Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Ocerébro disléxico
A
Jgumas crianças, a despeito de uma inteligência e de uma educação nor-
mal, ap~es~ntam grandes difi_culd~des n~ /eitur~. De onde provém esse déficit?
Na ma,ona dos casos, a dtslex,a esta assoctada a um déficit na manipu-
lação mental dos fonemas. O cérebro das crianças disléxicas apresenta várias ano-
ma/ias características: a anatomia do lobo temporal está desorganizada, sua co-
1
nectividade está alterada, sua ativação no curso da leitura é insuficiente. Um forte
componente genético está implicado e quatro genes de susceptibilidade foram
identificados. Suspeita-se de que e)es afetam o posicionamento dos neurônios do
córtex temporal no transcurso da gravidez.
Essas anomalias implicam que a dislexia é incurável? Em absoluto. Novas estratégias
de reeducação trazem uma grande mensagem de esperança: j?_ª!.~'32~..!!!!.. cpren-
dizagem intens{va no _CO.f11JWJ9Ef2!< elas melhoram os escores de leitura e conduzem
~11ormalização parcial da atividade cerebral das crianças disléxicas.
Madame Everett traz um livro que se chama Ler sem lágrimas. No meu caso, seu
título não era, certamente, justificado. [... ] Eu era, no conjunto, enormemente
desencorajado para a escolaridade. [... ] Não era agradável sentir-se totalmente
ultrapassado e deixado a sua própria sorte desde o início do curso.
Winston Churchill
O QUE É A DISLEXIA?
se um
seUs membros for acometido de dislexia, a probabilidade de que um de
P~entes diretos sofra da mesma patologia é da ordem de 50%.
Possui tncorda-se hoje com pensar que a dislexia, na maioria dos casos,
ligada ,ºttes b:ses genéticas, mas não é uma doença monogênica, isto é,
quê d/ mutaçao de um só gene. Um feixe de fatores de risco e um bu-
da leiturgenes_consprram
· provavelmente para perturbar a aprendº1zagem
Virem n/t· Nao fiquemos surpreendidos pelo fato de tantos genes inter-
eombinaç~ s ª compet"enc1a · cu1tural. A leitura esperta depend e de uma 1e e 1iz
PERTURBAÇÕES FONOLÓGICAS
1111
258 Stanislas Dehaene
A UNIVERSALIDADE DA DISLEXIA
·
As cnanças d"1sl'ex1cas
· sofrem de uma autentica
" · patoIog1·a cerebral?
Inicialmente, era possível duvidar. Os neuropediatras sabem bem q1:~
em tais perturbações específicas de aprendizagem, os exames de IRM sa _
.
muitas . , . a, pnme1ra
vezes 1nute1s: . . vista,
. ,. . d e estat 1s
na ausenc1a ' t1·cas avança
---- Os neurônios da leitura 261
e
------------------------~O~s~n~e~u~rô~n~io~s~d~a~le~it~u~ra!_J2~6~a
Psicologia da dislexia
• •
º°'"
0.02 -
O•
••
•
• •
-0.Ql l.___
. - --=-e---,' ----l.,o_
,; ---;-2- --:-
Anomalia de tempo de leitura
....,
.....
............ ' ••• ,.,. li
•••••"•' •, •r: "
.
/~\Ili
•
·~ •• IV
~U•f ,t...t,1/. v
'•iq:""•
.,,,~~.
,1•.1 ·;,_, ,,... ,. V
F" ....... ••\''•.t ..
1
igu~ 6.1 lrnporta ~.----
.!.,tivação cerebr ~tes_ desorganizações corticais são com frequência observadas no cérebro dos disléxicos.
~dobo terriPorar e ª estimada pelo débito sanguíneo é anormalmente fraca nas regiões média e inferior do
(
e n,
ªtéria cinz
squerdo (ao lt cf ~ - -- - - --·- - -- -- .:::-:-:---:-:::-:-::-:-~~=
a o, . Paulesu et ai., 2001). Nas mesmas pessoas, um aumento da dens1daêle
0
; fl'leio, cf. Si;t~' correlacionada com as perturbações da leitura, é observada na região temporal média
t
alabwrda e COI bn, et ai., 2005). Nos raros casos, em que uma autópsia foi praticada (embaixo), Albert
l"l'ligrararn : 1
nsas nas reg·õ
rad
ores (1985) observaram numerosas "ectopias" - grupos desorganizados de neurônios
de sua posição normal nas camadas do córtex. Essas ectopias são particularmente
1 es l1ngu· • .
