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ROTTERDAM, Erasmo de. De Pueris (dos meninos).

São Paulo: Editora


Escala, 2008, pp. 90 e 92.

2. Detectar as inclinações para as áreas do saber

Antecipam-se, por vezes, nas crianças, certos pendores para algumas áreas do
conhecimento, tais como a música, a aritmética e a cosmografia. Eu mesmo já
testemunhei que indivíduos, avessos às regras de gramática e da retórica,
revelam-se propensos para outras disciplinas mais sutis. A natureza pode ser
coadjuvada, de preferência, onde se manifesta sua espontaneidade. Em plano
inclinado o esforço é mínimo tal como, em contraposição, “nada se pode dizer
nem fazer sem o beneplácito de Minerva”.

Eu conheci certo menino, ainda incapaz de falar, que se comprazia em abrir um


livro e fazer de conta que lia. Não exteriorizava enfado algum, embora
passasse horas a fio naquela posição. Por mais veemente que lhe fosse o
choro, bastava oferecer um livro para acalmá-lo. Claro que aquilo se afigurava
venturoso para os pais. Anteviam nele o douto de amanhã. Até lhe deram um
nome de bom presságio. Foi chamado Jerônimo. Ignoro, porém, o que de fato
veio a ser agora, pois não o vi como adolescente.

5. Ir sempre ao encontro da expectativa infantil

Na escolha do assunto seja o professor bem criterioso. Apresente sempre o


que cai na preferência infantil, seja pelo aspecto de afinidade, seja de
divertimento. Enfim, algo diversificado como flores.

Os anos de infância são como a primavera ridente em branda vegetação que


se transforma em plantas de alegre viço com a chegada outonal dos anos viris,
quando os celeiros transbordam de frutos sazonados.

Tal como seria descabido procurar uvas maduras durante a primavera ou rosas
no outono, assim incumbe ao preceptor atentar para o que convém cada idade.
À criança se ofertam sempre coisas alegres e amenas. Em qualquer hipótese,
que fique longe da escola toda espécie de amargura e violência.
Creio não me enganar, quando afirmo que os antigos pretendiam sugerir tudo
isso, quando atribuíam às jovens musas beleza toda singular, harpa canções,
danças e divertimentos

Davam lhe, ainda, por companheiras as Graças. Isso porque o sucesso nos
estudos provém, antes de mais nada, da benevolência recíproca entre as
pessoas Daí porque os antigos denominavam o estudo das letras
"humanidades”.1

1
Para ele o estudo não era uma parte acidental e transitória da vida e, sim, elemento
integrativo e permanente. A erudição nunca se consuma. Ela se aperfeiçoa sempre.
Daí, as pedagogias erasmianas, a vida é estudo e o estudo é vida.

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