e reivindicar uma atenção cada vez maior. A dimensão do corpo também está associada às
lógicas das marcas, tornado-o suporte de múltiplas questões simbólicas. E essa dimensão
simbólica é ainda mais dominante nos territórios do adorno, da beleza e do erotismo, que
fazem do corpo um verdadeiro instrumento de socialização.
Toda esta ênfase no underwear masculino, fez com que o valor destas peças aumentasse
no mercado. Desde então, a Calvin Klein tem dominado o mercado da publicidade cuecas
com modelos como o Mark Wahlberg, ex-jogador de futebol Freddie Ljungberg, o ator africano
Djimon Hounsou, entre outros. Nos anos 1980, uma época em que o espírito lúdico tornou-se
tendência, a cueca samba-canção reapareceu como produto de moda, trazendo estampas
de bichinhos, personagens de Walt Disney e dos desenhos de Hanna Barbera. Este retorno
de formas amplas no underwear, influenciou também na roupa exterior, com o volume das
cuecas, as calças com pregas voltaram a moda. Em 1980 a marca Mash é lançada no Brasil.
Joe Boxer (1995), diz que nos 1990 o fenômeno “cueca de grife” tornou-se ainda mais
forte, e mais uma vez a marca Calvin Klein sai na frente, estampando seu nome no cós de
elástico das peças. Este ato transformou a relação do homem com seu underwear novamente,
a cueca passou de uma peça do vestuário que se escondia sob as calças para um produto
de moda, uma escolha de estilo de vida. Astros pop passaram a exibir o cós grifado de suas
cuecas e adolescentes passaram a optar por calças largas no quadril, estilo conhecido como
grungeviii (figura 17).

Figura 17: Anúncio da Calvin Klein Jeans mostrando o cós da cueca com a marca.

Também nesta época, a lojas de varejo começaram a vender cuecas tipo short mais
ajustados, conhecida nos Estados Unidos como boxer briefs ou midle boxers. Aqui no

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Inovação em design na história do underwear masculino

Brasil estas peças são o que chamamos de cueca boxer. Em 1991 a marca Lupo lança
uma linha íntima masculina no mercado nacional. Nos anos 1990 a lingerie masculina evoluiu,
principalmente no que diz respeito aos materiais e técnicas de produção. As inovações das
malhas, naturais e químicas, possibilitaram o desenvolvimento de produtos voltados para usos
específicos, inclusive para diferentes práticas de esporte. O maior destaque ficou com as
peças em microfibra e com costuras invisíveis.
No século XXI, as inovações continuaram com foco nos materiais e acabamentos,
buscando cada vez mais, unir beleza e conforto. As peças sem costura ganharam uma boa fatia
do mercado. A partir dos anos 2000 vemos um número crescente de inovações no mercado
nacional, as empresas brasileiras investem em tecnologia para produzir novos produtos e se
tornam lançadoras de tendências para o mercado mundial. Segundo Márcia Mariano (2006),
a marca gaúcha Upmanix foi a primeira marca a lançar uma cueca em fibra de bambu, com
propriedades bactericidas e anti-odor, além de modelos dupla face e peças perfumadas no
Salão da Lingerie em São Paulo, em agosto de 2006.
O status de artigo fashion e moderno do underwear masculino de hoje, levou a uma
série de modismos. Seguindo as tendências de moda a Zorbax, lançou em 2009 quatro novos
modelos de cuecas, voltados para diferentes públicos. A Boxer Silver dirigida aos jovens, com
elástico mais largo, de 40 mm de largura para ser exibido por fora da calça. ZBoxer Extreme
Action, confeccionada em microfibra, tecido que facilita a transpiração e tem secagem rápida,
além de proporcionar ajuste perfeito ao corpo; Boxer Extreme Nitro com predominância do
algodão, resultando em um produto com ênfase no conforto; e Slip Seamless Algodão, que
utiliza a tecnologia sem costura, proporcionando muito mais liberdade de movimento no dia-
a-dia. Outra novidade foi o lançamento da Zorba Orgânica, desenvolvida especialmente para
os consumidores preocupados com a preservação do meio ambiente.
As tendências mundiais alertam para necessidade de preservação do ambiente. Além
dos teóricos da área, vemos esta informação começa a ser disseminada também para o
público em geral. E o design é apontado como um dos grandes possíveis mediadores da
sustentabilidade. Mas para que isto aconteça é necessário que haja mudanças também nas
formas de compreender, ensinar e fazer design. Para Silva & Santos (2009) a sustentabilidade
mediada pelo design, depende de uma abordagem ampla e integrada das competências
do designer, passando pela modificação projetos voltados para os produtos para projetos
sistêmicos, que valorizem requisitos ambientais, sociais, culturais e, sobretudo éticos. Atentas
às novas tendências, as empresas estão buscando desenvolver produtos a partir de processos
e materiais mais limpos.
Dentre as inovações sustentáveis podemos destacar ainda, a cueca de malha PET da
marca D’Uomoxi, que utiliza onze garrafas PET de dois litros para produzir um quilo de malha
PET, suficiente para criar dezesseis cuecas, figura 18.

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Figura18:Anúncios da cueca de malha PET da marca D’Uomo.

E a cueca feita de fibra de bananeira lançada pela marca australiana Aussiebumxii


(figuras 19 e 20). Os produtos são confeccionados com uma malha composta de 27% fibra
de banana, 64% algodão e 9% elastano, para garantir ao consumidor conforto e flexibilidade.
Preocupada com os consumidores cada vez mais exigentes e que também levam em conta a
sustentabilidade ecológica e econômica, a empresa garante que as peças da linha “Banana”
são extremamente macias, maleáveis, leves e têm grande poder de absorção de água. Além
da utilização de tecido tecnológico que evita o uso de outros materiais que são normalmente
empregados na confecção de roupa íntima e que agridem o meio-ambiente. Pois, a fibra de
banana tem um bom brilho, é leve, resistente, tem ótima absorção de umidade e é considerada
uma das mais ecologicamente corretas. E as cuecas de fibra de bananeira, não requerem
cuidados diferentes da maioria das roupas íntimas, devem ser lavadas em água fria, sem
alvejantes, seco à sombra e passadas com ferro frio.

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Figura 19: Foto do desfile Figura 20: destaque da cueca da linha “Banana” – Aussiebum

Mas o investimento em tecnologia para underwear mais inovador é o aplique de GPS


às roupas íntimas. A marca Lindelucyxiii desenvolveu uma cueca em algodão, no modelo boxer,
com recortes e bolsos e o GPS é um acessório que acompanha a cueca, figuras 21 e 22.

Figura 21: Foto do desfile Figura 22: destaque da cueca com GPS - Lindelucy

O aparelho tem a função de rastreamento, através de satélite, isso se o usuário desejar


ser encontrado, caso contrário ele também poderá ser desligado. O GPS traz também o botão
de pânico, que pode ser acionado em caso de qualquer emergência ou eventualidade.

Conclusão
Acreditamos que o homem burguês voltou seu primeiro pensamento para roupas
íntimas quando viu em seu acumulo um valor simbólico, uma forma de diferenciação e de
status. Mas, os aspectos funcionais foram pela maior parte do tempo, no decorrer da história
da roupa íntima, o fator principal da modificação das formas e dos materiais destes produtos,

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visando a usabilidade e o conforto, porém estas não são mais as únicas preocupações do
mercado.
Atualmente existem diversas marcas que comercializam roupa interior masculina de
grande qualidade, unindo aspectos de funcionalidade às tendências da moda e à qualidade
do design. São utilizados na confecção desta peças diversos tecidos, padrões e modelagens
anatômicas. Tecnologias modernas na confecção foram agregadas ao produto final, permitindo
uma sensação de maciez, toque suave e elasticidade na medida certa. Mas, acima de tudo a
partir dos anos de 1960, e com maior ênfase no anos 1980, observamos início de uma forma
de apresentação do underwear e da representação do corpo masculino, buscando introduzir
elementos simbólicos contidos no discurso da moda que passa a vender um estilo de vida e
não uma peça de roupa do vestuário.
Cada vez mais presente, em maior quantidade e variedade de modelos, no guarda-
roupa masculino, as cuecas evoluíram com o tempo e ganharam adeptos que antes não se
preocupavam com o que vestiam por baixo de suas roupas. Hoje, o homem está mais atento
aos produtos que o deixam mais bonito e confortável, e autoconfiante.
Constantes inovações e elementos de design foram agregados à roupa íntima no
século XX. Destacando primeiro, as questões de usabilidade e conforto, dando ênfase à
função prática do produto. E chegamos ao século XXI com peças diferenciadas, bonitas,
tecnológicas, versáteis e confortáveis. Neste processo foram atribuídas as funçõesxiv estéticas
e simbólicas, tornando o underwear um verdadeiro produto de design e de moda.

Notas
i Duofold – tecido feito com duas camadas de lã entrelaçada proporcionando isolamento contra o frio
e separando o suor do corpo.
ii O modelo boxer americano, parece-se com o que conhecemos como samba-canção. Já o que
chamamos de boxer corresponde ao midle-boxer americano.
iii A Jockey Breif ® ou slip Jockey é o modelo que conhecemos como cueca slip.
iv Empresa que criou e patenteou o Fastener Gripper.
v Tanga – modelo de cueca pequena com duas partes de malha unidas na entreprenas são presas a
uma cintura de elástico.
vi Fio dental – modelo de cueca com a parte traseira muito pequena.
vii A frase “que se permite tomar café em uma caneca tão colorida quanto sua cueca” foi escrita para
indicar mais uma quebra de convenções no padrão familiar vigente, onde a família ao acordar se reúne
à mesa para tomarem o café juntos, provavelmente em louças tradicionais. Busca-se mostrar aqui o
rompimento com a forma convencional de ver homem na sociedade patriarcal, em consonância com
os acontecimentos vigentes.

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viii O estilo grunge aparece nos anos 1990 como um movimento de anti-moda, baseado no estilo
de rock do mesmo nome. Nos anos 80, a moda também se apropriou largamente da anti-moda-
punk. A inspiração para a moda grunge era a classe proletária de Seattle, com roupas muito largas
e desleixadas, muitas vezes doadas, um ícone desta moda é camisa xadrez semelhante a usada por
lenhadores.
ix www.upman.com.br
x www.zorba.com.br
xi www.cuecasduomo.com.br
xii www.aussiebum.com
xiii www.lindelucy.com.br
xiv Löbach (2001), fala que um produto de design apresenta três funções básicas: a função prática,
ligada a finalidade de uso do produto, bem como sua adequação às necessidades fisiológicas de uso
como segurança, conforto e facilidade de uso. A função estética se refere aos aspectos psicológicos da
percepção sensorial durante o uso, tem como principal atributo a fruição da beleza e esta subordinada
a aspectos sócio-culturais e ao repertório de conhecimento do usuário. E a função simbólica, a
mais complexa, de acordo com autor, tem como fundamento o aspecto estético-formal do produto
reforçado pela base conceitual das dimensões semióticas. Envolve fatores sociais, culturais, políticos
e econômicos e, também, associa-se a valores pessoais, sentimentais e emotivos. A função simbólica
revela-se, sobretudo, por meio dos elementos configuracionais de estilo. Para mais informações ver
LÖBACH, Bernard. Design industrial: bases para configuração dos produtos industriais. Rio de Janeiro:
Blücher, 2001.

Referências
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Resumo
O presente artigo propõe uma reflexão sobre o valor do traje
moderno na herança cultural da moda contemporânea. Através
de um estudo a respeito da existência do terno, há cerca de
dois séculos, bem como dos significados sociais que a ele são
atribuídos, o objetivo deste trabalho é discutir como a moda
contemporânea dialoga com a tradição do terno sob medida e de
que maneira essa tradição se perpetua até os dias de hoje.

Palavras-Chave: valor simbólico; terno; moda; herança cultural

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O terno: questões e reflexões

Introdução
No momento em que o corte masculino clássico, conhecido por alfaiataria, foi criado,
em meados do século XIX, as técnicas manuais e artesanais de produção ainda eram um
dos únicos, senão o único recurso para a construção do vestuário da época. Tal limitação,
considerando as inúmeras possibilidades produtivas advindas da era industrial que hoje nos
são comuns, fez nascer algo que há muito se perdeu, de um valor imensurável, de uma poesia
que agrada aos olhos e ao espírito: a autenticidade.
O que chamamos de “autêntico” está, naturalmente, atrelado à exclusividade. A roupa
feita sob medida, possui características que a determinam como única, e a ela é atribuído um
valor que vai muito além de sua materialidade, um valor que refere-se a sua autenticidade.
A definição de aurai, proposta por Walter Benjamin, facilita a compreensão do que
chamamos de autenticidade. Aqui, esse conceito está relacionado ao objeto único para um
corpo único. O terno entra em cena para ilustrar essa relação entre objeto e corpo, entre
roupa e memória.

Pode resumir-se essa falta no conceito de aura e dizer: o que murcha na era da
reprodutibilidade da obra de arte é a sua aura. O processo é sintomático, o seu
significado ultrapassa o domínio da arte. Poderia caracterizar-se a técnica de
reprodução dizendo que liberta o objeto do domínio da tradição. Ao multiplicar
o reproduzido, coloca no lugar de ocorrência única a ocorrência em massa.
(BENJAMIN, 1992, p. 79)

Nesse sentido, perceber o valor intrínseco inerente ao ternoii sob medida, facilita
a continuidade de nosso estudo para a compreensão dos seus valores simbólicos e dos
significados que lhe foram atribuídos, e que, em grande medida se mantém até os dias de
hoje.
A mudança de valores proveniente da transição da peça única, feita sob medida, para
a peça reproduzida em larga escala, com o advento da reprodutibilidade, gerou uma série
de transformações no comportamento do consumidor e na maneira como ele passa a se
relacionar com as peças de roupa. Compreenderemos quais são os signos que o terno carrega
que nos remetem à sua tradição e origem e que, mesmo diante de suas adaptações, de sua
apropriação pelo vestuário feminino, de seu caráter formal e permanentemente evolutivoiii , se
perpetua e se relaciona tão intimamente com a pluralidade da moda contemporânea e com a
fragmentação de nosso tempo.

Valor simbólico do terno


Foi-se o tempo em que a funcionalidade de um produto bastava para que este fosse
consumido. O design centrado no objeto e voltado única e exclusivamente para atender a

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O terno: questões e reflexões

critérios objetivos de seu consumidor, dá lugar ao design centrado no ser humano, o que
significa grandes mudanças na pós-modernidade. Nasce uma preocupação com a maneira
através da qual vemos, interpretamos e convivemos com os artefatosiv . A materialidade dos
signosv que envolvem o objeto, em especial, o terno, passam a ser de suma importância.

Os símbolos são os instrumentos por excelência da integração social:


enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação, eles tornam
possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui
fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração lógica é a
condição da integração moral. (BOURDIEU, 2009, p.10)

Em uma sociedade industrial onde os objetos são programados para serem obsoletos
em um tempo determinado, o terno continua a se afirmar como um objeto clássico, atemporal.
Os artefatos que povoam nossos corpos não o fazem mais pela nossa necessidade e sim,
pelos elementos simbólicos que a eles atribuímos. Além de forma e função, passam a ser
recheados de significados que definem o lugar social do indivíduo. Nossos pertences nos
revelam, são a extensão de nossos desejos e escolhas e, porque não, de nossos corpos,
compondo nossa identidade.
Segundo Cardoso (1998), devemos considerar que os produtos desenvolvidos a partir
de um determinado processo podem ser investidos de significados que não são restritos aos
percebidos através da sua natureza. Os seus produtos não oferecem apenas soluções para
necessidades objetivas dos usuários, já que estes também possuem necessidades subjetivas,
provenientes de seus desejos, anseios e expectativas. Logo, um objeto adquire significados
que vão além de suas questões estruturais e funcionais, e cumpre assim variadas funçõesvi.

O terno apresenta, desde seu nascimento, características simbólicas que até


hoje são vigentes. Expressam masculinidade, mas não restringem o corpo
como a armadura ou gibões da Renascença. Possui caimento fácil e esconde
a superfície do corpo de modo bastante completo, o que o faz ter a reputação
de inexpressivo, em uma época de músculos trabalhados e quase nudez dos
corpos. (HOLLANDER, 1996, p. 144-145)

O terno faz surgir um imaginário que atrai quem o porta e, gradualmente, constitui um
padrão de vestuário civil para o mundo inteiro, sugerindo competência, articulação, prudência e
desprendimento. O traje permanece sexualmente poderoso e com sua força intacta, dividindo
a cena com outras maneiras de vestir, mas permanece como “um espelho da moderna
auto-estima masculina”, nas palavras de Hollander (1996, p. 76). De acordo com a autora, o
terno possui um caráter abstrato e apresenta uma mensagem de continuidade formal que é
profundamente satisfatório no mundo contemporâneo, por isso o seu não desaparecimento e
a mudança do seu campo de atuação também para o universo feminino e casual, o que trouxe

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O terno: questões e reflexões

transformações em seus diversos significados. Para a mesma autora, se trata de um objeto


de circulação social, que transita em espaços e tempos variados e através dele percebemos
as relações que permeiam sua trajetória. Sua longevidade se dá pelo fato de a alfaiataria
masculina mostrar a autoridade, a força simbólica e emocional dos valores de perpetuação,
além de permanecer a mesma enquanto passa por mudanças internas constantes e, diante
deste cenário, em vez de perder força ou aceitação, adquire maior virtude e nova valorização
ao longo de sua vida. Os ternos masculinos feitos nos moldes da alfaiataria provam ser
infinitamente dinâmicos e detentores de um vigor elegante próprio.
A permanência do terno deve-se também ao fato de que as roupas são uma espécie
de memória, uma segunda pele que nos faz reviver sensações, nos faz lembrar, nos remete e
nos representa. O terno foi culturalmente e socialmente moldado, transformando-se quando
necessário, mantendo sua estrutura original por ser essa a principal emissora dos significados
que nele estão impregnados.

O poder particular da roupa para efetivar essas redes está estreitamente


associado a dois aspectos quase contraditórios de sua materialidade: sua
capacidade para ser permeada e transformada tanto pelo fabricante quanto
por quem a veste; e sua capacidade para durar no tempo. (STALLYBRASS,
2000, pg. 65)

Ao terno são atribuídos significados de diversas naturezas. Sabemos que a base estética
que deu origem ao ideal moderno de elegância masculina procurou imitar a elegância e a
eficiência da natureza clássica. De acordo com Richard James, alfaiate inglês de Savile Row,
o homem expressa-se através de seu terno. Por ser a roupa mais masculina que já se viu e
de uma versatilidade significativa, capaz de trazer anonimato e, ao mesmo tempo, visibilidade
àquele que o veste, demonstra respeitabilidade e define, quase sempre, os acessórios que o
acompanham.
Na reflexão de Nicholas Antongiavanni (2006), o terno é para o homem o que sua casa
é para sua vida, ou seja, é, de certa forma, um abrigo, uma proteção para o corpo e uma
armadura diante das relações sociais que se estabelecem. Veste-se um uniforme de batalha,
um uniforme que assemelha e distingue ao mesmo tempo, sempre com o intuito de proteger,
resguardar e ao mesmo tempo, exaltar as características daquele homem.
De fato, há algo no vestuário masculino que o torna mais moderno. Talvez por possuir
uma superioridade estética, uma “maturidade” em seu design extremamente satisfatória. Suas
formas são visivelmente mais avançadas, e estabeleceram, dessa maneira, a permanência
do terno durante tantos anos nos códigos do vestir. Ele é associado, por tais motivos, ao
poder, à capacidade intelectual, à seriedade e ao profissionalismo. Isso pode ser comprovado
pela apropriação feminina do vestuário masculino, quando estas precisam emanar maior
credibilidade e competência profissional. Com maior ou menor deliberação, segundo Simmel,

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O terno: questões e reflexões

“o indivíduo cria, muitas vezes, para si mesmo uma conduta, um estilo que se caracteriza
como moda pelo ritmo de sua manifestação, de seu fazer-se valer e sobressair” (2008, p. 47).
O desejo dos homens de parecerem descontraídos marcou todo o desenvolvimento do
terno. O conceito de “moderno” significava uma forma abstrata sugerindo um envelope que se
ajustava folgadamente ao corpo, demonstrando seu caráter confortável e utilitário. Esse ideal
masculino era feito de partes separadas, dispostas em camadas e destacáveis com braços,
pernas e troncos visivelmente indicados oferecendo grande mobilidade física e ajustando-se
ao corpo estático e em movimento.
Segundo Hollander (1996), desde 1800, as roupas masculinas mostravam-se variáveis
e expressivas, fluidas e criativas. A diferença, no entanto, é que surgem de maneira consistente.
Os detalhes modificam-se constantemente mas sua estrutura se mantém a mesma. O paletó
tradicional, por exemplo, se mantém, o que muda são suas lapelas, seus detalhes como
botões, bolsos, etc.
O itinerário percorrido pela indumentária masculina, de acordo com Gilda de Mello e
Souza, em vez de estar sujeito a ciclos, a um ritmo estético de expansão de um determinado
elemento decorativo levado ao limite máximo, se simplifica progressivamente, tendendo a
cristalizar-se num uniforme (1987, p. 64).

Da era artesanal à era industrial: adaptações


Há dois séculos o terno se faz presente no complexo contexto da moda, se adaptando
como lhe é possível às suas incansáveis mutações e renovações. A alfaiataria, da mesma
maneira, em meados do século XIX, vê-se diante de um novo cenário produtivo proveniente
da Revolução Industrial, passando por inúmeras mudanças que marcariam para sempre
sua história. A invenção da máquina de costura, há mais de 150 anos, marca o início de
um período de transformações, diminuindo consideravelmente o trabalho, para muitos
considerado enfadonho e cansativo, de costurar à mão, gerando maior eficiência produtiva.
Para a alfaiataria, o uso do maquinário representou uma maneira de otimizar o trabalho e
conferir-lhe maior precisão e qualidade, além da possibilidade de se produzir em massa,
gerando maior acessibilidade.

A mecanização do trabalho é o outro grande fator que define a industrialização,


e uma série de inovações tecnológicas entre o final do século 18 e início do
19 foi permitindo o aumento constante da produtividade na indústria têxtil a
custos cada vez menores em função da rapidez da produção e da diminuição
da mão-de-obra. (CARDOSO, 2008: 27)

De acordo com Hollander (1996), ao longo do século XIX, o prestígio da roupa sob
medida se mantinha na Inglaterra e na França, enquanto as roupas prontas para vestir
despontavam nos EUA. A indústria do pronto para vestir desenvolveu-se naturalmente neste

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O terno: questões e reflexões

contexto, melhorando significativamente a sua qualidade. O vestuário sob medida perde a


dimensão de uma arte para a maioria da população, para se circunscrever a uma clientela
cada vez mais selecionada, exigindo uma nova relação entre o alfaiate e o cliente.
A industrialização trouxe novas possibilidades e flexibilidade em relação à novas técnicas
produtivas, como foi dito, à modelagem das peças e à própria execução, além de inaugurar
o nascimento do que entendemos hoje por design. Os trajes produzidos em massa foram
criados com um padrão tão alto de design, que chegaram a ser comparados com aqueles
estabelecidos pela alfaiataria de antes (HOLLANDER, 1996).
As exigidas transformações pelas quais a alfaiataria passou, não se limitam, no entanto,
apenas ao aspecto produtivo. Ocorreram mudanças no comportamento do consumidor.
Houve uma transferência de responsabilidades: o alfaiate que confeccionava a roupa sob
medida tinha um olhar crítico pelo cliente, afinal tinha que manter o status de bom profissional.
A roupa pronta para vestir, por sua vez, passa somente pelo crivo do cliente, que estabelece
seus padrões estéticos pessoais, sendo o único que pode julgar o caimento e a qualidade do
traje que irá adquirir. O ato de comprar se tornou corriqueiro, o acesso aos produtos, muito
mais possível, fazendo com que a experiência de compra do consumidor se tornasse bastante
diferente da antiga experiência, onde esperar semanas ou meses por um traje, era normal e
aceitável.
Como as roupas eram feitas de maneira exclusiva, não pensava-se em um padrão único
de medidas e nem em um design que atendesse a todos. A fita métrica como conhecemos
hoje, dividida em centímetros, foi inventada pelos próprios alfaiates, em 1820, com a finalidade
de se produzir mais de um traje por vez. Antes disso, cada cliente tinha sua própria tira de
medidas, com marcações específicas para seu corpo. Observou-se, no entanto, semelhanças
nas proporções de alguns corpos masculinos, e que, dessa maneira, seria possível produzir
várias peças ao mesmo tempo, para corpos semelhantes (HOLLANDER, 1996, p. 137).
Toda a ostentação que antecedeu a Revolução Francesa foi substituída pela simplicidade
e pelo conforto da era industrial. O vestuário masculino tornou-se mais sóbrio, influenciado por
pela moda inglesa. Essa simplicidade se estende até os dias de hoje. O cenário contemporâneo,
de roupas feitas em larga escala, permitiu que bons ternos, trajes antes restritos a camadas
sociais abastadas, tivessem maior flexibilidade, se adequando às mudanças produtivas e às
exigências de seu público cada vez mais diverso.
Mesmo com as constantes mudanças de gostos e ideais, relativas à moda, as formas
da alfaiataria masculina ganham força e valorização ao longo de sua vida e nos servem até os
dias de hoje, sendo periodicamente remodeladas pela moda.
O advento da industrialização e a incapacidade de competir com a rapidez de produção
e os baixos preços das lojas, tornou o serviço do alfaiate caro e de elite. A roupa pronta para
vestir ganhou visibilidade por ser cada vez mais comum e mais barata. Os avanços tecnológicos
contribuíram para a disseminação do prêt-à-porter, possibilitando um aumento significativo

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O terno: questões e reflexões

no padrão de qualidade das roupas prontas. O resultado: alfaiates antes imprescindíveis na


sociedade, encontravam-se em vias de extinção.
Esses profissionais resistiram por algum tempo por serem ainda necessários nas
fábricas que se formavam. Precisavam ensinar a técnica e os segredos da alfaiataria para
que a confecção em larga escala pudesse acontecer. Mas por volta de 1940, os alfaiates
que monitoravam as fábricas foram substituídos por administradores e, a partir de 1950, as
mudanças trouxeram uma redução no trabalho humano resultando em uma queda no tempo
de produção e na melhoria da qualidade dos produtos (MUSGRAVE, 2009).
A produção em série desencadeou o início da extinção das alfaiatarias, no entanto,
outros fatores têm contribuído igualmente para esse fato. Um dos maiores problemas que
impedem a perpetuação do ofício do alfaiate é a falta de continuadores nos ateliers. A imagem
pouco atrativa que as alfaiatarias foram adquirindo, gerou desinteresse das camadas mais
jovens que possivelmente, garantiriam sua continuidade. Além disso, para agravar ainda mais
o quadro, se trata de uma profissão que exige um longo período de aprendizagem e não
oferece uma estrutura organizada de formação profissional.
A situação descrita, acaba por prolongar uma crise generalizada na atividade. Os
poucos alfaiates qualificados, por serem raros, encontram sempre empregos sem dificuldade,
mas os jovens, cada vez mais desinteressados, preferem atividades relacionadas ao prêt-à-
porter, onde são mais restritos, com menos possibilidades de expressão da sua criatividade,
mas também auferem, em geral, melhores salários do mercado de moda. Os jovens querem
estudar ou optam por trabalhar em atividades que lhes pareçam mais atrativas e com mais
possibilidades de progressão. Optam, por exemplo, pela área de estilismo, ao invés da área
de alfaiataria.
A resposta aos desafios que hoje atravessa esta profissão, que se passa pela formação
profissional, não pode ser desligada de uma adequada promoção que restitua antes de mais
nada o seu prestígio, de forma a ser assumida como uma arte entre outras artes.

Considerações finais
Pensar a moda é pensar o corpo e suas possibilidades. O corpo como suporte, dialoga
com o terno desde o seu surgimento, e este constrói sobre aquele variadas formas e sentidos,
gerando significações sociais e culturais na história da moda.
A moda, segundo Hollander, “ao enfatizar a proposta de um corpo individual, ilustra a
idéia de que a sexualidade, com sua dependência da fantasia individual e da memória, governe
a vida de cada pessoa” (1996, p. 51). Para Castilho, “O corpo sempre se oferece como suporte
gerador de significação, articulador de um discurso que permite a ação da plasticidade da
decoração corpórea nas situações de interação, presentificação e representação pelo contato
que determina valores positivos e negativos que podem ser, em linhas gerais, polêmico ou
contratual, implícito ou explícito” (2005, p. 141).

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O terno: questões e reflexões

Nas palavras de Castilho, “quando utilizados pelo grupo masculino, certos trajes
assumiam significados específicos, como a glória na hierarquia militar, civil ou religiosa. No
conjunto, a indumentária masculina conferia aos homens o poder, a grandeza, a riqueza, a
dignidade no contexto de uma determinada coletividade” (2005, p. 115).

O sujeito, assim, constrói um discurso sobre o seu corpo, que lhe dá


competência para protagonizar diferentes programas narrativos que se
manifestam pela composição e articulação das formas constitutivas de sua
proposta de parecer, e, com isso, poderá atuar em diferentes papéis no
contexto social. (CASTILHO, 2004, p. 183)

Em concordância, na reflexão de Simmel: “Este significado da moda é o que a leva a


ser adotada por homens refinados e originais: utilizam-na como máscara. A obediência cega
às normas do geral em tudo o que é exterior é para eles o meio consciente e deliberado de
reservar a sua sensibilidade e os seus gostos pessoais; querem a tal ponto guardar estes para
si que se opõe a uma exibição que os tornaria acessíveis a todos” (2008, p.43).
Vemos, dessa maneira, que, através do diálogo entre a moda e o corpo, o terno é capaz
de gerar inúmeras significações ou re-significações que perpassam aspectos sociais, sexuais,
estéticos, entre outros. O antagonismo de sentidos relacionado à busca pela individualização
e, simultaneamente, pela aceitação social, acompanham a evolução do traje moderno.

