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A Ciência do Aprendizado (Tradução do original)

Neurocientistas ajudam professores e pedagogos a desenvolver novas


estratégias de ensino.

Revista Scientific American - por Gehard Friedrch e Gehard Preiss*

Enquanto educadores, filósofos, psicólogos, antropólogos e sociólogos


discutem há décadas se as escolas conseguem de fato transmitir o que os
estudantes precisam para um futuro de sucesso, as neurociências têm se
mantido de fora das questões didáticas. Um paradoxo, considerando que,
afinal, o aprendizado se dá na cabeça: todo o processo é acompanhado de
alterações no cérebro. Portanto, cabe à neurobiologia fornecer a base científica
sobre a qual se poderiam erigir teorias didáticas modernas.

Foi dessa idéia que partimos há alguns anos, ao fundar uma nova disciplina: a
neurodidática. Ela procura configurar o aprendizado da melhor maneira que o
cérebro é capaz de aprender. Com frequência, porém, essa abordagem
enfrenta a resistência dos pedagogos mais voltados às ciências humanas. E,
no entanto, a ninguém ocorreria encomendar a pintores, encanadores ou
jardineiros a construção de uma casa - prescindindo do trabalho do engenheiro.
De todo modo, o fato é que, à luz das novas descobertas neurocientíficas
acerca do aprendizado, muitas das hipóteses das ciências educacionais têm se
revelado demasiado simplistas.

É o caso, por exemplo, das teses de Jean Piaget. Segundo o suíço - um dos
pais da psicologia do desenvolvimento, falecido em 1980 -, a evolução
cognitiva se dá por estágios que se sucedem de forma sistemática.
Determinadas capacidades e deficiências lógicas marcam cada uma dessas
etapas, e estas fixam fronteiras etárias para o aprendizado. Num de seus
experimentos mais famosos, Piaget verteu água de um copo largo em outro,
mais delgado, diante dos olhos de crianças em idade pré-escolar. A maioria de
seus voluntários insistiu que o copo delgado continha mais água - graças ao
nível de água mais elevado.

Piaget atribuiu essa insistência ao fato de as crianças só serem capazes de


considerar uma única dimensão, negligenciando largura e profundidade.
Concluiu que na chamada fase pré-operacional - que se estende até os 6 anos
-, elas não estariam em condições de, ao apreender o mundo, considerar e
combinar de forma sensata várias informações ao mesmo tempo. Em razão
dessa incapacidade para o raciocínio lógico, seria inútil tentar ensinar uma
criança em idade pré-escolar a fazer contas.

Nesse meio-tempo, no entanto, tornou-se voz corrente que crianças pequenas


são, sim, capazes de efetuar semelhantes operações intelectuais, contanto que
aprendam de modo apropriado a sua idade. Aos 3 anos, elas já têm senso para
relações físicas fundamentais, e podem definir velocidades associando
corretamente caminho a percorrer e tempo. Do mesmo modo, compreendem
instintivamente o princípio de Arquimedes, ou seja, um corpo flutuará só se a
densidade dele for menor que a da água.
Até mesmo bebês possuem considerável saber básico. Aos 4 meses,
distinguem entre quatro ou seis pontos desenhados numa lousa - o primeiro
passo para fazer contas. Ainda engatinhando, revelam compreensão
matemática quando ordenam seus bichos de pelúcia de acordo com a altura de
cada um. Crianças buscam sempre estender essa compreensão intuitiva, mas
de forma diferente de adultos.

"Aprender fazendo" é o princípio que rege os primeiros anos de vida. De forma


sistemática, concentrada e em geral com inabalável coerência, os cientistas
mirins efetuam experiências ou toda uma série de tentativas das quais extraem
teorias que serão corroboradas ou revistas mediante novas tentativas. Depois
de jogar para o alto pela centésima vez um tijolinho Lego - e vê-Io cair no chão
de novo -, a criança sabe que a gravidade existe, embora desconheça o
conceito. Estudos comportamentais demonstraram que os pequenos
expandem seu saber com tanto maior velocidade quanto mais puderem
experimentar por conta própria. Assim, se Piaget tivesse solicitado algumas
vezes a seus voluntários que vertessem eles próprios a água de um copo no
outro, talvez tivesse chegado a outra conclusão.

