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CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social – uma crônica do salário.

Tradução:
Iraci D. Poleti. Coleção Zero à Esquerda. Petrópolis: Vozes, 1998. cap.VII e
VIIIp.415-5601.

Maria Lucia Lopes da Silva 2

Robert Castel é um sociólogo francês, respeitado no meio acadêmico.


Publicou no Brasil, “Armadilhas da exclusão” e “As transformações da Questão Social”, no
livro, Desigualdade e Questão Social, pela Editora Educ, em 1997. E, em 2005, publicou
“A insegurança social: o que é ser protegido?”, pela Editora Vozes.
Em sua obra, “As metamorfose da questão social – uma crônica do salário”,
o autor é movido pelo interesse de avaliar a amplitude e o impacto da presença,
aparentemente crescente, de indivíduos que não encontram um lugar designado na estrutura
social, “os inúteis para o mundo”. Assim, partindo da tese de que o presente é também
efeito do passado, faz uma síntese histórica da constituição e crise da sociedade salarial
moderna, na França, destacando o surgimento de uma “nova questão social” vinculada à
crise da sociedade salarial e apontando eventualidades possíveis para o futuro. Sua reflexão
sobre a sociedade salarial moderna primou por estabelecer conexões entre a situação
econômica, os níveis de proteção social e a intervenção do Estado Social.Os capítulos VII
e VIII, objeto desta resenha, trazem os núcleos centrais das reflexões e conclusões do autor.
Para compreender os capítulos em referência, quatro fundamentos
teóricos utilizados por ele são essenciais. O primeiro é o conceito de solidariedade, que ele
vai buscar em Durkheim e nos republicanos do final do século XIX, especialmente da III
República, como um vínculo que assegura a complementaridade dos componentes de
uma sociedade, apesar de sua organização complexa. O segundo, refere-se à noção de
trabalho como um instrumento de filiação societária e não apenas uma relação técnica de
produção de bens materiais úteis e consumíveis.O terceiro é o sentido de integração,
também baseado em Durkheim, “como o pertencimento a uma sociedade que forma um

1
Esta Resenha constitui requisito para Avaliação da Disciplina Questão Social, Instituições e Serviços Sociais do
Programa de Pós-Graduação em Política Social - SER/ IH/UnB. Profª Potyara Amazoneida.Janeiro/ 2006.
2
Mestranda do PPGPS/SER/IH/UnB. Matrícula 05/43161-MS
todo de elementos interdependentes” (p.530). E, finalmente a noção de Questão Social,
como uma ameaça à capacidade de manter a coesão social.
No capítulo VII, A sociedade salarial, o autor procura elucidar as
condições que deram origem à sociedade salarial e a tornaram uma estrutura original, sem
alternativa confiável na atualidade, mas que na crise atual revelou-se frágil.Assim, afirma
que a condição de assalariado existiu desde a sociedade pré-industrial, de modo
fragmentado, sem conseguir se impor coerentemente como uma unidade de condição.
Depois, a revolução industrial antecipou a condição salarial moderna, sem ainda manifestá-
la como uma unidade, o que só ocorreu na era “fordista”. O autor ressalta a condição
proletária, a condição operária e a condição salarial como os três modos predominantes
de solidificação das relações de trabalho na sociedade industrial e também três tipos de
relações que o mundo do trabalho mantém com a sociedade.
A condição proletária marca o início da industrialização e é caracterizada
como uma situação de quase “exclusão” da estrutura social. O proletário, apesar de ser o
elo no processo de industrialização, em sua fase inicial, tem poucos benefícios e garantias.
Sua renda é muito baixa e assegura apenas a sua reprodução e de sua família, não lhe
permitindo investir no consumo para além do atendimento das necessidades biológicas. Em
busca de melhor remuneração, o proletário muda constantemente de emprego. Nessa
condição, não existem garantias legais na circunstância de trabalho.
A condição operária estabelece uma nova relação com a sociedade. Uma
relação salarial mais ampla. O salário retribui pela tarefa realizada e assegura direito,
viabilizando o acesso a subvenções em decorrência de doenças, acidentes, aposentadorias e,
possibilitando maior participação na vida social, por meio do consumo, habitação,
educação, lazer, etc.Apesar disso, essa condição configura uma integração social de forma
subordinada. Pois, até 1930, essa condição correspondia sobretudo, aos assalariados
operários, cuja participação na vida social obedecia a critérios de privações de posse, que
lhes impunha uma colocação inferior na estrutura social.
A despeito de considerar a condição operária uma construção, o autor
destaca o ano de 1936, como um ano de singular importância para a classe operária
francesa. É o ano que marca o reconhecimento da classe operária como força política e a
tomada de consciência de seu poder enquanto classe, o que se traduz em inúmeras

