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UNIVERSIDADE FRANCISCANA – UFN

PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM PSIQUIATRIA


CURSO DE MEDICINA

LUISA MEURER DACOREGIO

APRESENTAÇÃO DE SINTOMAS PSICÓTICOS SECUNDÁRIOS À


INTERVENÇÃO NEUROCIRÚRGICA EM ADOLESCENTE

SANTA MARIA
2023
LUISA MEURER DACOREGIO

APRESENTAÇÃO DE SINTOMAS PSICÓTICOS SECUNDÁRIOS À


INTERVENÇÃO NEUROCIRÚRGICA EM ADOLESCENTE

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao programa de Residência
Médica em Psiquiatria da Universidade
Franciscana, como requisito parcial para
obtenção do título de psiquiatra.

Orientador: Me. Luiz Antônio Coppini Jr.

SANTA MARIA
2023
LUISA MEURER DACOREGIO

APRESENTAÇÃO DE SINTOMAS PSICÓTICOS SECUNDÁRIOS À


INTERVENÇÃO NEUROCIRÚRGICA EM ADOLESCENTE

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao programa de Residência
Médica em Psiquiatria da Universidade
Franciscana, como requisito parcial para
obtenção do título de psiquiatra.

Aprovado em 08 de fevereiro de 2023.

BANCA EXAMINADORA

________________________________
Me. Luiz Antonio Coppini Júnior
UFN
Presidente/Orientador

________________________________
Me. Kathy Aleixo dos Santos Ferreira Marcolin
UFN

________________________________
Alba Tereza do Prado Veppo Prolla
UFN
LISTA DE SIGLAS

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas


APA Antipsicótico Atípico
ATC Antidepressivo Tricíclico
BVS Biblioteca Virtual da Saúde
CAAE Certificado de Apresentação de Apreciação Ética
CAPSi Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência
CELG Centro de Estudos Luís Guedes
CEP Comitê em Ética em Pesquisa
CHR Clinical High Risk
ECT Eletroconvulsoterapia
EEG Eletroencefalograma
HUSM Hospital Universitário de Santa Maria
IPF Instituto Psiquiátrico Forense
ISRS Inibidor Seletivo da Recaptação de Serotonina
LCR Líquido Cefalorraquidiano
LILACS Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
SNC Sistema Nervoso Central
TAB Transtorno Afetivo Bipolar
TALE Termo de Assentimento Livre e Esclarecido
TC Tomografia Computadorizada
TCC Terapia Cognitivo Comportamental
TCE Traumatismo Cranioencefálico
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TDAH Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
TRM Traumatismo Raquimedular
UFN Universidade Franciscana
RESUMO

Este trabalho constitui-se em relato de caso de um paciente com sintomas psicóticos


que se manifestaram após procedimento neurológico para drenagem de abscesso
intracraniano. As informações foram obtidas por meio de revisão do prontuário,
entrevista com o paciente, obtenção de exames de imagem e revisão da literatura. O
caso relatado e publicações levantadas trazem à luz a discussão da terapêutica de
uma situação complexa, visto que as alterações comportamentais e instalação de
psicose após danos neurológicos são raras, porém trazem grande impacto para a
qualidade de vida do indivíduo e sua família.

Palavras-chave: psicose, abscesso cerebral, neurocirurgia.


ABSTRACT

This work is a case report of a patient with psychotic symptoms that manifested after
a neurological procedure for draining an intracranial abscess. Information was
obtained by reviewing the medical records, interviewing the patient, obtaining
imaging tests and reviewing the literature. The reported case and published
publications bring to light the discussion of the therapy of a complex situation, since
behavioral changes and the onset of psychosis after neurological damage are rare
but have a great impact on the quality of life of the individual and his family.

Keywords: psychosis, brain abscess, neurosurgery.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - TC crânio com contraste (10/07/18)...........................................................12


Figura 2 - TC crânio com contraste (26/07/18)...........................................................12
Figura 3 - TC crânio com contraste (14/09/18)...........................................................13
Figura 4 - TC crânio com contraste (18/11/19)...........................................................14
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................8
2 OBJETIVO GERAL....................................................................................................9
3 METODOLOGIA......................................................................................................10
3.1 IMPLICAÇÕES ÉTICAS........................................................................................10
4 RELATO DE CASO.................................................................................................11
5 DISCUSSÃO............................................................................................................16
6 CONCLUSÃO..........................................................................................................21
REFERÊNCIAS...........................................................................................................22
8

