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AULA 1

FUNDAMENTOS DA
NEUROPSICOPEDAGOGIA

Prof. Fábio Eduardo da Silva


CONVERSA INICIAL

Seja bem-vinda(o) à disciplina de Fundamentos de Neuropsicopedagogia.


Nessas aulas você vai conhecer sobre o funcionamento do sistema
nervoso e especial do cérebro, para que possa compreender melhor tanto o
processo de desenvolvimento e aprendizado de crianças e jovens saudáveis,
como daqueles que, por razoes genéticas, socioambientais ou uma combinação
destas, não tiveram seu desenvolvimento da melhor forma possível, apresentando
necessidades especiais e diversificadas que, por um movimento cultural e
científico fantástico, passam a ser acolhidas no ensino regular.
O processo de ensino-aprendizagem ocorre na relação entre cérebros, e
compreendê-los melhor pode trazer mais luz a formas e estratégias didáticas,
voltadas tanto para alunos portadores como não portadores de necessidades
especiais.
Nesse capítulo você irá conhecer um pouco sobre o sistema nervoso, suas
células – com ênfase no neurônio – e as formas pelas quais elas se comunicam.
Vai estudar as substâncias que ajudam nessa comunicação – os
neurotransmissores – e o local onde a “mágica mais básica do cérebro” – a
sinapse – acontece. Vai explorar o sistema nervoso e suas divisões e viajar pelo
cérebro, surpreendendo-se com a complexidade de suas estruturas, desde as
mais antigas, que quase nos igualam a outros animais, até as mais recentes que
nos caracterizam como humanos. Vai descobrir um novo olhar sobre si mesma(o)
e consequentemente, sobre os aprendizes, com suas múltiplas necessidades, que
são sempre especiais! E, por fim, poderá perceber que esse olhar é inovador,
abrindo-lhe possibilidades de uma nova práxis!

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CONTEXTUALIZANDO

A capacidade de aprender é inata: nasce com todos nós e se mantém ao


longo da vida; é uma condição para a nossa sobrevivência. Ainda que tenhamos
alguns comportamentos inatos, como reflexos e instintos (ex.: sucção,
sobressalto, marcha, preensão), a maior parte de nossos comportamentos são
aprendidos e vão depender da interação com o ambiente1,4.
Alguns aprendizados não necessitam de um professor, como aprender a
falar, que ocorre na interação com outras pessoas. Porém, quando consideramos
nossas “conquistas culturais mais elaboradas”, tal como a linguagem escrita e a
sua leitura, os cálculos, os esportes e as artes, usualmente precisamos de um
instrutor e um espaço organizado18.

O aprendizado escolar é uma etapa essencial ao desenvolvimento


intelectual da criança. É na escola que ela receberá conhecimentos que
a tornaram apta a ingressar plenamente na sociedade. [...] Estamos
lidando com um momento crítico e definidor de sua vida: a construção
de competências para uma sociedade cada vez mais dependente da
tecnologia e do saber acadêmico. O fracasso escolar nas civilizações
industrializadas representa o fracasso social, devendo ser combatido por
todos aqueles interessados na construção de uma juventude saudável 18,
p.13. [...] O professor precisa conhecer melhor com o que está lidando ao

ensinar seus alunos, como eles, por vezes sem saber, agem no
desenvolvimento de seus pequeninos aprendizes, estimulando
competências ou bloqueando potenciais diante de estratégias
pedagógicas que não levam em conta a natureza do responsável pelo
aprendizado: o cérebro18, p.14.

ATENÇÃO
* Esse texto utiliza a indicação das referências bibliográficas por meio do sistema
numérico: pequenos números sobrescritos indicam a referência que pode ser
consultada ao final do documento. Quando mais de um número for indicado, cada
um deles remeterá a uma obra diferente. No caso de citações, o número indica a
obra e é seguido da indicação da(s) página(s). No exemplo acima, no último trecho
(18, p.14), temos a indicação do livro 18 nas referências, com a página 14, de
onde foi extraída a citação.

É nesse contexto que os conhecimentos e as práticas da Neuroeducação


e da Neuropsicopedagogia podem ser muito importantes. Ainda mais quando
considerarmos as crianças com necessidades educacionais especiais (NEE), as
quais devem ser atendidas preferencialmente nas escolas regulares18.
A Neuroeducação considera os conhecimentos das neurociências,
aplicando-os ao processo de ensino-aprendizagem. As neurociências reúnem um

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conjunto de disciplinas de diferentes áreas (ex. biológicas, humanas, exatas,
saúde, entre outras) que estudam o sistema nervoso, seja no nível molecular,
celular, sistêmico ou integrado, comportamental e cognitivo20, 21. A neuroeducação
é uma área interdisciplinar, que integra a educação, psicologia e neurociência.
Desenvolveu-se muito nos últimos anos e tem como principal foco otimizar o
processo de ensino-aprendizagem, que inclui compreender os distúrbios e
doenças que podem afetá-lo. A Neuropsicopedagogia inspira-se na
Neuroeducação. É conhecimento, pesquisa e ação. Foca-se no processo de
ensino-aprendizagem, buscando avaliá-lo e otimizá-lo (intervenção)14.
Como pode ser percebido, a presente disciplina tem muito a oferecer ao
seu processo de formação em Educação Inclusiva. Tenha uma ótima aventura!

TEMA 1 – SISTEMA NERVOSO, NEURÔNIO E NEUROTRANSMISSÃO,


SINAPSE & NEUROTRANSMISSORES

Para sobreviver, os seres vivos precisam perceber, interpretar e interagir


com o ambiente onde vivem. Na busca de alimentos ou de parceiros sexuais,
protegendo-se de perigos e estabelecendo e mantendo vínculos sociais que vão
mais facilmente suprir essas necessidades, os seres precisam emitir
comportamentos adaptativos eficazes. No reino animal é o sistema nervoso que
estabelece a comunicação entre o organismo e seu meio e também entre as
diversas partes internas desse mesmo organismo. E é pelo cérebro, o órgão mais
importante do sistema nervoso, que percebemos conscientemente estímulos
ambientais que nos chegam pelos sentidos sensoriais, os processamos e
elaboramos respostas adaptativas. E o mais interessante: ele trabalha em silêncio
– a maior parte de sua atividade ocorre fora de nossa consciência ou controle;
percebemos seu produto, mas não seu trabalho1, 2, 4.

