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Piscicultura: uma visão para o futuro 1

Avanço tecnológico na produção brasileira de peixe:


utilização de alimentadores automáticos na
larvicultura de tilápia
Rodrigo Morgado Ramalho de Sousa 1
Claudio Angelo Agostinho 2
Paula Novelli Ramalho de Sousa 3
Jorge Vieira Barbosa 4

Resumo - A automação e o uso de alimentadores automáticos são realidades presentes


em vários setores do agronegócio brasileiro, porém, é recente na aquicultura nacional. O
ajuste da frequência com que o alimento é oferecido aos peixes é de extrema importân-
cia para o bom aproveitamento do alimento e para o desempenho produtivo de tilápias
e também de várias outras espécies. Assim, avaliou-se qual a melhor frequência de ali-
mentação na fase inicial da larvicultura de tilápias (0 a 14 dias). A maior frequência de
alimentação proporcionou maior peso final e maior sobrevivência (P<0,05), indicando a
viabilidade e a eficiência da automação na alimentação de tilápias na fase inicial.

Palavras-chave: Piscicultura. Aquicultura. Manejo alimentar. Nutrição animal. Auto-


mação.

INTRODUÇÃO premissa básica para o desenvolvimento da (AZZAYDI et al., 2000) tem apresentado
avicultura e da suinocultura. A avicultura é resultados surpreendentes em comparação
O oferecimento de ração em grande
um exemplo clássico que pode ser seguido aos outros métodos. Sousa (2007), ao
parte das pisciculturas brasileiras é feito
pela aquicultura. Antes da automação, um avaliar diferentes frequências e períodos
manualmente. A quantidade de alimento
a ser fornecida baseia-se na idade e na tratador cuidava de 15 mil aves de corte, de alimentação (com alimentadores auto-
biomassa de peixes dentro de cada tan- atualmente uma única pessoa cuida de 60 máticos) para juvenis de tilápias, observou
que. À medida que ocorrem variações na mil aves. maior peso final e melhor conversão ali-
temperatura e oxigênio dissolvido (OD) Assim como na avicultura, o uso de mentar para os peixes alimentados 24 vezes
na água, o consumo varia, e a taxa diária alimentadores automáticos na produção (de hora em hora, dia e noite) comparados
de alimentação necessita de correção. de peixes possibilita o fornecimento de aos alimentados 6 ou 12 vezes (de duas em
Portanto, a precisão na oferta de alimento alimento em alta frequência e no período duas horas, só durante o dia ou só à noite;
depende muito da habilidade do tratador, noturno, fator determinante no aprovei- de hora em hora, só durante o dia ou só
que deverá decidir quanto deve oferecer tamento do alimento e no desempenho à noite, respectivamente). Além disso, a
na próxima refeição, de acordo com o produtivo de várias espécies. maior frequência alimentar proporcionou
consumo observado. A alimentação automática para tilá- economia de 360 kg de ração para cada
A diminuição da interferência do tra- pias nilóticas (NOVATO, 2000; SOUSA tonelada de peixe produzida, comparada
tador na alimentação dos animais foi a et al., 2012) e para Dicentrarchus labrax com a frequência de seis vezes, causando

1
Zootecnista, Pós-Doutorando/Bolsista CNPq. Correio eletrônico: morgado7@yahoo.com.br
Zootecnista, Dr. Ecologia e Recursos Naturais, Prof. Adj. UNESP-Botucatu, Caixa Postal 560, CEP 18610-307 Botucatu-SP. Correio eletrônico:
2

agostinho@fmvz.unesp.br
3
Zootecnista, Doutoranda Zootecnia UNESP-Botucatu, Caixa Postal 560, CEP 18610-307 Botucatu-SP. Correio eletrônico: pnovelli@hotmail.com
Adm. Empresas, Diretor AQUAPORTO PISCICULTURA LTDA., Caixa Postal 11, CEP 37130-000 Alfenas-MG. Correio eletrônico:
4

