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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGÜÍSTICA

A DRAMATURGIA DE JOÃO AUGUSTO: EDIÇÃO CRÍTICA DE


TEXTOS PRODUZIDOS NA ÉPOCA DA DITADURA MILITAR

SALVADOR
2008
LUDMILA ANTUNES DE JESUS

A DRAMATURGIA DE JOÃO AUGUSTO: EDIÇÃO CRÍTICA DE


TEXTOS PRODUZIDOS NA ÉPOCA DA DITADURA MILITAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Letras e Lingüística da Universidade
Federal da Bahia, como requisito parcial à obtenção
do grau de Mestre em Letras.

Orientadora: Profª. Drª. Rosa Borges dos Santos

SALVADOR
2008
Ao amor da minha vida, FERNANDO DE JESUS
CAVALCANTE, meu adorado filho.
AGRADECIMENTOS

A Álvaro Manoel de Jesus, meu pai, Maria Neusa Antunes de Jesus, minha mãe, Celina
Antunes, minha tia, Vandete Cristina Gadéa Mussi, Antônio Bruno de Jesus e Isabela Antunes
de Jesus, meus irmãos, Fernando de Jesus Cavalcante, meu filho, Yasmin Cristina Gadéa
Mussi, minha sobrinha, pelo amor, carinho, atenção e por entenderem minhas ausências.

A professora Rosa Borges dos Santos pela amizade, paciência, carinho, atenção e
principalmente ORIENTAÇÃO neste trabalho.

As professoras Célia Marques Telles, e Risonete Batista, pela amizade e pela formação
acadêmica.

Aos amigos da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Rosinês Duarte, Nilzete Rocha,
Arivaldo Sacramento de Souza, Eliana Vieira, Ana Camila Lima, Laurete Guimarães e Luis
Gomes por proporcionarem momentos agradáveis e produtivos no meu processo de
aprendizagem.

Aos amigos da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Isabela Santos de Almeida,


Eduardo Dantas, Luis César Souza, pela amizade e pelo suporte técnico.

A Cleise Mendes, Harildo Deda, Deolindo Checcucci, Aninha Franco, Haydil Linhares,
Bemvindo Sequeira, Armindo Bião pelos depoimentos que colaboraram para a reconstrução
do momento histórico da ditadura militar brasileira e, principalmente, da produção intelectual
de João Augusto.

Aos funcionários do Acervo no Espaço Xisto Bahia, Edvalter Lima, Maria Carolina de Araújo
Guedes, Luzinete Santos, Tedson Souza e do Acervo do Teatro Vila Velha, Vinício de
Oliveira Oliveira e Gabriel Moura, pela atenção e disponibilidade.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), pelo apoio financeiro.


RESUMO

Edição Crítica de textos teatrais de João Augusto. Reuniram-se para esta edição quatro
textos, a saber: A Chegada de Lampião no inferno, Antônio, meu santo, Felismina
engole-brasa e Quem não morre num vê Deus, a partir de três critérios: textos adaptados
da literatura de cordel, com mais de um testemunho, produzidos no período da ditadura
militar na Bahia, e, portanto, submetidos ao exame da Censura. Apoiando-se nos
pressupostos teórico-metodológicos da Crítica Textual, procedeu-se ao estudo e a edição
dos textos teatrais selecionados. Abordaram-se aspectos relacionados ao autor, João
Augusto, e à sua produção literária dramática. Para tratamento do tema escolhido, adotou-
se o método filológico empregado para a edição dos textos, através do cumprimento das
etapas que se seguem: recensio, collatio, emendatio, stemma codicum, constitutio textus.
Por fim, apresentam-se os textos críticos acompanhados dos respectivos aparatos,
indicando-se, neles, as variantes. Apresentam-se, em anexo, todos os testemunhos dos
textos teatrais usados nesta edição.

Palavras-chaves: Crítica Textual; Texto teatral; Literatura dramática; Censura.


ABSTRACT

Critical Edition of João Augusto's theatrical texts. We listed to this critical edition four
texts: A Chegada de Lampião no inferno, Antônio, meu santo, Felismina engole-brasa
and Quem não morre num vê Deus. For this selection we were based in three judgments:
adaptation of texts based in cordel's literature; there is more than one copy, this copy or
copies were written in military ditadure in Bahia, so it's repressed by the Censure. We
followed the Textual Criticism rules to conduct the studies of Textual Philology and the
practice of edition in theatrical texts. Many aspects about the author, João Augusto, and
his dramatically literary production were discussed in this work. To study this subject, we
followed the philological method used to edition of the texts, by the compliance with the
rules and the stages of the philological method as: recensio, collatio, emendatio, stemma
codicum, constitutio textus. In the end, we present the critical texts, with his aparatus
codicum, to indicate the copy or copies- variants. We present, in attached, all the
theatrical texts that were used in this edition.

Key-words: Textual Criticism; theatrical text, dramatically literature; Censure.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 − A Escola dos maridos, texto de Molière, tradução de João Augusto. 18

Figura 2 − Modificações não autorais no texto Sete pecados capitais (1973) de 20


João Augusto

Figura 3 − Dois testemunhos de História da paixão do Senhor, s.d. À esquerda, 20


anotações marginais, à direita, texto passado a limpo

Figura 4 − Modificações em Quem não morre num vê Deus (1977) 21

Figura 5 − Emenda no texto teatral Felismina engole-brasa (1972) 21

Figura 6 − Carta de João Augusto endereçada a Teresa Sá 22

Figura 7 − Cortes da Censura no texto Quem não morre num vê Deus, 1974 23

Figura 8 − Espaço Xisto Bahia, à esquerda os testemunhos teatrais e, à direita 27


fotografias de espetáculos

Figura 9 − Acervo do Teatro Vila Velha 27

Figura 10 − Auto da liberdade da Independência da Bahia, 1963 28

Figura 11 − Folheto de publicidade do primeiro espetáculo de João Augusto. 30

Figura 12 − Fotografia do espetáculo Eles não usam bleque-tai (1964). Texto de 32


Jurandir Ferreira, s.d.

Figura 13 − João Augusto (à direita) e Jorge Amado (à esquerda) em conversa 34


sobre a adaptação da novela Quincas Berro d’água para o teatro

Figura 14 − Folheto do espetáculo Um, Dois, Três Cordel, apresentado na Feira 36


da Bahia em São Paulo, 1974

Figura 15 − Folheto do espetáculo Cordel 3 apresentado em no Festival Mundial 39


de Teatro, em Nancy, 1975

Figura 16 − Acima, recto do Certificado de Censura do texto O Exemplo de 47


Maria Nocaute ou Os Valores do homem primitivo, adaptação de
João Augusto. Abaixo, verso do Certificado de Censura do texto Um
Dia memorável para o sábio Tzang, adaptação de João Augusto

Figura 17 − Recorte do Jornal da Bahia, 1966 49

Figura 18 − Recorte do Jornal da Bahia, 1966 50

Figura 19 − Folheto de publicidade do espetáculo Estórias de Gil Vicente 63


Figura 20 − Cópia do certificado de Censura do texto O Barulho de Lampião no 64
inferno, recto

Figura 21 − Cópia do certificado de Censura do texto O Barulho de Lampião no 65


inferno, verso

Figura 22 − Assinatura no certificado de Censura do texto O Barulho de Lampião 65


no inferno

Figura 23 − Assinatura no certificado de Censura do texto As Proezas de João 66


Grilo

Figura 24 − Certificado da Censura do texto O Barulho de Lampião no inferno 66

Figura 25 − O Barulho de Lampião no inferno, folha 1 66

Figura 26 − Marca d’água da folha do testemunho A Chegada de Lampião no 69


inferno (T66*)

Figura 27 − Estema dos testemunhos de A Chegada de Lampião no inferno 72

Figura 28 − Folheto do espetáculo Um, Dois,Três Cordel, em 1974 80

Figura 29 − Estema dos testemunhos de Antônio, meu santo 86

Figura 30 − Fac-símile do documento da liberação do texto Felismina Engole- 108


Brasa (1972)

Figura 31 − Fac-símile do Tsd1, f.1vº e f. 2rº 109

Figura 32 − À esquerda f. 2rº do Tsd1, à direita f. 3 do T72 110

Figura 33 − Fac-símile do Tsd1. À esquerda, f. 2rº (aproveitamento da f.3 T72), à 111


direta f. 2vº (continuação do texto)

Figura 34 − À esquerda Felismina engole brasa ou A Mulher que pediu um filho 112
ao diabo (Tsd2), à direita O Barulho de Lampião no inferno (T77)

Figura 35 − Carimbos da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. À esquerda, 115


testemunho de Felismina Engole-Brasa (T72) e à direita testemunho
de Antônio, meu Santo (T71)

Figura 36 − Gráfico da Relação percentual do grau de aproximação entre Tsd2 e 120


Tsd1, Tsd2 e T72

Figura 37 − Estema dos testemunhos de Felismina Engole-Brasa 121

Figura 38 − Comparação entre as réplicas dos testemunhos de Quem não morre 139
num vê Deus

Figura 39 − Estema dos testemunhos de Quem não morre num vê Deus 151
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 − Produções teatrais de João Augusto (1948-1978) 44


Quadro 2 − Textos de atribuição explícita a João Augusto. 57
Quadro 3 − Textos de atribuições implícitas a João Augusto, provavelmente, 57
do espetáculo Cordel 3 de 1973
Quadro 4 − Comparação das modificações entre Tsd1 e T72 e o grau de 120
aproximação entre o Tsd2
Quadro 5 − Comparação entre as primeiras réplicas dos quatros testemunhos 138
de Quem não morre num vê Deus
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

D.P.F. Departamento da Polícia Federal


ETBA Escola de Teatro da Bahia
f. folha
L. linha
NC nada consta
rº recto
vº verso
T testemunho
s. a. sem acento
s. aspas sem aspas
s. crase sem crase
s.d. sem data
s.p. sem ponto
s. ret sem reticências
s.v. sem vírgula
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11
2 A FILOLOGIA TEXTUAL E A EDIÇÃO DE TEXTOS TEATRAIS 14
3 AUTOR E OBRA 30
3.1 JOÃO AUGUSTO: UM HOMEM DE TEATRO 30
3.2 OS TEXTOS TEATRAIS DE JOÃO AUGUSTO 47
4 A EDIÇÃO DE TEXTOS TEATRAIS 58
4.1 CRITÉRIOS GERAIS 58
4.2 TEXTOS EDITADOS 63
4.2.1 A Chegada de Lampião no inferno 63
4.2.1.1 Descrição física dos testemunhos 69
4.2.1.2 Classificação estemática 71
4.2.1.3 Seleção do texto de base 72
4.2.1.4 Texto crítico e aparato 73
4.2.2 Antônio, meu santo 80
4.2.2.1 Descrição física dos testemunhos 81
4.2.2.2 Classificação estemática 85
4.2.2.3 Seleção do texto de base 86
4.2.2.4 Texto crítico e aparato 87
4.2.3 Felismina Engole-Brasa ou O Inimigo dentro 108
4.2.3.1 Descrição física dos testemunhos 112
4.2.3.2 Classificação estemática 117
4.2.3.3 Seleção do texto de base 121
4.2.3.4 Texto crítico e aparato 122
4.2.4 Quem não morre num vê Deus 136
4.2.4.1 Descrição física dos testemunhos 139
4.2.4.2 Classificação estemática 147
4.2.4.3 Seleção do texto de base 151
4.2.4.4 Texto crítico e aparato 152
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 196
REFERÊNCIAS 197
ANEXOS
1 INTRODUÇÃO

Os textos teatrais produzidos na Bahia na década de setenta (1970-1979) são objeto de


investigação do Grupo de Edição e Estudo de Textos da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB) que desenvolve o Projeto Edição e Estudo de Textos Teatrais Produzidos na Bahia
no Período da Ditadura Militar, coordenado pela Profª. Drª. Rosa Borges dos Santos
(UNEB/UFBA). Esse projeto teve início em 2005, a partir do momento em que se tomou
conhecimento de tais textos por intermédio de Arivaldo Sacramento de Souza. Atualmente,
composto de três bolsistas de iniciação científica1 e um de mestrado2, além de voluntários3, o
grupo explora o material em diversos campos do saber e elabora artigos que são apresentados
em Seminários, Simpósios, Congressos e de Monografias, Trabalhos de Conclusão de Curso
(TCC) e Dissertação.
A edição crítica de textos teatrais de João Augusto Azevedo Filho, que, embora
carioca, viveu e trabalhou na Bahia (1956-1979) por mais de 20 anos, representa uma etapa
desse projeto de pesquisa. Ao aplicar-se o método filológico, buscou-se reconstituir o texto
teatral representativo do que poderia ter sido a intenção final desse autor em uma de suas
formas autorizadas, e, a partir de estudo nesses textos, resgatar a memória social, histórica, e
literária da sociedade baiana no período da ditadura militar.
Na época da ditadura militar, a institucionalização da censura impedia a veiculação
pública de qualquer reminiscência crítica à sociedade, à moral e ao sistema de governo
vigente. Os textos teatrais, então produzidos para serem encenados, eram submetidos ao
julgamento dos censores do Serviço de Censura da Divisão de Censura de Diversões Públicas
do Departamento de Polícia Federal. Tais textos quando de lá retornavam, na maioria das
vezes, eram marcados pelas intervenções do censor, através de cortes de palavras, frases, ou
até cenas inteiras, comprometendo, desta forma, o texto do autor. Daí propor-se a realização
desse trabalho no intuito de buscar o texto proibido, ou seja, o texto do autor sem as
intervenções do censor, por meio da edição crítica.
Assim, escolheram-se os textos de João Augusto Azevedo Filho que exploram, em sua
grande maioria, a literatura popular, o cordel, recurso utilizado como forma de resistência na
luta contra a ditadura. João Augusto, por meio das encenações de seus textos, disseminava,
em seu teatro popular, conteúdos ideológicos, sociológicos, aproximando o povo do teatro e

1
Fabiana Prudente, Iza Dantas e Luís César Souza (todos são alunos de graduação em Letras/UNEB).
2
Ludmila Antunes de Jesus (mestrado/UFBA).
3
Eduardo Dantas (graduação UNEB), Isabela Almeida (Graduada em Letras – UNEB), Vitório Emanuel
(Professor de Teatro, ator), Sandra Maurício (Professora de História).
fazendo-lhe refletir acerca de questões que envolviam a sociedade brasileira naquele período
de repressão.
Durante a pesquisa, teve-se acesso ao Projeto João Augusto (Edição das obras Teatrais
e Arquivo Memória)4 enviado à Fundação Cultural do Estado da Bahia por Bemvindo Pereira
de Sequeira, em 30 de abril de 1981. Esse projeto, que foi elaborado logo após da morte de
João Augusto, propõe a necessidade de “editar” e “arquivar” as produções textuais deste
autor: artigos, cartas, ensaios, entrevistas, anotações, projetos, conferências, peças de teatro,
fotos dos ensaios e das encenações dos seus espetáculos. No entanto, desconhece-se até o
momento a existência de qualquer edição dos textos deste autor, daí justificar-se a realização
deste trabalho, que, por certo, contribuirá para a valorização da obra de um grande nome do
teatro baiano e conseqüentemente brasileiro.
Procedeu-se, então, à seleção dos textos a serem editados, iniciando-se a busca nos
Acervos do Teatro Vila Velha e do Espaço Xisto Bahia. O corpus de trabalho constitui-se de
quatro textos teatrais, a saber: A Chegada de Lampião no inferno; Antônio, meu santo;
Felismina Engole-Brasa e Quem não morre num vê Deus. A edição desses textos
possibilitará o exame de aspectos relacionados à Literatura, ao Teatro, e, sobretudo, à
História.
Como já foi dito, a Filologia Textual busca reconstituir o texto mais próximo da
vontade autoral. No entanto, deve-se entender que o texto teatral é aberto, flexível e está
sujeito às modificações de diversas mãos: do autor, do diretor, do ator e do censor. Partindo-
se desta questão, a seção Filologia Textual e a Edição de textos teatrais traz discussões a
cerca da questão autoral e do texto teatral, buscando, dessa forma, sempre associar às
situações encontradas na obra de João Augusto.
A seguir, na seção O autor e a obra fez-se um levantamento bibliográfico da vida e da
obra de João Augusto. Buscou-se mostrar, a partir de depoimentos de colegas de trabalho, de
amigos, além dos artigos de jornal e dos textos teatrais deste autor, de que forma João
Augusto produziu os seus textos e contribuiu para o crescimento do Teatro Baiano.
A seção A Edição está composta, primeiramente, pelos critérios, os quais nortearam a
edição crítica. Em seguida, tem-se a análise dos textos selecionados para serem editados. Esta
análise foi segmentada em quatro partes, a saber: da tradição dos textos, contemplando os
espetáculos, e as adaptações dos folhetos, quando encontrados; descrição física dos
testemunhos; a classificação estemática que está apoiada na análise das variantes, havendo

4
O original deste documento encontra-se arquivado no Acervo do Espaço Xisto Bahia.
gráficos para facilitar a visualização do grau de aproximação ou afastamento entre os
testemunhos; e por fim o texto editado com o aparato crítico.
Para ilustrar, fez-se o uso de fotografias, fac-símiles de recortes de jornais, folhetos
dos espetáculos, cartas e textos teatrais de João Augusto.
Ressalte-se que as informações relativas aos textos teatrais de João Augusto e à ação
da censura na Bahia foram obtidas por meio de entrevistas realizadas com Cleise Mendes,
Harildo Deda, Deolindo Checcucci, Aninha Franco, Haydil Linhares, Bemvindo Sequeira e
Armindo Bião, e estão dispersas ao longo dos três capítulos desenvolvidos na dissertação.
2 A FILOLOGIA TEXTUAL E A EDIÇÃO DE TEXTOS TEATRAIS

A Filologia Textual, conjunto de atividades que se ocupam da linguagem do homem e


das obras de arte escritas nessa linguagem (AUERBACH, 1972), tem como objeto de estudo o
texto. O filólogo, na atividade de edição, busca resgatar, reconstituir e publicar o texto
fidedigno, representativo do ânimo autoral, tornando-o acessível aos estudiosos da literatura,
aos lingüistas, ou ao público leitor comum. Dessa maneira, a atividade filológica contribui
para a preservação da memória social, histórica, lingüística e literária, de um povo em uma
determinada época.
A realização da edição de textos teatrais de João Augusto faz-se necessária para a
preservação da memória do teatro baiano, na década de setenta, e, em especial, a memória de
um Sujeito, que, inserido em um determinado contexto histórico, político, social, produziu
espetáculos a partir de textos que traziam, implícita ou explicitamente, as reflexões sobre a
arte, a cultura, as críticas sócio-políticas à Ditadura Militar Brasileira.
Estruturalmente, o texto teatral, como os de João Augusto, é uma convenção narrativa
organizada em atos, cenas, personagens, espaço, tempo, diálogos, enredos, tudo agrupado em
rubricas, ou seja, um texto principal, em que se têm os diálogos das personagens, as
didascálias, ou texto secundário5, que trazem as indicações cênicas de espaço e tempo.
Segundo Pavis (1999), além dessas peculiaridades, o texto teatral pode ser possivelmente
caracterizado pelo aspecto ficcional, por ser “objetivo”, pois traz as réplicas responsáveis pelo
desenrolar do conflito, ou seja, não precisa de um narrador para indicar o que está
acontecendo na ação, e, por fim, deve estar contextualizado na cultura, na história e na
ideologia de uma sociedade.
Adverte-se, ainda, para o fato de que qualquer texto tem potencialidade de ser
dramatizado. A encenação pode ou não acontecer a partir de um texto dramático.

Mas nem todo espetáculo necessariamente existe a partir de um texto. Pode,


por exemplo, nascer de simples indicações de ação e conflitos. Ou
transformar em matéria cênica uma proposta de trabalho vagamente
redigida, um poema, uma narrativa que sugira elementos cênicos, uma idéia
inicial a ser improvisada numa prática imprevisível etc. (PEIXOTO, 1980,
p. 19)

5
Segundo Mostaço (2003, p. 15) há três maneiras de considerar o texto secundário: extratexto, ou seja, pode ou
não ser utilizado, metatexto, induz ou orienta a leitura, ou pretexto, sugere ou metaforiza uma possível solução.
Esses limites tênues entre o texto literário e o texto cênico levam os teóricos do drama
a delimitarem dois momentos significativos, que são demarcados a partir da ênfase dada à
figura do encenador6.
Em um primeiro momento, destaca-se a posição logocêntrica ou textocêntrica, ou seja,
desde Aristóteles até o início da encenação como prática sistemática, no século XIX, o texto
era o elemento primário, na estrutura profunda e no conteúdo essencial da arte dramática
(PAVIS, 1999). A encenação ocupava um local periférico e acessório da teatralidade (BETTI,
2000). Dessa maneira, priorizava-se, na cena, aquilo que estava presente no texto escrito pelo
dramaturgo (ROUBINE, 1998).
Em um segundo momento, no final do século XIX, novas considerações sobre o ato de
encenar ou mise-en-scène provocam mudanças do lugar do texto no teatro: “o dramaturgo e
seu texto passam a ser nivelados aos demais integrantes, em pé de igualdade com a equipe
responsável pela encenação, perdendo sua anterior primazia.” (MOSTAÇO, 2003, p. 14).
Mendes (1995, p.38-39) estabelece a distinção entre o encenador e o dramaturgo da seguinte
forma:
O encenador tem no texto uma predeterminação de linhas e de significados:
caracterização das personagens, relação entre elas, agrupamentos formados
em função do conflito; tudo isso antecede as imagens e o jogo cênico,
formado por elementos lingüísticos e extralingüísticos. O dramaturgo, por
seu turno, considera ao escrever o teor da teatralidade de sua obra, e isso
pode orientar escolhas e ênfases.

Assim, o texto teatral é considerado, na contemporaneidade, como um espaço de uma


das representações no teatro, conforme assevera Mendes:

Existe uma arte do drama e uma arte do teatro. Se durante alguns séculos o
palco foi o lugar privilegiado para uma leitura produtiva dos textos
dramáticos, no presente o drama tem íntimas e inquietantes relações com
outras linguagens (MENDES, 1995, p. 30).

Peixoto (1980) estabelece a distinção entre texto dramático e cênico da seguinte


forma:

6
O surgimento do termo e da função encenador, tradução direta do francês metteur em scène, é situado na
primeira metade do século XIX, e designa a pessoa encarregada de montar uma peça, assumindo a
responsabilidade estética e organização do espetáculo, escolhendo os atores, interpretando o texto, utilizando as
suas possibilidades cênicas a sua disposição. (PAVIS, 1999, p. 123). O termo mais empregado entre as pessoas
que trabalham com teatro, a crítica especializada, e o público é o de diretor teatral. Yan Michalski (apud
ROUBINE, 1982 p.14-15) explica que há uma diferenciação: direção sugere uma prática mais autoritária, e
encenação deixa transparecer a idéia de uma obra de arte autônoma, que privilegia seu foco criativo na
linguagem estabelecida para a cena.
Um espetáculo de teatro, seja tragédia ou comédia, drama ou revista musical,
mímica ou ópera, pode ter como ponto de partida um texto escrito em seus
mínimos detalhes. Com diálogos completos e indicações cênicas, expondo
conflitos entre personagens perfeitamente delineados e narrando as relações
que os homens estabelecem entre si em determinadas circunstâncias. Como
obra literária (grifo nosso) – e também musical, no caso de opereta, ou de
ópera – está completa: como texto teatral (grifo nosso), entretanto, exige,
para realizar-se integralmente, ser encenado. Ou seja, assumir o espaço
cênico, corporificado por intérpretes que, obedecendo a uma concepção
preliminarmente estabelecida, criem, um confronto de emoção e raciocínio
com os espectadores (PEIXOTO, 1980, p. 19).

Para Grésillon (1995), que distingue o texto teatral como gênero literário caracterizado
por uma seqüência de diálogos entrecortados pelo metatexto das rubricas7, a relação entre
texto e encenação é definida como havendo uma “necessária e simultaneamente, alteridade e
interdependência”, ou seja, o texto de teatro tem relativa perenidade e unicidade, enquanto a
encenação possui um caráter efêmero e múltiplo. A cada leitura do texto dramático, idealiza-
se uma encenação, que, por sua vez, é diferente a cada apresentação deste texto ao público.
Embora se admita que um espetáculo teatral tenha a escrita literária, objeto de nossa
investigação, e como tal pertence ao domínio da história da literatura, e a cênica, na qual se
desenvolve uma linguagem específica, que nem sempre está preestabelecida na escrita
dramática, não se deve estudar o texto dramático sem se conceber a idéia de encenação, e
vice-versa. O texto no teatro é um objeto do discurso da literatura dramática, enquanto a
encenação é pertencente ao fenômeno do ato cênico, mas um está interligado ao outro.
Na atividade teatral de João Augusto, o dramático e o cênico estavam sempre
presentes. Os textos eram elaborados conforme critérios e estrutura de um texto dramático,
porém, a cada apresentação, a cada performance, estavam sujeitos a modificações, como
afirma Bemvindo Sequeira: “O texto do espetáculo [de João Augusto] merecia sempre uma
releitura a cada passo, do figurinista, do cenógrafo, do aderecista, dos atores, do público e
dele mesmo”8.
Como nosso trabalho inscreve-se na área de Letras, interessa-nos, portanto, o texto
produzido pelo dramaturgo, o autor, ou seja, o texto enquanto obra literária. Nessa busca pelo
texto do autor, o editor de texto teatral deve estar atento às diversas situações encontradas.
Quando se edita textos como poemas ou romances identifica-se, logo, aquele que é o
responsável pela elaboração do texto literário, o autor, ou seja, “o responsável pelo conteúdo
intelectual ou artístico de um documento” (FARIA; PERICÃO, 1988, p. 31). No entanto,

7
Observa-se que Grésillon faz uso do termo metatexto quando se refere ao texto secundário.
8
Cf. a informação em entrevista concedida a Ludmila Antunes de Jesus, por e-mail no dia 16 de maio de 2007.
quando se edita um texto teatral, que se caracteriza pela escritura a várias mãos: do autor, do
diretor, sobretudo, e ainda de outros, como as do ator, por exemplo, deve-se definir com
clareza que texto do autor se quer editar.
No que diz respeito ao processo de criação do texto dramático, Grésillon (1995)
expõe as situações em que o autor pode: a) participar da preparação da representação; b) ser
um dos atores; c) finalizar a escritura de um texto inacabado; c) traduzir uma peça, e, por fim,
e) ser autor e também diretor. Dos papéis do autor, aqui expostos por Grésillon, João Augusto
foi ator de algumas de suas peças, tradutor, e, na maioria de seus textos, foi autor-diretor.
Quando o autor é também diretor, o texto dramático, as criações cênicas e as
modificações no texto escrito se processam de acordo com as vontades ou conivência do
autor. No âmbito textual, essas modificações podem acontecer de duas formas: o próprio autor
modifica o seu texto a partir da leitura dramática ou da encenação, ou, ainda, pode ele acatar
as sugestões de outros atores e de outros participantes dos espetáculos. Tanto em uma situação
quanto na outra, o que será mais evidente, nesses tipos de relação, é o processo de reescritura
do texto do autor, de refazimento do texto após a encenação.
Entretanto, quando o próprio autor elabora o seu texto cabe a ele decidir se as
modificações cênicas deverão ou não modificar o texto dramático. Porém, quando o autor
deixa sua obra inédita, como é o caso dos textos de João Augusto, e os testemunhos de seus
textos são encontrados com marcas de diversas mãos, a noção de autoria fica comprometida.
Estabelecem-se, portanto, diferentes hipóteses: as marcas encontradas no texto do autor
seriam anotações que foram transformando o seu texto à medida que ia sendo encenado;
seriam do diretor que, na interpretação do texto do autor, fez algumas modificações de acordo
com o espaço cênico, ou seriam do ator que foi alterando a cópia de que dispõe a partir do seu
estilo de interpretação. No texto teatral A Escola de maridos, tradução de João Augusto, é
evidente este tipo de situação, em que as colaborações dadas pelos participantes do espetáculo
estão expressas no texto do autor (Figura 1).
Figura 1 – A Escola dos maridos, texto de Molière, tradução de João Augusto
Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha9

9
Fotografia digital por Luis César Souza.
Segundo Armindo Bião (2005), “o texto escrito – e sua publicação – e o teatro
encontram-se, portanto, intrisecamente conectados e interdependentes”. Entretanto, esclarece
o próprio Bião10 que, para o testemunho escrito a várias mãos, é mais coerente editar o texto
com essas modificações e considerá-lo como um texto elaborado em conjunto, ou seja, uma
criação coletiva. Na edição, deve-se colocar o nome de todos os envolvidos na produção do
texto e, conseqüentemente, do espetáculo.
Nos textos de João Augusto as intervenções dos atores não eram consideradas, exceto
na encenação, conforme afirma Bemvindo Sequeira (2007):

João às vezes [...] deixava [o texto] na gaveta amadurecendo, e depois


remexia e finalizava para entregar aos ensaios quando aconteciam novas
releituras, mas o texto já estava pronto, não reescrevia depois das
contribuições dos atores, as contribuições dos atores aconteciam em cena a
cada noite. 11

Bião (2007), em entrevista12, assevera que “João incorporava muitas coisas que os
atores diziam”, cita como exemplo, o título de Stopem, Stopem, que foi criação de Haydil
Linhares, uma das atrizes do espetáculo. A própria Haydil Linhares13, afirma que na passagem
do dramático para o cênico, as contribuições dos atores só existiam no plano cênico. As
modificações feitas por ela e por Bemvindo Sequeira foram aceitas por João Augusto, mas
não foram incorporadas ao texto, pois já tinham sido memorizadas pelos atores dos
espetáculos.
Há, também, na obra de João Augusto, outras situações em que os textos trazem
emendas sejam à mão, sejam à máquina. Nesta circunstância, as nossas observações foram
limitadas às memórias das pessoas que participaram dos espetáculos. No caso das
modificações manuscritas, como se vê em Sete pecados capitais (1973) (Figura 2) e em
História da Paixão do Senhor (s.d.) (Figura 3), não se tem certeza, ainda, quanto ao caráter
autógrafo/autoral14 dessas e de algumas outras anotações encontradas no texto do
autor/diretor.

10
Informação verbal obtida em entrevista concedida a Ludmila Antunes de Jesus e Isabela dos Santos Almeida,
em 20 de novembro de 2007.
11
Informação obtida a Ludmila Antunes de Jesus, por e-mail em 16 de maio de 2007.
12
Informação verbal obtida em entrevista concedida a Ludmila Antunes de Jesus e Isabela dos Santos Almeida
em 20 de novembro de 2007.
13
Informação verbal obtida em entrevista concedida a Ludmila Antunes de Jesus e Eduardo Dantas em 15 de 03
de 2007, na Fundação Cultural da Bahia.
14
Bemvindo Sequeira, em 2007, afirmou que a letra presente nestes testemunhos, Sete pecados capitais e
História da Paixão do Senhor, possivelmente, não seria de João Augusto.
Figura 2 – Modificações não autorais no texto Sete pecados capitais (1973) de João Augusto
Fonte: Acervo Espaço Xisto Bahia15

Figura 3 – Dois testemunhos de História da paixão do Senhor, s.d.


À esquerda, anotações marginais, à direita, texto passado a limpo
Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha16

15
Roprodução digital por Ludmila Antunes de Jesus.
16
Fotografia digital Luis César Souza.
Diferentemente, no texto Quem não morre num vê Deus (Figura 4), as anotações
manuscritas foram reconhecidas por Bemvindo Sequeira, como sendo a letra de João
Augusto.

Figura 4 – Modificações em Quem não morre num vê Deus (1977)


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha17

Com relação às modificações realizadas à máquina (Figura 5), não se tem dúvida da
autoria de João Augusto, pois era o próprio autor quem datilografava seus textos, conforme
diz Sequeira: “João escrevia à máquina, [...] noites a dentro” 18.

Figura 5 – Emenda no texto teatral Felismina Engole-Brasa (1972)


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha19

17
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
18
Cf. o depoimento de Bemvindo Sequeira, em entrevista concedida a Ludmila Antunes de Jesus, por e-mail, no
dia 16 de março de 2007.
19
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
Assim como para os textos teatrais, João Augusto também usava a máquina para
datilografar poemas e cartas enviadas a parentes e amigos (Figura 6).

Figura 6 – Carta de João Augusto endereçada a Teresa Sá


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha20

Além das anotações autorais, das não autorais, que podem ser do diretor ou do ator,
têm-se também no texto do autor, as marcas da intervenção do censor, em casos de texto
produzidos na época da ditadura militar.
Neste período, o Brasil vivia um clima de medo, insegurança e intranqüilidade com
suspensões dos direitos constitucionais, perseguições, prisões, torturas aos estudantes,
professores, militantes, escritores e artistas. O teatro, assim como todas as outras formas de
expressões artísticas, era visto como ameaça ao regime ditatorial, pois sugeriam a reprodução
de uma realidade simbólica brasileira indissociável da função política, social e moral, como
afirma Yan Michalski em depoimento a Sônia Salomão Khéde (1981, p.116):

Os ventos de uma tomada de consciência nacionalista, de uma recusa das


influências colonizadoras, da busca de uma maior justiça social, de uma
melhor distribuição de renda. [...]. Em muitos poucos anos, esses pontos de
vista se tornaram absolutamente predominantes e quase que monopolizaram
a temática do melhor teatro brasileiro [...]. Então, com os acontecimentos de
64 [...] o teatro já vinha a priori com uma imagem de suspeito de ser um
grande aliado da situação que tinha acabado de ser derrubada. [...] em
função dessa aliança implícita entre o teatro e a situação derrubada pelo
golpe de 64 é que o teatro foi colocado imediatamente sob suspeita [...] uma
espécie de inimigo público [...].

20
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
Segundo Guinsburg, Faria e Lima (2006, p. 79), no século XX, a censura ao teatro
pela polícia era uma prática regular que ocorria nas mais diversas instâncias e através de
diferentes órgãos até a década de 80, e tinha como propósito limitar excesso contra a ordem
constituída, seus representantes e a família brasileira, o que impunha limites morais ao teatro.
Entretanto, João Augusto “compreendia a Censura como um instrumento do poder burguês”
e, junto com seus companheiros de trabalho, lutava em prol de liberdade, democracia e
socialismo, conforme diz Sequeira (2007): 21

O Teatro Livre estava inserido numa luta muito maior que a luta contra a
Censura, era comprometido com partidos clandestinos, com movimentos
sociais, com o socialismo e a luta armada até mesmo, como no caso do
Araguaia, onde o Grupo serviu de disfarce para levar à Europa denúncias da
Guerrilha do Araguaia e do massacre etc. Então quando cortavam coisinhas,
ou páginas a gente fazia um jogo de cintura, não chiava na hora e em
público não porque estávamos numa luta muito maior.

O Censor, em nome da moral, dos bons costumes e da segurança nacional, agia


diretamente no texto do autor cortando palavras, frases, réplicas, cenas, e até atos inteiros.
Nos textos de João Augusto, selecionados para esta edição, destacam-se os cortes22 de
palavras como: santo besta (Antônio, meu santo, 1974), puliça, macacos (Quem não morre
num vê Deus, 1974) (Figura 7); cú (Cordel 5, 1977); frases como o amor e a fome governam o
mundo (Felismina Engole-Brasa, 1972) e até vetando a apresentação de peças inteiras como
Quem não morre num vê Deus, As Bagaceiras do amor e O Marido que passou o cadeado na
boca na mulher, proibidas de serem encenadas durante o espetáculo Um, Dois, Três Cordel,
apresentado na Feira da Bahia, em São Paulo, 1974.

Figura 7 – Cortes da Censura no texto Quem não morre num vê Deus, 1974
Fonte: Acervo Espaço Xisto Bahia23

21
Cf. depoimento de Bemvindo Sequeira, em entrevista concedida a Ludmila Antunes de Jesus, por e-mail, no
dia 16 de março de 2007.
22
Na edição destas peças os cortes da Censura estarão localizados em notas de rodapé.
23
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
Após a análise do texto teatral, com as restrições e proibições, os atores, oficialmente,
eram forçados a encenar este texto suprimindo os cortes. Harildo Deda (2006) relata, em
entrevistas24, como agiam os censores durante o ensaio geral:

A tortura era a gente fazer o ensaio para a censura que era, assim, ou no dia
da temporada, no dia da estréia, ou um dia antes e a gente sem saber se o
espetáculo ia acontecer ou não. Por que muitas vezes era terrível, a gente
fazer esse ensaio, às vezes, escamoteando certos e determinadas coisas para
poder passar, alguém sentado na platéia junto com o censor para chamar a
atenção, conversar com ele na hora que podia ser que ele... Fora o texto que
já vinha de Brasília censurado com os carimbos, isso aqui não pode. Além
disso, o espetáculo o mais terrível era isso, a gente tava recebendo o texto,
às vezes não recebia o texto ensaiava na possibilidade disso ali acontecer ou
não.

No entanto, esses cortes só eram acatados quando havia a presença do censor. Na


maioria das encenações, havia dois textos e dois espetáculos: um apresentado para o censor,
seguindo as indicações de cortes; e outro apresentado para o público com os trechos que
foram censurados. Quando o censor aparecia, de surpresa, o texto era modificado no ato da
encenação. Segundo Harildo Deda (2006), quem mais sofria com a mudança de texto era o
público que acabava “não entendendo” o espetáculo. Além dessa mudança de texto, os artistas
de teatro burlavam a censura por meio de mímica ou pantomima25.
A Censura incidia no texto, do autor realizando cortes, a lápis vermelho, trechos ou
palavras de cunho moral, social e político, o que, dessa forma, modificava apenas a
encenação. Considerando que essas intervenções da censura eram alheias a vontade do autor,
cabe ao editor de textos teatrais censurados recuperar o texto do autor sem as marcas do
censor.
Levando-se em conta a especificidade do texto produzido por João Augusto, bem
como da escritura dramática, de modo geral, constata-se a peculiaridade do texto teatral, obra
aberta, plural, que se constrói e se modifica ao longo, ou após o espetáculo, e a várias mãos:
as do autor, do diretor, do ator, entre outros. Nesse contexto observadas as particularidades de
escritura de cada texto, busca-se, o crítico textual, sempre que possível, trazer uma edição que
estabeleça um texto fidedigno de acordo com a intenção final do autor.
Ressalte-se que a preocupação em estabelecer edições fidedignas de textos teatrais é
ainda de poucos, como os trabalhos de Teresinha Marinho (1986) que editou Clássicos do

24
Informação verbal concedida ao Grupo de Edição de textos teatrais censurados, na Faculdade de Teatro da
UFBA, no dia 20 de novembro de 2006. Transcrição elaborada por Ludmila Antunes de Jesus.
25
Pantomima é a representação de emoções, de atos e de várias situações humanas somente por meio dos
movimentos do corpo, dos gestos e dos passos (GUINSBURG; FARIA; LIMA, 2006, p. 229).
Teatro da Literatura Brasileira, de José da Silva Terra (1986) que organizou criticamente
textos do teatro português XVI, Cleonice Berardinelli (apud TERRA, 1986, p. 238) com a
edição do Auto de Vicente Anes Joeira, entre outros.
Marinho (1986), em sua edição, elabora um estudo do autor, da obra e realiza a
fixação do texto, levando-se em conta a análise das personagens, do tema e do léxico. Terra
(1986) faz a fixação do texto e organiza seu trabalho da seguinte forma: I) Introdução,
composto por notas sobre o autor, obra (descrição tipográfica, outras edições, a estrutura
formal, as personagens, as alegorias), conclusão e as siglas utilizadas; II) texto crítico; III)
vocabulário; IV) fac-símile; e, V) índice geral. Como afirma Terra (1986, p. 238) esse modelo
está muito próximo dos estudos de Cleonice Berardinelli:

[...] a partir de um exame não só do texto original, mas de algumas


reedições conhecidas, procurámos estabelecer um modelo. Por um processo
chegámos (e não é para estranhar) a algo bastante próximo do que realizara
no Brasil a Professora Cleonice Berardinelli, com base nos <<critérios
básicos>> sugeridos por A.G. Cunha, com sua edição do Auto de Vicente
Anes Joeira.

Vale ressaltar também outras iniciativas das Escolas de Teatro e de Dança, da UFBA,
que valorizam o texto, publicando regularmente, desde 1977, periódicos como: a Revista
Repertório Teatro & Dança e os Cadernos do GIPE – CIT – Grupo Interdisciplinar de
Pesquisa e Extensão em Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade –, que divulgam
ensaios, resenhas de livros e de espetáculos, perfis de artistas cênicos, pesquisas concluídas e
em andamento, além de peças de autores teatrais atuantes nas artes cênicas da Bahia26.
Coopera, também, para a divulgação de textos teatrais, a Secretaria da Cultura e Turismo, o
Teatro Vila Velha e o Teatro XVIII.
A Secretaria da Cultura e Turismo da Bahia, através de sua Superintendência de
Cultura, vem lançando, desde 2003, livros com obras de Cleise Mendes (2003), Cláudio
Simões (2004), Paulo Henrique Alcântara (2004), Luís Sérgio Ramos (2004), Ildázio Tavares
(2004), Luciano Diniz Borges (2004) e Antônio Marcelo (2004), criando o Selo Dramaturgia
da Bahia. Tais livros trazem, além dos textos de peças selecionadas pelos autores
responsáveis, fotografias dos espetáculos, dos certificados de censura, e uma apresentação dos
textos.

26
Cf. estas informações em Bião (2005) disponível em <http://www.cenalusofona.pt/cenaberta/detalhe>. Acesso
em 19 de agosto de 2007.
Além dessas duas grandes iniciativas da Universidade Federal da Bahia e da Secretaria
da Cultura e Turismo, deve-se ressaltar, também, as contribuições, para a publicação e
divulgação do teatro baiano, do Teatro Vila Velha, que em 2003 publicou em sua coleção
Cadernos do Vila, peças teatrais da dramaturga Haydil Linhares, além das iniciativas do
Teatro XVIII, em publicar os textos das peças como o texto do espetáculo Esse Glauber,
entre outras publicações.
Toda esta empresa das instituições aqui discriminadas, não foi suficiente para dar
conta de tantos outros textos teatrais produzidos na Bahia. Um grande exemplo disso é a
quantidade de textos que se encontram no Acervo do Espaço Xisto Bahia e no Teatro Vila
Velha. A documentação nestes Acervos, hoje, consta de textos teatrais que foram encenados
na Bahia, fotografias das encenações e/ou dos bastidores das peças, cartazes, materiais de
jornal, livros, tudo isso disponível aos pesquisadores e estudantes de Teatro, História, Letras,
ou para qualquer pessoa interessada pelo Teatro Baiano.
Quanto ao Acervo do Espaço Xisto Bahia, Edvalter Lima27, vulgo Didico, responsável
pelo Acervo, esclarece que por muito tempo todo esse material ficou esquecido e abandonado
no depósito. Antes de ir para o Acervo, os textos e os materiais de jornal estavam jogados em
prateleiras, e/ou embrulhados em pacotes. As fotos estavam dentro de caixas de papelão, sem
o conhecimento do conteúdo desse material. Zoíla Barata se preocupou com esse material,
guardando-o. Posteriormente, Theodomiro Queiroz criou o Espaço Xisto Bahia e o núcleo de
Acervo que foi organizado por Celso Junior, Lena Franca, Conceição Queiroz, Edvalter Lima,
e estagiários da Universidade Federal da Bahia. Quando se iniciou o trabalho, os mesmos não
tinham conhecimentos do que se tratava, somente a partir da limpeza do material, que
consistia na retirada dos textos que estavam em pasta AZ, e dos clipes que deixavam marcas
de ferrugem danificando os textos, percebeu-se que se tratava de peças teatrais enviadas para
a censura.
Assim, após toda a dedicação e o esforço dos funcionários e voluntários, o Acervo do
Espaço Xisto Bahia, hoje, conta com mais de mil textos de teatro, adulto e infantil, que estão
catalogados e organizados em pastas (Figura 8).

27
Informação verbal concedida em entrevista a Ludmila Antunes de Jesus, em 11 de novembro de 2005, no
Espaço Xisto Bahia.
Figura 8 – Espaço Xisto Bahia, à esquerda os testemunhos teatrais e, à direita fotografias de
espetáculos. Fonte: Espaço Xisto Bahia28

Além do Espaço do Teatro Xisto Bahia, pode-se encontrar, também, no Teatro Vila
Velha, muitos outros textos teatrais produzidos na Bahia, que poderão ser objetos de estudo,
de edição ou de encenação (Figura 9 )

Figura 9 – Acervo do Teatro Vila Velha


Fonte: Espaço Xisto Bahia29

Quanto a este Acervo, Vinício de Oliveira Oliveira30 esclarece que, em 1993, Márcio
Meirelles, em sua administração, tomou a iniciativa de organizar os textos teatrais que se

28
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
29
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
30
Informação verbal concedida a Ludmila Antunes de Jesus, em 25 de novembro de 2005.
encontravam no teatro e, posteriormente, os que estavam em posse dos colaboradores e
sócios. Em 2001, ano de inauguração do Acervo, uma equipe formada por bibliotecários
organizou os materiais a partir do ano e dos gêneros (correspondências, notas ficais, textos
teatrais, etc.). Em 2004, Vinício de Oliveira Oliveira que assume, até os dias de hoje, a
responsabilidade do Acervo, faz uma nova distribuição desses materiais, organizando-os por
projetos de espetáculos. Infelizmente, devido à falta de manuseio correto dos documentos,
(Figura 10), o Acervo do Teatro Vila Velha tomou a iniciativa de embargar a entrada de
pesquisadores para que se possa tentar recuperar e digitalizar os documentos, e,
posteriormente, após todo o trabalho de recuperação, liberar o Acervo para as pesquisas.

Figura 10 – Auto da liberdade da Independência da Bahia, 1963


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha31

31
Fotografia digital por Luis César Souza.
Vale ressaltar que muitos textos de João Augusto encontram-se organizados nesses
dois Acervos, mas há, ainda, uma grande fortuna crítica do autor que está em poder de seus
familiares, e que, infelizmente, não está acessível ao público. Ressalta-se, porém, que a
atividade filológica, por meio de edição de textos, faz-se imprescindível à recuperação do
patrimônio cultural escrito, os textos teatrais produzidos na Bahia no período da ditadura
militar. Iniciativas como estas são de suma importância para a preservação da memória do
teatro na Bahia.
3 AUTOR E OBRA

3.1 JOÃO AUGUSTO: UM HOMEM DE TEATRO

A expressão homem de teatro32, usada para designar as pessoas que dedicam sua vida
ao teatro, sintetiza as ações artísticas, profissionais e intelectuais de João Augusto Sérgio de
Azevedo Filho: dramaturgo, professor de teatro, ator, tradutor, contra-regra, iluminador,
cenógrafo, sonoplasta, figurinista, animador, letrista.
A trajetória intelectual-artística de João Augusto, carioca, nascido a 15 de janeiro de
1928, inicou-se no Rio de Janeiro como fundador do Teatro de Fantoches de Brighela33, e,
como autor, em 1948, com A Matrona de Epheso, no Teatro Duse de Paschoal (Figura 11).

