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DESIGUALDADES SOCIAIS

E O EFEITO CIDADE

Renato Miguel do Carmo

CIES-IUL, Observatório das Desigualdades


DESIGUALDADES: INJUSTAS,
MULTIDIMENSIONAIS E SISTÉMICAS
• No entender do sociólogo Göran Therborn (2006: 4), «as desigualdades
são diferenças que consideramos injustas. Des-igualdade é a negação da
igualdade. Para além da perceção de desigualdade, estabelece-se assim
uma noção de injustiça, de violação de qualquer tipo de igualdade».
• As desigualdade são por natureza multidimensionais, não se
circunscrevem a apenas um setor da sociedade (educação, saúde,
economia, comunidade…), nem a um único recurso (riqueza, cultura,
títulos…), nem a uma única variável (rendimento, escolaridade, idade,
género, região…).
• As desigualdades detêm um carater sistémico e relacional no que diz
respeito às causas e aos seus efeitos.
– Nascer e crescer numa família pobre de baixos rendimentos pode significar os pais
deterem baixos níveis de escolaridade, não ter acesso a um conjunto de bens e serviços
básicos, ter uma má alimentação e padecer de subnutrição, ter dificuldades em
frequentar a escola e haver uma forte probabilidade de abandonar precocemente o
sistema de ensino, etc.
TRÊS DIMENSÕES DE DESIGUALDADE,
SEGUNDO GÖRAN THERBORN

• Desigualdades vitais - desigualdades perante a vida, a morte e a saúde.


– Indicadores como a esperança de vida à nascença ou a taxa de mortalidade infantil são
alguns dos mais utilizados para analisar comparativamente desigualdades entre
populações (por exemplo, de diferentes países) ou para analisar evoluções no tempo.

• Desigualdades existenciais - desigual reconhecimento dos indivíduos humanos


enquanto pessoas.
– Focam desigualdades resultantes de opressões e restrições à liberdade individual e/ou
coletiva, às discriminações, estigmatizações e humilhações. Por exemplo, fenómenos
como o patriarcado, a escravatura ou o racismo.

• Desigualdades de recursos – desigual distribuição dos recursos.


– Incluem dimensões como as desigualdades de rendimentos e de riqueza, de escolaridade
e de qualificação profissional, de competências cognitivas e culturais, de posição
hierárquica nas organizações e de acesso a redes sociais.
DESIGUALDADE INTERNACIONAL E
DESIGUALDADE GLOBAL
• Milanovic distingue entre um ‘conceito 1’ de
desigualdade, ou desigualdade internacional não
ponderada, um ‘conceito 2’ de desigualdade, ou
desigualdade internacional ponderada (pelo volume
populacional dos países) e um ‘conceito 3’ de
desigualdade, ou desigualdade global.
– os dois primeiros referem-se a desigualdades entre países,
as fontes de informação são as estatísticas nacionais;
– o terceiro refere-se diretamente a desigualdades entre
indivíduos, à escala mundial, e recorre, como fonte de
informação, a inquéritos diretos às populações (indivíduos
e grupos domésticos).
Conceito 1 Conceito 2 Conceito 3

Fonte de Estatísticas Estatísticas Inquéritos às


informação nacionais nacionais população

Unidade de País País (ponderando Indivíduo ou


observação pela população agregados
residente) familiares

Indicador PIB per capita PIB per capita Média per capita
do rendimento
disponível ou das
despesas
Desigualdades 1950-2009

China moves in India moves in


.75

Concept 3

Concept 2
.65
Gini coefficient

Concept 1 Divergence ends


.55

Divergence
begins
.45

1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010


year

Fonte: Gráfico apresentado por Branko Milanovic na conferência "Global Income Inequality: Past Two Centuries and Key Issues for the XXI Century“
(10/02/2012, ISCTE-IUL, Lisboa).
DESIGUALDADES ENTRE PAÍSES
E ENTRE PESSOAS
• Segundo Milanovic (2012), “a principal causa de desigualdade na UE é os
países serem diferentes: ou são ricos ou são pobres”.

• Ao contrário, nos EUA “a principal causa para a desigualdade é que,


independentemente do estados, há pessoas ricas e pessoas pobres” (p.166).

• Esta distinção analítica e conceptual proposta por Milanovic é reveladora


sobre a importância das abordagens de tipo multi-escalar para o estudo das
desigualdades, nas quais o mesmo indicador pode contemplar diferentes
ordens de grandeza em função da unidade de análise em questão.

• Este aspeto é particularmente importante quando se considera a


diferenciação territorial e regional.
UMA EUROPA CADA VEZ MAIS
DESIGUAL

Nota: Para a Irlanda os dados referem-se a 2010 .


