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Mecânica 1 – Capítulo 2 Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Flavius P. R.

Martins 1
Mecânica 1 – Capítulo 2 Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Flavius P. R. Martins 2

1. Escopo da Estática
A Estática é a disciplina da Mecânica que se ocupa do estudo do equilíbrio de corpos rígidos e
sistemas interligados de corpos rígidos. Para tanto, estabelece as condições para que um corpo ou um
sistema de corpos rígidos se mantenham em equilíbrio sob a ação de forças externas.
Conforme será visto nos próximos tópicos, mediante a adequada expressão dessas condições na
forma de equações vetoriais será possível, em determinados casos, calcular as forças reativas e as
forças de ligação entre corpos pertencentes a um sistema equilibrado.

2. Teorema fundamental da Estática


A condição necessária e suficiente para o equilíbrio de um corpo rígido (Fig. 1) é que sejam nulas
a resultante das forças externas e o momento resultante dessas forças em relação a um pólo arbitrário,
ou seja:
𝑅⃗ = ∑𝑛𝑖=1 𝐹𝑖 = ⃗0 (2-1)
𝑀⃗⃗ 𝑂 = ∑𝑛𝑖=1(𝑃𝑖 − 𝑂) ∧ 𝐹𝑖 = ⃗0 (2-2)

𝐹𝑛

𝑃𝑛 𝐹3
O
𝑃1 𝑃3 𝑃2

𝐹2
z 𝐹1

O’
y
x

Figura 1. Corpo rígido em equilíbrio sob a ação de forças externas.

3. Classificação das forças


Antes de se proceder à aplicação do teorema fundamental da Estática na resolução de problemas
de interesse prático, estabeleceremos uma nomenclatura conveniente para designar as diversas forças
que agem nos sistemas equilibrados.
Para tanto, consideraremos inicialmente um corpo rígido em equilíbrio, apoiado sobre uma
superfície irregular e sujeito a um sistema de forças {(𝐹1 , 𝑃1 ), … , (𝐹𝑛 , 𝑃𝑛 )}, ditas forças aplicadas ou
forças ativas (Fig.2a). Representaremos em seguida a ação da superfície sobre o sólido por meio de
⃗⃗ 𝐴 ), (𝐹𝐵 , 𝑀
pares (𝐹𝐴 , 𝑀 ⃗⃗ 𝐵 )aplicados aos pontos de contacto A e B, os quais compõem o conjunto das
forças reativas e dos binários reativos (Fig.2b).
Dizemos, então, que o sistema completo de forças e binários agentes no corpo, ou seja,
⃗⃗ 𝐴 ), (𝑀
{(𝐹1 , 𝑃1 ), … , (𝐹𝑛 , 𝑃𝑛 ), (𝐹𝐴 , 𝐴), (𝐹𝐵 , 𝐵), (𝑀 ⃗⃗ 𝐵 )} é o conjunto de forças externas e binários
externos agentes no corpo.
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𝐹2 𝐹2
𝐹1 𝐹1

𝑃1 𝑃2
𝐹𝑛 O 𝑃1 𝐹𝑛
O 𝑃2
𝑃𝑛 𝐺 𝑃𝑛
𝐴 ⃗⃗ 𝐴
𝑀 ⃗⃗ 𝐵
𝑀 𝐵
𝐹𝐺
𝐹𝐺
𝐹𝐵
𝐹𝐴
(a) (b)

Figura 2. Forças ativas e reativas.(a) Sistema original. (b) Diagrama de corpo livre.

Consideraremos em seguida o sistema equilibrado constituído por dois corpos rígidos 𝑆1 e 𝑆2 ,


conforme ilustrado na Fig.3. Nesse sistema, admitiremos que o efeito da ação do apoio sobre o sólido
S1 já tenha sido substituído pelas forças e binários reativos em 𝐴 e 𝐵,o que se expressa por meio de
diagramas de corpo livre.
Notamos que nos pontos de contato 𝐶 e 𝐷 entre os sólidos 𝑆1 e 𝑆2 (na verdade, nos pares de pontos
congruentes 𝐶1 ∈ 𝑆1,𝐶2 ∈ 𝑆2 e 𝐷1 ∈ 𝑆1 ,𝐷2 ∈ 𝑆2 ) agem dois sistemas nulos de forças e binários, quais
⃗⃗ 𝐶 , −𝑀𝐶 } e {(𝐹𝐷 , 𝐷2 ), (−𝐹𝐷 , 𝐷1 ), 𝑀
sejam: {(𝐹𝐶 , 𝐶2 ), (−𝐹𝐶 , 𝐶1 ), 𝑀 ⃗⃗ 𝐷 , −𝑀𝐷 }.
Para o sistema material constituído pelos corpos rígidos 𝑆1 e 𝑆2 , essas forças e binários nos pontos
de contato são classificados, respectivamente, como forças internas e binários internos.

𝑆2 𝐹𝐺 2

𝐹𝐶 𝐺2
⃗⃗ 𝐶
𝑀 𝐹𝐷 𝑀⃗⃗ 𝐷
𝐶 𝐹2
⃗⃗ 𝐶
−𝑀 𝐷
−𝐹𝐶 −𝑀 ⃗⃗ 𝐷 −𝐹𝐷
𝑃1 𝑃2 𝐹𝑛
𝐹1 𝐺
⃗⃗ 𝐴 𝑃𝑛
𝐴 𝑀 ⃗⃗ 𝐵
𝑀
𝐹𝐺 𝐵
𝑆1
𝐹𝐴 𝐹𝐵

Figura 3. Forças e binários internos a um sistema equilibrado de corpos rígidos.

4. Vínculos
Para manter um corpo rígido em equilíbrio sobre a superfície terrestre ou, então, realizar ligações
entre corpos, é necessário conectar os seus pontos de contacto, para o quê diversos tipos de fixação –
doravante denominadas vínculos, podem ser utilizadas.
Nos tópicos a seguir descreveremos alguns dos vínculos mais comuns utilizados na modelagem
física das fixações de corpos rígidos.

4.1 Cabo inextensível


Conforme ilustrado na Fig.4-a, esse vínculo impede a movimentação do corpo em apenas uma
direção e também em um único sentido (e, por causa desta segunda característica, é um vínculo dito
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unilateral). A restrição ao movimento do corpo é imposta por meio de uma força de tração agente na
direção do cabo (Fig.4-b)

(a) (b)

⃗ = −𝑃⃗
𝑇

𝐺 𝐺

𝑃⃗ 𝑃⃗

Figura 4. Corpo vinculado por um cabo inextensível.

4.2 Apoio simples


É um vínculo que impede a translação do corpo rígido em apenas uma direção, mas em ambos os
sentidos (logo, trata-se de um vínculo bilateral). Seu efeito físico consiste em permitir que o ponto
do sólido a ele vinculado se transladeexclusivamente sobre um único plano, o que se realiza mediante
a imposição de uma força reativa normal a esse plano (Fig.5).

(a) 𝑃⃗

o corpo pode
se transladar
apenas sobre
este plano
𝑃⃗
(b)
representação
icônica de um
𝑅⃗𝐵 apoio simples
𝑅⃗𝐴
Reações
devidas ao
apoio simples

Figura 5. Corpo vinculado por meio de apoios simples.

4.3 Apoio
É um vínculo que impede a movimentação de um corpo rígido em três direções e em ambos os
sentidos (Fig 6-a), para o quê aplica ao corpo uma força reativa que pode apresentar componentes nas
três direções do espaço (Fig.6-b), dependendo do sistema de forças externas aplicadas ao corpo.
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(a) 𝐹1 𝑃⃗

o corpo está
impedido de
𝐹2 transladar
𝑧
em qualquer
direção
𝑥 𝑦 apenas sobre
(b)
𝐹1 𝑃⃗
𝑅𝐵𝑥 representação
𝑅𝐴𝑦 icônica de
um apoio
𝑅𝐵𝑦
𝑅𝐴𝑧 𝑅𝐵𝑧
𝑅𝐴𝑥 𝐹2

Figura 6. Reações devidas a apoios.

4.4 Anel ou guia linear cilíndrica


É um vínculo que permite ao ponto do corpo rígido a ele ligado transladar-se exclusivamente ao
longo de um eixo, em ambos os sentidos (Fig.7-a). Para tanto, impõe ao corpo uma força reativa radial
normal à direção do eixo considerado (Fig.7-b).

forças ativas representação


𝐹1 no plano yz
(a) 𝑃⃗ icônica de
𝐹2
um anel

o corpo está
𝑧 impedido de se
transladar
nas direções y e z
x 𝑦
(b) 𝐹1 𝑃⃗ 𝐹2
reações
devidas a
𝑅𝐴𝑦 um anel

𝑅𝐵𝑦
𝑅𝐴𝑧 𝑅𝐵𝑧
𝑅𝐴𝑥

Figura 7. Reações devidas a um anel.

