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Ocerébro disléxico

A
Jgumas crianças, a despeito de uma inteligência e de uma educação nor-
mal, ap~es~ntam grandes difi_culd~des n~ /eitur~. De onde provém esse déficit?
Na ma,ona dos casos, a dtslex,a esta assoctada a um déficit na manipu-
lação mental dos fonemas. O cérebro das crianças disléxicas apresenta várias ano-
ma/ias características: a anatomia do lobo temporal está desorganizada, sua co-
1
nectividade está alterada, sua ativação no curso da leitura é insuficiente. Um forte
componente genético está implicado e quatro genes de susceptibilidade foram
identificados. Suspeita-se de que e)es afetam o posicionamento dos neurônios do
córtex temporal no transcurso da gravidez.
Essas anomalias implicam que a dislexia é incurável? Em absoluto. Novas estratégias
de reeducação trazem uma grande mensagem de esperança: j?_ª!.~'32~..!!!!.. cpren-
dizagem intens{va no _CO.f11JWJ9Ef2!< elas melhoram os escores de leitura e conduzem
~11ormalização parcial da atividade cerebral das crianças disléxicas.

Madame Everett traz um livro que se chama Ler sem lágrimas. No meu caso, seu
título não era, certamente, justificado. [... ] Eu era, no conjunto, enormemente
desencorajado para a escolaridade. [... ] Não era agradável sentir-se totalmente
ultrapassado e deixado a sua própria sorte desde o início do curso.
Winston Churchill

Todos os professores do ensino fundamental, sejam quais forem


~eu tal~nto e sua dedicação, depararam-s~, um dia, com um desafio:
ma cnança que parece verdadeiramente diferente das outras, ta~to e~a
Parece incapaz de aprender a ler. Pode até ser que sua inteligência seJa
~254~-~St~a~ni~
sl~as~D~e~h~ae~n~e- - - - - - - - - - ~ - ~ - ~ == =~~---
. . . . tividades de 1natemática ou nas
. . .1 d:.1 media na~ a . . , 1
,; yaz. 3 saber. acnn, • d .. ·so se torna um mcnve peso, ela
d ~e tran e 1e1, is .
pr..1ticns. Mns. quan °: · •. _ . 1
divinha sem refletir, desencoraja.
hesit3 3 cada si1nba, nustura os s01~sq. t.1e ., cerGnn. Pelo viés de alguns
· · 11nente os 1
'
-se ... e desencoraJa igua . ou de velocidade de leitura, uma
1
testes de leitura de pseudopda ttnl diagnóstico bem conhecido e
,;sita ao tonoau . d.10·1ogo con uzna . u .
.d d 1 pais· o de d1s1exw..
sempre dun a O P~ os e • • b ·ais se escondem, pois, por trás desse
Q ums · mecanismos cere 1.
• d ci·e" i·1c1·a da leitura pern1item compreender
- ·1· ·? Os avanços a '
tem10 tam1 ~m_-d.lh• ~-opeçam suas crianças? Trata-se de um simples
sob qual mma i a
. . 1• · ··
' h 1
é que esse termo ten a a gum sen 1 o, ou
tºd
..bloqueio ps1co og1co , se . , .
, · . patologia cerebral? Quais as areas, quais neu-
bem de uma autennca . .
A
romos. ou me or. qu
• lh ai·s genes estão implicados? Quais as terapias que
podemos considerar? .
Neste capítulo. percorramos juntos 30 anos de pesqmsas sobre a
· l' · ,
disle.x.ia. que partiram desde uma definição p_u~·amente ps1co og1ca ,ate os
tudos de imagem, de anatomia e de geneuca, para chegar-se a con-
es .., d - d h d.
cepçâo dos softwares especializados na 1~ee ucaç~o ~sse an 1c~p t~o
frequente. A identificação dos fatores de nsco da dislexia, a determmaçao
de suas bases genéticas, a checagem dos cron1ossomos e dos genes con-
cernentes, a compreensão dos mecanismos biológicos que eles controlam
constituem um magnífico capítulo da pesquisa sobre o cérebro humano -
um capítulo sempre em curso de ser reescrito, pois, nos últimos anos,
não passa um mês sem que apareça alguma novidade descobe1ta sobre a
genética, ou as bases cerebrais da dislexia.

O QUE É A DISLEXIA?

A definição de dislexia leva em conta sua própria singularidade.


Trata-se de uma dificuldade desproporcional de aprendizagem da leitura,_
que não pode se explicar nem por um retardo m entalnem por um déficit
sensorial, nem por um ambiente social ou fan1 iliar desfavorecido. Uma
consequência importante desta definição é que todos_.os-maµs leito~s
não são dis§ os. Uma surdez mal despistada, um retardo m; ntal, más
condições de educação. ou simplesmente a complexidade das regras de
ortografia podem explicar por que muitas crianças experimentam dificul-
dades para aprender a ler. Não é senão quando todas essas causas são
eliminadas que se falará de dislexia em senso estrito.
Os neurônios da leitura 255

Estima-se que entre 6 e 8% das crianças francesas em idade de


alfabetização sofrem de dislexia2• Embora essa cifra seja assustadoramente
elevada, é necessário compreender que ela se reveste de uma parte arbitrária,
~rque inteiramente dependente d se escolhe para definir a lei~a
''nonnal". Com e eito, no seio de um grande grupo de crianças, os escores
iiõs testes de leitura formam uma perfeita curva de sino3• Se esta curva
tivesse apresentado dois picos, um para os escores normais, outro para os
escores ·baixos, teria sido fácil definir objetivamente uma população de
crianças disléxicas. Contudo, a curva não apresenta senão um pico em seu
centro - é, pois, diijcil_CQ}Q.Ç,ar_tyna fronteirâ_gue .s~~~-de modo não ar-
bitrário, as crianças normais das_gisléxicas. A realidade é ~ e s
de aprenémâgêinaàlêítur~am um contínuo, desde a criança para quem
tudo parece fácil até o meio da classe que segue normalmente e, enfim, até
os alunos em atraso, cujas dificuldades são mais ou menos severas. As
porcentagens de prevalência da dislexia não refletem, pois, senão a barra que
decidimos colocar mais ou menos no alto, em função das consequências
sociais do déficit. Estima-se, com razão, que as crianças cujos escores em
leitura descem abaixo da barra de 5 a 10% passarão por dificuldades num
mundo que exige um domínio sempre grande do escrito.
concluii; cout:nda, que a dislexia é uma pura construção 1,0- ,,
cial, ºto--:-- ' medicaji.@ç&,o_df..npJ.~~x~2~.<!~? Cer;tamen- 1V
Ilª9. Numerosos índices militam em favor de uma origem cerebral
desse handicap. Desde os anos de 1950, observou-se em certas famílias
"de risco" uma grande proporção de crianças disléxicas. Vastos estudos de

;ºgenética comportamental, conduzidos notadamente na Universidade do


10r_ado por John DeFries e seus colaboradores em várias centenas de
,~~ias, confirmaram a grande - a s competências ligadas
eitura. Eles demonstraram notadamente que os gêmeos verdadeiros
dmonozigotos) apresentam escores bem mais estreitamente correlaciona-
os que os falsos gemeos
dos " ·
(dizigotos) do mesmo sexo. Entre 1rmaos,
N •

se um
seUs membros for acometido de dislexia, a probabilidade de que um de
P~entes diretos sofra da mesma patologia é da ordem de 50%.
Possui tncorda-se hoje com pensar que a dislexia, na maioria dos casos,
ligada ,ºttes b:ses genéticas, mas não é uma doença monogênica, isto é,
quê d/ mutaçao de um só gene. Um feixe de fatores de risco e um bu-
da leiturgenes_consprram
· provavelmente para perturbar a aprendº1zagem
Virem n/t· Nao fiquemos surpreendidos pelo fato de tantos genes inter-
eombinaç~ s ª compet"enc1a · cu1tural. A leitura esperta depend e de uma 1e e 1iz

