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Mai-Ago2005,Vol.21n.2,pp.131-139
ODesamparoAprendidoRevisitado:EstudoscomAnimais1
MariaHelenaLeiteHunziker2
UniversidadedeSãoPaulo
RESUMO–Odesamparoaprendidotemsidodefinidocomoadificuldadedeaprendizagemapresentadaporindivíduosque
tiveramexperiênciapréviacomestímulosaversivosincontroláveis.Oobjetivodestetrabalhoéfazerumarevisãocríticados
estudossobreodesamparoaprendido,comanimais.Nessaanálise,sãoconsideradosaspectosconceituaisemetodológicos
dosestudosemquestãoeasinterpretaçõesteóricassobreesseefeitocomportamental.Aborda-seaevoluçãohistóricadesses
estudos,bemcomoalgunsaspectoscontroversosdaspublicaçõesqueseacumularamaolongodequatrodécadasdepesquisa.
Aassociaçãododesamparoaprendidocomadepressãoclínicaéanalisadacriticamente,destacando-seanecessidadedemaior
rigormetodológicoeconceitualnosestudosdaárea.
Palavras-chave:desamparoaprendido;depressãoexperimental;controleaversivo;modeloanimaldedepressão.
LearnedHelplessnessRevisited:AnimalStudies
ABSTRACT–Learnedhelplessnessisalearningdeficitproducedbythepreviousexperiencewithuncontrollableaversive
stimuli.Thepresentpaperaimsatcarryingoutacriticalreviewofstudiesonanimallearnedhelplessness.Conceptualand
methodologicalquestionsrelatedtolearnedhelplessnessareconsidered,alongwithitstheoreticalinterpretation.Weanalyze
boththehistoricalevolutionofstudiesonlearnedhelplessnessandsomecontroversialexperimentalresultsobtainedduring
fourdecadesofresearch.Therelationshipbetweenlearnedhelplessnessandclinicaldepressionisalsodiscussed,withemphasis
onthenecessityforarigorousmethodologicalandconceptualanalysis.
Keywords:learnedhelplessness;experimentaldepression;aversivecontrol;animalmodelofdepression.
Odesamparoaprendidotemsidodefinidocomoadifi- dessescãesproduziaqualquermodificaçãonoschoques,que
culdade de aprendizagem apresentada por indivíduos que eram,portanto,incontroláveis.Posteriormente,essesanimais
tiveram experiência prévia com estímulos incontroláveis foramcolocadosemumacaixaondeumtomantecediacho-
(Maier & Seligman, 1976). Segundo Peterson, Maier e quesporumintervalofixodetempo:casoosujeitosaltasse
Seligman(1993),aidentificaçãododesamparoaprendido paraocompartimentoopostodacaixa,osomeradesligado
se deu de forma acidental. Os primeiros trabalhos foram e o choque evitado (contingência de esquiva).Ao longo
realizados na década de 1960, quando a Teoria dos Dois desseteste,oCSluz(utilizadonaprimeirafase)eratambém
Fatores estava no centro das discussões, sugerindo que o apresentado,independentementedacontingênciadeesquiva
comportamentodeesquivadecorreriadedoisprocessosde emvigor,comafinalidadedeverificarseesseCSteriase
aprendizagem:umprocessorespondente–produzidopelo tornadoaversivoapontodeaumentaraprobabilidadedares-
pareamento do estímulo aversivo com o estímulo que o postadesaltar.Contrariandoateoriaemavaliação,obtiveram
precedesse sistematicamente (transferindo a este a função quealuznãoaumentouaprobabilidadedesaltar.Contudo,
deestímuloaversivocondicionado,ouCS)-,eoutropro- umresultadoinesperadolheschamouaatenção:apesarde
cessooperante,noqualoreforçamentoseriadecorrentedo estarvigorandoumacontingênciadereforçamentonegativo,
términodoCS(Mowrer,1947;Rescorla&Solomon,1967). arespostadeesquivanãofoiaprendida.Essesresultados,
Nessaépoca,BruceOvermiereRussellLeaf,doisalunosde paralelosaosobjetivosdapesquisa,sugeriramquechoques
pós-graduaçãoorientadosporSolomon(umdosdefensores incontroláveispodiamafetarnovasaprendizagensoperantes
dessateoria),decidirammanipularaordemdeaquisiçãodos negativamentereforçadas(Overmier&Leaf,1965).