Neurobiólogos descrevem o cérebro como um sistema dinâmico que, no


nascimento, dispõe de um estoque básico de saber prévio e começa, de
imediato, a dirigir perguntas ao exterior. Desde o primeiro choro, bebês
ocupam-se de descobrir o que se passa em torno deles. Por muito tempo, deu-
se como certo que a capacidade de desempenho do cérebro - e, portanto,
também o potencial de aprendizado - era predeterminada pela genética, como
a cor dos olhos ou dos cabelos. Experimentos com animais demonstraram,
porém, que a hereditariedade define tão-somente o equipamento básico para a
construção neuronal. O fluxo das informações provenientes dos sentidos e a
interação dinâmica e constante com o meio determinarão, a seguir, como o
cérebro irá se desenvolver, isto é, o que vamos aprender e que talentos
desenvolveremos.

Logo ao nascer, todo ser humano possui centenas de bilhões de neurônios, um


número que, aliás, sofre pequena redução ao longo da vida. Nos dois primeiros
anos, crescem sobretudo as conexões mediante as quais cada célula nervosa
envia sinais a milhares de outras. Pontos especiais de contato - as sinapses -
transmitem as informações entre as diferentes células. Por intermédio de uma
quantidade superior a centenas de trilhões dessas ligações sinápticas, os
neurônios se reúnem em redes capazes de se comunicar entre si, mesmo a
distâncias maiores.

De início, surgem sinapses em profusão, uniformemente distribuídas. Quando,


porém, certos neurônios respondem a estímulos que se manifestam em
conjunto, disparando neurônios de forma sincronizada, as sinapses entre tais
neurônios se fortalecem e perduram por longo tempo.

Como um escultor que talha a pedra, dando forma a sua escultura, processos
de aprendizado modelam o cérebro dootado de sinapses em excesso. Eles
dissolvem conexões pouco utilizadas ou fortalecem as ativas e de uso
frequente. Desde o tatear inicial do bebê, passando pela fala, pelo
conhecimento pormenorizado de cada pokémon, até os vocábulos em inglês -
tudo que aprendemos altera nossa rede neuranal. Assim, o desenvolvimento
das capacidades cognitivas e o do cérebro estão vinculados um ao outro de
forma indissociável - e o mesmo se aplica à didática e às neurociências.
Apenas em conjunto, elas podem desenvolver novas estratégias de
aprendizado apropriadas às crianças, que permitam a educadores reconhecer
melhor e estimular os talentos individuais de seus alunos. E os que sabem de
que forma e segundo quais condições o cérebro se modifica durante o
aprendizado sem dúvida poderão ensinar melhor.

Embora o aprendizado jamais tenha fim, as bases do saber futuro são lançadas
em grande parte já na infância. A crença de que aquilo que não se aprende em
criança tampouco se poderá aprender quando adulto tem fundamento
neurobiológico. Afiinal, quais neurônios vão se interconectar é algo que
sobretudo os primeiros 15 anos de vida irão decidir. Por essa época, estará
constituído o diagrama básico dos circuitos formados pelas células nervosas. O
amadurecimento do cérebro estará, em grande medida, completo, e definidos
estarão, ao menos em linhas gerais, os trilhos que nortearão o pensamento
adulto. Depois disso, as redes neuronais ainda seguirão dispondo de certa
plasticidade - até idade avançada, sinapses serão fortalecidas ou
enfraquecidas por novos estímulos, experiências, pensamentos e ações, o que
nos possibilita aprender durante toda a vida -, mas, passada a puberdade, o
cérebro se deixa modelar com menos facilidade, e a formação de novas
conexões sinápticas torna-se mais rara. É por essa razão que nossa
dificuldade em reter dados novos na memória é tão maior quanto mais tardia
sua aquisição.

