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22-128032 CDD-612.8
Índices para catálogo sistemático:
Graduada em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) em 1993 e doutora
em Neurologia pela Technische Universität München (Alemanha) em 2002. Possui título de especialista em
Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria e título de especialista em Neurologia pela Academia
Brasileira de Neurologia. Desde 2008 é professora associada da Faculdade de Ciências da Saúde na
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), onde também é parte do programa de pós-graduação.
Sua pesquisa é voltada para os efeitos do vírus HIV no sistema nervoso central e as relações entre trauma
na infância, memória traumática, depressão, neuroinflamação e infecção pelo HIV. Publicou alguns livros na
área de neurodesenvolvimento e aprendizado, dentre eles Altas Habilidades/Superdotação, Inteligência e
Criatividade – Uma Visão Multidisciplinar, laureado com o prêmio Jabuti em 2015; Autism Spectrum, Crea-
tivity and Emotions e Neuroadventure: Autism, Art and the Brain. Dedica-se à divulgação médica e científica
em seu blog Neurociências em Debate e através de vídeos de orientação em seu canal no youtube Neuropsi-
quiatria-Neurologia-Psiquiatria. Elisabete mora em Dourados, MS, é praticante de yoga e mãe de dois filhos,
Marcelo e Lucas Maurício.
Agradecimentos
Capítulo I
TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO
Thais Gimenes Bachega & Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO 17
2 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 18
3 EPIDEMIOLOGIA 19
4 ETIOLOGIA 20
5 HIPÓTESES FISIOPATOLÓGICAS 22
6 MODELOS PSICOLÓGICOS DO TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO 24
7 TRATAMENTO 26
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 28
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 28
Capítulo II
TRAUMA NA INFÂNCIA
Isabella Clemente Alencar Cunha de Menezes & Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO 33
2 TRANSTORNO DO TRAUMA DO DESENVOLVIMENTO: PROPOSTA DE UM NOVO CONCEITO 34
3 TRAUMA NA INFÂNCIA E ALTERAÇÕES NO NEURODESENVOLVIMENTO 36
4 ALTERAÇÕES NEUROBIOLÓGICAS NO TRAUMA NA INFÂNCIA 38
5 CONSEQUÊNCIAS CLÍNICAS DO TRAUMA NA INFÂNCIA PARA A VIDA ADULTA 42
6 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O TRATAMENTO 44
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 45
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 45
Capítulo III
ADIÇÃO
Ana Letícia Marcon & Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO 51
2 CONCEITOS 53
3 O CÉREBRO DE UMA PESSOA ADICTA 54
4 FATORES DE RISCO 59
5 TRATAMENTO 61
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 63
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 64
Capítulo IV
TRANSTORNO DO ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO (TEPT)
Lucas Dutra Madureira & Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO 67
2 EVOLUÇÃO DO TEPT COMO ENTIDADE NOSOLÓGICA 68
3 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DO TEPT 70
4 EPIDEMIOLOGIA 71
5 MODELOS NEUROBIOLÓGICOS 71
6 FATORES NEUROQUÍMICOS 76
7 GENÉTICA E EPIGENÉTICA 77
8 TRATAMENTO 78
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS 80
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 80
Capítulo V
DEPRESSÃO
Eduardo Henrique Loreti & Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO 85
2 EPIDEMIOLOGIA 86
3 DIAGNÓSTICO 86
4 FISIOPATOLOGIA 89
5 TRAUMA NA INFÂNCIA E DEPRESSÃO 93
6 DEPRESSÃO E SUICÍDIO 93
7 TRATAMENTO 94
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 96
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 96
Capítulo VI
ESQUIZOFRENIA
Marília de Souza Vergara & Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO99
2 EPIDEMIOLOGIA 99
3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIAGNÓSTICO DE ESQUIZOFRENIA 100
4 ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA 101
5 DIAGNÓSTICO NA PSIQUIATRIA E CONCEITO DE ESPECTRO DA ESQUIZOFRENIA 102
6 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 103
7 GENÉTICA, INTERAÇÃO GENE VERSUS AMBIENTE E EPIGENÉTICA:
UMA DOENÇA DO NEURODESENVOLVIMENTO 105
8 FISIOPATOLOGIA 107
9 EVOLUÇÃO CLÍNICA DA ESQUIZOFRENIA E CONCEITO DE DOENÇA NEUROPROGRESSIVA:
DANO EXCITOTÓXICO E NEURODEGENERAÇÃO 112
10 COMORBIDADES: DEPRESSÃO E SUICÍDIO 112
11 ALTERAÇÕES DE NEUROIMAGEM 112
12 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO E NÃO FARMACOLÓGICO 114
13 ELETROCONVULSOTERAPIA 115
14 CONSIDERAÇÕES FINAIS 116
15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 117
Capítulo VII
EPILEPSIA
Henrique Souza Camoiço & Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO 123
2 DEFINIÇÃO 123
3 EPIDEMIOLOGIA 124
4 ASPECTOS CLÍNICOS E CLASSIFICAÇÃO 125
5 ESTIGMA E PRECONCEITO 129
6 NEUROPLASTICIDADE, NEUROINFLAMAÇÃO E NEURODEGENERAÇÃO 130
7 COGNIÇÃO E EMOÇÃO 132
8 EXAMES COMPLEMENTARES 134
9 TRATAMENTO 137
10 EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO 143
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS 144
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 145
Capítulo VIII
DOR CRÔNICA
Caroline de Alexandre Rosa & Candida Aparecida Leite Kassuya & Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO 153
2 CLASSIFICAÇÃO DA DOR CRÔNICA 154
3 VIAS E MECANISMOS DE TRANSMISSÃO DA DOR 155
4 MODULAÇÃO DA DOR 159
5 NEUROINFLAMAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO CENTRAL 165
6 TRATAMENTO DOR CRÔNICA 168
7 CONCLUSÃO 171
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 171
Capítulo IX
ZUMBIDO
Lucas Rodrigues Santa Cruz & Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO 173
2 CONCEITOS BÁSICOS 174
3 FISIOLOGIA AUDITIVA 175
4 MODELOS FISIOPATOLÓGICOS 180
5 AVALIAÇÃO 184
6 TRATAMENTO 186
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 187
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 188
Capitulo X
ESTADO VEGETATIVO E OUTROS DISTÚRBIOS DE CONSCIÊNCIA
Henrique Souza Camoiço & Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO 191
2 ANATOMOFISIOLOGIA DA CONSCIÊNCIA 191
3 ESTADOS DE ALTERAÇÃO DA CONSCIÊNCIA 193
4 FERRAMENTAS DIAGNÓSTICAS 196
5 ABORDAGEM DA DOR 200
6 QUESTÕES ÉTICAS E LEGAIS 202
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 203
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 203
Capítulo XI
DEMÊNCIA DO TIPO ALZHEIMER
Ana Elizabeth Siqueira Eleutério & Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO 205
2 DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS 205
3 EPIDEMIOLOGIA E FATORES DE RISCO 207
4 NEUROBIOLOGIA 208
5 ALTERAÇÕES PSIQUIÁTRICAS NA DEMÊNCIA DO TIPO ALZHEIMER 212
6 ALTERAÇÕES NO SONO NA DEMÊNCIA DO TIPO ALZHEIMER 213
7 DIAGNÓSTICO PRECOCE E BIOMARCADORES 214
8 TRATAMENTO 217
9 CONCLUSÃO 218
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 218
Capítulo XII
DOENÇA DE PARKINSON
Luana Marques Costa & Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO 221
2 EPIDEMIOLOGIA 221
3 ETIOLOGIA 222
4 FISIOPATOLOGIA 222
5 ACHADOS ANATOMOPATOLÓGICOS NA DOENÇA DE PARKINSON 225
6 NEUROINFLAMAÇÃO E DOENÇA DE PARKINSON 226
7 DOENÇA DE PARKINSON E EIXO INTESTINO-CÉREBRO 227
8 DOENÇA DE PARKINSON E SISTEMA ENDOCANABINOIDE 228
9 SINTOMAS MOTORES 229
10 ALTERAÇÕES NÃO MOTORAS 231
11 DOENÇA DE PARKINSON EM HOMENS E MULHERES: EXISTE DIFERENÇA? 233
12 DIAGNÓSTICO 233
13 TRATAMENTO 236
14 CONSIDERAÇÕES FINAIS 238
15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 238
Capítulo XIII
ASPECTOS NEUROPSIQUIÁTRICOS DA INFECÇÃO PELO HIV
Lavínia dos Santos Chagas & Fábio Juliano Negrão & Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO 241
2 EPIDEMIOLOGIA 242
3 ASPECTOS CLÍNICOS DA INFECÇÃO POR HIV 242
4 FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO HIV E DO ACOMETIMENTO DO SISTEMA NERVOSO 245
5 ALTERAÇÕES NEUROPSIQUIÁTRICAS 246
6 NEUROPATIA PERIFÉRICA ASSOCIADA AO HIV 252
7 MIELOPATIA ASSOCIADA AO HIV 252
8 VASCULOPATIA NO SNC ASSOCIADA AO HIV 253
9 INFECÇÕES OPORTUNISTAS DO SNC ASSOCIADAS AO HIV 254
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS 254
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 254
Capítulo XIV
CANNABIS SATIVA E SEUS DERIVADOS NATURAIS ESINTÉTICOS:
USO TERAPÊUTICO E RECREATIVO
Mayara Cristina Fernandes & Nathan Toews & Candida Aparecida Leite Kassuya & Elisabete Castelon Konkiewitz
As doenças neurológicas e psiquiátricas têm se tornado cada vez mais frequentes. Em parte, esse
fenômeno se explica pela maior expectativa de vida que se associa ao aumento nas taxas de processos neuro-
degenerativos, como a doença de Parkinson e a demência do tipo Alzheimer. Já a alta quase explosiva no diag-
nóstico de doenças psiquiátricas – como a depressão, o transtorno do espectro do autismo, os transtornos de
ansiedade e o transtorno do estresse pós-traumático –, permanece pouco esclarecida, ainda, gerando perple-
xidade e controvérsias. Por um lado, questionam-se interesses de grupos (como da indústria farmacêutica) e a
visão por demais normatizadora e enrijecida do comportamento e das emoções, que atribui valor patológico ao
sofrimento e aos desafios próprios da trajetória humana. Por outro lado, os hábitos de vida do homem contem-
porâneo vêm sendo responsabilizados pelo maior adoecimento psíquico. De fato, o sedentarismo, o empobre-
cimento dos vínculos afetivos e sociais, o excesso de informações, a baixa exposição à luz, a privação crônica de
sono, a exposição a produtos industrializados (conservantes, corantes, aromatizantes, agrotóxicos, poluentes,
por exemplo) são fatores que podem se associar a processos neuroplásticos, inflamatórios e epigenéticos, ainda
pouco compreendidos em sua relação com o sistema nervoso central.
O homem teve seu cérebro moldado por mecanismos adaptativos no decorrer de milhões de anos
de evolução. Entretanto, as transformações dos últimos séculos, além de ainda muito recentes, têm-se mos-
trado cada vez mais impermanentes, de modo a, biologicamente, constituírem sempre novos desafios à capa-
cidade fisiológica de ajuste. O transtorno mental poderia, assim, resultar de respostas maladaptativas, frente
a contextos não previstos, ou seja, que não fazem parte do repertório de situações para as quais o cérebro
humano foi funcional e estruturalmente elaborado.
Além de relevantes, pela alta prevalência, as doenças neurológicas e psiquiátricas são também uma ja-
nela para as Neurociências, cuja aspiração é justamente compreender as complexas interações entre a neurobio-
logia – neuroanatomia, neurofisiologia, neurogenética, neuroquímica – e os fatores ambientais – as experiências
afetivas, as experiências traumáticas, a estimulação física e cognitiva, as diferentes formas de privação emocional
e sensorial –, ou seja, como se desenvolvem a consciência, a percepção, as emoções, o comportamento, a memó-
ria e o aprendizado. Trata-se aqui de um campo de estudo bastante heterogêneo e multidisciplinar que abrange
desde estudos físico-químicos e biomoleculares in vitro, ou com modelos animais, estudos envolvendo robótica,
modelos matemáticos, neuroimagem, engenharia de software, até pesquisas clínicas, psicológicas, antropológicas,
etnográficas e especulações filosóficas.
Nesse cenário tão intrincado, a contribuição da presente obra, embora modesta, decorre do seu
caminho peculiar que difere de boa parte dos tratados, nesta área. Ao invés de ter como ponto de partida a
neuroanatomia e a neurofisiologia, parte-se aqui dos transtornos, entendidos como manifestações de pro-
cessos neurobiológicos alterados, de forma que a discussão de tópicos em neurociências é realizada dentro
do enquadramento clínico. Cada capítulo se inicia apresentando os aspectos diagnósticos e epidemiológicos
do transtorno em questão, para, então, prosseguir com os modelos fisiopatológicos, adentrando a neurofisio-
logia, a biologia molecular, a genética, a neuroimagem e, por fim, o tratamento.
O livro pode ser lido de forma tradicional, do início ao fim, como também em ordem aleatória, pois
cada tema foi desenvolvido de modo independente. Um capítulo não é pré-requisito para a compreensão do
capítulo seguinte. Acredito que esta estruturação, embora acarrete repetições (por exemplo, os papeis da
neuroinflamação, do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, dos canabinoides e das alças dopaminérgicas são
15
explicados em diferentes capítulos), traz a vantagem de permitir ao leitor acesso direto ao assunto, no caso,
Tópicos em Neurociência Clínica
Boa leitura!
16
Capítulo I
1 INTRODUÇÃO
17
2 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
Tópicos em Neurociência Clínica
Não existe uma alteração cerebral específica, visível em exames, como ressonância magnética ou
eletroencefalograma, que demarque o EA. Assim, o seu diagnóstico é puramente clínico, baseado no relato
dos cuidadores e na observação do comportamento da criança. Eventualmente, diversos exames comple-
mentares são realizados para avaliar possíveis distúrbios concomitantes.
Os sinais do TEA podem já ser evidentes nos primeiros meses de vida e grande esforço tem sido
realizado para aprimorar o diagnóstico precoce, justamente para que as medidas terapêuticas possam
acontecer ainda dentro do período de desenvolvimento das habilidades básicas de linguagem e comunica-
ção social. Há diversos sintomas sugestivos a serem observados, como redução do contato visual, aversão
ao toque, movimentos repetitivos e sem finalidade— como balanço dos braços, da cabeça ou do tronco—,
fixação em rituais e rotinas, intolerância a mudanças, déficit de fantasia e imaginação (não brincar de faz-
-de-conta), déficit de imitação, interesses restritos, seletividade alimentar, atraso no desenvolvimento da
linguagem, dentre outras.
Em relação à linguagem, além do atraso, outras alterações frequentes são: ecolalia (repetição da-
quilo que se acaba de ouvir); referir-se a si mesmo em terceira pessoa; alteração de prosódia com fala monó-
tona, artificial, cantada ou de outra forma estranha e estereotipada, sem as variações esperadas que transmi-
tem o colorido emocional do que falamos.
Crianças do espectro mostram desinteresse nas atividades de atenção compartilhada. Trata-se aqui
da situação em que duas ou mais pessoas compartilham simultaneamente o mesmo objeto de atenção. As-
sim, por volta de um ano e meio de idade, crianças com desenvolvimento normal apontam objetos para os
outros e também olham na direção do olhar de outra pessoa. Já crianças com autismo não compartilham o
conteúdo de atenção proposto pelo outro, por exemplo, não olham para onde a mãe aponta e não se envol-
vem nos jogos que ela inicia. A atenção compartilhada é necessária, por exemplo, em uma partida de xadrez,
de tênis de mesa, em brincadeiras de roda, em jogos musicais com rima e movimento.
Em 2013, os critérios diagnósticos do autismo foram atualizados, com a publicação do DSM-V, que
modificou o método de análise da doença. Assim, o item descrito no DSM-IV como ‘Transtorno Global de De-
senvolvimento’ continha as seguintes doenças: Autismo, Transtorno Desintegrativo da Infância, Síndrome de
Asperger, Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação e Síndrome de Rett. Já no DSM-V,
foi feita a junção desses diagnósticos, com exceção da Síndrome de Rett, em um único nome: Transtorno do
Espectro Autista. Essa mudança corresponde ao entendimento de que esses transtornos compartilham carac-
terísticas clínicas. Os critérios diagnósticos descritos no DSM-V incluem:
A) Déficits na comunicação e na interação social, de modo que ações relacionadas a essas competências sejam cons-
tantes e em diferentes situações. O item A se compõe dos três subitens abaixo e, para caracterizá-lo, é necessário que
todos estejam presentes:
1. Limitação na reciprocidade social e emocional;
2. Limitação nos comportamentos de comunicação não verbal utilizados para interação social;
3. Limitação em iniciar, manter e entender relacionamentos, abrangendo desde dificuldades em ajustar o com-
portamento para se adequar a contextos sociais, dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em
fazer amigos, à ausência de interesse por pares.
B) Padrões comportamentais, interesses e atividades restritos e repetitivos. Esse item é subdivido nos quatro subitens
abaixo (é necessário que, pelo menos, dois estejam presentes):
1. Movimentos, uso de objetos ou fala repetitivos e estereotipados;
2. Insistência nas mesmas coisas, aderência inflexível às rotinas ou a padrões ritualísticos de comportamentos
verbais e não verbais;
18
3. Interesses fixos e restritos que são anormais na intensidade e foco;
Todavia, alguns estudos sugerem que os novos critérios diagnósticos são mais específicos, porém
menos sensíveis, a ponto de descartar uma parcela significativa de indivíduos que, outrora, eram diagnos-
ticados com algum Transtorno Global do Desenvolvimento. Assim, os novos critérios correspondem a uma
sintomatologia mais severa, podendo não permitir o diagnóstico de casos de autismo leve.5,6
Desse modo, os indivíduos com Síndrome de Asperger e com Transtorno Global do Desenvolvi-
mento Sem Outra Especificação são os principais grupos em que ocorrem discrepâncias entre diagnósticos
realizados com base no DSM-IV e no DSM-V, o que provavelmente se deve ao fato de esses dois grupos não
preencherem a exigência de dois ou mais subitens do critério de padrões comportamentais, interesses e ati-
vidades restritos e repetitivos.5,6,7
Outras mudanças conceituais introduzidas pelo DSM-V foram o entendimento da separação entre
autismo e deficiência intelectual, a não existência de idade mínima para o aparecimento dos sintomas e o
acréscimo da hiper e hiporreatividade como parte do critério diagnóstico.8
3 EPIDEMIOLOGIA
3.1 PREVALÊNCIA
Até o presente, o Brasil não apresenta estudos populacionais de prevalência do autismo. O fato é
que a ausência de dados permeia a maioria dos países, principalmente os emergentes, o que prejudica esti-
mativas globais.9 Além disso, a falta de padronização da metodologia de pesquisa epidemiológica sobre o TEA
dificulta uma avaliação criteriosa sobre a variação da prevalência que pode se dar por razão dos métodos uti-
lizados ou por diferenças reais nas populações.10 Contudo, nos últimos anos, vem se percebendo um aumento
significativo no número de casos, a Organização das Nações Unidas estima que a taxa de pessoas com TEA
seja de 1% a 2% da população mundial.12 Com base nesses dados, haveria no Brasil de dois a quatro milhões
de acometidos! Esse fenômeno não pode ser explicado apenas pela mudança nos critérios diagnósticos (com
a inclusão de dados não cadastrados anteriormente), pelo aumento da consciência da população sobre o
autismo e por diagnósticos equivocados. Há fatores etiológicos ainda não desvendados.10,11. Também a causa
da predominância do sexo masculino— proporção de 3:1— permanece não compreendida.13
3.2 COMORBIDADES
Estudos mostram que 90% das pessoas com TEA apresentam outra doença crônica associada, e
que cerca de 60% deles têm duas ou mais comorbidades, que são comumente outros transtornos clínicos e
psiquiátricos.14 É provável que a severidade do autismo tenha relação com o aumento dos sintomas de outros
transtornos mentais.15 A ansiedade, o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), os distúrbios
19
do sono e os distúrbios gastrointestinais são as comorbidades mais relatadas nesses pacientes. Aproximada-
Tópicos em Neurociência Clínica
mente 40% deles são diagnosticados com ansiedade generalizada, fobias ou TOC. Nas crianças com TEA, o
grau de ansiedade é duas vezes maior, quando comparadas com crianças neurotípicas.16 Já o TDAH acomete
13% dos indivíduos com TEA e está relacionado a maiores dificuldades nas funções executivas e no reconheci-
mento das emoções.17 Também observados em 13% das pessoas com TEA, os distúrbios do sono apresentam
como principais sintomas sonolência durante o dia, apneia do sono e insônia18, sendo que a dificuldade do
indivíduo em seguir o ciclo circadiano contribui para a exacerbação dos sintomas característicos do autismo.19
Outra comorbidade recorrente (30 a 70% dos indivíduos com TEA) são os distúrbios gastrointestinais, tais
como, a constipação crônica, a dor abdominal, a flatulência, a síndrome do intestino irritável e a diarreia.20
Restrições alimentares são comuns, seja por alergias ou por aversão a diferentes alimentos, por exemplo,
pela sua textura.18
4 ETIOLOGIA
Embora ainda não se tenha elucidada a causa do TEA, diversos estudos apontam para uma combi-
nação de fatores genéticos e ambientais.
20
preende a neurogênese, a migração neural, a sinaptogênese e a mielinização. Neurônios que acabaram
5 HIPÓTESES FISIOPATOLÓGICAS
21
cortical é a consequência da menor poda sináptica (menos autofagia por parte da micróglia), de modo
Tópicos em Neurociência Clínica
a haver continuidade de circuitos redundantes e disfuncionais, o que colabora com o prejuízo no neuro-
desenvolvimento.41
À redução da poda sináptica, soma-se a diminuição do período do ciclo celular, o que contribui para
a proliferação de células não eficientes. Assim, há um crescimento cerebral anormal e desorganizado, que
resulta no maior desenvolvimento de neurônios e, consequentemente, da espessura cortical.42 As principais
regiões onde se encontram tal espessamento anormal são a área de Broca (responsável pela expressão da
linguagem), a área de Wernicke (relacionada à compreensão da linguagem), o fascículo arqueado (conexão
entre as duas áreas anteriores) e a região adjacente, o que é congruente com as acentuadas alterações no
desenvolvimento linguístico e na comunicação social observadas clinicamente.41
5.2 TEORIA DA CONECTIVIDADE: CIRCUITOS LOCAIS VERSUS CIRCUITOS ENTRE ÁREAS DISTANTES
A desorganização causada pelo espessamento cortical também influencia a maneira como os circui-
tos locais e distantes se relacionam, sendo que os primeiros são mais desenvolvidos que os segundos. Diver-
sos estudos evidenciaram redução da conectividade funcional (colaboração de áreas cerebrais distantes em
uma tarefa através da sincronização de sua atividade) em pessoas do EA. Além disso, estudos de neuroima-
gem estrutural mostraram ruptura da integridade dos longos tratos, que unem áreas distantes do cérebro. Ao
mesmo tempo, observou-se no EA um padrão de hiperconectividade entre áreas vizinhas, especialmente no
córtex frontal, com alteração da microestrutura das colunas corticais, criando conexões locais pouco seletivas
e redundantes.
As conexões mais intensas possivelmente resultam em um funcionamento desorganizado do lobo
frontal, enquanto as conexões com outras partes do cérebro diminuem, o que prejudica o compartilhamento
de informações entre regiões distantes.43 As falhas nos circuitos longos, por exemplo, entre o córtex frontal e
o parietal, causam deficiência no processamento e integração de informações fundamentais para a percep-
ção, a linguagem e as emoções.41 Além disso, o desenvolvimento excessivo de sinapses nos circuitos locais,
especialmente na região frontal, resulta em alta excitabilidade neuronal, porém pouco seletiva, de modo que
a informação não é processada de modo eficiente.42
22
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 1 – A imagem acima delimita a área cerebral da rede de modo padrão, conhecida também como Default Mode
Network (DMN).
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021. Adaptado de Chew-Helbig N. Psychedelics and Psychotherapy; 2017.
23
A densidade de receptores de oxitocina em determinadas áreas do cérebro foi sugerida como causa
Tópicos em Neurociência Clínica
de prejuízos comportamentais no autismo, como a dificuldade de empatia.52 Assim, no núcleo basal de Mey-
nert, responsável por mecanismos de atenção visual, há aumento desses receptores, possivelmente como
estratégia compensatória diante dos baixos níveis de oxitocina na região. Essa alteração poderia se associar a
observações clínicas, como a redução do contato visual e de reciprocidade nas interações sociais. Entretanto,
ainda não há correlação estabelecida entre os níveis hormonais de oxitocina e o TEA, nem mesmo há consen-
so acerca da metodologia de mensuração do hormônio e dos seus receptores.53
Em testes iniciais promissores, a administração de oxitocina através de um spray nasal em
crianças com autismo melhorou seus comportamentos sociais.54,55. Entretanto, esses ainda são resulta-
dos preliminares.
24
que, portanto, é lá que irá procurá-lo. Responder a esse teste corretamente é visto como uma forte evidência
25
restritos; a falta de flexibilidade comportamental com os padrões de repetição, perseveração em determi-
Tópicos em Neurociência Clínica
6.4 ALEXITIMIA
Estima-se que 85% das pessoas do EA apresentem alexitimia, que se define pela dificuldade em
entender, descrever e categorizar as próprias emoções, mesmo quando elas são presentes e intensas. Por
exemplo, pessoas com alexitimia podem não saber se estão se sentindo culpadas ou decepcionadas com o
outro, se estão com medo ou com vergonha, ou porque estão chorando ou com raiva. É de extrema importân-
cia compreender esse aspecto, pois ele quebra o falso mito de que indivíduos com TEA são frios e incapazes
de criar vínculos. Pelo contrário, a verdade é que eles se apegam às pessoas, querem ajudá-las, agradá-las e
sofrem ao vê-las sofrer, mas podem não conseguir processar cognitivamente o que percebem, podem não
conseguir categorizar e inferir as razões e a natureza dos seus próprios sentimentos e dos sentimentos do
outro, o que causa perplexidade, confusão e muita ansiedade.
A alexitimia está provavelmente relacionada à redução de ativação de áreas associadas ao processa-
mento emocional, como o precúneo, a ínsula, a amígdala e o córtex pré-frontal dorsomedial.68-70
7 TRATAMENTO
A terapia das pessoas com TEA deve ser sempre multiprofissional e individualizada, pois há gran-
des diferenças nas habilidades intelectuais, na gravidade dos sintomas de autismo e nas doenças concomi-
tantes. Além disso, em diferentes fases da vida, as dificuldades a serem abordadas e os métodos terapêu-
ticos se modificam.72
Logo de antemão, o autismo não tem cura, portanto, qualquer tratamento que prometa isso deve
ser visto com ressalvas. Ademais, o foco deve ser a qualidade de vida da criança ou da pessoa com autismo,
o que inclui sua independência, seu funcionamento social, sua comunicação e, acima de tudo, sua satisfação
com a vida e consigo mesma. Assim, a meta não é “normalizar” a criança e abolir todos os comportamentos
que possam identificá-la como diferente das outras, mas reconhecer aspectos que possam ser fortalecidos,
barreiras a serem vencidas, sem deixar de respeitar seus limites.
Programas baseados na ABA (do inglês Applied Behavioral Analysis, desenvolvida por Ole Ivar Lo-
vaas) enfocam a adaptação comportamental, de modo que comportamentos adequados são compensados
com gratificações pré-estabelecidas e os inadequados são redirecionados ou modificados. As instruções
26
são simples e precisas, as regras são claras. Geralmente, os pais são inseridos para que prossigam com a
27
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tópicos em Neurociência Clínica
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. American Psychiatric Association, American Psychiatric Association, editors. Diagnostic and statistical manual of mental disor-
ders: DSM-5. 5th ed. Washington, D.C: American Psychiatric Association; 2013. 947 p.
2. Harris J. Leo Kanner and autism: a 75-year perspective. International Review of Psychiatry. 2018 Jan 2;30(1):3–17. [accessed 22
Nov 2021] Available from: https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/09540261.2018.1455646
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Capítulo II
TRAUMA NA INFÂNCIA
Isabella Clemente Alencar Cunha de Menezes
Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO
Crianças expostas a eventos traumáticos desde a primeira infância podem apresentar uma série de
alterações de comportamento que associados poderão culminar em diagnósticos de diversos transtornos psí-
quicos, dentre eles, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), transtornos de internalização e transtornos
34
de externalização. Os transtornos de internalização são relacionados ao humor depressivo unipolar, à ansie-
35
DTD, que concluiu ainda serem necessárias mais pesquisas, principalmente longitudinais, para estabelecê-lo
Tópicos em Neurociência Clínica
3.1 APEGO
O apego é caracterizado por um poderoso vínculo emocional, desenvolvido entre a criança e
seus cuidadores, estendendo-se posteriormente aos outros membros da família, professores, etc..23 Vários
pesquisadores tentaram explicar a origem do vínculo afetivo entre o bebê e o cuidador no início da vida e a
importância dessa relação para a vida adulta e futuros relacionamentos interpessoais. Em 1930, Konrad Lo-
renz publicou um estudo sobre o imprinting, que é um processo exibido principalmente por filhotes de aves,
como gansos, após a eclosão do ovo.24 Durante o estudo, foi mostrado que as aves imitavam e seguiam o
movimento de sua progenitora. Porém, na ausência da mãe, o filhote repetiria a ação de um outro animal ou
objeto próximo, mostrando, assim, a criação de um vínculo entre os filhotes e o objeto ou ser vivo identifica-
do. Posteriormente, o psiquiatra John Bowlby tentou explicar o surgimento desse vínculo por meio da Teoria
do Apego. Essa teoria se baseia no fato de que os seres humanos possuem uma inclinação natural para criar
relacionamentos, sendo essa tendência uma estratégia de proteção e sobrevivência, visto que o bebê precisa
de auxílio para suprir suas necessidades mais básicas, como a alimentação.25 Dessa forma, o comportamento
de apego é definido como qualquer ação ou conduta inata executada pelo bebê que tem como objetivo bus-
car, aproximar e manter o vínculo com o indivíduo provedor de cuidados, como chorar, estabelecer contato
visual, agarrar-se, aconchegar-se e sorrir. Esses comportamentos podem ser iniciados por situações, como
fome, cansaço e separação entre o bebê e seu cuidador e terminados pela interação visual ou sonora com
o adulto. Por fim, Bowlby também defende que o apego desenvolvido com seu principal cuidador irá servir
como um modelo mental para futuras relações de amizade e confiança, influenciando na construção da per-
sonalidade e nos estilos de relação interpessoal por toda a vida26.
O apego entre a criança e seu principal responsável pode variar conforme o contexto sociofamiliar e
cultural, o perfil da criança e do cuidador. O apego seguro se desenvolve mais facilmente quando o cuidador
36
proporciona a ela um ambiente receptivo e sensível.13 Quando são vítimas de traumas por meio de abuso,
3.2 COGNIÇÃO
A cognição pode ser entendida como a capacidade de receber informações de diferentes fontes,
como através da percepção, crenças e vivências e transformá-las em conhecimento.29 O desenvolvimento
cognitivo é um processo progressivo que abrange atenção, percepção, memória, linguagem, resolução de
problemas e criatividade. As funções executivas também são parte da cognição, as quais são competências
cognitivas adaptativas que possuem como objetivo direcionar comportamentos a metas que permitam ao
indivíduo eleger as estratégias mais eficientes, resolvendo assim, problemas imediatos, e/ou de médio e lon-
go prazo.30 Em um estudo sobre o desenvolvimento do trauma, observou-se que o prejuízo nas habilidades
cognitivas foram as dificuldades mais frequentemente observadas em crianças que vivenciaram traumas na
infância.31 Em uma outra pesquisa, bebês e crianças com privação sensorial e emocional demonstram atraso
no desenvolvimento da linguagem expressiva e receptiva e redução do quociente intelectual (QI).32
cias traumáticas na infância aumentam o risco de uso e abuso de substâncias, gravidez e paternidade na
adolescência, atividade criminosa, autoinjúria e suicídio.37 Além disso, diversas revisões analisaram ado-
lescentes com comportamentos impulsivos e de alto risco (por exemplo, práticas sexuais desprotegidas e
condutas de risco no trânsito) e concluíram que frequentemente estes indivíduos sofreram algum tipo de
trauma na infância.38
O corpo utiliza três principais vias para responder ao estresse e à ameaça: o sistema simpático-a-
drenomedular (SAM), também conhecido como resposta de luta ou fuga, a via do eixo hipotálamo-pitui-
tária-adrenal (HPA) e o sistema imunológico. Esses sistemas trabalham em conjunto e suas funções são in-
fluenciadas fortemente por acontecimentos durante o neurodesenvolvimento. Pela via HPA o estresse induz
a liberação de hormônio liberador de corticotropina (CRH) pelo núcleo paraventricular (PVN) do hipotálamo,
que promove a produção de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) pela adenohipófise, o qual, por sua vez,
ativa o córtex adrenal a liberar glicocorticoides (GCs). Os GCs reduzem a resposta inflamatória, através da
inibição de NF-κB (como explicado abaixo), que provoca down-regulation da expressão de genes codificado-
res de citocinas inflamatórias. Esta ação se dá por meio da ativação de receptores glicocorticoides (GR) nas
células que expressam as citocinas inflamatórias.
Figura 2 – Esquema do eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal (HPA), descrevendo a regulação e o feedback negativo (-) do
cortisol por via dos receptores de glicocorticoides (RGs). CRH = hormônio liberador de corticotropina; ACTH = hormô-
nio adrenocorticotrófico; AGP = arginina vasopressina ou hormônio antidiurético; RMS = receptor mineralocorticoide.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
38
Maus-tratos durante o início da vida estão associados à ativação crônica do eixo HPA com crianças
39
A sinalização dos TLR culmina na ativação da cinase IkB (IKK), recrutando a cinase TAK1 para o com-
Tópicos em Neurociência Clínica
plexo NEMO-IKK.49 A TAK1 fosforila a IKK, que, por sua vez, fosforila a IkB no complexo de IkB-NF-kB, condu-
zindo à degradação de IkB pelo sistema de ubiquitina proteossoma e assim liberando o NF-κB para se deslocar
do citoplasma para o núcleo e ativar a transcrição de genes de TNF-α e de outras citocinas inflamatórias. Em
seguida, o TNF-α, através da ligação ao seu receptor trimérico, pode similarmente induzir à degradação de
IkB para ativar o NF-kB, perpetuando um ciclo de retroalimentação positiva com mais transcrição de genes
de citocinas inflamatórias. Assim, o TNF-α, uma vez induzido pelo antígeno estranho, perpetua a sua própria
elevação por autoestimulação.
Devido à diminuição da expressão do GR em pessoas com estresse precoce, os glicocorticóides não
são mais capazes de inibir a transcrição de genes dependentes de NF-κB, o que permite que a inflamação
se perpetue, tornando-se crônica. Deste modo, o trauma na infância gera um fenótipo “pró-inflamatório”,
aumentando assim os níveis de citocinas circulantes e a disfunção do sistema imune, o que propicia o surgi-
mento de diversas doenças.50
Outra via de sinalização e adaptação ao estresse é constituída pelo eixo simpatoadrenomedular/
locus coeruleus (SAM/LC). Trata-se de uma via de retroalimentação que envolve estruturas cerebrais e vias
autonômicas. A detecção de ameaça pela amígdala leva à estimulação de centros simpáticos hipotalâmicos
e de núcleos de liberação de noradrenalina no tronco encefálico (locus coeruleus). De fato, no hipotálamo
residem os neurônios de comando da sinalização simpática que culmina na estimulação da medula adrenal
que libera adrenalina na corrente sanguínea51. Ao mesmo tempo, o locus coeruleus tem amplas eferências
para o córtex cerebral, particularmente para regiões envolvidas no processamento das memórias e emoções.
O trauma precoce induz nesses circuitos alterações epigenéticas e neuroplásticas duradouras que impacta-
rão na percepção e no enfrentamento de situações de desafio e ameaça no adulto, aumentando o risco de
desenvolvimento de TEPT.52
Especificamente, o estresse precoce pode alterar a forma como o adulto responderá, no futuro,
à adversidade social e aos desafios antigênicos, como os apresentados por agentes infecciosos e isto se dá
através da reprogramação epigenética dos genes que governam a resposta ao estresse.53 De fato, pessoas
submetidas à experiência de estresse precoce apresentam caracteristicamente neuro-inflamação crônica de
baixo grau com ativação microglial e níveis basais elevados de citocinas inflamatórias.54 Isto pode ser atribuí-
do à repressão epigenética da expressão de GR por estresse na primeira infância.
O epigenoma se constitui em modificações biomoleculares que mudam a probabilidade de expres-
são dos genes, sem que haja alteração do código genético em si. Trata-se de um mecanismo importantíssimo
que regula a produção de proteínas e a diferenciação celular, participando da gametogênese, da embriogê-
nese e perdurando ao longo da vida. Deste modo, embora todas as células do organismo compartilhem o
mesmo DNA, elas exercem funções bastante distintas.
Existem três mecanismos conhecidos de alterações epigenéticas: metilação do DNA, modifica-
ções de histonas e ação de RNAs não codificadores (micro RNAs presentes no citoplasma). Destes, a me-
tilação do DNA é o mais bem estudado em pacientes que sofreram traumas na infância. Sua função se dá
através da inibição da expressão de determinados genes. Esse silenciamento seletivo pode, em grande
escala, alterar o percurso do neurodesenvolvimento e nos sistemas de resposta ao estresse, de regulação
emocional e de recompensa.55
O trauma precoce pode causar mudanças na regulação epigenética da expressão gênica, como uma
maior metilação do GR e maior desmetilação de FKBP5, as quais predispõem à maior ativação imunológica.56
A proteína 5 de ligação ao FK506 (FKBP5) codifica uma chaperona que altera a sensibilidade dos hormônios
receptores de esteróides, como o receptor de progesterona (RP) e o RG. A proteína FKBP5 atua sobre o GR no
hipotálamo, reduzindo sua afinidade pelo cortisol, o que é chamado de resistência aos glicocorticóides. Isso
40
prejudica o mecanismo de feedback negativo, perpetuando a liberação de CRH e consequentemente de ACTH
41
células piramidais do hipocampo, tendo ação neurotóxica, reduzindo a arborização dendrítica dos neurônios
Tópicos em Neurociência Clínica
5.1 DEPRESSÃO
Como explicado acima, o trauma infantil resulta em sensibilização persistente dos mecanismos de
resposta ao estresse, principalmente do eixo HPA, que, por sua vez, estão envolvidos com a fisiopatologia
da depressão (vide capítulo XII). Vários mecanismos biomoleculares respaldam a correlação entre eventos
estressores no início da vida, inflamação periférica, alterações nos mecanismos de neuroplasticidade de-
pressão. Experiências de abuso induzem a ativação de mecanismos epigenéticos em genes envolvidos com a
resposta inflamatória e imunológica.
A presença de maior adversidade durante a infância tem sido associada a maior risco de desenvolvimen-
to de depressão. Estudos têm mostrado que maus-tratos no início da vida resultam em sintomas mais graves de
depressão, em sua cronificação, como também em um menor tempo de remissão.73,74 Em uma metanálise, que
inclui 192 estudos e 68.830 pacientes, observou-se que quanto maior a gravidade dos maus-tratos infantis mais
acentuados eram os sintomas de depressão.12 Todos os tipos de maus-tratos foram associados ao risco aumentado
de desenvolver o quadro de depressão. No entanto, justamente as suas formas mais sutis e silenciosas ( abuso
emocional e negligência emocional) mostraram as associações mais fortes com sintomas depressivos no adulto.
Outra pesquisa mostrou que um volume reduzido do hipocampo e da amígdala tem potencial para
servir de biomarcador de risco de depressão após a exposição à violência e maus-tratos na infância, visto que
é um mecanismo plausível de sensibilização ao estresse e está associado ao aumento de sintomas depressi-
vos ao longo do tempo.75
43
O trauma na infância está fortemente associado a doenças psiquiátricas, como depressão, trans-
Tópicos em Neurociência Clínica
torno afetivo bipolar e TEPT, sendo estes preditores estabelecidos de DCV. Assim, a Associação Americana
de Cardiologia (American Heart Association) declarou recentemente que o transtorno depressivo maior e o
transtorno afetivo bipolar são patologias que se associam a um risco moderado de DCV precoce e ateroscle-
rose acelerada.82 O TEPT também pode estar envolvido no surgimento de DCV, por meio do aumento no nível
de catecolaminas circulantes, que elevam a pressão arterial, a velocidade do fluxo sanguíneo e a vasocons-
trição, propiciando lesões vasculares. 83,84 Estudos experimentais também demonstraram que a exposição
prolongada à adrenalina e à norepinefrina induz dano ao miocárdio em ratos.85
O estado pró-inflamatório crônico pode acelerar o desenvolvimento de doenças cardiovasculares
(hipertensão, doença vascular obstrutiva, isquemia do miocárdio, isquemia cerebral) e metabólicas (diabetes,
obesidade, dislipidemia).86,87
44
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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48
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49
50
Tópicos em Neurociência Clínica
Capítulo III
ADIÇÃO
Ana Letícia Marcon
Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO
Adição é o termo que designa a dependência, quer de substâncias químicas, quer de comportamen-
tos compulsivos potencialmente danosos à saúde física e mental. Sua raiz latina, addictus, significa submis-
são, dependência de algo ou de alguém. Dessa maneira, a adição é entendida como uma relação de escravi-
dão, sendo que o “senhor” é a substância e o “escravo”, o adicto.1
Como será visto abaixo, a nomenclatura e a classificação das alterações comportamentais associa-
das ao uso de substâncias é complexa e variável. Entretanto, neste texto, os termos adição e dependência
serão tratados como sinônimos.
Diversos fatores predispõem o indivíduo à adição e ao abuso de substâncias, dentre eles, a consti-
tuição genética,2 as experiências de vida, os traços de personalidade, os estressores sociais, a cultura e tam-
bém alguns transtornos mentais.3 A dependência pode se relacionar à ingestão de substâncias, ou a compor-
tamentos capazes de gerar recompensa, como as compras compulsivas, os jogos de azar, a atividade sexual e,
até mesmo, o uso da internet. Crescentes evidências demonstram semelhanças entre os mecanismos neuro-
biológicos desses dois tipos de transtorno, contudo, neste capítulo, serão abordadas mais aprofundadamente
as alterações geradas pelo uso de substâncias.4
De início, convém ressaltar que a adição é uma doença crônica, sem cura, que produz prejuízos
afetivos, profissionais e sociais. Sendo assim, a compreensão dos mecanismos e das possíveis consequências
neurais geradas pela dependência tornam-se de grande importância para o desenvolvimento de tratamentos
mais eficazes.
Este capítulo é dedicado à discussão dos processos neurobiológicos subjacentes ao desenvolvimen-
to da adição em seus diferentes componentes, como tolerância, abstinência, fissura e recaída. Em seguida,
serão abordadas especificamente as substâncias mais comumente associadas à adição e, por último, os tra-
tamentos disponíveis.
51
dimensional do problema, ou seja, de que se trata de um conjunto de características de comportamento,
Tópicos em Neurociência Clínica
cognição e afeto que se mostram em um continuum, no qual as diferenças se estabelecem pela gravidade
e não pela natureza dos processos em si.6
O transtorno por uso de substância é definido como “um padrão problemático de uso [de qual-
quer substância psicoativa], levando a comprometimento ou sofrimento clinicamente significativo, mani-
festado por meio de pelo menos dois [de onze critérios possíveis], ocorrendo durante um período de 12
meses (Critério A)”.