Figura 11 – Folheto de publicidade do primeiro espetáculo de João Augusto


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha34

32
Armindo Bião, na defesa desta dissertação, chamou a atenção para o uso da expressão “homem de teatro”,
pois, segundo ele, aparece primeiramente citado no texto de Liberdade Liberdade de Millor Fernandes e Flávio
Rangel, escrito para – e dito por – Paulo Autran. Nos documentos encontrados para esta pesquisa, essa expressão
foi encontrada tanto no artigo escrito por Jurandir Ferreira, em um recorte de jornal sem data, documento do
Acervo do Teatro Vila Velha, quanto no artigo escrito por Márcio Meirelles (2003).
33
Embora não se tenha a data, esta é uma das referências mais antigas das atividades teatrais de João Augusto.
34
Fotografia digital por Gabriel Moura.
Em 1951, foi ator na peça de inauguração do teatro O Tablado, onde trabalhou até
1956, ano em que seu companheiro d’O Tablado, Martim Gonçalves, convida-o para integrar
o corpo docente da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, tornando-se, então,
responsável pelas cátedras de Formação do Ator e História do Teatro.
Em 1959, João Augusto conquistou o prêmio Martins Pena, do Jornal de Letras (Rio
de Janeiro), com o texto A interessante e graciosa história do marido que trocou a mulher
por uma vaca. Neste mesmo ano, motivos pessoais e ideológicos levam o professor João
Augusto e alguns alunos da primeira turma a ser graduada na Escola de Teatro da Bahia
(ETBA) a romper com o diretor Martim Gonçalves.

Depois de esperarem por uma solução, os alunos da Escola de Teatro da


Universidade, que divergiram da atitude do seu diretor, resolveram apelar
para a imprensa, a procura da defesa dos seus direitos. Na época, "A Tarde"
noticiou o fato de ter sido suspensa a apresentação da peça "Um Bonde
Chamado Desejo". No entanto, receosos de uma represália, os prejudicados
com o incidente não quiseram prestar declarações aos jornais.
RENUNCIARAM À FORMATURA Ontem, fomos procurados pelos 15
alunos que integram o grupo afastado das aulas há dois meses. Contaram-
nos o seguinte: - nós nos retiramos da escola em sinal de protesto ao
tratamento desabonador do diretor Martim Gonçalves, contra nossos colegas
e ex-professores. Houve uma denúncia da artista Maria Fernanda de que
havia sabotagem de alguns alunos, na apresentação da peça35 (A TARDE,
1959).

Em outubro do mesmo ano, com apoio da sociedade baiana, da sociedade artística e do


Governo Estadual, João Augusto e seus alunos fundaram a Sociedade de Teatro dos Novos36,
o primeiro grupo de teatro profissional da Bahia. Segundo Meirelles (2003, p. 25) João e seus
alunos dissidentes, queriam “investigar o teatro nacional, mesmo que à luz de modelos
estrangeiros”, e não importar esses modelos para criar um teatro nacional. Esclarece João
Augusto37, que já havia entre os alunos, o desejo de criar o Teatro dos Novos, e os quais os
acontecimentos da Escola de Teatro só anteciparam a formação desse grupo.
A ideologia de criação de um teatro nacional, da organização de um organismo
cultural em função da cidade, e de uma maior penetração do teatro em relação ao público38,
levaram João Augusto e os alunos da ETBA a inaugurarem, no Passeio Público da cidade de

35
Cf. a reportagem na íntegra nos documentos do acervo do Teatro Vila Velha.
36
Dos quinze estudantes que romperam com a Escola de Teatro, seis formaram a Sociedade de Teatro dos
Novos: Carlos Petrovich, Othon Bastos, Carmem Bittencourt, Sônia Robatto, Tereza Sá e Ecchio Reis.
(SANTANA, 2006. p. 61).
37
Cf. o relatório de João Augusto sobre a criação do Teatro dos Novos. Documento do Acervo do Teatro Vila
Velha.
38
Cf. o relatório de João Augusto sobre a criação do Teatro dos Novos. Documento do Acervo do Teatro Vila.
Salvador, em 31 de julho de 1964, ano do golpe da ditadura militar, o Teatro Vila Velha39. O
espetáculo inaugural Eles não usam bleque-tai (Figura 12) de Gianfrancesco Guarnieri,
sucesso de crítica e de público, foi um marco da trajetória do grupo do Teatro dos Novos, que
antes de inaugurarem seu espaço, apresentavam com repertório bastante diversificado – autos,
comédias medievais, peças infantis – e a preços populares, em escolas primárias da Prefeitura,
e em bairros de Salvador e no interior do Estado, tendo como cenários as praças e adros das
igrejas.

Figura 12 – Fotografia do espetáculo Eles não usam bleque-tai (1964). Texto de Jurandir
Ferreira, s.d. Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha40

Um ano antes da inauguração do Teatro Vila Velha, João Augusto voltou a lecionar
na ETBA, mas não abandou o teatro amador, forma que, segundo ele, era tido como única
possível de sobrevivência da linguagem (MEIRELLES, 2003).
Em 1966, João Augusto criou, com os Novos, o Teatro de Cordel, atividade de
encenar adaptações das histórias populares nordestinas. Segundo Guinsburg, Faria e Lima
(2006, p.37) alguns cordelistas atribuem a João Augusto a “criação” desse teatro de Cordel no
Brasil. Em entrevista ao Jornal da Bahia em 11 de julho de 1966, João Augusto afirma que
seria mais apropriado usar o termo folheto e não cordel: “Há uma impropriedade de nome na
expressão Teatro de Cordel. [...] na verdade essa experiência nossa deveria chamar-se Teatro

39
Sobre o Teatro Vila Velha, consultar MARTINEZ (2002).
40
Fac-símile reproduzido por Ludmila Antunes de Jesus.
de Folhetos. Esses livrinhos são mais conhecidos entre nós pelo nome de ‘folhetos’. É
importante, aqui, transcrever as suas palavras publicadas no artigo Corda, Cordão, Cordel
(AZEVEDO, 1966), em que ele descreve e justifica a utilização de folhetos no teatro baiano:

O Teatro de Cordel é uma experiência nova: o aproveitamento dessa


Literatura Popular em termos de teatro. Alguns autores brasileiros tentaram
o caminho da Literatura Popular aproveitando temas, adaptando trechos,
usando personagens, inspirando-se nessa fonte. A experiência de “encenar
folhetos”, busca uma linguagem teatral para eles ainda inédita.
A idéia surgiu quando lançamos paralelos entre a obra de Gil Vicente
e nossa Literatura Popular, no espetáculo Estórias de Gil Vicente. Fato,
diga-se de passagem, também inédito (embora os gênios que passeio entre
as acácias baianas tenham torcido o nariz para esse espetáculo).
[...]
O critério adotado foi de uma verdadeira “colcha de retalhos” – os
diretores (o espetáculo também lança novos diretores) procuram a
diversidade de temas e tratamento dos folhetos.
[...]
Se o folheto popular traz em si elementos objetivos, fáceis de
conhecimento e de agrado de um público popular, se o cantador conserva
seu público, é justo esperarmos que o Teatro de Cordel ultrapasse o limite
dessa experiência, da nossa experiência em si.

Ao adaptar as histórias dos folhetos, trazendo uma linguagem simples e popular, João
Augusto buscou manter um diálogo entre o teatro e o público, e, desta forma, pretendia
“conquistar uma Cidade para o Teatro”, como ele próprio dizia.
No entanto, havia, também, em João Augusto, não só uma necessidade de conquistar
uma cidade para o teatro, mas também um teatro profissional para a Cidade do Salvador.
Essa ideologia de profissionalização do Teatro era constante em seus projetos. No Plano de
trabalho nº 341, afirma que: “o Teatro, por suas virtudes próprias (irradiação das presenças
humanas, liberdade ao espectador, participação espiritual, etc) TEM LUGAR
PRIVILEGIADO NUMA SOCIEDADE DE TRABALHO.”
Ao aceitar a direção do Teatro Castro Alves (TCA), como “obrigação moral42”, João
Augusto sugeriu, como uma tentativa de melhorar as condições de trabalho dos atores de
teatro, que o TCA se tornasse “um mercado para os grupos existentes – comprando ou
encomendado espetáculos”, além disso, recomendou que o TCA tivesse salas de ensaio,
depósito para todos os grupos guardarem os materiais usados nos espetáculos, e a criação de
uma biblioteca especializada. Pretendia João Augusto transformar o TCA para além de uma

41
O Plano de trabalho nº 3 é um relatório do Teatro da Sociedade dos Novos elaborado por João Augusto. Este
documento está disponível no Acervo do Teatro Vila Velha.
42
Cf. a utilização desta expressão em recorte do jornal A Tarde (Diretor do Castro defende-se das críticas. A
Tarde. Salvador, 30-03-67). Documento do Acervo do Teatro Vila Velha.
casa de espetáculos, um Teatro-Monstro, ou uma obra de fachada, conforme ele próprio
critica, mais tarde.
A falta de visão dos nossos governantes políticos no terreno das artes
levou à construção na Cidade de um Teatro-Monstro (Castro Alves) mal
projetado técnica e culturalmente. Sua conservação, programação, etc.
constituiria um sério problema até num grande centro urbano. Mesmo uma
Cidade que tivesse uma variedade social e artística tão desordenada como
intensa, o Teatro Castro Alves criaria problemas consideráveis.
A criação de pequenos teatros-de-bairro nos locais mais populosos da
Cidade não foi prevista nem considerada pelo Governo responsável pelo
Castro Alves (obra de fachada)43. (AZEVEDO, [196_?], p.12.)

Em 1968, o Teatro Castro Alves é inaugurado sem a participação dos atores baianos.
O diretor artístico, João Augusto, defendendo-se das diversas críticas sobre a não participação
dos grupos baianos nos espetáculos inaugurais do TCA, afirma: “o que tenho a dizer é que
nenhum grupo da Bahia tem espetáculo agora para ser apresentado neste período. [...] Sou
contra as remontagens numa inauguração. E não havia tempo para se produzir um espetáculo
novo” (AZEVEDO, 1967).
Em 1969, a sua adaptação de Quincas Berro d’água (Figura 13) ganhou o Prêmio
Fundação Teatro Castro Alves (MEIRELLES, 2003, p.26).

Figura 13 – João Augusto (à esquerda) e Jorge Amado (à direita) em conversa sobre a adaptação
da novela Quincas Berro d’água para o teatro. Fonte: Acervo Espaço Xisto Bahia44

43
Trechos do Plano de trabalho nº 3. Documento do Acervo do Teatro Vila Velha.
44
Fac-símile reproduzido por Ludmila Antunes de Jesus.
Em trecho de uma carta não datada enviada a atriz Teresa Sá, João Augusto relata um
pouco de toda essa atividade intensa no teatro baiano:

Teresa
me perdôa demorar tanto a te responder, mas só agora estou me levantando,
não da cama, mas de mim, dopado que andava de tanta canseira: foi o
“Cordel”, o “Quincas”, show de Caetano, show de Gil e Baile das Atrizes.
Dose pra leão. E antes de tudo isso, as cicatrizes (palavra bonita do diabo) da
Reforma do Vila, que ainda não parou45.

No entanto, a década de setenta ainda guardava muitos outros desafios para João
Augusto. Logo no início dos anos 70 assumiu, após a morte do diretor Alberto D’Aversa, o
Teatro Livre da Bahia46. Em 1971 e 1972, os espetáculos de João Augusto; Quincas Berro
d’água, Cordel II e Pinóquio, foram considerados os melhores do teatro baiano (FRANCO,
1994).
Em 1974, há mudanças na dramaturgia baiana, o teatro soteropolitano voltou-se para
os espetáculos da Broadway, para a dramaturgia bem comportada, ou para espetáculos que
garantissem retorno financeiro (FRANCO, 1994, p. 217), tal situação incomodou os
princípios e a ideologia de João Augusto no sentido do “fazer teatro”. Em entrevista na coluna
Teatro, do jornal Tribuna da Bahia (1974) desabafa:

Estou cansado de trabalhar no mesmo esquema para agradar ao público. Se


a Bahia pretende se tornar um “Rio/São Paulo”, eu não tenho nada com
isso. Mas aqui eu não trabalho mais. Vou trabalhar nos bairros e nas cidades
do interior. Quando eu vim para Bahia acreditava na descentralização do
teatro, como meio de cultura, mas como esquema está mudado, eu caio fora.
Inicialmente nós vamos nos apresentar no Vila, depois de realizar as
apresentações nos bairros e nas cidades do interior. Futuramente, não vamos
nos dar ao luxo de precisar dessa “Broadway”. (AZEVEDO, 1974)

As críticas a essas transformações no teatro baiano eram também intensas em sua


Coluna de Teatro.

[...] há um sonho provinciano de um teatro profissional, via sul. Um teatro


que só faz esvaziar e tirar toda nossa capacidade criadora, sem dar nada em
troca, um teatro que mediocriza qualquer um. O sonho da empresa – e o
pesadelo das exigências da empresa, que são incompatíveis com um
trabalho verdadeiro, real, conseqüente? Os valores técnicos e econômicos
são cada vez mais privilegiados, nessa sociedade que renega os valores

45
Transcrição elaborada por Ludmila Antunes de Jesus.
46
O Teatro Livre da Bahia, criado em 1968 por Sônia dos Humildes, Alberto D’Aversa, Kerton Bezerra e
Nonatho Freira, tinha um repertório popular, e sempre que possível encenava autores nacionais.
culturais e humanos. As fundações e as divisões culturais afundam na
apatia, se arrastam sem planos de ação, sem política cultural, sem diálogo
entre seus componentes, a mercê da vaidade de alguns, do esforço de uns
outros, do “vamos fazer isso”? e surgem promoções, isoladas, gratuitas,
alienadas e alternantes, onde alguns comparecem “pra fazer média”, agradar
a terceiros e ver algo que lhe agrada em cheio. Tô cheio (AZEVEDO,
1975)47

A ideologia do Teatro com participação popular já estava presente desde o início da


formação da Sociedade Teatro dos Novos. Na elaboração do Plano de trabalho nº 3, diz João
Augusto: “O teatro tende a uma participação mais vasta possível. O teatro pertence ao povo.
[...] O teatro é uma instituição da cidade.” João Augusto queria que o Teatro Vila Velha
contribuísse para um bem geral, devendo ser para todos 48.
As atividades de João Augusto e seu Grupo não enceraram. Neste mesmo ano (1974)
levou o espetáculo Um, Dois, Três Cordel para São Paulo, na Feira da Bahia (Figura 14).

Figura 14 – Folheto do espetáculo Um, Dois, Três Cordel, apresentado na Feira da Bahia
em São Paulo, 1974. Fonte: Arquivo particular de Armindo Jorge Bião49.

No entanto, a Censura impediu o público paulista de ver as encenações dos textos


Quem não morre num vê Deus, As Bagaceiras do amor, e O Marido que passou o cadeado na

47
Cf. as críticas ao Teatro do sul, no recorte de jornal da Coluna de Teatro publicado em 7 de abril de 1975.
Documento do Acervo do Teatro Vila Velha.
48
Cf. o depoimento de João Augusto dado a Francisco Barreto na coluna de teatro do jornal A Tarde, 12 de
junho de 1966. Documento do Acervo do Teatro Vila Velha.
49
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
boca da mulher50. Ao ser perguntado sobre esse espetáculo e a proibição da censura,
Bemvindo Sequeira (2007)51 afirma que: “João e todos nós só podíamos ter muita raiva com a
censura e os cortes. Muita raiva mesmo e revolta que levava mais e mais à luta por liberdade,
democracia e socialismo”. Segundo as declarações de Sequeira (2007), João Augusto
considerava a Censura como “um instrumento do poder burguês”. E esse instrumento do
poder burguês era, sempre que necessário, desafiado, criticado em tons irônico na Coluna
Teatral de João Augusto.

VIVA VAIA – A Censura acaba de proibir a apresentação, da peça “O


abajur lilás” do teatrólogo Plínio Marcos, que já estava com estréia marcada
em São Paulo. [...]. Violento, agressivo e abastecido por diálogos tão cruéis
quanto populares e verdadeiros, o Sr. Plínio Marcos contribuiu para o
desenvolvimento do teatro brasileiro exatamente por ser um artista corajoso
em sua temática. Depois de ter investido Cr$ 12 mil, a companhia vê-se
desempregada. Não é provável que essa seja a única maneira de encaminhar
o assunto. Ninguém perderá se ele for rediscutido, num nível tão adequado
quanto possível. Do contrário, só poderá haver uma conclusão: o Sr. Plínio
Marcos, a menos que deixe de ser Plínio Marcos, não pode ser teatrólogo no
Brasil. Mas quando isso ocorrer, é preciso que se diga. (AZEVEDO,
1975)52.

O tom provocador estava presente em qualquer trabalho realizado por João Augusto.
Na sua atividade de letrista, destaca-se a letra Roda53, do show Nós, por exemplo (1964), com
melodia de Gilberto Gil, que traz versos de denúncia sobre a situação social do país.
Meu povo preste atenção
Na roda que eu fiz
Quero mostrar a quem vem
Aquilo que o povo diz
Posso falar, pois eu sei
Eu tiro os outros por mim
Quando almoço, não janto
E quando canto é assim.

Agora vou divertir


Agora vou começar
Quero ver quem vai sair
Quero ver quem vai ficar
Não é obrigado a me ouvir
Quem não quiser escutar.
[...]

50
Somente o primeiro ato do espetáculo foi apresentado. As três peças proibidas pela censura faziam parte do
segundo ato.
51
Cf. o depoimento de Bemvindo Sequeira, em entrevista concedida a Ludmila Antunes de Jesus, por e-mail, no
dia 16 de março de 2007.
52
Cf. no Acervo do Teatro Vila Velha, o recorte de jornal, da Coluna de Teatro publicada em 5 de maio de 1975.
53
Cf. a letra, na íntegra, em Amaral Filho (2005, p. 38-4).
Em outra letra, Baião54, canção de Fernando Lona, João Augusto expressa a sua
opinião sobre Liberdade. Vale a pena, aqui, transcrever, na íntegra, a letra desta canção.

Ah, hê, hê, hê ...

Quando eu deixei minha casa


Não sair pra fugir
Sair para ser eu mesmo
Pra poder existir

Ou a gente se afirma
Ou só vive no desgôsto.
O importante é lutar,
É defender seu pôsto.

Escôlho a vida que eu quero.


Até minha morte escôlho.
Decido a vida que levo.
Enfrento a vida. Não corro.

Tou sabendo que não erro


Quando eu digo, quando eu berro
Que só uma coisa importa:
É a gente viver livre,
É a gente viver livre.
A vida não está morta.

Em 1975, João Augusto estreou o espetáculo Balangandã Tem Tem55. No mesmo ano,
o Teatro Livre da Bahia é convidado para o Festival de Nancy, e João Augusto seleciona os
melhores quadros de todos os Cordeis, levando para a Europa, o espetáculo Cordel 356.
(Figura 15):

54
Cf. o documento, não datado, no Acervo do Teatro Vila Velha. Além desta letra têm-se outras, também não
datadas, como Rosa de papel, Despedida e mais algumas sem título.
55
Em algumas referências esta peça traz o título Balangandã tem tem baiano.
56
Segundo Aninha Franco (1994, p. 221), para conseguir o dinheiro da viagem o Teatro Livre da Bahia
promoveu espetáculos de rua. Além disso, foi arrecadada verba com shows de Gilberto Gil e Vinicius de
Moraes, da montagem de Brisa ou Poeira de estrelas, ou Era uma vez Salvador com atores de diversos grupos,
dos eventos gastronômicos no foyer do Teatro Vila Velha promovido todas as sextas-feiras até a partida do
grupo.
Figura 15 – Folheto do espetáculo Cordel 3 apresentado em no
Festival Mundial de Teatro, em Nancy, 1975. Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha57

Nos anos seguintes, fundou, em parceria com Bemvindo Sequeira, dentro do Teatro
Livre da Bahia, o Teatro de Rua (BENÍCIO, 1993). Em entrevista concedida a Lindolfo Alves
do Amaral Filho (2005), Bemvindo Sequeira, diz: “Estreamos no dia 1 de maio de 1977 em
homenagem aos trabalhadores, na Praça da Piedade, exatamente onde haviam sido enforcados
os líderes da Revolta dos Alfaiates. Era um ato político, popular, de resistência à ditadura.”
Sobre a atividade do Teatro de Rua, notificou a revista Veja58em 13 de julho de 1977:

Na tarde de 3 de julho, um domingo, muito a vontade no meio da praça


Campo Grande, em Salvador, misturando-se a vendedor de sorvete, pipoca
e churrasquinho, despachados rapazes e moças espelhavam-se pelo chão
roupas e objetos diversos.

Adiante, acrescenta-se:

A idéia de levar peças às ruas surgiu o ano passado, quando o pessoal do


Teatro Livre da Bahia participou do Festival Internacional de Teatro, em
Caracas. Lá eles entraram em contato com vários grupos latino-americanos
que realizavam uma programação no gênero ─ e interessaram-se em aplicar
a experiência em Salvador.

57
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
58
Cf. o recorte da reportagem da Revista Veja, 13 de julho de 1977, encontrado no Acervo do Teatro Vila Velha.
Em 1979, a trilha desse homem de teatro chega ao final em um domingo, 25 de
novembro. A classe teatral baiana perdeu, vítima de câncer, “o mais completo homem do
teatro baiano neste século” (FRANCO, 1994, p. 243), João Augusto Sérgio de Azevedo Filho.
Durante mais de vinte anos (1956-1979) de trabalho na Bahia, João Augusto lutou
pelo crescimento, investimento e reconhecimento do teatro baiano, por espetáculos de teatro a
preços populares, por um teatro para todos. Em uma carta ao governador Lomanto Junior, Isso
é aquilo: a arte o enfarte59, fica, em evidência, a batalha de João Augusto para mostrar a
importância do Teatro na sociedade baiana:

Que força de persuasão deverei ter (ou alguém possuir) para falar com um
homem público a importância do Teatro? De qualquer Arte? Quantos
autores terei de citar para repetir que toda sociedade (industrial, socialista ou
capitalista) coloca no número dos problemas sociais mais importantes o
problema do “lazer ativo”, das horas vagas? Quantas vezes dizer que o teatro
ultrapassa os compartimentos sociais e ideológicos? Quantas vezes lembrar
que não existe problema do Teatro que possa ser focalizado sem referência à
sociedade, ao futuro de uma sociedade de um regime? Quantas vezes, e de
que maneira fazer claro conseqüentemente que qualquer orçamento que se
dedique ao teatro não representa para o Estado, para a Cidade, para o Povo
um luxo que vai sacrificar imperativos mais urgentes do Estado, da Cidade,
do Povo? Quantas vezes?

Em toda a sua vida João Augusto produziu dezenas de espetáculos, recebendo muitas
críticas de artistas e colunista pelo seu rigor e autoritarismo, mas também elogios. Dentre os
elogios60, destaca-se o de Jorge Amado: “Realmente não sei de experiência teatral mais séria
entre todas as realizadas no Brasil, no último decênio, do que o Teatro de Cordel, digna de
qualquer teatro em qualquer parte” e outros como:
João Augusto é um grande mestre em cena. Seu espetáculo no Teatro Vila
Velha é, sem exagero, a mais audaciosa experiência de teatro moderno que
vi no Brasil (...) Stopem stopem ultrapassa tudo. Ele reconstruiu nossa
estrutura estourada e montou um documento vivo, crítico, atuante, agressivo
e original na realidade brasileira, de ontem e de hoje. É um teatro “teatral”.
Não um teatro cinematográfico ou pitoresco.
(Glauber Rocha sobre o espetáculo Stopem stopem)

A melhor homenagem que se pode prestar ao espetáculo que o Teatro Livre


da Bahia encena atualmente no Nosso Teatro é aplaudi-lo de pé. Não existe
outra opção. Anárquico, contundente e ridicularizador, um Brecht brasileiro,
cada vez mais cruel, renasce graças à alquimia cênica proposta por João
Augusto e o comportamento exemplar de um elenco correto.
(Paulo Fernando sobre o espetáculo Os sete pecados capitais)

59
Cf. o documento no Acervo do Teatro Vila Vela, publicado no site www.vilavelha.com.br.
60
Essas opiniões sobre o trabalho de João Augusto Azevedo foram recolhidas, no Acervo do Teatro Vila Velha,
em um relatório do Teatro Livre da Bahia.
Revela-se, aqui, a homenagem de Rodolfo Coelho Cavalcante a João Augusto, com o
belo ABC de João Augusto61, do qual se transcrevem abaixo alguns trechos:

A A Bahia sempre teve


Seu relevante papel,
Foi a primeira no progresso,
(Juro por Deus de Israel)
Com isso não causa susto
que criasse João Augusto
O Teatro de Cordel.

[...]

C Com perfeito brilhantismo


João Augusto conquistou
O povo para o Teatro
Do gênero que ele criou,
Nos livros dos trovadores
Mostrou ele novas cores
E para o palco levou.

[...]

L Louvemos João Augusto


Pela nobre Direção
Do Teatro de Cordel
Que é a manifestação
Da Cultura, em tema novo,
Tirada do próprio povo
Nos folhetos do sertão!

[...]

U uma idéia luminosa


De João Augusto, leitor,
É defender o direito
Do humilde trovador,
Cujo folheto engraçado
No Teatro adaptado
Deve ganhar o autor

[...]

Z É a letra derradeira
Deste abecê cativante

61
Abêce é uma composição que se caracteriza por começar cada estrofe, quadra ou sextilha, setissilábica pelas
letras do alfabeto, em sua série natural, terminando com a última letra do alfabeto. (DICIONÁRIO...2005)
Numa homenagem sincera
Ao grande Comediante,
João Augusto se deleite
Com este Abecê, aceite
Um abraço do Cavalcante!

(CAVALCANTE, 1973)

Durante sua vida, foi diretor em diversos espetáculos, para o público infantil e adulto,
musicais e festivais, além de ter escrito dezenas de textos, clássicos ou populares que foram
encenados com atores do Teatro da Sociedade dos Novos, com os alunos da Escola de Teatro
da UFBA, com o Teatro Livre da Bahia, seja no Teatro Vila Velha, no Teatro Castro Alves,
ou nas ruas de Salvador.
Uma característica marcante na carreira desse homem de teatro é o fato de ter escrito e
dirigido a maioria de seus textos62. Assim, encontram-se registrados em dissertações, jornais,
Acervos e revistas de Teatro alguns dos espetáculos em que João Augusto foi autor-diretor,
como se pode ver no Quadro 163.

ESPETÁCULOS DATA LOCAL

A Matrona de Epheso 1948 Teatro Duse (Rio de


Janeiro)
O Moço bom e obediente 1951- NC
1952
A Interessante e graciosa história do marido que trocou sua 1959 NC
mulher por uma vaca

História da Paixão do Senhor 1961 Bairros de Salvador

1962 Adros das igrejas em


Salvador
Estórias de Gil Vicente64 1966 Teatro Vila Velha
• A Chegada de Lampião no inferno

62
Márcio Meirelles (2003, p. 31) afirma a existência de textos de João Augusto que não foram encenados.
63
Cf. os espetáculos de João Augusto em Amaral Filho (2005, p. 60-65), Franco (1994) e Revista do Teatro Vila
Velha (2003).
64
Neste espetáculo tem a colagem de outros textos de Gil Vicente, Padre Anchieta, Carlos Drummond de
Andrade, João Cabral de Melo Neto, além de outras poesias de poetas populares e cantadores do folclore
brasileiro. Revista do Teatro Vila Velha (2003, p. 17).
Teatro de cordel 65 1966 Teatro Vila Velha
• A Beata que mordeu a outra com ciúmes do vigário
• Romances das vezes do cão
• O Marido que passou o cadeado na boca da mulher
(primeira versão)
• Valentia e paixão de três irmãs
• História do soldado jogador
• O Exemplo da moça que virou cobra
• Intriga do cachorro com o gato
• Romance das vezes do cão

Quincas Berro D’água 1968 NC


1972 Teatro Castro Alves
Stopem Stopem 1968 Teatro Vila Velha
GRRRrrrr! 1970 Teatro Vila Velha
Suíte dos orixás 1971 NC
Cordel 266 1972/ Teatro Vila Velha
• Oxente Gente ou a mulher que perdeu a simetria 1973
• O Exemplo edificante de Maria nocaute ou os
valores do homem primitivo
• Dentro de lá, den’d’água
• Antônio, Meu Santo ou a Fogueira da carne
• A Mulher que se casou dezoito vezes ou O mundo
não vale meu lar
• Felismina Engole Brasa

Os Sete pecados capitais 1973 Teatro Vila Velha


Cordel 3 1973 Teatro Vila Velha
• A Mulher que engoliu um par de tamancos com
ciúmes do marido
• O Encontro de Chico Tampa com Maria Tampada
• Só o amor constrói ou O cabra que furou o pandeiro
velho
• As Irmãs tenebrosas ou A moça que foi se confessar
de mini saia
• O Casamento de uma moça macho fêmea com um
rapaz fêmea e macho
• O Malandro e a graxeira no chumbrego da orgia
• Peleja de mané grosso com Maria sapatão
• A História de Adão e Eva ou O Direito de encher

65
Em Teatro de Cordel, além desses textos adaptados por João Augusto, há dois textos que compõem o
espetáculo, mas que foram escritos/adaptados e dirigidos por Orlando Senna, a saber: História de Mariquinhas e
José de Souza Leão de João Ferreira de Lima e Os Martírios de Rosa de Milão, de Teodoro Ferraz da Câmara.
Além disso, neste mesmo espetáculo destacam-se as participações de outros diretores: Othon Bastos (Valentia e
Paixão de três irmãs de Antonio Batista Guedes), Péricles Luiz (História do soldado jogador de Leandro Gomes
de Barro) e Haroldo Cardoso (O Exemplo da moça que virou cobra, de Severino Gonçalves e O Marido que
passou o cadeado na boca da mulher -1ª versão de Cuíca de Santo Amaro). Cf. a ficha técnica de Teatro de
Cordel em Leão (2006, p.180), Amaral (2005, p.44) e Revista do Teatro Vila Velha divulgação do espetáculo
Oxente, Cordel de novo? (2003, p.19).
66
Consta, ainda neste espetáculo, o texto A Função do casamento, escrito por Haydil Linhares.
Balangandã tem tem baiano 1974 Teatro Vila Velha
1,2,3 Cordel 67 1974 Teatro Vila Velha
• Quem não morre num vê Deus
• Felismina Engole Brasa
• Oxente gente
• Antônio, meu santo
• O Marido que passou o cadeado na boca da mulher
• As Bagaceiras do amor
• O Casamento de uma moça macho fêmea com um
rapaz fêmea e macho
Cordel 3 1975 Europa Festival de
• Oxente gente Nancy
• Quem não morre num vê Deus
• Felismina Engole Brasa
• O Marido que passou o cadeado na boca da mulher
(Segunda versão)
• Qualquer coisa para eles
• As Bagaceiras do amor
• A Chegada de Lampião no inferno
Teatro de Rua68 1977 Diversas ruas de
• Felismina Engole Brasa Salvador
• A Chegada de Lampião no inferno
• Oxente, gente!
Oxente gente, Cordel69 1977/ Teatro Vila Velha
• A Verdadeira história da chegada de Lampião no 1978
inferno
• Oxente Gente ou a mulher que perdeu a simetria
• As Artes do Crioulo Doido ou a história epopéica do
povo de Quijipó enquanto esperava o milagre70
Mulheres de Tróia 1978 Teatro Vila Velha
Quadro 1 – Produções teatrais de João Augusto (1948-1978)

Da análise destas produções, listadas no quadro acima, nota-se que: i) João Augusto
encenou um texto mais de uma vez, como A Chegada de Lampião no inferno (1966 e 1975),
Antônio, meu santo ou a Fogueira da carne (1973 e 1974), História da Paixão do Senhor
(1961 e 1962), Oxente Gente (1974, 1975, 1977/78), As Bagaceiras do amor (1974 e 1975);
ii) em um mesmo ano, João Augusto produzia mais de um espetáculo, como Estória de Gil
Vicente e Teatro de Cordel (1966), Quincas Berro d’água e Stopem Stopem (1968), Os Sete
pecados capitais e Cordel (1973), Cordel 3, Teatro de Rua, Oxente gente e Cordel 3 (1977);

67
Segundo Bemvindo Sequeira em entrevista ao Grupo de Edição de textos teatrais censurados, em 29 de
agosto de 2007, o espetáculo Um, Dois, Três Cordel não se nomeou Cordel 4, porque João Augusto era
supersticioso e não gostava do número 4.
68
Consta, também, neste espetáculo, o texto As Aventuras de João Errado, adaptado por Bemvindo Sequeira.
69
Neste espetáculo constam outros textos que não foram escritos por João Augusto, a saber: O marido que
trocou a mulher por uma televisão ou Boa noite Cinderela, uma adaptação coletiva; A esmagadora peleja de
galo da campina com Zé Miranda de Serrinha de Bráulio Tavares.
70
Este texto foi feito em parceria com Bráulio Tavares.
iii) um espetáculo era reapresentado ao público com a inclusão de textos diferentes como
Cordel 3 (1973) e (1975).
João Augusto, além de escrever e dirigir seus próprios textos, foi somente diretor em
Auto do nascimento (dezembro de 1959), Romance de Moriana e Galvan (setembro de 1960),
A Farsa de mestre Pathelin (julho de 1961), Da Necessidade de ser polígamo (outubro de
1962), Auto do natal dos ciganos (dezembro de 1962), Eles não usam bleque-tai (1964), Auto
da liberdade e da independência na Bahia (julho de 1963), A Paixão segundo retirantes (abril
de 1965), Romanceiro da paixão (abril de 1966), Huis Clos e O Pelicano (Novembro de
1966), Pinóquio (1972), Prova Final (1975), Gracias a la vida (1976/1978), entre outros
tantos espetáculos produzidos, em grande parte na Bahia, e no Rio de Janeiro71.
Dirigiu espetáculos de poesia como A Flor de Vinícius (maio de 1966) e Catimbó
(janeiro de 1967), além de show como Nossa Bossa (agosto de 1965), Inventário, com
Gilberto Gil (março de 1965), Cavaleiro, com Caetano Veloso (novembro de 1965), Bahia!
Carnaval! Oba! (fevereiro de 1966), Depois do Carnaval, Maria das Graças e Piti (março de
1966).
Mesmo sendo de grande importância para o teatro baiano, a biografia de João
Augusto, ainda carece de um estudo pormenorizado no que diz respeito a sua produção
teatral. Poucos são os estudiosos que se dedicam a investigar, primordialmente, a vida e a
obra de João Augusto. As informações biográficas deste autor se encontram dispersas em
dissertações e teses sobre o Teatro Vila Velha, sobre a crítica teatral na Imprensa, ou sobre a
atividade do Teatro de Cordel na Bahia.
Dentre os poucos estudiosos que se dedicaram a investigar a vida e obra de João
Augusto, destacam-se: Bemvindo Sequeira, Márcio Meirelles, e Lindolfo Alves do Amaral
Filho.
No Acervo do Espaço Xisto Bahia, há um documento em que Bemvindo Sequeira traz
um pouco da trajetória intelectual-artística de João Augusto. Diz ele: “creio entretanto ser
necessário uma pequena retrospectiva da sua vida e presença nos meios culturais da Bahia e
do Brasil” (SEQUEIRA, 1981). Nessa pequena retrospectiva, Bemvindo Sequeira lista
diversos títulos de obras que compõem o Acervo da Literatura Dramática de João Augusto
Azevedo, sendo que parte se encontra no Rio de Janeiro, em mãos de herdeiros, e parte na
Bahia, dispersa entre amigos da classe teatral, no Acervo do Teatro Vila Velha e no Acervo
do Teatro Xisto Bahia. No documento, Sequeira afirma que existem três dezenas de textos de

71
Cf. a sistematização do percurso de João Augusto como ator, diretor e autor, na dissertação de Amaral Filho
(2005, p. 61-65).
cordel, e mais dezenas de peças maiores, de dramaturgia mais comprometida com a estrutura
romântica e muitas outras peças inéditas. No entanto, ele apenas cita os seguintes textos: A
Beata que mordeu a outra com ciúmes do vigário; A Mulher que socou Santo Antonio num
foguete para se casar a segunda vez; O Casamento de um rapaz fêmea e macho com uma
moça macho e fêmea; Peleja de Mané Grosso com Maria Sapatão; Oxente Gente; O Marido
que trocou a mulher por uma televisão a cores, A Morte de Quincas Berro d’água; Pinóquio;
O Mágico de Oz; Os Sete pecados capitais; Mulheres de Tróia.
Márcio Meirelles (2003), em João Augusto arquiteto, cita alguns dados biográficos e
espetáculos realizados por João Augusto na cidade do Salvador. Entre os espetáculos,
Meirelles apresenta GRRRrrr (1970), um marco do teatro baiano; Cordel 2 (1972), uma
retomada do trabalho de João Augusto iniciada em 1966; Cordel 3 (1975); um espetáculo
levado para a Europa. Afirma Meirelles (2003, p.31) que encontrou “quase todos os textos
escritos e encenados pelo dramaturgo – os que escreveu e não encenou e os que não escreveu
mas encenou”, mas não cita quais foram os textos.
Mais referências a João Augusto podem ser encontradas na dissertação de Lindolfo
Alves do Amaral Filho (2005), Na trilha do cordel: a dramaturgia de João Augusto. Neste
trabalho, há uma relação dos textos produzidos e encenados por João Augusto, de 1948 até
1978, um ano antes da sua morte, focalizando o espetáculo: o ano, o título do espetáculo, a
função de João Augusto, o local da apresentação, a produção e os prêmios.
As referências de Sequeira, Meirelles e Amaral Filho, embora de grande valor, não são
suficientes para abarcar, de forma sistemática, toda produção textual de João Augusto. Desta
forma, percebe-se que para se trabalhar a dramaturgia deste autor é preciso resgatar os textos
teatrais, éditos e inéditos, que estão dispersos nos Acervos dos Teatros de Salvador, do Rio de
Janeiro; além de documentos vários que se encontram com os parentes e/ou amigos que
trabalharam ou acompanharam a sua carreira.
3.2 OS TEXTOS TEATRAIS DE JOÃO AUGUSTO

Dos documentos de João Augusto, no Acervo do Teatro Vila Velha, encontram-se


cadernos escolares, cartas, fotografias, letras de músicas, artigos de jornal, documentos
administrativos, folhetos de espetáculos, textos teatrais e certificados de Censura (Figura 16).

Figura 16 – Acima, recto do Certificado de Censura do texto O Exemplo de Maria Nocaute ou Os


Valores do homem primitivo, adaptação de João Augusto. Abaixo, verso do Certificado de
Censura do texto Um Dia memorável para o sábio Tzang, adaptação de João Augusto
Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha72

72
Reprodução digital por Luis César Souza.
No entanto, não se pôde listar completamente todos os textos e testemunhos que se
encontram neste Acervo73. Pôde-se, tão somente, catalogar 28 textos teatrais e 3 datiloscritos
dos respectivos shows: Catimbó (1966), Dum Dum Dum Opus Um (1969), Flor de Vinícius
(1966).
No Acervo do Espaço Xisto Bahia, há algumas fotografias, folhetos de espetáculos, 20
textos teatrais, de atribuição explícita, ou seja, no testemunho há o nome de João Augusto, e
mais 8 textos do Teatro de Cordel, de atribuição implícita, ou seja, que não trazem o nome de
João Augusto, mas são a ele atribuídos conforme cita Bemvindo Sequeira (1981) no Projeto
João Augusto. Assim, segue, no quadro 2 e 3, a relação dos textos e testemunhos nos referidos
Acervos.
Os textos de João Augusto são originais, cópias, que estão datilografados ou
mimeografados, a óleo, ou a álcool. Alguns possuem mais de um testemunho, outros são
textos de testemunhos únicos. Nem todos estão datados. Dezenas foram enviados para
Censura, porém poucos possuem o certificado de censura. A maioria dos textos é adaptação
de textos clássicos, ou de textos da Literatura de Cordel.
Segundo Manoel Diégues Júnior (1977, apud, BATISTA, 1977), os indícios da
literatura de cordel estão ligados à divulgação de histórias tradicionais, narrativas de velhas
épocas, que a memória popular foi conservando e transmitindo. O nome Cordel é de origem
Portuguesa, que denomina os pequenos folhetos presos por um pequeno cordel ou barbante.
Abreu (1999) afirma que é impreciso definir uma produção com base em locais e forma de
venda. No entanto, a conceituação do cordel, de acordo com o gênero e a forma, também traz
diversas dificuldades, pois o cordel abarca autos, novelas, farsas, contos históricos ou
moralizantes, peças teatrais etc..
João Augusto fez diversos espetáculos com adaptações dele e de seus companheiros.
Citam-se alguns: Estórias de Gil Vicente (1966), Teatro de Cordel (1966), Cordel 2
(1972/73), Cordel 3 (1973), Um, Dois, Três Cordel (1974), Cordel 3 (1975), Teatro de Rua
(1977).
Guinsburg, Faria e Lima (2006) caracteriza o texto de cordel como curtos, cômicos,
sempre úteis e moralizantes. Neste contexto, evidencia-se um teatro de atualidades cujos
diálogos tratam do cotidiano. Para João Augusto “o teatro de cordel não é um teatro folclórico

73
Para uma melhor preservação dos documentos, o Acervo do Teatro Vila Velha encontrou-se, por um
determinado tempo, indisponível para as pesquisas, o que, de certa forma, dificultou o nosso trabalho.
nem/e regionalista. [...] É uma mistura de tudo, como é a cultura do Trovador, muito mais
‘mosaico’, que humanística,” 74, e que tem como ponto básico dialogar com o público.

Figura 17 – Recorte do Jornal da Bahia, 1966


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha75

Sobre a criação do espetáculo de cordel, Orlando Senna, em entrevista ao Jornal da


Bahia (1966)76, diz:
A idéia estalou em João Augusto, do Teatro dos Novos, um interessado e
profundo pesquisador dos folhetos populares brasileiros. João deve ter
remoído a coisa durante muito tempo: a literatura de cordel sempre
apareceu em suas conversas e o seu espetáculo ESTÓRIA DE GIL
VICENTE já trazia muito o espírito do romance nordestino [...] foi
organizado um grupo de direção, por fôrça também o grupo de pesquisa
sôbre o texto: Othon Bastos, Haroldo Cardoso, Péricles Luiz, o próprio João
Augusto e eu. Da escolha inicial alguns folhetos foram cortados ou
prorrogados para outro espetáculo resultado da triagem final as nove
estórias que estão no palco. Outras chegaram a ser lidas pelo elenco. Feita a
escolha, uma nova questão veio à tona: adaptar as estórias ou montá-las por
inteiro, sem tirar vírgula. Votou-se pelo estudo de cada folheto em
particular e suas necessidades cênicas, alguns foram adaptados, outros não.

74
Cf. a informação no relatório [s.d.] organizado por João Augusto sobre a atividade do Teatro Livre da Bahia.
Documento do Acervo do Teatro Vila Velha.
75
Fotografia digital por Luis César Souza.
76
Documento do Acervo do Teatro Vila Velha.
Segundo Guinsburg, Faria e Lima (2006, p.16-17) dá-se o nome de adaptação às peças
que são escritas a partir de outros textos que originalmente não pertencem ao gênero
dramático, no caso específico de João Augusto os textos eram adaptados da Literatura de
Cordel.

Figura 18 – Recorte do Jornal da Bahia, 1966


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha77

Nas adaptações de João Augusto não há regularidade nem sistematização. Conforme


disse Orlando Senna (1966), os folhetos eram adaptados de acordo com suas necessidades
cênicas.
Patrice Pavis (1999) caracteriza a adaptação como um processo de criação e ou
recriação, em que o adaptador tem extrema liberdade em relação ao texto original, cortando,
reorganizando a narrativa, reduzindo ou aumentando o número de personagens ou do espaço
ficcional entre outros procedimentos. Sendo assim, João Augusto, ora utilizava a idéia central
do folheto para a construção da sua história, ora usava trechos inteiros dos folhetos com
algumas modificações, vejam os exemplos:

CANTADOR ― Quando ela abriu os olhos, e viu o que aconteceu, pelejou


para abrir a boca – que era mesmo que breu. Como nada conseguisse – saiu
da cama e correu. Isto é o que acontece à mulher ciumenteira, quando mora
com um trouxa, e começa com a asneira. A burra se estrepou-se. Vive só em
Cachoeira!

(AZEVEDO, João Augusto. O Marido que passou o cadeado na boca da


mulher. 1974, f. 4, L. 19-24)
77
Fotografia digital por Luis César Souza.
Quando ela abriu os olhos
E viu o que aconteceu
Pelejou prá abrir a bôca
Que era mesmo que breu
Como nada conseguisse
Na própria cama morreu.

Isto é o que acontece


A mulher faladeira
Quando mora com um trouxa
Começa a fazer barreira
Mais esta estrepou-se
Com o Português em Cachoeira.

(AMARO, Cuíca de Santo. O Marido que passou o cadeado na boca da


mulher. In: folheto impresso pelo Teatro Vila Velha, 1966, p. 8)

BAFO ― Getúlio Vargas morreu foi cum saudades da esposa. Lampião


ainda vive, morando perto de Souza. Por trás de Sete Estrelo tem um casal
de raposas.

(AZEVEDO, João Augusto. Cordel 5. 1977. f. 16, L. 5-7)

Getúlio Vargas morreu


Foi com saudade da esposa,
Lampião inda tá vivo
Morando perto de Sousa
Por detrás do sete-estrelo
tem um casal de raposa.

(COLARES, Majela. Zé Limeira e Orlando Tejo: surrealismo à flor da tinta.