1.1 Neurônio e neurotransmissão

O Sistema Nervoso (SN) é um sistema de comunicação e as suas unidades


básicas são os neurônios, células especializadas nesta finalidade, as quais se
espalham por todo o corpo formando redes informacionais. Os neurônios se
comunicam por meio de impulsos bioelétricos e sinais químicos. Eles recebem
informações de neurônios vizinhos, integram e avaliam esses sinais e os
repassam para outros neurônios, formando assim circuitos e redes de curta e
longa distância1, 2, 3.
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Eles têm formatos e tamanhos variados, conforme sua funcionalidade e
localização. Em geral são compostos de 4 regiões, um corpo celular ou soma,
dois tipos de prolongamentos – os dendritos e o axônio – e os botões terminais,
como pode ser visto na Figura 1.

Figura 1 – Neurônio

Este é o modelo clássico, porém, existem outros tipos de neurônios3,8. Os


dendritos, são pequenos prolongamentos ramificados junto do corpo celular,
aumentando o campo receptivo do neurônio; são voltados a receber informações
de outras células nervosas e repassar para o corpo celular. O maior desses
prolongamentos tem pequenas saliências – as espinhas dentríticas – que são os
receptores dos sinais que vêm de outros neurônios. O corpo celular é onde a
informação de milhares de outros neurônios é recebida e integrada. É também
onde fica a programação genética do neurônio3,10. O axônio é um prolongamento
que conduz os impulsos nervosos, repassando-os para outras células, por
ramificações ao seu final, os botões terminais. Os axônios têm diferentes
tamanhos; os menores medem apenas milímetros enquanto que os maiores
podem medir mais de um metro, como aqueles que vão da medula espinhal até o
dedão do pé. A maioria dos axônios é revestida pela bainha de mielina que acelera
sua condutividade3,6,7.

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Figura 2 - Exemplo de sinalização eletroquímica de um neurônio de dopamina

Fonte: 10, p. 47

1.2 Sinapse

É o local onde as células nervosas se comunicam umas com as outras. A


maior parte das sinapses é química (envolvendo os neurotransmissores), no
entanto algumas são apenas elétricas; nesses casos, as membranas das células
estão em contato1,3,8,9.
As sinapses são os locais de regulação do fluxo do impulso nervoso, de
natureza elétrica, e dependem de trocas iônicas nas membranas plasmáticas dos
neurônios1,6,10. Nesse local, o sinal elétrico que chega pelo axônio (pré-sináptico)
é transformado em sinal químico (nas sinapses químicas), na forma de
neurotransmissores, os quais são liberados na fenda sináptica para os receptores
dos dendritos pós-sinápticos. Como resultado o sinal poderá ser transmitido
adiante (excitado) ou impedido de seguir (inibido).

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TEMA 2 – NEUROTRANSMISSORES E CÉLULAS NERVOSAS

2.1 Neurotransmissores

Como indicado acima, as sinapses químicas implicam na presença de


neurotransmissores – substâncias que são armazenadas no neurônio pré-
sináptico e liberadas na fenda sináptica pela excitação desse neurônio, podendo
excitar ou inibir o impulso eletroquímico. Algumas drogas podem aumentar ou
diminuir a ação dos neurotransmissores, sendo chamadas de agonistas e
antagonistas, respectivamente3.

Quadro 1 – Principais neurotransmissores

Neurotransmissor Funções Observações complementares


Nicotina é agonista da ACh, podendo
Controle motor na junção entre estimular sonhos vívidos, aumentar a
nervos e músculos. Também atenção, melhorar a resolução de
Acetilcolina - ACh envolvida em processos mentais problemas e facilitar a memória. Isso ocorre
como aprender, memorizar, em fumantes, tornando mais difícil o
dormir e sonhar. abandono do vício, que tanto mal faz à
saúde
Regular os estados de excitação e afeto (sentimento) e motivar o
Monoaminas
comportamento.
Produz uma explosão de
Presente principalmente no resto do corpo,
Adrenalina energia no corpo, envolvida na
que não no cérebro.
reação de luta/fuga.
Inibir potenciais de ação, sendo
importante para manter a
Encontrada principalmente no cérebro.
atenção.
Produzida no lócus cerúleo, lesões nessa
Noradrenalina Envolvida na excitação e
estrutura reduzem a capacidade de ignorar
vigilância (vigília), também no
estímulos distrativos.
comportamento de comer e de
buscar alimentos.
Recompensa e motivação para Ligada ao vício - muitas drogas são
comportamentos importantes, agonistas da dopamina (ex. cocaína
como a sobrevivência bloqueia a reabsorção da dopamina,
Dopamina
(adaptativos). produzindo excitação e euforia
Controle motor sobre os prolongados). A falta de dopamina é
movimentos voluntários. relacionada a doença de Parkinson.
Baixos níveis de serotonina produzem
humor triste e ansioso, desejo incontrolável
Estados mentais e controle dos
de comer e comportamentos agressivos
Serotonina impulsos
LSD é estruturalmente semelhante a
Envolvida também no sonhar.
serotonina e se unindo aos receptores
ligados ao sonhar, produz alucinações
Aminoácidos Transmissores e inibitórios e excitatórios gerais no cérebro
Inibidor primário do SN – hiperpolariza as
membranas pós-sinápticas. Sem sua ação
inibidora haveria descontrole da excitação
GABA ↓ sináptica, gerando, por exemplo, crises
Inibição dos potenciais de ação
epiléticas. Drogas que afetam sistema
para manter equilíbrio sináptico.
Ácido gama- GABA são usadas para transtornos de
Ansiedade e intoxicação.
aminobutírico ansiedade, insônia e estresse. O álcool
estimula o sistema GABA, produzindo
efeito relaxante e coordenação motora
alterada.
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Intensifica os potenciais de Representa mais da metade dos neurônios
Glutamato ↑ ação, sendo importante na excitatórios, importante para iniciar e
aprendizagem e memória. manter o funcionamento cerebral.
Peptídeos
Modulam a neurotransmissão, atuam junto com outros neurotransmissores
moduladores
Importantes na aprendizagem e Drogas antagonistas produzem maior
memória, na transmissão da dor interação social, enquanto que drogas
CCK e no comportamento de agonistas reduzem a fome, aumentam a
Colecistocinina exploração social. saciedade e reduzem a interação social.
No sistema gastrointestinal
produz saciedade alimentar.
Defesa natural do corpo contra a dor, para
permitir o organismo se envolver em
atividades adaptativas importantes, mas
Associadas ao humor eufórico e que podem ser dolorosas, como o comer,
a redução da dor. competir, acasalar.
Endorfinas
Podem explicar efeito placebo sobre a dor.
Recompensa. Humor eufórico pode ser produzido por
certas atividades arriscadas como a queda
livre ou o estremo cansaço dos corredores
(barato do corredor) e outros perigos.
Pimentas picantes contém capsaisina, que
Substância P Percepção da dor
libera a substância P.
Fonte: 3, p.104-111; 10, p.52

