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26 MARÇO2018 novaescola.org.br
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Keurociência
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,ocê já imaginou se fosse possível ver o "Esses achados demonstram que fatores individu-
que acontece na cabeça do seu aluno ais contribuem para a sincronia além da natureza
durante uma aula? Pois um grupo de do próprio estímulo", afirma o estudo.
pesquisadores do Departamento de Psi- Outra descoberta: a empatia entre professor e
cologia da Universidade de Nova York e de outras aluno e entre estudantes tem grande peso. Os pes-
universidades se propuseram a realizar essa faça- quisadores passaram um questionário para desco-
nha. Eles publicaram, no ano passado, os resulta- brir como eram as relações sociais. Os jovens que
dos de um estudo que observou uma sala de aula tinham mais afinidade com o professor, geral-
de um ponto de vista até pouco tempo inacessível: mente, estavam mais em sincronia do que os que
de dentro do cérebro dos participantes. possuíam menor afinidade. E mais: ela aumenta-
A turma tinha 12 alunos de Ensino Médio e um va muito quando alunos faziam contato visual
professor. Além da observação externa, os cientistas entre si e compartilhavam uma mesma tarefa.
instalaram em cada aluno e no professor um apa- Quer dizer que a neurociência descobriu que,
relho de eletroencefalograma capaz de monitorar colocando os estudantes de frente uns para os
as ondas cerebrais e enviar as informações a um outros, abolindo a aula expositiva e mantendo
computador. Ao longo de 11 dias, os pesquisadores relações de afeto com a turma, todos aprenderão
acompanharam a atividade cere- mais? Bem, não é simples assim.
bral durante quatro tipos de ativi- Os resultados dão uma pista para compreender
dades (aula expositiva, exibição de a aprendizagem, mas muitas coisas ainda são um
vídeo, leitura e discussão da maté- mistério. Afinal, essa é apenas uma pesquisa em
Quando bebês fazem sons, ria) e algumas situações de intera- um ambiente específico, e ainda há muito o que
gestos e expressões e recebem ção (olhando para o professor, fazer. O físico americano Michio Kaku, em seu
reações dos adultos, conexões olhando entre si,próximos de cole- livro O Futuro da Mente, chega a comparar a com-
são fortalecidas. O sorriso, o gas queridos e de menos próximos). plexidade do cérebro humano à do Universo. E
toque suave durante a higiene, O objetivo era avaliara intensi- acredita-se que uma série de respostas sobre quem
conversas, brincadeiras, cores
e formas são exemplos. dade da chamada sincronia: quan- somos e como aprendemos ainda estejam escon-
do os sensores apontam atividade didas nesse pequeno cosmos. Por essa razão, em-
cerebral igual ou muito seme- presas e governos têm investido cada vez mais
São desconfortos temporários lhante entre dois ou mais indiví- nessa corrida. Por exemplo: em 2013, o então
que não causam danos duos que executam uma mesma presidente dos Estados Unidos, Barack Obama,
e ajudam no desenvolvimento:
fome entre refeições, tarefa, ao mesmo tempo. Ou seja, lançou a Brain Initiative (Iniciativa cérebro, em
um machucado leve ou os cientistas queriam descobrir se tradução livre) com um orçamento de 110 mi-
o cansaço depois da escola, alunos e professores estavam "em lhões de dólares para o desenvolvimento de tec-
se rapidamente aliviados, sintonia" durante a aula. nologias capazes de aprofundar a investigação
não causam danos. A pesquisa chegou a conclusões sobre a mente humana.
interessantes. Entre as quatro ati- Mas antes mesmo desse impulso, a ciência ob-
Também chamados de estresse vidades, vídeos e discussões em teve avanços enormes na área — e em tempo mui-
tóxico, ocorrem quando a grupo geraram maior sincronia to curto: houve mais descobertas nos últimos 20
criança passa por abandono, entre os cérebros. Por outro lado, anos do que nos últimos dois séculos. A neuro-
agressões físicas e verbais ou notou-se que o método não era cientista brasileira Suzana Herculano-Houzel,
doenças graves. A ativação tudo. Estudantes com maior capa- em A Vantagem Humana, conta que até recente-
contínua de hormônios do
estresse enfraquece circuitos cidade de foco mantinham-se ali- mente a ciência trabalhava com hipóteses equi-
cerebrais. Ainda irão se sabe se nhados com o grupo e o professor, vocadas para explicar a capacidade humana de
esses danos são reversíveis. independentemente da tarefa. aprender. Pensava-se que a origem dela estava no
sinapsc conexão
forte
Tudo começa nos neurõnios, Nos primeiros anos de vida, Conexões frequentes crescem e
as células que formam o à medida que o uso dos circuitos viram permanentes e as pouco
cérebro. Os neurônios são se torna frequente, eles se usadas vão desaparecendo.
capazes de fazer sinapses, fortalecem e formam conexões Assim como um jardineiro
isto é, de se comunicarem cada vez mais rápidas e fortes. molda o crescimento das
por meio de sinais elétricos, Também ocorrem ligações entre plantas ao cortar alguns ramos,
formando os primeiros diversas regiões do cérebro, as experiências da primeira
circuitos de processamento que criam redes maiores infância definem quais circuitos
de informações. e mais complexas. crescem e quais são eliminados.