NOTAS
i “Manifestação única de uma lonjura, por muito próxima que esteja”. (BENJAMIN, Walter. Sobre Arte,
Técnica, Linguagem e Política. Relógio D’Água Editores, 1992. p. 81.)
ii Os termos “terno” ou “traje” são utilizados para nomear o conjunto clássico de paletó, calça e colete,
originado no século XIX.
iii HOLLANDER, Anne. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Rio de Janeiro: Rocco,
1996. (p. 14)
iv Palestra proferida pelo Prof. Klaus Krippendorff durante o P&D Design 2000 (IV Congresso Brasileiro
de Pesquisa e Desenvolvimento em Design), realizado em outubro de 2000, na FEEVALE, Nova
Hamburgo – RS.
v BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos Ed.; Lisboa: Ed. 70, 1995. (p.
58)
vi DENIS, Rafael Cardoso. Design, cultura material e o fetichismo dos objetos. Artigo, 1998.

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O terno: questões e reflexões

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Design, Arte, Moda e Tecnologia.


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ner de moda
Profissão: desig
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José Carlo
sp.br
placido@faac.une

Resumo
Este estudo é o resultado de uma investigação de natureza
bibliográfica que busca apresentar algumas definições para o
design, retratar a profissão “designer” na atualidade e relatar as
principais vertentes que vem surgindo com a difusão das escolas
de ensino superior nessa área de conhecimento, especialmente o
design de moda.

Palavras-Chave: design; profissão e design de moda

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Profissão: designer de moda

Introdução
A origem do profissional de design remonta ao século passado, influenciado
principalmente pela Revolução Industrial e pela contribuição das vanguardas artísticas que
assumem a estética da máquina, incorporando-a as suas criações.
Dorfles (2002) afirma ser errado defender que o design sempre existiu, pois segundo o
autor, uma das premissas básicas para que um elemento seja pertinente ao design industrial é
que ele seja produzido de modo industrial e mecânico, exclusivamente e, assim, seja passível
de repetição em série, o que não acontecia antes do advento da máquina.
Portanto, podemos considerar o inicio do design em conjunto com o advento da
máquina e na produção de objetos pelo homem.
Ainda na atualidade, descrever uma definição clara e axiomática do design é quase
impossível do ponto de vista de alguns estudiosos. O design é um termo muito citado, porém
ainda não completamente compreendido em relação ao seu conceito. O número infinito de
pensamentos ligados a essa atividade faz dessa profissão uma área incompreendida e sem
definições para grande parte da sociedade.
Ainda falta reconhecimento do design como área e a contribuição específica que ele
tem a dar para a cultura em geral e para a brasileira em particular. Stolarski apud Junior, (2006)
afirma que o problema não é o preconceito, mas sim falta de informação: “o design é muito
comentado e celebrado, mas nunca se sabe direito o que quer dizer a palavra. Assim, o termo
acaba por virar sinônimo de “luxo”, “arte”, “sofisticação”, que estão muito distantes de dar
conta do que a atividade faz”.
Juntamente com esse panorama de desinformação sobre o verdadeiro significado de
design encontra-se uma difusão de novos cursos com diversas abrangências e especialidades
das áreas de atuação do design.
O design de moda é uma dessas áreas que vem destacando-se no panorama atual. O
design de moda cria produtos para produzir experiências significativas nos corpos, em tecidos
e roupas são trabalhadas formas, silhuetas e texturas que produzem experiências sensoriais
e por sua vez criam percepções diversas nas pessoas. Os objetivos e procedimentos da
concepção do vestuário assemelham-se ao processo de desenvolvimento de objetos
de design, pois consideram a importância da metodologia de projeto e da satisfação das
necessidades e anseios dos usuários.
Nesse sentido, Feghali e Dwyer (2001, p.103) definem:

Designer de moda é o profissional que define a cara de uma coleção,


independentemente do mercado a ser atingido. Pode ser empregado em
uma empresa ou trabalhar como autônomo. [...] Durante o processo de
criação, ele leva em conta não só os aspectos artísticos e sociais, mas
também a necessidade de atender às tendências de marketing e aos

Design, Arte, Moda e Tecnologia.


São Paulo: Rosari, Universidade Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 368
Profissão: designer de moda

avanços técnicos da indústria, uma vez que a cada estação, ocorrem


mudanças no que se refere às cores, aperfeiçoamento de tecidos, linha
de produção, capacidades e preços.

Desta forma, este artigo tem como objetivo apresentar algumas definições sobre o
design, relatar as principais vertentes que vem surgindo com a difusão das escolas de ensino
superior nessa área de conhecimento, entre elas o design de moda, foco desta pesquisa.

Design
A raiz da palavra design em inglês tem origem da palavra latina designare, que também
dá origem na nossa língua às palavras desejo, desenho e designo (ARRIVABENE, 2009). Essas
palavras juntas auxiliam na compreensão deste termo. Por desejo, entende-se o potencial que
o design possui de despertar o interesse e de agregar valor. Por desenho, a preocupação
estética, forma, beleza e a comunicação visual. E designo, a funcionalidade, ergonomia,
preocupação com o usuário e principalmente a atividade projetual.
A palavra Design tem sido empregada desde o ano 1580, mas sua primeira acepção
foi documentada em 1588 no Oxford English Dictionary, que o definia como “um plano ou
um esboço concebido pelo homem para algo que se há de se realizar, um primeiro esboço
desenhado para uma obra de arte ou um objeto de arte aplicada, necessário para a sua
execução” (PIRES, 2008, p.96).
A partir do século XX, novas definições mais complexas para o termo foram traçadas,
e o design foi sendo configurado, cada vez mais, como um processo projetual. O design
hoje, enquanto uma atividade engloba inúmeras áreas de trabalho e pesquisa, que tiveram,
inclusive, percursos históricos diferentes, os quais só cruzaram-se quando o perfil do design
como uma atividade multidisciplinar foi traçado.
As definições atuais para o termo situam as atividades do design num patamar ainda
mais abrangente. Diversos autores, entre eles Niemeyer (2000), Pires (2008) e Cardoso (2004),
entende-se o design como sendo o conjunto de atividades teóricas e práticas que objetivam
o desenvolvimento de projetos industriais, que por sua vez, têm como finalidade a realização
de produtos ou serviços que buscam suprir as necessidades humanas. Lobach (2000, p.22)
define design como “o processo de adaptação do ambiente artificial às necessidades físicas
e psíquicas dos homens na sociedade”. Sendo assim, o design deve estar relacionado com
todas as dimensões do produto, sejam elas funcionais, estéticas ou simbólicas.
O design também deve atuar em todo o ciclo de vida do produto e não apenas na sua
concepção - desde a sua criação, até a fabricação, distribuição, uso e descarte. Segundo
definição do International Council Design of Societies of Industrial Design (ICSID, 2008) o
design é uma atividade criativa cuja finalidade é estabelecer as qualidades multifacetadas de
objetos, processos, serviços e seus sistemas, compreendendo todo o seu ciclo de vida.

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Profissão: designer de moda

Assim, hoje o design pode ser entendido como uma atividade multi e interdisciplinar,
que permeia todo o processo destinado à reprodução industrial realizando a manipulação de
um conjunto de conhecimento e informações de ordem técnica, ergonômica, psicológica,
mercadológica, estética, econômica e cultural, gerando alternativas, até o encontro de uma
solução final para o produto. É um trabalho de caráter multidisciplinar, onde diversas áreas do
conhecimento relacionam-se, de acordo com a natureza do projeto, contribuindo para uma
solução final em termos de produto.

A profissão
No Brasil, a profissão designer não é regulamentada, embora ela conste no Catálogo
Geral de Profissões do Ministério do Trabalho (ESCOREL, 1999). Existem, no entanto,
associações profissionais, de caráter cultural e representativo.
Cursos especializados têm sido abertos todos os anos, o que gera um aumento
significativo da oferta de mão-de-obra. “O aumento da porcentagem de profissionais formados,
por sua vez, coincidiu com a chegada do computador que revolucionou a maneira de projetar
e produzir, acarretando, entre outras coisas, uma redução substancial dos preços cobrados”
(ESCOREL, 1999, p.92).
O avanço da tecnologia e da informação facilitou o acesso ao uso de certas ferramentas
do design, e neste panorama surgiram os famosos “micreiros” – profissionais capazes de
operar os softwares, porém sem formação suficiente para realmente aplicar a tecnologia,
usando-a muitas vezes de forma aleatória.
Muitas pessoas e empresas contratam este “designer” para desenvolver seus trabalhos,
pelo valor que normalmente é cobrado por esse profissional – abaixo do custo real – ou
pelos prazos ou pelas facilidades que eles oferecem ao cliente. “Por vezes, estes clientes
relatam posteriormente que o gasto foi ainda maior que se tivessem realmente contratado
um profissional da área, ou que o trabalho desenvolvido não atingiu a qualidade esperada”
(ALBUQUERQUE, 2008, p.2).
Neste sentido, apesar de todas as tentativas realizadas por profissionais e teóricos
para estabelecer o real significado e abrangência da profissão “designer”, esta ainda é vista,
pela sociedade em geral, como uma atividade meramente empírica, que preocupa-se apenas
com questões estéticas. Tal visão obviamente traduz de forma errônea e simplificada os
aspectos da profissão, pois, segundo Whiteley (1998), cabe aos designers considerar não
apenas as questões artísticas, mas também as questões sociais, econômicas, políticas, éticas,
tecnológicas, ecológicas e ambientais de seus projetos.
Entre os próprios designers, pode-se encontrar duas vertentes mais comuns: aqueles
que acreditam no potencial artístico do design e aqueles que defendem um maior tecnicismo
e formalismo do design, baseados principalmente nas duas maiores escolas de design do
século XX, a Bauhaus (Alemanha 1919-1933) e Escola de Ulm (Alemanha 1953-1968). Whiteley

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Profissão: designer de moda

(1998) aborda de forma mais detalhada este tema, classificando em seis os diferentes tipos
de designers existentes: o designer formalizado, o designer teorizado, o designer politizado,
o designer consumista, o designer tecnológico e, por fim, o designer valorizado, sendo este
último uma proposta do próprio autor, considerada ideal, pois define um profissional mais
completo, que une de forma coerente a teoria e a prática.
Todos os anos surgem novos profissionais de design, e a cada ano são criados novos
espaços e abrangências. Segundo Albuquerque (2008) atualmente existe mais de seis difusões,
que ramificam-se, tais como o design gráfico, design de produto, design editorial, design de
embalagem, design de multimídia e/ou mídia eletrônica, design ambiental e design de moda.
Nesse sentido, Gomes Filho (2006, p.15) explica que “o campo do design se fraciona
cada vez mais em diversas especialidades ditadas pelo mercado”. As particularidades das
áreas de atuação do design encontram-se amplamente subdivididas, como mostra a Tabela 1.
O que acaba por resultar em certa confusão na medida em que determinadas especialidades
se desdobram e se sobrepõe, quando na verdade possuem significados muito próximos.
Contexto internacional Equivalência aproximada Contexto nacional
Industrial Design Design Industrial
Object Design Design do Objeto
Furniture Design Design de Equipamentos Urbanos
Automobile Design Design de Mobiliário
Computer Design Design Automobilístico
Hardware Design Design de Computador
Packging Design Design de Máquinas e Equipamentos Design de produto
Food Design Design de Embalagens
Jeweley Design Design de Alimentos
Sound Design Design de Jóias
Lighting Design Design de Sistemas de Som
Textile Design Design de Sistemas de Iluminação
Design Têxtil
Communications Design Design de Sistemas Comunicativos
Commercial Design Design gráfico
Corporate Design Design de Identidade Corporativa
Information Design Design de Sistemas de Informação
Design Gráfico
Tabletop Design Design de Editoração
Media Design Design de Meios de Comunicação
Software Design Design de Programas

Fashion Design Design de Moda Design de Moda


Interior Design Design de Interiores Design de Ambientes
Re-Design Redesign Redesign

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Profissão: designer de moda

Conceptual Design Design Conceitual


Counterdesign Counterdesign
Antidesign Antidesign
Radicaldesign Radicaldesign
Design Conceitual
Avant-Garde Design Avant-Garde Design
Bio-Design Bio-Design
Eco-Design Eco-Design
Universal Design Universal Design
Interface Design Design de Interfaces Design de Interfaces
Fonte: Haufle, 1996 apud Gomes Filho, 2006

Na pesquisa científica podemos encontrar o design também subdividido em suas


difusões de conhecimento como mostra a Figura 2, que representa as diversas áreas de
abrangência de artigos no P&D no ano de 2006.

Figura 2 – As diversas áreas do Design (distribuição de artigos por área no P&D 2006)
Fonte: Amstel 2006

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Profissão: designer de moda

Percebe-se que o Design de Moda é citado em todas as classificações de especialidades


de atuação do design, sendo, em comparação, uma área mais nova. Gomes Filho (2006, p.29)
descreve o design de moda como “especialidade ou área de atuação que envolve a criação,
o desenvolvimento e a confecção de produtos da moda e atinge diversos segmentos de
utilização, relacionados com o uso de objetos diretamente sobre o corpo”.

Design de Moda
As pesquisas na área do design voltam-se cada vez mais para o universo da moda.
Essa aproximação não está somente marcada pela inserção da palavra designer para nomear
o profissional de moda, mas sim a partir de seu conceito, que passou a participar e conduzir
os processos da moda.
Segundo Palomino (2003), o termo moda surgiu por volta dos séculos XIV e XV, na Europa
Ocidental e atingiu sua plenitude com os processos industriais de produção e aprimoramento
dos aspectos estéticos e técnicos dos produtos industrializados.
O fenômeno moda serviu de alicerce para manutenção de tradições, elementos
distintivos entre classes, funções sociais, simbolismos, suporte para informações a respeito do
individuo e de grupos a que pertence. O vestuário tornou-se, em grande parte por seu caráter
simbólico, a primeira materialização do fenômeno moda.
A moda possui significado abrangente por estar presente nos mais diversos produtos e
como fenômeno social. Rech (2002, p.29) a define pelas “mudanças sociológicas, psicológicas
e estéticas, intrínsecas à arquitetura, às artes visuais, a musica, à religião, à política, à literatura,
à perspectiva filosófica, à decoração e ao vestuário”.
O vestuário inserido no sistema de moda tem por finalidade, além de vestir o corpo,
outras associações como satisfação de necessidades emocionais do consumidor-usuário.
Produtos destinados ao consumo como as roupas denotam aspectos sociais, econômicos,
ambientais e mercadológicos. Diante dessa premissa Montemezzo (2003, p.34) afirma:

Se a concepção destes produtos envolve a articulação de fatores sociais,


antropológicos, ecológicos, ergonômicos, tecnológicos e econômicos,
em coerência às necessidades e desejos de um mercado consumidor, é
pertinente afirmar que tal processo se encaixa perfeitamente na conduta
criativa da resolução de problemas de design.

Ao longo dos tempos surgiram diversas perspectivas de abordagem ao conceito de


design na tentativa de encontrar uma definição completa para este conceito. Assim, o design
é compreendido como metodologia de trabalho e a sua preocupação com a forma, a estética
e a função do objeto.
Desta forma, percebe-se que os objetivos e procedimentos da concepção do vestuário

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Profissão: designer de moda

assemelham-se ao processo de desenvolvimento de objetos de design ao considerar que


os dois métodos participam de um mesmo ponto de vista da metodologia de projeto e da
satisfação das necessidades e anseios dos usuários.
Assim, design e moda encaixam-se na condução do processo criativo e agregam-se
no conjunto de desenvolvimento do produto. A partir desta afirmativa, Pires (2004) explica que
fazer design é designar aspectos de formas, silhuetas, texturas, cores, materiais, emoções
associando-se a ergonomia na ampliação de benefícios, voltada para soluções estéticas,
funcionais e confortáveis.
Desta forma, o design de moda é a concepção de produtos representados em geral,
por peças, aviamentos, acessórios e roupas que mantém interfaces com o design gráfico e,
principalmente, com o design do produto no que se refere aos acessórios em geral (GOMES
FILHO, 2006).
O vestuário como resultado de um processo de design é denominado produto de moda,
cujo princípio é atender as necessidades de determinado público consumidor, conforme o seu
estilo de vida. De acordo com Rech (2002, p.37) o produto de moda pode ser conceituado
como:

[...] qualquer elemento ou serviço que conjugue as propriedades de


criação (design e tendências de moda), qualidade (conceitual e física),
vestibilidade, aparência (apresentação) e preço a partir das vontades e
anseios do segmento de mercado ao qual o produto se destina.

O processo de design do vestuário deve então, conciliar as características materiais e


tecnológicas adequadas ao ponto de vista do grupo social em questão, agregando valores
estilísticos, estudando a produção, o consumo e os valores de concorrência dos bens
produzidos.
Emerenciano e Waechter (2006) acreditam que ao abordar o produto vestuário pelo
enfoque do design propicia-se uma apreciação abrangente de sua situação de uso seja ela
de consumo ou utilização propriamente dita e ainda possibilita otimização de processos e
utilização de materiais que garantem à diferenciação e exclusividade desses produtos.

Considerações Finais
A atividade do designer fortaleceu-se com o surgimento das indústrias e escolas de
design, já que por meios destas, grande parte dos objetivos da área tornaram-se mais claros
e definidos, como o foco de produção com um fim social.
Ainda que não regulamentada, a profissão vem sendo delineada e continua modificado-
se e adquirindo novas ramificações atreladas à inovação e ao comportamento humano e suas
necessidades, as quais também evoluem e alteram-se todos os dias.

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Profissão: designer de moda

Mais do que nunca, os produtos de design representam a cultura mundial e influenciam


a qualidade do nosso ambiente e do nosso cotidiano. Desta forma, o designer necessita refletir
sobre seus atos e projetos para assim encontrar novos caminhos para ajudar as empresas a
promover uma real melhoria na condição de vida das pessoas, sem deixar de lado questões
relativamente novas, mas que tornaram-se primordiais para a prática do design.
Os projetos de design em geral devem responder às necessidades técnicas, funcionais
e culturais da sociedade, propondo soluções inovadoras que comuniquem significado e
emoção, que transcendam idealmente as suas formas, estrutura e fabrico. É necessário ainda
que o profissional do design possua destreza, capacidade interpretativa, racionalidade efetiva,
preocupação social e ética, para que as novas tecnologias aliadas ao design possam propor
objetos inteligentes, resultando trocas físicas e psíquicas em resposta às nossas necessidades
e ao nosso tempo.
Especificamente o designer de moda é um profissional diretamente ligado a questões
que têm como objetivo a concepção, criação e acompanhamento de peças do vestuário e
acessórios, sempre preocupado-se com o mercado, ou seja, com foco principal na satisfação
das necessidades e desejos do consumidor.
O designer de moda deve, além de criar, estar atento a todo o processo de gestão de
produto, desde a sua concepção, até sua distribuição, estando atento aos diversos setores
pelos quais o seu produto passa até chegar ao consumidor.
A formação desse profissional no Brasil é recente e está em processo de evolução.
Segundo Hoffmann (2009) até o ano de 2007 o Brasil possuía 81 cursos de graduação na área
de Moda distribuídos em 52 cidades em 17 estados. Dos 81 cursos voltados à moda no Brasil,
58 foram criados a partir de 2000 e o mais antigo foi autorizado pelo Ministério da Educação e
Cultura (MEC) em 1989. Ou seja, são cursos novos e percebe-se que nos últimos anos houve
um grande volume de cursos em implantação. A pós-graduação, também ainda é pouco
difundida, com poucos cursos disponíveis e abrangendo poucas áreas de atuação da moda.
Sabe-se porem quem nem todos os cursos na área da moda são concebidos a partir
da metodologia do design. Realidade essa, que é motivo de grandes discussões e possíveis
mudanças, devido à grande importância da aplicação dos conhecimentos do design no
desenvolvimento de produtos moda.
Sousa et al (2010) explica que a formação em moda oferecida pela maioria das instituições
superiores brasileiras passou a ser norteada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso
de Graduação em Design, consolidadas na Resolução CNE/CES nº 05, de 8 de março de
2004. Este documento influenciou diretamente a conformação dos projetos pedagógicos da
área, levando ainda a um processo de ajuste dos cursos criados anteriormente, de modo a
manterem o direito de funcionar e conquistarem reconhecimento social.
Tais diretrizes têm permeado a cultura de ensino de moda no Brasil com conhecimentos
e práticas do campo do design que passaram a conviver com o campo da moda.

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Profissão: designer de moda

Para o profissional designer de moda existe o desafio de conferir serenidade e conteúdo


ao campo da moda, o que somente será conquistado com investimentos em pesquisa,
qualificação e capacitação dos profissionais.

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Resumo
Ao longo dos anos, o design passou por transformações que
alteraram seu discurso e objetivo inicial, o que, em certa medida,
reflete seu amadurecimento e seu reconhecimento social,
principalmente ao deixar de ser uma vanguarda, ou um projeto
alternativo, e passar a ser absorvido pela empresas e pela
sociedade, através da consolidação de um mercado de design. E
apesar de aparentarem certo distanciamento, o pensamento cético
e o design possuem relação estreita. Este artigo objetiva confrontar
o design e algumas de suas perspectivas com o pensamento
cético, no intuito de constituir uma relação entre as abordagens
de design e suas possíveis bases epistemológicas. Como
metodologia para alcançar o objetivo foi utilizada uma pesquisa
exploratória e bibliográfica. Os resultados alcançados ressaltam
que a divisão entre as abordagens de design é, em certa medida,
artificial, como se elas pudessem representar categorias distintas
e grupos exclusivos de indivíduos. É possível também notar que
o pensamento cético e o design possuem íntima relação e tanto
a abordagem de design, como a postura cética ou dogmática em
relação a tal abordagem, devem, ambas, ser fruto reflexão dos
designers.

Palavras-Chave: design; ceticismo; epistemologia

Design, Arte, Moda e Tecnologia.


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Designers: entre céticos e dogmáticos

Introdução
Mesmo aparentemente distantes, o pensamento cético e o design possuem uma
relação estreita. De modo que o ceticismo e seu oposto, o dogmatismo, estão presentes
cotidianamente no modo de agir e pensar dos profissionais ligados a atividade de design.
A proposta do artigo é confrontar o design, em suas principais perspectivas, com as
bases do pensamento cético, a fim de estabelecer uma relação entre as abordagens de design
e suas possíveis bases epistemológicas.
Com o passar dos anos, desde sua fundação, o design passou por transformações que
alteraram seu discurso e objetivo inicial, que, em certa medida, reflete seu amadurecimento
e seu reconhecimento social, principalmente ao deixar de ser uma vanguarda, ou um projeto
alternativo, e passar a ser absorvido pela empresas e pela sociedade, através da consolidação
de um mercado de design.
Essa discussão tem como embasamento a análise de Nuno Portas (1993), sobre as
três principais correntes ou tendências em Design, que, segundo ele, norteiam a formação e
a visão da maioria dos profissionais da área sobre a atividade e, conseqüentemente, as ações
projetuais e as políticas desenvolvidas pelos mesmos.
Como suporte e complementação a abordagem de Portas, utilizaremos a reflexão
crítica de Norberto Chaves (2001) sobre os discursos assumidos pelo design no decorrer
de sua trajetória, polarizados e contrastados como discurso dos fundadores e discurso do
mercado, mas também se referindo a uma terceira corrente pós-moderna, que nesse ponto se
diferencia de Portas, e assim expande as perspectivas sobre os rumos da atividade de design.
O pensamento cético, em síntese, pode ser encarado como a suspensão do juízo,
sem aceitar ou negar uma teoria, o que demonstra seu caráter de investigação permanente.
O cético pirrônico, conforme Sexto Empírico, também pode propor teorias, mas, no entanto,
a diferença entre ele e o dogmático, é que o cético suspende o juízo e continua investigando.
Conforme o Dicionário Básico de Filosofia (JAPIASSÚ, 1990), por oposição ao ceticismo, o
dogmatismo é a atitude que consiste em admitir a possibilidade, para a razão humana, de
chegar a verdades absolutamente certas e seguras. Na concepção cética geral, portanto, a
especulação filosófica daria lugar ao senso comum e à vida prática.
Considerando apenas o que é aceito no senso comum entre os autores de design
utilizados que, como vimos, é uma das essências do pensamento cético, a ênfase se dará,
então, na abordagem funcionalista relacionada com o discurso dos fundadores da teoria do
design, e a abordagem do Styling adotada pelos agentes do mercado. Essa duas abordagens
são aproximadas do pensamento cético, através de seus principais expoentes - como
Sexto Empírico, Descartes, Hume, Kant entre outros, e assim, buscar estabelecer relações
epistemológicas das duas principais correntes de design. As outras perspectivas também
são indicadas no texto, como concepção sistêmica ou ecológica (Portas) e a pós-moderna
(Chaves), porém sem o mesmo destaque das duas anteriores por não serem consensuais

Design, Arte, Moda e Tecnologia.


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Designers: entre céticos e dogmáticos

entre os autores.
Em suma, o presente estudo aborda também a transformação do design no decorrer
dos tempos, de sua origem até a atualidade, traçando um paralelo com o pensamento
cético. Busca contrastar as principais correntes de design, desde a origem funcionalista e
mais dogmática, passando pelo Styling e pelo pragmatismo em relação ao êxito de mercado.
Encerra-se com as correntes mais recentes, como a pós-moderna e o design sistêmico,
que de certa forma se caracterizam, respectivamente, como uma postura mais cética e mais
dogmática em relação ao design.

Os pensamentos cético e dogmático no design


Para Lobach (2001), o design pode ser compreendido, no sentido amplo, como a
concretização de uma ideia em forma de projetos. Para o cético, o conhecimento do real é
impossível à razão humana, portanto o homem deve renunciar à certeza, suspender seu juízo
sobre as coisas e submeter toda afirmação a uma dúvida constante. E ser dogmático, consiste
em admitir a possibilidade, para a razão humana, de chegar a verdades absolutamente certas
e seguras.
Uma aplicação rápida dos pensamentos acima, em relação aos projetos do design, é
o exemplo do walkman, representado pela Figura 01. Ele demonstra o potencial do design no
surgimento de novos produtos, utilizando-se do ceticismo metodológico para refutar propostas
de produtos que não “resolvem o problema”. Como resultado desse processo tem-se um
produto que resistiu a todas as dúvidas impostas sobre suas qualidades, sobre o atendimento
das necessidades do usuário, aos aspectos técnicos de sua produção e comercialização e,
mais recentemente, até mesmo sobre o seu descarte.

Figura 01 - Evolução players


Fonte: arquivo dos autores.

De certa forma, portanto, o designer é cético com relação ao fato de ter alcançado
definitivamente a melhor forma para uma determinada função. Pois, como no exemplo anterior

Design, Arte, Moda e Tecnologia.


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Designers: entre céticos e dogmáticos

(fig.01), os produtos sempre se transformam para atender uma mesma função, quando não é
a própria a função que se altera. Por outro lado, o designer também precisa ser pontualmente
dogmático, porque cada produto é uma espécie de teoria, ou enunciado, que corresponde a
uma resposta considerada verdadeira com relação ao atendimento da necessidade proposta.
Nesse sentido, em certos casos, o designer assume o pragmatismo dos céticos, considerando
certos procedimentos e produtos úteis, apesar de não serem necessariamente “verdadeiros”.
Em outros casos, entretanto, assume o dogmatismo ao mostrar-se convencido de que design
é ciência capaz de encontrar a verdade.
Conforme Burdek (1999), todo objeto de design há de ser entendido como resultado
de um processo de desenvolvimento que sempre reflete nas condições sob as quais surgiu:
o contexto histórico, social e cultural, as limitações da técnica e da produção, os requisitos
ergonômicos, ecológicos, os interesses econômicos, políticos e até as aspirações artísticas.
A partir disso, podemos considerar as constantes mudanças sócio-culturais que, com
o passar dos anos, mudam as necessidades, gerando demandas por novas funções para
produtos já existentes e, também, por novos produtos. O designer, como atuante fundamental
no sistema de produção e consumo, deve estar atento às mudanças, visando aprimorar e
adequar o sistema sócio-produtivo.

Relações entre design e ceticismo


O ceticismo inspira a atitude crítica e questionadora da filosofia contemporânea, como
a relatividade do conhecimento e dos limites da razão e da ciência, que a epistemologia
atual trata. Desde a antiguidade, existem os filósofos céticos e os filósofos dogmáticos. Os
primeiros se recusam a crer nas verdades estabelecidas, enquanto os segundos defendem
as verdades de sua “escola”. No Design, dentro das suas diversas abordagens e “escolas”, a
atitude cética e a dogmática pode ser utilizada como extremos de uma escala para posicionar
o comportamento, ou mesmo o discurso dos profissionais da área. Como vimos, a relação
entre design e ceticismo é clara ao observarmos o desenvolvimento dos produtos, mas, a
partir de agora, passaremos a confrontar as diversas “escolas de pensamento” ou “discursos”
de design com o pensamento cético e a epistemologia.

