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conforme Decreto no. 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

Todos os direitos reservados – É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer parte desta edição. A violação dos direitos de autor (Lei no
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Editor responsável: Vicente José Assencio Ferreira


Diagramação: Alexandre Marinho Vicente
Capa: Tallyson Pieretti
Ilustrações do livro: Gabriel Magno

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Tópicos em neurociência clínica / [autora]


Elisabete Castelon Konkiewitz. -- São José dos
Campos, SP : Pulso Editorial, 2022.
Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-65-88606-06-3

1. Neurociências I. Konkiewitz, Elisabete
Castelon.

22-128032 CDD-612.8

Índices para catálogo sistemático:

1. Neurociências : Medicina 612.8


Cibele Maria Dias - Bibliotecária - CRB-8/9427

O presente trabalho foi realizado com apoio financeiro da


Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Tópicos em
Neurociência Clínica:
Transtorno do Espectro do Autismo | Trauma na Infância | Adição
Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) | Depressão | Esquizofrenia |Epilepsia
Dor Crônica | Zumbido | Estado Vegetativo e outros Distúrbios de Consciência
Demência do tipo Alzheimer | Doença de Parkinson
Aspectos Neuropsiquiátricos da Infecção pelo HIV
Cannabis sativa e seus derivados naturais e sintéticos: uso terapêutico e recreativo

Elisabete Castelon Konkiewitz


Autora

Profa. Dra. Elisabete Castelon Konkiewitz

Graduada em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) em 1993 e doutora
em Neurologia pela Technische Universität München (Alemanha) em 2002. Possui título de especialista em
Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria e título de especialista em Neurologia pela Academia
Brasileira de Neurologia. Desde 2008 é professora associada da Faculdade de Ciências da Saúde na
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), onde também é parte do programa de pós-graduação.
Sua pesquisa é voltada para os efeitos do vírus HIV no sistema nervoso central e as relações entre trauma
na infância, memória traumática, depressão, neuroinflamação e infecção pelo HIV. Publicou alguns livros na
área de neurodesenvolvimento e aprendizado, dentre eles Altas Habilidades/Superdotação, Inteligência e
Criatividade – Uma Visão Multidisciplinar, laureado com o prêmio Jabuti em 2015; Autism Spectrum, Crea-
tivity and Emotions e Neuroadventure: Autism, Art and the Brain. Dedica-se à divulgação médica e científica
em seu blog Neurociências em Debate e através de vídeos de orientação em seu canal no youtube Neuropsi-
quiatria-Neurologia-Psiquiatria. Elisabete mora em Dourados, MS, é praticante de yoga e mãe de dois filhos,
Marcelo e Lucas Maurício.
Agradecimentos

Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)


pelo apoio financeiro à edição desta obra e ao professor José Roberto de Almeida
pela revisão textual e preciosas sugestões.
LISTA DOS COAUTORES:

Profa. Dra. Cândida Aparecida Leite Kassuya


Doutora em Farmacologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2006), Professora Universi-
tária da Universidade Federal da Grande Dourados. Email: candidakassuya@ufgd.edu.br

Prof. Dr. Fábio Juliano Negrão


Doutor em Ciência Animal pela Universidade Estadual de Londrina (2007), Professor Associado da
Universidade Federal da Grande Dourados. Email: fjnegrao@gmail.com

Eduardo Henrique Loreti


Graduado em Fisioterapia (UFES), Graduando em Estatística (UAM), Mestre em Engenharia e Desen-
volvimento Sustentável (UFES) e Doutorando em Ciências da Saúde (UFGD), docente no curso de fi-
sioterapia do Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN). Email: eduardo.loreti@unigran.br

Ana Elizabeth Siqueira Eleutério


Graduanda do curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Grande
Dourados (UFGD) // Turma 23 // anaeleuterioelizabeth@gmail.com
Ana Letícia Marcon-
Graduanda do curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD) // Turma 22 // anamarcon98@gmail.com
Caroline de Alexandre Rosa
Graduanda do curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD) // Turma 23// carolalexandre264@gmail.com
Henrique Souza Camoiço
Graduando do curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD) // Turma 23 // henrick314@gmail.com
Isabella Clemente Alencar Cunha de Menezes
Graduanda do curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD) // Turma23 // isabellaclementeacm@gmail.com
Lavínia dos Santos Chagas
Graduanda do curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD) // Turma 23// laviniachagass@hotmail.com
Luana Marques Costa
Graduanda do curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD) // Turma 22 // luamcos9@gmail.com
Lucas Dutra Madureira
Graduando do curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD) // turma 23 // lucasdutram@hotmail.com
Lucas Rodrigues Santa Cruz
Graduando do curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Gran-
de Dourados (UFGD) // Turma 23 // lucas.santacruz1477@gmail.com
Marília de Souza Vergara
Graduanda do curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD) // Turma 23 // marilia_svergara@hotmail.com
Mayara Cristina Fernandes
Graduanda do curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD) // Turma 23 // mayaracristinafer@gmail.com
Nathan Toews
Graduando do curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD) // Turma 22 // nathantoews2@hotmail.com
Thais Gimenes Bachega
Graduanda do curso de Medicina da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da
Grande Dourados (UFGD) // Turma 23 // thais.bachega@hotmail.com
Sumário

Capítulo I
TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO
Thais Gimenes Bachega & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO 17
2 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 18
3 EPIDEMIOLOGIA 19
4 ETIOLOGIA 20
5 HIPÓTESES FISIOPATOLÓGICAS 22
6 MODELOS PSICOLÓGICOS DO TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO 24
7 TRATAMENTO  26
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS  28
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 28

Capítulo II
TRAUMA NA INFÂNCIA
Isabella Clemente Alencar Cunha de Menezes & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO 33
2 TRANSTORNO DO TRAUMA DO DESENVOLVIMENTO: PROPOSTA DE UM NOVO CONCEITO 34
3 TRAUMA NA INFÂNCIA E ALTERAÇÕES NO NEURODESENVOLVIMENTO 36
4 ALTERAÇÕES NEUROBIOLÓGICAS NO TRAUMA NA INFÂNCIA 38
5 CONSEQUÊNCIAS CLÍNICAS DO TRAUMA NA INFÂNCIA PARA A VIDA ADULTA 42
6 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O TRATAMENTO 44
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 45
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 45
Capítulo III
ADIÇÃO
Ana Letícia Marcon & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO 51
2 CONCEITOS  53
3 O CÉREBRO DE UMA PESSOA ADICTA 54
4 FATORES DE RISCO 59
5 TRATAMENTO  61
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS  63
7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 64

Capítulo IV
TRANSTORNO DO ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO (TEPT)
Lucas Dutra Madureira & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO 67
2 EVOLUÇÃO DO TEPT COMO ENTIDADE NOSOLÓGICA 68
3 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DO TEPT 70
4 EPIDEMIOLOGIA 71
5 MODELOS NEUROBIOLÓGICOS  71
6 FATORES NEUROQUÍMICOS 76
7 GENÉTICA E EPIGENÉTICA 77
8 TRATAMENTO 78
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS 80
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 80

Capítulo V
DEPRESSÃO
Eduardo Henrique Loreti & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO 85
2 EPIDEMIOLOGIA 86
3 DIAGNÓSTICO 86
4 FISIOPATOLOGIA 89
5 TRAUMA NA INFÂNCIA E DEPRESSÃO 93
6 DEPRESSÃO E SUICÍDIO 93
7 TRATAMENTO  94
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 96
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 96
Capítulo VI
ESQUIZOFRENIA
Marília de Souza Vergara & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO99
2 EPIDEMIOLOGIA  99
3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIAGNÓSTICO DE ESQUIZOFRENIA 100
4 ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA 101
5 DIAGNÓSTICO NA PSIQUIATRIA E CONCEITO DE ESPECTRO DA ESQUIZOFRENIA  102
6 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 103
7 GENÉTICA, INTERAÇÃO GENE VERSUS AMBIENTE E EPIGENÉTICA:
UMA DOENÇA DO NEURODESENVOLVIMENTO 105
8 FISIOPATOLOGIA 107
9 EVOLUÇÃO CLÍNICA DA ESQUIZOFRENIA E CONCEITO DE DOENÇA NEUROPROGRESSIVA:
DANO EXCITOTÓXICO E NEURODEGENERAÇÃO 112
10 COMORBIDADES: DEPRESSÃO E SUICÍDIO 112
11 ALTERAÇÕES DE NEUROIMAGEM 112
12 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO E NÃO FARMACOLÓGICO 114
13 ELETROCONVULSOTERAPIA 115
14 CONSIDERAÇÕES FINAIS 116
15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 117

Capítulo VII
EPILEPSIA
Henrique Souza Camoiço & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO 123
2 DEFINIÇÃO 123
3 EPIDEMIOLOGIA  124
4 ASPECTOS CLÍNICOS E CLASSIFICAÇÃO 125
5 ESTIGMA E PRECONCEITO  129
6 NEUROPLASTICIDADE, NEUROINFLAMAÇÃO E NEURODEGENERAÇÃO 130
7 COGNIÇÃO E EMOÇÃO 132
8 EXAMES COMPLEMENTARES 134
9 TRATAMENTO  137
10 EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO 143
11 CONSIDERAÇÕES FINAIS 144
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 145
Capítulo VIII
DOR CRÔNICA
Caroline de Alexandre Rosa & Candida Aparecida Leite Kassuya & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO 153
2 CLASSIFICAÇÃO DA DOR CRÔNICA 154
3 VIAS E MECANISMOS DE TRANSMISSÃO DA DOR  155
4 MODULAÇÃO DA DOR 159
5 NEUROINFLAMAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO CENTRAL 165
6 TRATAMENTO DOR CRÔNICA  168
7 CONCLUSÃO 171
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 171

Capítulo IX
ZUMBIDO
Lucas Rodrigues Santa Cruz & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO 173
2 CONCEITOS BÁSICOS 174
3 FISIOLOGIA AUDITIVA 175
4 MODELOS FISIOPATOLÓGICOS 180
5 AVALIAÇÃO 184
6 TRATAMENTO 186
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 187
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 188

Capitulo X
ESTADO VEGETATIVO E OUTROS DISTÚRBIOS DE CONSCIÊNCIA
Henrique Souza Camoiço & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO 191
2 ANATOMOFISIOLOGIA DA CONSCIÊNCIA 191
3 ESTADOS DE ALTERAÇÃO DA CONSCIÊNCIA 193
4 FERRAMENTAS DIAGNÓSTICAS 196
5 ABORDAGEM DA DOR 200
6 QUESTÕES ÉTICAS E LEGAIS 202
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 203
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 203
Capítulo XI
DEMÊNCIA DO TIPO ALZHEIMER
Ana Elizabeth Siqueira Eleutério & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO 205
2 DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS  205
3 EPIDEMIOLOGIA E FATORES DE RISCO 207
4 NEUROBIOLOGIA 208
5 ALTERAÇÕES PSIQUIÁTRICAS NA DEMÊNCIA DO TIPO ALZHEIMER  212
6 ALTERAÇÕES NO SONO NA DEMÊNCIA DO TIPO ALZHEIMER  213
7 DIAGNÓSTICO PRECOCE E BIOMARCADORES 214
8 TRATAMENTO 217
9 CONCLUSÃO  218
10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 218