2006. Jornal de Poesia - Majela Colares.htm)

Das adaptações dos folhetos de cordel, de Cuíca de Santo Amaro, Zé Limeira, Rodolfo
Coelho Cavalcante, José Pacheco, entre outros78, João Augusto diz que os adaptou conforme a
necessidade e o espírito crítico do grupo79. Em entrevista a Eliene Benício de Souza80 (1993),
Arly Arnaud, em 1990, relata sobre a atividade do Teatro de Rua e afirma que: “A gente se
encontrava sempre lá no Teatro Vila Velha, e aí o grupo tinha essa preocupação da pesquisa,
do estudo, da discussão política, teatral. Era um trabalho político, que tinha um conteúdo, que
tinha uma proposta ideológica”. Comenta, ainda, que a intenção não era “fazer a cabeça” de

78
No Acervo do Teatro Vila Velha existe um relatório, não datado, que registra as atividades do Teatro Livre da
Bahia, e a relação de todos os folhetos usados nas adaptações dos espetáculos.
79
Cf. a informação no relatório organizado por João Augusto sobre a atividade do Teatro Livre da Bahia.
Documento do Acervo do Teatro Vila Velha.
80
Cf. a entrevista de Arly Arnaud, na íntegra, nos anexos da dissertação de Eliene Benício de Souza (1993, p.
255-259).
ninguém, mas sim mostrar o que estava acontecendo no país, na tentativa de alertar as pessoas
para as questões sociais e políticas, presentes naquela época.
Nos textos selecionados para a edição, percebem-se, claramente, as alegorias, as
referências ao regime vigente daquela época, como em Quem não morre num vê Deus (1977,
f.21, L.19-33), em que há uma severa crítica à polícia:

ANTE ― Basta ser uma persiga a gente tá do lado da caça. Do


caçador nunca!
HONO ― Inha Batista e os filhos tão aí desgraçados por resto da
vida.
DONA ― Nem queiram saber o que fazer com as mulheres. Depois
são os cangaceiros, é Rufino, é Lampião, é Veludo, é Volta
Seca.
ANTE ― Aquela humilhação, aquela falta de respeito, de abuso:
botá 6 ou 8 deles se servindo da mulé, na vista do marido e
dos filhos pequenos.
ROSA ― Eu morro retalhada mas macaco nenhum põe a mão em
cima de mim.
VIVI ― Tudo o que Deus faz é bem feito – menos a puliça.
Quem é amigo da gente sabe onde tá a verdade.
HONO ― Quero mais me ver às volta com cangaceiro – que num é
flor que se cheire – que com esses mata-cachorro. Fazem
pior que os bandidos, e põe a culpa neles. Amarelos!
ANTE ― Querendo Deus isso acaba um dia.

Percebe-se, neste trecho, o conteúdo ideológico, sociológico, crítico, que sempre


esteve presente nos trabalhos de João Augusto. É preciso, após a edição dos textos teatrais de
João Augusto, explorar esse tipo de discurso presente em sua obra.
Assim, os textos adaptados da Literatura de cordel e outros que estão no Acervo, ou
ainda os que não foram possíveis de localizar, trazem, em seus contextos, a história desse
autor e de todos que, junto a ele, constroem a Memória do Teatro Baiano. Um teatro que lutou
em prol do teatro popular, um teatro para todos, no reconhecimento da importância do “fazer
teatro” na sociedade baiana, na busca de recursos/investimentos para a classe teatral, e, até no
enfrentamento ideológico com a Censura.
A seguir, relacionam-se textos de atribuição explícita (quadro 2) e implícita (quadro 3)
a João Augusto.
Testemunhos
81 82
Textos/ datas do espetáculo Espaço Xisto Bahia Teatro Vila Velha83
Notação Data Observações Data Observações
A História de Jerônimo e NC NC NC 1954 1 Datiloscrito /71 f.
Maria Texto produzido no Rio de
Janeiro. Estudo de literatura
popular.
Maria Cilivana/A História do 1 datiloscrito / 43f. 1958 2 datiloscritos /43 f.
marido que trocou a mulher por 82 A s.d. Segundo Bemvindo Sequeira esta peça foi Carimbo DPF
uma vaca (1959) publicada na Revista Senhor.

Auto de natal dos ciganos NC NC NC 1962 3 datiloscritos /31 f.


Possui emendas.

Auto da liberdade e da NC NC NC 1963 3 datiloscritos /22 f.


independência da Bahia Possui emendas.

Eles não usam bleque-tai NC NC NC 1964 1 datiloscrito / 61 f.


Documento em mau estado de
conservação.

A História paixão segundo os NC NC NC 1965 4 datiloscritos /15 f.


retirantes

Huis clos NC NC NC 1966 1 datiloscrito /27 f.


Possui emendas.

História da paixão do 2 datiloscritos/ Um testemunho censurado s.d. 3 datiloscritos / 14 f. Originais.


Senhor (1966) 83 A s.d. com 12 f., e o outro com emendas com 13 f. Possui emendas e carimbo da
Cópia censura.

81
Quando possível, indicam-se, entre parêntese, as datas de realização do espetáculo.
82
No Acervo do Espaço Xisto Bahia os textos estão catalogados da seguinte forma: autor, título, nº de atos, nº de personagens, censura, data, observações/ nº de cópias.
83
No Acervo do Teatro Vila Velha os textos estão catalogados por espetáculos.
A Chegada de Lampião no NC NC NC s.d. 1 datiloscrito/ 3f.
inferno (espetáculo Estórias
de Gil Vicente, 1966)

Romanceiro da paixão NC NC NC 1966 2 datiloscritos/ 35f.


Possui emendas.

A Escola de maridos NC NC NC 1967 3 datiloscritos/ 42f.


Possui emendas.

A Morte de Quincas Berro NC NC NC 1968 5 datiloscritos.


d’Água 1972 Textos diferentes
1975

Stopem stopem NC NC NC s.d. 6 datiloscritos. Possui texto


(1968) censurado, correspondências,
prestação de contas etc.

GRRRrrrr ! 84 A s.d. 1 datiloscrito / 16 f. 1 datiloscrito / 16 f.


(1970) Cópia Proibido até 16 anos. Com cortes.

Oxente gente 71 A 1971 1 datiloscrito/4f. Texto liberado pela NC NC


(1971/1972) censura
1 datiloscrito/4f. (cópia do texto de 1971,
porém possui carimbo de autorização da
censura, datado de 8 de outubro de 1972).

s.d. 1 datiloscrito/ 4f. Similar aos datado de


1971

1972 1 datiloscrito/ 5f.

O Filho do assassino 1 datiloscritos / 8f. Possui emendas NC NC


ou Os Homens preferem as 78 A 1971 Texto baseado em folhetos de Cordel.
louras
O Exemplo de Maria 79 A 1971 1 datiloscrito / 43 f. 1971 1 datiloscrito / 43 f. Original.
nocaute ou Os valores do Cópia Texto enviado para a Censura.
homem primitivo
(espetáculo Cordel 2, 1972/73)

Antônio, meu santo 89A 1971 1 datiloscrito / 10 f. 1971 1 datiloscrito / 10 f. Original.


espetáculos Cordel 2 Cópia Texto censurado com cortes.
(1972/73) e Um, Dois, Três
Cordel (1974) s.d. 1 datiloscrito / 8 f. s.d. 1 datiloscrito / 8 f. Original.
Cópia Texto sem corte.

Dentro de lá, dem-d’agua 86 A 1971 1 datiloscrito / 9f. NC NC


Censurado: Impróprio até 18 anos
Inspirado em folheto de Francisco de Paula,
História do Boi Limão ou O Vaqueiro que
não mentia.

Quincas Berro D’Água 75 A 1972 1 datiloscrito /62 f. NC NC


Apresenta emendas.
Adaptação da Novela de Jorge Amado.

Pinóquio NC NC NC 1972 4 datiloscritos / 23 f.


Carimbo DPF. Possui emendas

Felismina Engole Brasa 85 A 1972 1 datiloscrito/ 7 f. 1972 1 datiloscritos / 7 f. Original.


Ou O Inimigo dentro. Cópia Contém ofício de pedido de
censura.

s.d 1 datiloscritos / 5 f. s.d. 1 datiloscritos / 5 f. Original.


Cópia Texto com o seguinte título:
Felismina Engole Brasa ou A
Mulher que pediu um filho ao
diabo
NC NC NC s.d 1 datiloscrito / 3f.
Texto com o seguinte título:
Felismina Engole Brasa.

Os Sete pecados capitais 76 A 1973 1 datiloscrito/ 15 f. Apresenta emendas. 1973 3 datiloscritos/17 f. Originais.
(1973) Cópia. Carimbo DPF e SBAT
s.d 1 datiloscrito/ 15 f.
Apresenta emendas.

O Malandro e a graxeira 72 A 1973 1 datiloscrito/ 13 f. NC NC


no chumbrego da orgia84

O Casamento de uma moça 80A 1973 1 datiloscrito / 4 f. cópia, NC NC


macho e fêmea com um 2 datiloscritos distintos / 5 f. Um dos
rapaz fêmeo e macho85 testemunhos não censurado está datado de
1974.

O Marido que passou o 77 A 1974 1 datiloscritos/ 5 f. NC NC


cadeado na boca da mulher Texto censurado com cortes. Adaptação da
literatura de cordel, do Homônimo de Cuíca
de Santo Amaro.

As Bagaceiras do amor 13A s.d. 1 datiloscritos/ 3 f. NC NC


(1974) Texto censurado e com cortes.

Quem não morre num vê 73 A 1974 1 datiloscrito/ 23 f. Texto censurado com 1974 1 datiloscrito/ 23 f.
Deus (1974) cortes. Texto censurado com cortes.

O Barulho de Lampião no 74 A s.d 1 datiloscritos/ 4 f. NC NC


inferno

84
Há um testemunho do texto O malandro e a graxeira no Chumbrego da Orgia que está organizado, no Acervo do Espaço Xisto, entre os textos de Teatro de Cordel (1CO) e
não entre os textos de João Augusto.
85
Há um testemunho do texto O casamento de uma moça Macho e fêmea com um rapaz fêmeo e macho que está organizado, no Acervo do Espaço Xisto, entre os textos de
Teatro de Cordel (4CO) e não entre os textos de João Augusto.
As Artes do crioulo Doido86 88 A s.d 1 datiloscrito /11f. s.d. 1 datiloscrito /11f. Original.
(1978) Cópia Texto censurado com cortes

A Mulher que se casou 90 A s.d 1 datiloscrito / 27 f. Texto censurado com NC NC


dezoito vezes cortes. Baseado no folheto de Valério Félix
dos Santos.

Cordel 5 87A 1977 1 datiloscrito/ 22f. 1977 1 datiloscrito/ 22f. Original.


Cópia Censurado com cortes.

Mulheres de Tróia 81A 1978 2 datiloscritos/ 38f. 1978 3 datiloscritos/ 38 f. Possui


emendas.
Quadro 2 – Textos dramáticos de atribuição explícita a João Augusto
Textos87 Espaço Xisto Bahia
88
Notação Data Testemunhos
Descrição/Observações
Peleja de Mané Grosso com Maria Sapatão (1973) 2CO s.d. 1 datiloscrito/ 9 f.
Só o amor constrói (1973) 5CO s.d. 1 datiloscrito/ 7 f.
6CO 1973 2 datiloscritos/ 5 f. Apenas um censurado.
O Encontro de Chico Tampa com Maria Tampada (1973) Adaptação do folheto homônimo de E.
Miranda dos Santos
7CO s.d.
2 datiloscritos/ 8 f. Adaptação de José
A Mulher que engolia um par de tamanco com ciúme do marido Costa Leite Apenas um testemunho
(1973) censurado. O testemunho não censurado
traz marcações cênicas.
8CO s.d. 1 datiloscrito/ 6 f. Aproveita folhetos de
A História de Adão e Eva ou O direito de encher (1973)
Cuíca de Santo Amaro
Quadro 3 – Textos dramáticos de atribuição implícita a João Augusto, provavelmente do espetáculo Cordel 3 de 1973

86
Segundo Bemvindo Sequeira(2007) este texto não é de João Augusto e sim de Braúlio Tavares. Até que se tenha certeza da autoria deste texto, optou-se por colocá-lo na
lista, por que o testemunho traz na capa, o nome de João Augusto.
87
Os textos foram datados a partir de datas constantes de testemunhos ou da apresentação de espetáculos.
88
Catalogação do Acervo do Espaço Xisto.
4 A EDIÇÃO DE TEXTOS TEATRAIS

4.1 CRITÉRIOS GERAIS

Os textos teatrais de João Augusto, selecionadas para edição, possuem mais de um


testemunho, situação que nos conduziu a optar por elaborar a Edição Crítica, que consiste em
uma:

Reprodução do texto do autógrafo (quando existente), ou do texto


criticamente definido como mais próximo do original (quando este não existe
– constitutio textus), depois de submetido às operações de recensão
(recensio), colação (collatio), constituição do estema com base na
interpretação das variantes (estemática), definição do testemunho base,
elaboração de critérios de transcrição, e de correção (emendatio ope codicum
ou emendatio ope ingenii). Todas estas operações devem ser devidamente
justificadas e explicadas (annotatio), e todas as intervenções do editor, com
realce para as lições não adoptadas (do original ou dos testemunhos da
tradição) devem ser registradas no aparato crítico (DUARTE, 1983, p. 76).

Santos (2006) expõe no artigo Uma metodologia aplicada à edição de textos teatrais,
os procedimentos para a edição de texto teatral, a saber:

a) Levantamento de todos os dados e testemunhos conhecidos, tanto na


tradição direta (constitui-se de cópias ou edições do texto: manuscritos,
datiloscritos, digitoscritos, impressos) como indireta (todo e qualquer
documento que possa auxiliar na leitura e interpretação do texto: comentários,
citações, traduções etc);
b) Expurgo das cópias coincidentes ou edições contaminadas ou deturpadas;
c) Confronto de todos os testemunhos úteis ao estabelecimento do texto
crítico, definindo o texto de base ou exemplar de colação, aquele que mais se
aproxime do original, isto é, ou o manuscrito (testemunho) autógrafo ou a
edição impressa mais recente em vida do autor, salvo os casos que exigem,
amparado o editor em critérios seguros, outro texto de base, conforme a
história particular de cada conjunto de texto;
d) Classificação e organização dos testemunhos considerados no processo de
estabelecimento do texto crítico, numa árvore genealógica, a partir do exame
das variantes (lições divergentes em relação ao texto de base);
e) Correção do texto, neste caso, é importante diferenciar erro (contra-senso
ou deslize do autor) de variante. A correção poderá realizar-se através do
cotejo dos testemunhos reunidos ou por conjecturas, no primeiro caso,
considera-se o predomínio numérico das variantes; no segundo, busca-se o
fundamento para a ação do filólogo em informações a respeito do texto, autor
e da época em que tal texto fora escrito.

Baseando-se nos procedimentos definidos por Rosa Borges (2006) e nos critérios
utilizados nas edições de textos teatrais da Dramaturgia Brasileira por Terezinha Marinho
(1986), e da Dramaturgia Portuguesa por Duarte Ivo Cruz (1992), com o teatro de Alfredo
Cortes, e Paula Estrêla Lopes Mendes (2005), com o teatro de José Régio, estabeleceu-se,
para esta edição, as seguintes normas89:

1. Ser fiel ao texto de base;


2. Atualizar a grafia e acentuação, conservando, apenas, as marcas da oralidade presentes
nos textos por se tratar de textos adaptados da literatura de cordel, portanto representativos da
linguagem popular;
3. Trazer as informações da rubrica entre parênteses e em itálico, no texto crítico;
4. Restaurar as passagens onde se registram erros óbvios;
5. Corrigir os erros de datilografia unindo as palavras separadas e separando as unidas;
6. Respeitar o seccionamento do texto em cenas, atos e réplicas;
7. Numerar as linhas de cinco em cinco, reiniciando o procedimento a cada folha;
8. No aparato, quando da necessidade de esclarecimento por parte do editor, far-se-á a
observação entre parênteses;
9. Colocar as variantes em itálico, à margem direita, no aparato;
10. Registrar as anotações do editor e as intervenções do censor em nota, à margem inferior
da folha;
11. Reconstituir a pontuação somente quando justificável.
12. Utilizar o aparato para as variantes do autor, e a nota de rodapé para anotações do editor e
do censor.
13. Usar devidamente as letras maiúsculas, em nomes de pessoas e após a pontuação,
conforme regra em gramáticas normativas da língua portuguesa90, e registrar, no aparato, a
forma usada pelo autor;
14. Usar operadores da Crítica Genética para a descrição simplificada das emendas realizadas
no texto:
[→] acréscimo à margem direita <†> riscado, ilegível
[←] acréscimo à margem esquerda [] acréscimo
[↑] acréscimo na entrelinha superior () intervenção do editor
<> supressão / */ leitura conjecturada
< >/ \ substituição por sobreposição

89
Critérios elaborados em conjunto com Isabela Santos de Almeida (UNEB).
90
Cf. a regra do uso de letras maiúscula em Rocha Lima (2000) e Celso Cunha (1983).
Além dos critérios acima exposto, comuns e gerais nos trabalhos de edição, foram
adotados outros, desta vez, em conformidade com as especificidades dos textos teatrais de
João Augusto. São eles:

I. Indicar os nomes das personagens na íntegra91, em caixa alta e à esquerda da folha;


II. Apresentar a divisão das cenas em algarismos arábicos, vindo a palavra cena em
caixa alta e negrito;
III. Trazer o título da peça em negrito e caixa alta;
IV. Elaborar uma capa com o título da peça, os nomes dos autores da peça e do(s)
folheto(s) adaptado(s), os nomes das personagens, local e data. Será tomado como
base o testemunho que traga esta indicação92.

No entanto, os textos apresentam outras particularidades que, na edição, carecem de


mais atenção. Tratam-se dos títulos dados aos textos e da grafia de algumas palavras. Para
cada situação, apresentam-se os procedimentos adotados:
Em se tratando dos títulos que os textos trazem, como em A Chegada de Lampião no
inferno, por exemplo, optou-se pelo título do testemunho mais conhecido e divulgado, pois o
texto base para a edição tem, divergente dos demais, o título O Barulho de Lampião no
inferno. Segundo Bemvindo Sequeira, esta foi uma opção do Grupo Teatral para que não
houvesse problemas com questão de autoria93.
Em Quem não morre num vê Deus, fez-se a opção pelo título do testemunho de 1974 e
não pelo de 1977, o qual possui o título de Cordel 5. Segundo Bemvindo Sequeira, não era
projeto do Grupo de João Augusto montar o Cordel 5, pois este estava trabalhando em outras
montagens. O texto encaminhado à censura, conforme afirma Sequeira, pode ter sido uma
tentativa de montagem entre Normalice Santos, Bráulio Tavares e Araripe Junior, que,
possivelmente, colocaram o título de Cordel 5. Desta maneira, decidiu-se pelo título Quem

91
Em alguns trechos dos testemunhos, há abreviações dos nomes das personagens, Alcororado “Alco”, Donana
“Dona”, Vivinho “Vivi”, Honorato “Hono”. Nesta edição, optou-se por manter o nome dessas personagens na
íntegra.
92
Em A Chegada de Lampião no inferno, não foi possível elaborar a capa tendo como base um dos dois
testemunhos, pois estes não traziam esta formatação. Desse modo, fez-se, nesta edição, uma capa conforme o
modelo anteriormente definido por João Augusto nos demais testemunhos.
93
Cf. esta informação na p. 67 desta dissertação.
não morre num vê Deus e não Cordel 5, como traz o último testemunho datiloscrito em 1977.
Atenta-se, também, para a questão de que o título Cordel, nos textos de João Augusto, era
dado para o espetáculo que reunia vários textos, baseados na Literatura de Cordel, e não para
um texto teatral.
Salienta-se que, Felismina Engole-Brasa ou O Inimigo dentro (1972), em que há mais
outros dois títulos: Felismina Engole Brasa (Tsd1) e Felismina Engole Brasa ou A Mulher
que pediu um filho ao diabo (Tsd2), e Antônio, meu santo (1971/1974) que possui o mesmo
título nos dois testemunhos, não apresentaram problemas nos títulos, pois a escolha se deu a
partir da seleção do texto de base.
No que concerne à grafia e acentuação das palavras, algumas observações fazem-se
necessárias.
Por se tratar de textos teatrais adaptados da Literatura de Cordel, desse modo,
representativos da linguagem popular, fazem-se evidentes em todas as peças analisadas as
marcas da oralidade, ou seja, escreve-se como se fala, uma variedade lingüística bastante
espontânea. João Augusto, entretanto, nos testemunhos dos textos tomados para a edição,
apresenta constantemente oscilações na grafia das palavras, talvez influenciado por sua
cultura. Vejam-se: doutô/doutor, tô/ tou, cum/com, num/ não, falano/ falando.

MULHER ― Cuma, doutô? (Felismina Engole Brasa, T72, f.3, L.22)

MULHER ― (arrazada) Machorra, doutor? (chorando) Maninha... égua que não dá cria...
não é? (Felismina Engole-Brasa, T72, f. 3, L.30)

VIVINHO ― Me deixe, tô cansado. (Cordel 5, T77, f.11, L. 1)

ALCOFORADO ― Escuta aqui, Jegue. Escreva o que lhe digo. Me entenda bem, home: não
chegue perto dessa menina – nunca. Tou falando. Se tu se esquecer disso, pode
mandá tua familia comprá a fita de luto. Tô dizendo – NUNCA ! Continue,
vamo. Continue falando. (Cordel 5, T77, f.10, L. 17-19)

ANTENISCA ― Sonhá cum baile – alegria. (Quem não morre num vê Deus, T74, f.14, L.24)

MARIA ― Sonhei dansando com ele. (Quem não morre num vê Deus, T74, f.14, L. 25)

ANTENISCA ― Essa hora assim da noite, e aquele menino que num chega-Arenista! Lacrau!
Piôio de cobra! Vai vê quando chegá. Enquanto não vem-melhor é aproveitar e
ver a encomenda da mãe Aldallice: descobrir que cobra mordeu Antonio
Mascarenhas. Mas isso, só mesmo consultando o Almaque. [...] (Quem não
morre num vê Deus, T77, f.18, L.17, 21)
Nestes casos, optou-se por conservar a grafia do texto de base, sobretudo porque a
forma vacilante será mostrada no aparato crítico.
Registram-se ainda oscilações relacionadas à acentuação em pronomes, nomes
próprios, formas de tratamento, entre outros, no interior de um mesmo testemunho e no
conjunto dos testemunhos. Diante destas oscilações quanto à acentuação das palavras, tomou-
se a decisão de acentuá-las conforme as normas vigentes.
Algumas palavras, no entanto, confundem-nos quanto ao seu emprego por João
Augusto, seriam elas amostras da variedade popular, por meio do registro escrito, ou deslizes
do autor? Na dúvida, preferiu-se manter a grafia das palavras como no texto de base.
Na descrição física dos testemunhos, esclarece-se que o cancelamento de letras e
palavras, dá-se pelo uso de “x” no texto datilografado; e as falhas de datilografia, referem-se
às letras que aparecem parcialmente no texto, pelo fato de o datilógrafo imprimir pouca força
as teclas, fazendo com que o tipo toque levemente a fita de impressão; ou letras que se
duplicam ou se registram fora do lugar.
4.2 TEXTOS EDITADOS

4.2.1 A Chegada de Lampião no inferno

A Chegada de Lampião no Inferno foi encenada nos espetáculos Estórias de Gil


Vicente (1966), Cordel 3 (1975), Teatro de rua (1977), e em Oxente gente, cordel,
(1977/78)94. Nos Acervos, encontram-se, apenas, dois testemunhos datiloscritos, não datados,
e com títulos diferentes: A Chegada de Lampião no inferno, T66*, e O Barulho de Lampião
no inferno, T77.
O testemunho A Chegada de Lampião no Inferno, T66* foi encontrado no Acervo do
Teatro Vila Velha, junto com outros textos que também fizeram parte do espetáculo Estórias
de Gil Vicente95, datados de 1966. Além disso, na divulgação deste mesmo espetáculo, há, no
folheto de publicidade (Figura 19), um trecho da peça que traz as variantes Lampeão e cagão,
que estão apenas no testemunho A Chegada de Lampião no Inferno, conforme se pode ver
abaixo:

Figura 19 – Folheto de publicidade do espetáculo Estórias de Gil Vicente


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha96
94
Neste espetáculo traz título diferente: A Verdadeira história da chegada de Lampião no inferno.
95
Todos os textos deste espetáculo possuem a mesma gramatura de papel e a mesma marca d’água do fabricante.
96
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
Organize um contingente pra brigar com Lampeão
Organize um batalhão.
Vá na loja de ferragens panhe arma e munição
procure por toda parte.
Traga punhal e bacamarte,
Ande logo, seu cagão!

(Estória de Gil Vicente, folheto de divulgação do espetáculo)

SATANAS ― Organize um continente pra brigar SATANÁS ― Poltrão!Organize um contingente


com Lampeão! Organize um batalhão. Vá na loja pra brigar com Lampião. Organize um batalhão.
de Ferragens panhe arma e munição. Procure por Vá na loja de Ferragens panhe arma e munição.
toda parte. Traga punhal e bacamarte. Ande logo Procure por toda a parte. Traga punhal e
seu cagão! bacamarte. Ande logo, seu moleirão.

(AZEVEDO, João Augusto (T66*). A Chegada de (AZEVEDO, João Augusto (T77). O Barulho de
Lampião no Inferno, s.d., f. 2, L.7-10) Lampião no inferno, s.d., f.2, L. 24-26)

Desta forma, estabelece-se a hipótese de que o texto A Chegada de Lampião no


Inferno foi produzido em 1966, doravante T66*.
Quanto ao testemunho que traz o título O Barulho de Lampião no inferno, há, no
Acervo do Teatro Vila Velha, uma cópia do certificado de censura da peça, datado de 1977,
como mostra a figura a seguir:

Figura 20 – Cópia do certificado de Censura do texto O Barulho de Lampião no inferno, recto


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha97

97
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
Figura 21 – Cópia do certificado de Censura do texto O Barulho de Lampião no inferno, verso
Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha98

Confirma-se o nome do Chefe do Serviço de Censura (Figura 21), que está ilegível, a
partir do certificado de censura do texto As Proezas de João Grilo (1978), de Armindo Jorge
de Carvalho Bião, assinado pela mesma pessoa (Figura 22).

Figura 22 – Assinatura no certificado de Censura do texto O Barulho de Lampião no inferno


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha99

98
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
99
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
Figura 23 – Assinatura no certificado de Censura do texto As Proezas de João Grilo
Fonte: Acervo particular de Armindo Bião100

Observa-se na figura 24, que o número 7905 deste certificado é o mesmo encontrado
no carimbo do texto O Barulho de Lampião no inferno (Figura 25). Logo, conclui-se que este
testemunho é, seguramente, datado de 1977, sendo, pois, requerido por Bemvindo Sequeira,
para o espetáculo Teatro de Rua.

Figura 24 – Certificado da Censura do texto O Barulho de Lampião no inferno


Fonte: Acervo do Espaço Xisto Bahia101

Figura 25 – O Barulho de Lampião no inferno, folha 1


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha102

100
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
101
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
102
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
Bemvindo Sequeira (2007), em entrevista, ao ser questionado sobre o texto O Barulho
de Lampião no inferno, afirmou que João Augusto escreveu A Chegada de Lampião no
Inferno e não O Barulho de Lampião no inferno. No entanto, o primeiro tem o mesmo título
do folheto de José Pacheco103 e o segundo, o mesmo título do folheto de Rodolfo Coelho
Cavalcante104. Segundo Sequeira, por questões de direitos autorais, optou-se, quando do
encaminhamento do texto ao Serviço de Censura do Departamento da Polícia Federal, pelo
título O Barulho de Lampeão no Inferno, considerando o fato de ser Rodolfo Cavalcante
pessoa bem relacionada com o Grupo do Teatro Vila Velha.

[...] o folheto chama-se A Chegada de Lampião no inferno, então pra


descaracterizar a autoria, pra evitar qualquer tipo de coisa, trocava por O
Barulho de Lampião no inferno, ele [João Augusto] adaptava, então não
tinha problema, eu podia até dizer baseado no folheto de fulano de tal. Vai
O Barulho aqui (aponta para o texto) e mais tarde usa, despudoradamente, A
Chegada de Lampião no inferno. Depois de 77 não teve problema nenhum.
Era muito difícil lidar com os autores de cordel [...] já tinham morrido. Era
a família, a filha então [...]. Era mais fácil mudar o título, conversar com
Rodolfo Coelho Cavalcante, que era o presidente da associação dos
trovadores da Bahia, de cordel [...] já que era uma adaptação você podia
mudar o título [...] O Rodolfo nunca criou problemas, o Rodolfo foi sempre
um grande apoiador [...].105

A título de ilustração, toma-se um excerto dos textos de Cavalcante106 e de Pacheco107.

O Barulho de Lampião no Inferno A Chegada de Lampião no Inferno


Rodolfo Coelho Cavalcante José Pacheco
Um cabra de Lampião Um cabra de Lampião
Por nome Pilão sem Tampa Por nome Pilão-Deitado,
Que morreu em um combate Que morreu numa trincheira
Na cidade de Sulampa, Um certo tempo passado,
Me disse que no inverno Agora pelo sertão
Lampião foi ao inferno Anda correndo visão,
Quase que o diabo se campa. Fazendo mal assombrado.

Contou tudo direitinho E foi quem trouxe a notícia


Como Lampião chegou Que viu Lampião chegar.

103
Cf. a biografia de José Pacheco da Rocha em BATISTA, (1977).
104
Cf. a biografia de Rodolfo Coelho Cavalcante em WANKE, (1983).
105
Transcrição de trecho da entrevista concedida por Bemvindo Sequeira, ao Grupo de Edição de textos
censurados na Bahia, no Rio de Janeiro, em 29 de agosto de 2007.
106
Na transcrição de trecho do folheto foi utilizada a seguinte edição: CAVALCANTE (1977). Há, na Fundação
Cultural da Bahia, mais duas edições do folheto deste autor, a saber: CAVALCANTE (1973,1975). Cf. www.
fundacaoculturaldabahia.gov.br acesso em 15 de julho de 2007.
107
Na transcrição de trecho de folheto foi utilizada a edição da PACHECO, [19--]. Na Fundação Cultural da
Bahia, além desta edição, há mais três edições do folheto de José Pacheco, a saber: PACHECO ([19--], 1980,
[200]). Cf. www. fundacaoculturaldabahia.gov.br acesso em 15 de julho de 2007.
Neste dia ao tal inferno O inferno, nesse dia,
Não sei como não virou, Faltou pouco pra virar –
As chamas quimaram tudo Incendiou-se o mercado,
Desde o grande ao miúdo Morreu tanto queimado,
Ali ninguém se salvou. Que faz pena até contar!

Morreu o pai da “Chiquita” Morreu a mãe de Canquinha,


E a mãe de “Parafuso” O pai de Forrobodó,
O tio de Forrobodó Cem netos de Parafuso,
E um cão chamado intruso Um cão chamado Cotó.
O velho pai de “Lebara” Escapuliu boca-Insossa
A tia do “Cão-de-Vara” E uma moleca moça
Entiada de “Abuso” Quase queimava o totó.

[...] [...]

Ao comparar a adaptação de João Augusto e os folhetos de Cavalcante e de Pacheco,


observou-se que, embora não haja citação, no T66*, do uso do folheto de Cavalcante, João
Augusto adotou elementos dos dois folhetos, conforme exemplos abaixo:

O vigia perguntou-lhe: PORTEIRO ― O senhor PORTEIRO ― O sr. procura


― O senhor procura alguém? procura alguém? Veio buscar alguém? veio buscar ou levar?
― Veio buscar ou levar? ou levar? Vai de viagem ou já vai de viajem ou já vem? Hem?
― Vai de viagem ou já vem? vem?
Nisto disse Lampião: LAMPIÃO ― Olha lá, seu
― Para saber da razão LAMPEÃO ― Olá, seu estafermo – sua cara não
Não me sujeito a ninguém! grande estafermo. Que fazes convém. Eu me chamo
por aqui? Um diabo assim tão Lampião, não me sujeito a
feio, como tu eu nunca ví. O ninguém.
cara não convém. Eu me
chamo Lampeão. Não me
sujeito a ninguém.

(CAVALCANTE, Rodolfo (AZEVEDO, João Augusto (AZEVEDO, João Augusto (T77).


Coelho. O Barulho de Lampião (T66*). A Chegada de Lampião O Barulho de Lampião no inferno,
no inferno, 1973, p.2) no inferno, s.d., f.1, L.14-15) s.d., f.1, L.7)

Quem duvidar desta história, CANTADOR ― [...] Quem CANTADOR ― [...] Quem
Pensar que não foi assim, duvidar desta historia, pensar duvidar desta história, pensar que
Quizer zombar do meu sério, que não foi assim, querer não foi assim, queer zombar do
Não acreditando em mim – zombar do meu sério, não meu sério, pensar que não foi
Vá comprar papel moderno, acreditando em mim – vá assim, não acreditando em mim –
Escreva para o inferno, comprar papel moderno, va comprar papel moderno,
Mande saber de Caim! es(cr)eva para o inferno, escreva para o inferno, mande
mande saber de Caim. FIM! saber de Caim. FIM!

(PACHECO, José. A Chegada (AZEVEDO, João Augusto (AZEVEDO, João Augusto (T77). O
de Lampião no inferno, s.d., p.2) (T66*). A Chegada de Lampião Barulho de Lampião no inferno, s.d.,
no inferno, s.d., f. 3, L.30-33) f. 3, L.37 e f.4, L.1-3)
Mesmo adotando elementos linguísticos dos dois folhetos, na divulgação do
espetáculo, conforme se pode observar nos jornais da época pesquisados por Aninha Franco
(1994, p. 249), e nos panfletos que estão no Acervo do Teatro Vila Velha, vê-se o título A
Chegada de Lampião no Inferno. Desse modo, na edição do texto, fez-se a opção pelo título A
Chegada de Lampião no Inferno, por ser este usado na divulgação da peça, assim, mais
conhecido pela crítica teatral.
Em relação ao outro folheto citado no testemunho A Chegada de Lampião no inferno,
História Completa do grande João Soldado, de autor anônimo, não se encontrou, até o
presente momento, nenhuma referência ou texto que lhe corresponda.

4.2.1.1 Descrição física dos testemunhos

Enumeram-se, a seguir, os testemunhos:

1 Testemunho T66*
Datiloscrito em fita preta, escrito no recto, três folhas, em papel ofício A4, medindo
290mm × 210mm. O suporte, em todas as folhas, à margem esquerda, possui marcas do uso
de perfurador e grampeador, e manchas, provavelmente causadas pela umidade, à margem
esquerda superior e à margem direita inferior. O documento possui uma marca d’água (Figura
26). O cancelamento de letras e palavras ocorre com o uso de “x”.

Figura 26 – Marca d’água da folha do testemunho A Chegada de Lampião no inferno (T66*)


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha108

108
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
Folha 1
Consta de 36 linhas. Na L.1: o título da peça em caixa alta, sublinhado; L. 2-5, há
indicação dos folhetos e dos respectivos autores, “História Completa do grande João
Soldado”, de autor anônimo, e “Chegada de Lampeão no Inferno”, de Rodolfo Cavalcanti
(sic), utilizados na adaptação. A mancha datiloscrita mede 280mm × 166mm. Substituição por
sobreposição em: <b>/v\em (L. 15), qua<d>/t\ro (L.20), chispa<z>/s\ (L. 30), <n>/t\udo (L.
34). Letras canceladas: L. 25 e L.28. Emenda datiloscrita: <dizer> [↑fazer] (L. 25).

Folha 2
Possui 37 linhas. Na L. 1: seguinte indicação cênica: lampeão no inferno – 2. A
mancha datiloscrita mede 275mm × 162mm. Substituição por sobreposição em: ri<g>/f\le (L.
14), bai<c>/x\o (L. 20), p<r>/o\r (L. 22), tô<a>/d\a (L. 24). Letras Canceladas: L. 22 e L. 33.
Emendas datiloscrita: <caiu> [→ partiu] (L.22), prev<o> enidos (L. 33).

Folha 3
Contém 33 linhas. Na L. 1: a seguinte indicação cênica: chegada de lampeão –3. A
mancha datiloscrita mede 245mm × 170mm. Substituição por sobreposição em:
Lampeã<i>/o\ (L.22). Emendas: <eu> (L.28), dar [↑uma] bôa (L.29). Palavras ligadas:
muitoqembora (L.28).

2 Testemunho T77

Datiloscrito em preto, com 4 folhas, numeradas no recto. O papel mede 315mm ×


216mm. O carimbo da Divisão de Censura de Diversões Públicas, em formato retangular e
tinta azul, está localizado, em todas as folhas do documento, no ângulo superior direito.

Folha 1
Possui 37 linhas. L. 1-2: título e a indicação de autoria da peça. A mancha datiloscrita
mede 280mm × 202mm. Na margem superior, antes da L.1, há escrito a punho, em tinta azul,
a sigla do Estado da Bahia (BA). Falhas de datilografia: morreu (L.3), portão (L.5), sujeito
(L.9), chatear (L.17), qual quer separado sem hífen (L. 26-27), munição (L.37); se (L.31), a
letra s está datilografada na linha inferior.
Folha 2
Consta de 36 linhas. A mancha datiloscrita mede 280mm × 206mm. Substituição por
sobreposição em: E<i>/u\ (L.7), desa<g>/f\ia (L. 13), se<i>/u\ (L. 16), atomi<v>/c\a. Emenda
datiloscrita: cordão (cordão) (L. 35), supressão da palavra repetida, com o uso de parênteses.
Palavras ligadas: casado (L.30). Repetição da palavra CANTADOR (L.19).

Folha 3
Contém 37 linhas. A mancha datiloscrita mede 288mm × 201mm . Substituição por
sobreposição em: n<o>/i\nguém (L.9), <b>/v\ái (L. 29). Palavras ligadas: umaluta (L. 18).

Folha 4
Com 3 linhas. A mancha datiloscrita mede 33mm × 16mm. Falhas de datilografia:
pensar (L.1)

3.2.1.2 Classificação estemática

Na colação entre os dois testemunhos da peça, observaram-se as seguintes


modificações: (a) 26 acréscimos, (b) 7 substituições, (c) 2 supressões e (d) 2 deslocamentos
(cf. aparato crítico), evidenciadas, respectivamente, em alguns dos exemplos abaixo:

(a) LAMPEÃO ― Pois vá. Mas vou lhe fazer ciente: eu quero que chegue antes que
meu sangue se esquente. Se me zangar roga. Toco fogo nesta droga.
Quem quizer que se arrebente. (T66*, f. 1, L.25-27)
LAMPIÃO ― Vá logo e fique ciente: eu quero que chegue antes, que meu sangue
se esquente. Se me zangar ninguém roga. Toco fogo nessa droga.
Quem quiser que se arrebente. Sete luas, sete estrelos, sete volante no
chão. Céu azul faço vermelho como ponta de tição. No Razo da
Catarina sou mais rei que um leão. (T77, f.1, L.30-33)

(b) SATANAS ― Organize um continente pra brigar com Lampeão! Organize um


batalhão. Vá na loja de Ferragens panhe arma e munição. Procure por
toda parte. Traga punhal e bacamarte. Ande logo seu cagão! (T66*, f.
2, L.7-10)
SATANÁS ― Poltrão! Organize um contingente pra brigar com Lampião!
Organize um batalhão. Vá na loja de Ferragens panhe arma e munição.
Procure por toda a parte. Traga punhal e bacamarte. Ande logo, seu
moleirão. (T77, f.2, L.24-26)

(c) CANTADOR ― Quando a tropa reuniu-se se dirigiu ao portão de pá, revolver e


cacete fuzil, punhal e facão. Sem nenhum empedimento, naquele
mesmo momento atacaram Lampeão. Quando Lampeão deu fé do
batalhão de escudeiros, puchou pelo seu punhal, correu dentro dos
guerreiros. A batalha foi travada. Lampeão dava facada nos diabos
carniceiros. Era uma luta tremenda, naquela hora fatal caia cabra no
chão numa dança infernal. Alí ninguém contava os que Lampeão
furava com a ponta do punhal. Satanaz estava olhando de lá do seu
gabinete. Todos contra Lampeão de faca braço e porrete. Dizia
olhando assim: (T66*, f. 3, L.2-12)
CANTADOR ― Quando a tropa reuniu-se, se dirigiu ao portão, de pá, revolver, e
cacete, fuzil punhal e fação. Sem nenhum impedimento, naquele
momento atacaram Lampião. Quando Lampião deu fé do batalhão de
escudeiros, puxou logo seu punhal, correu dentro dos guerreiros.
Batalha foi travada. Lampião dava facada nos diabos carniceiros.
(T77, f.3, L.11-15)

(d) CANTADOR ― Satanaz tocou um sino, batendo em retirada. Os que estavam na luta
sairam em debandada. Lampeão ficou olhando viu todos se retirando e
ganhou também a estrada. Lucifer ficou danado. Caim ficou caipora.
Ferrabraz quase que morre maldizendo aquela hora . (...) (T66*, f. 3,
L.21-25)
CANTADOR ― Satanás tocou um sino batendo a retirada. Os que estavam na luta
saíram em debandada. Lampião ficou olhando, viu todos se retirando e
ganhou também a estrada. Lucifer ficou danado. Caim quase morre.
Ferrobras ficou caipora maldizendo aquela hora. (...) (T77, f.1, L.30-
33).

Assim, pode-se, a partir da análise das modificações, afirmar que os dois testemunhos
não estão diretamente unidos, o que nos leva a estabelecer o seguinte estema:

T66* α

T77

Figura 27 – Estema dos testemunhos de A Chegada de Lampião no inferno

4.2.1.3 Seleção do texto de base

Sendo assim, o testemunho A Chegada de Lampião no inferno (T77), por ser o último
texto em vida do autor, servirá como texto de base para a elaboração da edição desta peça.
4.2.1.4 Texto crítico e aparato

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO109

Adaptação dos folhetos História completa do grande João Soldado, de autor T66* adaptação dos folhetos “História Completa do
grande João Soldado”, de autor anônimo e da
anônimo, A Chegada de Lampeão no Inferno, de José Pacheco, e O Barulho de “Chegada de Lampeão no Inferno” de Rodolfo
Cavalcanti. T77 “O BARULHO DE LAMPIÃO NO
Lampião no inferno, de Rodolfo Coelho Cavalcante.110 INFERNO” – De autoria de João Augusto, baseado
em folhetos da Literatura de Cordel.

5 PERSONAGENS

Cantador
Porteiro
Lampião
Satanás
10 Fifi

Salvador – Bahia
Setembro de 1977

109
Cf. o critério da escolha do título na p. 61 desta dissertação.
110
Cf. o uso do folheto de Rodolfo Coelho Cavalcante na p.68-69 desta dissertação.
A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO T66* A CHEGADA DE LAMPEÃO NO
INFERNO T77 “O BARULHO DE LAMPIÃO NO
INFERNO”

CANTADOR ― Um cabra de Zé Baiano por nome de Pilão sem Tampa, que morreu em T66* CANT —Um T66* Baiano, T66* nome Pilão
combate na cidade de Sulampa, disse que no inverno, Lampião foi ao T66* Sulampa (s.v.) T66* inverno (s.v.) T66*
Lampeão
inferno: quase que o diabo se campa. Quando êle lá chegou, foi batendo no T66* campa. Contou tudo miudinho como
5 portão. Um cabra se apresentou – era um moleque forte, que não temia da Lampeão chegou nêsse dia no inferno. E foi assim
morte, em luta nunca apanhou. que contou: Quando Lampeão chegou (s.v.) T66*
apresentou. Era

PORTEIRO ― O sr. procura alguém? Veio buscar ou levar? Vai de viagem ou já vem? T66* senhor T77 veio T77 vai de viajem T66*
Hem? vem? (fim de réplica)

LAMPIÃO ― Olha lá, seu estafêrmo – sua cara não me convém. Eu me chamo T66*LAMPEÃO ―Olá, seu grande estafermo. Que
10 Lampião, não me sujeito a ninguém. fazes por aqui? Um diabo assim tão feio, como tu
eu nunca ví. O cara que não convém! Eu me
chamo Lampeão. Não

PORTEIRO ― Eu num tou aqui pra troça. Repita seu nome e deixe de bossa! T66* (não existe esta réplica)

LAMPIÃO ― Meu nome é Virgulino, me chamem de Lampião. T66* (não existe esta réplica)

TODOS ― É lampa, é lampa, é lampa – é lamparina, é lampião seu nome é T66* (não existe esta réplica)
Virgulino – lhe chamam de Lampião.

15 LAMPIÃO ― Meu nome é Lampião. T66* (não existe esta réplica)

PORTEIRO ― Seu nome tem jeito não. Lamparina, ou Lampião? T66* (não existe esta réplica)

LAMPIÃO ― Eu me chamo Lampião, mas é só de brincadeira. T66* (não existe esta réplica)

PORTEIRO ― Acabe com a besteira. Veio aqui me chatear? Onde é que já se viu um T66* (não existe esta réplica) T77 onde
homem alumiar?
LAMPIÃO ― Quem alumia é o tiro, que eu dou na escuridão. Mato andorinha voando T66* (não existe esta réplica)
quanto mais um gavião. Mato sargento e tenente, coronel e capitão. Cabra
da tua marca – mato até de bofetão.

PORTEIRO ― Calma, calma, capitão. Falar nisso – diga agora – quem lhe deu esta T66* (não existe esta réplica)
5 patente? É verdadeira, ou não?

LAMPIÃO ― Padre Ciço, meu padrinho, no Juazeiro do Norte, me deu a nomeação. T66* (não existe esta réplica)
Sete dias demorei a beijar a santa mão.

CANTADOR ― Deixe lá que o vigia era moleque de briga. Não andava quatro pé atrás T66* andava de quatro T66* atrás de uma intriga.
de qualquer intriga. Só um cabra que pegava, 50 surra ele dava de T66* pegava (s.v.)T77 êle T66* da cansanção
10 cansanção e urtiga.

PORTEIRO ―Pois fique em pé aí, que eu vou falar ao meu chefe, naquela sala ali. T66* Chefe (s.v) T66* sala dalí, conforme
Conforme seja a proposta, eu trago já a resposta – cê pode ficar aqui. T66* proposta (s.v) T66*resposta se pode

LAMPIÃO ―Vá logo e fique ciente: eu quero que chegue antes, que meu sangue se T66* LAMPEÃO ― Pois vá. Mas vou lhe
esquente. Se me zangar ninguém roga. Toco fogo nessa droga. Quem <dizer>[↑fazer] ciente: eu quero que chegue
15 antes que o meu sangue se esquente. Se me
quiser que se arrebente. Sete luas, sete estrelos, sete volante no chão. Céu zangar ninguém rôga. Toco fogo nesta droga.
azul faço vermelho como ponta de tição. No Razo da Catarina sou mais rei Quem quizer que se arrebente. (fim de réplica)
que um leão.

CANTADOR ―Numa carreira danada, saiu dali o vigia. Deixou um rastro de fumo nos T66* danada (s.v.) T66* dalí T66* um rasto
sítios onde passava. As chispas do seu olhar tinham fogo que queimava. T77 sitios (s.a.)T66* em que passava

20 PORTEIRO ―Lá na porta da entrada, tá o célebre Lampião, de babicacho passado e T77 célebra
parabelum na mão. Trazendo sete bornais, repletos de munição. E traja T66* PORTEIRO ―Saiba Vossa Senhoria o que
se passa por aqui. Lampeão está aí fazendo mil
calça culote, blusa caqui e perneira. Um chapéu acabanado sendo coisa de arrelia. Dois trompaço que ele me deu Quase
primeira, sete moedas de ouro circulando a bandoleira. Tá lá, e faz arrelia. arrebenta o salão, e disse se eu não voltar vai
Dois trompaço que me deu quase arrebenta o salão. E disse que se eu não botar tudo no chão. Por isso venho falar, se vai
voltar – vai botar tudo no chão. Por isso venho falar, se vai deixar ele deixar ele entrar? Responda com precisão!
T77 êle
entrar, responda com precisão.

