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Foi dessa idéia que partimos há alguns anos, ao fundar uma nova disciplina: a
neurodidática. Ela procura configurar o aprendizado da melhor maneira que o
cérebro é capaz de aprender. Com frequência, porém, essa abordagem
enfrenta a resistência dos pedagogos mais voltados às ciências humanas. E,
no entanto, a ninguém ocorreria encomendar a pintores, encanadores ou
jardineiros a construção de uma casa - prescindindo do trabalho do engenheiro.
De todo modo, o fato é que, à luz das novas descobertas neurocientíficas
acerca do aprendizado, muitas das hipóteses das ciências educacionais têm se
revelado demasiado simplistas.
É o caso, por exemplo, das teses de Jean Piaget. Segundo o suíço - um dos
pais da psicologia do desenvolvimento, falecido em 1980 -, a evolução
cognitiva se dá por estágios que se sucedem de forma sistemática.
Determinadas capacidades e deficiências lógicas marcam cada uma dessas
etapas, e estas fixam fronteiras etárias para o aprendizado. Num de seus
experimentos mais famosos, Piaget verteu água de um copo largo em outro,
mais delgado, diante dos olhos de crianças em idade pré-escolar. A maioria de
seus voluntários insistiu que o copo delgado continha mais água - graças ao
nível de água mais elevado.
Como um escultor que talha a pedra, dando forma a sua escultura, processos
de aprendizado modelam o cérebro dootado de sinapses em excesso. Eles
dissolvem conexões pouco utilizadas ou fortalecem as ativas e de uso
frequente. Desde o tatear inicial do bebê, passando pela fala, pelo
conhecimento pormenorizado de cada pokémon, até os vocábulos em inglês -
tudo que aprendemos altera nossa rede neuranal. Assim, o desenvolvimento
das capacidades cognitivas e o do cérebro estão vinculados um ao outro de
forma indissociável - e o mesmo se aplica à didática e às neurociências.
Apenas em conjunto, elas podem desenvolver novas estratégias de
aprendizado apropriadas às crianças, que permitam a educadores reconhecer
melhor e estimular os talentos individuais de seus alunos. E os que sabem de
que forma e segundo quais condições o cérebro se modifica durante o
aprendizado sem dúvida poderão ensinar melhor.
Embora o aprendizado jamais tenha fim, as bases do saber futuro são lançadas
em grande parte já na infância. A crença de que aquilo que não se aprende em
criança tampouco se poderá aprender quando adulto tem fundamento
neurobiológico. Afiinal, quais neurônios vão se interconectar é algo que
sobretudo os primeiros 15 anos de vida irão decidir. Por essa época, estará
constituído o diagrama básico dos circuitos formados pelas células nervosas. O
amadurecimento do cérebro estará, em grande medida, completo, e definidos
estarão, ao menos em linhas gerais, os trilhos que nortearão o pensamento
adulto. Depois disso, as redes neuronais ainda seguirão dispondo de certa
plasticidade - até idade avançada, sinapses serão fortalecidas ou
enfraquecidas por novos estímulos, experiências, pensamentos e ações, o que
nos possibilita aprender durante toda a vida -, mas, passada a puberdade, o
cérebro se deixa modelar com menos facilidade, e a formação de novas
conexões sinápticas torna-se mais rara. É por essa razão que nossa
dificuldade em reter dados novos na memória é tão maior quanto mais tardia
sua aquisição.
Estoque de sons
Todo aquele que, desde pequeno, convive com duas línguas fixa a segunda
em redes tão estáveis que continuará dominando-a ainda que tenha deixado de
usá-Ia por décadas. Isso se aplica a outras áreas, como a dos números.
Exercícios tão lúdicos quanto a justa divisão de um bolo entre amiguinhos nas
brincadeiras cotidianas lançam as bases neuronais da compreensão
matemática.