condicionamentosrespondenteeoperanteparaverificarse Em função desses resultados, Martin Seligman (outro
issointerferirianaaquisiçãodeesquiva.Paratanto,liberaram pós-graduando daquele laboratório) se associou a Bruce
choqueseestímulossonorosemdiferentesordensdeapresen- Overmier,passandoainvestigaressainterferênciadaincon-
tação,pareadosounão,relacionadosounãocomaresposta trolabilidade sobre a aprendizagem. Para isso, expuseram
deesquiva.Dentreasváriasmanipulaçõesefetuadas,eles gruposdecãesachoquesincontroláveisouanenhumchoque
expuseramumgrupodecães,presosemarreios,àassociação e,posteriormente,submeteramessesanimaisaumacontin-
luz/choque(associaçãoCS/US).Comoessafasebuscavapro- gênciadereforçamentonegativo.Nasuaprimeirapublicação
piciarapenasaaprendizagemrespondente,nenhumaresposta sobreotema,OvermiereSeligman(1967)mostraramqueos
animaisanteriormentesubmetidosachoquesincontroláveis
nãoaprenderamarespostaprevistanoteste,aocontráriodos
1 EssetrabalhoépartedadissertaçãodeLivre-Docência,defendidana
cãesnãosubmetidosaoschoques,queaprenderamaresposta
UniversidadedeSãoPaulo,em2003.Aautoraagradecealeituracrítica
deCristianoValériodosSantoseoapoiofinanceirodoCNPq. defugarapidamente.
2 Endereço:UniversidadedeSãoPaulo,Av.Prof.MelloMoraes,1721, Apesar de ser pioneiro nessa área, esse trabalho não
SãoPaulo,SP,Brasil05508-900.E-mail:hunziker@lexxa.com.br separouexperimentalmenteosefeitosdoschoquesdaqueles
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decorrentesdasuaincontrolabilidade.Issofoifeitoemse- submetidoaumaprimeirasessãocomchoquescontroláveis
guida,tendoSeligmaneMaier(1967)estudadosimultanea- (fuga/esquiva),seguidaporoutranaqualeramexpostosa
mentetrêssujeitos,cadaumpertencenteaumgrupodistinto, choques incontroláveis.Verificou-se que, quando testados
caracterizando o que se passou a chamar “delineamento posteriormenteemfuga/esquiva,essesanimaisaprenderam
triádico”. Na primeira fase, dois cães foram submetidos normalmentearespostanoteste.Esseefeitofoichamadode
simultaneamente a choques elétricos, enquanto o terceiro imunização,poissugeriaqueocontroleexercidonaprimeira
animalpermanecianacaixaexperimental,semchoques.O sessãoteria“imunizado”ossujeitoscontraoaprendizado
controlesobreoschoqueserapermitidoapenasaumdos posteriordaincontrolabilidade,deixando-osaptosaapren-
cães que, submetido a uma contingência de fuga, podia derem a relação operante estabelecida no teste (Seligman
desligá-losemitindoumarespostapreviamenteselecionada &Maier,1967).Portanto,oestudodoefeitodeimunização
(pressionarumpainelcomofocinho).Quandoissoocorria, mostrouqueahistóriadereforçamentopodeserumavariável
suarespostatambémdesligavaochoquedosegundosujeito, críticanaprevençãocontraodesamparo.
cujasrespostasnãotinhamconseqüênciaprogramada.Assim, Haveriaumprocedimentoquepoderiareverterodesam-
apesardeambososcãesreceberemchoquessimilares(noque paro,depoisqueessepadrãodecomportamentojáestivesse
dizrespeitoanúmero,intensidade,intervalo,etc.),apenas estabelecido? Para responder a essa questão, Seligman e
oprimeiropodiaexercercontrolesobreessesestímulos;o Maier (1967) selecionaram cães que haviam apresentado
segundoanimal,pornãopoderalteraraduraçãodoscho- desamparo e os re-expuseram à contingência de fuga do
ques, encontrava-se exposto à condição definida como de teste,forçando-osfisicamenteaexperimentaroreforçamento.
incontrolabilidade.Vinteequatrohorasdepois,cadasujeito Issofoifeitoprendendocorreiasaoseucorpoecolocando
foiexpostoaumasessãonaqualarespostadecorrerera osanimaisnovamentenacaixadeteste,queeradivididaem
negativamentereforçada.Osresultadosmostraramquetanto doiscompartimentosporumapequenabarreira.Aoiniciar
osanimaispreviamentetratadoscomchoquescontroláveis, o choque, os experimentadores puxavam os cães com as
como os não expostos a choques, aprenderam igualmente correias, na direção da barreira, até que eles a saltassem,
arespostadefuga,mostrandolatênciasgradualesistema- indoparaocompartimentooposto.Essarespostadesaltar
ticamentemaisbaixasaolongodasessão.Aocontrário,os eraimediatamenteseguidapelotérminodochoque.Acada
animais previamente expostos aos choques incontroláveis choque, esse procedimento era reiniciado. Depois de ex-
nãoemitiramarespostadefugaou,quandoofizeram,não postosseguidamenteaessacontingênciadefugaforçada,
houveaumentosubseqüentenaprobabilidadedeocorrência oscãespassaramaemitirarespostadefugasemaajuda
dessaresposta.Comoresultadogeral,essessujeitosapre- dosexperimentadores,mostrandoareversãododesamparo.