jorge@aquaporto.com.br

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menor desperdício e melhorando a quali- 14 dias, utilizando-se de uma ração (co- foram homogeneizadas com auxílio de uma
dade ambiental. mercial) em pó que, segundo o fabricante betoneira e espalhadas sobre uma superfície
Sousa et al. (2006) compararam o (Presence), apresentava: umidade (máxi- plana e secas à sombra em local ventilado.
desempenho de tilápias com frequência ma) 10%, proteína bruta (mínima) 55%, Os parâmetros limnológicos [pH (pea-
alimentar de 6, 12 e 24 vezes ao dia, com extrato etéreo (mínimo) 9%, matéria fibrosa gômetro Oakton), temperatura e OD (YSI
taxa alimentar de 3% a 7% do peso vivo/ (máxima) 2,5%, matéria mineral (máxima) 55)] foram monitorados diariamente.
dia, e encontraram evidências de que com 20%, cálcio (máximo) 4%, fósforo (míni- A análise estatística foi processada
maiores frequências era possível aumentar mo) 1,5%. As dietas experimentais foram utilizando-se o Sistema para Análises Es-
as taxas alimentares a níveis superiores aos preparadas no próprio setor por meio da tatísticas (Saeg), por meio do modelo que
encontrados na literatura e obter melhores adição ou não de hormônio 17-alfa- me- considera o efeito da frequência alimentar
resultados de conversão alimentar. Entre- tiltestosterona (60 mg/kg), diluído em 160 e as medidas repetidas no tempo. Os dados
tanto, Kunii (2010) verificou no cultivo mL de álcool etílico (92,8o), para cada quilo foram submetidos a teste de comparação
de kinguio (Karacius auratus) que a alta de ração comercial. Em seguida, as dietas de médias a 5% de significância.
frequência melhorava o desempenho pro-
dutivo dos peixes alimentados com taxas
de 5% do peso vivo. Porém, quando esta
era dobrada para 10%, o efeito benéfico do
parcelamento da alimentação era mascara-
do pelo excesso de ração.
O objetivo deste trabalho foi avaliar,
por meio da frequência de arraçoamento,
a automatização da alimentação na larvi-
cultura de tilápias.

MATERIAL E MÉTODO
Desenvolvido na piscicultura comercial
Aquaporto (Alfenas, MG), este experi-

Marcelo Castagnolli
mento foi realizado entre os meses de
outubro de 2011 a janeiro de 2012, onde
foi avaliada qual a melhor frequência de
alimentação na fase inicial da larvicultura
de tilápias (0 a 14 dias).
O experimento foi realizado em de-
lineamento experimental inteiramente
casualizado constituído de dois tratamentos
e 18 repetições (medidas de três em três
no tempo). As frequências alimentares
testadas foram de 6 e 36 vezes.
Cada unidade experimental era forma-
da por um tanque de vinil (vinitank Sansuy)
com 30 m3 de água (renovação diária de
10%), provido de um alimentador automá-
Rodrigo Morgado Ramalho de Sousa

tico com capacidade para 10 kg de ração


em pó e cinco difusores de ar alimentados
por um compressor radial de 0.75 CV
(Fig. 1). Foram alojadas por tanque 200
mil larvas (6,7 larvas/L) com peso médio
inicial de 8,0 mg.
O arraçoamento inicial diário foi re-
alizado com base na biomassa, variando
de 125% no início até 25% no final dos Figura 1 - Unidades experimentais providas com dispensadores automáticos de ração

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RESULTADOS
Os parâmetros de qualidade de água
não tiveram diferença entre os tratamen-
tos no decorrer do período experimental
(Gráfico 1).
A maior frequência de alimentação
proporcionou maior peso final e maior
sobrevivência (P<0,05) (Gráfico 2).