 Estoque de sons

É essencial estimular as sinapses tão cedo e de forma tão variada quanto


possível nas crianças - por exemplo, com o auxílio de línguas estrangeiras.
Assim, não seria insensato tocar para um bebê que ainda engatinha CDs com
histórias em inglês. Ainda que ele mal consiga entender as palavras, a mera
audição desenvolverá em diversas regiões do cérebro os canais neuronais
apropriados à aquisição posterior dessa língua. Uma delas, responsável pela
compreensão linguística, é a área de Wernicke, que diferencia sons humanos e
classifica os diversos elementos de um idioma.

Ao ouvir, o cérebro infantil está sempre à procura de padrões acústicos que


chamem sua atenção. Quando os encontra, ele os armazena na área de
Wernicke. Pouco a pouco, tem origem uma memória para os sons das palavras
do ambiente linguístico em questão. A criança que se familiarizou desde cedo
com os sons de duas línguas irá dispor, mais tarde, de um estoque mais rico
em padrões sonoros que outra criada em convívio exclusivo com a língua
materna.

No tocante à fala, a região cerebral responsável por ela é principalmente a área


de Broca, onde se desenvolve a memória para a pronúncia. Pela imitação dos
sons ouvidos, a criança aprende a ajustar suas próprias manifestações
sonoras, a diferenciá-Ias e a classificá-Ias como componentes da língua.
Graças às redes neuronais desenvolvidas em decorrência do contato com a
segunda língua, a criança já se familiariza com suas particularidades sonoras.
Quando, na escola, ela depara com as primeiras palavras em inglês, seu
cérebro pode recorrer àquele circuito. Desse modo, grava novas palavras na
memória com maior velocidade e tem mais facilidade na produção da
pronúncia correta.

Todo aquele que, desde pequeno, convive com duas línguas fixa a segunda
em redes tão estáveis que continuará dominando-a ainda que tenha deixado de
usá-Ia por décadas. Isso se aplica a outras áreas, como a dos números.
Exercícios tão lúdicos quanto a justa divisão de um bolo entre amiguinhos nas
brincadeiras cotidianas lançam as bases neuronais da compreensão
matemática.

 Contato com o mundo

O desenvolvimento do cérebro demanda, portanto, interação constante com o


mundo exterior. Neurocientistas pesquisaram a fundo essa questão no que se
refere ao nosso aparato visual. Ao nascermos, nossas conexões neuronais
relativas à visão encontram-se, grosso modo, definidas por nossa estrutura
genética. Os necessários refinamentos ocorrem, então, na interação com o
ambiente. Importância particular tem aí uma fase do desenvolvimento chamada
"período crítico". Se, durante esse período, a influência do entorno é inexistente
ou limitada, a capacidade visual se desenvolve de modo apenas parcial, ou
chega mesmo a perder-se por completo.

A fase crítica vai até o início da idade escolar. Quem, ao longo desse período,
não faz uso ativo da visão e alimenta o próprio cérebro de informações visuais,
jamais aprenderá a ver, uma vez que as conexões sinápticas necessárias não
mais poderão se constituir no futuro. Em princípio, isso se aplica também aos
processos cognitivos. A multiplicidade dos estímulos exteriores determina qual
será a complexidade das ligações entre as células nervosas e como elas se
comunicarão entre si - a própria evolução cuidou disso. É somente quando o
desenvolvimento do cérebro é determinado por aquilo que se aprendeu e
experimentou que a adaptação do nosso órgão central ao ambiente em que
vivemos se dá de forma ideal.