sentaramlatênciasaltasdurantetodaasessão;portanto,não Com outro procedimento, buscou-se “tratar” os animais
aprenderamarespostadefuga. previamenteexpostosachoquesincontroláveisexpondo-os
A essa dificuldade de aprender uma relação operante, repetidamenteacontingênciasdereforçamentopositivo.Os
decorrentedaexposiçãopréviaaeventosaversivosincontro- estudostêmmostradoque,emborainicialmenteosanimais
láveis,deu-seonomedeefeitodeinterferência(Overmier& apresentembaixataxaderespostas,ocontatorepetidocomo
Seligman,1967;Seligman&Maier,1967).Apesardeessa reforçamentopositivoreduzosefeitosdaincontrolabilidade
denominaçãoserbastantedescritivadoefeitocomportamen- doschoques(Erbetta,2004).
talemestudo,elafoirapidamentesubstituídapelotermo“de-
samparoaprendido”(learnedhelplessness),oqualtambém Interpretaçõesteóricas
denominou uma das hipóteses explicativas do fenômeno,
conformeseverámaisàfrente(Maier,Seligman&Solomon, Aanáliseteóricadosprocessosenvolvidosnodesamparo
1969;Maier&Seligman,1976).Poralgunsanos,houvea aprendidotomouduasdireçõesopostas:umaquedefende
tentativa de manutenção da terminologia original, isenta que,adespeitodoarranjoexperimental,osujeitoaprende
de conotação teórica (Crowell &Anderson, 1981; Glazer acontrolaroestímulo(pormeiodecontingênciasaciden-
&Weiss,1976a).Contudo,otermodesamparoaprendido tais),eoutraquepropõeoaprendizadodaimpossibilidade
foiomaisdifundido,afirmando-secomodenominaçãodo decontrole.Aprimeirainterpretaçãoembasaahipóteseda
efeito(Seligman,1975;Peterson&cols.1993),apesarda inatividadeaprendida.Elaconsideraqueodesamparonão
indesejávelsimbiosequeseestabeleceuentreoefeitoeasua éumefeitodiretodaincontrolabilidadedoschoques,mas
interpretaçãoteórica. simfrutodecontingênciasacidentais,queseestabelecemde
Algumasvariaçõesnoprocedimentobásicopossibilita- formanãoprogramadapeloexperimentador,eselecionando
ramaexpansãodaanálisedodesamparoaprendido.Doispro- baixa atividade motora. Conseqüentemente, se o animal
cedimentospodemserdestacados,umvoltadoà“prevenção” aprendeaficarpoucoativo,eleficamenosaptoaemitira
eoutroao“tratamento”dodesamparo.Paratestara“preven- resposta de fuga no teste, caso essa resposta envolva alta
ção”,foianalisadaaimportânciadaordemdeaprendizagem movimentaçãocorporal(talcomocorrer,saltaroupressionar
estabelecida.Considerando-sequeocomportamentoéum abarra).Essaproposiçãoconsidera,portanto,queaincon-
fenômenocumulativoequeaexposiçãoàincontrolabilidade trolabilidadenãoatuadiretamentesobreocomportamento,
promoveaaprendizagemdequeoestímuloindependeda masapenasestabeleceacondiçãopropíciaparaquesurjam
resposta,édeseesperarqueumaprimeiraaprendizagemde contingênciasacidentais.Umapossibilidadeseriaqueagran-
controlesobreesseestímulopossaminimizarosefeitosde demovimentaçãocorporaleliciadapelosprimeiroschoques
experiênciasfuturascomasuaincontrolabilidade.Paraveri- coincidiriacomacontinuidadedosmesmos,gerandouma
ficarexperimentalmenteessasuposição,umgrupodecãesfoi puniçãodaaltaatividademotora(Bracewell&Black,1974).