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conquistas sociais e na posição de ponta de lança que passou a assumir. Entretanto, a
ascensão da condição de assalariado destitui a classe operária dessa posição, relativizando
seu papel e inscrevendo-a numa posição subordinada na sociedade salarial.
A condição salarial é caracterizada por uma situação social em que quase
todos são assalariados e a identidade social é definida pela posição ocupada na condição de
assalariado. A escala social possui uma graduação crescente, na qual, os assalariados
estabelecem sua identidade, realçando a diferença em relação ao escalão inferior e
almejando ascensão ao estrato superior. Nessa escala, a condição operária se encontra na
base.A sociedade salarial é movida pelas aspirações de promoção pelo consumo de bens e
riqueza, novas posições e oportunidades, ampliação dos direitos, garantias e proteções. O
período entre 1931 a 1975 marca o crescimento maciço da proporção de assalariado na
população ativa, sendo que 1975, o autor considera o ano da apoteose da sociedade salarial.
Para Castel, uma relação salarial moderna ou “fordista” comporta uma
forma de remuneração da força de trabalho,um modo disciplinar do trabalho que estabelece
o ritmo da produção e o quadro legal que estrutura a relação de trabalho. Assim, numa
mesma sociedade capitalista, a relação salarial pode assumir diferentes configurações.
Neste capítulo VII, ele explicita as transformações que provocaram a passagem da relação
salarial, que prevalecia no início da industrialização, à relação salarial moderna, que
implica a reunião de cinco condições, a saber: a distinção entre os que trabalham
regularmente e os inativos ou os semi-ativos que devem ser excluídos do mercado de
trabalho ou integrados sob formas regulamentadas; a fixação do trabalhador em seu posto
de trabalho e a racionalização do processo de trabalho; o acesso ao consumo, por meio do
salário, tornando o operário um usuário da produção de massa; acesso à propriedade social
e aos serviços públicos; e, finalmente, a inscrição em um direito do trabalho que reconhece
o trabalhador como parte de um coletivo dotado de um estatuto social além da dimensão
puramente individual do contrato de trabalho. A reunião dessas condições, caracteriza a
relação salarial típica da sociedade salarial, cujo desenvolvimento se deu concomitante ao
desenvolvimento econômico e desenvolvimento do Estado Social. Dessa forma, além de
uma conexão de posições assalariadas, a sociedade salarial “é também um modo de gestão
política que associou a sociedade privada e a propriedade social, o desenvolvimento
econômico e a conquista dos direitos sociais, o mercado e o Estado” (p.478-479).

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A sociedade salarial alojou o Estado Social, cuja intervenção, segundo
Castel, se desdobrou em 3 direções: a garantia de proteções generalizadas, a manutenção
do equilíbrio e a condução da economia e a busca de compromisso entre os atores sociais
envolvidos no processo de crescimento. Deste modo, o crescimento econômico e a
expansão do Estado Social teceram vínculos essenciais com a sociedade salarial. Nela,
foram reestruturadas formas modernas de solidariedade e troca em torno do trabalho, sob a
garantia do Estado, que possibilitaram a coesão social.
No capítulo VIII, a nova questão social, o autor faz uma análise das
mudanças ocorridas, nos últimos vinte anos, destacando a questão social, em sua
configuração contemporânea, em face da crise da sociedade salarial, e as medidas adotadas
para enfrentá-la. O capítulo traz também eventualidades de futuro, apontadas pelo autor.
Castel inicia sua reflexão destacando que é através do ideal social-
democrata que o Estado social surge como princípio de governo da sociedade, como o
responsável pela melhoria progressiva da condição de todos, por meio do crescimento.
Portanto, seu ponto de partida é identificar em que medida a França, em meados dos anos
70, do século XX, se aproximava dessa forma de organização para assim, avaliar a
amplitude das mudanças ocorridas nos últimos 20 anos, em relação ao ideal que buscava.
Nessa direção, destaca 3 características da sociedade salarial, naquele momento, como
impasse ao crescimento: 1- o caráter inacabado e ainda frágil das conquistas sociais- a
maioria das realizações da época marcam avanços expressivos, mas mostraram-se
inconsistentes, em face da mudança da conjuntura do emprego. O autor cita como exemplo
o sistema de seguridade social, a regulação das demissões, a instituição do contrato de
trabalho por tempo indeterminado como norma, o que assegurou proteções, poucas
demissões e uma certa estabilidade no emprego, numa conjuntura de quase-pleno-emprego.
Entretanto, ao mudar a conjuntura do emprego, sob o viés neoliberal, a partir de meados
dos anos 70, sumiu a seguridade, o assalariado caiu no trabalho precarizado, as demissões
aumentaram, evidenciando fragilidades na construção da solidariedade, expressas por essas
situações, que, na prática, eram coerências empíricas e não garantias legais; 2- os efeitos
perversos decorrentes da ampliação das proteções - mesmo no período apoteótico do
consumo e dos níveis de proteção social, a sociedade apontou críticas à forma de
governabilidade do Estado Social, particularmente em relação às injustiças herdadas do