2.2 Tipos de neurônios e células da glia

Podemos considerar três tipos básicos de neurônios: os sensoriais trazem


as informações ou estímulos sensoriais, percebidas pelos receptores periféricos,
para o Sistema Nervoso Central (SNC), chamados de aferentes, visto que
transmitem as informações do corpo para o cérebro. O contrário dos neurônios
motores (eferentes) que levam informações para fora do SNC que, como sugere
o nome, geram o movimento. Os neurônios de associação fazem conexões entre
os neurônios, integrando a atividade neural dentro de uma área restrita2,3.
Além dos neurônios, outras células que compõem o sistema nervoso
central, são chamadas de células da glia ou gliais. Nove vezes mais numerosas
que os neurônios, servem de apoio aos neurônios e atuam na comunicação,
modulando as sinapses. Existem três tipos de células gliais10: micróglias
– quando ocorrem lesões elas aumentam sua quantidade para remover os
detritos celulares da região que foi lesionada; oligodendrócitos – produzem e
envolvem os axônios em uma camada isolante elétrica – bainha de mielina – que
aumenta sua velocidade de transmissão do potencial de ação; e astrócitos – que
preenchem os espaços entre os neurônios com várias funções:

a. mantêm a barreira hematoencefálica, ligada à permeabilidade seletiva das


células;
b. regulam quimicamente o líquido extracelular;

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c. apoiam a estrutura neuronal;
d. levam nutrientes aos neurônios;
e. modulam atividade elétrica na sinapse.

TEMA 3 – DIVISÕES DO SISTEMA NERVOSO

Conforme a localização e funcionalidade, o SN pode ser dividido em


Sistema Nervoso Central (SNC), composto pelo encéfalo (cérebro, cerebelo e
tronco encefálico) e medula espinhal, e Sistema Nervoso Periférico que inclui
as demais células nervosas. Os dois sistemas funcionam de forma integrada e
interdependente. O SNP envia ao SNC informações do meio interno do organismo
(nesse caso é chamado de Sistema Nervoso Autônomo) e dos receptores que
fazem contato do organismo com o seu meio ambiente (denominado Sistema
Nervoso Somático). O SNC recebe, organiza e avalia tais informações e sinaliza
ajustes e comportamentos que devem ser feitos pelo SNP3,7.
A maioria das funções do SNC são de responsabilidade do cérebro, que
por meio de regiões específicas produz praticamente tudo o que somos e
fazemos. Suas estruturas e funções serão descritas adiante neste texto 3.
Outra parte do SNC é a medula espinal, que é um cilindro nervoso no
interior do canal vertebral, onde se conectam 31 pares de nervos, responsáveis
pela recepção de informações sensoriais periféricas e por enviar impulsos
nervosos aos órgãos efetuadores. As informações sensitivas chegam pelas raízes
posteriores, enquanto que os impulsos motores saem pelas raízes anteriores.
Assim, os nervos espinhais são funcionalmente mistos. Pela via da medula espinal
o cérebro controla todo o corpo, como os músculos e os movimentos gerados por
eles, as glândulas e os órgãos internos. Assim, se a medula for lesionada, o
cérebro perderá o contato com o corpo, não recebendo sinais dele e nem podendo
controlá-lo. A amplitude dessa perda de contato (sensação) e controle
(movimento) dependerá da altura da lesão, anestesias e paralisias, que ocorrem
abaixo do ponto de lesão; porém, os reflexos medulares permanecem intactos3,6.
O Sistema Nervoso Periférico é formado por nervos cranianos e espinhais
que conectam o SNC. Também possui gânglios nervosos, que são estruturas
periféricas, contendo aglomerado de células nervosas, com função sensorial ou
motora. Nervos sensitivos possuem um gânglio com neurônios ligados a
receptores periféricos. Existem gânglios formados por neurônios que inervam

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órgãos viscerais e fazem parte do SNA, como será visto em item próximo 3,6. O
sistema nervoso periférico possui duas divisões.
 Sistema Nervoso Somático (SNS) – por meio de receptores específicos
na pele, músculos e articulações, esse sistema recebe e envia informações
sensoriais do corpo para o cérebro (sentido aferente), via medula espinal.
Isso é feito por feixes de axônios que formam os nervos. No sentido
contrário (eferente), recebe sinais do SNC no sentido de iniciar, modular ou
inibir movimentos nos músculos, articulações e pele3.
 Sistema Nervoso Autônomo (SNA) – controla de forma automática o
ambiente interno do organismo, mantendo-o em equilíbrio (homeostase)
face às variações de estímulos internos e externos2,3. Controla também
glândulas, como as sudoríparas, e os órgãos viscerais, como o coração,
estômago, pulmões, bexiga. Os nervos do SNA levam informações
somatossensoriais do meio interno para o SNC; este, por sua vez pode
responder com dois tipos de sinais: de alerta, que repara o corpo para ação,
e de relaxamento, que reconduz o corpo ao repouso. Por exemplo, se
subitamente soa o alarme de incêndio no local onde você se encontra, em
segundos seu corpo estará pronto para a ação.

[..] o sangue flui para os músculos esqueléticos, a adrenalina é liberada


para aumentar os batimentos cardíacos e o açúcar no sangue, seu corpo
absorve mais oxigênio, você para de digerir alimento, suas pupilas se
dilatam para maximizar a sensibilidade visual, e você começa a
transpirar para se manter calmo. 3, p. 113

Esses efeitos foram produzidos pela divisão simpática do SNA, que


prepara o corpo de prontidão para reagir a eventos significativos, como alguma
situação que exija luta ou fuga. Ou seja, aumenta o nível de excitação do corpo,
o que implica em gasto extra de energia. Porém, passada a situação estressante,
o organismo precisa retornar ao seu estado anterior, visto que não é possível
permanecer neste estado de prontidão e tensão por muito tempo, pois isso levaria
a um colapso corporal. Imagine então que o alarme de incêndio era falso e logo
você descobre isso. Poderá relaxar aliviado(a) então. Seu coração voltará aos
batimentos normais, sua respiração se acalma, sua transpiração cessa e seu
sistema gastrointestinal volta a trabalhar. Esse efeito restaurador é produzido pela
divisão parassimpática do SNA, que busca assimilar e conservar a energia e
recuperar o metabolismo após uma ação simpática, produzindo repouso,
relaxamento e digestão. A maioria dos órgãos internos estão conectados e são

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controlados pelos sistemas simpáticos e parassimpáticos, como pode ser visto na
Figura 3, conforme 3, p.113.