O Designer Funcionalista e o discurso dos fundadores


Azevedo (1998) afirma que, para compreender melhor a atividade do design é preciso
observar os movimentos que, ao passar do tempo, incentivaram o homem na busca por
novas formas, materiais e métodos. Mas, em essência, a idéia de design surge no mundo
quando o homem começa fazer suas ferramentas e objetos. Principalmente antes do século
XX, a confecção de um objeto era função do artesão. Mas com o surgimento da indústria,
tornou-se necessário aproximar a atividade do artesão e da máquina, pois era preciso adaptar

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Designers: entre céticos e dogmáticos

o processo de construção do objeto de modo a facilitar sua produção pela máquina. Assim,
a partir do modelo industrial de produção, o processo de concepção do objeto passou a ser
entendido como design, ou mesmo, como desenho industrial.
Com origens histórica na Europa Central do primeiro pós-guerra, sobretudo, lançado
pela escola alemã Bauhaus, o design assumia um discurso essencialmente funcionalista, na
medida em que a criação da forma dos produtos deveria traduzir a constituição lógica da
produção do objeto e, sobretudo, a lógica da sua função – da utilidade, do uso – a que se
destinava. O que levou ao desenvolvimento de múltiplos estudos – como a ergonomia - da
adaptação dos utensílios e espaços ao homem (PORTAS, 1993).
Isso porque, segundo Portas (1993), o designer honestamente funcionalista deve
racionalizar a concepção do produto para, sobretudo, torná-lo mais útil e adaptado, melhor
manipulável pelo usuário, cujas atividades ou necessidades se vão conhecendo pela via
científica e não por questões de marketing. Preocupando-se principalmente com o uso
imediato do objeto e em melhorar sua utilidade dentro das condições econômicas e técnicas
aceitáveis pela indústria. (grifo nosso)
Conforme Chaves (2001), este é o estágio inicial da emergência do design, aparecendo
como uma alternativa a todas as formas prévias de definição da forma dos produtos de uso
e do habitat. Em seguida o design foi englobando praticamente a totalidade da produção
material. Dessa forma, o design veio ser a linguagem e a expressão da própria revolução
industrial.
Ainda segundo Chaves (2001) o discurso funcionalista, não somente segue vivo,
como em alguns casos é o único possível, pois para certos problemas possui uma eficácia
incontestável. Porém, a relação imaginária que os designers estabeleciam com o usuário, como
este sendo uma espécie de ser supremo dotado de necessidades objetivas, imaginado a partir
de um modelo de “usuário” concebido como imagem e semelhança da utopia intelectual do
setor. Este usuário era um ente anatômico e fisiológico carregado de necessidades práticas,
privado de história e pré-disposições culturais socialmente adquiridas, que não coincidia com
nenhum setor concreto da população.
De certo modo, este corrente ou escola de design, é que mais se aproxima da postura
puramente dogmática, com fortes influências epistemológicas do Racionalismo e do Positivismo.
Isso porque a ênfase na racionalização do produto e até mesmo do próprio usuário aproxima-se
do Racionalismo, que tem na razão o fundamento de todo o conhecimento possível, e, portanto
somente ela é capaz de conhecer o real. Nesse ponto, em relação ao pensamento cético, a
perspectiva funcionalista do design aproxima-se do ceticismo metodológico de Descartes,
que, segundo Dutra (2005) é voltado para a compreensão do ceticismo como atitude de
duvidar de nossas opiniões - Cogito, ergo sum -, confiando que aquelas que realmente forem
expressão da “verdade” irão resistir a qualquer dúvida, e assim, defender opiniões, teorias e
teses ou, conforme os céticos, estabelecer dogmas.

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Designers: entre céticos e dogmáticos

A preferência pela via científica de aquisição de informações corresponde à abordagem


Positivista, que pregava a cientifização do pensamento e dos estudos humanos, para obter
resultados verdadeiros: claros, objetivos e completamente corretos. O fundador desse
movimento, Auguste Comte (1798-1857), acreditava num ideal de neutralidade, isto é, na
separação entre o pesquisador/autor e seu objeto de pesquisa. A ciência retrataria de forma
neutra e clara uma dada realidade a partir de seus fatos, sem recorrer a opiniões e julgamentos
do pesquisador.

Styling no discurso do mercado


Conforme a análise de Chaves (2001), com o tempo o design torna-se um instrumento
indispensável da sociedade contemporânea, deixa de ser uma proposta e torna-se uma cul-
tura efetiva, com um mercado concreto de design, onde existem produtores, distribuidores e
consumidores de design. Este metabolismo social da disciplina definiu uma estrutura e conte-
údos bastante distintos dos iniciais. Enquanto no inicio, os agentes eram a própria vanguarda
da arquitetura e do design, como agentes econômicos diretos, posteriormente, o design é
desenvolvido por empresas, corporações e organismos vinculados com o desenvolvimento
dos mercados. Então, o discurso do design passa das mãos das vanguardas às mãos das
empresas e, logo, surgem novas razões, novos princípios e novos sentidos para a disciplina.
Este novo discurso de design, segundo Portas (1993) ficou na história com o nome de
Styling, com origem na América do Norte no período entre guerras e, no pós-guerra na Europa
e no Japão, e corresponde à imagem mais comum que se tem de design na atualidade, que
é “a do embelezamento de um dado produto para o tonar mais atrativo em termos de venda,
ou seja, como fator adicional de competitividade comercial” (PORTAS, 1993, p.233).
O discurso do Styling quase não tem nenhuma palavra em comum com o discurso ini-
cial. Segundo Chaves (2001), neste contexto a sociedade virou “mercado”, o usuário tornou-
se “consumidor”, a qualidade de design tornou-se “valor agregado”, produto é “mercadoria”,
satisfação de necessidades de uso é “motivação de compra”, racionalidade é “competitivida-
de”. O racional é aquilo que consegue resolver o problema de ingressar no mercado, está é a
racionalidade da sociedade atual.
O racional não é produzir algo intrinsecamente bom, mas produzir algo que funcione
na lógica do mercado. É o discurso da gestão empresarial do design, o discurso do marke-
ting, o discurso promocional das instituições de apoio e desenvolvimento da competitividade
das empresas. É o que Chaves (2001) chamou de “razão pragmática”, em contraste com os
fundadores, cuja razão foi rotulada por ele como “razão ingênua”, em virtude de excesso de
crença na razão e na neutralidade da ciência.
Sendo que o Pragmatismo considera o conhecimento humano com um caráter utilitário
e operacional, o que conduz ao tema da ação, de nossa atuação no mundo, das consequ-
ências que ela produz e sua relação com o próprio conhecimento. De forma geral, o Pragma-

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Designers: entre céticos e dogmáticos

tismo americano, principalmente de Dewey, se concentra na tese de que o significado de um


conceito reside em sua consequências, e não na forma como o idealizamos (DUTRA, 2005).
Esse pragmatismo, de certo modo, aproxima-se do ceticismo pirrônico, que consiste
em seguir as manifestações da natureza, os costumes da sociedade em que se vive, isso
conduz também a adotar o significado comum dos termos, sem inquirir a todo o momento
sobre o significado real dos termos. O significado que interessa é aquele que é eficiente na
comunicação e entendimento dos falantes. (DUTRA, 2005, p.36-37)
Sob o ponto de vista do Styling, o design “é o instrumento não da substituição de um
produto por outro substancialmente melhor, mas sim da persuasão do consumidor para subs-
tituir os produtos que usa por outros, apenas porque o aspecto é diferente” (PORTAS, 1993,
p.234).
Volta-se a atenção, portanto, para parâmetros psicológicos principalmente através de
estudos sobre o comportamento do consumidor. Isso propõe no campo filosófico uma reto-
mada do ceticismo de David Hume (1711-1776), para quem nossas crenças ou opiniões so-
bre relações de causa e efeito não são legítimas no sentido de possuírem força de argumento,
mas são inevitáveis em virtude de nossa constituição psicológica (DUTRA, 2005, p.34).
É preciso destacar, ainda, as correntes antagonicas do behavorismo e do mentalismo‫‏‬.
Para o Behavorismo o comportamento do humano é regido pelo ambiente, seja esse natural
ou social, que abriga os indivíduos humanos ou animais. O Mentalismo, em oposição, propõe
o comportamento do homem como produto dos processos mentais prévios à ação e internos
ao indivíduo, como defende a psicologia cognitiva contemporânea (DUTRA, 2005).
O Mentalismo apóia-se em pontos do ceticismo filosófico, ou melhor, na corrente inte-
lectualista, como na filosofia de Kant, que reconhecia a possibilidade de existência dos objetos
ou da coisa-em-si, mas considerava que nós apenas alcançamos o “fenômeno”, ou seja, o
objeto da nossa experiência, decorrente da relação da coisa-em-si com a nossa estrutura de
sensibilidade.
A restrição do objeto ao fenômeno reforça o ceticismo grego, com Agripa e, princi-
palmente, com Enesidemo, que “esforçaram-se para mostrar que os sentidos somente nos
revelam a aparência e não a essência dos objetos, em outros termos, que as qualidade sen-
síveis não pertencem propriamente ao objeto, mas apenas impressões sentidas pelo sujeito”
(VERDAN, 1998, p.97).
O Styling, como corrente de design, apresenta em suas bases pontos de convergência
com o pensamento cético e o pragmatismo, a partir do momento que desloca a atenção do
objeto em si, para o fenômeno do consumo, ou seja, seu interesse principal não é configurar o
melhor produto, mais sim, aquilo que apresenta os melhores resultados em termos de vendas
no mercado.
Conforme Chaves (2001, p.27), compreende-se que o empresário deve ser mais que
um mero “fabricante”, porque precisa ser um excelente comunicador. Deve vender, indepen-

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Designers: entre céticos e dogmáticos

dente do que e onde, pois o produto, como objeto concreto, tende a ter sua importância
econômica diminuída em relação ao universo imaginário que o rodeia. Nessas condições, os
designers tornam-se as “estrelas”, definindo-se pela sua capacidade de inovação estética e
simbólica, porque o que vale agora é a incorporação de um elemento de inovação, que pro-
ponha um acontecimento atraente para o mercado, sem necessariamente buscar a solução
de problemas relacionados às necessidades objetivas do usuário.

Terceiras vias: o Designer Sistêmico e o Pós-moderno


Nuno Portas (1993) apresenta a corrente do design sistêmico - ou ecológico - como
terceira principal corrente de pensamento em design. Assim, diverge da análise crítica feita por
Noberto Chaves (2001), que indica como alternativa a corrente pós-moderna em design que,
segundo ele, representa o estágio atual do desenvolvimento cultural do Ocidente.
Para Chaves (2001), o design pós-moderno combina valores das elites culturais com
demandas irrenunciáveis do mercado, retendo os valores “universais” da disciplina articulados
com a cultura do consumo. Para o autor, há uma “razão cínica”, com atributos como irraciona-
lismo, formalismo, amoralismo, apoliticismo, individualismo, narcisismo, oportunismo outros.
Isso provocou a hipertrofia da inovação formal que, geralmente, é observada nas áreas lentas
ou paralisadas do mercado, onde não é mais possível introduzir inovações radicais.
De certa forma, o design pós-moderno tem grande proximidade com a corrente Styling
e, consequentemente, tende a se posicionar mais próxima da atitude cética, do que a cor-
rente do design sistêmico. Segundo Portas (1993), o design sistêmico resulta do alargamento
da visão do designer funcionalista. Desse modo, reconecta o design a uma perspectiva que
transcende a lógica do produtor e do consumidor ou usuário, pois não se limita ao objeto em
si, repensado-o como componente de sistemas mais vastos.
Nessa linha, Manzini (2005) argumenta que o design assume uma abordagem sistêmi-
ca quando a tarefa de desenvolvimento de um novo produto torna-se o ato de projetar o ciclo
de vida inteiro do sistema-produto, o que inclui a pré-produção, produção, distribuição, uso e
descarte.
Em última análise, entretanto, a corrente do design sistêmico tem uma proximidade
maior com a atitude dogmática e, assim como o design funcionalista, apresenta uma argu-
mentação baseada na racionalização do objeto, mesmo reconhecendo que “a simples ra-
cionalização tecnológica e formal pode ter na base uma irracionalidade de necessidades do
ponto de vista da economia do país, dos interesses reais (não fictícios) dos consumidores ou
do equilíbrio ecológico ou ambiental” (PORTAS, 1993, p.238).
A Teoria Geral de Sistemas, uma das principais bases científicas da corrente do design
sistêmico, propõe um programa ao mesmo tempo científico e filosófico que sem abandonar o
rigor das ciências clássicas, exige a criação ou o aperfeiçoamento de uma linguagem própria,
com esquemas teóricos particulares e, até mesmo, de uma particular “visão do mundo”.

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Neste ponto, cabe destacar outra contribuição do ceticismo de David Hume para a
filosofia e para a ciência, considerando também sua contribuição para o design, cujo objetivo
é determinar os limites da razão lógica e definir o domínio que lhe é próprio, a fim de evitar que
ela se perca em problemas insolúveis (VERDAN, 2005). Essa é uma contribuição fundamental,
principalmente, para a abordagem sistêmica, no que consiste em definir os limites do sistema-
produto. Pois, em última instância um produto se relaciona com praticamente todos os outros
sistemas existentes.

Considerações Finais
A tradição do design clássico-positivista é incompatível com o ceticismo moral ou fi-
losófico, porque é alinhada ao dogmatismo científico-positivista. A origem teórica do design
é idealista/racionalista e sua prática é funcionalista, como decorrência direta da Revolução
Industrial, que foi um fenômeno material e social decorrente da matriz ideológica positivista.
Na cultura ocidental, entretanto, o positivismo foi superado pelo liberalismo, promo-
vendo a superação do racionalismo pelo pragmatismo, que uma das expressões possíveis do
ceticismo. O percurso que destituiu o racionalismo dando lugar ao pragmatismo foi expresso
e percebido na evolução do design no Ocidente.
O imediatismo pragmático, contudo, está sob suspeição, na medida em que o con-
sumo desenfreado provoca o desperdício dos recursos materiais não renováveis em função
da necessidade de renovação simbólica como estratégia de renovação do próprio consumo.
Essa situação de calamidade eminente propôs o discurso da sustentabilidade ambiental que
envolve o reaproveitamento de matéria prima e a suspensão do abuso sobre os recursos na-
turais.
O design sistêmico que prevê o planejamento de todo ciclo do produto, da concepção
ao descarte, apresenta-se como a solução possível para garantir a renovação dos recursos de
produção e a renovação dos ciclos de consumo, ampliando a esfera do consumo simbólico e
restringindo o desperdício de recursos não renováveis.
A divisão entre as abordagens do design é, portanto, em certa medida, artificial, porque
não representam realidades ou categorias totalmente distintas. Essas abordagens diferencia-
das assinalam a própria evolução da cultura industrial e pós-industrial com relação:
1- A necessidade primeira de atendimento à grande demanda reprimida de consumo
de bens industrializados, que vinha como herança da era artesanal;

2- A necessidade posterior de ampliação do consumo, diante da demanda por


ampliação dos postos de trabalho e a consequente necessidade de ampliação dos
setores produtivos;

3- A necessidade de manutenção e ampliação do consumo e dos postos de trabalho

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Designers: entre céticos e dogmáticos

nos setores produtivos, mas sem colocar ainda mais em risco a vida no planeta terra.

O idealismo positivista/racionalista da abordagem original foi uma resposta dada à


necessidade de se criar uma sociedade industrial que, até então, era inexistente e, portanto,
inacessível à experiência, sendo alcançável apenas idealmente ou racionalmente.
O pragmatismo cético com relação à verdade precedente do projeto sobre a realidade
do mercado, como o conjunto de distribuidores e consumidores, decorreu da constatação de
que nem tudo que fosse oferecido seria prontamente aceito por uma sociedade já praticamen-
te saciada, com relação às demandas objetivas.
A visão sistêmica também instaura, por fim, o ceticismo, com relação à capacidade da
razão clássica em garantir o futuro da sociedade, da cultura e do planeta.
No percurso evolutivo do design, o ceticismo e o dogmatismo expressos entre os pro-
fissionais da área pode ser entendido, segundo a perspectiva neopirrônica do pensamento
cético que considera ambas as atitudes como comportamento de investigação possíveis, cor-
roborando o ponto de vista mais pragmático, ou seja, adotando a atitude que alcance melho-
res resultados conforme o contexto (DUTRA, 2005), de acordo com os aspectos econômicos,
sociais, culturais e ecológicos do momento.

REFERÊNCIAS

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JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário Básico de Filosofia / Hilton Japiassú e Danilo Marcondes -


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MANZINI, Ezio; Vezzoli, Carlo; O Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis. tradução

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Designers: entre céticos e dogmáticos

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VERDAN, André. O ceticismo filosófico; tradução Jaimir Conte,- Florianópolis: Ed. da UFSC,
1998.

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Marina A. Giongo;
ail.com
marinagiongo@gm
Minho
H ei nr ic h; P hD : Universidade do
Daiane P.
br
daiaph@feevale.

Resumo
Este artigo apresenta alguns tópicos da pesquisa realizada no
trabalho de conclusão de curso como requisito para graduação
em Design de Moda e Tecnologia da Universidade Feevale. São
apresentados conceitos de conforto e risco, bem como parâmetros
associados a eles. A pesquisa observacional descritiva realizada
através de conceitos da ergonomia investigou a percepção das
usuárias quanto ao conforto de modelos pré-definidos de calcinha.
Como resultado, o conforto psicológico se sobrepõe ao conforto
físico, quando se trata deste tipo de vestimenta.

Palavras-Chave: conforto do vestuário; percepção de conforto e


risco; egonomia

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas

Introdução
Este trabalho tem como tema a ergonomia aplicada ao vestuário para avaliação de
conforto e risco no uso de calcinhas. Através da percepção do comportamento das usuárias,
surgiu o problema de pesquisa: como a usuária de moda feminina percebe o conforto no uso
de calcinhas? Como hipótese infere-se que o conforto físico é preterido quando o modelo de
calcinha representa conforto psicológico para a usuária.
Os projetos de design do vestuário que são desenvolvidos industrialmente, a partir
de tabelas de medidas (antropometria estática), possuem um alcance restritivo em relação
ao consumidor. Segundo Rosa e Moraes (2009), destacam-se como limitações: a íntima
relação entre o produto e o corpo humano, a diversidade de estilos e segmentos do mercado
consumidor e, o lançamento da maioria das peças sem testes de aceitação do consumidor,
visto que se trata de um processo de alto custo, além da conseqüente facilidade com que uma
nova idéia pode ser imitada ou copiada.
Segundo Baxter (2003), o projeto de novos produtos envolve riscos e é preciso gerir
estes riscos com competência. Sendo a calcinha um produto de moda, de característica
efêmera, pode ser aplicado a esse conceito. É preciso, dentre outros tantos aspectos, garantir
a qualidade dos produtos, com ferramentas de design que sejam efetivas. Pois, segundo o
mesmo autor, os projetos de produtos que são aplicados de forma eficiente nas indústrias
minimizam as perdas em relação à conquista e satisfação do consumidor final.
Conforme Iida (2003), todos os produtos destinam-se a satisfazer necessidades
humanas e, para tanto, entram em contato com o homem. Desta forma, possuem características
desejáveis de qualidade. O autor coloca três características, que são: qualidade técnica, que
considera a eficiência com a qual o produto executa sua função; qualidade ergonômica,
que leva em conta itens de conforto e segurança como facilidade de manuseio, adaptação
antropométrica e compatibilidade de movimentos; e qualidade estética, que atende a
combinação de formas, cores, materiais e texturas para que os produtos sejam visualmente
agradáveis.
Moraes e Mont’alvão discorrem sobre a importância de projetar o produto adequado
ao usuário:

A abordagem ergonômica em relação ao design pode ser resumida como: ‘o


principio do design centrado no usuário – se um objeto, um sistema ou um
ambiente é projetado para uso humano, então seu design deve se basear nas
características físicas e mentais do seu usuário humano. [...] (Pheasant, 1997,
p. 12 apud Moraes e Mont’alvão, 2003, p.33).

Na busca de mensurar o comportamento da consumidora frente ao uso de lingerie, é


preciso identificar quais os elementos presentes no uso do produto que podem interferir na
percepção de conforto e, consequentemente, no seu comportamento de compra.

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas

O valor desta pesquisa está na busca de qualidade, visto que o conforto no vestuário,
dentro da área da ergonomia, é ainda pouco explorado no meio acadêmico brasileiro e não
existem pesquisas quantitativas em relação à percepção de conforto no uso do produto de
vestuário. O objetivo da pesquisa é identificar a percepção de conforto pelas usuárias de
calcinha.
Para avaliar a percepção do usuário, foi feita uma pesquisa observacional-descritiva
qualitativa e quantitativa, baseada na metodologia de LINDEN (2004). Nesta pesquisa, foi
realizada uma entrevista com referências verbais e de imagem para ilustrar pontos de risco
relacionados ao uso do produto, bem como para identificar quais os modelos de lingerie
mais utilizados pelas participantes da pesquisa. Após a entrevista, foi realizada com cada
participante uma fotogrametria para identificar pontos de interferência na silhueta.

Conforto
O conforto, segundo Heinrich (2009) é um elemento-chave para o sucesso de
produtos de vestuário. Segundo a autora “é precisamente no que diz respeito aos aspectos
do conforto do vestuário que a Ergonomia desempenha um papel crucial e ao mesmo tempo
muito peculiar” (Ibidem, p.2), pois o conforto percebido depende da interação ente o usuário
e a roupa. “Assim, se os produtos não apresentarem as características técnicas mínimas
capazes de propiciar o conforto físico isto pode causar, para além da incômoda sensação de
desconforto, implicações sobre a saúde e o bem-estar do indivíduo” (Ibidem, p.3).
Conforme Senthilkumar & Dasaradan (2007), o conforto é uma das características
desejáveis nos produtos de moda. Para os autores, conforto não é uma propriedade têxtil, mas
sim um sentimento humano, uma condição de tranqüilidade e bem-estar, que é influenciado
por muitos fatores, incluindo propriedades têxteis. Designers de vestuário podem cuidar dos
aspectos físicos e psicológicos de conforto por meio da seleção adequada de cores, texturas,
estilo, modelagem, entre outros fatores.
Linden reconhece a natureza multidimensional do conforto como resultantes das
dimensões física, psicológica e fisiológica. O atendimento das três dimensões é indicação
de harmonia. O autor afirma que o conforto psicológico está relacionado a questões como
autoimagem, relacionamento com outras pessoas e privacidade. Os aspectos fisiológicos têm
relação com o funcionamento do corpo humano que envolve ações de regulação involuntárias.
Já o conforto físico corresponde à interação com a natureza e aos efeitos nas dimensões
psicológica e fisiológica. (LINDEN, 2004).
Broega (2007, p.3), também concorda com Hertzberg, ao passo que traz em seu
trabalho o conceito de Slater, para quem o conforto é “a ausência de dor e de desconforto em
estado neutro”. A autora também afirma que o conforto total do vestuário se divide em quatro
aspectos fundamentais:

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas

– Conforto Termo fisiológico – estado térmico e de umidade confortável à superfície da


pele, que envolve a transferência de calor e de vapor de água através dos materiais
têxteis ou do vestuário;

– Conforto Sensorial de “toque” – conjunto de várias sensações neurais, quando um


têxtil entra em contato direto com a pele;

– Conforto Ergonômico – capacidade que uma peça de vestuário tem de “vestir bem”
e de permitir a liberdade dos movimentos do corpo;

– Conforto Psico-Estético – percepção subjetiva da avaliação estética, com base na


visão, toque, audição e olfato, que contribuem para o bem-estar total do portador.
(SLATER, 1997 apud BROEGA, 2007, p.3).
Para diversos autores, a sensação de conforto tem extrema ligação com emoções de
valência prazerosa, entretanto é menos intenso que uma emoção. Ainda assim, as dimensões
de intensidade, qualidade, tempo e a dimensão hedônica devem aparecer. Ao afirmar que o
conforto é uma experiência mental, o autor defende que a aparência incide sobre o desconforto,

A não ser que a experiência de sentir-se desconfortável apresente-se no ponto


de valência hedônica nula (indiferença), que é previsto para essa dimensão.
Contudo, embora teoricamente possa ser defendida, essa possibilidade não
corresponde ao senso comum. Considerando que, normalmente, situações
de desconforto e sentimentos de desconforto são tidas como essencialmente
prazerosas, espera-se que o desconforto seja acompanhado ou ativado
por estímulos com valência negativa na dimensão hedônica. Dessa forma,
a aparência pode afetar positiva ou negativamente o desconforto, de forma
inversa aos seus efeitos no conforto. (LINDEN, 2004, p. 91)

Dessa forma, para o autor “o desconforto decorre de uma ativação negativa, de natureza
fisiológica ou física” (LINDEN, idem, p.90), o que implica em um sentimento de carga hedônica
negativa.
É difícil descrever o conforto de forma positiva, mas o desconforto pode ser facilmente
descrito, em termos como: pinica, coceira, quente e frio. Portanto, uma definição amplamente
aceita para o conforto é liberdade da dor e do desconforto como um estado neutro (Senthilkumar
& Dasaradan, 2007). Os autores ainda destacam algumas definições para o conforto sensorial,
que é percebido através de várias sensações quando um tecido entra em contato com a
pele, para o conforto de movimento, que é a capacidade de um tecido de permitir liberdade
de movimento e moldar o corpo, conforme a exigência, e para o apelo estético, que inclui os
cinco sentidos ativados pela roupa e contribui para o bem-estar do usuário.
Para este estudo relativo à percepção de conforto no uso de calcinhas, somente serão
analisadas as percepções de conforto físico e psicológico e não será enfoque o conforto

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas

fisiológico. Neste contexto, serão considerados aspectos de conforto psicológico o prazer, a


imagem corporal e o bem-estar emocional, que têm relação com o uso de lingerie; e aspectos
de conforto físico as interferências corporais identificadas na silhueta bem como sensação
de desconforto, provocadas pelo atrito e pressão no contato da roupa íntima com o corpo.
Destaca-se que estes últimos são fatores influenciadores do conforto fisiológico (LINDEN, 2004,
p.80), porém, novamente, aqui se considera o conforto físico, por conta das conseqüências
identificadas na silhueta corporal.

Figura 1 - Imagem corporal

Modelo para Avaliação da Percepção de Conforto


Conforme o método proposto por Linden (2004, p. 257), “a avaliação de conforto no
uso de produtos é mediada pelos valores pessoais, de acordo com a valência hedônica da
experiência e com os seus potenciais efeitos sobre a integridade pessoal”.
O comportamento de uso e não uso é explicado pela dimensão hedônica e pelos quatro
tipos de prazer determinados por Tiger (1992, apud LINDEN, 2004): prazer físico, psicológico,
social e ideológico. Assim, usar uma calcinha que proporciona desconforto aparente pode
estar relacionado com o prazer psicológico. Não usar o mesmo modelo de calcinha por sentir
desconforto no uso pode estar relacionado ao prazer físico.
Na figura 2, modelo proposto por Linden (2004), em que a percepção do risco está
ligada a aparência e a percepção da usabilidade e da funcionalidade, que são modelos mentais
decorrentes da experiência de uso. Já na figura 3, está representado o modelo para percepção
de conforto apresentado por Linden.

Figura 2 - modelo para relação do conforto no uso do produto de acordo com as necessidades do consumidor

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas

Fonte: LINDEN, 2004, p.260.

Conforme o modelo de avaliação de conforto e risco no uso de produtos sugerido por


Linden, a avaliação se dá a partir de características do produto, fórmula de estímulo e referência
dominante para o usuário. A avaliação pode ocorrer em diferentes níveis de processamento
e gera, afinal, respostas afetivas que podem ser emoções prazerosas, desprazerosas ou
sentimento de indiferença.

Figura 3 - modelo para percepção de conforto e risco


Fonte: LINDEN, 2004, p. 261

Linden (2004) supõe que o uso do calçado de salto alto e fino e bico fino é motivado
pela aparência. Além disto, apenas 10% das mulheres consideram que este tipo de calçado é
seguro e confortável, além de ter boa aparência, o que corrobora com a suposição do autor.
Supõe-se que para o uso de calcinhas, este comportamento seja semelhante, visto que
lingerie e calçados femininos são elementos da moda que são ícones do imaginário fetichista
e sensual, o que pode justificar um resultado semelhante a esta pesquisa.

Métodos e Técnicas aplicadas


A metodologia utilizada para esta pesquisa consistiu em revisão bibliográfica e aplicação
em campo de ferramentas para avaliação da percepção de conforto. Tais ferramentas foram
aplicadas a partir dos métodos de Marconi e Lakatos (1999) e Linden (2004) para a entrevista
e AREZES et Al (2006) para a fotogrametria.

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas

Os participantes desta pesquisa foram recrutados seguindo o tipo de amostra não


probabilística. Este tipo de amostra foi eleito por enquadrar-se nas limitações inerentes a esta
pesquisa, tais como tempo e métodos de pesquisa. Foram avaliadas 40 voluntárias na etapa
de aplicação em campo. Este número de participantes está de acordo com o proposto por
Iida (2005, p. 113), que afirma ser uma amostra representativa em pesquisas de design um
número de 30 a 50 indivíduos.
Participaram apenas alunas do Curso de Design de Moda e Tecnologia da Universidade
Feevale com idade entre 18 e 28 anos, considerado o ano de nascimento (1982 a 1992);
altura entre 1,55m e 1,80m e massa entre 45 kg e 75 kg, dentro das faixas de Índice de
Massa Corpórea (IMC) consideradas abaixo do peso e peso normal. Parâmetros de peso e
altura foram considerados apenas os declarados pelas entrevistadas, não foram aferidas as
medidas e massas. Estes parâmetros visaram garantir que as participantes da pesquisa não
estivessem acima do peso, com base no IMC, o que poderia afetar as condições de avaliação
de interferência na silhueta.
Para avaliar a percepção das usuárias de calcinhas quanto ao conforto e o risco no uso
do produto, foi proposta a execução de fotogrametria como método para verificar, através da
imagem, a ocorrência de interferência corporal na silhueta das entrevistadas e, desta forma,
confrontar com a percepção declarada pelas usuárias.

Resultados e Discussões
A hipótese do trabalho foi parcialmente confirmada. Isto porque a usuária percebe o
risco apresentado – interferência na silhueta –, porém o conforto físico é de fato preterido em
função do conforto psicológico. Das 40 participantes da pesquisa, 30 afirmaram que trocariam
o modelo de calcinha para evitar formação de marca na silhueta.
Entretanto, a figura 4 mostra um comparativo entre uso e percepção de conforto das
usuárias, que revela que o modelo percebido como mais confortável é o menos utilizado e que
o modelo percebido como o maior causador de marca na silhueta é o segundo mais utilizado.

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas

Figura 4 - comparativo entre uso e percepção de conforto


Fonte: executada pelo autor.