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Desamparoaprendidoemanimais
Outroprocessoacidentalpossívelenvolveriareforçamento 1974).Alémdessadivergênciafilosófica,deve-seconsiderar
negativodainatividade.Elafoisugeridapelaobservaçãode queocaráterexplicativodadoàsuposta“expectativa”cria
queamovimentaçãocorporaltendeasereduzirapósalguns umacircularidadedeanálisebastanteindesejávelcientifica-
segundosdechoque,possibilitandoqueotérminodochoque mente:adificuldadedeaprendizageméodadoqueindicaa
coincidacombaixaatividademotora(Glazer&Weiss,1976a, “expectativa”,eessa“expectativa”éacausadadificuldade
1976b).Portanto,isoladamenteouemconjunto,essasduas deaprendizagem(ouseja,diz-sequeosujeitoapresentao
contingênciasacidentaislevariamàinatividade,gerandoo desamparo porque criou a expectativa de não ter controle
desamparoaprendido. sobreomeio,esabe-sequeelecriouessaexpectativaporque
Emdireçãocontráriaàanterior,ahipótesedodesamparo apresentoudesamparo).Comessascaracterísticas,ahipótese
aprendidopressupõequeoefeitoobtidoéfrutodiretoda dodesamparopermiteapenasexplicações posthoc:sóse
impossibilidadedecontroledoambiente:osujeitoaprende podededuzirodesenvolvimentoda“expectativa”atravésda
quenãoexisterelaçãoentresuasrespostaseosestímulos, dificuldadedeaprenderenãopelaexposiçãopuraesimples
aprendizagemessaquesecontrapõeàaprendizagemseguinte àincontrolabilidade.Assim,nãoexisteprevisãoderesultado
queenvolvecontingênciadereforçamento(Maier&cols., antesdeotrabalhoserrealizado.Resultadosnegativos(apren-
1969;Maier&Seligman,1976). dizagemmesmoapósexperiênciacomincontrolabilidade)
Deve-seressaltarquea“hipótesedodesamparoaprendido” podemserexplicadossemrefutarahipótese:seosujeitonão
extrapolaaanálisedasrelaçõesfuncionaisobjetivamenteesta- apresentouodesamparoéporque,apesardaexperiênciacom
belecidasnacondiçãoexperimentaleconsideracomocríticos incontrolabilidade,elenãodesenvolveua“expectativa”de
algunsprocessoscognitivos/mentalistas,inferidosapartirdos impossibilidadedecontrole(veranálisedessacircularidade
dados.Segundoseusproponentes(Maier&cols.,1969;Maier emLevis,1976).
& Seligman, 1976), a variável independente crítica para o Apesardessespontoscriticáveis,ahipótesedodesamparo
desamparonãoéaincontrolabilidadeestabelecidaexperimen- temaseufavorofatodeconsiderarqueocomportamento
talmente,massimaexpectativadesenvolvidapeloindivíduode ésensívelàcondiçãodeincontrolabilidade,suposiçãoessa
queelenãopodecontrolaroambiente.Essaexpectativaatuaria compatívelcomasensibilidadejáidentificadaapequenas
emdiferentesníveis,promovendoumconjuntodeefeitosque variações no contínuo de dependência entre resposta (R)
comporiamodesamparocomoumasíndrome,enãocomoum eestímulo(S),descritapelosanalistasdocomportamento
simplescomportamento,queabarcariatrêstiposdedéficits: (Catania,1998).Dopontodevistalógico,sehásensibili-
motivacional,cognitivoeemocional.Odéficitmotivacional dade para variações no contínuo de controlabilidade (nas
seria,dopontodevistadescritivo,caracterizadopelabaixa diferentes contingências operantes), deve haver também
probabilidade da resposta no teste. No nível interpretativo para a condição de incontrolabilidade.Assim, sob a pers-
cognitivista,ésugeridoqueapósoschoquesincontroláveiso pectivadobehaviorismoradical,oexpurgodomentalismo
sujeitocriaa“expectativa”dequeoreforçamentonãovem nahipótesedodesamparoaprendidopodetorná-laútilcomo
eporissonãotemmotivoparaemitirrespostasnoteste.Por instrumentodeanálisedosresultadosexperimentais:ava-
suavez,odéficitcognitivoéobjetivamentecaracterizadopelo riávelindependente,incontrolabilidadedoschoques,pode
fatodoanimalnãoterseucomportamentomodificadopelo serdefinidaoperacionalmentee,portanto,nãodependede
reforçamentonegativo:mesmoqueoanimalemitaalgumas julgamentos subjetivos do experimentador; a emissão da
respostasdefuganotesteeexperimentequeessarespostaé respostadefuga,emfunçãodoreforçamentonegativo,éa
seguidapelotérminodochoque,seucomportamentonãofica variáveldependenteemestudo.Assim,têm-seemmãosas
sob o controle dessa relação de conseqüenciação. Segundo variáveisnecessáriasparasefazeraanálisefuncionaldos
ainterpretaçãocognitivistadesseefeito,eledecorredeuma comportamentosemitidos,envolvendobasicamenteproces-
alteração na forma como o sujeito processa a informação sosoperanteserespondentes,semsernecessáriofalarem
relativaànovacontingência.Seriaesse“errodeprocessamen- motivação/incentivo/expectativa.
