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Mente Curiosa - Ano 4, Nº 86 - Agosto - 2020

AO ALCANCE
DAS MÃOS
Entenda o que é o Método
Montessori, que enfatiza
liberdade, autonomia e
estímulo sensorial

ENSINO
MAIS HUMANO
Conheça a abordagem
pedagógica que modificou a
maneira de conhecer o mundo

DESENVOLVIMENTO
SAUDAVEL
´
Como a psicologia colabora para um dia a dia
mais mentalmente saudável para as crianças
editorial
Mente em
progresso
Há séculos pesquisadores desenvol- nadas ao desenvolvimento humano.
vem pesquisas científicas sobre a Nesta edição falamos sobre neurop-
mente humana e seus complexos sis- sicologia, área que estuda a relação
temas. Tantas teorias e conhecimen- entre o funcionamento cerebral e as
tos tentam explicar a relação entre funções cognitivas, e sobre os estu-
cérebro e cognição e mesmo estan- dos da evolução do conhecimento e
do longe de ter respostas definitivas, comportamento humano. Também
muito desse conhecimento ajuda trouxemos duas abordagens pedagó-
neurologistas, psicólogos e educado- gicas que estimulam a autonomia e o
res a desenvolverem e aprimorarem bem estar da criança.
técnicas de aprendizagem, raciocí- Mariane Ribeiro, redatora
nio, foco e outras funções relacio- mariane.dantas@astral.com.br

CAPA
PRODUÇÃO GRÁFICA Tácia Mota
FOTO Vectormine/ Shutterstock Images

NEUROPSICO- EVOLUÇÃO DO AO ALCANCE ENSINO MAIS


LOGIA CONHECIMENTO DAS MÃOS HUMANO
Entenda a O desenvolvimento Liberdade e Aprendizagem
relação entre do comportamento autonomia para além do
cérebro e humano incentivar o intelectual
aprendizagem desenvolvimento
infantil

sumário
NEUROPSICOLOGIA
Saiba mais sobre esta área da neurociência que
estuda a relação da cognição humana com o
funcionamento cerebral
A
pesar do nome neuropsicologia in- gem desses estudos até o Egito Antigo, por
dicar uma fusão entre os estudos volta do século 17 antes de Cristo. Tais infor-
da neurologia e da psicologia, esse mações, segundo dados históricos, encon-
campo de pesquisas tem suas pró- tram-se em um documento conhecido como
prias características. Segundo Camilla Monti Papiro de Edwin Smith, nomeado assim devido
Oliveira, psicóloga com aprimoramento e es- ao seu descobridor, um egiptologista estadu-
pecialização em neuropsicologia no contexto nidense que o adquiriu em 1862. Neste pa-
hospitalar, essa área de atuação é compre- piro, doado para o museu New York Historical
endida como “um ramo das neurociências que Society, nos Estados Unidos, encontram-se o
vai buscar compreender como ocorre a rela- que são considerados os primeiros registros
ção entre nosso cérebro e o nosso compor- sobre cirurgias da medicina.
tamento”. Assim, apenas séculos depois os estudos
da neurociência se aprofundaram na neuropsi-
FORMAÇÃO cologia, revelando vários nomes importantes
Por não ser apenas uma soma dos concei- na área, como o neurologista brasileiro nasci-
tos trabalhados na neurologia com os da psi-
cologia, a neuropsicologia se destaca como
um ramo à parte. Mesmo assim, esse estu-
do não existe enquanto graduação espe-
cífica em faculdades, mas, sim, como
especialização. “É uma área conside-
rada multidisciplinar, apesar de no
Brasil a maioria dos neuropsicólo-
gos possuírem graduação em psi-
cologia”, ressalta Camilla.