1Stícas e visuais essenciais à leitura.
~26~4~S~ta~ni~sla~s~D~e~ha~en~e'..___ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ ___
MIGRA -
ÇOES NEURONAIS
boa 10 ' rrnaçaoa entes patogen1cos " . tais. como o a'Icoo1, por exemplo. Ora,
5
sensível ,ª~ ga migração neuronal parece alterada. Na autópsia, Albert
nos dislexicos, descobriu pequenos grupos d e neuron1os " · na superf'1c1e · do
Galaburdª se eles tivessem ultrapassado sua posição normal. Noutros
0
co'rteX' com camadas cort1ca1s · · ma1 formadas, \' "d·1s1as1cas
e' · " , ou 1orman
e do
lugares, bas sugeriam que os neurônios não tinham jam.a is chegado ao
·erodo ra5, . . . .
mi Enfim parecia que certos sulcos cort1ca1s haviam perdido sua
seu avo.1 ' -, ,
. ia em favorao hemisferio esquerdo que apresentam no cérebro
traindo- a espec1a. 1·1zaçao
,. , desse h em1s1eno
. C' • para o tratamento da'
no~ ,1
finguagem verbal.
Conforme Galaburda, essas anomalias são frequentes na dislexia.
sua combinação poderia explicar a miscelânea de super e subespessuras
corticais que são vistas na IRM. As ectopias, por razões desconhecidas~
concen_g:am Q,rincigalmente nemisfério esquerdo, em torno q_a~ ª reé!_s
-
mlpíicadas noJa_tamento da fala, mas igualmente na regiª9· occípito-
-temporal esquerda que joga um papel ' tão importante no reconhecimento
visual j~s__p_g!mrras (Figura 6.1). Fatiadas por neurônios mal colocados,
--- -~
essas regiões não mais funcionariam em seu nível ótimo, o que acarre-
taria déficits fonológicos e visuais sutis, com frequência transformados
em dislexia. .
J
, . Espera-se, evidentemente, que uma tal desorganização dos neu-
r~nios ,corticais tenha também um impacto negativo sobre suas cone-
~oes. E exatamente o que se observou com a IRM. Todos os estu-
os originados, no entanto, de laboratórios e de métodos diferentes su-
::e~ uma profunda alteração de feixes bem específicos de conexões,
esq: ods na _profundidade das regiões parieto-temporais do hemisfério
eroO (Figura 6 .2) 31 .
cérebro grau_de desorganização das conexões corticais nesse ponto do
.
igualment prediz os escores d e 1eitura,
. ~ somente nos d.1sIex1cos,
nao , . mas
dificil, co; no seio da população normal. Infelizmente continua muito
corticais q ª resolução espacial da IRM, isolar com precisão as áreas
anomalias ue conectam esses feixes alterados. Contudo, a posição das
subativado
· ' no hemi . st'eno
· esquerdo, justo próxima do cortex
, temporaI
reg·~
• 1ao tem
na d1slexia,
· re1orça
e ·
a hipótese de uma desconexão parc1al_ga
reg·~ • Poral
11
_ 10 es front~lis _ esqu~!da _do resto do cérebro, particularmente das
32
268 Stanislas Dehaene
Figura 6.2 As conexões corticais a longa distância estão alteradas nos disléxicos. Vários estudos indepen-
dentes mostram uma desorganização dos feixes situados na profundidade das regiões parieto-temporais do
hemisfério esquerdo (à esquerda, Klingberg et ai., 2000; à direita e embaixo, Beaulieu et ai., 2005).
A RATAZANA DISLÉXICA
l
es eram·
sons_dé . . incapazes de captar uma breve interrupção numa sene e
'· d
ficns semelhantes àqueles reportados nos disléxicos.