to”,causadopela“expectativa”deincontrolabilidade,queo Essa releitura da hipótese do desamparo aprendido
levariaanãoregistrararelaçãodedependênciaqueháentre considera que o arranjo de incontrolabilidade não produz
suasrespostaseasmudançasnoambiente.Porfim,odéficit reforçamento diferencial de qualquer resposta. O que é
emocional é caracterizado por alterações fisiológicas, tais aprendido (e supostamente generalizado para a condição
comomudançasdociclodesonoedeingestãodealimentos, futura)éjustamenteaausênciaderelaçãoR-S.Nãohavendo
imunossupressão,entreoutras.Nainterpretaçãocognitivista, conseqüenciaçãosistemática,aaltamovimentaçãocorporal,
a“crença”dequeoreforçonãovirá,produzestadosalterados eliciadapelosprimeiroschoques,tendeareduziremfunção
deemoções(ansiedadeedepressão)que,porsuavez,levam deumprocessodehabituação,ocorrendodeformagradu-
aessasalteraçõesfisiológicas. almentemenosintensa.Conseqüentemente,afreqüênciae
A hipótese do desamparo tem, portanto, dois níveis de aintensidadedamovimentaçãocorporalcaemaolongoda
apresentaçãoqueprecisamseranalisadosseparadamente:(1) sessão,deixandoosujeitopoucoativo.Umavezqueoteste
oníveldescritivo,quedizrespeitoaosdadosexperimentais temmuitosestímuloscomunsàfasedetratamento,épossí-
obtidos, e (2) o nível interpretativo, baseado em processos velque,aomenosnoiníciodasessão,essapassividadese
mentalistasquesãoinferidosdosdadosexperimentais.Oní- generalize.Assim,pode-sepreverqueosujeitosecomporte
veldescritivoébemestabelecidocientificamente,permitindo noiníciodotestedamesmaformaquevinhasecomportando
previsãoecontroledoscomportamentosemestudo.Asinter- nafaseanterior,ouseja,deformapoucoativa.Porém,amera
pretaçõesmentalistasnãosãoaceitasporunanimidade,prin- inatividadenãoexplicatodooprocesso,poiséfreqüenteque
cipalmentenaperspectivadobehaviorismoradical(Skinner, oanimalemitaarespostadefuga,experimentandootérmino
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dochoquecontingenteaela,semqueissoaumenteaproba- Segundoahipótesemotora,oefeitodeimunizaçãodepende-
bilidadefuturadeemissãodessaresposta.Deacordocom riadacombinaçãoentreograudeatividademotoraexigido
essahipótese,ainsensibilidadeaoreforçamentonegativose pelasrespostasdaprimeiraeúltimasessão,considerandoas
deveàaprendizagempréviadeausênciaderelaçãoR-S,que sessõesdepré-treino/incontrolabilidade/teste.Searesposta
éopostaàaprendizagemdefugaqueenvolveumarelaçãode defugadopré-treinorequeressebaixaatividademotorae
dependênciaentrearespostaeotérminodochoque.Sendo arespostadefuganotesteenvolvessealtamovimentação
opostasessasaprendizagens,édeseesperarqueaprimeira corporal(combinaçãobaixa/alta),oprevistoseriaumefeito
dificulteaseguinte,produzindoodesamparo. dedesamparoaprendidomuitoacentuado,contrárioaoefeito
Essaanálisepermitepreverabaixaatividadegeralque deimunização.Nacombinaçãooposta(alta/baixa),oprevisto
seobservaaofinaldasessãodechoquesincontroláveis,bem seriaimunizaçãoacentuada(ouseja,aprendizagemdefugaa
comoodesamparonoteste,sem,contudo,vincularumefeito despeitodaexposiçãopréviaaoschoquesincontroláveis).Na
comocausadooutro.Opontocríticoéquenãoháseleção previsãodahipótesedodesamparoaprendido,aimunização
operantenasessãodeincontrolabilidade,condiçãooposta sedariaindependentedessacombinação,poisosujeitoteria
à do teste, que busca selecionar uma classe específica de aprendidonaprimeirasessãoqueeletinhacontrolesobre
respostas.Portanto,oprocedimentoempregadonosestudos oschoques,aprendizagemessaqueo“imunizaria”contra
sobredesamparopermiteconfrontardoistiposdeaprendi- aaprendizagemopostadaincontrolabilidadenasessãode
zagens, relativas à incontrolabilidade e à controlabilidade tratamento. Portanto, apenas na combinação baixa/alta as
doambiente,sendoasuaordemdeocorrênciacríticaparaa previsõesdiferiamentreessashipóteses.Utilizando,portanto,
produçãodosefeitosdedesamparooudeimunização. essacombinação(comasrespostasdefocinhar/saltar),os
Ashipótesesdodesamparoaprendidoedainatividade resultados mostraram acentuada imunização, confirmando
aprendidaoferecemprevisõesdeefeitoscontráriosemde- aprevisãodahipótesedodesamparoaprendido.