Capítulo XII
DOENÇA DE PARKINSON
Luana Marques Costa & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO 221
2 EPIDEMIOLOGIA 221
3 ETIOLOGIA 222
4 FISIOPATOLOGIA  222
5 ACHADOS ANATOMOPATOLÓGICOS NA DOENÇA DE PARKINSON 225
6 NEUROINFLAMAÇÃO E DOENÇA DE PARKINSON 226
7 DOENÇA DE PARKINSON E EIXO INTESTINO-CÉREBRO 227
8 DOENÇA DE PARKINSON E SISTEMA ENDOCANABINOIDE 228
9 SINTOMAS MOTORES 229
10 ALTERAÇÕES NÃO MOTORAS 231
11 DOENÇA DE PARKINSON EM HOMENS E MULHERES: EXISTE DIFERENÇA? 233
12 DIAGNÓSTICO 233
13 TRATAMENTO 236
14 CONSIDERAÇÕES FINAIS 238
15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 238
Capítulo XIII
ASPECTOS NEUROPSIQUIÁTRICOS DA INFECÇÃO PELO HIV
Lavínia dos Santos Chagas & Fábio Juliano Negrão & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO 241
2 EPIDEMIOLOGIA 242
3 ASPECTOS CLÍNICOS DA INFECÇÃO POR HIV 242
4 FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO HIV E DO ACOMETIMENTO DO SISTEMA NERVOSO 245
5 ALTERAÇÕES NEUROPSIQUIÁTRICAS 246
6 NEUROPATIA PERIFÉRICA ASSOCIADA AO HIV 252
7 MIELOPATIA ASSOCIADA AO HIV 252
8 VASCULOPATIA NO SNC ASSOCIADA AO HIV 253
9 INFECÇÕES OPORTUNISTAS DO SNC ASSOCIADAS AO HIV 254
10 CONSIDERAÇÕES FINAIS 254
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 254

Capítulo XIV
CANNABIS SATIVA E SEUS DERIVADOS NATURAIS ESINTÉTICOS:
USO TERAPÊUTICO E RECREATIVO
Mayara Cristina Fernandes & Nathan Toews & Candida Aparecida Leite Kassuya & Elisabete Castelon Konkiewitz

1 ASPECTOS GERAIS 259


2 CONSTITUINTES QUÍMICOS  260
3 A ANTIGA NOVA FONTE DE ENERGIA: O CÂNHAMO 261
4 VEÍCULOS DE USO  261
5 HISTÓRIA DO USO DA MACONHA 262
6 AVANÇOS REGULAMENTARES 263
7 RISCOS ASSOCIADOS  264
8 CANNABIS SATIVA NA CIÊNCIA  266
9 SISTEMA ENDOCANABINOIDE: UMA PERSPECTIVA GERAL  267
10 POTENCIAL TERAPÊUTICO DA CANNABIS SATIVA/CANABINOIDES  268
11 MEDICAMENTOS E APRESENTAÇÕES DIVERSAS  271
12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  273
Prefácio
Elisabete Castelon Konkiewitz

As doenças neurológicas e psiquiátricas têm se tornado cada vez mais frequentes. Em parte, esse
fenômeno se explica pela maior expectativa de vida que se associa ao aumento nas taxas de processos neuro-
degenerativos, como a doença de Parkinson e a demência do tipo Alzheimer. Já a alta quase explosiva no diag-
nóstico de doenças psiquiátricas – como a depressão, o transtorno do espectro do autismo, os transtornos de
ansiedade e o transtorno do estresse pós-traumático –, permanece pouco esclarecida, ainda, gerando perple-
xidade e controvérsias. Por um lado, questionam-se interesses de grupos (como da indústria farmacêutica) e a
visão por demais normatizadora e enrijecida do comportamento e das emoções, que atribui valor patológico ao
sofrimento e aos desafios próprios da trajetória humana. Por outro lado, os hábitos de vida do homem contem-
porâneo vêm sendo responsabilizados pelo maior adoecimento psíquico. De fato, o sedentarismo, o empobre-
cimento dos vínculos afetivos e sociais, o excesso de informações, a baixa exposição à luz, a privação crônica de
sono, a exposição a produtos industrializados (conservantes, corantes, aromatizantes, agrotóxicos, poluentes,
por exemplo) são fatores que podem se associar a processos neuroplásticos, inflamatórios e epigenéticos, ainda
pouco compreendidos em sua relação com o sistema nervoso central.
O homem teve seu cérebro moldado por mecanismos adaptativos no decorrer de milhões de anos
de evolução. Entretanto, as transformações dos últimos séculos, além de ainda muito recentes, têm-se mos-
trado cada vez mais impermanentes, de modo a, biologicamente, constituírem sempre novos desafios à capa-
cidade fisiológica de ajuste. O transtorno mental poderia, assim, resultar de respostas maladaptativas, frente
a contextos não previstos, ou seja, que não fazem parte do repertório de situações para as quais o cérebro
humano foi funcional e estruturalmente elaborado.
Além de relevantes, pela alta prevalência, as doenças neurológicas e psiquiátricas são também uma ja-
nela para as Neurociências, cuja aspiração é justamente compreender as complexas interações entre a neurobio-
logia – neuroanatomia, neurofisiologia, neurogenética, neuroquímica – e os fatores ambientais – as experiências
afetivas, as experiências traumáticas, a estimulação física e cognitiva, as diferentes formas de privação emocional
e sensorial –, ou seja, como se desenvolvem a consciência, a percepção, as emoções, o comportamento, a memó-
ria e o aprendizado. Trata-se aqui de um campo de estudo bastante heterogêneo e multidisciplinar que abrange
desde estudos físico-químicos e biomoleculares in vitro, ou com modelos animais, estudos envolvendo robótica,
modelos matemáticos, neuroimagem, engenharia de software, até pesquisas clínicas, psicológicas, antropológicas,
etnográficas e especulações filosóficas.
Nesse cenário tão intrincado, a contribuição da presente obra, embora modesta, decorre do seu
caminho peculiar que difere de boa parte dos tratados, nesta área. Ao invés de ter como ponto de partida a
neuroanatomia e a neurofisiologia, parte-se aqui dos transtornos, entendidos como manifestações de pro-
cessos neurobiológicos alterados, de forma que a discussão de tópicos em neurociências é realizada dentro
do enquadramento clínico. Cada capítulo se inicia apresentando os aspectos diagnósticos e epidemiológicos
do transtorno em questão, para, então, prosseguir com os modelos fisiopatológicos, adentrando a neurofisio-
logia, a biologia molecular, a genética, a neuroimagem e, por fim, o tratamento.
O livro pode ser lido de forma tradicional, do início ao fim, como também em ordem aleatória, pois
cada tema foi desenvolvido de modo independente. Um capítulo não é pré-requisito para a compreensão do
capítulo seguinte. Acredito que esta estruturação, embora acarrete repetições (por exemplo, os papeis da
neuroinflamação, do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, dos canabinoides e das alças dopaminérgicas são

15
explicados em diferentes capítulos), traz a vantagem de permitir ao leitor acesso direto ao assunto, no caso,
Tópicos em Neurociência Clínica

ao transtorno que procura estudar.


Em relação à abordagem, os autores se esforçaram em elaborar um texto atualizado, didático, claro
e de alcance multidisciplinar, pois o público-leitor não se restringe aos profissionais e estudantes da saúde e da
biomedicina, mas a todos com genuíno interesse em neurociências. Contudo, houve muito cuidado para que o
esforço didático não se degradasse em superficialização e simplificação excessivas. Mantendo-se, assim, o nível
acadêmico, o texto exigirá um leitor disposto a se debruçar sobre o assunto com concentração, visão crítica e
aceitação da sua complexidade, desafios, propostas e incertezas.

Boa leitura!

16
Capítulo I

TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO


Thais Gimenes Bachega
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um distúrbio complexo do desenvolvimento neuro-


lógico. Ele é caracterizado por um déficit persistente de habilidades de comunicação social, por um padrão
de comportamento estereotipado, e por interesses e atividades restritas a um pequeno repertório. Esses
fatores, de forma conjunta, são responsáveis por prejuízos na comunicação recíproca e na interação social,
de modo a intervir em áreas importantes da vida.1
A síndrome foi descrita pela primeira vez pelo psiquiatra austríaco Leo Kanner na década de 1940 e,
apenas em 1980, esse diagnóstico começou a fazer parte do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM), já em sua terceira edição. Após 70 anos, desde a primeira descrição, o TEA ainda permanece
um enigma que desafia a medicina e as neurociências.2
Atualmente, o termo proposto no DSM-V é Transtorno do Espectro Autista1. O termo “espectro”
corresponde ao entendimento de que pessoas com habilidades, talentos e graus de dificuldades muito distin-
tos compartilham a mesma síndrome, ou seja, se por um lado, há em todas elas prejuízo na comunicação, na
socialização e na flexibilidade do pensamento e do comportamento, por outro lado, cada uma exige um olhar
individualizado e que apreenda as suas singularidades e potencialidades. Com efeito, o quebra-cabeça colo-
rido foi escolhido como símbolo da conscientização mundial do TEA por representar a sua heterogeneidade
sintomática dos pacientes e a complexidade fisiopatológica.3
O TEA ganhou notoriedade e tem recebido maior reconhecimento social nos últimos anos, de modo
que houve maior familiarização da população com a doença. Isso se deve, principalmente, ao aumento cons-
tante na prevalência dos diagnosticados, mesmo que tal aumento se relacione à inserção de pacientes com
sintomas mais brandos e sem déficit intelectual.4
O tratamento da doença sempre deve ser individualizado e inclui diferentes modalidades de apoio
e de estimulação, como a psicoterapia, a terapia ocupacional e a fonoaudioterapia. Também se incluem a
música, as artes visuais e a mediação com animais, por exemplo. Embora não exista substância psicoativa que
corrija as alterações típicas do autismo, alguns medicamentos são de grande ajuda no controle de sintomas,
como ansiedade, hiperatividade, insônia, autoagressividade, dentre outros.
Desta forma, este capítulo apresenta os aspectos clínicos e as hipóteses neurobiológicas da origem
do TEA, e mostra como esse transtorno nos abre janelas para a melhor compreensão do funcionamento ce-
rebral e da mente humana.