ªº de conexões que temos a chance de possuir, desde o início


~~~~~==---------------------
256 Stanislas Dehaene

em nosso cérebro de primatas, e de anos de aprendizagem escolar


· de de um novo uso. Basta que al&Uns
reciclam seus circuitos em VIrtu que
grãos de areia deslizem nesta mecânica .neuronal de esse frágil processo
de reciclagem, já difícil para tod as as cnanças, po e se tomar fonte de
um enorme sofrimento para alguns.

PERTURBAÇÕES FONOLÓGICAS

Qual é a natureza exata da perturbação que afeta as crianças dis-


léxicas? A despeito de pesquisas muito numerosas, um consenso começa
somente a emergir da literatura científica. Numerosos resultados apon-
tam na direção do papel essencial de anomalias fundamentais no tra-
tamento fonológico4 •
As primeiras páginas desta pesquisa se escrevem desde os anos de
1970. Se bem que o objetivo da leitura seja o de compreender os textos
escritos, reforça-se rapidamente que os problemas da maior parte dos
disléxicos são originários de um nível mais fundamental, o da palavra. A
partir de quando lhes solicitemos que leiam palavras isoladas, os êrros e
urna lentidão severa aparecem. To~as as crianças que apresentam os
problemas de reconhecimento das palavras apresentam, igualmente, difi-
culdades de compreensão de frases e de textos: isto não nos surpreende.
É assim que as hipóteses mais cornplexàs, que associam a dislexia às
anomalias no movimento dos olhos sobre a página, ou à má utilização
do contexto semântico ou sintático das palavras na frase, desapareceram
progressivamente, deixando lugar a um interesse crescente pelos meca-
nismos de reconhecimento de uma única palavra.
Os descobridores da dislexia, no início do século XX - Morgan,
Hinshelwood, Orton -, a concebiam corno uma patologia fundamental·
mente visual, urna "cegueira congênita para as palavras". De acordo com
eles, o sistema visual dos disléxicos misturava e confundia as letras,
particularmente aquelas que se assemelham em espelho, corno "b" e "p",
ou "b" e "d". O grande público parece ainda aderir a esta hipótese, que
não é, além do mais, desprovida de pertinência (nós retomaremos 0
tópico no próximo capítulo) . Contudo, as pesquisas não lhes a~bue~
tanta importância quanto no passado. A atenção se deslocou em direç~o
ao papel da decodificação fonológica. A graEf!.e rnaio_.r~ das cr_!~
léxicas sofreJ com efeito. de um déficit pàíticular na conversão d~~nos
-- · - -- · das
: ~ s aos f o n e ~ ~ ~ zão pela qual a leitura
I
Os neurônios da leitura 257

~eudopal-ªws ' C.OIJ.Sti!YLum_do§_~~Jh.qreu ~--~l}.e .J~~~~-~gj@s_~s


..Com dificuldades dos__al~~--112Qlla~ Mesmo depois de anos de aprendi-
zagem, certas crianças ttacassam diante de cadeias novas tais como "tros-
talina" ou "lachavo". Se eles conseguem lê-las, seu tempo de resposta os
trai: mais de 300 ms por letras, isto é, quase tanto quanto o de certos
adultos aléxicos acometidos por lesões do córtex temporal inferior5.
A dislexia seria, pois, um distúrbio da leitura de textos, causada
por um problema ao nível das palavras, ele próprio causado por dificul-
dades na conversão dos grafemas aos fonemas. Podemos levar a análise
um pouco mais longe? A comunidade científica concorda hoje em pensar
que os problemas de conversão dos próprios grafemas-fonemas provêm
de uma fonte fundamental. A maioria das crianças disléxicas sofre de
distúrbios no tratamento
.,,,
dos fonemas e da consciência fuoêmi.wl. É,
. --- ~ -~
nesta medida, uma revolução intelectual: um déficit que parece restrito
. ----
à leitura seria, em realidade, engendrado por déficits sutis na análise das
classes de sons da fala.
Esta conclusão, em aparência improvável, fundamenta-se, contudo,
sobre um feixe de índices convergentes. Relacionando-as às crianças cujo
desenvolvimento é no~al, ª Lcrianças disléxicas apresentam diferenças
muito salien n t stes de consci~é!_.f2!!êJEJ.@_q!JL~!i~ ~
hilidade às ri~ à segmentação em fq9eqi_ªs, 9u jl recombinação dos
sõns da tãla6• ~ · - --·-~- ~~. .....- -..~-· ·-- - . -·~- ··-~·--- .. . . .,.., --"· -·· -----·- . ,- • .

Muitos estudos colocam, por certo, um problema de circularidade:


na medida em que a consciência fonêmica em si desenvolve-se com a
aprendizagem da leitura e do princípio alfabético Gá vimos que ela é
pouco desenvolvida nos analfabetos), torna-se bem difícil separar as
c~usas das consequências7 • As crianças se saem mal na leitura porque
nao manipulam bem os fonemas? Ou bem, ao inverso, elas se saem mal
na consciência fonêmi~a porque ainda não receberam os benefícios da
al~abetização? Um círculo vicioso parece fechar-se em tomo das crianças
atingidas pela dislexia.
lon · Pode-se, contudo superar esta circularidade, realizando estudos
· . '
&ltudma1s que sigam as mesmas crianças ao longo dos anos. Esses
estudos
r . 10 · d.icam que, desde muito cedo, a medida · precoce d as compe-
encias fonológicas permite predizer os escores ulteriores da leitura. Um
ct· 8 1ongitudinal
estudo · particularmente notável foi levado a cab O na p·inl"an-
d~é ~eiki Lyyrinen e outros estudiosos conseguiram seguir crianças
u Xlcas desde o nascimento - o que não deixa de colocar um paradoxo,
Illa vez
que, nesta idade, bem astuto aquele que possa d'izer se uma

1111
258 Stanislas Dehaene

criança sofre de distúrbios da leitura! A astúcia consistiu numa entrevi t


. f d sa
bem antes do nascimento a 410.futuros ~~1s a 1m_ e ~eterminar em que
medida eles apresentavam_ ~m nsco familiar de d1sl~xia. As crianças por
nascer foram, assim, class1f1cadas em duas categonas, grupo de risco e
grupo controle, ao redor de uma centena em cada um.
Essas crianças foram em seguida acompanhadas por exames regu.
lares a cada seis meses aproximadamente. Depois dos 7 anos, quando
atingiram a idade normal para a aprendizagem da leitura na Finlândia
constatou-se que algumas (mas não todas) experimentavam, com efeito'
grandes dificuldades. Remarquemos, então, que certos índices desde 0'
primeiro ano de vida permitiam antecipar quem apresentaria dificul-
dades em leitura. Tal foi o caso de um teste de discriminação auditiva
dos fonemas no bebê. No finlandês, a diferença entre ata (consoante bre-
ve) e atta (consoante longa) define uma fronteira categorial entre pala-
vras. Ora, a detecção desse contraste fonológico era menor no grupo de
risco. Esses bebês tinham necessidade de que se lhes apresentasse uma
consoante de duração mais longa para que pudessem notar a diferença.
O registro dos potenciais evocados mostrava igualmente uma diferença
entre os grupos na região temporal esquerda, predizendo dificuldades
ulteriores de leitura.
Assim se tece um laço estreito entre as competências fonológicas
precoces e a boa aprendizagem da leitura. As crianças disléxicas parecem
sofrer acima de tudo de uma representação imperfeita dos fonemas de
sua língua, que introduz uma imprecisão na representação das palavras
faladas e atrapalha seu emparelhamento com os signos escritos. Em
algumas crianças, o déficit linguístico é tão manifesto que o diagnóstico
muda: o neuropediatra não falará simplesmente de dislexia, mas de dis-
fasia, ou de distúrbios generalizados da fala e da linguagem. Essa mu-
dança de terminologia não deve provocar ilusão, porque a maioria dessas
crianças experimenta grandes dificuldades de leitura.
Mas a questão mais importante se coloca na direção inversa: as
crianças disléxica~ sofrem. sempre de déficits de 2 ercepção dos sons da
fala, a saber,.Jk distúrbios fundamentais da perc_epção audlti_v.9? Em5õra
esta questão peirnaneça muito controvertida vários estudos sugerem
que, na~ maioria d_as crianças dislé_~icc!~,_a.xes~usta..é-.po~jya. Ass!111' a:
percepç~l-dt>s sons âã fala está frequentemente alterada -
crianças experimentam dificuldades em detectar a minúscula_difereyça
temporal que distingue ba de pa, particularmente na presenç~~_de ru~d~
.Mmtas· vezes, o de'f·1c1t· se estende - - não linguísticas10 • A discnm1
;--.. ._:_.a, ,.,,tarefas
__,
-------------------~~~~~~~~
Os neurônios da leitura 259

ação das frequências de tons puros, a detecção de uma breve inter-


rupção de um rm'do e, em part1cu
n . 1ar, a percepção da ordem dos estímulos
rápidos pode ser fortemente anormal e correlacionar estreitamente com
os esc;qres n~ le~tura. A percepção visual da ordem temporal pode tam-
bé; estar alterada. Enfim, déficits visuais mais fundamentais ainda fo-
ram observados na percepção do movimento ou do contraste11.
O problema, bem entendido, é q_ue os déficits se~oriais Roderiam
ac~p3:Jhar a dislexia apenas por azar, simplesmente porque sua patol<?,8ia
-
cerebral se estende a múltiplos dom1niõs. Quais jogam verdãcleiramente
---- '
um papel ~causal n a aprendizagem da leitura? Esta questão divide sempre a
'
comunidade científica, porque é ~ tante_sutiLdistinguir__as__çausas, -ª~ con- f
seqyên~e as_simples correlações 2._arasitas da dislexia. Contudo, os dis- 1 ·
túrbios da ~rcepção dos so~s e muito pãiticuiarmente sua ordem temporal
parecem mais fundamentais que os outros na medida em que sua reedu-
cação implica benefícios no domínio da leitura. Com efeito, uma equipe
finlandesa concebeu um software de reeducação muito simples 12• A criança
aprende a jogar um jogo audiovisual que se parece ao célebre Merlin de
nossa infância: ouve-se uma série de sons que variam em altura, duração e
intensidade, e consiste em reconhecer qual forma visual a representa me-
lhor. Por exemplo, uma fileira de retângulos empilhados cada vez mais alto
pode ser associada a uma série ascendente. Depois de sete semanas de trei-
namento, na razão de apenas 10 minutos cada dia, duas vezes por semana,
as crianças com dificuldade de leitura viram seus escores de reconhecimento
de palavras aumentarem nitidamente mais rápido que aquelas do grupo
controle, que não recebiam esse treinamento particular13 •
Assim, a atenção dirigida às correspoJld~s audiovjsuais Rª~J!
~~~ansferir à leitura. Pode-se visualizar neste treinamento uma metáfora
bªaprendizagem da notação musical. Embora os estudos controlados so-
re esse tema sejam muito raros a aprendizagem da música parece
tnelhorar t b , , -
am em a leitura14 •
dis. l'ex1c_A despeito desses ~ -~ ssos a questão de sabetse-~as cria_g,ças
, , -.- -- -
~ ~ sofrem de deficits fonológicos e se estes, por seu turno, se re
uzem
tida is
a _de'fic1ts
· sensoriais-de-baixo
· nível, permanece vtvamen
· te deba-.
tu · Nao é de duvidar que uma atividade tão complexa quanto ª _lei-
r~ra resulte de múltiplas cadeias causais. Assim, diversas outras exphca-
,oes Para · d - só do cere-
bel as perturbações da leitura foram pesqmsa as, nao
°'
rn que seria responsável pela automatização das apreu<lizagens ' co-
o a que " · d ia "magnocelu-
16

lar' causa uma desorganização dos neuromos ª v ..