Além disso, o conforto é item recorrente nos critérios de escolha, entretanto a estética
tem valor praticamente igual. Este resultado vai ao encontro do estudo da semântica de
produtos que afirma que o ser humano responde ao que as coisas significam para ele, não as
qualidades físicas destas, conforme Linden e Kunzler (2001).
É válido ressaltar que esta pesquisa poderia ser mais aprofundada com o uso de
software específico para sobrepor e cruzar as imagens obtidas, o que geraria dados mais
concretos para a avaliação da interferência corporal. Aqui se observou, a princípio, apenas a
percepção das usuárias, porém há a perspectiva de continuar o desenvolvimento deste tipo
de investigação acerca do conforto de vestuário, principalmente de moda íntima, que é um
dos setores industriais mais produtivos do Brasil. Para tanto, é preciso gerar conhecimento
e novas tecnologias para a indústria de vestuário e é pertinente o questionamento: Como
agregar conforto físico e psicológico ao design de produto de moda íntima?

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Avaliação da percepção de conforto pelas usuárias de calcinhas

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c r ia ç ã o na ide ntidade
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Design cênico: té
urbana n: Universidade Anhembi Morum
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Ary Scapin Júnior

Resumo
Este artigo versa sobre design e arte quando inseridos no universo
urbano, na interação com a urgência, a inovação e a criatividade.
Busca discutir as possibilidades destes campos nas ruas e, mais
precisamente, no diálogo com as artes cênicas. Propõe um olhar
apurado para o processo projetual da cena e dos espetáculos de
rua, dando a esse processo a denominação de “design cênico”.

Palavras-Chave: design; artes cênicas; arte na rua;


plasticidade cênica; processo projetual; design cênico

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Design cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana

Introdução
No mundo contemporâneo, o ato inovador é volátil – envelhece rápido, perde o
encantamento e produz a necessidade de algo mais moderno, mais criativo e mais inovador
ainda. É assim nas ciências, no cotidiano das pessoas, no mundo corporativo e também nas
artes. O tempo se renova constantemente, e com ele muitas coisas também se renovam. O
que é hoje, certamente não o será amanhã. As culturas, as tradições, os usos e costumes,
por mais tradicionais que sejam, por mais salvaguardados que possam estar, passam por
processos de transformação, não porque não exista quem os preserve, mas sim por que os
sentidos das coisas mudam.
O tempo na contemporaneidade é fatalizado pela ordem das urgências que significa
uma oscilação na razão instrumental, o culto dos meios e esquecimento dos fins. Ele é o reino
das revoluções tecnológicas do progresso (MATOS, 2009, p. 93).
Este preâmbulo serve para iniciarmos um diálogo sobre a urgência urbana e as inquietudes
dos artistas que se inserem nas questões referentes às artes que acontecem nas ruas. Todas
as expressões de arte podem entender a rua como mais um ponto para o escoamento de suas
produções: o graffite, o cinema, a música, a pintura, entre tantas outras formas, encontram
nela um espaço alternativo de troca. Neste canal de comunicação, os artistas, em sua obra,
devem levar em conta as pessoas às quais ela se destina, considerando o ambiente público
composto sempre de indivíduos (PALLAMIM, 2002). Dá se o espetáculo, a cena, e recebe-se em
contrapartida a admiração, os aplausos, a compreensão, ou o inverso disso.

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Design cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana

Uma forma de arte a ser assimilada em público e que representa sobretudo


o próprio cidadão no espaço público parece ser uma das funções mais
importantes da arte pública numa democracia. Muitos(as) artistas que
enfrentam, esse desafio executam seu trabalho num campo experimental
situado entre a participação ativa de parte da sociedade, colocações artísticas
e documentação do real. Praticamente todos esses trabalhos estão como que
à procura de uma oportunidade que lhes dê a chance de contribuir de maneira
concreta à vida da sociedade, à vivência e à comunicação. As tentativas vão
desde a abordagem direta de eventuais parceiros, passando pela elaboração
artística das contribuições, até à oferta de participar da criação de novas
estruturas de percepção (PALLAMIN, 2002, p. 85).

As ruas e praças das cidades, da mesma maneira que as galerias de arte, os teatros ou
as salas de espetáculos, constituem uma dinâmica específica e têm características próprias. Os
espaços de artes, projetados para receber produções artísticas variadas, apresentam diversas
formas de adequação e customização aos interesses de uma determinada obra. Há, portanto,
a possibilidade de interferências no projeto original da estrutura física, momento propício à
atuação de um cenógrafo, de um iluminador, de um sonorizador e de outros profissionais
intimamente ligados às propostas do artista, concretizando a obra de arte de acordo com
sua concepção. Em contraponto às possibilidades mutáveis dos “templos das artes”, as ruas
e as praças dos centros urbanos não se adaptam à obra de arte, mas sim às urgências do
cotidiano das pessoas que se utilizam deles. Esta mesma urgência pode ser o mote para o
diálogo criativo e inovador entre o artista e seu público.
Como exemplo, olhando para a obra do artista Flávio de Carvalho, encontramos em seu
manifesto “A cidade do homem nu”, de 1930, um exercício de observação crítica às cidades
e seus espaços urbanos, apontando um descontentamento com os rumos estabelecidos pelo
status quo da sociedade da qual fazia parte e afirmando que o homem caminhava para um
processo destrutivo em função do organismo doentio destas cidades. A proposição de sua
arte, nos parece, instigava as pessoas à criatividade e às mudanças:

A cidade do homem nu é a habilitação do pensamento; o homem produz


idéias que são orientadas e aproveitadas na melhoria da raça e no caminhar
do progresso.
É uma grande máquina de idéias para calcular o meio de progredir sempre,
calcular um processo de constante renovação mental (conforme CARVALHO,
1930 apud CARVALHO, 2010, pp. 28, 29).

Flávio, há setenta anos, apontava para as questões da inovação e da transformação


necessária para a existência humana. Isto sugere especial atenção à sua credulidade em
relação à utilização de proposições modernas – fossem elas reais ou lúdicas – para a solução
de problemas.

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Design cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana

Arte e design na rua


Os preceitos de arte e design interagem. Palavras próximas orbitam os mesmos universos
e caracterizam-se como agentes transformadores. No universo urbano, as divergências de
conceitos parecem irrelevantes, não importando o que é arte ou o que é design, mas apenas o
efeito proporcionado. Deste modo, não serão foco deste artigo as questões de ordem política
relacionadas ao plano diretor de uma cidade, documento que discute, entre outras coisas, a
criação de áreas urbanas específicas para determinados fins – por exemplo, áreas específicas
para atividades comerciais, para atividades financeiras, entre outras, que podem constituir
áreas híbridas –, bem como a definição de instalação de equipamentos e mobiliários de rua, a
visão do espaço e a atribuição da paisagem (BARBOSA, 2008). Focaremos o entretenimento
e suas múltiplas formas de expressão junto aos transeuntes dos centros urbanos.
Para falarmos de design, arte e tecnologia, cabe aqui referenciar a palavra design, a fim
de que possamos equalizar o conhecimento.

A cultura moderna, burguesa, fez uma separação brusca entre o mundo das
artes e o mundo da técnica e das máquinas, de modo que a cultura se dividiu
em dois ramos estranhos entre si: por um lado, o ramo científico, quantificável,
“duro”, e por outro ramo estético, qualificador, “brando”. Essa separação
desastrosa começou a se tornar insustentável no final do século XIX. A Palavra
design entrou nessa brecha como uma espécie de ponte entre esses dois
mundos (FLUSSER, 2008, p. 183).

Em sua análise, Flusser norteia a discussão sobre design deste artigo. Nos parece que,
com essa afirmação, arte e técnica, apesar de possuírem conceitos distintos, podem e devem
coexistir harmonicamente. Isto nos remete aos diferentes tipos e formações das pessoas que
circulam pelas ruas das cidades, que, diferentes entre si, convivem e se relacionam.
Ainda tendo Flusser como referência, encontramos em sua análise fundamentos para
a questão da diversidade de significados da palavra design, e acreditamos que ele aponta
evidencias para o que será entendido por nós como premissa para o estudo do design cênico,
ou seja, para o significado de planejamento, de projeto, que nos remete ao processo projetual.

Em inglês, a palavra design funciona como substantivo e também como verbo


(circunstância que caracteriza muito bem o espírito da língua inglesa). Como
substantivo, significa, entre outras coisas, “propósito”, “plano”, “intenção”,
“meta”, ”esquema maligno”, “conspiração”, “forma”, “estrutura básica”, e todos
esses e outros significados estão relacionados a “astúcia” e a “fraude”. Como
verbo – to design –, significa, entre outras coisas, “tramar algo”, “simular”,
“projetar”, “esquematizar”, “configurar’, “proceder de modo estratégico
(FLUSSER, 2008, p. 181).

O design, entendido como um processo projetual, atribui ao seu projetista a possibilidade

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Design cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana

de criação, de inovação e de inserção de avanços tecnológicos que, nesse processo, viabilizem


a sua produção. Tal qual a arte, o design pode e deve ser provocador, instigante e questionador.
Artistas e designers podem compartilhar de um mesmo ideal: o de proporcionar mudanças,
as quais, como abordado anteriormente neste texto, são inerentes ao tempo em que vivemos.
Victor Papanek – designer, autor de pesquisas sobre design e com argumentação
filosófica em relação a sustentabilidade – considera o design uma poderosa ferramenta para
moldar as ações de preservação ambiental. Seu conceito de design é provocador, porém de
fácil associação aos princípios da inovação, da criatividade e da liberdade de expressão que
se assemelham aos preceitos das artes, ampliando as possibilidades de forma definitiva e
abrindo espaço para o inusitado.

Todos os homens são designers. Tudo o que fazemos quase todo o tempo
é design. O design é básico em todas as atividades humanas. Planejar e
programar qualquer ato, visando a um fim específico, desejado e previsto,
isto constitui um processo de design [...] design é compor um poema épico,
executar um mural, pintar uma obra de arte, escrever um concerto. Mas design
também é limpar e organizar uma escrivaninha, arrancar um dente quebrado,
fazer uma torta de maçã, escolher os lados de um campo de futebol e educar
uma criança (conforme PAPANEK,1995 apud BOMFIN, 2002, p. 9).

Design cênico
Partimos do princípio do ato projetual. Design é projeto. É pesquisa. É experimentação.
Assemelha-se à criação de uma cena em um espetáculo de artes cênicas, que necessita do
desenvolvimento de um projeto que a viabilize e que a transforme em realidade. A integração de
diversos elementos, tais como treinamento e preparação, planejamento e criação, coordenação
e cooperação (HEWARD e BACON, 2006), possibilitam a concretização do objetivo final, ou
seja, o alcance de uma plasticidade cênica capaz de transmitir ao público exatamente o que
foi elaborado dentro da mente do encenador do espetáculo.

Mas como fazer do espetáculo essa unicidade estética e orgânica?


Contrariamente às outras formas de arte, a encenação aparece em primeiro
lugar como uma justaposição ou imbricação de elementos autônomos: cenário
e figurino, iluminação e música, trabalho de ator. [...] Por conseguinte, uma
vontade soberana deve impor-se aos diversos técnicos do espetáculo. Essa
vontade conferirá à encenação a unidade orgânica e estética que lhe falta, mas
também a originalidade que resulta de uma intenção criadora (ROUBINE,1998,
p. 42).

As artes cênicas, em geral, constituem o meio de comunicação mais eficaz entre artistas
e público no que se refere à troca de sensações e experiências que levam ao aprendizado
mútuo e ao trânsito entre a formação e as informações. Nos espetáculos de rua, o artista, ou

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Design cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana

grupo de artistas, tem a intenção de passar uma mensagem ou um recado ao público, e para
que isso ocorra a cena, seja de circo, de teatro ou de dança, passa por um processo projetual.
Focando nossa atenção nas artes circenses realizadas em ruas e praças, nos remetemos
aos artistas denominados “saltimbancos”i, que percorriam as ruas das cidades européias
levando às populações espetáculos de malabarismo, de equitação e pantomimas. Havia,
mesmo que de forma inconsciente, um planejamento. Não havia tecnologia a ser aplicada
às artes desses artistas, porém havia um planejamento referente ao vestuário utilizado, aos
gestos aplicados às personagens e às mascaras. Não se usava um figurino qualquer, mas sim
vestimentas pensadas para garantir um diferencial, assim como eram igualmente pensadas as
gesticulações, as pinturas no rosto e as cores. Todos os componentes dos personagens eram
elaborados a fim criar um ambiente lúdico, mágico, com o intuito de diversão e crítica social.

Circo Sells-Floto e sua trupe de saltimbancos – Início do século XX. (Foto: Dave Leach)

Planejar uma cena ou um espetáculo de artes cênicas para a rua requer um projeto
especial. Não se trata apenas de fazer a transposição do espetáculo que é realizado em um
palco ou em galpão. A rua exige um olhar diferenciado, dinâmico, urgente como os passos
dos transeuntes, uma vez que tanto o artista quanto sua mensagem serão expostos ao acaso,
a um público indeterminado, não segmentado e, portanto, imprevisível em suas reações.

A rua é o imponderável
Inúmeros exemplos poderiam ser analisados neste artigo, mas concentramos nossa
atenção em uma apresentação artística, realizada em São Paulo em junho de 2002, a qual
podemos considerar como um marco, por ter se configurado como a perfeita harmonia entre
o meio ambiente urbano e as artes cênicas.
O Vale do Anhangabaú, na cidade de São Paulo, SP, é um espaço aberto, rodeado
por prédios gigantescos. De um lado, é cortado pelo Viaduto do Chá; do outro, pelo Viaduto
Santa Ifigênia; e uma de suas laterais dialoga com a Praça Ramos de Azevedo, com vista
para a imponente edificação do Teatro Municipal de São Paulo. Trata-se de um local público,
central e nobre, com fluxo incessante de pessoas que transitam pelo seu calçadão em direção

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ao trabalho, à escola, às compras e a demais afazeres. A maioria desses transeuntes, de


características heterogêneas, não se dá conta da beleza desse espaço público; porém, é
nesse local que acontecem intervenções artísticas nacionais e internacionais.

Vale do Anhangabaú – São Paulo/SP. (Foto: Sérgio Savaresi)

Em pleno Vale do Anhangabaú, hastes flexíveis, de design e tecnologia exclusivos da


companhia australiana Strange Fruit, suportam artistas em seu topo, paramentados com
figurinos planejados e adequados aos movimentos e ao tema do espetáculo. Luzes coloridas
estrategicamente posicionadas dão um tom especial e, com o cair da tarde, assumem um
grande destaque na cena. O som estudado com precisão compõe o espetáculo, que funde
diversos estilos de artes cênicas, como teatro, dança e circo. E, como costumeiramente
acontece na companhia, o espetáculo era composto por expressões artísticas ligadas a temas
universais, como amor, conflitos, nascimento, morte, trabalho e lazer.

Strange Fruit – www.strangefruit.net.au, acessado em 21/Jun/2010. (Foto: Strange Fruit)

Como descrito antes, propomos observar que tanto o espaço (Vale do Anhangabaú)
quanto a companhia (Strange Fruit) se inseriam no universo do design e vice-versa, criando um
ambiente propício ao design cênico. Quando esta interação se dá, qualquer que seja a ocasião,
a essência da cena, idealizada, planejada e projetada pelos seus criadores, se concretiza e
cumpre a função de levar encantamento aos espectadores, no caso, aos transeuntes das ruas.
Como um produto de design sofisticado, esta produção imaterial passa a compor o repertório
de cada um dos presentes no ato de espetáculo, e esse encantamento é reprodutível na
mente desses espectadores pela quantidade de vezes que eles quiserem.

Strange Fruit – www.strangefruit.net.au, acessado em 21/Jun/2010 (Foto: Strange Fruit)

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Na apresentação do Vale do Anhangabaú, o idealizador dos espetáculos da Strange


Fruit tinha por objetivo compartilhar uma imagem com o público, e essa imagem era a de um
campo de trigo balançando ao vento. Cabe a cada espectador a interpretação do espetáculo;
porém, tomando por base o que vem sendo exposto até então, podemos imaginar o impacto
coletivo que essa metáfora causou em meio ao grande público!
Encenado em espaços urbanos cercados por edificações (prédios, viadutos, torres), em
meio a trânsito (de automóveis e de pessoas), sons diversificados (buzinas, gritos), natureza
espremida pelo concreto (flora e fauna) e a correria do dia a dia, os espetáculos do Strange
Fruit remetem ao lúdico, proporcionando sentimentos e sensações especiais em cada um dos
espectadores.

Com um repertório de renome mundial devido à natureza do diálogo livre, a


companhia celebra uma grande variedade de temas e histórias o que a fez
alcançar um status especial em quase todos os continentes ao redor do
mundo. Os espetáculos, sublimes e hipnóticos, são verdadeiramente notáveis,
e é preciso estar atento para apreciar o seu pleno efeito (MICHELLE WILD,
2010).

Considerações finais
A cena artística só poderá cristalizar-se na mente dos transeuntes das ruas e praças
das cidades se houver verdadeira interatividade entre o discurso da arte e o urbano. A arte
encenada nesses espaços serve de contraponto entre o lúdico e o real, entre as possibilidades
e a concretude, entre o presente e o futuro acontecendo simultaneamente na urgência das
ruas. Cabe ao idealizador do espetáculo a função de organizar o fluxo produtivo da obra,
tendo por base o processo projetual que converterá idéias em realidade. Retornando ao texto
de Flusser, temos:

[...] e isso foi possível porque essa palavra [design] exprime a conexão interna
entre técnica e arte. E por isso design significa aproximadamente aquele
lugar em que arte e técnica (e, conseqüentemente, pensamentos, valorativo e
científico) caminham juntas, com pesos equivalentes, tornando possível uma
nova forma de cultura (FLUSSER, 2008, pp.183, 184).

A plasticidade cênica, fruto de um processo projetual, nos parece ser um caminho


possível para o início de um diálogo entre técnica e arte, tanto nos espaços públicos quanto
nos privados especialmente destinados a apresentações artísticas. Mais ainda: nos remete
diretamente ao idealizador da cena, colocando-o como uma ferramenta de extrema importância
na tradução dos anseios humanos.
Os espetáculos, assim como as cenas, configuram-se como resultantes do apurado
olhar de um profissional inovador e criativo, que, valendo-se de sua sensibilidade pessoal e da

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Design cênico: técnica, processo & criação na identidade urbana

leitura da sensibilidade coletiva, desenha o que propomos chamar de design cênico.

Strange Fruit – www.strangefruit.net.au, acessado em 21/Jun/2010. (Foto: Strange Fruit)

Notas
i CUNHA, 2003, pp. 584, 585.

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e u s d iá r io s d e campo?
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O que faço com o opóloga n o D e s ig n e n a M oda.
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Inquietaçõ Des ig n: U ni ve rs id ad e Anhembi Morum
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fª Dra.; PPG Mes
Márcia Merlo; Pro
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mmerlo@anhembi

Resumo
Este artigo discute a utilização da observação participante no Design
e na Moda. Além do debate em torno do método etnográfico,
também se propõe a problematizar acerca do manuseio e
conservação do material coletado, compreendido aqui como
documentos de processo e registro de reflexões, que guardam
suas particularidades tanto na coleta quanto na conservação e
no manuseio. Desta forma, o texto objetiva repensar formas de
reintegrar o conteúdo do material coletado por meio do registro
de fontes orais e visuais, da observação participante no cotidiano,
associados à riqueza encontrada no universo multifacetado por
meio da memória dos interlocutores da pesquisa e à necessidade
de apresentar resultados, também, em formato de texto acadêmico.

Palavras-Chave: design; moda; antropologia

Design, Arte, Moda e Tecnologia.


São Paulo: Rosari, Universidade Anhembi Morumbi, PUC-Rio e Unesp-Bauru, 2010 408
O que faço com os meus diários de campo? Inquietações de uma antropóloga no Design e na Moda.

Introdução
Começo com uma pequena apresentação para depois compartilhar uma inquietação.
Tenho trabalhado há alguns anos na docência em cursos de Moda – Design e Negócios.
Atualmente faço parte do corpo docente do Programa de Mestrado em Design da Anhembi-
Morumbi. Apresentada minha inserção neste universo que não é o da minha formação, já que
venho da Antropologia, inicio o que me proponho neste artigo – discutir as aproximações entre
áreas que, guardadas suas particularidades, partilham de uma substanciação comum – o
humano.
Trabalhar com a observação participante, a primeira vista, parece muito sedutor. No
entanto, trata-se de uma escolha de muita responsabilidade e desafios, que ultrapassa, por
vezes, o próprio método. O que significa isto? Quero dizer, que independe da boa vontade
do (a) pesquisador (a) e igualmente de uma aplicação muito técnica de um conjunto de
procedimentos metodológicos. De fato, entrar nesta questão é discutir a construção de
conhecimento por meio de religação de saberes.
Formada em História pela PUCSP, minha inserção na Antropologia aconteceu com
populações nativas de São Sebastião, Ilhabela e Ubatuba, o que resultou em uma dissertação
de mestrado, uma tese de doutorado, dois livros, alguns artigos científicos, matérias jornalísticas
em imprensa local e, muitas questões acerca do que pude aprofundar e compreender do
presenciado, do que consegui captar, desvelar, desvendar do que me foi revelado e do que
meus olhos, coração e mente observaram e discerniram. Digo isto porque optei em trabalhar
com narrações livres por meio de coleta de histórias orais, depoimentos e histórias de vida;
assim, trabalhando com a memória dos antigos moradores pude registrar como pensavam a
história de seu lugar perpassando a sua própria história.
Para deixar mais claro, o recorte de minha pesquisa de campo durante uma década
abriu a possibilidade de conhecer outras faces e ouvir outras vozes destes lugares. Deparei
com o universo caiçara negro, aprofundei os estudos em relação às transformações ocorridas
com o turismo na região e como os antigos moradores rememoraram sua existência. Percebi
que da memória afro-brasileira pouco se evidenciava como uma possível contribuição a esse
universo, mesmo quando perguntava, a um caiçara negro participante da congada, acerca da
presença negra no lugar. Ao indagar sobre o negro, os depoimentos logo caíam na justificativa
de que em Ilhabela não existia racismo, e, às vezes, mesmo nas narrações livres, esta versão
era explicitada entre negros e brancos. Ao longo da pesquisa e convivência, ao criarmos laços
de amizade e confiabilidade, no entanto, outras verdades começaram a surgir trazendo a tona
o racismo sofrido e vivido por tais populações, revelando por intermédio do trabalho com a
Memória, outra história local refletindo as relações raciais no seio da nação brasileira.
Além desse aprendizado humano, compreendi o quanto o trabalho com abordagens
teórico-metodológicas em torno da Memória, utilizando-se da observação participante,
é oneroso, inquietante e exige uma postura ética do (a) pesquisador (a). Ao tratarmos da

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observação participante dentro do desenvolvimento do método etnográfico construído ao


longo da História da Antropologia evidencia-se que é uma ação de profunda inserção do
pesquisador no meio escolhido e de longa duração e extensão.
Em outras palavras, ao optar pelas narrações livres, inicia-se a busca pelos antigos
contadores de histórias, senhores da tradição ou quem puder contar ou lembrar algo que
remeta a “origem”i e a alguma forma de permanência das antigas tradições de caráter popular,
seja por meio de manifestações culturais existentes, seja por meio da memória. Sendo assim,
o fio da memória dá o tom ao texto. E constata-se que ainda se tece enquanto se conta e ouve
histórias, mas também se percebe que o velho narrador com suas narrativas dá lugar a novas
informações. O antigo território agora tem novos donos e novas relações...
Dito isto, enfatiza-se que não só os elementos culturais interessam a uma pesquisa
dessa natureza, mas também seus produtores. Esses produtores são encarados como
interlocutores, uma vez que se compartilha do pensamento de Geertz (1989) quando se
refere ao objeto de estudo da Antropologia dizendo que “o objetivo maior desta ciência é
o alargamento do discurso humano” (p. 32). Partindo desse pressuposto teórico, a relação
estabelecida entre o pesquisador e o pesquisado é de este último tornar-se interlocutor, o que
propicia outra qualidade ao estudo.
Desta forma, indaga-se em como podemos desenvolver mergulhos deste gênero em
outras áreas do conhecimento humano? A seguir apresentarei algumas inquietações que
estão me direcionando a um caminho interessante no Design.

ITINERÁRIOS: caminhos tortuosos, resultados incríveis...


Um caminho –
A idéia central é trazer para o universo da pesquisa em Design e Moda, as teorias e
métodos da ciência antropológica, por meio das Teorias da Memória e do uso da observação
participante. Parte-se da constatação de que há muitas lacunas encontradas nas fontes
escritas, por isto pretende-se obter respostas nas fontes orais. Também ao adentrarmos o
universo do Design e da Moda, os objetos e seus produtores permeiam nosso olhar e se
tornam objetos de nosso estudo.
Um dos teóricos da Memória, Michel Pollak, retrata a linha tênue que une/separa a
história oral dos documentos:

A multiplicação dos objetos que podem interessar à história, produzidos pela


história oral, implica indiretamente aquilo que eu chamaria de uma sensibilidade
epistemológica específica, aguçada. Por isso mesmo acredito que a história
oral obriga a levar ainda mais a sério a crítica das fontes. E, na medida em que,
através da história oral, a crítica das fontes torna-se imperiosa e aumenta a
exigência técnica e metodológica, acredito que somos levados a perder, além
da ingenuidade positivista, a ambição e as condições de possibilidade de uma

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história vista como ciência de síntese para todas as outras ciências humanas
e sociais (POLLAK, 1992, p. 208).

Como Pollak, também, acredita-se neste projeto que fazer um trabalho de memória
apoiado nas fontes escritas e nas orais é trazer para dentro do universo científico “um discurso
sensível à pluralidade das realidades. Temos uma possibilidade não de objetividade, mas de
objetivação, que leva em conta a pluralidade das realidades e dos atos” (ibidem, p. 211).
Ao ouvir as histórias de uns e de outros, assim como ao olhar para os objetos/artefatos
que permeiam a vida social, o pesquisador percebe-se compondo um mosaico em que os
pedacinhos (fragmentos) das lembranças/histórias de um vão se encostando aos de outros,
formando uma paisagem do passado baseada no presente vivido. A lembrança é também o
momento da revisão. O que a movimenta é o presente, que ao sinalizar o vivido direciona o
rememorar aos processos vividos, assim como aos não-ditos, silenciados, clandestinos, de
acordo com o que se objetiva neste ato.
Pollak ao constatar o silêncio, o não-dito, nos faz pensar na memória subterrânea e
sobre os processos silenciados no cotidiano de nossas existências. O autor, ao nos esclarecer
o porquê dos não-ditos, aponta para um possível motivo do silenciamento das memórias e
também o porquê de, em alguns momentos, quando se tem uma escuta e uma situação-
limite, emergirem lembranças, rompendo os silêncios:

(...) há uma permanente interação entre o vivido e o aprendido, o vivido e
o transmitido. E essas constatações se aplicam a toda forma de memória,
individual e coletiva, familiar, nacional e de pequenos grupos. O problema que
se coloca a longo prazo para as memórias clandestinas e inaudíveis é o de sua
transmissão intacta até o dia em que elas possam aproveitar uma ocasião para
invadir o espaço público e passar do ‘não-dito’ à contestação e à reivindicação;
o problema de toda memória oficial é o de sua credibilidade, de sua aceitação
e também de sua organização (POLLAK, 1989, p. 9).

Percebe-se que “o que está em jogo na memória é também o sentido da identidade


individual e do grupo” (ibidem, p. 10). Nesse sentido, entende-se que as narrativas servem
para historiar o cotidiano vivido, levando-se em conta até onde o raio da memória consegue
alcançar. Também o pesquisador presencia na relação com o objeto da pesquisa, que no
caso é o próprio sujeito da história narrada, sutilezas que direcionam o desenrolar do trabalho.
Algo que se presentifica ao conhecermos as narrativas dos sujeitos que vivem o lugarii
cotidianamente. Nas palavras de Ecléa Bosi:

A veracidade do narrador não nos preocupou: com certeza seus erros e lapsos
são menos graves em suas conseqüências que as omissões da história oficial.
Nosso interesse está no que foi lembrado, no que foi escolhido para perpetuar-
se na história de sua vida (BOSI, 1979, p. 1).

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Complementando a idéia desenvolvida por Bosi, ao esclarecer o objetivo da antropologia


interpretativa, Geertz traduz, em parte, a preocupação que permeia este estudo:

Olhar as dimensões simbólicas da ação social – arte, religião, ideologia, ciência,


lei, moralidade, senso comum – não é afastar-se dos dilemas existenciais da
vida em favor de algum domínio empírico de formas não-emocionalizadas; é
mergulhar no meio delas. A vocação essencial da antropologia interpretativa
não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar à nossa
disposição as respostas que outros deram (...) e assim incluí-las no registro de
consultas sobre o que o homem falou (GEERTZ, 1989, p. 40-1).