17
2 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
Tópicos em Neurociência Clínica

Não existe uma alteração cerebral específica, visível em exames, como ressonância magnética ou
eletroencefalograma, que demarque o EA. Assim, o seu diagnóstico é puramente clínico, baseado no relato
dos cuidadores e na observação do comportamento da criança. Eventualmente, diversos exames comple-
mentares são realizados para avaliar possíveis distúrbios concomitantes.
Os sinais do TEA podem já ser evidentes nos primeiros meses de vida e grande esforço tem sido
realizado para aprimorar o diagnóstico precoce, justamente para que as medidas terapêuticas possam
acontecer ainda dentro do período de desenvolvimento das habilidades básicas de linguagem e comunica-
ção social. Há diversos sintomas sugestivos a serem observados, como redução do contato visual, aversão
ao toque, movimentos repetitivos e sem finalidade— como balanço dos braços, da cabeça ou do tronco—,
fixação em rituais e rotinas, intolerância a mudanças, déficit de fantasia e imaginação (não brincar de faz-
-de-conta), déficit de imitação, interesses restritos, seletividade alimentar, atraso no desenvolvimento da
linguagem, dentre outras.
Em relação à linguagem, além do atraso, outras alterações frequentes são: ecolalia (repetição da-
quilo que se acaba de ouvir); referir-se a si mesmo em terceira pessoa; alteração de prosódia com fala monó-
tona, artificial, cantada ou de outra forma estranha e estereotipada, sem as variações esperadas que transmi-
tem o colorido emocional do que falamos.
Crianças do espectro mostram desinteresse nas atividades de atenção compartilhada. Trata-se aqui
da situação em que duas ou mais pessoas compartilham simultaneamente o mesmo objeto de atenção. As-
sim, por volta de um ano e meio de idade, crianças com desenvolvimento normal apontam objetos para os
outros e também olham na direção do olhar de outra pessoa. Já crianças com autismo não compartilham o
conteúdo de atenção proposto pelo outro, por exemplo, não olham para onde a mãe aponta e não se envol-
vem nos jogos que ela inicia. A atenção compartilhada é necessária, por exemplo, em uma partida de xadrez,
de tênis de mesa, em brincadeiras de roda, em jogos musicais com rima e movimento.
Em 2013, os critérios diagnósticos do autismo foram atualizados, com a publicação do DSM-V, que
modificou o método de análise da doença. Assim, o item descrito no DSM-IV como ‘Transtorno Global de De-
senvolvimento’ continha as seguintes doenças: Autismo, Transtorno Desintegrativo da Infância, Síndrome de
Asperger, Transtorno Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação e Síndrome de Rett. Já no DSM-V,
foi feita a junção desses diagnósticos, com exceção da Síndrome de Rett, em um único nome: Transtorno do
Espectro Autista. Essa mudança corresponde ao entendimento de que esses transtornos compartilham carac-
terísticas clínicas. Os critérios diagnósticos descritos no DSM-V incluem:

A) Déficits na comunicação e na interação social, de modo que ações relacionadas a essas competências sejam cons-
tantes e em diferentes situações. O item A se compõe dos três subitens abaixo e, para caracterizá-lo, é necessário que
todos estejam presentes:
1. Limitação na reciprocidade social e emocional;
2. Limitação nos comportamentos de comunicação não verbal utilizados para interação social;
3. Limitação em iniciar, manter e entender relacionamentos, abrangendo desde dificuldades em ajustar o com-
portamento para se adequar a contextos sociais, dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em
fazer amigos, à ausência de interesse por pares.
B) Padrões comportamentais, interesses e atividades restritos e repetitivos. Esse item é subdivido nos quatro subitens
abaixo (é necessário que, pelo menos, dois estejam presentes):
1. Movimentos, uso de objetos ou fala repetitivos e estereotipados;
2. Insistência nas mesmas coisas, aderência inflexível às rotinas ou a padrões ritualísticos de comportamentos
verbais e não verbais;

18
3. Interesses fixos e restritos que são anormais na intensidade e foco;

Tópicos em Neurociência Clínica


4. Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais do ambiente.
C) Os sintomas devem estar presentes nas primeiras etapas do desenvolvimento. Eles podem não estar totalmente ma-
nifestos até que a demanda social exceda as capacidades da criança, ou podem ficar mascarados por algumas estratégias
de aprendizado ao longo da vida.
D) Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo nas áreas social, ocupacional, ou em outras áreas impor-
tantes do funcionamento atual do paciente. O DSM-V inseriu a classificação de gravidade do TEA de acordo com a
intensidade do prejuízo na comunicação social e das alterações comportamentais, em três níveis: leve, moderado
e grave.1
E) Esses distúrbios não são mais bem explicados por deficiência intelectual, ou atraso global do desenvolvimento.

Todavia, alguns estudos sugerem que os novos critérios diagnósticos são mais específicos, porém
menos sensíveis, a ponto de descartar uma parcela significativa de indivíduos que, outrora, eram diagnos-
ticados com algum Transtorno Global do Desenvolvimento. Assim, os novos critérios correspondem a uma
sintomatologia mais severa, podendo não permitir o diagnóstico de casos de autismo leve.5,6
Desse modo, os indivíduos com Síndrome de Asperger e com Transtorno Global do Desenvolvi-
mento Sem Outra Especificação são os principais grupos em que ocorrem discrepâncias entre diagnósticos
realizados com base no DSM-IV e no DSM-V, o que provavelmente se deve ao fato de esses dois grupos não
preencherem a exigência de dois ou mais subitens do critério de padrões comportamentais, interesses e ati-
vidades restritos e repetitivos.5,6,7
Outras mudanças conceituais introduzidas pelo DSM-V foram o entendimento da separação entre
autismo e deficiência intelectual, a não existência de idade mínima para o aparecimento dos sintomas e o
acréscimo da hiper e hiporreatividade como parte do critério diagnóstico.8

3 EPIDEMIOLOGIA

3.1 PREVALÊNCIA
Até o presente, o Brasil não apresenta estudos populacionais de prevalência do autismo. O fato é
que a ausência de dados permeia a maioria dos países, principalmente os emergentes, o que prejudica esti-
mativas globais.9 Além disso, a falta de padronização da metodologia de pesquisa epidemiológica sobre o TEA
dificulta uma avaliação criteriosa sobre a variação da prevalência que pode se dar por razão dos métodos uti-
lizados ou por diferenças reais nas populações.10 Contudo, nos últimos anos, vem se percebendo um aumento
significativo no número de casos, a Organização das Nações Unidas estima que a taxa de pessoas com TEA
seja de 1% a 2% da população mundial.12 Com base nesses dados, haveria no Brasil de dois a quatro milhões
de acometidos! Esse fenômeno não pode ser explicado apenas pela mudança nos critérios diagnósticos (com
a inclusão de dados não cadastrados anteriormente), pelo aumento da consciência da população sobre o
autismo e por diagnósticos equivocados. Há fatores etiológicos ainda não desvendados.10,11. Também a causa
da predominância do sexo masculino— proporção de 3:1— permanece não compreendida.13

3.2 COMORBIDADES
Estudos mostram que 90% das pessoas com TEA apresentam outra doença crônica associada, e
que cerca de 60% deles têm duas ou mais comorbidades, que são comumente outros transtornos clínicos e
psiquiátricos.14 É provável que a severidade do autismo tenha relação com o aumento dos sintomas de outros
transtornos mentais.15 A ansiedade, o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), os distúrbios

19
do sono e os distúrbios gastrointestinais são as comorbidades mais relatadas nesses pacientes. Aproximada-
Tópicos em Neurociência Clínica

mente 40% deles são diagnosticados com ansiedade generalizada, fobias ou TOC. Nas crianças com TEA, o
grau de ansiedade é duas vezes maior, quando comparadas com crianças neurotípicas.16 Já o TDAH acomete
13% dos indivíduos com TEA e está relacionado a maiores dificuldades nas funções executivas e no reconheci-
mento das emoções.17 Também observados em 13% das pessoas com TEA, os distúrbios do sono apresentam
como principais sintomas sonolência durante o dia, apneia do sono e insônia18, sendo que a dificuldade do
indivíduo em seguir o ciclo circadiano contribui para a exacerbação dos sintomas característicos do autismo.19
Outra comorbidade recorrente (30 a 70% dos indivíduos com TEA) são os distúrbios gastrointestinais, tais
como, a constipação crônica, a dor abdominal, a flatulência, a síndrome do intestino irritável e a diarreia.20
Restrições alimentares são comuns, seja por alergias ou por aversão a diferentes alimentos, por exemplo,
pela sua textura.18

4 ETIOLOGIA

Embora ainda não se tenha elucidada a causa do TEA, diversos estudos apontam para uma combi-
nação de fatores genéticos e ambientais.

4.1 FATORES GENÉTICOS


A causa do TEA não está elucidada, mas sabe-se que o componente genético é bastante significati-
vo. Assim, um estudo publicado em 2019, com análise de dados relativos a cinco países, que incluiu mais de
dois milhões de pessoas, concluiu que a participação do componente genético no TEA era de cerca de cerca
de 80%.21
Gêmeos monozigóticos apresentam uma concordância entre 0,62 e 0,94, ou seja, se um deles for
acometido, o outro terá um risco de 62% a 94% de também o ser. Já em irmãos de pessoas com autismo, o
risco é de 10%, isto é, bem menor que o daqueles que compartilham o mesmo material genético (gêmeos
monozigóticos), porém maior que o da população geral (cerca de 1,4%). Todavia, a genética do autismo é
complexa, sendo que não existe um único gene que o promova, mas inúmeras variáveis diferentes que se
somam na geração do espectro.22
Minuciosos estudos de DNA de famílias com alta incidência de autismo identificaram cerca de du-
zentos genes, cujas mutações aumentam a ocorrência de EA.23Ainda não foi descoberto um fator em comum
entre as funções desses genes, exceto o fato de que a maioria deles se expressa no cérebro. Realmente suas
funções são as mais variadas: alguns codificam proteínas que ajudam os neurônios a se aderirem entre si; ou-
tros codificam proteínas estruturais que estabilizam as sinapses; outros codificam proteínas que comunicam
sinais dentro ou entre os neurônios e outros ainda controlam complexos programas de atividade neuronal
dos genes. Entretanto, se levarmos em consideração que o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimen-
to, é plausível o fato de que este pode se alterar em diferentes etapas, controladas por diferentes genes, mas
todas elas necessárias para um funcionamento cerebral adequado26,27,28.
A Variação do Número de Cópias Gênicas (CNV) inclui as mutações de novo – as que ocorrem duran-
te a formação do embrião humano – e contribuiem para o aparecimento de casos sem antecedente familiar,
correspondendo a até 10% dos casos de TEA.24,25As CNVs podem ser duplicações, deleções, translocações ou
inversões de determinados genes, de forma aleatória, atuando diretamente na formação e no desenvolvi-
mento do sistema nervoso.29
O desenvolvimento cerebral é um processo de complexidade impressionante, envolvendo a orga-
nização de vários tipos de neurônios em colunas que compõem unidades funcionais. Esse processo com-

20
preende a neurogênese, a migração neural, a sinaptogênese e a mielinização. Neurônios que acabaram