EM BUSCA
DE COMPREENSÃO
Quando se fala dos primórdios
da neuropsicologia, existem vá-
rios nomes e uma linha crono-
lógica extensa que podem ser
relacionados ao tema. Isso por-
que, apesar de o termo ter sido
utilizado pela primeira vez nas pala-
vras do médico canadense William
Osler, os registros remontam a ori-
do em São Paulo Antônio Branco Lefèvre. Em tegradas as informações dos resultados de
1950, o paulistano publicou sua tese sobre toda a avaliação e encaminhamentos sugeri-
afasia infantil, condição caracterizada pela dos”, afirma Ana.
perda da fala devido a uma lesão cerebral. Outro ponto importante é a realização do
Em sua publicação, recorreu à neuropsico- diagnóstico diferencial de possíveis transtor-
logia para estudar a ligação de tal deficiên- nos mentais ou dificuldades cognitivas. Nes-
cia cognitiva com o cérebro. sa técnica da medicina, a investigação ocorre
O nascimento desse campo de atuação, por meio da eliminação de quadros com base
como explica Monti, “relaciona-se à neces- nos sintomas do paciente para que, assim, o
-sidade encontrada por médicos de poder profissional encarregado chegue a uma con-
mensurar e buscar uma maneira de quanti- dição específica.
ficar os danos causados, a princípio, por ir- Toda essa etapa se mostra fundamental
regularidades neurológicas”. pois proporciona uma maior precisão na identi-
ficação de determinados quadros relacionados
DIAGNÓSTICO à mente, evitando a formação de estereótipos.
Uma das funções atribuídas ao profissio- Como ressalta o neurocientista pós-gradua-
nal com domínio nesta área é a avaliação do em neuropsicologia Aristides Brito, a ava-
neuropsicológica. No método, como esclare- liação ganha mais relevância por haver “uma
ce a psicóloga com especialização em neu- grande quantidade de crianças sendo diag-
ropsicologia Ana Carolina Cruz, são utilizados
“testes que analisam as funções cognitivas,
como: atenção, memória, funções executi-
vas, percepção, funções motoras, linguagem,
entre outras. Além disso, são considerados
aspectos emocionais (humor), se necessá-
“Ao avaliarmos uma
rio, e a personalidade, relacionando com
criança, aproveitamos essa
a manifestação do comportamento”. Tal
janela de desenvolvimento,
procedimento não é utilizado apenas em
que é a melhor fase para
um contexto clínico, sendo necessário
estimularmos nosso
entrevistar familiares, amigos e até o
cérebro, já que ele ainda
próprio paciente a fim de se ter uma
está em formação.
melhor perspectiva do quadro em ques-
Assim, conseguimos bons
tão. Nessa etapa são levados em con-
resultados.”
ta fatores como: histórico pessoal (em Camilla Monti Oliveira, psicóloga
casa, na escola e no trabalho, dependen- especializada em neuropsicologia
do do caso) e familiar.
“Ao final do processo, é realizado um re-
latório neuropsicológico, em que estarão in-
nosticadas como hiperativas ou depressivas
sem ter uma base mais científica”. CURIOSIDADE
Então, a partir de toda a análise, o especia- Em diferentes áreas da medicina,