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passado (reprodução das desigualdades sociais, tratamento indignos aos prisioneiros,
doentes mentais, etc.), à libertação das tutelas do Estado e à ação política e social do
Estado, sem a participação da sociedade civil na tomada de decisões; 3- o caráter
contraditório que o funcionamento Estado social revelou: ao mesmo tempo em que sua
intervenção tem efeitos homogeneizadores, nivelando as particularidades individuais e
vinculando os indivíduos a um coletivo abstrato, ela também tem efeitos individualizantes,
cortando os indivíduos de seu pertencimento concreto a coletivos reais (comunitários,
políticos, etc).As proteções sociais foram implantadas nas lacunas da sociabilidade
primária, como respostas aos riscos numa sociedade em que a industrialização e a
urbanização fragilizava “as solidariedades de proximidade”. Porém, as participações e
envolvimentos pessoais requeridos na construção dessa sociedade eram poucos, mesmo nos
sistemas solidários de proteção, como o seguro obrigatório. Isso afastou a vulnerabilidade
do indivíduo, mas a reconduziu a um outro plano. O Estado passou a ser o seu principal
suporte e proteção, entretanto estabelece uma relação de união dos indivíduos a um coletivo
abstrato. Deste modo, a ausência do Estado poderá significar a ruptura do vínculo social.
Segundo o autor, as solidariedades concretas sumiram da sociedade salarial juntamente com
ao atores de antagonismos que contribuíam para a unidade da sociedade. O Estado social
tornou-se o garantidor das formas de trocas e solidariedade em torno do trabalho, isso tem
um grande impacto quando a centralidade do trabalho passa a ser questionada.
As mudanças profundas na conjuntura do emprego são as principais
manifestações da crise da sociedade salarial, a partir dos anos 70. O desemprego, a
precarização do trabalho e a desestabilização dos estáveis são três aspectos que marcam
essas mudanças, realizadas sob a ótica neoliberal. Nesse contexto, há o ressurgimento dos
“inúteis para o mundo”, os supranumerários, que são os “defiliados” da estrutura social e
se encontram no núcleo da questão social contemporânea. Para o autor, “assim como o
pauperismo do século XIX estava inserido no coração da dinâmica da primeira
industrialização, também a precarização do trabalho é um processo central, comandado
pelas novas exigências tecnológico-econômicas da evolução do capitalismo moderno.
Realmente, há aí uma razão para levantar uma nova questão social que, para espanto dos
contemporâneos, tem a mesma amplitude e a mesma centralidade da questão suscitada pelo
pauperismo na primeira metade do século XIX.” (p. 530-531).

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Em um contexto de acumulação flexível, o autor critica a apologia às
empresas como instrumentos de integração social. Em sua opinião, a empresa é a expressão
da competitividade, numa economia de mercado auto-regulável. E a coesão social não
compete ao mercado, pois tem como base a solidariedade, que não se estruturada na
competitividade. Esse papel cabe ao Estado, a quem compete conduzir as estratégias,
vincular os parceiros aos objetivos de interesses coletivos e zelar pelo respeito aos
compromissos. Uma sociedade sob hegemonia do mercado, sem a intervenção do Estado
será esmagada pelo seu funcionamento.
Em face das incertezas, inseguranças e competitividade que caracterizam a
conjuntura contemporânea do emprego, em face da situação econômica de instabilidades e
riscos, do desmantelamento dos sistemas de proteção social, da substituição de políticas
com vocação universalizantes por políticas de inserção social, voltadas para problemas
específicos presentes na sociedade, da presença insistente de supranumerários, Castel
reconhece que houve uma mudança na trajetória francesa em relação aos ideais da social-
democracia, mas esse não é um modelo esgotado. Ainda se vive da sociedade salarial, dos
sistemas de proteções que restaram, e, embora cada vez mais para categorias mais
numerosas a identidade social pelo trabalho esteja perdida, a noção de identidade pelo
trabalho não foi removida da França contemporânea.Muitos coletivos se constituem a partir
do trabalho. Além disso, o desejo de reinscrever-se na condição salarial com suas
exigências e garantias é o desejo dos jovens e dos que estão desfiliados.
Partindo dessa referência analítica, o autor diz que as crises do futuro
dependerão das opções feitas no presente. Assim, aponta quatro eventualidades possíveis
no futuro da França, a depender de posições assumidas, no que se refere à política
econômica, à intervenção do Estado e à organização do trabalho.
A primeira é a continuidade da degradação da condição salarial observada
desde os anos 70, em caso da aceitação da hegemonia do mercado, sem mediações do
Estado. As políticas decorrentes da acumulação flexível levarão à completa
desregulamentação das proteções e direitos. As proteções de proximidade, típicas das
sociedades pré-industriais, foram substituídas pelas proteções sociais organizadas pelo
Estado, erradicá-las significa suprimir conquistas sociais e quebrar as formas modernas de
coesão social. Para Castel, a intervenção do Estado é a forma de manter a coesão social.