Tópicos em Neurociência Clínica


de ser criados migram dos locais de sua origem para a região pré-determinada, onde irão atuar. Uma vez
que chegam às suas respectivas áreas corticais, começam a formar sinapses a fim de gerarem circuitos
funcionantes. Por sua vez, a integridade da formação das sinapses depende da fidelidade das proteínas
que orquestram essa formação. Assim, a mutação de genes que codificam as proteínas que constituem as
sinapses leva à expressão de formas alteradas, geralmente defectivas, dessas proteínas. Genes mutantes
que codificam proteínas com erros em sua estrutura, ainda que mínimos, quando expressados repetida-
mente durante o desenvolvimento do incontável número de neurônios e de suas respectivas sinapses,
podem gerar circuitos disfuncionantes, nos quais as informações são processadas de forma alterada, ou
menos eficaz.
Além da mudança direta do gene, há também as mudanças epigenéticas, que se referem a alte-
rações bioquímicas e estruturais no DNA capazes de modificar a expressão gênica, porém, sem alterar a se-
quência das bases nitrogenadas. Essas alterações acontecem como resposta a fatores ambientais.
O principal mecanismo epigenético estudado no autismo é a metilação do DNA.30 Dessa maneira, a
ocorrência de hiper ou hipometilação em determinados genes gera expressão gênica divergente dos indiví-
duos neurotípicos. A metilação atua de modo a impedir a transcrição gênica, por meio de sua ação direta na
compactação da cromatina. Um exemplo é a hipermetilação do gene SHANK3— responsável pela organização
de sinapses—, visualizada em regiões do córtex cerebral de indivíduos com autismo, que se acompanha de
desorganização sináptica.27

4.2 FATORES AMBIENTAIS


São diversos os fatores ambientais que provavelmente por mecanismos epigenéticos causam des-
regulação da expressão gênica e do neurodesenvolvimento.28 Infecção viral, ou bacteriana, uso de valproato
de sódio (anticonvulsivante e estabilizador de humor) durante a gestação, mas também histórico familiar de
doenças autoimunes e idade avançada, tanto do pai, quanto da mãe, podem aumentar de forma significativa
o risco de desenvolvimento de TEA.31-34
Por outro lado, não existem relações consistentes entre o uso da vitamina D e do ácido fólico, taba-
gismo, ou exposição a metais pesados durante a gestação com o risco de a criança nascer com autismo.35,36
Ademais, embora muito divulgada, a vacinação não se mostrou como um fator associado ao risco de TEA,
independentemente do número de vezes e da idade na qual a pessoa se vacinou.37
No período pré-natal, doenças autoimunes e infecções maternas aumentam a passagem de citoci-
nas, quimiocinas pró-inflamatórias e anticorpos pela placenta.38 No período pós-natal, o sistema imune des-
regulado está correlacionado com o aumento da inflamação sistêmica crônica.39 Níveis elevados de citocinas
pró-inflamatórias, as quais atravessam a barreira hematoencefálica, ativam a micróglia e os astrócitos, que
passam também a liberar citocinas dentro do SNC, levando à disfunção de diversas sinapses.40

5 HIPÓTESES FISIOPATOLÓGICAS

5.1 PODA SINÁPTICA


Nas crianças com espectro do autismo, observa-se, nos primeiros dois anos de vida, aumento
da espessura do córtex cerebral. Já entre os 6 e os 12 anos de idade, a taxa de crescimento e de desen-
volvimento fica abaixo da esperada, quando comparada com indivíduos neurotípicos. Isso ocorre devido
ao déficit na poda sináptica, que consiste em um processo fisiológico de eliminação de certas sinapses de
maneira a selecionar os circuitos remanescentes, que serão aprimorados. Assim, o aumento da espessura

21
cortical é a consequência da menor poda sináptica (menos autofagia por parte da micróglia), de modo
Tópicos em Neurociência Clínica

a haver continuidade de circuitos redundantes e disfuncionais, o que colabora com o prejuízo no neuro-
desenvolvimento.41
À redução da poda sináptica, soma-se a diminuição do período do ciclo celular, o que contribui para
a proliferação de células não eficientes. Assim, há um crescimento cerebral anormal e desorganizado, que
resulta no maior desenvolvimento de neurônios e, consequentemente, da espessura cortical.42 As principais
regiões onde se encontram tal espessamento anormal são a área de Broca (responsável pela expressão da
linguagem), a área de Wernicke (relacionada à compreensão da linguagem), o fascículo arqueado (conexão
entre as duas áreas anteriores) e a região adjacente, o que é congruente com as acentuadas alterações no
desenvolvimento linguístico e na comunicação social observadas clinicamente.41

5.2 TEORIA DA CONECTIVIDADE: CIRCUITOS LOCAIS VERSUS CIRCUITOS ENTRE ÁREAS DISTANTES
A desorganização causada pelo espessamento cortical também influencia a maneira como os circui-
tos locais e distantes se relacionam, sendo que os primeiros são mais desenvolvidos que os segundos. Diver-
sos estudos evidenciaram redução da conectividade funcional (colaboração de áreas cerebrais distantes em
uma tarefa através da sincronização de sua atividade) em pessoas do EA. Além disso, estudos de neuroima-
gem estrutural mostraram ruptura da integridade dos longos tratos, que unem áreas distantes do cérebro. Ao
mesmo tempo, observou-se no EA um padrão de hiperconectividade entre áreas vizinhas, especialmente no
córtex frontal, com alteração da microestrutura das colunas corticais, criando conexões locais pouco seletivas
e redundantes.
As conexões mais intensas possivelmente resultam em um funcionamento desorganizado do lobo
frontal, enquanto as conexões com outras partes do cérebro diminuem, o que prejudica o compartilhamento
de informações entre regiões distantes.43 As falhas nos circuitos longos, por exemplo, entre o córtex frontal e
o parietal, causam deficiência no processamento e integração de informações fundamentais para a percep-
ção, a linguagem e as emoções.41 Além disso, o desenvolvimento excessivo de sinapses nos circuitos locais,
especialmente na região frontal, resulta em alta excitabilidade neuronal, porém pouco seletiva, de modo que
a informação não é processada de modo eficiente.42

5.3 DEFAULT MODE NETWORK


O Default Mode Network (DMN) é uma rede neural ativada em situações de repouso e introspecção
e desativada durante tarefas voltadas para estímulos externos46, associando-se a pensamentos autorreferen-
ciados, à memória autobiográfica e à teoria da mente.47,48
As áreas inclusas no DMN são predominantemente mediais— córtex pré-frontal medial, cíngulo
posterior, junção temporoparietal, região temporal anterior e lateral, ínsula anterior e precúneo.48
Em indivíduos com TEA, observa-se menor ativação e menor conectividade nas áreas do DMN, con-
sonante com a informação falha sobre si mesmo e o prejuízo na teoria da mente.49

22
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 1 – A imagem acima delimita a área cerebral da rede de modo padrão, conhecida também como Default Mode
Network (DMN).
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021. Adaptado de Chew-Helbig N. Psychedelics and Psychotherapy; 2017.

5.4 ALTERAÇÃO DA NEUROTRANSMISSÃO OXITOCINÉRGICA


Oxitocina é um hormônio secretado pelo núcleo paraventricular do hipotálamo, responsável pela
contração uterina, durante o trabalho de parto, e pela secreção do leite materno, em períodos de lactação.
Ela também está relacionada com os comportamentos sociais e com a cognição em mamíferos, principalmen-
te, no que concerne à comunicação não verbal.50,51
Experimentos mostram que em ratos a oxitocina induz o comportamento materno de cuidado com a pro-
le, provocando, quando injetado, o mesmo tipo de comportamento, inclusive em ratas virgens que, do contrário,
seriam hostis aos filhotes. A oxitocina também se associa à formação de pares. Assim, em espécies monogâmicas
de ratos-do-campo, a oxitocina induz a formação de vínculo entre o casal após a cópula. Esse tipo de monogamia
inclui preferências de parceiro, defesa do parceiro contra ataques e divisão no cuidado da prole entre a mãe e o pai.
A oxitocina regula diversas partes do sistema nervoso, destacando-se aqui a amígdala, responsá-
vel pelo processamento de emoções, mais particularmente do medo. Dependendo da região da amígdala
estimulada pela oxitocina, poderão ser induzidos tanto comportamentos sociais positivos de aproximação,
quanto de estresse e esquiva. Na realidade, a amígdala é um centro de processamento que condensa as in-
formações sensoriais e lhes agrega um valor emocional, consolidando uma memória afetiva para os estímulos
recebidos. A oxitocina atua como neurotransmissor que modula os circuitos da amígdala, controlando assim
o colorido das memórias socioemocionais e, com isso, o comportamento.

23
A densidade de receptores de oxitocina em determinadas áreas do cérebro foi sugerida como causa
Tópicos em Neurociência Clínica

de prejuízos comportamentais no autismo, como a dificuldade de empatia.52 Assim, no núcleo basal de Mey-
nert, responsável por mecanismos de atenção visual, há aumento desses receptores, possivelmente como
estratégia compensatória diante dos baixos níveis de oxitocina na região. Essa alteração poderia se associar a
observações clínicas, como a redução do contato visual e de reciprocidade nas interações sociais. Entretanto,
ainda não há correlação estabelecida entre os níveis hormonais de oxitocina e o TEA, nem mesmo há consen-
so acerca da metodologia de mensuração do hormônio e dos seus receptores.53
Em testes iniciais promissores, a administração de oxitocina através de um spray nasal em
crianças com autismo melhorou seus comportamentos sociais.54,55. Entretanto, esses ainda são resulta-
dos preliminares.

5.5 ALTERAÇÕES NEUROANATÔMICAS OBSERVADAS NO TEA


No cerebelo— região classicamente associada a coordenação, equilíbrio e aprendizado motor, mas
que provavelmente também tem participação no processamento cognitivo e afetivo—, observa-se hipoplasia
do vermis inferior e menor quantidade de massa cinzenta nas regiões do tubérculo, da pirâmide e da úvula
do hemisfério direito.56
Nas amígdalas, que são associadas ao processamento emocional, particularmente de emoções ne-
gativas, um estudo de neuroimagem em 51 adultos jovens com TEA mostrou aumento de volume, além de
redução de densidade nas conexões da amígdala direita com o córtex frontal direito, o que se correlacionou
com o grau dificuldade do reconhecimento de emoções. Já a amígdala esquerda apresentou maior conec-
tividade com o córtex temporal, o que se associou ao grau de prejuízo na capacidade de mudar o foco de
atenção.57
O córtex frontal apresenta mudanças no crescimento, na organização em camadas das colunas neu-
ronais e nas conexões com outras regiões do cérebro. A alteração nessa área recebe atenção nos estudos
do autismo, devido à sua importância para a cognição social, automonitoramento e planejamento. Além de
mudanças corticais, ocorrem também alterações nos tratos de associação. Os fascículos arqueado e uncinado
esquerdo apresentam menor número de axônios o que é consonante com os déficits observados na recipro-
cidade socioemocional e na linguagem.58

6 MODELOS PSICOLÓGICOS DO TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO

6.1 DÉFICIT NA TEORIA DA MENTE


A partir de estudos com primatas, Premack e Woodruff formularam o conceito de “Teoria da Men-
te”, para designar a capacidade de inferir os estados mentais de outros indivíduos e com isso predizer suas
ações e elaborar comportamentos adequados de resposta. Essa teoria, embora não explique por completo a
psicopatologia do autismo, colabora para o entendimento de como as pessoas com TEA compreendem ou-
tros seres humanos. Ao contrário das crianças neurotípicas que desenvolvem a teoria da mente nos primeiros
dois anos de vida, as crianças com autismo têm dificuldade em conceber e compreender estados mentais
diferentes e independentes dos seus e em apresentar comportamentos de adaptação social.44
Wimmer e Perner (1983) criaram um teste baseado em falsas crenças que poderia ser aplicado às
crianças. Nesse teste, uma criança observa o seguinte cenário: uma pessoa, Maxi, coloca um chocolate em
uma caixa azul e então deixa o local. Enquanto Maxi está fora, a mãe dele move o chocolate para uma outra
caixa, verde. Quando Maxi volta, perguntam para a criança onde ele procurará o objeto. Uma criança neuro-
típica vai prever, já a partir dos quatro anos, que Maxi tem a falsa crença de que o objeto está na caixa azul e