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CONCEITO 4?
• Na UE PIB per capita do Luxemburgo, que é país mais rico, é quase 6 vezes
maior do que o da Roménia.
• O centro de Londres (Inner London) é a zona mais rica da Europa, detendo
um PIB per capita que ultrapassa 3 vezes a média europeia (UE27).
• Por seu lado, quando se compara com uma das regiões mais pobres,
Macroregiunea Doi - Nord-EsT (situada na Roménia), verifica-se que o PIB
per capita de Londres (Inner London) é 11,5 vezes superior ao da romena.
• (Inner London e Outer London) revela uma diferença considerável entre os
valores do PIB per capita: o número contabilizado para a região central
ultrapassa mais de 3 vezes a média de rendimento calculado para a área
mais suburbana e periférica da capital inglesa, que, em termos de
rendimento médio, representa uma diferença superior entre o Reino Unido
da Roménia (2,4 vezes).
• Estes valores chamam-nos a atenção para duas questões fundamentais:
– a) que na Europa as desigualdades de rendimento são ainda mais pronunciadas
entre regiões do que entre países;
– b) que, internamente, cada país pode ser constituído por fortes desigualdades
inter-regionais e intra-regionais.
• Fará sentido falar de um conceito 4 de desigualdade?
O EFEITO (MEGA)CIDADE
• Num livro intitulado Word City, a geografa Doreen Massey (2007)
alerta precisamente para o aumento das desigualdades associadas
ao impacto da atividade económica e, sobretudo, financeira da
cidade de Londres sobre o aumento das disparidades e
desequilíbrios regionais que afetam o Reino Unido
– Segundo a autora, as disparidades sociais dispararam no interior da
área metropolitana, mas também aumentaram face às outras cidades
e regiões de Inglaterra.
– Este duplo movimento (inter-regional e intra-regional) de crescimento
das desigualdades tem como epicentro, mas não exclusivamente, as
megacidades que assumiram um grande protagonismo na economia
global.
– Muitas destes territórios tiveram um crescimento demográfico
assinalável, que correspondeu a um incremento considerável das suas
bacias de emprego e da oferta laboral, assim como ao alargamento
dos mercados de trabalho cada vez mais complexos e diversificados.
E O EFEITO LISBOA?
Evolução do Rácio S80/S20 (2003-2009)

7
6.9 Lisboa
6.8 6.9 6.9 6.8
6.7 6.7
6

5 Portugal
4.9 4.9 4.9 4.8
4.8 4.7 4.8
4

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Fonte: Quadros de Pessoal 2003-2009 (GEP/MTSS).


Nota: Trabalhadores a tempo completo e com remuneração base completa. Valores a preços constantes (2006).
Evolução do ganho médio dos 1% e dos 5% de trabalhadores mais ricos em
Portugal e no concelho de Lisboa (Euros) (2003-2009)

12,000

1% mais ricos (Lisboa):


10,000 10.258
9,805

8,000
1% mais ricos (Portugal):
6.655

6,228
6,000
5% mais ricos
5,518
(Lisboa): 5.832

4,000
3,580 5% mais ricos (Portugal):
3.870

2,000

0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Fonte: Quadros de Pessoal 2003-2009 (GEP/MTSS).


Nota: Trabalhadores a tempo completo e com remuneração base completa. Valores a preços constantes (2006).
Ganho médio mensal por nível de habilitações em Portugal e
no concelho de Lisboa (Euros) (2009)

1,872 (Portugal)
Ensino Superior
2,256 (Lisboa)

1,057
Ensino Secundário e Pós Secundário Não Superior
1,333

763
Ensino Básico
943

637
Inferior ao 1º Ciclo do Ensino Básico
690

Fonte: Quadros de Pessoal 2003-2009 (GEP/MTSS).


Nota: Trabalhadores a tempo completo e com remuneração base completa. Valores a preços constantes (2006).
Percentagem de ganho auferida pelos quintis e S80/S20 nos clusters e no
concelho de Lisboa (2009)
100 8.0

90 7.3
7.0
6.7
80 6.3 43.4 41.9
47.2 46.8 6.0
Percentagem de ganho auferida

70
45.8
5.0
60 4.8

S80 / S20
50 4.0 4.0
20.8
21.6 22.2 21.4 20.3
40
3.0
30 14.0 15.1
14.3 14.8 15.1 2.0
20
12.8 12.4
9.8 9.8 10.4 1.0
10
7.1 7.3 9.0 10.4
6.4
0 .0
Concelho de Lisboa Maior dimensão; Dimensão média; Dimensão média; Pequena dimensão;
predominância de predominância de predominância de predominância de
actividades actividades comércio e actividades comércio e
administrativas e administrativas e administrativas; restauração; salários
financeiras; salários financeiras; salários salários médios baixos
elevados médios

1º Quintil (20% mais pobres) 2º Quintil 3º Quintil 4º Quintil 5º Quintil (20% mais ricos) S80/S20
EM JEITO DE CONCLUSÃO…
• O espaço é constituído por fortes tensões e
assimetrias.
• Estabelece-se uma interdependência (dialética) entre
desigualdades sociais e desigualdades territoriais.
• Para além de multi-dimensinais e sistémicas, as
desigualdades são multi-escalares (conceito 4).
• Existe um efeito cidade/metrópole sobre as
desigualdades (inter e intra-regionais).
• É importante considerar a composição e orgânica dos
diversos mercados (p. ex: mercado de trabalho) na
acentuação das desigualdades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
• Atkinson, Will (2010), Class, Individualization and Late Modernity: in Search of the
Reflexive Worker, Hampshire, Palgrave Macmillan.
• Carmo, Renato Miguel do , Margarida Carvalho (2013) , “Multiple disparities:
earning inequalities in Lisbon», Landscape and Geodiversity”, 1 (1), pp. 36-45.
• Carmo, Renato Miguel do (2011), “O mundo é enrugado: as cidades e as suas
múltiplas metáforas”, Ricardo Campos et al. (org.), Uma Cidade de Imagens:
Produção e Consumos Visuais em Meios Urbano, Lisboa, Editora Mundos Sociais.
• Castells, Manuel (2000), The Information Age: Economy, Society and Culture, 2ª ed.,
Oxford, Blackwell Publishers.
• Costa, António Firmino da (2012), Desigualdades Sociais Contemporâneas, Lisboa,
Editora Mundos Sociais.
• Cantante, Frederico (2012), “Medidas e métodos de medição das desigualdades de
rendimento”, CIES e-Working Paper N.º 134/2012.
• Massey, Doreen (2007), World City, Cambridge, Polity Press.
• Milanovic, Branko (2012), Ter ou não Ter: uma Breve História da Desigualdade,
Lisboa, Bertrand Editora.
• OECD (2011), Divided We Stand: Why Inequality Keeps Rising, Paris, OECD
Publications.

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