, que veicu · 1a as informações temporais. rap1 · uais e aud1uvas 17 •
, •d as vis
Ili

260 Stanislas Dehaene

Conforme as teorias, o núcleo do déficit na dislexia ultrapassan·a m .


----- ----
_simples tratamento fonológico : o d!s~~rbio d e leitur~ não~ 0

árvore que esconâea-fluresta·dos def1c1ts de automatização motriz ª


~ , 1 , "d
percepçao dos est1mu os rap1 os. ou de
Depois de ter testado essas ideias, Franck Ramus e seus colab
. e ora-
dores reafirmara ente que, seJa qua1 1or a razão bioló .
, • , e , • , . d . . g1ca
ultima, m nuc1eo 1ono1o 1co ~ sta na ongem a maioria das dislex.i
De acordo com eles, não é raro queãscfíançâs-disléxicas sofram d;a~~
ficits concomitantes das funções motrizes, visuais ou auditivas, mas isto
não é verdadeiro para todas as crianças, longe disto. Contrariamente às
perturbações fonológicas, essas perturbações adicionais, mesmo partici-
pando da dislexia na condição de uma síndrome médica, não jogariam
verossímilmente um papel causal central nas dificuldades de leitura1ª.
Contudo, e isto é um ponto fundamental, Ramus e colaboradores não
negam que uma minoria de disléxicos (talvez um quarto) apresente um
déficit visual pronunciado sem perturbação fonológica evidente 19 • Con-
forme veremos no próximo capítulo, existem casos atestados nos quais a
causa da dislexia se situa bem no nível visual.
1/ Em definitivo, é talvez a pesquisa mesma da causa da dislexia que
{( eva ser osta em questão. S e m ~er ia necessário aceitaropiõ-
blema em to a sua complexidade, sem querer necessariamente reduzi-lo
a uma causa única. Na interface entre natureza -- - ----------------
e cultura, nossa capa-
cidade de ler resulta de um feliz concurso de circunstâncias, no qual um
bom ensino joga um papel tão primordial quanto a presença prévia de
processadores neuronais visuais e fonológicos corretamente interconec-
tados. A hipótese segundo a qual o cérebro das crianças disléxicas sofre
de uma dupla fragilidade, onde confluem as vias de reconhecimento vi-
sual invariante e o tratamento fonológico da língua falada, me parece,
pois, particularmente plausível. Como veremos a seguir, a imagem cere-
bral sustém a hipótese de que é neste nível, na representação das cone-
xões do lobo temporal, que se situa com frequência o nó do problema.

A UNIVERSALIDADE DA DISLEXIA

·
As cnanças d"1sl'ex1cas
· sofrem de uma autentica
" · patoIog1·a cerebral?
Inicialmente, era possível duvidar. Os neuropediatras sabem bem q1:~
em tais perturbações específicas de aprendizagem, os exames de IRM sa _
.
muitas . , . a, pnme1ra
vezes 1nute1s: . . vista,
. ,. . d e estat 1s
na ausenc1a ' t1·cas avança
---- Os neurônios da leitura 261

das, a anatomia cerebral dos disléxicos apresent


1 As . . , a gera1mente uma
ência norma · sim, º.ê_l"!!.ª H;_cetk.os. colocaram • apa-
r e . - . · -. :muitas. vezes esta n
12ro~~~sores, dos pais ou do • · . - · d!-
0 · -· • - . . _s~~tema soc1oeducativo
em seu co • - -
Muito felizmente, numerosos índices concord d .
, . d d. 1 . antes e uma impor-
tante cra---dosm
herança genetlca
__, a is exia. motivaram uma pesquisa . mais . apro-
funda . mecanismos neuronais. Graças a uma metodologia afinada
nos últ1~os dez anos, os fundam~ntos biológicos da dislexia vêm à luz.
Meu amigo Eraldo Paulesu, _ pesqmsador da Universi·dade de M·1~ i ao, coor-
denou em colaboraçao com outros colegas franceses e londrinos um d
. . l os
estudos de imagem mais cone usivos2º.
Sua pesquisa partia de um paradoxo: não há praticamente nenhum
diagnóstico de dislexia na Itália e esta pat?logia é mais rara na França do
que na Inglaterra. Essas observações parecem colocar em dúvida a univer- /~
1
salidade e a origem b~ológica dessa síndrome. A dislexia não seria se:g_&o Lu.1,,
uma etiqueta cultural lill o - da da c.ultw:a-angl~~ nica imposta a uma
f~ a de crianças que, por razões li~ das à opa~idadeaa ortografiã e às ;('
condições de seuensino, permaneceriam_na ca11da do pelojão. Eraldo Pau-
- - - -
lesu e seus colegas sublinham que se poderia muito bem concluir o in-
verso. Existiria em todos os países do globo uma fração de crianças cujo
patrimônio genético e neurobiológico predisporia à dislexia - mas estJ
doença universal se manifestaria de modo mais ou menos evidente c.2nfor- k
me as culturas. Ela não se tomaria um problema pediátrico importante
senão nos países cuja escrita alfabética fosse particularmente opaca e de-
mandasse um grande esforço de aprendizagem grafo-fonológica. . .
Para resolver o dilema, Paulesu pesquisou ativamente adultos italia-
nos que, em especial, haviam tropeçado em leitura, no decorrer de sua
escolaridade. Depois de haver submetido cerca de 1.200 eStlidantes teStes
estandardizados, ele reteve 18 todos embaixo na escala, que pod~nam ser
considerados como autênticos' disléxicos. Superficialmente, sua leitura era
bem
. me1hor do que a dos homólogos mgleses . ou franceses (todos eles . sa-
1
biam ler), mas relativamente aos escores dos leitores italianos n?1:11~s, e es
se situ . grupos de dislexicos em
avam tão baixo quanto cada um dos outros
relação aos SUJe1tos
· · controles on·gmanos· , · de seu próprio país. érebro
d Re stava saber se havia o que quer que
tOsse de comum no e
,. eia tão dife-
esses disléxicos italianos franceses e ingleses, e~ aparen co,nJ·unto da
rente p ' · uahzaram 0
rede. ara sabê-lo, Paulesu e seus colega~ vis a de ósitrons, enquanto
0
cerebral da leitura com a ajuda da carne~ . p nte simples que
s Pacientes e seus con~roles liam palavras sufic1enteme
262 Stanislas Dehaene

não lhes colocassem dificuldades (a situação controle consis:------


figuras geométricas que se assemelhassem às letras) . A compar:°:_ 0 lhar
disléxicos aos seus sujeitos controles colocou, em evidência um Çao dos
' a anom
lia muito clara. Toda uma p_arte do lob~ te~ E.º!.ª l esquerdo foi b a-
subativada, nos disléxicos e_isto, no mesmo local e a Ürii)r@ co~
.. tres
nos " pa1'ses (F.1gura 6 . 1) . A d espe1to · ~ - culturais de arave
· d as vanaçoes
fície, a dislexia possui, pois, mecanismos cerebrais universais ao super.
para as escntas . alfa b eucas.
, . ' menos
Um estudo muito recente recolocou em questão essas conclus~
sugerindo que o chinês poderia constituir uma exceção à regra21. A 1:
sugere que as crianças que apresentam dificuldades em aprender a ler
0
chinês se caracterizam principalmente pela subativação de outra regiã
diferente daquela de Paulesu: a região frontal média esquerda. A anomali~
se situa bem perto da "4_.r:_ejLd~ EID,er'', cuja lesão conduz a um~ ~ _
uma incapacidade para traçar as letras e as palavras bem formadas.
Deve-se, portanto, concluir, como o fazem os autores desse trabalho
que as redes da leitura e de suas patologias variam radicalmente confonne'
as culturas? Minha impressão é a de que suas conclusões necessitam ser
II}Uitíssimo-nuançadas. Com efeito, e amda ·b em que valoriz~
esse resultado, mesmo em seu estudo, se vê uma clara §Ubativação da
região ~ 0~ 12..oral_y~!).tra]_ esq~~r,da. Ela se situa a menos de 8mÍn
clãsãííó-111alias comuns aos disléxicos italianos, franceses e ingleses! A id~ia
de um mecanismo universal da leitura sai, _pois, refor~ada mai&-do que
'@1i-a que,c ida. - -
Resta agora explicar por que encontramos, além desta anomalia
comum, uma grande diferença de ativação frontal presente unicamente nos
disléxicos chineses. Parece que a dificuldade, quando se aprende a ler em
chinês, não reside tanto no nível fonológico, porém mais na memorização
de no mínimo três mil caracteres distintos. Para se ajudarem, os pequenos
cl:!m.e ses _utilizam uma memórja motriz do tra~ o dos-~aracteres. P~de-~e,
então, supor, que as crianças que fossem atingiélas por uma desorgaruzaçao
precoce da região de Exner, implicada nos gestos da escrita, sofreriam de
dificuldades de leitura particulannente salientes em chinês. .
Assim, mesmo se a leitura empreste d e todas as culturas vias
' \ anatômicas idên.ticas, suã vUinerahili<:fude à patolo gia poderia dife:i~: os
CIÍstúrbios fonÓÍógicos seriam preponderantes nas esc!:_i~ alf~~~~_s~
en quanto a dislexia "grafómotriz''-_gredom~naria nas escritas asiar~cas22
\
j 1 ~esmo se os dois subtipos e~stam ~e~ similm~Ate e__!ll todos os paises ·
• l

e
------------------------~O~s~n~e~u~rô~n~io~s~d~a~le~it~u~ra!_J2~6~a
Psicologia da dislexia