DISCUSSÃO
As médias dos parâmetros de OD e pH
permaneceram constantes ao longo do pe-
ríodo, ficando sempre na faixa considerada
ideal para o cultivo de tilápias. Entretanto,
as temperaturas médias ficaram abaixo da
ideal. Segundo Kubitza (2000), tilápias
cultivadas na faixa de temperatura de
23,5 oC diminuem sua alimentação em
20% e, em consequência, ocorre piora no
desempenho produtivo. Mesmo assim,
quando comparado com resultados en-
contrados por Sanches e Hayashi (2001),
para larvas de tilápia, com peso inicial de
9,8 mg, cultivadas em temperaturas próxi-
mas de 26,0 oC, onde foram obtidos pesos
médios aos 14 dias de cultivo, variando
de 49,34 a 63,29 mg, os resultados foram
maiores para esta variável ficando entre
67,2 e 86,3 mg.
Entretanto, Oliveira (2010), ao traba-
lhar com frequências de alimentação entre
4 e 96 vezes, para larvas de tilápia, na faixa
de temperatura próxima de 27,0 oC, obteve
pesos aos 14 dias entre 166 e 198 mg. Gráfico 1 - Curvas de oxigênio dissolvido (OD), pH e temperatura no período experimental
Apesar de o peso inicial do trabalho de
Oliveira (2010) ter sido superior (14 mg)
ao do presente estudo (8,0 mg), esta dife-
rença indica que a temperatura prejudicou
o crescimento adequado das larvas, tanto
na frequência de alimentação de seis vezes
quanto na de 36 vezes.
A sobrevivência para as duas frequên-
cias alimentares ficou abaixo dos resulta-
dos encontrados por Oliveira (2010) (78,9
a 86,2%) e Sanches e Hayashi (2001) (79,7
a 94,1%). Resultados inferiores (11,0% a
77,4%) foram encontrados por Bezerra et
al. (2008), e resultados similares (63,3% a
73,0%) observados por Sanches e Hayashi
(1999). Resultados conflitantes, nesse caso, Gráfico 2 - Peso e sobrevivência das larvas ao final de 14 dias de cultivo