Os critérios diagnósticos dos transtornos por uso de substancias do DSM-5 (tabela 1) represen-
tam a divisão das alterações comportamentais e neurobiológicas em quatro agrupamentos: baixo controle
(critérios 1-4); deterioração social (critérios 5-7); uso arriscado (critérios 8-9); critérios farmacológicos (cri-
térios 10-11). 6
Quanto à gravidade, a presença de 2 ou 3 critérios caracteriza um transtorno por uso de substância
“leve”; 4 ou 5, um transtorno “moderado”; ao passo que o “grave” possui ao menos 6 sintomas.
Especificar a gravidade atual: leve: presença de 2 ou 3 sintomas; moderada: presença de 4 ou 5 sintomas; grave: pre-
sença de 6 ou mais sintomas.
52
O DSM-5 reconhece dez classes de substâncias, cujo consumo pode se associar a transtornos: ál-
O Padrão de Uso Nocivo é definido como um padrão de uso que já causou danos à saúde física ou men-
tal de um indivíduo ou resultou em comportamento danoso à saúde de terceiros. É um diagnóstico de
sub-dependência que abrange muitos padrões diferentes de consumo e danos. O diagnóstico de Padrão
Nocivo não tem seu correspondente no DSM-5.
O Uso Arriscado é definido como um padrão de uso que aumenta consideravelmente o risco de conse-
quências prejudiciais à saúde física ou mental do usuário ou de terceiros, a ponto de merecer atenção
e aconselhamento de profissionais de saúde. O aumento do risco se dá tanto pela frequência de uso
quanto pela quantidade utilizada em determinada ocasião ou, ainda, por comportamentos de risco asso-
ciados ao uso de substância. Esta nova categoria está incluída dentro de um capítulo separado e também
não tem equivalente direto no DSM-5.
Um novo diagnóstico na CID-11 é o Episódio de Uso Nocivo de Substância, que envolve principalmente
danos agudos à saúde, além dos sintomas de intoxicação aguda ou abstinência, e comumente lesões.
2 CONCEITOS
2.1 ADIÇÃO
A adição ou dependência é uma condição na qual o indivíduo sente frequentemente uma motiva-
ção intensa para ingerir certa substância ou para ter um determinado comportamento, mesmo tendo ciência
dos prejuízos que isso lhe causa.6 A adição se acompanha de mudanças funcionais no cérebro que envolvem
o sistema de recompensa, de resposta ao estresse e de autocontrole, que podem persistir por meses, mesmo
após a interrupção do consumo/comportamento.7
53
A relação de dependência pode se estabelecer com substâncias, como as drogas lícitas e ilícitas
Tópicos em Neurociência Clínica
(como álcool, nicotina, cocaína, heroína e crack), os medicamentos (analgésicos e ansiolíticos), e também
com comportamentos que geram prazer (sexo, compras, apostas, redes sociais, incluindo o trabalho).6
Existem seis elementos principais que caracterizam a adição:8
• Saliência: Consiste na importância excessiva atribuída a determinado objeto, ou comportamento.
Trata-se de uma distorção na percepção e na atribuição de valor, de forma que, para o indivíduo, a
substância, ou as circunstâncias associadas à sua aquisição tornam-se mais relevantes que os diversos
outros componentes de sua vida, como trabalho, família, recreação, convívio social etc.
• Alterações de humor: podem se manifestar como tristeza, cansaço, perda de motivação, irritabilida-
de, insônia ou medo, podendo ocorrer durante a utilização, na ausência ou mesmo na possibilidade de
ficar sem o uso da substância.
• Abstinência: compreende mudanças no comportamento físico e mental da pessoa quando ela inter-
rompe, ou reduz o consumo da substância ou o comportamento do qual é dependente. Dentre as al-
terações comumente encontradas estão o tremor, o aumento da pressão sanguínea, a irritabilidade, a
ansiedade, podendo até ocorrerem crises convulsivas. A gravidade, a duração e os sintomas específicos
da abstinência dependem do tipo de substância consumida.
• Recaída: o retorno ao comportamento de dependência, após período de remissão.
• Conflito: compreende a ambivalência em relação ao comportamento de dependência com motivação
simultânea para cessá-la e perpetuá-la.
• Tolerância: necessidade de doses maiores de uma determinada substância para se obter o mesmo
efeito inicial.
A dependência de substâncias pode ser definida como um transtorno crônico, compulsivo, que per-
faz um círculo vicioso de três estágios: compulsão/intoxicação, abstinência e preocupação/antecipação.9,10 A
etapa de compulsão/intoxicação se caracteriza por grande impulsividade e compulsividade pelo uso; a fase
de abstinência é desencadeada após a redução ou interrupção do consumo; e a preocupação/antecipação
corresponde ao processo de recaída.11
54
é responsável pelas sensações de prazer e, assim, reforça os comportamentos essenciais para a sobrevi-
55
Tópicos em Neurociência Clínica
Córtex pré-Frontal
Nucleus accumbens
Via mesocortical
Via nigroestriatal
Via
tuberoinfundibular
Substância Negra
Figura 1 – A figura representa as vias dopaminérgicas e as regiões anatômicas correspondentes. As duas principais vias
associadas à adição compreendem a via mesolimbica, com origem na VTA (área tegmental ventral) e se dirigindo ao
nucleus accumbens; e via mesocortical, originando-se na VTA e seguindo em direção ao córtex pré-frontal.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
57
Em uma visão anatômica, as áreas cerebrais associadas ao desenvolvimento da dependência são:
Tópicos em Neurociência Clínica
1) Nucleus accumbens, VTA e pallidum ventral: circuito da saliência com sinalização do estímulo de
recompensa;
2) Amígdala, córtex orbitofrontal, hipocampo e estriado dorsal: Formação da memória associativa/
condicionamento;
3) Córtex pré-frontal, córtex orbitofrontal e giro cingulado anterior: Controle executivo;
4) Córtex orbitofrontal, giro cingulado anterior, VTA e estriado dorsal: Controle da motivação e inibi-
ção de atos impulsivos.
3.3.1 Fissura
A fissura caracteriza-se por desejo ou necessidade intensa de usar a substância. Ela pode ocorrer
a qualquer momento, mas, em geral, está ligada aos gatilhos e à abstinência. Muitas vezes, é descrita como
uma vontade tão grande ao ponto de não se conseguir pensar em mais nada. Esse estado é considerado um
sinal de recaída iminente, um fator crítico para o desenvolvimento do uso compulsivo e da dependência de
substâncias.6, 25 Em momentos de fissura, a pessoa tem sua capacidade de escolha e discernimento reduzidas,
focando suas atitudes na obtenção da substância, o que frequentemente leva à desconsideração dos seus
valores éticos e envolvimento com atividades criminosas, ou imorais.25
3.3.2 Tolerância
A tolerância é um fenômeno comum na dependência, contudo, não é necessária e nem suficien-
te para causá-la. É definida como a redução no efeito após administração prolongada de um determinado
fármaco que resulta em perda de sua potência, evidente pelo desvio farmacológico para a direita na curva
dose-resposta. Como resultado, é necessário aumentar a dose de consumo para se obter o efeito inicial.
A tolerância acontece porque o uso prolongado leva o cérebro a estabelecer um novo equilíbrio
químico. Nesse processo, os neurônios, como em um “mecanismo de defesa” diante da superestimulação
gerada pela substância, promovem uma dessensibilização por meio da redução do número, ou da afinidade
dos receptores na membrana celular ou da diminuição da produção de neurotransmissores, caracterizando,
assim, o processo de down regulation.16, 26, 27
Outro mecanismo importante é chamado de up regulation, no qual ocorre o inverso. A baixa sina-
lização feita por um neurotransmissor estimula o aumento do número de receptores na superfície neuronal,
numa tentativa de aumentar a sensibilidade celular à substância. Sabe-se que o aumento na liberação de
dopamina, gerado pelo abuso de substâncias, desencadeia vários mecanismos de plasticidade sináptica, po-
dendo fortalecer (por up regulation) ou enfraquecer (por down regulation) a conectividade entre diversas
regiões do sistema de recompensa.27
Na adição, a neuroplasticidade induzida pelo uso de substâncias está relacionada com respostas
epigenéticas, nas quais estímulos do ambiente são capazes de gerar o silenciamento da expressão gênica e a
edição do RNA e da sua tradução, como ocorre nos mecanismos down e up regulation.27
O grau de tolerância varia de acordo com o tipo de substância, o padrão de exposição (regular, oca-
sional etc.) e o estágio de desenvolvimento do sistema nervoso (na adolescência a tolerância se desenvolve
de forma mais acelerada).28 Além disso, nem todas as substâncias possuem a capacidade de produzir tolerân-
cia. A cocaína, por exemplo, praticamente não induz esse processo. 29, 30 Contudo, a maioria das substâncias
58
comercializadas atualmente geram algum grau de tolerância, como o álcool, a nicotina, os benzodiazepínicos
3.3.3 Abstinência
A síndrome da abstinência corresponde a um conjunto de sintomas somáticos e autonômicos após
a interrupção abrupta do fornecimento da substância .37 As condições clínicas variam de acordo com o tipo
de droga utilizado, podendo ocorrer hiperatividade autonômica, agitação, tremores, taquicardia, febre, su-
dorese, irritabilidade, ansiedade, problemas de concentração e memória, alterações no sono, dentre outros
sintomas. Nos casos mais severos, pode haver alucinações, convulsões, delirium tremens e coma.38
A síndrome de abstinência prolongada pode desencadear recaídas, pois, na tentativa de conter os
sintomas, o paciente volta a fazer uso da droga.
A tolerância e a abstinência são duas faces da mesma moeda. O uso da droga induz o cérebro a
respostas epigenéticas e neuroplásticas, de modo a se adaptar ao seu consumo e, assim, quando o mesmo é
subitamente cessado, ocorre descompensação, uma vez que inúmeros neurônios passam por uma mudança
brusca em seu padrão usual de inibição/excitação.
Sumarizando o que foi explicado acima, o modelo explicativo mais aceito para a adição propõe que
sua evolução aconteça em três estágios: primeiro, binge/intoxicação— resultante da disfunção de redes neu-
rais frontoestriatais que respondem pela atribuição de saliência à droga, motivação e comportamento impul-
sivo; segundo, abstinência/afetos negativos- associado à ativação de áreas límbicas de resposta ao estresse,
destacando-se a amígdala; terceiro, preocupação/antecipação (craving/fissura) com recrutamento de áreas
límbicas relacionadas ao estresse e do córtex pré-frontal. Durante a fase de aquisição, caracterizada por epi-
sódios de intoxicação, o uso da substância provem da busca de experiência hedônica, mas evolui para a fase
na qual o consumo é movido pela tentativa de atenuação dos sintomas negativos da abstinência, passando
a ser compulsivo, ou seja, repetitivo e guiado por urgência intensa e inadiável, porém, sem proporcionar o
prazer esperado. Além disso, instala-se gradualmente disfunção do córtex pré-frontal com prejuízo na aten-
ção seletiva, na inibição de comportamentos impulsivos e na tomada de decisões.39 Deste modo a repetição
do consumo da substância em si provoca mudanças neuroplásticas maladaptativas com desregulação de
circuitos motivacionais, déficits no sistema de recompensa e comprometimento das funções executivas, que
explicariam a transição do uso recreacional para a adição.40
4 FATORES DE RISCO
O consumo de uma determinada droga por si só não induz necessariamente à adição. Caracterís-
ticas genéticas, fatores do ambiente, idade do início de uso e interações sociais estão entre os principais
responsáveis pelo desenvolvimento do transtorno por uso de substâncias.14
59
Entre os fatores hereditários, diversos genes já foram identificados como transmissores de vulne-
Tópicos em Neurociência Clínica
rabilidade à dependência. Eles agem tanto em receptores, quanto nos próprios neurotransmissores e, até
mesmo, no metabolismo das drogas.10 Por exemplo, polimorfismos no gene do receptor do hormônio libera-
dor de corticotrofina (CRHR1) estão associados ao consumo excessivo de álcool. As alterações no gene dos
receptores de acetilcolina, com a dependência de nicotina; e variações polimórficas no receptor de glutamato
AMPA-seletivo (CNIH3), com a adição aos opioides.
Além disso, a exposição paterna às drogas pode provocar mudanças epigenéticas, ou seja, altera-
ções no material genético ocasionadas por fatores ambientais, que são transmitidas pela linhagem germinati-
va, gerando, na prole, maior suscetibilidade à adição.41 Já alelos específicos que codificam enzimas envolvidas
no metabolismo do álcool, como a álcool desidrogenase (ADH1B) e a acetaldeído desidrogenase (ALDH2),
mostram-se protetores contra o abuso de álcool. Do mesmo modo, polimorfismos nos genes do citocromo
P450 2A6 e 2D6, que metabolizam nicotina e opioides, podem proteger contra a dependência de nicotina.10
Por outro lado, o ambiente está muitas vezes relacionado à propensão ao uso de substâncias e ao
desenvolvimento da adição. Condições, tais como baixo nível socioeconômico, falta de apoio social, uso de
drogas pelos pais ou responsáveis, depressão, influência de colegas, disponibilidade de drogas na vizinhança
estão entre os principais fatores de risco.10
Experiências traumáticas na infância estão fortemente ligadas ao transtorno por uso de substâncias.
Estudos afirmam que apenas 15% dos usuários de cocaína não sofreram abuso ou negligência na infância. A
literatura sugere que 60-84% das mulheres adultas que estavam em programas de tratamento para depen-
dência foram vítimas de abuso sexual na infância. Um estudo em Nova Iorque, em 2009, revelou que metade
dos moradores de rua usuários de crack haviam sofrido abuso físico por mães ou parceiros destas. Sabe-se
também que esses fatos podem influenciar a magnitude da recaída após períodos de abstinência.42
Com efeito, o comportamento de busca de recompensa é impulsionado pelo nucleus accumbens
e estriado (NAc / Estriado), mas é inibido/controlado pelo córtex pré-frontal (PFC) através das funções exe-
cutivas. O resultado é o desempenho de comportamentos equilibrados e direcionados a metas. Todavia, em
adultos que sofreram abuso na infância, por mecanismos epigenéticos, a expressão do fator liberador de
corticotrofina (CRF) pelo hipotálamo e de dopamina pela área tegmental ventral (VTA) são modificados, pro-
piciando comportamentos impulsivos. A superexpressão de glicocorticoides (que resulta da hiperativação do
eixo hipotálamo-hipófise-adrenal) também pode causar atrofia do PFC, o que prejudica o desempenho das
funções executivas, agravando a impulsividade.43
Quanto ao fator idade de início, embora o uso de drogas em qualquer idade possa levar à adição, o
início precoce de uso está associado ao aumento do risco de evolução para dependência.44 Esse cenário é par-
ticularmente problemático na adolescência, pois neste período as áreas cerebrais que controlam a tomada
de decisões, o julgamento e o autocontrole ainda estão em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a pressão
do grupo, o desejo de pertencimento e aceitação e a definição da própria identidade são desafios emocionais
que podem predispor a ações impulsivas e a comportamentos de risco.45
Dificuldades na autorregulação emocional também são apontadas como fatores de propensão à
dependência, por se associarem à busca de recompensa imediata como mecanismo de compensação.45
A via de administração da droga também influencia na dependência. Estudos indicam que quanto
mais rapidamente adentra o cérebro, mais aditiva ela se torna. Isso porque a velocidade de aumento da sua
concentração cerebral intensifica os seus efeitos de reforço.24, 41
Os sistemas cerebrais envolvidos na dependência não são exclusivos da adição, uma vez que estão
relacionados com a psicopatologia de múltiplas doenças psiquiátricas, como a esquizofrenia, o transtorno do
déficit de atenção e hiperatividade, o transtorno obsessivo-compulsivo e o transtorno do estresse pós-trau-
mático. Por diferentes vias —maior impulsividade, menor autorregulação emocional, disfunção executiva,
60
sofrimento psíquico, exclusão social, estigma— indivíduos com transtornos mentais são mais vulneráveis ao
5 TRATAMENTO
A adição é uma condição com muitas particularidades, sendo assim, seu tratamento necessita ser
multifacetado. É de extrema importância abordar questões como diminuir as propriedades de reforço do
consumo da substância, incrementar outras fontes de recompensa , inibir comportamentos condicionados,
aumentar a motivação e fortalecer o autocontrole inibitório no processo terapêutico.14
Atualmente, não existem tratamentos específicos para a adição, entretanto, as abordagens que
combinam o uso de fármacos com a psicoterapia têm melhores chances de sucesso que estratégias isola-
das. Além disso, o tratamento de comorbidades psiquiátricas, como depressão, bipolaridade e esquizofrenia,
contribui para melhores resultados, uma vez que estabilizando o quadro psíquico desse paciente, as chances
de recaída são menores. É importante considerar aqui as particularidades de cada paciente —sua situação
socioeconômica, sua rede de apoio sociofamiliar, seu padrão de consumo e o tipo de substância consumida. 46
Em casos específicos, algumas medicações são essenciais para auxiliar o paciente no processo de
desintoxicação e na redução dos sintomas de abstinência. Os fármacos indicados permitem que o cérebro se
adapte gradualmente à ausência da droga, ajudando na prevenção da fissura e da recaída. Contudo, são pou-
cos os fármacos hoje disponíveis para esse fim. Em geral, os mais aceitos e mais utilizados são a metadona, a
naltrexona, o topiramato e a buprenorfina.
A metadona é um agonista dos receptores de opioide. Suas características farmacocinéticas, como a
meia-vida longa, permitem que seja usada no tratamento dos transtornos por uso de opioides, com redução
progressiva da dose até sua retirada completa.49,50
A naltrexona é um antagonista opioide. Isso implica no fato de ela se ligar aos receptores opioides,
mas não ativar a resposta hedônica mediada pelo receptor. Além disso, ela inibe por competição a ligação
com outros tipos de opioides, como a heroína. Sabe-se que sua administração não produz efeitos psíquicos
significativos em indivíduos não dependentes. Admite-se que sua ação atenue o craving por reduzir a libe-
ração de dopamina pela área tegmental ventral para o estriado (que é mediada por opioide) associada ao
consumo de substâncias aditivas.20, 49, 51
O topiramato age bloqueando canais de sódio voltagem-dependentes, potencializando a atividade
gabaérgica e reduzindo a atividade excitatória do glutamato. O aumento da atividade do GABA resulta em
inibição da liberação de dopamina.20, 52
A buprenorfina é um agonista parcial do receptor opioide do tipo µ, ou seja, ela é capaz de estimu-
lar o receptor, gerando, porém, efeitos mais leves que outros opioides, como por exemplo, a heroína. Assim
61
como a metadona, esse fármaco é retirado aos poucos, durante o tratamento, até que seu uso possa ser
Tópicos em Neurociência Clínica
interrompido.19, 49
Como visto, durante a terapêutica, os medicamentos têm suas doses reduzidas gradualmente para
que o paciente possa se ajustar à ausência deles. Existem, basicamente, três fases de administração das medi-
cações: indução, estabilização e manutenção. A evolução de tais etapas é muito particular em cada paciente,
sendo o tempo de tratamento individualizado.53
A fim de reduzir os sintomas na fase aguda da abstinência, podem-se utilizar benzodiazepínicos,
que auxiliam na ansiedade e na insônia, antieméticos (para redução de náuseas e vômitos), antidiarreicos
(controle da diarreia) e anti-inflamatórios, usados em casos de dor.53
Além dos medicamentos, medidas psicoterápicas e psicossociais são elementos fundamentais no
tratamento. Uma das técnicas mais utilizadas é a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que aborda ques-
tões como a influência das drogas nos diversos aspectos da vida, a motivação para a mudança, a adesão à
medicação, o reconhecimento dos gatilhos de recaída e o aprendizado de estratégias para enfrentá-los.54 O
manejo de contingências comportamentais ou gestão de contingência é uma estratégia no contexto da TCC,
que consiste em fornecer recompensas mediante amostras de urina que comprovem a ausência do consumo
da substância de abuso. Quando aplicada junto ao reforço da comunidade (fortalecimento das relações com
familiares, amigos e pessoas significativas), tem apresentado resultados positivos.54
Grupos de autoajuda, como os Alcoólicos Anônimos (AA) e os Narcóticos Anônimos (NA) oferecem
em reuniões privadas suporte solidário, compartilhamento de conquistas e apoio mútuo, visando a abstinên-
cia completa.53 Eles atuam sob a forma de grupos locais em mais de 150 países.
O “Programa dos 12 Passos”, que é parte do pensamento dos AA, consiste em encorajar a pessoa
com dependência a admitir sua impotência pessoal e crer em um poder superior, também chamado de Deus,
que lhe concederá o perdão e lhe ajudará no processo de tratamento. Ela é encorajada a passar por uma
profunda avaliação pessoal, sendo incentivada a mudar comportamentos e reparar os erros cometidos.55, 56
Outra abordagem que vem sendo investigada é a meditação mindfulness, que consiste no treina-
mento em manter a atenção focada na observação imparcial dos próprios pensamentos e emoções. Esta
prática resulta no desenvolvimento de habilidades de autorregulação emocional e controle de respostas im-
pulsivas, mostrando resultados na prevenção de recaída.56
Dentro do cenário destrutivo causado pelo abuso de substâncias, a prevenção e o tratamento pre-
coce ganham significativa importância. Aqui, um exemplo interessante é o modelo do programa escolar euro-
peu Unplugged, elaborado com o intuito de desenvolver a percepção de risco, o pensamento crítico, habilida-
des de comunicação e capacidade de recusa, resolução de problemas e tomada de decisões em adolescentes
de 12 a 14 anos. Fundamentado em 12 aulas em grupos, com treinamentos e discussões, o programa é capaz
de modular atitudes dos jovens sob pressão social e coerção ao uso de substâncias, dessa forma auxiliando
na prevenção do abuso.57, 58
A educação e a conscientização de diferentes atores sociais (pais, educadores, líderes de comuni-
dade) para melhor compreensão dos fatores de risco (biológicos, biográficos e ambientais), reconhecimento
precoce e acolhimento sem estigma das pessoas com transtornos por uso de substâncias é essencial e requer
um esforço conjunto para que se tenha alguma chance de enfrentar essa epidemia do nosso século.59
5.1 RECAÍDA
A recaída significa o retorno ao uso de uma determinada substância, após tentativa de cessá-lo. A
taxa de recaída, um ano após tentativas de interromper o abuso de álcool ou de tabaco, varia de 80% a 95%.
As evidências sugerem que essas cifras não são muito diferentes nos transtornos por uso de outras drogas.60
62
Um estudo com usuários em tratamento, na cidade de São Paulo, constatou que sentimentos de
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A adição é um enorme desafio médico e social no século XXI. O número de acometidos e a diversi-
dade das formas de dependência tendem a aumentar. Novas substâncias ilícitas são introduzidas no mercado
e novas vias de acesso a elas são propiciadas às pessoas. Trata-se de um negócio altamente lucrativo e em
constante expansão. Além das repercussões político-estruturais do crime organizado sobre a sociedade e a
nação como um todo, o comportamento de adição é, em si, devastador para a pessoa acometida e todo o seu
entorno. O indivíduo com dependência vive em um estado de distorção perceptiva, no qual o valor atribuído
ao consumo da substância supera todos os demais aspectos de sua vida. Seu comportamento é aprisionado
a um padrão compulsivo e repetitivo que resiste a tentativas de autocontrole e moderação.
Por isso, a adição é hoje compreendida como uma doença cerebral que se desenvolve em pessoas
geneticamente predispostas e expostas aos fatores de vulnerabilidade ambiental, como experiências traumá-
ticas na infância. Em outras palavras, o uso de uma determinada droga não causa dependência na maioria dos
indivíduos e investigações recentes têm demonstrado fatores estatisticamente associados ao desenvolvimen-
to da adição, de modo que o componente genético não é entendido como determinante, mas como um fator
de suscetibilidade que interage de forma dinâmica com os elementos do ambiente.
Uma vez estabelecida, a dependência gera alterações cerebrais significativas, tanto pela ação
tóxica e neurodegenerativa da substância em questão, quanto pela neuroplasticidade de circuitos neu-
rais associados a recompensa, saliência, autocontrole, definição de metas e organização de estratégias.
Como consequência, a capacidade de autodeterminação vai se deteriorando, perpetuando um ciclo de
autodestruição.
A conceituação da dependência de substâncias como doença, embora com amplo respaldo científi-
co, ainda encontra resistência na sociedade, pois configura uma mudança de paradigma que tira o usuário da
posição de criminoso, ou indolente e o coloca como merecedor justo de assistência médica.
Ainda resta muito a ser feito. Além da elucidação dos circuitos envolvidos na origem e na manuten-
ção da adição, é preciso que se elaborem estratégias de detecção de risco e de prevenção na atenção primária
e que se desenvolvam fármacos e técnicas psicoterápicas específicas e mais eficazes.
A adição destrói biografias, famílias e representa um enorme ônus para as nações. Ela não pode ser
vista como um problema individual, mas como uma ameaça a ser enfrentada pela sociedade coletivamente.
63
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Tópicos em Neurociência Clínica
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Tópicos em Neurociência Clínica
66
Capítulo IV
1 INTRODUÇÃO
A maioria das pessoas ao redor do mundo será exposta a um evento potencialmente traumático
pelo menos uma vez na vida.1 De fato, no decorrer da nossa curta existência são muitas as possibilidades
de situações extremas que nos colocam à beira da morte e/ou à mercê de violência sem controle, ou saí-
da. O risco de assaltos, sequestros, acidentes, estupros e até mesmo de ataques terroristas e execuções
coletivas está sempre presente. Ainda não se entende por completo porque algumas pessoas sucumbem a
essas experiências, desenvolvendo o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), não conseguindo mais
restituir as suas vidas, enquanto outras as superam e ainda outras até mesmo as enxergam como um fator
de crescimento pessoal.
O trauma configura um acontecimento tão extraordinário que rompe com a noção de normalidade,
de cotidiano até então aceita como autoevidente. O trauma é uma transgressão do espectro das possibili-
dades calculáveis. Ele abala e contradiz o senso comum, não se encaixa com coerência na linha biográfica da
vítima, sendo impossível determinar a resposta que cada indivíduo específico desenvolverá. Esta última não
é apenas função da natureza da violência sofrida, mas da combinação de suscetibilidades individuais que
influenciam o processamento de emoções e da memória.
O TEPT é um antigo problema de saúde pública, ainda muitas vezes despercebido pela sociedade,
um assunto emergente, mas que ainda carece de conhecimento e discussão. Quase metade dos indivíduos
que manifestam seus sintomas não procuraram nenhuma forma de tratamento.1
A proposta deste capítulo é esclarecer os mecanismos fisiopatológicos descritos para a manifesta-
ção do TEPT explorando a neurobiologia da doença. De início, apresentamos um breve panorama histórico
com o reconhecimento recente do TEPT como entidade nosológica, a evolução dos critérios clínicos para
o seu diagnóstico e o crescimento contínuo de sua relevância epidemiológica. Em seguida, são discutidos
modelos explicativos da fisiopatologia do TEPT com enfoque nas alterações de neurocircuitos e no envol-
vimento de diferentes neurotransmissores, assim como o papel de fatores genéticos e epigenéticos na sua
etiopatogenia. Na sequência, a situação atual — ainda precária — do tratamento do TEPT é analisada em
suas principais abordagens terapêuticas, que envolvem farmacoterapia e medidas psicoterápicas. Por fim,
encerramos o capítulo pontuando os desafios a serem enfrentados para melhor compreensão e tratamen-
to deste problema tão devastador.
67
2 EVOLUÇÃO DO TEPT COMO ENTIDADE NOSOLÓGICA
Tópicos em Neurociência Clínica
Sintomas advindos de eventos traumáticos têm sido descritos há séculos. Principalmente no con-
texto de guerra, com registros de alterações em combatentes que vão desde as tábuas da Mesopotâmia
há 3000 anos.
Após a Primeira Guerra Mundial foi introduzido pela comunidade psiquiátrica o termo Shell Shock
(choque de combate) para descrever mudanças de comportamento decorridas de experiências de batalha.
Diversos outros termos foram usados em seguida, como “fadiga de combate” ou “neurose de guerra” quando
milhares de homens retornavam da Segunda Guerra Mundial com sintomas do que seriam hoje classificados
como TEPT. A primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) publicado
em 1952 pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) introduziu o diagnóstico de “reação grosseira ao
estresse”, porém a categoria foi excluída na segudnda versão do DSM, em 1968, no qual os sintomas foram
atribuídos a outros transtornos, como depressão maior e esquizofrenia.
O período após a guerra do Vietnã despertou grande interesse para o que na época era definido
como síndrome pós-Vietnã. Também passaram a ser discutidas experiências de trauma na população civil,
como o abuso físico, psicológico e sexual vivido nas famílias por muitas mulheres e crianças e que foi aborda-
do pelo movimento feminista. Com essa mobilização, o diagnóstico formal “transtorno do estresse pós-trau-
mático” foi finalmente adicionado ao DSM-3 em 1980 e doze anos depois na Classificação Internacional de
Doenças (CID) elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).2
Após a introdução formal do TEPT como diagnóstico, diversas pesquisas foram realizadas para seu
melhor entendimento e caracterização, até que, no ano de 2013, com a quinta edição do manual (DSM-5), um
novo conceito, mais amplo e completo, foi implantado para o diagnóstico da doença.3
Segundo os critérios atuais do DSM-5, os indivíduos com TEPT devem ter sido expostos direta
ou indiretamente a um evento traumático e devem ter os sintomas por pelo menos um mês: sintomas
de intrusão, de esquiva, de entorpecimento, efeitos negativos sobre cognição e humor associados ao
trauma e sintomas de hiperexcitação (tabela 1).4 Outro sistema de diagnóstico utilizado para o TEPT é
o da CID, cuja décima primeira versão, de 2018, entrará em vigor no ano de 2022. A CID-11 diverge da
DSM-5 pelo fato de ter eliminado sintomas julgados inespecíficos com o intuito de mais bem delimitar
o TEPT de outros transtornos psiquiátricos, resultando dessa forma em uma definição mais restrita da
doença (tabela 2).5
Tabela 1: Critérios do DSM-5 para diagnóstico de TEPT (aplicáveis em adultos, adolescentes e crianças acima
de 6 anos de idade).
A. Exposição a episódio concreto ou ameaça de morte, lesão grave ou violência sexual em uma (ou mais) das se-
guintes formas:
1. Vivenciar diretamente o evento traumático.
2. Testemunhar pessoalmente o evento traumático ocorrido com outras pessoas.
3. Saber que o evento traumático ocorreu com familiar ou amigo próximo. Nos casos de episódio concreto
ou ameaça de morte envolvendo um familiar ou amigo, é preciso que o evento tenha sido violento ou
acidental.
4. Ser exposto de forma repetida ou extrema a detalhes aversivos do evento traumático (p. ex., socorristas
que recolhem restos de corpos humanos; policiais repetidamente expostos a detalhes de abuso infantil).
Nota: O Critério A4 não se aplica à exposição por meio de mídia eletrônica, televisão, filmes ou fotogra-
fias, a menos que tal exposição esteja relacionada ao trabalho.
68
Tópicos em Neurociência Clínica
B. Presença de um (ou mais) dos seguintes sintomas intrusivos associados ao evento traumático, começando de-
pois de sua ocorrência:
1. Lembranças intrusivas angustiantes, recorrentes e involuntárias do evento traumático.
Nota: Em crianças acima de 6 anos de idade, pode ocorrer brincadeira repetitiva na qual temas ou aspec-
tos do evento traumático são expressos.
2. Sonhos angustiantes recorrentes nos quais o conteúdo e/ou o sentimento do sonho estão relacionados
ao evento traumático.
Nota: Em crianças, pode haver pesadelos sem conteúdo identificável.
3. Reações dissociativas (p. ex., flashbacks) nas quais o indivíduo sente ou age como se o evento traumático
estivesse ocorrendo novamente. (Essas reações podem ocorrer em um continuum, com a expressão mais
extrema sob a forma de perda completa de percepção do ambiente ao redor.)
Nota: Em crianças, a reencenação específica do trauma pode ocorrer na brincadeira.
4. Sofrimento psicológico intenso ou prolongado ante a exposição a sinais internos ou externos que simboli-
zem ou se assemelhem a algum aspecto do evento traumático.
5. Reações fisiológicas intensas a sinais internos ou externos que simbolizem ou se assemelhem a algum
aspecto do evento traumático.
C. Evitação persistente de estímulos associados ao evento traumático, começando após a ocorrência do evento,
conforme evidenciado por um ou ambos dos seguintes aspectos:
1. Evitação ou esforços para evitar recordações, pensamentos ou sentimentos angustiantes acerca de ou
associados de perto ao evento traumático.
2. Evitação ou esforços para evitar lembranças externas (pessoas, lugares, conversas, atividades, objetos,
situações) que despertem recordações, pensamentos ou sentimentos angustiantes acerca de ou asso-
ciados de perto ao evento traumático.
D. Alterações negativas na cognição e no humor associadas ao evento traumático, começando ou piorando de-
pois da ocorrência de tal evento, conforme evidenciado por dois (ou mais) dos seguintes aspectos:
1. Incapacidade de recordar algum aspecto importante do evento traumático (geralmente devido a amné-
sia dissociativa, e não a outros fatores, como traumatismo craniano, álcool ou drogas).
2. Crenças ou expectativas negativas persistentes e exageradas a respeito de si mesmo, dos outros e do
mundo (p. ex., “Sou mau”, “Não se deve confiar em ninguém”, “O mundo é perigoso”, “Todo o meu
sistema nervoso está arruinado para sempre”).
3. Cognições distorcidas persistentes a respeito da causa ou das consequências do evento traumático que
levam o indivíduo a culpar a si mesmo ou os outros.
4. Estado emocional negativo persistente (p. ex., medo, pavor, raiva, culpa ou vergonha).
5. Interesse ou participação bastante diminuída em atividades significativas.
6. Sentimentos de distanciamento e alienação em relação aos outros.
7. Incapacidade persistente de sentir emoções positivas (p. ex., incapacidade de vivenciar sentimentos de
felicidade, satisfação ou amor).
E. Alterações marcantes na excitação e na reatividade associadas ao evento traumático, começando ou piorando
após o evento, conforme evidenciado por dois (ou mais) dos seguintes aspectos:
1. Comportamento irritadiço e surtos de raiva (com pouca ou nenhuma provocação) geralmente expres-
sos sob a forma de agressão verbal ou física em relação a pessoas e objetos.
2. Comportamento imprudente ou autodestrutivo.
3. Hipervigilância.
4. Resposta de sobressalto exagerada.
5. Problemas de concentração.
6. Perturbação do sono (p. ex., dificuldade para iniciar ou manter o sono, ou sono agitado).
F. A perturbação (Critérios B, C, D e E) dura mais de um mês.
G. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo e prejuízo social, profissional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo.
H. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., medicamento, álcool) ou a outra
condição médica.
69
Tabela 2: Critérios da CID-11 para diagnóstico de TEPT.
Tópicos em Neurociência Clínica
1) Reviver o evento ou eventos traumáticos no presente na forma de memórias intrusivas vívidas, flashbacks
ou pesadelos. A revivescência pode ocorrer por meio de uma ou múltiplas modalidades sensoriais e é tipicamente
acompanhada por emoções fortes ou avassaladoras, particularmente medo ou horror, e fortes sensações físicas;
2) Evitação de pensamentos e memórias do evento ou eventos, ou evitação de atividades, situações ou pessoas
que lembrem o (s) evento (s);
3) Percepções persistentes de ameaça presente elevada, por exemplo, conforme indicado por hipervigilância ou
uma reação de sobressalto aumentada a estímulos, como ruídos inesperados.
Os sintomas persistem por pelo menos várias semanas e causam prejuízo significativo na vida pessoal, familiar,
social, educacional, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento.
O quadro clínico de TEPT é complexo e pode manifestar-se de diversas formas, sendo importante
reconhecê-lo em suas diferentes apresentações. Sabe-se que o transtorno envolve principalmente sinto-
mas relacionados a lembranças intrusivas persistentes, hipervigilância, evitação e alterações de cognição
e humor.
Ex-combatentes acometidos por TEPT, por exemplo, são constantemente marcados pelas me-
mórias da guerra. Os sintomas de revivescência e a persistência de memórias de conteúdo traumático
são um tormento constantemente. Ocorre de sofrerem com sonhos perturbadores e “flashbacks” de mo-
mentos devastadores, como se estes estivessem acontecendo novamente. É possível que apenas pistas
associadas ao evento traumático possam despertar reações de medo. Por exemplo, um ex combatente, ao
presenciar fogos de artifício, não consegue distingui-los de uma situação de bombardeio, entra em estado
de extrema ansiedade.
Outro sintoma frequente no TEPT é a dissociação, que consiste na fragmentação de elementos da
consciência, normalmente integrados, levando a prejuízo de memória, identidade e percepção de si mesmo
e do ambiente. Duas formas comuns de dissociação são a despersonalização e a desrealização, ambas sendo
anormalidades perceptivas intimamente relacionadas, nas quais a informação sensorial não se integra. A
despersonalização é um sentimento de estranheza e desconhecimento de si mesmo, a sensação de que se
perdeu posse do próprio corpo, que se está divorciado de si mesmo, de seus sentimentos, emoções e identi-
dade. Desrealização é a sensação de que se está desapegado do mundo exterior, que se tornou irreal e carece
de emoção ou profundidade.
A hipervigilância se caracteriza por um estado de constante alerta, tensão e guarda. Como se es-
tivessem em situação de ameaça, pessoas com TEPT estão sempre examinando o ambiente à sua volta. A
hipervigilância pode fazer com que situações do cotidiano pareçam ameaçadoras.
A evitação se apresenta como esquiva a qualquer situação, ou estímulo que possa se relacionar às
recordações traumáticas— sejam pessoas, lugares, ou situações. Isso pode limitar dramaticamente o espec-
tro de atividades e de participação social e familiar do paciente, atingindo níveis de incapacitação.
Pessoas com TEPT frequentemente têm sintomas de depressão com sentimentos de vazio, de-
sesperança, angústia, mas também de alienação, isolamento e incapacidade de sentir emoções profun-
das, ou de criar vínculos. Sua experiência é de tal forma inexprimível e incompartilhável que impede a
intimidade com outras pessoas, a retomada da vida de antes e o estabelecimento de metas e aspirações
para o futuro.
70
4 EPIDEMIOLOGIA
5 MODELOS NEUROBIOLÓGICOS
Hoje é possível compreender que a resposta ao trauma não depende apenas das características do
evento estressor, mas também de fatores específicos da vítima. O fato de que apenas parte delas desenvolve
sinais e sintomas de TEPT indica que o transtorno envolve alterações anormais e persistentes dos sistemas
neurobiológicos de adaptação. Assim, as pesquisas que investigam a origem do TEPT se concentram na re-
gulação das respostas ao estresse, as quais incluem vias endócrinas e circuitos cerebrais responsáveis por
regular a memória e o comportamento do medo. Aqui se destacam três estruturas: a amígdala, o hipocampo
e o córtex pré-frontal. A primeira representa o componente responsável pela detecção de estímulos aversivos
e a formação da memória aversiva. A amígdala faz parte do sistema límbico— o cérebro emocional— evolu-
tivamente antigo, presente mesmo nos répteis. Seu processamento de informações é imediato, acontecendo
antes que as mesmas adentrem a consciência e já gerando respostas reflexas de sobrevivência. Por exemplo,
as reações de susto frente a estímulos inesperados são promovidas pela amígdala que detecta a ameaça e
orquestra respostas motoras, autonômicas (SNA simpático), endócrinas (eixo hipotálamo-pituitária-adrenal),
e comportamentais, antes de haver um processamento mais preciso. Por isso, é comum a situação de corri-
girmos a reação de susto ao percebermos que nos enganamos e que a ameaça não era real (por exemplo, o
animal perigoso era apenas um brinquedo de borracha).
O hipocampo se associa à percepção de contextos e à formação da memória biográfica, ou decla-
rativa, ou seja, seu funcionamento adequado é essencial para que os estímulos e eventos sejam percebidos
e armazenados de forma inteligível e coerente— em um determinado local, tempo e situação— de modo a
poderem ser inseridos nos conteúdos conscientes, evocados e relatados através da linguagem.
71
O córtex pré-frontal faz parte do neocórtex, evolutivamente recente e associado a funções cogni-
Tópicos em Neurociência Clínica
tivas mais complexas, atuando juntamente com o hipocampo e a amígdala, particularmente ponderando,
interpretando, analisando e selecionando os comportamentos mais adequados.
A seguir, revisamos alguns dos modelos propostos para a neurobiologia do TEPT que discutem essas
estruturas.
72
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 1 – Neuroanatomia do TEPT. Esquema da neuroanatomia funcional do TEPT, mostrando a rede de conexões
entre a amígdala, hipocampo e córtex pré-frontal disfuncionais decorrente do estresse traumático. NE = norepinefri-
na; CRF = hormônio liberador de corticotrofina; ACTH = hormônio adrenocorticotrófico; FC = frequência cardíaca; PA
= pressão arterial.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
73
pode resultar na recuperação recorrente de memórias de trauma em resposta a pistas parciais, levando
Tópicos em Neurociência Clínica
a respostas de medo incongruentes com o contexto atual. Estudos com ressonância magnética em vete-
ranos do Vietnã com TEPT relataram redução significativa no volume do hipocampo em comparação com
indivíduos saudáveis.26
O córtex medial pré-frontal interage intimamente com o hipocampo, resolvendo conflitos entre
esquemas pré-existentes e novos eventos, ou seja, realizando a revisão e a reformulação dos conceitos a
respeito do mundo. Esse processo é a base da psicoterapia, pois implica em aprender que o evento trau-
mático foi algo isolado, ocorrido em um contexto específico, que não mais está se repetindo no momento
presente. Assim, os déficits na recuperação/retenção da extinção com reações emocionais exageradas a
indicadores potenciais de ameaça poderiam se explicar pela disfunção de circuitos pré-frontais em pessoas
com TEPT. 27-29
A mediação do medo contextual depende da ativação de receptores de glicocorticóides (GR) no
córtex pré-frontal,30 que exercem feedback negativo sobre o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), inibin-
do a liberação de cortisol. A suprarregulação dos receptores de glicocorticóides no córtex medial pré-frontal
em pacientes com TEPT mostrou ser crítica para a expressão dos seus sintomas.29,31 Processo semelhante por
sinalização de corticóides ocorre no hipocampo, atuando na separação de padrões e interferindo no proces-
samento contextual.32
74
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 2 – Amígdala, córtex cingulado anterior e ínsula.
Fonte: Própria do autor.
75
ele manipule estas relações, compare com experiências passadas e selecione o comportamento mais.37 Logo,
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prejuízos nas funções executivas podem estar associados à fisiopatologia do TEPT, originando sintomas como
déficit de memória, irritabilidade, impulsividade e respostas emocionais exageradas a pistas salientes.38
6 FATORES NEUROQUÍMICOS
6.1 SEROTONINA
Neurônios secretores de serotonina (5-HT) estão localizados nos núcleos mediano e dorsal da rafe
no tronco cerebral e têm ampla projeção cortical, incluindo para amígdala, hipocampo e córtex pré-fron-
tal ventromedial (áreas do circuito de processamento do medo), modulando principalmente a atividade de
neurônios inibitórios GABAérgicos.39 A 5-HT participa da regulação de respostas afetivas e de estresse. Com-
portamentos impulsivos, hostilidade, depressão e suicídio— frequentemente observados em pessoas com
TEPT— são associados à disfunção serotoninérgica.