Alarmes simpáticos não disparam apenas quando existe a possibilidade


de incêndio, ou outras situações perigosas, como um assalto, um acidente etc.
Situações positivas também podem acioná-lo, como é o exemplo da atração
sexual, ou uma notícia muito boa. Também é importante mencionar que um fato
que possa ser considerado estressante ou negativo para uma pessoa pode ser
relaxante e positivo para outra, ou seja, há uma boa dose de subjetividade na
avaliação das situações, isto é, se elas representam uma ameaça ou um benefício
ao organismo. Em adição à manutenção de estados simpáticos por longos
períodos trazem consequências graves para o organismo2,3.

O sistema nervoso simpático também pode ser ativado por estados


psicológicos, como ansiedade ou inferioridade. As pessoas que se
preocupam muito ou que não conseguem lidar com o estresse têm o
corpo em constante estado de excitação. A ativação crônica do sistema
nervoso simpático está associada a problemas médicos que incluem
úlceras, doenças cardíacas e asma. 3. p. 114

TEMA 4 – NEUROANATOMIA FUNCIONAL

Como vimos acima, o sistema nervoso central é composto pela medula e


encéfalo, e este composto pelo cérebro, cerebelo e tronco encefálico ou tronco
cerebral (Figura 3). Agora vamos observar melhor essas estruturas e suas
funções2,7,11.

Figura 3 – Tronco encefálico

Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Tronco_cerebral>.

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4.1 Tronco encefálico ou cerebral

Liga a medula espinhal ao restante do encéfalo. É composto de três


regiões: o bulbo, que é a continuação da medula espinhal e contém núcleos
nervosos responsáveis pela manutenção da respiração, deglutição, sudorese,
batimentos cardíacos, atividade vasomotora e secreção gástrica. A ponte é a
região intermediária que, com suas vias aferentes e eferentes, conecta diferentes
áreas da medula e encéfalo; e o mesencéfalo, que faz a conexão com o cérebro,
mediando informações sensoriais e corticais e auxiliando no controle motor 11.
Por meio de fibras grossas, o tronco encefálico liga-se ao cerebelo, que
fica atrás dele (local posterior). Os últimos doze pares de nervos cranianos
conectam-se com o tronco encefálico, levando informações sensitivas da cabeça
e pescoço ao SNC e trazendo impulsos nervosos aos órgãos efetuadores dessa
região6. Em síntese, tem como função11:

1. Receber aferências de diferentes regiões do corpo e controlar efetores por


meio de neurônios presentes nos núcleos dos pares de nervos cranianos;
2. Atuar como região de passagem de informações sensoriais e motoras para
o encéfalo;
3. Participar da regulação de nosso estado atencional e do ciclo de sono-
vigília.

Em complemento, o tronco encefálico contém programas básicos para a


sobrevivência, incluindo funções como respirar, engolir, vomitar, urinar e ter
orgasmo3, p.129.
A disposição da substância cinzenta e branca é semelhante à da medula
espinhal, porém, a substância cinzenta é fragmentada em núcleos, sendo alguns
sensitivos e outros motores6.
Alguns núcleos servem como interruptores, que podem ligar ou desligar a
passagem de informações, de vias que passam pelo tronco encefálico. Um destes
núcleos, a substância negra, contém neurônios escuros (daí o nome) que utilizam
a dopamina como neurotransmissor e são muito importantes no controle motor,
sendo que sua disfunção produz sintomas de Parkinson.
O tronco encefálico integra reflexos da cabeça e serve de ponte para vias
motoras e sensitivas. É uma estrutura complexa, e suas lesões desativam funções
específicas; algumas podem ser fatais, visto que nele estão os centros de controle
da frequência cardíaca e da respiração6.

012
4.2 Formação reticular

No tronco cerebral encontra-se a formação reticular, que ocupa toda parte


central do tronco encefálico, possuindo grande quantidade de fibras nervosas
dispostas em rede. Não é homogênea, possuindo vários núcleos com
características e conexões próprias. Possui conexão com todo sistema nervoso,
recebendo informações de todas as vias sensoriais, repassando-as ao tálamo e
ao córtex. Atua na ativação deste e na manutenção do estado de vigília, bem como
na regulação dos estágios do sono. Participa também no controle da motricidade
com importância na manutenção do tônus postural. Afeta ainda processos
sensoriais, podendo impedir inputs de dor, produzindo analgesia6.
Uma característica importante do tronco cerebral é sua autonomia, a qual
pode ser observada quando o tronco cerebral de um animal é dividido do cérebro
acima dele, por meio de um corte. Por exemplo, um gato que recebe esse
procedimento continua a caminhar e pode atacar se orientado por
barulhos. Quando percebe que há um alimento próximo, vai comê-lo. Bebês
nascidos sem o córtex vão expressar comportamentos extremamente básicos e
reflexos, originados no tronco cerebral3.

4.3 Cerebelo

Localiza-se atrás do tronco encefálico, ligando-se a este por fibras


nervosas. Similar ao cérebro, possui um córtex formado por substância cinzenta,
e um interior com fibras nervosas, onde se localizam seus núcleos centrais 6.
O cerebelo tem uma quantidade impressionante de células, cerca de 1/3
de todos os neurônios do SNC, o que contrasta com o resto dessa estrutura, visto
ser o local que possui mais neurônios do que qualquer outra parte do cérebro.
Contém circuitos complexos e rápidos, que controlam a motricidade e equilíbrio
corporal. Pela medula espinhal, recebe aferências sensoriais e cinestésicas de
todo corpo; do córtex recebe informações motoras e ainda integra inputs dos
órgãos vestibulares. Isso lhe permite papel importante no controle dos
movimentos, da postura e do equilíbrio corporal. Possui dois hemisférios, sendo
que cada um deles controla a musculatura do seu mesmo lado (ipselateral),
oposto do que ocorre com os hemisférios cerebrais. Ele também participa dos
movimentos delicados (motricidade fina) 6,10.

013
Lesões cerebelares não impedem a realização de movimentos, mas
podem comprometer seriamente o equilíbrio corporal, provocar
alterações no tônus postural ou dar origem a distúrbios de coordenação
motora, caracterizados pela presença de tremores, ataxia e dismetria.11

Existem ainda evidências de que esteja envolvido em várias outras


atividades, como processos cognitivos, memória, controle de impulso e também
aparece relacionado à fisiopatia do autismo, TDAH e esquizofrenia10.
Ainda que seu papel mais óbvio esteja relacionado ao aprendizado motor
não consciente, e talvez até na atividade psicológica automática, é curioso notar
que quando o cerebelo é completamente removido, em especial em jovens, estes
conseguem retomar seu funcionamento quase normal, o que sugere que essa
misteriosa estrutura pode ter se desenvolvido como apoio ao restante do
cérebro3,10.