24
que, portanto, é lá que irá procurá-lo. Responder a esse teste corretamente é visto como uma forte evidência

Tópicos em Neurociência Clínica


de que a criança possui a Teoria da Mente.59
Desde esse estudo pioneiro, outros testes têm mostrado que crianças neurotípicas já têm, a partir
de dezoito meses, consciência do estado mental de outras pessoas e até crianças mais jovens já possuem
capacidades semelhantes.60,61 A Teoria da Mente está assim fortemente associada ao intenso neurodesenvol-
vimento nos primeiros dois anos de vida.
Em um experimento clássico de 1985, observou-se que crianças com TEA não formavam no teste
“Maxi e o chocolate” a Teoria da Mente, pelo menos não como as neurotípicas, pois a grande maioria delas
falhava em perceber que Maxi teria uma falsa crença sobre a localização do chocolate, enquanto crianças
neurotípicas respondiam de forma adequada. Intrigante também foi a observação de que a maioria das crian-
ças com síndrome de Down, apesar do déficit intelectual, acertava o teste, o que indicava que a Teoria da
Mente requer algo diferente daquilo que consideramos inteligência.62
Ademais, a ausência de contato visual nas pessoas do espectro aumenta significativamente as difi-
culdades de compreensão do que se passa com o outro, que depende em grande parte da leitura das expres-
sões faciais.63
O prejuízo na teoria da mente também tem influência negativa sobre o desenvolvimento linguístico.
Durante a comunicação, reconhecemos os sinais emocionais do discurso transmitidos sob a forma de prosó-
dia, ou seja, os aspectos não verbais e melódicos da fala, como a altura da voz, a acentuação, a intensidade
e a velocidade das palavras na frase, a pronúncia, etc.64 São esses componentes que conferem dramatici-
dade e expressividade à linguagem. Quando o componente emocional do discurso não é falho, as relações
interpessoais ficam seriamente prejudicadas, porque o discurso sem prosódia soa mecânico e estranho. Da
mesma forma, um interlocutor com dificuldades em perceber as mensagens emocionais transmitidas através
da prosódia poderá interagir de forma inadequada. Assim, pessoas com autismo, devido à dificuldade em
interpretar a tonalidade emocional do discurso de outros, podem preferir comunicar-se com computadores
e dispensar totalmente o lado social da comunicação. 65

6.2 TEORIA DA SISTEMATIZAÇÃO-EMPATIA


Segundo a Teoria da Sistematização-Empatia, proposta pelo pesquisador Simon, o cérebro de pes-
soas com autismo apresenta uma forte tendência à sistematização, ou seja, a buscar regras nos estímulos do
meio, tornando-os agrupáveis, classificáveis e previsíveis, por exemplo, agrupando números de acordo com
regras (números primos, números divisíveis por sete, etc.), animais de acordo com uma característica comum,
palavras em ordem alfabética. Ao mesmo tempo, pessoas do EA apresentam um déficit em empatia, que
consiste em conseguir formular respostas e comportamentos apropriados aos pensamentos e às emoções
do outro, envolvendo diferentes etapas de processamento socioemocional.66 É preciso colocar-se no lugar do
outro, entender o estado mental de outra pessoa como separado e diferente de si mesmo (Teoria da Mente),
compreender o contexto social no qual ocorre e, finalmente, elaborar um comportamento adequado para in-
teração. Por vezes, pessoas do EA são até capazes de perceber o estado emocional de outra pessoa, mas não
sabem como reagir a isso, o que as torna excessivamente sinceras, sem tato ou enfadonhas e desajeitadas
em suas interações sociais.

6.3 DISFUNÇÃO EXECUTIVA


A disfunção executiva (EF) se caracteriza por déficits de planejamento, organização e sequencia-
mento de ações, automonitoramento, elaboração e mudança de estratégia voltada para uma determinada
meta, funções estas que dependem da integridade dos circuitos pré-frontais e frontoestriatais. Assim, a dis-
função executiva pode explicar algumas características clínicas das pessoas de espectro, como os interesses

25
restritos; a falta de flexibilidade comportamental com os padrões de repetição, perseveração em determi-
Tópicos em Neurociência Clínica

nados conteúdos e resistência a mudanças; a dificuldade de inibição de pensamentos e ações; o prejuízo na


autoregulação do comportamento com respostas impulsivas; a dificuldade em filtrar estímulos irrelevantes,
atentando para detalhes em detrimento do todo e a dificuldade em processar vários dados ao mesmo tempo
(como durante situações sociais).65,67

6.4 ALEXITIMIA
Estima-se que 85% das pessoas do EA apresentem alexitimia, que se define pela dificuldade em
entender, descrever e categorizar as próprias emoções, mesmo quando elas são presentes e intensas. Por
exemplo, pessoas com alexitimia podem não saber se estão se sentindo culpadas ou decepcionadas com o
outro, se estão com medo ou com vergonha, ou porque estão chorando ou com raiva. É de extrema importân-
cia compreender esse aspecto, pois ele quebra o falso mito de que indivíduos com TEA são frios e incapazes
de criar vínculos. Pelo contrário, a verdade é que eles se apegam às pessoas, querem ajudá-las, agradá-las e
sofrem ao vê-las sofrer, mas podem não conseguir processar cognitivamente o que percebem, podem não
conseguir categorizar e inferir as razões e a natureza dos seus próprios sentimentos e dos sentimentos do
outro, o que causa perplexidade, confusão e muita ansiedade.
A alexitimia está provavelmente relacionada à redução de ativação de áreas associadas ao processa-
mento emocional, como o precúneo, a ínsula, a amígdala e o córtex pré-frontal dorsomedial.68-70

6.5 DISFUNÇÃO DOS CIRCUITOS ENVOLVENDO OS NEURÔNIOS-ESPELHO


Os neurônios-espelho são encontrados no córtex pré-motor, na área suplementar motora, no cór-
tex somatossensorial primário e no córtex parietal inferior e apresentam a propriedade de se ativarem tanto
quando se realiza uma ação com propósito, como quando se observa esta mesma ação sendo realizada por
outra pessoa. Admite-se que esse “espelhamento” seja o correlato neurobiológico da capacidade de com-
preensão da intenção do gesto do outro. Surgiu então a “hipótese dos espelhos quebrados”, proposta por
Ramachandran e Oberman, que postula que muitos dos déficits observados no EA (prejuízo de imitação, reci-
procidade, compreensão da linguagem não verbal) se devem a uma disfunção desse sistema.71

7 TRATAMENTO

A terapia das pessoas com TEA deve ser sempre multiprofissional e individualizada, pois há gran-
des diferenças nas habilidades intelectuais, na gravidade dos sintomas de autismo e nas doenças concomi-
tantes. Além disso, em diferentes fases da vida, as dificuldades a serem abordadas e os métodos terapêu-
ticos se modificam.72
Logo de antemão, o autismo não tem cura, portanto, qualquer tratamento que prometa isso deve
ser visto com ressalvas. Ademais, o foco deve ser a qualidade de vida da criança ou da pessoa com autismo,
o que inclui sua independência, seu funcionamento social, sua comunicação e, acima de tudo, sua satisfação
com a vida e consigo mesma. Assim, a meta não é “normalizar” a criança e abolir todos os comportamentos
que possam identificá-la como diferente das outras, mas reconhecer aspectos que possam ser fortalecidos,
barreiras a serem vencidas, sem deixar de respeitar seus limites.
Programas baseados na ABA (do inglês Applied Behavioral Analysis, desenvolvida por Ole Ivar Lo-
vaas) enfocam a adaptação comportamental, de modo que comportamentos adequados são compensados
com gratificações pré-estabelecidas e os inadequados são redirecionados ou modificados. As instruções

26
são simples e precisas, as regras são claras. Geralmente, os pais são inseridos para que prossigam com a

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terapia no ambiente doméstico, resultando em uma intensidade de 30 a 40 horas por semana. Através da
repetição intensiva, as respostas da criança vão sendo moldadas com melhora da comunicação e da ade-
quação social73,74
O Pivotal Response Training é uma forma de psicoterapia comportamental, desenvolvida pelo casal
Robert e Lynn Koege e que deriva do ABA. Aqui também é previsto intenso envolvimento dos pais, mas as
sessões acontecem em ambientes que fazem parte do dia a dia da criança, as metas não se dirigem para o
treinamento de habilidades específicas, mas de habilidades gerais, como a autorregulação emocional, a moti-
vação e a comunicação social. Os protocolos de treinamento são flexíveis e partem dos interesses particulares
da criança. O Early Start Denver Model é uma intervenção adaptada para bebês de 12-18 meses. Ela se baseia
nos princípios da ABA, mas salienta elementos lúdicos e afetivos.
Até o momento, diversos estudos comprovam a eficácia das terapias baseadas na ABA com melhora
da cognição, da linguagem e da socialização nas crianças que recebem tratamento precoce (iniciado antes dos
4 anos), intenso (mais que 15 horas por semana) e de longo prazo (durante 8 meses a 2 anos). Entretanto, os
resultados ainda são muito divergentes e ainda não foi possível caracterizar o perfil de crianças que apresenta
melhor resposta a estas formas de intervenção.75
A terapia ocupacional (TO), busca desenvolver a autonomia do paciente em atividades cotidianas
e sociais.76 Destaca-se aqui a Terapia de Integração Sensorial que propões durante as sessões estímulos de
diferentes modalidades (tatil, proprioceptiva, visual, auditiva, vestibular) aos quais a criança deve elaborar
respostas de adaptação. Através do uso de balanços, rampas, plataformas, etc. são oferecidos desafios senso-
riais a serem elaborados. De fato, até 90% das crianças com autismo apresenta alguma forma de alteração de
processamento sensorial, que se manifesta por comportamentos de hipersensibilidade e esquiva (intolerân-
cia à luz, barulho, determinadas texturas, altura, etc.), ou por comportamentos de fissura sensorial (precisar
manipular, ou tocar um mesmo objeto repetidas vezes), ou de autoestimulação (como giro, balanceio). 77
A fonoaudioterapia trata as dificuldades na fala e no desenvolvimento da linguagem, o que é de
enorme importância, uma vez que cerca de 30% das crianças com autismo não tem capacidade de comunica-
ção verbal, o que faz com que sejam subestimadas em sua inteligência e incompreendidas em suas emoções.78
São usados métodos de treinamento comportamental, mas também aqueles de comunicação alternativa.
Estes últimos se utilizam de ferramentas visuais, por exemplo, o Picture Exchange Communication System
(PECS) consiste em um sistema de cartões com imagens que a criança aponta para expressar o que deseja. Há
também aplicativos com digitalização de voz que podem transformar as imagens apontadas pela criança em
palavras, ou até mesmo em frases. Esses recursos não reduzem a motivação da criança para falar ela mesma.
Pelo contrário, eles constroem uma ponte para que isso aconteça.
O apoio psicopedagógico individualizado é fundamental para o bom desempenho e a inclusão no
ambiente escolar.79 A prática de esporte contribui com o processamento multissensorial, a psicomotricidade
e a socialização.80 A musicoterapia melhora a atenção compartilhada, a comunicação não-verbal e a reci-
procidade socioemocional.81 Já a equoterapia apresenta algumas evidências na melhora da autorregulação
emocional, da comunicação social e da motricidade.82
Não existe uma medicação específica para o autismo, ou seja, os déficits de comunicação e de so-
cialização não podem ser melhorados através de medidas farmacológicas, mas medicamentos são frequen-
temente utilizados e podem ser de grande ajuda para as comorbidades, como transtornos de ansiedade,
depressão, transtornos do sono, comportamento agressivo, dentre outras.82