Os receptores 5-HT 1B chamam atenção para a manifestação de TEPT, pois parecem desempenhar
função chave na modulação do medo e da ansiedade. Pacientes de TEPT apresentaram redução significativa
da densidade de receptor 5-HT 1B na amígdala, córtex cingulado anterior, estruturas relevantes para o TEPT.40
Fármacos que agem aumentando a atividade serotoninérgica, como inibidores seletivos de recap-
tação de 5-HT (ISRS) demonstraram ser parcialmente eficazes no tratamentos de sintomas de TEPT. Estudos
recentes relatam que o uso da droga de rua 3,4-Metilenodioximetanfetamina (conhecida como MDMA ou
“ecstasy”) indutor de liberação de serotonina e norepinefrina poderia ter resultados terapêuticos em pacien-
tes de TEPT.41
6.2 NOREPINEFRINA
A norepinefrina (NE) é responsável por mediar respostas autonômicas através do sistema nervoso
central (SNC) e periférico. A NE no SNC é liberada por neurônios do locus coeruleus que se conectam com
regiões envolvidas com respostas ao estresse, incluindo o córtex pré-frontal, amígdala, hipocampo e hipo-
tálamo. Um circuito de retroalimentação positiva conecta a amígdala e o hipotálamo com o locus coeruleus,
no qual o hormônio liberador de corticotrofina (CRH) e a NE interagem para aumentar o condicionamento do
medo e a codificação das memórias emocionais, aumentar a excitação e a vigilância e integrar as respostas
endócrinas e autonômicas ao estresse. Essa via é inibida pela ação de glicocorticóides.42
Altos níveis de ativação noradrenérgica estão relacionadas com a provocação de flashbacks e pâni-
co, além de que níveis altos de NE envolvem baixa afinidade de receptores α1 no córtex pré-frontal, causando
distúrbios de atenção e memória e desinibindo sintomas clássicos de TEPT.43
Uma explicação para a maior liberação de NE no estresse crônico pode estar implicada na redução
do neuropeptídeo Y (NPY), uma proteina inibitória da liberação de NE, discutido adiante neste capítulo. A
hiperatividade da amígdala devido a estímulos estressores condicionados e não condicionados aumentam
a saída noradrenérgica do locus coeruleus, além da liberação de NE e epinefrina dos neurônios simpáticos e
medula adrenal.
6.3 NEUROPEPTÍDEO Y
O neuropeptídeo Y (NPY) é o peptídeo mais abundante no SNC, atuando como um cotransmissor,
que modula a liberação e atividade de outros neurotransmissores. Em situação de estresse com maior es-
timulação neuronal, o NPY liberado facilita os efeitos pós-sinápticos dos neurotransmissores. Essa função é
associada a uma forma de conservação de bioenergia em períodos de estresse elevado.
76
O NPY se concentra em regiões conhecidas por atuarem na regulação do estresse, memória, ansie-
6.4 GLUTAMATO
O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório do SNC e a sua influência no TEPT possui for-
tes evidências. Pacientes com TEPT possuem níveis elevados de glutamato.46 Projeções do córtex pré-frontal
para a amígdala são de natureza glutamatérgica e os receptores glutamatérgicos do tipo N-metil D-aspartato
(NMDA) orquestram a plasticidade sináptica, necessária aos processos de aprendizagem e memória, sendo
peças fundamentais no condicionamento do medo no TEPT. Além disso, a superexposição de neurônios ao
glutamato é excitotóxica, podendo afetar a integridade neuronal no hipocampo e no córtex pré-frontal nos
pacientes de TEPT.
7 GENÉTICA E EPIGENÉTICA
Como já mencionado acima, enquanto diversas pessoas são expostas ao trauma, apenas uma pe-
quena parcela desenvolve TEPT. A divergência entre os indivíduos nas respostas perante experiências traumá-
ticas pode ser explicada a partir do risco genético e epigenético, herdado e adquirido.
Pesquisas comparativas com gêmeos monozigóticos e dizigóticos demonstraram uma herdabilidade
dos sintomas de TEPT de cerca de 30%, sendo que fatores genéticos modularam tanto o risco de exposição a
eventos traumáticos (talvez por se correlacionarem com traços de personalidade), quanto a vulnerabilidade
para o desenvolvimento do TEPT, uma vez tendo sofrido trauma.47,48
Já os estudos de associação do genoma em grande escala (GWAS) obtiveram resultados inferiores,
estimando uma contribuição genética para o TEPT de 20% em mulheres e de ainda menos nos homens.49
Trata-se aqui de um método que permite testar em amostras populacionais centenas a milhares de varian-
tes em todo o genoma, realizando uma varredura em busca de polimorfismos de nucleotídeo único que se
associem com o traço fenotípico em questão. O polimorfismo de nucleotídeo único (SNP, do inglês single nu-
cleotide polymorphism) corresponde à variação de uma única base (adenina, citosina, timina, ou guanina) na
sequência de DNA, que pode ocorrer em uma região codificante, resultando em uma variante menos eficaz/
disfuncional da proteína codificada, ou em uma região não-codificante, alterando o processo de transcrição.
Assim, diferentes genes isolados foram relacionados à vulnerabilidade ao TEPT. Todavia, admite-se que haja
outros mecanismos genéticos não avaliados pelo método GWAS (como interações gene-ambiente e altera-
ções epigenéticas) que justificam sua menor estimativa de herdabilidade do TEPT quando comparada aos
resultados dos estudos com gêmeos.
Um exemplo da complexa e dinâmica reciprocidade entre fatores genéticos e ambientais é o papel
da proteína FKBP5. Trata-se de uma proteína que permanece no citoplasma ligada ao GR, tornando-o menos
sensível à ação do glicocorticoide. Assim, a redução na expressão dessa proteína se associa à hipersensibili-
dade aos glicocorticoides— que é justamente um traço do TEPT.
Um estudo binacional, envolvendo mais de 2000 veteranos de guerra, demonstrou que o gene
FKBP5 (que codifica a proteína FKBP5) tem polimorfismos (rs9296158, rs3800373, rs1360780, rs947008) que
se correlacionam positivamente à gravidade dos sintomas de TEPT e interagem com abuso na infância na
predição do seu desenvolvimento.50 Outro estudo concluiu que os polimorfismos por si sós não predizem
TEPT, mas apenas o fazem na presença de história de trauma precoce.51 Deste modo, a presença destes qua-
77
tro polimorfismos modulou a resposta neurobiológica à experiência traumática. Esse fenômeno, pelo qual a
Tópicos em Neurociência Clínica
variante genética altera a sensibilidade do indivíduo a um determinado fator ambiental é denominado inte-
ração gene-ambiente.
Concomitantemente, o abuso na infância leva a alterações epigenéticas que também aumentam
a vulnerabilidade ao adoecimento psiquiátrico na vida adulta, ou seja, além do polimorfismo herdado, a
experiência em um período precoce e de alta neuroplasticidade causa mudanças no DNA (adquiridas) que
não alteram a sua sequência de bases em si, mas o seu arranjo espacial, de forma a facilitar, ou a dificultar
determinados processos de transcrição. Essas alterações são duradouras e mudam o padrão de resposta a
futuros eventos. Estudos de associação de epigenoma em grande escala (EWAS, do inglês epigenome-wide
association studies), porém, ainda não conseguiram encontrar marcadores epigenéticos do TEPT. Assim, uma
pesquisa publicada em 2017 e que avaliou 473 vítimas do ataque de 11 de setembro às torres gêmeas não
detectou perfil de metilação que demonstrasse associação significativa com o transtorno, mas apontou para
a presença de mudanças em vias relacionadas à plasticidade sináptica, sistema oxitocinérgico, colinérgico e
resposta inflamatória.52
8 TRATAMENTO
8.1 PSICOTERAPIA
Existe uma grande variedade de tratamentos psicológicos para o TEPT que foram, ao longo dos
anos, avaliados e sistematizados em guidelines por diversas organizações, como a American Psychological
Association (APA), Veterans Health Administration and Department of Defense (VA/DoD) e o National Institu-
te for Health and Care Excellence (NICE). Dentre as abordagens que demonstraram maior grau de evidência,
abordaremos aqui a terapia de exposição, a terapia de processamento cognitivo e a terapia cognitivo com-
portamental focada no trauma.
A terapia de exposição (TE)— real, ou imaginada— é baseada em modelos animais de extinção da
memória traumática, consistindo no enfraquecimento gradual de uma resposta condicionada, obtido através
da exposição ao componente não condicionado (seguro) associado ao trauma.53,54 Por exemplo, o paciente
retorna ao local do acidente diversas vezes e vê que o mesmo é seguro. Na realidade, os resultados são va-
riáveis, pois a memória traumática tende a se reinstalar espontaneamente, ou mediante pequenos gatilhos.
A terapia cognitivo-comportamental é uma abordagem já bem estabelecida e amplamente utilizada
nos mais diversos transtornos psiquiátricos. Ela parte do princípio de que nossas emoções e comportamen-
tos podem ser modificados, se transformarmos nossas percepções e convicções. Assim, a reestruturação
cognitiva envolve a confrontação do paciente com sua forma de pensar e de perceber o mundo, que pode
ser excessivamente negativa, fatalista, ameaçadora, radical, inflexível ou egocêntrica. Ao longo das sessões,
suas interpretações da realidade são discutidas com o terapeuta sob um prisma racional e reveladas em seus
aspectos distorcidos.
A terapia cognitivo comportamental focada no trauma (TCC-FT) tem como alvo a mudança na inter-
pretação do evento traumático, esperando que ela promoverá mudanças emocionais e comportamentais. O
terapeuta identifica no paciente padrões de distorções de pensamentos, como generalização e pensamentos
78
negativos e lhe ajuda a reavaliar as experiências traumáticas, sua compreensão de si mesmo e de sua capa-
8.2 FARMACOTERAPIA
O tratamento farmacológico do TEPT ainda tem resultados pouco satisfatórios. Na prática clínica, os
medicamentos mais usados são os antidepressivos, particularmente os inibidores seletivos de recaptação de
serotonina, devido ao seu bom perfil de tolerabilidade.55
Apesar de possuírem ação agonista sobre os receptores gabaérgicos, os benzodiazepínicos não são
recomendados no tratamento do TEPT, pois prejudicam a consolidação da memória de extinção do medo e
se associam a piores desfechos clínicos, como aumento na severidade dos sintomas, agressividade, depres-
são, abuso de substâncias, pior resposta à psicoterapia e maior risco de desenvolvimento de TEPT quando
usados logo após a experiência traumática.56
Há inúmeras pesquisas sobre possíveis intervenções precoces para prevenir o desenvolvimento de
TEPT em pessoas recém-traumatizadas. Experimentos em modelos animais com antagonistas do GR e anta-
gonistas do receptor de CRF demonstraram respostas eficazes na prevenção da consolidação da memória
traumática, sugerindo o importante papel do sistema HPA sobre estruturas límbicas, como a amígdala, o
hipocampo e o córtex pré-frontal ventromedial, no desenvolvimento do TEPT.57,58,59
O propranolol, um antagonista dos receptores β-adrenérgicos, mostrou resultados positivos, quan-
do usado logo após o trauma, possivelmente atenuando o descarga noradrenérgica no momento do estresse
e assim prevenindo a formação da neuroplasticidade que estrutura o TEPT. Entretanto, seu uso clínico ain-
da não pôde ser estabelecido.60 A prazosina, um inibidor do receptor alfa-1-noradrenérgico, foi benéfica no
tratamento dos sintomas relacionados ao sono e também na sintomatologia de pacientes com TEPT e com
transtorno do uso de álcool.61
Intervenções visando o sistema glutamatérgico também são promissoras. A cetamina, um antago-
nista do receptor NMDA, demonstrou resultados positivos quando administrada logo após a exposição ao
trauma,62 mas também no tratamento de quadros crônicos.63,64 Ainda não se entende como essa droga po-
deria ajudar nos sintomas de TEPT, mas há evidências de que a atividade glutamatérgica é fundamental para
a neuroplasticidade associada à consolidação da memória e que o antagonismo do NMDA pode bloquear a
consolidação da memória do medo condicionado no hipocampo.65
79
determinada imagem ou som. Ao longo das sessões, ele vai conseguindo entrar cada vez mais rapidamente
Tópicos em Neurociência Clínica
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O TEPT é um problema de reconhecimento e abordagem recentes, mas que vem ganhando grande
interesse e rápido progresso científico. Embora seus mecanismos fisiopatológicos ainda não estejam com-
pletamente elucidados, diversas alterações em circuitos cerebrais e vias moleculares específicas já foram
identificadas.
Os modelos presentes propõem aprendizagem anormal do medo, processamento contextual alte-
rado, detecção exagerada de ameaças e disfunção executiva. No entanto, muitas características da doença
ainda não são bem explicadas e um modelo abrangente, que esclareça o amplo espectro dos seus sintomas
ainda não existe. Em relação aos fatores neuroquímicos, níveis anormais de serotonina, neuropeptídeo Y,
GABA e glutamato estão envolvidos na resposta anormal ao estresse e na codificação das memórias aversi-
vas, podendo ser potenciais alvos para a farmacoterapia.
O TEPT, assim como diversos transtornos psiquiátricos, é resultado tanto de exposição a fatores
ambientais condicionantes como da predisposição neurobiológica inata, envolvendo complexas interações
genéticas e epigenéticas. A busca pela compreensão de como a exposição ao trauma pode interagir com o
genoma humano e resultar em desarranjos nos sistemas neurais e no organismo como um todo é uma área
promissora para pesquisa.
Por fim, foram brevemente apresentadas as formas de intervenção terapêutica no TEPT. Foi visto
que é um transtorno complexo que exige tratamento multidisciplinar e altamente individualizado. Trata-se
aqui de uma área ainda desafiadora e com resultados frustrantes, mas de intensa inovação e experimentação
de novos caminhos.
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Medicine (Baltimore). 10 de julho de 2020; 99 (28): e21142. [acessado em 30 de dezembro de 2021] Disponível em: https://
www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7360199/
84
Capítulo V
DEPRESSÃO
Eduardo Henrique Loreti
Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO
O sofrimento, a tristeza, o medo e a insatisfação são parte da condição humana. Todos vivem mo-
mentos de frustração, de desânimo, crises de choro e de mau humor. Isso tudo não é depressão. A depressão
é um estado demorado, pesado e profundo. A pessoa deprimida pode relatar uma tristeza esmagadora, mas
também raiva, mágoa, culpa ou medo do futuro, preocupações contínuas, ou sensação de vazio e alienação,
como se não pertencesse mais a esta vida, ou tivesse perdido a capacidade de sentir. A forma de perceber o
mundo fica alterada. Este parece hostil, traiçoeiro e perigoso. Pequenas críticas são causa de grande ofensa.
O paciente muitas vezes se enxerga como inferior, inadequado e insuficiente. Não se trata aqui de enxergar
os próprios defeitos, mas de se sentir muito mal na própria pele.
Os pensamentos podem se restringir a conteúdos negativos do passado (injustiças, perdas e de-
cepções sofridas), ou do futuro (catástrofes iminentes), que ficam se repetindo em uma trama sem resolu-
ção. Aos poucos vai sendo sedimentada a crença de que não há reparação, não há saída, não há esperança.
O isolamento é procurado, pois a pessoa deprimida se sente sozinha e incompreendida na sua
vivência. Ela não consegue compartilhar com os demais as pequenas alegrias e prazeres do cotidiano,
como festas, encontros, ou hobbies. Essas atividades lhe parecem distantes e sem sentido. Ademais, fre-
quentemente o deprimido tem muito cansaço e falta de energia. É como se fosse atado a uma pedra de
chumbo. Tudo se torna muito exaustivo, até mesmo a higiene pessoal e os cuidados básicos com a casa
podem ficar inviáveis.
A depressão comprovadamente altera o funcionamento geral do corpo e aumenta o risco para
várias doenças. O sono pode ser excessivo, ou reduzido e entrecortado. Alguns pacientes despertam pela
madrugada e não adormecem mais. Este despertar precoce é comumente acompanhado de muita angús-
tia, configurando a pior fase do dia. Alguns deprimidos têm perda de apetite e de peso, outros comem
compulsivamente. A dor está intimamente associada à depressão, compartilhando com ela várias áreas de
percepção do sistema nervoso. Doenças inflamatórias, autoimunes, alérgicas, mas também doenças me-
tabólicas, como o diabetes e até mesmo o câncer sofrem influência da depressão. Existe assim uma área
de pesquisa denominada psiconeuroendocrinoimunologia que busca destrinchar as vias que interligam os
diferentes sistemas do nosso organismo. De acordo com as neurociências, a divisão do homem em corpo e
mente é mais didática que real, pois os mesmos órgãos (por exemplo, cérebro, suprarrenais, intestino) e as
mesmas moléculas (por exemplo, serotonina, dopamina, noradrenalina, citocina, insulina, citocinas) atuam
coordenando tanto o nosso comportamento, as nossas emoções, como o nosso metabolismo, crescimento
e resposta de defesa imune.
85
A depressão é uma doença altamente prevalente, incapacitante e dispendiosa. Atualmente é con-
Tópicos em Neurociência Clínica
siderada a principal causa de incapacidade no mundo, pois acarreta a diminuição da funcionalidade, da qua-
lidade de vida e o aumento do risco de comorbidades e de mortalidade.1 Mais de 350 milhões de pessoas
sofrem de depressão em todo o mundo, sendo que a probabilidade de desenvolvê-la em algum momento
durante a vida é de 5% a 12% para homens e 10% a 25% para mulheres.1
É uma doença de etiologia multifatorial, envolvendo elementos biológicos, psicológicos e sociais.
Muitos dos sintomas da depressão apresentam características polimórficas que podem se sobrepor a vários
outros transtornos psiquiátricos, o que torna o diagnóstico desafiador.2
Este capitulo abordará questões importantes e atuais relacionadas à depressão, como a apresen-
tação clínica, a fisiopatologia, sua relação com o trauma na infância, o tratamento farmacológico e psicote-
rápico e, finalmente, o uso terapêutico da eletroestimulação transcraniana por corrente continua (tDCS) que
consiste em uma técnica de neuromodulação não-invasiva.
2 EPIDEMIOLOGIA
A depressão é a condição de saúde mental mais comum na população geral. Em suas formas mais
graves, pode levar ao aumento da mortalidade, particularmente pelo suicídio.3
A depressão afeta mais de 350 milhões de pessoas em todas as idades e em todo o mundo, sendo
que o número total daqueles com probabilidade de desenvolvê-la aumentou em 18,4%, entre 2005 e 2015.
Estima-se que esse número aumentará exponencialmente nos próximos anos, devendo superar as taxas das
doenças cardiovasculares.2 Já no ano de 2013, a depressão foi a segunda maior causa de “Anos Vividos com
Incapacidades” (YLDs – Years Lived with Disabilities), que é uma forma de se medir e comparar na população
o quanto de incapacidade uma determinada doença causa. Naquele ano, a depressão afetou entre 5% e 10%
dos adultos no mundo.4
A prevalência de sintomas depressivos na população geral varia entre 8% e 14%, nas áreas urbanas
de diferentes países. Ao longo da vida, a prevalência de depressão varia de 20% a 25% em mulheres, e de 7%
a 12% em homens.5
Em relação à associação entre depressão e doenças crônicas, um estudo de metanálise, publicado
em 2017, envolvendo 41 344 indivíduos, mostrou que sintomas depressivos estavam presentes em 27% dos
pacientes com asma, 24,6% daqueles com doença pulmonar obstrutiva crônica, 22% daqueles com lúpus
eritematoso sistêmico e em 30% daqueles com acidente vascular cerebral (30%).6
3 DIAGNÓSTICO
Para padronização dos critérios diagnósticos de depressão, foram desenvolvidos sistemas de classi-
ficação, dentre os quais os mais usados são a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relaciona-
dos à Saúde— atualmente em sua 11ª versão (CID-11)— e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais— atualmente me sua 5ª versão (DSM-5).
O DSM-57 destaca que os transtornos depressivos incluem transtorno disruptivo da desregula-
ção do humor, transtorno depressivo maior (incluindo episódio depressivo maior), transtorno depressivo
persistente (distimia), transtorno disfórico pré-menstrual, transtorno depressivo induzido por substância/
86
medicamento, transtorno depressivo devido à outra condição médica, outro transtorno depressivo es-
87
Tabela 1: Critérios do DSM-57 para diagnóstico do transtorno depressivo maior
Tópicos em Neurociência Clínica
A característica essencial do Transtorno Depressivo Maior é um quadro clínico caracterizado por um ou mais Episó-
dios Depressivos Maiores, sem história de Episódios Maníacos, Mistos ou Hipomaníacos (Critério A e C). O episódio
depressivo se define quando:
A. Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiverem presentes durante o mesmo período de duas semanas e repre-
sentarem uma mudança em relação ao funcionamento anterior. Pelo menos um dos sintomas deve ser (1) humor
deprimido ou (2) perda de interesse ou prazer.
1. Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, conforme indicado por relato subjetivo (p. ex., sen-
te-se triste, vazio, sem esperança) ou por observação feita por outras pessoas (p. ex., parece choroso). (Nota: Em
crianças e adolescentes, pode ser humor irritável.)
2. Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase
todos os dias (indicada por relato subjetivo ou observação feita por outras pessoas).
3. Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta (p. ex., uma alteração de mais de 5% do peso corpo-
ral em um mês), ou redução ou aumento do apetite quase todos os dias. (Nota: Em crianças, considerar o insucesso
em obter o ganho de peso esperado.)
4. Insônia ou hipersonia quase todos os dias.
5. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outras pessoas, não meramente sensações
subjetivas de inquietação ou de estar mais lento).
6. Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
7. Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem ser delirantes) quase todos os dias
(não meramente autorrecriminação ou culpa por estar doente).
8. Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão quase todos os dias (por relato subjetivo ou
observação feita por outras pessoas).
9. Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ou ideação suicida recorrente sem um plano
específico, ou uma tentativa de suicídio, ou plano específico para cometer suicídio.
C. O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica.
D. A ocorrência do episódio depressivo maior não é mais bem explicada por transtorno esquizoafetivo, esquizofrenia,
transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante, outro transtorno do espectro da esquizofrenia e outro transtor-
no psicótico especificado ou transtorno da esquizofrenia e outro transtorno psicótico não especificado.
Nota: Os episódios de Transtorno do Humor Induzido por Substância (devido aos efeitos fisiológicos diretos de uma dro-
ga de abuso, um medicamento ou exposição a uma toxina) ou de Transtorno do Humor Devido a uma Condição Médica
Geral não contam para um diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior. Além disso, os episódios não devem ser mais
bem explicados por um Transtorno Esquizoafetivo, nem devem estar sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizo-
freniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação (Critério B).
Nota: Um episódio é considerado findo quando não mais são satisfeitos todos os critérios para Transtorno Depressivo
Maior por pelo menos 2 meses consecutivos. Durante esse período de 2 meses, existe a resolução completa dos sinto-
mas ou a presença de sintomas depressivos que não mais satisfazem os critérios completos para um Episódio Depressivo
Maior (em remissão parcial).
88
4 FISIOPATOLOGIA
89
Tópicos em Neurociência Clínica
Noradrenalina Serotonina
Dopamina
90
4.3 HIPÓTESE CITOCINÉRGICA, OU INFLAMATÓRIA DA DEPRESSÃO
91
Além disso, a elevação dos níveis de IL-6 no SNC pode estimular a produção e a secreção do hormô-
Tópicos em Neurociência Clínica
nio liberador de corticotropina (CRH) por estruturas límbicas; por sua vez, o CRH ativa macrófagos, monócitos,
micróglia e astrócitos a liberarem citocinas pró-inflamatórias.
Como já mencionado, o aumento nas concentrações de citocinas pró-inflamatórias acarreta ativa-
ção da enzima idolamina-2,3-dioxigenase (IDO), que metaboliza o triptofano, formando moléculas neurotóxi-
cas e reduzindo a sua disponibilidade no SNC para a formação de serotonina.32
Estudos utilizando ressonância magnética nuclear funcional (fMRI) em adultos com infecção crônica
pelo vírus da hepatite C demonstraram que as citocinas inflamatórias diminuem a liberação de dopamina
nos gânglios da base e levam à redução na resposta de recompensa no estriado.33 Níveis séricos elevados de
PCR se correlacionam à diminuição da ativação do estriado ventral (nucleus accumbens— área associada ao
processamento de prazer e motivação) e do córtex pré-frontal ventromedial (fundamental na ponderação so-
bre diferentes opções e na tomada de decisões) em análise por fMRI.34 Em cadeia, o aumento da inflamação
também causa aumento da ativação de neurocircuitos associados à ameaça e à ansiedade, incluindo o córtex
cingulado anterior dorsal, a ínsula e a amigdala.29
A compreensão de como os processos inflamatórios contribuem para a depressão tem estimulado o
interesse acerca da possibilidade do uso de anti-inflamatórios como novos “antidepressivos”.35
92
O aumento na permeabilidade intestinal (leaky gut) permite que microrganismos e seus metabó-
O trauma pode ser definido como uma experiência avassaladora que supera a capacidade de adap-
tação e enfrentamento do indivíduo. Pode surgir de um único evento, no entanto, mais frequentemente
corresponde a situações crônicas ou repetidas de adversidade, como o abuso infantil.
Estudos de meta-analise têm demonstrado aumento da incidência de transtornos mentais em in-
divíduos com histórico de abuso infantil.45,46 Por exemplo, o abuso sexual na infância pode aumentar em até
quatro vezes o risco de depressão na idade adulta. Também a concomitância de diferentes formas de maus-
-tratos (físico, sexual, emocional, negligência) e sua duração impactam no risco de adoecimento psiquiátrico
no adulto.47
Abuso emocional e negligência emocional também estão relacionados à maior vulnerabilidade à
depressão.47 Discute-se que a vergonha, a culpa e a baixa autoestima decorrentes do abuso possam ser os
elementos que levam à depressão.
Estudos em modelo animal mostram que a experiência de derrota social induz comportamentos
de depressão, como anedonia, isolamento e imobilidade, acompanhados de elevação dos níveis séricos de
corticoides e alterações duradouras do sistema de recompensa,49-50 com aumento da excitabilidade e da taxa
de disparo de neurônios dopaminérgicos na área tegmental ventral.49 Roedores privados de cuidados mater-
nos apresentam comportamentos depressivos, com aumento do nível de glicocorticoides e diminuição da
concentração de neutrofinas.51,52
Conforme já discutida, a hiperreatividade do eixo HPA é um dos principais mecanismos envolvidos
na depressão.53 Admite-se que experiências traumáticas em um período precoce do neurodesenvolvimento
causem— por mecanismos epigenéticos— dessensibilização duradoura do receptor de glicocorticoide no
hipotálamo, determinando assim a hiperresponsividade do eixo HPA diante de futuros estressores.54-56
6 DEPRESSÃO E SUICÍDIO
O suicídio é um ato consciente, feito com a intenção de acabar com a própria vida, constituindo
um problema de saúde pública desafiador e complexo.57 É considerado uma das principais causas de morte
evitável em países desenvolvidos e em desenvolvimento, sendo que até dois terços das mortes por suicídio
ocorrem na primeira tentativa.58 Sua incidência entre pessoas com depressão varia entre 2,8% e 5%, sendo
que mais de 90% das pessoas que morreram por suicídio tinham histórico de depressão.58
93
Tópicos em Neurociência Clínica
O risco de suicídio sempre deve ser investigado e diretamente questionado pelo psiquiatra. Ele
pode se mostrar sob diferentes formas, indo desde a perda de interesse pela vida, fantasias de morte, até o
planejamento meticuloso do ato de autoextermínio. É possível que se estruture como ideia fixa, ou que seja
a resposta impulsiva a uma situação percebida como inescapável.58
Estudos post mortem e in vivo, em sobreviventes à tentativa de suicídio, evidenciam alterações no
eixo HPA e no sistema serotoninérgico. Com efeito, a hiperatividade do eixo HPA foi associada a um aumento
de até 14 vezes no risco de suicídio,59 que assim possui um componente de resposta neuroendócrina anormal
ao estresse. Aqui, fatores genéticos e epigenéticos estão envolvidos. Estudos demonstraram que indivíduos
que cometeram suicídio apresentaram alterações no gene do CRH e hipermetilação e expressão reduzida do
gene SkA2, que codifica uma proteína que interage com NR3CL (receptor de glicocorticoide).60-61
Um estudo recente de neuroimagem estrutural com morfometria evidenciou atrofia em diferentes
regiões do córtex pré-frontal em pessoas com tentativa de suicídio. Trata-se aqui de áreas responsáveis pela
interpretação do ambiente, ponderação, tomada de decisão frente a diferentes opções, flexibilidade cogniti-
va e controle dos impulsos.62
Assim, as alterações genéticas, biomoleculares a anatômicas, em conjunto, provavelmente causam
um perfil cognitivo e emocional, com prejuízo no autocontrole e nas funções executivas, impulsividade, tra-
ços de agressividade, hiper-reatividade ao estresse e pessimismo, que predispõe ao comportamento suicida.
7 TRATAMENTO
94
Apesar de ter resultados comprovados, a eficácia da farmacoterapia ainda é insatisfatória, com
7.3 ELETROCONVULSOTERAPIA
A eletroconvulsoterapia (ECT) é um procedimento que aplica estimulação elétrica para produzir
uma convulsão generalizada com fins terapêuticos.70 Ela já vem sendo utilizada há mais de meio século,71 no
entanto, ainda é considerada uma terapia de segunda linha, geralmente reservada para os casos mais graves
(comportamento suicida, sintomas psicóticos, mutismo) em que a medicação e a psicoterapia falharam. Sua
indicação não se restringe à depressão, sendo um método estabelecido também no tratamento da esquizo-
frenia e do transtorno afetivo bipolar.72
Estudos em animais demonstraram que a ECT induz mudanças nos sistemas serotoninérgico e do-
paminérgico, levando ao aumento da densidade dos receptores 5HT2.73 e à resistência dos receptores dopa-
minérgicos, resultando em aumento da liberação da dopamina.74 Também observou-se aumento na síntese
de fatores neurotróficos.75 Além disso, a ECT desencadeia alterações hormonais, com elevação dos níveis de
prolactina, cortisol e hormônio tireoestimulante.76
A ECT é comprovadamente um método seguro e bastante eficaz na melhora dos sintomas depressi-
vos, com resultados superiores à farmacoterapia. A resposta antidepressiva é rápida e duradoura.77-79
95
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tópicos em Neurociência Clínica
A depressão não é simplesmente estar triste, mas um transtorno psiquiátrico grave que precisa de
acompanhamento profissional, uma vez que é uma das doenças mentais mais incapacitantes e que pode
trazer comprometimentos severos para os pacientes e seus familiares. Apesar de sua fisiopatologia ser com-
plexa, a depressão é tratável e diferentes opções terapêuticas estão à disposição. No entanto, é importante
salientar que a falta de informação dificulta muito a recuperação e a reabilitação dos pacientes, sendo neces-
sário que a sociedade desenvolva um novo olhar para esse problema.
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98
Capítulo VI
ESQUIZOFRENIA
Marília de Souza Vergara
Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO
2 EPIDEMIOLOGIA
99
vida adulta, sendo mais raro seu surgimento na infância ou após os 45 anos. A diferença de acometimento
Tópicos em Neurociência Clínica
entre os sexos é pequena, com uma proporção de 1,4 homens para 1 mulher. Além disso, o diagnóstico nas
mulheres é mais tardio, com idade de início no sexo masculino entre 18 e 25 anos e no sexo feminino entre
25 e 35 anos.2,3
Os fatores de risco associados com a esquizofrenia são:
• Ser morador de zona urbana.4
• Imigração.5
• Histórico de complicações obstétricas, como hemorragia perinatal, prematuridade, incompatibi-
lidade sanguínea materno-fetal, hipóxia neonatal, infecção materna durante a gestação.6
• Nascimento no final do inverno e início da primavera (refletindo, talvez, exposição ao vírus da
gripe durante o desenvolvimento neural).
• Idade paterna avançada na concepção (poderia estar associada com risco aumentado de muta-
ções de novo).7,8
• Abuso de drogas psicoestimulantes, como anfetamina, metanfetamina e cocaína.9
• Uso de cannabis: O consumo de Cannabis pode aumentar o risco de desenvolvimento de esqui-
zofrenia em até 4 vezes em pessoas geneticamente predispostas.10
• Histórico de adversidades na infância, como abuso físico e sexual, e bullying.10
Os indivíduos com o transtorno têm menor expectativa de vida, cerca de 20 anos a menos do que
a população geral,11 e maior mortalidade devido às comorbidades psiquiátricas— como depressão, transtor-
nos de ansiedade e transtornos por uso de álcool e outras substâncias— e às comorbidades clínicas, como
doenças cardiovasculares (coronariopatia, acidentes vasculares encefálicos) e metabólicas (diabetes tipo II,
dislipidemia, obesidade), afecções respiratórias.12,13,14,15
A definição de esquizofrenia começa a ser desenvolvida no final do Século XIX e início do XX. Ga-
nhando forma com as contribuições de Emil Kraepelin (1856-1926) e de Eugen Bleuler (1857-1939), passou
por transformações constantes ao longo do século passado, até chegar ao conceito atual, sobretudo após
Kurt Schneider (1887-1967) propor os Sintomas de Primeira Ordem.
O psiquiatra alemão Emil Kraepelin introduziu o termo dementia praecox (1919), unindo em uma
única entidade nosológica um grupo de manifestações clínicas observadas em seus pacientes. Eles apre-
sentavam, em idade jovem, severo declínio cognitivo e comportamental, com evolução progressiva do que,
décadas depois, foram conceituadas como funções executivas. A dementia praecox foi descrita com tendo
nove formas de manifestações clínicas: hebefrenia, dementia praecox simplex, depressiva, circular, agitada,
periódica, catatônica, paranoide e com discurso confuso.16 Kraepelin acreditava que essas manifestações fos-
sem subjacentes a distúrbios neurológicos, o que não conseguiu comprovar na sua época.17
O psiquiatra suíço Eugen Bleuler cunhou o termo esquizofrenia para definir a cisão entre com-
portamento, pensamento e emoção. Diferentemente do que defendia Kraepelin, afirmou que a doença
não teria necessariamente um curso deteriorante. Bleuler distinguiu os sintomas básicos (obrigatórios)
– prejuízo de associações, de pensamento, indeterminação volitiva (ambivalência), incongruência afetiva,
afastamento da realidade (autismo) –, dos sintomas acessórios (suplementares) – delírios e alucinações.16
Em sua concepção, os distúrbios estariam mais associados às alterações psicológicas do que propriamente
a uma disfunção neural.
100
Kurt Schneider, psiquiatra alemão, estabeleceu os sintomas de primeira ordem, como altamente
4 ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA
101
Essa fase, denominada humor delirante, é interrompida pela apofania (ou revelação), que seria a
Tópicos em Neurociência Clínica
experiência de insight, ou seja, de subitamente encontrar um sentido sobre o que está acontecendo. Neste
momento, o paciente cristaliza o delírio como uma explicação para sua antiga sensação de estranheza e
perplexidade. O paciente constrói inferências causais e muda o ponto de referência da realidade para si
mesmo, passando a interpretar todos os eventos como girando em torno de si, ou mantendo uma relação
consigo.21 Alguns pesquisadores sugerem que o fenômeno central da esquizofrenia seja, assim, a perda do
senso comum.22
Os transtornos do self são outras características centrais da experiência psicótica. Trata-se de vi-
vências muito perturbadoras e ameaçadoras para a pessoa, nas quais os dados autoevidentes – os que a
orientam no mundo – são abalados, como acontece nos transtornos de desrealização e de despersonalização.
A desrealização reflete a sensação de estranheza e perplexidade diante do ambiente, como se
este tivesse se tornado irreal e distante para o indivíduo. Já a despersonalização se caracteriza pela quebra
da percepção de si mesmo, na qual o indivíduo deixa de se perceber como unidade (desintegração do eu),
ou não se reconhece como ator de seus atos e pensamentos (perda do senso de agência). O paciente pode
não se sentir totalmente presente no mundo, carecer de identidade e de definição clara dos limites do
seu corpo e sentir que seus pensamentos não são autogerados. De fato, Kraepelin considerou a “perda da
unidade interior de consciência” e a “devastação da vontade” (orquestra sem maestro) como as principais
características da esquizofrenia. Ambas as noções implicam na “devastação” do self, porque é o self que
impõe um senso de unidade na multidão de conteúdos mentais.23 Em sua etimologia, a palavra esquizofre-
nia significa “cisão da mente”.
6 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
Até o momento, não se conhecem biomarcadores para uso na prática psiquiátrica. Deste modo, o
diagnóstico de esquizofrenia, assim como dos outros transtornos de saúde mental, é puramente clínico. Na
busca de padronização, a comunidade médica e científica se baseia nos textos elaborados pela Associação
Americana de Psiquiatria (DSM) e pela Organização Mundial de Saúde (CID).
Seguem abaixo os critérios diagnósticos do DSM-5 (tabela 1), da CID-11 (tabela 2).
Sintomas característicos: presença de dois (ou mais) dos seguintes sintomas, cada um por uma
quantidade de tempo significativa, durante o período de um mês (ou menos, se tratados com suces-
so). Pelo menos um deles deve ser 1 ou 3.
Critério A 1. Delírios
2. Alucinações
3. Discurso desorganizado
4. Comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico
5. Sintomas negativos
Duração: determina que sinais contínuos de perturbação devem persistir por, pelo menos, seis me-
ses. Esse período deve incluir, no mínimo, um mês de sintomas (ou menos, se tratados com sucesso)
que precisam satisfazer ao Critério A (sintomas da fase ativa) e pode incluir períodos de sintomas
Critério C
prodrômicos ou residuais. Durante esses períodos prodrômicos ou residuais, os sinais da perturba-
ção podem se manifestar apenas por sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas listados no
Critério A, presentes em uma forma atenuada (por exemplo: crenças absurdas, experiências percep-
tivas incomuns).
Exclusão de uso de substâncias ou outras condições: a perturbação pode ser atribuída aos
Critério E
efeitos fisiológicos de uma substância (por exemplo: droga de abuso, medicamento) ou a outra
condição médica.
Relação com atraso no desenvolvimento global ou espectro autista: se houver história de trans-
torno do espectro autista, ou de um transtorno da comunicação iniciado na infância, o diagnóstico
Critério F
adicional de esquizofrenia é realizado somente se delírios ou alucinações proeminentes, além dos
demais sintomas exigidos de esquizofrenia, também estiverem presentes por pelo menos um mês
(ou menos, se tratados com sucesso).
103
Tabela 2: critérios diagnósticos CID-1125
Tópicos em Neurociência Clínica
Pelo menos dois dos seguintes sintomas devem estar presentes (pelo relato do indivíduo ou por observação do clínico
ou outros informantes) na maioria das vezes por um período de 1 mês ou mais.
Pelo menos um dos sintomas de qualificação deve ser do item A) a D) abaixo:
Item A Delírios persistentes (por exemplo, delírios de grandeza, delírios de referência, delírios
persecutórios).
Item B Alucinações persistentes (as auditivas são mais comuns, embora possam envolver qualquer
modalidade sensorial).
Item C Pensamento desorganizado (transtorno formal do pensamento) (como tangencialidade e per-
da de associações, discurso irrelevante, neologismos). Quando grave, a fala da pessoa pode ser
tão incoerente a ponto de ser incompreensível (‘salada de palavras’).
Item D Experiências de influência, passividade ou controle (ou seja, a experiência de que seus sen-
timentos, impulsos, ações ou pensamentos não são gerados por si mesmo, estão sendo colo-
cados em sua mente ou retirados de sua mente por outros, ou que seus pensamentos estão
sendo transmitidos para outros).
Item E Sintomas negativos como embotamento afetivo, alogia ou escassez de fala, avolição, desinte-
resse social e anedonia.
Item F Comportamento grosseiramente desorganizado que impede a atividade direcionada a um
objetivo (por exemplo, comportamento que parece bizarro ou sem propósito, respostas
emocionais imprevisíveis ou inadequadas que interferem na capacidade de organizar o com-
portamento).
Item G Distúrbios psicomotores, como inquietação ou agitação catatônica, postura, flexibilidade cé-
rea, negativismo, mutismo ou estupor. Nota: Se a síndrome de Catatonia completa estiver pre-
sente no contexto de Esquizofrenia, o diagnóstico de Catatonia Associada a Outro Transtorno
Mental também deve ser atribuído.
Os sintomas não são uma manifestação de outra condição médica (por exemplo, tumores cerebrais), e não são devido ao
uso de alguma substância ou medicação com efeitos no sistema nervoso central, incluindo sintomas de retirada.
Especificadores do curso para esquizofrenia: devem ser aplicados para identificar o curso da doença, incluindo se o
indivíduo atualmente atende aos requisitos diagnósticos da Esquizofrenia ou está em remissão parcial ou total. Os
especificadores de curso também são usados para indicar se o episódio atual é o primeiro episódio de Esquizofrenia,
se houve vários desses episódios ou se os sintomas foram contínuos por um longo período de tempo.
1. Esquizofrenia, primeiro episódio
a) Esquizofrenia, primeiro episódio, atualmente sintomático;
b) Esquizofrenia, primeiro episódio, em remissão parcial;
c) Esquizofrenia, primeiro episódio, em remissão completa
d) Esquizofrenia, primeiro episódio, não especificado
2. Esquizofrenia, múltiplos episódios
a) Esquizofrenia, episódios múltiplos, atualmente sintomáticos
b) Esquizofrenia, múltiplos episódios, em remissão parcial
c) Esquizofrenia, múltiplos episódios, em remissão completa
d) Esquizofrenia, múltiplos episódios, não especificado
3. Esquizofrenia, contínua
a) Esquizofrenia, contínua, atualmente sintomática
b) Esquizofrenia, contínua, em remissão parcial
c) Esquizofrenia, contínua, em remissão completa
d) Esquizofrenia, contínua, não especificada
4. Outro episódio especificado de Esquizofrenia
5. Esquizofrenia, episódio não especificado
104
7 GENÉTICA, INTERAÇÃO GENE VERSUS AMBIENTE E EPIGENÉTICA: UMA DOENÇA DO
A psiquiatria contemporânea não mais entende que o adoecimento psiquiátrico seja um evento que
interrompe uma biografia até então normal. Pelo contrário, admite-se hoje que ele resulte de um percurso
que se inicia até mesmo antes do nascimento, pois durante as fases precoces do neurodesenvolvimento são
construídos os substratos do funcionamento cognitivo e emocional.26
Estudos voltados para o acompanhamento de crianças por longos períodos procuram entender
e identificar sinais preditores de adoecimento futuro— como alterações de comportamento, prejuízo nas
aquisições cognitivas, ou biomarcadores—, assim como caracterizar eventos/experiências estressoras como
fatores de risco e fatores de resiliência27. Por exemplo, o estudo de Dunedin, na Nova Zelândia, demonstrou
que já havia sinais de doença mental durante a infância em 75% dos adultos com transtornos psiquiátricos
que compunham uma amostra de 1037 pessoas, acompanhadas longitudinalmente desde o nascimento28.