Débito sanguíneo durante a leitura


2 França Itália
Grã-Bretanha

'- Bons leitores


Adultos disléxicos
-2
Anatomia da dislexia

Densidade de matéria cinzenta na


circunvolução temporal média
O.OI

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0.02 -

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-0.Ql l.___
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Anomalia de tempo de leitura

~""'• ..... ,,.•


Camadas do córtex

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1
igu~ 6.1 lrnporta ~.----
.!.,tivação cerebr ~tes_ desorganizações corticais são com frequência observadas no cérebro dos disléxicos.
~dobo terriPorar e ª estimada pelo débito sanguíneo é anormalmente fraca nas regiões média e inferior do
(
e n,
ªtéria cinz
squerdo (ao lt cf ~ - -- - - --·- - -- -- .:::-:-:---:-:::-:-::-:-~~=
a o, . Paulesu et ai., 2001). Nas mesmas pessoas, um aumento da dens1daêle
0
; fl'leio, cf. Si;t~' correlacionada com as perturbações da leitura, é observada na região temporal média

t
alabwrda e COI bn, et ai., 2005). Nos raros casos, em que uma autópsia foi praticada (embaixo), Albert
l"l'ligrararn : 1
nsas nas reg·õ
rad
ores (1985) observaram numerosas "ectopias" - grupos desorganizados de neurônios
de sua posição normal nas camadas do córtex. Essas ectopias são particularmente
1 es l1ngu· • .
1Stícas e visuais essenciais à leitura.
~26~4~S~ta~ni~sla~s~D~e~ha~en~e'..___ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ ___

PRINCIPAL SUSPEITO: O LOBO TEMPORAL ESQUERDO

Praticamente todos os estudos de imagem cerebral da disleXia


encontram uma subativação na re ião te.IDJ2QI'al 0ste · erda nos
23
disléxicos . Essa se observa não somente no adulto, mas igualmente na
cnançaclê 8 a 12 anos, onde sua amplitude prediz a severidade das per-
turbações da leitura. Outra anomalia é, igualmente, frequente: nos dislé-
xicos, o córtex frontal jnforio~Q9 (região de Broca) é, com fre-
quência, stipe~ tivado durante a leitura, ou durante outras tarefas fono-
lógicas24. Tudo se passa como se, em compensação pela atividade muito
fraca das regiões posteriores de decodificação, o cérebro se engajasse
numa tentativa de leitura voluntária, controlada e consciente, embora
muitas vezes infrutífera.
Ao examinar com atenção as imagens de Eraldo Paulesu (Figura
6.1), distinguem-se, de fato, pelo menos duas regiões subativadas, no
cérebro dos disléxicos: o córtex temporal lateral e uma região temporal
m~ inferior que pertenceàviavisuar-yentral. É tentado~ especular -
mesmo ~se riãõ- sao senao hipóteses, agora - que a primeira subativação
represente a causa da dislexia e a segunda, sua consequência. Com efei-
to, uma das funções associadas à região temporal lateral é o tratamento
das informações fonológicas da fala (ver, por exemplo,. a Figura 2.19).
Uma anomalia muito precoce no posicionamento das redes neuronais
explicaria as perturbações fonológicas observadas nos disléxicos e nas
crianças de risco desde o primeiro ano de vida. Ela implicaria as dificul-
dades desproporcionais da çgnsciência fonêmica e, portanto, da apr~i-
do código alfabético. Essas dificuldades fonológicas, por seu tur-
no, impediriam a região occípito-temporal ventral esquerda, sede da for-
ma visual das palavras, de adquirir sua habilidade - de onde a segunda
superativação, observada nesse nível. ·
Nada exclui, naturalmente, que a região occípito-temporal seja, de
modo igual, a sede de conquistas diretas, pelo menos, em certas crianças.
Um estudo de imagem 'funcional o sugere com ênfase. Eamon McCrory e
seus colaboradores apresentaram a adultos normais ou disléxicos sejam
palavras, sejam desenhos a traç_o, pedindo-lhes que os nomeassem em
voz alta. A regiã? occípito-temporal ventral esquerda era a única a ser
fo~emente su~at1,v~da no~ disléxicos, tanto para as palavras quanto para
as imagens. Nao e 1mposs1vel, com certeza, que.a aprendizagem da leitu-
ra tenha aumentado a resposta desta região às palavras e aos desenhos
(por exemplo, porque, nos bons leitores, esta região desenvolve numero-
--------------------~Os::_n~e~ur~ôn~io~s~d~a~le,~·tu~ra~26~S
tectores neuronais de T, L, e outras junções frequent d
sos de M • , es nos e-
a rraço). as parece mais provavel - e foi esta • _
5enh os ·- . a mterpretaçao
rores _ que esta regiao tenha sido muito precocement d .
dos aU , . ·- . e esorgam-
zada nos dislexicos. Como esta regiao Joga um papel único
. , fi
1
. d- , . __
. _
, na 1igaçao
d S formas visuais a . ono ogia d
e uma lmgua, sua desorganização ·_
,. pre
coce poden~ um Impacto rnhama~ico na leitura, ao mesmo tempo em
que-um unp~c~o menor no, r.e~o ecime~to das imagens.. . --
Q_cenano d~ _u~ d~ficit du12lo, VIsual e fonológkQ, s_ai.J:tlorçado
~ i s e s âa sequencia te:llporal das ativações cerebrais rros dislé-·
xicos. A técnica da sequência da magnetoencefalografia, que mede 0
ctecirrso temporal dos campos magnéticos evocados quando O córtex se
, ativa, revelou duas anomalias sucessivas no desenrolar do reconheci-
mento das palavras.
• No seio das etapas visuais, depois de um tratamento inicial nor-
mal, os disléxicos não mostram a forte ativação occípito-tempo-
ral esquerda que, ao redor de 150 a 200ms constitui a assinatura
do reconhecimento invariante da cadeia de caracteres25• TudQ,se
p-ªssª como s~ ta região não tives~aQg~ido a ç_apacidade de
reco~ cer, em paralelo, o çÜnjunto das letras dt uma palil,:wa,. -
Õque explicaria a persistência nos disléxicos de uma enorme
influência do número de letras sobre seu tempo de leitura26•
• Num segundo tempo, depois de 200ms, enquanto os leitores nor-
mais ativam rapidamente as regiões laterais do córtex temporal
esquerdo, nos disléxicos, a atividade aparece fraca à esquerda,
mas muito irutislnrensa~na região temporoparietal direi!é!27• Po-
de:s; pensar que isto traduz a ausência de acesso rápido à fono-
logia das palavras, bem como uma estratégi~ anormal de com-
pensação pelo
"-----..: ---
...._________ ,. ·-- ---
hemisfério direito. -- -

Em resumo, a atividade funcional do cérebro dos disléxicos não é


nonnaI· ,·
, · vana.s_r_egiões-chave ••
não são suf1c1entemente at·
..idas
v tanto
~ ao
nive} da ál. - - · e - ..,-,~-ico.Mas de onde
:-:--..:.:.._anaiise visual quanto ao do tratamento 1onoiogico. ª
Provêmn,~e _ __.,-
ssas anormalidades? -~·- -~

MIGRA -
ÇOES NEURONAIS

A obs - . is provoca, como é


natur I ervaçao das ativações cerebrais anorma as da
a , a e0 1ocaçao
- com mais acmdade
. da ques t-o
ª sobre as caus
266 Stanislas Dehaene