Que importância isso tem para a didática? Quando educação e formação dão
às crianças os estímulos intelectuais de que o cérebro precisa, as capacidades
mentais podem se desenvolver - e aprender se torna fácil. Em especial na pré-
escola, e até a 4ª série do ensino fundamental, os pedagogos com frequência
evitam educar o pensamento das crianças de forma direcionada -
provavelmente porque não desejam sobrecarregá-Ias. Mas é precisamente
entre os 3 e os 10 anos que o cérebro está sempre à procura de novo alimento,
o que, de resto, o mundo lhe oferece em abundância: a cada segundo, uma
profusão incomensurável de impressões abre caminho pela via dos sentidos.

 Roedores felizes
Contudo, nem todos esses estímulos adentram nossa percepção, ou nossas
células cinzentas logo atingiriam o limite da sua capacidade de ordenar
sensatamente tamanha quantidade de informação. Em vez disso, o que ocorre
é um constante processo de seleção a destilar a ínfima porção que tem
importância suficiente para ter acesso ao cérebro. A instância decisória é a
atenção. Ela faz com que, da imensa gama de estímulos, os órgãos dos
sentidos selecionem aqueles que devem ser processados pela consciência.
Considerando que o cérebro se interessa sobretudo pelas alterações no mundo
ao nosso redor, objetos novos, chamativos ou em movimento despertam
atenção de forma quase automática.

Tudo que é desconhecido estimula com particular intensidade as redes


neuronais e, por isso mesmo, se deposita muito facilmente na memória, como
informação. Crianças adoram surpresas, e o mesmo acontece com seu
cérebro. Isso não se limita aos ovos de chocolate e a seu conteúdo. Um
ambiente rico em variedade, capaz de despertar todo dia a curiosidade pelo
novo, conduz quase automaticamente ao aprendizado.

Todavia, por quais estímulos nos decidimos é algo que depende também de
fatores internos, e principalmente do significado que atribuímos a um evento.
Cada mensagem provinda dos sentidos faz o cérebro vasculhar a memória em
busca de informações pertinentes a ela. Reúne-se tudo que já se aprendeu ou
experimentou no passado a seu respeito. Se, por exemplo, uma nova
circunstância lembra algo interesante ou agradável, o cérebro ativa a totalidade
das redes nervosas que, de alguma forma, possam ter a ver com esse fato
novo. E aí inclui o elemento novo - já o aprendeu.

Na apreensão de estímulos exteriores, é especialmente de si mesmo que o


córtex cerebral se ocupa. A maior parte dos seus neurônios recebe sinais de
outros neurônios corticais e os retransmite apenas a células dessa mesma
região. A razão para tanto é que essas células nervosas comparam a
informação sensorial recebida com conteúdos já existentes da memória.
Quanto maior a quantidade de dados semelhantes preexistentes, tanto mais
fácil é a fixação do novo. Aprender é, pois, um processo que se auto-alimenta:
quanto mais um aluno souber de matemática ou inglês, tanto mais rapidamente
avançará nessas matérias.

Como é o cotidiano escolar? Raras vezes ele procura expandir as capacidades


preexistentes. Ao contrário, busca-se compensar odéficit resultante da
comparação entre o currículo exigido e o saber efetivo dos alunos, como a
dizer: "Se ele não compreender o cálculo integral agora, não vai atingir o
objetivo do curso". Em vez de a escola se valer das capacidades de cada um e
expandi-las, os alunos são predominantemente atormentados com suas
deficiências individuais.

A situação é ainda pior. Muitos professores ensinam suas matérias sempre da


mesma maneira. Aos alunos, resta, como último recurso, decorar os conteúdos
ensinados, em vez de aprendê-Ios. Do ponto de vista neurobiológico, faz pouco
sentido. Se o aluno não compreendeu algo bem, decorar irá fortalecer
precisamente as conexões estabelecidas de forma equivocada, pois ele
seguirá ativando-as. Dessa forma, o erro se imprimirá cada vez mais fundo no
cérebro. Para tanto, há apenas uma saída: a total modificação da metodologia
empregada na explicação. Aprender de novo é muito mais fácil que obrigar
uma rede neuronal consolidada a reaprender.