Com efeito, experiências de adversidade nos primeiros anos de vida alteram de forma duradoura
a configuração dos circuitos neurais de processamento emocional e das vias de resposta humoral e imune,
aumentando a susceptibilidade ao desenvolvimento de transtornos futuros, tanto de natureza psiquiátrica,
como metabólica, inflamatória e autoimune.29-31
Há propostas que tentam explicar a dinâmica das interações entre os pais e os filhos e o seu papel
no fenômeno frequentemente observado de perpetuação de transtornos psiquiátricos dentro de uma deter-
minada família. Por um lado, o modelo parental propõe que pais com transtornos psiquiátricos são disfuncio-
nais e por isso aumentam o risco de saúde mental dos seus filhos. Por outro, o modelo bidirecional defende
que a criança, já com transtornos, ainda que subliminares, mostra comportamentos difíceis que evocam nos
pais respostas de adversidade, perpetuando um conflito que aumenta o risco de adoecimento mental na vida
adulta. Por último, o modelo da vulnerabilidade genética compartilhada explica que os comportamentos mal
adaptativos, tanto dos pais, quanto da criança, se devem a alterações psíquicas e neurobiológicas hereditá-
rias. Obviamente, os três modelos se complementam e oferecem pontos para atuação preventiva.32
A psiquiatria do desenvolvimento é, nesse contexto, uma nova perspectiva que procura direcio-
nar esforços de pesquisa para compreender a gênese do adoecimento mental através da investigação e do
acompanhamento de indivíduos desde as fases mais precoces da infância até a adolescência. O objetivo é a
determinação de fatores ambientais, biográficos, genéticos e epigenéticos de risco e de vulnerabilidade, mas
também de proteção e resiliência, a identificação de biomarcadores (padrões de neuroimagem, marcadores
séricos, etc) e a caracterização de manifestações pré-clínicas para atuação preventiva.33
Neuroplasticidade designa a capacidade de reestruturação do sistema nervoso em resposta a estí-
mulos. Trata-se de mudanças na forma de liberação de neurotransmissores, na sensibilidade dos recepto-
34
res, na estrutura da árvore dendrítica, nos prolongamentos axonais, no número de neurônios recrutados para
uma determinada atividade, na sua sincronização com os outros, etc. A neuroplasticidade é uma caracterís-
tica neural de todas as fases da vida, mas é muito mais intensa durante o neurodesenvolvimento, na infância
e na adolescência. Deste modo, apesar de nascermos com uma arquitetura neural básica que nos permite
a execução de comportamentos instintivos e de respostas reflexas, muitas de nossas funções dependerão
do aprendizado e da cultura em que crescemos (linguagem, coordenação, manuseio de ferramentas, dança,
música), sendo moduladas pelo ambiente.35
Esta “modelagem” experiência-dependente ocorre durante janelas de tempo distintas denomina-
das períodos críticos. Acredita-se que haja períodos críticos diferentes para as diversas capacidades, como
processamento visual, processamento da linguagem, coordenação, capacidade de formação de vínculo in-
terpessoal, dentre várias outras. Trabalhos recentes buscam desvendar as bases celulares e moleculares dos
períodos críticos e principalmente porque a neuroplasticidade fica limitada após os mesmos. Por um lado, a
105
própria conformação estrutural do cérebro adulto com a bainha de mielina e a glia limitam as possibilidades
Tópicos em Neurociência Clínica
de brotamento neural. Por outro lado, mudanças no equilíbrio preciso entre excitação e inibição sinápticas
controlam a plasticidade cerebral em circuitos em desenvolvimento e nos já consolidados. A atuação sobre
estes processos abriria amplas possibilidades para abordagens terapêuticas, educacionais e de reabilitação.36
É fascinante imaginar a diferenciação do organismo nos mais diversos tecidos a partir de uma única
célula e assim é também admirável a capacidade de especialização neuronal, constituindo circuitos especí-
ficos a partir de células indiferenciadas. De fato, existe um percurso geneticamente previsto de neurogêne-
se, migração neural, brotamento dendrítico e axonal, sinaptogênese, mielinização, poda sináptica e morte
neuronal programada. Essa coreografia, porém, não é tão fixa, mas consiste em interações contínuas entre
expressão de determinados genes e mediadores do ambiente que os estimulam, ou silenciam. Este jogo
controla processos de aprendizado e memória, deixando-nos marcados pelas nossas experiências.37 Deno-
minam-se, assim, mudanças epigenéticas as alterações na estrutura espacial da cadeia de DNA que não im-
plicam mudanças no código de bases em si, mas que tornam determinados genes silenciados, ou ativados.
Uma forma bem estabelecida de alteração epigenética consiste na adição de moléculas do grupo
metil —metilação— a um determinado gene, que é capaz de inativá-lo. Outra forma corresponde à modifi-
cação das moléculas de histona, que são moléculas do núcleo celular, em torno das quais a fita de DNA se
enrola, adquirindo um formato mais ou menos enovelado, de modo que, a depender da sua configuração, os
genes podem ficar expostos ou encobertos, ou seja, mais ou menos disponíveis à leitura.37
O fato de a expressão gênica não ser pré-determinada, mas ser passiva de modulação ambiental,
permite-nos maior habilidade de adaptação às circunstâncias, cuja importância fica evidente, quando se pen-
sa nas funções cognitivas e afetivas complexas que desempenhamos. A configuração epigenética é estável,
duradoura e altamente específica, sendo diferente até mesmo entre gêmeos monozigóticos. É a nossa marca
individual, a nossa história, que pode ser transmitida para futuras gerações.38 O grau de exposição a poluen-
tes, os alimentos consumidos, a exposição à luz, a estimulação cognitiva, a atividade física, mas também
experiências traumáticas, ou a deprivação são exemplos de fatores que induzem a respostas neurais, imunes
e endócrinas, gerando mediadores celulares que promovem no núcleo celular alterações epigenéticas.
Essa individualidade explica diferenças na suscetibilidade para o desenvolvimento de doenças so-
máticas e psíquicas, justificando o papel de experiências precoces na saúde do adulto.39 Em contrapartida,
apesar de duradouras, as mudanças epigenéticas não são estáticas e não acontecem apenas na infância. São
respostas dinâmicas e passíveis de reconfiguração.40
Estes conceitos são relevantes, pois, se por um lado, explicam as bases moleculares das interações
gene-ambiente e de como as experiências precoces modificam o nosso cérebro e criam situações de vulne-
rabilidade para o futuro, por outro lado, abrem um caminho de perspectivas terapêuticas futuras, visando a
intervenção nestes mecanismos, seja por meios farmacológicos, ou psicoterapêuticos. A questão em aberto
é se existem janelas de tempo propícias para intervenções terapêuticas, visando a reversão de mudanças epi-
genéticas após experiências traumáticas. Por exemplo, crianças vítimas de maus tratos, quando colocadas em
ambientes com bons cuidadores mostraram melhora de comportamento e regulação dos níveis de cortisol
basal, que é um marcador de vulnerabilidade ao stress.41
De acordo com a psicopatologia do desenvolvimento, quando os recursos de resposta e adapta-
ção não são mais suficientes para o enfrentamento de uma situação adversa, surge o adoecimento psíqui-
co, que, portanto, não depende apenas da situação em si, mas dos fatores individuais de vulnerabilidade
e resiliência.42
A variação na sensibilidade aos fatores ambientais associada à especificidade genética recebe o
nome de interação gene-ambiente. Por exemplo, a exposição a maus tratos se mostrou um fator de risco para
o desenvolvimento de transtorno de personalidade antissocial quando adulto em crianças portadoras de um
106
determinado polimorfismo do gene da enzima monoaminooxidase (enzima MAO que degrada dopamina),
8 FISIOPATOLOGIA
Sob a perspectiva bioquímica, diferentes propostas buscam explicar a gênese da esquizofrenia, sen-
do que a hipótese dopaminérgica é a mais aceita. Ela surgiu da observação da melhora dos sintomas psicó-
ticos com medicamentos neurolépticos, que bloqueiam os receptores dopaminérgicos D2, o que levou ao
conceito de que a principal disfunção fosse pós-sináptica. Entretanto, estudos de tomografia por emissão de
pósitrons (PET) verificaram que a principal disfunção é pré-sináptica, tanto na capacidade de síntese, quanto
de liberação de dopamina.49
107
A dopamina é continuamente liberada pela área tegmental ventral do mesencéfalo, mediante dis-
Tópicos em Neurociência Clínica
paro tônico de seus neurônios. No nucleus accumbens, sua ação facilita comportamentos de busca de recom-
pensa. No estriado (núcleo caudado e putâmen), esse neurotransmissor favorece o aprendizado associativo,
que é uma forma de memória inconsciente, por meio da qual estímulos concomitantes são relacionados uns
aos outros, constituindo o chamado aprendizado condicionado, ou condicionamento.
Em situações nas quais algo inesperado acontece, os neurônios dopaminérgicos respondem com
o disparo fásico, que gera aumento abrupto dos níveis de dopamina no estriado e no nucleus accumbens,
fortalecendo as sinapses envolvidas com a aprendizagem e a memorização. Deste modo, o cérebro atribui
saliência a este evento e às circunstâncias a ele associadas.
Admite-se que, na esquizofrenia, ocorram disparos caóticos dos neurônios dopaminérgicos. Esses
disparos levariam à atribuição de saliência a aspectos irrelevantes e ao estabelecimento de causalidade entre
estímulos simultâneos que, porém, não estão obviamente relacionados entre si. Por exemplo, se durante
uma conferência uma pessoa da plateia espirra, no mesmo momento em que o conferencista diz uma frase,
o disparo caótico de dopamina pode fazer com que a atenção da pessoa com esquizofrenia se volte para os
dois acontecimentos— em si irrelevantes— e estabeleça um nexo entre ambos.
De fato, estudos de neuroimagem sobre pacientes esquizofrênicos não medicados mostram que
eles apresentam no nucleus accumbens resposta de ativação aumentada a estímulos neutros e menos
intensa que o normal a estímulos positivos,50 o que se interpreta como correlato da atribuição confusa
de significados. A teoria dopaminérgica da esquizofrenia e sua respectiva proposta do disparo caótico de
dopamina, explicariam neurobiologicamente as descrições fenomenológicas do humor delirante, descri-
tas anteriormente.
Os estímulos presentes no meio são inúmeros e, se atentássemos para todos eles, não seríamos ca-
pazes de nos concentrar em tarefas específicas, nem de construir um panorama mental coerente do mundo.
Por isso, a função de seleção exercida inconscientemente pelos circuitos estriatais é fundamental. Assim, sua
disfunção pode causar um “déficit de filtração” para as entradas corticais, com o cérebro não diferenciando
adequadamente o que é do que não é relevante 51. Além disso, os neurônios adjacentes do estriado exer-
cem inibição uns sobre os outros— inibição lateral, que aumenta o contraste entre o neurônio que dispara e
os seus circunvizinhos— para evitar a formação de associações inadequadas ou imprecisas entre estímulos
coincidentes. É possível que mudanças nesses circuitos inibitórios permitam a formação de novos traços
de memória, que associam eventos não relacionados, porém, concomitantes, resultando na apresentação à
consciência de conexões improváveis e incorretas.52 Daí o estranhamento e a perplexidade – a sensação de
que há algo de estranho no ar.
É provável que o prejuízo na filtração dos estímulos externos ocorra também na seleção de
pensamentos, possibilitando que ideias ambíguas e interpretações confusas inundem a consciência,
causando dificuldades de organização e encadeamento lógico dos conteúdos mentais. Admite-se que
haja, na esquizofrenia, além do disparo dopaminérgico caótico, uma falha nos circuitos pré-frontais que
são responsáveis pelo monitoramento da realidade, ou seja, da capacidade de distinguir estímulos gerados
internamente (divagações, fantasias) de estímulos advindos do meio ambiente.53
Quando não estamos engajados em tarefas externas e podemos divagar, ativamos um grupo de
áreas conectadas entre si e que formam circuitos neurais, conjuntamente denominados default mode net-
work (DMN). O DMN é tido como uma rica fonte de pensamentos fantasiosos. O delírio pode se associar à
falsa interpretação de que essas fantasias provêm de fonte externa. Além disso, ao sermos confrontados
com eventos inexplicáveis, o DMN pode “preencher” ambiguidades, imaginando explicações. Se estas não
forem adequadamente filtradas pela função de monitoramento da realidade, podem também contribuir
para os delírios.
108
Significativamente, a dopamina participa não apenas da atribuição de saliência e do aprendizado
109
Entendendo a esquizofrenia como doença do neurodesenvolvimento e buscando correlacionar di-
Tópicos em Neurociência Clínica
versos achados aparentemente desconexos, tem sido sugerido que, em pessoas geneticamente predispostas,
injúrias cerebrais (por exemplo, tóxicas ou infecciosas) poderiam gerar neuroinflamação e neurotoxicidade
que, por sua vez, induziriam ao aumento patológico da poda sináptica em circuitos corticais relevantes ao
processamento cognitivo. Esta poda sináptica implicaria em perda da arborização dendrítica e prejudicaria
processos de neuroplasticidade, fundamentais para a memória e o aprendizado. Sua ocorrência na adoles-
cência— um período crítico para o neurodesenvolvimento— justificaria a manifestação precoce da doença e
os déficits cognitivos e afetivos que a acompanham desde o seu início, até mesmo antes do afloramento dos
sintomas psicóticos.68
Sabe-se que os interneurônios gabaérgicos que expressam o receptor NMDA são um grupo
particularmente suscetível ao estresse celular (dano oxidativo), de forma que seriam preferencialmente aco-
metidos em caso de injúria.
Durante a maturação do cérebro, o receptor NMDA é essencial para que a plasticidade sináptica
ocorra, desempenhando um papel importante para o desenvolvimento das funções cognitivas superiores,
como aprendizado e memória. Trata-se de uma molécula heterotetramérica, com duas subunidades NR1
(obrigatórias) e duas NR2 (variáveis), de forma que a especificidade estrutural determinará suas proprie-
dades biofísicas e farmacológicas. Assim, alterações nas subunidades que ocorrem durante o processo de
maturação cerebral mudam os padrões de resposta do receptor e com isso os padrões de disparo neural e
consequentemente a integração de informações. Este processo não ocorre de maneira uniforme no cérebro,
mas em etapas específicas e geneticamente determinadas, de modo que cada agrupamento neural tem o seu
período de tempo, no qual passará por mudanças. Isso acarreta em momentos de suscetibilidade, ou “janelas
de risco”, durante as quais fatores ambientais poderiam exercer seus efeitos, interferindo com os mecanis-
mos de neuroplasticidade e promovendo o desenvolvimento de transtornos mentais. O atraso na mudança
das subunidades ou sua mudança incompleta, com expressão de um receptor NMDA hipofuncionante, ape-
sar de maduro, poderia prejudicar o processo de depressão e potenciação de longo prazo, que é essencial
para fortalecer ou enfraquecer conexões sinápticas.49
Receptores NMDA hipofuncionantes nos interneurônios gabaérgicos, como visto acima, levam
à desinibição dos neurônios pré-frontais e hipocampais que liberam glutamato, gerando uma “tempes-
tade glutamatérgica”. Esta, por sua vez, gera aumento dos níveis intracelulares de cálcio e sobrecarrega
o metabolismo neuronal, finalmente induzindo à apoptose. Trata-se aqui da ativação de uma cascata de
proteínas que leva à morte celular, não sendo um mecanismo programado geneticamente para a seleção
de neurônios, mas que participa de processos patológicos, como da demência do tipo Alzheimer. Interes-
santemente, a apoptose não envolve inflamação, nem formação de gliose. Não se sabe porque acomete
áreas específicas.
Durante o neurodesenvolvimento normal, células da micróglia participam ativamente da apoptose
e da poda sináptica, eliminando neurônios e sinapses determinadas e permitindo assim que as remanescen-
tes sejam fortalecidas e otimizadas. É possível que a origem da esquizofrenia se relacione a alterações neste
processo de seleção, causado por ativação microglial exacerbada associada à neuroinflamação— gerada por
infecção ou por processo autoimune.69
Em resumo, ainda restam muitas dúvidas, mas os modelos dopaminérgico, gabaérgico-glutamatér-
gigo, neuroinflamatório e neurodesenvolvimental se complementam e começam a apontar para a solução
deste complicado quebra-cabeças, o que abriria novas possibilidades de tratamento e— principalmente— de
prevenção da esquizofrenia.
110
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 1 – Regiões envolvidas na esquizofrenia. O hipocampo é dividido em quatro regiões ou campos, sendo o campo
CA1 conhecido como setor de Sommer, no qual estão localizadas as células piramidais em arranjo radiado.
Fonte: MAGNO, Gabriel, 2021. Adaptado de Lieberman JA, First MB. Psychotic Disorders. N Engl J Med. 19 de 2018;379(3):270–80.
Figura 2 – Modelo proposto para a fisiopatologia da esquizofrenia com os neurotransmissores envolvidos no transtorno:
dopamina (seta azul), glutamato (seta roxa) e Ácido-Gama-Aminobutírico (GABA – seta verde). A psicose pode ter como
origem o aumento da atividade de neurônios que liberam glutamato em células localizadas no hipocampo (região CA1).
Essa disfunção, provavelmente, se deve a déficits em interneurônios gabaérgicos hipocampais e à redução da função de
receptores glutamatérgicos N-metil-D-aspartato (NMDAr). Na representação do hipocampo, podem ser vistos uma célula
piramidal e um interneurônio gabaérgico. Mesmo com aumento do glutamato sináptico, há menor ativação do interneurô-
nio inibitório que forma sinapse com o dendrito apical da célula piramidal. Devido a menor estimulação, o interneurônio
libera menos GABA, o que por sua vez, reduz a inibição gabaérgica sobre a célula piramidal que libera mais glutamato
(setas roxas) para o mesencéfalo (área tegmental ventral – VTA) e para o corpo estriado (nucleus accumbens). Maior ativi-
dade hipocampal amplia a liberação de dopamina no corpo estriado diretamente ou através da estimulação de neurônios
dopaminérgicos do mesencéfalo, os quais se projetam para o nucleus accumbens e para o córtex pré-frontal (setas azuis).
Neurônios dopaminérgicos no mesencéfalo também promovem a desregulação de dopamina e glutamato.
Fonte: MAGNO, Gabriel, 2021. Adaptado de Lieberman JA, First MB. Psychotic Disorders. N Engl J Med. 19 de
2018;379(3):270–80.
111
9 EVOLUÇÃO CLÍNICA DA ESQUIZOFRENIA E CONCEITO DE DOENÇA NEUROPROGRESSIVA:
Tópicos em Neurociência Clínica
11 ALTERAÇÕES DE NEUROIMAGEM
112
generativo. Assim, Vitolo et al.70 verificaram, em meta-análise de estudos de morfometria baseada em
113
12 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO E NÃO FARMACOLÓGICO
Tópicos em Neurociência Clínica
114
Outro caminho a seguir são as chamadas terapias de natureza psicossocial, que têm como finalidade
13 ELETROCONVULSOTERAPIA
eletrodos colocados bilateralmente no couro cabeludo. Já em 1934, o neuropsiquiatra Ladislas von Meduna
usava essa técnica para induzir convulsões em pacientes com dementia praecox, partindo dos relatos obser-
vacionais de melhora clínica após quadros de crises epilépticas, como aquelas consequentes a traumatismo
cranioencefálico ou meningite. A baixa incidência de psicose em pacientes com convulsões frequentes levou
os médicos a ver a dementia praecox e a epilepsia como desordens antagônicas.
Em 1938, o primeiro procedimento utilizando eletricidade foi realizado em um homem de 39 anos.
Na década seguinte, utilizaram-se muitas formas diferentes de frequências, amplitudes e formatos de pulsos
de correntes elétricas, o que levou à atual adoção da corrente de pulso breve com ondas de formato quadrado.
No início, a eletroconvulsoterapia esteve associada com medo, pânico, fraturas, cefaleias, mordedu-
ras de língua e perda de memória. O avanço da técnica possibilitou minimizar essas complicações. Para evitar
fraturas durante sua aplicação, utiliza-se um agente que induz paralisia muscular de efeito transitório. Foram
testados com esse fim os relaxantes musculares curare e succinilcolina. Hoje são usados anestésicos barbitú-
ricos, como o tiopental, que, além da ação motora, previnem sintomas de ansiedade antes do procedimento.
Em relação ao risco de danos cerebrais, já se questionou se haveria algum perigo, conhecendo-se
que nos Estados Unidos a eletricidade foi usada na execução de penas de morte. Entretanto, estudos clínicos
115
com testes neurológicos, eletroencefalograma e exames de neuroimagem não confirmaram danos neurais;
Tópicos em Neurociência Clínica
14 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A esquizofrenia é um transtorno frequente e com impacto muitas vezes devastador sobre o indiví-
duo e suas famílias. Trata-se de uma doença complexa que envolve disfunções graves de natureza cognitiva e
afetiva. As perturbações de percepção da realidade, de organização do pensamento e do comportamento são
tão severas que representam uma ruptura biográfica – a quebra de uma linha, a descontinuidade de tudo o
que a pessoa até então vivia. Apesar disso, admite-se hoje que a esquizofrenia tenha origens no neurodesen-
volvimento e, por isso, inúmeras pesquisas têm buscado elucidar os mecanismos e a natureza das alterações
iniciais que levam ao transtorno, a fim de se detectá-las e intervir ainda nas fases pré-sintomáticas.
O advento dos neurolépticos foi um divisor de águas no tratamento da esquizofrenia. De fato,
eles mudaram completamente a evolução da doença e o destino de quem vive com ela, tornando pela
primeira vez possível sua reabilitação e inserção social. Assim, a farmacoterapia eficaz aplainou o caminho
para o movimento de desospitalização e para a terapia multiprofissional, pois, ao induzir a remissão da
agitação psicomotora, das alucinações e dos delírios, resgatou os pacientes, propiciando-lhes um estado
mental capaz de responder às outras medidas, como a psicoterapia. Contudo, ainda restam grandes desa-
fios, como eliminar os efeitos colaterais— potencialmente graves— que acompanham os medicamentos e
obter a recuperação funcional completa. Especialmente as capacidades cognitivas, assim como a motiva-
ção e a responsividade afetiva frequentemente sofrem um processo de deterioração longa e gradual, de
forma que o paciente, apesar de não se encontrar mais em franco surto psicótico, permanece incapaz de
participar e usufruir ativamente da vida.
A esquizofrenia ainda causa muita incapacidade nas pessoas acometidas que se reverte em per-
das para a sociedade, uma vez que a doença se manifesta, na grande maioria dos casos, no fim da adoles-
cência e início da vida adulta. Os pacientes apresentam dificuldade de se inserir no mercado de trabalho e,
não apenas isso, muitos acabam ficando à margem da sociedade por falta de apoio da família e de adesão
ao tratamento disponível.
Por isso, é necessário que as pesquisas avancem para que um melhor entendimento da origem do
transtorno se reverta em um tratamento mais eficaz, principalmente, em relação aos sintomas negativos, que
ainda são os grandes causadores de incapacidade. Também é essencial o desenvolvimento de políticas pú-
blicas voltadas à profissionalização e à inserção desses pacientes no mercado de trabalho, propiciando-lhes,
assim, inclusão social, independência e melhora da autoimagem e da qualidade de vida.
116
15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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121
122
Tópicos em Neurociência Clínica
Capítulo VII
EPILEPSIA
Henrique Souza Camoiço
Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO
A epilepsia é definida como “um distúrbio do cérebro caracterizado pela predisposição duradoura a ge-
rar crises epiléticas, associado às consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais dessa condição”.
Contudo, epilepsia é um termo genérico, pois abrange diversas entidades nosológicas distintas, cada qual com sua
respectiva etiologia, prognóstico, complicações e tratamento.1 A síndrome afeta cerca de 70 milhões de pessoas
em todo o mundo2, das quais 80% vive em países subdesenvolvidos ou emergentes, onde a exposição aos fatores
de risco é sabidamente mais alta e as condições de diagnóstico e tratamento e a qualidade de vida, inferiores.3,4
Em sua origem etimológica, “do grego epi = de cima e lepsem = abater”, epilepsia expressava a ideia
de estar possuído ou dominado por algo, remetendo a conteúdos de caráter mágico, sobrenatural ou divino.
O estigma e o preconceito que se consolidaram em torno da doença provêm, em parte, dessas interpretações
místicas acerca das crises. O desconhecimento popular a respeito da condição, bem como o medo e a vergonha
provocados no portador corroboram os problemas de cunho social, emocional e psíquico a ela associados.5
As últimas décadas presenciaram avanços consideráveis no campo da neurobiologia da epilepsia.
Reformularam-se as classificações para as suas distintas formas de apresentação6 e foram introduzidas novas
possibilidades de tratamento, como o uso da dieta cetogênica7 e dos canabinoides.8,9 O estudo dos fenôme-
nos de neuroplasticidade promoveu melhor compreensão sobre o modo como o cérebro epilético opera.10
Entende-se hoje que o processo de neurodegeneração— que é inerente à epilepsia— promove alterações
cognitivas e afetivas11 que podem se associar a sintomas psiquiátricos.12 Avanços nas áreas da biologia mole-
cular e da genética evidenciaram o papel da genética no processo de epileptogênese revelaram novos alvos
farmacêuticos para o seu tratamento.13
No entanto, apesar do avanço científico, ainda restam muitas lacunas na compreensão da epilepsia.
Além disso, o tratamento adequado ainda não alcança grande parte dos pacientes.
Este capítulo apresenta os aspectos epidemiológicos, clínicos e neurobiológicos da epilepsia, discu-
tindo modelos fisiopatológicos para a sua origem, manutenção e progressão. Em seguida são abordadas as
principais formas de tratamento. A democratização do saber no que tange à epilepsia é fundamental para o
rompimento de estigmas e a adequada inserção dos indivíduos na sociedade.
2 DEFINIÇÃO
Por definição, a crise epilética é transitória. Ela exibe início e fim bem determinados, embora o térmi-
no de uma crise seja menos evidente do que sua deflagração.14 Por outro lado, o status epilepticus descreve a
123
situação em que há crises prolongadas (acima de 30 minutos), ou recorrentes, sem recuperação da consciên-
Tópicos em Neurociência Clínica
3 EPIDEMIOLOGIA
Sabe-se que a epilepsia acomete mundialmente mais de 65 milhões de pessoas, das quais cerca de
80% encontram-se em nações subdesenvolvidos ou emergentes.3,4 A taxa de incidência é de 61,4 para cada
100 mil pessoas/ano. A prevalência pontual de epilepsia ativa é de 6,38/1000 e a prevalência ao longo da
vida, de 7,6 por 1.000.17
Da totalidade dos portadores de epilepsia, aproximadamente 60% a 75% possuem etiologia idio-
pática, a qual é atribuída a prováveis mutações genéticas ou susceptibilidade alélica.18 Dentre as causas as-
sociadas à epilepsia secundária, algumas são passíveis de prevenção, como as patologias infecciosas e os
traumatismos cranianos. Causas vinculadas ao período pré e perinatal também poderiam ser grandemente
reduzidas mediante os devidos cuidados obstétricos e pediátricos.
De modo geral, a população com epilepsia é heterogênea. Fatores como gênero, idade ocu-
pação laboral e questões socioeconômicas tornam o grupo consideravelmente diverso e distinto. No
que se refere ao sexo, a incidência de crises sintomáticas em homens é relativamente maior do que em
mulheres.19 Isso se deve ao fato de o sexo masculino estar mais relacionado aos comportamentos que
elevam o risco de causas adquiridas de epilepsia, tais como, consumo de drogas e maior incidência de
traumatismos cranioencefálicos.20,21
Em relação à faixa etária, há dois picos de distribuição de incidência. O primeiro se dá nos primeiros
anos de vida, nos quais as causas geralmente são congênitas, perinatais ou infecciosas. Em contrapartida, o
segundo pico é observado a partir dos 60 anos de idade, em que etiologias neurodegenerativas e cerebro-
vasculares são predominantes.22,23
Ademais, aspectos socioeconômicos parecem se correlacionar com a incidência da epilepsia. Indi-
víduos das classes sociais com menor poder aquisitivo têm maior exposição aos fatores de risco para causas
adquiridas, além de disporem de acesso limitado aos serviços de saúde mais complexos.24 Não há estudos
que indiquem associação estatisticamente significante entre epilepsia e etnias22
124
4 ASPECTOS CLÍNICOS E CLASSIFICAÇÃO
125
De modo geral, a propagação percorre as mesmas vias axonais da atividade cortical normal – vias talamo-
Tópicos em Neurociência Clínica
corticais, fibras intra-hemisféricas e fibras inter-hemisféricas.15 Caso haja envolvimento do sistema reticular
ativador ascendente ou de suas projeções talâmicas, haverá perda da consciência durante as crises.27
Crises restritas à área de um único hemisfério cerebral são denominadas crises focais, podendo ou
não causar prejuízo à vigilância. De outra maneira, as crises generalizadas acometem o encéfalo bilateralmen-
te, com perda da consciência. Estas últimas podem ser primariamente generalizadas ou focais com generali-
zação secundária, isto é, oriundas da propagação de uma crise focal.27
4.2 GENÉTICA
Conforme mencionado anteriormente, cerca de 60% a 75% dos casos de epilepsia possuem etiolo-
gia desconhecida, vinculada a prováveis mutações genéticas ou à susceptibilidade alélica.18 Nesse contexto, a
base genética da patologia tem sido investigada há décadas, com o intuito de precisar e apontar quais são os
genes envolvidos com os diferentes tipos de epilepsia existentes.
Admite-se que a epilepsia seja uma forma de canalopatia, ou seja, resulte de desregulações em ca-
nais iônicos. Variáveis mutantes de alguns genes já demonstraram estar associadas com síndromes epiléticas.
Os genes SCN1A e SCN2A, que sintetizam a subunidade α dos canais de sódio dependentes de voltagem, são
responsáveis pela predisposição às convulsões febris e pela síndrome de Dravet.28,29 Os genes da família KCN,
que codificam canais de cálcio dependentes de voltagem, são associados à epilepsia mioclônica progressiva
e à encefalopatia epilética.28,29 Os genes da família GABRA – canais GABAérgicos – e do grupo GRIN2 – canais
glutamatérgicos – também são relacionados com tipos específicos de epilepsia.28,29
Há indícios de que genes mutantes vinculados à remodelação da cromatina e à regulação trans-
cricional também participem da geração de crises epiléticas.13 Tais genes estão sendo investigados como
possíveis alvos para o desenvolvimento de medicamentos contra a epilepsia. Invariavelmente, o diagnóstico
de epilepsia causada por fatores genéticos deve ser considerado diante de histórico familiar positivo ou de
estudos clínicos populacionais sugestivos de origem gênica para a doença.13 Nesses casos, o mapeamento
genético pode elucidar a causa da epilepsia.
4.3 CLASSIFICAÇÃO
Em 1981, por meio de extensa avaliação de videoeletroencefalogramas, a ILAE (International Lea-
gue Against Epilepsy) estabeleceu critérios para a classificação das crises epiléticas, que foram divididas em
dois grandes grupos: crises parciais e crises generalizadas.6,30
Determinaram-se como crises parciais aquelas que envolvessem apenas uma porção do cére-
bro restrita a um hemisfério. Dentro dessa categoria, as crises seriam subdivididas em parciais simples,
sem a perda da consciência, e parciais complexas, em que haveria alteração do nível de vigilância e
responsividade.30
As crises generalizadas eram caracterizadas por descargas anormais em ambos os hemisférios
cerebrais, com perda imediata da consciência. Sua origem poderia ser primária, isto é, essencialmente
generalizada, ou secundária – derivada da disseminação da despolarização para ambos os hemisférios, a
partir de uma crise parcial. Dentro dessa classe de crises, formulou-se a seguinte subdivisão: crises tônico-
-clônicas (“grande mal”), crises de ausência (“pequeno mal”), crises tônicas, crises clônicas, crises mioclô-
nicas e crises atônicas.27,30
Embora a classificação de 1981 ainda seja largamente utilizada, a ILAE, em 2017, propôs uma re-
visão, admitindo que termos, como, “parcial simples” ou “parcial complexa” causavam confusão ao público
geral e, até mesmo, aos pacientes, além de estigmatizarem alguns tipos de epilepsia como demasiadamente
“simples” ou “complexos”. A falta de termos descritivos acerca das crises também gerava confusão quanto ao
126
seu caráter. Além disso, por ter sido concebida há mais de 30 anos, a classificação de 1981 não descrevia for-
127
alterações vasomotoras ou termorregulatórias, taquicardia, sudorese, náuseas e irregularidades no peris-
Tópicos em Neurociência Clínica
taltismo intestinal.31,36
Outrossim, algumas crises podem cursar com auras experienciais, representadas por sintomas
psíquicos ou emocionais. Isso sugere acometimento de regiões do sistema límbico, bem como de áreas
do córtex pré-frontal, relacionadas respectivamente às emoções e à cognição.31,37 As auras experienciais
podem ser de caráter afetivo, mnemônico ou ilusório. Auras afetivas cursam com êxtase, medo ou pâni-
co. Auras mnemônicas manifestam-se tipicamente através de fenômenos como dèja vu (acreditar já ter
visto ou vivido algo nunca ocorrido) e jamais vu (sensação de estranheza perante algo familiar). Por fim,
auras ilusórias consistem em alucinações, ou seja, em percepções na ausência de um estímulo externo
que as desencadeie.31
Os sintomas motores emanam de focos epiléticos em áreas corticais motoras— giro pré-central
(área motora primária), córtex pré-motor lateral, área motora suplementar— assumindo diferentes for-
mas38,39, podendo ser muito impressionantes com vocalização (grito), apneia, desvio dos olhos e da cabeça,
abalos violentos do tronco e/ou das extremidades. 27,31 Crises tônicas consistem no aumento do tônus da
musculatura por um curto período de tempo, determinando enrijecimento muscular. Crises clônicas são ca-
racterizadas por abalos repetitivos, com alternância entre contração e relaxamento de modo regular. Crises
mioclônicas qualificam-se por breves contrações musculares (em torno de 200ms – mais rápidas que as con-
trações clônicas), de aspecto espasmódico. Crises tônico-clônicas são descritas por contrações musculares
com uma fase inicial tônica, de contração contínua, seguida de uma fase clônica, na qual a contração se inter-
cala com o relaxamento, causando abalos.
As manifestações motoras também podem se apresentar com fenômenos negativos, ou seja, com
restrição ou inibição de movimento. Crises atônicas caracterizam-se pela perda completa do tônus muscular,
sobretudo de músculos posturais, o que frequentemente provoca quedas abruptas durante o ictus.40 Crises
que cursam com afasia exibem sintomas variáveis, a depender da área afetada: afasia motora (área de Broca)
e afasia sensorial (área de Wernicke).31
A marcha jacksoniana é um sintoma de crise focal motora, em que ocorre um padrão migratório
dos abalos musculares que se iniciam nas extremidades e caminham para a porção proximal dos membros.
Esse fenômeno corresponde ao trajeto da onda de despolarização epileptiforme ao longo do córtex motor,
acompanhando as diferentes áreas somatotópicas (homúnculo de Penfield). Também podem ocorrer sen-
sações de formigamento, choque ou dor, que seguem essa mesma progressão espacial em um hemicorpo,
neste caso refletindo a dispersão da descarga epilética ao longo do córtex somatossensorial que também tem
representação somatotópica.31,41
Um fenômeno incomum que pode sobrevir depois das crises é a chamada paralisia de Todd. O qua-
dro consiste na paresia ou paralisia de um membro, após seu acometimento durante a crise. Há ainda raras
manifestações pós-ictais não motoras, como afasia (disfunção das áreas de Broca ou de Wernicke), pareste-
sia/anestesia (disfunção do córtex somatossensorial) e hemianopsia (disfunção do córtex visual). Esses sinto-
mas podem durar horas, ou mesmo, dias, porém têm reversão espontânea.42,43 A fisiopatologia da paralisia
de Todd ainda não é completamente compreendida, embora algumas hipóteses possam ser consideradas.
A teoria mais aceita propõe que se deva à “exaustão” de neurônios corticais, em virtude de suas descargas
excessivas durante o ictus, com consequente inibição por hiperpolarização prolongada.42,43 Outras hipóteses
aventam a depleção de neurotransmissores, dessensibilização neuronal e alterações no fluxo sanguíneo para
o cérebro.42
128
5 ESTIGMA E PRECONCEITO
*
O texto sumério Sakikku (“Sobre todas as doenças” em tradução livre), datado de 1067-1046 a.C., detalha minuciosamente variadas
apresentações de crises epiléticas, além de fornecer prognósticos acurados à época conforme as manifestações evidenciadas. Ainda
que de forma arcaica, fenômenos como a paralisia de Todd e a marcha jacksoniana são descritos no documento.46
129
6 NEUROPLASTICIDADE, NEUROINFLAMAÇÃO E NEURODEGENERAÇÃO
Tópicos em Neurociência Clínica
6.1 NEUROPLASTICIDADE
Com o avanço das neurociências, a epilepsia passou a ser compreendida como um distúrbio que
impacta não só as áreas focais acometidas pelas crises, mas que também interfere no padrão de conectivida-
de de diversas outras regiões não diretamente envolvidas com as mesmas.53 Nesse contexto, os conceitos de
conectoma e neuroplasticidade apresentam grande significado.
A evolução do conhecimento sobre neuroanatomia funcional possibilitou a associação de áreas
cerebrais a determinadas funções cognitivas. Regiões como a área de Broca, responsável pelo componente
expressivo da linguagem, e a área de Wernicke, associada à sua compreensão, são exemplos dessa topogra-
fia operacional. Estabeleceu-se, deste modo, uma espécie de “atlas do cérebro”. Com base nele, observa-se
que alguns locais são mais eloquentes do que outros e, portanto, menos viáveis à intervenção cirúrgica, caso
necessária.54
No entanto, na avaliação dos pacientes, nem sempre se observava a anatomia esperada. Em 2004,
um estudo prospectivo de Rossini et al.55 investigou a funcionalidade e a plasticidade cerebral, por intermédio
da avaliação de imagens de ressonância magnética nuclear funcional pré e pós-operatórias, em pacientes
portadores de glioma e de epilepsia passível de intervenção cirúrgica. Constatou-se que as vias neurais se
remodelaram de modo a otimizar as funções remanescentes.55-57 Isso mudou a forma de conceber a epilepsia
, pois ficou claro que seu impacto não se restringia ao córtex acometido, mas que também envolvia a subs-
tância branca.
O conjunto de conexões neurais no cérebro forma uma complexa rede denominada conectoma. O
conceito reflete um novo paradigma de compreensão da funcionalidade cerebral, pois implica que nenhuma
função cortical depende de apenas uma região, necessitando do fluxo de informações entre diversas áreas
através de circuitos neuronais. A organização do conectoma mediante seleção natural preza por conexões
econômicas e eficientes, dado o alto consumo metabólico de manutenção do cérebro. Assim, observa-se a
remodelação das rotas com o intuito de equilibrar a eficácia da conectividade com o custo energético.58,59
O processo de epileptogênese— particularmente quando se dá durante o neurodesenvolvimento—
pode prejudicar a especialização e a consolidação de áreas funcionais, de modo a orientar o desenvolvimento
de conexões alternativas, como forma de compensação. Por exemplo, há casos de epilepsia na infância, nos
quais as áreas corticais vinculadas à fala – normalmente dispostas no hemisfério esquerdo – são observadas
no hemisfério contralateral e, até mesmo, em outros locais do cérebro.10 Por ainda estarem no processo de
maturação neurocognitiva, infantes são mais susceptíveis à reorganização das conexões neurais. Com o ama-
durecimento do sistema nervoso, verifica-se a consolidação de sinapses e a mielinização de axônios, sendo o
calibre da bainha de mielina – sintetizada pelos oligodentrócitos – proporcional à atividade neural operante
e à menor susceptibilidade à remodelação.60
A neuroplasticidade constatada na epilepsia resulta de injúria prolongada e lenta ao encéfalo, ou
seja, há tempo hábil para a formação de novos circuitos, que, entretanto, depende da preservação das vias
subcorticais.57 Diante disso, estruturas encefálicas, a priori inoperáveis, podem ser abordadas, bem como
faculdades cognitivas outrora prejudicadas podem ser — ao menos parcialmente— restauradas.54
130
6.2 NEUROINFLAMAÇÃO
131
6.3 NEURODEGENERAÇÃO
Tópicos em Neurociência Clínica
No cérebro, o glutamato é o principal neurotransmissor excitatório. Ele se liga aos receptores do tipo
canal iônico— NMDA (N-metil-D-aspartato), AMPA (ácido α-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolepropionico) e
cainato— e a receptores metabotrópicos. Os receptores glutamatérgicos AMPA e NMDA, ao serem ativados,
permitem influxo de íons sódio e cálcio respectivamente. A entrada de sódio tem o efeito rápido de mudar a
polaridade da membrana, gerando potencial pós-sináptico excitatório, de modo a facilitar a despolarização neu-
ronal. Já a entrada de cálcio ativa enzimas citoplasmáticas, resultando em efeitos mais lentos, porém mais du-
radouros, como fechamento de canais de potássio, expressão de receptores AMPA e ativação da genética.61, 66-68
Os astrócitos, células responsáveis pela sustentação e nutrição dos neurônios, efetuam a depuração
de glutamato das sinapses que é catabolizado pela enzima glutamina sintetase (GS). A glutamina resultante
pode ser utilizada tanto para a síntese de glutamato quanto para a síntese de ácido-γ-aminobutírico (GABA).
Caso a função da enzima seja deficitária nos astrócitos, haverá acúmulo sináptico de glutamato, o que ocasio-
na hiperexcitabilidade dos neurônios pós-sinápticos. Também devido à produção inadequada de glutamina,
a síntese de GABA pela via glutaminérgica é diminuída, amplificando o efeito de hiperexcitabilidade através
da redução da aferência inibitória.61
Esse estado de hiperexcitabilidade contribui com os ciclos de despolarização/repolarização. O au-
mento excessivo da concentração intracelular de cálcio (dano excitotóxico) desencadeada pelo glutamato
ativa enzimas pró-apoptóticas – como caspases, proteases e endonucleases –, propiciando a degeneração e
a morte dos neurônios. Em larga escala, o processo neurodegenerativo se evidencia como atrofia da região
cerebral acometida.64 Por conseguinte, a subexpressão de glutamina-sintetase é um ponto-chave no fenôme-
no da neurodegeneração.
Ademais, tanto o dano excitotóxico quanto a neuroinflamação observados durante a injúria ce-
rebral culminam com a produção de radicais livres. Em grande quantidade, espécies reativas de nitrogênio
(RNS) e de oxigênio (ROS) superam a capacidade de depuração celular e instauram quadro de estresse oxida-
tivo, que pode também induzir apoptose, se não revertido.61,63
Os mecanismos de lesão mediados por radicais livres são: peroxidação lipídica das membranas, modi-
ficações nas proteínas (degradação ou desdobramento anormal) e lesão ao DNA (mutações).64 Diante de dano
celular prolongado ou severo, as RNS e ROS ultrapassam a capacidade oxidativa das mitocôndrias— organelas
responsáveis pela degradação de radicais livres, juntamente com peroxissomos. A disfunção mitocondrial, por
consequência, acarreta desregulação da homeostase intracelular de cálcio e, finalmente, morte celular.61,63
7 COGNIÇÃO E EMOÇÃO
Transtornos cognitivos e emocionais são comorbidades comuns na epilepsia. Eles são causados
tanto por alterações neurobiológicas, associadas às crises, quanto por possível doença neurológica de base.
Ademais, as consequências psicossociais da epilepsia também podem influir no desenvolvimento dessas co-
morbidades.
