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Os bebés treinam mentalmente a

fala meses antes de começarem a


falar
ANA GERSCHENFELD 16/07/2014 - 08:30

Ao longo do primeiro ano de vida, o cérebro humano prepara-se para


conseguir coordenar os movimentos que irão permitir ao bebé
articular os sons da sua língua, concluem cientistas.

Um bebé de um ano sentado no aparelho de medição da actividade cerebral INSTITUTO DA


APRENDIZAGEM E DAS NEUROCIÊNCIAS/UNIVERSIDADE DE WASHINGTON

Sabe-se que, até mais ou menos aos oito meses de


TÓPICOS 
idade, os bebés prestam igualmente atenção aos sons
Cérebro
de todas as línguas que ouvem. Mas, por volta dos 12
Neurociências meses, passam a reconhecer claramente a sua língua
materna – ou seja, aquela que é, normalmente, a mais
falada à sua volta – em detrimento de qualquer outra.
Ainda não se sabe bem como é que esta transição da
percepção da fala se opera, mas agora uma equipa de
cientistas nos Estados Unidos descobriu o que
consideram ser uma base biológica dessa radical
transformação.

Segundo eles, mesmo quando os bebés ainda são


incapazes de articular qualquer palavra, o seu cérebro
já está a tentar imitar, mentalmente, os sons que eles
ouvem. E assim fazendo, está a construir, em silêncio,
as bases neuronais motoras que irão possibilitar a
locução pelo bebé, a partir do segundo ano de vida,
das palavras da sua língua mãe. Os resultados foram
publicados na edição desta semana da revista
Proceedings of the National Academy of Sciences.

O que Patricia Kuhl, da Universidade de Washington


(em Seattle), e colegas essencialmente mostraram é
que as palavras que os bebés com sete meses de idade
ouvem à sua volta estimulam as áreas motoras do
cérebro que estão encarregadas de coordenar e
planificar os movimentos que irão permitir, uns meses
depois, a articulação efectiva da fala.

Os cientistas analisaram a actividade cerebral de 57


bebés, respectivamente com sete meses e 11 a 12
meses de idade. Para isso, sentaram-nos debaixo de
um aparelho parecido “com um secador de cabelo à
moda antiga” – mas que é de facto um capacete high-
tech que mede a actividade cerebral através de uma
técnica não invasiva dita de magnetoencefalografia,
totalmente inócua para os bebés, lê-se no mesmo
documento. Os bebés ouviam sílabas derivadas do
inglês ou do espanhol, como “da” e “ta”, enquanto os
cientistas registavam a resposta do cérebro dos bebés
a esses sons.

Mais precisamente, a equipa registou uma activação


neuronal numa área auditiva do córtex chamada "giro
temporal superior" bem como em duas outras áreas –
a área de Broca e o cerebelo – que se sabe serem
responsáveis pela planificação dos movimentos
necessários para articular as palavras. E constataram
que, aos sete meses, todas essas áreas se activavam
com igual intensidade fosse qual fosse a língua que os
bebés ouviam.

“A maioria dos bebés de sete meses consegue palrar,


mas apenas irá pronunciar as primeiras palavras a
seguir ao primeiro aniversário”, diz Kuhl, citada em
comunicado da sua universidade. “O facto de termos
detectado uma activação cerebral em áreas cerebrais
motoras numa altura em que os bebés estão
simplesmente a ouvir os outros a falar é significativo,
porque quer dizer que o cérebro do bebé tenta, logo
de início, responder verbalmente. E também sugere
que o cérebro dos bebés de sete meses já está a tentar
descobrir os movimentos certos para produzir
palavras.”

Já nos bebés com 11-12 meses, esse padrão de


activação alterava-se: as áreas auditivas passavam a
responder mais fortemente à língua materna do que à
língua estrangeira, enquanto as áreas motoras
passavam a responder mais fortemente à língua
estrangeira do que à língua materna. Para os
cientistas, isso não só confirma que, nesta fase do seu
desenvolvimento, os bebés já adquiriram uma
experiência auditiva suficiente para distinguirem a
língua materna das outras, como também sugere que
já é preciso um maior esforço por parte das suas áreas
cerebrais motoras para descobrirem como articular os
sons da língua estrangeira do que para articular as
palavras da sua própria língua. A transição da
percepção da fala apanhada ao vivo e em directo, por
assim dizer.

“A experiência da língua [ouvida durante os primeiros


meses de vida] serviria assim para reforçar o
conhecimento da língua nativa, tanto perceptual como
motor. Ao fim do primeiro ano, (…) tornar-se-ia
portanto mais difícil e menos eficiente gerar modelos
[motores] internos para uma língua estrangeira”,
escrevem
(http://www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.1410963111)
os cientistas.

Os resultados têm várias implicações sociais, segundo


os autores. Por um lado, mostram que é preciso falar
“a sério” com os bebés, mesmo sabendo que não
percebem o que estamos a dizer-lhes, porque esse é
precisamente o “catalisador” da sua aprendizagem da
língua, a chave que lhes vai permitir gerar os tais
“modelos cerebrais internos” para mais tarde
conseguirem falar essa língua.

Por outro, sugerem que a forma como os pais


costumam falar com os seus filhos recém-nascidos,
articulando muito bem e esticando as vogais de forma
exagerada (“oooohhh, meu liiiindoooo bebéééééé”) – e
que nada tem a ver com dizer palavras que não fazem
sentido – poderá ajudar os bebés na construção
desses modelos motores cerebrais logo nos primeiros
meses de vida. “Essa forma de falar dos pais é muito
exagerada e é possível que, quando os bebés a ouvem,
o seu cérebro consiga modelar mais facilmente os
movimentos necessários à fala”, diz Kuhl.

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