4.5. Articulação ou rótula


É um vínculo bilateral que restringe todos os graus de liberdade translacionais de um ponto do
corpo rígido mediante a imposição de uma força reativa com componentes nas três direções do
espaço.
A realização física desse vínculo corresponde a um par de esferas concêntricas, das quais a interna
possui um diâmetro ligeiramente menor que a externa. Esta última apresenta uma abertura em forma
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de calota esférica, permitindo que se estabeleça uma ligação entre a esfera interna e o corpo rígido a
ela vinculado (Fig.8).

representação
icônica de uma 𝐹1
articulação ou 𝑃⃗ 𝐹2
rótula

o corpo está
esfera impedido de se
fixa transladar em
𝐹1 𝐹2 qualquer direção
𝑅𝐴𝑥 𝑃⃗
esfera 𝑅𝐴𝑦 𝑅𝐵𝑦
móvel
𝑅𝐵𝑧
𝑅𝐴𝑧 reações devidas
𝑅𝐵𝑥
a uma
articulação

Figura 8. Reações devidas a uma rótula ou articulação.

Quando o corpo rígido está sujeito à ação de forças externas que atuam em um único plano, sua
vinculação pode ser realizada por meio de pinos introduzidos em furos do corpo (Fig 9). Do ponto de
vista geométrico, essas articulações planas podem ser consideradas como casos limite de rótulas que
degeneram em pares de cilindros concêntricos.

articulações
planas

pino furo

Figura 9. Articulações planas.

4.6. Engastamento
É um vínculo que restringe todos os graus de liberdade de um corpo rígido, impedindo assim
quaisquer translações ou rotações (Fig10-a). Essas restrições são impostas por meio de forças reativas
e binários reativos, que podem ter componentes nas três direções do espaço, dependendo do
carregamento aplicado ao corpo (Fig.10-b).
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𝑃⃗
representação
icônica de um
engastamento
(a)
𝐹1
o corpo está 𝐹2
impedido de
transladar e de
girar em todas 𝑀𝐴𝑧 𝑅𝐴 𝑥
as direções 𝑃⃗
(b)
𝑅𝐴𝑦
𝑀𝐴𝑦

𝑀𝐴𝑥 𝐹1
𝑅𝐴𝑧 𝐹2
Figura 10. Forças e binários reativos de vidos a um engastamento.

5. Lemas e corolários do teorema fundamental da Estática


Nos tópicos a seguir, destacaremos alguns aspectos do teorema fundamental da Estática que serão
de grande utilidade na resolução de problemas práticos.

5.1 Sistema em equilíbrio constituído por corpos rígidos interconectados


Se um sistema material constituído por um conjunto de corpos rígidos interconectados está em
equilíbrio, cada um dos corpos constituintes desse sistema também está em equilíbrio.
Esse lema do teorema fundamental da Estática permite aplicar as equações 1-2 aos componentes
do sistema material equilibrado (Fig.11-a), bastando, para tanto, que se construam os diagramas de
corpo livre (DCL) desses corpos, conforme ilustrado na Fig.11-b.
Observe-se que, mediante a aplicação do lema anterior, explicitam-se as forças e binários internos
ao sistema material, os quais, se observados do ponto de vista do equilíbrio do sistema material como
um todo, constituem um sistema nulo.

𝑆2 𝐹𝐺 2

𝑅⃗𝐶 𝐶 𝐹2
𝐺2 𝑀
⃗⃗ 𝐷 ⃗⃗ 𝐶
−𝑀 𝐷
⃗⃗ 𝐶
𝑀 𝑅⃗𝐷 −𝑀⃗⃗ 𝐷 −𝑅⃗𝐷 𝐹𝐺 2
𝐶 −𝑅⃗𝐶 𝑃1 𝑆2
⃗⃗ 𝐶
−𝑀 𝐷 𝐹2 𝑃2 𝐹𝑛
⃗⃗ 𝐷
−𝑀 −𝑅⃗𝐷 𝐹1 𝐺 𝑃𝑛
−𝑅⃗𝐶 𝑃1 ⃗⃗ 𝐴
𝑀 ⃗⃗ 𝐵 𝐵 𝐺2
𝑃2
𝐴 𝑀 𝑅⃗𝐶 𝑅⃗ ⃗⃗ 𝐷
𝑀
⃗⃗ 𝐶
𝑀 𝐷
𝐹1 𝐺 𝑃𝑛 𝐹𝐺
⃗⃗ 𝐴
𝑀 ⃗⃗ 𝐵
𝐹𝑛 𝑆1
𝐴 𝑀 𝐵 𝐶
𝐹𝐺 𝑅⃗𝐴 𝑅⃗𝐵 𝐷
𝑆1
𝑅⃗𝐴 𝑅⃗𝐵
(a) (b)

Figura 11. (a) Sistema material em equilíbrio; (b) Diagramas de corpo livre dos componentes do sistema (a).
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5.2. Corpo rígido em equilíbrio sob a ação de duas únicas forças


Se um corpo rígido está em equilíbrio sujeito à ação de duas únicas forças, estas necessariamente
têm a mesma magnitude e são diretamente opostas (Fig.12-b).
Para demonstrarmos o corolário acima enunciado, consideraremos o corpo rígido em equilíbrio
sob a ação de duas forças e admitiremos, inicialmente, que essas forças têm magnitudes e direções
genéricas no espaço (Fig.12-a).
(a) (b)
B 𝐹ሜ𝐵
B 𝐹𝐵
z
A
O A
𝐹𝐴
𝐹𝐴 x
y

Figura 12. Corpo rígido em equilíbrio sob a ação de duas forças. (a) hipótese inicial para as forças; (b) condição para
que haja equilíbrio.

Aplicando-se a equação de equilíbrio de momentos em relação ao pólo 𝐴, resulta:


∑2𝑖=1(𝑃𝑖 − 𝐴) ∧ 𝐹𝑖 = (𝐵 − 𝐴) ∧ 𝐹𝐵 = ⃗0, (5.2-1)
ou seja, 𝐹𝐵 e (𝐵 − 𝐴) são paralelos e, como 𝐵 pertence à linha de ação de 𝐹𝐵 , esta necessariamente
passa por 𝐴.
Aplicando-se, em seguida, a equação de equilíbrio de momentos em relação ao pólo 𝐵, resulta:
∑2𝑖=1(𝑃𝑖 − 𝐵) ∧ 𝐹𝑖 = (𝐴 − 𝐵) ∧ 𝐹𝐴 = ⃗0, (5.2-2)
ou seja, 𝐹𝐴 e (𝐴 − 𝐵) são paralelos e, como 𝐴 pertence à linha de ação de 𝐹𝐴 , esta necessariamente
passa por 𝐵.
Concluímos, então, que o segmento 𝐴𝐵 pertence a ambas as linhas de ação de 𝐹𝐴 e de 𝐹𝐵 .
Além disso, sabemos que, para que o corpo rígido esteja em equilíbrio, deve-se ter:
𝑅⃗ = ∑2𝑖=1 𝐹𝑖 = ⃗0 ⇒ 𝐹𝐴 = −𝐹𝐵 (5.2-3)
ou seja, 𝐹𝐴 e 𝐹𝐵 têm a mesma magnitude.

5.3. Corpo rígido em equilíbrio sob a ação de três forças


Se um corpo rígido está em equilíbrio sujeito à ação de três únicas forças então são
necessariamente coplanares, concorrendo em um ponto próprio (forças concorrentes) ou impróprio
(forças paralelas).
Para demonstrarmos o corolário acima, consideraremos o corpo rígido ilustrado na Fig.13, em
que, por hipótese, as três forças têm direções arbitrárias no espaço.
Aplicando-se a equação de equilíbrio de momentos em relação ao eixo AB, obtemos:
(𝐵−𝐴) (𝐵−𝐴)
∑3𝑖=1(𝑃𝑖 − 𝐴) ∧ 𝐹𝑖 ⋅ = (𝐶 − 𝐴) ∧ 𝐹𝐶 ⋅ |𝐵−𝐴| = 0 (5.2-4)
|𝐵−𝐴|
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𝐹𝐵
𝐵
𝐹𝐴

𝐴 𝐶

𝐹𝐶
Figura 13. Corpo rígido em equilíbrio sob a ação de três forças.