1 INTRODUÇÃO

O risco para desenvolver transtornos psiquiátricos varia muito segundo a


população, gênero, faixa etária e herança genética. No entanto, há riscos aleatórios
que podem se apresentar ao longo da vida do indivíduo, como a intoxicação por
exposição a metais pesados, doenças infectocontagiosas e traumas variados no
tecido cerebral, únicos ou repetitivos.
O presente trabalho visou relatar o caso de um paciente com sintomas
psicóticos, de humor e desinibição comportamental, que se manifestaram após
procedimento neurocirúrgico para drenagem de abscesso intracraniano. O trabalho
ainda descreve as hipóteses fisiopatológicas para o caso e o manejo farmacológico
e não farmacológico adotados para a estabilização dos sintomas apresentados pelo
paciente.
9

2 OBJETIVO GERAL

Relatar o caso de um paciente com sintomas psicóticos, de humor e


desinibição comportamental, que se manifestaram após procedimento neurocirúrgico
para drenagem de abscesso intracraniano.
Descrever as hipóteses fisiopatológicas para o caso e o manejo farmacológico
e não farmacológico adotados para a estabilização dos sintomas apresentados pelo
paciente.
10

3 METODOLOGIA

O estudo é um relato de caso clínico, feito por meio da revisão dos dados que
constam em prontuário do paciente e sua correlação com o que já existe descrito na
literatura, além de novas informações que possam contribuir para futuros estudos na
área.

3.1 IMPLICAÇÕES ÉTICAS

O estudo contou com um Termo de Confidencialidade quanto ao


comprometimento ético diante do acesso às informações que constam em
prontuário. Contou também com um TCLE (Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido) e um TALE (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido) informando o
paciente e seu responsável sobre o caráter do estudo e os objetivos que visaram ser
atingidos com ele.
O relato de caso foi aprovado no CEP (Comitê em Ética em Pesquisa) da
UFN (Universidade Franciscana) na data de 16/12/2022, com o número CAAE
(Certificado de Apresentação de Apreciação Ética) de aprovação
65275922.2.0000.5306.
11

4 RELATO DE CASO

Paciente masculino, 17 anos, solteiro, branco, matriculado no Ensino Médio,


reside com os pais e irmã, possui família nuclear estruturada, natural e procedente
de Santa Maria.
Histórico Patológico Pregresso e Alergias: TDAH (Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade) em uso de metilfenidato 10 mg em turno escolar. Desde
os 11 anos trazia relatos esporádicos de ilusões visuais à progenitora (visualização
de sombras, principalmente ao entardecer e nos períodos de transição sono-vigília).
Alergia à Azitromicina.
História Familiar Paterna: negativa para uso de substâncias psicoativas e
positiva para TAB (Transtorno Afetivo Bipolar) e Suicídio.
História Familiar Materna: Transtorno Depressivo Maior.
História da Doença Atual: em 2018, aos 13 anos, apresentou quadro de
sinusite bacteriana resistente à amoxicilina, amoxicilina + clavulanato e
levofloxacino. Internado no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) devido à
falha de antibioticoterapia ambulatorial, além de alteração do comportamento,
cefaleia persistente, perda de força nos membros inferiores, inapetência e astenia. À
investigação laboratorial e radiológica, chega-se ao diagnóstico de pansinusite
complicada com empiema subdural e abscesso cerebral na região frontal. Paciente
permaneceu por 11 dias com antibioticoterapia endovenosa e corticoterapia, com
persistência da cefaleia e das lesões, então, optou-se pela drenagem do abscesso e
posterior exérese de cápsula residual.
Exames radiológicos pré-abordagem neurocirúrgica:
Tomografia de Crânio com contraste (10/07/18): presença de coleções
hipodensas na região frontal à direita, compatíveis com empiema subdural. As
maiores medem até 4,0 cm e 2,5 cm. Associa-se edema do parênquima adjacente.
Há realce lepotmeíngeo na região frontoparietal direita, sugerindo meningite.
Presença de edema que acomete principalmente a substância branca frontal à
direita. Ausência de lesões hemorrágicas. Abscessos em região frontal e
subaracnóidea (maior mede 4,0 cm) – realce de contraste.
12

Figura 1 - TC crânio com contraste (10/07/18)

Fonte: Autor.