Se fracassar seguidas vezes num mesmo problema é frustrante, o sucesso no


aprendizado, por sua vez, transmite satisfação ao aluno. O próprio cérebro
cuida disso. No Centro de Pesquisas do Aprendizado e da Memória, em
Magdeburg Alemanha, os neurobiólogos Henning Scheich e Holger Stark
examinaram os neurotransmissores no córtex pré-frontal de roedores.
Verificaram então que, quando os animais desempenhavam corretamente uma
tarefa, o resultado era um nítido aumento do nível de dopamina. Esse aumento
provoca um sentimento de felicidade mediante o qual, de certo modo, o próprio
animal se recompensa.

Em conjunto com a acetilcolina (outro neurotransmissor presente no sistema


nervoso), a dopamina faz com que também o aprendiz humano queira mais.
Quando conseguimos classificar uma nova informação num contexto
preexistente - ou seja, quando aprendemos algo além do que sabíamos -,
ambas a substâncias não apenas aumentam nossa concentração como nos
fazem sentir satisfação.

'Tudo que dá alegria aprender, a memória auxilia" - disso já sabia Johann


Amos Comenius, um dos fundadores da didática, no século XVIl, e é provável
que o soubesse por experiência própria. Hoje, está cientificamente comprovado
que as emoções desempenham papel decisivo na construção da memória.
Responsável por isso é o chamado sistema límbico, estrutura cerebral por onde
passa todo sinal enviado pelos órgãos dos sentidos e possibilita toda a nossa
gama de estados emocionais - desde a raiva, a tristeza, o medo até a felicidade
e o prazer.

O sistema límbico avalia diretamente as informações, ainda antes que a


consciência possa desempenhar algum papel. É por essa razão que somos
capazes, por exemplo, de reagir instantânea e instintivamente a situações de
perigo. Mas o sistema emocional decide também que estímulos são
importantes e valiosos. Ao passar pelo córtex cerebral, toda situação é
comparada a experiências e reflexões anteriores, alcançando, então, a
consciência. Em seu conjunto, os sentimentos podem estimular o aprendizado,
intensificando a atividade de redes neuronais e fortalecendo suas conexões
sinápticas.

Informações nas quais o sistema límbico estampou um selo emocional


encravam-se no fundo da memória, e de forma bastante duradoura. Enquanto
o mero saber muitas vezes se dissipa com rapidez, os sentimentos perduram
por muito tempo. O cérebro se aproveita disso, vinculando diversos conteúdos
da memória a um mesmo matiz emocional, que, mais tarde - no aprendizado -
é reativado e facilita a integração dos elementos de uma nova situação na rede
preexistente.
Informações revestidas de colorido emocional não apenas encontram com mais
facilidade o caminho até a memória de longa duração: elas permanecem mais
acessíveis, prontas a ser evocadas. Em que grande medida sentimentos e
lembranças estão conectados é o que se pode depreender também do fato de
certos distúrbios da memória, como no mal de Alzheimer, estarem vinculados a
lesões no sistema límbico.

A neurobiologia mostra, portanto, que se aprende melhor quando o objeto do


aprendizado tem conteúdo emocional - o que, convenhamos, em se tratando
de tópicos matemáticos complicados, nem sempre é fácil. Contudo, os
educadores podem, por exemplo, embrulhar áridas fórmulas no belo papel de
presente de uma história emocionante. Muito importante é que o ambiente de
aprendizado seja emocionalmente agradável. Isso estimula a curiosidade e a
motivação dos alunos, do que se beneficiarão não somente o aprendizado,
mas o ensino, sobretudo de tópicos complexos.

Que os sentimentos exercem influência sobre percepção e atenção, isso todos


nós já observamos ao ler um livro. Há romances que simplesmente não
despertam nosso interesse. Se, contudo, o enredo faz vibrar uma corda da
emoção, mergulhamos fundo na história que, então, o sistema límbico se
encarregará de tomar inesquecível.