270 Stanislas Dehaene
·
Há mais surpresas amda: to das essas anoma1ias· aparecern .
paimente nos ratos machos. Nas fêmeas, a mesma qu?ntidade ini~:ci.
lesões corticais não acarreta nem a morte celular no talamo nern d, ~e
. efic1ts
sensoriais. As manipulações hormonais mostram que era a testost
resente em maior concentração
, nos , machos que
I .amplific~rona
·"'.vª us efefto
P
das lesões sobre O ral~_mo. De novo, e uma ana og1a potencial co~ s
écie humana. ·Embora esse ponto seja controverso, a dislexia a es.
P Parece
afetar mais fortemente os homens que as mu Iheres. Se acreditás
.d d semos
no modelo animal, deveríamos espe!ar, em _re~lI a e, que as Perturb
Ções fonológicas originárias das lesoes cort1ca1s fossem tão .
frequ a-
entes
nos homens quanto nas mulheres. Contudo, no hornem, mais que na
.d
lher, elas deveriam estar associa as a outras perturbaçoes ~
sensoriais lllu.
ditivas e visuais que ainda viriam complicar a aprendizagem da leitur au.
o modelo animal fornece, assim, uma cadeia explicativa compl ª·
por certo hipotética, mas susceptível de explicar os principais traços c:t:
nitivos e anatômicos da dislexia 34• D.t.ª.§..~ ~ c9?1 ess_e cenáriQ,, ao re~r
~exto_m.,ês .da_gestação,.ªs ~erturbaço~s da !l)I&f~_Ç.?O ne~rona~e-
tam o aparecimento de ectop1as e de m1cro.:sulcos. Esse empoeirado de
mãlformaÇoes corticais concentradas sobre as áreas da linguagem vem
fragilizar as representações fonológicas que serão indispensáveis seis
anos mais tarde para a alfabetização. Em par?lelo, ele iJ!1p_lic~ ulll~as-
c~a de anomalias seçyndárias das regiões~ ensoriais do tálamo, 0 que
reduz ainda a precisão da codificação ~a~entradas auditivas e visu~
- -- -
A GENÉTICA DA DISLEXIA
SUPERAR A DISLEXIA
. .
· n~io~s~da~l~eit~ur~a~2~73
-- ~ alll......
't,111111:11114
,~~"ti ., .
. , irna
Figura 6.3 Uma reeducação intensiva pelo computador permite restaurar uma ati.~ _
çtade c~ @l~ças
d ·
as crianças d. '. · . As ·imagens mostram as regiões cerebrais ativa
• d as quando as cn rais e
· 1gam se d uas 1etras rimam.
· · do treinamento,
· ·- s ternP 0
JU Depois a atividade se posiciona em regioe , . direito,
parietais próximas, mas não idênticas às observadas na criança normal. Outras regiões do hemisfeno
não visíveis na imagem, mostram igualmente um ganho de atividade (cf. Temple et ai., 2003).
-
Os neurônios da leitura 277
NOTAS
1 Churchill, 1930.
2 Fonte· i:;,,.,... • , ;;; d a·
· ....,..JJerttse collective de l'INSERM sur les Troubles speci 1 .ques es appren ssages,
2007.
3 ShayW·
4 Ra itz, Escobar, Shaywitz, Fletcher & Makuch, 1992.
s zomus, 2?03; Vellutino, Fletcher, Snowling & Scanlon, 2004.
6 eco1otti et al., 2005.
c.sta des b ·
rn co ena, que data do final dos anos 1970 (veJam-se, por exemp10 , L.b
i er-
u:~~ankweiler, Orlando, Harris & Berti, 1971; Bradley & Brya_n~, 978; Fischer,
rep1· n & Shankweiler 1978 · Bradley & Bryant, 1983) , foi mumeras vezes
icada e . , , . . . d
nas r ~mphada. Para referências detalhadas, veJam-se as obras gerais cita as
7 e eferenc1as
A
ast1es & e .
8 Lep a oltheart, 2004.
igua\_nen et al., 2002· Richardson Leppanen Leiwo & Lyytinen, 2oo 3 ; vejam-se
1 9 Vejarn-seunent B · ' ' '
e enasich & Tallal, 2002; Maurer, Brem, Bucher & Brandeis, 2
·
º ·03
lo Ahissar ptºr exemplo, Breier et al., 2003; Breier, Fletcher, Denton & Gr~y, 2 oo 4 .