27
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tópicos em Neurociência Clínica

A nossa sobrevivência no grupo depende grandemente da assimilação das regras de convivência


social e esta é a barreira das pessoas com TEA, que corresponde a um transtorno neurobiológico do desen-
volvimento, associado a prejuízos de comunicação e de socialização e a um comportamento repetitivo com
interesses restritos.
Inegavelmente o número de casos de pessoas diagnosticadas com TEA tem mostrado um cresci-
mento que supera qualquer expectativa e desafia todas as propostas de explicação. Esse aumento não se
justifica por mudanças nos critérios diagnósticos, ou pelo fato de a população geral e os profissionais de saú-
de estarem mais conscientes e mais atentos ao problema. Trata-se, de fato, de um aumento real e espantoso
que exige investigação.
O autismo envolve as funções mais complexas do cérebro, aquelas que distinguem nossa extraor-
dinária capacidade como seres humanos de interagir com o mundo de forma criativa e produtiva. A pesquisa
sobre o autismo atualmente está atraindo os mais capacitados pesquisadores e tem oferecido novas e frutífe-
ras reflexões sobre os aspectos mais intrincados e desafiadores da mente humana, incluindo os mecanismos
subjacentes à consciência. Essas pesquisas têm oferecido uma nova compreensão molecular, fisiológica e
genética do sistema nervoso, descortinando as diferenças entre pessoas neurotípicas e as do espectro. Esse
conhecimento pode gerar novas possibilidades diagnósticas com melhor embasamento científico e, even-
tualmente, tratamentos individualizados. Ao descobrir as bases biológicas das características específicas dos
indivíduos do EA, as novas pesquisas têm confirmado que cada cérebro é de fato único, o que traz também
a vantagem de mais bem entender a percepção emocional de maneira geral e o modo como formamos re-
lacionamentos interpessoais produtivos e gratificantes. Essa informação certamente aproximará as pessoas
do espectro das neurotípicas e viabilizará um entendimento mais amplo de como o cérebro humano opera e
de como ele tem a capacidade de executar as mais extraordinárias funções biológicas encontradas em toda
a natureza.
Que o futuro nos traga um entendimento mais completo do autismo e da mente humana e também
novas possibilidades de integração e de apoio a todos aqueles que não se enquadram no ideal imaginado de
normalidade.

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Nov 2021] Available from: https://publications.aap.org/pediatrics/article/137/Supplement_2/S124-S135/34019

32
Capítulo II

TRAUMA NA INFÂNCIA
Isabella Clemente Alencar Cunha de Menezes
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO

O trauma na infância é um grave problema psicossocial, médico e de políticas públicas e um as-


sunto novo nos campos da psiquiatria, psicologia e neurobiologia. A palavra trauma é usada para descre-
ver eventos negativos que são emocionalmente dolorosos e angustiantes, capazes de gerar efeitos físicos
e psicológicos duradouros. Durante a infância, a criança pode ser exposta a experiências adversas e/ou
aos maus-tratos. O conceito de experiências adversas inclui várias situações vividas no ambiente familiar
antes dos 18 anos de idade, incluindo, por exemplo, exposições a abuso, negligência, uso doméstico de
substâncias, doença mental na família, violência doméstica, separação e/ou divórcio dos cuidadores.1,2 Já o
conceito de maus-tratos ou abuso é mais restrito e descreve a situação em que “uma pessoa com condições
superiores a outra em idade, força, posição social ou econômica, inteligência, autoridade [...] comete um
dano físico, psicológico ou sexual, contrariamente à vontade da vítima ou por consentimento obtido a partir
de indução ou sedução enganosa.”3

Figura 1 – Formas de maus-tratos na infância.


Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
33
“Negligência: ato de omissão (episódio isolado ou persistente) por par-
Tópicos em Neurociência Clínica

te dos pais ou responsáveis em suprir as necessidades físicas básicas (alimentos,


roupas, abrigo e proteção), ou a necessidade de apoio emocional (interesse pela
escola, amigos, felicidade, saúde e bem-estar da criança). Abuso físico: uso inten-
cional de força física que resulta ou tem uma alta probabilidade de resultar em
danos para a saúde, desenvolvimento, sobrevivência ou dignidade da criança. Abu-
so desse tipo inclui: bater, espancar, chutar, sacudir, morder, estrangular, queimar,
envenenar e sufocar. Abuso sexual: qualquer contato ou atividade sexual inapro-
priada para uma criança, em que ela não compreenda totalmente, ou seja, incapaz
de dar consentimento informado e que viole as leis da sociedade em questão. Os
agressores sexuais podem ser adultos ou crianças em uma posição de confiança,
responsabilidade, ou poder, sobre a vítima. Abuso psicológico ou emocional: inci-
dentes isolados ou recorrentes de falha em propiciar um ambiente adequado de
desenvolvimento e de apoio por parte dos pais ou responsáveis, podendo incluir:
restrição de movimento, menosprezo, acusações, ameaças, intimidação, discrimi-
nação, ridicularização e outras formas não físicas de rejeição ou tratamento hostil.”4

Os maus-tratos e abusos durante a infância são importantes problemas de saúde no Brasil e no


mundo. No nosso país, abuso físico, abuso psicológico, abuso sexual e negligência são a primeira causa de
morte na faixa etária entre 5 e 19 anos, superando o quantitativo de mortes causadas por doenças físicas.5
Calcula-se que até 90% das crianças vivenciam algum tipo de experiência traumática em suas vidas.6 No Sis-
tema de Informação de Agravos de Notificação, do Ministério da Saúde (SINAN/MS), no ano de 2011, foram
registrados 39.281 atendimentos a pacientes com poucos meses até 19 anos de idade que sofreram algum
tipo de violência, o que representa 40% dos atendimentos realizados neste ano.7 Ademais, a negligência e os
maus cuidados infantis têm repercussões econômicas sobre a sociedade. Nos Estados Unidos, o ônus finan-
ceiro anual dos cuidados médicos das vítimas de violência e falta de cuidado dos pais é estimado em torno
de US$ 124 bilhões, incluindo tratamentos, perda de produtividade, custos com o bem-estar infantil, com a
justiça criminal e com educação especial.8 Além disso, devido à sua ocorrência no início da vida, maus-tratos e
abuso infantil podem influenciar o neurodesenvolvimento e a função cerebral e contribuem potencialmente
para sequelas negativas mais pronunciadas do que a exposição ao trauma na idade adulta.9 Assim, os trau-
mas na infância, principalmente os interpessoais, intencionais e crônicos estão associados a maiores taxas de
depressão, ansiedade, doenças autoimunes, doenças cardiovasculares e a maior risco de transtornos por uso
de álcool e substâncias na vida adulta.10-12
Este capítulo apresenta a proposta diagnóstica de transtorno do trauma do desenvolvimento como
forma de delimitação teórica da natureza singular das alterações neurobiológicas e clínicas resultantes do trauma
precoce, que não podem ser devidamente contempladas no enquadramento dos transtornos relacionados a
traumas e a estressores no adulto. O capítulo discute as repercussões do trauma na infância sob diferentes pers-
pectivas, abordando aspectos genéticos, epigenéticos, biomoleculares, neuroanatômicos, neurodesenvolvimen-
tais e psicológicos. Finalmente será apresentada uma visão geral sobre o tratamento das crianças traumatizadas.

2 TRANSTORNO DO TRAUMA DO DESENVOLVIMENTO: PROPOSTA DE UM NOVO CONCEITO

Crianças expostas a eventos traumáticos desde a primeira infância podem apresentar uma série de
alterações de comportamento que associados poderão culminar em diagnósticos de diversos transtornos psí-
quicos, dentre eles, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), transtornos de internalização e transtornos
34
de externalização. Os transtornos de internalização são relacionados ao humor depressivo unipolar, à ansie-

Tópicos em Neurociência Clínica


dade e ao medo. Já os de externalização correspondem a alterações associadas a comportamento disruptivo,
agressivo, hiperativo, opositor, antissocial, ou ao uso nocivo de substâncias.13 No entanto, cada um desses
diagnósticos mostra apenas um aspecto da criança traumatizada, não conseguindo representar o quadro
clínico em sua totalidade. Nesse contexto, surgiu o conceito de transtorno do do trauma do desenvolvimen-
to (DTD – developmental trauma disorder), na tentativa de englobar a complexibilidade e a diversidade de
sintomas relacionados aos eventos traumáticos vivenciados na infância.
Para a elaboração do DTD, os pesquisadores se basearam em estudos que demonstraram que
crianças expostas a eventos traumáticos não preencheram todos os critérios de TEPT do Manual Diagnósti-
co e Estatístico dos Transtornos Mentais-Quarta Edição (DSM-IV)14, mas que, por outro lado, apresentaram
alguns dos seus sintomas clássicos (revivescência do evento traumático, evitação, alterações negativas na
cognição e no humor, hiperexcitabilidade), e diversos outros sintomas não inclusos no conceito de TEPT mas
que se associam a sofrimento e prejuízos duradouros, como problemas na regulação emocional, perda de
autonomia, comportamento agressivo, perda da regulação do sono, da fome e do autocuidado, mudanças
de humor e no padrão de comportamento, aparente perda da avaliação e discriminação de estímulos
ameaçadores (aumento dos comportamentos de risco), sentimentos de ódio, culpa e impotência, bem como
vários problemas somáticos, como queixas gastrintestinais e dores de cabeça.15-17 Assim, embora o diagnós-
tico de TEPT seja frequentemente usado para avaliação de crianças expostas ao trauma, ele raramente refle-
te a dimensão e as particularidades do impacto da experiência traumática quando ocorre em períodos pre-
coces do neurodesenvolvimento.18 Nesse sentido, o DTD configura-se como uma nova categoria diagnóstica
proposta por van der Kolk e sua equipe para orientar a avaliação e o tratamento de crianças e adolescentes
que vivenciaram eventos traumáticos (por exemplo, abuso, testemunho de violência doméstica, perda de
um dos pais devido ao divórcio, encarceramento ou morte, permanência parental instável), os quais, em sua
grande maioria, ocorrem dentro da esfera familiar.19
O DTD contém sete critérios principais: exposição (critério A), desencadeamento de um padrão re-
petitivo de desregulação afetiva e fisiológica (critério B), desregulação de atenção e comportamento (critério
C), desregulação relacional (critério D), sintomas de TEPT (critério E), duração da perturbação (critério F) e
comprometimento funcional (critério G). A exposição ocorre quando a criança ou adolescente testemunhou
ou se tornou a vítima direta de um evento excessivamente estressante, ou de trauma por tempo prolongado
(por mais de um ano), o qual se iniciou na infância ou na pré-adolescência. A desregulação afetiva é marcada
por episódios de estado de afeto extremos, como raiva e vergonha, bem como pela duração prolongada des-
tes sentimentos. A desregulação fisiológica inclui perturbações de sono, hiperreatividade ou subreatividade
ao toque e som, dentre outras alterações na capacidade de ajuste de respostas somáticas. No que concerne
a desregulação de comportamento e de atenção, a criança apresentará prejuízo no enfrentamento de situa-
ções de estresse, ou que exijam atenção por tempo prolongado e aprendizagem. O déficit de autoregulação
relacional leva corresponde a um senso de identidade prejudicado (sentimentos negativos persistentes de si)
e ao estabelecimento de relacionamentos baseados em comportamentos inadequados, como por exemplo
dependência excessiva de colegas e outros adultos. No critério E, a criança apresenta pelo menos um sinto-
ma de TEPT. A duração da perturbação leva em consideração a persistência dos sintomas dos critérios B, C,
D, E por pelo menos 6 meses. Por último, no comprometimento funcional, deve haver prejuízo funcional, ou
sofrimento significativo em pelo menos duas das seguintes áreas: escola, familia, relacionamento com seus
pares, lazer, saúde, ou justiça.20
Apesar de aparentemente se configurar como um diagnóstico mais completo e adequado às crian-
ças e adolescentes vítimas de traumas, o DTD não foi incluído no último Manual Diagnóstico e Estatístico
-Quinta edição (DSM-5). O argumento para a não inclusão foi baseado em uma revisão da literatura sobre