A fase crítica vai até o início da idade escolar. Quem, ao longo desse período,
não faz uso ativo da visão e alimenta o próprio cérebro de informações visuais,
jamais aprenderá a ver, uma vez que as conexões sinápticas necessárias não
mais poderão se constituir no futuro. Em princípio, isso se aplica também aos
processos cognitivos. A multiplicidade dos estímulos exteriores determina qual
será a complexidade das ligações entre as células nervosas e como elas se
comunicarão entre si - a própria evolução cuidou disso. É somente quando o
desenvolvimento do cérebro é determinado por aquilo que se aprendeu e
experimentou que a adaptação do nosso órgão central ao ambiente em que
vivemos se dá de forma ideal.
Que importância isso tem para a didática? Quando educação e formação dão
às crianças os estímulos intelectuais de que o cérebro precisa, as capacidades
mentais podem se desenvolver - e aprender se torna fácil. Em especial na pré-
escola, e até a 4ª série do ensino fundamental, os pedagogos com frequência
evitam educar o pensamento das crianças de forma direcionada -
provavelmente porque não desejam sobrecarregá-Ias. Mas é precisamente
entre os 3 e os 10 anos que o cérebro está sempre à procura de novo alimento,
o que, de resto, o mundo lhe oferece em abundância: a cada segundo, uma
profusão incomensurável de impressões abre caminho pela via dos sentidos.
Roedores felizes
Contudo, nem todos esses estímulos adentram nossa percepção, ou nossas
células cinzentas logo atingiriam o limite da sua capacidade de ordenar
sensatamente tamanha quantidade de informação. Em vez disso, o que ocorre
é um constante processo de seleção a destilar a ínfima porção que tem
importância suficiente para ter acesso ao cérebro. A instância decisória é a
atenção. Ela faz com que, da imensa gama de estímulos, os órgãos dos
sentidos selecionem aqueles que devem ser processados pela consciência.
Considerando que o cérebro se interessa sobretudo pelas alterações no mundo
ao nosso redor, objetos novos, chamativos ou em movimento despertam
atenção de forma quase automática.
Todavia, por quais estímulos nos decidimos é algo que depende também de
fatores internos, e principalmente do significado que atribuímos a um evento.
Cada mensagem provinda dos sentidos faz o cérebro vasculhar a memória em
busca de informações pertinentes a ela. Reúne-se tudo que já se aprendeu ou
experimentou no passado a seu respeito. Se, por exemplo, uma nova
circunstância lembra algo interesante ou agradável, o cérebro ativa a totalidade
das redes nervosas que, de alguma forma, possam ter a ver com esse fato
novo. E aí inclui o elemento novo - já o aprendeu.
Aprender brincando
Roldanas primeiro
Isso não significa ensinar às crianças apenas umas poucas matérias preferidas
e ignorar o restante. A pedagogia da competência não deseja abolir da
formação a cultura geral, e sim estimular a ânsia de saber naquelas áreas
especiais a cada criança. Ao final do ensino fundamental, todo aluno deve
saber ler, escrever e, aos 14 anos, ter uma boa noção de história. A questão é,
antes, se determinado conteúdo precisa ser necessariamente ensinado num
momento específico e já fixado, a fim de que o currículo e o objetivo de cada
série seja cumprido. Quando isso acontece, atrofiam-se os talentos e
interesses inatos. E as demais áreas do conhecimento, que tal procedimento
haveria de beneficiar, pouco ou nenhum proveito extraem daí: o êxito do
aprendizado é bloqueado tanto pela deficiência de talento quanto pela pouca
motivação.
Além disso, quem tem confiança nas próprias capacidades consegue lidar
melhor com suas deficiências. "Com a cabeça, o coração e as mãos" - assim
deve ser o aprendiizado ideal na concepção de Johann Heinrich Pestalozzi (t
746-1827). Os resultados da pesquisa neurocientífica moderna dão razão ao
pedagogo suíço reformista. Hoje sabemos que o cérebro reúne num todo os
três aspectos: o pensamento, o sentimento e a ação. Trata-se de transmitir o
conhecimento necessário às crianças de um modo que corresponda ao do
funcionamento cerebral. Mas isso só será possível quando professores e
educadores compreenderem como transcorrem os processos de aprendizado
do ponto de vista neurobiológico. Por essa razão, as neurociências e as
ciências da educação precisam trabalhar juntas, em colaboração mais estreita.