 Aprender brincando

O mesmo vale para a sala de aula. Se a criança apenas observa de forma


neutra o que se passa, dificilmente reterá alguma coisa na memória. Apenas os
sentimentos são capazes de transformar uma aula numa experiência pessoal,
porque nesse caso os conteúdos a aprender passarão a significar alguma coisa
para o aluno. Em decorrência disso, também o sucesso no aprendizado chega
mais rápido, acompanhado do sentimento de satisfação que recompensa o
esforço.

Emoção e motivação balizam, pois, o sistema da atenção, que decidirá que


informações serão armazenadas nos circuitos neuronais e, portanto,
aprendidas. A atenção, no entanto, funciona mal se fixada em duas coisas ao
mesmo tempo. A atividade numa rede neuronal inibe a atividade nas demais.
Assim, a altemância constante entre dois tópicos diversos em sala de aula faz
pouco sentido. Crianças precisam de tempo para a assimilação consciente de
um conteúdo a aprender. Despertado o interesse, devem ter a oportunidade de
se concentrar no assunto e de, então, se despedir dele com igual cuidado. Em
termos neurobiológicos, isso significa: aquecer, primeiro, a rede neuronal em
questão, mantê-Ia ativa e, por fim, deixá-Ia seguir trabalhando em paz.

Ainda que, em certas esferas, o cérebro seja muito superior a qualquer


supercomputador, sua capacidade de desempenho tem limitações também. O
"gargalo" parece situar-se na passagem entre as memórias de curta e de longa
duração. Toda impressão sensorial que o sistema da atenção considera
relevante deposita-se, primeiramente, na memória de curta duração. Sua
fixação mais duradoura no cérebro dependerá da intensidade da impressão
provocada nele, e de ele seguir ou não se ocupando dela. Isso demanda
alterações químicas e elétricas capazes de fortalecer os contatos sinápticos,
estabelecidos frouxamente de início. As células nervosas interconectadas vão
pouco a pouco formando um padrão de conexões sólidas que constituem a
memória de longa duração.

Contudo, esse processo sofre a perturbação das muitas informações que


chegam simultaneamente às células cinzentas. Não admira que aprendamos
com a máxima eficácia quando nos concentramos por completo num assunto.
De importância talvez ainda maior é o fator tempo. No processo de
aprendizado, muitas horas se passam até que as conexões entre as células
nerrvosas envolvidas possam de fato se estabilizar ou enfraquecer.
As neurociências ainda não são capazes de precisar com segurança quanto
tempo dura essa fase de consolidação. Mas partimos do princípio de que
pouco proveito traz martelar matéria nova na cabeça do aluno no exato
momento em que seu cérebro se empenha por consolidar o que acabou de
aprender. Se assim procedermos, os conteúdos irão se sobrepor, o que
perturbará sua fixação neuronal. O aprendizado em intervalos é, portanto,
muito mais sensato, fato ao qual a didática deveria dedicar atenção redobrada.
Durante uma breve pausa ou uma brincadeira relaxada, o cérebro infantil
poderá armazenar a matéria ensinada sem ser perturbado.

Outra dica das neurociências aos pedagogos e educadores: quanto mais


recursos forem empregados na transmissão de uma informação, tanto melhor
ela se fixará na memória de longa duração. É mais fácil aprender com a
colaboração do maior número possível de órgãos dos sentidos. Como todos os
neurônios se comunicam via sinais elétricos, tanto faz ativá-Ios mediante a
visão, o tato, a audição, o movimento ou a mera reflexão.

Decorre também do modo como o cérebro funciona aquele que é talvez o


princípio mais importante da neurodidática: permitir que as crianças aprendam
de acordo com seus dons e talentos individuais. Nessa chamada pedagogia da
competência, não é o currículo que decide o que deve ser aprendido, e sim as
capacidades individuais dos alunos. Durante muito tempo, não apenas os
cientistas da educação, mas muitos neurobiólogos acreditaram que todas as
pessoas vêm ao mundo dotadas dos mesmos requisitos para o aprendizado.
Nesse meio-tempo, porém, já se sabe que as precondições cognitivas são
dadas pela genética, sob a forma de potencial. Todavia, esse potencial só se
desenvolve mediante a interação com o mundo ao redor - ou seja, mediante o
aprendizado.