4.4 Cérebro

Dividido em duas estruturas, o diencéfalo, com suas subestruturas, e o


telencéfalo ou prosencéfalo, composto por estruturas mais externas, o córtex
cerebral (casca) e internas ou subcorticais2,7,11.
Iniciemos pelo diencéfalo – que tem como principais estruturas o tálamo e
hipotálamo. O tálamo, mede cerca de 1 centímetro; ele recebe, processa e
retransmite praticamente todas as informações sensoriais e motoras que circulam
para o córtex e núcleos profundos11. Como um portão de entrada, ele controla o
fluxo dessas informações; por exemplo, durante o sono ele se fecha, impedindo a
passagem de informações para permitir que o cérebro descanse. O sentido do
olfato é o único que não passa por esse portão, visto ser mais antigo e
fundamental dos sentidos, tendo direção direta para o córtex3,11.
O hipotálamo é bem menor que o tálamo, algo como o tamanho de um
grão de ervilha. Ele “é a estrutura reguladora mais importante do cérebro e é
indispensável para sobrevivência do organismo”. 3, p.131

Ele é responsável por regular as funções vitais – temperatura corporal,


ritmos circadianos, pressão sanguínea e nível de glicose – e, para esses
fins, impele o organismo por meio de impulsos fundamentais como sede,
fome, agressão e sensualidade. 3, p.131

Sua principal função é a manutenção da homeostase, recebendo


informações sobre as condições dos órgãos internos do corpo e também do meio
externo. Baseado nelas, atua por conexões com o sistema nervoso visceral
periférico (parassimpático e simpático), com o sistema límbico e com o sistema

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endócrino. Constitui-se no principal centro regulador das atividades viscerais,
podendo gerar respostas simpáticas ou parassimpáticas. Muito importante para a
regulação das emoções, é região nodal do sistema límbico, relacionando-se com
as amígdalas, com o septo e o hipocampo. Nele ocorre a interação entre o sistema
nervoso e o sistema endócrino, principais reguladores do organismo 3,6.
O hipotálamo produz ainda os hormônios ocitoxina, vasopressina
(antidiurético) e polipeptídios, liberando-os na pituitária, para controlá-la. A
pituitária é considera a “glândula chefe”, visto que libera hormônios que
controlam as demais glândulas endócrinas do organismo e ainda determina os
processos de desenvolvimento, ovulação e lactação. Dessa forma o hipotálamo
influencia todo o sistema endócrino. No entanto, essa influência é regulada pelas
informações que recebe sobre os níveis sanguíneos dos hormônios produzidos
pelas glândulas3,6.
O hipotálamo regula a temperatura corporal, a ingestão de alimentos e a
ingestão e eliminação de água. Pelo seu núcleo supraquiasmático – o relógio do
organismo – e as informações que obtém da retina, também controla os ritmos
circadianos do corpo, integrando-os aos ciclos de claro e escuro da natureza. Ele
é ainda um centro importante na interação neuroimunológica, ou seja, entre o
sistema nervoso e o sistema imune6.

O hipotálamo governa o desenvolvimento sexual e reprodutivo e o


comportamento. Ele é um dos únicos lugares no cérebro humano onde
existem claras diferenças entre homens e mulheres, devido às
influências hormonais precoces durante o desenvolvimento do sistema
nervoso. Ratas fêmeas expostas a altos níveis de testosterona ainda
dentro do útero desenvolvem uma organização hipotalâmica mais típica
de ratos machos – a chamada masculinização fetal. Diferenças nas
estruturas hipotalâmica podem influenciar a orientação sexual.
Utilizando métodos post mortem, LeVay (1991) descobriu que o
hipotálamo anterior tinha apenas a metade do tamanho nos homens
homossexuais se comparados aos heterossexuais. De fato, o tamanho
dessa área nos homens homossexuais era comparável ao seu tamanho
nas mulheres heterossexuais. 3, p.131

O telencéfalo ou prosencéfalo é composto por uma porção mais externa,


o córtex cerebral, ligado às funções mentais, e por estruturas mais internas, ditas
subcorticais (abaixo do córtex), tais como o hipocampo – relacionado à memória
– e a amígdala, crucial à emoção; essa estrutura é tão importante para o
organismo que aparece organizada no que se chamou de sistema límbico.
Temos ainda os núcleos de base, ligados aos movimentos. Iniciemos por eles.
Os núcleos ou gânglios de base localizam-se na base do cérebro; são
essenciais no planejamento voluntário dos movimentos corporais, visto estarem

015
ligados às regiões motoras do córtex frontal. Os núcleos de base recebem
comandos dessas regiões e as enviam aos centros de movimento do tronco
encefálico. Simultaneamente, por meio do tálamo, têm retroalimentação daquelas
regiões de comando. Incluem o corpo estriado, núcleo subtalâmico e a substância
negra. O núcleo acumbente (ou acumbens) e pálido ventral são extensões do
corpo estriado, o qual é importante no planejamento e controle corporal. A doença
de Parkinson tem sido relacionada à falta do neurotransmissor dopamina,
relacionada ao corpo estriado e ao núcleo accumbens3,6,11.
O sistema límbico (Figura 4) é localizado na borda do hemisfério cerebral
(limbo = margem), é composto por

[...] várias regiões corticais (giros cingulado e para-hipocampal, córtex


entorrinal e algumas áreas pré-frontais), subcorticais telencefálicas
(hipocampo, complexo amigdaloide, septo), diencefálicas (hipotálamo e
algumas áreas talâmicas) e do tronco encefálico (área tegmental ventral)
[...] 11, p. 855-856

Figura 4 – Sistema límbico

Fonte: <http://www.escoladepostura.com.br/main.asp?link=noticia&id=303>.