Mesmo conscientes de que escutamos e vivenciamos reflexões sobre a própria


existência de quem narra a sua história para o ouvinte, no caso, o antropólogo e os designers-
pesquisadores, o que percebemos é que nem sempre o nós e os outros estão tão distantes
quanto aparecem, e, muitas das questões subjetivas “deles” são as do próprio pesquisador.
Em pesquisas desta natureza, é possível constatar-se que nem sempre o nós e os outros
estão tão distantes quanto aparecem, ou quanto queremos afastar, e muitas das questões
subjetivas “deles” são as do próprio pesquisador e tudo isto pode auxiliar a pensar e ampliar a
atuação pessoal e profissional em qualquer área em que estejamos inseridos, pois em nossa
volta estamos nós mesmos.
Dito isto, mais uma questão se coloca em uma pesquisa que tem como pressuposto a
utilização da observação participante e do recurso da memória. Aliás, ao se tratar de memória
viva, não dá para se abrir mão da vivência com o grupo pesquisado. Trabalhar com a história
oral e de vida, requer perceber nuances do próprio ato de rememorar, ou seja, a observação
minuciosa e participante de tudo o que envolve o pesquisado e de seu entorno. Sendo assim,
nos apoiamos no trabalho etnográfico, tão caro à Antropologia. Também, neste caso, é
preciso estar atento e consciente de que escutamos e vivenciamos reflexões sobre a própria
existência de quem narra a sua história para o ouvinte. Cabe, também, ao pesquisador ter um
distanciamento necessário para analisar o observado e vivido, mas não estamos dizendo com
isto que acreditamos em imparcialidade, o que afirmamos é que a prática em questão exige
uma postura consciente e ética do pesquisador.
A Memória diz respeito ao que permanece entre o feito e dito de um indivíduo e seu
grupo, assim como o que não é dito, ou melhor, aquilo que se silencia e cai no esquecimento.
Podemos dizer que há tantas memórias quantos grupos existirem, no entanto, também
podemos afirmar que há lembranças subterrâneas, clandestinas que escondem outras
“verdades”. Conhecê-las significa entrarmos em outros “mundos” ou mergulharmos nesses
já tão velhos conhecidos nossos, mas tão pouco pensados no turbilhão em que vivemos,
ou, pensados por outros ângulos, além de nossos conceitos e experiências. Por isto, neste
estudo, os objetos também se tornam “contadores de histórias”, pois carregam (evidenciam)
práticas sociais e culturais diversas. Não só o que se ouve será pensado e trabalhado, mas o

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que se vê, pois se compreende a cultura como um texto que se lê, e, em uma sociedade onde
há o apelo (superexposição) ao visual, o visto será lido e revisto.
Entre as narrativas, estabelece-se a relação entre o narrador e a substância do que
se conta, assim como podemos incluir a “coisa” narrada - o objeto da Memória. Walter
Benjamin em seu texto “O narrador”, expõe uma questão crucial e que nos leva a pensar o
tempo presente contido no desejo de lembrar ou esquecer. O entorno (ou substância) de toda
memória é o tempo presente, o que se vive, o que se lembra, o que se viveu que não pode
mais ser vivido, mas pode ser lembrado. Assim como, o que não se viveu necessariamente,
mas, de tanto sentido que faz, torna-se algo tão íntimo e seu, que pode ser contado. Neste
sentido, também vejo aproximação entre o Design e a Memória dos objetos.

A narrativa (...) é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de
comunicação. Ela não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa
narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida
do narrador para em seguida retirá-la dele. (...) Assim, seus vestígios estão
presentes de muitas maneiras nas coisas narradas, seja na qualidade de quem
as viveu, seja na qualidade de quem as relata. (BENJAMIN, 1985, p. 205)

Portanto, Memória traz o estudo das representações sociais, das identidades e do


imaginário, da cultura. O pesquisador se deleita nas possibilidades de conhecer e interpretar
seu objeto de estudo, além de obrigar-se a buscar caminhos para tal conhecimento se efetivar
e gerar frutos, também sociais e culturais.
Talvez por tudo o que foi exposto até agora é que algo sempre me inquietou em relação
à produção científica como fruto de pesquisa com populações nativas ou de qualquer grupo
humano: o que fazer com o material que recolhemos se precisamos transformar os relatos em
um texto acadêmico que está sujeito às normas e técnicas que nem sempre se referem a uma
“forma” que melhor apresente e/ou represente o que desejamos refletir e transmitir. Por vezes,
vira algo bastante diferente daquilo que foi recolhido das fontes orais, isto para não dizer o que
fazer com as imagens que, na maioria das vezes, são utilizadas para preencher um espaço
vazio ou para ilustrar algo que acaba sem vida no meio de tantas palavras, conceitos, teorias.
Também algumas imagens acabam surtindo o efeito de aliviar a leitura, ou melhor, distrair o
leitor, o que acaba comprometendo outros significados dados no ato do registro na tentativa
de abarcar a “totalidade” das relações em uma busca de captar as intersubjetividades e inter-
relações em jogo. Parece que no campo do Design e da Moda, áreas propícias ao estudo, uso
e abuso de imagens, encontro mais referências para pensar minhas inquietações e também
para torná-las mais instigantes.
Tal desafio já se evidencia de longa data entre os etnólogos e etnógrafos na história
da ciência antropológica. Tanto é que uma das discussões recentes refere-se em abrir os
diários antropológicos para revelar os acertos e os percalços das pesquisas de campo, o que

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também significa explicitação metodológica. Malinowski, já nos apresentava tal inquietação


nas primeiras décadas do século XX ao dizer que a etnografia,

ciência em que o relato honesto de todos os dados é talvez ainda mais


necessário que em outras ciências, infelizmente nem sempre contou no
passado com um grau suficiente deste tipo de generosidade. Muitos dos seus
autores não utilizam plenamente o recurso da sinceridade metodológica ao
manipular os fatos e apresentam-nos ao leitor como que extraídos do nada.
(...) A meu ver, um trabalho etnográfico só terá valor científico irrefutável se nos
permitir distinguir claramente, de um lado, os resultados da observação direta
e das declarações e interpretações nativas e, de outro, as inferências do autor,
baseadas em seu próprio bom-senso e intuição psicológica. (MALINOWSKI,
1976, p.22)

O objeto é o próprio sujeito e o método aquele que mais aproxima a possibilidade


de conhecer seu modo de viver sem reduzi-lo ao que queremos ou podemos perceber. Para
isso a fundamentação teórica sempre esteve lado a lado à observação minuciosa e ao registro
detalhado, com o intuito de captar a materialidade da cultura em questão, assim como sua
dimensão simbólica. Talvez essa seja uma grande pretensão, mas poderia ser diferente?
Então o que fazer com todo o material recolhido, com o que foi observado, sentido, não
compreendido e relatado, às vezes, somente em nossas anotações e diários de campo?
Ainda Malinowski apóia algumas das observações feitas aqui, em relação ao registro
das fontes de informação e a versão final:

Na etnografia, o autor é, ao mesmo tempo, o seu próprio cronista e historiador;


suas fontes de informação são, indubitavelmente, bastante acessíveis, mas
também extremamente enganosas e complexas; não estão incorporadas
a documentos materiais fixos, mas sim ao comportamento e memória de
seres humanos. Na etnografia, é freqüentemente imensa a distância entre
a apresentação final dos resultados da pesquisa e o material bruto das
informações coletadas pelo pesquisador através de suas próprias observações,
das asserções dos nativos, do caleidoscópio da vida tribal. O etnógrafo tem
que percorrer esta distância ao longo dos anos laboriosos que transcorrem
desde o momento em que pela primeira vez pisa numa praia nativa e faz as
primeiras tentativas no sentido de comunicar-se com os habitantes da região,
até à fase final dos seus estudos, quando redige a versão definitiva dos
resultados obtidos. (ibidem, p. 22-3)

Pesquisa de natureza etnográfica ou que utilizam técnicas qualitativas a partir desta


metodologia de pesquisa de campo, geralmente, revelam a problemática do manuseio e
conservação do material, que os críticos genéticos chamam de documentos de reflexão:
diários, anotações, correspondências. O que também ocorre com esboços, croquis, rascunhos,
cadernos de notas, projetos que perpassam o processo criativo dos designers e artistas, que

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nem sempre acabam contemplados ou devidamente armazenados ao ponto de revelar o grau


de importância que tiverem na construção dos objetos/artefatos/histórias que encerram na
materialidade em si. Salles esclarece acerca do trabalho sobre tais documentos de processo
para os artistas e cientistas ao dizer que

Fragmentos podem parecer para um observador desavisado uma cadeia de


ações isoladas. O importante, no entanto, é perceber que os princípios que
norteiam aquele processo aparecem quando o seu observador estabelece
relações entre os gestos: ao longo do trabalho de manuseio de fragmentos,
estes ganham significado na sua relação com o todo.
Este trabalho de estabelecer relações entre índices de uma história na
busca pela compreensão do todo é o mesmo manuseio de rastros feito pelo
arqueólogo, o geólogo e o historiador. (Manuscrítica, no. 7, p.89)

A partir de tal idéia pensei como salvaguardar e ampliar as interpretações de minhas


anotações de viagens, diários de campo, gravações de entrevistas, depoimentos, histórias
de vida, fotografias, filmagens de festas ou do cotidiano desses grupos, que representam,
após anos de coleta, um acervo rico a partir das reais possibilidades de registro. Percebe-se
ao ler alguns textos da Revista Manuscrítica, que a crítica genética, assim como os registros
etnográficos podem oferecer base para tal estudo e análise, principalmente quando Salles
aponta a relevância dos documentos de processo para compreender o momento da criação,
entre outras formas de registro, guardando suas especificidades. Apresenta, a meu ver, uma
possibilidade, assim como uma aproximação com as inquietações antropológicas quanto aos
registros nos cadernos de campo, ao dizer que

Entrevistas, depoimentos e ensaios reflexivos oferecem também dados


importantes para os estudiosos do processo criador; têm, no entanto, caráter
retrospectivo que os colocam fora do momento de criação. (op.cit., p.89)

E indago: É possível uma antropóloga revisitar seus diários de campo, no intuito de


reintegrá-los no processo de construção das idéias que a levou a formatar as pesquisas
realizadas em dissertação, tese e artigos científicos, abrindo outras possibilidades de leitura do
mesmo material? Respondo: com certeza e isto tem sido bastante explorado nas pesquisas
antropológicas. Ainda pergunto: E como registrar, guardar, manusear e demonstrar estes
processos no design de nossas produções acadêmicas e nos processos criativos no design
e na moda? Respondo: acredito que estamos em processo de desenvolvimento destas
linguagens e metodologias. E ainda: O design das teses acadêmicas amplia o universo da
criação do cientista ou o restringe? Em outras palavras, onde colocar as formas, as cores,
os sons apresentados no ato da pesquisa na escritura da tese? Falamos em processos para
quais fins? Respondo: são fontes inesgotáveis de novas pesquisas e reflexões.
Em suma, o que objetivo é uma releitura e um repensar trajetórias e perspectivas que

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porventura e desventuras no fazer antropológico perpassam questões do que está guardado,


do que e como o material etnográfico foi recolhido e registrado, enfim, no processo de coleta
de dados que inclui, além da observação participante, a gravação de depoimentos, histórias
orais, histórias de vida e o registro de imagens. Guardadas as devidas proporções, percebo nos
processos projetuais nas áreas do Design e da Moda ainda questões bastante semelhantes,
sobretudo quando o processo de construção cede lugar ao produto final e este se silencia, na
maioria das vezes, ao consumidor/usuário final, caindo no esquecimento de quase todos os
envolvidos neste saber/fazer. Também as percepções do uso e descarte dos objetos ficam,
muitas vezes, distantes dos criadores e nem sempre geram reflexão para os seus usuários.
Algo que interessa ao pesquisador que pretende abarcar não só o produto, mas a produção
dos sentidos por meio dele.
Parto, então, do seguinte pressuposto colocado por Cecília A. Salles,

que discutir a morfologia da criação tem como pretensão oferecer mais do


que um simples registro de um estudo, um modo de ação: tirar objetos do
isolamento de análises e reintegrá-los em seu movimento natural. Aponta
a relevância de observar fatos e fenômenos inseridos em seus processos.
(Manuscrítica 8, p.64)

Parece-me, neste caso, bastante salutar colocarmos à disposição de pesquisas desta


natureza e com esta pretensão, o arcabouço teórico-metodológico da Antropologia e os
teóricos da Memória, no sentido de apoiar reflexões, assim como proporcionar uma mediação
para a análise dos processos embutidos em seu desenrolar científico. Desta forma, propõe-se
conhecer alguns caminhos traçados em uma pesquisa qualitativa utilizando-se de recursos do
método etnográfico.

Sobre métodos e técnicas de pesquisa:


Uma vez traçado o caminho a partir da teoria da memória, o recurso técnico é o da
história oral. As técnicas, portanto, são qualitativas. No caso desta pesquisa, a coleta de
histórias de vida pode significar um recurso estratégico, pois nos interessa tanto conhecer
o cotidiano do trabalho e os modos de viver, pensar, sentir e fazer dos pesquisados; quanto
compreender a metodologia utilizada na produção dos artefatos e/ou produtos que realizam.
Isto porque:

A história de vida permite a valorização de contatos informais baseados na


identificação e empatia entre o pesquisador e o pesquisado, o que explora em
profundidade a contextualização das entrevistas, extraindo delas um máximo
de veracidade. Mais do que isso, a história de vida insere o ator, através de
processos sincrônicos e diacrônicos, na rede real das relações sociais que o
localiza dentro do grupo. (CAMARGO, 1981, p. 29).

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O recurso metodológico da história oral possibilita ao pesquisado narrar as experiências


vividas. O movimento da memória não é linear, não segue uma ordem cronológica, é um ir-
e-vir constantes, em que associações são feitas, iluminando, até mesmo, situações que se
encontravam encobertas. O que se estabelece aqui é a relação aberta entre pesquisador
e pesquisado. Ao pesquisador, cabe esclarecer os objetivos de sua pesquisa, deixando o
pesquisado totalmente livre para contar/revelar o que se quer registrado. Em alguns momentos,
no entanto, o pesquisador interfere para solicitar mais informações sobre passagens da
narração que precisam ser mais aprofundadas ou ficar mais claras. Quando o objeto em
questão é o artefato, procuramos relacionar os processos de sua criação por meio de seu
criador, ou podemos apoiar tal análise em outras fontes que nos propicie contextualizar o
artefato em si, assim como o momento – circunstâncias e condições – de sua criação, se
possível.
Em outras palavras, o levantamento de histórias orais pressupõe a busca, no anonimato
muitas vezes, de uma visão e vivência de mundo a partir de experiências cotidianas e
inovadoras para uma análise sociocultural mais abrangente. É, portanto, necessário livrar-se
de preconceitos e ampliar os horizontes, no sentido de uma credibilidade e colaboração entre
pesquisador e interlocutor. Como diz Paul Thompson:

O historiador oral tem que ser um bom ouvinte, e o informante, um auxiliar


ativo. (THOMPSON, 1992, p. 43).

Quanto ao historiador oral ter de ser um bom ouvinte, é claro, mas o informante torna-se
mais do que um “auxiliar” ativo, pois ele torna-se um interlocutor, já que é visto como produtor
cultural, como foi dito anteriormente. Essa concepção do fazer histórico encontra morada
na literatura, e em José Saramago há uma passagem que demonstra como tudo passa pela
interpretação, até mesmo o não-dito, como afirma Pollak. O literato diz:

O historiador não deve se contentar em repetir o que já foi escrito. Deve


investigar o não-dito e, sobretudo, o oculto. É essa perspectiva da história,
como investigação do oculto, que me interessa. (...) O principal para mim,
como já disse, não é a história, mas a maneira de contar a história. Os fatos que
manipulo não são falsos, apenas podem ser interpretados de outra maneira.
(SARAMAGO, 21/9/96, em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo).

Sendo assim, parece que cabe ao designer tornar-se um observador atento, um bom
ouvinte e, portanto, propor-se vir a ser um pesquisador qualificado.
Nesse processo de trocas encontra-se o dinamismo do fazer histórico e compreende-
se a importância da lembrança e do apreendido pelo dito, não-dito, feito e observado, como
uma recriação do vivido:

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(...) um acontecimento vivido é finito, ao passo que o acontecimento lembrado


é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo o que veio antes e depois.
Num outro sentido, é a reminiscência que prescreve, com rigor, o modo da
textura. Ou seja, a unidade do texto está apenas no actus purus da própria
recordação, e não na pessoa do autor, e muito menos na ação (BENJAMIN,
1985, p. 37).

É esse o sentido de se trabalhar com as técnicas qualitativas em uma pesquisa que


prioriza a memória. A busca não é da verdade ou das certezas, conforme o objetivado na
formulação de leis gerais, mas a das lembranças, do vivido, do interpenetrado durante toda
uma existência e que mostra na riqueza simbólica o sentido real e o imaginado do sujeito, que
o faz autor de sua própria trajetória de vida.

Notas
i É importante frisar que ao se colocar origem, não há nenhuma intenção purista na análise, pois
desacreditamos dessa existência, mas o que se quer dizer aqui é como cada um dos interlocutores de
uma pesquisa onde o mote é a lembrança pensa a sua história em relação ao seu meio social. O que
em sua memória ficou interpenetrado da história do seu lugar e do que lhe foi transmitido por gerações
passadas, ou ainda, o que interpenetrou em sua consciência da memória histórica, do ponto de vista
mais oficial e, sobretudo, do como interpreta sua vida e o seu lugar.
ii Aqui se entende lugar de forma amplo. Pode ser a moradia, assim como o lugar profissional e social,
por exemplo. O lugar antropológico é aquele que o sujeito circunscreve sua atuação/ autuação em
múltiplos sentidos.

Referências
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Resumo
Este artigo intenciona identificar e explorar o design de marcas,
tendo como suporte de pesquisa a análise da trajetória de uma
marca brasileira de moda, no caso, a Colcci. Objetiva-se estudar
a procura dessa marca por um design característico que a
propulsione dentro do mercado nacional, que busque estruturar
seu trabalho por meio do relacionamento com o consumidor e
que caminhe rumo a um reconhecimento internacional. Trata-se
de um processo de reflexão que pretende revelar os rumos que
traçaram o design da marca Colcci, anunciando os passos que a
empresa está inclinada a seguir e que poderão levá-la a trabalhar
um redesign, contrariando seu discurso de ser apenas uma moda
jeanswear e não uma grande lançadora de tendências.

Palavras-Chave: design de marcas; moda; Colcci

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O design da marca Colcci: história e construção.

Introdução
Este artigo parte da pesquisa realizada com uma marca brasileira de moda. O propósito
do estudo se concentra em identificar e explorar o design de marcas, tendo como suporte de
pesquisa a análise da trajetória da Colccii.
A reflexão aqui proposta perpassa o projeto de design de marcas na contemporaneidade,
sobretudo em como se configuram seus símbolos, valores, imagem, produtos, pontos de
venda, comunicação, merchandising e o relacionamento com o cliente; tudo convergindo para
a busca de um único objetivo: o de proporcionar os significados, funcionais e emocionais, que
serão traduzidos por um grupo de pessoas que compartilham o mesmo código.
Nota-se que a marca, portanto, fornece mais que a simples identificação de um produto,
serviço ou empresa; ela se constitui em significado simbólico para a experiência do indivíduo
quanto ao consumo de objetos e sistemas.
Os pressupostos estão evidenciados em uma discussão teórica que envolve exposições
de diversos autoresii, fundamentação esta que procurou embasar as análises da marca Colcci.
Nesse sentido, objetiva-se entender a procura dessa marca por um design característico que
a propulsione dentro do mercado nacional, que busque estruturar seu trabalho por meio do
relacionamento com o consumidor e que caminhe rumo a um reconhecimento internacional.
O trabalho apoiou-se em pesquisa qualitativa, utilizando, para as análises da marca,
o modelo comparativo, com base em levantamento bibliográfico. Dentre os procedimentos
técnicos, estão o levantamento e análise de livros, dissertações e teses; publicações em
revistas e jornais; ilustrações e fotografias; e entrevistas com designers, estilistas, gestores de
marca, franqueados e consumidores.
Das informações coletadas delineou-se um percurso histórico que acompanha
mudanças no âmbito mercadológico da empresa, com decisões estratégicas que implicam
reconfigurações de seu designiii relativas à marca e seu objeto de moda. Para melhor
entendimento do processo de análise da marca Colcci e dos resultados obtidos, o trabalho
dividiu-se em três fases, apresentadas a seguir.

COLCCI – O design de uma marca


Inicialmente, grande parte de todo o movimento da marca Colcci esteve calcada nas
propostas de Melo (2005) para o design de marcas. O autor ressalta que entre as décadas de
1960 e 1990 existiu uma cultura empresarial focada na busca da identidade visual, em que
o símbolo da marca (ou logotipo) passava a representar signos de comando utilizados para
identificar produtos e orientar quanto à padronização na aplicação da marca.
Nesse sentido nasce, em 1986, a Colcci, uma malharia que concentrava sua produção
em peças básicas – moletons, camisetas e alguns shortinhos – e almejava, em um primeiro
momento, uma marca que representasse apenas a ideia de uma empresa que oferecia peças

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de qualidade e bons preços.


Seu primeiro logotipo foi apresentado dentro de um molde de negócio inicial, estampava
as etiquetas dos produtos e a fachada do empreendimento. Objetivava informar e nomear o
produto e o estabelecimento. Uma intenção que remete ao exposto por Costa (2008) no
sentido de que a marca, em princípio, tem a função de marcar, traçar, indicar algo. O autor
ainda considera que, a partir do momento em que o usuário entra em contato com o produto,
experimenta e atesta suas características (funcionais, qualitativas e simbólicas), o logotipo
passa a ter um significado.
À primeira vista, a Colcci não possuía um código conhecido por todos, era apenas um
sinal indicativo de objeto de vestuário; porém, dentro das proposições de Costa (2008), em um
segundo estágio, torna-se um símbolo designativo de relação custo/benefício.

Figura 1 – A primeira marca da Colcci, ainda um logotipo. Imagem fornecida pela empresa.

Nesse ponto, além da qualidade das peças, um personagem da marca, Digby, um


cachorrinho estilizado, fazia sucesso entre os consumidores que passavam pela cidade de
Brusque (SC) atrás de peças de roupas básicas, com qualidade e bom preço. O personagem
era estampado em quase todos os produtos e aparecia junto ao nome da marca. Logo Digby
foi adotado como mascoteiv da empresa.

Figura 2 – Digby em sua primeira versão. Arquivo pessoal do pesquisador, 1986 - 1988.

Com base nas colocações de Perez (2004), percebe-se que Digby nasceu como
um mascoteiiii que pretendia, em um primeiro momento, trazer sentimentos de felicidade,
proximidade e afetuosidade aos consumidores que procuravam a marca.
Wheeler (2008, p.116) afirma que “frequentemente, um logotipo é justaposto com um
símbolo em um relacionamento formal.” A procura dos consumidores pelo cachorrinho Digby

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levou os proprietários da empresa, Lila e Jorge Colzani, a vislumbrar que o sentimento agregado
à sua figura poderia chamar mais atenção sobre o logotipo inicial. Foi nesse momento que o
lettering Colcci passou a se apresentar de uma forma diferente, porém, ainda não de maneira
oficial. Essa nova marca aparecia ora em sua primeira versão (apenas como logotipo), ora com
Digby.

Figura 3 – Segunda marca com Digby agregado ao logotipo. Arquivo pessoal do pesquisador, 1986 - 1988.

Ao perceber que, cada vez mais, os consumidores simpatizavam pela figura de Digby,
os fundadores da marca decidem investir na sua imagem e redesenhá-lo. Ele abandona
seus traços livres de rascunho e ganha uma imagem aproximada da personificação de um
cachorrinho.

Figura 4 – Digby mais trabalhado. Registro do pesquisador, 1989 – 1991.

É possível analisar que a intenção, com a imagem do cachorrinho, aconteceu dentro do


contexto de mascote apresentado por Perez (2004). Ainda de acordo com a autora, percebe-
se que a pretensão é a de que sejam vistos com sentimentos e vida própria, ligados ao
dia a dia do ser humano. A nova roupagem de Digby pretende humanizar o personagem,
aproximando-o do cotidiano dos indivíduos; e continua com o objetivo de proporcionar
felicidade, criar proximidade e estabelecer afetuosidade aos consumidores da marca, visto
que aparece com uma imagem mais afável, dentro dos contextos do desenho, da imagem de
um bicho de estimação.
Um elemento merece destaque nesta análise: Digby aparece vestido com uma camiseta.
Isso chama nossa atenção para duas interpretações: a primeira, condiz com a humanização
do personagem, visto que agrega à imagem do mascote um elemento do universo do homem,
uma peça do vestuário; a segunda, está para o fato desta peça, uma camiseta, ser o principal
objeto de trabalho da marca, respondendo pela quase totalidade de suas vendas.

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O redesign de Digby não foi uma mudança impelida pelo primeiro logotipo, apenas uma
atualização do personagem, que passa a agregar, cada vez mais, a marca inicial da empresa.

Figura 5 – A terceira marca da Colcci. Substitui-se o personagem inicial pelo novo desenho de Digby.

Melo (2009) informa que no início a loja foi aberta em um espaço sem identidade visual
definida. Tudo construído nos moldes de uma loja cujo interesse era apenas oferecer malharia
de qualidade, com preços acessíveis. O personagem da marca era muito explorado em
letreiros retroiluminados, sacolas, embalagens e adesivos. Afinal, Digby conquistava a simpatia
dos consumidores e era um dos grandes responsáveis pela ascensão da marca e das vendas.
Um detalhe, porém, chama a atenção: Digby era, comumente, visto nesses materiais
em orientação vertical, apesar de seu uso na marca ser horizontal, o que leva à seguinte
análise: a Colcci buscava, mesmo que não declaradamente ou ainda de forma desorganizada,
uma identidade visual. O fato reforça o exposto por Melo (2005), anteriormente, sobre a cultura
da identidade visual difundida pelas empresas no período que permeia os anos 1960 até
meados dos anos 1990.
Essa identidade visual ainda não declarada era um trabalho de experimentações,
testavam-se as várias aplicações do personagem e logotipo, buscando um formato ideal que
organizasse a aplicação da marca. A administração da empresa, coordenada por Jorge Colzani,
entendia que em certos materiais de comunicação ou merchandising – como cartões de visita,
etiquetas para presente e adesivos – a orientação vertical poderia proporcionar um melhor
reconhecimento do logotipo e personagem. Porém, ao mesmo tempo, em fachadas, a melhor
aplicação condizia com o horizontal, até mesmo porque era o formato oficial da marca.


Figura 6 – À esquerda, a terceira marca estampada em um letreiro retroiluminado na fachada de uma
das primeiras lojas. Acima, cartão de visita com o logotipo e o personagem dentro de uma orientação vertical.
Foto e imagem do arquivo pessoal do pesquisador, 1992.

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Pode-se verificar, ainda, que essa experimentação se estendia a outros fatores, como,
por exemplo, a cor. Apesar de os materiais de cunho institucional trazerem marca e personagem
dentro das tonalidades amarela e azul (cores padrão da empresa), em outras aplicações Digby
e o logotipo podiam aparecer em cores diferenciadas e alternadas, como é o caso de alguns
adesivos.

Figura 7 – Digby, estampado junto ao logotipo, em adesivo. Orientação vertical, contrária à versão oficial.
Detalhe para a camiseta na cor rosa, destacando o objeto de manufatura principal da fábrica.

Todo esse esforço por acertar o padrão visual na exposição dos produtos, somado à
expansão dos pontos de venda, levou a empresa a buscar também uma identidade visual. E
a Colcci apresenta uma nova marca.

Figura 8 – A quarta marca da Colcci. Imagem cedida pela empresa.

A quarta apresentação oficial mantém o respeito ao padrão de cores – com predominância


do amarelo e azul. Essa versão, entretanto, inaugura a inserção do vermelho, representada
pela camiseta do personagem da marca. Digby ganha novas dimensões, assim como a
relação entre a marca e seus usuários. Daí reiterar a questão da aproximação e afetuosidade
apontadas por Perez (2004) e refletidas nas mudanças da marca Colcci.
Para Ferlauto (2002, p.63), “[...] os designers precisam ‘escrever com clareza’ seus
discursos não verbais, para serem bem entendidos. Isso significa considerar a dinâmica do

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olhar”. O autor amplia a discussão, ao considerar que, nesse sentido, uma das funções do
designer é proporcionar soluções não verbais, comandadas por questões relativas à dimensão,
forma, posição, cores, texturas, etc., o que, particularmente, mostra que essa versão da marca
não apresenta diferenciações relativas apenas à cor: Digby aparece com um desenho ainda
mais trabalhado, com volume e textura emborrachada.
Dondis (1997, p.70) considera ser a textura “[...] o elemento visual que com frequência
serve de substituto para as qualidades de outro sentido, o tato”. Já o volume, para a autora,
é proporcionado por uma ideia de dimensão. Assim, a textura e o volume funcionam como
uma alusão ótica, ao instigar o sentido tátil de querer afagar o personagem, como se ele fosse
tangível, aproximando-o ainda mais de uma humanização e seus sentidos reais.
Sancionando a análise anterior sobre a orientação vertical na aplicação de Digby junto
ao logotipo, a quarta marca da Colcci atesta a condição de relacionamento formal: o logotipo
é apresentado com o símbolo (WHEELER, 2008), resultando no que autores, como Costa
(2008), Melo (2005) e Strunck (2003), adotam como assinatura visual ou marca.
Para Wheeler (2008), a marca com um personagem é criada vislumbrando a incorporação
de atributos e valores que, geralmente, estão vinculados a um produto. A concretização da
inserção de Digby ao logotipo Colcci é a fundamentação para agregar à marca os valores que
foram transmitidos à imagem do personagem e experimentados pelos clientes.
A partir do crescimento com o modelo inicial de franquia, até 1994 foram 50 franquias,
chegando, em 1997 a 200 estabelecimentos em todo o país. “Em 1993, 1994, a Colcci já estava
em uma fábrica maior, com muitos funcionários (de 250 a 300), isso entre administradores,
financeiro, vendas, estilistas, designers, costureiros, empacotadores, produção...” (MELO,
2009, registro gravado).

Figura 9 – Segunda fábrica da Colcci: construída para abrigar sua expansão, com espaço para todos os
departamentos e setores de produção. No detalhe à direita, setor de estamparia, em processo serigráfico.
Arquivo pessoal do pesquisador.

Nesse mesmo período, a Colcci começou a diversificar as peças que oferecia: vestidos
leves, blusinhas, calças jeans, bermudas, jaquetas, jardineiras, bonés, meias, carteiras, bolsas
para viagem, nécessaires, toalhas, agendas, materiais de cunho promocional, como chaveiros,
canetas, lápis e adesivos; foram agregados ao mix de produtos que a marca oferecia. Segundo
Melo (2009), em 1994, já existia uma coleção “devido à variação das peças que estavam
sendo acrescentadas ao que se trabalhava na loja, tínhamos que ir de duas a quatro vezes ao

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ano à fábrica de Brusque para fazer a compra das coleções” (registro gravado).

Figura 10 – Agenda produzida pela Colcci. Arquivo pessoal do pesquisador.

Figura 11 – Meias, parte do mix de produtos que a empresa começava a oferecer, diversificando-se.