Para que a expressão acima se anule, a linha de ação de 𝐹ሜ𝐶 deve satisfazer a uma das seguintes
condições:
▪ ser concorrente com a reta 𝐴𝐵;
▪ ser paralela à reta 𝐴𝐵.
Em outras palavras, a linha de ação de 𝐹𝐶 deve pertencer ao plano 𝐴𝐵𝐶. Repetindo-se o procedimento
anterior para os eixos 𝐵𝐶 e 𝐴𝐶, concluimos que as linhas de ação das três forças 𝐹𝐴 , 𝐹𝐵 , 𝐹𝐶 pertencem ao plano
𝐴𝐵𝐶, ou seja, que essas forças são coplanares.
Mostraremos, a seguir, que a configuração ilustrada na Fig.14, para as três forças
⃗ 𝐴, 𝐹
coplanares 𝐹 ⃗ 𝐵, 𝐹
⃗ 𝐶 , é incompatível com o equilíbrio, e que, por decorrência, elas devem ser
concorrentes ou paralelas, necessariamente.

𝑃1
𝐹1
𝑃2 𝑂
𝜋 𝑃3
𝐹2
𝐹3

Figura 14. Configuração incompatível com o equilíbrio de um corpo rígido sujeito à ação de três forças coplanares.

Aplicando-se a equação de equilíbrio de momentos em relação ao pólo 𝑂, resulta:


∑3𝑖=1(𝑃𝑖 − 𝑂) ∧ 𝐹𝑖 = ⃗0 ⇒ (𝑃1 − 𝑂) ∧ 𝐹1 = ⃗0,
ou seja, a linha de ação de 𝐹1 passa por 𝑂 e, por decorrência, as linhas de ação das três forças
coplanares passam por esse ponto, ou seja, são concorrentes (Fig. 15-a).

𝐹3
𝐹1 𝐹3

𝐹1 𝑂
(a) (b)
𝐹2
𝐹2

Figura 15. Sistema de forças coplanares equilibradas: (a) forças concorrentes; (b) forças paralelas.
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Observemos que, no caso de o ponto 𝑂 ser impróprio, as três forças coplanares são paralelas (15-
b). Notemos ainda que no sistema equilibrado de forças coplanares, uma delas (a central) se encontra,
necessariamente, sobre o eixo central do sistema constituído pelas outras duas forças. Evidentemente,
em qualquer caso, deve-se ainda ter 𝑅⃗ = ∑3𝑖=1 𝐹𝑖 = ⃗0.

6. Aplicação do teorema fundamental da Estática e de seus corolários


Nos tópicos a seguir analisaremos alguns casos de estruturas constituídas por corpos rígidos
ligados por vínculos cuja organização topológica no espaço permite que as forças reativas e as forças
internas possam ser determinadas mediante a aplicação do teorema fundamental da Estática e de seus
corolários.
As estruturas dotadas dessas características são ditas isostáticas, pois apresentam um conjunto de
𝑛 incógnitas a serem determinadas (forças reativas e forças internas) mas oferecem um conjunto de
𝑛 equações linearmente independentes da Estática que possibilitam a sua determinação (Fig.16).

𝐹2 𝐹2
B 𝑅𝐵𝑥
A
𝑃⃗ 𝑅𝐴𝑦 𝑃⃗ 𝑅𝐵𝑦

▪ 3 incógnitas 𝑅𝐴𝑦 , 𝑅𝐵𝑥 , 𝑅𝐵𝑦


▪ 3 equações da Estática: ∑ 𝐹𝑥𝑖 = 0   ;   ∑ 𝐹𝑦𝑖 = 0   ;   ∑ 𝑀𝐴𝑧𝑖 = 0

Figura 16. Exemplo de estrutura isostática.

Quando as estruturas são hipostáticas, ou seja, apresentam um conjunto de 𝑛 incógnitas a serem


determinadas, mas existem 𝑚 > 𝑛 equações da Estática passíveis de serem utilizadas, a mesma
abordagem utilizada para resolver estruturas isostáticas ainda poderá ser empregada, desde que os
carregamentos de forças e binários externos mantenham ditas estruturas em equilíbrio (Fig. 17).

A B
𝑅𝐴𝑦 𝑃⃗
𝑃⃗ 𝑅𝐵𝑦

▪ 2 incógnitas 𝑅𝐴𝑦 , 𝑅𝐵𝑦


▪ 2 equações úteis da Estática: ∑ 𝐹𝑦𝑖 = 0   ;   ∑ 𝑀𝐴𝑧 = 0
▪ a terceira equação da Estática ∑ 𝐹𝑥𝑖 = 0 é uma identidade

Figura 17. Exemplo de estrutura hipostática, sob carregamento externo que a mantém em equilíbrio.

Essa abordagem, no entanto, será impotente diante das estruturas hiperestáticas, ou seja, dos
casos em que existem 𝑛 incógnitas a serem determinadas mas 𝑚 < 𝑛 equações linearmente
independentes da Estática disponíveis para serem utilizadas (Fig.18). Nessas circunstâncias, será
necessário recorrer aos métodos de resolução da Mecânica dos Sólidos e da Teoria das Estruturas
(vide, por exemplo: Timoshenko, S.P., Resistência dos Materiais, Vol.1. Livros Técnicos e
Científicos, Rio de Janeiro, 1975).
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𝐹2 𝐹2
𝑅𝐴𝑥 𝑅𝐵𝑥
A B
𝑃⃗ 𝑅𝐴𝑦 𝑃⃗
𝑅𝐵𝑦

▪ 4 incógnitas 𝑅𝐴𝑥 , 𝑅𝐴𝑦 , 𝑅𝐵𝑥 , 𝑅𝐵𝑦


▪ 3 equações da Estática: ∑ 𝐹𝑥𝑖 = 0   ;   ∑ 𝐹𝑦𝑖 = 0   ;   ∑ 𝑀𝐴𝑧𝑖 = 0

Figura 18. Exemplo de estrutura hiperestática.

Nos tópicos a seguir estudaremos alguns exemplos de estruturas passíveis de serem analisadas
pelos métodos da Estática.

6.1 Treliças
São constituídas por barras delgadas interligadas por meio de articulações, de modo tal que cada
barra exibe duas únicas articulações em suas extremidades. Nesse tipo de estrutura, via de regra, as
cargas são aplicadas às articulações que, por sua vez, as redistribuem entre as barras. O equilíbrio
do sistema de forças se estabelece, então, da seguinte forma: cada barra fica equilibrada por um par
de forças diretamente opostas e de mesma magnitude e cada articulação fica equilibrada por um
sistema nulo de forças concorrentes advindas das cargas nodais e das barras às quais estão ligadas.
Os dois exemplos seguintes ilustram duas técnicas clássicas de resolução de treliças – o método
dos nós e o método das secções.

6.1.1 Método dos nós


Como as treliças são constituídas por n barras interligadas por m articulações, ou seja, por n+m
corpos rígidos, cada um desses corpos deve necessariamente estar em equilíbrio para que o conjunto
também esteja.
Mediante a construção dos diagramas de corpo livre das barras e das articulações (doravante,
denominadas ‘nós’) , constrói-se um conjunto de equações de equilíbrio cuja solução fornece as
incógnitas do problema – reações externas e forças internas.
Para ilustrar a aplicação desse método, consideraremos a treliça plana da Fig.19, onde as barras
horizontais e verticais têm comprimento a.

𝑃⃗
𝑎

𝐴 𝐵 𝐶 𝑃⃗

𝐷 𝐸 𝐹
𝑎 𝑎

Figura 19. Treliça plana.

Analisaremos inicialmente o equilíbrio da treliça como um todo (Fig.20).


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Como a barra CF está em equilíbrio sob a ação de apenas duas forças aplicadas em suas
extremidades, a reação proveniente do apoio F tem a direção de 𝐶𝐹. Portanto, o conjunto de forças
reativas que mantém a treliça em equilíbrio apresenta 3 incógnitas – 𝐻𝐷 , 𝑉𝐷 e 𝐹𝐶𝐸 , que podem ser
determinadas mediante a aplicação das equações de equilíbrio à estrutura, ou seja:

𝑃⃗

𝐵 𝐶 𝑃⃗
𝐴

𝐻𝐷
E 𝐹
D
𝑉𝐷 𝐹𝐶𝐹

Figura 20. Diagrama de corpo livre para a treliça da Fig.19.