lista faz o planejamento terapêutico, indican- existem casos que impressionam
do o processo seguinte da neuropsicologia: pelo diagnóstico e ganham desta-
a habilitação ou reabilitação. que em livros, filmes e documentá-
rios. E com a neuropsicologia não é
A VOLTA POR CIMA
Com todos os dados do paciente reconhe-
diferente. No livro An Odd Kind of
cidos pelo neuropsicólogo, o próximo passo é Fame (Um tipo estanho de fama, em
retomar a autonomia do indivíduo. Para tanto, tradução livre para o português), é
com as funções prejudicadas e preservadas contada a história de Phineas Gage,
delimitadas, o especialista vai indicar quais ta- um operário estadunidense que so-
refas a pessoa está apta a realizar e as que breviveu depois de, em um aciden-
precisa de estratégia para retomar. te de trabalho, ter seu cérebro e
Uma criança que apresenta uma dificulda- olho esquerdo perfurados por uma
de atencional, com agitação dentro da sala barra de metal. Após o ocorrido, o
de aula, exemplifica Ana Carolina, “memori- norte-americano começou a apre-
za minimamente o conteúdo passado pela
sentar comportamentos diferentes
professora ou tem dificuldade em escrever
suas ideias”. Com essas queixas em mente,
dos seus habituais. Devido às lesões
a psicóloga explica que o profissional preci- cerebrais e suas consequências na
sa saber dados como frequência, intensida- cognição, o quadro de Gage acabou
de e momentos das ocorrências. A partir de tornando-se exemplar para os estu-
tais informações, juntamente com a avaliação dos neuropsicológicos.
neuropsicológica e o relatório dos educadores
envolvidos, serão passadas as orientações CONSULTORIAS Ana Carolina Cruz, psicóloga com
para os pais e a escola. especialização em psicologia hospitalar pelo Hospital Israelita
Albert Einstein (HIAE), em São Paulo, e em neuropsicologia
Por ser um processo de testes personali- pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São
Paulo (FCMSCSP), especialista em neuropsicologia pelo
zado de acordo com os sinais de cada situa- Conselho Federal de Psicologia (CFP), formação em reabilitação
neuropsicológica pelo Departamento de Neurologia da
ção, os métodos traçados para a recuperação Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP)
e associada da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp
dos pacientes pode variar muito. “Por meio - www.sbnpbrasil.com.br); Aristides Brito, neurocientista com
do conhecimento do especialista, levando pós-graduação em neuropsicologia e diretor do Marca Pessoal
Treinamentos (www.minhamarcapessoal.com.br); Camilla Monti
em conta o estudo do quadro para o qual foi Oliveira, psicóloga, neuropsicóloga e supervisora clínica do
Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto–SP (HCFMRP-USP),
solicitada a avaliação, é que este vai deter- com aprimoramento e especialização em neuropsicologia no
contexto hospitalar | FOTOS Macrovector/ Shutterstock Images
minar e verificar o tempo e materiais neces- e Feelplus/ Shutterstock Images