SATANÁS ―Não! Não vou deixar ele entrar que não sou nenhum menino. Lampião é T66* Satanás ―Não! (fim de réplica)
5 malfeitor infame, vil e cretino. Desonrador, bandoleiro, desgraçado e T66* Satanas ― Não vou deixar ele entrar, que
não sou nenhum menino. Lampeão é malfeitor,
desordeiro. Traidor e assassino. Eu sei porque ele vem. E isto não me infame, vil e cretino. Desonrador, bandoleiro,
convém. Sou chefe de todo truste. Sou o rei dos armamentos. Sou dono da desgraçado e desordeiro. Traidor e assassino!
propaganda, de mentira e traição. Com meu instinto esperto, domino o (fim da réplica) T77 êle
mundo, meu irmão. E não vou deixar meu reino isso nem pensar bobão.
10 Lampião aqui comigo, vai querer é confusão.

LAMPIÃO ― Quando eu vejo esta canalha, fico de cabeça tonta. Meu fuzil é uma T66*( não existe esta réplica)
estrela. É quem tudo me aponta. Olhem só que ambiente. O inferno não é
T77 aquêle T77 atrazado
hoje, aquele inferno atrasado. Tem cada arranha-céu feito de cimento
armado, que desafia a ciência do homem civilizado. Quanta tecnologia, e
15 ainda há quem duvide das artimanhas da CIA. Imagino o que será – lá por
dentro ainda então. Será que vou ter surpresa dos cabras que estão por lá? T77 surprêsa
Garanto que sei direito a quem eu vou procurar.

CANTADOR ― Nesse ponto se escutou uma explosão, produzida na cozinha que tremeu T77 Nêsse T66*( não existe esta réplica)
todo salão. Lampião então gritou:

20 LAMPIÃO ― Ora gente é mister Truman com a atômica na mão. Ou então é a bomba T66*( não existe esta réplica)
de neutrão.

SATANÁS ― Lampião eu manjo muito – ele aqui não entra não. T77 êle T66*( não existe esta réplica)

PORTEIRO ― Se não deixar ele entrar, vai jogar tudo no chão. Sobra gatos e lagartos, T77 PORTEIRO ― se T77 êle
almofada e caldeirão. T66* lagartos. Almofada
SATANÁS ―Poltrão! Organize um contingente pra brigar com Lampião. Organize um T66* Satanas ― Organize um continente pra
batalhão. Vá na loja de Ferragens panhe arma e munição. Procure por toda brigar com Lampeão! T66* toda parte
T66* seu cagão!
a parte. Traga punhal e bacamarte. Ande logo, seu moleirão.

CANTADOR ― Naquele mesmo momento, tocaram uma sineta. Chegou Bigode de T66* momento (s.v.) T66* “Bigode de sopa”(s.v)
5 T77 Sôpa
Sopa, abraçado com Faceta. Vinha também Pinga-Pinga, metendo o dedo T66* “Faceta” T77 faceta T66* “Pinga Pinga” (s.v.)
na binga da diaba Carrapeta. Apareceu Tapioca, depois chegou Zé Bexiga, T66* no binga T66*“Carrapeta” T66* “Tapioca”,
com um rifle no gatilho, chamando por Cão Urtiga. Disseram a Burburim T66* “Zé Bexiga” (s.v.) T66* sem gatilho T66* “Cão
Urtiga” T66* “Burburim”
que fosse chamar Caim, na casa do nego Espigo. Ainda veio Fifi, uma T66* “caim” (s.v.) T66*casa do Negro Espiga. T77
diaba prenha, trazendo um pinico velho e uma acha de lenha. casad o nêgo T66* “Fifi” T66*uma lasca

10 FIFI ― A coisa tá preta, mas eu com essa marreta, baixo a lenha. Quem quiser T66* preta. Mas T66* marreta (s.v) T66* quizer
lutar que venha. T66* venha!

CANTADOR ― Chegou uma diabinha com a trempe e a escora. Danada dando pinote T66* escóra.
T66* saiu por alí a fora. T66* partiu: sua T66* caiu,
saiu pela rua afora. Porém o cordão partiu – sua calçola caiu botando tudo T66* cordão <caiu> /partiu\
de fora. Reuniu-se toda a corte para ver o que faria: eram centos de diabo,
15 T66* fora. Tinha um diabo velho conversando
de toda a categoria. No tronco da presidência, o Diabo Mor se sentou. com“Fifi”. Reuniu-se tôda a côrte, para
T66* tôda categoria T66* Diabo-Mor

SATANÁS ― Satan e Lúcifer. Uriel e seu Lusbel. Belfegor e Asmodeu. Sargatanas, T77 Lucifer (s.a.) T66* Satanas (s.a.) T66*Seu Lusbel.
Rabo de víbora. Fel de Bode. Unto de bicha. Pernas de
Vocifugeu. Satanáquia e Zebedeu. Fel de Bode. Unto de Bicha. Rabo de osga e lagartixa. Asa de corija. Escama
Víbora. Perna de ôsga e Lagartixa. Asa de Coruja, Escama de Drago. T66* drago. T77 dente
Dente de Lobo. Perna de serpente. Mão de Rã. Língua de Cão. Focinho de T66* lobo T66* Isca de Serpente. T66* Mão de rã. T66*
Lingua de cão. T66* Focinho de Porco.
porco. Bicha fria. Pelo de rato. Cu de Jia. MEUS DIABOS, diabinhos, T77 Pêlo T66*rato. Meus diabos, Diabinhos. Diabretes
20
diabrões! Meus machinhos, meus bofões. Estejam todos previnidos com e diabrões. Estejam
pás and cacetões. Tragam cal e tragam pedras. Money, money, money. T66* pás e com cacetões. T66* pedras. Tijolos
Tijolos com argamassa. As paredes do inferno devem ser bem reforçadas.
T77 s portas
Mandem já fazer ferrolhos para (a)s portas segurar. Mas que sejam os mais
25 grossos, que ninguém possa forçar. Ai, meu esfíger, chamem logo Mister T66* forçar. (fim da réplica)
Kissinger.
CANTADOR ― Quando a tropa reuniu-se, se dirigiu ao portão, de pá, revólver, e caceta, T66*reuniu-se (s.v.) T66* portão (s.v.) T66* revolver
(s.v.) T77 revolver (s. a) T66* cacete (s.v.)
fuzil(,) punhal e facão. Sem nenhum impedimento, naquele mesmo T77 fuzil (s.v.) T66* fuzil, T66* empedimento T66*
momento atacaram Lampião. Quando Lampião deu fé do batalhão de Lampeão (em ambos)
escudeiros, puxou logo seu punhal, correu dentro dos guerreiros. Batalha T66* puchou pelo seu T66* A batalha
5 foi travada. Lampião dava facada nos diabos carniceiros. T66* Lampeão
T66* carniceiros. Era uma luta tremenda, naquela hora
fatal caia cabra no chão numa dança infernal. Alí
ninguém contava os que Lampeão furava com a ponta do
punhal. Satanaz estava olhando de lá do seu gabinete.
Todos contra Lampeão de faca braço e porrete. Dizia
olhando assim:

LAMPIÃO ― Cuidado ali seus bestões. Morrer aqui eu não morro, nem serei pegado T66* (não existe esta réplica)
não. Na ponta do meu punhal, tá a minha salvação.

CANTADOR ― A batalha foi travada. Lampião dava facada nos diabos carniceiros. Era T66* (não existe esta réplica)
uma luta tremenda, naquela hora fatal caía cabra no chão num(a) dança T77 caia (s.a.) T77 num dança
10 infernal. Ali ninguém contava os que Lampião furava com a ponta do
punhal. Apareceu uma loura da cintura de Pilão, Lampião olhou pra ela,
disse um enorme palavrão. Satanás estava olhando de lá do seu gabinete.
Todos contra Lampião de faca, braço e porrete.

SATANÁS ― Diabada danada, nunca vi brigar assim. Raça de Caim, cês tão querendo T66* Satanaz T66* danada! Nunca ví T66* assim.
15 mesmo é tudo ver o meu fim. (fim da réplica)

CANTADOR ― Lampião pegou a pedra e jogou numa vidraça, saiu um fogo vermelho T66* Lampeão T66* vidraça:
fazendo grande fumaça. Foi logo se incendiando. O fogo saiu queimando T66* queimando o que:
T66* Satanáz
tudo que havia na Praça. Satanás disse consigo:

SATANÁS ― Agora estou derrotado, se esse fogo maldito chegar aqui no sertão vai T66* Satanaz T66* derrotado. Se T77 êsse
20 ser uma maldição. Eu sei que meu inferno desta vez vai ser campado. (s. a.) T66* no salão
T66* vez será queimado. T77 vái
CANTADOR ― Satanás tocou um sino batendo a retirada. Os que estavam na luta T66* Satanaz T66* sino, T66* batendo em retirada
saíram em debandada. Lampião ficou olhando, viu todos se retirando e T66* sairam (s. a)
T66* Lampeão T66* olhando (s.v)
ganhou também a estrada. Lúcifer ficou danado. Caim quase morre. T77 caim T66* Caim ficou caipora. T77 Lucifer (s.a.)
Ferrabrás ficou caipora maldizendo aquela hora. Luzbel perdeu o sentido, T77 Ferrabas T66*Ferrabraz quase que morre maldizendo
T66* sentido (s.v)
assim de arrependido até hoje ainda chora. Satanás sentiu no peito uma dor
amarga e crua. Saiu muito cabisbaixo andando triste na rua. Agora vou T66* Satanaz
5
terminar tratando de Lampião, muito embora eu não possa dar uma boa T66* terminar,
explicação – no inferno não ficou. No céu também não chegou. Por certo T66* Lampeão T66* [↑uma] bôa T66* bôa explicação:
no inferno
vai pro sertão. Quem duvidar desta história, pensar que não foi assim, T66* chegou, por certo.
querer zombar do meu sério, pensar que não foi assim, não acreditando em T66* historia (s. a) T77 queer zombar (optou-se
10 mim vá comprar papel moderno, escreva para o inferno, mande saber de pela lição de T66*: querer) T77 va (s. a)
Caim. FIM! T66* sério não acreditando em mim – vá
4.2.2 Antônio, meu santo

Antônio, meu santo foi montado nos espetáculos Cordel 2 (1972/73) e Um, Dois, Três
Cordel (1974). Nos Acervos encontram-se dois testemunhos: um datado de julho de 1971,
T71, e outro sem data. Segundo Bemvindo Sequeira111, o testemunho de 1971 foi
encaminhado para a Censura em 1972, como integrante do espetáculo Cordel 2, e o outro, não
datado, fez parte do espetáculo Um, Dois, Três Cordel, em 1974, na Feira da Bahia, em São
Paulo (Figura 28).

Figura 28 – Folheto do espetáculo Um, Dois, Três Cordel, em 1974


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha112

111
Informação dada em entrevista ao Grupo de Edição de textos teatrais censurados, em 29 de agosto de 2007,
no Rio de Janeiro.
112
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
Percebe-se que Antônio, meu santo, de 1971 para 1974, foi submetido a uma nova
avaliação da Censura antes de atingir o prazo de validade de 5 anos. Ao ser questionado sobre
este fato, Bemvindo Sequeira (2007) esclareceu que o texto foi novamente encaminhado ao
Departamento de Censura, pois os censores consideraram o texto outra obra, por ter
pertencido a espetáculos diferentes. Daí datar-se o testemunho sem data, de 1974, doravante
T74.
Ao referir-se às fontes da literatura de cordel que teriam sido tomadas para construção
do texto da peça, João Augusto menciona que os folhetos A Viúva que amarrou Santo Antônio
n’um foguete para se casar a 2ª vez e A Moça que pisou Santonio no pilão para se casar com
um boiadeiro são, respectivamente, de autoria de Pedro Quaresma e de José Martins dos
Santos. Entretanto, até o momento presente, só foi encontrado o folheto A Moça que pisou
Santo Antônio no pilão para se casar com o boiadeiro, de José Costa Leite.

4.2.2.1 Descrição física dos testemunhos

1 Testemunho T71

Cópia datiloscrita da terceira via encaminhada para Censura, em tinta azul,


mimeografada a álcool, no recto. Possui dez folhas numeradas de 1 a 9. O papel mede 330mm
× 222mm. À margem esquerda de todas as folhas, há marcas do uso de perfurador e
grampeador. Apresenta dois tipos de carimbos da Censura: um circular, do Serviço de
Censura de Diversões Públicas, localizado no centro à direita, aparece na capa e nas folhas 2 a
6; e um retangular na margem inferior direita, indicando que o texto é impróprio até 14 anos,
na capa e nas folhas 1 a 3. A falta de margem no lado direito cortou algumas palavras do texto
da peça. O cancelamento de letras e palavras é marcado pelo uso de “x”.

Capa
Consta de 21 linhas: L.1-4, citação; L.5 o nome do autor da citação, Gregóro de
Matos; L.6 título da peça; L.7 indicação da autoria de João Augusto; L.8-12 indicação dos
folhetos adaptados, A Viúva que amarrou Santo Antonio num foguete para se casar a 2ª vez e
A Moça que pisou no Santonio no pilão pra se casar com um boiadeiro; L.13 a 20, os nomes
das personagens; L.21, o local e data da produção do texto. A mancha datiloscrita mede
200mm × 112mm. Há linhas emoldurando o texto. Abaixo da L. 21, tem-se o carimbo da
Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), assinado, pelo representante geral, Nino
Guimarães.

Folha 1
Possui 41 linhas. A mancha datiloscrita mede 266mm × 190mm.

Folha 2
Há 42 linhas. A mancha datiloscrita mede 265mm × 191mm. Substituição por
sobreposição em: va<s>/z\ante (L.1). Letras canceladas: L.10 e L.13. Emendas: <Seréco>
(L.10). Falhas de datilografia: seesta-feira (L.1). A palavra sacana (L.37) está sublinhada, em
tinta azul.

Folha 3
Tem 42 linhas. A mancha datiloscrita mede 266mm × 195mm.

Folha 4
Consta de 46 linhas. A mancha datiloscrita mede 291mm × 200mm. Substituição por
sobreposição em: e<i>/u\ (L.22). Emenda datiloscrita: [↑tão] (L.22). Falha de datilografia: Vẽ
(L.24). Em tinta azul claro aparecem as seguintes marcações: palavras e letras sublinhados em
aquela (L.1), marido é vaca (L. 6), taco (L.25) e figuete (L.33); palavra envolvida por um
retângulo em mesquinho (L.22); e indicação de numeração da página na margem superior
direita.

Folha 5
Possui 46 linhas. A mancha datiloscrita mede 293mm × 190mm. Substituição por
sobreposição em: j<j>/u\ventude (L.13), CA<R>/B\RA (L.15). Nas L.32-33 e sobre a palavra
pra (L.41) há marcas de tinta azul claro.

Folha 6
Há 45 linhas. A mancha datiloscrita mede 290mm × 197mm. Substituição por
sobreposição em: al<ç>/m\oçar (L.33), An<j>/t\onio (L.38). Em tinta azul claro, o termo
santo besta (L. 19) está envolvido por um retângulo.
Folha 7
Tem 45 linhas. A mancha datiloscrita mede 285mm × 190mm. Substituição por
sobreposição em: a<u>/q\ui (L.21), d<d>espedida (L.24), q<i>/u\e (L.42). Letras canceladas:
L.13. Falha de datilografia e letra sobreposta: /*ê/ss<s>/a\ (L.24).

Folha 8
Conta de 38 linhas. A mancha datiloscrita mede 242mm × 185mm. Substituição por
sobreposição em: <h>/n\em (L.8), <J>/U\rânia (L18), tr<z>/a\<a>/z\<i>/e\i-me (L.21). As
palavras peste (L.11) e logo (L.12) trazem marcas de tinta azul claro. Há uma barra, a lápis,
separando as palavras Seréco! Olha (L.11).

Folha 9
Há 12 linhas. A mancha datiloscrita mede 83mm × 174mm. Substituição por
sobreposição em: <g>/a\<a>/g\radecer (L.5).

2 Testemunho T74

Datiloscrito, mimeografado à óleo, com oito folhas, escritas no recto, numeradas de 16


a 23. O papel mede 320mm × 220mm. Na margem esquerda há marcas do uso de
grampeador e perfurador. O carimbo do Departamento da Polícia Federal (D.P.F.) aparece,
rubricado, em todas as páginas sempre lançado no ângulo superior direito. O cancelamento de
letras e palavras ocorre pelo uso de “x”. Os trechos ou palavras cortadas pelo censor estão
riscados a lápis de cor vermelha, com traços na diagonal, envolvido por um retângulo e, ao
lado manuscrito em tinta azul, a palavra corte e o carimbo escrito com cortes, em caixa alta:
(f. 21, L. 31); (f. 21, L. 34); (f. 21, L. 38-39); (f. 21, L. 42).

Folha 16 (capa)
Conta de 15 linhas: L. 1. título da peça datiloscrito em caixa alta e sublinhado; L. 2-6
a indicação da autoria de João Augusto e da autoria dos folhetos de cordel que foram
adaptados; L.7 a 14 tem-se os nomes das personagens; L. 15 a indicação do local (Salvador-
Ba). A mancha datiloscrita mede 120mm × 177mm.
Folha 17
Possui 62 linhas. A mancha datiloscrita mede 275mm × 185mm. Substituição por
sobreposição em: mu<t>/i\to (L. 44).

Folha 18
Contém 63 linhas. A mancha datiloscrita mede 273mm × 182mm. Substituição por
sobreposição em: N<E>/e\m (L.17), escolh<a>/e\ (L.17), <j>/h\oje (L.26).

Folha 19
Há 62 linhas. A mancha datiloscrita mede 273mm × 185mm. Substituição por
sobreposição em: amor<e>/o\sos (L.15), patrocinai-<v>/n\os (L.40), at<s>/r\asado (L.43),
estra<ngeiro>/de\iro (L.49), Manue<k>/l\ (L.50). Letra cancelada: L.49.

Folha 20
Possui 61 linhas. A mancha datiloscrita mede 275mm × 180mm. Substituição por
sobreposição em: qu<r>/e\ (L.34), <j>/f\ogo (L.39), co<m>/n\solo (L.39), me<i>/u\ (L.53).

Folha 21
Possui 63 linhas. A mancha datiloscrita mede 285mm × 176mm. Substituição por
sobreposição em: fábri<v>/c\a (L.24), cl<r>/a\rão (L.32), dan<d>/a\<o>/d\o (L.34), <i>/o\
filho (L. 41), s<r>/e\nhora (L. 57). Defeito de máquina em ch/e\/g\a (L.59). Letras canceladas:
L.63. Emendas: <Plo> (L.63).

Folha 22
Consta de 61 linhas. A mancha datiloscrita mede 270mm × 174mm. Substituição por
sobreposição em: S<R>/e\réco (L. 49), on<u>/i\bus (L.51).

Folha 23
Tem 61 linhas. A mancha datiloscrita mede 283mm × 173mm. Substituição por
sobreposição em: f<i>/o\ (L. 1), Sere<d>/c\o (L.19), <u>/e\ (L.25), tra<s>/z\ei-me (L.27),
<T>/F\errabrás (L. 31), pon<r>/t\apé (L.34), cami<z>/s\ola (L.36), cansad<a>/o\ (L.42).
Emendas datiloscrita: a[z]ul (L26), Sat[a]nás (L. 31).
3.2.2.2 Classificação estemática

Na comparação entre os testemunhos, pode-se perceber que foram feitas algumas


modificações nas réplicas do T71 para o T74, a saber; (a) 1 deslocamento, (b) 5 supressões,
(c) 4 acréscimos e (d) 15 substituições (cf. aparato crítico). Seguem alguns exemplos:

(a) MIMINHA ― Teve coragem, Nenem – isso mesmo? (T71, f.3, L. 28)
MIMINHA ― (beijando-a) Você é uma Santa. Então foi por sua causa. Eu sempre
desconfiei que Santo Antonio lhe ouvia mais do que à Francisca. (T71, f.3,
L. 29-30)

MIMINHA ― (beijando-a) Você é uma santa. Então foi por sua causa. Eu sempre
desconfiei que Santo Antônio lhe ouvia mais do que à Francisca. (T74, f.
19, L.1-3)
FILOCA ―Teve coragem, Nenem – isso mesmo. (T74, f. 19, L.4)

(b) NENEN ― Em programa de televisão se arranja tudo. São tão bons eles. Dão casa,
dão comida, dão roupa, dão geladeira, dão carro, dão tudo. Dão tudo. E
não recebem nada em troca. São tão bons eles. A verdadeira caridade está
na televisão. Viva a televisão!
(T71, f.7, L.15-18)
NENEN ― Em programa de televisão se arranja tudo. São tão bons eles. Dão casa,
dão comida, dão roupa, dão geladeira, dão carro, dão tudo. E não recebem
nada em troca. São tão bons eles. A verdadeira caridade está na televisão.
Viva a televisão!
(T74, f. 22, L.23-27)

(c) MIMINHA CHICA ― Pedí, não. Não careço de pedir nada a homem. A nenhum.
Nada.
(T71, f.7, L.6)
MIMINHA CHICA ―Pedi, não. Não careço de pedir nada a homem. A nenhum sabe?
Nada.
(T74, f.22, L. 11-12)

(d) NENEN ― Ah, Santo Antonio tirano! Tão pouco homem por aqui, e logo um fica
mal.
(T71, f. 1, L. 33)
NENEN ― Ah, Santo Antônio tirano! Tão pouco homem por aqui, e logo um fica
doente.
(T74, f.17, L. 34-35)
Assim, diante das modificações apresentadas acima, pode-se afirmar que T71 e T74
são testemunhos que apresentam significativas diferenças, como mostra o estema abaixo:

T71 T74

Figura 29 – Estema dos testemunhos de Antônio, meu santo

4.2.2.3 Seleção do texto de base

A partir desta situação, elege-se como texto de base para esta edição o T74, por ser
este o último testemunho datiloscrito, em vida do autor.
4.2.2.4 Texto crítico e aparato
T71 “Senhora donzela: a mingua / de um
casamento jucundo / cousas sucedeu no
mundo, / que me puxam pela língua.”
GREGORIO DE MATOS

T71 ANTONIO, MEU SANTO


T74 ANTÔNIO, MEU SANTO
ANTÔNIO, MEU SANTO

1 ato de João Augusto


T71 Santos – respectivamente
do folheto de Pedro Quaresma e José Martins dos Santos respectivamente: A viúva que T71 Antonio (s.a.)
amarrou Santo Antônio n’um foguete para se casar a 2ª vez e T71 se casar a 2a vez” T74 a 2ª vez”
5 A moça que pisou em Santo Antônio no pilão para se casar com um boiadeiro. T71, T74113

PERSONAGENS:

Francisca T71, T74114


Nenen
Filóca
10 Urânia
Tonico
Seréco
Miminha T74 Nininha

Salvador – Ba. T71 Salvador, julho de 71


15 (1974)

113
Os títulos dos folhetos adaptados estão entre aspas.
114
Nestes testemunhos têm-se traços após todos os nomes das personagens (Francisca –). Por questões de uniformização, optou-se por não colocar os traços.
ANTÔNIO, MEU SANTO

Numa festa de Reza. Sala de visitas.


Elementos.

NENEN ―Eu gosto mais de novena.

5 FILÓCA ―Trezena é mais bonito.

URÂNIA ―Acho não.

MIMINHA ―Prá mim tanto faz. Tudo é reza. Vale Tudo. T71 Pra (s. a.)

FILÓCA ―Gosto mesmo é de trezena.

NENEM ―Uf! O dia inteiro, todinho, um solão do meio-dia. De noite – esse frio da peste. É T71 de meio-dia T71 êsse
10 de lascar.

FILÓCA ―Não reclame, Nenen. O tempo até melhorou.

MIMINHA ―A festa este ano tá melhor que a do ano passado. T71 êste

URÂNIA ―Acho não.

NENEM ―Urânia! Você toma jeito. “Acho, não”. “Acho não”. Tá sempre contra tudo. T74 Urania

15 MIMINHA ―É a doença, coitada. Não agüenta, como a gente. Ninguém aqui se casou, mas T74 aguenta
tamos todas em forma. Ninguém reclama.

FILÓCA ―Francisca tem gosto. T71 gôsto.


NENEM ―Ninguém sabe festejar um Santo Antônio como ela. T71 Antonio (s. a.)

URÂNIA ―Acho não.

MININHA ―Seréco, ô Seréco! Ah, menino do cão. Peste da bexiga! T74 é Seréco (tomou-se a lição do T71)

SERÉCO ―Pronto, dona Miminha.

5 MIMINHA ―Nezinho veio hoje aqui? T71 Nêzinho T74 Nézinho

SERÉCO ―Veio não.

URÂNIA ―E nem vem. T71 SERECO ―E nem vem.

NENEM ―Por que? T71– Porque?

SERÉCO ―Tá adoentado. Filipa tá lá no quarto dele, tomando conta.

10 URÂNIA ― (escandalizada) No quarto?

SERÉCO ―No quarto, sim.

FILÓCA ―Mulher ousada ela!

NENEM ―Que é que ele tem? T71 êle

SERÉCO ―Dizem que tá com a arca caída.

15 MIMINHA ―É mesmo, Seréco? T74 Sereco (s. a.)

FILÓCA ―Eu sabia.


NENEN ―Ah, Santo Antônio tirano! Tão pouco homem por aqui, e logo um fica doente. T71 Antonio (s. a.) T71 fica mal.

URÂNIA ―Pois é...

MIMINHA ―Homem não falta. Mas tem é jibóia sobrando. (Para Urânia) Cada sobra. T74 gibóia

FILÓCA ―Eu sabia que era espinhela. Sabia.

5 SERÉCO ―Dona Francisca já confirmou. Tem a mesma medida. Do dedo mindinho ao


cotovelo, não faz diferença dum ombro prô outro.

NENEN ―Coitado dele. Tão jovem, tão moderninho. Tão grosso...

MIMINHA ―Quem que agüenta muito tempo, aquele osso mole na boca do estômago? T71 aguenta, T74 aguenta

FILÓCA ―Coitado do Nezinho. Espinhela não é sopa. T71 Nézinho.

10 NENEN ―Olha: se passá três sexta-feira e num tratá... o estômago incha, ele sofre fadiga, T71 êle
vomita tudo que come e acaba estupurando. Morre!

FILÓCA ―Menos um vivo.

MIMINHA ―Bota essa boca na maré vazante, sinhá burra.

NENEN ―Ele vai ficá bom.

15 URÂNIA ―Oxalá!

SERÉCO ―Dona Francisca já tomou as providências: amanhã mesmo o homem tá de pé. T71 home

URÂNIA ― (grito) Ai!!! T71 URANIA – Ai!!!


FILÓCA ―Fale baixo essa palavra, Seréco. T71 Sereco (s. a.)

NENEN ―Que palavra, Filóca?

FILÓCA ―Essa...

MIMINHA ―Qual? O Menino disse algum nome, disse?

5 NENEN ―Que palavra, mulher?

FILÓCA ― (emocionada)... “homem”...

MIMINHA ― Ai...
T71 “Serécooo!”
(Francisca grita de dentro – “Serécooooo!” )

SERÉCO ―Vou indo! Licença.

10 URÂNIA ―Vá logo.

MIMINHA ― (lírica) Tomara que esse santo Antônio atenda melhor a gente. Tomára que... T71 êsse ano T71 Santo Antonio(s. a.)

NENEN ―Manuel Menez... T71 ―... Manuel Menez...

FILÓCA ―Raimundo Nonato... T71 ―... Raimundo Nonato...

URÂNIA ―Quimquim... T71 ―... Quimquim...

15 MIMINHA ―Nezinho... ai, tomára... liguem mais prá gente. (Pensando alto) Raimundão, oh! T71 ―... Nézinho... T71 (pensando alto)
Ah, desaforado! Tá pensando que a gente tá interessada nele.

NENEN ―Quem? Quem? Quem é que quer alguma coisa com Raimundo?
FILÓCA ―Quem é que qué aquela porcaria? Quem?

URÂNIA ―Eu.

FILÓCA ―Desculpa.

NENEN ―Nem escolhe mais, a coitada. É homem, qué casá – SERVE! T71 Nem escolha

5 URÂNIA ―Pode tirar o “casá”.

MIMINHA ―Cês viram? Filipa! No quarto! Tomando conta de Nezinho... T74 Nézinho

FILÓCA ―Ele tá doente.

MIMINHA ―Doente... dói na gente! Doente tá ela prá se casar.

URÂNIA ―Ela só?

10 NENEN ―Tá doidinha, a infeliz aqui. Não pode se agüentá. Quando vê home, dá uma T74 aguenta (s.a.)
roedeira nela, de fazer se envergonhar. Quéta, menina!

FILÓCA ―Quando ela ouve dizer –“Casou-se hoje fulana...”

NENEN ―... ela diz logo –“Ah, cobra canina!”

URÂNIA ―Eta vida sacana! Como gostam de falá!

15 MIMINHA ― (moralista) Menina, olhe o decoro. Me respeite! Não exagere. A gente tá aqui prá T71 decôro T71 pra (s. a.)
rezá.
NENEN ―É mesmo. Viemos prá festa de Francisca prá rezar. Não se esqueça disso, Urânia. T71 pra (s. a.) festa
REZAR!

FILÓCA ―Deixa ela, senão chora. Desabafa. Olha só o bico. Desabafa, Urânia. T74 Urania (s. a.)

URÂNIA ―Uááá...uááá...

5 FILÓCA ―Desabafa, filhinha. Desabafa. Me dá uma agonia!

URÂNIA ―Mamãe casou tão nova. E não tinha precisão. Uááá! Pelo jeito que eu estou
vendo... vou ficá no barricão – uááá! Vou?

MIMINHA ―No barricão eu não fico, que isso é um horror. Se interar mais um ano sem arranjar T71 arranjá
um amor – eu me pico prá Capital: CASO! Seja lá com quem for.

10 NENEN ―Isso de moça-velha é mesmo o azar. Não é viver – é bestar.

FILÓCA ―Santo Antônio, milagreiro, me mostre um rapaz solteiro, que queira casar comigo. T71 Antonio (s. a.)
Não precisa ter dinheiro.

URÂNIA ―Uáááá... á! Uááááá...á! á! T71 Á! Á!

MIMINHA ―Inda bem que as coisas estão mudando.

15 NENEN ―E tão?

MIMINHA ―Eu soube que lá na Capital... (à parte)... a Bahia é a Bahia! ...tão fazendo um
movimento defendendo a gente. É sim. É! Tão defendendo. Tão dizendo que mulher T71 Movimento T71 É, sim. É!
agora não morre mais sem se dar. É! É, sim! E esse Movimento – Deus é grande! – T71 êsse
há de vingar. Há de!

20 FILÓCA ―Sem casar, Miminha?


MIMINHA ―Sem casar, Filóca! T74 Filoca (s. a.)

URÂNIA ―Que beleza!

NENEN ― (ajoelha-se) Ah, Santo Antônio Milagroso – faço-lhe uma catedral! Ele ouviu. T71 Antonio (s. a.) T71 milagroso
Ouviu as minhas preces. Meus pedidos. Foi isso que eu pedí prá ele. Isso mesmo. T71 êle
5 Ah, santinho milagroso!

URÂNIA ―Pediu?

MIMINHA ―Isso?

FILÓCA ―Assim?

URÂNIA ―Sem...

10 MIMINHA ― (beijando-a) Você é uma santa. Então foi por sua causa. Eu sempre desconfiei que T71 MIMINHA – ‘Teve coragem, Nenem –
Santo Antônio lhe ouvia mais do que à Francisca. isso mesmo?

FILÓCA ―Teve coragem, Nenen – isso mesmo. T71 MIMINHA ― (beijando-a) Você é uma
santa. Então foi por sua causa. Eu sempre
desconfiei que Santo Antonio (s. a.) lhe
ouvia mais do que à Francisca.
NENEN ―Oxente, nem tanto assim.

FILÓCA ―Eh, vem ela com o Santo. Olha que beleza. Não é um encantamento?

15 (Todas se ajoelham à passagem de Chica, que traz uma Imagem enfeitada).

CHICA ― (líder nata) Oh, meu Santo Antônio, insigne português... T74 lider (s. a.)T71 OH T71 Antonio (s. a.)
T74 indigne (tomou-se a lição do T71)
NENEN ―... advogado das causas perdidas...
CHICA ― Ofereço-vos hoje, de todo o meu coração, esse culto sincero. T71 êsse

MIMINHA ― (levanta-se e declama “caprichando”) Ó Angélico Santo Antônio! Com Deus T71 Antonio! (s. a.) com
Menino nos braços – fazei com que Jazão me prenda com seus amorosos laços.

FILÓCA ― (levanta-se) Me faça aquele rapaz, me pedir em casamento. Fale a meu pai. Fale a
5 mim. Agora. Nesse momento!

NENEN ―Se aquele rapaz vier, me falar em casamento, dou-lhe três vinténs, dois ovos, uma T71 vintens (s. a.)
besta e um jumento. Dou-lhe três metros de fita. Dois azuis e um cinzento. Me traga T71 azues
um bom casamento.

URÂNIA ―Prá mim, qualquer coisa serve. Eu quero é um homem mesmo. Casando ou sem T71 Pra (s. a.) mim,
10 casamento.

CHICA ― (austera) Santo Antônio, coração grande e tão vasto, mulher sem marido é vaca, T71 Antonio (s. a.)
largada e solta no pasto. Nada pode prosperar. Meu Santo Antônio tão festejado – T71 Antonio (s. a.) T71 sôlta
olha prá nós – olha prá nós (que estado!) – olha prá nós com cuidado. Nós lhe T71 Antonio (s. a.) T74 pra (s.a.)
festejamos, sempre, todo ano, o dia do aniversário. Olha prá nós, olha prá nós Santo T71 olha por nós T74 pra (s.a.)
15 Antônio. Peço-vos nos ajudá. Me manda um rapaz idoso, para com ele eu casar. Não T71 com êle
se esqueça, Santo Antônio – vintes anos estás aqui – moras aqui – nunca pagastes T71 Antonio (s. a.)
aluguel. De ano em ano, todo ano, eu mando sempre fazer a sua encarnação. Não é
só. É cantiga. É reza. É festa. Todo ano. Festa até de foguetão. Por tanto... meu T71 peço pra (s. a.)
Santonio peço prá nos ajudar. Manda um rapaz idoso para com ele casar. Mas não T71 êle T71 pra (s. a.) dar.
20 quero homem velho, homem lerdo, homem babão, que nada mais tem prá dar. Já que
quero me casar – que seja para melhor.

TODAS ―Ó Angélico Santo Antônio, esplendor de Portugal – valei-nos, patrocinai-nos. T71 ó Angélico T71 Antonio (s. a.)
Casar é tão natural.

CHICA ―Amém.
TODAS ―Amém.

SERÉCO ― (atrasado) Amém... T71 (atrazado)

MIMINHA ―Santo Antônio verdadeiro, deixe de ser tão mesquinho: faça com que eu me case, T71 Antonio (s. a.) T71 [↑tão] mesquinho
com meu amor – com Nezinho. T71 com Zézinho.

5 FILÓCA ―Santo Antônio vê se deixa, de ser tão prezepeiro – nem que eu caia, nem que eu T71 Antonio (s. a.)
corra, eu saio atrás do primeiro. E quando eu pegá ele, não lhe deixo um taco inteiro. T71 êle

NENEN ―Ó meu Santo estradeiro, quando chega a minha vez? Ó Santo catimbozeiro, me T71 ó Santo
traga Manuel Menez! De vez!

URÂNIA ―Eu quero um homem. Eu quero um homem. Eu quero um homem, meu Santo. T71 santo
10 Tenho muita precisão. Atenda logo o pedido. Não seja um santo vilão.

(Coreografia. Exigem um Santo Antônio. Desfile. A procissão sai de cena. Seréco T71 Antonio (s. a.)
atrás levando um foguetão. Black. Ouve-se o pipocar do foguete. Acende a luz.).

NENEN ―Francisca, minha filha – que horror!

CHICA ―O que, Nenen – que foi?

15 NENEN ―Fecharam a Fábrica de Papel Crepom. Já pesou nisso? Imagine! T74 Crepon

CHICA ―E foi mesmo?

NENEN ―E não foi? Engrácia veio da Bahia. Contou. Fecharam.

CHICA ―Por que, Nenen, por que foi? T71 ―Porque, Nenen, porque
NENEN ―A anilina alemã foi proibida pelo Governo. Já pensou? Como é que eu vou fazer T71 Govêrno.
com as milhas flores? Como? Ah, meu Deus! Sem marido e sem dinheiro. Tá tudo
piorando.
BLACK

5 MIMINHA ―QUANTO POBRE ENRIQUECENDO! Que beleza! Serafina contou. Foi(.) A T74 Foi (s. p.)
Bahia é a Bahia! Que Beleza! T71 Que beleza!

CHICA ―Tem certeza, Miminha? Não é pabulagem dela não?

MIMINHA ―O que mulher – verdade! Que beleza a Loteria Esportiva! Hoje foi uma lavadeira.
Não tinha nem que comer. Quatro bilhões. Francisca! Noutro dia um sapateiro! Três T71 bilhões, Francisca! T71 dia – um
10 milhões. Ganhou. Ah, eu quero fazer. Eu quero fazer. Eu quero. É só pobre – só T71Três! Três milhões T71 Ganhou. Foi. Ah
pobre – é que ganha, Francisca. Deus é grande. Imenso. Eu vou fazer. Se vou! T71 E só pobre

CHICA ―Mas como? Aqui não tem. T74 aqui

MIMINHA ―E eu não sei disso? Aqui tem nada. Não tem HOME – quanto mais Loteria T71 quando mais
Esportiva. Tá tudo na Bahia, minha filha – TUDO! Ah, BAHIA! Eu vou prá lá. Já
T71 20 pontos
15 decidí. Você vai ver. Arranjo logo um casamento. Depois. Depois vou acertar vinte
pontos nessa Loteria. Isso aqui é uma terra esquecida de Deus.

CHICA ―Santo Antônio te castiga, mulher. T71, T74 Antonio (s. a.)

MIMINHA ―Mais?

CHICA ―Miminha!

20 MIMINHA ―Vou simbóra. Vou. Eu? Eu? Ficar aqui perdendo a minha juventude? Minha T71 Vou mimbóra.
alegria? CHEGA! CHEGA! Prá-Bahia! T71 Prá Bahia!
BLACK

SERÉCO ―Não, não. Não, senhora. A sra. jogou na cabra. CABRA. Foi. Cercada de todos os T74 A sr. jogou
lados. (Pausa longa) Deu boi.

CHICA ―Outra vez, Seréco? Boi de novo?

5 SERÉCO ―A culpa não é minha, não é? Agora...

CHICA ―Agora o que? Fala, inferno, que já tou retada! T74 Fala, informe (toma-se a lição do T71),
T71 tô retada
SERÉCO ―Não adianta a sra. jogá no boi.

CHICA ―Oxente, peste – e por quê? T71 porque? (s. a.)

SERÉCO ―Garanto que a sra. – se jogá no boi – dá a cabra! (rí e sai correndo).

10 CHICA ―Ah, peste da bexiga! (só – angustiada) Oh, Cristo, Cristo, CRISTO! Ó Santo T71 ó
Antônio, mas tudo, tudo, tudo desandou nessa terra? Nem consolo no jogo? Nem T71 Antonio (s. a) T71 consôlo (em ambos) T71
jôgo?
consolo. Nem sorte? Nada? NADA? Ó Santo Antônio, assim também é demais. É T71 ó Santo Antonio (s. a.)
demais também!

BLACK

15 FILÓCA ―O que vai ser dela, Francisca? Urânia acaba endoidando. T74 Urania (s. a.)

CHICA ―Um menino de cinco anos?

FILÓCA ―De cinco, sim. O filho de Emerenciana. Inda bem que ela é viúva. T74 Esmereciana

CHICA ― (para o público) Também tem isso no diabo dessa terra: mulé quando arranja
marido – demora muito, não – fica logo viúva!
FILÓCA ―Roubou o menino. Foi. Trancou o menino em casa. Diz que vai criar o bichinho e
quando ele crescer um pouquinho, que dê para... T71 êle

CHICA ―Filóca! Quem sabe disso, quem? Ó meu Santo Antônio! T71, T74 ó meu T71 Antonio (s. a.)

FILÓCA ―Sei, não. Ela disse que só eu sabia, que só contou a mim. A mim e ao menino. Tá
5 lá, dando banho nele.

CHICA ―A mãe vai dar falta dele. Olha, vai lá, Filóca. Diz a Urânia prá soltar o garoto. Isso T74 Filoca (s. a) T74 Urania (s. a.)
vai dá confusão, Estropiço. Quando Emerenciana procurar o filho e não encontrar... T71 garôto T71 confusão. Estropiço
T74 Estropico (tomou-se a lição do T71)
Onde já se viu – uma criança de cinco anos!

FILÓCA ―Apressada ela – podia esperar mais um pouco.

10 CHICA ―Criar o menino prá... Urânia ficou doida. Tá mesmo doida. T71 pra (s. a.)

FILÓCA ―Acho que só você indo lá comigo. Vim te buscar. Vai lá falar com ela. Vamos.

CHICA ―Ó meu Santo Antônio – tudo culpa da sua ingratidão. Tudo culpa sua. Vamo, Filó, T71 ó meu T71 Antonio (s. a.)
vamos!

BLACK

15 CHICA ―Seréco! Ô Seréco! T71 ô Seréeeco!

SERÉCO ― (agitado) Prontinho.

CHICA ― (imitando) Pron-tinho! Até isso. Ah, santo vingativo! Que projeto, projeto de
homem! O que é que tu vai ser quando crescer, Seréco, o quê? T74 vai ser ser T74, T71 que? (s. a.)

SERÉCO ―Cantor de ópera!


CHICA ―Ah, Santo Antônio, prá todo lado que se olha cadê uma esperança? Debalde. Tudo T71 Antonio (s. a.) T71 pra (s. a.)
debalde.

SERÉCO ―Que foi, D. Francisca?

CHICA ―Nada, não. Tu tava fazendo o que, Seréco?

5 SERÉCO ―Tava...

CHICA ―O que, menino? O que, peste da bexiga!

SERÉCO ―Dona Nenen...

CHICA ―O que que tu tava fazendo com D. Nenen, Seréco, o que? Que milagre é esse? T71 êsse

SERÉCO ―Nada, não. Não era com ela não. É prá ela. A sra. sabe que...né? T71 PRA (s. a.)

10 CHICA ―O quê? T74, T71 que? (s. a.)

SERÉCO ―A fábrica de papel crepom, lá da Bahia – fecharam. Ela tá com umas encomendas T74 crepon
atrasadas. Não custa nada, né? Eu tava fazendo flor prá ela. Mas é surpresa, viu? T74 atrazada T71 pra (s. a.)

CHICA ―Ah, Santo Antônio! Santo tirano! Olha, peste, vá, vá correndo na loja de T71 Antonio! (s. a.)
Salvelindo comprar um foguetão. Tome. Se pique! (só) Agora, sim, meu santo. Vou T71 Tome. Vá logo. Se pique!
15 lhe mostrar. Vou lhe mostrar como se paga ingratidão. Vai ver. Vai como é bom. Tu T71 Vai ver como
vai ver – santo besta! T74115

BLACK – um clarão. Pipoco de foguete. T71 Pipôco

115
Corte da Censura: besta (f. 21, L. 31).
CHICA ― (na penumbra) Estou vingada. Desta vez, tu vai se desgraçar, santo danado. T74116.
Estradeiro. Ocupou minha casa. Nem teve gasto de dinheiro. Teve reza. Teve festa.
Teve flor e foguetão. Teve tudo. Tanto lhe fiz. Tanto. E nada. Tanto amor. Todo
amor. Prá nada. Só pedi – casamento e sorte. Tive nada. Pois bem – lhe dei seu T71 pedí
5 paradeiro agora. Vá pras profundas, pro cativeiro. Fecharam a Fábrica de Nenen. A T74117 T71 prô cativeiro.
tal Loteria, aqui não tem. Filóca perdeu dois dentes – da frente! Urânia, até o filho de
Emerenciana quis roubar. É pouco, é? Pouco, tudo isso? Tô vingada. Santo de nada! T74118 T74 quiz

URÂNIA ― (em casa – penteando-se) Não penteio mais cabelo. Vou deixar à revelia. Meu T71 cabêlo. T71 deixá T71, T74 reveria
cabelo não deu laço – prá laçá quem eu queria. (rí) Prá que cabelo? Prá que? (Dá um T71 Pra (s. a.) que cabêlo?
10 puxão nos cabelos)

BLACK

SERÉCO ―D. Francisca, vem aí um empregado da Fazenda de D. Poluta. Ela pediu para deixá
o moço almoçar aqui, prá viajar pro Roçado. T71 prô

CHICA ―Roçado?

15 SERÉCO ―O roçado dela, lá no Brejo Baixo. Ele pode vir almoçar?

CHICA ―Pode, sim. Deixe vir. Poluta não é má – apesar do nome. T71 Deixa

SERÉCO ―Pode vir. Não fique avexado. Entra.

TONICO ―Apois...

116
Corte da Censura: danado (f. 21, L. 34).
117
Corte da Censura: pras profundas, (f. 21, L. 38-39).
118
Corte da Censura: de nada! (f.21, L.41).
CHICA ― (deslumbrada) Qual é a sua graça, moço?

TONICO ―Antônio. Me chame Antônio, senhora dona. T71 Antonio (s. a. em ambos) T74 Antonio
(s. a. só no primeiro)
CHICA ―Antônio... ah, meu santo. T71, T74 Antonio (s. a.)

TONICO ―Posso me chegar?

5 CHICA ―Todo! Entre seu Antônio. Entre todo. T71 Antonio (s. a.)

SERÉCO ―Posso ir?

CHICA ―Deve. Espere. Alguém ouviu você... alguém sabe do recado de Poluta?

SERÉCO ―Ninguém viu ele comigo, não. Nenhuma das suas amigas. Fique descansada. T71 êle
Posso ir?

10 CHICA ― (poética) Vai...vai...vai...

BLACK

SERÉCO ―Eu vou. Vou contente – e aperreado. A sra. foi deixá...

CHICA ―Bestão! Tu vai levá Miminha. Passá uma semana na Bahia. Pegou o boi inda
reclama? Não se preocupe comigo, não. Quem sabe que Tonico não fica uns tempos
15 aqui comigo, depois de voltar do Roçado? Quem sabe?