7.1 DEPRESSÃO
A presença de transtorno depressivo em pacientes com epilepsia é uma associação conhecida, que
eleva o risco de mortalidade, sobretudo de suicídio.69,70 Tanto a epilepsia quanto a depressão instauram um
quadro de neuroinflamação crônica, desencadeada pelo aumento dos níveis de cortisol circulantes devido
à desregulação no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.12 Ocorre liberação de citocinas pró-inflamatórias, tais
como IL-1, IL-6, TNF-α e IFN-γ, que reduzem o limiar convulsivo, lesam a barreira hematoencefálica e induzem
132
a diminuição da densidade glial e do tamanho dos neurônios em diversas áreas do cérebro sobretudo no giro
A tese de que a depressão resulta apenas do sofrimento psicossocial parece improvável. O desen-
volvimento da teoria neuroinflamatória da depressão, hipótese alternativa à teoria monoaminérgica, propõe
que os sintomas depressivos surjam em portadores de epilepsia antes mesmo do início das crises.73 Sob tal
óptica, estressores ambientais crônicos provocam ativação das vias pró-inflamatórias – previamente des-
critas, que poderiam até mesmo contribuir na gênese da epilepsia.62,63 A perspectiva neuroinflamatória até
mesmo dá indícios de que os altos níveis de cortisol e a hipoexpressão de receptores serotoninérgicos sejam
consequência da neuroinflamação.73
7.2 COGNIÇÃO
O prejuízo cognitivo progressivo, associado à epilepsia, era denominado, no século XIX, “demência
epilética”. Neste período, na ausência de tratamento adequado disponível, a maioria dos pacientes exibia de-
clínio das funções mentais. Em geral, quanto maior a exposição às crises, maior a disfunção intelectual. Nesse
contexto, interpretava-se a demência como um sintoma tardio da epilepsia.81
133
Comorbidades cognitivas são relativamente frequentes na epilepsia e podem ser secundárias às
Tópicos em Neurociência Clínica
crises.82 A atrofia hipocampal provocada pela epilepsia suscita déficit cognitivo.11 Em caráter complemen-
tar, verifica-se um processo de neuroplasticidade que, a longo prazo, conduz à reorganização disfuncional
de circuitos neurais, podendo acarretar degeneração sináptica, sincronização aberrante e predisposição a
crises.83,84 Ademais, a atrofia do hipocampo propicia acúmulo de peptídeo beta-amilóide (Aβ) no parênqui-
ma cerebral.84
A epilepsia em crianças pode prejudicar seriamente o desenvolvimento neurocognitivo e psi-
cossocial. As crises, particularmente as mais severas (maior frequência e duração, tendência à refrata-
riedade), podem ocasionar injúria prolongada e crônica sobre o cérebro, o que implica reestruturação
atípica das vias neurais responsáveis por diversas funções intelectuais, tais como linguagem, memória e
aprendizado.10, 12,85
O uso de medicamentos anticonvulsivantes para controle das crises, em alguns casos, pode im-
plicar prejuízo cognitivo como efeito adverso. Tradicionalmente, o fenobarbital, os benzodiazepínicos e
o topiramato podem se associar a prejuízo cognitivo. De modo semelhante, a fenitoína, a carbamazepina
e o ácido valpróico podem provocar diminuição da atenção e da memória, bem como menor atividade
psicomotora.
8 EXAMES COMPLEMENTARES
8.1 ELETROENCEFALOGRAMA
O eletroencefalograma (EEG) registra a atividade elétrica do cérebro, com o uso de eletrodos
colocados sobre o escalpo, possibilitando uma análise não invasiva e em tempo real da fisiologia de um
conjunto neurônios.15 Os resultados do EEG, sobretudo, durante as crises e descargas epileptiformes
interictais, são essenciais ao diagnóstico e à classificação da epilepsia. Via de regra, as descargas epi-
leptiformes consistem em ondas paroxísticas apiculadas no EEG, determinadas pela descarga anormal
ou síncrona de um grupo de neurônios.86,87Contudo, disparos paroxísticos podem ocorrer em indivíduos
saudáveis (aproximadamente 2% da população geral). Por isso, a adequada correlação com os achados
clínicos é fundamental.
Com o intuito de assegurar a acurácia, diversos registros são efetuados, pois a ausência de altera-
ções no EEG não exclui o diagnóstico de epilepsia – apenas 50% dos pacientes demonstram padrão epilep-
tiforme ao primeiro exame.87 A repetição, por conseguinte, eleva sua sensibilidade, com 90% dos pacientes
com epilepsia evidenciando padrões epileptiformes até o terceiro EEG.87 Provas de ativação por meio de
privação de sono antes do exame e manobra de hiperventilação, ou aplicação de estímulos foto ou audios-
sensoriais intermitentes durante o mesmo também aumentam sua sensibilidade.87
As características dos padrões eletrográficos – ritmo de base, localização, morfologia, duração das
descargas epileptiformes – direcionam a classificação das crises e até mesmo o diagnóstico de síndromes
epilépticas específicas, fornecendo informações acerca da evolução e do prognóstico. Assim, as crises focais,
que correspondem à despolarização síncrona em uma determinada área do cérebro, geram atividade paro-
xística localizada (Figura 2). Já as crises generalizadas se traduzem em descargas epileptiformes em ambos os
hemisférios cerebrais (Figura 3).6,30
134
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 2 – EEG de crise focal, evidenciando atividade epileptiforme ritmada em região temporal esquerda, característica
de crise de lobo temporal em paciente com esclerose hipocampal.88
Figura 3 – EEG de crise generalizada, exibindo paroxismos complexos espícula-onda a aproximadamente 3Hz, de proje-
ção generalizada, característicos das crises de ausência típicas.89
135
8.2 RESSONÂNCIA MAGNÉTICA NUCLEAR
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 4 – Imagem de RMN, em sequência T2, corte coronal, evidenciando esclerose hipocampal à direita em pa-
ciente com epilepsia mesial temporal. A esclerose hipocampal, também conhecida como esclerose temporal mesial,
é a causa mais comum da epilepsia de lobo temporal. Na imagem, observa-se marcada assimetria hipocampal, com
atrofia do lado direito.94
136
9 TRATAMENTO
137
Tabela 1: Anticonvulsivantes de 1º geração.66-68
Tópicos em Neurociência Clínica
PRIMEIRA GERAÇÃO
Benzodiazepínicos Ligação aos receptores GABAA (aumento da frequência de abertura dos canais Cl-).
Carbamazepina Bloqueio de canais de Na+ dependentes de voltagem.
Fenobarbital Ligação aos receptores GABAA (aumento do tempo de abertura dos canais Cl-).
Etossuximida Bloqueio de canais de Ca2+ tipo T.
Fenitoína Bloqueio de canais de Na+ dependentes de voltagem.
SEGUNDA GERAÇÃO
*
A enzima GABA-transaminase (GABA-T) é responsável pela degradação intracelular do ácido γ-aminobutírico (GABA), regulando os
níveis disponíveis da substância na sinapse. O bloqueio de GABA-T provoca aumento na concentração de GABA na sinapse, hiperpo-
larizando a célula.66-68
**
A proteína SV2A é ubíqua em vesículas sinápticas. Embora sua função não esteja bem elucidada, sabe-se que seu bloqueio pelo levetira-
cetam reduz a liberação de neurotransmissores na fenda sináptica, exercendo efeito inibitório.66-68
***
A enzima GABA-transportadora 1 (GAT-1) realiza a captação intracelular de GABA através de um co-transporte, aproveitando-se do
gradiente de Na+ existente. Seu bloqueio impede a recaptação de GABA, elevando a concentração sináptica do neurotransmissor.66-68
138
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 5 – Alvos moleculares dos fármacos anticonvulsivantes na sinapse excitatória glutamatérgica. Os alvos pré-si-
nápticos que diminuem a liberação de glutamato incluem: 1) canais de Na+ regulados por voltagem (RV) (fenitoina, car-
bamazepina, lamotrigina e lacosamida); 2) canais de Ca2+ RV (etossuximida, lamotrigina, gabapentina e pregabalina); 3)
canais de K+ (retigabina); proteínas vesiculares sinápticas; 4) SV2A (proteínas vesiculares sinápticas) (levetiracetam); e
5) CRMP-2, proteína mediadora da resposta de colapsina 2. Os alvos pós-sinápticos incluem: 6) receptores AMPA (blo-
queados pelo fenobarbital, topiramato, lamotrigina e perampanel); e 7) receptores NMDA (bloqueados pelo felbama-
to). EAAT (transportador de aminoácidos excitatórios); NTF (fatores neurotroficos); mGluR (receptor metabotrópico de
glutamato). Os pontos vermelhos representam o neurotransmissor glutamato.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021. Adaptado de: KANDEL, Eric et al.; 2003.
139
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 6 – Alvos moleculares dos fármacos anticonvulsivantes na sinapse inibitória GABAérgica. Os alvos “específicos”
são: 1) transportadores de GABA (particularmente GAT-1, tiagabina); 2) GABA-transaminase (GABA-T, vigabatrina); 3)
receptores GABAA (benzodiazepínicos); 4) receptores GABAB; e 5) proteínas vesiculares sinápticas (SV2A). Os efeitos
também podem ser mediados por alvos “inespecíficos”, como canais iônicos regulados por voltagem (RV) e proteínas
sinápticas. PIPS (potencial inibitório pós-sináptico). Os pontos azuis representam o neurotransmissor GABA.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021. Adaptado de: KANDEL, Eric et al.; 2003.
9.2 CIRURGIA
Cerca de 30% dos indivíduos com epilepsia não obtêm sucesso com o tratamento medicamentoso.
Em alguns casos, a cirurgia é uma opção terapêutica viável, desde que o foco epileptogênico seja restrito e
passível de remoção segura. Para estar apto ao procedimento, a localização da origem das crises não pode
advir de regiões eloquentes do cérebro, tais como as áreas vinculadas à linguagem, memória, sensibilidade
e motricidade.97 A cirurgia não abrange apenas a remoção cirúrgica do foco cortical epileptiforme, mas tam-
140
bém compreende métodos como a neuroestimulação (estimulação cerebral profunda e estimulação vagal), a
141
densidade de mitocôndrias e de genes associados ao metabolismo energético, uma vez que tais organelas
Tópicos em Neurociência Clínica
9.5 CANABINOIDES
Os canabinoides usados no tratamento da epilepsia são extratos de plantas do gênero Cannabis
(fitocanabinoides), ou moléculas sintetizadas em laboratório (canabinoides sintéticos).8,98 A farmacocinética
e a farmacodinâmica dos medicamentos variam conforme sua formulação e via de administração, bem como
seu metabolismo e interação farmacológica com outras drogas. Não se recomendam produtos não regula-
mentados por órgãos sanitários, pois o risco de haver contaminantes durante o processo de fabricação é
desconhecido, o que representa ameaça à saúde dos usuários.98
Os principais canabinoides presentes na Cannabis são o tetraidrocanabinol (THC) e o canabidiol
(CBD), sendo que suas respectivas concentrações variam conforme as espécies da planta. O THC, componen-
te ativo mais abundante, é o responsável pelos efeitos psicoativos. No entanto, provoca estresse oxidativo
e disfunção mitocondrial.98,113 Por outro lado, o CBD não se associa a efeitos psicotrópicos e demonstra ação
neuroprotetora e antiepiléptica.8,98,114,115
Evidências experimentais constatam a efetividade do CBD no tratamento da síndrome de Lenno-
x-Gastaut, da síndrome de Dravet e de epilepsias refratárias à medicação. Na síndrome de Lennox-Gastaut,
houve redução superior a 50% na frequência das crises em 44-49% dos pacientes.116,117 Esse resultado foi al-
cançado em 40% dos pacientes com a síndrome de Dravet.118 e em 57% daqueles com epilepsia refratária.119
O mecanismo antiepilético do CBD ainda não está elucidado. Sabe-se que se trata de uma molécula
com múltiplos alvos farmacológicos, ou seja, que se liga a receptores variados.8,98 Sugere-se que seu efeito
neuroprotetor se dê mediante ligação a receptores γ-ativados por proliferador de peroxissomo (PPRA-γ). O
PPRA-γ consiste numa proteína receptora nuclear que regula a expressão de genes e de fatores de transcri-
ção. Quando em grandes concentrações, o CBD, além de exercer agonismo parcial de receptores CB1 e CB2,
também se liga ao PPRA-γ, que, uma vez acionado, acarreta inibição da síntese de citocinas pró-inflamatórias
e de proteínas de fase aguda da inflamação, atenuando o dano provocado por doenças inflamatórias crônicas.
No caso da epilepsia, haveria redução da lesão inflamatória causada pelo dano excitotóxico das crises.8,98,120
O CBD também se liga aos receptores serotoninérgicos metabotrópicos do tipo 5-HT1A, acoplados
à proteína G, possivelmente justificando seu efeito ansiolítico e antidepressivo. A ligação ao receptor ativa a
proteína G (segundo mensageiro), que leva à inibição da liberação de glutamato e acetilcolina – neurotrans-
missores excitatórios que reduzem o limiar convulsivo – no hipocampo e no córtex pré-frontal.8,98,121,122
142
O canabidiol também parece ter a função de bloqueio de canais de cálcio do tipo T e de receptores
Figura 7 – A molécula de canabidiol (CBD) é multimodal, ligando-se a diversos receptores celulares e exercendo função
de antagonista, agonista, moduladora, ativadora ou inibidora, a depender do receptor ao qual se liga. CB1 e CB2 (re-
ceptores canabinoides tipo 1 e tipo2); D2 (receptor de dopamina do tipo D2); 5-HT (receptor serotoninérgico); PPRA-γ
(receptor γ ativado por proliferador de peroxissomo); TRPV1 (receptor de potencial transitório V1).
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
10 EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO
No passado, a epilepsia era referida como uma patologia crônica, progressiva e irremissível.125 En-
tretanto, através de evidências epidemiológicas, constatou-se que tal conclusão advinha de um viés de se-
leção, visto que os casos estudados eram oriundos de centros de referência terciários, isto é, de serviços
altamente especializados, nos quais apenas os casos mais graves eram atendidos.126,127
A etiologia da epilepsia é o fator preditivo de prognóstico mais proeminente. Causa idiopática agre-
ga maiores chances de cura do que as metabólicas/estruturais.128 Indivíduos com epilepsia, sem déficit neu-
rológico ao nascerem evidenciam 46% de possibilidade de remissão.129 Outro aspecto relevante é o padrão
eletroencefalográfico, sendo que a persistência de perfis elétricos aberrantes por mais de um ano é um indi-
cador de prognóstico negativo. 87, 128
143
10.1 MORTE SÚBITA INESPERADA NA EPILEPSIA (SUDEP)
Tópicos em Neurociência Clínica
Ainda que o prognóstico geral seja favorável, portadores de epilepsia têm maior risco de morte pre-
matura do que a média da população geral, sendo que acidentes relacionados às crises e suicídio correspondem
respectivamente a 6% e a 20% desses casos. Já a morte súbita inesperada em epilepsia (SUDEP) responde por cerca
de 17% dos eventos letais nesse grupo130-132, mas, em casos de epilepsia refratária, esta cifra chega a 50%134.
Define-se como SUDEP a morte abrupta, inesperada, sem afogamento e não-traumática de um indi-
víduo com epilepsia. À luz do exame post mortem, não há causas anatômicas ou toxicológicas que justifiquem
o óbito.132 Crises tônico-clônicas generalizadas são um fator de risco expressivo na precipitação do evento.132,133
O mecanismo fisiopatológico da SUDEP permanece incerto. Entretanto, há indícios de que o fenô-
meno derive de disfunções cardiorrespiratórias pós-ictais, tais como bradiarritmia, apneia central e edema
pulmonar neurogênico.132,133 O sistema nervoso autônomo permanece prejudicado após uma crise epiléptica,
de modo que ocorre aumento de aferências simpáticas (liberação de catecolaminas) em detrimento do tônus
parassimpático. Por conseguinte, podem surgir arritmias supraventriculares ou ventriculares, além de altera-
ções da repolarização ventricular (alongamento do intervalo QT no eletrocardiograma).133,134
Por outro lado, modificações do padrão respiratório durante as crises podem ser letais. Edema pul-
monar neurogênico e supressão do centro respiratório bulbar podem acontecer nas crises epiléticas. Crises
prolongadas provocam aumento da pressão no átrio esquerdo e nas artérias pulmonares, gerando edema
pulmonar, taquicardia e possível morte por hipoventilação ou hipóxia.133,134
Aproximadamente 80% dos casos de SUDEP não são testemunhados, o que sugere que crises obser-
vadas sejam menos fatais.135 A maioria dos óbitos ocorre durante o sono, quando há menor monitoramento e
supervisão dos pacientes. Em 70% dos casos, os corpos são encontrados em decúbito ventral, indicando que
houve dificuldade respiratória e/ou sufocamento. Percebem-se ainda sinais de que a morte foi antecedida
por uma crise.135
A SUDEP é mais prevalente em adultos do que em crianças.132 O fenômeno é mais frequente em
casos refratários, ou naqueles associados a atraso no desenvolvimento neurocognitivo, como na síndrome de
Dravet e na esclerose tuberosa.132 Em crianças com epilepsia abaixo de 14 anos, casos de SUDEP são raros e
geralmente restritos aos infantes com sérias injúrias neurológicas.132
A não adesão ao tratamento ou a administração de doses subterapêuticas de anticonvulsivantes
também são fatores de risco para a SUDEP. Da mesma forma, pacientes com crises tônico-clônicas generali-
zadas ou refratárias à medicação são mais propensos ao quadro.132-134 Medidas preventivas para diminuir o
risco de SUDEP incluem o controle das crises e a supervisão noturna, bem como adoção de um estilo de vida
saudável, com prática de exercícios físicos e redução do estresse.133
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, a epilepsia representa um importante tópico no âmbito das neurociências, sendo que o
progresso nas áreas da biologia molecular, da genética, da farmacologia e da pesquisa clínica levou a amplos
avanços no conhecimento da sua fisiopatologia e ao desenvolvimento de novas formas de tratamento, como
o uso de canabinoides e as intervenções cirúrgicas. Todavia, ainda resta muito a ser compreendido e realizado
para que grande parte dos acometidos disponha, de fato, de medidas preventivas e terapêuticas satisfatórias.
O combate ao preconceito velado contra portadores de epilepsia e sua inclusão integral à sociedade
são ainda desafios a serem vencidos. Para isso, a divulgação de informações técnicas, baseadas em evidên-
cias e no conhecimento científico acerca da patologia, sobretudo no ambiente escolar e nas mídias sociais, é
fundamental. Por fim, assimilar que a epilepsia é uma doença tratável e até mesmo curável é essencial para
o adequado apoio e tratamento das pessoas que vivem com essa condição.
144
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
146
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151
152
Tópicos em Neurociência Clínica
Capítulo VIII
DOR CRÔNICA
Caroline de Alexandre Rosa
Candida Aparecida Leite Kassuya
Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO
A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP, International Association for the Study
of Pain) define dor como “uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a dano real
ou potencial ao tecido, ou descrita em termos de tal dano”.1 Assim, não necessariamente deve haver um
estímulo que provoque a sensação dolorosa, chamado aqui de estímulo nociceptivo, visto que, muitos
indivíduos relatam experiências de dor mesmo na ausência de danos teciduais ou de uma explicação fisio-
patológica provável. A dor, portanto, não se limita enquanto simples resultado de um estímulo periférico,
mas compreende um estado de percepção complexa e altamente subjetiva, decorrente de várias etapas
de processamento sensorial, emocional e cognitivo do sistema nervoso central (SNC). Ela é um fenômeno
psicossomático, envolvendo aspectos somáticos (sinal de lesão), cognitivos (atenção excessiva) e emocio-
nais (desregulação afetiva).
A dor pode ser classificada conforme sua duração (aguda ou crônica), localização (cutânea, pro-
funda e visceral) e o local de referência. A classificação de dor mais amplamente aceita é a que considera
sua duração, pois as formas aguda e crônica diferem em causa, função, mecanismo, sequelas psicológicas
e tratamento.
De maneira geral, a dor aguda tem início recente, menos de três meses, e envolve respostas au-
tonômicas simpáticas, como, por exemplo, aumento de frequência cardíaca, aumento de pressão arterial,
midríase (dilatação da pupila), xerostomia (boca seca), diminuição da motilidade do trato gastrointestinal
e respostas psicológicas de ansiedade. Já a dor crônica difere-se, primeiramente, por ser uma dor “arras-
tada”, com duração maior que três meses e ausência de respostas autonômicas simpáticas, mas com a
presença de estados psicológicos de irritabilidade, depressão, insônia, alteração de libido e, até mesmo,
redução do apetite.1
Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor, dor crônica é a “dor que persiste além
do tempo normal de cicatrização do tecido”. Na ausência de outros fatores, esse tempo geralmente é de três
meses.2 Devido à persistência, ela gera incapacitações importantes e, diferentemente da dor aguda – que for-
ça o indivíduo a proteger a área afetada e a procurar por assistência médica, favorecendo a cura do tecido le-
sionado –, a dor crônica torna-se um incômodo constante sem, necessariamente, indicar uma lesão tecidual.
O “Estudo de Carga Global de Doenças 2016” (The Global Burden of Disease Study 2016) revela
que a dor crônica afeta 1,9 bilhão de pessoas no mundo3 e reafirma que as doenças a ela relacionadas
são as principais causas de incapacitação. A cefaleia do tipo tensional é apontada como a dor crônica
mais comum. Neste estudo, foram particularmente observadas correlações entre o desemprego por
153
motivos de saúde e a presença de dor crônica.4 No Brasil, um estudo publicado pela Revista Brasileira de
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Dor, em 2018, concluiu que dois terços da população brasileira convivem com dor crônica, cujos fatores
de risco incluem: ser mulher, ter idade avançada e baixa renda familiar. O estudo evidencia que, no Bra-
sil, as dores nas costas, a artrite reumatoide, as dores de cabeça e a osteoartrite são as dores crônicas
mais prevalentes.5 Assim, dada sua alta prevalência na população mundial e seu alto potencial de inca-
pacitação, a compreensão da fisiopatologia e do tratamento da dor é um tópico fundamental e de alta
relevância para todos os profissionais de saúde.
Este capítulo apresenta a dor crônica, explorando-a em seus mecanismos centrais de processamen-
to e de modulação.
A dor crônica é caracterizada por um quadro de dor prolongada, que dura mais de três meses.6 Se-
gundo a IASP, as dores crônicas podem ser classificadas, como: “síndromes de dor crônica primária”, nas quais
a dor é entendida como a própria doença, sem uma causa aparente, e “síndromes de dor crônica secundária”,
em que a dor se manifesta como sintoma de outra doença ou causa, como, por exemplo, câncer de mama,
acidente de trabalho ou neuropatia diabética, dentre outras.7 O diagnóstico diferencial entre as causas primá-
ria e secundária de dor pode ser desafiador, porém, deve sempre ser tratado com especial atenção quando
a dor se apresentar de forma moderada a intensa. Além disso, nas dores secundárias, o tratamento da causa
subjacente nem sempre faz cessar a dor crônica.
A dor neuropática é uma forma de dor crônica, de longa duração, muitas vezes incapacitante resultante
de uma resposta de adaptação anormal do SNC e/ou do sistema nervoso periférico (SNP) à lesão. Em outras pala-
vras, a injúria do tecido neural (seja no cérebro, na medula espinhal, ou no nervo periférico) causa neuroinflama-
ção, neurodegeneração, mas também mudanças no funcionamento das sinapses que mudam o processamento
de informações, gerando dor na ausência de estímulo doloroso. A dor neuropática pode ser devida à neuropatia
diabética, neuropatia pós-herpética (após infecção pelo vírus Herpes zoster), amputação (dor do membro fantas-
ma), neuropatia associada ao HIV, neuralgia do nervo trigêmeo, dor crônica regional complexa, mas também lesão
medular, esclerose múltipla, acidente vascular cerebral, etc. O paciente apresenta dores espontâneas, lancinantes.
Ele pode sentir sua pele queimando, sendo dilacerada, recebendo choques, sendo triturada, etc. As descrições são
dramáticas, pois o sofrimento de fato é intenso. São descritas hiperalgesia (aumento da resposta a estímulo dolo-
roso), alodínia (resposta de dor a estímulo não doloroso) e parestesias (sensações espontâneas de formigamento).
154
é dividida em central e periférica e que resulta de lesão no SNC— como, por exemplo, no acidente vascular
Dores Crônicas
155
A informação dolorosa “percebida” pelos nociceptores é transmitida à medula espinal por meio de
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um potencial de ação, o qual é transmitido através de neurônios. A velocidade de condução desse potencial
é definida em função do diâmetro de cada fibra, quanto maior o diâmetro, maior será a velocidade de condu-
ção. Para tanto, as fibras Aδ têm uma camada lipoproteica denominada mielina, a qual envolve a fibra e tem a
capacidade de acelerar a condução do impulso. Assim, as fibras Aδ mielinizadas possuem um diâmetro maior
e conduzem o potencial de ação mais rapidamente, sendo esse o caminho das dores agudas. Por outro lado,
as fibras do tipo C são amielínicas, o que faz com que a informação seja transmitida a “baixa velocidade” e de
maneira prolongada; sendo essas as fibras que conduzem as dores crônicas.9
O neurônio do corno dorsal da medula espinal faz sinapses com outros neurônios da substância cin-
zenta, que se organizam em segmentos específicos, denominados “Lâminas de Rexed”. O corno dorsal com-
preende, principalmente, as lâminas I, II, III, IV e V. A lâmina I, também chamada de lâmina marginal (Fig. 1),
contém neurônios que recebem estímulos nocivos conduzidos pelas fibras Aδ e fibras do tipo C. A lâmina II,
também conhecida por substância gelatinosa, é formada por várias classes de interneurônios que respondem
de modo seletivo aos estímulos nociceptivos das fibras C e a estímulos inócuos. As lâminas III e IV contêm
interneurônios e neurônios de projeção supraespinal que respondem aos estímulos cutâneos inócuos (de-
flexão de pelos e pressão leve). A lâmina V responde a uma série de estímulos nocivos trazidos diretamente
pelas fibras Aδ e, por ter seus dendritos estendidos até a lâmina II, acaba sendo inervada também por fibras
do Tipo C.10
Figura 1 – Lâminas de Rexed. O corno dorsal é composto pelas lâminas I, II, III, IV e V, sendo onde as fibras nociceptivas
C e Aδ adentram a medula espinal. As fibras de dor decussam e ascendem contralateralmente ao corno medular de
entrada.
Fonte: CASTRO, Flávio; 2021.
156
Ainda na medula espinal, a informação dolorosa percorre seu caminho pela comissura anterior, re-
Figura 2 – Principais tratos motores e sensitivos. Os tratos neoespinotalâmico e paleoespinotalâmico estão envolvidos
com a transmissão de dor. O trato neoespinotalâmico, envolvido com a transmissão de dor aguda compreende o trato es-
pinotalâmico lateral. Já o trato paleoespinotalâmico corresponde aos tratos espinorreticulares (marcados com a letra Y).
Fonte: CASTRO, Flávio; 2021.
lo doloroso.2 No tronco encefálico, em nível de ponte, as fibras do trato espinotalâmico lateral se unem
com as do trato espinotalâmico anterior, constituindo o lemnisco espinhal, que termina no núcleo talâ-
mico ventral póstero-lateral (figura 3). A partir daí, um neurônio de terceira ordem que possui seu núcleo
localizado no tálamo, emite seus axônios até o córtex somatossensorial I— localizado no lobo parietal e
correspondente às áreas 3, 2 e 1 de Brodmann.2 Esta via se associa aos aspectos discriminativos do proces-
samento da dor, como sua localização, irradiação, duração e caráter (em pontada, em aperto, pulsátil, etc).
Figura 3 – Mecanismo de transmissão de dor. Nesta imagem é possível perceber o caminho de dor desde o estímulo
periférico até a chegada da informação dolorosa em regiões específicas do córtex cerebral.
Fonte: CASTRO, Flávio; 2021.
Cabe aqui recordar que o córtex cerebral foi dividido no início do século passado pelo anatomista
alemão Korbinian Brodmann em cinquenta áreas distintas, de acordo com as diferentes disposições citoar-
quitetônicas observadas pelo microscópio. De fato, as diferenças de arranjo celular das áreas de Brodmann
correspondem às diferentes funções às quais elas estão associadas.
Desta forma, o córtex somatossensorial divide-se em primário (áreas de Brodmann 1,2,3)— res-
ponsável pelo processamento das informações somatossensoriais elementares (textura, dureza, forma, loca-
lização, intensidade, etc.) e secundário (áreas de Brodmann 5 e 7), que realiza a síntese e a organização das
informações oriundas do córtex somatossensorial primário, permitindo o reconhecimento de objetos.
158
3.2 TRATO PALEOESPINOTALÂMICO
4 MODULAÇÃO DA DOR
A percepção da dor bem como da sua intensidade dependem de uma série de interações envolven-
do neurônios e neurotransmissores em vários níveis do sistema nervoso, como o sistema opiode e o sistema
endocanabinoide, mas também os sistemas monoaminérgicos, glutamatérgico e gabaérgico, de modo que a
dor é uma percepção individualmente construída, que não resulta apenas da retransmissão em série por vias
ascendentes, mas da integração dinâmica entre essas e vias descendentes inibitórias e facilitatórias. Por isso,
admite-se que que a dor crônica resulte da desregulação de circuitos neurais.
termina e influencia a transmissão e a percepção da dor. Tanto as fibras Aβ— altamente mielinizadas, de
transmissão rápida, condutoras dos estímulos de tato e propriocepção—, quanto as fibras nociceptivas Aδ e
C fazem sinapse com os neurônios de projeção do corno dorsal. As fibras C amielínicas (fibras aferentes noci-
ceptivas) inibem os interneurônios inibitórios, a fim de assegurar a transmissão da informação dolorosa. Já o
disparo das fibras Aβ estimula os interneurônios inibitórios que reduzem os disparos das fibras nociceptivas,
reduzindo a transmissão da informação de dor (Fig. 4).10
159
Tópicos em Neurociência Clínica
Fibra C (nociceptiva)
Interneurônio
inibitório
Neurônio de
projeção
No modelo original de 1965, a situação é mostrada no corno dorsal da medula espinal. Atualmente,
sabe-se que as convergências de diferentes modalidades sensoriais podem ocorrer em diversas regiões de re-
transmissão dolorosa supraespinais. Essa constatação auxilia em muito no entendimento do sistema de anal-
gesia do organismo, bem como na criação de novas terapias para pacientes que sofrem com dores crônicas.
160
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 5 – Matriz da dor. S1: córtex somatossensorial primário; S2: córtex somatossensorial secundário; M1: córtex
motor primário; ACC: córtex cingulado anterior; PCC: córtex cingulado posterior; SMA: área motora suplementar; BG:
gânglios da base; PFC: córtex pré-frontal; HT: hipotálamo; PB: núcleos parabraquiais; PAG: substância cinzenta peria-
quidutal; PPC: Córtex parietal posterior.
Fonte: CASTRO, Flávio; 2021.
161
4.3 SISTEMA DE ANALGESIA: VIAS DESCENDENTES INIBITÓRIAS
Tópicos em Neurociência Clínica
162
Tópicos em Neurociência Clínica
163
4.4 SISTEMA OPIOIDE
Tópicos em Neurociência Clínica
O sistema opioide é formado por substâncias opioides endógenas, isto é, opioides que o próprio
sistema nervoso produz. Estas substâncias são peptídeos, divididos em 3 famílias, cada uma originada de um
gene distinto. Cada gene codifica a produção de uma grande proteína precursora, cuja clivagem origina os
diferentes peptídeos ativos. Deste modo, a pro-opiomelanocortina é a proteína precursora que dá origem ao
hormônio melanocítico estimulante, hormônio adrenocorticotrófico (ACTH ) e ß-endorfina; a pro-encefalina
gera a metionina encefalina (met-encefalina) e a leucina encefalina (leu-encefalina); a pro-dinorfina que ori-
gina as dinorfinas.
Os opioides são neurotransmissores de moléculas grandes, produzidos sob demanda e que
atuam sobre receptores metabotrópicos. Sua ação é lenta com efeito de modulação das sinapses (torna
a sinapse mais “forte”, ou mais “fraca”). Neurônios opioides estão presentes em amplas áreas do SNC e
do SNP e participam da regulação de diversas funções como apetite, sono, prazer, dor, etc..
Todos os níveis dos circuitos de processamento de dor respondem às substâncias opioides, daí seu
alto potencial analgésico. Os receptores opioides são divididos em receptores µ, κ e δ. A sua ligação com
substâncias opioides gera inibição dos canais de cálcio dependentes de voltagem e/ou abertura de canais de
K+, levando à hiperpolarização da célula e à menor excitabilidade neuronal. Nessa condição, as encefalinas
e as endorfinas podem atuar tanto em nível pré- como pós-sináptico. Esta dupla ação explica a inibição da
dor, apresentada no tópico anterior, pelas vias descendentes noradrenérgicas e serotoninérgicas através dos
interneurônios encefalinérgicos no corno dorsal da medula. Com efeito, esses interneurônios irão atuar tanto
sobre o neurônio pré-sináptico do corno da raiz dorsal, impedindo que libere o glutamato, quanto sobre o
neurônio de projeção, impedindo que se despolarize.
Na membrana pré-sináptica, os receptores opioides, uma vez estimulados pela encefalina, geram
reações intracelulares que culminam na redução do influxo de Ca2+ necessário para a liberação do neurotrans-
missor glutamato das vesículas sinápticas. Já na membrana pós-sináptica, a encefalina ativa os receptores
opioides que, por sua vez, promovem a abertura de canais de potássio, cujo efluxo causa hiperpolarização, o
que reduz as chances de geração de novos potenciais de ação.14
Em contrapartida, a perpetuação das aferências dolorosas causa neuroplasticidade mal adaptativa
que inverte o efeito de analgesia dos opioides, contribuindo para a intensificação e cronificação da dor. Assim,
ocorrem mudanças estruturais no receptor opioide (internalização, fosforilação e degradação do receptor,
desacoplamento da proteína G) que o tornam resistente (down-regulation)15. Também ocorre— devido à
estimulação duradoura do receptor µ— inibição da recaptação de glutamato na fenda sináptica e ativação do
receptor de glutamato do tipo NMDA com consequente aumento do cálcio intracelular que é em longo prazo
excitotóxico, causando apoptose neuronal16.
164
diferença é que esses neurotransmissores são sintetizados sob demanda nos neurônios pós-sinápticos, sem
Este tópico descreve diferentes mecanismos neurais que contribuem para a perpetuação da per-
cepção dolorosa, mesmo após a cessação da estimulação nociceptiva. Primeiramente, serão vistas as al-
terações do SNP e, em seguida, as alterações do SNC. Normalmente estes fenômenos visam à proteção
do tecido lesado e são autolimitados. Entretanto, nos casos de dor crônica, particularmente na dor neuro-
pática, eles culminam em mudanças duradouras, constituindo circuitos neurais anormais que facilitam a
transmissão nociceptiva.
A lesão tecidual causa liberação de substâncias algiogênicas (bradicinina e prostaglandinas) pelos
tecidos lesados e pelos leucócitos, as quais sensibilizam os nociceptores, reduzindo seu limiar de excita-
bilidade (gerando a hiperalgesia) e também induzindo-os a liberar eles mesmos mediadores inflamató-
rios, constituindo a denominada inflamação neurogênica. Assim, os neurotransmissores (substância p e
proteína relacionada ao gene da calcitonina- CGRP) liberados pelas terminações nervosas sensibilizadas
interagem com as células inflamatórias gerando extravasamento de plasma (edema) e vasodilatação. O
extravasamento de plasma, por sua vez, estimula liberação de histamina e serotonina pelas plaquetas, que
diminuem o limiar de excitabilidade de nociceptores vizinhos, fazendo com que a área de hiperalgesia se
torne maior que a área da lesão inicial (Fig. 7).9
165
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 7 – Mecanismo de inflamação neurogênica. A lesão tecidual leva à liberação de bradicinina e prostraglandina
pelas células do tecido lesado. Essas substâncias sensibilizam o terminal nervoso dos nociceptores, induzindo-os a libe-
rar substância P e proteína relacionada ao gene da calcitonina (CGRP), que atuam sobre o endotélio, gerando extrava-
samento de plasma e vasodilatação, bem como liberação de histamina e 5HT pelas plaquetas. O processo inflamatório
sustentado pelo próprio terminal nervoso aumenta a área de hipersensibilidade por diminuir o limiar de excitabilidade
de terminações nervosas vizinhas.
Fonte: CASTRO, Flávio; 2021.
Figura 8. Fenômeno de Wind up: A neuroinflamação periférica leva a disparos repetidos gerados pelas fibras do tipo
C e fibras A delta, com estas últimas liberando glutamato. O glutamato ativa receptores AMPA que geram entrada de
Na+ no neurônio de projeção, despolarizando-o. A mudança de potencial na membrana altera a configuração espacial
do receptor NMDA, levando à saída do íon Magnésio que o mantinha fechado. A abertura dos canais NMDA os torna
responsivos ao glutamato que induz entrada de íons Cálcio (os canais NMDA quando ativados levam à entrada de
Ca++, enquanto os canais AMPA levam à entrada de Na+). O aumento na concentração intracelular de cálcio, por sua
vez, desencadeia diversas reações enzimáticas em série que culminam em: a) expressão de mais receptores AMPA na
membrana do neurônio pós-sináptico (o que o torna mais facilmente despolarizável); b) retificação de canais de potás-
sio, impedindo a saída deste íon, o que também contribui para manter o neurônio de projeção em um estado despo-
larizado, mais próximo ao limiar de disparo do potencial de ação; c) produção de óxido nítrico (NO) que atua como um
neurotransmissor retrógrado, agindo sobre o neurônio pré-sináptico, estimulando a liberação de glutamato.
Fonte: CASTRO, Flávio; 2021
A neuroinflamação não ocorre apenas nos terminais nervosos, mas também no SNC, consistindo
na ativação crônica de resposta imune com proliferação da micróglia, aumento de citocinas pró-inflamatórias
(interleucina (IL)-1β, fator de necrose tumoral (TNF)-α e IL-6) e redução das citocinas anti-inflamatórias (IL-
4). A neuroinflamação acontece como resposta à injúria cerebral (AVC, traumatismo, hipóxia, infecção), mas
também ao estresse psicológico. Os neurônios têm receptores para as citocinas e assim elas modificam suas
167
propriedades, facilitando a neurotransmissão excitatória e reduzindo a transmissão sináptica inibitória no
Tópicos em Neurociência Clínica
O tratamento da dor crônica idealmente deve abranger uma combinação de abordagens, consi-
derando seus componentes nociceptivo, neuropático, inflamatório, mas também afetivo, cognitivo e socio-
familiar. De fato, a dor crônica pode resultar em alterações nos tecidos periféricos dos quais ela se origina.
Por exemplo, longos períodos de imobilidade, ou de posturas antálgicas podem gerar contraturas, atrofia
muscular e redução da mobilidade, que pioram a dor em si, mas também a autonomia e o grau de satisfação
com a vida. Ademais, a dor tem relação bidirecional com transtornos psiquiátricos, sendo um fator de risco
para a ansiedade, a depressão e a insônia, mas também parte da manifestação das mesmas. Na prática clíni-
ca, é bastante comum a situação de um mesmo paciente ter queixas de humor deprimido, prejuízo de sono,
irritabilidade, apreensão e diferentes formas de dor.
A redução na participação de atividades sociais e recreativas, a incapacitação para o trabalho, o
desemprego e o isolamento são também consequências frequentes da situação de cronificação da dor que
precisam ser consideradas, quando a meta é não apenas reduzir a sua intensidade, mas promover a reabilita-
ção do paciente nas diferentes esferas de sua vida.
6.1 FARMACOTERAPIA
A Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu um protocolo geral como guia para o tratamento
farmacológico da dor em pacientes oncológicos, mas que se estende para outros casos de dor crônica. Trata-se da
“escada analgésica” que prevê o uso inicial de analgésicos não-opioides por via oral, em doses e potências cres-
centes e reserva os opioides para situações de refratariedade. No entanto, quando aplicada a pacientes com dores
crônicas não-oncológicas, raramente se consegue analgesia a longo prazo, porque os efeitos colaterais desses me-
168
dicamentos acabam por limitar sua dose máxima, mas também porque mudanças nos circuitos neurais (neuro-
apenas para pacientes cuidadosamente selecionados e que não responderam a nenhum dos outros trata-
mentos propostos.
6.8.1 Fisioterapia
Na dor crônica, o papel da fisioterapia é maximizar e manter a capacidade funcional do paciente,
sem promover aumento de dor. Busca-se conscientizá-lo de que, nos casos de dores crônicas, a sensação do-
lorosa não implica necessariamente em lesão dos tecidos e que evitar atividades pode, a longo prazo, piorar a
dor por descondicionamento físico. São realizados exercícios de resistência, aeróbicos e alongamentos leves,
para aumentar a força muscular e a amplitude dos movimentos.27
170
6.8.3 Psicologia Clínica
7 CONCLUSÃO
A dor é uma experiência universal, mas a sua perpetuação, especialmente quando se dá na ausên-
cia de lesão tecidual, configura uma situação altamente dramática, associada a grande sofrimento, prejuízo
de diversas funções (humor, apetite, sono) e muitas vezes à incapacitação permanente.
Infelizmente as possibilidades terapêuticas permanecem insatisfatórias, pois ainda há muitos pon-
tos a serem compreendidos. Sabe-se que a dor crônica resulta de mecanismos que envolvem mudanças
sinápticas, neuroinflamação, neurogênese e até mesmo neurodegeneração. Alterações neurais, imunes e
endócrinas modificam o processamento e a modulação do estímulo doloroso. Assim, a meta das pesquisas
está na identificação de biomarcadores e mediadores que possam ser antagonizados para que se promova
um bloqueio precoce das cascatas de incrementação da transmissão nociceptiva.
Por fim, tratar um paciente que sofre de dor crônica envolve compreender os diversos aspectos
que o levaram a desenvolver este estado de doença. É importante que não apenas o profissional de saúde,
mas também o paciente tenha este entendimento para que novas abordagens possam ser aplicadas com a
finalidade de restaurar a sua qualidade de vida.
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172
Capítulo IX
ZUMBIDO
Lucas Rodrigues Santa Cruz
Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO
O zumbido é um ruído percebido na ausência de uma fonte sonora externa.1 Tal condição, apesar
de todo o avanço, ainda continua enigmática no meio científico e clínico, o que compactua com o sofrimento
daqueles que a detém. Embora a maioria não refira um incômodo substancial, uma parcela significativa da
população é afetada de forma severa, fator que propicia grande perda da qualidade de vida e maior risco
para outros problemas de saúde.
Estima-se que 1 a cada 10 adultos norte-americanos possui zumbido.2 Dentre eles, aproximada-
mente 20% o relatam como um problema moderado e 7% como grave ou muito grave, o que corresponde a
mais de 800 mil pessoas, só nos EUA, padecendo de forma angustiante.2 Em território brasileiro, especifica-
mente na cidade de São Paulo, a presença do sintoma chega a atingir 22% da população adulta.3 Nas outras
regiões do mundo, essa prevalência se mostra semelhante à americana: cerca de 10 a 15% dos adultos são
acometidos, índice que aumenta conforme a idade.4
Além do ruído em si, existem inúmeras comorbidades associadas ao zumbido que também são
danosas, tais como ansiedade, menor rendimento no trabalho, distúrbios do sono, fuga do convívio social,
depressão e até suicídio. Uma das maiores análises contemporâneas já feitas sobre o assunto sugere que
1/3 dos pacientes com zumbido possui depressão,5 número este que reflete o abrangente ônus e sofrimento
instaurados. Mais grave ainda é o que ocorre nos casos extremos, com quase 21% dos portadores relatando
ideações suicidas e 1,2% tentativas de suicídio, dados de uma amostra coreana.6
Dessa forma, fica claro que o zumbido é uma condição que pode deteriorar bastante a qua-
lidade de vida de muitas pessoas, exigindo-se do profissional de saúde a capacidade de entendê-la e
manejá-la corretamente.
Fazendo jus à importância do tema, este capítulo abordará, inicialmente, alguns aspectos funda-
mentais do zumbido, como seus subtipos, características e causas principais. Em seguida, será explanada a
fisiologia básica da via auditiva, a qual é necessária para compreender, posteriormente, as teorias fisiopato-
lógicas preponderantes que tentam explicar o mecanismo de geração do sintoma. Logo após, serão descritas
as formas de avaliação bem como de tratamento atualmente estabelecidas. Por fim, um resumo com os
pontos-chave e algumas perspectivas futuras concluirão o capítulo.