sários para aquele caso específico”, finaliza


Camilla Monti.
Evolução do
CONHECIMENTO
Entenda do que se trata a psicologia
do desenvolvimento e sua importância
na área psicológica e educacional

R
esponsável por teorias que revolu- no estudo de epistemologia genética, Piaget
cionaram a pedagogia e a educa- derrubou visões e teorias relacionadas à apren-
ção, Jean Piaget nasceu na cidade dizagem, dando início aos estudos que, pos-
de Neuchâtel, na Suíça, no ano de teriormente, ficaram conhecidos como
1896. Especialista em psicologia evolutiva e psicologia do desenvolvimento.
As ideias do psicólogo e filósofo suíço po- como adultos. Suas descobertas, então apor-
dem ser percebidas na prática em diversos co- taram a necessidade de uma abordagem edu-
légios ao redor do mundo. Suas teorias, que cacional diferenciada ao lidar com indivíduos
analisam a formação do conhecimento e bus- da fase infantil.
cam implantar um processo inovador que for- Segundo comprovações práticas do suíço,
me cidadãos críticos e criativos nos locais de o conhecimento se dá por meio das descober-
aprendizado, defendem que o professor deve, tas que a criança faz e, no âmbito escolar, o
além de ensinar, orientar seus alunos a encon- aprendizado é uma construção do próprio alu-
trarem o caminho da aprendizagem autônoma. no. O psicólogo alterou a teoria pedagógica de
que a mente da criança é um “quadro branco”
ESTUDOS esperando ser preechido com conhecimento.
Apesar de não existir um método Piaget, o
psicólogo foi um dos nomes mais influentes na A PSICOLOGIA
área da educação na segunda metade do sé- Piaget descobriu, por meio de avaliações,
culo 20. Com formação primária em biologia, que crianças da mesma faixa etária costuma-
dedicou parte de sua vida em observar cien- vam cometer erros parecidos, o que o levou a
tificamente o processo de como acontece a pensar que o raciocínio lógico se desenvolve
aquisição de conhecimento dos seres huma- de forma gradativa. “Segundo ele, durante o
nos, especialmente na fase infantil. Suas três processo de desenvolvimento, o conhecimento
filhas tiveram importante participação para o evolui de forma progressiva por meio de estru-
desenvolvimento de suas pesquisas, que de- turas cognitivas que substituem umas às ou-
monstraram que as crianças não raciocinam tras em estágios”, explica o psiquiatra Sérgio
Lima. Assim, a psicologia do desenvolvimen-
to estuda os estágios da maturação corporal
e a interação psicossocial do ser humano,
ou seja, as mudanças e transformações que
ocorrem nos seres humanos ao longo da vida.
“Essa área de estudo da psicologia preocu-
pa-se com os aspectos dessas mudanças e, Piaget descobriu, por meio
dessa forma, contribui com uma melhor com- de avaliações, que crianças
preensão do sujeito como um todo”, completa da mesma faixa etária
a orientadora educacional Miriam da Cunha. costumavam cometer erros
parecidos, o que o levou
ASSIMILAÇÃO E ACOMODAÇÃO a pensar que o raciocínio
Com o desenvolvimento de seus estudos, lógico se desenvolve de
ficou claro para o psicólogo suíço que as forma gradativa.
crianças não raciocinavam como os adultos.
Na verdade, elas se inserem, gradualmente,
nos símbolos, regras e valores exis-
tentes em seus meios. Essa in-
serção, segundo Piaget, se dá
por dois meios: a assimilação
e a acomodação.
O primeiro mecanismo, a
assimilação, consiste em inte-
grar novos objetos ou informações
exteriores a esquemas mentais que
já existem. Por exemplo, se uma criança
tem a ideia mental de uma ave como um
animal que voa, tem pena e asas, ao
visualizar um avestruz vai ime-
diatamente assimilá-lo a um
esquema mental que não
corresponde exatamente
ao que conhece – já que
avestruzes não voam. A
acomodação, por sua
vez, trata-se da ten-
dência de ajustar-se
a novos objetos ou
informações e, dessa for-
ma, alterar a assimilação
e as ideias mentais pela influência do meio específicas, de acordo com sua faixa etária”,
externo. Seguindo o raciocínio do exemplo ci- aponta Miriam. O tipo de linguagem que um
tado acima, após aprender que avestruzes professor vai usar para ensinar uma criança
não voam, a criança adaptaria o conceito ge- será diferente da expressão usada para falar
neralizado de “aves” para incorporar as que com um jovem, por exemplo.
não voam. Além disso, para Piaget, o ato de educar
deve ser comum ao de “provocar atividade”, ou
NA PRÁTICA seja, deve ser realizado estimulando a busca
Segundo a psicóloga Mariana Marco, a psi- do saber. “Os educadores devem estimular e
cologia do desenvolvimento é aplicada em di- favorecer o exercício mental do aluno, obser-
versos contextos. “Alguns exemplos são na vando suas ações, identificando seu grau de