Perez (2004), Strunck (2003) e Wheeler (2008) lembram que, apesar de as ideias que
transmitem a personificação de um personagem se mostrarem atemporais e universais,
raramente elas conseguem se manter atualizadas; precisam ser redesenhadas e adaptadas à
cultura da época. Foi pensando assim que a Colcci aprimorou sua marca, para se atualizar. Na
sua quinta versão, Digby volta a ser bidimensionalizado e vetorizado, o que ajuda na aplicação
da marca em materiais gráficos. Com um visual descolado e jovem, o personagem continua a
ser bem explorado em materiais de merchandising e estampas dos produtos, aparecendo em
diversas aventuras que fazem parte do cotidiano dos seus consumidores.

Figura 12 – A quinta marca da Colcci: personagem volta a ser bidimensionalizado e vetorizado.

Percebe-se, pelo percurso das análises apresentadas, que existe uma busca constante

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da marca no sentido de cada vez mais personificar Digby, aproximando-o de uma humanização,
o que é respaldado por Perez (2004).
Nessa quinta versão da marca, isso se comprova pelo movimento que o personagem
adquire (desprendendo-se dos contextos estáticos e com a face voltada para apresentação
frontal), por sua cor alaranjada (mais representativa dos seres humanos, no universo dos
quadrinhos e animação) e, principalmente, pela vestimenta. Esta, que antes compreendia
apenas a camiseta, agora compõe um look com o tênis e a calça (consequência da diversificação
das peças, que começavam a ser confeccionadas pela marca).
O logotipo, por sua vez, é mantido dentro dos contextos originais. Em decorrência
de tantas modificações no personagem, algo precisava ser mantido para que houvesse um
reconhecimento por parte dos consumidores, uma garantia dos valores intrínsecos ao seu
consumo simbólico (MIRANDA, 2008). E é pensando na construção simbólica que a Colcci se
apresenta com um novo projeto.

COLCCI – Um design em transição


O ano de 1997 foi de grandes mudanças para a empresa. Lila Colzani (2007) pontua
que, apesar do crescimento da Colcci, nem todo o percurso do trabalho foi marcado por
sucesso e tranquilidade. Segundo a estilista e ex-proprietária da marca, durante o período de
expansão, houve vários empecilhos: franqueados que não entendiam de moda ou de gestão
de negócios; contratos que impediam a Colcci de entrar com lojas multimarcas em regiões
onde houvesse uma franquia. Foram questões que acabaram prejudicando a empresa. A
solução foi reestruturar a marca. Em meados desse mesmo ano, decidiu-se, estrategicamente,
fechar as franquias que não estivessem dentro de um padrão de loja.
Melo (2005) relata que, ao final da década de 1990 e início dos anos 2000, as empresas
começaram a se preocupar mais com o relacionamento entre marca e clientes. O signo de
comando amplia sua função inicial e passa a responder por significados simbólicos atribuídos
aos objetos e marcas, proporcionando a tradução de valores emocionais. Para o autor, o
branding vem aliar ao design de marcas a preocupação com o relacionamento entre as partes
envolvidas no processo de consumo, fato que orienta o turnaround da Colcci em uma nova
fase, de transição, em que mudam os propósitos do trabalho, o objeto produzido e as marcas;
trabalho que, praticamente, relança a Colcci no mercado, exigindo dela um período de
adaptação, para que a empresa possa entender seus novos objetivos e, consequentemente,
amadurecê-los para transmiti-los a seus usuários.
Havia, por parte da estilista Lila Colzani, o desejo de promover o crescimento da moda
da Colcci dentro do universo fashion de marcas brasileiras. Aponta, ainda, que a marca
estava ficando conhecida como especializada em vestuário básico. Foi quando se percebeu
a importância de mudar essa visão, para evitar que a marca se tornasse definitivamente
conhecida como popular, o que, a essa altura, não era o desejo dos proprietários da empresa,

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Lila e Jorge Colzani.


O primeiro passo no processo de mudança da marca Colcci foi tornar seu mascote, o
cachorrinho Digby, exclusivo das coleções infantis. Zanon (2009) diz que, apesar de trabalhar
com vários itens, gradualmente a empresa foi inserindo produtos mais voltados a uma linha
fashion e foi se desligando do personagem.
As camisetas foram surgindo em tonalidades de cores diferenciadas e com tratamento
de lavagem do tecido. As estampas deixaram de ser serigrafadas e passaram a receber
bordados, o que proporcionava uma sofisticação ao objeto. Neste caso, o personagem não
aparecia mais. Também a etiqueta da marca mudou: voltou ao logotipo inicial da Colcci, porém,
nas cores principais de cada peça – uma solução adotada para interferir menos no produto,
uma “invisibilidade” com vistas a transparecer apenas a nova proposta do design da empresa.


Figura 13 – À esquerda, estampa de camiseta que começava a compor a nova coleção da Colcci.
Foto do pesquisador.

Figura 14 – À direita, nova etiqueta: “invisibilidade” que buscava transparecer apenas o design do produto.

Dentro dos novos parâmetros, a Colcci começou um trabalho diferenciado: mudou a


marca, a identidade visual das lojas e até o design de sua moda, como já mencionado. Com
esse novo universo, propor um design que mudasse radicalmente a configuração visual da
marca poderia levá-la, em instantes, à bancarrota. Era preciso manter algo que proporcionasse
reconhecimento de elementos familiares ao consumidor, para não gerar um estranhamento
por parte da clientela fiel e, consequentemente, seu distanciamento.
A sexta marca volta a ser um logotipo, mantendo-se as cores da identidade que deram
origem à empresa. Manter tais elementos visuais de reconhecimento seria importante para

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comunicar ao consumidor as novas propostas. E o objetivo era mostrar que a empresa estava,
gradualmente, adaptando-se a um novo universo.

Figura 15 – A sexta marca volta a ser um logotipo.

As cores amarelo e azul foram mantidas, objetivando o reconhecimento da marca. A


tipografia, porém, não condizia mais com o tempo: muito pesada, seu traço, com intenções
manuscritas, não se revelava contemporâneo para o universo informatizado que, cada dia
mais, estava se fazendo presente na vida dos indivíduos. A tipografia deveria, pois, adaptar-se
à cultura da época, digitalizar-se.
Pode-se dizer que a empresa chega a um resultado de design mais amadurecido
para a marca, com caráter mais sério, formas retas e limpas, indo ao encontro das novas
propostas que a Colcci pretendia transmitir em um símbolo. A nova marca Colcci condensa
informação que comunica um amadurecimento no design de suas coleções, pois rompe com
o universo fantástico e bem-humorado, representado por um personagem humanizado, mas
não real. Traduz esse ideal em formas retangulares e cores que proporcionam reconhecimento
e familiaridade com as marcas anteriores, na intenção de gerar lembrança aos seus propósitos
de qualidade, experimentados pelo consumidor.
Nota-se, porém, que o conceito não seria suficiente para atender ao novo posicionamento:
um novo público que agora não buscava apenas se vestir com qualidade e bons preços, mas
intencionava também transparecer uma identidade particular e construída, dentro do ambiente
de consumo de moda, como exposto por Miranda (2008).
Os diretores da Colcci sabiam, portanto, que o trabalho com a sexta versão seria,
dentro desse contexto, temporário. Contudo, não era uma identidade definida, mas uma fase
de transição.
A sétima marca da Colcci é um logotipo que surge para acompanhar o conceito das
peças em produção, possuidoras de um caráter cada vez mais ligado ao fashion. Opta-se por
retirar as cores azul e amarelo e trabalhar, por algum tempo, uma marca monocromática, até
que se acertasse uma proposta de design.

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Figura 16 – Sétima marca, um logotipo monocromático.

Avalia-se que a Colcci pretendia trazer elementos que a atualizasse e, consequentemente,


fortalecesse sua imagem. A empresa almejava uma ruptura completa com a antiga identidade,
que, em virtude do amarelo e azul, ainda remetia muito aos tempos em que Digby imperava
no design das coleções. É como se a marca estivesse definitivamente se desvinculando de
qualquer ideal ou significado construído ao longo do tempo pelas cores padrão, que sempre
adotou como identidade.
Zanon (2009) considera que todas as mudanças levaram a Colcci a esse redesign,
modificando a marca frequentemente. Apesar de se mostrar um processo estruturado, a
entrevistada acredita que a movimentação para a reestruturação não tenha sido um trabalho
planejado. “Na verdade, foi uma coisa que foi acontecendo [...] acredito que tenha sido mesmo
uma consequência da evolução do produto que precisava também da evolução do logotipo”
(ZANON, 2009, registro gravado).
Contudo, a sexta e sétima versões da marca Colcci não representavam a concepção
visual de um símbolo que significava os planos da empresa para o futuro. Os logotipos eram
a primeira ideia do que se almejava, concepções transitórias, até que a empresa acertasse
seu ritmo e proporcionasse a solução para um design eficiente, capaz de comunicar as novas
intenções.
Entre o final de 1999 e início de 2000, a Colcci apresenta sua oitava marca oficial, uma
assinatura visual, composta de símbolo e logotipo, que a segue até os dias atuais.

Figura 17 – A oitava, e última, marca da Colcci.

A nova marca da Colcci rompe com todas as propostas anteriores, configurando a


consagração de seu novo trabalho. No que se refere às cores, a empresa desenvolveu uma
tonalidade própria para seu símbolo, derivada da cor laranja. A tipografia segue um design

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exclusivo, fugindo da concepção original, manuscrita.


O símbolo é uma solução de design, resultado visual do espectro sonoro que forma
a palavra Colcci quando pronunciada. Nesse sentido, lê-se verbal e visualmente o nome
da empresa. Uma disposição que, no futuro, pode permitir à marca assinar apenas com o
símbolo ou com o logotipo, alternativa que proporciona maleabilidade na comunicação dos
significados adotados.


Figura 18 – Maleabilidade na aplicação da marca: ora aparece assinatura visual, ora somente símbolo, ora
logotipo.

Zanon (2009) relata que todas as mudanças ocorridas com o logotipo foram
acompanhadas por reformulações internas no layout da loja, além da aplicação da identidade
visual no material dos pontos de vendas, de crescimento em ações de comunicação. Enfim,
sempre houve uma preocupação com design, marketing e comunicação.

Figura 19 – A oitava marca Colcci aplicada em fachada de loja da marca. Fotos do pesquisador.

O trabalho de reposicionamento da marca contribuiu para aumentar o sucesso


da empresa, chamando a atenção para a sua força, atraindo, consequentemente, o olhar
de grandes investidores. Em 2000, o grupo AMC Têxtil compra a marca Colcci. A gestão
administrativa da empresa, que se concentrava na figura do então sócio-proprietário Jorge
Colzani, cede espaço a novos diretores – que seguem o comando da liderança de Alexandre
e Margareth Menegotti, irmãos e sócios-proprietários do grupo que adquiriu a marca. Lila
Colzani, porém, não se desliga da empresa como o marido. Apesar de não mais responder
por decisões administrativas, a estilista continua contratada pelo grupo para comandar o
departamento de design de moda das coleções da Colcci.

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O processo de compra pelo grupo AMC Têxtil, segundo Zanon (2009), passou por um
período de maturação, necessário para que a empresa se enquadrasse nesse novo universo
para, assim, ter uma visão dos novos rumos a serem seguidos. Uma etapa que levará a novas
oportunidades e, ao longo do tempo, acarretará novas mudanças. Em um processo que vai
definir o design da marca Colcci.

COLCCI – A marca, a moda e a modelo


Chega-se, então, às propostas contemporâneas para o design da marca. Melo (2005)
tece considerações sobre a complexidade da marca, visto que o símbolo, a imagem e o
relacionamento com o cliente estão imbricados em uma atividade única: a de proporcionar
os significados, funcionais e emocionais, a serem traduzidos por um grupo que compartilha o
mesmo código. Um trabalho que se presta ao design da marca Colcci no mercado de moda
brasileiro e que necessitou de um longo planejamento, que vai de 2001 – após a compra pelo
grupo – até janeiro de 2004, ano de maior importância para a Colcci, pois marcou sua primeira
aparição em uma semana de moda brasileira.
Zanon (2009) afirma que em 2003 a rede de franquias já estava melhor estruturada
e desenvolviam-se estratégias de trabalho com as multimarcas; que havia, por parte dos
consumidores, certa cobrança pela não participação em uma semana de moda. Os clientes
precisavam e reclamavam de uma visibilidade que a própria marca não possuía, em nível
desejado, nas capitais. Assim, a Colcci sentiu-se motivada para uma mudança que a elevasse
ao patamar de conhecimento pretendido. Percebeu que tal visibilidade poderia ser obtida com
a participação em eventos, como o São Paulo Fashion Week ou o Fashion Rio. Iniciou-se,
pois, um novo trabalho com o design da marca.
Apresentando a coleção Outono/Inverno 2004, a marca teve sua primeira participação
no Fashion Rio – uma parceria que permaneceria até 2007. “Então começamos de fato, com
força, com visibilidade, em janeiro de 2004. [...] desfilamos com a Paris Hilton. Este foi o
primeiro grande desfile da Colcci” (ZANON, 2009, registro gravado).
A modelo Gisele Bündchen participou, na última hora, dos trabalhos que a empresa
preparava para a segunda metade de 2004. Para Zanon (2009), um dos fatores que contribuíram
para a busca do nome da modelo foi a ideia de uma expansão internacional. Na época a Colcci
possuía uma loja nos Estados Unidos e iniciava suas atividades em outros países; precisava
de um rosto que possuísse visibilidade não só no Brasil, como no exterior. Depois de Paris
Hilton, a marca percebeu que era necessário alguém que representasse todos os valores que
se desejava comunicar.

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O design da marca Colcci: história e construção.

Figura 20 – À esquerda, imagem do primeiro desfile Colcci realizado com Paris Hilton, em janeiro de 2004, no
Fashion Rio. Fotos divulgação cedidas pela Colcci.

Figura 21 – À direita, imagem do primeiro desfile Colcci realizado com Gisele Bündchen, em janeiro de 2005, no
Fashion Rio. A coleção Outono/Inverno 2005 tinha como título/tema “Confidential Hotel”.
Fotos divulgação cedidas pela Colcci.

Para Erner (2005), grandes marcas se consolidaram no mercado graças à habilidade de


seus dirigentes; seus produtos são bem comercializados pelo nome que construíram. Muitas
vezes, as vias que propulsionam um resultado ainda maior tomam caminhos que se utilizam
do que o autor chama de people – vestir celebridades – para garantir certo status. A Colcci é
um exemplo, iniciou com Paris Hilton e seguiu com Gisele Bündchen.
A ideia do people, colocada pelo autor, é reforçada, sob outra perspectiva – a psicológica
–, por Miranda (2008, p.25), ao acrescentar que “o indivíduo possui tendência psicológica à
imitação, esta proporciona a satisfação de não estar sozinho em suas ações. Ao imitar, não só
transfere a atividade criativa, mas também a responsabilidade sobre a ação dele para o outro”.
Logo após o primeiro trabalho com a modelo Gisele Bündchen, a marca abriu lojas em
Barcelona e Madri, na Espanha, e começou uma ação muito forte nos Emirados Árabes. No

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O design da marca Colcci: história e construção.

dia da entrevista com Geane Zanon (23 de outubro de 2009), a Colcci estava abrindo uma loja
franqueada no Chile e organizando sua inauguração com a presença do modelo Jesus Luz, o
que, mais uma vez, alinha as estratégias da marca ao pensamento de Erner (2005), Miranda
(2008) e Perez (2004), reforçando-o.
Em 2007 Jéssica Lengyel assume o design das coleções da Colcci e tem, em janeiro
do mesmo ano, a sua premier, apresentando a coleção Outono/Inverno 2007. Lengyel vem
reforçar a intenção da empresa ao apostar no jeanswear. Porém, a Colcci não esconde – nas
peças desfiladas na passarela – o forte apelo fashion, além da intenção de lançar tendências.

Figura 22 – Peças com design assinado por Lengyel e sua equipe. Coleção Primavera/Verão 2008.

A Colcci satisfeita com o resultado positivo das participações no Fashion Rio, em 2008,
transfere a apresentação das coleções para o São Paulo Fashion Week. Zanon (2009) analisa
positivamente o papel das duas semanas de moda na marca: o Fashion Rio foi uma grande
vitrine para a empresa, colocou sua marca no mercado, chamando atenção para a proposta
inovadora de moda que é trabalhada; em São Paulo, teve-se a oportunidade de consagrar,
de forma institucionalizada, a capacidade da Colcci para fazer moda e mostrar que veio para
lançar tendência no jeanswear.
Em sua primeira participação no São Paulo Fashion Week, a Colcci trouxe um reforço à
imagem de Bündchen nas passarelas. Rodrigo Hilbert vem formar, com Gisele, o casal que a
empresa precisava para consagrar o uso do people – como propõem Erner (2005) e Miranda
(2008).

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O design da marca Colcci: história e construção.

Figura 27 – Colcci em estreia no SPFW. Gisele Bündchen e Rodrigo Hilbert fazendo casal na passarela da
marca. Primavera/Veão 2009.

A empresa também leva a imagem “do casal Colcci” aos materiais de comunicação
– que ganham tratamento e trabalhos especiais, com fotógrafos renomados (nomes como
Gui Paganini e David Sims) e agência de propaganda (PrCom) especializados no universo da
moda.

Figura 28 – Imagens do catálogo Primavera/Verão 2009 Colcci. Consagração para a marca no uso do people.

Com Lengyel, a empresa decide fazer outras alterações no seu trabalho, mudando:
etiquetas das peças, bem como as que possuem função instrutiva e de identificação; materiais
de comunicação, publicidade, merchandising; layout das lojas; e, mais tarde, a semana de
moda da qual participava.
A Colcci percebe que esses materiais são parte do significado que possibilita construir
os valores que a empresa insere no design de sua marca, proporcionando oportunidades de
contato da marca com seus consumidores; permitem ser diferenciados e renovados a cada
coleção, já que acompanham as mudanças de estilo e geralmente são desenhados dentro do
que propõe o tema da estação.

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O design da marca Colcci: história e construção.

Figura 23 – Etiquetas encontradas em peças como calças, camisetas, bolsas e tênis. A cada estação um novo
formato que acompanha o tema/título da coleção. Fotos arquivo pessoal.

Com a nova proposta de trabalho e a crescente expansão internacional, a Colcci muda


o layout de suas lojas. No novo design predominam as cores sóbrias, intercaladas com cores
neon, conceito de ousadia encontrado no design das coleções da marca. Características do
universo jovem, que misturam informações e acabam se harmonizando com o consumidor,
aberto ao novo, às experimentações.

Figura 24 – Layout das lojas Colcci a partir de 2007. Fotos do pesquisador.

Nota-se uma setorização na loja, cuja idealização foi concebida para destacar as
linhas segmentadas da marca. Isso valoriza as linhas dos produtos quanto à exposição e cria
ambientes diferenciados, que permitem ao público, ao misturá-las, experimentar o novo, ousar.
Assim, o consumidor pode compor o seu look de forma particular e assumir as propostas
construídas pela marca.

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O design da marca Colcci: história e construção.

Figura 25 – Existe uma setorização na loja, trabalho que valoriza os produtos. Fotos do pesquisador.

Figura 26 – Novas sacolas, novo acabamento interior e nova aplicação para o endereço eletrônico da marca.
Fotos do pesquisador.

As embalagens dos produtos também recebem novo redesenho. Sacolas e caixas
de presentes ganham elegante acabamento: o logotipo é aplicado em dourado, no centro
dos materiais, optando-se por deixar de fora o símbolo da marca, visto que os filetes que o
compõem poderiam desaparecer sobre o arabesco. Entre as alças encontra-se o símbolo
da empresa, compondo o endereço eletrônico de seu site, o que só reforça o ideal de ler
Colcci, visualmente, com o espectro da vocalização formada pelo nome da marca, ao ser
pronunciada, e retoma a discussão da flexibilidade na sua aplicação.
Vale ressaltar que o endereço eletrônico aplicado nesses materiais vem descrito apenas
com a denominação internacional de sites, o “.com”, sem a aplicação da extensão de sites
brasileiros, o “.br”, o que vem mais uma vez reforçar a intenção da marca quanto a um trabalho
internacional, alinhado a uma linguagem de comunicação única.
Esse novo trabalho com o design de etiquetas e tags, comunicação e merchandising,
desfiles e lojas, mostra a preocupação da Colcci em, junto com as novas propostas da designer

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O design da marca Colcci: história e construção.

contratada, atender a construção dos significados da marca.


Há um discurso, por parte da empresa, de não se intitular uma grande lançadora
de tendências, e para a diretoria nem existe essa pretensão. Segundo Zanon (2009), quem
lança tendência são os designers internacionais de moda, e, hoje, muitos são os brasileiros,
como Ronaldo Fraga, Alexandre Herchcovitch. A entrevistada diz que o projeto da empresa
é ser reconhecida como moda jeanswear; e existe a preocupação de trabalhar tendência
dentro desse segmento; um discurso particularmente diferente do resultado que se vê nas
participações da marca nas semanas de moda.
Na verdade, apesar de a diretora refutar essa ideia, por hora, o discurso da Colcci quanto a iniciar
um trabalho com um produto voltado às grandes tendências de moda, parece estar tomando forma e
pode, em breve, tornar-se realidade. A empresa tem dado mostras de estar trilhando nessa direção.
Hoje a Colcci está presente em, aproximadamente, 35 a 40 países, com 20 estabelecimentos
franqueados e um trabalho de peso com 1500 multimarcas em países estrangeiros. No Brasil, são
100 franqueados e 1300 multimarcas. Os números impressionam, ao todo, existem por volta de
120 lojas franqueadas e 2800 multimarcas trabalhando as coleções da marca em todo o mundo.

Considerações Finais
Algumas constatações levam a uma análise que contesta o contraditório discurso da
marca. A Colcci agora divide Gisele Bündchen com outro rosto internacional, Danny Schwarz
– modelo inglês que tem trabalhos com Calvin Klein, D&G e Pepe Jeans. As fotos foram
clicadas por um fotógrafo de renome internacional no universo da moda, David Sims – que
possui experiência com Gap, Prada, Levi´s, Louis Vuitton, Hugo Boss, Givenchy e Nike. Tais
fatos levam a acreditar que a empresa esteja cada vez mais focada no mercado internacional.
Afinal, existe todo um movimento de internacionalização das linguagens em seus materiais de
comunicação e merchandising, que contam com nomes consagrados do mundo da moda.

Figura 29 – Imagens do catálogo e anúncios da coleção Outono/Inverno 2010 (Viajantes do tempo – Time travelers).

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Foi inaugurada, em 28 de maio de 2010, a primeira Concept Store da marca Colcci.


Localizada no shopping Cidade Jardim, em São Paulo, a loja pretende oferecer, além das
peças da coleção, produções exclusivas desfiladas nas passarelas do São Paulo Fashion
Week – semana de moda à qual está inserida –, que só serão encontradas por lá. Essa
estratégia é uma das grandes observações quanto ao discurso contraditório da marca. Pode-
se, aqui, sacramentar o desejo implícito da empresa de, talvez, em um futuro breve, como já
foi apontado, trabalhar definitivamente um caminho que irá consagrá-la dentro do universo
fashion e apresentar a Colcci como uma marca de moda que veio para lançar tendências.
A empresa busca também estabelecer apenas seu nome, com o símbolo da marca
cada vez mais omisso nas suas aplicações, o que revela o próximo passo: o regresso da
Colcci a um logotipo com design específico da sua tipografia, em cor preta, e alinhado com
os grandes lançadores de tendências internacionais, como Calvin Klein, Calvin Klein Jeans,
Diesel, Dolce & Gabbana, etc.
Zanon (2009) afirma que o uso apenas do logotipo é um trabalho específico do material
de comunicação e marketing das coleções, mas sua apresentação completa, com símbolo, é
a marca institucional; aparece em produtos, etiquetas, tags, lojas, etc.
Analisa-se, no entanto, que, dentro das propostas aqui apresentadas com o design
de marcas contemporâneo, todo ponto de contato com o consumidor é uma oportunidade
de relacionamento da marca com a construção de seus valores e, consequentemente, uma
oportunidade para estabelecer os códigos que permitirão a tradução de seus significados no
futuro.
Sendo assim, essa reflexão mostra que a Colcci tem hoje um trabalho bem organizado
e planejado. Há, por parte dos envolvidos com a empresa, uma grande preocupação com
seu futuro no mercado de moda. Afinal, ela traça um histórico que permeia o trabalho de
uma marca que saiu do interior de Santa Catarina, com a produção de peças de roupas
básicas com estampas de um personagem figurativo – humanizado e carregado de símbolos
de afetividade –, para uma empresa que tem modelos internacionais fotografados por nomes
consagrados da moda, produz peças com design assinado e possui lojas espalhadas por
todo o mundo, vendendo a culturas globalizadas objetos que permitem que os indivíduos se
expressem por meio dos significados construídos pelo design de sua marca.

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O design da marca Colcci: história e construção.

Notas
i Esta pesquisa resultou na dissertação intitulada O Design da Marca Colcci, elaborada por Alvaro de
Melo Filho, defendida em agosto de 2010, pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Design
da Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa. Dra. Márcia Merlo.
ii Cauduro e Martino (2005), Costa (2008), Lupton (2006), Melo (2005), Miranda (2008), Perez (2004)
e Wheeler (2008).
iii Aqui também tratado como redesign.
iv [...] mascote remete à figura de pessoas, animais ou coisas consideradas capazes de trazer ou de
proporcionar sorte e felicidade. [...] o objetivo principal da utilização do mascote é o de humanizar a
marca. Normalmente são animaizinhos (reais ou criados, desenhados) que possuem vida própria, têm
sentimentos e participam do cotidiano humano (PEREZ, 2004, p.94 - 95).

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a r q u it eto e art ista
ó g r a f o,
Flávio Imp ério: cen ign: Universidad e Anhembi Morum
bi
ra. do PPG em Des
Campos; Profª D
Gisela Belluzzo de
l.com.br visual
giselabelluzzo@uo A rt es co m H ab ilitação em Audio
do curso de
ve lla r C am pos; Graduanda ail.com
Tereza Grim al di A
bi M or um bi - tetegrimaldi@gm
em
Universidade Anh
e Novas Mídias:

Resumo
Este artigo busca analisar a diversidade da obra de Flávio Império e
identificar suas referências, processos de criação e singularidades
em relação a outros artistas e cenógrafos, bem como entre suas
obras que transitam pelos campos das artes plásticas, cenografia,
figurinos e arquitetura. Buscou-se obter as informações necessárias
por meio de referências em livros, desenhos e documentos de
processo e relatos de pessoas que conviveram e trabalharam com
ele diretamente. Foram eleitas três peças com cenários e figurinos
de sua autoria para estabelecer relações entre seus estilos e
maneiras de criar e produzir.

Palavras-Chave: Flávio Império; cenografia; desenho;


artes plásticas; processo criativo

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista

Introdução
Este artigo é resultado de um projeto de Iniciação Científica sobre o papel e a importância
do desenho no processo de criação e na construção de cenários e figurinos teatrais de Flávio
Império.
Flavio foi um dos maiores cenógrafos brasileiros que produziu entre as décadas de
1950 e 1980, tendo criado cenários e figurinos de peças como Morte e Vida Severina, de João
Cabral de Melo Neto, no Teatro Experimental Cacilda Becker, em 1960; Um Bonde Chamado
Desejo, de Tenessee Williams sob direção de José Celso Martinez Corrêa, no Teatro Oficina,
em 1962; Roda Viva de Chico Buarque de Hollanda, em 1964; criou também a cenografia de
shows como Rosa dos Ventos, de Maria Bethania, no Teatro da Praia, no Rio de Janeiro, em
1971, entre muitos outros.
O artigo busca explicitar, em um primeiro momento, a importância de Flávio Império
no contexto de sua época – um conturbado momento na historia do Brasil, marcado pela
ditadura militar e pela censura acirrada sobre os meios de comunicação e, principalmente,
sobre os artistas. Discorremos também acerca da interdisciplinaridade e do processo criativo
de sua trajetória e, por fim, analisamos três peças afim de identificar elementos desse processo
criativo, enfatizando as singularidades e usos de seu trabalho diante do contexto teatral da
época, especificamente aquela que culminou na criação dos cenários e figurinos das peças
Pano de Boca, Andorra e Noel Rosa: o Poeta da Vila e seus Amores.
A pesquisa foi embasada, principalmente, na análise e na observação de desenhos
realizados para projetos de seus cenários e figurinos. Paralelamente, foram consultados
documentos de projetos tais como fotografias, maquetes e escritos em cadernos pessoais
de Flávio, disponíveis, juntamente com os desenhos, no acervo da Sociedade Cultural Flavio
Império, localizada na casa de sua irmã Amélia Império Hamburger. Um grupo de alunos e
arquitetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo cuida
da catalogação e reorganização deste acervo, que, segundo Amélia, será doado em breve
para alguma instituição ainda não definida. A pesquisa se apoiou ainda em textos autorais
e informativos de comentadores de sua obra que auxiliaram a desvendar o processo e a
construção de seus trabalhos.
Ao observar todo este material podemos entender um pouco como funcionava seu
pensamento, quais eram suas referências e o que ele buscava com suas obras cenográficas.
“O teatro me ensinou a vida, a arquitetura o espaço, o ensino a sinceridade, a pintura a
solidão.” (IMPÉRIO In HAMBURGER; BENEDETTI, 1997).