SERÉCO ― A sra. pediu prá ele? T71 SERECO – (interessado) A sra. T71 êle

CHICA ―Pedi, não. Não careço de pedir nada a homem. A nenhum sabe? Nada. T71 Pedí T71 nenhum. Nada.

SERÉCO ―Então...
CHICA ―Eu... eu dei a entender a ele. Acabe logo de se aprontar que Miminha êh vem aí. T71 êle.

Entram todas. Miminha engalanada

MIMINHA ― “Vou prá Bahia, meu bem. Vapô chegô no mar!...”

NENEN ―Logo que você chegar vai à televisão, Miminha. Já lhe disse. Dizem que lá eles
5 dão tudo prá gente, tudo.

FILÓCA ― (escondendo a mão, para cobrir os dentes) Vai ver você arranja até um marido. T71 (escondendo mão [↑p. c.] os dentes)

URÂNIA ―Um homem.

NENEN ―Em programa de televisão se arranja tudo. São tão bons eles. Dão casa, dão T71 êles.
comida, dão roupa, dão geladeira, dão carro, dão tudo. E não recebem nada em troca. T71 carro, dão tudo. Dão tudo.
10 São tão bons eles. A verdadeira caridade está na televisão. Viva a televisão!

URÂNIA ―Ah, mundo cão!

NENEN ―Só querem ajudar os outros.

MIMINHA ―A Bahia é a Bahia. Só tem gente querendo ajudar. Não é como aqui. Por isso que T71 Porisso
eu resolvi ir. Seréco tá pronto? O ônibus não demora. T71 onibus (s. a.)

15 CHICA ― (chama) Seréco! Ô Seréco! T74 Ô Sereco! T71 ô Seréco

NENEN ―Ah, me dá uma agonia essa despedida. Uma tristeza... uma vontade de ir junto.

FILÓCA ― (mão na boca) Mas você volta, Miminha, não é?

MIMIMHA ―Quem sabe?


NENEN ―Volta casada.

URÂNIA ―Volta com homem.

FILÓCA ―Claro que é casada com homem. Bobagem! (rí e tapa logo a boca). T71, T74 (rí) e tapa logo a boca)

MIMINHA ―Até que eu não posso me queixar muito de Santo Antônio. (Aliza a imagem) T71 Antonio (s. a.) T71 (aliza a imagem)
5 Nova?

NENEN ―Por falar nisso, Francisca, é verdade que o empregado de Poluta esteve aqui?

CHICA ― (grita) Seréeco!

FILÓCA ― (veneno) Se chama... Antônio... sabia? T71 Antonio (s. a.)

URÂNIA ―...Tonico...

10 CHICA ― (raiva) Seréco!

MIMINHA ―Tenho de ir agora. Até a volta.

CHICA ―Cuidado na viagem, esses ônibus tão cada vez piores. T71 êsses T71 onibus (s. a.) T74 viajem

FILÓCA ―Eu disse prá ela levar um guarda-pó. Ela disse que isso não se usa mais.

MIMINHA ―Imagina, EU vestir um guarda-pó. Nunca! Uma mulher é uma mulher! Afinal...
15 tem homem também no ônibus, não é? Já que eu vou, eu proveito logo a viagem. T71 onibus (s.a.) T74 viajem
Aproveito a viagem toda. Quem sabe que ANTES de chegar lá eu...eu já não... quem T74 viajem T71 tôda.
sabe, né? O ônibus vai parando tanto, tanta cidade pelo caminho, tanto homem, T74, T71 onibus (s. a.)
tantos homens viajando, tantos hotéis de luxo pela estrada, tanto... T71 hoteis (s. a.) T71 tanto.
URÂNIA ―Uáááá...uáááá...uáááái! T71 Uááá...uááái...uaáááái!

FILÓCA ―Que foi, Urânia? Vai ter chilique agora? Tá com saudade, ou... inveja?

URÂNIA ― (possessa) BRUXAS! Bruxas! Desgraçadas! Cês querem é acabar comigo. Mas T71 comigo!
eu venço. Venço! Hei de conseguir meu homem. Eu fico aqui, mas arranjo um
5 homem. Cês vão ver. Vão ver, suas bruxas! Miminha – cara de fuinha. Filóca – cara T74 Filoca (s.a.)
de boboca! Nenen – cara de com-quem! Bruxas! Cobras! Víboras! Me embrenho por T71 Cobras! Víboras! Víboras!
essas caatingas. Me lasco nesse Agreste. Me esfolo por essas estradas. Me corto. Me T71 Me esfólo
lenho. Ando por aí que nem uma alma penada. Que nem uma vaca danada – mas
arranjo um homem. Arranjo um homem – UM HOMEM! UAAIiiii! (cai dura no T71 UAAIiii
10 chão).

CHICA ― (grita) Seréco! Ô Seréco! Logo agora. (Para Miminha) Não se importe. A gente T71 Sereeco! ô Seréco! T74 Sereco! Ô
cuida dela aqui. Coitada. (Grita) Seréco! Olha o ônibus, peste da bexiga. Miminha já Sereco! (ambos s.a.)
T71 dela auqui T71(grita) T74 Sereco (s.a.)
vai. Venha logo, bestão! (Para ela) Vá, Miminha, vá logo. Vão com ela cês todas. T71 onibus (s. a.) T71 (para ela)
Eu cuido de Urânia. Podem ir. Vão. T74 Urania (s.a.)

15 (Despedidas. Chica só. Tenta levantar Urânia. Seréco aparece com a mala. Estaca.) T71 Urânia (s.p.) T71 Estáca

SERÉCO ―Deu ataque, foi? De quê? O abalo foi aonde? T71 balo foi T74 que? (s. a.)

CHICA ―Vai duma vez, Seréco. (Ele larga a mala no chão) Se pique, menino! (ele sai T74 Sereco (s.a.) T71 (êle larga
correndo) Urânia, ô Urânia. URÂNIA!

BLACK
20 (Urânia passeia, com uma vela acesa e uma faca de ponta na mão. T71 acêsa
Penumbra. Luz azul.)

URÂNIA ―Cabra preta milagrosa, que pelo monte subiu, trazei-me Auzébio de volta que de T74 Auzóbio T71 da minha
minha mão se sumiu. Assim como o galo canta, o jegue rincha, o sino toca e a cabra
berra – assim tú hás de Auzébio de andar atrás de mim. Assim como Caifás, Satanás, T71 hás Auzébio T71, T74 atráz
T71 Caifáz, Satanáz, Ferrabraz (s. a.)
Ferrabrás e o Maioral do Inferno que fazem todos dominar – fazei Auzébio se dobrar T71 êle T71 (dá
para eu trazer ele cordeiro, preso e debaixo de meu pé esquerdo! (Dá um pontapé no
chão, e machuca o pé) AI!

BLACK

5 CHICA ― (de camisola) Eu sempre tive razão quando lhe festejava, meu Santo Antônio T74 santo T71 Antonio (s. a.)
milagroso. Sempre. Eu lhe agradeço. Agradeço ter enviado Tonico. Me perdôa ter
mandado aquele foguetão. Será que Tonico não volta? Eu...eu...

(Tonico entra na penumbra)

TONICO ―Eu... eu...eu aceito sua proposta, Francisca. Tive pensando... aceito. Tô cansado de
10 trabalhar no Roçado. Depois... você pediu tanto, tanto...Chorou. Se humilhou. Eu...
Eu vou viver melhor aqui, mais descansado. Eu ... eu...

CHICA ― (eufórica) Antônio, meu santo! T71 Antonio (s. a.)

TONICO ―Tô é cansado agora. Andei muito prá chegar. Tô arriado...

CHICA ―Se abanque aqui, ao meu lado.

15 TONICO ―Tô pregado... (adormece logo).

CHICA ―Ó meu Santo Antônio, milagre – MILAGRE! (olha e remexe Tonico) que sono T71 Meu T71 Antonio (s. a.)
mais fora de hora. Será castigo? Acorda Antônio – já despachei Seréco. Acorda – T71 Antonio (s. a) T74 Sereco (s.a.)
que sono pesado esse. Acorda, Antônio, pelo amor de Deus, que eu não agüento T71 êsse T71, T74 Antonio (s. a)
mais. Acorda, homem, te avia – me faz um carinho. Me tire dessa agonia (Começa a T74 aguento
T71 começa
20 tira o sapato dele) Acorda, Tonico... Melhor eu agradecer a Santo Antônio antes.
T71Antonio (s. a.) T71(vai até o Oratório)
Pera aí. (Vai até o oratório) Ó Angélico Santo Antônio... amanhã... amanhã eu rezo,
T71 Antonio... (s. a.) T71 agora, agora (s.v)
agora, eu tou é ocupada! (Apaga a vela e volta para o banco) Antônio... Antônio...é T74 banco) Antonio ... Antonio (s. a.) É
T71 beleza êle
uma beleza ele. Dá uma emoção pegar num homem. Tonico... Tonico... (o ronco T71 (o ronco de de Tonico responde,
entrecortando as falas de Chica, cada vez –
responde) Tonico... Tonico... Tonico... To... mais romanticas)
Tonico...Tonico...Tonico...To...
Um jegue relincha ao longe. BLACK T71 Um JEGUE
4.2.3 Felismina Engole-Brasa ou O Inimigo dentro

Felismina Engole-Brasa ou O Inimigo dentro fez parte dos espetáculos Cordel 2


(1972/73), Um¸ Dois, Três, Cordel (1974), Cordel 3 (1975) e Teatro de rua (1977). Nos
Acervos encontram-se três testemunhos, um datado e dois sem data, com títulos diferentes:
Felismina Engole Brasa ou O Inimigo dentro (1972), Felismina Engole Brasa (s.d.), e
Felismina Engole Brasa ou A Mulher que pediu um filho ao diabo (s.d.).
O testemunho Felismina Engole-Brasa ou O Inimigo dentro (T72) foi encaminhado
para a Censura. Haydil Linhares (2007), uma das atrizes que participou da encenação deste
texto, comenta, em entrevista119 ao Grupo, que o texto foi liberado no dia da estréia, após a
autorização do censor, Francisco Pinheiro. Lembra Linhares, que essa autorização foi escrita,
às pressas, em uma folha de ofício. No Acervo do Teatro Vila Velha, encontrou-se este
documento (Figura 30).

S. Albuquerque:

Assisti ao espetáculo “Felismina-engole


brasa”, no Vila Velha.
O texto foi seguido – omitiram volutariamente
os trechos cortados. Tudo O.K.
Pode ser liberado.
Amanhã apresentarei o relatório.
Pinheiro
17-11-72

Figura 30 – Fac-símile do documento da liberação do texto Felismina Engole-Brasa (1972)


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha120

119
Entrevista concedida ao Grupo de Pesquisa Edição de textos teatrais censurados, no dia 15 de março de 2007,
na Fundação Cultural da Bahia.
120
Reprodução digital e transcrição por Ludmila Antunes de Jesus.
Quanto a Felismina Engole Brasa (Tsd1), têm-se um documento em que a folha 2,
estão em papel diferente das demais folhas do testemunho (Figura 31). Bemvindo Sequeira,
ao analisar este documento, esclarece que era comum inserir, quando o texto achava-se
incompleto, folhas correspondentes provavelmente a outras cópias para preencher a lacuna
existente, buscando-se resgatar a totalidade da obra.

Figura 31 – Fac-símile do Tsd1, f. 1vº e f. 2rº


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha121

121
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
No caso específico deste documento foi inserida uma cópia do T72 (Figura 32), a
folha 2 recto, que, no verso, foi aproveitada para dar prosseguimento à datilografia do texto
(Figura 33).

Figura 32 – À esquerda f. 2rº do Tsd1, à direita f. 3 do T72


Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha122

122
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
Figura 33 – Fac-símile do Tsd1. À esquerda, f. 2rº (aproveitamento da f.3 T72),
à direita f. 2vº (continuação do texto)
Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha123

Em relação ao Felismina Engole Brasa ou A Mulher que pediu um filho ao diabo


(Tsd2), nota-se que há uma semelhança entre o tipo de papel, o tipo característico da máquina
de datilografar, o carimbo da Censura, com o testemunho O Barulho de Lampião no inferno
(T77). Ambos podem ter sido encaminhados ao Departamento de Censura na mesma época, já
que tanto um texto quanto o outro pertenciam ao mesmo espetáculo, Teatro de rua (1977).
Entretanto, por não se ter o Certificado de Censura, que poderia, certamente, datar o
documento, optou-se por considerá-lo não datado.

123
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
Figura 34 – À esquerda Felismina Engole Brasa ou A Mulher que pediu um filho ao diabo (Tsd2),
à direita O Barulho de Lampião no inferno (T77)
Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha124

4.2.3.1 Descrição física dos testemunhos

1 Testemunho Tsd1

Datiloscrito, com três folhas, escritas no recto e no verso, em fita vermelha, exceto a
f.2rº, que é mimeografada a álcool. As folhas 1rº, 1vº, 3rº e 3vº são em papel jornal, medindo
325mm × 222mm, e 2rº, 2vº são em ofício, medindo 315mm × 215mm.

Folha 1rº
Possui 39 linhas; L.1 título em caixa alta. Bordas do papel desidratadas. A mancha
datiloscrita mede 292mm × 193mm. Mancha de tinta azul na letra “g” da palavra Largue (L.
8). Substituição por sobreposição em: T<i>/u\ (L. 23). Palavra cancelada: <FELISMINA>
(L. 36).
124
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
Folha 1vº
Contém 29 linhas. A mancha datiloscrita mede 216mm × 189mm. Substituição por
sobreposição em: <L> /T\otonha (L.10). Letra cancelada: como<r> (L.12). Palavra cancelada:
<mesmass> (L.23).

Folha 2rº
Possui 44 linhas. Manchas e perfurações na margem superior direita. A mancha
datiloscrita mede 282mm × 193mm. Substituição por sobreposição em: f<i>/u\rada (L.20).
Palavras canceladas: L.11 e L.23. Emenda datiloscrita, com uma linha fazendo a chamada
para a correção: <ango> [↑anjo] (L.6). Falha de datilografia em já (L.1).

Folha 2vº
Conta 37 linhas. Manchas e perfurações na margem esquerda. A mancha datiloscrita
mede 280mm × 182mm. Substituição por sobreposição em: N<ã>/õ\ (L. 4), que<e>/r\ia
(L.11), qui<z>/s\ (L.13), terriv<a>/e\l (L.13), fa<o>/l\ou (L.14), c<e>/r\escerem (L.28). Letra
cancelada: Entre<l> (L. 25). Emenda datiloscrita: <felhoi> [feliz] (L. 11), <Felismina corre
feliz> (L.22).

Folha 3rº
Possui 39 linhas. A mancha datiloscrita mede 295mm × 190mm. Substituição por
sobreposição em: f<i>/r\ia (L.6), Que<t>/r\o (L.11), <f>/g\randes (L. 32). Palavras
canceladas: L.18, L.24, L.27 e L.28. Emendas datiloscritas: <pgar> (L.18),<dentro na> (L.
23-24), <mordedes> (L.24), <nome de Jesus> (L. 27-28). Falhas de datilografia: fo4ma (L.1),
há um 4 em lugar de r. Há um traço em tinta azul abaixo da L.39.

Folha 3vº
Tem 8 linhas. A mancha datiloscrita mede 56mm × 185mm. Falha de datilografia:
qualqu quer (L.6 e 7).
2 Testemunho Tsd2
Datiloscrito em fita preta, mimeografado à óleo, cinco folhas, no recto, numeradas de
1 a 5. O papel mede 315mm × 216mm. O carimbo da Divisão de Censura de Diversões
Públicas, lançado sempre à margem superior direita, possui formato retangular e, manuscrito
em tinta azul, tem-se o nº 2433. Na margem esquerda, de todas as folhas, há marcas do uso de
perfurador e grampeador.

Folha 1
Possui 39 linhas: L.1 o título da peça; entre a L. 1 e 3 há, em tinta azul, a sigla BA,
envolvida num círculo, à margem direita entre a L. 5 e 7. À margem superior esquerda, em
tinta azul, há a seguinte escritura: Cx D02 C.F., para qual, ainda, não se tem esclarecimento
do seu significado. A mancha datiloscrita mede 298mm × 184mm. Substituição por
sobreposição em: <i> /u\ma (L. 3), casad<o>/a\ (L. 6), desemb<i>/u\cha (L.9), at<a>/e\ndido
(L.10-11), que<i>/r\ia (L. 33).

Folha 2
Tem 37 linhas. A mancha datiloscrita mede 296mm × 187 mm. Substituição por
sobreposição em: mi<ç>/l\ho (L. 5), FE<E>/L\ISMINA (L.13), <d>/t\e (L.15), <r>/h\orrível
(L.29) dout<r>/o\r (L. 32), ne<h>/n\hum (L. 34).

Folha 3
Consta de 38 linhas. A mancha datiloscrita mede 276mm × 188 mm. Substituição por
sobreposição em: <h>/j\ato (L. 2), f<n>/i\lha (L. 7), <e>/o\brigue (L. 7), Decidi<o>/d\o (L.8),
diarréia <;>/?\ (L. 8), sá <v>/b\er (L. 17), su<g>/f\ocação (L.23), P<q>/a\ciência (L. 31),
<q>/Q\ueira (L. 36). Falhas de datilografia: Teve (L.2), teve (L.10), machorra? (L.12), Ah
(L.29), Saravá (L.33), calma (L.34), queira (L.36).

Folha 4
Possui 37 linhas. A mancha datiloscrita mede 283mm × 190 mm. Substituição por
sobreposição em: ba<h>/n\ha (L. 6), <c>/g\rupo (L. 14), fib<b>/r\a (L.21). Falha de
datilografia: sepante (L.9), deveria ser espante.

Folha 5
Tem 12 linhas. A mancha datiloscrita mede 101mm × 192 mm.
3 Testemunho T72

Antes da capa do processo, tem-se uma Solicitação de Kerton Bezerra enviada ao


Chefe da Censura de Diversões Públicas em Brasília125. Datiloscrito, em fita azul, texto
mimeografado a álcool, escrito no recto, em oito folhas numeradas de 1 a 6. No suporte há,
em todas as folhas, marcas do uso de perfurador e grampeador. No carimbo do Serviço de
Diversões Pública Censura, lançado na margem superior esquerda, há, em tinta azul e
manuscrito, a repetição da numeração das folhas e uma rubrica. Na capa do texto (L.10-13) e
na folha 1 (L. 27-32) há um carimbo, com assinatura em tinta azul, de Nino Guimarães, um
dos membros da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Este mesmo carimbo está no
testemunho Antônio, meu santo (T71), porém com outra assinatura, como se vê na figura 35.
Infelizmente, ainda não se obtém uma explicação, concreta, para este fato.

Figura 35 – Carimbos da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. À esquerda, testemunho de


Felismina Engole-Brasa (T72) e à direita testemunho de Antônio, meu Santo (T71)
Fonte: Acervo do Teatro Vila Velha126

Os trechos ou palavras cortadas pelo censor estão riscados, a lápis de cor vermelha,
alguns com a presença de traços na diagonal: (f. 4, L. 11-15); (f. 4, L. 29); (f. 4, L. 30-31); (f.
5, L. 14); (f.5, L. 15-16); (f. 5, L. 24-25); (f. 5, L. 27-31); (f. 5, L. 33-36); (f. 5, L. 38); (f. 6, L.
1-5); (f. 6, L. 7-9); (f. 6, L. 25-31).

125
A solicitação de Censura de Kerton Bezerra tem 13 linhas: L.1, destinatário da carta; L.2-7 tem-se o pedido
de censura ao texto da peça, L.8-12 assinatura de Kerton Bezerra e o número da carteira de identidade; L.13,
local e data (cf. anexo).
126
Fotografia digital por Ludmila Antunes de Jesus.
Capa
Consta de 26 linhas: L. 1, Teatro Livre da Bahia, Cordel nº 2; L. 2-4, o título da peça,
L. 5, indicação de quantidade de atos e autoria; L. 6, o título do folheto adaptado, A mulher
que pediu um filho ao diabo; L. 7 referência a Galdino Silva, autor provável do folheto
adaptado; L. 8-9 uma citação de Balsac “Faço parte da oposição chamada vida”; L.10-24,
listam-se os nomes das personagens; L. 25-26, local e data. A mancha datiloscrita mede
23mm × 117mm. Substituição por sobreposição escrita à mão em: BRA<Z>/S\A no título da
peça.

Folha 1
Há 41 linhas. A mancha datiloscrita mede 220mm × 165mm. Substituição por
sobreposição em: <r>/t\odinha (L.10), ped<a>/i\a (L. 33). Emenda datiloscrita, cancela a
palavra e acrescenta adiante: <maido> [marido] (L.13), mulher [,] (L. 40).

Folha 2
Tem 39 linhas. A mancha datiloscrita mede 215mm × 165mm. Substituição por
sobreposição em: <d>/e\ e (L.28), C<o>/u\m (L. 35). Emendas feitas à mão: mau <.> /,\ (L.
22), <A>[↑a]té (L.22), seja|preso (L.29), nenhum[↑a] (L. 34). Trechos sublinhados,
sumutaneamente, em tinta azul e a lápis, nas L. 8-12.

Folha 3127
Possui 44 linhas. Manchas e perfurações na margem superior direita. A mancha
datiloscrita mede 282mm × 193mm. Letra sobrepostas: f<i>/u\rada (L.20). Palavras
canceladas: L.11 e L.23. Emenda datiloscrita, com ressalva feita à mão, envolvendo a palavra
substituída: <ango> [↑anjo] (L.6). Falha de datilografia em já (L.1).

Folha 4
Conta de 42 linhas. A mancha datiloscrita mede 246mm × 162mm. Letras sobrepostas:
e<e>/x\ame (L.3), <v>/c\riança (L.24), lu<z>/a\ (L.38), Re<c>/d\onda (L.39), <e>/E\ (L.39).
Trechos em destaque feito à lápis de cor vermelha: L.11-15, L.29 e L.30-31.

127
Trata-se da mesma folha acrescida ao testemunho Tsd1 (vide Figura 31).
Folha 5
Possui 38 linhas. A mancha datiloscrita mede 220mm × 165mm. Letras sobrepostas:
c<c>/r\ianças (L.11), coca-<v>/c\ola (L.15), c<c>/r\iança (L.17), <a>/A\MIGA (L.24),
Br<r>/a\sil (L.28), <E>/G\récia (L.29). Destaque na cor vermelha feito a lápis, envolvendo
vários trechos: L.15-18, L.33-36 e, alguns cancelados com um traço vertical: L. 14, L.24-25,
outros com um grande X: L.27-31 L.38.

Folha 6
Com 38 linhas. A mancha datiloscrita mede 216mm × 160mm. Letras sobrepostas:
Mini<o>/n\o (L.8), <f>/F\errabrás (L.13), Jes<i>/u\s (L.16). Letras canceladas: L.25. Emenda
datiloscrita: <co†> (L.25), todo [,] (L.32), vírgula acrescentada à mão. Destaque na cor
vermelha feito a lápis, envolvendo vários trechos: L.7-9, outros com um grande X: L.1-5
L.25-31.

3.2.3.2 Classificação estemática

Considerando que João Augusto elaborava o primeiro texto da peça em papel jornal128
(Tsd1), e que os outros dois testemunhos foram mimeografado em papel ofício, um datado de
1972 (T72) e outro sem data (Tsd2), resta-nos, a partir da análise das variantes, verificar se o
testemunho não datado, Tsd2, está mais próximo do Tsd1 ou T72 . Assim, entre Tsd1 e T72,
há acréscimos, supressões e substituições129.
Verificou-se que o Tsd2 se aproxima mais do Tsd1, afastando-se do T72, conforme
ilustram os dois exemplos abaixo.
MULHER ― (cortando) Largue de ser atrevido. Você conte a minha estória, mas largue
de gozação.Vamos logo, desembucha, mas conte em riba das buchas. (Tsd1,
f.1r, L.8-10)

FELISMINA ― (Cortando) Largue de ser atrevido. Você conte a minha estória mas largue
de gozação.Vamos logo, desembucha, mas conte em riba da bucha. (Tsd2,
f.1,L. 8-9)

128
Conforme afirmou Bemvindo Sequeira em entrevista ao Grupo de pesquisa Edição de textos teatrais
censurados.
129
O único caso de deslocamento ocorreu entre T72 e Tsd2 não foi considerado na análise, pois o Tsd1 possui a
mesma folha que o T72, conforme trecho: DOUTOR ― (descobrindo) Será que você já maninhou? Será que
você é machorra, minha filha? Será? (T72, f. 3, L. 28-29) e Tsd2, conforme trecho: DOUTOR ― (Descobrindo)
Será que você é machorra? Será que você já maninhou, minha filha? Já? (Tsd2, f. 3, L. 12-13).
MULHER ― (cortando) Largue de ser atrevido. Orêia de abaná fogo, cabeça de batê
sola, pestana de porco ruivo, queixada de gravióla, canela de maçarico, pé de
macaco de angola! Você conte a minha estória, mas largue de gozação. Conte
a verdade todinha, e deixe de mangação. Largue desse desacato: cada qual é
que bem sabe − onde lhe aperta o sapato. Vamo logo, desembucha, mas conte
em riba das buchas. (T72, f. 1, L.7-12)

MULHER ―Inacio, eu que sei da minha dor. (Tsd1, f.1r, L13-15)

FELISMINA ―Inaço, eu que sei da minha dor. (Tsd2, f. 2,L 16)

MULHER ― Inaço, eu sei o que digo. E sei o eu quero ter. É necessário que o home
tenha chance de escolher, entre ser bom e ser mau, até mesmo quando
escolher, o que dizem ser o mau. Privar o home da escôlha - é tranformá-lo
em animal. Ninguém há que me oriente. Não há. E nem vai haver. Eu sou fria.
E eu sou quente. Estou por dentro. E por fora – como é que deve ser. Eu que
sei da minha dor. (T72, f.2, L21-26)

Nas supressões (9 réplicas) ocorrem três situações: (a) 1 ocorrência em que há


supressão de palavra; (b) 2 ocorrências em que há supressões de réplicas tanto no Tsd2 quanto
no T72 e (c) 6 ocorrências em que há supressão de réplicas somente no Tsd2. A partir dessas
situações, pode-se dizer que em (a) e (b), ou seja, 3 casos, Tsd2 se aproxima do T72, enquanto
em (c), 6 casos, Tsd2 se afasta tanto de Tsd1 quanto de T72. Vê-se, respectivamente, nos
exemplos abaixo.

(a) AMIGA 3 ― A imortalidade infantil, entre nós, é de 100 crianças para cada grupo
de mil. (Tsd1, f. 2v L30-31)
AMIGA 3 ― A imortalidade infantil, entre nós, é de 100 crianças para grupo de
mil. (Tsd2, f. 4, L. 14)
AMIGA 3 ― A imortalidade infantil, entre nós, é de 100 crianças para grupo de
mil. (T72, f.5, L.11-12)

(b) AMIGA 2 ― O amor e a fome governam o mundo. (Tsd1, f.3rº, L.4)


Não existe esta réplica (Tsd2)
Não existe esta réplica (T72)

(c) MULHER ― Seu padre, por Deus, se apresse, que tanto já me amofina.
(Tsd1, 3rº, L.33)
Não existe esta réplica (Tsd2)
MULHER ― Seu Padre, por Deus, se apresse, que tanto já me amofina
(T72, f. 6, L.20)
Nas substituições têm-se: (a) 5 casos que aproximam o Tsd2 de T72; (b) 2 casos de
aproximação entre o Tsd1 e Tsd2; (c) 3 casos de testemunhos divergentes.

(a) MARIDO ― Uma coisa é entender com a cabeça. Outra é o corpo responder.
(Tsd1, f.1vº L.17)
MARIDO ― Uma coisa é querer com a cabeça, outra é o corpo responder. (Tsd2,
f. 2, L. 9)
MARIDO ― Uma coisa é querer com a cabeça. Outra - é o corpo responder. (T72,
f.2, L.15)

(b) PARTEIRA ― Bichinho ousado êsse aqui. Pois eu vou é te pegar. (grita) Ai, peste
danado, quase que me arranca o polegar. Parece até um jaguar. Vôte,
monstro terrivel! Quem é tu, bicho voraz, que já antes de nascer, já tens
dentes pra morder? Es filho de Satanas. (Tsd1, f. 3rº, L. 21-24)
PARTEIRA ― Bichinho ousado êsse aqui. Pois eu vou é te pegar. (Grita) Ai, peste
danado, quase que me arranca o polegar. Parece até um jaguar. Vôte,
monstro terrível, quem és tu, bicho voraz? que já antes de nascer tens
dentes pra morder? ès filho de Satanás! (Tsd2, f. 4, L.32-35)
PARTEIRA ―Bichinho ousado êsse aqui. Pois eu vou é te pegar. (grita) AI, peste
danada, quase que me arranca o polegar. Parece até um jaguar! Minino,
antes do parto, na barriga já falando? Isto é coisa do diabo, se eu não
estou me enganando. Credo – em-cruz. Ave Maria. Deus do céu é que
me guia. Eu já estou me arripiando. Mulher tá prenha do cão. É arte de
Caifás. Vôte, monstro terrivel. Quem és tu, bicho voraz, que já antes de
nascer, já tens dentes pra morder? Es filho de Ferrabrás. (T72, f. 6, L.4-
10)

(c) Todos (cantam samba de roda “Oi, Inacio”) (Tsd1, L. 28. f.1r)
Todos (Dançam) (Tsd2, f.1, L.26)

(Marido sai. Ela só - )


São Gonçalinho, São Gonçalão
beba-se um vinho - e haja Função! (T72, f.1, L.29-31)

Assim, pode-se dizer que, a partir da análise das modificações entre os testemunhos
Tsd1 e T72, notou-se que: em 36 réplicas modificadas (34 acréscimo e 2 substituições) o Tsd2
se aproximou do Tsd1, enquanto que o Tsd2 se aproximou do T72 em apenas 8 réplicas
modificadas (3 supressões e 5 substituições) conforme mostra o quadro 4 e o gráfico (Figura
36):
MODIFICAÇÕES
ENTRE Tsd1 E ACRÉSCIMOS SUPRESSÕES SUBSTITUIÇÕES
T72
Quant. de réplicas 34 9 10
modificadas.
O Tsd2 se aproxima 3 réplicas aproximam 5 réplicas aproximam o
OBSERVAÇÕES do Tsd1, pois não Tsd2 e T72 Tsd2 de T72
apresenta estes 6 réplicas afastam Tsd2 2 réplicas aproximam
acréscimos. dos outros testemunhos. Tsd1 e Tsd2
3 réplicas afastam Tsd2
dos outros testemunhos.

Quadro 4 – Comparação das modificações entre Tsd1 e T72 e o grau de


aproximação entre o Tsd2

17,0% (9)

15,1% (8)

67,9% (36)

Quantidade de
Testemunhos réplicas

Tsd1 = Tsd2 36

Tsd2 = T72 8

Tsd1 ≠Tsd2 ≠ T72 9


Total de réplicas
modificadas 53

Figura 36 – Gráfico da relação percentual do grau de aproximação entre


Tsd2 e Tsd1, Tsd2 e T72
Desta forma, estabelece-se o seguinte estema:

Tsd1

Tsd2 α

T72

Figura 37 – Estema dos testemunhos de Felismina Engole-Brasa

4.2.3.3 Seleção do texto de base

Considerando o fato de que o Tsd1, por ser datilografado em papel jornal, é anterior ao
T72, e que o Tsd2, sem data, está mais próximo do Tsd1, elege-se, para o texto de base, o
T72, como sendo, este, o último texto em vida do autor.
4.2.3.4 Texto crítico e aparato
T72 Teatro Livre da Bahia – Cordel nº 2
FELISMINA ENGOLE-BRASA OU O INIMIGO DENTRO T72 FELISMINA ENGOLE – BRASA ou “O inimigo dentro”
Tsd1, Tsd2( não existe esta capa.)
1 ato de João Augusto
inspirado no folheto A Mulher que pediu um filho ao diabo, T72130
atribuído a Galdino Silva.

5 “Faço parte da oposição chamada vida”


(Balsac)

personagens:

Cantador T72131
Mulher (Felismina)
10 Marido (Inaço)
Doutor
Velha
Satanás
Filho
15 Amiga 1
Amiga 2
Amiga 3
Parteira
Vigário
20 Sacristão
Mulheres

Bahia de Todos os Santos – Cidade de Salvador – Terra do Senhor do Bonfim


junho de 1972

130
Traz o título entre aspas.
131
Neste testemunho tem-se hífen após todos os nomes das personagens (Cantador –).
Tsd1 FELISMINA ENGOLE BRASA Tsd2 FELISMINA
ENGOLE BRASA ou A MULHER QUE PEDIU UM FILHO AO
DIABO.
FELISMINA ENGOLE-BRASA OU O INIMIGO DENTRO Tsd2 De autoria de João Augusto, baseado em folhetos de
cordel

CANTADOR ―Eu agora vou contar, uma estória verdadeira, que fala duma mulher que Tsd2 contar (s.v.) Tsd2 história Tsd2 verdadeira (s.v.)
um dia fez asneira: pediu um filho ao diabo. O filho nasceu de rabo. Tsd2 fêz Tsd2 diabo, Tsd1. rabo- mordeu Tsd2 rabo e mordeu
Mordeu a mão da parteira. Esta mulher se chamava FELISMINA DE Tsd1 OROBO (s.a.) Tsd2 Felismina de Orobó, casado
5 OROBÓ – casada com Chico Inaço, do alto Cocorobó. Vivia a pobre, Tsd1 casa com Tsd2 casada (s.v.) Tsd1,Tsd2 Inaço (s.v.) Tsd2 Alto
Tsd2 pobre (s.v.) Tsd1, Tsd2 só. Quem
zangada, pois tanto tempo casada, nunca teve um filho só. (rindo) Quem Tsd2 sabe se seu
sabe que seu marido...

MULHER ― (cortando) Largue de ser atrevido. Orêia de abaná fogo, cabeça de batê Tsd1 MULHER ― (cortando) Largue de ser atraveido. Você
sola, pestana de porco ruivo, queixada de gravióla, canela de maçarico, pé conte a minha estória, mas largue de gozação. Vamos logo,
desembucha, mas conte em riba das buchas.
10 de macaco de Angola! Você conte a minha estória, mas largue de gozação. Tsd2 FELISMINA ― (Cortando) Largue de ser atrevido. Você
Conte a verdade todinha, e deixe de mangação. Largue desse desacato: cada conte a minha estória (s.v.) mas deixe de gozação. Vamos logo,
qual é que bem sabe – onde lhe aperta o sapato. Vamo logo, desembucha, desembucha, mas conte em riba da bucha.
mas conte em riba das buchas.

CANTADOR ― Chico Inaço era o marido, e quando falava com ela, era assim sempre Tsd1 Inácio Tsd2 marido (s.v.) Tsd2 ela (s.v.)
15 atendido. Tsd2 atendido:

MULHER ― Inaço – você entende que eu lhe sirvo de brinquedo? Eu zombo da Tsd2 Felismina 132 Tsd2 Inaço,
tempestade. Corisco a mim não faz medo. Você espere a desgraça – que ela Tsd2 tempestade, corisco Tsd2 mêdo Tsd2 desgraça que
hoje chega cedo. T72 cêdo

MARIDO ― Não fica desaforada. Quando falá comigo, não fica arrebatada. Se inchá Tsd1,Tsd2 fique Tsd2 desaforada,quando Tsd2 comigo (s.v.)
20 a minha veia – eu te passo logo a peia. T72 vêia Tsd1 veia, eu Tsd2 veia eu
Tsd2 lhe passo T72 pêia.

MULHER ― Oia só esse jibóia! Tsd2 Felismina Tsd2 Óia T72 êsse gibóia! Tsd1 giboia.
(s. a.)

132
No Tsd2 tem-se, sempre, a variante Felismina e nos outros testemunhos têm-se a variante Mulher.
MARIDO ― Cuidado, tirana bóia! Tsd2 Cuidado (s.v.) Tsd1 boia. (s. a.) Tsd2 bóia.

MULHER ― Não me ameace de peia, que me faz ficá danada. Eu num sou sua cativa. Tsd2 Felismina Tsd2 ameça de pia (s.v.) T72 pêia Tsd2 cativa.
Nem também sua criada. Quando eu dano – tu bem sabe – fico mais é nem Tsd1 tambem (s. a.) Tsd2 Quando eu digo Tsd2 sabe,
piorada.

5 MARIDO ― Felismina não te exalta. Tu deixa dessa imprudência. Vigie que a mió Tsd1 imprudencia. (s. a.) Tsd2 exalta, tu
virtude é calma com paciência. Tsd1 mulher virtude Tsd1 paciência (s.a.)

MULHER ― Não sou massa de araruta. Nem batata de anoê. Não choro sem apanhá. Tsd1 MULHER ― Deixa de manha comigo: vá duma vez se
Nem corro, sem vê de que. Deixa de manha comigo: vá duma vez se deitar. deitar. Me espere no pé da cama, enquanto vou me lavar. Hoje
eu quero aquele filho, que tô sempre a desejar.
Me espere no pé da cama, enquanto vou me lavar. Hoje eu quero aquele Tsd2 FELISMINA ― Deixa de manha comigo e vai duma vez te
10 filho, que tô sempre a desejar. deitar. me espere no pé da cama enquanto vou me lavar. Hoje
eu quero aquele filho, que tou sempre a desejar.

(Marido sai. Ela só : ) Tsd1 todos (canta samba de roda “Oi, Inacio”)
São Gonçalinho, São Gonçalão Tsd2 todos - (Dançam)
beba-se um vinho – e haja Função!

CANTADOR ― Felismina, todo dia, pedia um filho ao marido. Entrava dia e saía. Saía Tsd1, Tsd2 Felismina (s.v) Tsd1, Tsd2 todo dia (s.v.) Tsd1 saía –
saía, entrava ...e saía ...-e esse (s. a.) T72 êsse
15 entrava e safa, e esse filho não vinha. Depois de cada função, a pobre Tsd2 Entrava dia e saía, mas êsse filho não vinha. Tsd2 função (s.v.)
desanimada, esperava – mas em vão. Ficava desesperada – como leoa Tsd2 desanimada (s.v.) Tsd2 esperava mas Tsd2 desesperada como
ferida. Chorava, lamuriava. Se lamentava da vida. Tsd1 leôa Tsd1 lamuriava. (s.p.) Tsd1 vida. Lamenta-vá! Tsd2
ferida. Chorava Tsd2 lamuriava se lamentava da vida.

MULHER ― (poética) Eu sou como a terra seca. Espinhosa. Murcha. E êrma. Tsd2 FELISMINA Tsd1, Tsd2 ― Eu Tsd1, Tsd2, T72 sêca.
Senhor!...que a rosa floresça. Abra um canteiro de rosas no meu corpo de Senhor.... que Tsd1 rosa floreça
20 Tsd1 de rosa,
frieza. Eu toda quero meu filho – desde meu pé à cabeça.
Tsd1, Tsd2 frieza. (fim da réplica) T72 tôda

CANTADOR ― Felismina, todo dia, pedia um filho ao Senhor. Ela que era mulher, Tsd2 FELISMINA (s.v.) Tsd2 todo dia (s.v.) Tsd1, Tsd2 mulher
queria o fruto do amor. (s.v) T72 mulher [,]
MARIDO ― Mas pra que tanta desculpa? Sei lá de quem é a culpa? Sempre que você Tsd2 sempre
pede, eu compareço pra luta. Culpa? De mim, eu sei que não é. A Totonha Tsd1 pede – Tsd2 pede (s.v.) Tsd2 Culpa? de mim (s.v.) sei Tsd2 é ?
tá aí. Pode falar – se quiser. Tá também a Joaquina, filha do Pedro Mané. Tsd2 aí, pode T72 quizer Tsd1 falá se quizer Tsd2 falar se quiser, tá
Tsd1 de Pedro
Tôdas duas já penaram, pra de filho se livrar. Eu tô certo, Felismina – Tsd2 Tôdas Tsd2 penaram (s.v.) Tsd2 tou certo (s.v.) Tsd2 Felismina,
5 sempre estive em meu lugá. sempre Tsd2 no meu lugar. T72 Toda

MULHER ―Inaço, não me aperreie. Tu sempre fala certeiro. Vive falando e contando Tsd2 FELISMINA Tsd2 mas não me aperreia. Tsd1 Inacio (s.v.)
sua vida de sorteiro. Lezeiro! Tsd1 falano Tsd1, Tsd2 solteiro

MARIDO ― Ai, vida – que lida! Nega danada era a Joaquina – tanto se dava de T72133 Tsd2 Ai vida, que Tsd1 vida que lida. Tsd1, Tsd2, T72 Nêga
banda, como se dava de quina. A Totonha nem se fala...Tirava a roupa, a Tsd2 Joaquina! A Totonha Tsd2 fala! Eu é que ficava Tsd1 tirava
10 Tsd1 roupa (s.v.)
Totonha, e tirava sem vergonha. Eu que ficava tonto. Tanto. Enchí foi ela de Tsd2 Enchi (s.a.)
filho. A danada é que sabía – como relá um bom milho. Sabia não ter
vergonha. Sabía, como ninguém, valorizar a pamonha. Tsd1 sabia (s.a.) como

MULHER ― Inaço, tu pára, peste. Largue de tanto render. Tu deixa de pabulagem. Me Tsd2 FELISMINA Tsd1. Inacio Tsd1 pára (s.v.) Tsd2 tu para (s.a.)
Tsd2 Larga Tsd2 pabulagem, me respeite. Não se ve (s.a.)
respeite, não se vê? Hei de ter um dia um filho – conteça o que acontecer. Tsd2 filho. Conteça

15 MARIDO ― Uma coisa é querer com a cabeça. Outra – é o corpo responder. Tsd2 cabeça, outra é o corpo Tsd1 é entender com Tsd1 Outra é

CANTADOR ― Desesperada da vida, Felismina, sempre atenta, numa esperança fugaz Tsd2 FELISMINA (s.v.) Tsd1sempre atenda Tsd2 fugaz (s.v.)
com frases desconcertantes, como quem perdeu a paz – disse um dia Tsd2 desconcertantes (s.v.)
Tsd1,Tsd2 enviezada.
enviezada:

MULHER ― Hei de ter um dia um filho – nem que for com satanás! Tsd2 FELISMINA Tsd2 filho, Tsd2 fôr Tsd1 satanaz.
Tsd2 satanáz. T72 satanaz (s. a.)
20 MARIDO ― Mulher tu toma tenência. Veja o que diz – o que faz. Fica falano besteira, Tsd1 tenencia (s. a.)Tsd2 temência, veja Tsd2 diz, Tsd2 Tu fica
depois tu mesmo te trái. Tsd1 besteira. Depois Tsd2, Tsd1 tu mesma Tsd1,Tsd2 trai (s. a.)

133
Marcas do censor nos seguintes trechos: tanto se dava de banda, como se dava de quina (f. 2, L.8-9); Tirava a roupa, a Totonha, e tirava sem vergonha (f.2, L.9-10);
Enchi foi ela de filho (f.2, L.10); como relá um bom milho. Sabía, como ninguém, valorizar a pamonha (f.2, L.11-12).
MULHER ― Inaço, eu sei o que digo. E sei o que quero ter. É necessário que o home Tsd1 MULHER ― Inacio, eu que sei da minha dor. (fim da
tenha chance de escolher, entre ser bom e ser mau, até mesmo quando réplica) Tsd2 FELISMINA ―Inaço, eu que sei da minha dor.
(fim da réplica) T72 escôlha
escolhe, o que dizem ser o mau. Privar o home da escolha – é transformá-lo
em animal. Ninguém há que me oriente. Não há. E nem vai haver. Eu sou
5 fria. E eu sou quente. Estou por dentro. E por fora – como é que deve ser.
Eu que sei da minha dor.

MARIDO ― Sabe de uma coisa? Vá procurar um doutor! Tsd1 Sabe, Tsd2 coisa: vai Tsd1,Tsd2 doutor.

BLACK Tsd1,Tsd2 (não existe esta segmentação de cena)

MULHER ― (rezando) Justo Juiz de Nazaré, filho da Virgem Maria, que em Belém Tsd1,Tsd2 (não existe esta segmentação de cena)
10 fostes nascido entre as idolatrias – eu vos peço Senhor – pelo vosso sexto
dia, que meu corpo não seja preso, que meu corpo todo se abra, que meu T72 prêso
corpo esteja exposto, aberto – ao sol, ao mar, à luz e à vida. Amém. T72 expôsto

DOUTOR ― Santa Sofia tinha três filhas. Uma fiava. A outra – tecia. Outra falava Tsd1,Tsd2 (não existe esta segmentação de cena)
demais. Se perdia. Perguntei: Santa Sofia, esse mal com que curaria? T72 êsse

15 MULHER ― Que respondeu Santa Sofia? Tsd1,Tsd2 (não existe esta segmentação de cena)

DOUTOR ― Cum reza nenhuma. Só com palavra de homem, na hora da Ave Maria. Tsd1,Tsd2 (não existe esta segmentação de cena)

MULHER ― Cum Reza nenhuma... ai, infeliz que sou... Tsd1,Tsd2 (não existe esta segmentação de cena)

DOUTOR ― Minha filha, pessoa que vive se queixando-se de ser caipora, está Tsd2 caipora (s.v.) Tsd2 sorte. Só atrai (s. a.)
atraindo má sorte. Deixe-se disso. Só atrái coisa ruim. Bem... vamo lá. Tsd1 ma (s. a.) sorte. Tsd1 atrai (s. a.) Tsd1 vamos lá. Tsd1caso
- quando Tsd2 Bem... Vamos ver o seu caso- quando
20 Vamos ver seu caso. Quando foi que se casou-se?

MULHER ― Faz tempo já, seu doutor. Tsd2 FELISMINA Tsd1,Tsd2 já (s.v.) Tsd1134

134
A partir desta réplica o Tsd1 traz o mesmo texto que o T72.
DOUTOR ― A data. A hora. O dia. Isso é que tem valor. Seu casamento... tudo Tsd2 A data, a hora, o dia. Tsd2 seu casamento...
indica...foi é no quarto minguante. Isso dá azar na vida. Vai ver também, Tsd2 indica (s. ret.) Tsd2 também (s.v.)
você dorme núa. É. Nunca se deve dormir nú. É. O anjo da guarda Tsd2 nua. (s. a.) Tsd2 nu. (s.a.)
Tsd2 já? quem é que
abandona a gente. Já imaginou? E já? Quem que pode viver sem anjo da
5 guarda?