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A segunda eventualidade consiste em esforços para estabilizar a situação
atual.Para o autor, o Estado poderia fortalecer seu papel de fiador da coesão social a um
custo não muito elevado e sem mudar muito o modo de suas intervenções, uma vez que as
transformações dos últimos anos, não o mutilaram completamente. O Estado francês ainda
dispõe de um bom aparelho e de capacidade de controlar os riscos de aprofundamento da
situação atual.O autor sugere entre outras, as seguintes medidas: maior controle sobre o
deslocamento do mercado de trabalho internacional, contenção da precarização do trabalho,
geração de novos empregos produtivos que possam absorver categorias obsoletas.
A terceira opção reconhece a perda da centralidade do trabalho e a
degradação da condição de assalariado e tenta encontrar-lhe compensações ou
alternativas. As defesas otimistas das “jazidas de empregos” (entrega domiciliar de
alimentos, remédios, serviços de babá,etc.) são efetuadas pelos críticos do Estado Social.
Aqui, o autor reconhece a existência de tais “jazidas”e as caracteriza como subemprego ou
financiamento de serviços domésticos, colocando-se contrário as posições que defendem a
transformação desses serviços e atividades em empregos. Para ele, esses serviços oscilam
entre uma filantropia paternalista e formas contemporâneas de exploração da mão-de-obra,
e, “a crise atual é, realmente, uma crise da integração através do trabalho, sua exploração
selvagem não seria capaz de resolvê-la.” (p. 575). Essa crítica, todavia, não impede que o
autor reconheça as profundas transformações em curso na relação, que os sujeitos sociais
passaram a ter com o trabalho. Reconhece também que a dignidade social de um indivíduo
se funda na sua utilidade social e não no emprego assalariado, ou até mesmo no trabalho,
entretanto chama a atenção para armadilha que é delegar aos grupos mais frágeis e
vulneráveis a ultrapassagem da alienação do trabalho e das sujeições da condição de
assalariado, quando lhes é negado o mínimo de reconhecimento e segurança. Deste modo, o
autor afirma a centralidade do trabalho na contemporaneidade, em várias dimensões. Diz
ele: “o trabalho continua sendo uma referência não só economicamente, mas também
psicologicamente, culturalmente e simbolicamente dominante, como provam as reações dos
que não o têm.” (p.578). A integração social dos supranumerários não se dará pelo alcance
de uma atividade, mas também pela posição social, que lhe seja assegurada via trabalho.
A quarta opção é preparar a redistribuição dos recursos que provém do
trabalho socialmente útil.O autor chama a atenção para que esta eventualidade não seja