dislexia. Por que as regiões temporais esquerdas não são ativad


/ ficientemente? Elas foram lesionadas? Mal conectadas? O défici:s s~-
de na organização macroscop1ca , · d os 1eixes
e • d e conexoes?
- Ou bem res1•
\ nível mais microscópico, nas moléculas que atapetam as memb: Uin
7 o emb nao
· - d e resposta de que disanas
r::
·
dos neurônios e de suas sinapses.
mos sugere que todas essas pistas de pesquisa poderiam conter um
\ do de verdade28 •
Comecemos pela organização anatômica do córtex e de suas cone-
xões. As técnicas estatísticas finas revelaram recentemente que a IRM
anatômica que acreditávamos normal nos disléxicos permite, de fato, de-
tectar anomalias significativas. Uma dessas técnicas consiste em quanti-
ficar em todos os pontos do cérebro a densidade de matéria cinzenta _ 0
córtex cerebral que contém as seis camadas de neurônios de nossos he-
misférios cerebrais. Submete-se, em seguida, esta medida de densidade
que estima de modo grosseiro a espessura e as pregas do córtex a uma
análise estatística que compara os pacientes com um grupo-controle.
Aplicada aos disléxicos italianos, franceses e ingleses do estudo de Eraldo
Paulesu, esta técnica revelou uma profunda desorganização na região
temporal esquerda, precisamente êm rêfaçãÕ às regiões cuja atividade é
récluzida (Figura b.l) . A análise estatística identificou as regiões onde a
matéria cinzenta era muito densa, e outros locais, todos ao lado, onde
ela era rarefeita. Os aumentos de volume do córtex eram particularmente
fortes e o distanciamento da normalidade predizia a velocidade de
leitura dos pacientes29 •
Mas por que um aumento da quantidade de matéria cinzenta se~a
deletério? A IRM macroscópica não mostra os mecanismos neurais subJa·
centes. Contudo, raros casos de adultos disléxicos, mortos por uma outra
causa, cujo ~ foi autopsiado, podem nos esclarecer.
Desdé.J.979, o neurologista americano Albert Galaburga, do Hos~
pital Beth Israel de Boston, examina o cérebro de um disléxico de 2
anos, seguindo-se, no decurso dos anos o de vários pacientes3º· Ele ?~s-
. ' · 1f1ca
cobnu numerosas "ectopias", uma palavra de origem grega que sign .d
" . nao
ue os neuron1os - estao
- em seu lugar E, um fato pouco conheci . oe
fi " · orticais 5
que, n o eto, no curso da gestação os neuron1os c , ·o
. ,.. . . ,
des1ocam a d1stanc1as cons1deraveis num vasto moVImento' . migratori
de
que os encam1n · h a ate' a zona germinal em torno dos ventnc ' ulos ' on s
eles se formam por divisão celular, até sua posição final nas diferente
camadas do córtex.
Os neurônios da feitura 267

. . ,.. e a migração dos neurônios são etapas críticas para a


A d1visao , . , b d e
,.. do cérebro - e neste instante que o cere ro o 1eto e mais
, •

boa 10 ' rrnaçaoa entes patogen1cos " . tais. como o a'Icoo1, por exemplo. Ora,
5
sensível ,ª~ ga migração neuronal parece alterada. Na autópsia, Albert
nos dislexicos, descobriu pequenos grupos d e neuron1os " · na superf'1c1e · do
Galaburdª se eles tivessem ultrapassado sua posição normal. Noutros
0
co'rteX' com camadas cort1ca1s · · ma1 formadas, \' "d·1s1as1cas
e' · " , ou 1orman
e do
lugares, bas sugeriam que os neurônios não tinham jam.a is chegado ao
·erodo ra5, . . . .
mi Enfim parecia que certos sulcos cort1ca1s haviam perdido sua
seu avo.1 ' -, ,
. ia em favorao hemisferio esquerdo que apresentam no cérebro
traindo- a espec1a. 1·1zaçao
,. , desse h em1s1eno
. C' • para o tratamento da'
no~ ,1
finguagem verbal.
Conforme Galaburda, essas anomalias são frequentes na dislexia.
sua combinação poderia explicar a miscelânea de super e subespessuras
corticais que são vistas na IRM. As ectopias, por razões desconhecidas~
concen_g:am Q,rincigalmente nemisfério esquerdo, em torno q_a~ ª reé!_s

-
mlpíicadas noJa_tamento da fala, mas igualmente na regiª9· occípito-
-temporal esquerda que joga um papel ' tão importante no reconhecimento
visual j~s__p_g!mrras (Figura 6.1). Fatiadas por neurônios mal colocados,
--- -~

essas regiões não mais funcionariam em seu nível ótimo, o que acarre-
taria déficits fonológicos e visuais sutis, com frequência transformados
em dislexia. .
J
, . Espera-se, evidentemente, que uma tal desorganização dos neu-
r~nios ,corticais tenha também um impacto negativo sobre suas cone-
~oes. E exatamente o que se observou com a IRM. Todos os estu-
os originados, no entanto, de laboratórios e de métodos diferentes su-
::e~ uma profunda alteração de feixes bem específicos de conexões,
esq: ods na _profundidade das regiões parieto-temporais do hemisfério
eroO (Figura 6 .2) 31 .
cérebro grau_de desorganização das conexões corticais nesse ponto do
.
igualment prediz os escores d e 1eitura,
. ~ somente nos d.1sIex1cos,
nao , . mas
dificil, co; no seio da população normal. Infelizmente continua muito
corticais q ª resolução espacial da IRM, isolar com precisão as áreas
anomalias ue conectam esses feixes alterados. Contudo, a posição das
subativado
· ' no hemi . st'eno
· esquerdo, justo próxima do cortex
, temporaI
reg·~
• 1ao tem
na d1slexia,
· re1orça
e ·
a hipótese de uma desconexão parc1al_ga
reg·~ • Poral
11
_ 10 es front~lis _ esqu~!da _do resto do cérebro, particularmente das
32
268 Stanislas Dehaene

Figura 6.2 As conexões corticais a longa distância estão alteradas nos disléxicos. Vários estudos indepen-
dentes mostram uma desorganização dos feixes situados na profundidade das regiões parieto-temporais do
hemisfério esquerdo (à esquerda, Klingberg et ai., 2000; à direita e embaixo, Beaulieu et ai., 2005).

A RATAZANA DISLÉXICA

Para ir mais longe, seria necessário examinar a conectividade dessas


regiões ao microscópio e sua atividade neuronal com a ajuda de micro-
eletrodos - uma pesquisa virtualmente impossível no homem. Eis orque,
para progredir na análise das bases biológicas da dislexia, Albert ª
se voltou para uma outra fonte de dados: o e§!Udo do cérebro do roedores.
Os neurônios da !Mura 269

, ideia de pesquisar as origens da dislexia no animal _


oe S absurda. os zomb~teiros,
a1da, a . 1· , ~
a ias, nao deixaram de denegrir a
po
arecer d'stúrbios da leitura na ratazana! Contudo, esta estratécna
de P rta de 1 d . 1 ; º'"
e5cob~
d u1sa m . uito inovadora con uzm a a guns dos avanços recentes
b' 1 · ... ,-1 d' 1 ·
de pe~q ificativos sobre a ~ ur9_101.agl~Ll.S...~!!~
111
ais s1~ . era reproduzir as anomalias de migração neuronal no ani-
A1de1a d .
fün de melhor compre~n ~r _os mecanb1smos e suas consequências.
111al a ectopias comparave1s aque1as o servadas no homem, Gala-
para causar s colegas mventaram
· um meto ' do ongm · · al. E1e consistia em
bllfda e seuicrorregiões do cortex , do rato. Esta mtrusao . ~
perturbava a
gelar as m a das células de suporte dos neuroruos, " . as ce'lulas "gliais", das
membran. dos papéis e, o de guiar . a migraçao
. ~ dos neuronios. " Nos ratos
quais um . ~ , .
. nregelados se cnaram entao pequenos setores ectop1cos para
assdim eneurônios migraram além de sua posição normal.
on eos 'd
Os pesquisadores em segui m?srr:aram que esta perturbação acarre-
va toda uma cadeia de consequenc1as mesperadas. Localmente, a desor-
;anização cortical induzia a desc~g~ neuronais , ~onnais que podiam
implicar a formação de um foco epileptico ou, no ffilillmo, perturbações dos
rionos do eletroencefalograma. Mais surpreendentes eram os efeitos a
grande distância das lesões iniciais. Pouco importa onde se praticassem as
lesões corticais iniciais, no córtex frontal, parietal ou occipital: todas afeta-
vam em retomo os núcleos sensoriais do tálamo, que controla o relé das
entradas visuais e auditivas. Nos ratos, cujo córtex tinha sido enregelado, as
células de tamanho grande do tálamo, que caracterizam a via dita "magno-
celular", morriam a um ritmo anormalmente elevado. Em resumo, as micro-
l~ ~am aJ11Gl=te-eelufar1iõtálamo. -- - ;
, Numa ida-e-volta muito produtiva entre seu modelo animal e o
cerebro humano, Albert Galaburda e colaboradores retomaram, então,
ªsua "biblioteca" de cérebros humanos disléxicos, onde replicaram as
observações inicialmente feitas no rato. O setor auditivo do tálamo es-
querdo
m. das p,es - iSoas d'1slex1cas
' · contm · ha mmtos
,-. --:,......,.. neuromQs_p
- ,. · ~ ~ 11Pnos e
uuo. pouc_os_corpos celulares grandes 33 • Essas anomalias
d'fi · exp11·cavam os
e cus sen . . .
cone b sanais dos disléxicos? De retomo ao animal, a mesma eqmpe
rarn e eu novos testes refinados do comportamento auditivo que revela-
enre:~alogias muito mais profundas com a espécie humana. Os ratos
ves. Eel adas tomaram-se insensíveis à ordem temporal de dois sons bre-