corrênciadealgumasmanipulações,oquepermiteseuteste Outroexperimentoconfrontouambasashipóteses,sendo
experimental.Diversosestudosforamrealizadoscomesse sualógicabaseadanaequaçãoquedefineaincontrolabilida-
fim,amaioriadelesmostrandoresultadoscontráriosàhipó- de:p[S/R]=p[S/nR],ondeaprobabilidade(p)doestímulo
tesedainatividade.Porexemplo,YanoeHunziker(2000) (S)ocorrerapósumaresposta(R)éigualàsuaprobabilidade
realizaramdoisexperimentosparaconfrontaressashipóteses, deocorrernaausênciadessaresposta(nR).Hunziker(1981)
nosquaisavariávelmanipuladafoiograudeatividadefísica manipulouaocorrênciadeRoudenRduranteoschoques
requerido pela resposta de fuga no teste. Considerando o incontroláveis,deformaqueotérminodochoque(S)seguiria
propostopelahipótesemotora,seoindivíduoaprendeaficar umaououtra,operacionalizandoaequaçãoacimaeevitando
inativoduranteoschoquesincontroláveis,entãoodesamparo assupostascontingênciasacidentais.Parafazeresseteste,
sóocorresearespostadetesteenvolveraltaatividademotora, foiconstruídaumaroda-de-atividadebastanteestreita,quesó
podendomesmohaverumafacilitaçãodaaprendizagemno permitiaaosujeitoaopçãodecaminhar(R)ouficarparado
casodearespostarequererbaixaatividadeparaseremitida. (nR).Acopladaàrodahaviaummotorquepoderiagirá-la,
Aocontrário,ahipótesedodesamparo–quepostulaquea travá-laoudeixá-lalivre.Quandoomotorgiravaaroda,o
variávelcríticaéaaprendizagemdequeoseventosdomeio ratoeraforçadoacaminhar(R),equandoatravavaorato
nãosãopassíveisdecontrole–permitepreverqueograude eraforçadoaficarparado(nR).Nasituaçãoderoda-livre,
atividademotoraexigidaparaemissãodarespostanoteste osmovimentosdarodaeramdeterminadospelosujeito:a
éirrelevanteparaaocorrênciadodéficitdeaprendizagem. emissãodeRfariaarodagirarecomnRarodaficariaimóvel.
Portanto, os sujeitos expostos aos choques incontroláveis ConsiderandocomounidadedeRcada¼degirodaroda,
deveriamapresentarodesamparoindependentementedea comonRaausênciademovimentaçãodaroda(menosque
respostadetesteenvolveraltaoubaixaatividademotora.Nes- ¼degiro)eotérminodochoquecomooSemestudo,esse
seestudo,foramutilizadasduasrespostasdefugadiferentes: equipamentopermitiaamanipulaçãodep(S/R)edep(S/nR).