173
2 CONCEITOS BÁSICOS
Tópicos em Neurociência Clínica
Primeiramente, vale ressaltar que o zumbido não é uma doença, mas sim um sintoma presente em
diversas doenças e outras condições de saúde. Ele pode ser percebido nas orelhas ou dentro da cabeça e é
relatado de inúmeras formas: um assobio, um chiado, som de cigarra, cachoeira, apito, cliques, ondas, entre
tantas outras. Às vezes, é ainda descrito como um som variável e complexo.
Antes de falar dos seus subtipos, é necessário diferenciar o zumbido do “ruído auditivo transitório”,
uma vez que este último não é uma condição patológica. Quando se ouve um tom único em uma orelha, de
início repentino, tipicamente acompanhado por perda auditiva e plenitude auricular do mesmo lado (sensa-
ção de ouvido “cheio”, sons abafados) e que desaparece dentro de 1 minuto, isso não deve ser denominado
zumbido, mas sim ruído auditivo transitório, haja vista que toda pessoa pode experimentá-lo sem prejuízos à
sua saúde.7 Para ser considerado “zumbido” propriamente dito, é necessário que o sintoma dure, no mínimo,
5 minutos, segundo a maioria dos estudos.8
Existem diversas classificações para o zumbido. De acordo com as diretrizes da Academia Ame-
ricana de Otorrinolaringologia, ele pode ser recente ou persistente (duração maior que 6 meses), primá-
rio (sem uma causa aparente, isto é, idiopático) ou secundário (possui uma causa orgânica identificável),
subjetivo (só o paciente ouve o som) ou objetivo (o examinador também pode ouvi-lo), uni ou bilateral,
pulsátil ou não-pulsátil e incômodo ou não-incômodo. 1 Pode ainda ocorrer de forma constante, inter-
mitente (ao menos semanal), ocasional (a cada poucas semanas/meses) ou temporária (após eventos
específicos).7
Dependendo do tipo de zumbido, algumas etiologias são muito mais prováveis que outras, o que
será explanado a seguir.
174
2.2 ZUMBIDO OBJETIVO
3 FISIOLOGIA AUDITIVA
Para compreender os mecanismos envolvidos na geração do zumbido, bem como a perda au-
ditiva que geralmente o acompanha, é pré-requisito ter clareza sobre processos básicos da fisiologia da
audição humana.
175
Tópicos em Neurociência Clínica
176
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 2 – Cóclea e órgão espiral de Corti.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
A partir desse momento, inicia-se uma etapa fundamental: a transdução do som (transformação
da energia sonora em impulso elétrico), que ocorre no órgão de Corti, estrutura composta por uma linha de
células ciliadas internas e três linhas de células ciliadas externas, as quais, devido ao movimento da endolin-
fa que as banha, da lâmina basilar que as sustenta e da membrana tectória que as recobre, são ativadas ou
inativadas. Essas células são denominadas ciliadas porque possuem estereocílios no seu ápice, sendo que é o
movimento específico dessas estruturas que, a depender da direção, abrirá ou não seus canais de potássio e,
respectivamente, despolarizará (gerando impulso) ou hiperpolarizará a célula. Sabe-se, ainda, que apenas as
células externas estão em contato direto com a membrana tectória.
É importante ressaltar que a lâmina basilar, assim como o restante da via auditiva, está estruturada
de maneira tonotópica, ou seja, cada frequência sonora possui um ponto de deslocamento máximo espe-
cífico. Desse modo, as frequências mais agudas são percebidas majoritariamente no início/base da lâmina
basilar, enquanto as mais graves promovem maior deslocamento no fim/ápice dela (Fig. 1).
Após serem gerados os sinais elétricos no órgão de Corti, estes atingem o gânglio espiral (conjunto
de corpos de neurônios nos espirais da cóclea) e depois seguem pela divisão coclear do nervo craniano VIII
(NCVIII- nervo vestibulococlear) até o sistema nervoso central (SNC). Vale destacar que são as células ciliadas
177
internas as responsáveis por cerca de 90% da audição, pois é proveniente delas a grande maioria das fibras
Tópicos em Neurociência Clínica
auditivas aferentes; já as células ciliadas externas atuam principalmente na amplificação do sinal e também
na organização tonotópica da via, devido ao seu mecanismo contrátil que gera maior movimento de endolinfa
de acordo com as frequências sonoras.13 É justamente esse mecanismo que explica a origem das emissões
otoacústicas, as quais terão sua importância descrita posteriormente.
Qualquer distúrbio que lesione as estruturas da orelha interna (células ciliadas ou NCVIII) pode
ocasionar, além do zumbido, a chamada perda auditiva neurossensorial (PAN), visto que prejudica sobretudo
componentes sensitivos e nervosos.12
178
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 3 – Vias auditivas centrais. Os 3 asteriscos em amarelo represetam locais de cruzamento das fibras nervosas (de
baixo para cima: corpo trapezoide, comissura do lemnisco lateral e comissura do colículo inferior). Esses pontos são
importantes pois permitem que ambos os hemiférios cerebrais recebam informações das duas orelhas. NOSM = nú-
cleo olivar superior medial; NOSL = núcleo olivar superior lateral.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
179
som está mais à esquerda ou à direita. Após a sinapse no NOSM, as fibras ascendem pelo lemnisco lateral e
Tópicos em Neurociência Clínica
3.2.3 Integração das Vias Centrais, Trato Olivoclear e Áreas Não Auditivas
É preciso ressaltar que há um cruzamento de axônios muito significativo durante toda a aferência
auditiva central, como nas comissuras do colículo inferior e do lemnisco lateral, que permitem que a infor-
mação de um ouvido seja levada para ambos os hemisférios cerebrais (Fig. 3). Além disso, deve-se saber com
clareza que existem não somente fibras aferentes na via auditiva, mas também fibras eferentes em vários
níveis, merecendo destaque aqui o trato olivococlear (coclear eferente) que inibe as células ciliadas externas
e, com isso, diminui a amplificação do sinal quando necessário. Esse é um meio que o SNC tem de regular
a atenção dada aos diversos estímulos auditivos, como uma espécie de filtro que nos ajuda, por exemplo, a
focar e entender a fala de uma pessoa em locais com muito barulho.13
Por fim, vale acrescentar que os núcleos cocleares recebem também aferências do sistema soma-
tossensorial (o qual traz informações sobre as sensações do corpo e sobre a posição das suas diversas partes)
e essa integração é importante para aperfeiçoar a localização sonora bem como para distinguir os sons origi-
nados nos ambientes interno e externo.15 Ademais, a percepção final das ondas sonoras no córtex auditivo é
influenciada por diversas outras áreas não auditivas, como o sistema límbico (amígdala, hipocampo, ínsula,
entre outros) que proporciona uma associação emocional com o som ouvido.
4 MODELOS FISIOPATOLÓGICOS
mos por trás dessa forma do sintoma, uma vez que o zumbido objetivo já possui sua patogenia relativamente
bem esclarecida, relacionada principalmente a fenômenos vasculares ou mioclonias que geram uma fonte
sonora interna real no paciente. Já no zumbido subjetivo, o que ocorre é uma percepção fantasma, não há
fonte sonora. É a própria perda de audição que, na maioria dos casos, proporciona o ruído para o paciente e
é justamente isso o que os estudiosos buscam esclarecer.
180
De maneira simples e objetiva, acredita-se hoje que a diminuição das aferências provenientes da
Esse processo desencadearia um grande influxo de íons cálcio para tais neurônios, o que proporcionaria uma
excitação aberrante do nervo coclear, com aumento da demanda de energia, geração de espécies reativas de
oxigênio e até morte neuronal,23 exacerbando o zumbido.
Haja vista a complexidade do tema, é inevitável que contradições em alguns pontos surjam re-
gularmente. Uma delas é a respeito dessa atividade aumentada no nervo coclear, pois muitos estudiosos
discordam disso afirmando que só há hiperatividade nas vias auditivas centrais, isto é, a partir dos núcleos
cocleares.24 Esse argumento se baseia no fato de que a secção do nervo auditivo/coclear não elimina o
zumbido dos pacientes (o que seria esperado em função da interrupção total da entrada sonora), pelo
contrário, pode, muitas vezes, desencadeá-lo naqueles que ainda não o tem. Além disso, quando pacien-
tes com PAN (perda auditiva neurossensorial) são tratados com implantes cocleares (os quais melhoram a
entrada dos estímulos acústicos), tanto a perda auditiva quanto o zumbido associado a ela são mitigados.25
Sendo assim, para esses estudiosos, hiperatividade no nervo coclear não seria uma explicação plausível
para a gênese do sintoma.
182
4.3.1 Neuroplasticidade Cortical com sua Reorganização Tonotópica
cendam pela via auditiva até os neurônios corticais, o que é respaldado pela seguinte observação: a lesão coclear
decorrente de um trauma acústico proporciona hiperatividade de neurônios do núcleo coclear dorsal e, após 2
semanas, essa mudança também é vista no colículo inferior.39 Nesse cenário, caso seja feita uma ablação coclear
(bloqueando totalmente as aferências auditivas) dentro de até 8 semanas após o trauma, a atividade neural no
colículo inferior é normalizada; entretanto, se o procedimento é feito depois desse período, não há mais retro-
cesso e o ganho permanece.40 Isso permite concluir que a hiperexcitação (originada pela lesão da cóclea) está
ascendendo ao longo da via auditiva e que se encontram 2 tipos diferentes de zumbido: o periférico-dependente
(no estágio inicial) e o periférico-independente (num estágio mais tardio, quando já está “centralizado”).
5 AVALIAÇÃO
5.1 ANAMNESE
Quando o paciente busca atendimento médico com queixa de zumbido, o primeiro passo é cole-
tar uma boa história para se especificar o tipo do sintoma apresentado. É preciso saber como é esse ruído,
se ocorre em uma ou em ambas as orelhas, há quanto tempo surgiu, se houve algum fator desencadeante
(trauma acústico, medicamentos, entre outros), se é constante ou intermitente e se é pulsátil ou não. Em
geral, o zumbido que é unilateral, pulsátil e associado a outros sintomas otológicos (como vertigem e perda
auditiva) tem mais chances de estar relacionado a uma doença estrutural (como um tumor vascular ou um
schwannoma vestibular) do que o zumbido bilateral, o qual é mais frequentemente primário.10
Além disso, é muito importante saber o quão incômodo é o sintoma na vida da pessoa. Para isso,
foram padronizados diversos questionários que ajudam a analisar essa questão de forma objetiva. Um deles
é o THI (do inglês Tinnitus Handicap Inventory), composto por 25 perguntas autoaplicáveis, de fácil inter-
pretação, que avaliam os aspectos funcional, emocional e catastrófico da qualidade de vida do paciente.45
Pontua-se um valor de 0 a 100 de forma que, quanto maior o escore, maior o prejuízo causado pelo sintoma.
Esse dado é de grande valia pois ajuda o médico a atentar para outras possíveis comorbidades apre-
sentadas pelo seu paciente. Por exemplo, entre os que relatam o zumbido como um problema grave, 36,5%
apresentam sintomas de depressão, contrastando com apenas 10,6% daqueles sem zumbido ou dos que o
consideram um problema leve.46
184
5.2 EXAME FÍSICO
185
Finalmente, depois da anamnese, exame físico, audiometria e demais testes, pode-se solicitar exa-
Tópicos em Neurociência Clínica
mes adicionais (como os laboratoriais ou de imagem) se houver suspeita de doença subjacente ao zumbido.
No geral, não se pede tomografia ou ressonância se o ruído for subjetivo, bilateral e associado a PAN simé-
trica.10 Para avaliar lesões centrais (retrococleares), pode ser necessário também o uso do PEATE (potencial
evocado auditivo do tronco encefálico), já explanado anteriormente.
6 TRATAMENTO
Para sanar o quadro de zumbido secundário, a conduta consiste, logicamente, em tratar a doença
subjacente ao sintoma, havendo incontáveis possibilidades. Já para o zumbido primário, sabe-se que, infeliz-
mente, não existe uma cura até hoje. Porém, há diversos tratamentos que podem reduzir significativamente
o incômodo e melhorar muito a qualidade de vida dos pacientes.
186
ao quadro, de forma que apenas a amplificação sonora dos aparelhos auditivos não seria suficiente para
6.3 FARMACOTERAPIA
Em relação à terapia medicamentosa, vários fármacos já foram testados, mas nenhum deles teve
benefícios significativos a ponto de ser recomendado para tratamento de rotina do zumbido. Entre os mais
pesquisados, destacam-se os antidepressivos, os ansiolíticos e os anticonvulsivantes. Esses medicamentos
são prescritos principalmente nos casos em que outras comorbidades estão presentes, tais como ansiedade,
depressão, insônia, etc.
Embora existam diversos estudos defendendo o seu uso, os antidepressivos (tricíclicos e inibidores se-
letivos da recaptação de serotonina) falharam em demonstrar preponderância de efeitos benéficos, obtiveram
mais resultado sobre as comorbidades do zumbido do que sobre o sintoma em si e os estudos que os apoiaram
tiveram limitações metodológicas.1 Em relação aos anticonvulsivantes, mesmo sendo prescritos com o objetivo
de diminuir a hiperatividade neuronal (característica do zumbido), as evidências que sustentam seu uso nessa
situação possuem alto risco de viés e os efeitos positivos demonstrados são de significado clínico duvidoso.54
Já os ansiolíticos (como os benzodiazepínicos), por sua vez, até obtiveram alguma melhora com o alprazolam
sobre o incômodo do ruído, porém mais estudos são necessários para se confirmar um real benefício.55
Há várias outras substâncias propostas para se aliviar esse sintoma, como esteroides intratimpâ-
nicos, Ginkgo biloba, melatonina, zinco, vitaminas do complexo B e tantos outros suplementos dietéticos,
mas, de fato, ainda não se tem nenhuma droga aprovada pela FDA (Food and Drug Administration) para o
tratamento do zumbido.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como foi discutido, o zumbido é um sintoma que afeta boa parcela da população, podendo ser
muito angustiante. Nos últimos anos, foram feitos avanços expressivos na compreensão de sua fisiopatolo-
gia, entretanto, ela ainda permanece um tanto obscura. Sabe-se que esse som fantasma está relacionado à
perda de audição e que a redução da entrada sonora promove alterações na plasticidade neural, resultando
em hiperatividade das vias auditivas centrais (sobretudo dos neurônios do núcleo coclear dorsal). Existe uma
associação com áreas não auditivas, como o sistema límbico, o que contribui para a valência emocional nega-
tiva atribuída pelo paciente ao sintoma. No manejo e tratamento, apesar de não existir cura, o quadro pode
ser melhorado a ponto de se viver sem nenhuma aflição na presença do zumbido.
187
A cada ano que passa, novas propostas fisiopatológicas para o sintoma são estudadas, o que, no
Tópicos em Neurociência Clínica
futuro, resultará em aprimoramento terapêutico, de forma que possa ser ofertada a reabilitação mais per-
sonalizada possível para cada paciente, de acordo com as características do seu próprio zumbido. O foco
também deve ser direcionado para as regiões não auditivas, as quais parecem, cada vez mais, possuir papel
importante na gravidade do quadro.
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190
Capitulo X
1 INTRODUÇÃO
Devido aos progressos da medicina moderna, sobreviver a injúrias severas no sistema nervoso cen-
tral é cada vez mais comum e viável. Entretanto, a incidência de traumatismos cranianos também cresceu
nas últimas décadas. Em geral, eles são resultantes de acidentes no trânsito e contribuem para o aumento
do número de pacientes com distúrbios de consciência. Aqui, a taxa de erro no diagnóstico beira 43%, de
modo que muitos pacientes, mesmo com funções cognitivas remanescentes, recebem diagnóstico de estado
vegetativo.1 Ademais, dilemas inerentes à prática médica e aos seus aspectos éticos e legais emergem diante
de indivíduos em estado vegetativo ou em estado mínimo de consciência. Como abordar a dor nesses pacien-
tes? Como proceder com a retirada do suporte de vida nesses casos? Como discernir entre as vontades do
paciente e os desejos da família? Como evitar a distanásia? A resposta adequada em cada situação particular
depende da compreensão técnica do assunto. Assim, este capítulo tem por objetivo sintetizar as informações
já consagradas à luz das neurociências, bem como divulgar recentes descobertas sobre o estado vegetativo e
o estado mínimo de consciência.
2 ANATOMOFISIOLOGIA DA CONSCIÊNCIA
191
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 1 – Sistema Ativador Reticular Ascendente (SARA). A Formação Reticular Ativadora Ascendente (FRAA) – regu-
ladora do nível de consciência – localiza-se em toda a extensão do tronco encefálico. A associação entre FRAA e suas
projeções talâmicas e corticais compõe o sistema ativador reticular ascendente (SARA).
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
A FRAA também é responsável pela manutenção do ciclo sono-vigília, em associação com outras
áreas do sistema nervoso central, como a glândula pineal, produtora de melatonina (indutor do sono) e o
hipotálamo, que sintetiza a orexina (estimulador da vigília). Danos à porção rostral do tronco cerebral que
atinjam a FRAA ou suas projeções talâmicas implicam em perda de consciência.3
A FRAA abrange diversos grupos neuronais dispostos no tronco encefálico e em outras regiões do
encéfalo, como:
192
3 ESTADOS DE ALTERAÇÃO DA CONSCIÊNCIA
193
desse estado, é erroneamente interpretada como “permanente”, corroborando para a estigmatização do
Tópicos em Neurociência Clínica
quadro. Por essa razão, atualmente, prefere-se o uso do termo Unresponsive Wakefulness Syndrome (UWS)–
síndrome da vigília irresponsiva, em tradução livre.6
Outras terminologias já foram tentadas para substituir a expressão “estado vegetativo”, mas sem
sucesso. A literatura médica já o denominou “síndrome apálica”, que indica a ausência de atividade cortical.
Entretanto, esta denominação é ambígua e pode ser confundida com distúrbios focais, associados a con-
teúdos e funções específicas, como afasia e agnosia. Outra expressão também utilizada foi “coma vigil”. No
entanto, por razões semânticas, o termo caiu em desuso, dado que os conceitos de coma e vigilância são
aparentemente contraditórios. Além disso, o termo era empregado para designar condições psiquiátricas,
como o mutismo acinético.5
Em 1994, baseada em extensos estudos clínicos, a Sociedade de Força-Tarefa do Estado Vegetativo
Persistente/ Síndrome da Vigília Irresponsiva (Multi Society Task Force on the PVS/UWS) convencionou cri-
térios temporais para a determinação da irreversibilidade do estado vegetativo. Assim, em lesões de origem
traumática, o período estabelecido foi de um ano. Aqui, a principal causa é a lesão axonal difusa, que con-
siste na ruptura dos axônios cerebrais, quando submetidos à aceleração e desaceleração bruscas, como no
contexto de um acidente automobilístico. Para casos não-traumáticos, cuja etiologia mais prevalente é a en-
cefalopatia hipóxico-isquêmica (por exemplo, após parada cardiorrespiratória ou intoxicação por monóxido
de carbono), estabeleceu-se o intervalo de três meses. Decorrido esse período, a reversão do quadro não é
impossível, porém, improvável.7 Contudo, evidências mais recentes se contrapõem a tal consenso. A recupe-
ração da responsividade e da consciência em pacientes que permaneceram em estado vegetativo por longos
períodos não é mais vista como exceção.8 Inclusive, há relatos de recuperação após mais de 19 meses em
estado vegetativo.8,9 Em outras palavras, o princípio de que o estado vegetativo se torna permanente depois
de um determinado intervalo de tempo vem sendo contestado por meio de diversos casos de recuperação
tardia.8-10 Pacientes jovens em estado vegetativo devido a razões traumáticas possuem estatisticamente me-
lhor prognóstico. Entretanto, a evolução dos recursos de terapia intensiva melhorou consideravelmente a
recuperação também dos casos de etiologia não-traumática8.
194
Recentemente, a fim de se incrementar o diagnóstico do estado mínimo de consciência, propôs-se
Coma
Estado vegetativo
195
Tabela 1: Comparação entre os diferentes aspectos dos distúrbios de nível da consciência.
Tópicos em Neurociência Clínica
4 FERRAMENTAS DIAGNÓSTICAS
Identificar e avaliar distúrbios de consciência são um desafio, pois a vigilância não é ainda uma
grandeza quantificável por um aparelho, mas apenas passível de observação clínica. Escalas e escores fo-
ram assim elaborados na tentativa de padronização dos dados clínicos, destacando-se a Escala de Coma
de Glasgow (ECG), a Escala FOUR (Full Outline of UnResponsiveness), a Escala WHIM (Wessex Head Injury
Matrix) e a Escala de Recuperação do Coma Revisada (CRS-R). Já os exames complementares não-invasi-
vos— como o eletroencefalograma (EEG) e os estudos de neuroimagem— possibilitam a análise da função
cerebral do paciente.
196
Tabela 2: Coma Recovery Scale – Revised (CRS-R)11, 21
5 – Reconhecimento de objetos*
4 – Localização de objetos*
3 – Perseguição visual*
Função visual
2 – Fixação*
1 – Resposta a estímulo de sobressalto
0 – Nenhuma
3 – Verbalização inteligível*
2 – Vocalização/movimento oral
Função oromotora/verbal
1 – Movimento oral reflexo
0 – Nenhum
3 – Orientado¨
2 – Funcional*
Função comunicativa
1 – Não funcional
0 – Nenhuma
3 – Alerta
2 – Olhos abertos sem estimulação
Nível de atenção
1 – Olhos abertos com estimulação
0 – Olhos permanecem fechados
Vale ressaltar que indivíduos em estado mínimo de consciência podem ter oscilações em sua
condição clínica. Dessa forma, a CRS-R deve ser aplicada em diferentes ocasiões. Ademais, o examinador
também exerce papel importante no processo diagnóstico. Interpretações, ou observações errôneas e viés
197
de expectativa podem obstruir a correta avaliação do paciente. De igual modo, o conhecimento acerca de
Tópicos em Neurociência Clínica
4.2 ELETROENCEFALOGRAMA
O eletroencefalograma (EEG) é uma notável ferramenta diagnóstica por ser um exame não inva-
sivo, de baixo custo operacional e que permite observar a atividade cerebral por longos períodos. É sabido
que o padrão eletrofisiológico de uma pessoa desperta, em geral, é de ondas α e β (alta frequência e baixa
amplitude). Em contrapartida, ondas θ e δ (baixa frequência e alta amplitude) predominam durante o sono
profundo e o coma.3 Em distúrbios da consciência, existe atividade cortical remanescente, distintamente do
perfil isoelétrico característico da morte cerebral.
O EEG, que pode ser realizado à beira leito, possibilita identificar a presença de consciência em in-
divíduos incapazes de obedecer aos comandos motores, como acontece no estado vegetativo, no estado de
mínima consciência e na síndrome do encarceramento. O monitoramento do paciente por longos períodos
minimiza as interferências das flutuações no grau de vigilância. A diferença entre os padrões eletrográficos do
estado vegetativo e do estado de mínima consciência pode corroborar o diagnóstico diferencial. No entanto,
o método tem suas limitações, como a presença de artefatos e a resolução espacial, sendo de caráter com-
plementar à avaliação clínica e aos exames de neuroimagem.23
No EEG, o estado mínimo de consciência apresenta maiores oscilações eletrográficas do que
o estado vegetativo, além da prevalência dos padrões α e θ. Foi sugerido que a maior prevalência de
ondas θ no estado de mínima consciência se dê graças às conexões frontoparietais em atividade.24 Em
um estudo de coorte conduzido na França, em 2014, 24 o EEG possibilitou a reclassificação de pacientes
previamente tidos como em estado vegetativo, enquadrando-os como minimamente conscientes em
33% dos casos avaliados. 24
4.3 NEUROIMAGEM
Os exames de neuroimagem estrutural— tomografia computadorizada e ressonância magnética
nuclear— são importante ferramenta diagnóstica nos casos de distúrbios da consciência, especialmente para
avaliação de lesões estruturais (traumatismo, acidentes vasculares, encefalites, hipóxia, etc.) 25
Exames mais onerosos e demorados, mais frequentemente usados em pesquisa, são aqueles de
neuroimagem funcional, como a ressonância magnética nuclear funcional (RMNf) e a tomografia por emissão
de pósitron (PET), utilizando-se fluorodeoxiglicose marcada com flúor radioativo (FDG-PET) como medida
indireta da atividade sináptica neural.
Em indivíduos em estado vegetativo ocorre diminuição significativa na captação de fluorodeoxigli-
cose com redução do metabolismo cerebral basal para cerca de 40% dos valores normais26. Em contraste,
pacientes com MCS têm 50-70% da atividade cerebral preservada. De acordo com um estudo de validação
clínica, executado em 2014, verificou-se que a sensibilidade do FDG-PET foi de 93% na identificação de pa-
cientes em MCS, ao passo que o acerto na determinação do prognóstico de recuperação da vigilância acon-
teceu em 74% dos casos.27
Em estudo com estimulação, os pacientes em estado vegetativo apresentaram, durante es-
tímulos somatossensoriais nocivos, ativação cerebral apenas no hipotálamo contralateral e no córtex
somatossensorial primário, enquanto indivíduos normais submetidos aos mesmos estímulos também
ativaram o córtex somatossensorial secundário, o córtex insular e o córtex cingulado anterior. Os autores
sugerem que, em pacientes em estado vegetativo, o córtex motor primário é isolado e dissociado dos
córtices associativos de ordem superior.22 Em outro estudo de ativação de 15O-PET, que usou estímulos
198
auditivos, tanto os pacientes com MCS quanto os controles saudáveis exibiram ativação bilateral nos
199
estado vegetativo com dissociação cognitivo-motora apresentou dano estrutural seletivo nas fibras da subs-
Tópicos em Neurociência Clínica
tância branca que conectam o tálamo e o córtex motor primário bilateralmente, enquanto um paciente em
situação clínica semelhante, mas capaz de seguir comandos comportamentais teve essas vias preservadas.
No entanto, este tema continua a ser um assunto para futuras investigações.
Apesar de excitante e promissor, o uso de neuroimagem na prática clínica ainda é problemático.
Esses métodos são caros e pouco disponíveis, sendo em sua maioria restritos a centros de pesquisa. Eles tam-
bém exigem processamento estatístico muito sofisticado e que consome muito tempo. São, além disso, muito
sensíveis a artefatos de movimento, sendo que pacientes com distúrbios de consciência podem apresentar
movimentos involuntários que distorcem as imagens. Existem também questões técnicas ainda debatidas,
como, por exemplo, o fato de que, durante o processamento dos dados, as imagens de cérebros individuais
são adaptadas para se adequarem a mapas anatômicos padronizados, mesmo que cérebros gravemente feri-
dos tenham sua anatomia distorcida. Esses desafios estão sendo abordados por meio da implementação de
estudos de sujeito único,34 pois, neste caso, o cérebro do paciente não será comparado a um cérebro saudá-
vel. Ademais, as tarefas necessárias para a neuroimagem podem ser muito exigentes cognitivamente para
alguns pacientes, outros podem ter problemas sensoriais (como audição ou perda de visão), o que os impede
de entender a tarefa. Também os pacientes com distúrbios de consciência apresentam grandes oscilações
em seu estado de vigília. Todos esses fatores são motivos para achados falso-negativos, que podem levar à
subestimação das reais capacidades do paciente.
5 ABORDAGEM DA DOR
Define-se como dor toda experiência sensorial ou emocional desagradável, associada à lesão real
ou potencial de tecidos corporais. A dor consiste em um mecanismo evolutivo que promoveu a sobrevivência
de determinadas espécies, visto que possibilita orientação e reação acerca de estímulos nocivos.35 O controle
da dor em pacientes com distúrbios de consciência é essencial à abordagem terapêutica. Embora se trate
de uma sensação subjetiva, a incapacidade de comunicação dos indivíduos não impede a administração de
adequado tratamento.
A fim de assimilar o modo como proceder com a dor, é fundamental revisar brevemente seu meca-
nismo sensorial. Os estímulos dolorosos são percebidos por terminações livres e receptores dispostos pelo
corpo, em um processo denominado transdução – transformação do estímulo em impulso nervoso. Tal im-
pulso é transmitido à medula pelos nervos espinhais. A raiz posterior desses nervos conecta-se ao corno pos-
terior da medula, onde ocorre a modulação do estímulo, que é mediada por neurotransmissores (portão da
dor/substância gelatinosa). Em seguida, através do sistema anterolateral da medula (trato espinotalâmico),
o impulso ascende até o tálamo, onde já é percebido como desagradável/nocivo, porém a discriminação do
tipo e da localização da dor só é estabelecida pelo córtex.35
O estado mínimo de consciência pressupõe atividade cortical considerável, a ponto de haver com-
portamentos que denotam vigilância, ainda que de modo volátil e inconsistente. Diante disso, infere-se que
os indivíduos nesse estado têm consciência da dor, o que é reiterado por estudos de neuroimagem, que de-
monstram que as áreas corticais ativadas pela dor são semelhantes em pessoas normais e nas minimamente
conscientes, sugerindo a integridade de circuitos neurais de processamento sensorial.36
200
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 3 – Mecanismo de percepção da dor. Diagrama mostra o percurso do estímulo doloroso, que se propaga até
o cérebro na forma de impulso nervoso, cuja intensidade é modulada por neurotransmissores do corno posterior da
medula espinal, antes de seguir pelo trato espinotalâmico para o tálamo e o córtex, onde é percebido e discriminado
como nociceptivo.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
Por outro lado, pacientes em estado vegetativo manifestam atividade cortical mínima. Nesses casos,
o estímulo nociceptivo é transmitido ao tálamo, todavia, provavelmente não ocorre a experiência dolorosa
consciente, uma vez que esta depende do córtex. No entanto, dada a linha tênue entre o estado vegetativo e
o estado mínimo de consciência e a possibilidade de erros diagnósticos, na prática clínica, não se deve inferir
que um paciente, ainda que irresponsivo, não tenha experiência consciente de dor.36
Embora a comunicação esteja grandemente reduzida nos distúrbios de consciência, é possível de-
tectar reações reflexas aos estímulos nociceptivos, graças à preservação das funções autonômicas do sistema
nervoso. Sinais, como taquicardia, taquipneia e, até mesmo, expressões faciais indicam a presença de estímu-
lo nociceptivo, mesmo com prejuízo de consciência acerca da dor. Além dos sinais físicos, diversos escores e
escalas foram desenvolvidos especificamente para facilitar a avaliação da dor: NCS (Nociception Coma Scale),
PAINAD (Pain Assessment In Advanced Dementia Scale), NIPS (Neonatal Infant Pain Scale), FLACC (Faces,
Legs, Activity, Cry, Consolability pain assessment tool) e CNPI (Checklist of Non-verbal Pain Indicators). Essas
escalas viabilizam a classificação dos pacientes quanto ao grau de sensibilidade à nocicepção, orientando a
propedêutica acerca do controle da dor.37
Tendo esses referenciais, a conduta médica na terapia de restrição da dor deve ser ampla. Lesões
traumáticas, como fraturas e traumas intra-abdominais, podem originar dor, bem como a realização de cirurgias
e inserção de tubos e sondas. Assim, recomenda-se em distúrbios da consciência profilaxia analgésica, tanto
farmacológica quanto não farmacológica. Sob a óptica não farmacológica, a fisioterapia, a nutrição adequada, a
higiene regular, o controle de excretas (sondagem vesical e rotina intestinal) e os cuidados de enfermagem são
indispensáveis, pois podem prevenir e/ou regular a dor. Do ponto de vista farmacêutico, deve-se ressaltar que
existem drogas que podem modificar o nível de vigilância do sujeito, mascarando alguns sinais que nos orientam
201
no diagnóstico correto. Entretanto, prevalece a gradação analgésica clássica: primeiramente, anti-inflamatórios
Tópicos em Neurociência Clínica
não-esteroidais (AINES),para dores leves; opioides fracos associados a AINES para intensidades intermediárias;
opioides, anticonvulsivantes e outras drogas atípicas em condições acentuadas e/ou crônicas.36
202
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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204
Capítulo XI
1 INTRODUÇÃO
Estima-se que cerca de 50 milhões de pessoas no mundo apresentem síndromes demenciais e que
este número chegará a 152 milhões até 2050. Dentre elas, a Demência do tipo Alzheimer (DA) é a forma mais
prevalente.1-4 Seu principal fator de risco é a idade, de forma que suas taxas de prevalência dobram a cada 5
anos de vida a partir dos 60 anos e aproximadamente um terço da população mundial com 85 anos ou mais é
acometida.5-7 Estes dados tornam-se alarmantes tendo em vista o envelhecimento populacional. Hoje, o Brasil
apresenta 29,9 milhões de idosos, e a perspectiva é de que sejam 72,4 milhões, em 2100.6
Entre as pessoas idosas de todo mundo, a demência é uma das principais causas de incapacita-
ção e dependência. Ela afeta não somente o portador, que apresenta declínio progressivo de suas funções
cognitivas (memória, linguagem, funções executivas, orientação, compreensão, capacidade de aprendizado),
mas também seus familiares e cuidadores. Dada a relevância da DA, em 2013, o G8 – grupo dos oito países
mais ricos do mundo: EUA, Alemanha, Rússia, Canadá, Itália, França, Reino Unido e Japão – reconheceu a de-
mência como prioridade global e programou que a cura, ou uma terapia modificadora da doença deve estar
disponível até 2025.8 Sendo assim, fica evidente a importância de pesquisas e estudos relacionados a essa
doença enigmática e devastadora.
Este capítulo discorre sobre os aspectos neurobiológicos e clínicos da DA. Primeiramente, são apre-
sentados conceitos básicos, como definição, epidemiologia e critérios diagnósticos. Em seguida, aborda-se a
neurobiologia da DA, com enfoque nos processos de neurodegeneração e neuroinflamação. As alterações no
sono e a depressão, que comumente acompanham o quadro, são discutidas em relação às áreas acometidas
pelo processo de morte neuronal. Por último, são abordados os tipos de tratamento atualmente utilizados e
as perspectivas futuras.
A demência pode ser descrita como uma síndrome de prejuízo progressivo de funções intelectuais
e cognitivas, podendo apresentar ainda mudanças comportamentais e de personalidade. Existem diferentes
tipos resultantes de uma variedade de processos fisiopatológicos subjacentes (DA, demência dos corpos de
Lewy, degeneração lobar frontotemporal, causas vasculares, entre outras).1,9 A DA é a forma mais comum,
correspondendo a 60-70% dos casos e apresentando característica neurodegenerativa.10
A doença foi descrita, pela primeira vez, em 1907, pelo psiquiatra alemão Alois Alzheimer, depois
de estudar sua paciente, Auguste Deter, de 51 anos. Quando foi admitida no hospital, em 1901, ela apre-
sentava ideias delirantes, dificuldade de nomeação, de compreensão oral e de escrita, déficit de memória,
205
desorientação no tempo e no espaço e prejuízo de sua autonomia. Após sua morte, em 1906, Alzheimer pôde
Tópicos em Neurociência Clínica
206
Na afasia transcortical, que pode ser sensorial (transtorno importante na compreensão), motora
A cada ano surgem no mundo dez milhões de novos casos de demência. Estima-se que 60% deles
vivam em países de baixa e média renda. A prevalência na população de 60 anos ou mais está entre 5 e 8%,
com 60 a 70% dos casos correspondendo à DA.10
Apesar de a idade ser o principal fator de risco, a DA não afeta somente os idosos.10 Existem formas
familiares raras, em que os sintomas ocorrem antes dos 60-65 anos de idade e possuem fortes relações com
mutações genéticas patológicas, entretanto as formas esporádicas que ocorrem em idades posteriores repre-
sentam a parte predominante.12
Estudos brasileiros de base populacional revelaram que a DA foi responsável por 55,1% dos casos de
demência identificados em uma coorte de indivíduos com 65 anos de idade ou mais, e por 59,8% dos casos
em uma coorte de pessoas com idade acima de 60 anos. A prevalência aumentou de 0,16% em indivíduos
com idades entre 65 e 69 anos para 23,4% naqueles com 85 anos ou mais.7
207
A prevalência da DA é superior em mulheres.12 Em amostra de 11.372 pacientes com diagnóstico
Tópicos em Neurociência Clínica
de demência em que a maioria tinha DA, 66,6% eram do sexo feminino (aproximadamente 2 terços!).13 En-
tretanto, isso não significa que o risco real de desenvolver a doença esteja relacionado ao gênero. De fato, as
mulheres têm em média maior expectativa de vida que os homens.14 Além disso, Chêne et al15 propuseram
que este achado se daria em parte devido à mortalidade diferencial entre homens e mulheres na meia-idade,
caracterizada principalmente pela sobrevida seletiva de homens com perfil de risco cardiovascular mais sau-
dável, ou seja, a mortalidade cardiovascular significativamente maior entre os homens na meia idade (45 e 65
anos) faz com que aqueles que possuem um perfil cardiovascular mais saudável e consequentemente menor
risco de demência sobrevivam até idades mais avançadas.
Acredita-se que a DA, assim como diversas doenças crônicas, possui causas multifatoriais, com exce-
ção dos casos raros relacionados a alterações genéticas que resultam em formas autossômicas dominantes.16
Entre os fatores de risco, idade e história familiar são os mais evidentes, porém não são modificáveis. Entre
as condições adquiridas e modificáveis estão os fatores de risco cardiovascular, como a hipertensão arterial,
obesidade, altos níveis de LDL, baixos níveis de HDL, diabetes mellitus, níveis elevados de homocisteína, taba-
gismo e traumatismo cranioencefálico. Destacam-se os processos vasculares, que não só estão associados à
fisiopatologia da DA em si, como também oferecem maior risco para ocorrência de micro e macroangiopatia,
com lesões cerebrais isquêmicas e hemorrágicas, que podem levar à demência vascular.7
Fatores protetores prováveis são atividade intelectual produtiva, atividade física e alimentação rica
em antioxidantes.7 Nesse contexto, surge o conceito de reserva cognitiva, que corresponde à capacidade de
preservação de desempenho cognitivo frente ao processo de neurodegeneração. De fato, observou-se que
a relação entre o grau de acometimento cerebral e o funcionamento intelectual não é linear, ou seja, há
grande variação interindividual, com pacientes apresentando prejuízo funcional menor que o esperado para
o seu grau de alteração neuropatológica. A reserva cognitiva se associa ao nível de escolaridade e à atividade
ocupacional.17,18
A DA representa um grande ônus para a sociedade. O paciente necessita de atendimento multipro-
fissional por equipe especializada e, muitas vezes, de cuidadores com supervisão contínua, de alimentação
diferenciada, de órteses, etc. Garantir a disponibilidade destes recursos é um desafio à saúde pública de
qualquer país. Com frequência, familiares ficam impossibilitados de exercerem uma profissão, o que pode
gerar sobrecarga financeira. Além disso, o convívio com um ente querido que não é mais capaz de interagir de
forma adequada— mostrando-se desorientado, repetindo incontavelmente as mesmas perguntas, apresen-
tando comportamentos de recusa e de agressividade, fuga, ou comportamentos de risco— gera um estresse
psicológico imenso que se associa a alto risco de adoecimento e até mesmo de morte.
4 NEUROBIOLOGIA
208
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 1 – Atrofia cortical na demência do tipo Alzheimer, com dilatação compensatória dos ventrículos e do espaço
subaracnoide.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
Mutações no gene da proteína precursora amiloide (APP) no cromossomo 21, no gene da pré-seni-
lina I (PSEN1) no cromossomo 14 e no gene da pré-senilina 2 (PSEN2) no cromossomo 1 resultam em formas
autossômicas dominantes da doença.1 Entretanto, estas perfazem menos que 1% do total de casos.2 As muta-
ções nesses três genes estão relacionadas com a produção aumentada de amiloide β (Aβ), especificamente,
do peptídeo Aβ42.1
As placas amiloides consistem em grande parte de uma agregação fibrilar de peptídeos de 40 e 42
aminoácidos (Aβ40 e Aβ42) provenientes da clivagem da APP, uma proteína transmembrana, presente na
maioria dos tecidos, com uma maior porção extracelular e uma cauda intracitoplasmática. Diversas secre-
tases são responsáveis pela sua clivagem, que, em condições normais, dá origem a um derivado peptídico
solúvel, não ocorrendo consequentemente a agregação. Entretanto, quando clivada pela β-secretase e sub-
sequentemente pela γ-secretase da APP, são formados os peptídeos Aβ40 e Aβ42 que sofrem agregações e
formam oligômeros e posteriormente polímeros que se depositam no tecido entre as células e se associam à
neurotoxicidade e perda sináptica. Não por acaso os genes da PSEN I e PSEN II são relacionados à atividade
destas secretases. Embora a forma familiar da DA seja incomum, a constatação de que mutações em três ge-
nes diferentes levam a mudanças semelhantes com relação aos produtos Aβ sugere que exista uma via final
comum na patogênese da doença.2
Na forma esporádica da DA, diversos genes de risco estão sendo estudados, entre eles destaca-se
o polimorfismo ε4 do gene APOE no cromossomo 19, que demonstra forte associação com o início da DA na
faixa etária de 80 anos.1
O gene APOE apresenta 3 alelos (ε2, ε3, ε4) e seis polimorfismos possíveis.7 O alelo ε4 está pre-
sente em cerca de 1/3 da população norte-americana não afetada, mas é encontrado em cerca de 2/3 dos
indivíduos com a DA de início tardio. Possuir uma cópia do alelo APOE-ε4 aumenta em 3 a 4 vezes o risco de
desenvolver a DA, já duas cópias se associam a um risco 10 a 15 vezes maior. O mecanismo patológico pos-
209
sivelmente está atrelado à depuração diminuída de Aβ42. Além disso, Shi et al19 demonstraram importante
Tópicos em Neurociência Clínica
papel do APOE na regulação da neurodegeneração mediada pela proteína tau, com o polimorfismo APOE-ε4
causando danos mais graves independentemente de Aβ.
O segundo achado anatomopatológico característico da DA consiste nos emaranhados neurofibrila-
res intracelulares, formados pela proteína tau hiperfosforilada. Em condições fisiológicas, a proteína tau está
associada aos microtúbulos, participando da estrutura do citoesqueleto dos neurônios e sendo responsável
pelo transporte axonal. Na DA, com sua hiperfosforilação, ela deixa de se ligar aos microtúbulos e forma fi-
lamentos helicoidais pareados e insolúveis que se agregam e geram os emaranhados neurofibrilares.7 Estes
não são, porém, patognomônicos da DA, sendo também encontrados em outras doenças neurodegenerati-
vas, como na degeneração lobar frontotemporal e na paralisia supranuclear progressiva.
Tipicamente, nos casos de DA, a deposição de β-amiloide precede as alterações neurofibrilares
e neuríticas, com aparente origem no neocortex frontal e temporal, no hipocampo e no sistema límbico.
Menos comumente, o depósito pode se iniciar em outras regiões do cérebro, como no neocórtex parietal
e occipital, com relativa conservação do hipocampo.2 Já os emaranhados neurofibrilares ocorrem inicial-
mente na formação hipocampal e aumentam em gravidade e extensão, conforme a progressão da doença,
acometendo finalmente todo o córtex cerebral. Essa disseminação topográfica foi a base para a classificação
anatomopatológica de Braak e Braak da DA em estágios. Nos estágios 1 e 2, os emaranhados neurofibrilares
aparecem na região entorrinal; nos estágios 3 e 4 eles são vistos na região hipocampal e nos estágios 5 e 6 já
se mostram em áreas neocorticais.1
Devido ao comprometimento degenerativo precoce e proeminente do núcleo basal de Meynert,
onde existem neurônios produtores de acetilcolina, ocorre declínio da estimulação colinérgica do hipocampo
e do córtex que, por sua vez, resulta em prejuízo cognitivo, particularmente de memória declarativa e de
orientação espacial. Este achado é a base para a terapia farmacológica da DA que atualmente consiste em
compensar a perda de inervação colinérgica com o uso de inibidores de acetilcolinesterase, como ainda será
visto neste capítulo.