l
es eram·
sons_dé . . incapazes de captar uma breve interrupção numa sene e
'· d
ficns semelhantes àqueles reportados nos disléxicos.
270 Stanislas Dehaene
·
Há mais surpresas amda: to das essas anoma1ias· aparecern .
paimente nos ratos machos. Nas fêmeas, a mesma qu?ntidade ini~:ci.
lesões corticais não acarreta nem a morte celular no talamo nern d, ~e
. efic1ts
sensoriais. As manipulações hormonais mostram que era a testost
resente em maior concentração
, nos , machos que
I .amplific~rona
·"'.vª us efefto
P
das lesões sobre O ral~_mo. De novo, e uma ana og1a potencial co~ s
écie humana. ·Embora esse ponto seja controverso, a dislexia a es.
P Parece
afetar mais fortemente os homens que as mu Iheres. Se acreditás
.d d semos
no modelo animal, deveríamos espe!ar, em _re~lI a e, que as Perturb
Ções fonológicas originárias das lesoes cort1ca1s fossem tão .
frequ a-
entes
nos homens quanto nas mulheres. Contudo, no hornem, mais que na
.d
lher, elas deveriam estar associa as a outras perturbaçoes ~
sensoriais lllu.
ditivas e visuais que ainda viriam complicar a aprendizagem da leitur au.
o modelo animal fornece, assim, uma cadeia explicativa compl ª·
por certo hipotética, mas susceptível de explicar os principais traços c:t:
nitivos e anatômicos da dislexia 34• D.t.ª.§..~ ~ c9?1 ess_e cenáriQ,, ao re~r
~exto_m.,ês .da_gestação,.ªs ~erturbaço~s da !l)I&f~_Ç.?O ne~rona~e-
tam o aparecimento de ectop1as e de m1cro.:sulcos. Esse empoeirado de
mãlformaÇoes corticais concentradas sobre as áreas da linguagem vem
fragilizar as representações fonológicas que serão indispensáveis seis
anos mais tarde para a alfabetização. Em par?lelo, ele iJ!1p_lic~ ulll~as-
c~a de anomalias seçyndárias das regiões~ ensoriais do tálamo, 0 que
reduz ainda a precisão da codificação ~a~entradas auditivas e visu~
- -- -
A GENÉTICA DA DISLEXIA

Resta compreender de onde provêm, no homem, as anomalias cor-


ticais que Albert Galaburda provoca artificialmente no rato. É aqui onde
a genética joga um papel maior. Desde os anos de !22Q, Galaburda e
seus colegas procedem a um novo avanço, criando, por seleção, uma
linha de ratos que apresenta espontaneamente grande probabilidade de
sofrer ectopias corticais - um primeiro passo para a via de elucidação
dos mecanismos genéticos que controlam a migração dos neurônios.
Em paralelo, vastas bases de dados genéticos sobre a dislexia são
criados na Finlândia, no Colorado (Estados Unidos) e na Grã-Bretanha.
Articulando as informações genéticas com os resultados de múltiplos
testes psicológicos, elas permitem identificar ao menos seis grandes re-
giões do genoma humano, nos cromossomos 1 2 3 6 16 e 18 cuias va-
' ' ' ' ' ._,
Os neurônios da leitura 271

,,0 coill frequência associadas


- ---::.:: . o estudo d e famír
à dislexia
-
·aJltes sa . vàf!OS membros foram atingidos pela dislexi . ias
t1 cuJos .- . 1. d a pernute afi-
Íl'Ía11âes a1· ação das regioes 1mp 1ca as, de sone que em
õ' loC 1z • • • , 2003 , uma
nar.ª finlandesa apresenta o _pnmerro candidato sério, 0 gene DYXICI
equipe mo 1s. Desde entao, as descobenas não cessam d
mosso .d .fi d ,.. e se ace1e-
no_cro 2004 e 2005, foram 1 entl ca os tres outros genes de susceptibi-
ra!· em, dislexia, respondendo aos doces nomes de KIM03 19 DCDC
2
Jidade ª dois no cromossomo 6) e ROBOI (no cromossomo 3 ) ;s
(todospor os que tantos genes ?. Sem d uvi ' ºda po~que todos contribuem, · de
rto ou de longe, para as complexas . _operaçoes de posicionamento d os
pe·_....Anios CQlli.~is nas n!!merosas reg1oes essenciais_àJ eitµra. A constru-
n ~a rede tão complexa .se aparenta com a de um arranha-céu:
: necessárias dezenas de arquitetos e empreendedores e basta que um
0
dentre eles cometa um erro para comprometer o conjunto da obra. Por
rto cada arquiteto trabalha noutros projetos, assim como nenhum ge-
ce é 'inteiramente dedº1cad o a' 1e1tura
ne · ou mesmo a' fonologia - aliás, va-
riantes de todos os genes citados a.QI!!.~X!§,!g.nJ...w:>uatos! Contudo, cer-
tos intervenientes jogam um papel verdadeiramente essencial na ossatu-
ra mesma do edifício ou na pedra angular. Se o edifício for frágil - e é o
caso da leitura de uma escrita alfabética -, todo erro de uma parte pode
conduzir ao desmoronamento.
No caso da leitura, a pedra angular parece ser a..mi&!:a ão harmoniosa
dos -
. n~ôl!i~ corticais em - direção à região temporal esquerda e seu posi-
-
~ ento em conexão com as regiões visuais e lingu,ís~ as. E um canteiro
. -
m~to delicado: para guiar os neurônios que viajam da região ventricular
, ______,

ate O destino final, posicionam-se, em primeiro lugar, andaimes formados


!JX)r 0~gos filamentos radiais de células gliais. Depois, cada célula glial mãe
se ~de, e suas células filhas se tomam os neurônios que virão literalmente
engatinhar ao longo da mãe até o córtex.
,,~.. .Todos os genes implicados na dislexia contribuem para este imenso
'<ll1teiro? Par ,. ·1·
,"<Uam
~. no · ª sabe-lo, Joe Lo Turco e seus inúmeros colaboradores uti i-
. .
rozn ' rato, uma técnica de interferência ARN que permite inter-
comPer, tran · ·
. sitonamente, a tradução de um gene escolhi·do, contro1ando
Utilizar
muua pre · -
, cisao onde e quando esta interferencia se pro
" · duz36 . · Ao
Illigra ..esta tecnica in utero· na zona.ventricular, no momento preciso da
1Lv.o~; 9
~eurona1, eles dex'nonstraTam que os genes DYXlCl, DCDCZ e
do sua t J~ogam todos um papel essencial na mig!:ação neui oJ!,91._Quan-
t; ractução , bl - - • ra muito lon-
c.e, o qu e oqueada os neurônios nao migram pa - . - d
.. e enge d ' . acteríst1 cos o
n ra as ectopias e outros m1cro-su1 car _,
272 Stanislas Dehaene

cérebro humano disléxico. Outros genes são implicados: o gene LISI


• ... · ·t , Por
exemplo trabalha em assoc1açao muito estre1 a com o DYXI CI e .
' ... Joga
um papel tão importante que sua perturbaçao acarreta uma lis
• ,., . (. . sen..
r
. 1
b
. d
1
\ cefalia: os hemisférios cere rais sao lSOS sem ctrcunvoluçõ
esJ
e o córtex completamente desorganiza o.
l_ o que acontece com o quarto gene, ROBOl, associado à dislexi ?
No momento em que escrevo essas linhas, seu papel não é bem conhecid~·
mas existe um homólogo nos ratos, frangos e mesmo na mosca drosófil '
nos quais ele controla a form'ãção dos dendritos e dos axôriiôs que ligá!
as metades direita e esquerda do sistema nervoso. O mesmo gene intervirá
no homem, na formação das conexões do corpo caloso que liga igualmente
os dois hemisférios, as quais, conforme veremos mais adiante poderão jo.
gar um papel essencial nos aspectos da dislexia? A pesquisa genética está
em curso e não é de duvidar que uma cadeia causal completa, desde 0
gene até o comportamento, terá lugar nos próximos decênios.

SUPERAR A DISLEXIA

A descoberta dos mecanismos neuronais e dos genéticos da disle-


xia acarretará avanços no seu suporte? Em curto prazo, isto me parece
pouco provável, porque migrações neuronais acontecem durante a gesta-
ção, num momento em que é duvidoso que uma terapia possa ser tenta-
da, seja por uma via medicamentosa clássica, seja por terapia gênica.
Impõe-se, desde agora, concluir que a dislexia restará para sempre
incurável? Quando profiro conferências sobre a leitura e suas perturba-
ções, localizo facilmente na sala os pais de crianças disléxicas. Muitos
vivem cada avanço da ciência como uma apunhalada: é seu filho a quem
1- falta massa cinzenta, em quem o córtex temporal não se ativa, cujos
eurônios migraram mal, cujos genes são diferentes ... cada uma dessas
clescobertas biológicas soa como uma condenação sem apelo.
Os professores, por seu turno, reagem com uma mistura de con·
solo e de desânimo. Quando eu lhes explico que a dislexia está associada
a anomalias do cérebro, muitos concluem que ela ultrapassa sua compe·
tência. "Como você quereria que eu, um simples professor, que mal ou
, bem já tenho que ensinar a ler as crianças normais, possa curar uma
doença do cérebro? Meu trabalho não é intervir no córtex."
Essas reações de desânimo, embora compreensíveis, são totalmente
infundadas. Na origem desses excessos de pessimismo, creio identificar
----
ao men
-
___________ _ _ __:O~s~n~eu~ro~

. .
· n~io~s~da~l~eit~ur~a~2~73

os duas ideias falsas que levantam de novo a· d


b ,
·nda os slogans so re o cerebro e seu desenvolviment O . .
freque ' . . .
, m a com mmta
o. pnme1ro
.