√2
∑ 𝐹𝑥 = 0 ⇒ 𝐻𝐷 + 𝑃 − 𝐹𝐶𝐹 =0 (6.1.1-1)
2
√2
∑ 𝐹𝑦 = 0 ⇒ 𝑉𝐷 + 𝑃 + 𝐹𝐶𝐹 2 = 0 (6.1.1-2)
∑ 𝑀𝐷 = 0 ⇒ −𝑃 ⋅ 𝑎 − 𝑃 ⋅ 𝑎 + 𝐹𝐶𝐹 ⋅ 𝑎√2 = 0 (6.1.1-3)
Resolvendo-se esse sistema de equações, obtêm-se:
𝐹𝐶𝐹 = 𝑃√2 (6.1.1-4)
𝐻𝐷 = 0 (6.1.1-5)
𝑉𝐷 = −2𝑃 (6.1.1-6)
Aplicando-se, em seguida, as equações de equlíbrio ao nó 𝐸, em conformidade com os diagramas
de corpo livre da Fig. 21, determinam-se as forças nas barras 𝐷𝐸 e 𝐶𝐸, ou seja:

𝐹𝐶𝐸
𝐹𝐷𝐸 𝐹𝐷𝐸 𝐶
𝐷 𝐸
𝐹𝐶𝐸

𝐸 𝐸
𝐹𝐷𝐸
𝐹𝐶𝐸

Figura 21. Diagramas de corpo livre das barras 𝐷𝐸 e 𝐶𝐸 e do nó 𝐸 .

−𝐹𝐷𝐸 = 0
{ (6.1.1-7)
𝐹𝐶𝐸 = 0
Notemos que o particular carregamento externo imposto à treliça não se transmite às barras 𝐶𝐸e
𝐷𝐸. Em tais casos, diz-se que as barras são ‘de força zero’.
Aplicando-se as equações de equilíbrio às barras 𝐴𝐵 e 𝐷𝐸 e ao nó A , a partir dos diagramas de
corpo livre da Fig. 22, determinam-se as forças nessas barras, ou seja:
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𝐹𝐴𝐷

𝐴 𝑃
𝐹𝐴𝐵 𝐹𝐴𝐵 𝐹𝐴𝐵
𝐴 𝐵 𝐴
𝐹𝐴𝐷

𝐷 𝐹𝐴𝐷

Figura 22. Diagramas de corpo livre das barras 𝐴𝐵 e 𝐷𝐸 e do nó A .

√2
𝐹𝐴𝐵 + 𝐹𝐴𝐷 2 = 0
{ (6.1.1.-8)
√2
𝑃 − 𝐹𝐴𝐷 2 = 0
Resolvendo-se o sistema de equações acima, obtêm-se:
𝐹𝐴𝐷 = 𝑃√2 (tração) (6.1.1-9)
𝐹𝐴𝐵 = −𝑃 (compressão) (6.1.1-10)
Aplicando-se as equações de equilíbrio às barras 𝐵𝐶e 𝐵𝐷 e ao nó 𝐵, a partir dos diagramas de
corpo livre ilustrados na Fig.23, determinam-se as forças nessas barras.

𝐹𝐵𝐶 𝐵 𝐶 𝐹𝐵𝐶 𝐹𝐵𝐷


𝐵

𝐹𝐵𝐷
𝐹𝐵𝐶
𝐷
𝑃 𝐵 𝐹𝐵𝐷

Figura 23. Diagramas de corpo livre das barras 𝐵𝐶 e 𝐵𝐷 e do nó 𝐵.

𝑃 + 𝐹𝐵𝐶 = 0
{ (6.1.1-11)
−𝐹𝐵𝐷 = 0
Portanto, resulta que:
𝐹𝐵𝐷 = 0   (barra de força zero) (6.1.1-12)
𝐹𝐵𝐶 = −𝑃 (compressão) (6.1.1-13)

Finalmente, aplicando-se as equações de equilíbrio à barra e 𝐶𝐷 e ao nó 𝐷, a partir dos diagramas


de corpo livre ilustrados na Fig.24, determina-se a força na barra 𝐶𝐷.
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𝐹𝐶𝐷
𝑃√2 𝐶
P 𝐹𝐶𝐷
𝐷
2𝑃

𝐷
𝐹𝐶𝐷
Figura 24. Diagrama de corpo livre da barra 𝐶𝐷 e do nó 𝐷.

√2 √2
𝐹𝐶𝐷 − 𝑃√2 =0 (6.1.1-14)
2 2

Portanto, resulta que:


𝐹𝐶𝐷 = 𝑃√2  (tração) (6.1.1-15)

6.1.2. Método das seções


Esse método baseia-se numa variante do lema do teorema fundamental, qual seja: ‘se um sistema
de corpos rígidos está em equilíbrio quaisquer de seus subsistemas materiais também estão em
equilíbrio’.
Nos casos em que se deseja calcular as forças internas em algumas das barras da treliça, mas não
em todas, a aplicação desse lema pode ser feita de maneira a se produzir um conjunto de apenas três
equações a três incógnitas, dentre as quais se encontram algumas das forças internas requisitadas.
Para tanto, faz-se um seccionamento abstrato da estrutura, separando-a em dois subsistemas, cujo
equilíbrio será assegurado não apenas pelas forças externas aplicadas, mas também pelas forças
atuantes nas barras ‘seccionadas’ que, nessas circunstâncias, se comportam como forças externas a
cada um dos subsistemas.
Para ilustrar a aplicação do método das secções admitiremos que, para a treliça da Fig.20, fosse
requerido apenas o cálculo da força atuante na barra 𝐶𝐷. Em um tal caso, poderíamos realizar o
seccionamento abstrato dessa estrutura conforme ilustrado na Fig. 25.

𝑃 𝑃

𝐶 𝐹𝐵𝐶
𝐴 𝐵 𝑃 𝐴 𝐵

𝐹𝐶𝐷
𝐻𝐷 𝐻𝐷
𝐸 𝐹
𝐷 𝐹𝐶𝐹 𝐷 𝐹𝐷𝐸
(a) 𝑉𝐷 (b) 𝑉𝐷

Figura 25. Aplicação do método das secções.

Aplicando-se as equações de equilíbrio ao sub-sistema constituído pelas barras 𝐴𝐵, 𝐵𝐶 e 𝐴𝐶


interligadas pelos nós 𝐴, 𝐵e 𝐶, resulta
∑ 𝑀𝐷 = 0 ⇒ −𝑃 ⋅ 𝑎 − 𝐹𝐵𝐶 ⋅ 𝑎 = 0 ⇒ 𝐹𝐵𝐶 = −𝑃 (6.1.1-16)
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√2 √2
𝑃 + 𝑉𝐷 + 𝐹𝐶𝐷 = 0 ⟹ 𝑃 − 2𝑃 + 𝐹𝐶𝐷 = 0 ⟹ 𝐹𝐶𝐷 = 𝑃√2 (6.1.1-17)
2 2
√2 √2
𝐻𝐷 + 𝐹𝐵𝐶 + 𝐹𝐷𝐸 + 𝐹𝐶𝐷 = 0 ⇒ 0 − 𝑃 + 𝐹𝐷𝐸 + 𝑃√2 = 0 ⇒ 𝐹𝐷𝐸 = 0 (6.1.1-18)
2 2

satisfazendo, portanto, à solicitação do problema proposto.

6.2. Pórticos planos


São estruturas constituídas por barras articuladas que não são necessariamente delimitadas por
duas articulações. Nessas estruturas, as forças externas podem ser aplicadas tanto nas articulações
quanto em quaisquer outros pontos das barras.
A determinação das incógnitas (forças reativas e forças internas) se faz mediante a construção dos
diagramas de corpo livre dos componentes, sucedida pela aplicação das respectivas equações de
equilíbrio. Em muitos casos, algumas das barras poderão estar em equilíbrio seja sob a ação de duas
únicas forças, seja de três únicas forças, o que simplifica o problema.
Para ilustrar o método de resolução dessa classe de estruturas, consideraremos os exemplos dos
itens a seguir.

6.2.1 Exemplo 1
Pretende-se determinar, para o pórtico da Fig. 26, as reações externas e as forças internas atuantes
nas barras, que, por hipótese, têm peso desprezível.

A D C
B 𝐿
2

L L

E
P

Figura 26. Pórtico suportando carga externa aplicada por polia.

Com esse intuito, construimos o diagrama de corpo livre das duas barras e da polia e, em seguida,
aplicamos as equações de equilíbrio a cada um desses corpos, de modo a determinarmos as incógnitas
do problema.
Na Fig. 27-a, apresentam-se os três diagramas de corpo livre acima referidos. Notemos que a barra
𝐵𝐸 está em equilíbrio sob a ação de apenas duas forças e que a polia está em equilíbrio sob a ação
de três forças (no caso concorrentes) – as forças de tração no cabo e a força reativa (de componentes
𝐻𝐶 e 𝑉𝐶 ) na articulação 𝐶.
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FBE
T VC VA T VC
30
HC
HA A C HC
P FBE
FBE

Figura 27. Diagramas de corpo livre: (a) da polia; (b) da barra BE; (c) da barra AC.