“saltar”e“focinhar”(colocarofocinhoemumorifíciona Oexperimentocontoucomseisgruposderatos,sendoquatro
parede).Considerou-sequeerespostadefocinharpoderia expostosachoquesincontroláveisedoiscolocadosnaroda,
serclassificadacomorespostadebaixaatividademotorauma sem choques. Dentre os animais que receberam choques,
vezque,parasuaemissão,éindispensávelqueosujeitoesteja nenhumtinhacontrolesobreessesestímulos.Contudo,eles
parado,comocorpovoltadoparaoorifíciodaparedeeo variaramentresiquantoaoarranjodeambasasprobabilida-
focinhonaalturadomesmo,sendoaúnicamovimentação desdadoomovimentodaroda(girando/travada)duranteos
requeridaadeesticaropescoço,deformaaintroduzirofoci- choques:grupo100%(1,0/0,0),grupo0%(0,0/1,0),grupo
nhonoorifício.Aocontrário,arespostadesaltarpoderiaser 50% (0,5 / 0,5) e grupo roda-livre.Após esse tratamento,
classificadacomodealtaatividademotora,poissuaemissão todosossujeitosforamigualmenteexpostosaumacontin-
requerodeslocamentoglobaldosujeitoquedevesairdeum gênciadereforçamentonegativo(fuga)paraarespostade
compartimentoechegaraooutro,doladoopostodacaixa. saltar.Ashipótesestinhamprevisõesopostasquantoàessa
Portanto,oreforçamentonegativodessasduasrespostasse- aprendizagemdefugaapenasparaosgrupos50%e0%:se
lecionapadrõesopostosdeatividademotora.Osresultados oprocessofossedeinatividadeaprendida,oesperadoseria
do primeiro estudo mostraram igual nível de desamparo aprendizagemdefuganogrupo50%edesamparoacentuado
nostestescomasrespostasdesaltaredefocinhar,confir- nogrupo0%,invertendo-seessasprevisõespelahipótesedo
mandoaprevisãodahipótesedodesamparoecontrariando desamparoaprendido.Ambaspermitiampreveraprendiza-
oprevistopelahipótesemotora.Nosegundoexperimento, gemdefuganogrupo100%edesamparonogruporoda-livre.
foramtestadasasprevisõessobreoefeitode“imunização”. Osresultadosmostraramdesamparoapenasnosgrupos50%
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aprendido não é obtido com fêmeas de ratos ou camun- sintomatologia, etiologia, prevenção e cura da depressão/
dongos(Calderone,George,Zachariou&Picciotto,2000; desampro. Por exemplo, a passividade dos animais frente
Steenberger,Heinsbroek,VanHaaren&VandePoll,1989; aoschoques,noteste,poderiaseassemelharàpassividade
1990), embora diversos estudos tenham demonstrado de- do indivíduo deprimido, que não atua sobre o seu meio.
samparoequivalentecomratosmachosoufêmeas(Gouveia Quanto à etiologia, sabe-se que eventos traumáticos, fora
Jr, 2001; Hunziker & Damiani, 1992;Yano & Hunziker, docontroledosujeito,podemserdesencadeantesdealguns
2000). tiposdedepressãohumana,bemcomoosãonodesenvol-
Ageneralidadedodesamparoparacontextosapetitivos vimentododesamparoemanimais(Willner,1984;1985).
tambéméumfatordediscordância.Estímulosapetitivos,tais Alémdisso,alteraçõesbioquímicasencontradasempacien-
comoalimentoouágua,ministradosnotratamentoe/ouno tesdepressivosforamtambémencontradasemanimaisque
teste,foramutilizadosemalgumaspesquisas,comresultados apresentaramodesamparoaprendido(Willner,1991).Por
contraditórios(Calef&cols.,1984;Capelari&Hunziker, suavez,aprevençãoeotratamentoclínicopoderiamterum
2005;Enberg,Welker,Hansen&Thomaz,1972;Ferrandiz paralelocomportamentalnosestudossobre“imunização”e
&Vincent,1997;Job,1988,1989;Oakes,Rosenblum&Fox, “reversão”,alémdoparalelodafarmacoterapia,dadoque
1982;Rosellini,1978).Ouseja,atéomomento,nãosepode drogasquetêmcomprovadoefeitoantidepressivoemsujeitos
afirmarseodesamparoocorreemcontextosqueenvolvam humanostambémimpedemoaparecimentododesamparo
estímulosquenãosejamaversivos. emanimais(Petty&Sherman,1979).Essesresultadostêm
Os efeitos de drogas antidepressivas (principalmente, justificadoousododesamparo,empesquisascomanimais,
daimipramina)têmsidodescritosdeformadiversa:alguns paraidentificaçãodenovosfármacoscompotencialantide-
estudoscomimipraminaindicamqueodesamparosóde- pressivoemhumanos(Willner,1985;1991).