MULHER ― Não sou divertida. Meu anjo me guarda. Sempre durmo vestida. Tsd2 FELISMINA Tsd2 divertida, meu Tsd2 guarda. (fim da
réplica)

DOUTOR ― Vai ver então... colocou a mão sobre a pedra do altar – na hora que se Tsd2 altar na hora em que se casou-se Tsd1, Tsd2, T72 sôbre
casou-se. Isso é horrível. Quem faz assim não tem filho. Não? Então... já sei Tsd2 jás
– ao nascer não lavaram você em cuia. Foi. Foi isso. Vai vê foi. Não? Ah! Tsd2 Foi, foi isso, vai ver foi.
Tsd2 “costume” vem sempre certo?
10 Seu “costume”, seu “regulamento” vem sempre certo?

MULHER ― Sempre, doutô. O “mês” vem sempre certo. Tsd2 FELISMINA Tsd2 doutor. Tsd2 mês (s. aspas)

DOUTOR ― Ih... seu marido – não é ingalicado? Tsd2 Ih, seu Tsd2 marido não

MULHER ― De jeito nenhum. Tsd2 FELISMINA Tsd2 ―de jeito

DOUTOR ― E você, minha filha, vai ao mato com freqüência? Tsd2 você (s.v.) Tsd1, Tsd2, T72 frequência (s. a.)

15 MULHER ― Certinho. Tsd2 FELISMINA

DOUTOR ― Já teve jarerê nas partes pudibundas? Tsd2 jarere (s. a.)

MULHER ― Nunca. Tsd2 FELISMINA

DOUTOR ― Teve jato renitente?

MULHER ― Cuma? Tsd2 FELISMINA


DOUTOR ― Jato renitente. Correnças em frôxo maior, quando vai à cadeira furada, Tsd2 em frouxo Tsd2 vai a cadeira
ou ao mato, já? Tsd2 ou no mato

MULHER ― Cuma, doutô? Tsd2 FELISMINA

DOUTOR ― Minha filha, num me obrigue a falá prosaico, a falá grosseiro. Eu sou um
5 doutor! (decidido) já teve diarréia? Tsd2 (Decidido) Já

MULHER ― Nunca. Tsd2 FELISMINA Tsd2 Nunca!

DOUTOR ― Teve lomba? Lezeira? Tsd2 lezeira

MULHER ― Nho, não. Tsd2 Nhô (s.v.) não!

DOUTOR ― (descobrindo) Será que você já maninhou? Será que você é machorra, Tsd2 (Descobrindo) Será que você é machorra? Será que você
10 minha filha? Será? já maninhou, minha filha? Já?

MULHER ― (arrasada) Machorra, doutor? (chorando) Maninha... égua que não dá Tsd1, Tsd2, T72 arrazada Tsd2 FELISMINA – (Arrazada)
cria...não é? Machorra (s.v.), doutor (olhando) Tsd2 dá cria... (fim da
réplica)

DOUTOR ― (consolando) Não se aveche. Nem desencante. A madre do seu corpo Tsd2 (Consolando) Tsd2 aveche, nem desencante.
deve ter algo(.) É. É isso. Mas não fique triste. Compreendo a sua dor. T72 algo (s.p.)
15 Hoje, mais do que nunca, as mulheres devem saber receber o sêmem. E Tsd2 sáber
devem saber – mais do que nunca – engendrar com ele a criatura, pra Tsd2 saber mais Tsd2 nunca engendrar T72 êle
Tsd2 genero (s. a.) Tsd2 Hoje mais
conservação do gênero humano. Hoje – mais do que nunca – corremos o
perigo de extinção. Extinção da raça humana. Escute aqui – andou tomano
Tsd2 da extinção, extinção Tsd2 tomando
essas pirlas?

20 MULHER ― Mas eu, doutô? Tsd2 FELISMINA Tsd2 doutor


DOUTOR ― Bem... nunca se sabe... Por engano. Por arte. Por acaso. Caos. Caso e Tsd2 Mas.. .nunca se sabe... por engano.
acaso. Olha. Olha, deve ser afogação. Sufocação da madre. É! Já teve Tsd2 acaso. Olha deve ser afogação, sufocação T72 é. Tsd2 É
madre-de fora? Madre caída? Emborcada? Tsd2 madre de fora Tsd2 madre caída? emborcada?

MULHER ― Não, doutô. Tsd2 FELISMINA Tsd2 Não (s.v.) doutor.

5 DOUTOR ― Seu marido... já teve moléstia do mundo? Tsd2 Seu marido, já

MULHER ― Não que eu saiba.

DOUTOR ― Bem... minha filha... Seja franca. Sincera. Você... você foi “ofendida”? Tsd1 Bom ... Tsd2 bem... Tsd1 seja franca, sincera. Tsd2 seja franca,
seja sincera. Você foi ofendida? (s. aspas) Tsd1 ofendida?

MULHER ― Oxen! Casei virge, doutor. AH! Demóra muito ainda? Tá me dando uma Tsd2 Felismina Tsd2 Oxen, casei virge. Tsd1, Tsd2 Ah, demora
agonía esse exame. Não sei se agüento. Detesto regionalismo! Tsd1, Tsd2 agonia (s. a.) Tsd2, T72 êsse Tsd1,Tsd2, T72
aguento (s.a.) Tsd2 detesto Tsd1, Tsd2 regionalismo.
10 DOUTOR ― Paciência. Paciênça. E “passarinha”, já teve? Tsd1 Paciencia. Paciencia (ambos s. a.) T72 Paciência.
Paciencia (s. a.) Tsd1, Tsd2 “passarinha” (s.v.)
MULHER ― Ó Filho de Meneceu poupa-me! Ó Senhor! Ó Zeus! Ó Loxas! Oxalá, Tsd2 FELISMINA Tsd1, Tsd2 filho Tsd1 poupa-me. Tsd2 Meneceu.
Poupa-me. Tsd2 Ó senhor, Tsd1, Tsd2 ó Zeus. Tsd1 ó Loxas! Tsd2
meu pai. Ó Celeste Atena! Saravá Alá! Oxalá (s.v.) T72 ó (em todos) Tsd1 O (s. a.) celeste Tsd2 Atena.
DOUTOR ― Calma, calma, minha filha. Eu vou cuidar do seu caso. Aonde é que Tsd2 ― calma, Tsd1 de seu Tsd1 caso. Agora pode ir. É por
mora pra atendimento. Onde? alí. Tsd2 caso. Agora pode ir. (fim da réplica)

15 MULHER ― Na terra a que chamam a Fócida. No ponto em que se encontram as Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica).
estradas que vem de Delfos e de Daulia. Em Pernambués.

DOUTOR ― Anotei. Bom... Hoje mesmo vamo começar. Agora. Olhe. Pegue um T72135
pinto. Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica).

MULHER ―Um pinto? T72136


Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica).

135
Corte da Censura: pegue um pinto (f. 4, L. 11).
136
Corte da Censura: Um pinto? (f. 4, L. 12).
DOUTOR ― Sim. Pegue o pinto no momento em que ele... em que ele sair da casca T72137
do ovo. E faça com que ele dê o primeiro pio dentro da sua boca. Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica). T72 ôvo T72 êle

MULHER ― Dentro da boca? T72138


Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica).
DOUTOR ― Só vale se for assim. Vá por mim. Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica).

5 CANTADOR ― Qual no mundo é a mulher, que um filho lindo não quer? Só uma mulher Tsd2 mulher (s.v.) Tsd1, Tsd2 quer? Felismina tinha razão.
ruim, que não possui coração, só uma mulher sem alma, uma mulher sem Tsd1 inocente (s.v.)
paixão – é que não ama a criancinha – esta inocente avezinha que nos dá Tsd1 ama-lo (s. a.) Tsd2 aternamente, porém, Deus assim, não quis.
Tsd1 quis. Desesperada da vida, numa súplica terrivel, (s.a.) falou
tanta emoção! Felismina tinha razão. Só queria ser feliz. Queria um ente numa coisa horrivel: pediu um filho a satanaz
inocente, para amá-lo eternamente. Porém, Deus... assim não quis. Tsd2 quis. Desesperada da vida, numa súplica terrível, falou uma
coisa horrível: pediu um filho Satanáz.
10 MULHER ― Oh, vida! OH, triste vida! Deus do céu, ouví meu brado. Vós que sois Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica).
abnegado daí-me a criança pedida!

VELHA ― É bom que ocê queira filhos. Mas se não tem, por que essa ânsia toda? Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica). T72 tôda

MULHER ― Essa ânsia por um filho... Morro sonhando com isso. Cheia. Cheia. Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica). T72 ansia (s. a.)
Pesada. Emprenhada. Prenha!

15 VELHA ― O importante no mundo é deixar-se levar pelo tempo. Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica).

MULHER ― Não penso no amanhã. Penso no hoje. No agora. Agora e na hora. Olha Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica).
aqui, estás velha, minha velha, e vês tudo como um livro lido. Eu penso que T72139
T72 sêde
tenho sede e não tenho liberdade. Quero um filho nos braços para dormir
tranqüila. (para si) cheia. Pesada. Prenha. Ah, esse pesadelo, esse fantasma T72 tranquila
sentado, anos e anos, em meu peito.

137
Corte da Censura: Sim até boca (f. 4, L. 13-14).
138
Corte da Censura: dentro da boca (f. 4, L. 15).
139
Corte da Censura: Agora e na hora (f. 4, L. 29), eu penso até liberdade (f. 4, L. 30-31).
CANTADOR ― Desesperada da vida, numa súplica terrível, falou numa coisa horrível: T72 terrivel (s. a.) Tsd1, Tsd2 não existe esta réplica.
pediu filho a satanás. T72 satanaz (s. a.)

SATANÁS ― Deixe comigo e verás. T72 SATAN Tsd2 Deixa Tsd1 verás!

BLACK Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica).

5 MULHER ― Estamos na lua nova. Quando chegar a outra lua – eu já estarei cheia. Tsd2 FELISMINA Tsd2 lua eu Tsd2 cheia, redonda e cheia,
Redonda. E cheia. Pesada. Prenha. pesada e prenha.

Tsd1 Desfilam as grávidas Tsd2 (não existe esta indicação.)


Desfilam mulheres grávidas num “sonho”.
As mulheres preparam Felismina.

CANTADOR ― Um dia, naquela hora, sentiu uma coisa estranha: algo anormal, Tsd1, Tsd2 vendo
10 diferente, movia na sua entranha. A barriga foi crescendo. E ela foi logo
veno que aquilo não era banha.

MULHER ―Virge Maria – tô prenha!

BLACK: FELISMINA E O ENXOXAL T72 Black : Felismina e o enxoxal. Tsd1, Tsd2 (não existe esta
segmentação de cena.)
AMIGA 1 ― Ô de casa. Vou entrar. A boa nova que ouví, vim aqui pra confirmar. T72,Tsd1 ô de casa Tsd1, Tsd2 ouvi (s. a.) Tsd1, Tsd2, T72 bôa

15 MULHER ― Entre logo e se abanque. Se chegue e não se espante. Tsd2 FELISMINA

AMIGA 1 ― Eta Brasil velho de guerra! Venha de lá um abraço! Filho de onça nasce Tsd1, Tsd2 guerra. Tsd1 abraço. Filho Tsd2 abraço .filho
com pinta que nem a mãe.

AMIGA 2 ― Amo as crianças e acredito que ver crescerem os filhos é a coisa mais
maravilhosa com que uma mulher pode sonhar.
AMIGA 3 ― A imortalidade infantil, entre nós, é de 100 crianças para cada grupo de Tsd2 mortalidade infantil
mil.

AMIGA 1 ― Oxente, que que tem a ver a água do joelho com a seca do Ceará? Tsd2 Oxente, o que T72, Tsd1 agua (s. a.) T72 sêca

5 AMIGA 2 ― Mãe! Divino! (para a la) Crótalo! Tsd1, Tsd2 Mãe divino! Cretino! T72140

AMIGA 3 ― Mãe! Olho e fôlego! Olho e fôlego, enquanto guaraná não for coca- cola! Tsd2, Tsd1 fôlego. Olho Tsd1, Tsd2 folêgo – enquanto Tsd2
fôr Tsd1, Tsd2 coca-cola. T72 folêgo! Olho e folêgo, T72141

AMIGA 1 ― God bless the children! Não se esqueça, Felismina, desde os primeiros T72 142 Tsd1 God blese the children! (fim da réplica) Tsd2
passos de sua educação a criança deve experimentar a alegria da GOD bless the childreen! (fim da réplica)
DESCOBERTA.

10 AMIGA 2 ― Mãe! A criança! Da forma nasce a idéia. (para a la) Crótalo! Tsd1,Tsd2 AMIGA 2― Da forma nasce T72, Tsd1 ideia (s.
a.) Tsd2 idea. (fim de réplica) Tsd1 ideia (fim de réplica)
AMIGA 3 ― Facilmente aceitamos a realidade. Talvez porque intuímos que nada é Tsd1 ― (euforica) Nada é real. Nada é real!
real. Tsd2 (não existe esta réplica.) T72 intuimos (s. a.)

AMIGA 1 ― Quando se pretende viver de si para si – sente-se tédio sempre. A fossa. Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica.)
Não há prazer senão nos outros. Só há prazer social. Ai, a vida social!

15 AMIGA 2 ― Crótalo! T72 143 Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica.)

AMIGA 3 ― O amor e a fome governam o mundo! T72 144 Tsd1 Amiga 1 ― O amor e a fome governam o mundo. /Amiga
2― O amor e a fome governam o mundo./ Amiga 3― O amor e a fome
governam o mundo. Tsd2 (não existe esta réplica.)

140
Corte da Censura: Crotálo (f. 5, L.14).
141
Corte da Censura: enquanto guaraná não for coca- cola! (f. 5, L. 15).
142
Corte da Censura: God até DESCOBERTA. (f. 5, L. 16-18).
143
Corte da Censura: Crótalo (f. 5, L. 24).
144
Corte da Censura: O amor e a fome governam o mundo! (f. 5, L. 25).
AMIGA 1 ― Mãe! Ser mãe é padecer no paraíso. É desfiar fibra por fibra o coração... T72 paraiso (s. a.) Tsd1(não existe esta réplica.) Tsd2 Mãe, ser mãe é
padecer num paraíso, e desdobrar fibra por fibra...

AMIGA 2 ― Crótalo é a serpente que conhecemos com o nome vulgar de cascavel, Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica.) T72 145
sendo muito abundante no Brasil. Seu nome científico é derivado do grego.
Na Grécia também há muita serpente. Cada!

5 AMIGA 3 ― A primeira nave espacial 93% brasileira (1987) espalhará, para deus-e-o Tsd1, Tsd2 (não existe esta réplica.) T72146
mundo A Banda e a protofonia de O Guarany!

CANTADOR ― Numa noite, Felismina, triste como a noite fria, uma voz ouviu dizer: Tsd1,Tsd2 Numa noite (s.v.)

FILHO ― Mãe! Me bote pra fora. O calor aqui devora. Estou sentindo agonia. T72 147 Tsd1 Mãe. Tsd2 Mãe, me Tsd1, Tsd2 pra (s. a.) Tsd2
fora, que o calor T72 aqui aqui T72 prá

CANTADOR ― Era uma coisa medonha. Na barriga o tróço mau, esperneava e pulava. Tsd2 era Tsd2 medonha, na barriga Tsd1, Tsd2 troço (s. a.)
10 Dizia: mau (s.v.) Tsd2 pulava, dizia: T72148

FILHO ― Que coisa pau. Eu quero sair daqui. Ainda hoje não comí. Quero um Tsd1,Tsd2 não comi. (s. a.)
balde de mingau.

CANTADOR ― Um ano de gravidez Felismina suportou. E quando chegou o tempo, a Tsd1 gravidez,
grande dor lhe apertou. O trem dentro da barriga, dizia: T72 dôr Tsd1, Tsd2 barriga (s.v) T72149

15 FILHO ― Quanta lombriga! Heureca – a hora chegou! Tsd1 lombriga. Heuréca Tsd2 (não existe esta réplica.) T72150

CANTADOR ― Esperniou lá no ventre, que a mãe chegava a gritar: Tsd2 (não existe esta réplica.) T72151

145
Corte da Censura: Crotálo até Cada! (f. 5, L. 27-29).
146
Corte da Censura: A primeira até Guarany! (f. 5, L. 30-31).
147
Corte da Censura: Mãe até agonia. (f. 5, L. 33).
148
Corte da Censura: Era até mingau. (f. 5, L. 34).
149
Corte da Censura: O trem dentro da barriga, dizia: (f. 5, L. 38).
150
Corte da Censura: Quanta lombriga! Heureca – a hora chegou! (f. 6, L. 1).
151
Corte da Censura: Esperniou lá no ventre, que a mãe chegava a gritar: (f. 6, L. 2).
MULHER ― Bahia! Bahia! Bahia! Tsd1 ― Bahia. Bahia. Bahia. Tsd2 (não existe esta réplica). T72152

FILHO ― Diga à parteira que não venha me pegar, senão eu mordo a mão dela. E Tsd2 a parteira (s. crase) T72153
pode dizer a ela que sei por onde passar. Tsd2 que eu sei

CANTADOR ― A parteira, de teimosa, insistiu e disse assim: Tsd2 parteira (s.v.)

5 PARTEIRA ― Bichinho ousado esse aqui. Pois eu vou é te pegar. (grita) AI, peste Tsd2 (Grita) Tsd1, Tsd2 Ai, peste T72154 Tsd1, Tsd2, T72 êsse
Tsd1 jaguar. Vôte, monstro terrivel! (s. a.) Quem é tu, bicho voraz,
danado, quase que me arranca o polegar. Parece até um jaguar! Minino, que já antes de nascer, já tens dentes pra Morder? Es (s. a.) filho de
antes do parto, na barriga já falando? Isto é coisa do diabo, se eu não estou Satanas.(fim da réplica) Tsd2 jaguar. Vôte, monstro terrível, quem és
me enganando. Credo-em-cruz. Ave Maria. Deus do céu é que me guia. Eu tu bicho voraz? que já antes de nascer tens dentes pra morder? ès filho
de Satanás!
10 já estou me arripiando. Mulher tá prenha do cão. É arte de Caifás. Vôte,
monstro terrível. Quem és tu, bicho voraz, que já antes de nascer, já tens T72 terrivel (s. a.)
dentes pra morder? És filho de Ferrabrás.

CANTADOR ― Quando o vigário chegou, disse para o sacristão: Tsd1 vigario (s. a.) Tsd1 sacristão. Tsd2 Sacristão

VIGÁRIO ― Segure aí o rosário, que eu vou espantar o cão. Façam o sinal da cruz. T72, Tsd1, Tsd2 VIGARIO (s. a.) Tsd2 rosário (s.v) Tsd2 cruz,
15 Chamem o nome de Jesus. Invoquem de coração. chamem o nome de Jesus, invoquem

TODOS ― Jesus Cristo, Jesus Cristo, Jesus Cristo eu estou aqui! Tsd1 Jesus Cristo. Jesus Cristo. Jesus eu estou aqui. Tsd2 Jesus
Cristo, Jesus Cristo. Eu estou aqui.

CANTADOR ― E pegou a água benta e jogou em Felismina. Esta deu um grande grito e T72 felismina. Tsd1 da agua (s. a.) Tsd2 (não existe esta
disse, que triste sina: réplica.)

MULHER ― Seu Padre, por Deus, se apresse, que tanto já me amofina. Tsd1 por Deus (s. v.)
Tsd2 (não existe esta réplica.)

152
Corte da Censura: Bahia! Bahia! Bahia! (f. 6, L. 3).
153
Corte da Censura: Diga até passar (f. 6, L. 4-5).
154
Corte da Censura: Bichinho até falando? (f. 6, L. 7-9).
CANTADOR ― O padre se ajoelhou. Fez o mesmo o sacristão. E o capeta saiu Tsd1 Sacristão. Tsd2 ajoelhou, fêz Tsd2 sacristão (s.p.) e o
pinoteando no chão. Tinha dois chifres na testa. Um rabo muito comprido. capeta
Tsd2 Padre Tsd1 fazendo sinal
Os seus olhos cintilavam. O padre já previnido, fazendo o sinal da cruz,
disse:

5 VIGÁRIO ― Em nome de Jesus, diabo, estás vencido! T72, Tsd1, Tsd2 VIGARIO (s. a.)

FILHO ― (triste) Restam as foto-novelas e as novelas de TV. É o que resta hoje Tsd1 Filho ― (nasce e canta a Marselhesa) (fim da réplica)
em dia como narrativas puras para o público, que só entende a arte como Tsd2 (não existe esta réplica.)
representação. Quem quiser que aproveite, porque as histórias vão acabar. T72 quizer
T72 sôbre T72155
Com o que se lê nas revistas e jornais sobre a prática, já comum do
10 genocídio, seria bom acreditar que fossem invenções fantásticas. Levi
Strauss diz que o Epos virou Fábulas. E agora a fábula vai virar o que?
Quod Eramus Demonstradum! (sai)

CANTADOR ― Dentro da casa ficou, quase todos, assombrados. Ele deixou após si, um Tsd2 todos (s.v.) Tsd1, Tsd2 si (s.v.)
cheiro amaldiçoado. Todos sentiram de chofre, fedor de chifre, de enxofre e Tsd2, T72 chôfre Tsd2 chifre e enchofre Tsd1 de enfôfre T72
enxôfre Tsd1 nisso (s.v) Tsd1 la (s. a.) Tsd2, T72 ôvo
15 casca de ovo queimado. Senhores vou terminar esta minha narração. Por Tsd2 queimado. Bem senhores aqui termina nossa narração,
falar nisso, lá fora, na entrada do teatro, tem – em resumo o relato. Quem solicita aos presentes uma pequena contribuição, quem não der
não comprar o livrinho, vai sofrer perseguição: qualquer filho que tiver, por um dinheirinho vai sofrer pirsiguição, qualquer filho que tiver
ordem de Lucifer, nasce aleijado ou anão! por ordem de Lucifer, seja homem ou mulher, nasce aleijado ou
anão! Tsd1 anão. T72156

155
Corte da Censura: (triste) até (sai) (f. 6, L. 25-31).
156
Optou-se por conservar Lucifer sem acento por questão de rima interna.
4.2.4 Quem não morre num vê Deus

Quem não morre num vê Deus fazia parte do espetáculo Um, Dois, Três Cordel
(1974), apresentado na Feira da Bahia, porém a Censura impediu a apresentação deste texto
no espetáculo. Em 1977, João Augusto faz algumas alterações no texto da peça e encaminha,
novamente, para a censura, mas não obtém sucesso; a peça é, outra vez, proibida.
A encenação de Quem não morre não vê Deus só foi possível, na Bahia, em 1981,
com direção de Bemvindo Sequeira, no espetáculo Yes, nós temos Cordel, pelo Teatro Livre
da Bahia, e, em 2003, com direção de Márcio Meirelles, no espetáculo Oxente, cordel de
novo?, pelo Teatro dos Novos.
Nos Acervos, encontraram-se quatro testemunhos datilografados: dois testemunhos
datados e dois testemunhos sem data. Entre os testemunhos datados têm-se: Quem não morre
num vê Deus, completo, e com data de julho de 1974 (T74) e Cordel 5, incompleto, datado de
janeiro de 1977 (T77). Os dois textos não datados apenas um foi encaminhado à Censura.
O texto encaminhado à Censura traz, na referência abaixo, uma possível datação.

APRESENTADOR ― O Almanaque do Teatro Livre para 1980 apresenta


(a)gora/com muito orgulho e saudade: “QUEM NÃO
MORRE NÃO VÊ/ DEUS”, de João Augusto, em
homenagem a Zé Limeira e de-/dicado por João a
Roberto Santana e o Quinteto Violado,/ que o fizeram
descobrir o poeta paraibano. Com vocês/ “QUEM NÃO
MORRE NÃO VÊ DEUS”! (f. 2, L. 1-6)

Observa-se, nesse trecho, que o texto foi feito para o Almanaque do Teatro Livre da
Bahia em 1980, um ano depois da morte de João Augusto, tratando-se, pois, de uma
encenação póstuma, doravante T80. Segundo Harildo Deda (2006), este testemunho foi
encaminhado para a Censura por Bemvindo Sequeira para o espetáculo Yes, nós temos
Cordel, que era baseado em almanaques populares com texto de João Augusto e Bemvindo
Sequeira157.
No outro testemunho tem-se a seguinte anotação:
TEATRO LIVRE DA BAHIA

“QUEM NÃO MORRE, NÃO VÊ DEUS”.

Baseada em versos de Zé Limeira


de João Augusto

157
Informação verbal do professor Harildo Deda, concedida, em entrevista, a Ludmila Antunes de Jesus, no dia
13 de março de 2007, na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia.
Salvador, 1972

Inédita, enquanto João Augusto vivo. / Encenada pela 1ª vez no Teatro Vila
Velha, em 1981, com direção/ de Benvindo Sequeira, pelo Teatro Livre da
Bahia, no espetáculo /“Yes nós <v>/t\emos Cordel”./ Homenagem de João
Augusto ao ex -capitão Carlos <C>/L\amarca./ Antes de 1981 foram feitas 4
tentativas de montagem, sem sucesso/ de consecução, por motivo diversos.
Dois deles, por censura. (f. 2, L. 1-12)

Considerando que o primeiro texto de Quem não morre num vê Deus foi encaminhado
para a censura em 1974, acredita-se em duas hipóteses: primeiro, a possibilidade de haver um
equívoco, ou seja, provavelmente, data-se de 1982 e não 1972; segundo, a possibilidade de
esta ser a data de feitura/elaboração do texto da peça, e quem datilografou, colocou esta
informação. No entanto, nenhuma das duas possibilidades nega o fato de ser este um
testemunho elaborado após a morte de João Augusto, pois traz a informação de que a peça foi
“Inédita, enquanto João Augusto vivo”, o próprio João Augusto não escreveria isto no seu
texto. Desta forma, Quem não morre não vê Deus, doravante T81, trata-se, também de um
texto póstumo. Embora póstumo, o T81 é um componente importante para reconstruir a
tradição do texto de João Augusto, pois é o único testemunho que traz a informação da
homenagem ao Capitão Carlos Lamarca158.
Após esta análise, procedeu-se a comparação entre os testemunhos, observando o
enredo, as personagens e as réplicas, a fim de verificar o nível de aproximação entre os
testemunhos produzidos em vida do autor e os póstumos. Márcio Meirelles, no site do Teatro
Vila Velha (2008), publicou um trabalho similar a este, em que compara os quatros
testemunhos e disponibiliza na íntegra o texto da peça, elaborado por ele com algumas
modificações.159

O texto que vai aqui editado é o que montamos, com as opções que fizemos
e pequenas correções ortográficas e de pontuação. Todas as variações entre
as três cópias – exceto aquelas que, evidentemente, são erros de datilografia
– e as alterações que fizemos estão registradas em notas para que outros
encenadores ou grupos, que queiram montá-lo, possam também fazer suas
opções. Achamos que seria o correto.

O trabalho de Meirelles é uma iniciativa importante, pois revela que dentro da área de
Teatro já há esta preocupação em mostrar as várias versões de um texto. Entretanto, no

158
Bemvindo Sequeira, em entrevista ao Grupo de edição de textos teatrais censurados, no dia 29 de agosto de
2007, confirmou esta informação.
159
Cf. a comparação entre os testemunhos e o texto Quem não morre num vê Deus, na íntegra, no Acervo do
Teatro Vila Velha.
trabalho em Crítica Textual, o texto póstumo só deve ser tomado na comparação dos
testemunhos, quando não se tem o(s) original(is), como é o caso da última folha do T77 que
está perdida. Neste caso, fez-se a comparação dos quatro testemunhos para que na edição,
apenas desta folha perdida, tomasse, como base, um dos textos não datados.
Desta forma, na comparação entre os testemunhos, obtiveram-se os seguintes
resultados: os quatros textos possuem mesmo enredo e personagens. Diante disso, fez-se o
confronto a partir das réplicas como mostram alguns exemplos no quadro abaixo:

ANO 1974 (T74) 1980 (T80) 1977 (T77) 1981 (T81)


HONORATO HONORATO Cena I Cena I
―(chamando) Donana. ―Donana. Chico.
Chico. Antenisca. Rosa Antenisca. Em casa de Em casa de
Choque – ô gente! Rosa Choque – ô Antenisca: Antenisca:
R Venham todos aqui. gente! Venham
Depressa. Depressa! todos aqui. depressa.
É
P ROSA ―O que foi, o ROSA ― O que foi? ANTENISCA ―Se ANTENISCA ―Se
que foi que houve? o que foi que houve? abanquem. Vieram abanquem. Vieram
L juntas? juntas?
I HONORATO HONORATO ROSA ―As duas. ROSA ―As duas.
C ―Donana! ―Donana!
DONANA ―Tô indo. DONANA ― Tô MARIA ―Só num MARIA ―Só num
A indo. quero é que mãe quero é que mãe
saiba que eu vim. saiba que eu vim.
S
ANTENISCA ―O que ANTENISCA ―O ROSA ―Tá bom. ROSA ―Tá bom.
foi, Honorato? Este fimque foi Honorato? Pode começá Dona Pode começá Dona
de mês não é
Êste fim de mês não Antenisca. Antenisca.
compesatório. Inda maisé compesatório. Inda
hoje – quarto minguante.
mais hoje – quarto
O que foi, home de Deus,
minguante. O que
não me assuste. foi, home de Deus,
não me assuste.
Quadro 5 – Comparação entre as primeiras réplicas dos quatros testemunhos de
Quem não morre num vê Deus

Após a comparação das réplicas dos textos, têm-se os seguintes resultados: a) 427
(93,4%) réplicas de T80 são idênticas ao do T74, e 30 (6,6%) são diferentes, b) 365 (84,9%)
réplicas do T81 são iguais a T77 e 65 (15,1%) são diferentes. Essa análise nos leva a afirmar
que T80 está mais próximo do T74, enquanto T81 se aproxima de T77. O gráfico ilustra essa
situação.
Comparação entre as réplicas

500
400
300
200
100
0
T74-T80 T77-T81

iguais diferentes

Figura 38 – Comparação entre as réplicas dos testemunhos de Quem não morre num vê Deus

Para a edição, tomaram-se, portanto, os textos produzidos em vida de João Augusto.


Somente se considera T81, testemunho póstumo, para complementar T77, incompleto,
sobretudo porque T81 foi elaborado a partir de T77.

4.2.4.1 Descrição física dos testemunhos

1 Testemunho T74

Datiloscrito no recto, em fita preta, 24 folhas, numeradas de 1 a 23. O Papel ofício


mede 330mm × 220mm. Em todas as folhas, na margem esquerda, há marcas do uso de
perfurador e grampeador. O carimbo da censura, rubricado em tinta azul, está localizado na
margem superior direita, em todas as folhas. Os trechos ou palavras cortadas pelo censor estão
riscados, a lápis de cor vermelha, com traços na diagonal, envolvido por um retângulo e
sobreposto com um carimbo onde se lê com cortes, em caixa alta: (f.3, L.25), (f.4, L.8), (f. 6,
L.23 e 24), (f.7, L.9-10, L.33), (f.8, L.2-3, L.11-12), (f.10, L.23 e L.25), (f.16, L.25-34), (f.17,
L.1-21, L.29), (f.21, L.14), (f.22, L.19, L.21-23, L.33) e (f.23, L16).

Capa
Contém 20 linhas: L. 1, escrito à mão, em caixa alta o nome de João Augusto; L.2,
referência a homenagem ao poeta Zé Limeira; L.3, título da peça; L. 4-8, especificação da
autoria da peça e a dedicatória; L.9-18, tem-se descrição das personagens; L. 19-20 local e
data. A mancha datiloscrita mede 255mm × 125mm. Da L. 2 até a L. 20 o texto está limitado,
do centro para a direita, por uma linha na parte superior e inferior. Substituição por
sobreposição em: c<i>/u\randeira (L.13) e m<a>/o\ralista (L.14).

Folha 1
Possui 33 linhas. A mancha datiloscrita mede 278mm × 196mm. Substituição por
sobreposição em: Ro<d>/s\a (L.2), Venha<n>/m\ (L.3), fo<8>/i\ (L.4), Dona<a>/n\a (L.23),
n<p>/ó\s (L.28), aca<d>/s\o (L.28), <c>/C\om (L.30).

Folha 2
Contém 34 linhas. A mancha datiloscrita mede 285mm × 193mm. Substituição por
sobreposição em: l<s>/á\ (L.6), ni<i>/n\ngém (L.6), Mo<u>/i\tão (L.19), <i>/I\nfalízem
(L.11), coi<8>/s\a (L.13), cur<l>/e\<e>/v\a (L.17), venh<s>/a\ (L.18), <s>/a\nda (L.23).

Folha 3
Consta de 34 linhas. A mancha datiloscrita mede 286mm × 196mm. Emendas
datiloscritas: ta<o>/l\ (L. 25), estrago<i>/u\ (L.28). Falhas de datilografia: o diacrítico está
sobre o circunflexo em conjugação (L.4), o diacrítico está sobre o acento agudo em É (L. 9 e
26), (pausa< ( >/ )\ (L. 18). Trechos censurados em destaque a lápis de cor vermelha: L.25.

Folha 4
Com 35 linhas. A mancha datiloscrita mede 287mm × 196mm. Emenda: crist<->/ã\o
(L.31). Falha de datilografia: <->/m\as (L.17). Trechos censurados em destaque a lápis de cor
vermelha: L.8.

Folha 5
Contém 34 linhas. A mancha datiloscrita mede 288mm × 197mm. Substituição por
sobreposição em: Alcoforad<a>/o\ (L. 19), <i>/e\mbora (L.21).

Folha 6
Possui 34 linhas. A mancha datiloscrita mede 286mm × 199mm. Emendas: nu<n>/m\
(L.15), <s>/m\e (L.21). Trechos censurados em destaque a lápis de cor vermelha: L.23 e L.24.
Folha 7
Contém 34 linhas. A mancha datiloscrita mede 291mm × 195mm. Substituição por
sobreposição em: so<n>/r\riso (L.16). Falha de datilografia: o acento grave está sobre o agudo
em É (L. 14). Trechos censurados em destaque a lápis de cor vermelha: L.9-10 e L.33.

Folha 8
Consta 33 linhas. A mancha datiloscrita mede 289mm × 195mm. Substituição por
sobreposição em: atender<t>/d\er (L.16), an<t>/d\a (L.19). Trechos censurados em destaque a
lápis de cor vermelha: L.2-3, L.11-12.

Folha 9
Com 33 linhas. A mancha datiloscrita mede 285mm × 196mm. Substituição por
sobreposição em: A<O>/L\coforado (L.29).

Folha 10
Possui 32 linhas. A mancha datiloscrita mede 282mm × 198mm. Substituição por
sobreposição em: V<o>/a\mo (L.6), <o>/s\ó (L.11), <d>/f\oi (L. 14), fal<S>/á\ (L.17),
HO<J>/N\ORATO (L.32). Trechos censurados em destaque a lápis de cor vermelha: L.23 e
L.25.

Folha 11
Tem 34 linhas. A mancha datiloscrita mede 285mm × 199mm. Substituição por
sobreposição em: datiloscrito: AL<D>/C\OFORADO (L.1), so<v>/b\rinho (L.2), num é
<!>/?\ (L.7), HO<S>/N\<A>/O\ RATO (L.18), <b>/B\<a>/A\<f>/F\<o>/O\ (L.22), c<o>/u\m
(L.33).

Folha 12
Com 33 linhas. A mancha datiloscrita mede 288mm × 196mm. Substituição por
sobreposição em: Jegu<r>/e\ (L.2), aure<i>/o\ (L.15), <s>/i\<i>/s\so (L. 32). Falha de
datilografia: dis<o>/s\<,>/o\ (L.4).

Folha 13
Possui 34 linhas. A mancha datiloscrita mede 286mm × 197mm. Substituição por
sobreposição em: F<o>/l\oréia (L.7), <j>/h\ome (L.11), <c>/m\icrobios (L.16),
ANTENI<C>/S\CA (L.21), ta<t>/r\de (L.34), RO<D>/s\A (L.35). Palavras canceladas (L.30),
emendando para home casado.

Folha 14
Tem 34 linhas. A mancha datiloscrita mede 286mm × 197mm. Substituição por
sobreposição em: hi<f>/d\ropisia (L.28). Falhas de datilografia: acento circunflexo sobreposto
ao diacrítico em medalhão (L.13), certa < ) > /!\ (L.22).

Folha 15
Consta de 32 linhas. Na L. 1 há uma marca de ferrugem pelo uso de um clipe. A
mancha datiloscrita mede 287mm × 195mm. Substituição por sobreposição em: notici<o>/a\
(L.5), <m>/M\aria (L.16), <O>/R\osa (L.29), pen<d>/s\ando (L.30).

Folha 16
Com 34 linhas. A mancha datiloscrita mede 284mm × 199mm. Substituição por
sobreposição em: P<o>/i\s (L.1), pen<d>/s\ei (L.2), <rosa>/ROSA\ (L.4), <r>/R\osa (L.12),
Falha de datilografia: Li<,>/m\eira (L.20). Trechos censurados em destaque a lápis de cor
vermelha: L.25-34.

Folha 17
Possui 34 linhas. A mancha datiloscrita mede 288mm × 196mm. Substituição por
sobreposição em: <J>/S\ão (L.8), rel<i>/e\egião (L.12), jument<o>/a\ (L.14), C<g>/h\egou
(L.19), ter<v>/f\ega (L.20), At<á>/é\ (L. 29). Trechos censurados em destaque a lápis de cor
vermelha: L.1-21, L.29.

Folha 18
Tem 34 linhas. A mancha datiloscrita mede 289mm × 201mm. Substituição por
sobreposição em: man<n>/d\o (L.3), at<á>/é\ (L.8), El<e>/a\ (L.9), se<r>/u\ (L.15),
<donana>/DONANA\ (L.20), Moit<o>/ã\ (L.23), <q>/a\ui (L.27), a<i>/o\s (L.29).

Folha 19
Consta de 33 linhas. A mancha datiloscrita mede 286mm × 202mm. Substituição por
sobreposição em: dep<i>/o\is (L.5) rec<e>/a\do (L.5), acei<i>/c\<c>/t\ar (L.5), <N>/E\ntão
(L.6), DO<J>/N\ANA (L.7), Donan<z>/a\ (L.14), Camba<f>/d\a (L.18), consultan<t>/d\o
(L.33).

Folha 20
Possui 34 linhas. A mancha datiloscrita mede 292mm × 202mm. Substituição por
sobreposição em: ca<l>/s\ada (L.15), que<n>/m\ (L.17), < vivin>/VIVIN\HO (L.21). Falha de
datilografia: acabá <;>/?\ (L.13).

Folha 21
Com 33 linhas. A mancha datiloscrita mede 289mm × 195mm. Substituição por
sobreposição em: el<e>/a\ (L.1), RO<D>/S\A (L.12), Don<o>/a\na (L.13), fu<c>/x\iqueiro
(L.20), es<†>/s\a (L.20). Risca <hojee>, adiante acrescenta [home] (L.25).Trechos
censurados em destaque a lápis de cor vermelha: L.14.

Folha 22
Consta 34 linhas. A mancha datiloscrita mede 286mm × 197mm. Substituição por
sobreposição em: bo<r>/t\á (L.15), <N>/M\orro (L.18). Risca <fdilhos>, adiante acrescenta
[filhos]. Falha de datilografia: acento grave foi substituído pelo acento agudo (L.16). Trechos
censurados em destaque a lápis de cor vermelha: L. 19, L.21-23, L.28, L.33.

Folha 23
Tem 19 linhas. Entre a L. 1 e 3 há uma mancha deixada pelo uso de um clipe A
mancha datiloscrita mede 173mm × 199mm. Substituição por sobreposição em: <E>/I\sidoro
(L.3), sos<o>/i\nho (L.7). Falhas de datilografia: o acento circunflexo foi substituído pelo
diacrítico na palavra não (L. 14). Trechos censurados em destaque a lápis de cor vermelha:
L.16.

2 Testemunho T77

Datiloscrito no recto, em fita preta, com 22 folhas numeradas de 1 a 21, ora na


margem direita, ora no centro da folha. Texto incompleto. Em todas as folhas, na margem
esquerda, há marcas do uso do perfurador e do grampeador. O Papel mede 330mm × 216mm.
O carimbo da censura, com rubrica do censor, a tinta azul, lançado na margem superior
direita, aparece em todas as folhas. Os trechos ou palavras cortadas pelo censor estão
marcados a lápis de cor vermelha, envolvidos por um retângulo e sobreposto com um carimbo
escrito CORTE em caixa alta: (f. 8, L. 32-33); (f. 9, L. 3); (f. 11, L. 17). As divisões de cenas
ora são marcadas com números romanos, ora com arábicos. Há uma “X” na margem superior
esquerda, escrito a lápis nas f.5, 10 e 14.

Capa
Contém 4 linhas: L. 1, Teatro Livre da Bahia, em caixa alta e sublinhado; L.2, o título
da peça entre aspas, datilografado em letras separadas; L.3 indicação da autoria, de João
Augusto; L.4, o local e data da escritura da peça, Salvador, janeiro de 1977. Ao final da folha
há anotaçõe, escrito à mão, em tinta azul, a referência Cx: E 01 C.F160. A mancha datiloscrita
mede 103mm × 65mm. Há, escrito à mão, em tinta azul, 2ª Via Ba (acima do carimbo da
Censura) e, em tinta vermelha, abaixo do carimbo, à direita, um C (entre a L.1-2). No verso
desta folha, há, manuscrito, o seguinte trecho: “Recebi a 3ª via, juntamente c/ o certificado.
(L.1) Salvador, 28/fevereiro/1977 (L.2) Bemvindo Pereira de Sequeira (L.3).”

Folha 1
Possui 38 linhas. A mancha datiloscrita mede 289mm × 195mm. Falhas de
datilografia: L.28.

Folha 2
Tem de 37 linhas. A mancha datiloscrita mede 294mm × 194mm. Ao centro, margem
superior, Pág. 2, sublinhado. Substituição por sobreposição em: hoj<r>/e\ (L.19).

Folha 3
Consta de 39 linhas. A mancha datiloscrita mede 298mm × 198mm. Ao centro,
margem superior, o número 3., sublinhado e acompanhado de ponto. Substituição por
sobreposição em: Esc<i>/u\ta (L.1). Segunda campanha de correção: Prefeitura [, Antenisca!]
(L.8). Riscos, nas L.7 e L.15, feitos à mão, suprimem determinadas palavras.

Folha 4
Com 39 linhas. A mancha datiloscrita mede 301mm × 186mm. Substituição por
sobreposição, segunda campanha de correção em: <S>/A\dular (L.8).

160
Não foi possível, ainda, esclarecer o significado desta referência. Provavelmente, trata-se de uma forma de
arquivamento do documento.
Folha 5
Possui 38 linhas. A mancha datiloscrita mede 298mm × 192mm. Substituição por
sobreposição em: a<o>/c\ompanhá (L.10). Substituição por sobreposição, segunda campanha
de correção: el<e>/a\ (L.26).

Folha 6
Tem 38 linhas. A mancha datiloscrita mede 294mm × 190mm. Substituição por
sobreposição em: <L>/T\em (L.26). Substituição por sobreposição, segunda campanha de
correção em: mul<a>/é\-dama (L.27).

Folha 7
Possui 39 linhas. A mancha datiloscrita mede 304mm × 185mm. Substituição por
sobreposição em: <h>/n\ega (L.10). Substituição por sobreposição, segunda campanha de
correção: de|primeira (L.10), separando as palavras, sra [?] (L.22), transforma o ponto em
interrogação.

Folha 8
Tem 38 linhas. A mancha datiloscrita mede 293mm × 185mm. Substituição por
sobreposição em: manuscrito <a>/a\ gente (L.1), v<u>/o\(L.17). Emenda manuscrita: [↑
minha] (L.4), mesmo [,] (L.7), m<a>/e\rcado (L.20), [Óh] treze (L.23). A lápis de cor
vermelha, tem-se: trecho sublinhado, nas L.32 e 33 e, na L.33, trecho envolvido por um
retângulo, com um carimbo CORTE sobreposto.

Folha 9
Com 37 linhas. A mancha datiloscrita mede 293mm × 178mm. Trechos censurados em
destaque a lápis de cor vermelha, envolvido num retângulo, sobre ele, inclinado o carimbo
CORTE, em azul: L.3.

Folha 10
Consta de 36 linhas. A mancha datiloscrita mede 291mm × 186mm. Substituição por
sobreposição em: que<r>/i\ram (L.11), quix a<d>/b\eira (L.25), a<i>/o\ (L.25).
Folha 11
Possui 38 linhas. A mancha datiloscrita mede 303mm × 183mm. Substituição por
sobreposição em: <p>/é\ casada (L.30). Substituição por sobreposição: segunda campanha de
correção em hoje [?] (L. 2), [E hoje já...] (L.4). Trechos censurados em destaque a lápis de cor
vermelha: L.17.

Folhas 12
Tem 37 linhas. A mancha datiloscrita mede 295mm × 183mm. Substituição por
sobreposição em: s<d>/e\ria (L.2), fa<o>/l\ano (L.28). Substituição por sobreposição,
segunda campanha de correção: afas<s>/t\ados (L.19), agora <.>/,\ (L. 25), gag[u]inho (L.15),
m[~]ae (L.18).

Folhas 13
Com 38 linhas. A mancha datiloscrita mede 293mm × 195mm. Substituição por
sobreposição em: <d>/f\ique (L.8), a<r>/p\render (L.13), o<ç>/o\lho (L.22). Substituição por
sobreposição, segunda campanha de correção: em de|um (L.27), separando as palavras.

Folhas 14
Possui 36 linhas. A mancha datiloscrita mede 286mm × 186mm. Emendas
datiloscritas: <d>/f\alta (L.8), Vinga<j>/t\ivo (L.21). Substituição por sobreposição: segunda
campanha de correção em Dansando [,] (L.3), e<l>/u\ (L.29). Falhas de datilografia:
Desavergonhado (L.21), Orgulhoso (L.21), pausa (L.23).

Folha 15
Consta de 39 linhas. A mancha datiloscrita mede 299mm × 185mm. Falha de
datilografia: Vẽ (L.11)

Folha 16
Tem 37 linhas. A mancha datiloscrita mede 283mm × 183mm. Substituição por
sobreposição, segunda campanha de correção em: Ta|vendo (L.17), separando as palavras,
<t>/T\rês (L.18), [e] haja (L.18).
Folha 17
Possui 38 linhas. A mancha datiloscrita mede 294mm × 192mm. Substituição por
sobreposição: segunda campanha de correção em ap<o>/a\recendo (L.6), sra. [,] (L. 20),
tr<u>/ô\ce (L.27). Riscos, à mão, suprimindo uma letra na L. 35.

Folha 18
Tem 37 linhas. A mancha datiloscrita mede 294mm × 185mm. Substituição por
sobreposição: segunda campanha de correção em Donana [↑não] pode (L.15). Traços feitos à
mão na L.22 e 26. Falhas de datilografia: ague nta (L. 38), datilorafado separado, porém
unido, por meio de um traço feito à mão.