35
DTD, que concluiu ainda serem necessárias mais pesquisas, principalmente longitudinais, para estabelecê-lo
Tópicos em Neurociência Clínica

como entidade nosológica independente.21 Contudo, no esforço de aprimorar o reconhecimento e o tra-


tamento dos pacientes com traumas de infância, o DSM-5 atualizou os critérios do TEPT, adequando-os às
particularidades dos estágios de desenvolvimento em crianças e adolescentes. Porém, mesmo com as mu-
danças propostas, os sintomas de TEPT podem abranger apenas uma parcela das consequências da exposição
crônica ao trauma precoce, evidenciando a necessidade de abordagens diagnósticas específicas para a infân-
cia. Vale salientar que a nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à
Saúde (CID-11) adicionou uma nova classificação de TEPT, o transtorno de estresse pós-traumático complexo
(CPTSD), o qual descreve a sintomatologia de pessoas que vivenciaram traumas crônicos, repetidos e prolon-
gados, como abuso sexual na infância ou violência doméstica.22

3 TRAUMA NA INFÂNCIA E ALTERAÇÕES NO NEURODESENVOLVIMENTO

O estabelecimento dos circuitos cerebrais é guiado geneticamente e é, ao mesmo tempo, experiên-


cia-dependente. Em outras palavras, o código genético contém o programa, mas este só é ativado a partir
de estímulos do meio. O aumento de desempenho das redes neurais se reflete na aquisição de habilidades,
que podem ser sensoriais, motoras, linguísticas, mas também afetivas e comportamentais. Deste modo, a
capacidade de criação de vínculos, a empatia, a capacidade de expressão dos próprios sentimentos também
podem ser vistas como aquisições geneticamente previstas, porém adquiridas apenas quando propiciadas
pelo ambiente. Daí a distinção da experiência traumática na infância que, assim, desorganiza e transvia o
curso necessário à constituição de um funcionamento cerebral adequado.

3.1 APEGO
O apego é caracterizado por um poderoso vínculo emocional, desenvolvido entre a criança e
seus cuidadores, estendendo-se posteriormente aos outros membros da família, professores, etc..23 Vários
pesquisadores tentaram explicar a origem do vínculo afetivo entre o bebê e o cuidador no início da vida e a
importância dessa relação para a vida adulta e futuros relacionamentos interpessoais. Em 1930, Konrad Lo-
renz publicou um estudo sobre o imprinting, que é um processo exibido principalmente por filhotes de aves,
como gansos, após a eclosão do ovo.24 Durante o estudo, foi mostrado que as aves imitavam e seguiam o
movimento de sua progenitora. Porém, na ausência da mãe, o filhote repetiria a ação de um outro animal ou
objeto próximo, mostrando, assim, a criação de um vínculo entre os filhotes e o objeto ou ser vivo identifica-
do. Posteriormente, o psiquiatra John Bowlby tentou explicar o surgimento desse vínculo por meio da Teoria
do Apego. Essa teoria se baseia no fato de que os seres humanos possuem uma inclinação natural para criar
relacionamentos, sendo essa tendência uma estratégia de proteção e sobrevivência, visto que o bebê precisa
de auxílio para suprir suas necessidades mais básicas, como a alimentação.25 Dessa forma, o comportamento
de apego é definido como qualquer ação ou conduta inata executada pelo bebê que tem como objetivo bus-
car, aproximar e manter o vínculo com o indivíduo provedor de cuidados, como chorar, estabelecer contato
visual, agarrar-se, aconchegar-se e sorrir. Esses comportamentos podem ser iniciados por situações, como
fome, cansaço e separação entre o bebê e seu cuidador e terminados pela interação visual ou sonora com
o adulto. Por fim, Bowlby também defende que o apego desenvolvido com seu principal cuidador irá servir
como um modelo mental para futuras relações de amizade e confiança, influenciando na construção da per-
sonalidade e nos estilos de relação interpessoal por toda a vida26.
O apego entre a criança e seu principal responsável pode variar conforme o contexto sociofamiliar e
cultural, o perfil da criança e do cuidador. O apego seguro se desenvolve mais facilmente quando o cuidador

36
proporciona a ela um ambiente receptivo e sensível.13 Quando são vítimas de traumas por meio de abuso,

Tópicos em Neurociência Clínica


perda traumática, traição ou abandono, ou seja, quando o apego é interrompido, ou inseguro, as crianças
ficam prejudicadas em sua autorregulação emocional, resultando na vivência de sentimentos intensos sem a
capacidade de modulá-los de maneira apropriada ou de confiar em seus responsáveis para obter apoio segu-
ro e consistente. A desregulação do afeto pode causar alterações em competências psicossociais, como maior
suscetibilidade ao estresse (dificuldade na regulação da atenção e da excitação), dificuldade em identificar e
verbalizar estados afetivos e suas necessidades e entorpecimento emocional.27, 28

3.2 COGNIÇÃO
A cognição pode ser entendida como a capacidade de receber informações de diferentes fontes,
como através da percepção, crenças e vivências e transformá-las em conhecimento.29 O desenvolvimento
cognitivo é um processo progressivo que abrange atenção, percepção, memória, linguagem, resolução de
problemas e criatividade. As funções executivas também são parte da cognição, as quais são competências
cognitivas adaptativas que possuem como objetivo direcionar comportamentos a metas que permitam ao
indivíduo eleger as estratégias mais eficientes, resolvendo assim, problemas imediatos, e/ou de médio e lon-
go prazo.30 Em um estudo sobre o desenvolvimento do trauma, observou-se que o prejuízo nas habilidades
cognitivas foram as dificuldades mais frequentemente observadas em crianças que vivenciaram traumas na
infância.31 Em uma outra pesquisa, bebês e crianças com privação sensorial e emocional demonstram atraso
no desenvolvimento da linguagem expressiva e receptiva e redução do quociente intelectual (QI).32

3.3 DISSOCIAÇÃO: ALTERAÇÕES DE CONSCIÊNCIA


A dissociação é definida como “uma interrupção nas funções geralmente integradas de consciência,
memória, identidade ou percepção do ambiente”,33 repercutindo em um estado alterado de consciência que
gera diminuição da percepção dos estímulos externos. Quando há trauma prolongado e repetido, especial-
mente na infância, a probabilidade de surgimento de sintomas dissociativos é aumentada. Assim, crianças
traumatizadas podem apresentar mudanças no comportamento, como esquecimento incomum, falta de per-
cepção temporal, dificuldade em aprender com a experiência, estados de transe, sonambulismo e ter amigos
imaginários.34 Sonambulismo, prejuízo de atenção e memória, alta distraibilidade e amigos imaginários não
são necessariamente indícios de experiência traumática. Esses sintomas necessitam de avaliação minuciosa
e interpretação individualizada.
É importante ressaltar que a dissociação é vista sob perspectivas distintas. Neste capítulo a
dissociação será apresentada como resposta psíquica frente a situações traumáticas que visa impedir que
determinadas informações—cujo conteúdo poderia ser desestruturante— adentrem a consciência.35

3.4 REGULAÇÃO COMPORTAMENTAL


A regulação comportamental é a capacidade de controlar conscientemente os próprios sentimen-
tos, pensamentos e atitudes. O DTD está associado a padrões de controle insuficiente ou excessivo. Crianças
abusadas podem apresentar rigidez comportamental já aos 2 anos de idade, tais como conformidade com-
pulsiva com solicitações de adultos, resistência a mudanças na rotina, inflexibilidade nos rituais de banheiro e
restrição na escolha de alimentos.16,19 Também podem exibir comportamentos de descontrole, como agres-
sividade, desobediência, desafio e hostilidade, além de comportamentos desorganizados, como encenação
das experiências traumáticas (por exemplo, com pessoas, animais, ou objetos), autoinjúria, agressão, hiper-
sexualidade ou comportamento manipulador.16,19,36 Tais práticas, eventualmente, podem ser interpretadas
como respostas às lembranças traumáticas, configurando-se como tentativas de neutralizar o sentimento de
impotência ou de alcançar aceitação e intimidade nas relações interpessoais.
37
O prejuízo na regulação comportamental é persistente, sendo importante destacar que experiên-
Tópicos em Neurociência Clínica

cias traumáticas na infância aumentam o risco de uso e abuso de substâncias, gravidez e paternidade na
adolescência, atividade criminosa, autoinjúria e suicídio.37 Além disso, diversas revisões analisaram ado-
lescentes com comportamentos impulsivos e de alto risco (por exemplo, práticas sexuais desprotegidas e
condutas de risco no trânsito) e concluíram que frequentemente estes indivíduos sofreram algum tipo de
trauma na infância.38

4 ALTERAÇÕES NEUROBIOLÓGICAS NO TRAUMA NA INFÂNCIA

4.1 NEUROPLASTICIDADE, NEUROINFLAMAÇÃO E EPIGENÉTICA NO EIXO HIPOTÁLAMO-


HIPÓFISE-ADRENAL

O corpo utiliza três principais vias para responder ao estresse e à ameaça: o sistema simpático-a-
drenomedular (SAM), também conhecido como resposta de luta ou fuga, a via do eixo hipotálamo-pitui-
tária-adrenal (HPA) e o sistema imunológico. Esses sistemas trabalham em conjunto e suas funções são in-
fluenciadas fortemente por acontecimentos durante o neurodesenvolvimento. Pela via HPA o estresse induz
a liberação de hormônio liberador de corticotropina (CRH) pelo núcleo paraventricular (PVN) do hipotálamo,
que promove a produção de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) pela adenohipófise, o qual, por sua vez,
ativa o córtex adrenal a liberar glicocorticoides (GCs). Os GCs reduzem a resposta inflamatória, através da
inibição de NF-κB (como explicado abaixo), que provoca down-regulation da expressão de genes codificado-
res de citocinas inflamatórias. Esta ação se dá por meio da ativação de receptores glicocorticoides (GR) nas
células que expressam as citocinas inflamatórias.