Contexto
Arquiteto, artista plástico e professor, Flávio foi um dos cenógrafos mais importantes do
teatro brasileiro. Durante os anos de sua produção, de 1956 a 1985, não se pode pensar a

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista

história do teatro brasileiro sem mencionar Flávio Império. Formado em arquitetura e professor
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo na década de 1950,
Flávio iniciou sua carreira como cenógrafo e figurinista com um grupo de crianças. A partir daí
ingressou em companhias de teatro como o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) e Teatro de
Arena. Paralelamente exercia uma produção no âmbito das artes plásticas, produzindo telas
muitas vezes contendo críticas sociais e políticas.
Pouco antes de Flávio iniciar sua carreira, no ano de 1948, o teatro paulista passava
por grandes transformações. Neste ano foi fundado o Teatro Brasileiro de Comédia, TBC.
Nesta época havia apenas três teatros em São Paulo, o Boa Vista, o Santana e o Municipal,
cujas agendas eram preenchidas por bailes, festas e temporadas de companhias de teatro
estrangeiras, ou seja, não havia espaço para os grupos locais. Esta situação criava uma
dificuldade para os grupos amadores de São Paulo alugarem o Teatro Municipal, a fim de se
apresentarem.
Diante disto, o industrial italiano Franco Zampari, que se encontrava em boa situação
econômica em São Paulo, como forma de retribuição ao que a cidade havia lhe proporcionado,
reformou uma garagem localizada na Rua Major Diogo e a transformou em um teatro com
365 lugares, ainda simples, que seria melhorado ao longo do tempo – o TBC. Este espaço
era destinado à apresentação destes grupos amadores. Ainda em 1948 os grupos vão se
revezando com diversas montagens no recém criado TBC.
O TBC inaugura o teatro profissional em São Paulo, em 1949, que nesta época, era o
mais homogêneo do Brasil, sendo todo ele pertencente à uma geração que compartilhava os
mesmos princípios estéticos. Em 1954, o TBC ocupa o Teatro Ginástico do Rio de Janeiro. Em
1955, passa a ser considerado parte integrante da identidade de São Paulo, um bem coletivo
que pertence à cidade, do mesmo modo que “o prédio do Banco do Brasil, o viaduto do Chá,
os nossos museus e o Parque do Ibirapuera” (MAGALDI e VARGAS, 2001, p. 219).
Em 1958 um grupo de estudantes de direito do Centro Acadêmico XI de Agosto, no Largo
São Francisco, começa a reunir-se para fazer teatro. Inspirados pelas idéias existencialistas
de pensadores como Jean Paul Sartre, estes amadores tinham ainda em comum o desejo de
fazer um teatro diferente, que fugisse do caráter burguês do TBC e de seu italianismo. Surge
então o Teatro Oficina. José Celso Martinez Corrêa, um de seus fundadores, é o nome mais
expressivo do Oficina, sendo diretor da maioria das peças. Ele tem uma posição bastante
radical em relação ao TBC:

Foi criado um tipo de teatro que fosse a imagem idealizada de onde o


imigrante deve chegar e do que o brasileiro produtor de café, criador de porco
ou construtor de fábrica devia alcançar como “requinte”, tal requinte era a
cultura européia. Criou-se o TBC que se fechou totalmente ao teatro brasileiro
já existente, para eles, a cultura não poderia nascer no Brasil, tinha que vir
necessariamente de algum lugar da Europa ( CORRÊA Apud STAAL, 2000, p.
18).

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista

É importante lembrar que naquele momento o mundo assistia ao auge da Guerra Fria
e o maior receio destes grupos era que o Brasil se inclinasse para o socialismo. O estilo de
governo apresentado por João Goulart causava uma grande preocupação nos EUA que, assim
como os grupos conservadores brasileiros, sentiam-se ameaçados por um golpe comunista.
Este clima de tensão culminou com o golpe político-militar de 1964 que depôs o
presidente João Goulart, obrigando-o a refugiar-se no Uruguai. O general militar Castello Branco
foi eleito pelo Congresso Nacional e, ao contrário do que propunha em seu pronunciamento,
logo que inicia seu governo assume uma postura autoritária que suprimia direitos assegurados
pela Constituição.
O Oficina, assim como toda a classe artística e também os veículos de comunicação, teve
sua liberdade de expressão vigiada pela censura. Intelectuais, estudantes, membros da classe
trabalhadora e todos os que se opunham ao regime militar, eram violentamente reprimidos,
muitas vezes sofrendo perseguição política. Zé Celso e o Oficina tiveram muitas montagens
mutiladas pela censura e, naquele momento, as condições adversas que enfrentavam não os
inibia, ao contrário, fazia com que buscassem expor através de suas montagens sua postura
crítica e insatisfeita com a realidade social em que viviam. Segundo o diretor do Oficina, havia a
necessidade de falar do “aqui e agora”. Flávio era parte desta expressão artística da época, ao
trabalhar em teatros como o Oficina e também o Arena, fundado nos anos 1950, e, ao mesmo
tempo, realizar trabalhos no TBC, o que demonstra sua versatilidade, sua preocupação com
a causa criativa e não apenas política e social.

Produção e processo de criação


Pesquisar a produção de Flávio é uma experiência enriquecedora pela desenvoltura com
que o cenógrafo transita nas diversas áreas e técnicas para construir seus cenários os quais
unem conhecimentos de arquitetura, de artes plásticas e de desenho. O caráter interdisciplinar
do trabalho de Flávio enriquece sua produção e aponta possibilidades de caminhos para
aqueles que a investigam.
Os cenários de Flávio são produções complexas, ricas em experimentações técnicas,
em pesquisas de materiais e de campo. Sua busca por diversas formas de expressão, técnicas
e linguagens faz deste artista, por essência, uma referência nacional nas áreas em que atuou,
principalmente na cenografia.
O desenho é a linguagem comum entre todas as áreas percorridas por Flávio, e, através
dele, pode-se perceber sua diversidade artística. A análise de seus desenhos projetuais para
cenários e figurinos possibilita uma experiência estética que passa pelos campos das artes e
da arquitetura, e atesta que cada cenário seu é fruto da junção da técnica com a sensibilidade.
Na realização dos cenários, Flávio Império é o arquiteto e o mestre de obras. É o
projetista e o executor. Esses trabalhos transcendem o preceito de criação em design, tal
como é identificado na Revolução Industrial com o advento das produções em série, em que

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista

um bom projetista é contratado e, executores, sem a noção de todo do processo, cumprem


apenas suas funções definidas e limitadas. “Ele acompanhava todo o processo, ele desenhava,
projetava, depois de projetar ia aos detalhes, ele virava noites e ia ver com as costureiras, e
bordava, ia com os maquinistas [...] ficava extenuado e entregava aquilo [o cenário e figurinos].”
(CORRÊA, Apud STAAL, 2000, p.46).
Flávio projeta, analisa, busca os materiais e executa o projeto. Seu instrumento de
trabalho mais significativo são suas próprias mãos. A tecnologia advém de suas experiências
com materiais e técnicas. A produção que Flávio realiza no plano, ao pintar suas telas, serve
também como base para suas produções tridimensionais. A sofisticação de seus cenários
não se baseia em técnicas revolucionárias e sim na capacidade que ele possui de, com
uma inteligência espacial adquirida pela prática como arquiteto aliada ao senso estético
e conhecimento material obtidos pela prática como artista plástico, encontrar soluções
esteticamente harmoniosas e engenhosamente inovadoras. Pode-se traçar um paralelo do
trabalho de Flávio ao de um artesão que dedica sua vida à criação, cujo trabalho como um
todo, desde o projeto até a execução final, proporciona intenso prazer. Laura Greenhalger
comenta que Flávio Império tinha “[...] mãos de artesão. Curiosas, impacientes, dispostas,
detalhistas” (GREENHALGER, 1997, p.16). Rocha acentua que é possível notar o peso de sua
mão em seus trabalhos (ROCHA, 1997). Mãos que circulavam pelas mais diversas técnicas,
das mais diversas formas. Flávio então se descobria pesquisador de materiais, reciclador,
experimentalista, não tinha preconceito no uso dos materiais. Flávio comenta sobre as técnicas
e materiais que utiliza: “[...] Às vezes é papel, às vezes é pano, às vezes é madeira, às vezes é
serigrafia, às vezes é desenho com a mão, às vezes é pintura com recorte, às vezes é pintura
com pincel” (IMPÉRIO apud HAMBURGER; BENEDETTI, 1997).
Durante as experiências iniciais de sua carreira surgiram características de modos de
operar que ele levaria por toda sua trajetória profissional tais como o comprometimento com o
grupo, a habilidade de transformar experiências vividas em linguagem e a capacidade de criar
cenários com recursos ínfimos.

É inevitável, observando panoramicamente a obra de Flávio, pensar nos grandes


artífices da Renascença: homens-artistas-artesãos que dominavam um leque
de atividades complexas cuja dimensão era a resultante de um esplêndido
instinto criador aliado à uma intuitiva posição criativa (RATTO, 1997, p. 41).

A técnica usada também varia de acordo com a peça teatral na qual está trabalhando;
as peças de cunho político geralmente demandavam soluções mais simples e criativas devido
à falta de recursos.
Flávio contemplou a diversidade do contexto teatral da época com técnicas e desenhos
com estilos diferentes. Como já foi dito, o desenho é a linguagem comum entre as áreas
exploradas por Flávio: arquitetura, artes plásticas, cenografia e figurino. Os estilos diversos

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista

se confundem e se misturam, porém sua precisão técnica e liberdade criativa estão sempre
presentes. O desenho tem várias funções em suas criações: é a parte lógica da criação, é
o projeto de toda obra final e é também o documento de processo. Segundo Cecília Salles,
os documentos de processo são índices do percurso mental realizado durante a criação. A
materialidade destes índices varia de acordo com o artista (SALLES, 2001). Observando os
desenhos de Flávio podemos entender o caminho mental de sua criação. Alguns deles surgem
em papéis de guardanapo e, depois, são desenvolvidos e se tornam parte de seus projetos.
Como diz Renina Katz, Flávio não tem um estilo, ele tem uma marca (KATZ, 1997).
Não persegue estilisticamente nada, tem sim, uma necessidade de experimentação, por isso
transita por diversas técnicas artísticas e faz uso dos mais variados materiais. Flávio é dotado,
segundo Gianni Ratto, de uma polimorfia estética (RATTO, 1997).

Cenografia
“A cenografia pode ser considerada uma composição em um espaço tridimensional
– o lugar teatral. Utiliza-se elementos básicos, como cor, luz, formas, volumes e linhas”
(MANTOVANI, 1989, p.8).
Segundo Beneh Mendes, em uma montagem teatral o texto é o elo fundamental, ainda
que para negar determinadas criações. O cenógrafo propõe ao diretor um determinado cenário,
e guia-se pelo texto, o que não significa que este seja a regra para a criação do cenógrafo. O
artista da cenografia faz sua re-leitura, uma interpretação da história.
No teatro não há uma fórmula, bem como não havia na criação de Flávio. Para uma
montagem realizada em locais como o SESC, era necessário um projeto mais apurado e
detalhado, por questões de aprovação de orçamento. Já em outros teatros sua criação podia
ser mais livre, a exemplo da peça Pano de Boca. Neste caso, Flávio fazia um desenho com
o intuito de passar a noção do projeto, o qual não precisava ter um caráter didático, pois ele
estava presente durante toda a montagem, “criando os figurinos no corpo dos atores, bem
como esticando tecidos para o cenário e criando objetos com um apuro estético e visual
impressionantes” (MENDES, 2010)

O Flávio tinha amplo conhecimento de marcenaria, funilaria, serralheria, pintura,


escultura, serigrafia e outros processos de impressão; ele participava da
execução de fio-a-pavio, pegando em ferramentas, metendo a mão na massa,
enfim, de forma que os profissionais que trabalhavam ali ficavam seguros e
satisfeitos com o trabalho (PAULO, 2010).

O fato de ele estar presente durante a montagem possibilitava executar mudanças não
planejadas, improvisos criativos que surgiam a partir do acompanhamento do projeto.
Alguns cenógrafos constroem maquetes, para facilitar o entendimento da proposta de
forma tridimensional, Flávio tinha este hábito.

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista

Flávio era um artista por essência, sua formação como arquiteto apurou sua
noção de espaço, proporcionando uma visão do espaço cênico diferenciada.
Ele pensava no todo. Seus cenários eram projetados de modo a facilitar a
marcação do diretor e movimentação dos atores. O desenho da cenografia,
entretanto, não deixa de ser um projeto de arquitetura, porém trata-se de uma
arquitetura efêmera (PAULO, 2010).

Outro aspecto que podemos considerar em relação a diferença entre seus projetos era
a verba disponível em cada montagem.
O cenário pode sofrer alterações durante o processo de construção, adaptações
podem ser necessárias, diferenciando-se, desta forma, do desenho inicial.

Documentos de processo
Ao analisar os cadernos de anotação de Flávio nos deparemos com referências de
todos os tipos, tais como santinhos de campanhas eleitorais, fotos de viagens, cartas de
amigos, desenhos, telegramas, muitas reflexões pessoais, poesias, escritos sobre cenografia
e sobre suas aulas na FAU-USP. A sensibilidade de Flávio se evidencia ao percorrer estas
páginas nas quais é possível se sentir quase em contato com ele. Um de seus escritos em
forma de versos fala sobre seu entendimento sobre a profissão de cenógrafo:

O cenógrafo
Em geral
É pessoa calada
Porque sempre
Tem
Quem
Fale... muito mais,
E,
Antes.
Eu acabei ficando
Com “prisão de boca”
Semelhante a de ventre
Porque,
Ultimamente,
Não tenho ouvido
Nada muito melhor
Do que me vem a cabeça
Flavio Império, São Paulo, 9-9-82.

Optamos por abordar os desenhos relativos aos projetos de cenário e figurino de três
peças criados por Flávio: Andorra, de Max Frisch, encenada no Teatro Oficina em 1964, Pano
de Boca de Fauzi Arap, montada no teatro 13 de maio em 1976 e Noel Rosa, o Poeta da Vila

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista

e Seus Amores, de Plínio Marcos, montada no Teatro Popular do SESI, em 1977.


A escolha destas peças deve-se às diferenças encontradas entre elas em termos de
estilo de desenho dos projetos, os quais são compostos por toda a pesquisa de Flávio em
relação ao texto, aos materiais, e pelos próprios desenhos. Cada desenho de Flávio é único
e os realizados para os projetos destas três peças exemplificam muito bem esta afirmação.

Andorra
Percebe-se, nos desenhos de Flávio criados para esta peça, a presença do arquiteto
pela precisão técnica. Não há, entretanto, especificações de medidas ou estruturas, evidência
de que Flávio estava sempre presente durante a montagem do projeto. Os croquis dos
figurinos apresentam alguns detalhes coloridos, entretanto, a maior parte deles é feita apenas
com uma caneta esferográfica resultando em desenhos precisos que, ao mesmo tempo, têm
um estilo próprio e característico, nos quais, aparece, então, o artista. Flávio conta que a idéia
desta peça era realizar um teatro próximo do épico, com uma perfeição estética. Em algumas
de suas anotações encontramos as definições de Flávio para o uso de determinadas cores
e sua relação com a história contada, contextualizada na época do nazismo e que trata de
preconceitos e perseguições. “O branco e o preto eram o preconceito. O marrom e o azul
eram o homem no seu universo complexo e incoerente, esbarrando por todos os lados com o
bloqueio dos preconceitos, tanto brancos como pretos” (IMPÉRIO, 1997, p. 89).

Figs.1 e 2. Desenhos para cenário e figurinos da peça Andorra, de Max Frisch, 1964
Fontes: KATZ, Renina e HAMBURGER, Amélia (org). Flávio Império. P. 90. Catálogo da Exposição Flávio
Império em Cena, realizada no Sesc Pompéia em 1977, p. 23

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista

Pano de Boca
Nos desenhos projetuais da peça Pano de Boca nota-se o contraste estilístico – parecem
até mesmo terem sido realizados por outra pessoa. São esboços menos normatizados, mas
que ainda assim exprimem a desenvoltura técnica de seu criador. Novamente percebemos o
artista presente. Encontramos indicações técnicas em relação a medidas em alguns destes
desenhos. Talvez por serem menos precisos, Flávio sentiu necessidade de colocá-las.
Em meio ao material desta peça, acessível na Sociedade Cultural Flávio Império,
encontram-se folhas de um de seus diversos cadernos de anotações, onde verifica-se a
explicação detalhada de cada etapa da construção dos cenários, bem como listas de compras
de tecidos e materiais para confecção dos figurinos. Tivemos acesso ao texto da peça e a
única referência ao cenário é: “o cenário é um palco cheio de coisas velhas, retalhos de velhos
cenários, roupas jogadas, um baú, muita sujeira”.
Lendo o relato de Flávio entendemos sua interpretação das referências do texto e sua
intenção de fazer com que o palco parecesse um teatro abandonado, situação real do Teatro
13 de Maio quando o cenógrafo o visitou pela primeira vez: “[...] um velho depósito parado,
com um monte de coisa velha, onde se tentava uma nova produção era só uma espécie de
documento do documento” (IMPÉRIO, 1997, p.117). Flávio concebeu elementos cenográficos
com materiais recolhidos em galpões de escola de samba e em depósitos de teatros.

Fig. 3 Desenho de cenário para a peça Pano de Boca, de Fauzi Arap, 1976
Fonte: KATZ, Renina e HAMBURGER, Amélia (org). Flávio Império. P. 120

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista

Fig. 4 Desenho de cenário para a peça Pano de Boca, de Fauzi Arap, 1976
Fonte: KATZ, Renina e HAMBURGER, Amélia (org). Flávio Império. P. 120

Noel Rosa, o Poeta da Vila e seus Amores


Investigando a terceira peça escolhida – Noel Rosa, o poeta da Vila e seus Amores,
encontramos desenhos nos quais nos deparamos com o arquiteto e o artista em harmonia.
Os desenhos possuem uma perfeição em termos de proporção e espaço. Percebe-se o que
é o projeto de uma construção para o palco, que difere de uma construção real. O espaço
e os materiais são diferentes, o que demonstra a versatilidade do arquiteto ao realizar as
adaptações necessárias. O uso das cores é muito sofisticado, bem como as colagens que
compõem o projeto, conferindo-lhe um aspecto de obra finalizada. A peça, que na verdade é
um musical, conta a história de vida de Noel Rosa, compositor e sambista carioca, que viveu
na década de 1920 no bairro de Vila Isabel, Rio de Janeiro. O cenário de Flávio tem como pano
de fundo painéis com desenhos do bairro e as cores conferem uma característica tropical e
um toque da malandragem característica dos sambistas cariocas. Flávio considera todos os
aspectos para a realização da peça, como por exemplo, o espaço que os atores necessitam:

[...] essa (Noel Rosa, o poeta da Vila e seus Amores) não é uma peça realista.
Isso é um musical. Então tem que encher de música e o espaço tem que ficar
livre porque não tem jeito de atravancar. Então a narrativa ficou sujeita a um
espaço eminentemente livre como se fosse para a dança e para o canto. E cada
elemento que descia só circunstanciava mais ou menos de forma decorativa,
nem era uma coisa realista. Era para dar um fundo (IMPÉRIO, 1997, p. 69).

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista

Figs. 5 e 6. Desenhos de cenário e figurinos para a peça Noel Rosa, o Poeta da Vila e Seus Amores, de Plínio
Marcos, 1977. Fonte: Catálogo da Exposição Flávio Império em Cena, realizada no Sesc Pompéia em 1977,
pág. 34

Fig. 7. Desenho de cenário e fotografia da peça Noel Rosa, o Poeta da Vila e Seus Amores, de Plínio Marcos,
1977. Fonte: Catálogo da Exposição Flávio Império em Cena, realizada no Sesc Pompéia em
1977, p. 34

Considerações Finais
Os cenários e figurinos criados por Flávio para estas três peças relacionam-se com os
respectivos textos. Entretanto, possuem uma interpretação pessoal, mensagens refinadas de
um entendimento de mundo muito apurado, digno de um verdadeiro artista, no significado
mais profundo desse termo, isto é, uma pessoa com a mente aberta, com um conhecimento

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista

amplo de técnicas e com maneiras próprias de expressar os significado dos textos teatrais.
Pesquisar os desenhos realizados para a obra cenográfica de Flávio Império é ter a
oportunidade de ampliar a percepção sobre o fazer artístico, de entender a relação constante
entre o conteúdo e a forma – necessárias em uma obra cenográfica – e, ao mesmo tempo,
perceber sua visão de mundo: como se portava diante das dificuldades de uma época de
repressão e censura, período em que uma arte que não fosse política não era considerada
importante. Em sua trajetória, Flávio soube aliar o trabalho direcionado para uma arte social
com produções pessoais, capazes de satisfazer os desejos mais íntimos de um artista, por
exemplo, pinturas sobre telas. Flávio pintava para fugir um pouco do espaço tridimensional do
teatro, para entrar em contato consigo mesmo: “[...] eu pinto toda vez que volto para casa do
palco, e neste caminho de volta do palco para casa é que a minha cabeça vai sintonizando
outra vez o trabalho com a superfície plana, que é muito diferente do trabalho no espaço do
palco.” (IMPÉRIO In HAMBURGER; BENEDETTI, 1997).
Seus cadernos pessoais revelam suas pesquisas, principalmente de materiais, revelando
seu vasto conhecimento – fundamental para seu processo criativo.
Estas características demonstram o caráter interdisciplinar de seu trabalho e o trânsito
entre territórios diversos – característica que se acentua no trabalho de artistas contemporâneos,
bem como a experimentação de novos suportes, técnicas, temas e espaços. Flávio Império
não só transitava pelas mais diversas áreas, como as praticou com perícia, paixão e primor.
“Flávio Império era um homem livre, um artista livre, um criador, como deve ser, como manda
o figurino” (BETHÂNIA, Maria apud HAMBURGER; BENEDETTI, 1997).

Referências
Flávio Império em Cena, Catálogo retrospectiva. Sesc, São Paulo, 1997.

GREENHALGH, Laura. Flávio Império, setembro de 78, in Flávio Império em Cena, Catálogo
retrospectiva. Sesc, São Paulo, 1997

HAMBURGER, Cao. BENEDETTI, Raimo (dir.) Flávio Império Em Tempo. Documentário. São
Paulo: 1977

IMPÉRIO, Flávio. Escritos presentes no livro Flávio Império: Teatro e Artes Plásticas. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 1997.

KATZ, Renina e HAMBURGER, Amélia I. (org). Flávio Império: Teatro e Artes Plásticas.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997.

MAGALDI, Sábato e VARGAS, Maria Thereza. Cem Anos de Teatro em São Paulo. São
Paulo: Editora Senac, 2000.

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Flávio Império: cenógrafo, arquiteto e artista

MANTOVANI, Anna. Cenografia. São Paulo: Ed. Ática, 1989.

MENDES, Beneh. Entrevista concedida em seu escritório a Tereza Grimaldi em 05/02/2010.

PAULO, Augusto Francisco. Entrevista concedida por e-mail a Tereza Grimaldi em 24/02/2010.

RATTO, Giani, Flávio Império um homem de teatro, in Flávio Império em Cena, Catálogo
retrospectiva. Sesc, São Paulo, 1997

ROCHA, Paulo Mendes. Depoimento para o documentário Flávio Império Em Tempo, dir. Cao
Hamburger e Raimo Benedetti, São Paulo, 1997.

SALLES, Almeida Cecília. Gesto Inacabado: processo de criação artística. São Paulo:
Annablume, 2001.

STAAL, Ana Helena Camargo. (Org.). José Celso Martinez Corrêa – Primeiro Ato:
cadernos, depoimentos, entrevistas (1958-1974). São Paulo: Ed. 34,1998.

ZAMBONI, Silvio. Pesquisa em Arte: um paralelo entre arte e ciência. Campinas: Autores
Associados, 2006. 

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Resumo
A proposta deste artigo é discutir algumas intervenções realizadas
por designers no processo de confecção de artefatos artesanais,
que possam contribuir para uma compreensão dos caminhos de
sua produção na contemporaneidade. Há inúmeros experimentos
relacionando arte, design e artesanato, que se aproximam de
projetos sociais e por meio deles percebe-se, por vezes, que
os papeis do designer e do artesão se misturam. Diante de tal
complexidade, escolhemos apresentar algumas discussões
sobre intervenções, no intuito de introduzir uma reflexão sobre a
importância do papel dos profissionais envolvidos nesse processo
e sobre o objeto em si.

Palavras-Chave: design; artesanato; contemporaneidade

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Designer artesão ou artesão designer? Uma questão contemporânea
As aproximações por meio das intervenções de design no artesanato

Introdução

O artesão brasileiro é basicamente um designer em potencial, muito mais do


que propriamente um artesão no sentido clássico.
(Aloísio Magalhães)

Para melhor compreender o artesanato no mundo contemporâneo, em articulação


com a arte e o design, estudamos algumas discussões sobre intervenções realizadas por
designers no artesanato brasileiro. Para o desenvolvimento do estudo proposto foi necessário
determinar um ponto de partida para pensar esse artefato: quem o faz, onde, como, quando e
porque se faz. Além disso, como esse processo se modifica ao longo do tempo, numa cultura
de natureza híbrida, mas, que investe num futuro cada vez mais globalizado (CANCLINI, 1989).
Esse estudo tornou-se necessário na medida em que se observou a escassez de
referenciais teóricos e o aumento das intervenções no artesanato brasileiro. Nossa análise
começa no website da Casa-Museu do Objeto Brasileiro, que tem como objetivo contribuir
para o reconhecimento, valorização e desenvolvimento da produção artesanal, atuando
na mediação de processos culturais no Brasil, que ocorrem na forma de experiências de
intervenções de design em comunidades artesanais pelo país afora. Esses trabalhos nos
mostram a importância de se pensar, não só, os profissionais envolvidos, como, também, o
objeto em si e os caminhos de sua produção na contemporaneidade.
Numa perspectiva de (re) conhecer o artesanato na contemporaneidade, parece-nos
indispensável um retorno à história para entender a importância desta atividade laboral no
cenário atual. Partindo do princípio de que pensar as aproximações é mais enriquecedor que
medir as distâncias, pensamos o artesanato em conexão com o design, independente da
apropriação dos modos de fazer ou da finalidade produtiva, acreditando ser mais interessante
a análise da subjetivação dos significados realizada pelos autores desse processo e sua
materialização em objetosi.
Nas referências bibliográficas e web gráficas consultadas observaram-se algumas
intervenções ligadas a projetos sociais. Nesse processo os papéis do designer e do artesão,
muitas vezes, se confundem. Entretanto, nossa tarefa não é apresentar conceitos e diferenças,
nem nos posicionarmos em relação a uma ou outra definição, até porque no contexto atual,
nos parece impossível. Tomando por base o pensamento de Barbosa (2003), corroboramos
com a idéia de que “Será que pensar as aproximações não seria mais enriquecedor que
medir as distâncias?”. Partindo desta questão, das considerações sobre design de Rafael
Cardoso, e, pesquisas sobre culturas populares e culturas híbridas de Nestor Garcia Canclini,
assim como pensar os interlocutores envolvidos nesta problemática a partir da Antropologia,
seguimos com nossas reflexões.

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Designer artesão ou artesão designer? Uma questão contemporânea
As aproximações por meio das intervenções de design no artesanato

Designer artesão ou artesão designer?


O artesanato sempre foi negligenciado como campo de atuação do design, e segundo
Aloísio Magalhães, só passaria a ser respeitado quando o próprio designer viesse a agir como
um artesão. Seu papel é muito importante na própria geração da tecnologia e do Design e
o artesão pode ser qualificado como produtor de um pré-design. A Bauhaus, uma das mais
importantes escolas de design do mundo, por exemplo, associava o ensino do Design com
o artesanato através de oficinas de artes. O objetivo era o conhecimento dos processos de
produção, da matéria prima e das técnicas artesanais (BRAGA, 2002).
Ao artesão é conferido o papel de produtor de tais objetos, assumindo a condição de
construtor do seu cenário cultural, nele imprimindo sua história, a técnica de sua região e a
sua subjetividade. O acesso às maneiras de construir e usar esses objetos possibilita verificar
como se dão as trocas culturais e afetivas entre gerações, entre pais e filhos, entre pares, entre
mestres e aprendizes e, também, entre o artesão e o designer.
O artesanato e sua gênese estão intrinsecamente ligados aos primórdios da humanidade.
Surgiu desde que o ser humano passou a criar e a desenvolver artefatos para garantir sua
sobrevivência e bem-estar produzindo objetos com suas próprias mãos. Estes, por sua vez,
adquiriram diferentes contornos desde sua origem e de acordo com as práticas culturais
produzidas por diferentes sociedades ao longo dos tempos. É preciso imergir na história
humana para conhecer as estratégias de sobrevivência, as formas de dominação e divisão do
trabalho e todos os elementos que emolduraram a produção artesanal.
Com a Revolução Industrial e o conjunto de mudanças tecnológicas, econômicas e
sociais que se seguiram, como a mecanização do trabalho, a rapidez e, consequentemente,
aumento da produção e a diminuição da mão-de-obra, as oficinas artesanais ou transformaram-
se em pequenas fábricas comandados pelo inventeurii ou cederam lugar a esses novos
comandos e controles da sociedade industrial. O inventeur concebia o projeto o qual servia
de base para a produção de peças em diversos tamanhos e materiais. Era a primeira divisão
entre projeto e execução (DENIS, 2008)
As transformações fizeram com que esses espaços, conhecidos como oficinas
artesanais, se tornassem importantes unidades de produção especializada, adaptada à
estrutura social e a economia local. A indústria contava com essa estrutura para atender as
pequenas produções, como fabricações de acessórios e até mesmo trabalhos de reparos dos
produtos (CUNHA, 1994). Isso surgiu como uma solução sócio-econômica, que garantia, ao
mesmo tempo, a produção, intensificada pelo aumento da demanda, e o trabalho aos artesãos
que sofreram com as consequências provocadas pelo processo acelerado da industrialização.
O artesanato permanecia, de maneira estratégica, paralelo com o sistema de produção
industrial. Os avanços tecnológicos e a modernidadeiii coexistiam com as tradições. Os
produtos com características híbridasiv, ou seja, artesanal e industrial, se tornaram comuns, mas
o processo de industrialização acarretou mudanças maiores que uma simples transformação

Design, Arte, Moda e Tecnologia.