A DA também se caracteriza de modo variável por degranulação de células piramidais do hipocam-
po (característica pouco citada), depósito amiloide nos vasos sanguíneos e alterações gliais. De fato, lesões
vasculares ocorrem em 30% a 50% dos indivíduos com DA.1
210
o acúmulo de proteínas dobradas, danificadas ou aberrantemente clivadas. De acordo com essa sugestão, a
Figura 2 – Modelo etiopatogênico da degeneração neuronal na demência do tipo Alzheimer proposta por Krstic e
Knuesel21. APP = proteína precursora de amiloide.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
O processo inflamatório crônico induz ativação, ou “priming”, das células microgliais e astrogliose
extensa. Esse recrutamento microglial para as vesículas axonais e para os axônios degenerados poderia levar
à formação de “pontos quentes” inflamatórios que afetariam de forma negativa os neurônios das proximida-
des. O vazamento axonal e a liberação de conteúdo intracelular, por meio dos autofagolisossomos, incluindo
APP acumulada na matriz extracelular, levariam à produção de fragmentos propensos à agregação. Por fim,
o ambiente pró-inflamatório e a perda concomitante de axônios resultariam em mais filamentos helicoidais
emparelhados e à morte das células neuronais. Assim, a perda das sinapses, a indução persistente de infla-
mação e o estresse celular provavelmente contribuem para o início focal da patologia e sua progressão para
redes cerebrais mais extensas.
Essas propostas estão de acordo com a presença abundante de enzimas de clivagem da APP, de
vários fragmentos Aβ truncados e de diversos fragmentos não-Aβ de APP nas placas senis. Além disso, a mi-
croscopia eletrônica de placas senis humanas revelou abundância de mitocôndrias e outras organelas, assim
como de fragmentos de neurônios degenerados no núcleo da placa.
211
Krstic e Knuesel observaram que pacientes sem demência, mas com grande quantidade de placas
Tópicos em Neurociência Clínica
senis, chamados de controles de alta patologia, mostravam quase ou nenhuma evidência de neuroinflamação
e neurodegeneração e ao mesmo tempo níveis de Aβ1-42 muito maiores do que aqueles em cérebros de pa-
cientes da mesma idade com DA, o que sustentaria a proposta controversa de que Aβ1-42 corresponderia a
um mecanismo protetor e não tóxico em si. Os autores pontuaram também que estudos de imagem por PET
revelaram que o status cognitivo de pacientes com DA estava inversamente correlacionado com a ativação
microglial, mas não com a carga de Aβ.
Outra observação que respalda o papel da neuroinflamação é de que doenças crônicas inflamató-
rias, como aterosclerose, obesidade, diabetes e depressão sabidamente representam fatores de risco para a
DA de início tardio.21
Em resumo, a hipótese inflamatória da DA defende que sua origem esteja na resposta inflamatória
a danos crônicos que causa hiperfosforilação e deslocamento da proteína tau com consequente prejuízo do
transporte axonal, enquanto que o depósito de Aβ seria apenas um fenômeno secundário.
Por outro lado, outros autores defendem que as placas amiloides induzem a formação dos agrega-
dos neurofibrilares, que então causam a morte neuronal.23 Evidências crescentes demonstram que o acúmulo
de Aβ também ocorre dentro das células, particularmente nos neurônios piramidais do hipocampo e de cór-
tex entorrinal, podendo ser um contribuinte chave na patologia da DA.23,24
A depressão na DA é muito comum, sendo muitas vezes uma manifestação pré-mórbida e interpre-
tada como um fator de risco para a demência. Também é entendida como reação emocional à percepção do
próprio declínio cognitivo no início do quadro. Entretanto, diversos dados sugerem que, na realidade, a de-
pressão e a DA compartilhem mecanismos etiopatogênicos e por isso sejam frequentemente concomitantes.
O hipocampo, uma das primeiras áreas cerebrais acometidas pelos emaranhados neurofibrilares, não está
apenas associado às funções executivas, à memória explícita e à orientação espacial, mas também é parte do
sistema límbico e tem papel relevante no processamento afetivo. Alterações na fisiologia hipocampal (redu-
ção da expressão de fatores de crescimento, redução da neurogênese, presença de marcadores inflamató-
rios) já são compreendidas como parte da fisiopatologia da depressão.
Na DA, o hipocampo sofre, além do acúmulo de amiloide e dos emaranhados neurofibrilares, redu-
ção das aferências de acetilcolina devido à degeneração dos núcleos colinérgicos localizados no prosencéfalo
basal (principalmente o núcleo basal de Meynert), o que resulta em sua disfunção, na redução da neurogêne-
se e da sobrevida de seus neurônios e finalmente em sua degeneração.7 Assim, o hipocampo seria o ponto de
encontro entre os déficits cognitivos e o comportamento depressivo25 na DA e explicaria porque os inibidores
da acetilcolinesterase melhoraram os sintomas de humor em alguns pacientes com DA.26,27 Em investigações
post-mortem 95 pacientes com DA, diagnosticada clinicamente, Rapp et al.28 observaram que pacientes que
tiveram depressão apresentaram cerca de duas vezes mais placas amiloides e emaranhados neurofibrilares
em seus hipocampos, quando comparados àqueles que não tiveram depressão.
Alterações do sistema serotoninérgico também são comuns às duas patologias. Pacientes com DA
possuem expressão diminuída do receptor 5-HT1A, particularmente em seus hipocampos e núcleos da rafe,
sendo o decréscimo do receptor hipocampal correlacionado com a piora dos sintomas clínicos.29,30 Também
a diminuição de até 69% de receptores 5-HT2 em determinadas regiões cerebrais de pacientes com DA pu-
deram ser observadas através de pesquisa utilizando a ligação da setoperona, um ligante 5-HT2 que tem
afinidade particular para os receptores 5-HT2A.31
212
Descobertas mais recentes indicam que os receptores da serotonina 5-HT4 e 5-HT6 — novos alvos do
supraquiasmático.34
Com relação aos transtornos respiratórios do sono, incluindo a síndrome da apneia obstrutiva do
sono (SAOS), estudos demonstram sua maior prevalência em pacientes com DA do que em idosos sem alte-
rações cognitivas, sendo que a gravidade do quadro demencial se correlaciona com a gravidade do distúrbio
respiratório. Esta correlação pode estar associada à degeneração neuronal no centro respiratório no tronco
encefálico. Em pessoas com menos de 65 anos, a presença do alelo APOE-ε4 aumenta o risco de SAOS.34
A hipóxia— transitória, mas repetida—, a resposta do sistema nervoso simpático e as cascatas
imunoinflamatórias relacionadas aos períodos de apneia poderiam contribuir para a fisiopatologia da DA
ou acelerar sua progressão de pré-clínica para sintomática.35 Estudos de coorte corroboram essa proposta,
mostrando que pessoas com histórico de transtornos do sono na meia-idade tiveram aumento do risco de
posteriormente desenvolver DA, em comparação com aqueles sem queixas de sono. A premissa é de que
distúrbios do sono podem desempenhar um papel na cascata da patologia da DA e, consequentemente, au-
mentar a incidência de demência entre aqueles com maior risco, incluindo pessoas com comprometimento
cognitivo leve.36
Em princípio, o diagnóstico de certeza de DA só pode ser feito a partir dos achados anátomopatoló-
gicos de biópsia cerebral. Na prática, entretanto, o diagnóstico se sustenta essencialmente nos sinais clínicos
apresentados pelo paciente, no seu histórico médico e familiar, incluindo história psiquiátrica e de mudanças
cognitivas e comportamentais— aferidas por instrumentos específicos— e na exclusão de outras causas de
demência, através de exames laboratoriais e de neuroimagem. Nesse contexto, as informações dos membros
da família são de grande importância para o entendimento e a compreensão do quadro clínico, pois, muitas
vezes, o paciente não é capaz de perceber e relatar suas dificuldades cognitivas e suas alterações de compor-
tamento.2
A avaliação cognitiva é essencial para o diagnóstico da DA. Ela pode ser feita com testes de rastreio,
como o miniexame do estado mental, e complementada por testes de avaliação breve, ou por avaliação
neuropsicológica formal.7 Além desses, deve ser realizada dosagem sérica de vitamina B12, ácido fólico, hor-
mônios tireoidianos, sorologia e exames de neuroimagem complementares, como a tomografia computado-
rizada (TC), a ressonância magnética (RM) ou a tomografia por emissão de pósitrons (PET), principalmente
para descartar outras possíveis causas de síndrome demencial, aumentar a especificidade do diagnóstico e
permitir dimensionar os danos cerebrais.
Enquanto os biomarcadores de diagnóstico são mensuráveis somente quando o quadro clínico já se
encontra instalado, os biomarcadores de previsão estão presentes antes do início dos sintomas.2 Há inúme-
ras pesquisas buscando biomarcadores precoces, ou seja, alterações quantificáveis que indiquem com alta
probabilidade o desenvolvimento da doença, ou a sua presença em um estágio inicial. Esse seria o primeiro
passo para o desenvolvimento de medidas preventivas, mas, até o momento, os biomarcadores conhecidos
aparecem quando a doença já se desenvolveu e se manifestou clinicamente.
No líquido cefalorraquidiano (LCR) observam-se diminuição de Aβ42 e níveis elevados de t-tau (tau
total) e p-tau (tau fosforilada). Através de tomografia por emissão de pósitron com o radiofármaco 11C-PIB
(PET-PiB), pode-se detectar a deposição de amiloide no cérebro. Também a redução da taxa de metabolismo
cerebral— particularmente nos córtices temporal e parietal— pode ser quantificada através de FDG-PET, que
214
mensura o consumo de glicose em diferentes regiões cerebrais. A RMN craniana evidencia atrofia cerebral,
215
Tópicos em Neurociência Clínica
216
8 TRATAMENTO
217
os níveis cerebrais de FNDC5/irisina, de maneira farmacológica ou por meio de exercícios poderia constituir uma
Tópicos em Neurociência Clínica
nova estratégia terapêutica para proteger/reparar a função sináptica e prevenir o declínio cognitivo na DA.49
A imunoterapia anti-amilóide é vista como uma promissora possibilidade futura de tratamento não
apenas sintomático, mas também neuroprotetor. A imunoterapia ativa consiste na administração de vacinas
contendo antígenos que induzem a resposta imune. Os desafios são as alterações imunológicas associadas à
idade (imunosenescência) e o risco do desencadeamento de resposta autoimune. Um estudo com administra-
ção de vacina contra Aβ42 pré-agregado precisou ser interrompido, pois levou a eliminação quase completa dos
depósitos de Aβ, entretanto causou encefalite como um efeito colateral grave em 6% dos pacientes vacinados.49
A imunização passiva se dá através da administração de anticorpos que se ligam à proteína amiloi-
de e desencadeiam a sua eliminação pelo sistema imune do paciente. Nesse caso, os desafios consistem na
criação de uma molécula que atravesse a barreira hematoencefálica e que tenha afinidade específica para
constituintes da proteína amiloide e também na necessidade de manutenção de administrações repetidas.50
Na abordagem não farmacológica, atividades que estimulem a função cognitiva, como ouvir músi-
cas que retomam memórias do passado, atividade física e participação na vida diária familiar estão relacio-
nadas com a melhoria da qualidade de vida, tanto dos pacientes, quanto dos seus cuidadores. Exposição ao
sol, rotina, regularidade, repetição e previsibilidade também são parte das medidas recomendadas.
O acompanhamento com equipe multiprofissional, em que médicos, enfermeiros, psicólogos, fisio-
terapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas, educadores físicos, musicoterapeutas,
arteterapeutas, dentre outros trabalhem de forma integrada é relevante para o tratamento e evolução do
quadro clínico do paciente. Tanto a abordagem do próprio paciente, como o apoio e orientação médica dos
familiares são de fundamental importância no enfrentamento do enorme desafio que é a DA.
9 CONCLUSÃO
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220
Capítulo XII
DOENÇA DE PARKINSON
Luana Marques Costa
Elisabete Castelon Konkiewitz
1 INTRODUÇÃO
2 EPIDEMIOLOGIA
De acordo com várias referências, a incidência da DP varia de 5/100.000 a mais de 35/100.000 no-
vos casos por ano e aumenta de 5 a 10 vezes dos 60 aos 90 anos de idade.4 À medida que a população global
envelhece, espera-se um acréscimo na prevalência da DP, que poderá dobrar nos próximos 20 anos.4 Em
2016, mais de 6 milhões de indivíduos possuíam a doença;5 e, em 2040, o número de pessoas acometidas é
projetado em todo o mundo para exceder 12 milhões.6
A DP surge, geralmente, entre os 50 e 80 anos de idade, com um pico na sétima década de vida. Em-
bora acometa ambos os sexos, estudos epidemiológicos mostram uma maior frequência no sexo masculino,
com uma proporção homem/mulher de 1,5. Esse dado não está explicado, mas poderia se dever a possíveis
fatores, como diferenças no estilo de vida e no grau de exposição a fatores ambientais e à possível ação neu-
roprotetora dos estrogênios.7
A manifestação clínica é bastante variável, o que pode dificultar o diagnóstico. Por exemplo, alguns
sintomas, como o congelamento da marcha, aparecem em 21% dos pacientes nas fases iniciais da doença e
em 80% nos estágios mais avançados.8
221
O fator de risco mais evidente é a história familiar. Pesquisas populacionais apontam que, quando o
Tópicos em Neurociência Clínica
indivíduo possui um parente com DP, há risco de 2,3 a 3,7 vezes maior de desenvolver a doença.9
A base de dados epidemiológicos da DP no Brasil é escassa. No entanto, os números existentes mos-
tram um padrão semelhante ao de países desenvolvidos, em que a prevalência é de 3,3% em pessoas com
idade igual ou superior a 64 anos. Cerca de 10% dos doentes têm entre 80 e 85 anos e 14,3% possui mais de
85 anos. Além disso, cerca de 36 mil novos casos surgem por ano no nosso país.10
3 ETIOLOGIA
A etiologia da DP ainda é controversa, mas supõe-se que seja multifatorial11 e os mecanismos etio-
patogênicos relacionados incluam a predisposição genética combinada a fatores ambientais, estresse oxida-
tivo, anormalidades mitocondriais e/ou alterações do envelhecimento.
Mutações monogênicas foram identificadas como causadoras de variantes familiares da doença, como
mutações nos genes alfa-sinucleína (SNCA), quinase 2 de repetição rica em leucina (LRRK2), proteína de classifica-
ção vacuolar 35 (VPS35), Parkin, Fosfatase e quinase 1 induzida por homólogo de tensina (PINK1) e Oncogene DJ-1
(DJ-1). Os genes SNCA, LRRK2 e VPS35 são associados à herança autossômica dominante; enquanto que mutações
nos genes recessivos Parkin, PINK1 e DJ-1 resultam em DP de início precoce.12 É importante, porém, ressaltar que
as mutações monogênicas respondem por uma ínfima minoria dos casos da doença. Seu interesse reside no fato
de abrirem possibilidades para o entendimento dos mecanismos biomoleculares da degeneração neuronal.
Há indícios de que fatores ambientais contribuam para o risco de DP. Pessoas expostas a pesticidas e
herbicidas (como os que contêm rotenona) têm maior risco de desenvolver a doença, supostamente porque a ex-
posição a esses produtos induz a agregação da proteína alfa-sinucleína— os agregados que constituem os corpos de
Lewy— que é o substrato anátomo-patológico da doença. O elevado consumo de carne vermelha pode aumentar
a geração de radicais livres e contribuir significativamente para a degeneração de neurônios dopaminérgicos.13 En-
tretanto, os fatores de risco ambientais ainda não estão claramente estabelecidos, necessitando de maior evidência.
O estresse oxidativo corresponde a um desequilíbrio entre a produção de espécies reativas de oxi-
gênio durante o metabolismo celular e a sua remoção por atividade antioxidante. O acúmulo de espécies
reativas de oxigênio ativa genes que desencadeiam a morte celular programada (apoptose). No caso da DP, a
neurodegeneração ocorre por estresse oxidativo, tanto na substância negra do mesencéfalo, como em diver-
sas outras áreas cerebrais. Junto a isso, a dopamina possui um poder auto-oxidativo e produz, por meio de
sua degradação, neuromelanina e radicais livres, como peróxido. Portanto, a grande renovação de dopamina
é um fator predisponente de estresse oxidativo, bem como a presença de ferro reativo e a deficiência de
glutationa. Dados mais antigos mostram que em cérebros de pacientes com DP há achados de altos níveis de
ferro, diminuição da glutationa e danos oxidativos aos lipídeos, às proteínas e também ao DNA.14
4 FISIOPATOLOGIA
As estruturas e vias que possuem influência na motricidade são agrupadas didaticamente em dois
sistemas: o piramidal e o extrapiramidal. O sistema piramidal tem origem nos neurônios no córtex motor, os
quais, após um longo trajeto descendente, fazem sinapse no bulbo e na medula espinhal. Ele responde pela
execução dos movimentos voluntários e lesões nesse sistema ocasionam perda total ou parcial da força.15 O
sistema extrapiramidal compreende todas as demais estruturas e circuitos neurais motores do SNC, tendo
como principais estações de processamento o tálamo, o cerebelo e os núcleos da base. Suas funções consis-
tem na regulação do tônus muscular e dos reflexos posturais, na seleção (inibição/ou desinibição) dos atos
motores e no controle da execução de tarefas motoras automáticas, como a marcha, a dança e a escrita.
222
Dentro do sistema extrapiramidal, particularmente os núcleos da base (NB) estão associados à fisio-
223
via direta, os neurônios gabaérgicos do estriado inibem os neurônios gabaérgicos do globo pálido interno
Tópicos em Neurociência Clínica
(GPi) e da SNr (cuja função é inibir os neurônios do tálamo), promovendo assim a desinibição talâmica, de
forma que o tálamo pode exercer a estimulação dos neurônios do córtex cerebral. Na via indireta, neurônios
gabaérgicos do estriado inibem os neurônios gabaérgicos do globo pálido externo (GPe), reduzindo a inibição
destes sobre os neurônios glutamatérgicos excitatórios do núcleo subtalâmico. Este último ativa os neurônios
gabaérgicos do GPi e da SNr, que inibem o tálamo e consequentemente diminuem a atividade do córtex.18
Nesse processo, a dopamina exerce efeito inibitório sobre a via indireta, cujos neurônios expressam
o receptor D2 e efeito facilitatório sobre a via direta, cujos neurônios expressam o receptor D1. A ação dopami-
nérgica resulta em redução da atividade do GPi e SNr, com diminuição da inibição sobre o tálamo e, consequen-
temente, aumento da atividade cortical. Portanto, na DP, a redução da dopamina ocasiona redução na atividade
da via direta e hiperatividade na via indireta, com a consequente redução do movimento.19 A redução de do-
pamina na via nigroestriatal ocasiona acréscimo do disparo dos neurônios GABAérgicos no GPi e na SNr devido
a menor facilitação da via direta e menor inibição da via indireta. Com isso, a ativação da via indireta promove
excitação dos neurônios do núcleo subtalâmico e inibição do tálamo, dificultando o movimento.
224
5 ACHADOS ANATOMOPATOLÓGICOS NA DOENÇA DE PARKINSON
225
As observações anátomo-patológicas tornam evidente que a DP compromete vários sistemas de
Tópicos em Neurociência Clínica
Nos últimos anos, diversas análises revelaram a existência de uma relação entre o sistema gas-
trointestinal e o cérebro, o chamado eixo intestino-cérebro. Foi constatado que a microbiota intestinal de-
sempenha um importante papel nos processos digestivos, estado emocional, funções cognitivas, respostas
imunológicas e produção de uma variedade de TLRs, e que alterações nesta relação complexa está associada
à patogênese de vários distúrbios neurobiológicos. O eixo microbiota-intestino-cérebro, assim como o siste-
ma nervoso entérico tem atraído atenção em relação à patogênese da DP, na qual a disfunção gastrointestinal
pode se desenvolver cerca de 20 anos antes dos sintomas motores.
O sistema nervoso entérico (SNE) consiste em dois plexos ganglionares compostos por neurônios
e glia que, em conjunto com estruturas vagais simpáticas e parassimpáticas, regulam diversas funções intes-
tinais, como a motilidade e a secreção de hormônios. Os dois plexos são amielínicos e possuem neurônios
que se projetam para a mucosa. O plexo mioentérico ou plexo de Auerbach é localizado entre as camadas
longitudinal externa e circular interna do intestino e o plexo submucoso ou plexo de Meissner, na camada
submucosa.29 Os sistemas nervosos parassimpático e simpático enviam informações para o SNE e recebem
informações das fibras aferentes do nervo vago e das vias aferentes espinhais. Por meio dessas duas vias, o
SNE interage com os gânglios simpáticos pré-vertebrais e com o SNC.30
227
As células enteroendócrinas são quimiossensoriais, eletricamente excitáveis, e residem na mucosa
Tópicos em Neurociência Clínica
do TGI. Possuem uma superfície apical que é exposta ao lúmen do intestino e uma porção basal que apresen-
ta grânulos secretores abundantes, o que permite respostas a sinais como nutrientes ou bactérias no intes-
tino. Essas células possuem características semelhantes a neurônios— como a presença de proteínas pré e
pós-sinápticas— e fazem sinapses com os nervos entéricos submucosos, indicando a presença de um circuito
neural que conecta o lúmen intestinal ao SNC.31
O diálogo bidirecional entre cérebro e intestino envolve mecanismos como a rede neural entérica,
o sistema imunológico, o eixo neuroendócrino hipotalâmico-pituitária-adrenal, neurotransmissores e regula-
dores neurais.32 Alguns possíveis mecanismos são responsáveis por mudanças na composição da microbiota
intestinal. Um deles é a ativação do receptor TLR 4 por meio do superestímulo do sistema imune inato da
mucosa intestinal. Tal processo ocorre devido a desequilíbrios na composição da mucosa, o que pode aumen-
tar o estresse oxidativo e ativar neurônios e células gliais entéricas, auxiliando no processo de dobramento
incorreto e acúmulo de alfa-sinucleína no SNE.33
Nos estágios iniciais da DP, observa-se aumento da permeabilidade intestinal, o chamado leaky gut
ou síndrome do intestino permeável, ocasionada pela barreira intestinal defeituosa. Esse defeito facilita a
translocação de produtos microbianos, como lipopolissacarídeos, e a disseminação de bactérias através dos
espaços nas junções entre as células para o tecido linfóide mesentérico, ativando células imunes da mucosa
que liberam citocinas inflamatórias e ativam o sistema nervoso vagal.30 Nesse processo, o nervo vago pode
oferecer um caminho para a disseminação do acúmulo da proteína alfa-sinucleína do SNE para o cérebro
através do tronco cerebral, prosencéfalo basal e áreas corticais.34 Esses eventos podem resultar na liberação
de peptídeos neuroativos, os quais modulam o SNE e o SNC.
Análises de amostras fecais de indivíduos com a DP revelaram níveis elevados de Enterobacteria-
ceae e níveis reduzidos da família de bactérias Prevotellaceae, relacionada com a síntese de mucina e cuja
redução está associada ao aumento da permeabilidade intestinal e da translocação de antígenos bacterianos.
Além disso, os estudos constataram aumento da presença de bactérias Escherichia coli e maiores níveis de
nitrotirosina e de lipopolissacarídeos no intestino de pacientes com DP. A redução da abundância de Prevo-
tellaceae, junto ao aumento de bactérias Lactobacilliceae foi associada a menores concentrações de grelina,
hormônio intestinal primordial na manutenção e proteção da função da dopamina nigroestriatal normal.32
9 SINTOMAS MOTORES
229
Atualmente, a DP é uma das doenças neurodegenerativas com maior impacto negativo na funciona-
Tópicos em Neurociência Clínica
lidade, principalmente nas Atividades de Vida Diária (AVD´s), o que resulta em diminuição da interação social,
da independência e da qualidade de vida dos pacientes.39 O tremor é geralmente o primeiro sinal, porém
outros sintomas podem precedê-lo, como a bradicinesia e a rigidez. Além disso, o tremor permanece ausente
em até 25% dos pacientes com a DP.
A bradicinesia, considerada indispensável para o diagnóstico clínico de parkinsonismo, caracteriza-
-se pela lentificação dos movimentos voluntários. Todos os aspectos do movimento são afetados, desde o seu
início, sua direção, a habilidade em interrompê-lo e reiniciá-lo, sua velocidade e amplitude, resultando em
prejuízo de marcha, expressão facial, fala e dificuldades para execução de tarefas diárias comuns que reque-
rem coordenação motora fina, como abotoar roupas ou usar utensílios.40
A rigidez da DP se define pelo aumento da resistência muscular à movimentação passiva. As alte-
rações dos circuitos fronto-estriatais e a inibição aumentada do PPN resultam em prejuízo da inibição dos
músculos antagonistas, necessária à execução fluida dos movimentos voluntários.
A rigidez pode ser simétrica, ou assimétrica, ter predomínio axial, ou apendicular. Ela é responsável
pela face em máscara do paciente (hipomimia), em que o mesmo permanece com a expressão facial conge-
lada, a boca semiaberta e o piscamento ocular reduzido. Pode haver também salivação excessiva (sialorreia),
fala hipofônica e gagueira.
O tremor em repouso é um sintoma bem característico da doença, mas não essencial para
o seu diagnóstico. O mesmo progride devagar, podendo se iniciar em apenas um dos lados do corpo,
sendo mais comum nas extremidades, mas também pode ser visto na mandíbula/queixo e na língua.
Possui frequência baixa, de 4 a 6 Hz e raramente acomete pescoço, cabeça ou voz. O tremor parkinso-
niano diminui com a movimentação voluntária e está ausente durante o sono, podendo aumentar com
tensão emocional ou fadiga. Nos membros superiores, a oscilação típica é de supinação e pronação do
antebraço. Nas mãos, há o chamado movimento de “contar dinheiro”, com movimentos alternados de
flexo-extensão dos dedos, adução e abdução do polegar, como num gesto de contar dinheiro, ou de rolar
bolinhas de gude.
Com o avanço da doença, os sinais de instabilidade postural tornam-se mais acentuados, o que se
associa com a degeneração do PPN e com o aumento anormal da inibição exercida pela SNr sobre a região
locomotora mesencefálica.25
A pessoa com DP tende a adquirir postura em flexão com hiperlordose cervical e redução do
movimento pendular dos braços e da amplitude dos passos durante a marcha. Assim, a marcha parkinso-
niana é caracterizada por passos curtos, arrastados, com aumento da fase de duplo apoio e encurtamen-
to do período de apoio simples. Pode ocorrer aceleração involuntária, fenômeno denominado festina-
ção. Há também empobrecimento dos movimentos — a mobilidade das articulações do tronco, quadril,
joelhos, tornozelos e pelve é reduzida—, por isso a denominação marcha em bloco. Ocorre dificuldade em
manter a postura após desequilíbrio, com tendência a cair para a frente ou para trás quando o centro da
gravidade é deslocado (perda dos reflexos posturais), o que contribui para quedas. As alterações posturais
comprometem também a respiração, uma vez que pode ocorrer redução da amplitude de movimento da
musculatura respiratória.41
Um fenômeno comum e ainda não explicado na DP é o freezing (congelamento), caracterizado pela
perda abrupta da capacidade de iniciar, ou continuar o movimento que pode ser desencadeado por situações
que exigem mudanças do comando motor, como começar a subir/descer uma escada, virar-se, levantar-se,
ou, até mesmo, passar por uma porta.
230
10 ALTERAÇÕES NÃO MOTORAS
A dor é uma das manifestações não motoras mais prevalentes e que compromete significativamen-
te a vida dos pacientes com DP. Ela tende a ocorrer no hemicorpo mais acometido pelos sintomas motores
e mostra correlação com a presença de sintomas depressivos, doenças reumáticas, osteoporose e diabetes
mellitus.43 Trata-se de um fenômeno complexo e de múltiplas causas. O componente nociceptivo ocorre pelo
excesso de contração muscular, sobrecarga osteoarticular, mobilidade reduzida e posições anormais — por
vezes, assumindo posturas distônicas. O componente neuropático se explica pelas alterações neurodegenera-
tivas do SNC que alteram vias associadas ao processamento de informações sensoriais.44 O componente afe-
tivo se dá pela depressão e ansiedade que frequentemente acompanham a DP e alteram os circuitos neurais
de atribuição de valor emocional e importância aos estímulos recebidos. Achados de neuroimagem mostram
que os pacientes com a DP apresentam redução da atividade das áreas cerebrais de modulação descendente
da dor (córtex cingulado anterior e córtex dorsolateral pré-frontal). O tratamento é multidisciplinar e envolve
a otimização do controle medicamentoso dos sintomas motores do parkinsonismo, tratamento farmacoló-
gico da dor, mas também da depressão e da ansiedade e medidas fisioterápicas (atividade física, técnicas de
alongamento e relaxamento muscular e procedimentos analgésicos, como TENS, ultrassom, massagens, etc.).
A depressão ocorre em cerca de 40% dos pacientes diagnosticados com DP, e se manifesta como
tristeza, desinteresse por atividades antes prazerosas, pensamentos pessimistas, baixa autoestima, sentimen-
tos de culpa, fadiga, letargia, distúrbios do sono, perda do apetite, emagrecimento, ansiedade e até mesmo
ideação suicida. Se, por um lado, ela pode ser vista como resposta emocional à limitação funcional, às alte-
rações na aparência e no desempenho e à consciência de ser portador de uma doença crônica e progressiva,
por outro, seu substrato neurobiológico é bem estabelecido, pois a depleção das aminas biogênicas, assim
como a neuroinflamação são processos sabidamente associados a sintomas depressivos. Assim como a subs-
tância negra tem função facilitadora do movimento através da alça dopaminérgica motora, a área tegmental
ventral — através de aferências dopaminérgicas para o nucleus accumbens (alça afetiva, ou mesolímbica) —
incrementa a motivação e os comportamentos de busca de recompensa, por isso a redução da modulação
dopaminérgica afeta não apenas a motricidade, mas também o afeto.
231
Na DP, os transtornos do sono são frequentes e muito variados, abrangendo sonhos atípicos, pe-
Tópicos em Neurociência Clínica
sadelos, insônia, hipersonia diurna, transtorno comportamental do sono REM, dentre outros. A insônia está
comumente relacionada à frequente vontade de urinar durante a noite (noctúria) e à acinesia, que leva à in-
capacidade de se virar no leito. Já o transtorno comportamental do sono REM se caracteriza pela ocorrência
de movimentos, por vezes violentos, durante a fase REM do sono. Normalmente, dentro do complexo circui-
to que orquestra a arquitetura do sono, neurônios colinérgicos da ponte ativam neurônios glutamatérgicos
que, por sua vez, estimulam neurônios gabaérgicos e glicinérgicos da região do bulbo ventro-rostral. Esses
neurônios têm ação inibitória sobre os motoneurônios alfa na medula espinhal, o que resulta na paralisia
esperada para esta fase de sono profundo. Assim, embora ainda não completamente explicado, o transtorno
comportamental do sono REM parece se associar à neurodegeneração em vias colinérgicas, fazendo com que
não ocorra a inibição motora, de forma que o paciente realiza movimentos—por vezes bruscos e violentos—
durante o sono REM, provavelmente acompanhando as imagens dos seus sonhos.45
As alterações cognitivas existentes na DP abrangem desde um comprometimento cognitivo leve até
franca demência. Elas podem ter início com os primeiros sintomas motores da doença e progredir de forma lenta.
De início, os sintomas se associam à disfunção dos circuitos frontoestriatais, devido à depleção dopaminérgica,
pois esta atinge não apenas a alça mesolímbica e a alça motora, mas também a alça cognitiva que envolve o córtex
dorsolateral-pré-frontal e o núcleo caudado. Por isso, o transtorno neurocognitivo na DP é agrupado nas demên-
cias subcorticais com lentificação cognitiva, disfunção executiva (planejamento, sequenciamento, memória de tra-
balho, automonitoramento), prejuízo da atenção e das habilidades visuoespaciais. Pesquisas indicam uma relação
entre a perda cognitiva e o desenvolvimento de manifestações neuropsiquiátricas, principalmente de depressão.46
A incidência de síndrome demencial nos portadores de DP é cerca de seis vezes maior que na popu-
lação geral e é cumulativa com a idade, sendo seu risco em pacientes de 85 anos de até 65%.48 Assim, cerca
de um terço dos pacientes, geralmente nos estágios tardios, apresentarão demência, sendo os fatores de
risco idade avançada, alto grau de comprometimento motor, progressão rápida da doença, baixa resposta à
levodopa e presença de alucinações. Os seus sinais iniciais normalmente incluem comprometimento visuoes-
pacial e distúrbios de linguagem, com prejuízo da capacidade de nomeação e de fluência verbal.47
Já as alucinações e os delírios ocorrem em cerca de 50% dos pacientes com DP. As alucinações con-
sistem em sensações de ver, ouvir ou sentir coisas que não existem naquele espaço ou tempo, enquanto o
paciente está acordado. Ainda com sua fisiopatologia pouco elucidada, acredita-se que as alucinações visuais
estejam relacionadas com a desregulação do bloqueio e da filtragem da percepção externa pelos circuitos
frontoestriatais e com a produção interna de imagens. Já os delírios são crenças falsas, não baseadas na
realidade ou em fatos com fundamento, porém inabaláveis e incorrigíveis. Em geral, acontecem em fases
mais avançadas da DP, sendo principalmente de natureza paranoide.
As disautonomias são frequentes na DP. Exemplos são as alterações cardiovasculares, urinárias,
sexuais, termorregulatórias e cutâneas. As queixas mais recorrentes são incontinência urinária, hipotensão
postural sintomática, constipação intestinal, incontinência fecal, disfunção erétil, retardo na ejaculação, per-
da ou diminuição da libido, hipersexualidade, anidrose e hiperidrose.
A fisiopatologia da sialorreia ainda é pouco elucidada, mas acredita-se que ela se deva à disfagia—
presente em grande parte dos pacientes com DP, principalmente em estágios mais avançados da doença—
que advém de alterações motoras da língua e da região cervical, da incoordenação hipofaríngea, da hiperto-
nia do esfíncter esofágico inferior e da redução da motilidade esofagiana.
Cerca de 30-40% dos pacientes com DP têm hipotensão ortostática, que se define pela queda per-
sistente e consistente da pressão arterial sistólica de, pelo menos, 20 mm Hg ou da pressão arterial diastólica
de, pelo menos, 10 mm Hg dentro de três minutos após mudança da posição supina para a posição ortos-
tática. Esse sintoma está relacionado com a perda de fibras simpáticas pós-ganglionares responsáveis pela
inervação cardíaca e de vasos periféricos e também com algumas drogas usadas no tratamento da DP, como
a levodopa e os agonistas dopaminérgicos.49
232
11 DOENÇA DE PARKINSON EM HOMENS E MULHERES: EXISTE DIFERENÇA?
12 DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da Doença de Parkinson é clínico. Muitas vezes seus sintomas clássicos (tremor, ri-
gidez e bradicinesia) possibilitam o diagnóstico já na primeira avaliação, porém cerca de 50% dos indivíduos
descobrem a doença apenas em estágios mais avançados. A DP deve ser diferenciada do parkinsonismo se-
cundário à medicação, ao acidente vascular encefálico (AVE), a encefalites e ao traumatismo craniano ou do
parkinsonismo associado a outras doenças neurodegenerativas, como a doença de Wilson, a doença de Hun-
tington, acantocitose, paralisia supranuclear progressiva, degeneração corticobasal e atrofia multissistêmica.
Essa diferenciação é feita pela história do paciente, seus sinais clínicos, mas também através de achados de
exames subsidiários, como a RMN craniana. Destaca-se aqui que uma boa resposta à droga levodopa sugere
fortemente o diagnóstico de DP, enquanto que resposta modesta ou ausência de resposta ao levodopa, em
doses de, pelo menos, 1.200 mg/dia, sugerem outra etiologia para o parkinsonismo.
12.1 BIOMARCADORES DA DP
A busca por biomarcadores para a DP tem sido alvo de estudos, uma vez que seriam ferramen-
tas valiosas no diagnóstico precoce, no estadiamento e, até mesmo, no desenvolvimento de novos alvos
terapêuticos.
233
Sintomas como o transtorno comportamental do sono REM, anosmia/hiposmia e constipação in-
Tópicos em Neurociência Clínica
testinal, quando isolados, não são específicos da DP, mas, quando associados aos achados de neuroimagem,
podem ser subsídios para o diagnóstico precoce. Com efeito, pesquisas correlacionam danos aos sistemas
colinérgico, serotoninérgico e noradrenérgico com a perda de olfato em pacientes com DP, o que é explicado
pelo fato de tais sistemas estarem relacionados com a atividade microglial e influenciarem a inflamação, o
dano oxidativo e a ruptura citosólica.53 Dados recentes apontam que mais de 90% dos pacientes com DP apre-
sentam hiposmia, que pode surgir até 4-6 anos antes do início de algum distúrbio do movimento. De fato,
achados anátomo-patológicos confirmam a presença de depósitos de alfa-sinucleína no bulbo olfatório nas
fases iniciais do processo neurodegenerativo (estágio I de Braak).
A constipação está presente em cerca de 60% dos pacientes com a DP e, em 87% dos casos, apare-
ce antes das alterações motoras.54 Isso pode se explicar pela presença de inclusões alfa-sinucleína no TGI e
na glândula submandibular. Estudos indicam a biópsia do cólon — preferencialmente de áreas de inervação
vagal — como possível biomarcador.
Outrossim, cerca de 30% dos pacientes com DP também têm depressão, um dos primeiros sintomas
não motores da doença. Alguns fatores de risco estão relacionados a essa concomitância, como anormalida-
de no gene da glicocerebrosidase ou mutação LRRK2, apontando a depressão como um possível indicador da
DP. Os primeiros sintomas depressivos ocorrem de 1-36 anos no início dos sintomas motores.54
Com relação aos biomarcadores de imagem, a tomografia computadorizada por emissão de fóton
único do transportador de dopamina (DAT-SPECT) rastreia o funcionamento dos transportadores de dopa-
mina pré-sinápticos (proteínas de recaptação da dopamina após sua liberação na fenda sináptica). Nesse
procedimento, a substância ioflupano I123, marcada com radioisótopo, é aplicada por via intravenosa e se liga
ao DAT dos terminais dopaminérgicos da substância negra no corpo estriado, como se fosse a própria do-
pamina, permitindo a visualização da degeneração no sistema nigroestriatal, caracterizada pela redução do
DAT. Assim, o DAT-SPECT pode auxiliar na diferenciação entre distúrbios com ou sem déficit dopaminérgico
pré-sináptico, e facilitar o diagnóstico precoce e preciso.55
O fluorodopa (F-DOPA)— uma forma fluorada de levodopa marcada com Fluor18— é usado como
um radiotraçador em Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) para analisar a eficiência dos neurônios da
substância negra. Uma vez injetado na corrente sanguínea, o F-DOPA atravessa a barreira hematoencefálica
e alcança as células dopaminérgicas que devem levá-lo ao seu interior por transporte ativo e então transfor-
má-lo em fluorodopamina pela ação da enzima DOPA-decarboxilase, processo que reflete sua capacidade de
produzir dopamina. A fluorodopamina é armazenada em vesículas pré-sinápticas e, em seguida, liberada para
ligar-se aos receptores de dopamina.
O F-DOPA-PET diferencia especificamente a DP de outras doenças neurodegenerativas, avaliando
a integridade dopaminérgica pré-sináptica e associando-a com os principais sintomas da DP, como rigidez e
hipocinesia.
A imagem por ressonância magnética (MRI) em pacientes com DP mostra-se normal, ou com pou-
cas alterações, como redução de volume e aumento na quantidade de ferro na substância negra. Sua maior
utilidade está em auxiliar na exclusão de outras causas de parkinsonismo.
Mais recentemente, a ultrassonografia transcraniana também tem se mostrado como possível fer-
ramenta diagnóstica na DP. Por meio dessa técnica não invasiva, visualizam-se sinais hiperecoicos mesencefá-
licos na pars compacta da substância negra, que representam disfunção na via nigroestriatal dopaminérgica.
Acredita-se que esta hiperecogenicidade esteja associada a concentrações aumentadas de ferro, o que resul-
ta em estresse oxidativo e lesão adicional aos neurônios dopaminérgicos.55
Com relação aos biomarcadores bioquímicos, a proteína DJ-1 (deglicase) está associada à neuropro-
teção com funções de regulação da transcrição, ação antioxidante e regulação mitocondrial. O fator neuro-
234
trófico derivado do cérebro (BDNF) regula a sobrevivência neuronal e sua expressão reduzida na substância
12.2 MICRO-RNAs
MicroRNAs (miRNAs) são pequenas fitas de RNA presentes no citoplasma das células. Ao contrário
do RNA mensageiro (mRNA), os miRNA não codificam nenhuma proteína. Sua função é de controlar o proces-
so de tradução, sendo assim um mecanismo pós-transcricional de regulação da expressão gênica. Em outras
palavras, o mRNA resultante da transcrição de um determinado gene pode ser silenciado pelo miRNA. Trata-
-se de um processo epigenético, ou seja, que não altera o código da fita de DNA, mas que muda a expressão
gênica. Os miRNA participam de inúmeras funções como proliferação, diferenciação e morte. Alguns miRNA
promovem a sobrevida e a multiplicação celular, outros as inibem.
Pesquisas com miRNAs têm se mostrado promissoras no diagnóstico e prognóstico de algumas
doenças neurodegenerativas, como a doença de Parkinson. Alguns miRNAs podem agravar ou mitigar sua
progressão, através de suas ações no SNC ou na periferia. No SNC, observou-se que o miE-26a está regulado
positivamente nos tecidos e nos exossomos isolados do LCR de pacientes com DP, em comparação com con-
troles saudáveis. Em estudos post-mortem, miR-29a, miR-29b-1, miR-29b-2 miR-30c-2 e miR-30d estavam
regulados positivamente no giro cingulado anterior de indivíduos com DP, assim como miR-30b na substância
negra. Sugere-se também que o miR-485 esteja desregulado na DP, apesar de ainda ter funções desconheci-
das. O miR-7 já foi descrito como regulador da α-sinucleína e pesquisas com camundongos apontam que seus
níveis estão aumentados na substância negra e no estriado desses animais.56
Na periferia, o perfil sérico de expressão de miRNAs difere nos pacientes com DP e demência,
quando comparados ao grupo controle. Por último, há indício de que o miR-144-5p desempenhe um papel
na patogênese da doença, uma vez que está relacionado como regulador dos genes SNCA e LRKK2.57
235
Tabela 3: Estágios da doença de Parkinson.
Tópicos em Neurociência Clínica
13 TRATAMENTO
236
As discinesias— outro tipo de complicação motora associada ao uso de L-DOPA— caracterizam-se
237
vantagem em relação às ESCs é a viabilidade de formação de enxertos neurais a partir dos próprios fibroblas-
Tópicos em Neurociência Clínica
tos do paciente, sem a necessidade da imunossupressão, como ocorre na ESC. Todavia, apesar de promisso,
ainda é necessário estabelecer a melhor metodologia, os riscos e os resultados de longo prazo deste trata-
mento na DP.65
Concomitantemente ao tratamento farmacológico, é preciso que haja acompanhamento de outros
profissionais, como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas, e psicólogos. A
equipe multidisciplinar auxiliará na melhoria da autonomia, da participação social e da qualidade de vida dos
pacientes. Ademais, várias intervenções complementares têm efeito positivo, como musicoterapia, dança, Tai
Chi Chuan, alongamento, natação, acupuntura, yoga, atividades esportivas, artesanais e artísticas em grupo.
Essas ações estão relacionadas com a melhoria de sintomas neuropsiquiátricos e com a redução da gravidade
de sintomas motores e não motores da DP.66 Por último, no enfrentamento da doença, é de extrema impor-
tância a participação dos familiares e cuidadores.