Tomografia de Crânio (18/07/18): exame comparativo com tomografias


datadas de 09/07/2018, 10/07/2018, 14/07/2018 e 17/07/2018. Persistem as
coleções extra-axiais hipodensas, com realce periférico pelo meio de contraste,
localizadas em região frontal e parafalcina à direita, compatíveis com empiemas. As
coleções não apresentaram mudança significativa em suas dimensões. Permanece
área de edema envolvendo principalmente a substância branca em lobo frontal
direito. Persiste a presença de conteúdo hipodenso em seios paranasais à direita,
com focos gasosos de permeio, achados compatíveis com sinusopatia aguda.
Exames radiológicos após abordagem neurocirúrgica:
Tomografia de Crânio com contraste (26/07/18): diminuição do volume dos
abscessos cerebrais, presença de pequeno sangramento (provavelmente
secundário ao procedimento cirúrgico), ausência de edema importante
(provavelmente reacional ao procedimento), sem sinais de novos abscessos, sem
novos abscessos, sem sinais de sangramento ou demais alterações agudas.

Figura 2- TC crânio com contraste (26/07/18)

Fonte: Autor.
13

Tomografia de Crânio (03/08/18): diminuição dos abscessos cerebrais, sem


sinais de novos abscessos, redução importante de edema em região frontal, sem
evidências de sangramentos.
Tomografia de Crânio com contraste (14/09/18): coleção heterogênea
localizada no lobo frontal direito, com halo discretamente hiperdenso e apresentando
realce pelo contraste, medindo aproximadamente 2,2 x 1,1 cm nos seus maiores
eixos axiais e apresentando área parenquimatosa hipodensa ao seu redor,
possivelmente relacionada a algum grau de edema. Sem desvio de linha média.
Sem sinais de osteomielite. Sem sinais de hipertensão intracraniana.

Figura 3 – TC crânio com contraste (14/09/18)

Fonte: Autor.

Tomografia de Crânio (23/10/2018): exame de controle – parênquima


encefálico apresentando área hipodensa no lobo frontal direito, medindo 4,1 x 1,9
cm nos eixos axiais, sem efeito de massa, associado a espessamento focal da
meninge adjacente, de aspecto cicatricial; linha média centrada; sistema ventricular
de morfologia, topografia e dimensões usuais; fossa posterior sem evidência de
anormalidades; porções avaliadas das órbitas, cavidade paranasais e mastoides
sem evidências de alterações topográficas; sinais de craniectomia frontal direita.
Tomografia de Crânio com contraste (18/11/19): exame de controle.
Permanece área de encefalomalacia no lobo frontal direito, com redução de suas
dimensões, medindo cerca de 2,8 x 2,0 cm, em seus maiores eixos (antes media 4,1
x 1,9 cm). Demais áreas do parênquima cerebral com atenuação tomográfica usual,
14

sem realce anômalo pela substância de contraste. Estruturas médias centradas.


Sistema ventricular de morfologia, topografia e dimensões usuais. Fossa posterior
sem evidência de anormalidades.

Figura 4 – TC crânio com contraste (18/11/19)

Fonte: Autor.

Após os procedimentos neurocirúrgicos teve alta hospitalar e permaneceu


estável. Depois de 8 meses, foi internado na ala pediátrica do HUSM devido à
apresentação súbita de queixas neuropsiquiátricas, como humor disfórico
(arrogância alternada com anedonia, avolia e choro imotivado), afeto irritado,
desinibição comportamental (brigas na escola e abraçar desconhecidos na rua),
ilusões visuais (fiação elétrica era uma cobra) e delírios persecutórios (percebe ser
filmado por indivíduo que deseja elaborar documentário sobre sua vida) e
paranoides (preocupado sobre leis que proibiriam os videogames no Brasil). Durante
a internação foram realizados exames laboratoriais, eletroencefalograma (EEG),
punção lombar e nova TC de crânio para descartar causa orgânica, todos com
resultados dentro da normalidade. Foi levantada hipótese diagnóstica para uma
síndrome psiquiátrica, sendo prescrito olanzapina 5 mg/dia e posterior ajuste para 10
mg/dia associada ao uso de clonazepam 0,5 mg se agitação psicomotora. Além
disso, foi suspenso o uso do metilfenidato. Após 8 dias de internação teve melhora
parcial do humor e remissão dos sintomas psicóticos.
15