Aplicando-se as equações de equilíbrio à polia, resulta

∑ 𝑀𝐶𝑧 = 0 ⇒ 𝑇 ⋅ 𝑟 − 𝑃 ⋅ 𝑟 = 0 ⇒ 𝑇 = 𝑃 (6.2.1-1)
√3 √3
∑ 𝐹𝑥 = 0 ⇒  𝐻𝐶 − 𝑇 cos 30° = 0 ⇒ 𝐻𝐶 = 𝑇 ⇒ 𝐻𝐶 = 𝑃 (6.2.1-2)
2 2
3𝑃
∑ 𝐹𝑦 = 0 ⇒  𝑉𝐶 − 𝑇 sin 30° − 𝑃 = 0 ⇒ 𝑉𝐶 = (6.2.1-3)
2

Aplicando-se as equações de equilíbrio à barra AC, resulta


∑ 𝑀𝐴𝑧 = 0 ⇒ (𝐹𝐵𝐸 + 𝑇 sin 30°) ⋅ 𝐿 − 𝑉𝐶 ⋅ 2𝐿 = 0
𝑃 3𝑃 5𝑃
⇒ 𝐹𝐵𝐸 ⋅ 𝐿 + 2 𝐿 − ⋅ 2𝐿 = 0 ⇒ 𝐹𝐵𝐸 =  (𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑒𝑠𝑠ã𝑜) (6.2.1-4)
2 2
√3 √3
∑ 𝐹𝑥 = 0 ⟹ −𝐻𝐴 + 𝑇 cos 30° − 𝐻𝐶 = 0 ⟹ −𝐻𝐴 + 𝑃 − 𝑃 = 0 ⟹ 𝐻𝐴 = 0 (6.2.1-5)
2 2
𝑃 5𝑃 3𝑃 3𝑃
∑ 𝐹𝑦 = 0 ⇒  𝑉𝐴 + 𝑇 sin 30° + 𝐹𝐵𝐸 − 𝑉𝐶 = 0 ⇒ 𝑉𝐴 + + − = 0 ⇒ 𝑉𝐴 = − (6.2.1-6)
2 2 2 2

o que completa a resolução do problema.

6.2.2. Exemplo 2
Considere-se a treliça plana sujeita a cargas não nodais, conforme ilustrado na Fig.28. Admitindo-
se que as barras tenham peso desprezível, deseja-se determinar as reações externas e as forças agentes
nas barras.

𝐹 𝐶 𝐹

3𝑎
𝐴 𝐵
𝐹
2𝑎 𝑎
4𝑎
Figura 28. Treliça sujeita a carregamentos não nodais.

Para determinar as reações externas, construiremos, inicialmente, o diagrama de corpo livre da


estrutura (Fig.29).
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𝐹 𝐶 𝐹

𝑋𝐴 𝐴 𝐵
𝐹
𝑌𝐴
𝑌𝐵

Figura 29. Diagrama de corpo livre da treliça.


Em seguida, escrevemos as equações de equilíbrio da estrutura, ou seja:
𝑋𝐴 + 𝐹 = 0
𝑌𝐴 + 𝑌𝐵 − 2𝐹 = 0 (6.2.2 − 1)
−2𝐹𝑎 − 3𝐹𝑎 − 3𝐹𝑎 + 4𝑌𝐵 𝑎 = 0
Resolvendo-se o sistema de equções acima, obtém-se:
𝑋𝐴 = −𝐹 𝑌𝐴 = 0 𝑌𝐵 = 2𝐹
Observemos, em seguida, que a barra 𝐵𝐶 está em equilíbrio sob a ação de duas únicas forças, e
que as barras 𝐴𝐵 e 𝐴𝐶 estão em equilíbrio sob a ação de três forças. No caso dessas últimas, não
sabemos se as forças que as mantêm em equilíbrio são paralelas ou concorrentes. Admitiremos, então,
que as forças internas agentes em 𝐴𝐵 e 𝐴𝐶 sejam concorrentes (caso mais geral). No entanto, como
não sabemos, a priori, quais são as direções dessas forças, nós as representaremos através de suas
componentes, conforme ilustrado nos diagramas de corpo livre da Fig.30.
𝐹𝐶𝐵 𝑉𝐶
𝐹 𝐻𝐶
𝑉𝐵 𝐶 𝐶
𝑉𝐴
𝐻𝐴 𝐻𝐵 𝑉′𝐴
𝐴 𝐵
𝐹
𝐵 𝐴 𝐻′𝐴
𝐹𝐶𝐵

Figura 30. Diagramas de corpo livre das barras.

Notemos, agora, que o problema apresenta 9 incógnitas, quais sejam:


𝐻𝐴 , 𝑉𝐴 , 𝐻𝐵 , 𝑉𝐵 , 𝐻′𝐴 , 𝑉′𝐴 , 𝐻𝐶 , 𝑉𝐶 , 𝐹𝐶𝐵
Inspecionando-se os diagramas de corpo livre das barras, vemos que eles produzem apenas 6
equações de equilíbrio. Por esse motivo, é necessário construir os diagramas de corpo livre dos nós
(Fig.31).
𝑉𝐵
𝑉𝐴 𝑉𝐶
𝐹 𝐻𝐴 𝐻𝐵 𝐻𝐶 𝐹
𝐵
𝐴 𝐻′𝐴 𝐶
𝐹𝐶𝐵
𝑉′𝐴 2𝐹 𝐹𝐶𝐵

Figura 31. Diagramas de corpo livre dos nós.


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A partir dos disgramas de corpo livre das Figs.30-31, obtemos as seguintes equações de equilíbrio:
• barra 𝐴𝐵
𝐻𝐴 + 𝐻𝐵 = 0
𝑉𝐴 + 𝑉𝐵 − 𝐹 = 0 (6.2.2 − 2)
−2𝐹 + 4𝑉𝐵 = 0
• barra 𝐴𝐶
𝐻′𝐴 + 𝐻𝐶 = 0
𝑉′𝐴 − 𝐹 + 𝑉𝐶 = 0 (6.2.2 − 3)
−3𝐹 + 4𝑉𝐶 − 3𝐻𝐶 = 0
• nó 𝐴
−𝐻𝐴 − 𝐻′𝐴 − 𝐹 = 0
(6.2.2 − 4)
−𝑉𝐴 − 𝑉′𝐴 = 0
• nó 𝐵
−𝐻𝐵 = 0
(6.2.2 − 5)
𝐹𝐶𝐵 − 𝑉𝐵 + 2𝐹 = 0
• nó 𝐶
𝐹 − 𝐻𝐶 = 0
(6.2.2 − 6)
−𝐹𝐶𝐵 − 𝑉𝐶 = 0
Resolvendo-se o sistema de equações 6.2.2-2 a 6.2.2-5, chega-se a:
𝐹 𝐹
𝐻𝐴 = 0 𝑉𝐴 = 𝐻𝐵 = 0 𝑉𝐵 =
2 2
𝐹 3𝐹
𝐻′𝐴 = −𝐹 𝑉′𝐴 = − 𝐻𝐶 = 𝐹 𝑉𝐶 =
2 2
3𝐹
𝐹𝐶𝐵 = −
2
Concluímos, assim, que a barra 𝐴𝐵 está em equilíbrio sob a ação de 3 forças paralelas, a barra
𝐴𝐶 é equilibrada por 3 forças concorrentes e a barra 𝐵 é equilibrada por um par de forças de
compressão. A Fig. 32 ilustra o equilíbrio dessas barras.

3𝐹
3𝐹 2
2 𝐹 𝐶
𝐹 𝐶 𝐹
𝐹
2 2
𝐴 𝐵
𝐹
𝐵
𝐹 𝐴
3𝐹 𝐹
2 2

Figura 32. Diagrama de corpo livre das barras após o cálculo das forçasinternas.
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6.3 Estruturas tridimensionais


Compostas por barras, placas e demais corpos de variadas formas e interligados por meio de
articulações, anéis, cabos e demais vínculos que propiciem o equilíbrio do conjunto, sua análise não
difere substancialmente da que se apresentou para os casos anteriormente considerados, ou seja:
constroem-se os diagramas de corpo livre para cada um dos elementos da estrutura e escrevem-
se as respectivas equações de equilíbrio; resolvendo-se o sistema de equações, determinam-se as
incógnitas do problema – forças reativas e forças internas.
Deve-se procurar identificar desde o início os componentes da estrutura que estão em
equilíbrio sujeitos a apenas duas ou três forças, uma vez que seus diagramas de corpo livre
apresentam restrições que favorecem a resolução do problema.
Nos dois exemplos que seguem ilustra-se o método geral de resolução dessa classe de estruturas.