Suas funções incluem processamento e regulação emocional e


motivacional, memória, aprendizagem e interesse sexual6,11,12. Suas alterações
estão relacionadas a transtornos psiquiátricos12. Apesar de amplamente utilizada,
a expressão sistema límbico é questionável e tem sido crescentemente
abandonada, visto não haver consenso sobre quais estruturas pertencem a esse
sistema e se elas estão exclusivamente relacionadas ao sistema das emoções,
que é a expressão que tem sido usada para substituir a anterior1,10,12,13. Algumas
das regiões desse sistema, como o tálamo e o hipotálamo foram descritas acima.
Passamos então a descrever outros componentes baixos (hipocampo, amigdala,

016
giro cíngulo e insula). As áreas pré-frontais, também relacionadas às emoções,
serão descritas adiante.
O hipocampo é uma antiga região bilateral, que tem papel crucial no
armazenamento de novas memórias declarativas, recentes e de longo prazo,
elaborando novas conexões (sinapses) a cada experiência 3,6,12. Está relacionado
à orientação espacial, sendo que sua lesão bilateral produz desorientação e falhas
na memória declarativa (amnésia anterógrada global)1,12. Tem amplas conexões
com as áreas corticais, recebendo e enviando informações para essas áreas.
Também se conecta a regiões relacionadas ao controle das emoções como o
septo, a amígdala, partes do tálamo e do hipotálamo, o corpo estriado e a
formação reticular. Sua porção posterior parece relacionada com processos
cognitivos de aprendizagem e memória, em particular aqueles ligados à
navegação, exploração e locomoção. Em complemento, sua região anterior
envolve-se na emoção e comportamentos motivados1. Essa região parece estar
relacionada a transtornos com o estresse pós-traumático, depressão e
Alzheimer10,12.
Como visto, o hipocampo é importante para o processo das emoções, mas
é a amígdala ou complexo amigdaloide a estrutura mais crucial desse processo.

A amígdala (complexo amigdaloide) é formada por um conjunto de


núcleos, localizados internamente ao lobo temporal e anteriormente ao
hipocampo, recebendo aferências sensoriais indiretas, oriundas do
córtex cerebral, do diencéfalo e do tronco encefálico, as quais trazem
informações sensoriais (como olfato, dor) e viscerais, entre outras. As
aferências recebidas via tálamo são responsáveis pela gênese de
respostas rápidas e primitivas (como os condicionamentos), enquanto
aquelas vindas do córtex pré-frontal estão relacionadas às respostas
mais lentas e sujeitas a intervenção consciente 11, p. 864-868.

Envolvida no processamento das emoções – como o medo, no


aprendizado, no sistema de recompensa (prazer) e nas reações de luta e fuga
ante situações de aparente ameaça, quando produz respostas viscerais e
endócrinas (aprendizado de situações), resultado da ativação do hipotálamo e
centros do tronco encefálico, o que prepara o organismo para situações futuras
semelhantes, graças à memória emocional das experiências (6, 12). Se lesionada,
produz descontrole emocional, dificuldades na memória de curto prazo e
incapacidade de reconhecer as emoções das outras pessoas (avaliação das
expressões faciais). Suas disfunções e alterações têm sido relacionadas a vários
transtornos, como transtorno bipolar, estresse pós-traumático, demência,
autismo, personalidade borderline e esquizofrenia1,6,12.

017
Ela participa também de processos cognitivos, como a atenção, a
percepção e a memória e seria importante na atribuição do significado
emocional dos estímulos externos. Projeções da amígdala que chegam
ao hipocampo podem reforçar a memória de eventos com conteúdo
emocional. Lesões na amígdala, assim como sua desconexão,
provocam uma dissociação entre os processos sensoriais e emocionais.
[...] Em síntese, a amígdala participa de circuitos em que ocorre uma
interação entre as informações vindas do meio externo, configurando a
realidade ambiental, e as informações vindas do meio interno,
configurando as necessidades do organismo em determinado momento.
O processamento dessas informações permite o desencadear de
respostas autonômica e comportamentais, bem como a interferência nos
processos ideacionais. 1, p.41-42

Conectado com a amígdala e o hipocampo e também envolvido com o


processamento emocional, o giro do cíngulo ou cingulado circunda o corpo
caloso e está ligado com outras estruturas também, tal como o tálamo, regiões
pré-frontais e os córtices pré-motor e motor. Participa dos processos de atenção,
seleção de ações motoras motivadas, memória, emoção, dor, função visceral e
processamento visoespacial1,6. Também é importante na monitoração de conflito
e é uma parte importante do sistema de atenção (mudar o foco da atenção), mudar
de ideia e perceber opções, flexibilidade (mental) de adaptação às mudanças do
meio, enfrentamento de problemas/conflitos, previsão de eventos negativos
(insegurança) e atividades cooperativas (empatia social)15. Suas lesões podem
provocar apatia, mutismo e mudanças de personalidade. Alzheimer,
esquizofrenia, depressão e transtorno obsessivo compulsivo também parecem
estar relacionados com o giro cíngulo1.
Tal como as estruturas anteriores, a ínsula (Figura 5) mantém íntimo
contato com regiões do sistema límbico, estando também envolvida na
coordenação dos processos emocionais. Ela se localiza no sulco lateral, sendo
coberta por parte dos lobos temporal frontal e parietal. De fato, é um dos lobos
corticais, e tem importante papel no processamento de informações
visoperceptivas, tornando-as conscientes, como são as sensações intestinais,
respiratórias e cardiovasculares. É também crucial na percepção da gustação
(paladar), temperatura, cócegas, estimulação sexual e toque sensual, dor e seus
aspectos emocionais (1, 12). É uma espécie de intérprete do cérebro ao traduzir
sons, cheiros ou sabores em emoções e sentimentos como nojo, desejo, orgulho,
arrependimento, culpa ou empatia. Experiências sensoriais são transformadas em
emoções e sentimentos. Ela registra estímulos aversivos e tem sido implicada na
previsão de resultados aversivos ou negativos15.

018
Figura 5 – Ínsula

Fonte: <http://www.auladeanatomia.com/novosite/sistemas/sistema-nervoso/telencefalo/>.

Após termos considerado as estruturas mais internas e filogeneticamente


mais antigas, passemos à porção mais nova e externa, o córtex cerebral,
responsável por processos mentais que nos caracterizam como humanos2,11.

TEMA 5 – CÓRTEX CEREBRAL E UNIDADES FUNCIONAIS DE LURIA

5.1 Córtex cerebral

O córtex cerebral contém dois tipos de substância, a branca e a


cinzenta. Esta, mais externa, é composta pelos corpos dos neurônios, enquanto
que a substância branca, interna, é composta pelos axônios dos
neurônios, levando as informações da parte superior para parte inferior do
cérebro10. As células do córtex, ou neocórtex, como é chamado, são diferentes
daquelas das estruturas anteriormente estudadas, visto que são organizadas em
seis camadas de substância cinzenta, assentadas sobre uma camada de
substância branca. A camada média (4), é aferente, representando o local de
entrada das informações sensoriais. As camadas mais inferiores (5) e (6), são
eferentes, possibilitando a saída para outras partes do cérebro. Já as camadas
(1), (2) e (3) têm menor especificidade modal, ou seja, são compostas por maior
número de neurônios associativos, permitindo a combinação ou integração das
informações (6, 7 e 16). As células dessas camadas foram estudadas pelo
neurologista alemão Korbinian Brodmann, que dividiu o neocórtex em 52 áreas
(Figura 6), que ficaram conhecidas como áreas de Brodmann7,10.
O córtex é composto por dois hemisférios, cada um deles com 4 lobos,
frontal, parietal, occipital e temporal. Os hemisférios cerebrais estão conectados
pelo corpo caloso, uma estrutura compacta de milhões de axônios3.
019
Figura 6 – As 52 áreas de Brodmann