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Designer artesão ou artesão designer? Uma questão contemporânea
As aproximações por meio das intervenções de design no artesanato

de métodos produtivos. As grandes fábricas foram tomando o lugar de pequenas oficinas,


isso eliminava a necessidade de empregar trabalhadores com alto grau de capacidade técnica
- no caso, o artesão. Bastava um bom designer, geralmente escolhido por suas habilidades,
um bom gerente e vários operadores de máquinas. A produção em série representava para o
fabricante uma economia de tempo e dinheiro (DENIS, 2008).
Com a introdução de novas tecnologias, crescimento urbano, o aumento de
trabalhadores na indústria, a reorganização e racionalização dos métodos de fabricação, as
atividades dos artesãos especializados tornaram-se obsoletas pelo emprego das máquinas.
O termo artesão também mudou e passou a depender do tipo de relacionamento mantido
com a indústria. De qualquer forma, a realidade era o empobrecimento cultural da tradição
artesanal, visto que o modelo industrial dificultava, até mesmo, o relacionamento mais direto
entre os chefes e seus subordinados, e entre os próprios empregados, diluindo o padrão de
troca e sintonia de valores.

As aproximações do design e do artesanato por meio das intervenções


Nestor Garcia Canclini nos diz que “devemos estudar o artesanato como um processo
e não como um resultado, como produtos inseridos em relações sociais e não como objetos
voltados para si mesmos”. E segue dizendo que:

Interessará repensar e perceber, nesses produtos, chamados de artesanais, a


forma como se reestruturam na atualidade, as oposições clássicas na história
do pensamento antropológico, analisando para isso, as transformações de
significado das culturas populares segundo três dimensões correlacionadas
entre si, isto é, enquanto processos sociais, culturais e econômicos
contemporâneos (1984, p. 51).

Neste processo, tal como afirmou Nestor Canclini, é necessário preocupar-se menos
com o que se extingue do que com o que se transforma. Ou seja, a separação entre o artesanal
e o industrial se mostra como um grande equívoco. Ainda segundo Canclini “o artesanato,
bem como as festas e outras manifestações populares, subsistem e crescem porque
desempenham funções de reprodução social e na divisão do trabalho, necessárias para a
expansão do capitalismo” (CANCLINI, 1983). Podemos complementar essa ideia, dizendo
que as festas assim como o artesanato não precisam, necessariamente, ser entendidos
como meros reprodutores sociais. Ainda que mantendo certa ordem social, podem também
apresentar ricas variáveis no saber-fazer e realizar que contrarie ou diferencia-se do corriqueiro
ou sistematizado. Dito de outra forma, o artesanato, as festas e manifestações da cultura
popular, mais precisamente, seus agentes sociais, são compreendidos aqui como produtores
culturais e reprodutores simbólicos eficazes, já que não se trata simplesmente de uma atividade
mecânica e repetitiva e, sim, de expressões sociais e identitárias fortíssimas.

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Designer artesão ou artesão designer? Uma questão contemporânea
As aproximações por meio das intervenções de design no artesanato

Mesmo que o artesão seja visto como o produtor de objetos de utilidade prática e
cotidiana e o artesanato, como a recriação e reprodução de elementos formais, com função
utilitária, ambos estarão sempre presentes na cultura de um grupo ou sociedade. O artesão
precisa de um retorno financeiro imediato, pois não dispõe de tempo ou recursos para investir
em técnicas, estética, qualidade, capacitação e pesquisa ou para esperar que o mercado
reconheça o valor, imaterial, do seu trabalho. Por mais que a estrutura utilizada nessa produção
artesanal balize a escala de produção, o artesão passa a produzir “em série” para sobrevivência.
A tradição contida nesse saber-fazer não é perene, é mutante, revelando de forma impressionante,
por vezes, um saber local e múltiplo altamente inventivo e reinventivo. Tanto é que repensado e
redimensionado nos dias de hoje como indicadores criativos de oportunidades de negócios.
A pesquisa feita pelo SEBRAEv, em 2002, segundo dados do Ministério do
Desenvolvimento, Indústria e Comércio, falou em 8,5 milhões de artesãos, que movimentaram
em 2002, R$ 28 milhões de reais. Hoje esse número deve ser maior, e o artesão tem consciência
de que deve atender as informações econômicas para sustentar a produção artesanal.
Com o aumento dos índices de desigualdades sociais, também aprofundado com o
decréscimo da oferta de empregos, crescem iniciativas de produção artesanal e, talvez até
por falta de escolha, acabam atendendo a finalidade da liberdade econômica tornando-se
exemplo de desenvolvimento diferenciado. Nos últimos anos as intervenções de design no
artesanato começaram a surgir com mais frequência, protegidas por instituições públicas ou
privadas, com a alegação de proteger o patrimônio cultural e ir contra a exacerbação do
consumo de produtos industrializados (BARROSO, 1999).
Ainda não está muito claro que rumos estas práticas discursivas estão tomando. Por
outro lado, famílias artesãs permanecem ganhando a vida com o saber tradicional seja para
vender um ou outro artefato como souvenir para turistas amantes das “coisas” locais, seja
para reproduzir formas aprendidas com as antigas gerações também na geração de alguma
rentabilidade familiar. Também, é possível identificarmos iniciativas públicas e privadas no sentido
de aproximar o fazer artesanal de uma produção sustentável, onde, por vezes, encontramos
alguma atuação do designer como mediador cultural e agente social em parceria com o artesão.

Considerações Finais
Há que se superar qualquer tipo de idéia que coloque, em campos opostos, o designer
e o artesão. Não basta falar das aproximações como qualidade intrínseca dessas áreas. Parece
que tanto ao designer como ao artesão cabe pensar e trabalhar o resgate das vocações
regionais, levando em conta a diversidade, a preservação das culturas locais e a formação de
uma mentalidade empreendedora, por meio da capacitação das organizações e de seus artesãos
para uma sociedade de mercado, se possível e no mínimo, mais equitativa, onde o padrão de
qualidade e a capacidade de produção sejam tão importantes como o respeito à dignidade dos
sujeitos que determinam a aceitação deste produto no mercado interno e externo. Para tanto, o

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Designer artesão ou artesão designer? Uma questão contemporânea
As aproximações por meio das intervenções de design no artesanato

diálogo ético faz-se necessário, assim como se coloca o desafio de estabelecer critérios para tal
aproximação entre designer e artesão e estes em relação ao mercado.
Outro ponto a ser pensado do exposto é o do nível de intervenção do designer no
artesanato em si, pois equilibrar esta balança não é tarefa fácil, sobretudo porque requer clareza
e honestidade de intenções, tomando como ponto de partida o conhecimento do artesão e o seu
desejo de compartilhar novas experiências em relação as suas tradições. O que não podemos
deixar de falar é da fragilidade do discurso que utiliza o artesanato como mero objeto exótico de
consumo para turista comprar, pois o que perpassa a relação entre design e artesanato hoje é
muito mais abrangente e merece muito mais da nossa atenção e vontades.
Nesse contexto podemos ver o valor social do artesanato, que funciona como um equilíbrio
diante das relações de produção do mundo globalizado. O modo de produção artesanal persiste
compondo uma estrutura econômica muito particular dentro do sistema capitalista. Assim, o
artesanato se consolida na sociedade pós-industrial como um dispositivo social, fazendo parte
de um sistema produtivo diferenciado que é essencial para a vida humana.

Notas
i Acreditamos que todas as manifestações artísticas e produções criadas pelo povo se enquadram
na cultura popular, e não podem ser separadas diante de outras formas culturais e artísticas, sendo
desnecessário identificá-la a partir de certos objetos ou modelos culturais.
ii De acordo com Cardoso era o termo utilizado nos primórdios da organização industrial para definir
o inventor ou criador das formas a serem fabricadas. Geralmente era o artesão com maior habilidade
e conhecimentos técnicos.
iii Modernidade aqui entendida como a prática dos valores criados pelo Renascimento e consolidados
com o Iluminismo, principalmente no que se refere ao uso da razão, a idéia de progresso e a intervenção
da ciência na realidade.
iv Termo utilizado por Canclini, em sua obra “Culturas Híbridas”, onde ele apresenta suas reflexões
sobre o fenômeno da hibridação cultural nos países latino-americanos, procurando compreender o
intenso diálogo entre a cultura erudita, a popular e a de massas, que nós emprestamos para definir o
objeto concebido nos modos de fazer artesanal dentro da concepção industrial.
v Para saber mais Revista SEBRAE, n.5 julho-agosto 2002.

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As aproximações por meio das intervenções de design no artesanato

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e f l e x ã o sobre o espaço
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Estudar co
universitário Design: Unive rsidade Anhembi
Morumbi
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Fabíola Marialva
l.com
fabiolamm@gmai

Resumo
Este artigo busca refletir sobre a relação do Design na Arquitetura
de espaços universitários, partindo da premissa de que o arquiteto,
diante de uma concepção idealizada do que é Instituição, concretiza
sua proposta em um edifício que apresenta signos físicos e
simbólicos; o usuário ao percorrer seu espaço, interage com o
ambiente e reconhecem significados pessoais, isto proporciona
uma leitura particular do lugar. Compreender a influência do Design
na Arquitetura possibilita refletir sobre a relação entre o partido
arquitetônico e a sociedade com enfoque no repertório cultural e
emocional de quem projeta e de quem usa o espaço.

Palavras-Chave: arquitetura; design; universidade

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O Ensino Superior e a Arquitetura


Em 1 a.C., Vitrúvius escreve uma obra sobre arquitetura, “De Architectura”, para o
então imperador Augusto e fala sobre a importância da educação como verdadeira riqueza
necessária para se governar, através de pensamentos da alma e da inteligência, o governar
seria possível, somente, por aqueles que tiveram pais que ensinaram artesi aos filhos.
Giurgola e Mehta (1994) destacam o pensamento de Kahn sobre a origem da educação
através de encontros e trocas de experiência:

O ensino começou quando um homem, sentado embaixo de uma árvore, se


pôs a discutir, sem saber que era um professor, com jovens que ignoravam
ser estudantes; pensavam simplesmente no que se dizia na companhia de um
homem tão agradável. E desejavam que um dia seus filhos também tivessem
a oportunidade de ouvir um homem igual. Foi assim que nasceu a primeira
escola e nasceu o primeiro pátio de recreio: consequência das aspirações do
homem. (Giurgola e Mehta, 1994, pag. 94-95)

A evolução da educação, provavelmente, se deu a partir da possibilidade de transmissão


de conhecimento. Desde a troca de experiências iniciadas com conversas entre pais e filhos,
passando pela invenção da escrita pelos fenícios, a criação da primeira Escola de Ciências
por Thales, o florescimento da Enciclopédia com Plínio, o questionamento sobre a Educação
Escolástica por Bacon, o surgimento de Academias e Bibliotecas a partir do Humanismo, o
lançamento do primeiro livro impresso por Gutenberg, as primeiras formulações de teorias
para o Ensino até as reformas Educacionais atuais.
Cada um destes fatos históricos proporcionou a construção de espaços que abrigassem
a divulgação do saber, estabelecendo sentido construtivo a partir da cultura predominante do
seu contexto. Em um período de Antiguidade Clássica, o Ensino se dava em ágoras, teatros
e fóruns; na Idade Média em Igrejas; no Renascimento até dos dias de hoje em Academias e
Universidades.
Para Kahn, segundo Giurgola e Mehta (1994), o essencial de um lugar para se aprender
é ter um ambiente apropriado.

A escolha do local apropriado para uma escola estimulará o diretor de um


instituto a sugerir ao arquiteto o que uma escola deveria ser, com o que ele já
definirá um início de programa. (Giurgola e Mehta, 1994, pag. 94-95)

Quando Kahn fala de “início de um programa”, refere-se ao programa de necessidades


que é estabelecido pelo solicitante do projeto arquitetônico, no qual define quais são os
ambientes necessários para a construção do espaço.
Para elaborar um programa de necessidades é preciso, primeiramente, entender o
objetivo do espaço, entender suas exigências formais, funcionais e os estímulos psicológicos e

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Estudar com Design – uma reflexão sobre o espaço universitário

seus significados. Para projetar um espaço de educação é preciso entender qual a sua função,
qual o seu público e as expectativas da Instituição.
A Universidade, o lugar, que segundo Wanderley (1988), é privilegiado para conhecer a
cultura universal e as várias ciências, cria e divulga o saber com a finalidade da Educação com
base no ensino, na pesquisa e extensão.
Lauanda (1987) posiciona-se frente à questão sobre o que é Universidade dizendo que
é preciso voltar-se para o homem tal qual qualquer questão de Filosofia da Educação, isto
porque, acredita que a Universidade apoia-se no caráter livre do conhecimento, bem além das
estruturas políticas da instituição.
Já Minogue (1981), acredita que as universidades são capazes “de criar seu próprio
interesse na busca do conhecimento”, sendo que esta busca pode ser influenciada por outros
tipos de excitação; tais como politica, religião, patriotismo entre outros.
Ter consciência do contexto histórico, econômico e político na qual a instituição se
situa, possibilita o entendimento do seu desenvolvimento e como este pode influenciar o
funcionamento e a política de suas estruturas internas. Contudo não deixa de apresentar sua
função primordial que é produzir e difundir conhecimento através de um sistema simples de
ensino e o aprendizado.
Os agentes usuários das Instituições de Ensino, definidos por Wanderley (1988), são os
professores, alunos e funcionários.
É possível, ainda, incluir outros agentes usuários deste espaço, tais como: familiares
dos alunos e convidados externos (palestrantes, auditores, prestadores de serviços e afins).
Este público, que mesmo pequeno e esporádico, tem grande influência na permanência
dos usuários tradicionais deste lugar de conhecimento. O contato possibilita intercâmbio de
ideias e participações construtivas e reforça a ideia de espaço inclusivo e disseminador de
experiências.
Conhecer o usuário da Universidade proporciona identificar as peculiaridades de projeto,
os fluxos, acessos, demarcações territoriais de público e privado, administrativo e acadêmico,
dimensionamento de áreas, tipologia de partido, prioridades de espaço e expectativas de
usos.

O Ensino Superior no Brasil


Segundo Charles e Verger (1996), as instituições universitárias transformaram-se
profundamente, o que de certa forma possibilita compreender melhor uma parte da herança
intelectual e do funcionamento das sociedades.

• Numa análise feita por Onusic (2009), o Ensino Superior no Brasil apresenta uma
evolução histórica de quatro fases:

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Estudar com Design – uma reflexão sobre o espaço universitário

• Antes de 1930, com predomínio de instituições públicas;

• Entre 1930 a 1964, com a consolidação do ensino privado;

• Entre 1964 a 1980, com a reforma do ensino superior e o predomínio do setor


privado; e

• Entre 1980 a 2002, com o aumento de oferta de vagas do setor privado, o crescimento
de vagas não preenchidas e evasão acadêmica.

Atualmente, das 2.314 IES registradas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), cerca de 90% são privadas (gráfico 1), estando mais
concentrada numa classificação de pequeno porte com até 1.000 alunos (gráfico 2). Pode-
se notar que a característica da Educação Superior no Brasil está calcada em um modelo
privatizado com ininterrupta expansão.

Gráfico 1 - Evolução do Número de instituições de Educação Superior - Brasil - 2000-2009.


Fonte: Censo da Educação Superior / MEC / Inep / Deed

Gráfico 2 - Distribuição do número de IES por porte da IES na Educação Superior segundo
Categoria Administrativa - Graduação Presencial - Brasil - 2009.
Fonte: Censo da Educação Superior / MEC / Inep / Deed

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Estudar com Design – uma reflexão sobre o espaço universitário

Morosini (2005) avalia que a demanda por Educação Superior é responsável pela abertura
da Educação no setor privado, visto que o crescimento da economia do conhecimento, as
mudanças demográficas paralelas as limitações orçamentárias do Estado não conseguem
atender todo o movimento para a educação continuada.
De acordo com Silva Jr e Sguissard (1999), as políticas públicas para a educação
superior brasileira e as reações dos diferentes setores (públicos e privados), promoveram um
reordenamento no espaço social através do fortalecimento de processos mercantilistas, o que
tem acentuado a transformação das identidades das IES particulares.
Este processo pode ser entendido como reflexo da transição do modelo de capitalismo
fordiano para o atual capitalismo pós-moderno vivenciado de forma mundial, contudo não é
foco deste artigo centrar-se nesta questão. O entendimento deste novo contexto, apenas,
sugere, de forma isolada, que num predomínio de IES particulares, que buscam atender a
demanda de mercado, estão cada vez mais modificando sua identidade, profissionalizando as
empresas, racionalizando sua estrutura organizacional interna e buscando atender o seu mais
novo objetivo: o lucro.
Além de transitar pelo entendimento da cultura e sociedade nacional, este contexto
interfere no perfil institucional e, consequentemente, no processo construtivo dos seus espaços
físicos. As IES particulares, numa tentativa de atingir nichos de mercado e diferenciar-se de suas
concorrentes, estabelecem, a partir do seu corpo administrativo, medidas que a individualizem
ou minimizem seus custos como forma de garantir destaque. Desta forma, é comum verificar
instituições sendo amplamente reformadas e instalando materiais de acabamentos luxuosos
como atrativos para alunos de classe A e B, enquanto outras instituições apelam para baixo
investimento em infraestrutura com foco no público de classes inferiores.
O reflexo deste mercantilismo da educação preocupa a Arquitetura, não só na questão
da descaracterização da identidade, mas também na forma como esta política faz com que o
Edifício apresente aspectos de baixa qualidade do espaço físico até a uma apartação social.
Enquanto a escolha e intervenção no tipo de acabamento de um Edifício possam, por
um lado, alterar somente a estética do edifício; por outro, podem indicar uma segregação
de público onde, culturalmente, alguns usuários sintam-se deslocados e excluídos; já a
falta de investimento na construção pode acarretar má qualidade espacial, impossibilitar a
acessibilidade, prejudicando a ergonomia e o conforto ambiental.

Estudar com Design


Pode-se observar, a partir da análise desenvolvida sobre IES que tanto o sistema
educacional, como os espaços de aprendizagem sempre tiveram que solucionar questões
referentes à renovação da preservação do saber e da integração de seus usuários.
Hoje vemos não só Universidade com espaços físicos, mas, também, espaços virtuais
de conhecimento, os chamados ambientes de Educação à Distância (EaD). Dados do INPE

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Estudar com Design – uma reflexão sobre o espaço universitário

indicam um aumento de 30,5% de matrículas no EaD, contra o aumento de 12,5% nas


tradicionais matrículas presenciais.
Para Moran (1994), “Educação a Distância é o processo de ensino-aprendizagem
mediado por tecnologias, onde professores e alunos estão separados espacial e/ou
temporalmente.” Desta forma o ensino-aprendizagem ocorre a partir de interligações com
tecnologias, principalmente telemáticas, como a internet, além do correio, rádio, televisão,
vídeo, CD-ROM, telefone, fax ou tecnologias semelhantes.
Segundo Meirelles (2008), a partir do século XXI, vive-se um tempo em que as novas
tecnologias atuam a favor da conectividade, potencializando a interatividade, o que facilita
a ampla circulação de informação. Em um contexto tão fluído e instável, verificou-se a
necessidade de reflexões acerca de conceitos de interatividade e convergência através do
Design de Interação. Desta forma, os ambientes educacionais virtuais buscam, nesta área do
Design, uma forma de facilitar a relação entre o homem e a máquina, criando ambientes com
linguagens e profusão das mudanças sociais, culturais e tecnológicas vigentes.
Não muito diferente do ambiente físico, o projeto arquitetônico de uma Universidade
procura resolver um programa de necessidades estabelecido pelas diretrizes do MEC,
evidenciando ambientes de ensino, integração, convivência e desenvolvimento de competências
pelos quais se estabelecem relações de troca de ensino e aprendizagem.
E se um programa atende as necessidades pré-estabelecidas, acompanhando essa
evolução acadêmica, por que é possível encontrar tanta diversidade nos modelos arquitetônicos
das edificações Universitárias?
Para Forty (2009), a diversificação em modelos atende as diferentes categorias de
usos e usuários, correspondendo às noções sobre sociedade e as distinções dentro dela.
Isto porque apresenta uma significação do Design dentro da cultura e da dimensão de sua
influência na vida e mente do usuário.
Para Cardoso (2008), o Design trata-se de uma atividade que gera projetos, no sentido
de planos, esboços ou modelos, fruto de três grandes processos históricos: industrialização,
urbanização e globalização. Todos estes processos buscam organizar de forma harmoniosa e
dinâmica alguns elementos, tais como: pessoas, veículos, máquinas, moradias, lojas, fábricas,
malhas viárias, estados, legislação, códigos, tratados, entre outros. Sendo a industrialização
como o período que impulsionou o surgimento de propostas de fazer uso do design como
agente de transformação.
Já Ferrara (2002), define Design como signo, fenômeno de linguagem que se encontra e
atrita com a arquitetura, a cidade, o desenho industrial, de objeto, gráfico, com a comunicação e
a programação visual; influenciado por sua complexa realidade global como pela multiplicidade
visual da imagem no mundo informatizado. E amplia o conceito escrevendo sobre o design
em espaços, uma realidade fenomênica e epistemológicaii, no qual o elemento de design
apresenta manifestações em forma de signos que permitam a sua legibilidade, passível de

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Estudar com Design – uma reflexão sobre o espaço universitário

leitura e interpretação. Ou seja, elementos projetuais do espaço urbano são observados pelo
usuário, concretizando sua imagem e identificando a sua existência; o que resulta em (re)
conhecimento do espaço.
Compreender o Design e como está relacionado à Arquitetura sugere reflexões sobre
como a arquitetura apresenta elementos de design em sua concepção, principalmente
vinculado ao conceito de signos.
Kahn (2010) exemplifica bem esta relação entre a Arquitetura e o Design, classificando
o Design como um ato circunstancial, sendo o “como”; enquanto a Arquitetura é a Forma,
ou seja, o “o quê”. Sendo na harmonia dos espaços que se satisfaz a atividade humana. Ele
escreve:

“Reflita então sobre o que caracteriza, de forma abstrata, a Casa, uma casa,
lar. A Casa é a característica abstrata de espaços bons para se viver. A Casa é
a forma, deveria estar lá sem corpo ou dimensão, na mente do sonhador. Uma
casa é a interpretação condicional desses espaços. Isso é design. Na minha
opinião, a grandeza do arquiteto depende do seu poder de percepção daquilo
que é Casa, em vez de seu design de uma casa, que é um ato circunstancial.
O Lar é a casa e seus ocupantes. O Lar se torna diferente com cada pessoa
que nele vive. (...) Reflita então a respeito do sentido de escola, uma escola,
instituição. A instituição é a autoridade de onde extraímos suas necessidades
de áreas. Uma escola ou um design específico é o que a instituição espera de
nós. Mas a Escola, o espírito escolar, a essência do desejo de existir, é o que o
arquiteto deveria converter em seu design. E eu digo que ele deve, mesmo que
o design não corresponda ao orçamento. O arquiteto, portanto, se distingue
do mero projetista.” (Kahn, 2010, p. 9-11)

Projetar em arquitetura apresenta, em seus elementos e princípios fundamentais, formas
e maneiras de resolver o espaço. Cabe ao arquiteto conseguir traduzir seu conhecimento
para o edifício, resolvendo seu programa de necessidades, a implantação, definindo seus
acessos, a ocupação, a orientação, seus fluxos, as condicionantes de conforto térmico e
acústico e afim. Explorando o design, o campo projetual apresenta diversidade de soluções,
incorporando valores e manifestações culturais e gerando novas possibilidades de partidos
arquitetônicos.
De acordo com Montaner (2007), “a arquitetura depende de uma série de fatores e
deve responder a uma grande quantidade de solicitações de diversas índoles.” Para responder
as solicitações utilizou-se de paradigmas para se legitimar, através de linguagens metafóricas
que sustentassem suas referências iconológicas de cada período, tais como:

• Na tradição clássica, as construções são feitas a partir de ordens, textos de referências,


arquitetura monumental, justificando miticamente as relações harmônicas com o corpo
e a natureza.

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• Arquitetura medieval está ligada aos paradigmas do mundo religioso impregnado


de simbologia em cada elemento e espaço, na constante referência de recriação da
cidade de Deus.

• No Ecletismo, a evolução das formas e os novos modelos construtivos são decorrentes


do ideal renovador da máquina.

• O Modernismo, confiante no novo universo da máquina, apresenta-se em duas fases:


a primeira baseada em uma forma racional de projetar com formas simples e caráter
universal, seguindo o ideal de Le Corbusier de que a planta é geradora de tudo; num
segundo momento, uma corrente influenciada pelos existencialismos e pelo auge das
ciências dos homens, com sensibilidade às culturas locais. “A linguagem metafórica da
máquina é substituída pela linguagem metafórica do orgânico.”

• Já no Pós-modernismo, a evolução da arquitetura acompanha o avanço tecnológico,


as novas condicionantes urbanas, as intervenções dos usuários, suas novas exigências
funcionais, entre outros temas. A arquitetura, efetivamente, passa a transmitir informação.

Okamoto (2002), afirma que o homem sempre planejou e construiu ambientes de


modo que pudessem favorecer suas necessidades vivenciais e sociais. E questiona sobre “de
que forma tais ambientes tem influenciado as pessoas em seu comportamento e como se
processaria essa indução direcionada para uma atuação previsível ou desejada pelo arquiteto?”
Para tanto, é preciso visualizar além da arquitetura, além dos elementos de design
contidos nela; é preciso prestar atenção na forma como estes elementos, traduzido em signos
projetuais que representam a forma com que o edifício, relaciona-se com o entorno. É preciso,
também, compreender como os signos produzidos possibilitam uma identificação junto à
paisagem e oferecem uma leitura pelo usuário. O resultado deste processo, consciente e
intencional, estabelece uma produção e interpretação, fruto de repertório e experiência de
quem projeta e de quem usa o espaço.
Segundo Jung (1977) o homem utiliza uma linguagem cheia de símbolos para se
comunicar. Seja ela um termo, nome ou imagem que se familiariza com o cotidiano e suas
conotações especiais, além do significado evidente e convencional que se pode atribuir a este
símbolo.
Estudos realizados pelo PROARQ/FAU/UFRJ sobre valores e significados atribuídos
aos espaços, constataram que quando um usuário entra em contato com um determinado
espaço, recebe impactos iniciais a partir das impressões que ele visualiza e que geram nele
uma percepção; esta é a primeira etapa de um processo de conhecimento do lugar (processo
cognitivo). Nos próximos passos desta percepção imediata, a possibilidade de discriminar
e classificar os signos do ambiente é garantido pelo domínio que o usuário tem do código

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Estudar com Design – uma reflexão sobre o espaço universitário

apresentado, do qual decorre uma percepção mecânica independente das características


contextuais temporais ou espaciais. Em sistemas similares, a percepção desprovida de qualquer
parâmetro codificado, é tensa e profundamente influenciada pelas características espaciais ou
temporais, é, necessariamente, a apreensão do novo como descoberta perceptiva.
A arquitetura, por proporcionar projetos livres e independentes, assume a possibilidade
de gerar novos significados na medida em que é percorrida. No ambiente construído, o usuário
identifica o lugar e tem o poder de transformá-lo. Este espaço, que a princípio é fruto do desejo
do arquiteto, que já percorreu esta trajetória de leitura a interpretação, passa a ser o lugar do
usuário.
A partir da compreensão e reconhecimento do lugar pelo usuário, que faz uma análise
e uso de seus valores impregnados pelos elementos edificados desse espaço, este atribui
o significado que melhor traduz seus anseios inconscientes. Isto porque, ele não observa
somente a função específica do que foi construído, mas também faz a relação dos aspectos
simbólicos do conjunto para com ele.
Assim, um edifício apresenta, em si, forma de se expressar baseado em símbolos
gráficos e elementos representativos do seu conceito arquitetônico. O espaço é entendido não
só pelo que tem de visível, mas da relação com a história cultural, a composição do conjunto
edificado e a forma como quem o desvenda.

Considerações finais
Não se pode negar que para a elaboração de um projeto arquitetônico de IES, o arquiteto
pode modificar o projeto diante de diretrizes, avaliação e aprovação da gestão que administra a
instituição, fazendo, muitas vezes, com que o projeto inicial não seja concretizado. No entanto,
a Instituição deve considerar que, ao solicitar um projeto, existe um olhar proposto para o que
se constrói, pois isso possibilita a compreensão, por meio de uma linguagem simbólica, sobre
o que é o projeto.
Segundo Ferrara (2007), percorrer a construção supõe não só ler os materiais e
competências estruturais existentes, mas também perceber “que a espacialidade cria
uma teoria do espaço enquanto comunicação ideológica da cultura e exige o resgate das
manifestações presentes nas suas constituições históricas.”
Para Okamoto (2002), os arquitetos devem desenvolver projetos que atendam a
permanente necessidade de interação afetiva do homem com o meio ambiente, favorecendo
o crescimento pessoal, a harmonia no relacionamento social e melhorando a qualidade de
vida.
Isto são os elementos de Design na Arquitetura, uma linguagem arquitetônica selecionada
pelo arquiteto com intuito de criar ambientes com formas arquetípicas de construção numa
tentativa de humanizar a arquitetura, a partir da inspiração no lugar, no clima, no programa e
no usuário. Estes elementos, quando bem projetados, sugerem ao usuário um sentido ao que

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se vivencia. Ao contrário, ambientes que não tiveram dedicação projetual desagradam pela
rigidez e monotonia, impossibilitando que o usuário se aposse deste lugar.
A partir da compreensão do Design na Arquitetura, pode-se refletir em como se pensa
a arquitetura universitária hoje em dia. E em como o espaço universitário tem traduzido a
forma de ensino, a função educadora exercida nos usuários que o vivenciam e experimentam
seu espaço, e se tem sido capaz de transmitir informações, aglutinar pessoas e produzir
sensações que evidencie a identidade da Instituição.

Notas
i Segundo Vitrúvius, a lei ateniense procurava educar através da arte que era exercida através da
aprendizagem da literatura e conhecimento geral de todas as disciplinas, deleitando-se de temas
literários e artísticos, bem como sobre obras em forma de comentários para alimento do espírito e
normas para vida. Tratado de Arquitetura, pag. 290-291.
ii“O design em espaços é, portanto, uma realidade tanto fenomênica como epistemológica. Ou seja,
é flagrado concretamente nas manifestações sígnicas, nas marcas passíveis de serem percebidas e
lidas no espaço, ao mesmo tempo em que as correlações interpretativas desses signos acabam por
gerar um conhecimento do espaço enquanto objeto que tem no design sua dimensão representativa.”
(Ferrara L. D., 2002, p. 7)

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