Apresentou alta hospitalar e foi encaminhado para seguimento no Centro de


Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência – CAPSi O Equilibrista, em maio de
2019, onde faz consultas periódicas até o momento.
Foram realizados ajustes farmacológicos no intuito de reduzir sonolência
diurna e ganho ponderal significativo de mais de 20 kg (olanzapina reduzida
gradualmente de 10 mg  7,5 mg  5 mg/dia). A redução de dose implicou no
surgimento de novos delírios persecutórios (monitoramento pela polícia e invasão de
seu espaço virtual). Momento em que a olanzapina foi ajustada para 7,5 mg/dia e
associada ao uso de ácido valproico 250 mg/dia com remissão e estabilização do
quadro. Após episódio recente de anedonia, avolia, sentimento de desvalia, choro
imotivado, foi associado fluoxetina 20 mg/dia, com remissão dos sintomas
depressivos sem prejuízo ao tratamento vigente (olanzapina e ácido valproico).
Manejo parental adequado. Estável do ponto de vista psiquiátrico. Manejo adequado
de demais sequelas (crises convulsivas e cefaleia crônica) em seguimento paralelo
com neurologista, semestralmente, que opta em manter psicofármacos de escolha
da psiquiatria.
Exame do estado mental atual: aparência adequada. Lúcido. Orientado em
tempo, espaço e pessoa. Normoproséxico. Memória imediata, recente e remota
preservadas. Inteligência inferida na média clínica. Eutímico, modulando afeto. Sem
alterações da sensopercepção. Pensamento lógico e agregado, com conteúdo
adequado. Normolálico. Conduta cordial. Insight e juízo crítico preservados.
16

5 DISCUSSÃO

Os transtornos de humor e os psicóticos podem ter origem primária como a


herança genética. No entanto, podem ser desencadeados de forma secundária, a
partir de causas orgânicas como traumas cranioencefálicos ou injúrias cerebrais,
mesmo aquelas decorrentes de intervenção neurocirúrgica (BANDNA, 2018). A
literatura sobre causas orgânicas, portanto secundárias, é escassa, sendo a maioria
delas relatos de caso envolvendo lesões traumáticas como o traumatismo
cranioencefálico (TCE).
Em revisão de literatura, contando com 15 artigos das plataformas Scielo,
BVS (Biblioteca Virtual da Saúde) e LILACS (Literatura Latino-Americana e do
Caribe em Ciências da Saúde), verificou-se que TCE de diferentes graus causam
implicações biopsicossociais significativas de cunho cognitivo, físico,
comportamental e funcional (OLIVEIRA et al., 2021). Esse fato é apoiado por
achados em estudo que fala sobre alta frequência de transtornos de humor após
TCE de variados níveis, o que leva a maior dificuldade para recuperação pós-
trauma, acentuado em indivíduos com história psiquiátrica pregressa, baixo suporte
social e familiar (JORGE; ROBINSON, 2003).
Um estudo australiano propôs o Clinical High Risk (CHR) como ferramenta de
rastreio precoce para psicose, porém, foram identificadas limitações para seu uso.
Entre elas, baixa proporção de acurácia, mesmo quando utilizada por profissionais
capacitados e em locais com grande fluxo de atendimento (Londres= 4% e
Melbourne= 14%). Ainda, quando indivíduos foram identificados precocemente, não
houve plano de intervenções específicas para evitar a transição para a psicose
(KELLEHER, 2022).
Causas orgânicas (a incluir trauma ou qualquer outra situação em que haja
lesão ou manipulação do tecido cerebral) podem levar a uma gama de alterações
cognitivas e comportamentais. Há relato de um estudo que descreve o caso de uma
mulher adulta com transtorno delirante decorrente do desenvolvimento de abscesso
cerebral (GUPTA et al., 2018). Segundo relato de caso, deve-se suspeitar de lesão
(a incluir tumoração) intracraniana quando há início súbito dos sintomas de humor
ou quando há início de sintomas atípicos e refratários ao tratamento em condição
preexistente. Em 18% dos pacientes, o quadro psiquiátrico é o primeiro a indicar
17