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confundida com a restauração da sociedade salarial, que embora seja uma referência viva, é
uma construção localizada historicamente. É uma formação social que conseguiu eliminar
vulnerabilidades de massas e assegurar ampla participação nos valores sociais comuns.
Aqui, a sugestão é possibilitar que todos possam manter uma ligação com o trabalho
socialmente útil e com as prerrogativas a ele vinculadas. Pois, para o autor, na sociedade
contemporânea, o trabalho continua sendo o principal fundamento da cidadania em suas
dimensões econômica e social. Entretanto, em face da crise estrutural, expressa pelo
desemprego, pelo crescimento dos supranumerários, pelo aumento das vulnerabilidades de
massa, é preciso que se possibilite a divisão do trabalho e das vantagens por ele
proporcionadas. Para Castel, as propostas de partilha do trabalho são as respostas mais
coerentes a essa situação. Implicam “fazer com que cada um encontre, conserve ou
reencontre um lugar no continuum das posições socialmente reconhecidas a que estão
associadas, na base de um trabalho efetivo, condições decentes de existência e direitos
sociais.” (p.582). Trata-se pois, da divisão do trabalho para que todos possam ter acesso aos
bens dele decorrentes: salários, proteções, garantias jurídicas, etc. Duas proposições foram
delineadas: a redução da jornada de trabalho e a redefinição das formas de financiamento
das proteções, de modo a torná-las mais amplas e menos injustas.Entretanto, só devem ser
implementadas, se negociadas com os atores envolvidos.
O autor, após análise rigorosa dos dados e informações de sua pesquisa,
chegou a algumas conclusões nestes dois capítulos, entre elas, destacam-se:
 Na sociedade salarial a classe operária não ocupa a centralidade.
 A condição de assalariado não é só um modo de retribuição do salário, mas
a condição, a partir da qual, os indivíduos estão localizados na sociedade.
 A combinação entre o crescimento econômico, o quase pleno-emprego, o
desenvolvimento dos direitos do trabalho e da proteção social, possibilitaram à sociedade
salarial, promover uma maior repartição da riqueza socialmente produzida e a eliminação
de parte expressiva das vulnerabilidades de massa, de modo que a questão social parecia ter
se dissolvido na crença do progresso indeterminado, mas essa trajetória foi interrompida
pela crise da sociedade salarial, a partir dos anos 70, do século XX.
 A sociedade salarial ainda é uma referência na sociedade contemporânea
e não existe uma alternativa digna de crédito para ela.

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 Os supranumerários estão no centro da questão social contemporânea.
 O trabalhado continua sendo o principal fundamento da cidadania em suas
dimensões econônima e social e mantém a centralidade na sociedade contemporânea,
embora a continuidade dessa centralidade não esteja garantida.
 O Estado Social foi fiador da coesão social e continua sendo a sua
perspectiva. Em face da crise e das incertezas, o principal recurso é o Estado estrategista
que estenda amplamente suas intervenções para garantir a coesão social.
Para comentar a obra de Robert Castel, é preciso, inicialmente, reconhecer
que ela trouxe uma excelente contribuição ao debate contemporâneo sobre a questão
social e o seu enfrentamento. A acumulação flexível e suas características inerentes
assolam as sociedades contemporâneas e não apenas a França. Isso revela a oportunidade e
importância da obra, que traz idéias novas e consistentes a respeito das relações salariais na
atualidade e suas perspectiva, da centralidade do trabalho e do Estado Social.

É uma obra com rigor metodológico e uma boa estrutura organizacional do


seu conteúdo. O autor, cumpre àquilo a que se propõe em cada um dos capítulos. A
pesquisa realizada revelou-se profunda e ofereceu dados e informações que tornaram os
argumentos consistentes, embora, algumas vezes, a forma de utilizá-los tenha tornado o
texto exaustivo e de difícil compreensão. Registra-se também, uma infinidade de
expressões particulares de uso na língua francesa de difícil correspondência em português,
cujo esforço de tradução parece imprimir a trechos da obra uma certa desconexão entre os
temas abordados, o que a torna mais exigente de atenção em sua leitura.

Seu estilo cuidadoso e exigente no que se refere aos conceitos, nos alerta
sobre as generalidades e infinidade de situações, que a expressão “exclusão social”
acoberta, sem contudo tornar compreensível seu pertencimento a um gênero comum.

Não se tem concordância com os fundamentos funcionalistas (


durkheimiano) utilizados pelo autor no que diz respeito ao conceito de solidariedade,
integração e coesão social. Da mesma forma também não se compreende que vive-se uma
nova “questão social” sob os argumentos apresentados pelo autor. Na realidade, a questão
social é a mesma, desde que se originou, decorrente das tensões entre o capital e o trabalho,
novas são apenas algumas de suas expressões.

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Enfim, trata-se de uma obra que, apesar da defesa intransigente da social-
democracia como alternativa de projeto societário e dos fundamentos funcionalistas que a
embasam, possui um conteúdo que desperta interesse nas ciências sociais, seja na história,
antropologia, sociologia, filosofia e outras. É recomendável a pesquisadores, gestores
públicos e privados, militantes e dirigentes de movimentos sociais, sindicatos, entre outros,
podendo ser utilizada criticamente nas universidades, por alunos de graduação e pós-
graduação.

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