área educacional, em clínicas, hospitais e em- desenvolvimento e quais são seus principais
presas”, cita a especialista. O conhecimen- interesses”, esclarece Sérgio. A partir disso,
to das fases da vida e das características de ele pode reunir metodologias que estimulem
cada uma delas se torna base para inúmeras a todos alunos de forma igual, possibilitan-
intervenções, seja qual for o ambiente. do, assim, a construção do conhecimento de
No setor educacional é onde a teoria possui cada um deles.
mais aplicação, uma vez que o planejamento
do que e como ensinar implica em saber quem ESTÁGIOS DO
é o educando. “Cada aluno de uma sala de DESENVOLVIMENTO
aula percebe, compreen- Segundo Jean Piaget, a aprendizagem das
de e se comporta dian- crianças ocorre em diferentes fases da infân-
te do mundo de formas cia. Em seus estudos, o biólogo e psicólogo
suíço dividiu essas fases em quatro partes.
Confira abaixo quais são elas:
• Período sensório-motor (de zero a
dois anos): esta é a fase de desenvol-
vimento inicial da coordenação e
da relação de ordem entre
ações. A criança começa
a aprender reflexos bási-
cos; é uma fase anterior
ao domínio completo da
linguagem, desenvolven-
do à percepção de si mesmo e dos objetos à
sua volta. Segundo a orientadora educacional
Miriam da Cunha, “é o período da diferencia-
ção entre objetos e corpo”.
• Período pré-operatório (de
dois a sete anos): “a criança come-
ça a desenvolver a capacidade e o
domínio da linguagem. Inicia-se,
também, a representação do
mundo através de símbolos,
assimilando suas ações por
imagens”, explica o psiquia-
tra Sérgio Lima. Este momen-
to é famoso por ser a fase dos
por quês, quando tudo é questiona-
do ou necessita de uma explicação.
Além disso, é quando a criança apre-
senta o egocentrismo, o sentimento de
posse. Isso é latente em alguns casos,
mas é possível perceber que, nesse período,
ela é capaz de se colocar no lugar de outra
criança ou outro ser humano”, explica Sérgio.
Segundo o especialista, é considerada uma
fase muito importante na construção da per-
sonalidade da criança.
• Período das operações concretas
(de sete a 12 anos): nesta etapa, o indiví-
O conhecimento das duo está apto a aceitar o ponto de vista dos
fases da vida e das outros. Segundo Miriam, “a criança tem ca-
características de cada pacidade de classificação, agrupamento, re-
uma delas se torna paração e reversibilidade de suas ações”. A
base para inúmeras partir disso, atinge um nível cognitivo maior e
intervenções, seja qual a habilidade de discriminar o que é certo ou
for o ambiente. errado, por exemplo. “Neste momento é pos-
sível perceber, também, que a criança come-
ça desenvolver conceitos como concentração,
responsabilidades, noções de tempo, respei-
to com o próximo, organização, entre outros”,
completa Sérgio.
• Período das operações formais (de AS IDEIAS DE PIAGET
12 anos em diante): este é o período transitó- Segundo a psicóloga Mariana Mar-
rio para a forma de pensar do mundo adulto. co, a psicologia do desenvolvimen-
Como aponta Miriam, “é nesta fase que se to, além de outros fatores, “explica
forma a capacidade de raciocinar sobre hipó- porque uma sala infantil é colorida,
teses e ideias abstratas”. O indivíduo passa com cadeiras pequenas, tapetes co-
a desenvolver um pensamento mais deduti- loridos e decoração artesanal, e por-
vo, habilitando-o a experimentar o mundo de que uma sala de pré-vestibular tem
forma mais madura por meio da adoção de
pouca estimulação (como as cores,
novos conceitos. Esse estágio é importante,
por exemplo) nas paredes”. Expli-
segundo Sérgio, porque “é nele que se inicia
a introjeção de aspectos morais e da percep- ca, ainda, como diferentes gerações
ção dos valores repassados pela família, dos podem se relacionar dentro de uma
princípios que são da comunidade onde vive empresa. Para conhecer um pouco
e a construção do ideal de mudança e de co- mais sobre as ideias desenvolvidas
laboração para uma sociedade melhor”, de- em suas pesquisas, selecionamos
talha o psiquiatra. algumas citações do psicólogo e filó-
sofo Jean Piaget:
• “A principal meta da educação é
criar homens que sejam capazes de
fazer coisas novas, não simplesmen-
te repetir o que outras gerações já
fizeram. Homens que sejam criado-
res, inventores, descobridores. A se-
gunda meta da educação é formar
mentes que estejam em condições
de criticar, verificar e não aceitar
tudo que a elas propõe”.
• “O professor não ensina, mas ar-
ranja modos de a própria criança des-
cobrir. Cria situações-problemas”.
• “A inteligência é o que você usa
quando não sabe o que fazer”.