patologia intracraniana e no curso, virá a manifestar-se em 50% a 78% dos casos


(MADHUSOODANAN; DANAN; MOISE, 2007).
O TCE é subdividido em leve, moderado e grave. Na maioria dos casos de
TCE leve, a recuperação é rápida, mas aqueles com lesões repetidas podem cursar
com síndrome pós-concussiva, onde há maior risco de neurodegeneração
(BLENNOW et al., 2016). Estudo de coorte retrospectivo que incluiu crianças e
adolescentes entre 05 e 18 anos, revelou que há mais chance de sequelas
neurológicas em pacientes que sofreram concussão cerebral em relação a outros
tipos de injúrias ortopédicas (LEDOUX et al., 2022). Outra associação com o
presente relato de caso, pode ser feita com um artigo dinamarquês, onde há
associação de infecção bacteriana grave, antibioticoterapia prolongada e
necessidade de hospitalização, com desenvolvimento posterior de transtornos do
humor e esquizofrenia. No entanto, não há explicação clara sobre a conexão entre
os fatores (PETERSEN, 2017).
Inúmeras condições podem cursar com início de sintomas comportamentais e
psicóticos, assim como se conhece por meio do relato de tais sintomas após
estabilização de TRM (trauma raquimedular) em um homem de 23 anos com colar
cervical (ROSEMBLUM, 1995). Prejuízos evidentes em habilidades sociais,
cognitivas e executivas foram diagnosticadas em outro homem adulto, anos após
trauma cranioencefálico decorrente de acidente automobilístico (MATTOS;
SABOYA; ARAÚJO, 2002).
A fisiopatologia dos sintomas neuropsiquiátricos após lesão no Sistema
Nervoso Central (SNC) pode ser explicada por diversos fatores que podem interagir
entre si, gerando padrões únicos de alteração no comportamento, humor e
percepção do indivíduo. Alguns propostos são: aumento do efeito de massa,
redução da circulação do líquido cefalorraquidiano (LCR), interrupção dos circuitos
estabelecidos (manipulação tecido, concussão ou lesão axonal difusa) ou ainda,
efeito indireto da lesão em uma área que leva a infra ou suprarregulação de
neurotransmissores em área remota (BRISSSOS, 2005); a desregulação do eixo
intestino-microbioma-cérebro e posteriores alterações imunes, endócrinas e
neurológicas (PETERSEN, 2017); o rompimento de circuitos e lesões subcorticais
que geram hipometabolismo e hipomodulação do córtex (STARSTEIN, 1991).
Anormalidades na estrutura cerebral anterior ao desenvolvimento de psicose
18

também foram propostas nas explicações fisiopatológicas, sem etiologia específica,


podendo ser atribuídas à neurogênese comprometida ou a lesões sofridas ao longo
do desenvolvimento (KELLEHER, 2022). Por fim, regeneração aberrante dos tratos,
ativação elétrica anormal da rede límbica e alteração funcional em circuitos
inibitórios de neurotransmissores também parecem contribuir para o surgimento dos
sintomas (JORGE; ROBINSON, 2003).
Em um artigo de revisão foi visto que a psicose ocorre sobretudo em
decorrência do diagnóstico de TAB tipo I e transtorno esquizoafetivo, mas também
há relatos de mania secundária a lesões cerebrais focais (SATZER; BOND, 2016). O
envolvimento dos lobos frontal direito e límbico é relacionado à euforia, desinibição e
impulsividade, enquanto lesões no lobo frontal esquerdo estão mais associados à
apatia, humor deprimido e avolia. No envolvimento frontoparietal, são relatados
humor lábil ou hipomania, afasia, prejuízo na memória, alucinações visuais e
auditivas e delírios paranoides (MADHUSOODANAN; DANAN; MOISE, 2007). Os
dados acima citados, demonstram concordância com o relato de caso apresentado,
visto que a lesão cerebral principal descrita afeta o lobo frontal direito, causando
sintomas de euforia/disforia, desinibição comportamental e impulsividade. Além
disso, lesões menores em lobo frontoparietal, explicam surgimento de humor lábil e
alucinações visuais e auditivas.
Existem relatos de que a estimulação subtalâmica em paciente com
Parkinson e estimulação transcraniana de repetição para paciente com transtorno
depressivo refratário a psicofármacos, induziram sintomas maníacos secundários
(BRISSOS; DIAS, 2005).
Em outro relato de caso, um homem de meia-idade, proveniente do Instituto
Psiquiátrico Forense (IPF/RS), apresentou mudança significativa de seu
funcionamento global após acidente doméstico que cursou com TCE grave. Em
relato de familiares, o paciente tornou-se impulsivo, agressivo, apresentando
alterações cognitivas e comportamentais, inclusive vindo a terminar um
relacionamento de longa data (30 anos) e após esse evento veio a cometer um
assassinato (CELG, 2018).
Diagnóstico diferencial deve ser feito com transtorno de humor induzido por
substâncias psicoativas, psicose associada à epilepsia de foco límbico e mudança
de personalidade pós TCE. Ainda devem ser descartadas causas orgânicas como
19