Folha 19
Possui 37 linhas. A mancha datiloscrita mede 293mm × 181mm. Falha de datilografia:
ass<2>/i\m (L. 114). Substituição por sobreposição: segunda campanha de correção em briga
[↑´] (L. 3).

Folha 20
Consta de 38 linhas. A mancha datiloscrita mede 297mm × 182mm. Substituição por
sobreposição em: prese<h>/n\ça (L. 29), fu<z>/x\iqueiro (L.29). Substituição por
sobreposição: segunda campanha de correção em <Maldição> (L.8), <j>/J\ á (L.10), gente [,]
(L.10), am[a]nos (L.11), <Bafo>[↑Jegue] (L.14), pro[↑^] (L.38).

Folha 21
Tem 39 linhas. A mancha datiloscrita mede 302mm × 184mm. Substituição por
sobreposição em: verg<o>/o\nha (L.7) Amarel<l>/o\s (L. 32). Substituição por sobreposição:
segunda campanha de correção em Foi[,] (L.1 e L.2), pode|fazer (L.13), separando as
palavras, sempr<†>/e\ (L. 37).

4.2.4.2 Classificação estemática

Do testemunho de 1974 para o testemunho de 1977, observam-se as seguintes


alterações: (a) substituições, (b) acréscimos, (c) deslocamentos e (d) supressões, como se pode
ver nos exemplos abaixo:
(a)
HONORATO ― Ninguém falou isso. (T74, f.5, L.11)
HONORATO ― Ninguém disse isso. (T77, f.6, L.9 )

(b)
MARIA ― Ah, cê estraga tudo. (T74, f.3, L.11)
MARIA ― Ah, cê estraga tudo. Acabou a poesia. (T77, f.4, L.19)

(c)

ANTENISCA― As influências de hoje não são boa. As ideia de hoje são variaveis. E a
conjugação com Saturno HOJE traz é desfavor público. Convém mesmo. É bom desavisar.
(T74, f. 3, L.2-4)

ANTENISCA― As influências de hoje não são boas. As ideias de hoje são variavei. E a
conjugação com Saturno traz é desfavor publico. É bom desavisar. Convém mesmo,
Honorato. (T77, f.4, L.10)

(d)

VIVINHO ― A tia diz que vai ficá tudo preto. Até o sertão. Num demora muito não.
(T74, f. 3 L.20)

VIVINHO ― Vai ficá tudo preto. Até o sertão. Num demora muito não. (T77, f.4, L.28)

Entre as modificações, destaca-se o deslocamento de cena. A cena 10 do T74 foi deslocada


para a cena 1 do T77, conforme transcrito abaixo.

Cena 1 (T77) Cena 10 (T74)

ANTENISCA ― Se abanquem. Vieram ANTENISCA ― Se abanquem. Vieram


juntas? juntas?

ROSA ― As duas. ROSA ― As duas.


MARIA ― Só num quero é que mãe MARIA ― Só num quero é que mãe
saiba que eu vim. saiba que eu vim.

ROSA ― Tá bom. Pode começá ROSA ― Ta bem. Pode começá D.


Dona Antenisca. Antenisca.

ANTENISCA – Um momento. Pensa que é ANTENISCA ― Um momento. (concentrado)


assim, é? (concentra-se) o o ano é 74. O regente é Saturno.
ano é 76. O Regente é Tamo nos 117 anos da
Saturno. Tamo nos 119 anos emancipação política de
da emancipação política de Caruarú. E nos 552 ano da
Caruarú. E nos 554 ano da publicação do Almanaque
publicação do Almanaque Celeste – meu guia. O ano tem
Celeste – meu guia. O ano 3 arcano, saber: o 21, o74 e o
tem 3 arcano – a saber: o 21. 31. O arcano 21 é o pior de
o 74 e o 31. O Arcano 21 é o todos. Cuidado com ele. O
pior de todos. Cuidado cum aureo nº é 18. Letra dominical
ele. F. Indicação romana 12.
Circulo solar 23. Dias felizes de
plantação nesse mês são – 1 e
2. Tempo calmo, firmi, seguro
– cum promessa de chuva.

ROSA ― Cuidado, Maria. MARIA ―Será?


ROSA ―Num interrompa.

ANTENISCA ― O aureo nº é 18. A letra ANTENISCA ― O mês promete bom preço


dominical é F. Indicação pro fumo, pra mamona e
romana – 12. Circulo babaçú. Haverá neste ano 3
solar...23. Dias felizes de eclipses. As influencias deles
plantação nesse mês são ...1 serão sentidas na Hungria.
e 2. E só. Tempo calmo,
firmi, seguro, cum promessa
de chuva.

ROSA ―Será? Chuver ...num ROSA ―Inda Bem que é longe daqui.
acredito não. Ou num é?

MARIA ―Num interrompa.

ANTENISCA ―O mês promete bom preço ANTENISCA ―Carestia desordenada e


prô fumo. Pra mamona e surtos. Surto em todo o pais.
abaçu. Haverá neste ano 3
eclipses. As influencias
deles serão sentidas na
Hungria.

ROSA ― Inda bem que é longe ROSA ― Vão roubá alguém.


daqui. Ou num é?

ANTENISCA ― Carestia desordenada. E ANTENISCA ―A criação de galinhas vai ser


surtos. Surto em todo o país. bôa – se souberem escolher as
bichas. São ruim as
chocadeiras. Cabra e ovelha vão
adoecer. Os porcos devem ser
vacinados antes do tempo. Tem
um mandante azarado. E um
pistoleiro perseguido. As
lunações do ano são 7. Tamo no
quarto minguante. VIR× I! O
mundo prá sê bom precisa se
fazê outro. Vai acontecer é
coisa. Cada !
MARIA ― Surto de que?

ROSA ―Vão roubá alguém. ROSA ― Porisso não dá nada certo


Cuidado. prô meu lado. É isso.
Maria ―Comigo também.
Rosa ― Se eu soubesse as
luas, resolvia bastante.É
possivel isso?

ANTENISCA ―A criação de galinha vai ANTENISCA ― Minha filha, essas coisas só


ser boa – se souberem cum muito ensino. Num é
escolher as bichas. possivel não. Não que eu me
importe de ensinar, mas é
complicado um pouco. Não me
desconcentre.

ROSA ―Difícil isso. Escolher as ROSA ―Adisculpe.


bichas não é brinquedo.

ANTENISCA ―São ruim as chocadeiras. ANTENISCA ―Para cortes, feridas,


Cabra e ovelha vão adoecer. queimaduras, empige, frieira,
Os porcos devem ser eczemas, lumbago e piorreia –
vacinados antes do tempo. usem Elixr Floréia – feito aqui
Tem um mondante azarado. em casa, cum suco de arvore da
E um pistoleiro pirseguido. caatinga. Barato e garantido!
As lunação do ano são sete.
Tamo no quarto minguante.
VIRX I!

ROSA ―O que foi? ROSA ― Eu levo um adispois da


consulta. Tu devia exerimentá
Maria. Serve pra tudo. É melhor
que a Maravilha do Dr. Umfrey.

MARIA ― Diga! MARIA ―Vim aqui querendo saber


outras coisa. Num sou home
nem agricultor.

ANTENISCA ― O mundo pra sê bom se ROSA ― Quéta aí – daqui a pouco ela


precisa fazê outro. Vai diz tudo. Isso é só o preambo,
acontecer é coisa. Cada! burra.

ROSA ― É por isso. Por isso não


dá nada certo prô meu lado.
É isso.
MARIA ― Comigo também.
Considerando essas modificações ocorridas de T74 para T77, pode-se a firmar que se
trata de testemunhos distintos. Assim, estabelece-se o estema a seguir:

T74 T77

T80 T81

Figura 39 – Estema dos testemunhos de Quem não morre num vê Deus

4.2.4.3 Seleção do texto de base

Toma-se como texto de base, para esta edição, o testemunho de 1977 (T77), pois,
acredita-se ser, este, o último texto em vida do autor. No entanto, o texto de que se dispõe
encontra-se incompleto, faltando as últimas folhas, provavelmente perdidas. Como já foi
comprovado161, o testemunho com data provável, posterior a 1980, está muito próximo do
T77. Dessa forma, para reconstituir as lacunas do T77 toma-se este testemunho, T81, como
base, apenas para as folhas perdidas.

161
Cf. a página138-139 desta dissertação.
4.2.4.4 Texto crítico e aparato
T77 TEATRO LIVRE DA BAHIA

T77“C O R D E L 5”
QUEM NÃO MORRE NUM VÊ DEUS162

T74 HOMENAGEM a zé limeira


Homenagem a Zé Limeira 1 ato de joão augusto
T77 de João Augusto.

1 ato de João Augusto


com alguns versos do poeta paraibano
5 a quem é dedicado êste trabalho.
T74 para roberto santana e o quinteto violado que me
Para Roberto Santana e o Quinteto Violado que me revelaram a poesia de Zé revelram a poesia de zé limeira (s.p.)
Limeira.

personagens

Honorato – dono de uma venda no interior


10 Rosa Choque – viúva fogosa T74 viuva (s. a.)
Donana – sertaneja decidida
Antenisca – vidente, curandeira, fazedora de mesinha, moralista.
Maria – filha de Donana – moça romântica T74 romantica (s. a.)
Vivinho – rapaz que descobre a vida
15 Alcoforado Moitão – pistoleiro azarado
Bafo de Jegue – mulherengo inveterado
T74 Salvador – Bahia – na lua crescente de
Salvador, janeiro de 1977 julho de 1974.

162
A capa foi reconstituída a partir do tetemunho datado de 1974 por achar-se mais completo.
CENA 1 T77 Cena I T74 Cena 10163

Em casa de Antenisca: T74 (não há esta indicação do cenário)

ANTENISCA ― Se abanquem. Vieram juntas?

ROSA ― As duas.

5 MARIA ― Só num quero é que mãe saiba que eu vim.

ROSA ― Tá bom. Pode começá Dona Antenisca. T74 bem. Pode T74 D. Antenisca.

ANTENISCA ― Um momento. Pensa que é assim, é? (concentra-se) O ano é 76. O Regente é T74 Um momento.(concentrando) o ano é 74. T74 regente
Saturno. Tamo nos 119 anos da emancipação política de Caruarú. E nos 554 ano T74 Tamo nos 117 anos T74 politica (s. a.)
da publicação do Almanaque Celeste – meu guia. O ano tem 3 arcano – a saber: o T74 E nos 552 ano
10 21, o 74 e o 31. O Arcano 21 é o pior de todos. Cuidado cum ele. T74 arcano, saber T77 o 21. o 74 T74 arcano 21
T74 com ele. O aureo nº é 18. Letra dominical F.
Indicação romana 12. Circulo (s. acen) solar 23.
ROSA ― Cuidado, Maria. Dias felizes de plantação nesse mês são – 1 e 2.
Tempo calmo, firmi, seguro – cum promessa de
ANTENISCA ― O aureo nº é 18. A letra dominical é F. Indicação romana – 12. Círculo chuva.164 T77 Circulo (s. acen)
solar...23. Dias felizes de plantação nesse mês são... 1 e 2. E só. Tempo calmo,
T74 (há outras réplicas após esta165)
firmi, seguro, cum promessa de chuva.

15 ROSA ― Será? Chuver... num acredito não. T74 MARIA ― Será? (fim de réplica)

MARIA ― Num interrompa. T74 ROSA ―Num interrompa.

ANTENISCA ― O mês promete bom preço pro fumo. Pra mamona e babaçu. Haverá neste ano T74 fumo, pra mamona T74 babaçú T74, T77 prô
3 eclipses. As influencia deles serão sentidas na Hungria. T74 influencias

163
No T74, esta é a cena 10.
164
Observa-se que houve deslocamento desta réplica.
165
Cf. as réplicas do T74 nas páginas 148 à 150, coluna 2.
ROSA ― Inda bem que é longe daqui. Ou num é?

ANTENISCA ― Carestia desordenada. E surtos. Surto em todo o país. T74 desordenada e surtos. T74 pais. (s. a.)

MARIA ― Surto de que? T74 (não existe esta réplica).

ROSA ― Vão roubá alguém. Cuidado. T74 alguém.(fim de réplica)

5 ANTENISCA ― A criação de galinha vai ser boa – se souberem escolher as bichas. T74 ANTENISCA ― A criação de galinhas vai ser bôa – se
souberem escolher as bichas. São ruim as chocadeiras.
Cabra e ovelha vão adoecer. Os porcos devem ser
vacinados antes do tempo. Tem um mandante azarado. E
um pistoleiro perseguido. As lunações do ano são 7. Tamo
no quarto minguante. VIRXI! O mundo prá sê bom precisa
se fazê outro. Vai acontecer é coisa. Cada !166 T77 bôa

ROSA ― Difícil isso. Escolher as bichas não é brinquedo. T77 Dificil (s.a) T74 (não existe esta réplica).

ANTENISCA ― São ruim as chocadeiras. Cabra e ovelha vão adoecer. Os porcos devem ser T74 (réplica deslocada)
vacinados antes do tempo. Tem um mandante azarado. E um pistoleiro
pirseguido. As lunação do ano são sete. Tamo no quarto minguante. VIRXI! T74 perseguido T77 são 7.

10 ROSA ― O que foi? T74 (não existe esta réplica.)

MARIA ― Diga! T74 (não existe esta réplica.)

ANTENISCA ― O mundo pra sê bom se precisa fazê outro. Vai acontecer é coisa. Cada! T74 (réplica deslocada.)
T74 prá sê bom

ROSA ― É por isso. Por isso não dá nada certo pro meu lado. É isso. T77 porisso (em ambos) T74 – Porisso não
T74, T77 prô
MARIA ― Comigo também.

166
Observa-se que, no T77, houve deslocamento de parte desta réplica.
ROSA ― Se eu soubese as luas, resolvia bastante. É possível isso? T77 possivel (s. a.)

ANTENISCA ― Essas coisas só com muito ensino. Num é possível não. E basta de me T74 ANTENISCA ― Minha filha,essas T77,T74
desconcentrar. possivel (s. a.) T74 cum muito T74 não. Não que eu
me importe de ensinar, mas é complicado um pouco.
Não me desconcentre. T77 possivel (s. a.)
ROSA ― Adisculpe.

5 ANTENISCA ― Atenção! Para cortes, feridas, queimaduras, empige, frieira, eczemas, dor de T74 ANTENISCA ― Para cortes (s. a.) T77 córtes
T74 eczemas, lumbago (s.v.) e piorreia – usem Elixir T77
corno, lumbago, e piorréia, use Elixir Floréia – feito aqui em casa – cum suco de piorreia (s. a.)
árvore da caatinga. Barato e garantido. T74 casa,
T77 e T74 arvore (s. a.) T74 garantido!

ROSA ― Eu levo um adispois da consulta. E tu, Maria, tu devia experimentá tombém. T74 consulta. Tu devia experimentá Maria.
,

Serve pra tudo. É melhor que a Maravilha do Dr. Umfrey! T74 Umfrey. T77 lévo

10 MARIA ― Vim aqui querendo saber outras coisas. Num sou home. Ou agricultor. Nem. T74 coisa. T74 home nem agricultor.(fim de réplica)

ROSA ― Quéta, mulher – daqui a pouco ela diz tudo. Isso é só o preambo, burra. T74 Quéta aí – T77 burra (s.p.)
T74167

CENA 2 T77 Cena 2 T74168

HONORATO ― (chamando) Donana. Chico. Antenisca. Rosa Choque – ô gente! Venham T74 Venham todos aqui. (sem repetição de Venham)
Venham todos aqui. Depressa. Depressa!

15 ROSA ― O que foi, o que foi que houve?

HONORATO ― Donana!

167
As réplicas foram deslocadas para cena 11 em T77.
168
Em T74, tem-se a Cena 1.
DONANA ― Tô indo.

ANTENISCA ― O que foi, Honorato? Este fim de mês não é compesatório. Inda mais hoje
quarto minguante. O que foi, home de Deus? Não me assuste, que já vi foi coisa... T74 Deus, não me assuste. (fim da réplica) T77 ví

HONORATO ― Na estrada. T74 (não existe esta réplica.)

5 ROSA ― O quê? T74 (não existe esta réplica.) T77 que (s. a.)

HONORATO ― Na entrada da cidade. T74 Na entrada. Na entrada da cidade.

ROSA ― O que, pelo amor de Deus! T74 Deus?

HONORATO ― Dois. Dois home. O mais grosso mandou recado. E o moderninho, me fez T74 — Dois home. T74 um recado T74 moderninho
correr pra dizer logo. (s.v.) T74 dizê

10 DONANA ― Recado? Pra quem?

HONORATO ― Pra todos. Pra todos nós. T74 Pra nós todos.

ANTENISCA ― Eita dia aziago. Eu sabia: o Almanaque não falha. Sabia. Desde onte. T74 Eita, T74 aziago!

DONANA ― Que recado é esse? T77 êsse

HONORATO ― Querem pousá aqui.

15 ANTENISCA ― Pousá?

ROSA ― Adonde?

HONORATO ― Eu disse que não tem pensão. Nem pousada aqui. T74 pensão, nem
DONANA ― E então?

HONORATO ― Eles dizem que vão precisar descansar aqui – uns dias. T74 aqui, uns

ROSA ― Quem menos pode é quem paga o bode. Aqui? Vão pro Sítio do Inté. T74 prô T77 Sitio (s.a.)

ANTENISCA ― Escuta, não é cangaceiro, não, Honorato?

5 ROSA ― Isso! Vai ver é! T74 vê é.

DONANA ― E nós somos coiteiros, por acaso?

HONORATO ― Calma – são bandido não. Parece mais estradeiro. T74 bandidos

DONANA ― Com estradeiro – olho vivo e pé ligeiro. T77 ôlho

ANTENISCA ― Ah! Já sei! O arcano 21. É. É ele cum certeza. Traz arruaça e decisão. E T74 AH! Já sei: o T74 É êle. cum certeza!
10 perigo, perigo de roubo nos cofre públicos. É ele. T74 E perigo de roubo T74 cofres T77 publicos (s. a.)
T74 É êle. T77 É ele <†>

ROSA ―Aqui nem tem Prefeitura, Antenisca! T74 Prefeitura. (fim de réplica) T77 Prefeitura
[Antenisca!]
DONANA ―De onde vem essa peste, Honorato?

HONORATO ― Do Ingá!
T74 Ingá.

DONANA ― Virxi.
T74 Virxi!

15 ROSA ― O que, Donana?

DONANA ― Nada, não.


T74 Nada (s.v.)

ROSA ― O lugá num presta?


DONANA ― Quem disse? Bom demais; lá nunca matam ninguém – enterram vivo. T74 demais! T77 enteram <†> vivo

ROSA ― E cuma é o nome do dono do recado? Ele falou?

HONORATO ― Alcoforado. Alcoforado Moitão.

DONANA ― Nossa. T74 (não existe esta réplica.)

5 ANTENISCA ― Quem é? T74 (não existe esta réplica.)

DONANA ―Um pistoleiro de primeira. Um trabuqueiro perigoso. Infalível. Bicho macho na T74 Nossa! É um pistoleiro T74 Infalizem! Bicho
lazarina. Conheço demais.

ANTENISCA ― Eu tombém: é filho de Santo Antônio, sobrinho de São Tomás. Neto de Dom T74 Arcano 31 T77 tombem
Pedro Primeiro, ediceta e coisa e tais. O arcano 21 é amigo de Ferrabrás, da T74 É filho T74 Ferrabrás! (fim de réplica) T77
Ferrabras (s. a.)
10 Eletrobrás, da Brasil Gaz!

HONORATO ― Já gosta de fazer prosopopança, né? To falando sério. T74 fazê prosopopança. (fim da réplica) T77 fazêr

ANTENISCA ― E eu, por acaso? Me respeite, Honorato. Me respeite! T74 (não existe esta réplica.)

DONANA ― Alcoforado. Aquilo é medonho. Esbagaçado como ele só. Conhece a curva do T77 êle
vento. Deus nos livre dele aqui.

15 ROSA ― Que venha! Desgraça pouca é meio de vida. T74 venha. T74 pouco

ANTENISCA ― Sei.

ROSA ― Será que vem o bando todo?

HONORATO ― Que bando?


ANTENISCA ― Quem falou em bando aqui? Agora.

DONANA ― Quem anda em bando é formiga. Alcoforado tem capanga não. Anda só. É ele, T74 não tem capanga, não T74 É êle
e mais uma cria – um rapaz que acompanha ele, que nem a sombra. São dois
apenas.

5 ANTENISCA ― Inda bem.

DONANA ― É? Valem por cem!

HONORATO ― O moço chama Bafo de Jegue.

ROSA ― Gostei.

ANTENISCA ― Ora – falou em bafo. T74 bafo.

10 ROSA ― Não tenho nada com o sabão, e sim, com a roupa lavada.

DONANA ― Honorato, é melhor você avisar o home que não venha, que deixe a gente aqui
em paz – que vá pra outro lugá. T74 paz,

ANTENISCA ― Pro inferno!


T77 Prô
ROSA ― É sim, Honorato. Ageite o home. Adular não é meio de vida – mas ajuda a T74 ROSA ― Honorato. Adular T74 vida,
15 viver.

ANTENISCA ― As influências de hoje não são boas. As idéia de hoje são variavei. E a T74, T77 influencias (s. a.) T74 boa T74 ,T77 ideia (s. a.)
T74 variaveis (s. a.) T74 Saturno HOJE T77 publico (s.
conjugação com Saturno traz é desfavor público. É bom desavisar. Convém
a.) T74 Convém mesmo. É bom desavisar. (fim de réplica)
mesmo, Honorato.

ROSA ― É bom.
DONANA ― É melhor.

CENA 3
T74 2 T77 Cena 3

MARIA ― É uma beleza isso aqui. Já gosto. Olha só: chique-chique, macambira, T74 Já gosto. Chique-chique. Macambira.
marmeleiro. Pé de umbú... Marmeleiro.

5 VIVINHO ― E cascavel. Cada.

MARIA ― Ah, cê estraga tudo. Acabou a poesia. T74 tudo. (fim de réplica)

VIVINHO ― Vá, num fica triste.

MARIA ― Na terra só tem tristeza mesmo. No céu é que tem alegria. Se eu fosse
chamada pra vivê no céu, eu ia. Cê não? T77 vive (tomou-se a lição de T74) T74 céu – eu

10 VIVINHO ― De jeito nenhum. Tô lá pra viver no escuro. T74 VIVINHO —Não. Tou lá pra vivê no escuro?

MARIA ― Escuro? Olha pra lá que luão. T77 olha

VIVINHO ― Daqui de baixo. Lá é que nem carvão. Azul é aqui embaixo. (pausa) E por
enquanto.

MARIA ― Por quê? T74 Porque? T77 Por que (s. a.)

15 VIVINHO ― Vai ficá tudo preto. Até o sertão. Num demora muito não. T74 VIVINHO — A tia diz que vai

MARIA ― Oxente.

VIVINHO ― É. Tudo preto de fumaça de óleo de máquina. De civilização. Os ri da cidade T74 VIVINHO ― É. Coisa que ela viu no Almanaque.Tudo
num tem mais peixe. É a tal polução. Cada descarga. Uma merda. T74 civilização. Diz que os rio da cidade
169
T74

MARIA ― Vivinho!

VIVINHO ― E num é?

MARIA ― Cê estragou tudo de novo. Precisa dizer nome? T74 de novo. (fim de réplica)

5 VIVINHO ― Você tambem, Maria? Também gasta censura? T74 (não existe esta réplica.) T77 Tambem

MARIA ― Bonito né? T74 (não existe esta réplica.)

VIVINHO ― Inda não tinha visto beleza que nem a tua. Diz meu nome outra vez. Diz.
T74 a sua

MARIA ― Pra que?

VIVINHO ― Diz.

10 MARIA ― Digo nada.

VIVINHO ― (declamando pra agradar) De cipó se faz balaio. A minha vida é a tua. Sete T74 VIVINHO ― (declama) De T74 estrelo (s. a.)
estrêlo. Três Maria. Rei do Mato. Pai da lua. T77 Tres (s.a.)

MARIA ― Não tem coisa mais bonita do que a cara da lua.

VIVINHO ― Tem. Mulé passeando na calçada da rua, quando vai bem alinhada, bem T74 rua (s.v.)
15 taiada, com as perna quase núa. T74 nua (s. a)

MARIA ― Agora chega – vou imbora. É demais tombém. T74 Agora eu vou imbora. (fim de réplica) T77
tombem

169
Corte da Censura: Cada descarga. Uma merda. (f. 3, L. 25).
VIVIVNHO ― Se quizé me acompanhá vamo mais eu.

MARIA ― Vou só! (sai correndo) T74 MARIA ― (irritada) Vô só.

VIVINHO ― Num acerto uma. Babaca, bestão! Um macaco enrabou a mãe do cão! T77acérto T74 Babaca! Bestão! T74170

CENA 4
T74 3 T77 Cena 4

5 ALCOFORADO ― Cê levou o meu recado? T74 levou meu

HONORATO ― Foi.

BAFO ― E então?

HONORATO ― Não parece que gostaram muito não. T74 muito,

ALCOFORADO ― Quem?

10 BAFO ― Quem? T74 (não existe esta réplica.)

ALCOFORADO ― Falaram algo? T74 BAFO ―

HONORATO ― Falá num falaram, mas... T74 (há outra réplica após esta: Alcoforado ―Não sou
home de mas.)

BAFO ― Fale logo.

HONORATO ― Reconheceram o sinhô.

15 ALCOFORADO ― Quem?

170
Corte da Censura: Bestão! Um macaco enrabou a mãe do cão (f. 4, L. 8).
HONORATO ― Donana.

BAFO ― Quem é ela? T74 BAFO ― Quem é?

ALCOFORADO ― Donana... Uma peste que se encontrou um dia comigo, no Ingá do Bacamarte. T74 Donana... (fim de réplica)
T74 (há outras réplicas após esta: BAFO ― Quem é? /
ALCOFORADO ― Uma peste que se encontrou um dia
comigo, no Ingá do Bacamarte.)

HONORATO ― Ela pode lhe estragá – aquela mulé é valente. T74 estragá. Aquela

5 ALCOFORADO ― Nem ela, nem ninguém me estraga. Cês tomem tenencia comigo. Sou um
bocado esbagaçado. Mastigando, eu sou cobra de veado, jumento fora do
cercado. Sou o tabefe que deram na cara de Manelão. Um estalo, se mexerem T74 estalo (s.v.)
comigo. Tomem tenencia, pra mode não haver ignorância adispois. Com a T74, T77 ignorancia (s.a.)
ingrizia que eu faço assombro qualqué cristão. Assombro até assombração. T74 sombração.

10 BAFO ― Eu num sei? É melhor fazer a vontade do home. Cês num sabe quem ele é. Tá T74 melhó
vendo assim? Ninguém diz.

ALCOFORADO ― Arranco cana do norte. Quatro e cinco vela acêsa – não me faz temer a morte. T74 acêsa,
Quando eu brigo estremece o Cariri. As estrela trinca os dente. Leão chupa T74 brigo, T77 Carirí
abacaxi. Cum trinta dias depois – estoura a guerra civí. T74 depois estoura

15 HONORATO ― Briga, briga, então. T74 HONORATO – Ah, então briga, briga. (fim de
réplica)

BAFO ― Tá maluco, home? Olha, pra ele tudo tanto faz. Tudo tanto faz.

ALCOFORADO ― É bom num mexerem comigo, não. Não nascí em cidade grande! Nós vamo T74 não. Nós vamo
ficá arranchado por lá uns dias. Tem uns cabras no meu calcanhar, numa persiga. T74 “persiga”
Já disse. Num tô pedindo a ninguém pra sê meu coiteiro. Num careço disso. Sou T74 Sou? Sou?
bandido, por acaso? Cangaceiro? Sou? SOU?

HONORATO ― Ninguém disse isso. T74 Ninguém falou

BAFO ― Acalme.

ALCOFORADO ― SOU? T74 Sou? No sertão do Cariri ví um casal de siri (s.v.) sem
compromisso nenhum. Não tô pedindo a ninguém prá chorá
por mim. Sou home lá de pedí favor? Quero só um pouco de
descanso. Adispois eu pego a lapa do mundo outra vez.171

5 BAFO ― Inhô não. T74 não existe esta réplica

ALCOFORADO ― No sertão do Cariri ví um casal de siri, sem compromisso nenhum. Não tô T74 siri (s.v.)
pedindo a ninguém pra chorá por mim. FIM! Sou home lá de pedí favor? Quero T74 prá chorá T74 por mim. Sou home
T74 Adispois eu
só um pouco de descanso. Adispois... eu pego a lapa do mundo outra vez.

HONORATO ― Eu vou falá com eles de novo.

10 BAFO ― É bom.

ALCOFORADO ― É melhor.

CENA 5 T74 4 T77 Cena 5

ANTENISTA ― Cale essa boca nojento. Cala a boca, ou vai imbora! T74 Tu cala essa boca nojento. T74 embora.

VIVINHO ― É pois o que eu digo: há 3 coisas perdidas nesse mundo: liberdade, vontade de T74 três coisas T74 mundo –
15 pobre e ponta de cigarro. Posso fazê nada. Nem falá. Faltava. Faltava isso. T74 falá. Faltava! (fim de réplica)

171
Observa-se que, no T77, houve deslocamento de parte desta réplica.
ANTENISCA ― Pode tomá vergonha nessa cara. E largá de descaração pro meu lado. T74 cara, e T74 prô

VIVINHO ― Tem algo de mais eu falá pra sra., tem? T77 <T>/t\em

ANTENISCA ― Me arrespeite que não sou mulé-dama pra entrá nesses assuntos. Quero saber
nada do que tu faz lá por fora. T74 saber nado

5 VIVINHO ― Cum quem qu’ eu vou conversá então? Cum os outros? Isso é que num tá T74 quem eu (não traz qu’)
direito. A sra. é minha tia. Mulé feita. Experiente. De confiança. Vivida. Quase
um home. Quase meu pai.

ANTENISCA ― (comovida) Tá bom... Pode falá. Mas veja, hein, veja como. Você pra mim é T74 ANTENISCA ― Tá bom – pode T74 como.
um menino. Menino. Respeito. Vamo – fala. T74 mim é menino. T74 Respeito (silencio demorado)
Vamo

10 VIVINHO ― Tem nada importante não. É no geral.

ANTENISCA ― Inda bem. Tava ficano preocupada. (Pausa) Que que tu quer sabê no geral? T74 preocupada. Que
Tem muita coisa, não. Olha: home nasce pra ser Rei. E mulé pra ser Rainha. E T74 coisa (s.v.) T74 E a mulé T74 rainha
basta, viu? Basta. Não se pode misturar. É assim mesmo. Hoje é que tá reinando
por aí uma monarquia esquisita, diferente, misturada... Home só presta – bem
15 macho. Moça só presta – enfeitada. Cabra ruim só vai de peia. Mulé só presta,
arpejada. Porém só presta bem fême. Do jeito que foi Noeme, tua mãe. T74 arpejada, porém
VIVINHO ― E “madama”, como é que presta?

ANTENISCA ― Disso num entendo nada. Era só o que fartava. Vá perguntá ao Delegado. T74 fartava (fim de réplica)

VIVINHO ― A mulé de Isidoro tem uma boca mimosa.

20 ANTENISCA ― Xente!

VIVINHO ― É uma nêga de primeira. O beijo daquela nêga tem gôsto de pó de arroz. T77 nega (nas duas palavras) (tomou-se a lição de
T74)
ANTENISCA ― Ela num é madama, desgraça. É casada, peste. Respeite, respeite a mulé. E me T74 É mulé casada T74 E me T74 E Me (falha de
respeite. (mais irritada) Olha, se a conversa é pra safadeza – você vai conversá é datilografia) T74 safadeza,
com a finada tua mãe. Me arrespeite!

VIVINHO ― Oxente, tia, que é isso? Tô conversando sério com a sra.

5 ANTENISCA ― Sério? Imagina se não fosse! T74 ANTENISCA ― Sério? (fim de réplica)

VIVINHO ― Sério, sim. Isso é só o comêço... pra me dar coragem, e depois... me desabafá.
Nem parece que a sra... T74 que a sra. é tão vivida

ANTENISCA ― Eu o quê? T74 (não existe esta réplica.) T77que (s.a.)

VIVINHO ―É tão vivida, nem parece que conhece o Almanaque Celeste, que sabe tudo. T74 ―É. Isso só é o comêço... pra pegá coragem, e depois
me desabafá! Nem parace que a sra. é tão vivida, que
10 Vou lá conversá safadeza com a sra.? Safadeza, ou agente faz sosinho. Ou cum a conhece o Almanaque Celeste, que sabe de tudo. Vou lá
mulé de Padre Junqueira, cum a mulé do Capitão Silva, com Biza, Orozimba, conversá safadeza com a sra.? Safadeza, ou agente faz
Rosa- Choque. Ou cum o filho de Mané Gostoso. sosinho ou com a mulé de Padre Junqueira, cum a mulé do
Capitão, com Margarida, Com Biza, Orozimba, Rosa
Choque – ou com o filho de Mané Gostoso.172 T74173
ANTENISCA ― Menino!

VIVINHO ― Tô gostando da filha de Donana. Pronto, falei! T74 ― (depois de pequena pausa) Tô T74 da Donana.
Pronto! (fim de réplica)

15 ANTENISCA ― VIXI! Olha aqui, peste, cum a fama que tu tem, se desgraçá aquela moça, eu
te racho a cabeça, desgraça. Aquilo é uma rosa, orvalhada de estrela, uma flor, T74 rosa (s.v.)
uma menina. E tu? TU! Oia, tu é o arcano 21, escravo da matéria que aumenta o T74 tu? Tu!
nº de escando e corrução no mundo. Num basta o que já existe não, consumição? T74 numero (s. a.) de escando
Retaio de fim de feira! Tu tem coragem, besta-fera? T74 feira. T74 besta-fera!

172
Observa-se que, no T77, houve deslocamento de parte desta réplica.
173
Corte da Censura: Padre Junqueira (f. 6, L. 23); Capitão (f. 6, L. 24).
VIVINHO ― Num faço mais outra coisa: só vivo pensando nela. Ela parece um limão T74 coisa –
rodeado de cebôla. Uma goiabeira verde, enfeitada de ceroula, cheiinha de roupa. T74 cebola (s. a.) T74 ceroula. Mulé
Mulé como ela, no mundo todo, num acho. Tô mesmo apaixonado. É coisa sério T74 É coisa mesmo sério, tia.
– mesmo sério, tia.

5 ANTENISCA ― Tu tira isso da cabeça, cão das ingrisia. É um procedimento muito do péssimo! T74 ingrizia T74 péssimo.

VIVINHO ― Onte a gente se encontrou no Roçado. Fomos ver a lua. T74 encontrou. Foi vê

ANTENISCA ― Vala-me N. Sra! T74 Vala-me Nossa T77 Vala me

VIVINHO ― E eu estraguei tudo. Falei demais. Ela acabou vindo imbora. T74 VIVINHO ― Eu estraguei tudo. Falei demais.
Ela acabou vindo imbora. Sosinha. Sou besta, tia –
besta mesmo. Penso que sei muito – sei nada. Só
conheço mulé pela parte de baixo.174 T74175

ANTENISCA ― Graças minha N. Sra! T77 Graças [↑minh]a


T74 (não existe esta réplica)

10 VIVINHO ― Sozinha. Voltou de lá. Sou besta, tia. Besta mesmo. Penso que sei muito – sei T77 Sosinha T77 Sosinha. Sou besta, tia – besta
nada. Só conheço mulé mesmo, pela parte de baixo. mesmo.
T74 mulé pela parte de baixo T77 mesmo[,]

ANTENISCA ― Menino!

VIVINHO ― O resto – conheço nada. Me ensina, tia. Quero conhecê a mulé toda, inteira, T74 ensina (s.v.)
por dentro e por fora. Me ensina.

15 ANTENISCA ― Eu? Isso num se aprende com ninguém. É sozinho. É cum tempo. T77 sosinho

VIVINHO ― Coisa mais diferente ela. Num vive: brinca de vivê. Vive no mundo pescando T74 ela. Ela num vive. Brinca de vivê no mundo,
estrela, caçando ilusão, plantando sorriso em todo lugá. Eu sou um burro

174
Observa-se que, no T77, houve deslocamento de parte desta réplica.
175
Corte da Censura: Só conheço mulé pela parte de baixo (f. 7, L. 9-10).
moderno. Foi – num foi tô com o pé no chão, fincado na terra. T74 moderno, foi-num-foi

ANTENISCA ― É mau, é mau. Tem que vivê um pouco lá encima tombém. Aqui e lá. Num é T74 vivê lá em cima também.
fácil, não. Eu que o diga. É preciso está em todo lugá. T74, T77 facil (s. a.) T74 diga, é T74 estar T74 lugá!

VIVINHO ― Eu vou conseguir, tia. Deixe está. Eu vou seguir os passos dela. Aprendo cum T74 VIVINHO ― Porisso eu sobro sempre. Mas deixa
5 ela. Eu sigo ela aonde ela for. está, deixa está – eu sigo ela. Eu sigo ela.

ANTENISCA ― Você vai seguir é o caminho do mercado – agora, já. Se pique! Vá buscar o T74 Segue é o caminho
T74 feijão, (sosinha) T74 As onze mil virgens sagradas
feijão. Se é que tem. (sozinha) Anjo Custódio, ó anjo Custódio! Onze mil virgens T77 sosinha
sagrada, ó Virgens! Cês todas peçam por nós. Óh treze mil raios de sol, que pedem por nós. Os treze
eternamente esconjuram Satanás, protejam este rapaz. Valei-me. Valei-me T74 Satanás, precisam proteger êste rapaz. T74 rapaz.
10 Santíssima Trindade. Me ajude, me alcance, me lance proteção, honra e virtude – Valei-me! Santissima Trindade me T74, T77 Santissima
VIRTUDE! Eu me lasco, mas eu desentorto esse menino! (s. a.) T74 virtude, VIRTUDE T74 lasco (s.v.) T74
desentorto (s. a.) T77 desentórto

T74 5 T77 Cena VI


CENA 6

ALCOFORADO ― Chega! Eu falo, eu digo, eu repito – e nada. NADA! Já é ser besta. Tá T74 e nada! Já T74 brincando
brincano comigo? Num aprende não? Olha, tu só não é mais besta, porque é um T74 aprende nunca. T77 tú T74176
15 só. Pra burro mesmo, só falta cagá redondo.

BAFO ― Eu num sabia, Alcoforado.

ALCOFORADO ― Num sabia. Num Sabia. Não sabe nunca! Na hora que tu deve fazê a coisa – T74 sabia, num sabia...
não faz. Só atina com ela depois. Ora, depois da onça morta, todo mundo mete o T74 morta – T74177 T77178
T74 antes. Bota

176
Corte da Censura: Pra burro mesmo só falta cagá redondo (f. 7, L. 33).
dedo na bunda dela. Quero vê é antes – antes! Bota isso na cabeça: o melhó lugar T74 cabeça; T74 lá. Vamos
pra gente é lá mesmo. Não tem pronde correr – é lá! Vamos esperar o home voltá T74 home de volta
com a resposta. Não deve demorá. Quero mais antes, me vê garantido num lugar T74 garantida
seguro, por uns dias, do que voltá, me arriscando a confiá em mulé-dama. Inda T74 Inda mais sua.
5 mais – sua! O diabo que queira!

BAFO ― Chica Jocosa é de confiança.

ALCOFORADO ― Cum esse nome mulé nenhuma é de confiança. Tu não tem jeito. Chica T74 nenhuma mulé é T77 êsse
Jocosa! Quem nasceu pra quebrá ouricourí morre com o cú na pedra. CHEGA! T74179
T77180

CENA 7 T74 6 T77 Cena VII

10 MARIA ― Quando se sente a saudade duma pessoa querida – dá-se um vazio na vida. T74 querida,
Ninguém suporta a metade da dor do meu coração. Ai... T74 Aí

DONANA ― Dona Antenisca chegô – vai atender logo. Vá, menina! T74 atender. (fim de réplica)

ANTENISCA ― Olha só ela: tá é bonita, a peste. E mais enfeitada que cruz de beira de estrada. T74 ela – tá
Parece até cruzeiro novo. Se abanque. T74 até um T74 novo. (fim de réplica)

15 DONANA ― Disculpe – ela não anda boa. Anda avexada. Mofina. T74 DONANA ― essa menina não tá boa. T77 bôa

ANTENISCA ― Tombém...

DONANA ― O que, Antenisca?

177
Corte da Censura: Ora, depois da onça morta – todo mundo mete o dedo na bunda dela. (f. 8, L. 2-3).
178
Corte da Censura: Ora, depois da onça morta, todo mundo mete o dedo na bunda dela. (f. 8, L. 32-33).
179
Corte da Censura: morre com o cú na pedra. (f. 8, L. 11-12).
180
Corte da Censura: com o cú (f. 9, L. 3).
ANTENISCA ― Deixa pra lá.

DONANA ― Agora fala. Ando preocupada com ela. T74 fala. (fim de réplica)

ANTENISCA ― Nada não, Donana. T74 não. (fim de réplica)

DONANA ― Fala, mulé. Seu “tombém” ficou aqui na garganta. Aqui. E eu não engulo. T74 Fala. Seu T77 tombem

ANTENISCA ― Ela carece de ver outras luas. T74 lua.

5 DONANA ― Lua?

ANTENISCA ― Respirá outras brisas. Colher outras flores. Abrir outras cancelas. Né, minha T74 cancelas, né,
filha?

DONANA ― Bobage.

ANTENISCA ― Carece de palmilhá outros caminhos. Ouvir outros chocalhos.

10 DONANA ― Bestera. T74 Bestêra.

ANTENISCA ― Sabe de uma coisa, Donana? Ninguém chocalha ela aqui. A menina anda T77 ninguem (s.a.)
parada, largada de lado, jogada fora. A passarinha quieta. Xô, xô! Avôa menina, T74 Chô, chô!
avôa!

MARIA ― Me deixe. Um dia eu avôo mesmo. E vou rodá no carrossel do destino. T74 deixa.T77 de/*s/tino

15 DONANA ― Que futuro, que futuro!

MARIA ― Ou então, pra não matar ninguém de vergonha: vou por aí a fora pela estrada, T74 MARIA ―Tá bom! então (s.v.) T74 eu vou T77 for/*a/,
pela
com os anjinhos todo ao redor. Melhó, não é? T74 anjo tudo ao redor. Melhó!
DONANA ― Credo, diz bestera, peste. Cala essa boca.

ANTENISCA ― Quem tá falano aqui em morte, sinhá burra?


T74 aqui de precissão, sua burra?

MARIA ― Sei muito bem do que eu falo. Se ele não falar comigo, eu me mato. T74 falo. (fim de réplica)

DONANA ― O que foi que ela disse, Antenisca? T74 (não existe esta réplica.)

ANTENISCA ― Nem ouví direito. T74 (não existe esta réplica.)

5 MARIA ― Morte, morte! T74 (não existe esta réplica.)

DONANA ― Menina, tu não repete esse pensamento. Tesconjuro! (M. sai) T74 Tesconjuro! (fim de réplica)
T74 há outra réplica após esta: MARIA ― Morta! Morta,
morta! (sai correndo)

ANTENISCA ― Vixi! Tá mesmo apaixonada. T74 Virxi!

DONANA ― O quê? T77 que (s. a.)

ANTENISCA ― Nada. Eu disse – cumadre num é nada. (À parte) Cuia emborcada não guarda T74 (à parte) Cúia
10 água. T74 agua! (s.a.) T77 agua (s.a.)

DONANA ― Vou já aí, Antenisca. Agorinha. T74 (não existe esta réplica.)

CENA 8
T74 7 T77 CENA VIII

HONORATO ― Não quero que me queiram mal – mas preciso de um favor do amigo. T74 mal,

ALCOFORADO ― Diga logo, home de Deus.

15 BAFO ― Fala. T74 (não existe esta réplica.)


HONORATO ― Acho que era bom... o sr. e o moço... pousarem noutro lugá. O sr. podia se
abrigá na Fazenda do Icó. Aqui pertinho. Mais seguro. Melhó. Não vejo confôrto T74 bom o sr. e o moço, pousarem
nenhum na Vila pra hospedá o sr. T74 hospedá o sinhô.

ALCOFORADO ― Escuta aqui, home – eu sou um cabra que sei onde tenho a cara. Viu bem isso? T74 Escuta qui T74 cara. Disposto T74 como eu,
Disposto como eu – mais ninguém. Sou afoito. Vou aonde entendo de ir.

5 BAFO ― E eu vou junto. T74 E eu –

ALCOFORADO ― Ofensa feita é ofensa cobrada. Não me venha com pano quente. Olha que eu
cobro ofensa recebida. T74 cobro as ofensa T77 cóbro

HONORATO ― Mas que ofensa, que ofensa, seu Alcoforado Moitão. Que ofensa? T74 ― Mas que ofensa, seu Alcoforado

ALCOFORADO ― Escuta aqui: o sr. dorme no mato? Dorme em moita de gravatá? Dorme T74 aqui – o sr.
10 à sombra de quixabeira? Dorme ao relento?

HONORATO ― Não sinhô.

ALCOFORADO ― Num dorme? Até maribondo tem casa.

HONORATO ― Durmo no meu trabalho – na venda. T74 trabalho, na minha venda

ALCOORADO ― Pois aonde dorme um – dorme três. Não sou de luxo. T74 ALCOFORADO ― Pois aonde dormem um – dorme
três. Não sou de luxo, nem careço de conforto.Vamo
imbora junto. Danei de mandá recado. Se alguém, lá na
15 BAFO ― Nem carece de conforto. Vila, falá demais – eu acerto conta adispois. Vamos. Vamo
junto os três. Resolví desafetar todo mundo. Donana que se
ALCOFORADO ― Vamo imbora junto. Danei de mandá recado. Se alguém lá na Vila falá demais prepare! Raposa cai o cabelo, mas não deixa de comer
galinha. Sou tinhoso! Vamo.(...) 181
– eu acerto conta adispois. Vamo. Vamo junto os três. Resolví desafetar todo
T74 Vamos. Vamo
mundo. Donana que se prepare. Raposa cai o cabelo, mas não deixa de comer T74 prepare! Raposa
galinha. Sou tinhoso. Vamo!

5
CENA 9 T74 8 T77 CENA 9

ROSA ― Teje preso! (abraça Vivinho) Quem acha encaixa! T77 emcaixa! (falha de datilografia) T74 acha,
encaixa!

VIVINHO ― Me deixe. Tô cansado. T74 deixe, to

ROSA ― Frouxo. Andô muito hoje? T77 hoje[?] (transformou o ponto em interrogação)

VIVINHO ― Não. Pelei uns 30 papagaio. Só ontem. E hoje já.... T74 Pelei 30 papagaio, só onte. T77[→ E hoje já...]