e s erros consiste em associar a b1olog1a a imobilismo c


dess , orno se o que
ditado pelos genes permanecesse gravado por toda vi·da no mar ,-
fosSe - .
rnore de nossos o~gam_si:nos, se~ que p~déss~mos mudar coisa alguma.
Uma metáfora sera suficiente" . d
para refuta-lo. Pensemos numa out d _
. ra oen
ça grave, co_m ~equencia e ongem genética, que afeta milhões de fran-
ceses... a miopia, que um toque de laser ou o uso de óculos bastam con-
tudo, para eliminar. Quem diz que não poderemos jamais encontr~r um
equivalente cognitivo dos óculos para a dislexia?
Quanto ao segundo erro, mais sutil, ele traduz o que eu chamaria
0 "cripto-dualis~o" ~e nossa sociedade. É a ideia de que togas ?s.~jJJ.d.as
que prestamos a cn ança, no curso das sessões de fonoaudiologia, a
reeducação, a escuta e o di~ogo não intervêm senão num nível "psicoló-
gico" bem distinto do nível cerebral. Como todas essas intervenções po-
deriam mudar o que quer que seja de uma patologia dos circuitos neu-
ronais? Contudo... como existe uma relação de identidade entre cada um ...,
de nossos pensamentos e os conjuntos de neurônios de nosso cérebro,
não podemos tocar num sem afetar o outro.
Não digo, evidentemente, que, pensando com muito vigor, podere-
mos pennitir a nossos neurônios que deixem de se multiplicar ou de
migr~r errado! Mas afirmo que a oposição das ciências da, psicolo?ia à_s (
do cerebro é desprovida de todo fundamento. Em nosso cortex, a 1mbn- j
cação dos níveis de organização é tal que toda intervenção psicológica
repercute nos circuitos neuronais até os níveis celular, sináptico, mole-
cular e vai, mesmo, modificar a expressão dos genes. Assim, não.l_ 11orque
u~a patologia se situe numa_escaj_a neurobiológica ~croscQPiC~ que ela
nao possa_ser compensada poruma intervenção psicológica.. · e vice-ver~a.
Oefeito do lítio sobre certas doenças psiquiátricas ou o tumul~o q~e in-
duzem as drogas sobre nossos estados cognitivos e afetivos estªº la par~
:s_lembrar a que ponto as pontes entre a escala molecular e ª orgam-
çao ~o pensamento podem ser poderosas e diretas. . . , .
E necessário, pois, dizer e redizer aos pais das cnanças di,slexica~
que ,a genet1ca
, • nao _ e, uma condenaçao _ à perpetm·dªde·, que o.cerebro . e
um. orgã0 Plast1co,
' -:- perpetuamente em obras, onde a experiênc1a .dita sua
1e1 tanto . - s neuronais quan-
d . quanto o gene· que as anomalias de migraçoe ', b
o
d . existem - ' ·-
, nao afetam senão pequenas reg1oes o c d órtex·' que o cere ro
ea cnança compreende milhões de circuitos re dun dantes que. podem -se
ºIrtpens .d de de mtervençao
ar um ao outro; e que, enfim, nossa capaci ª
~27~4~St~an~is~las~D~e~ha~en~e_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __

não é nula: cada aprendizagem nova modifica a expressão de nossos ge-


nes e transforma nossos circuitos neuronais. Graças aos avanços da psi-
cologia da leitura, podemos imaginar ~étodos melhores d~ aprendiza-
gem e de reeducação da leitura. Graças as proezas da neuro1magem, po-
deremos verificar em que medida esses avanços restauram efetivamente
os circuitos neuronais funcionais.
Desde uma vintena de anos, vários especialistas da leitura conce-
beram estratégias eficazes de reeducação37 • A maior parte visa ª'-aumen-
tar a consciência fonêmica com a ajuda de m · . ~ das letras e dos
~ ntam:st,"'pb~ criança palavras próximas cujo
' significado ela conhece (por exemplo, "mala" e "bala"). Mostra-se, então,
que a substituição de uma letra por outra é suficiente para passar de
uma palavra a outra. Pode-se, em seguida, explicar-lhe que a mesma
letra pode servir para escrever outras palavras como "mesa", "muro",
"mato", "medo", ou "mover". Através desses pequenos jogos, a criança
; orna progressivamente consciência ..Q.Q..fone,ma Jmj, e de sua correspon-
( dência com o grafema "m". Se a criança não entender bem os fonemas
1 mais próximos, o fonoaudiólogo, ou o computador pode apresentá-los
'~em versões exageradam~ ~ulaclas; mai-s-fáesis..d.e..cliscriminar.
Vários ingredientes essenciais contribuem para o sucesso desses
treinamentos. Existem, para começar, a duração do esforço e sua distri-
buição em sessões cotidianas intensivas e renovadas ao longo de várias
semanas. Com efeito, numerosos estudos demonstraram que a plastici-
dade cerebral no homem como no animal é maximizada pela repetição
in~ nsa de _uma JQ__esma twefa, i,ntercalad~ períodos de d~Ca~
Contudo, é também não menos importante que a reedticàçâo suscite na
criança atenção e prazer. A vigilância e a recompensa modulam, com
_efeito, a aprendizagem. Elas são associadas a certos sistemas de neuro-
medi~do_res ascendentes, particularmente a acetilcolina, cujo papel seria
o,de,md1car ao resto do cérebro a importância e a pertinência que pode-
ra ª1 haver para memorizar a situação presente (cada um conhece as
lembranças instantâneas que as experiências emocionais fortes, como 0
11 de setembro, inscrevem em nós) . A experimentação animal o prova:
q~and~ associa~o~ sistei_n~ticamente uma atividade perceptiva com ª
J at1vaçao de neuromos colmergicos, aumentamos consideravelmente o lu-

i gar alo~ado a essa tarefa no córtex3s. Por analo .a na criança, maximizar


a atençao e as emoçoes
~ ••
positivas gi '
pode amplificar a aprendizagem.
form Uma das. s rateg1as consiste em apresentar -ª-r~ Ç?Ç-ª9__sob...a.
e t ' ·
a de um Jogo no computador39. A informática fascina as crianças.
. . _ J"~ ......_,_ -...._ -·
Os neurônios da leitura 275

nta O interesse de gerar milhares de exercícios, sem lassitude e


Ela apres e .
'nimo de custo. Enfim, sobretudo, o software pode se adaptar a
° 1
codrn ~ança os mais competitivos detectaíÍlonívefâa criança e pro-
ca a cn · . . , .
automaticamente os problemas adaptados. Seu objetivo e o de in-
aquilo que o psicólogo russ~ _Lev Vygos~~ cham_ou de ~'~na proxi--
m ~ !~ndizag~~--: u~a _r~gia_o do dom1n~Q que s_e _e.rocüra ensinar
Õnde a aprendizagem é máxima porque os problemas são suficientemén1ê
difíceis para suscitar o interesse da criança, mas suficientemente fáceis
para evitar seu desestímulo. Obviamente, esta região evolui ao longo da
aprendizagem e o computador segue pari passu os progressos da criança.
Sem ser miraculoso, o impacto das reeducações cognitivas da dis-
"'---=- - ~ - ------- - ~

lexj_a é substancial-Qgpois de algumasaezenas de horasaé aprendiz11gem,


as crianças cujos escores de leitura se situavam bem abaixo da média
avançam para a parte baixa da normal (seus escores sobem 1 ou 2 do
desvio padrão). A grande maioria das crianças disléxicas pod~, assim,
. ~prender a ler, mesmo se com uma decalagem em relação às outras crian:
ças da mesma idade. Além do mais, os benefícios obtidos se mantêm por
vários anos. Em geral, a decodificação das palavras se toma muito eficaz.
Só a fluência em leitura continua a incomodar essas crianças: depois da
reeducação, elas sabem ler, mas com lentidão. Esse desvio residual poderia
se: simplesmente devido a sua experiência menor: em relação às outras
cn_anç~s, lhes faltam vários anos de experiência de leitura. Passados os
P~meiros anos, aprende-se a ler. .. lendo! É necessári.9, pois, que essas,
c?anças continuem a ler mais e mais a fim de enriquecer seu vocabulário
visual d .. e '
~s grc11emas, dos morfemas e das palavras.
. 1\ 1!Page_m _c erebral -mostra que a reeducação inte11siva prOQ!JZ dois
;e~Itos ,~aiores no cérebro: norma.liz:ação c~mpensação40 • No seio das
5
0
e: btipicas de leitura, a ativida-d e se normaliza. Lembremo-nos de que
ere dro disléxico
ativ•ct · se caracteriza principalmente por uma d'1m1nu1çao
· · ~ da
I a e na ·~ .
mente tod regiao temporal esquerda. pepois do treinaID:entR, prat1ca-
cefa1o .os os estudos, sejam com a IRM, sejam com a magnetoen-
aume!::: 0
_bservam um nftido_ ganho-de atividade nesta..reg-ião. Es~e
J,!cos. Outr pbca ~rovavelmente a ip.~ll)oria nos desempenho~ [QJ1.Pl2,-
respons, as reativações se veem igualmente na região visual ventral,
• ave} p 1 1.d .. .~
inferior e ª ent1ficação das cadeias de letras e na reg1ao frontal
' assoei d , ,
Urna região .ª a articulação (Figura 6 .3). A cada vez, parece que
norzna1 a proxima, mas não exatamente idêntica à ativada na criança
rad·1 ' ssume 0 1, ~ ·
Cais. A. . . re e. Observam-se, igualmente, compensaçoes mais
- atIVIdade
___ _ cere b ral aumenta notadamente nas regioes. - s1metn-
. , .
276 Stanislas Dehaene

cas do hemisfério direito. Sem dúvida, essas regiões comportam circuitos


i nti"ctos suficientemente próximos da função requisitada para serem
reciclados para a leitura.
Crianças normais Disléxicos antes do teinamento

Diferença antes e depois do treinamento

-- ~ alll......
't,111111:11114

,~~"ti ., .