Quadro 2 – Lobos cerebrais e uma síntese de suas funções


Parietal Processamento de informações táteis e integração sensorial multimodal.
Processamento de informações auditivas, gustativas e olfatórias, além de
Temporal
integração multimodal e de linguagem (percepção linguística).
Occipital Processamento de informações visuais e integração sensorial multimodal.
Planejamento e processamento motor voluntário, integração de funções
Frontal superiores, como expressão da linguagem, consciência, raciocínio e tomada de
decisão.
Fonte: 11, p.772-780

Uma forma pragmática de compreender o funcionamento cerebral foi


proposta por um discípulo de Vygotsky, Alexander Romanovich Luria (1902-1977),
o qual considera os quatro lobos cerebrais (frontal, parietal, occipital e temporal)
e as regiões subcorticais orquestrados em unidades funcionais, as quais se
organizam em áreas corticais, como veremos agora14,16.

5.2 Modelo das unidades funcionais de Luria

Para Luria, sob um prisma funcional, o córtex pode ser dividido em três
tipos de áreas: primárias, secundárias e terciárias. As áreas primárias ou de
projeção, são ligadas ao processamento de informação sensorial e a motricidade.
Células de elevada diferenciação e especificidade e outras com caráter
multimodal. Ainda há células de manutenção não específica do tono (não
respondem a nenhum tipo específico de estímulo). Em síntese elas recebem e
020
enviam informações para a periferia14,16. As áreas secundárias, de projeção-
associação ou associativas unimodais, ou, ainda, gnósticas. São menos
diferenciadas e mais associativas, permitindo que as informações sejam
recebidas, processadas, integradas ou combinadas umas com as outras e ainda
armazenadas6,14,16. Já as áreas terciárias ou multimodais ou ainda as zonas de
superposição têm funções integrativas das “informações que chegam de
diferentes analisadores”. A maioria dos neurônios são multimodais, respondendo
às características gerais do estímulo16, p.55. Dessa forma atuam nas funções
executivas, como a atenção, motivação, percepção, memória, raciocínio, cognição
e planejamento). Como pode ser visto, essas áreas são as mais importantes e
foram as últimas a se desenvolverem. Elas precisam da participação em concerto
de várias áreas e, em certa medida, elas regem a orquestra cerebral11,14,16.

Quadro 3 – Regiões dos três tipos de áreas, representadas pela numeração de


Brodmann e suas funções

Localização
Tipo de
pelas Áreas de Descrição funcional da(s) área(s)
área
Brodmann
1ª 3, 1 e 2 Área somatossensorial primária (somestésica) (S1)
1ª 4 Área motora primária (M1)
2ª 5e7 Áreas associativas somatossensoriais
2ª 6 Áreas pré-motora (PMA) e motora suplementar (SMA)
Área relacionada ao controle dos movimentos oculares
2ª 8
(campos oculares frontais)
3ª 9 Área associada a cálculos e lógica
3ª 10 Área associada à atenção e alerta
3ª 11 e 12 Áreas associadas à decisão e comportamentos éticos
Áreas associadas à memória verbal, motivação e
13 e 14
informações somatossensoriais
15 e 16 Córtex da ínsula
1ª 17 Área visual primária (V1)
2ª 18 Área visual secundária (V2)
2ª 19 Área visual associativa (V3, V4 e V5)
2ª 20, 21 e 37 Áreas sensoriais associativas
2ª 22 Área de Wernicke (percepção linguística)
23, 24, 25, 26, 27 Córtex associativo límbico (relacionado com as emoções)
28 Área olfatória e córtex associativo límbico
29, 30, 31, 32, 33 Córtex associativo límbico (relacionado com as emoções)
34 e 35 Córtices entorrinal e perrinal (giro para-hipocampal)
36 Córtex hipocampal (memória verbal, memória espacial)
Áreas heteromodais temporoparietais (reconhecimento de
3ª 37, 39 e 40
faces, objetos e vozes)
38 Área olfatória e córtex associativo límbico
1ª 41 e 42 Áreas auditivas primária e associativa
43 Área gustativa e córtex associativo sensoriomotor
3ª 44 e 45 Área de Broca (expressão linguística)
Córtex associativo pré-frontal e dorsolateral (funções
3ª 46 e 47
executivas, pensamento, cognição e comportamento)
Fonte: 11, p. 796-829

021
Além da divisão dos tipos de áreas, Luria considera três unidades
funcionais. A primeira unidade regula o tônus cortical, a vigília e o filtro de
estímulos. É formada pelo tronco encefálico, com ênfase para a formação ou
sistema reticular, e por regiões subcorticais como o hipotálamo, a amígdala e o
hipocampo, relacionadas ao sistema límbico. Seu slogan é manter “o cérebro
desperto”! 14,16 O nível de excitação ou tono cortical é essencial para o
recebimento e processamento de todas as informações que chegam, bem como
para a programação e controle de execução de atividades dirigidas às metas. O
sistema reticular regula o tono cortical (em nível ascendente) e é influenciado por
ele (em nível descendente), e assim faz uma organização vertical de todas as
atividades cerebrais, visto que todas precisam de energia para funcionar 14,16. Em
nível ascendente, o sistema reticular é ativado por processos de manutenção da
homeostase – ou equilíbrio interno do organismo – como as funções
respiratórias, digestivas etc., que são reguladas principalmente pelo hipotálamo.
A chegada de estímulos do meio exterior também ativa o sistema reticular,
visto que o organismo precisa avaliar as informações (reflexo de orientação) para
se adaptar ao meio. Aqui temos a participação das estruturas subcorticais
límbicas, com destaque para a amígdala e o hipocampo. A vigilância às mudanças
do meio e às surpresas, é essencial para a sobrevivência16. Já na direção oposta,
de cima para baixo, ou no nível ascendente, o sistema reticular é ativado por
intenções e planos, previsões e programas, para os quais o córtex pré-frontal entra
em cena, influenciando as estruturas do tronco cerebral para obter a energia de
que precisa para suas atividades. Aqui temos a participação da fala (tanto interna
quanto externa) e a consequente influência social em termos de motivação; aliás,
quando falamos de motivação, temos também o sistema límbico em seu papel
crucial de valoração emocional das memórias16. Essa unidade também é
responsável pelo filtro de informações sensoriais (visuais, auditivas, gustativas e
tácteis), sendo que todos os receptores sensoriais (com exceção do olfato) têm
fibras conectadas nesse sistema, o qual seleciona que informações avançarão em
direção ao córtex16. Em síntese, ela controla o estado de alerta do córtex, filtra
informações e também é importante na capacidade de focalizar a atenção 16.
A segunda unidade recebe, processa e armazena informações
sensoriais; é composta pelos lobos parietal, occipital e temporal. Sua chave é o
“cérebro informado”; essa unidade recebe os estímulos que chegam ao cérebro a
partir dos receptores periféricos e por meio dos três tipos de áreas descritas
acima, os decompõe e analisa, transformando-os de dados brutos, recebidos nas
022
áreas primárias (que distingue os dados visuais, auditivos e táteis), em dados
processados e sintetizados na segunda, e integrados de forma simultânea em
sínteses intermodais abstratas nas áreas terciárias14,16.
A terceira unidade funcional programa, regula e verifica a atividade
mental, composta pelo lobo frontal, com destaque pela a parte pré-frontal. Ela é o
“cérebro programador”. 16 O ser humano não é passivo diante de seu ambiente:
este aprendeu a agir de forma ativa, criar intenções, planos e programas para
ação. E, após se envolver nessas ações, modelando os comportamentos para
executá-los corretamente, é necessário verificar se os resultados apresentados
são coerentes com aqueles esperados e, se não o forem, o comportamento
precisa ser corrigido para que as intenções originais sejam alcançadas16.