tumores do SNC e delirium. Psicoses não orgânicas como esquizofrenia, transtorno


esquizoafetivo e transtorno bipolar devem ser investigados (JORGE; ROBINSON,
2003).
O tratamento das sequelas deve ser individualizado devido à particularidade
de cada lesão, e há diversas intervenções farmacológicas e não farmacológicas
baseadas em evidências que estão disponíveis na literatura.
Opções não farmacológicas disponíveis para suporte adequado a estes
pacientes são cuidados de saúde geral, psicoeducação individual/familiar e a
assistência social, quando necessária (KELLEHER, 2022). Reabilitação física e
cognitiva de ser considerada essencial (BRISSOS; DIAS, 2005). Outra proposta
adequada a este público é Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), que auxilia a
adquirir/recuperar habilidades interpessoais, ampliar capacidade de enfrentamento e
melhora da regulação emocional (JORGE; ROBINSON, 2003).
A eletroconvulsoterapia (ECT) pode ser útil em casos refratários aos
psicofármacos. No entanto, devido à sensibilidade do SNC destes pacientes, é
adequado usar a menor energia efetiva disponível, a corrente deve ser unilateral não
dominante, os pulsos devem ser breves, novas sessões devem ser espaçadas entre
2 e 5 dias e no total delas, 04 a 06 parecem ser efetivas (JORGE; ROBINSON,
2003).
Devido à sensibilidade elevada do SNC destes pacientes a psicofármacos, é
sugerido seguir alguns passos na instituição do tratamento: início com doses baixas
e aumento lento/gradativo; realizar testes terapêuticos individualizados; reavaliar
com maior frequência e monitorar interações medicamentosas com mais afinco
(HOCHANG; LYKETSOS; RAO, 2003). Percebe-se que o caso foi bem conduzido
devido aos cuidados tomados ao titular as posologias gradativamente, além de
avaliações periódicas do paciente, tanto com consultas médicas regulares como
com exames de imagem para controle. Em acréscimo ao autor citado, é sugerido
realizar aumento gradual das doses e excluir psicofármacos segundo perfil de
efeitos colaterais (JORGE; ROBINSON, 2003). A pesquisa genética individual
parece ampliar conhecimento sobre pacientes respondedores e não respondedores
aos tratamentos farmacológicos propostos (MADHUSOODANAN; DANAN; MOISE,
2007).
20

Quanto ao tratamento dos sintomas psicóticos, comportamentais e de humor


secundários a lesões cerebrais, há evidências para uso das seguintes classes de
psicofármacos: antidepressivos da classe dos inibidores seletivos da recaptação de
serotonina (ISRS), tais como fluoxetina, sertralina, paroxetina, fluvoxamina,
citalopram e escitalopram e antidepressivos tricíclicos (ATC), como nortriptilina e
desipramina, esta última não disponível no Brasil. Além destes, a classe dos
estabilizadores de humor/anticonvulsivantes, com destaques para o ácido valproico
e carbamazepina e na classe de antipsicóticos, há destaque para os atípicos (APA)
como olanzapina, risperidona, quetiapina e clozapina (HOCHANG; LYKETSOS;
RAO, 2003). Uso de anticonvulsivante/estabilizador de humor (valproato) foi
adequado no relato de caso feito por Brissos e Dias (2005). A escolha dos
psicofármacos é adequada perante a literatura, visto que os fármacos utilizados são
a fluoxetina (ISRS), ácido valproico (estabilizadores de humor/anticonvulsivantes) e
a olanzapina (APA).
21

6 CONCLUSÃO

Indivíduos com lesões no SNC de diversas etiologias podem ter sintomas


neuropsiquiátricos secundários. Neste relato de caso foi explanado sobre
apresentação de psicose, mania e alteração do comportamento em paciente jovem,
sua etiologia e a possível fisiopatologia, implicações e alternativas de tratamento
farmacológico e não farmacológico. Não há ferramenta de rastreio validada para
prever casos de psicose. A conduta deve ser individualizada e o paciente deve
realizar acompanhamento periódico por equipe multiprofissional para potencializar
sua reabilitação.
22

REFERÊNCIAS

BLENNOW, K. et al. Traumatic brain injuries. Nat Rev Dis Primers, [s. l.], v. 17, n.
16084, ed. 2, 17 nov. 2016. DOI 10.1038/nrdp.2016.84. Disponível em:
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27853132/ Acesso em: 27 jan. 2023.

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https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/24930929/ Acesso em: 27 jan. 2023.

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GUPTA, B. et al. Delusional disorder in brain abscess: Searching the missing link.
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