14 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o envelhecimento da população, o número de pessoas com a DP aumenta a cada ano no Brasil
e no mundo. Sabe-se que sua etiologia engloba fatores genéticos e ambientais ainda não esclarecidos. Sua
fisiopatologia consiste na degeneração multissistêmica, que afeta diferentes neurotransmissores e diferentes
áreas cerebrais. Nesse cenário, fatores investigados que apresentam relação com a DP incluem o estresse
oxidativo, o eixo intestino-cérebro, o sistema endocanabinoide e a neuroinflamação.
A DP pode ocasionar diversos sintomas, apresentando um curso clínico bastante variável. Os pa-
cientes acometidos necessitam de atendimento multidisciplinar, que não apenas trate seus sintomas físicos,
mas que proporcione bem estar emocional e social. Até o momento, nenhum tratamento farmacológico
modificador da doença está disponível, mas novas pesquisas vêm sendo desenvolvidas, principalmente com
enfoque na terapia com células-tronco e substâncias neuroprotetoras, como os canabinoides.
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240
Capítulo XIII
1 INTRODUÇÃO
241
Este capítulo aborda os aspectos neuropsiquiátricos da infecção pelo HIV. Após breve apresenta-
Tópicos em Neurociência Clínica
ção das suas características epidemiológicas e clínicas, será abordada a fisiopatologia do acometimento do
sistema nervoso, com enfoque nas principais doenças decorrentes desse acometimento: transtorno neuro-
cognitivo, alterações psiquiátricas, neuropatia periférica, mielopatia, vasculopatia e infecções oportunistas
do sistema nervoso central (SNC).
2 EPIDEMIOLOGIA
De acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 75 milhões de pessoas foram
infectadas pelo vírus HIV até 2019, sendo que 32 milhões morreram com essa doença no mundo todo. No
mesmo ano, havia 38 milhões de pessoas vivendo com o vírus, dentre as quais aproximadamente 19,2 mi-
lhões eram mulheres, 17 milhões, homens e 1,8 milhão, crianças. Já no Brasil, o número de infectados cor-
respondia a mais de 900 mil pessoas. Apesar desses números elevados, segundo estimativa da OMS, apenas
24,5 milhões de PVHIV no mundo tinham acesso à TARV.7
Os riscos de infecção da população diferem de acordo com a prevalência local de HIV. Em regiões
com alta prevalência da doença, como nos países da África Oriental e Austral, mulheres jovens têm maior
probabilidade de se infectarem. Já em locais com baixa prevalência, outros grupos são os de maior risco,
como os de homens que fazem sexo com homens, pessoas transexuais, usuários de drogas intravenosas e
profissionais do sexo.8
Nos últimos anos, tem chamado atenção o crescimento na incidência entre mulheres jovens.
Assim, em 2016, segundo relatório da Organização das Nações Unidas, a taxa de novas infecções em mu-
lheres de 15 a 24 anos foi 44% maior (estimativa de 6000 novos casos por semana) do que em homens da
mesma faixa etária.8
242
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 1 – Vírus do HIV e suas principais estruturas.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
O HIV acarreta a perda gradual das células T CD4+ do hospedeiro, que são mediadoras centrais
do sistema imunológico, coordenando respostas imunes celulares e humorais. O vírus infecta essas células
usando moléculas expressas na sua membrana— CD4 como receptora e CCR5 e o CXCR4 como correceptores.
Além dos linfócitos T CD4+, outras células que possuem CD4+ também são infectadas pelo vírus, como os
monócitos/macrófagos e as células dendríticas.10
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) é o estágio mais avançado da infecção e se carac-
teriza pela redução acentuada dos linfócitos T CD4+, que torna o organismo susceptível às infecções oportu-
nistas, neoplasias secundárias e manifestações neurológicas.
A transmissão do HIV ocorre pelo contato de fluidos corporais infectados com tecido mucoso ou
sangue. Em todo o mundo, a principal via de infecção é a sexual, sendo que grande parte é transmitida
por homens que têm relações sexuais com outros homens. Há também a transmissão parenteral através
uso de agulhas, seringas e outros objetos contaminados com sangue infectado. Esse tipo de transmis-
são ocorre principalmente em usuários de drogas intravenosas, mas foi há algumas décadas bastante
prevalente em pessoas que receberam transfusões sanguíneas e em hemofílicos tratados com fatores
proteicos.11 Em crianças, predomina a transmissão vertical que pode ocorrer por via transplacentária ou
no trabalho de parto, quando o feto é exposto ao sangue materno infectado ou aos fluidos corporais do
canal de nascimento.11
Medidas preventivas de saúde pública hoje são rotineiras, como a triagem do sangue para o vírus
antes de doação ou transfusão, fiscalização no uso e no descarte de materiais perfurocortantes em hospitais
e maior conscientização sobre o uso de preservativos.
243
A prevenção da transmissão vertical consiste na testagem sorológica de todas as gestantes, no uso
Tópicos em Neurociência Clínica
de TARV por aquelas que têm o vírus, na execução do parto por cesárea e no tratamento profilático dos re-
cém-nascidos o mais cedo possível. Nesses casos, fica contraindicado o aleitamento materno devido ao risco
de transmissão do vírus ao bebê por meio do leite.11
O tratamento com TARV em PVHIV reduz dramaticamente o risco de transmissão. A profilaxia pré-
-exposição (PrEP) consiste no uso contínuo de TARV por indivíduos não infectados. Já a profilaxia pós-exposi-
ção (PEP) é feita por tempo limitado após eventos específicos, como em casos de violência sexual e acidentes
ocupacionais com instrumentos perfurocortantes.12
Políticas de conscientização foram amplamente adotadas a partir dos anos 90, visando a educação
da população sobre os comportamentos de risco e as medidas preventivas. Intervenções como a distribuição
em massa de preservativos e a iniciativa de troca de seringas também tiveram impactos positivos na restrição
da disseminação do HIV.12
A Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA propõe que todas as pessoas entre 15 e 65 anos
façam testes de HIV pelo menos uma vez na vida. Já aqueles que têm risco aumentado, como usuários de
drogas intravenosas e pessoas que fazem sexo desprotegido, são recomendados a realizarem a testagem a
cada três a seis meses. Os resultados positivos devem ser confirmados com um teste de anticorpos que possa
diferenciar as infecções por HIV-1 e HIV-2.13
As manifestações da infecção aguda pelo HIV são inespecíficas e autolimitadas — dor de garganta,
mialgia, febre e erupção cutânea. Esse estágio acontece entre a 3ª e 6ª semana e é caracterizado por alto
nível de replicação viral e pequena redução das células T CD4+. Então sucede-se um longo período de meses
a anos, durante o qual o sistema de defesa ainda é competente, apesar da replicação viral contínua.10
Na história natural da doença, os pacientes finalmente evoluem para a AIDS, apresentando infec-
ções oportunistas graves, neoplasias secundárias e manifestações neurológicas.10
Com o seu surgimento na década de 1990, os antirretrovirais revolucionaram o curso da infecção
pelo HIV, diminuindo dramaticamente as taxas de mortalidade. Esses medicamentos são divididos em classes
que possuem modos de ação diferenciados:
• Inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa (Tenofovir);
• Inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa (Elsulfavirine);
• Inibidores das proteases (Ritonavir);
• Inibidores das integrases (Raltegravir);
• Inibidores da entrada (Combinectin);
• Inibidores de capsídeo (GS-CA1).
O atual tratamento para as PVHIV compreende esquemas de combinação de três drogas de classes
distintas. Já a PrEP consiste no uso contínuo de duas drogas.14 As diretrizes para início da TARV mudaram no
decorrer dos anos. Em 2006, a OMS recomendava o tratamento apenas para PVHIV com CD4 ≤200 células/
mm3, já em 2010, o critério mudou para CD4 ≤350 células/mm3 e, em 2013, para CD4 ≤500 células/mm3.
Para fins de prevenção na população, a diretriz mais recente recomenda o início do tratamento para todos
os pacientes infectados pelo HIV com viremia detectável, independentemente da contagem de células CD4.15
Desse modo, ressalta-se a importância do diagnóstico precoce.
Apesar de alguns efeitos colaterais, os antirretrovirais são considerados potentes, seguros e tolerá-
veis. A adesão à terapia é fundamental para sua eficácia em longo prazo. Por isso, os pacientes devem usar
os medicamentos de forma contínua, nas doses adequadas e permanecerem em acompanhamento clínico e
laboratorial regular.
244
4 FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO HIV E DO ACOMETIMENTO DO SISTEMA NERVOSO
Figura 2 – Entrada do vírus do HIV pelo mecanismo “cavalo de Troia” no SNC e seus efeitos.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
245
A infecção pelo HIV no sistema nervoso central causa neuroinflamação, definida como resposta
Tópicos em Neurociência Clínica
inflamatória originada no SNC, mediada pela produção local de citocinas, quimiocinas, espécies reativas de
oxigênio e mensageiros secundários. Esses mediadores são produzidos por micróglias, astrócitos, células en-
doteliais e células imunes de origem periférica.18
Além disso, as células infectadas no SNC secretam proteínas virais neurotóxicas, como a proteína
gp120 e a proteína transativadora de transcrição viral (Tat), que alteram a atividade normal do sistema nervo-
so, contribuindo, juntamente com as citocinas pró-inflamatórias, com o processo de neurodegeneração. Por
exemplo, a proteína gp120 do envelope viral, por meio das interações com os correceptores de quimiocina
CCR5 e CXCR4, causa disfunção sináptica precoce e para a morte neuronal.19
As manifestações neurológicas acometem cerca de 40% a 70% das PVHIV e, em estudos de necrop-
sia, o comprometimento do SNC é evidente em mais de 90% delas. Os principais sintomas neuropsiquiátricos
incluem depressão e transtorno neurocognitivo.16
5 ALTERAÇÕES NEUROPSIQUIÁTRICAS
PVHIV são frequentemente diagnosticadas com doenças psiquiátricas e problemas de saúde men-
tal. Dados epidemiológicos indicam que no curso da infecção mais de 60% delas são afetadas por, pelo me-
nos, um transtorno psiquiátrico, sendo a depressão o diagnóstico mais frequente, seguido por transtornos de
ansiedade e de abuso de substâncias, que são também altamente prevalentes nestes pacientes. Os motivos
para esses dados são multifatoriais. Por um lado, estão as reações emocionais causadas pelo diagnóstico e
pelo estigma a ele associado; por outro, as alterações neurais associadas à infecção viral.6
A prevalência de depressão entre as PVHIV, no Reino Unido, varia de 17% a 47%, em comparação
com uma prevalência de 2% a 5% na população geral do país. Disparidades desse tipo também são obser-
vadas na prevalência de ansiedade (22% – 49% em PVHIV e 4% – 5% na população geral), na depressão ou
ansiedade (50% – 58% em PVHIV e 27% na população geral), na dificuldade em dormir (61% em PVHIV e 10%
na população geral) e na ideação suicida (31% em PVHIV e 1% na população geral).20
A concomitância de sintomas de depressão e de prejuízo cognitivo em PVHIV é alta, o que pode se
dever tanto a determinantes psicossociais comuns, como ao compartilhamento de vias fisiopatológicas—
neuroinflamação, alterações dopaminérgicas, glutamatérgicas e neurotróficas.21
5.1 DEPRESSÃO
Considerada como um grande problema de saúde global, a depressão afeta mais de 300 milhões de
indivíduos no mundo. Entre as PVHIV, esse distúrbio é ainda mais predominante, cerca de duas a três vezes
mais frequente que na população geral, com taxas de prevalência em torno de 30%.6,22
A depressão tem um impacto negativo sobre a evolução da infecção pelo HIV, reduzindo a adesão
ao tratamento23, aumentando a frequência de comportamentos sexuais de risco24, acelerando a progressão
da doença e aumentando a mortalidade25,26. Além disso, há evidências de que os sintomas depressivos po-
dem afetar a resposta clínica à TARV27,28.
Há inúmeras evidências de que os estressores psicossociais desempenham um papel importante
na predisposição aos sintomas depressivos em PVHIV. O estigma relacionado ao HIV, a homofobia, o racis-
mo, a não comunicação do diagnóstico, o isolamento social, o medo da morte prematura, a incerteza sobre
o futuro, as preocupações com a aparência (a doença pode tornar-se visível) estão associados com maiores
taxas de depressão29. Além disso, pessoas de grupos sociais desfavorecidos e marginalizados são encontradas
com maior frequência entre as PVHIV (desfavorecidos economicamente, minorias étnicas, minorias sexuais,
246
usuários de drogas, profissionais do sexo) e estas pessoas estão em maior risco de depressão, mesmo antes
247
A ativação aguda do eixo HPA é autolimitada e tem efeito antiinflamatório, uma vez que o cortisol
Tópicos em Neurociência Clínica
atua sobre receptores do hipotálamo em feedback negativo, limitando a liberação de CRH e sobre receptores
dos leucócitos, inibindo a liberação de citocinas. Entretanto, em situações de estresse crônico— físico ou
emocional—, como é o caso da infecção pelo HIV, a estimulação contínua do eixo HPA induz à resistência dos
receptores de cortisol, levando a um estado de hipercortisolemia (pois os receptores do hipotálamo não são
mais responsivos ao feedback negativo) e de altos níveis de citocinas pró-inflamatórias (pois os receptores
nos leucócitos também se tornaram insensíveis ao cortisol).41
Além da neuroinflamação e da ativação neuroendócrina, o HIV-1 e as proteínas virais comprome-
tem a transmissão sináptica do glutamato. A ativação contínua de receptores AMPA e NMDA induzem neu-
rotoxicidade.42 Citocinas pró-inflamatórias, mas também as proteínas virais gp120 e Tat ativam receptores de
glutamato, o que resulta em aumento da condutância de cálcio através dos receptores NMDA. Além disso,
os níveis de glutamato nas sinapses são elevados, pois proteínas virais e a IL-1β inibem a sua recaptação
pelos astrócitos43. A hiperatividade glutamatérgica está associada com excitotoxicidade e aumento da morte
neuronal, pois níveis intracitoplasmáticos excessivos de cálcio ativam a cascata da apoptose (morte neuronal
geneticamente programada).
Segundo a teoria monoaminérgica, a depressão resulta da disfunção da neurotransmissão do-
paminérgica, serotoninérgica e noradrenérgica. Interessantemente, a neuroinfecção pelo HIV altera tam-
bém estas vias e este pode assim ser um fator contribuinte adicional para a depressão em PVHIV. Pro-
teínas virais (particularmente a Tat) têm efeito neurotóxico sobre os circuitos dopaminérgicos, que têm
papel-chave na regulação da motivação, do prazer e dos comportamentos de busca de recompensa.44,45
Citocinas pró-inflamatórias, incluindo TNF-α, IL-1β e IL-6 e proteínas virais, incluindo Tat e gp120, ativam
a via da quinurenina (KYN), estimulando a enzima IDO. Essa enzima redireciona o triptofano dietético
disponível para a produção de KYN, que é convertida pelos astrócitos em ácido quinurênico (KA) e pela
microglia em 3-hidroxiquinurenina (3HK) e ácido quinolínico (QUIN). Essas conversões metabólicas limi-
tam o triptofano disponível, que é o substrato para a produção de serotonina, diminuindo assim os níveis
deste neurotransmissor. Além disso, 3HK e QUIN são agonistas do receptor NMDA e podem contribuir
diretamente com a excitotoxicidade e morte celular mediada pelo excesso de Ca2+ intracelular. Já o KA
é neuroprotetor porque inibe a liberação de glutamato e atua como antagonista do receptor NMDA39,46,47
A hiperativação microglial pode levar à superprodução de QUIN e à liberação de glutamato, que por sua
vez causam estresse, disfunção mitocondrial e morte de neurônios, astrócitos e oligodendrócitos 40, de
forma que o QUIN é um marcador de injúria excitotóxica, cujos níveis no SNC podem refletir a extensão
da ativação imune48.
A degeneração neuronal que acompanha a infecção pelo HIV está associada à redução de
fatores tróficos neuronais, particularmente do BDNF, que é vital para a sobrevivência neuronal, a neu-
rogênese, a memória e o aprendizado. A proteína gp120 e o TNF-α diminuem a disponibilidade de
BDNF, reduzindo o seu transporte anterógrado, esgotando seus estoques intracelulares e estimulando
o receptor NDMA, que inibe a sua síntese. Como consequência, ficam prejudicadas a sobrevivência
neuronal e a capacidade de regeneração após injúria. Especialmente a neurogênese no hipocampo é
um processo que tem sido relacionado à resposta antidepressiva, sendo que o tratamento com anti-
depressivos se associa à elevação da expressão de BDNF49. No entanto, esse mecanismo fica prejudi-
cado na infecção pelo HIV devido à superestimulação do eixo HPA e à resistência dos receptores de
glicocorticoide (GR). Estes receptores, quando ativados, translocam-se do citoplasma para o núcleo,
onde inibem a transcrição de genes codificadores de citocinas inflamatórias dependentes do fator de
transcrição NF-κβ. Este mecanismo de feedback limita a inflamação. Todavia, no contexto da neuroin-
flamação crônica desencadeada pela entrada do HIV no SNC, o TNF-α atua sobre o GR, impedindo que
248
o complexo GR-cortisol entre no núcleo celular. O TNF-α também atua influenciando a expressão de GR,
5.2 SUICÍDIO
As taxas de suicídio entre as PHIV são ainda cerca de três vezes mais altas que as registradas na
população geral, apesar de terem diminuído consideravelmente nas últimas décadas, com o advento da TARV.
Após seis meses do diagnóstico, cerca de 26% dos infectados têm ideação suicida e 13% deles realizam ten-
tativas de suicídio.51
O uso de substâncias ilícitas, a presença de problemas de saúde mental (particularmente a depres-
são e o abuso de substâncias) e o comportamento sexual podem ser fatores de risco, tanto para a infecção
pelo HIV, quanto para o comportamento suicida.
Um estudo longitudinal feito com 113 PHIV mostrou que os principais fatores que influenciaram
na ideação suicida foram: nível de escolaridade, suporte social e familiar e a presença sintomas depressivos.
Níveis mais elevados de sintomas depressivos e antecedente de depressão foram fatores de risco para o suicí-
dio, enquanto que o apoio social e familiar foi fator de proteção. Ademais, notou-se que os participantes com
maior escolaridade tinham uma melhor imagem corporal e percepção mais positiva do significado da vida.51
Desde o início da infecção, o HIV pode entrar no sistema nervoso central e, mesmo com o sucesso
da TARV e o alcance da supressão viral sistêmica, o cérebro ainda permanece como um reservatório do vírus
e por isso é denominado, juntamente com o testículos, de santuário. A infecção persistente e a neuroinflama-
ção e neurodegeneração a ela associadas são provavelmente o substrato fisiopatológico para o desenvolvi-
mento do HAND que tem como fatores de risco idade avançada, uso de substâncias de abuso, coinfecção pelo
249
vírus da hepatite C e a presença de fatores relacionados a doenças cardiovasculares (diabetes, hipertensão
Tópicos em Neurociência Clínica
250
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 3 – Convergência das teorias monoaminérgica e citocinérgica no transtorno depressivo maior. Embora MDD e
HAND sejam independentes e possam coexistir em PVHIV, as mesmas vias – inflamação e degeneração – estão relacio-
nadas a ambas as doenças, sugerindo uma possível associação entre elas.
Fonte: adaptado de Del Guerra et al., 201360
251
O diagnóstico do HAND é realizado por meio da história clínica, exame neurológico e psiquiátrico e
Tópicos em Neurociência Clínica
PVHIV, principalmente aqueles nos estágios mais avançados, estão sob maior risco de desenvol-
verem neuropatias periféricas, que, na verdade, constituem a complicação neurológica mais frequente nes-
se grupo. Dados do nosso país apontam para uma prevalência de até 30%.61 As síndromes clínicas incluem
polineuropatia sensório-motora distal, mononeurite múltipla, polineuropatia desmielinizante inflamatória
crônica e ganglioneurite. A forma mais comum é a polineuropatia sensório-motora distal. Trata-se aqui do
acometimento dos nervos periféricos sensitivos e motores em suas porções mais distais, de forma bilateral
e simétrica, causando prejuízo na condução dos estímulos sensoriais e daqueles para os comandos motores.
Os sintomas característicos são disestesia dolorosa em queimação e formigamento (parestesia) nos pés, nas
pernas e nas mãos— mais frequente na planta dos pés. Além disso, pode ocorrer perda da sensibilidade na
porção distal das extremidades— do tipo “em bota e em luva”—, atrofia, fraqueza muscular e perda do re-
flexo aquileu.61
As causas da neuropatia periférica são o próprio vírus, mas também alguns antirretrovirais, além de
doenças e fatores de risco concomitantes, como diabetes, etilismo, deficiência de vitaminas do complexo B,
dentre outros.
Trata-se de uma desordem ainda subdiagnosticada e subtratada que, embora na maioria das vezes
não coloque em risco a vida do paciente, causa— principalmente pela dor— prejuízo considerável à sua qua-
lidade de vida.
O HIV pode causar lesões na medula espinhal por induzir neuroinflamação e neurodegeneração,
ou por se associar a infecções oportunistas, ou a neoplasias. Os danos podem ser encontrados em qualquer
segmento da medula e afetar estruturas adjacentes, como as raízes nervosas, causando, neste último caso,
radiculomielopatia, doença da medula espinhal e das raízes dos nervos. Dentre as mielopatias, destacam-se
a mielite transversa e a mielopatia progressiva.
A mielite transversa é definida como inflamação da medula espinhal, assim denominada pela apre-
sentação clínica característica, com um nível medular de prejuízo de força e de sensibilidade determinável
ao exame neurológico.62 As PVHIV podem desenvolver essa doença no início da infecção ou mais tardiamen-
te. Embora o mecanismo exato da mielite transversa associada ao HIV não seja inteiramente conhecido, o
processo provavelmente resulta de desregulação imunológica e estado pró-inflamatório dentro do SNC. Os
principais sintomas encontrados são déficits motores bilaterais, sensoriais e esfincterianos, abaixo do nível
da lesão. A alteração anátomo-patológica é caracterizada pela presença de células gigantes multinucleadas.63
A mielopatia progressiva crônica, também chamada de mielopatia vacuolar, é a causa mais co-
mum de doença da medula espinhal no HIV/AIDS. Geralmente é vista em pacientes com a doença avan-
çada, mas pode se desenvolver em qualquer estágio da infecção. Os sintomas característicos são a pa-
raparesia espástica progressiva, descrita principalmente pela espasticidade progressiva dos membros;
ataxia (comprometimento do equilíbrio e da marcha por prejuízo de sensibilidade proprioceptiva e tátil) e
252
disfunção esfincteriana. Os achados patológicos incluem alterações vacuolares com tumefação intramie-
A vasculopatia associada ao HIV pode ser causada direta ou indiretamente pelo vírus. Esse ter-
mo descreve várias alterações cerebrovasculares, incluindo vasculite e aterosclerose acelerada. As causas
indiretas podem ser as neoplasias, como o sarcoma de Kaposi, ou infecções secundárias, como toxoplas-
mose ou tuberculose.65 Além disso, distúrbios do metabolismo lipídico causados pelo HIV, em consequên-
cia da inflamação sistêmica persistente ou pelo tratamento com antirretroviral, podem aumentar o risco
de doença cerebrovascular.
De fato, na era da TARV, as PVHIV têm sua expectativa de vida prolongada, atingindo idades avan-
çadas, que se associam ao desenvolvimento de doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e dislipide-
mia. Além disso, a infecção pelo HIV em sua cronicidade predispõe a processos trombóticos.65
Alguns antirretrovirais podem contribuir para o risco de acidente vascular cerebral por acelerar a
aterosclerose. Os inibidores de protease estão associados com doenças cardiovasculares, por sua relação
com a dislipidemia, a lipodistrofia (alteração na distribuição da deposição de gordura no corpo) e a síndro-
me metabólica.66 Sabe-se, por exemplo, que o uso cumulativo de Darunavir potenciado com Ritonavir está
associado ao aumento progressivo do risco de complicações cardiovasculares, inclusive, de AVC.66 Outro me-
dicamento que demonstrou associação com AVC é o inibidor da transcriptase reversa de nucleosídeos (NRTI)
Abacavir, o qual aumentou em mais de duas vezes o risco desse evento.68
Principalmente nas PVHIV com a doença menos controlada, com baixa contagem de CD4 e maior
carga viral no plasma, outros fatores aumentam e contribuem para a prevalência de AVC, destacando-se
entre eles a hipertensão e o abuso de drogas ilícitas. Países de baixa renda registram mais casos de AVC em
PVHIV, quando comparados aos países com melhores condições socioeconômicas.16
Para haver diminuição da prevalência de AVC em pessoas infectadas com HIV, é importante aumen-
tar medidas de prevenção e melhorar o monitoramento desse grupo com identificação e tratamento dos
fatores de risco cardiovasculares e ajuste contínuo no tratamento com os antirretrovirais.
253
9 INFECÇÕES OPORTUNISTAS DO SNC ASSOCIADAS AO HIV
Tópicos em Neurociência Clínica
As PVHIV nos estágios avançados de imunodepressão ainda são afetadas pelas infecções oportu-
nistas, que raramente acometem indivíduos com níveis de linfócitos T CD4+ acima de 200 células/mm3.69
Aqui uma das maiores causas de morbimortalidade é o acometimento do sistema nervoso central. A menin-
goencefalite pode ser causada por vírus, tais como os do grupo do herpes; por fungos, como Cryptococcus e
Histoplasma; por bactérias, como Mycobacterium tuberculosis, Listeria, Treponema pallidum e Staphylococ-
cus aureus. As síndromes cerebrais focais são causadas por Toxoplasma gondii, neoplasias (principalmente o
linfoma primário do SNC), leucoencefalopatia multifocal progressiva (infecção pelo vírus JC) e abscessos por
Nocardia, Listeria, Trypanosoma cruzi, Taenia solium, Candida, Cryptococcus, Histoplasma, Aspergilus, Cocci-
dioides, Mycobacterium tuberculosis, micobactérias atípicas e bactérias piogênicas.69
Geralmente, as infecções oportunistas em PVHIV apresentam características clínicas e radiológi-
cas que podem diferir da apresentação de infecções em pacientes imunocompetentes, e, muitas vezes, são
suficientes para estabelecer o diagnóstico. Ter o diagnóstico correto é fundamental, já que o tratamento é
específico para cada condição.
Após o diagnóstico de uma infecção oportunista, o início precoce da TARV tem a vantagem de me-
lhorar a defesa imunológica contra a infecção, no entanto, a iniciação desses medicamentos também traz o
risco do desenvolvimento da Síndrome Inflamatória de Recuperação Imune (SIRI), que resulta da restauração
do sistema imune do hospedeiro e da redução da sua carga viral plasmática. Ela se manifesta com piora pa-
radoxal do quadro clínico de uma infecção conhecida ou com a manifestação sintomática de uma infecção
até então latente.69
Em indivíduos infectados pelo HIV, a melhor maneira de se prevenirem as infecções oportunistas,
inclusive as que afetam o SNC, é por meio da terapia com antirretrovirais. Esse tratamento visa controlar a
replicação viral e manter estáveis as contagens de células CD4+, fortalecendo, assim, o sistema imune e evi-
tando novas infecções. Por isso, é importante que o diagnóstico da doença seja realizado o mais cedo possível
e que a PVHIV tenha um acompanhamento médico adequado.
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A infecção causada pelo HIV é um problema de saúde mundial. Apesar do tratamento disponível,
as taxas de morbimortalidade ainda são altas, tanto pela imunodepressão, como por complicações e co-
morbidades indiretamente associadas ao vírus. Além disso, a doença permanece associada a preconceito e
estigma, o que contribui para a má aderência ao tratamento, piora da saúde mental e da qualidade de vida
das PVHIV.
Sabe-se que o vírus tem o sistema imune e o sistema nervoso como seus principais alvos, sendo
a terapia antirretroviral a melhor estratégia de prevenção de complicações da infecção pelo HIV, inclusive
daquelas associadas ao SNC. Além disso, faz-se necessário desenvolver mais estratégias de intervenção mul-
tiprofissional nos serviços de saúde, com o intuito de prestar assistência psiquiátrica, psicológica e social
adequada a esses pacientes.
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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258
Tópicos em Neurociência Clínica
Capítulo XIV
1 ASPECTOS GERAIS
259
concentrações de substâncias com potencial terapêutico em suas flores. Isso torna a folha pentâmera da
Tópicos em Neurociência Clínica
2 CONSTITUINTES QUÍMICOS
Já se descobriram mais de 540 substâncias na Cannabis5 de diversas classes, como a dos mono-
terpenos (β-myrcene, α- e β-pinene, α-terpinolene), diterpenos, triterpenos, flavonoides, açúcares, sesqui-
terpenos (β-caryophyllene), esteroides, compostos nitrogenados (alcaloides de spermidina ou muscarina) e
os canabinoides.5 Os canabinoides já passam do total de cem compostos identificados, mas se restringem
apenas ao gênero Cannabis.
2.1 CANABINOIDES
Também chamados de fitocanabinoides, essa nomenclatura refere-se a todo composto terpe-
nofenol com C21 ou C22, aos seus metabólitos e substâncias análogas que são encontrados apenas na C.
sativa. Os canabinoides são substâncias apolares, sintetizadas no interior de células secretoras glandulares
de tricomas, e que têm maior presença nas flores de plantas fêmeas. São subdivididos de acordo com a
substância principal, como, por exemplo, os cannabidiol-type e tetrahydrocannabinol-type, que serão de-
talhados a seguir.
Após o crescimento vegetativo e durante a flora, há crescente acúmulo de substâncias químicas nos
tricomas, mas, mesmo após o amadurecimento total, a planta não está pronta para consumo. Dessa forma, o
modo de secagem, cura e armazenamento contribuem para a conversão dos ácidos em substâncias neutras,
bem como a ação do calor e da luz.6
2.1.1 THC
O mais potente dos psicoativos, depressores do sistema nervoso central da marijuana é o THC. Ele
possui quatro esteroisômeros, dos quais o mais estudado é o ácido tetrahidrocanabinolico (THCA), que é
encontrado naturalmente nas plantas. Após cerca de 1 hora de o indivíduo fumar a Cannabis, uma fração do
THC é convertida em 11-hidroxi-THC (mais ativo do que o THC) e, também, em metabólitos inativos, os quais
serão submetidos à conjugação e à recirculação êntero-hepática. Sendo altamente lipofílicos, o THC e seus
metabólitos são sequestrados na gordura do organismo. Sua eliminação urinária detectável permanece por
várias semanas, após uma única dose.
O THC tem propriedades anti-inflamatória e antiemética, estimula o apetite e apresenta vários sin-
tomas autonômicos. Seu uso é benéfico em várias condições, em especial, para o alívio da dor. No entanto,
o sistema de dosagem e de preparo ainda tem de ser definido com precisão.8 O uso de Cannabis e dos com-
postos isolados de Cannabis é uma alternativa para diminuir o uso de opioides para o tratamento da dor.8 O
medicamento marinol (dronabinol) contém THC sintético, que é usado nos tratamentos de câncer, da AIDS e
da esclerose múltipla, enquanto que o Cesamet™ (Nabilona), contém análogo de THC, e também é utilizado
para tratar o câncer.5
A descrição dos efeitos farmacológicos do THC é: sensações de relaxamento e bem-estar, sem a
imprudência e a agressividade associadas, impressões de consciência sensorial aguçada, com sons e visões
parecendo mais intensos e fantasiosos; prejuízo da coordenação motora, comprometimento da memória de
curto prazo e de tarefas de aprendizagem simples, aumento do apetite, catalepsia, ação antiemética, hipo-
termia, analgesia, taquicardia, vasodilatação, redução da pressão intraocular e broncodilatação. O efeito de
superdosagem não leva a risco a vida do indivíduo, mas podem ocorrer sonolência e confusão.
260
2.1.2 CBD
A Cannabis tem uma taxa alta de crescimento em subespécies específicas e o seu plantio é feito
para extração das fibras. Apesar de também possuir uma quantidade mínima de canabinoides (menor que
0.3% THC), as plantas de onde se retiram o cânhamo são maiores e com hastes longas, há presença de ligno-
celulose, nas paredes celulares do tecido, e a produção de biomassa é muito acelerada.10
No Brasil, o cultivo de cânhamo é proibido por conta da ínfima concentração de THC encontrada
nas plantas. A proibição mantém o país atrasado em relação aos outros que já fazem uso sustentável e ver-
de dessas fibras. Eles são capazes de produzir compostos químicos, papel, biopolímeros e açúcar. Há poten-
ciais de exploração do cânhamo até mesmo como alternativa para o petróleo. A biotecnologia empregada
no cânhamo retomou o uso comercial dessa fonte de recursos verde e que pode atenuar a exaustão dos
recursos naturais.11
4 VEÍCULOS DE USO
Tanto no uso recreativo, quanto no uso medicinal da maconha, diversas formas de administração
são utilizadas pelos pacientes. A mais comum é utilizar o produto legalizado, ou o ilegal, na forma de cigarros
manufaturados, que são chamados popularmente de baseados ou joint, em que a erva é enrolada em papéis
específicos. Semelhante a isso, o blunt é um tipo diferente de papel, geralmente, composto de tabaco, e é
também utilizado para produzir um baseado, que recebe o próprio nome do material.12
Já o bong é a forma de consumo em que a erva é queimada em um recipiente de vidro, semelhante
a um vaso, no qual a fumaça passa por água fresca e é, assim, resfriada e inalada. Esse modo de uso é mais
potente do que em forma de cigarro, por ser possível tragar maior quantidade de Cannabis em menos tempo.
Considera-se que o bong cause menos danos relacionados ao calor produzido pela combustão da erva.13
Retirando a conotação negativa da maconha, em países legalizados, a redução de danos das drogas,
em geral, começou a ser discutida. Por isso, surgiram formas alternativas de se ingerir a Cannabis sem produ-
zir fumaça. A vaporização do produto in natura ou sob forma de óleos tornou-se popular entre usuários medi-
cinais ou recreativos, por ser menos agressiva ao trato respiratório. Esse método consiste no aquecimento do
substrato, até o ponto de ebulição dos canabinoides, estocagem do vapor em recipientes, ou a sua liberação
para o bocal do aparelho, estando, assim, pronto para o consumo.12
Os canabinoides são substâncias apolares e podem ser extraídos da planta por meio de infusão em
diversos produtos. Geralmente, manteiga e outros lipídeos de consumo humano são utilizados para diluir o
261
THC e CBD que, posteriormente, dão origem a diversos pratos cannabicos. Brownies, cookies, bolos e diver-
Tópicos em Neurociência Clínica
sas outras receitas formam a classe dos “edibles” que, em tradução livre, significa “comestíveis”. Essa é uma
alternativa de uso que não envolve a combustão.14
Além disso, as extrações da Cannabis são numerosas e variam de acordo com a consistência,
método de extrato, concentração de canabinoides e cor. A extração mais antiga da planta é o haxixe, que
mantém parte da matéria orgânica da erva e acumula os psicotrópicos. É a forma mais potente de uso que
é, geralmente, recreativo. Sob uso medicinal, os Triglicerídeos de Cadeia Média (TCM) são os solventes
mais utilizados em produtos farmacêuticos importados e na produção caseira são usados óleos de coco,
girassol e oliva.15
Na área farmacêutica, países que permitem o estudo e o desenvolvimento de pesquisas relaciona-
das com a Cannabis tornaram possível a criação de medicamentos contendo canabidióis, naturais e sintéti-
cos, para uso no tratamento de diversas doenças.
Fonte: tabela elaborada pelos autores com dados baseados em referência bibliográfica.58
A maconha é usada desde os tempos antigos no berço das civilizações da Crescente Fértil, da Índia
e da China, sendo usada em rituais religiosos, para fins medicinais e diversas funções práticas, como a utili-
zação das fibras de cânhamo na tecelagem. A farmacopeia chinesa Pen-Ts’ao Ching16, tinha a Cannabis como
planta medicinal, em conjunto com diversos medicamentos baseados em plantas e produtos naturais.17 E as
Américas foram conquistadas graças às fibras de cânhamo. A resistência, o baixo peso e baixa absorção de
água são características que tornaram o cânhamo ideal para a fabricação de cordas e velas das caravelas que
viabilizaram as viagens para o Novo Mundo, no período dos “Descobrimentos”.18
A introdução da Cannabis no Brasil, como planta, se deve aos africanos escravizados, que trou-
xeram sementes escondidas em bonecas de pano, amarradas nos ornamentos de suas tangas. Diversos
262
escritores da época das Navegações mencionavam e demonstravam as relações com a Diamba, Bangue ou
6 AVANÇOS REGULAMENTARES
A proibição da Cannabis, por meios legais, iniciou um período de Guerra às Drogas, combatendo
o crime organizado. Essa guerra velada é travada em grandes comunidades carentes das principais cidades
do Brasil, por exemplo, Rio de Janeiro e São Paulo. Ela atinge até mesmo a população desses locais, que se
mescla e é confundida com traficantes, resultando em baixas de civis, de policiais e de criminosos, sem que
haja resolução do conflito.
Em conjunto, a violência resultante do combate às drogas, advindas do intenso municiamento do
Crime e da Polícia, surgiram movimentos populares em defesa da legalização do uso da Cannabis. Esses mo-
vimentos questionaram a hiperreação policial aos usuários de maconha, que alegavam racismo e alertavam
sobre a forma das abordagens policiais, em que um utilizador poderia ser enquadrado como traficante, sob
determinação do oficial que realizou a abordagem. Assim, em 2002 a cidade do Rio de Janeiro foi sede da
263
primeira “Marcha da Maconha”, movimento que teve cerca de 800 participantes, mas ainda sem uma organi-
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7 RISCOS ASSOCIADOS
A maior parte das drogas ilícitas possui o uso irrestrito à dose, o que acentua seus efeitos, até sobre-
carregar o organismo, causar overdose e levar à morte. Entretanto, não existem casos relatados dessa sobre-
carga, em usuários exclusivos de Cannabis. Isso faz da Maconha uma droga de abuso relativamente segura.
264
Essa possibilidade, porém, não pode ser afirmada devido ao déficit de informação na comunidade científica
7.1 GRAVIDEZ
A legalização da Maconha, bem como a popularidade dos tratamentos à base dessa planta, tornou
público certos problemas que ocorriam na ilegalidade. Um deles foi a continuação do uso da droga, medicinal-
mente ou recreativamente, durante a gravidez, em cerca de 20% das mulheres grávidas, conforme estudo cujo
banco de dados traz relatos de mulheres. Na verdade, os casos ocultos podem tornar os números bem maiores.
Ainda, certos dispensários que vendem legalmente, chegaram até a receitar o uso durante a gravidez, para
redução das náuseas.29 Entretanto, longe de ser medicinal, os prejuízos da ingestão de maconha durante a gra-
videz estão relacionados com a queda do peso do bebê ao nascer, aumento no risco de mau desenvolvimento
cerebral, tanto quanto aos problemas de atenção, comportamento, memória e capacidade de resolver proble-
mas na infância. Além disso, as moléculas de canabinoides também podem ser excretadas pelo leite materno,
devido a sua lipossolubilidade, o que torna o uso não recomendado até na fase de aleitamento.29
265
sição prematura de indivíduos à Cannabis, bem como outros tipos de substâncias, favorece o desenvolvimento
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de adição, pois modifica o modo como o organismo reage às drogas. Testes com ratos já mostraram esses efei-
tos.30,31
Dessa forma, apesar de a Cannabis ser uma droga mais segura que as demais drogas ilícitas, os
fatores ambientais e sociais contribuem com o argumento de que ela é a “Porta de Entrada” para as outras
drogas. Como na ilegalidade não há leis de controle e restrição de compra para menores de idade, também
se agrava o problema de os menores poderem acessar a Cannabis.
7.3 ADIÇÃO
Embora as substâncias presentes na Cannabis sativa não sejam altamente aditivas, o hábito de
fumar, o sistema de recompensa e até o uso medicinal para sintomas comuns causam certa dependência em
usuários de longa data. Também, a introdução da maconha na adolescência aumenta a chance de adição em
até sete vezes, se comparado com os adultos. Além disso, a retirada súbita dos canabinoides pode produzir
no organismo sintomas de abstinência, como irritabilidade, sonolência, falta de apetite e ansiedade.32
266
9 SISTEMA ENDOCANABINOIDE: UMA PERSPECTIVA GERAL
267
Os receptores canabinoides estão em maior quantidade no hipotálamo (controle do apetite e da temperatu-
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Devido ao estigma negativo gerado pelo uso ilegal da Cannabis e todas as consequências advindas
da imersão em meio não regulamentado, atrelado à violência e a outras drogas, os estudos sobre o potencial
terapêutico de canabinoides encontram diversas barreiras. Apesar disso, avanços têm sido alcançados por
meio de estudos que indicam possíveis utilizações em diversas enfermidades.
268
Nesta seção, apresentaremos os alvos atuais, que consistem em efeitos terapêuticos já bem eviden-
269
colaterais neuropsicológicos indesejados.67 Outro estudo também demonstrou que, ainda que ocorra di-
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minuição da pressão intraocular (PIO), com administração sublingual de 5 mg de Delta-9-THC, seu efeito
não estará mais presente após 4 horas da sua administração. Enquanto isso, produtos CBD predominantes
não demonstraram diferença terapêutica quando comparados ao placebo.68
270
álcool (44,5%, n = 515), de tabaco (31,1%, n = 406) e de substâncias ilícitas (26,6% = 136 ). Na pesquisa, 74,6%
Fonte: tabela elaborada pelos autores com dados baseados em referência bibliográfica.58
271
● Rimonabant – Antagonista de receptores CB1 - Combate a obesidade, por meio da liberação de gordura do
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adipócito. Foi retirado do mercado por apresentar efeitos adversos relacionados à emocionalidade (depressão).
● Myalo – Solução oral de canabidiol (CBD) puro, livre de THC (que é a substância com efeito psicoativo),
de 200 mg/ml. É produzido pela indústria farmacêutica Prati-Donaduzzi. Esse medicamento é utilizado no
tratamento de Epilepsia refratária.78
● Mevatyl – composto por THC 27 mg/ml + CBD 25 mg/ml, via de administração porspray bucal. É produzido
pela empresa farmacêutica francesa Beaufour Ipsen Farmacêutica. O medicamento é indicado no tratamen-
to de espasmos musculares graves a moderados, na Esclerose Múltipla. Registro na ANVISA, em 2017.79
● Epidiolex– Solução oral com 100 mg/mL. Em 2018, o FDA (Food and Drug Administration) determinou
que o produto CBD purificado, desenvolvido por GW Pharmaceuticals (Histon, Reino Unido), reduz efe-
tivamente a frequência de convulsões, em certas formas de epilepsias pediátricas raras (Síndrome de
Lennox-Gastaut ou síndrome de Dravet).81
● Sativex / Nabiximols– Extrato padronizado de Cannabis de uso oral, com concentrações controladas de
THC e canabidiol, produzido pelo GW Pharma, no Reino Unido. Esse medicamento é utilizado para alívio
da dor neuropática, em pacientes com esclerose múltipla e para o alívio de dores associadas ao câncer.81
11.2 CONTRAINDICAÇÕES
● Durante o período gestacional e lactação;
● Em casos de psicose, exceto produtos com CBD predominante;
● Uso com parcimônia em pacientes com acometimentos cardíacos instáveis, como por exemplo, angina
devido à taquicardia e possível hipotensão, devido ao THC, porém, sem alterar o intervalo QT no eletro-
cardiograma.
● Uso em crianças e adolescentes ainda está em debate, assim como o uso recreativo (vício e dependência).
272
Além dos efeitos colaterais, pode ocorrer a Síndrome da Hiperêmese canabinoide, que é caracteri-
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