Toda criança possui um pacote próprio de possibilidades de desenvolvimento,


tem seus talentos específicos, mas também suas fraquezas individuais. Ao que
tudo indica, o sistema de busca de informações chamado cérebro sabe quais
os pontos fortes do seu dono e procura explorá-Ios e expandi-Ios com
perguntas direcionadas. A típica ânsia de saber das crianças, que por vezes
nos parece infinita, não é, pois, arbitrária e despropositada, e sim balizada por
talentos pessoais. À criança interessará mais aquilo que ela sabe melhor, e é
também sobre isso que ela fará insistentes perguntas.
Por esse motivo, a tarefa mais importante dos professores - e dos pais -
consiste em descobrir o que a criança domina melhor, o que desperta sua
curiosidade e lhe dá alegria. A escola ideal, do ponto de vista neurodidático,
ajusta os conteúdos curriculares às competências individuais dos alunos.
Somente pedagogos que conhecem as capacidades de seus alunos podem dar
ao cérebro aprendiz o alimento que ele demanda.

 Roldanas primeiro

Isso não significa ensinar às crianças apenas umas poucas matérias preferidas
e ignorar o restante. A pedagogia da competência não deseja abolir da
formação a cultura geral, e sim estimular a ânsia de saber naquelas áreas
especiais a cada criança. Ao final do ensino fundamental, todo aluno deve
saber ler, escrever e, aos 14 anos, ter uma boa noção de história. A questão é,
antes, se determinado conteúdo precisa ser necessariamente ensinado num
momento específico e já fixado, a fim de que o currículo e o objetivo de cada
série seja cumprido. Quando isso acontece, atrofiam-se os talentos e
interesses inatos. E as demais áreas do conhecimento, que tal procedimento
haveria de beneficiar, pouco ou nenhum proveito extraem daí: o êxito do
aprendizado é bloqueado tanto pela deficiência de talento quanto pela pouca
motivação.

Aprender significa também trilhar caminhos próprios, pesquisar e experimentar


coisas. Isso só é possível quando a camisa-de-força do currículo escolar não
aperta demais, e quando professores estimulam e avaliam seus alunos
individualmente. A escola precisa inspirar vontade de aprender. E essa vontade
principia em geral com a sensação de que se é capaz e, ao menos em
determinadas áreas, competente.

Além disso, quem tem confiança nas próprias capacidades consegue lidar
melhor com suas deficiências. "Com a cabeça, o coração e as mãos" - assim
deve ser o aprendiizado ideal na concepção de Johann Heinrich Pestalozzi (t
746-1827). Os resultados da pesquisa neurocientífica moderna dão razão ao
pedagogo suíço reformista. Hoje sabemos que o cérebro reúne num todo os
três aspectos: o pensamento, o sentimento e a ação. Trata-se de transmitir o
conhecimento necessário às crianças de um modo que corresponda ao do
funcionamento cerebral. Mas isso só será possível quando professores e
educadores compreenderem como transcorrem os processos de aprendizado
do ponto de vista neurobiológico. Por essa razão, as neurociências e as
ciências da educação precisam trabalhar juntas, em colaboração mais estreita.

Curiosidade, interesse, alegria e motivação são os pré-requisitos necessários


ao aprendizado do que quer que seja. São essas condições que os sistemas
educacionais deveriam criar, estimular e consolidar -, aliás, não só no ensino
fundamental, mas já antes dele. Todo ser humano quer aprender a vida inteira,
desde o momento em que nasce. Por essa mesma razão, neurodidática não
significa apenas desenvolver métodos de aprendizado que levem em conta a
neurobiologia do cérebro infantil: significa, também, acreditar na disposição de
aprender como qualidade humana fundamental. Disco, ergo sum - aprendo,
logo existo.

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