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indicam que a sobrevivência de larvas está aumentar o número de safras pela redução 87f. Dissertação (Mestrado em Aquicultu-
estritamente ligada ao manejo de criação. do tempo de cultivo, pois reduz a compe- ra) – Centro de Aquicultura, Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
Por esta fase ser considerada a mais sensí- tição pelo alimento, diminui a poluição
Jaboticabal, 2000.
vel, qualquer mudança ou erro no manejo com restos de ração e proporciona melhor
desempenho das tilápias. OLIVEIRA, F.A. de. Taxas e intervalos de
tem impacto direto na sobrevivência. Fato
alimentação na produção de tilápia em
que foi observado neste experimento, Se for considerado que a ração perma-
tanque-rede com dispensador automático
principalmente quando havia qualquer nece com qualidade durante um período de ração. 2007. 74p. Dissertação (Mestra-
problema na renovação de água e/ou na de 10 minutos na água, peixes alimentados do em Zootecnia) – Faculdade de Medicina
aeração, ocorria mortalidade anormal. seis vezes ao dia tiveram alimento disponí- Veterinária e Zootecnia, Universidade Es-
Mesmo as duas frequências de ali- vel por apenas 60 minutos por dia, enquan- tadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
to que os alimentados 36 vezes tiveram Botucatu, 2007.
mentação que apresentaram resultados
satisfatórios para peso médio final e so- 360 minutos por dia, para se alimentarem OLIVEIRA, L.C. Altas frequências de arra-
com qualidade. çoamento nas fases iniciais da criação de
brevivência, a maior frequência alimentar
tilápias em hapas. 2010. 73p. Tese (Douto-
promoveu melhor resultado para os dois Os resultados obtidos corroboram a
rado em Zootecnia) – Faculdade de Medi-
parâmetros avaliados (P<0,05), eviden- eficiência da tecnologia da automatização cina Veterinária e Zootecnia, Universidade
ciando que a alta frequência de alimen- que já era realidade em outras culturas Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
tação, proporcionada pelo alimentador nacionais e, agora, é na aquicultura mun- Botucatu, 2010.
automático, pode estar relacionada com dial. Sendo assim, esforços devem ser SANCHES, L.E.F.; HAYASHI, C. Densidade
a melhor absorção de nutrientes, maior concentrados para que essa tecnologia seja de estocagem no desempenho de larvas
ganho de peso, taxa de crescimento, maior difundida e a produção de pescado avance de tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus
com sustentabilidade. L.), durante a reversão sexual. Acta
uniformidade e, consequentemente, maior
Scientiarum. Animal Sciences, Maringá,
lucratividade (LARA, 2006; OLIVEIRA, v.21, n.3, p.619-625, 1999.
2007; KUNII, 2010; OLIVEIRA, 2010; REFERÊNCIAS
SANCHES, L.E.F.; HAYASHI, C. Effect
SOUSA, 2010; SOUSA et al. 2012). AZZAYDI, M. et al. The influence of
of feeding frequency on Nile tilapia,
Nota-se que a combinação da utiliza- nocturnal vs. diurnal feeding under winter
Oreochromis niloticus (L.) fries performance
ção dos alimentadores automáticos com conditions on growth and feed conversion
during sex reversal in hapas. Acta
of European sea bass (Dicentrarchus labrax,
fornecimento de ração em alta frequência Scientiarum. Animal Sciences, Maringá,
L.). Aquaculture, v.182, n.3/4, p.329-338,
promoveu a melhor eficiência na produção v.23, n.4, p.871-876, 2001.
Feb. 2000.
de larvas. SOUSA, R.M.R. Frequência alimentar para
BEZERRA, K.S. et al. Crescimento e sobre-
tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus)
vivência da tilápia chitralada submetida a
CONSIDERAÇÕES FINAIS nas fases de reversão e pós reversão sexu-
diferentes fotoperíodos. Pesquisa Agrope-
al. 2010. 55f. Tese (Doutorado em Zootec-
cuária Brasileira, v.43, n.6, p.737-743, jun.
A utilização de vinitanks com alimen- nia) – Faculdade de Medicina Veterinária e
2008.
tadores automáticos de ração, na criação Zootecnia, Universidade Estadual Paulista
de tilápias, poderá proporcionar vantagens KUBITZA, F. Tilápia: tecnologia e plane- “Júlio de Mesquita Filho”, Botucatu, 2010.
jamento na produção comercial. Jundiaí,
significativas no desempenho produtivo SOUSA, R.M.R. Qualidade da água e de-
2000. 285p.
dos peixes, contribuindo para a sustenta- sempenho produtivo da tilápia do Nilo ali-
KUNII, E.M.F. Frequência alimentar e taxa mentada em diferentes freqüências e perí-
bilidade da atividade.
de alimentação para kinguio criado em odos por meio de dispensador automático.
Em pisciculturas comerciais, grande hapa: desempenho produtivo e avaliação 2007. 64f. Dissertação (Mestrado em Zoo-
quantidade de ração é fornecida em uma econômica. 2010. 48f. Dissertação (Mestra- tecnia) – Faculdade de Medicina Veterinária
ou duas porções ao dia. A ração não con- do em Zootecnia) – Faculdade de Medicina e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista
sumida é lixiviada e fermentada, alterando Veterinária e Zootecnia, Universidade Es- “Júlio de Mesquita Filho”, Botucatu, 2007.
a qualidade da água e do alimento. Com o tadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
SOUSA, R.M.R. et al. Freqüência alimentar
Botucatu, 2010.
uso de dispensadores automáticos de ração, e alimentação noturna de tilápias. Panora-
será possível o fornecimento em pequenas LARA, L.B. Segurança alimentar na produ- ma da Aqüicultura, Rio de Janeiro, v.16,
ção de organismos aquáticos. Feed & Food. n.95, p.49-51, 2006.
porções, conforme o consumo das tilápias,
Segurança alimentar para a saúde e bem-
diminuindo, desta maneira, o desperdício, SOUSA, R.M.R. et al. Productive performan-
estar do homem, v.4, p.19-20, 2006.
ce of Nile tilapia (Oreochromis niloticus) fed
a poluição e a competição por alimento.
NOVATO, P.F.C. Comparação entre os siste- at different frequencies and periods with
O aumento da frequência alimentar mas de alimentação de demanda, manual automatic dispenser. Arquivo Brasileiro de
é uma valiosa ferramenta para diminuir e automático sobre o desempenho da tilá- Medicina Veterinária, Belo Horizonte, v.64,
a desuniformidade na larvicultura e para pia vermelha (Oreochromis spp.). 2000. n.1, p.192-197, Feb. 2012.

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