. , irna
Figura 6.3 Uma reeducação intensiva pelo computador permite restaurar uma ati.~ _
çtade c~ @l~ças
d ·
as crianças d. '. · . As ·imagens mostram as regiões cerebrais ativa
• d as quando as cn rais e
· 1gam se d uas 1etras rimam.
· · do treinamento,
· ·- s ternP 0
JU Depois a atividade se posiciona em regioe , . direito,
parietais próximas, mas não idênticas às observadas na criança normal. Outras regiões do hemisfeno
não visíveis na imagem, mostram igualmente um ganho de atividade (cf. Temple et ai., 2003).
-
Os neurônios da leitura 277

Em definitivo, é uma grande mensagem de esperança que emerge


desses trabalhos. _Em alguns decênio~ a análi~e da dislexia permitiu com-
reender O coraçao - uma perturbaçao fonologica -, os mecanismos neu-
~onais e as maneiras de lhe aportar a reabilitação. Restam, contudo, nu-
merosas interrogações que constituem outros tantos canteiros para os
anos vindouros. Todas as dislexias têm a mesma origem? Podemos carac-
terizar mais finamente a patologia de cada criança, a fim de afinar seu
tratamento? Enfim, deixamos de lado certas categorias de crianças que
se beneficiariam de um enfoque totalmente diferente?
Mesmo se a pesquisa dos trinta últimos anos foi dominada pela hi-
pótese fonológica, algumas dissensões procedem. É surpreendente, por
exemplo, constatar que um dos testes mais sensíveis/
da dislexia é a deno-
minação rápida de alga~ín<I[ ea e imag~n§, tarefll @~ não tem nada de
~ te fonológica. Através de vastos grupos de crianças, a de-
nominação rápida e as tarefas fonológicas contribuem para explicar por-
ções distintas da variância de escores de leitura - o que significa que, se
existe urna maioria de crianças nas quais predomina uma perturbação
f~nológica, noutras, a dificuldade proviria acima de tudo da automatiza-
çãôcto- elo entre visão e li_nguagem. Teremos negligenciado uma catego-
ria importante da dislexia de origem visual? -- --- -- - -

NOTAS

1 Churchill, 1930.
2 Fonte· i:;,,.,... • , ;;; d a·
· ....,..JJerttse collective de l'INSERM sur les Troubles speci 1 .ques es appren ssages,
2007.
3 ShayW·
4 Ra itz, Escobar, Shaywitz, Fletcher & Makuch, 1992.
s zomus, 2?03; Vellutino, Fletcher, Snowling & Scanlon, 2004.
6 eco1otti et al., 2005.
c.sta des b ·
rn co ena, que data do final dos anos 1970 (veJam-se, por exemp10 , L.b
i er-
u:~~ankweiler, Orlando, Harris & Berti, 1971; Bradley & Brya_n~, 978; Fischer,
rep1· n & Shankweiler 1978 · Bradley & Bryant, 1983) , foi mumeras vezes
icada e . , , . . . d
nas r ~mphada. Para referências detalhadas, veJam-se as obras gerais cita as
7 e eferenc1as
A

ast1es & e .
8 Lep a oltheart, 2004.
igua\_nen et al., 2002· Richardson Leppanen Leiwo & Lyytinen, 2oo 3 ; vejam-se
1 9 Vejarn-seunent B · ' ' '
e enasich & Tallal, 2002; Maurer, Brem, Bucher & Brandeis, 2
·
º ·03
lo Ahissar ptºr exemplo, Breier et al., 2003; Breier, Fletcher, Denton & Gr~y, 2 oo 4 .

/
, 2001-e otopapas, Reid & Mezenich 2000· Temple et al., 2000; Breier et al.,
' estnick' 200 1; Breier, Gray, Fletcher, ' '
Foorman & K1aas, 2002 ·
278 Stanislas Dehaene

11 Eden et al., 1996; Demb, Boynton & Heeger, 1997; Demb, Boynton Best & H
' eeger
1998; Demb, Boyton & Heeger, 1998. '
12 Kujala et al., 2001.
13 O fato de que o grupo de controle pareça não haver recebido nenhum treinament
particular coloca problemas, porque poderia ser que as crianças não tenham pro~
gredido em razão da atenção e do treinamento com o computador que elas re-
cebiam. Para assegurar que as crianças disléxicas tirem bom proveito da associação
abstrata entre sons e imagens, seria necessário replicar esse estudo com um plano
experimental mais rigoroso.
14 Veja-se a resenha recente de Tallal & Gaab, 2006.
15 Para um exame prévio do debate e suas questões, vejam-se Ramus, 2003; Tallal &
Gaab, 2006.
16 Nicolson, Fawcett & Dean, 2001. As anomalias anatômicas do cerebelo foram
efetivamente observadas em certos estudos de grupo de crianças disléxicas (Ecken
et al., 2002; Brambati et al., 2004). É necessário, contudo, observar que a teoria
do cerebelo não está em conflito com a hipótese fonológica da dislexia. Com
efeito o cerebelo, verdadeiro "cérebro pequeno" do cérebro, está conectado com
virtualmente todas as grandes regiões corticais e contribui para praticamente todas
as funções cognitivas, aí compreendido o tratamento da fala, da fonologia e da
língua escrita, mesmo que seu papel permanença pouco estudado.
17 Gallaburda & Livingstone, 1993; Demb et al., 1997; Demb, Boynton, Best et al.,
1998; Demb, Boynton & Heeger, 1998; Stein, 2001.
18 Ramus, Pidgeon & Frith, 2003.
19 Ramus, Rosen et al., 2003; White et al., 2006. Para uma exposição clara de uma
teoria sobre as origens visuais da dislexia, vejam-se Valdois, Bosse & Tainturier,
2004.
20 Paulesu et al., 2001
21 Siok et al., 2004. d
0
22 Concordando com essas hipóteses, existe pelo menos um caso bem document~
de uma criança bilíngue, nascida no Japão, filha de pais anglófonos, que ap~~n eu
sem dificuldade a ler o japonês, tanto em caracteres kana quanto em kanJI, mas
que sofre de uma grave dislexia no inglês (Wydell & Butterworth, 1999) · . a
23 Shaywitz et al., 1998; Brunswick, McCrory, Price, Frith & Frith, 1999; Georg~;.
et al., 1999; Temple et al., 2001; Georgiewa et al., 2002; Shaywitz et al., 2 '
McCrory, Mechelli, Frith & Price, 2005.
24 Shayw~tz et al:, 19~8;_Georgiewa et al., 1999; Georgiewa et al.,. ~002 elissen,
25 Salmelm, Service, Kiestla, Uutela & Salonen, 1996; Helenius, Tarkiamen, corn
Hansen & Salmelin, 1999.
26 Z?ccolotti _e t al., 2005. 002.
2
27 Snnos, Bre1er, Fletcher, Bergman & Papanicolaou, 2000; Simos, Fletcher et al., 006-
2
28 P~a ~esenhas recentes, vejam-se Habib, 2000; Ramus, 2004; Fi~her & Fran:~bosch,
29 Silam et al., 2005 ; para resultados parcialmente similares, veJam-se Vin que eu
~o~ichon & Eliez, 2005; Br?wn et al., 2001; Brambati et al., _2004. Me:~r que a
ms1sta sobre essas anomalias do lobo temporal, não gostaria de esco a grande
literatura sobre as anomalias anatômicas da dislexia repousa sobre um eIIlPre
complexidade na medida em que uma variedade de outras anomalias, nem s
Os neurônios da leitura 279

- - - - - - - - studo a outro, foi descrita: assimetrias do lobo temporal e do


replicada s de
. .um. eão da matéria cinzenta na reg1ao · - fronta l m
· fenor
· esquerd a, no
1 d1minu1ç . . ( . l
cerebe º: aJ. f rior e no cerebelo direito ... veJam-se, por exemp o, Brown et a.,
l
10
lobo panet t eal 2 oo3· Eckert, 2004) . Compartilho o aviso de Eraldo Paulesu
2001'. Eckert firma
e ., ' . b - " - d d .
com G. Silam, que essas o servaçoes sao ver a eiramente
1
. e e ªara a 'dislexia, enquanto sm
quando ' d rome neurolog1ca
' · e para caractenzar · a
ernnentes P - · b
P ·edade de patologia s subjacentes, mas ta1vez, ~enos mstr~t~v_as so re a ~a~r~za
van alias morfológicas que pertencem ao nucleo do def1c1t neurops1colog1co
das anom
da dislexia".
Galaburda, Sherman , Rosen, 1:boitiz & Geschwind, 1985. _ _
30
Klingberg et al. , 2000; Beauheu et al.; Deutsch et al., 2005; Sllam et al., 2005;
31
Niogi & McCand liss, 2006.
32 Paulesu et al., 1996.
33 Galaburda, Menard & Rosen, 1994.
34 Ramus, 2004.
35 Para um exame prévio desta bela invest igação genética, vejam-se Grigorenko,
2003; Fisher & Francks, 2006; Galaburda, Lo Turco, Ramus, Fitch & Rosen, 2006.
36 Meng et al., 2005; Paracchini et al., 2006.
37Veja-se, por exemplo, Torgesen, 2005.
38 Kilgard & Merzen ich, 1998.
39 Merzenich et al., 1996.
40 K ·a1 -
UJ ª er al., 2001; Simos, Fletcher et al., 2002; Temple et al., 2003; Eden et al., 2004.

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