6.3.1 Estrutura composta por placa homogênea articulada a barras delgadas


Consideremos a placa retangular 𝐴𝐵𝐶𝐷 (lados 𝑎 e 𝑎√2) e peso 𝑃, vinculada por meio de
articulações ao apoio 𝐴 e às barras de peso desprezível 𝐶𝐸, 𝐶𝐹 e 𝐷𝐸, conforme indicado na Fig. 33.
Nessas condições, determinaremos as reações vinculares e as forças atuantes nas barras mediante a
aplicação do método de resolução esboçado no item 6.3.

𝑧
a
𝐵

𝐶
a

a 𝑂 a
𝐴
𝐹 a
𝑥
𝐸 𝑦
𝐷
Figura 33. Estrutura tridimensional composta por placa e barras delgadas.

Para tanto, construimos os diagramas de corpo livre das barras de peso desprezível, (Fig. 34)
notando que elas estão em equilíbrio sob a ação de apenas duas forças aplicadas em seus extremos.
𝐹𝐶𝐸
𝐹𝐶𝐹 𝐶
𝐶

𝐹 𝐸
𝐹𝐶𝐸
𝐹𝐶𝐹
𝐹𝐷𝐸
𝐸 𝐹𝐷𝐸
𝐷
Figura 34. Diagramas de corpo livre das barras de peso desprezível.
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Uma vez conhecidas as direções das forças aplicadas pelas articulações às barras, os respectivos
pares de forças internas correspondentes às ações das barras sobre as articulações e, por decorrência,
destas sobre a placa, são determinados imediatamente com auxílio do Princípio de Ação e Reação.
Dessa forma, a construção do diagrama de corpo livre da placa 𝐴𝐵𝐶𝐷 resulta imediata (Fig.35).
𝐵 √2 √2
𝐹𝐶𝐸 𝐹𝐶𝐸
2 2

𝑍𝐴 𝐶
𝐹𝐶𝐹
𝑃
𝐴 _
𝐹𝐷𝐸 √2Τ2
𝑋𝐴 𝑌𝐴
𝐷
𝐹𝐷𝐸 √2Τ2

Figura 35. Diagrama de corpo livre da placa 𝐴𝐵𝐶𝐷 .

Aplicando-se as equações de equilíbrio à placa, tem-se:


√2
𝑋𝐴 + 𝐹𝐷𝐸 =0 (6.3.1-1)
2
√2 √2
𝑌𝐴 − 𝐹𝐷𝐸 2 − 𝐹𝐶𝐸 2 = 0 (6.3.1-2)
√2
𝑍𝐴 − 𝑃 + 𝐹𝐶𝐹 + 𝐹𝐶𝐸 2 = 0 (6.3.1-3)

⃗ ) + (𝐷 − 𝐴) ∧ (−𝐹𝐷𝐸 √2 √2 √2 √2 ⃗
(𝐺 − 𝐴) ∧ (−𝑃𝑘 𝑗 + 𝐹𝐷𝐸 𝑖) + (𝐶 − 𝐴) ∧ (−𝐹𝐶𝐸 𝑗 + 𝐹𝐶𝐸 𝑘 +
2 2 2 2
⃗ ) = ⃗0
𝐹𝐶𝐹 𝑘 (6.3.1-4)
ou seja,
−𝑃 + √2𝐹𝐶𝐸 + 2𝐹𝐶𝐹 + √2𝐹𝐶𝐸 = 0 (6.3.1-5)
−𝑃 + √2𝐹𝐶𝐸 + 2𝐹𝐶𝐹 = 0 (6.3.1-6)
−𝐹𝐷𝐸 + 𝐹𝐶𝐸 = 0 (6.3.1-7)
Resolvendo-se o sistema de 6 equações a 6 incógnitas acima indicado, resulta:
𝑃 𝑃
𝑋𝐴 = 0, 𝑌𝐴 = 0, 𝑍𝐴 = , 𝐹𝐶𝐸 = 0, 𝐹𝐶𝐹 = , 𝐹𝐷𝐸 = 0, (6.3.1-8)
2 2
mostrando que a placa está em equilíbrio sob a ação de um sistema de três forças paralelas (Fig.36).
B
𝑃 Τ2
C

𝑃 Τ2
𝑃
A
_

D
Figura 36. Placa em equilíbrio sob a ação de três forças paralelas.
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6.3.2. Pórtico tridimensional


Consideremos a estrutura tridimensional constituída por três barras 𝐴𝐵, 𝐵𝐷 e 𝐶𝐸 de peso
desprezível, articuladas conforme ilustrado na Fig.37, e sujeita à ação de uma força 𝐹𝑗 aplicada à
articulação 𝐵.
Aplicaremos o método esboçado no item 6.3 para determinar as reações vinculares e as forças
atuantes nas barras dessa estrutura.

Figura 37. Pórtico tridimensional.

Analisando-se o equilíbrio das barras 𝐴𝐵, 𝐶𝐸 e 𝐵𝐷, notamos que:


1. As barras 𝐴𝐵 e 𝐶𝐸estão em equilíbrio sob a ação de duas forças aplicadas às suas extremidades.
Logo, essas forças devem ser iguais e opostas, conforme indicado nos diagramas de corpo livre da
Fig.38. Naturalmente, os sentidos serão determinados oportunamente, após a resolução do sistema
de equações de equilíbrio.
𝐴 𝐹𝐴𝐵 𝐹𝐶𝐸 𝐶 𝐹𝐶𝐸
𝐸

𝐵
𝐹𝐴𝐵

Figura 38. Diagramas de corpo livre das barras 𝐴𝐵 e 𝐶𝐸 .

2. A barra 𝐵𝐷 encontra-se em equilíbrio sob a ação de três forças aplicadas nos pontos 𝐵, 𝐶 e 𝐷. Logo
essas forças são, necessariamente, coplanares, e o plano em que atuam é o plano 𝐵𝐷𝐸, pois os 3
pontos de aplicação das forças (ou, seja, 𝐵, 𝐶 e 𝐷) situam-se sobre a reta 𝐵𝐷 e a direção de uma
das forças (𝐹𝐶 ) é conhecida (𝐶𝐸). Resta, portanto, apenas verificar se se trata de um sistema de
forças concorrentes ou paralelas (Fig.39).
Para tanto, analisamos o equilíbrio da articulação 𝐵 (Fig.40), sobre a qual se aplica uma força
externa 𝐹𝑗 pertencente ao plano 𝐴𝑥𝑦. Essa força é equilibrada pelas duas forças internas atuantes
nas extremidades das barras 𝐴𝐵 e 𝐵𝐷. A primeira delas (𝐹𝐴𝐵 ) tem a direção de 𝐴𝐵, ou seja, 𝑖;
portanto, 𝐹𝐴𝐵 e 𝐹𝑗 encontram-se no mesmo plano 𝐴𝑥𝑦. Consequentemente, a terceira força (𝐹𝐵 )
deverá também estar no plano 𝐴𝑥𝑦 para que o sistema de forças concorrentes, ou paralelas
{𝐹𝑗,𝐹𝐴𝐵 ,𝐹𝐵 } se equilibre.
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FD FD D
D

FC
FC C
C

FB
FB B
B
(a) (b)

Figura 39. Hipóteses para o sistema de forças atuantes na barra 𝐵𝐷 : (a) concorrentes; (b) paralelas.

FB FAB
B

Figura 40. Equilíbrio da articulação 𝐵.

Conclui-se, assim, que a linha de ação da força 𝐹𝐵 se encontra na intersecção dos planos 𝐴𝑥𝑦 e
𝐵𝐷𝐸. Observando-se a Fig.40, notamos que essa linha tem a direção de 𝐶𝐸 (ou seja, 𝑗 − 𝑖).
Aplicando-se as equações de equilíbrio na articulação 𝐵 (vide Fig.40), resultam:
𝐹𝐵 cos 45° = 𝐹 ⇒ 𝐹𝐵 = 𝐹√2 (6.3.2-1)
𝐹𝐴𝐵 = 𝐹𝐵 sin 45° = 𝐹 (6.3.2-2)
A análise precedente nos permitiu concluir que o sistema de três forças atuantes na barra 𝐵𝐷, ou
seja, {𝐹𝐵 , 𝐹𝐷 , 𝐹𝐶 } é um sistema de forças paralelas.
Para calcular as magnitudes dessas forças, é suficiente aplicar as equações de equilíbrio no plano
𝐵𝐷𝐸. Todavia, uma simples inspeção da geometria do sistema (Fig.41) nos permite concluir que, por
1
causa da simetria, as forças 𝐹𝐵 e 𝐹𝐷 são iguais e têm módulo 2 |𝐹𝐶 |. Em outras palavras: 𝐹𝐶 = 2√2𝐹

FD
FB D
C
B
FC
l
l

2l

Figura 37. Equilíbrio da barra 𝐵𝐷 .