10 ROSA ― Que absurdo – eu aqui, e você pelando papagaio. Nojento. T77 voce (s. a.)

VIVINHO ―E Sezinando? Já foi imbora? Não é mais?

ROSA ― Nunca foi. Tu tá enciumado dele, é? É só amigo meu. Sezinando é meu amigo
desde a idade média.

VIVINHO ― Sei. Cresceram juntos. Cerca ruim é que ensina boi a ser ladrão. T74 Cêrca

15 ROSA ― Cê mesmo pode falá. Fiel... T74 (ironica) Fiel!

VIVINHO ― Sempre fui.

ROSA ― É? E Aldalice? Pensa que me esquecí, foi? Se alembre do lha-galhá que foi, se T74 ROSA —E Aldalice? T74 do lha-ga-lha

181
Observa-se que, no T77, houve deslocamento de parte desta réplica. O T74 reúne três réplicas de T77.
alembre! T74 foi. Se alembre.

VIVINHO ― Limpe a boca quando falá dela.

ROSA ― Ainda? Pensei que tinha acabado. Só faltava trazê o padre pra benzê o suvaco
de Aldalice. Um chamêgo. Um dengo. Um tezão. T74182

5 VIVINHO ― Quem pode falá disso sou eu mesmo.

ROSA ― O trabalho é do marimbondo que quer fazê a casa no cú do boi. Azar! Gostei T74183 T77 184T74 Gostei da pisa
demais da pisa que ela lhe deu. Muito bem dada. Sabe de uma coisa, Vivinho? Cê
pensa que eu ainda gosto de você, é? Eu lhe esquecí no dia 29 de novembro de
1910! (Sai) T74 1910! (sai antes dele)

10 CENA 10 T74 9 T77 CENA 10

ALCOFORADO ― É isto; se não precisasse não ia pra lá.


T74 isto:
BAFO ― O povoado é grande?

HONORATO ― Uma bobagem. T74 bobage.

ALCOFORADO ― Além de Donana, quem é mais conhecido meu por lá, qual é o povo? T74 por lá – qual

15 HONORATO ― Dona Antenisca e o sobrinho.

ALCOFORADO ― Home feito ele? T74 ele (s. a.) T77 êle

HONORATO ― Só cresceu por fora.

182
Corte da Censura: tezão (f. 10, L. 23).
183
Corte da Censura: no cú do boi (f. 10, L. 25).
184
Corte da Censura: cú do (f. 11, L. 17).
BAFO ― E essa Antenisca? É solteira, é casada, é viúva, é... T74 viuva? (fim de réplica) T77 viuva (s.a.)

ALCOFORADO ― Carece de perguntá isso, Jegue?

BAFO ― É mulé, num é? Então. T74 mulé – num

HONORATO ― Que despropósito, Dona Antenisca é mulé séria, decente, uma sra. de respeito. T74 despropósito.

5 BAFO ― Tudo assim? Infeliz! T74 assim? (fim de réplica)

ALCOFORADO ― Continue. Deixa esse jegue pra lá. Qual é o povo? T74 Deixe T74 Jegue

HONORATO ― Chico Feitosa – mofino e teimoso que nem o cão. T74 Feitosa. (fim de réplica)

ALCOFORADO ― Feitosa... conheço essa família. Hum... essa raça de gente é pior do que cobra. T74 Feitosa...Conheço T74, T77 familia (s.a.)

HONORATO ― Chico tá na Vila não. Foi pra Cidade. Mas num é inimigo de ninguém. Se T74 Vila,T74 ninguém coitado.
10 fosse – nem seria importante. T74 não seria

ALCOFORADO ― Não há inimigo pequeno, seu Honorato. Mutuca é que tira boi do mato. T74 pequeno. Mutuca
Continua. O resto do povo. T74 Continua. (s. a.) (fim de réplica)

HONORATO ― Rosa Choque. Vive só. É viúva. T74, T77 viuva (s.a.)

BAFO ― Que?

15 ALCOFORADO ― Mulé dama. T74 (não existe esta réplica)

HONORATO ― Mulé de virá e revirá o juízo de um home. Eu mesmo fiquei tanto-ou-quanto T74, T77 juizo (s.a.)
balançado pro lado dela. Fiquei. T74 dela. (fim de réplica)
BAFO ― Bonita?

HONORATO ― Um mimo. Um primor. Vaqueta de espingarda. Boca de chupá-ovo. Olho de T74 HONORATO ― Um primor. T74 chupa-ôvo.
cabra morta. Ninguém arresiste. Um mimo. Um presente. T74 Nínguém arresiste. Um primor. (fim de réplica)

ALCOFORADO ― Largue de assanhamento, largue de bobage, home. Continue! T74 ALCOFORADO― Largue de bobage, home.
Continue. T77 large de bobage (erro óbvio)

5 HONORATO ― Se é questão de nome – lá vai: Justino Neneu, professor. Honório e T74 uma questão T74 nome, pro sr. vê se tem algum
Mocinha – um casal de roceiro. Henrique Gaguinho – alfaiate de primeira, cada conhecido seu, lá T74 Nenéu, professô. T74 roceiro.
Antonio Matilde. Dada Jurubéba.
roupa que doi-doi. Dadá Jurubeba...

BAFO ― Dadá Jurubeba! Viúva tombém?


T74 Jurubéba... T74 também?

HONORATO ―Velha e paralítica – mãe de Antônio Matilde. Isidóro e Desidério, dois irmão. T74 Antonio (continua) Isidóro T74, T77 Antonio (s.
10 Moram afastados da Vila, cum a mãe – deles lá. Inhá Batista, mulé de muito a.)
T74 Desidério – dois irmão que moram afastado T74 Inhá
ensino, assina o nome e lê letra de imprensa. Eleitora do MDB. Artista de Circo Batista. (fim de réplica)
na juventude. Esclarecida.

ALCOFORADO ―Donana vive cum a filha?

HONORATO ― Quem lhe falou que ela tem uma filha? T74 (não existe esta réplica.)

15 ALCOFORADO ―Vive cum a filha? T74 (não existe esta réplica.)

HONORATO ― É. Cum a Maria. Tá uma moça agora, a menina. Bonita demais. T74 agora. Bonita

BAFO ― Não tem pai. Nem irmão ela? T74 pai, nem

ALCOFORADO ― Escuta aqui, Jegue. Escreva bem o que lhe digo. Me entenda bem, home: não T74 Escreva o que
chegue perto dessa menina – nunca. Tou falano. Se tu se esquecer disso, pode T74 Tou falando.
mandá tua família comprá a fita de luto. Tô dizendo – não se achegue NUNCA ! T77 T74 Tô dizendo – NUNCA! T74, T77 familia
(s.a.)
Continue, Honorato. Continue, vamo – qual é o povo? Quem é mais que tem? T74 Continue, vamo. Continue falando. (fim de
réplica)

CENA 11 T74 (parte da cena 10) T77 CENA 11

ANTENISCA ― Os criadores devem destruir os focos de morcego, por causa da raiva bovina. T74185 T77 fócos
A raiva bovina vai atacar os home nesse ano. Dizimá tudo. Cuidado com os
5 micróbios e os vírus do Ipiranga. T74 microbios (s. a.) T77 virus (s.a.)

ROSA ― Será que eu tenho isso, Maria?

MARIA ― Sou lá veterináro pra saber, sou? T74 MARIA ―Vá vê no veterinário logo.

ANTENISCA ― Se uma moça quer saber se se casa breve...

ROSA ― Agora, agora – pra você, Maria. T74 você. (fim da réplica)

10 ANTENISCA ― Tome uma vage bem grande, de ervilha roxa.

MARIA ― Roxa. T77 Roxa (s.p.) (tomou-se a lição de T74.)

ROSA ― Bem grande. T77 Bem grande (s.p.) (tomou-se a lição de T74)

ANTENISCA ― Cum nove ervilhas dentro. Coloque em riba da porta. T74 um riba

ROSA ― Em riba. T77 riba (s.p.)

15 ANTENISCA ― Sem que pessoa veja. Adispois, fique de Olho. Quem passar primeiro na porta T74 Asipois, T74 ôlho. T74 passá T77 Ôlho
– se for rapaz solteiro – a moça casa breve. Se for mulé – num casa nunca. T74 breve, se for mulé – num casa nunca

185
A Cena 1 do T77 é continuação da Cena 10 do T74. Nas páginas 153, 154 e 155 desta dissertação pode-se encontrar na íntegra as réplicas da Cena 1 do T77 e da Cena 10
do T74. A análise das variantes do testemunho T74 estão correspondendo as réplicas da Cena 1 do T77.
MARIA ―Virxi... T74 VIRXI!

ANTENISCA ― Se for home casado... T74 (após esta réplica tem-se:


ROSA ― Hum.)
ROSA ― Cuidado cum a liberdade que tá dando, pra num se arrepender mais tarde. T74 ANTENISCA ― Cuidado com

ROSA ― Mais tarde não é agora. Continua. T74 ROSA ― Ora – mais tarde num é T74 Continua
(s. a.)

5 ANTENISCA ― Se uma moça sai pra passear com o namorado – e um casal de pombos branco T74 namorado,
acompanhá, avoando em círculo, em riba deles, arrulhando – é sinal de T74 voando T74 circulo (s. a.)
casamento feliz. Se não houvé casal de pombo, em riba, avoando – desista,
desista que num vai dar certo.

MARIA ― Fico tão apressada quando vou me encontrar com Vivinho, que nem arreparo T74 encontrá com ele, que
10 nisso. Vou olhar agora. T74 olhá

ROSA ― Eu – olho sempre, que num sou besta. Vou afastando logo os bichinhos – sai, T74 Eu olho
sai! Quero lá casar? T74 “Sai, sai”. T74 casá?

ANTENISCA ― (solene) Pra se evitar o divórcio! T74 ANTENISCA ―Para se evitá o divorcio! T77
divorcio (s.a.)

ROSA ― Evitá?

15 ANTENISCA ― Para vivê feliz, até a morte, na mais perfeita união, a mulé deve adquirir o
coração de um casal de cordoniz, engastar num medalhão de prata, e levá no
pescoço.

ROSA ― Até a morte mesmo – não quero não. Exagero! T74 num quero T74, T77 Exagêro
MARIA ― Só quero. Até a morte. T74 morte!

ANTENISCA ― A explicação dos sonhos. T74 sonhos!

ROSA ― Presta bem atenção agora.

ANTENISCA ― Sonhá com banana verde – não creia no namorado. Sonhá com barba grande –
5 perigo de ser mulé de padre. Sonhá com arma cortante, disputa de herança em T74 cortante – disputa
casa. Sonhá com açúcar branco... T74, T77 açucar (s.a.)

ROSA ― Ai, que sonhei com isso! T74 isso.

ANTENISCA ― Bons amores. Se comer do açúcar – miséria certa: engravida! T74, T77 açucar (s.a.) T74 miseria (s. a.) T74 certa
Engravida!
ROSA ― Gentes, será? Vai advinhar assim na Feira de Caruarú! T74 será? Tou perdida. Vai advinhá T74 Caruaru!
(s. a.)

10 ANTENISCA ― Sonhá cum baile – alegria.

MARIA ― Sonhei dançando cum ele. T74, T77 dansando T74 com ele.

ANTENISCA ― Dançando, perigo à vista. T74 Dansando (s.v.) T77 Dansando [,]

MARIA ― Oh! T74 OH!

ANTENISCA ― Para quem sofre de uretra, começo de hidropisia – chá de mandacaru, à base T77 comêço
15 de 2 por dia. Para quem sofre de arfação, uma dorzinha do lado direito, ou na
boca do estômo – sinal de fígado ruim. Que foi? T74 figado (s. a.)

ROSA ― Maria tá com falta de ar. Sentino mal. T74 A menina tá T74 farta

ANTENISCA ― Leve. Leve ela lá pra fora. Já. JÁ! Não quero cumplicação pro meu lado. O T74 Já. Já. Num
malfeito é da conta de todo mundo. Leve logo. E nada de falatório, hein. Nada de
falá. Boca calada é remédio. T74 remedio! (s.a.)

CENA 12 T74 11 T77 CENA 12

DONANA ― Pode ser que eu me engane – mas tenho pra mim que Honorato tá é fazendo T74 engane, T74 tá fazendo
alguma bestera. Pela fumaça se conhece o pau do tição. Ele tá demorando demais
5 com a notícia de Alcoforado. Demais. Já devia ter surgido. Mas só faltava mesmo T74 bestêra.
aparecer agora Alcoforado Moitão. Quem diria? Será que esse peste tá me T74 noticia (s. a.) T74, T77 êsse
T74 diria.
pastorando? E num é? Parece. Será? Sempre no meu coice. Cum a morte da mulé
T74 Alcoforado,
dele, Alcoforado desencabeçou de vez. Acabou como é hoje: comprando a morte.
Assim. Pervesso que só jararaca de rabo fino. Teimoso como jegue. Vingativo.
10 Desavergonhado. Orgulhoso. Ousado como a peste. (rí) E valente. Bicho macho
T74 (ri) (s. a.)
mesmo. Por dentro, bem no fundo – um home triste. Sozinho. Querendo T74 companhia. Ah, quem cuida da vida dos outros
companhia. (pausa) Ah, deixa pra lá. Quem cuida da vida dos outros se esquece se esquece da sua. Deixe isso pra lá, Donana. Tenho
da sua. Tenho nada com isso. E esse cabra frouxo do Honorato que não chega. E T74, T77 sosinho
Maria que não me aparece. T77 êsse T77186

T74 12 T77 CENA 13


15 CENA 13

VIVINHO ― Chega, nega. Chega se não eu me intrigo. Chega. Deixa eu cheirar teu suvaco. T74 cheirá T74 suvaco, deixa T77 nêga
Deixa eu lambê teu umbigo.

ROSA ― Oia! Num seja atrevido, Vivinho. Nós num tamo sozinho. Olha a situação. T74, T77 sosinho
Vim aqui fazer compra. T74 fazê

20 VIVINHO ― Sei.
ROSA ― E num foi?

VIVINHO ― Não.

ROSA ― É?

VIVINHO ― É! T74 VIVINHO ― É.

5 ROSA ― E então?

VIVINHO ― Veio foi vê o Bafo de Jegue.

ROSA ― Quem é – ele? O nome dele é esse? Bonito. T74 Quem é? Ele? T74 êsse

VIVINHO ― Tá pensano que eu sou cego – sou? T74 que sou cego? Sou?

ROSA ― E apois? Daí? Tem a ver com isso?

10 VIVINHO ― Nem quero.

ROSA ― Pois então me deixa.

VIVINHO ―Tava só brincano. Como a gente já “brincou” um dia, pensei que podia. T74 brincando
Adisculpa, madama.

ROSA ― Madama tu sabe quem é. Tão olhando. Vê se colabora peste. Me ajude.

15 VIVINHO ― Deixa comigo. Venha. Atenção todos: eu quero apresentar a vocês uma amiga T74 Deixe T74Venha. Eu quero T74 vocês,
nossa – dona Rosa Choque.

BAFO ― Prazer.
ALCOFORADO ― Uma honra, distinta.

ROSA ― Pode tirá a dona: Rosa só.

ALCOFORADO ― Então tiro a honra também: distinta só.

BAFO ― Se abanque.

5 VIVINHO ― Nós tamo na cantoria, Rosa. Gosta?

ROSA ― Demais. Tu tá cansado de saber. T74 sabê.

VIVINHO ― (apresentando Bafo) Esse aqui tanto entende de bacamarte, como de cantoria. T74 VIVINHO ― Esse, tanto T74 como entende

BAFO ― Só que falta a viola pra cantá. T74 viola (fim de réplica)

ROSA ― Mesmo serve. Se falasse comigo: viola é coisa que num falta aqui. T74 viola é o que num falta (fim de réplica) T77 aqui
(s.p.) (tomou-se a lição de T74)

10 ALCOFORADO ― Deixa pra lá. Ninguém aqui é cantador mesmo. Só tava arrecordando umas T74 ALCOFORADO ― Não precisamo, não.
coisas. Ninguém

VIVINHO ― Seu Alcoforado conheceu Zé Limeira. Sabe muita coisa dele. T74 conheceu o Zé

ROSA ― Que bom. Tem muita coisa boa ele. T74 ROSA ― Zé Limeira? Que T77 bôa T74 êle.

BAFO ― Tava cantando o Novo Testamento. T74 Tava contando

15 ROSA ―Verso de religião? T74 ROSA ― Sei.. .Verso de religião, né?

ALCOFORADO ― É. Religião (todos riem da ignorância dela). T74 Religião. (todos riem) (fim de réplica)
T77 ignorancia (s. a.)
ROSA ― E num é?

ALCOFORADO ― Quem disse que não? Oia: Um dia N. Sra. se encontrou com Rui Barbosa. T74187 T74 Barbosa – tiraro
Tiraro um dedo de prosa. Voltaro e fôro se imbora. Judas se enforcou na hora, T74 prosa – voltaro T74 embora. T74 hora – numa
numa corda de cimento. Butou os filho pra dentro. Foi pra Barca de Noel. Viva a T74 os filhos
5 Princesa Isabel. Diz o Novo Testamento. T74 Isabel! T74 novo testamento.

VIVINHO ― Bonito. T77 Bonito (s.p.) (tomou-se a lição de T74.)

ALCOFORADO ― São José de Milibú era pai de Jesus Cristo, mas quando ele soube disso, já T74 Milibú – era T74 Cristo – Mas
tava em Caruaru. O mundo ficou azul. Começou um pé de vento. São Pedro vem T74 disso –
lá de dentro, correndo atrás duma lebre. Quem for pobre que se estrepe. Diz T74 dentro – correndo
10 Novo Testamento.

BAFO ― Getúlio Vargas morreu foi cum saudade da esposa. Lampião ainda vive, T74, T77 Getulio (s.a.) T74 morreu – foi T74 esposa –
T74 vive – morando T74 do Sousa. T74 Estrelo – tem
morando perto de Souza. Por trás de Sete Estrelo tem um casal de raposa.

ROSA ― E o Novo Testamento?

ALCOFORADO ― É comigo: Jesus Cristo entrou em Belém, proibindo o califon, montado na sua T74 Belem (s. a.) – proibindo T74 califon – montado T77
cafifon (tomou-se a lição de T74.)
15 idéia, nas ruas da Galiléia, com grande contentamento tocou viola e piston. Diz o T74 ideia – T74, T77 ideia (s. a.) T74 Galileia – com
Novo Testamento. Tá vendo assim? N. Sra. São José. Judas. Jesus... tudo T74, T77 Galileia (s. a.)
religião. Tenho outra: Pedro Álvarez Cabral, inventor do telefone, começou tocar T74 Jesus – tudo T74 religião. Olha: Pedro Alvares (s. a.) –
trombone, na casa de Zé Leal. Mas como tocava mal, arranjou dois instrumentos. Cabral – inventor T74 telefone – começou tocar trombone
– na volta de Zé Leal – mas T74 mal – arranjou
Daí chegou um sargento, querendo enrabar os três. Quem tem razão é o freguez.
T74 sargento – querendo
20 Diz o Novo Testamento. Tá vendo? Tudo religião.
T74 Tavendo só: tudo religião.

BAFO ― Eu só gosto dessa moça, porque tem vegetação. Porteira de pau a pique. Três

187
Corte da Censura: Quem (f. 16, L. 25-34); até Novo Testamento (f. 17, L. 1-21 )
peneus de caminhão. Rabo de jumenta russa – e haja chuva no sertão. T74 pneus T77 [e] haja
T74 (há outras réplicas após esta: ROSA ― Uai.../
ALCOFORADO ―Ela qué é Testamento, Jegue. Tome lá
outro: O véio Tomé de Souza governador da Bahia – passou
o pau na esposa. Ele fez que nem raposa – cumeu na frente e
atrás. Chegou na beira do cais, onde o navio trefega, cumeu
o padre Nobrega. Os tempos não voltam mais. Tudo agora é
só momento. Diz o Novo Testamento.)
ROSA ― Acho que tá na hora de eu ir embora.

BAFO ― Já?

VIVINHO ―Vai não.

5 ROSA ― Acho que sim.

ALCOFORADO ― Agora que vai começar as festança? T74 Então vai T74 começá T74 a festança.

ROSA ― Não deixo a minha rocinha, pelas festanças da Praça. Cavalo magro não T74188 T74 ROSA ― (ofendida) Não T74 cavalo magra
corre. Cachorro doido não caça. Conheço o pai do menino, pela braguilha da T74 calça. Até. A cantoria tá ficano só pra home. (fim de
réplica) T74 há outras réplicas após esta: ALCOFORADO
calça. (para Bafo) Se tu for à minha casa, tem capim pro teu cavalo. ― Inda bem./ BAFO ― Se é porisso a gente deixa de
10 Adeuzinho... cantá./ ALCOFORADO ― Quem?/ BAFO ― Eu.../
ALCOFORADO ― AH!/ Rosa ― Se tu for na minha casa,
tem capim pro teu cavalo. Se chegá um fotográfo, eu
mando fotografa-lo (s. a.). Se chegá um filosófo eu mando
189
filosofá-lo. Adeuzinho... T74

VIVINHO ― Quem procura e acha num perde seu tempo. T74 acha,

ALCOFORADO ―Nega besta essa. T77 Nêga

BAFO ― Bonita como o droga.

188
Corte da Censura: Pela braguilha da calça (f. 17, L. 29).
189
Observa-se que, no T77, houve junção de parte desta réplica.
ALCOFORADO ― Pega. Pega pra tu vê. Por baixo do suvaco tem até inhaca de macaco.

VIVINHO ― Isso tem não. Ela é até muito cheirosa T74 Ela é muito cheirosa até.

ALCOFORADO ― Não pro meu nariz. Isso aí pega, por qualquer arrilia, no mocotó de Sansão. T74 nariz. Ora, isso aí pega, T74 qualqué
Pega, sim: mulé como ela num serve não. Pra mim. Ninguém se fie em cachorro T74 Ah, pega. Mulé assim num
T74, T77 sosinha
5 que num fica na cozinha, nem em mulé que passeia sozinha.

CENA 14
T74 13 T77 CENA XIV

DONANA ― Tá! Chegou quem eu queria. Honorato, me diga uma coisa por seu favor: T74 DONANA ― Está! T77 chegou
onde é que anda Alcoforado Moitão?

HONORATO ― Oxente, Donana, num sabe, não? T74 sabe? (fim de réplica)

10 DONANA ― Não. Num sei.

HONORATO ― Tá me aparecendo aborrecida, cumadre. Aperreiada. Alguém lhe fez alguma T74 parecendo aborrecida. Aperreiada.
contrariação? T74 alguma? (fim de réplica)

DONANA ― Não meta a mão em cumbuca. Responda. T74 Num meta

HONORATO ― Tem algo assim errado?

15 DONANA ― Home, do jeito que vão as coisas, eu tenho pra mim que vai tudo errado.
Aonde está Alcoforado Moitão?

HONORATO ― Não se avexe. Tudo está resolvido. E foi este seu criado aqui, que lhe está T74 Foi este seu criado que lhe está falando (s.v.)
falando, quem resolveu. que resolveu.

DONANA ― É possível? Então diga, diga – diga como foi tudo. T74, T77 possivel (s.a.) T74 diga, diga, diga
HONORATO ―Escuta, Donana – por que é que não está direito um home pedí pousada num T74 Escuta aqui primeiro, porque é que num tá direito
lugá aonde chega? E se é um perseguido, pedir também aos outros o silêncio. Cê T74 silencio? (s. a.) (fim de réplica)
agora tá do lado da Poliça, Donana?

DONANA ― A ousadia em que este home vive é que não está direito. É uma coisa fora do T74 num tá direito
5 termo e da regra. A ousadia, viu? Só isso. T77 têrmo

HONORATO ― Ousado ele é mesmo. Isso lá é. Onde já se viu desafetar a sra., e mandá dizer T74 Isso lá é. Desafetar a sra. (s.v.) T77a sra. [,]
T74 prepare – é muita ousadia
que se prepare. É ousadia mesmo.

DONANA ― O que? Ele disse isso? Aquele mundiça! Ele que largue meu nome de mão, e
que deixe de paleio com a minha vida. Não tome confiança comigo que não sou
10 seu parceiro. Cabra sem criação! Eu que me prepare – só faltava. Onde é que
essa desgraça está, onde? T74 está? (fim de réplica)

HONORATO ― A sra. sabe, né?... Ele não ia embora mesmo. Primeiro mandou o recado – eu T74 né...o home não
trôce. Depois levei o recado de novo. Ele não quis aceitar os termos. Então ... T74 recado. Eu trouxe. T74 levei recado T74 num quis
T74 Então ...o jeito mesmo era... T77 quis

DONANA ― Que termos? Não houve termo nenhum, Honorato. A gente disse é que ele T74 fosse pra outro lugá. (fim de réplica)
15 fosse embora daqui, pra outro lugá. Não houve termos.

HONORATO ― Pois ele num quis. Disse que vinha de qualquer jeito. Pra não haver agravo na T74, T77 quiz T74 Pois é – ele T74 quiz ir T74
situação, pra ajeitar as coisas, pra ninguém sofrer vexame pra consertar a louça, qualqué jeito T74 Pra num T74 coisa T74 sofrer
vexame, pra consertar, eu trouxe ele comigo. Tá lá na
pra... Venda.190
T77 prái
DONANA ― Fala logo! T74 (não existe esta réplica.)

20 HONORATO ― Tá lá na venda. T74 Venda

DONANA ― Você é besta, Honorato – é menino? Desse jeito você se estraga. Tá pensando T74 Honorato? É menino? T74 estraga. Ou você ta

190
Observa-se que, no T77, houve deslocamento de parte desta réplica.
que leite de sapo dá coalhada?

HONORATO ― O home vinha mesmo, Donana – aquilo é o cão. O cão em pintura de gente. T74 Donana. Aquilo
Ia ser um reboliço aqui, pra todo mundo. Ele parece decidido.

DONANA ― Muito. É algum arrojo vir prum lugar como esse? Pra uma cidade mirrada T74 DONANA ― É algum arrôjo vir pruma cidade
mirrada, como essa, é? T74, T77 arrôjo
como essa, é? É valentia tratar com gente como vocês – a pior nação de gente
5
que eu conheço – é ? Se aqui chovesse cangalha, todo mundo andava vestido. T74 conheço é?
Cambada de burros. Jegues! Seus froxos! É preciso você compreender uma T74 Cambada de burros! Frouxos!
coisa, Honorato: sombra de pau não mata cobra não, home. Tu tem medo de T74 coisa, home: T74 a cobra, não, Honorato.
ameaça? Se respeite. Na minha família nunca deu home covarde. Herdei isso. T74, T77 familia (s.a.)
10 Cês todos são uns bananas. Vou lá agora. Vou liquidá umas contas que eu tenho T74 Vocês todos T74 Vô lá agora. Vô liquidá
com ele. Ele vai se ver. Saiu-lhe o ano bissexto. Cambada de frouxos – bananas! T74 com êle.
(Sai retada) T74 Cambada de frouxos! Bananas! (sai)

HONORATO ― Eita! Pra dizer o que essa mulé falou, precisa não saber o que diabo é medo. T74 esta mulé me disse,
Uma mulé dessas não pode viver sem home: tem de tirá raça. Virgi, eu vou na T74 raça. Vou na frente
15 frente pra ver se desagravo a situação. Donana não pode se encontrá com eles. T77 [↑não] pode
Não pode. Nem vai! T74 Nem vai! (Sai)

CENA 15
T74 14 T77 CENA 15

ANTENISCA ― Essa hora assim da noite, e aquele menino que num chega – Arenista! T74 noite (s.v.) T74 chega. Lacrau!
Lacrau! Piôio de cobra! Vai vê quando chegá. Enquanto não vem – melhor é T74 Pioio de cobra. T74 vem, melhor
20 aproveitar e ver a encomenda da mãe de Aldalice: descobrir que cobra mordeu é aproveitar, e ver T74 Aldallice
Antonio Mascarenhas. Mas isso, só mesmo consultando o Almanaque. Só com
os fluidos do Almanaque. Deixa vê. Essa cobra malvada que matou Antônio T77 Antonio (s. a.)
Mascarenhas foi uma patrona danada, daquelas que quando não mata o cristão,
deixa ele aleijado. Ficam dando as aparências que esta cobra foi mandada. T74, T77 aparencias (s. a.)
Tesconjuro serpente! Virxi! Isso é crime – CRIME! Como é que vou dizer isso a T74 serpente! (abre os olhos e termina o transe) Virxi.
VIRXI! T74 crime. Crime!
mulé dele? Vou? E vou? Digo nada. Quem se mete a Redentor acaba
T74 arcano T74 sólto.
crucificado. Os arcanos tão mesmo solto. Vem é coisa por aí. Não quero nem me T74 Num quero T74 acontecer por aqui nem T74
concentrá nisso. É bom nem saber. O que vai acontecer nem é bom saber – que sabê. Que vai – VAI!
vai – vai!

CENA 16 T74 15 T77 CENA 16

VIVINHO ― Donana tá em casa? Minha tia queria saber se ela... Escuta aqui Maria, cê T7 4 sabê T74 Escuta Maria,
5 num acha que o castigo já deve acabá? Que a gente deve voltá a se entender
como antes? Tou cansado de não te vê, Maria. Fala. Fala uma coisinha só, mas T74 Fala, fala uma
fala. Mulé calada é pior que boi sonso. Fala. Daqui a pouco tua mãe chega.
Temos pouco tempo. Fala alguma coisa. Se fechá assim no silêncio não há quem T74 Temo pouco T74 fechá no silencio – num há
agüenta, Maria. T77, T74 silencio (s.a.) T74, T77 aguenta

10 MARIA ― Silêncio também é resposta. T74, T77 Silencio (s.a.)

VIVINHO ― Brigá por causa de uma besterinha de nada.

MARIA ― Ferida pequena é que dói. T74, T77 doi (s.a.)

VIVINHO ― Briga comigo não. Olha, no dia em que eu me zangar – mato você de carinho. T74 zangá
A gente precisa se ver, Maria. Vamo marcar encontro no umbuzeiro, naquele T74 vê. Vamo marcá T74 encontro naquele lugá?
15 lugar? Hoje de noitinha? Vá, não deixe de não ir. Eu preciso conversar muito T74 conversá
com você. Cê vai? T74 você, Maria. Cê

DONANA ― Maria! Vá procurar Honorato, e diz pra ele que eu quero falar com ele. Diga T74 pra ele (s. a.) T74 falá cum T77 êle
que não tenha medo não – não é pra matar: é só pra inzemplar ele. Cabra frouxo. T74 que tenha T74 matá,
Quem mata a cobra mostra o pau. Quero ver agora. Fico retada com home T74 frouxo! T74 mata cobra T74 vê agora
20 frouxo, com cabra maneiro.
MARIA ― A sra. num veio da venda? Ele não está lá? T74 não veio

DONANA ― Tinha ninguém no diabo da venda. Alguém, alguém avisou que eu ia lá. T74 venda. Ninguém. Muito menos
Tinha ninguém – muito menos Honorato, que ele não é assim tão besta. Procure T74 ele num T74 é tão besta assim.
ele pra mim. Diz pra vir aqui. E você, Vivinho, o quê é? T77 que (s. a.)

VIVINHO ― A tia quer falar com a sra. Mandou recado.

DONANA ― Esquisito – quando Antenisca quer falá comigo vem sempre. Tá bom. Ela que T74 Esquisito, T74 qué falá T74 Tá bom. Pode vir, é até
bom ela ouvir
venha – não vou sair de casa. É até bom ela aqui pra ouvir o que vou dizer pra
5 Honorato. Vá logo, menina. Tá esperando o quê? T74 logo menina, tá esperando T77 o que ? (s. a.)

VIVINHO ― Então eu também vou indo. Aproveito vou cum ela. Ajudo a procurá o home. T77 tambem (s. a.) T74 Então eu vou cum ela.

DONANA ― Vai, vai meu filho – é bom até, é até bom mesmo. (saem) Alcoforado e o T74 é bom, é até bom mesmo. (Saem) T74 Alcoforado e o
Jegue tinham saido. Pra cima de mim? Muito conforme. Conforme demais. Isso outro tinham saído. T74 mim? Isso foi coisa de Honorato.
é coisa do Honorato. Mas ele não escapa. Nem ele – e muito menos Alcoforado T74 num escapa. T74 Nem ele, T74 Alcoforado.
10 Moitão. Dizem que o que mais se perde neste mundo é vontade. Eu acho que é –
vergonha! T74 é vergonha!

CENA 17 T77 CENA 17


T74 (não existe esta cena.)

ALCOFORADO ― Não minha persiga? Ela tombém? Eu pego ela. Eu pego. Tou retado. Tou
doente. Quando encontrar a gata, quebro-lhe dente por dente. Tiro a língua. T74, T77 lingua (s.a.) T77 Tiro<u>/-\lhe
15 Arranco os ólho. Deixo a caveira somente. Tiro-lhe o couro dos beiço, deixa ela
assombrando gente. Era só o que faltava – querer ser mais do que eu! Tou
cansado da desgraça, mas eu encontro essa burra: acabo com aquela raça.
Desaforo não há quem atura. Não eu!

HONORATO ― Cuidado, Donana é taca. Tome purga de jalapa, quebre ovo e beba a gema, T77 ôvo
20 que dela ninguém escapa. Eu que o diga!

ALCOFORADO ― Me deixa. Sou filho de Bom Jardim, inda não nasceu no mundo, alguém pra
bater em mim. Se nasceu não se criou – e se criou levou fim. Já fiz estrela correr.
Já fiz sol quente esfriar. Já segurei uma onça pra dois moleque mamar.
HONORATO ― Tá parecendo pabulage.

ALCOFORADO ― O quê? T77 O que (s. a.)

HONORATO ― Nada não. (à parte) É por isso que num chove no – sertão. T77 (à parte) <Maldição !>

BAFO ― Milhor é o sr. pegar a estrada. Já avisou a gente, num precisa se preocupar T77a <j>/J\á
5 mais. Deixe o leão comigo: eu amanso ele. Num vai haver briga nenhuma – por T77 am[a]nos
mais que eu goste de brigar. Eu amanso ele. Vai, vai (Honorato sai)

ALCOFORADO ― Tá vendo assim, Jegue? Parece que eu tô fugindo de mulher, me escondendo T77 <Bafo> [↑Jegue]
que nem...

BAFO ― Quem falou? Nada disso. Se acalme. O sr. num vai pegar arma pra manchar
10 numa mulher, vai? Quer se rebaixá? Só faltava.

ALCOFORADO ― Tá falano com quem, Jegue?

CENA 18 T74 16 T77 CENA 18

HONORATO ― (chamando aos berros) Donana! Chico! Antenisca! Rosa! Vivinho – ô gente. T74 ― (chamando) Donana. Chico. Antenisca. Rosa
Venham todos. Depressa. Depressa! Choque . Vivinho – ô gente! T74 Venham todos aqui.
Depressa.

15 ROSA ― O que foi assim?


T74 ROSA ― O que foi desta vez?

HONORATO ― Donana! T74 HONORATO ― Donana.

ANTENISCA ― É hoje – é hoje que começa o desenraba: o que foi? T74 ANTENISCA ― É hoje que T74 desenraba! O que
T74191

MARIA ― Maínha! T74 MARIA ―Mainha! (s. a.)

191
Corte da Censura: desenraba! (f. 21, L. 14 )
ROSA ― O que foi, Honorato? T74 há outra réplica após esta: HONORATO ―
Donana!

VIVINHO ― O quê? T74 (não existe esta réplica.) T77 O que (s. a.)

DONANA ― O que é que esse tatu enfezado quer comigo? Não pode falar sem a minha T74 ― Que é que T77 tatú T74 falá
presença, é? Que que tu inventou agora fuxiqueiro, leva-e-traz, vanguardista! Que T74 agora, cabra frouxo e fuxiqueiro, leva-e-traz, que
5 estória é essa agora? estoria (s. a.)

HONORATO ― A vila tá cercada pelas força da volante. Vieram pegar Alcoforado Moitão. T74 Vila T74 pela força T74 Vieram prender
Alguém rastejou ele. Ou contou. Tá tudo aí.

DONANA ― Conversa. Não acredito. Tá querendo o que, Honorato, diga logo. T74 DONANA ― Conversa. Isso deve ser estoria (s. a.) pra
menino dormir sem ceia. Não acredito. T74 que, home, diga
logo!

ANTENISCA ― Não assusta a gente, peste desavergonhado. T74 ANTENISCA ― Eu creio, Donana. Ví isso no
Almanaque. Não queria dizer. Acredito.

10 HONORATO ―Tou falano a verdade. A volante tá cercando a Vila. T74 (não existe esta réplica.)

MARIA ― É verdade, mãe. Quando a gente – eu e o Vivinho – saimo pra procurá seu T74 a gente foi procurá seu
Honorato...

VIVINHO ―... a gente viu um movimento esquisito pro começo da estrada. T74 esquisito no comêço da estrada. Até falei cum Maria.
Foi sim. T77prô

MARIA ― Foi, mãe. T74 (não existe esta réplica.)

15 VIVINHO ― Foi, sim. T74 (não existe esta réplica.)

ANTENISCA ― Acredito, Donana. Ví tudo isso no Almanaque. Acredito. T74 (não existe esta réplica.)

ROSA ― E os home – eles sabem, Honorato – já sabem? T74 home,


HONORATO ― Alcoforado e o Jegue? Sabem nada. Pensei que era melhor avisar vocês antes. T74 HONORATO ― Inda não. Sabem nada. Tão na venda
distraidos. (s.a.) Pensei

DONANA ― Cabra sem vergonha quem fez isso, não? Delator não é home. T74 Cabra semvergonho T74 fez isso. Delator num

VIVINHO ― Num é gente. T74 (não existe esta réplica.)

ANTENISCA ― Tem pauta com o cão. T74 ROSA ―

5 ROSA ― Não ofende o cão. T74 VIVINHO ― T74 cão!

ANTENISCA ― Deixa, deixa esse falador – tudo tem a volta. Nem sempre Lili toca flauta. O T74 faladô – ele vai vê o que espera. Nem sempre Lili toca
dele tá guardado – nojento! flauta. (fim de réplica)

HONORATO ― Fazer uma coisa dessa é a maior safadeza que se pode fazer. T74 Fazê T74 dessa – é T74 qui pode haver.

DONANA ― Uma covardia tão grande, que ninguém aqui se admire de eu resolver comprá T74 grande (s.v.)
10 barulho e ficá do lado deles. Esqueço tudo agora. Diante disso fico do lado de
Alcoforado Moitão. Depois de tudo resolvido – a gente faz a nossa briga. Essa é T74 Alcoforado Moitão! (fim de réplica)
de todos! Não é?

ROSA ― Nem precisa falá. T74 falá – basta ser uma persiga a gente tá do lado da
caça. Do caçador – nunca!192

ANTENISCA ― Basta ser uma persiga a gente tá do lado da caça. Do caçador nunca! T74 há outra réplica após esta: HONORATO ―E
que caçador!

15 HONORATO ― Inhá Batista e os filho tão aí desgraçados por resto da vida. T74 ROSA ― T74 os filhos

DONANA ― Nem queiram saber o que fazem com as mulheres. Depois são os cangaceiros, T74 HONORATO ― Nem queiram saber o que fazem com
as mulheres. Viva ou morta é um horror. Fazem cada
é Rufino, é Lampião, é Veludo, é Volta Seca. barbaridade. Depois foram os cangaceiros. É aquela falta de
respeito, aquela humilhação de botá 6 ou 8 home deles se

192
No T77 estas réplicas estão deslocadas.
ANTENISCA ―Aquela humilhação, aquela falta de respeito, de abuso: botá 6 ou 8 deles se servindo da mulé – na vista do marido ou dos filhos.
servindo da mulé, na vista do marido e dos filhos pequenos.

ROSA ―Eu morro retralhada mas macaco nenhum põe a mão encima de mim. T74 ROSA ― Morro retralhada – mas T74 nenhum
me possui.

VIVINHO ―Tudo o que Deus faz é bem feito – menos a puliça. Quem é amigo da gente T74 onde está T74193
5 sabe onde tá a verdade.

HONORATO ― Quero mais me ver às volta com cangaceiro – que num é flor que se cheire – T74 mais antes, me T74 cangaceiro que com
194
que com esses mata-cachorro. Fazem pior que os bandidos, e põe a culpa neles. T74
Amarelos!

ANTENISCA ― Querendo Deus isso acaba um dia.

10 DONANA ― Enquanto Deus não quer – a gente que se vire. Vamo fazê uma brigada contra T74 Enquanto não – a gente T74 vire. O jeito é fazê uma
brigada.
a volante. Honorato espie – Alcoforado e o outro que apareçam. Tão escondidos T74 Honorato espie: Alcoforado e o outro estão na venda,
na venda, não é? Espie bem, assunte – pra não abrir suspeita nos macacos, vá lá não é?
como sempre tem ido. Adispois – aos pouco – nós vamo. T74195 T74 vá pra lá como sempra T74 aos poucos

ANTENISCA ― Lá num é a venda? Pois vamos fazê nossa compra. T74 ANTENISCA ― Isso. Lá não é a venda? Pois nós
vamo lá fazê nossas compra.
15 ROSA ― Só que a gente entra – e num sai. Entendeu? T77 196T74 que se entra – e num sai mais. Entendí.197

DONANA ― Vai. Vai logo avisá os home. E nós – cada um pra sua casa. Vai vê já tem
algum macaco pendurado nos galhos de uma baraúna por aí, espiando a gente. T74 barauna (s. a.) T74 aí (s.v.)T74198

193
Corte da Censura: puliça (f. 22, L. 19).
194
Corte da Censura: Quero até Amarelos! (f. 22, L. 21-23).
195
Corte da Censura: macacos (f. 22, L. 28).
196
A partir desta réplica, não se tem mais as réplicas do T77 e sim do T81 (Cf. explicação na página 155 desta dissertação.)
197
A partir desta réplica tomou-se como texto de base o T81.
198
Corte da Censura: macaco pendurado nos galhos de uma barauna (f. 22, L. 33).
HONORATO ― Tão aqui não. Ficaro na entrada da Vila. Escuta – num é melhó alguém avisá T74 Ficáro T74 Escuta, num T74 alguem (s. a.)
Chico Feitosa, Honório, Justino... T74 Justino, Sezinando. T81 Honorio (s. a.)

ROSA ― Maria Barrufo, Isidoro, Desidério, Antônio Matilde? T74 ROSA ―Isidoro, Desiderio (s.a.), T77 Antonio
(s. a.)
ANTENISCA ― É perigoso. O caminho é pior lá, naquelas bandas aonde eles estão. Quem T74 ANTENISCA ― É perigoso, Honorato. T74 por lá,
aonde estão os home.
5 passá eles pegam – e fica por lá mesmo. Cê sabe. T74 pegam e fica T74 lá. Cê

DONANA ― Cortá caminho, além do mais, demora muito. Não dá tempo, não. A gente tem T74 E cortá caminho demora muito T81 cotá (talvez
de enfrentar a situação sozinho. Vamos pra casa, gente. Vamos se prepará. falha de datilografia) T74 da mais tempo (s.v.) não.
T81 sosinho
T74 gente, se prepará.

ROSA ― Vou daqui mesmo com Honorato. Prefiro. T74 Acho que vou daqui mesmo com Honorato. (fim
de réplica)

DONANA ― Nada disso. Melhor fechar primeiro sua casa. T74 DONANA ―Melhor voltar pra fechá a casa e levá sua
arma na cesta. Tem arma lá na venda, mas quanto mais
melhó. Nunca se sabe.
10 ROSA ― Tá certo, Donana. Tinha esquecido. T74 ROSA ― Sua palavra é documento pra mim, Donana.
Vou pra casa.

DONANA ― É preciso pensar sempre no depois. Nunca se sabe. T74 (não existe esta réplica.)

VIVINHO ― O pau parece que vai comer. T74 (não existe esta réplica.)

DONANA ― Vamos Maria. T74 Vamo, Maria.

ANTENISCA ― Saturno num é moleza. Vamo, Vivinho. Vamo se prepará: quem num morre T74 ANTENISCA ― O pau vai comê por aqui. Tá escrito.
15 não vê Deus. E olhe que eu sou é católica. Saturno não é mole. Vamo, menino. Vamo. Se prepará.
Quem num morre num vê Deus! (fim de réplica)
CENA 19 T74 17 T81 Cena 19

ALCOFORADO ― Podem vir seus macacos! Nós não somos asa branca pra ser presa em arapuca. T74 macacos. T74 preso em arapuca. T74199
Podem vir!

(Todo o elenco e os citados na peça enfrentam juntos a situação. Cantam Mulher T74 Todos juntos enfrentam a situação.
Rendeira) T81 Todo o elenco e os citados na peça enfrentam juntos a
situação. Cantam Mulher Rendeira-

199
Corte da Censura: macacos (f. 23, L. 16.)
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho com os textos teatrais censurados teve por finalidade contribuir, embora de
forma modesta, para o resgate da memória cultural da Bahia através da edição desses textos,
bastante expressivos numa época importante para a História do Brasil e da Bahia, período no
qual variadas vozes foram caladas. O texto teatral e sua dramatização constituíam-se em
manifestações de luta: da classe teatral, do povo, de uma nação. Todos queriam ter o direito
de se expressar livremente. Neste universo, escolheram-se alguns dos textos produzidos por
João Augusto Azevedo Filho (1928-1979), os quais exploram, em sua grande maioria, a
literatura popular, o cordel, recurso utilizado pelo dramaturgo em questão como forma de
resistência na luta contra a ditadura.
Em seu teatro popular, João Augusto disseminava conteúdos ideológicos,
sociológicos, aproximando o povo do teatro, fazendo-o refletir acerca de questões que
envolviam a sociedade brasileira naquele período de repressão. Definiu-se, portanto, como
proposta de trabalho editar o texto do autor, sem as proibições e os cortes do censor,
considerando que, durante esta época, a institucionalização da censura impedia a veiculação
pública de qualquer reminiscência crítica à sociedade, à moral e ao sistema de governo
vigente.
Buscou-se, então, restituir o texto genuíno, através da edição, e, a partir do estudo da
vida e da obra desse autor, representá-lo nos campos da Literatura Dramática e do Teatro,
ampliando as observações para a caracterização do contexto sócio-histórico no qual se insere
João Augusto, recuperando, desse modo, as memórias, social, histórica e literária, de uma
determinada sociedade no período da ditadura militar na Bahia.
Enfim, mesmo sabendo que esta é apenas uma fração do estudo sobre a obra de João
Augusto e dos textos teatrais produzidos na época da ditadura, objetivou-se, com esta
dissertação, trazer, ao conhecimento da comunidade acadêmica e do público, de modo geral,
apenas um pequeno registro da memória cultural baiana no que se refere ao período da
Ditadura Militar e à ação da Censura aos textos teatrais e, consequentemente, à montagem dos
espetáculos.
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