/
, 2001-e otopapas, Reid & Mezenich 2000· Temple et al., 2000; Breier et al.,
' estnick' 200 1; Breier, Gray, Fletcher, ' '
Foorman & K1aas, 2002 ·
278 Stanislas Dehaene
11 Eden et al., 1996; Demb, Boynton & Heeger, 1997; Demb, Boynton Best & H
' eeger
1998; Demb, Boyton & Heeger, 1998. '
12 Kujala et al., 2001.
13 O fato de que o grupo de controle pareça não haver recebido nenhum treinament
particular coloca problemas, porque poderia ser que as crianças não tenham pro~
gredido em razão da atenção e do treinamento com o computador que elas re-
cebiam. Para assegurar que as crianças disléxicas tirem bom proveito da associação
abstrata entre sons e imagens, seria necessário replicar esse estudo com um plano
experimental mais rigoroso.
14 Veja-se a resenha recente de Tallal & Gaab, 2006.
15 Para um exame prévio do debate e suas questões, vejam-se Ramus, 2003; Tallal &
Gaab, 2006.
16 Nicolson, Fawcett & Dean, 2001. As anomalias anatômicas do cerebelo foram
efetivamente observadas em certos estudos de grupo de crianças disléxicas (Ecken
et al., 2002; Brambati et al., 2004). É necessário, contudo, observar que a teoria
do cerebelo não está em conflito com a hipótese fonológica da dislexia. Com
efeito o cerebelo, verdadeiro "cérebro pequeno" do cérebro, está conectado com
virtualmente todas as grandes regiões corticais e contribui para praticamente todas
as funções cognitivas, aí compreendido o tratamento da fala, da fonologia e da
língua escrita, mesmo que seu papel permanença pouco estudado.
17 Gallaburda & Livingstone, 1993; Demb et al., 1997; Demb, Boynton, Best et al.,
1998; Demb, Boynton & Heeger, 1998; Stein, 2001.
18 Ramus, Pidgeon & Frith, 2003.
19 Ramus, Rosen et al., 2003; White et al., 2006. Para uma exposição clara de uma
teoria sobre as origens visuais da dislexia, vejam-se Valdois, Bosse & Tainturier,
2004.
20 Paulesu et al., 2001
21 Siok et al., 2004. d
0
22 Concordando com essas hipóteses, existe pelo menos um caso bem document~
de uma criança bilíngue, nascida no Japão, filha de pais anglófonos, que ap~~n eu
sem dificuldade a ler o japonês, tanto em caracteres kana quanto em kanJI, mas
que sofre de uma grave dislexia no inglês (Wydell & Butterworth, 1999) · . a
23 Shaywitz et al., 1998; Brunswick, McCrory, Price, Frith & Frith, 1999; Georg~;.
et al., 1999; Temple et al., 2001; Georgiewa et al., 2002; Shaywitz et al., 2 '
McCrory, Mechelli, Frith & Price, 2005.
24 Shayw~tz et al:, 19~8;_Georgiewa et al., 1999; Georgiewa et al.,. ~002 elissen,
25 Salmelm, Service, Kiestla, Uutela & Salonen, 1996; Helenius, Tarkiamen, corn
Hansen & Salmelin, 1999.
26 Z?ccolotti _e t al., 2005. 002.
2
27 Snnos, Bre1er, Fletcher, Bergman & Papanicolaou, 2000; Simos, Fletcher et al., 006-
2
28 P~a ~esenhas recentes, vejam-se Habib, 2000; Ramus, 2004; Fi~her & Fran:~bosch,
29 Silam et al., 2005 ; para resultados parcialmente similares, veJam-se Vin que eu
~o~ichon & Eliez, 2005; Br?wn et al., 2001; Brambati et al., _2004. Me:~r que a
ms1sta sobre essas anomalias do lobo temporal, não gostaria de esco a grande
literatura sobre as anomalias anatômicas da dislexia repousa sobre um eIIlPre
complexidade na medida em que uma variedade de outras anomalias, nem s
Os neurônios da leitura 279