FONTES: FUNDAÇÃO MARIA CECÍLIA SOUTO VIDIGAL (FMCSV), CENTER ON THE DEVELOPING CHILD DA UNIVERSIDADE HARVARD;
UNO DE MACEDO, PROFESSOR APOSENTADO DA USE, E U U MIN, NEUROLOGISTA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNICAMP
tamanho de nosso cérebro em relação às dimen- de por meio de um processo chamado dupla de-
sões do corpo. Ele seria, proporcionalmente, mui- codificação. "Se você ensinar música e expuser o
to maior do que o de outros animais (o que não aluno a ouvi-la, ele aprende algo. Mas se além
se sustenta, pelas últimas pesquisas), mas não se disso você mostrar uma partitura, a aprendiza-
sabia sequer a quantidade de células presentes no gem é favorecida", explica Roberto. Segundo o
órgão — descoberta feita pela própria Suzana. pesquisador, isso acontece porque quanto mais
O salto da produção científica que nos permi- variados forem os estímulos (visual, auditivo, mo-
tiu conhecer melhor o funcionamento dos nossos tor, emocional...), mais redes de neurônios traba-
pensamentos ocorreu a partir da década de 1990, lharão juntas, fortalecendo as conexões.
com o uso das tecnologias de imagem. "Passamos É pela mesma razão que as emoções ajudam
a enxergar que existem áreas responsáveis por na aprendizagem. Quando uma atividade peda-
cada função e como elas interagem entre si", ex- gógica provoca alegria ou afeto, a ativação da re-
plica Li Li Min, neurologista da Faculdade de Ci- gião das emoções fortalece o processamento de
ências Médicas da Unicamp. neuroimagem informações. Esses conhecimentos ajudam a com-
também permitiu saber mais sobre o desenvolvi- preender porque os alunos analisados em Nova
mento desse órgão, que matura até os 25 anos de York tiveram maior sincronia em momentos de
idade, mas pode se modificar com o tempo", com- maior envolvimento emocional.
pleta. Outro fato já conhecido é a importância dos
primeiros anos de vida no crescimento das cone- A ciência e a sala de aula
xões, e que os estímulos externos são decisivos A grande questão que se abre a partir dos avanços
(leia nos quadros ao longo deste texto). da neurociência é qual será a contribuição efetiva
desse campo à pedagogia. Há quem vislumbre
Memória e emoções uma mudança absolutamente radical no modo
Descobriu-se, enfim, que a capacidade de apren- como aprendemos e se pei niita fazer exercícios
der não é determinada só pela anatomia (que, na que lembram a ficção científica. Michio Kaku che-
verdade, não é muito diferente da de outros ani- ga a falar em uma "internei das mentes", em que
mais) e que o cérebro não nasce pronto, mas é as habilidades e conhecimentos serão baixados
uma obra construída pelas experiências vividas pelo cérebro, como um computador faz o down-
na infância e ao longo da vida. load de um arquivo. Ou seja, um processo educa-
A capacidade de memória, por cional inteiramente focado no cérebro e quase
exemplo, fundamental para a inteiramente mediado pelas máquinas.
aprendizagem, está presente em Embora o campo da neurociência seja fértil
todos os animais mas não é sim- para a imaginação, os neurocientistas do presente
plesmente natural. "A memória não parecem dispostos a soluções como essa — e
acontece pelo fortalecimento das também não têm respostas, pelo menos por en-
conexões em rede e das sinapses quanto, para o seu papel na Educação. Charles
entre os neurônios'; explica Rober- Nelson, professor da Universidade Harvard, en-
to Lent, professor do Instituto de frenta essa questão com os futuros professores que
Ciências Biomédicas da UFRJ e frequentam suas aulas sobre neurociência. "Mos-
coordenador da Rede Nacional de tramos maneiras de identificar as crianças que,
Ciência para Educação, articulada por exemplo, não conseguem aprender a ler. Mas
é o número de neurônios
que temos no cérebro, pelo Instituto Ayrton Senna. ainda não conseguimos pensar em como transpor
segundo os últimos Além disso, já se sabe que a me- esses conhecimentos para o trabalho do professor.
cálculos científicos mória se fixa com maior facilida- Esse deve ser o próximo passo", diz.
FONTES: CENTER ON THE DEVELOPING CHILD DA UNIVERSIDADE HARVARD E LI LI MIN, NEUROLOGISTA DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNICAMP
FONTES: LIVRO DEVELOPMENTAL COGNITIEL NEUROSOENTE (NEUROCIÊNCIA COGNITIVA DO DESENVOLVIMENTO, EM TRADUÇÃO LIVRE), DE MARK H.JOHNSON E MICHELLE DE
HANN; EARTIGO LEARNING TO SEE WORDS (APRENDENDO A VER PALAVRAS, EM TRADUÇÃO LIVRE), DE BRIAN A WANDELL,ANDREAS M. RAUSCHEKER EJASON D. YEATMAN.