FINALIZANDO

Parabéns por ter chegado a esse ponto do nosso estudo!


Nesse momento, vamos retomar alguns conteúdos e conectá-los ao
ensino-aprendizagem.
Em primeiro lugar: quão complexo é o funcionamento do sistema nervoso
e, em particular, o do cérebro? E o processo de ensino-aprendizagem? E, além
de complexo, esse sistema é silencioso, ou seja, a maior parte de seu
funcionamento é autônomo e ocorre longe da nossa percepção consciente.
Exercemos voluntária e conscientemente algumas funções cerebrais, como a
vontade, a atenção e até mesmo a memória, porém esses e outros processos
funcionam também amplamente de forma não consciente, por vezes dificultando
o aprendizado.
Considerando o sistema nervoso autônomo e suas divisões simpática e
parassimpática, perceberemos que um equilíbrio se faz necessário. O
aprendizado necessita de um certo grau de alerta ou excitação, porém se o
sistema nervoso simpático estiver ativado, como em situações de perigo, de medo
ou de conflito emocional (entre professores e alunos, ou entre ambos), dificilmente
teremos um aprendizado em condições ótimas. Um clima de tranquilidade e de
proteção afetiva é importante para que as regiões mais nobres do cérebro, em
particular o córtex pré-frontal, possam funcionar de forma adequada e conduzir o
aprendizado. Práticas de relaxamento em sala de aula têm sido utilizadas com
benefícios para o aprendizado. Considerando as regiões do tronco encefálico e,
em particular, da formação reticular, vemos a importância do filtro de informações

023
no sentido de manter a atenção nas informações necessárias ao aprendizado,
inibindo estímulos distrativos e também na manutenção de um nível de alerta
suficiente para que o aprendizado possa ocorrer, sendo que o funcionamento
dessa estrutura basicamente autônoma, de acordo com o nível de excitação é o
filtro/passagem dessas informações, que será mais de responsabilidade
dos professores do que dos aprendizes. Por exemplo, a formação reticular é
ativada com a chegada de informações novas que precisam ser avaliadas; se os
professores tiverem um padrão de comportamento com pouca novidade, não
prenderão a atenção de seus alunos, podendo, ao contrário, ser induzidos ao
sono.
Chegamos então ao cérebro; que informações serão suficientemente
importantes para adentrarem no portão do tálamo? E, tão ou mais importante que
ele, temos o centro do estresse, que é o hipotálamo que, com seu controle sobre
a pituitária, comanda o sistema endócrino e as respostas simpáticas e
parassimpáticas. Ele age também em parceria com a amígdala e o hipocampo,
chaves de um complexo sistema complexo chamado límbico, praticamente
responsável pela maior parte do aprendizado do cérebro. O sistema das emoções
define o que é importante para o organismo, ou seja, que informações devem
receber atenção e quais não precisam ser percebidas. Sendo a atenção um dos
elementos mais importantes da aprendizagem, o sistema das emoções é um
elemento crucial para esse processo, e é também crucial para a memorização e
evocação de informações; amígdala e hipocampo são estruturas contíguas que
funcionam em mútua colaboração. Lembrando que o hipocampo é a estrutura
relacionada ao processo de armazenamento de memória de longo prazo, crucial
ao processo de aprendizagem. Além da atenção e da memória, o sistema das
emoções também participa de forma crucial dos processos de motivação, sem a
qual aprendizados conscientes são muito difíceis. Ascendendo um pouco mais,
dentro do cérebro, vemos a importância do giro cíngulo, que participa dos
processos de atenção, da seleção de ações motivadas, da memória e do
processamento visuoespacial. Atua ainda na monitoração de conflitos, e é
essencial ao sistema de atenção, quando é necessário mudar o foco da atenção,
ou, ainda, na flexibilidade mental para adaptação às mudanças do meio e
enfrentamento de conflitos. Todos esses processos são importantes na
aprendizagem e, em complemento, tem função na percepção da empatia social e
atividades cooperativas, igualmente essenciais ao aprendizado. E, se pensarmos
no modelo das unidades funcionais proposto por Luria, já comentamos acima da
024
primeira unidade (ligada à ativação e alerta do córtex). A segunda unidade é a
receptora. Podemos citar a área secundária 22 de Brodmann, conhecida como
área de Wernicke, crucial na compreensão linguística; e a área terciária de
expressão da linguagem, área de Broca, 44 e 45 de Brodmann, ambas essenciais
ao processo da linguagem verbal, sendo que seu mau funcionamento ou
dificuldades na interconexão entre elas, produzirá problemas na compreensão e
expressão linguística. Por fim, chegamos à terceira unidade de Luria, última
estrutura filogeneticamente desenvolvida, os lobos frontais, em especial o córtex
pré-frontal. Essa unidade deve ser o alvo da educação, porque tem a capacidade
de resolver problemas, criar soluções e inovar. No entanto, se os métodos de
ensino estiverem baseados em comandos, pouco dessa estrutura será utilizada.
Por outro lado, se os alunos estiverem focados na resolução de problemas, então
estamos no ápice das capacidades humanas, que coincide com autonomia do
aprendiz.
Esperamos que tenha apreciado nossa primeiras incursões e reflexões
sobre o funcionamento cerebral e sua conexão com a aprendizagem.

025
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