7. Ações de contato entre sólidos


Consideremos um sistema material em equilíbrio constituído por dois sólidos 𝑆1 e 𝑆2 que possuem
uma área infinitesimal 𝑑𝐴 de contato ao redor de um ponto geométrico 𝐼, onde se desenvolvem ações
de contato entre os sólidos, conforme indicado na Fig.42-a, que apresenta o sistema de forças de
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contato aplicadas a 𝑆1 por 𝑆2 . Esse sistema de forças pode ser reduzido, no pólo 𝐼, a uma força
resultante 𝑅⃗ e a um binário resultante de momento 𝑀
⃗⃗ 𝐼 = 𝐺 (Fig.42-b).

𝑆1 𝑆1 𝑅⃗
𝑅⃗
𝐹2 𝐹𝑛 𝑁 𝑁
𝐹1 𝑃𝑛 𝐺
𝑃1 𝑃2 𝐺𝑛
𝑑𝐴
𝑇 𝑇
(a) 𝐺𝑡 𝐼 (b) 𝐼 (c)
𝑆2 𝑆2
Figura 42. Ações de contato entre sólidos: (a) sistema de forças original;(b) redução do sistema (a); (c) redução
aproximada do sistema (a).

Tomando-se por referência o plano tangente aos sólidos 𝑆1 e 𝑆2 em 𝐼, realizaremos a


decomposição dos vetores 𝑅⃗ e 𝐺 nas seguintes componentes:
▪ 𝑁, designada ‘reação normal’;
▪ 𝑇, designada ‘força de atrito de deslizamento’;
▪ 𝐺𝑛 , designado ‘momento de atrito de pivotamento’;
▪ 𝐺𝑡 , designado ‘momento de atrito de rolamento’.
Via de regra, as componentes do momento de atrito – seja de deslizamento, seja de pivotamento,
são muito pequenas, de modo que, em uma primeira aproximação, pode-se reduzir o sistema de forças
de contacto entre os sólidos a uma única força, conforme indicado na Fig.42c. Essa aproximação será
adotada doravante neste texto.

8. Força de atrito de deslizamento


As leis que governam a força de atrito de deslizamento foram enunciadas por Coulomb, que
estabeleceu o seu comportamento após a realização de uma série de experimentos. Na literatura,
essas leis às vezes são denominadas de leis de Coulomb do atrito de deslizamento.
De acordo com essas leis, a força de atrito de deslizamento se comporta de duas maneiras distintas
conforme exista ou não uma velocidade relativa 𝑈 de deslizamento entre os corpos 𝑆1 e 𝑆2 .
Se 𝑈 for nula, a reação 𝑅⃗ mantém-se interior a um certo cone de ângulo 𝜙, dito cone de atrito
(Fig43-a). Em tais circunstâncias, a força de atrito de deslizamento é inferior a um valor limiar 𝜇𝑁,
ou seja,
𝑇 < 𝜇𝑁 (8-1)
em que 𝜇 – o assim chamado coeficiente de atrito estático, não depende nem da força normal 𝑁
nem da área de contacto entre os sólidos, mas apenas das características mecânicas dos materiais que
os constituem e da qualidade de acabamento de suas superfícies. A determinação de 𝜇, para pares de
diferentes materiais e respectivas qualidades superficiais de acabamento, se faz pela via
experimental.
Por sua vez, o ângulo de atrito que caracteriza o cone de atrito é dado por:
𝜇𝑁
tan 𝜑 = = 𝜇, (8-2)
𝑁
ou seja,
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𝜑 = tan−1 𝜇 (8-3)
Se 𝑈 for diferente de zero, (Fig.43-b) a reação 𝑅⃗ se orienta na direção tangente ao cone de atrito,
a força de atrito de deslizamento tem a direção oposta a 𝑈 e a sua magnitude é dada por
𝑇 = 𝜇𝑁 (8-4)

𝑆1 𝑅⃗ 𝑆1
𝑁 𝑁 𝑅⃗
𝜑′ 𝜑

(a) 𝑇 < 𝜇𝑁 (b) 𝑈 𝑇 = 𝜇𝑁


𝐼 𝐼
𝑆2 𝑆2
Figura 43. Ações da força de atrito: (a) velocidade de deslizamento nula; (b) velocidade de deslizamento não nula.

Verifica-se experimentalmente que, assim que se inicia o deslizamento, o valor do coeficiente de


atrito sofre uma pequena alteração e se estabelece entre os corpos em contato uma força constante
de atrito dada por
𝑇 = 𝜇𝑑 𝑁 (8-5)
em que 𝜇𝑑 , o chamado coeficiente de atrito dinâmico, em geral, é um pouco menor do que 𝜇.

9. Aplicação das leis de atrito de deslizamento a sistema de corpos rígidos em equilíbrio


Nos próximos tópicos apresentaremos alguns exemplos que ilustram a aplicação das leis de atrito
de Coulomb a problemas de equilíbrio de sistemas de corpos rígidos.

9.1. Bloco apoiado em uma superfície rugosa, sujeito à ação de forças externas
Consideremos um bloco de peso 𝑃 em equilíbrio sobre uma superfície horizontal plana e rugosa.
Admitindo-se que o coeficiente de atrito entre o bloco e o plano seja 𝜇 e que uma força 𝐹 horizontal
seja a ele aplicada, conforme mostrado na Fig.44-a, determinaremos o maior valor da magnitude de
𝐹 compatível com o equilíbrio do bloco.
Conforme ilustrado na Fig.44-b, as três forças que mantêm o bloco em equilíbrio são concorrentes
e o ponto 𝐼 de aplicação da força de contacto 𝑅⃗𝐼 situa-se a uma distância 𝑥 do vértice 𝐷, distância
essa que aumenta com a magnitude da força 𝐹 .
2a
𝑃
𝑃
𝐹 B C
𝐹
O
x

A I D

𝑅⃗𝐼
(a) (b) 𝑁
𝑇
Figura 44. (a) Bloco em equilíbrio apoiado sobre superfície rugosa; (b) diagrama de corpo livre do bloco.
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Escrevendo-se, então, as equações de equilíbrio do bloco, tem-se:


∑ 𝐹𝑥𝑖 = 0 ⇒ 𝑇 = 𝐹 (9.1-1)
∑ 𝐹𝑦𝑖 = 0 ⇒ 𝑁 = 𝑃 (9.1-2)
𝑎−𝑥
∑ 𝑀𝐷 = 0 ⇒ −𝐹ℎ + 𝑃𝑎 − 𝑃𝑥 = 0 ⇒ 𝐹 = 𝑃 (9.1-3)

Analisando-se a equação acima, verificamos que uma condição extrema de equilíbrio corresponde
àquela em que o ponto 𝐼 coincide com o vértice 𝐷, ou seja, em que 𝑥 = 0. Portanto, caso a magnitude
de 𝐹 ultrapasse o valor limite
𝑡 𝑎
𝐹𝑚𝑎𝑥 =𝑃 (9.1-4)

o equilíbrio se desfaz, pois ocorre o tombamento do bloco.


Há que se verificar ainda o evento de escorregamento do bloco por ultrapassagem da força de
atrito. Assim, na hipótese de a magnitude de 𝐹 ltrapassar o limiar
𝑑
𝐹𝑚𝑎𝑥 = 𝜇𝑁 (9.1-5)
o equilibrio também se desfaz, pois ocorre deslizamento do bloco.
Concluimos, então, que o máximo valor da magnitude de 𝐹 compatível com o equilíbrio do bloco
é:
𝑎
𝐹𝑚𝑎𝑥 = 𝑚𝑖𝑛 {𝑃 , 𝜇𝑃} (9.1-6)

9.2 Análise dos possíveis movimentos de um bloco apoiado sobre um plano inclinado rugoso
Consideremos um bloco em equilíbrio sobre um plano inclinado rugoso, sob a ação de uma força
⃗ , conforme ilustrado na Fig.45-a. Admitindo-se conhecido o coeficiente 𝜇 de atrito entre
horizontal 𝑄
bloco e rampa, determinaremos a magnitude de 𝑄 ⃗ para que o bloco não escorregue rampa abaixo e
nem inicie movimento de ascenção. (*examinaremos apenas o evento de deslizamento).

𝑗 𝑖

𝑄 𝐺 ⃗
𝑄 𝐺

I
𝑃 (a) 𝑇 𝑃 (b)
 

𝑁 𝑅⃗𝐼

Figura 45. (a) Bloco em equilíbrio sobre rampa; (b) Sistema de forças compatível com o impedimento de sua descida.