CONSULTORIAS Mariana Marco, psicóloga e mestre em


psicologia do desenvolvimento e aprendizagem; Miriam
da Cunha, orientadora educacional do ensino médio do
Colégio Poliedro; Sérgio Lima, psiquiatra e especialista em
psicologia social | FOTOS Black Jack/ Shutterstock Images,
Puresolution/ Shutterstock Images e Universidade de
Michigan (domínio público)
Ao alcance
DAS MÃOS
O método Montessori surgiu
da observação de uma médica
italiana e hoje é aplicado em
diversos países, visando a
autonomia infantil
A
médica e educadora italiana Maria cerca, seu papel nesse contexto e como me-
Montessori, nascida em 1870, en- lhorá-lo, uma vez que tudo e todos estão in-
frentou os preconceitos da época terligados. O terceiro pilar é o conhecimento
para conseguir estudar. Mesmo as- experimental, levando a criança a explorar, in-
sim, conquistou especializações em diversas dagar, criar hipóteses e testá-las.
áreas do conhecimento que resultaram no mé- Além disso, segundo a psicopedagoga San-
todo pedagógico inovador que leva seu sobre- dra Vivoni, a técnica não usa castigos, uma
nome. Naquela época, havia a crença de que vez que essa atitude constrói medo e resis-
crianças, principalmente as mais jovens, não tência – nem oferece recompensas – já que
seriam capazes de aprender. Por esse moti- aprender e poder fazê-lo sozinho é a melhor
vo, Montessori passou a vida pesquisando, retribuição. A criança tem liberdade para agir
testando e aplicando suas técnicas para pro- em condições favoráveis à vida, contudo
var que o desenvolvimento infantil existe e “não tem liberdade para algo que vai lhe
deve ser estimulado. Em poucas palavras, a fazer mal, ao próximo ou que vá danificar
teoria ensina a respeitar o pequeno e seu rit- o ambiente. Caso isso ocorra, o aluno é
mo de aprendizado, prezando pela autonomia, interrompido pelo adulto preparado e
exploração e curiosidade nessa etapa da vida. a disciplina se faz olhando-o nos
olhos, falando devagar e com fir-
CRIANDO CIDADÃOS meza”, explica Vivoni.
O método se sustenta a partir de três pila-
res principais: a autonomia, a educação cós- NA PRÁTICA
mica e a educação como ciência. O primeiro No dia a dia, um adulto
se define pela autoeducação, ou seja, deixar consegue pegar um livro
que a criança entenda seu ambiente e intera- na estante, abrir e fechar
ja com ele sem a interferência de um adulto. armários (e encontrar os
O segundo aspecto considera a compreen- produtos neles contidos)
são do pequeno em relação à natureza que o ou, ainda, manipular de for-
ma eficiente os objetos nas mãos. Podem até A interferência do adulto pode ser feita
parecer atos simples, mas a diferença é que somente quando a atividade oferecer algum
o espaço está adaptado para o seu tamanho risco à criança ou quando ela já explorou o
e necessidades. Para uma criança, pegar um suficiente aquela tarefa e está pronta para
brinquedo em cima da estante pode ser uma novos desafios.
tarefa difícil e frustrante. Por isso, o ambiente
é a chave para aplicar o método Montesso- DESENVOLVIMENTO INFANTIL
ri. Dessa forma, seja na casa ou nas esco- O método Montessori “pressupõe par-
las que utilizam a técnica, é preciso criar um tir das etapas de aprimoramento cognitivo,
local em que tudo esteja ao alcance dos pe- emocional e físico dessa fase da vida, dis-
quenos, com móveis baixos ou utensílios dis- ponibilizando atividades que otimizem o seu
postos no chão. potencial, utilizando uma abordagem mais
Além disso, o adulto que irá supervisionar natural possível e aproveitando a realidade
os exercícios deve ser “um mediador e con- em que o pequeno vive”, conceitua Lucia-
dutor da criança por suas experiências com o na Brites. Com as atividades, é possível de-
mundo, bem como fazer o indivíduo explorar senvolver pensamentos lógicos (ao resolver
atividades sensoriais e ter um perfil multidis- problemas e consertando erros), estimular
ciplinar”, explica a psicopedagoga Luciana Bri- a capacidade motora (ao explorar o ambien-
tes. Os professores ou responsáveis devem te), psicológicas (ao interagir com colegas
agir como um guia, “observando o que atrai de idades variadas e consigo mesmo), bem
ou não o interesse da criança e como ela in- como o caráter social (ao incentivar autono-
terage com os objetos”, explica Sandra Vivoni. mia e responsabilidades).
ATIVIDADES MONTESSORIANAS
Existem diversas formas de incluir espaço com uma cor diferente. Em
os benefícios do método Montessori seguida, pegue pregadores de rou-
no dia a dia da criança. Desde após o pa e escreva os nomes das cores em
nascimento até a adolescência, é pos- cada divisão (de preferência usando
sível criar atividades que estimulem a as respectivas cores) e deixe que seu
autonomia e as capacidades cogniti- filho relacione a fatia do círculo com
vas dos seus filhos. Confira algumas um pregador.
ideias fáceis e práticas:

1 Caixa sensorial
Para estimular a curiosidade e a
4 Circuito
Para estimular a capacidade mo-
tora, você pode criar trilhas para seu
capacidade de reconhecer objetos, filho em casa. Para aqueles que enga-
pegue uma caixa de papelão e corte tinham, disponha os móveis forman-
dois buracos na lateral (que encaixem do barreiras e coloque brinquedos
os braços da criança). Assim, sem ao longo do circuito. Assim, o peque-
que o pequeno possa olhar, coloque no será incentivado a ir ao próximo
objetos que ela já conheça dentro da ponto. Para os mais velhos, cole fitas
caixa e deixe que adivinhe o que são. coloridas em diversos ambientes for-
mando um caminho para que a crian-

2 Dedos na areia
Coloque em um recipiente areia
ça ande sobre ela.

colorida (própria para crianças e não


tóxicas), deixando ao lado cartões
com letras, números e imagens de
5 Quarto montessoriano
A decoração do cantinho da crian-
ça deve ser adaptada para que ela
objetos e animais para que o peque- consiga fazer tudo sozinha, ou seja,
no copie-os, desenhando com os de- a cama deve ficar a uma altura em
dos. É uma forma sensorial de ensi- que consiga subir e descer quando
nar a escrita. preferir, sem problemas. Além disso,
em vez de prateleiras altas, monte

3 Ensinando as cores
Recorte um círculo de cartolina,
divida-o em várias partes e pinte cada
estantes baixas para colocar livros e
brinquedos ao alcance das mãos do
pequeno, por exemplo.

CONSULTORIAS CONSULTORIAS Luciana Brites,


psicopedagoga do Instituto NeuroSaber de Londrina(PR);
Sandra Vivoni, psicopedagoga e professora de pedagogia
do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), no Rio de
Janeiro(RJ) | FOTOS Cienpies Design/ Shutterstock Images
Ensino
MAIS HUMANO
A abordagem Waldorf se baseia
em atividades que trabalham
para além do lado intelectual
da criança, com enfoque no
bem estar do indivíduo