sapareceapóstratamentocrônico,masnãoapósumaúnica Essa suposta representatividade da depressão humana
administraçãodadroga(Petty&Sherman,1979;Sherman& deuumgrandeimpulsonainvestigaçãododesamparo,esta-
cols.,1982);contudo,resultadoscontráriosforamdescritos, belecendoumaatrativaponteentreolaboratórioeaclínica
mostrandoausênciadedesamparoemanimaispreviamente (Maier&Seligman,1993;Peterson&cols.,1993;Willner,
tratadoscomchoquesincontroláveisquereceberamumaúni- 1984,1991).Alémdoaspectodefarmacoterapia,aanálisedo
cainjeçãodeimipramina(Graeff&Hunziker,1988;Gouveia comportamentodepressivotambémtemsidoatendidacom
Jr,2001;Hunziker,Buonomano&Moura,1986). essesestudos.Porexemplo,umaspectocríticododesamparo
Quantoaoenvolvimentodosistemaopióidenodesam- éareduçãodasensibilidadeàscontingênciasdereforçamento
paro,foidescritoqueahipoalgesiasóseverificavaquandoo emvigor,ouseja,aalteraçãodeumdosmecanismosconsi-
testeerarealizadoapósare-exposiçãodosanimaisachoques deradosbásicosnaadaptaçãodosindivíduosaoseuambiente
(Jackson, Maier & Coon, 1979; Maier, Drugan & Grau, (Skinner,1981).Assim,acompreensãodeumprocessoque
1982).Contudo,Hunziker(1992)demonstrouhipoalgesia enfraqueceapossibilidadedeseleçãopelasconseqüências
opióide decorrente dos choques incontroláveis, sem essa assumeimportânciacríticaparaacompreensãodocompor-
re-exposiçãoaoschoques. tamento,especialmentedaquelesconsideradospatológicos,
Porfim,sãotambémdiscordantesosresultadosrelativos quesãosinônimosdemáadaptaçãodoindivíduo.Funcio-
aosefeitosdaliberaçãodeumestímuloneutroapóstérmino nalmente,seconsiderarmosqueapessoadeprimidasofrede
doschoquesincontroláveis:enquantoalgunsestudosapon- faltadereforçadores(Ferster,1973),podemosdizerqueo
tamqueesseprocedimentoimpedeaocorrênciadodesam- desamparo,porreduzirasensibilidadeaoreforçamento,pode
paro,produzindoochamado“efeitofeedback”(Jackson& ser potencialmente um bom modelo animal de depressão.
Minor,1988;Maier,Jackson&Tomie,1987;Volpicelli,Ulm Nolaboratório,essaperdadafunçãoreforçadorapodeser
&Altenor,1984),outrosdescrevemqueessetratamentofoi indicadapelanãoalteraçãodaprobabilidadedarespostade
inócuo,umavezqueodesamparosedeuapesardosestímulos fuga,apresentadanotesteporalgunssujeitos,conformejá
pós-choque(Damiani&Hunziker,1996). relatado.Nadepressãohumana,afaltadereforçadorespode
Algunsdessesresultadoscontraditóriospodemserdecor- seranalisadapelo“desinteresse”,muitasvezesverbalizado
rentesdeumabasegenéticaquedeterminediferentessensibi- pelosindivíduos,relativoaaspectosdoseuambientequejá
lidadesaotratamentocomchoquesincontroláveis,conforme foramreforçadores,oumesmopelafaltadafunçãoreforça-
sugeridorecentemente(Caldarone&cols.,2000).Contudoé doradealgunsestímulos,que,emboraocorramcontingentes
tambémprovávelqueessasdiferençassedevam,aomenosem àsrespostas,nãoasmantém.
parte,aquestõesmetodológicasquetêmsidonegligenciadas Apesardemuitoestimulante,essaassociaçãoentreum
emdiversosestudos,queseapresentamcomimprecisõesno efeitoproduzidonolaboratóriocomaquelesvistosnaclíni-
delineamentoexperimental(Hunziker,2003). cadeveserolhadacomcautelaparaqueseevitemanálises
precipitadas ou mesmo inadequadas. Conforme analisado
Odesamparoaprendidocomomodeloanimalde por Hunziker e Perez-Acosta (2001), as analogias entre
depressão laboratórioeclínicasósejustificamsefundamentadasem
rigorosa análise do comportamento. Tanto o desamparo
A proposição do desamparo como um modelo animal animal,comoadepressãohumana,nãopodemserdefinidos
de depressão (Seligman, 1975) foi motivada por algumas combaseemmeratopografiaderespostas,massimpelas
similaridadesentreocomportamentodepessoasdeprimidas relações funcionais que envolvem. Caso essas relações
eocomportamentodosanimaisquepassavampeloschoques não sejam analisadas (e muitas vezes não o são), o uso
incontroláveis. Essas similaridades foram apontadas na desseoudequalquermodeloanimal,comoanálogoauma
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Desamparoaprendidoemanimais
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