Neste problema, como em muitos outros em que as forças de atrito de deslizamento comparecem,
é necessário construir um diagrama de corpo livre para cada um dos dois sentidos em que a força de
atrito pode atuar.
O diagrama de corpo livre do bloco ilustrado na Fig.45-b corresponde ao caso em que a força de
atrito 𝑇 se opõe ao seu possível movimento de descida. Escrevendo-se as equações de equilíbrio para
esse caso, tem-se:
𝑇
∑ 𝐹𝑥𝑖 = 0 ⇒ 𝑄 cos 𝛼 + 𝑇 − 𝑃 sin 𝛼 = 0 ⇒ 𝑄 = 𝑃 tan 𝛼 − (9.2-1)
cos 𝛼
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∑ 𝐹𝑦𝑖 = 0 ⇒ 𝑁 − 𝑃 cos 𝛼 − 𝑄 sin 𝛼 = 0 ⇒ 𝑁 = 𝑃 cos 𝛼 + 𝑄 sin 𝛼 (9.2-2)


Sabemos que, na iminência do movimento de escorregamento,
𝑇 = 𝜇𝑁 ⇒ 𝑇 = 𝜇(𝑃 cos 𝛼 + 𝑄 sin 𝛼) (9.2-3)
Portanto, para que o bloco não escorregue rampa abaixo deve-se ter:
𝜇 tan 𝛼−𝜇
𝑄𝑚𝑖𝑛 = 𝑃 tan 𝛼 − cos 𝛼 (𝑃 cos 𝛼 + 𝑄𝑚𝑖𝑛 sin 𝛼) ⟹ 𝑄𝑚𝑖𝑛 = 𝑃 1+𝜇 tan 𝛼 (9.2-4)

Na Fig.46 apresenta-se o diagrama de corpo livre do bloco compatível com o impedimento de seu
movimento de ascenção.

𝑗 𝑖

𝑄 𝐺
I
𝑅⃗𝐼

 𝑃 𝑁 𝑇

Figura 46. Sistema de forças compatível com o impedimento do movimento de ascenção do bloco.

Para esse caso, as equações de equilíbrio são:


𝑇
∑ 𝐹𝑥𝑖 = 0 ⇒ 𝑄 cos 𝛼 − 𝑇 − 𝑃 sin 𝛼 = 0 ⇒ 𝑄 = 𝑃 tan 𝛼 + (9.2-5)
cos 𝛼

∑ 𝐹𝑦𝑖 = 0 ⇒ 𝑁 − 𝑃 cos 𝛼 − 𝑄 sin 𝛼 = 0 ⇒ 𝑁 = 𝑃 cos 𝛼 + 𝑄 sin 𝛼 (9.2-6)


Na iminência do escorregamento,
𝑇 = 𝜇𝑁 ⇒ 𝑇 = 𝜇(𝑃 cos 𝛼 + 𝑄 sin 𝛼), (9.2-7)
Portanto, para que o bloco não inicie um movimento de ascenção, deve-se ter:
𝜇 tan 𝛼+𝜇
𝑄𝑚𝑎𝑥 = 𝑃 tan 𝛼 + cos 𝛼 (𝑃 cos 𝛼 + 𝑄𝑚𝑎𝑥 sin 𝛼) ⟹ 𝑄𝑚𝑎𝑥 = 𝑃 1−tan 𝛼 (9.2-8)
Concluimos que o bloco se mantém em equilíbrio sobre o plano inclinado desde que a magnitude
⃗ fique restrita ao intervalo
da força 𝑄
tan 𝛼−𝜇 tan 𝛼+𝜇
𝑃 1+𝜇 tan 𝛼 < 𝑄 < 𝑃 1−𝜇 tan 𝛼 (9.2-9)

É importante destacar que, no problema anterior, focalizou-se apenas o caso de ruptura do


equilíbrio por deslizamento; evidentemente, a possível ocorrência de tombamento também deverá ser
analisada em um estudo completo do equilíbrio do bloco.

9.3 Travamento
Consideremos a cunha em forma de prisma triangular isósceles sujeita a uma força vertical 𝑃 que
propicia a sua inserção entre duas peças 𝐴1 e 𝐴2 sobre as quais são exercidas forças horizontais 𝑄
conforme ilustrado na Fig.47-a. Admitindo-se que o coeficiente  de atrito entre as superfícies da
cunha e das peças 𝐴1 e 𝐴2 seja conhecido, determinaremos as condições para que se insira a cunha
entre essas peças. Dito de outra forma, estabeleceremos as condições para que a cunha consiga afastar
as peças 𝐴1 e 𝐴2 e não fique travada entre elas.
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Em virtude da simetria do sistema de forças, é suficiente construirmos os diagramas de corpo livre


da cunha (Fig.47-b) e de uma das peças laterais – por exemplo, a peça 𝐴1 (Fig.47-c). Como estamos
interessados no evento de ruptura iminente do equilíbrio do sistema de forças, impomos a condição
de que as forças de contacto aplicadas à cunha pelas peças 𝐴1 e 𝐴2 tangenciem os seus respectivos
cones de atrito. Nessas circunstâncias, o ângulo 𝜙 indicado Fig.47-b é dado por:
𝑇 𝜇𝑁
𝑡𝑎𝑛 𝜙 = 𝑁 = =𝜇 (9.3-1)
𝑁

𝑃⃗ 𝑃⃗

𝑅⃗ 𝑅⃗
 ⃗
𝑄
𝑇 𝑁

𝑄 2 ⃗
𝑄 +

𝑅⃗

(a) (b) (c)

Figura 47. Problema de travamento: (a) Inserção de cunha entre duas peças; (b) equilíbrio da cunha; (b) equilíbrio de
uma das peças.

Tomando-se por referência o diagrama de corpo livre da cunha e projetando-se as forças ao longo
da direção vertical, obtém-se:
𝑃 − 2𝑅 cos[90 − (𝛼 + 𝜙)] = 0 ⇒ 𝑃 = 2𝑅 sin(𝛼 + 𝜙) (9.3-2)
Como
𝑁 = 𝑅 cos 𝜙, (9.3-3)
a expressão de 𝑃 assume a forma:
sin(𝛼+𝜙)
𝑃 = 2𝑁 (9.3-4)
cos 𝜙

Considerando-se o diagrama de corpo livre da peça 𝐴1 e projetando-se as forças ao longo da


direção horizontal, obtém-se:
cos(𝛼+𝜙)
𝑄=𝑁 (9.3-5)
cos 𝜙

Expressando-se 𝑃 em função de 𝑄, resulta:


𝑃 = 2𝑄 tan(𝛼 + 𝜙) (9.3-6)
Notemos que, para 𝛼 = 90 − 𝜙, 𝑃 → ∞ e a cunha, por apresentar um ângulo muito obtuso, não
pode deslocar as peças 𝐴1 e 𝐴2 ; ocorre, portanto, travamento.
Esse exemplo mostra como um importante problema que muitas vezes afeta o funcionamento de
máquinas pode ser abordado mediante a utilização dos princípios da Estática e das leis de Coulomb
para o atrito de deslizamento.

11. Bibliografia
[1] Appell, P., Traité de Mécanique Rationelle, Tome I, 2ème édition. Gauthier-Villars, Paris, 1902.
[2] Beghin, H., Cours de Mécanique Théorique et Appliquée, Tome I. Gauthier-Villars, Paris, 1952.
[3] Bouasse, H, Statique. Machine simples, bascules et balances, frottement, freins, graissage.
Statique graphique. Librairie Deçagraye, 1920.
Mecânica 1 – Capítulo 2 Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Flavius P. R. Martins 28

[4] Bour, M. Edm., Cours de Mécanique et Machines, 2ème Fascicule. Gauthier-Villars, 1868.
[5] Caronnet, T., Problèmes de Mécanique. Librairie Nony et Cie, Paris, 1898.
[6] Fonseca, A., Curso de Mecânica – Estática, Vol.1. Livros Técnicos e Científicos, Rio de Janeiro,
1982.
[7] Fonseca, A., Curso de Mecânica – Estática, Vol.2. Livros Técnicos e Científicos, Rio de Janeiro,
1980.
[8] França, L.N.F., Matsumura, A.Z., Mecânica Geral. Edira Blücher, São Paulo, 2011.
[9] Giacaglia, G.E.O., Mecânica Geral para as Escolas Superiores, Vol.1. Livraria Nobel, São Paulo,
1975.
[10] Longhini, P., Lecciones de Mecanica Racional, Tomo I. Publicaciones del Centro Estudiantes di
Ingenieria, Buenos Aires, 1949.
[11] Meriam, J.L., Kraige, L.G., Engineering Mechanics: Statics, Vol.1. John Wiley & Sons, New
York, 1993.

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