A
rte e música. Esses campos pode-
riam ser facilmente encarados como
disciplinas extracurriculares em uma
escola com ensino tradicional. Po-
rém, quando se trata da pedagogia Waldorf,
isso não acontece. Esse sistema busca as-
sociar a educação à humanização dos alunos,
preparando-os não somente para questões
práticas, que envolvem a formação intelectu-
al, como também a relação com o ambiente
e com a sua formação individual.
MUDANÇAS
DE PERSPECTIVA com os mesmos alunos, para, assim, terem
Esse sistema pedagógico surgiu na Ale- um conhecimento aprofundado sobre eles”.
manha em 1919, quando o filósofo austría- O método introduzido inicia-se na educação
co Rudolph Steiner foi recrutado pela fábrica infantil e estende-se até o ensino médio. Nes-
de cigarros Waldorf-Astoria com a função de sa última fase, as matérias que constariam
formar um sistema de ensino para os filhos no processo seletivo do vestibular são minis-
dos funcionários. A partir desse pedido, uti- tradas de acordo com o método Waldorf. Al-
lizando-se da corrente filosófica antroposo- gumas distinções, como a produção de peças
fia – criada pelo austríaco – Steiner procurou teatrais, conferem o diferencial desse estilo
demonstrar como o conhecimento científico pedagógico. Marina Calache, especialista em
humano está associado a outros campos, pedagogia Waldorf, acrescenta que, por exem-
que além do intelectual, como a parte física plo, “no décimo segundo ano, o aluno esco-
e a espiritual. lhe um tema de seu interesse e o elege para
A abordagem Waldorf se reverberou no pesquisá-lo durante um ano, levando suas
continente europeu (que encontrava-se de- análises diante de uma banca examinadora”.
vastado pela Primeira Guerra Mundial, encer- A aprendizagem no sistema Waldorf com-
rada um ano antes) e hoje está associado a preende 12 anos inspirados pelas fases de
diversas instituições do mundo inteiro, inclu- formação cognitiva do ser humano. O uso
sive no Brasil, onde, segundo a Federação dos sons das palavras é uma das formas de
de Escolas Waldorf no Brasil, há mais de 80 aprimorar as potencialidades de cada aluno,
escolas de ensino ligadas a esse sistema. aderindo, portanto, ao modelo fonético de edu-
O viés antroposófico fomenta os moldes cação. Nele, os fonemas ajudam a construir o
para uma educação em que a construção processo de escrita, e uma das práticas que
do sujeito e da rotina escolar se associa à revelam tal tendência é o desenho das letras,
ideia de pensar, sentir e querer. Dentro des- o qual auxiliará no aprendizado da leitura.
sa premissa, a psicopedagoga Luciana Bri-
tes comenta que um dos primeiros passos é PAPÉIS DO EDUCADOR
o trabalho da parte física. “Chega-se às fun- E DA INSTITUIÇÃO
ções cognitivas superiores depois ter exer- O espaço é um dos pilares na formação
citado o sentido, o experimentar”, revela a pedagógica da criança. O contato com a na-
profissional. tureza está em um dos preceitos desse siste-
O processo de humanização está emba- ma e, para isso, o ambiente costuma permitir
sado na relação que a criança também es- o contato com a vegetação. Em relação ao
tabelece com o ambiente e com o professor. material, as escolas Waldorf vão na contra-
Segundo Luciana, os profissionais devem es- mão de instituições que enfatizam o poten-
tar correlacionados com os seus alunos, de cial tecnológico.
modo que acreditem nesse modelo de ensi- O método de ensino incentiva o aluno a
no. “Na escola Waldorf, os educadores cos- manter objetos tradicionais, como o caderno,
tumam acompanhar a classe por um tempo que, costuma ser o maior instrumento para
maior. Por vezes, lecionam de dois a três anos a criança. Tal fato é explicado pela au-
sência de livros didáticos. “A criança se tor-
na participante desse processo de adquirir
PRIMEIRA FACULDADE
conhecimento; seu caderno é confeccionado COM SISTEMA WALDORF
não para ser um lembrete ou um repetidor do NO BRASIL
que o professor colocou na lousa, mas para Recém-inaugurada, a faculdade
ser seu produto de conhecimento. Seu cader- Rudolph Steiner no Brasil oferece
no é também seu livro”, como explica Calache. o curso de pedagogia e se molda
Uma figura presente no corpo de funcioná- nos preceitos da corrente Waldorf
rios de instituições que seguem essa linha é para a formação dos profissionais,
o médico-pedagógico, que está presente para sendo essa marcada pelos precei-
o monitoramento da condição física de alu- tos humanísticos. Mas como isso é
nos. “Prezamos e preservamos este momen-
possível durante a graduação? As
to da vida, permitindo o aprender como um
fluxo bem natural, como o que ocorre numa
atividades vão de encontro com as
casa. Cozinhar, cantar, brincar, pintar, plantar, possibilidades de experimentação
desenhar, ouvir histórias, tudo isto é propor- com o ambiente e com o indivíduo,
cionado num ritmo impulsionador de saúde”, assim como apresentado pelo mé-
comenta a pedagoga. todo aplicado em escolas de educa-
O profissional que atua na escola Waldorf ção infantil, fundamental e média.
mune-se de alternativas que condizem com Reconhecido pelo Ministério da Edu-
a essência do sistema. O diálogo, por exem- cação, o curso não possui o intuito
plo, faz-se sempre presente na relação alu- de formar profissionais especialis-
no e professor e se estende ao contato com tas nessa corrente. As atividades
os pais.
seguem a base curricular de peda-
gogia mais tradicional no Brasil com
o acréscimo de algumas disciplinas
que possuem teor mais humanísti-
co, como a dança e a poesia.

CONSULTORIAS Luciana Brites, psicopedagoga


e cofundadora Instituto NeuroSaber; Marina
Calache, especialista em pedagogia Waldorf e
consultora pedagógica em escolas de educação
infantil e fundamental | FOTOS Macrovector/
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