Figura 2 – Esquema do eixo Hipotálamo-Pituitária-Adrenal (HPA), descrevendo a regulação e o feedback negativo (-) do
cortisol por via dos receptores de glicocorticoides (RGs). CRH = hormônio liberador de corticotropina; ACTH = hormô-
nio adrenocorticotrófico; AGP = arginina vasopressina ou hormônio antidiurético; RMS = receptor mineralocorticoide.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.
38
Maus-tratos durante o início da vida estão associados à ativação crônica do eixo HPA com crianças

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maltratadas com TEPT apresentando níveis mais elevados de cortisol na urina e na saliva, em comparação
com grupo controle39. Adultos com histórico de maus-tratos apresentam altos níveis de CRH no líquido cefa-
lorraquidiano e menor resposta de redução do ACTH e do cortisol a um desafio farmacológico com o teste de
supressão de dexametasona / CRH.40,41 Neste teste de supressão de dexametasona, a dexametasona é admi-
nistrada no paciente e observa-se a resposta das glândulas adrenais ao ACTH e os níveis de cortisol circulan-
te. Em condições normais, a dexametasona inibe a secreção de ACTH, fazendo com que os níveis de cortisol
circulante se mantenham baixos. Contudo, como mostrado na pesquisa acima, em adultos com histórico de
maus tratos na infância, os níveis de cortisol e ACTH se mantêm elevados mesmo com a administração de de-
xametasona. Além da elevação dos níveis basais de cortisol, pessoas maltratadas apresentam maior resposta
de elevação do cortisol quando diante de novos estressores.
Outros estudos relataram que os níveis elevados de cortisol basal nas vítimas de abuso tendem a se
reduzir ao longo da adolescência até a idade adulta.42 A “hipótese de atenuação” propõe que essa redução
gradual resulte de hipossecreção de cortisol como resposta adaptativa à situação prolongada de hiperativi-
dade do eixo HPA.43
Adversidades no início da vida modificam epigeneticamente a regulação do eixo HPA. Isto foi es-
tabelecido em estudos que demonstraram que o comportamento materno pode programar a regulação do
gene para receptores glicocorticoides (GR): enquanto o recebimento de cuidados maternos no período peri-
natal se correlacionou positivamente com a expressão GR no hipocampo do rato adulto, o estresse precoce
sob a forma de privação materna diminui a expressão do GR.44,45 Em humanos, o estresse precoce também
reduz a expressão do GR por um mecanismo epigenético, como visto em vítimas de suicídio previamente
sujeitas a abuso infantil.46 Os níveis reduzidos de expressão de GR no adulto poderiam interromper vias regu-
ladoras que dependem da ativação desses receptores. O controle da liberação de GCs por retroalimentação
negativa fica atenuado e, assim, um importante circuito de regulação que limita a resposta inflamatória fica
deficiente. Por esta razão, em animais que sofreram estresse na primeira infância, a expressão de NF-κB e os
níveis de citocinas inflamatórias são mais elevados, assim como a expressão de dor e de depressão.
O sistema imunológico e o cérebro não estão totalmente formados no nascimento, desempe-
nhando nos recém-nascidos apenas as funções básicas à sobrevivência. Nas próximas fases do desenvolvi-
mento, esses dois sistemas começam a aumentar o seu repertório de funções para responder a estímulos
mais específicos.39
Uma metanálise com 20 estudos evidenciou que maus-tratos na infância foram associados a níveis
elevados de proteína C reativa e de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α, o IFNγ, IL-2, o que sugere que
trauma precoce se associa a desregulação imunológica na fase adulta.47
A adrenalina, a noradrenalina e os glicocorticóides são capazes de danificar a capacidade do sistema
imune reagir a estímulos, por meio da inibição da síntese de IL-12 e IL-2, responsáveis pela diferenciação e
proliferação de linfócitos Th1 (linfócitos T helper, que liberam citocinas como TNF-α, o IFNγ e IL-2 ), impossibi-
litando ativação eficiente do sistema imunológico. Assim, o estresse provocado pelo trauma na infância pode
desestabilizar o sistema imunológico, podendo levar ao surgimento de doenças no decorrer de toda a vida.48
Um mecanismo que explica a relação entre alteração do eixo HPA e estado inflamatório envolve a
molécula NF-κB. Trata-se de um fator de transcrição que controla a expressão dos genes que codificam TNF-α
e outras citocinas pró-inflamatórias.49 No seu estado inativo, o NF-κB é sequestrado e mantido no citoplasma
em complexos com um dímero de proteínas chamados inibidores de KB (IkB). NF-κB é ativado por sinais da
via de resposta imune inata a partir de antígenos estranhos, ou agentes infecciosos, ou estresse. A ativação
de NF-kB pode depender da indução da resposta imune inata por meio de reconhecimento de antígenos por
receptores toll-like (TLRs).

39
A sinalização dos TLR culmina na ativação da cinase IkB (IKK), recrutando a cinase TAK1 para o com-
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plexo NEMO-IKK.49 A TAK1 fosforila a IKK, que, por sua vez, fosforila a IkB no complexo de IkB-NF-kB, condu-
zindo à degradação de IkB pelo sistema de ubiquitina proteossoma e assim liberando o NF-κB para se deslocar
do citoplasma para o núcleo e ativar a transcrição de genes de TNF-α e de outras citocinas inflamatórias. Em
seguida, o TNF-α, através da ligação ao seu receptor trimérico, pode similarmente induzir à degradação de
IkB para ativar o NF-kB, perpetuando um ciclo de retroalimentação positiva com mais transcrição de genes
de citocinas inflamatórias. Assim, o TNF-α, uma vez induzido pelo antígeno estranho, perpetua a sua própria
elevação por autoestimulação.
Devido à diminuição da expressão do GR em pessoas com estresse precoce, os glicocorticóides não
são mais capazes de inibir a transcrição de genes dependentes de NF-κB, o que permite que a inflamação
se perpetue, tornando-se crônica. Deste modo, o trauma na infância gera um fenótipo “pró-inflamatório”,
aumentando assim os níveis de citocinas circulantes e a disfunção do sistema imune, o que propicia o surgi-
mento de diversas doenças.50
Outra via de sinalização e adaptação ao estresse é constituída pelo eixo simpatoadrenomedular/
locus coeruleus (SAM/LC). Trata-se de uma via de retroalimentação que envolve estruturas cerebrais e vias
autonômicas. A detecção de ameaça pela amígdala leva à estimulação de centros simpáticos hipotalâmicos
e de núcleos de liberação de noradrenalina no tronco encefálico (locus coeruleus). De fato, no hipotálamo
residem os neurônios de comando da sinalização simpática que culmina na estimulação da medula adrenal
que libera adrenalina na corrente sanguínea51. Ao mesmo tempo, o locus coeruleus tem amplas eferências
para o córtex cerebral, particularmente para regiões envolvidas no processamento das memórias e emoções.
O trauma precoce induz nesses circuitos alterações epigenéticas e neuroplásticas duradouras que impacta-
rão na percepção e no enfrentamento de situações de desafio e ameaça no adulto, aumentando o risco de
desenvolvimento de TEPT.52
Especificamente, o estresse precoce pode alterar a forma como o adulto responderá, no futuro,
à adversidade social e aos desafios antigênicos, como os apresentados por agentes infecciosos e isto se dá
através da reprogramação epigenética dos genes que governam a resposta ao estresse.53 De fato, pessoas
submetidas à experiência de estresse precoce apresentam caracteristicamente neuro-inflamação crônica de
baixo grau com ativação microglial e níveis basais elevados de citocinas inflamatórias.54 Isto pode ser atribuí-
do à repressão epigenética da expressão de GR por estresse na primeira infância.
O epigenoma se constitui em modificações biomoleculares que mudam a probabilidade de expres-
são dos genes, sem que haja alteração do código genético em si. Trata-se de um mecanismo importantíssimo
que regula a produção de proteínas e a diferenciação celular, participando da gametogênese, da embriogê-
nese e perdurando ao longo da vida. Deste modo, embora todas as células do organismo compartilhem o
mesmo DNA, elas exercem funções bastante distintas.
Existem três mecanismos conhecidos de alterações epigenéticas: metilação do DNA, modifica-
ções de histonas e ação de RNAs não codificadores (micro RNAs presentes no citoplasma). Destes, a me-
tilação do DNA é o mais bem estudado em pacientes que sofreram traumas na infância. Sua função se dá
através da inibição da expressão de determinados genes. Esse silenciamento seletivo pode, em grande
escala, alterar o percurso do neurodesenvolvimento e nos sistemas de resposta ao estresse, de regulação
emocional e de recompensa.55
O trauma precoce pode causar mudanças na regulação epigenética da expressão gênica, como uma
maior metilação do GR e maior desmetilação de FKBP5, as quais predispõem à maior ativação imunológica.56
A proteína 5 de ligação ao FK506 (FKBP5) codifica uma chaperona que altera a sensibilidade dos hormônios
receptores de esteróides, como o receptor de progesterona (RP) e o RG. A proteína FKBP5 atua sobre o GR no
hipotálamo, reduzindo sua afinidade pelo cortisol, o que é chamado de resistência aos glicocorticóides. Isso

40
prejudica o mecanismo de feedback negativo, perpetuando a liberação de CRH e consequentemente de ACTH

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e de cortisol, mantendo assim o estado inflamatório.
O fator neurotrófico derivado do cérebro (Brain derived neurotrophic fator-BDNF) é uma neuro-
trofina, a qual faz parte de uma família de proteínas com alta afinidade por receptores da família da tirosina
kinase (TrK). Sua função está associada à neuroplasticidade, neurogênese, desenvolvimento e funcionamento
dos neurônios. O BDNF é expressado principalmente no córtex pré-frontal e no hipocampo.57 Observou-se di-
minuição dos níveis de BDNF em pacientes com esquizofrenia e episódios psicóticos, principalmente quando
havia história de trauma na infância.58,59 Também foram observados níveis mais baixos de BDNF em pacientes
com ideação suicida.60.

4.2 NEUROINFLAMAÇÃO, BDNF E INTERAÇÃO GENE-AMBIENTE


O gene do BDNF contém um polimorfismo funcional de nucleotídeo único que provoca a substitui-
ção do aminoácido valina para metionina no códon 66 (Val66Met). Esse polimorfismo está associado à redu-
ção da secreção de BDNF nos neurônios e seus portadores mostraram maior vulnerabilidade às experiências
de trauma precoce. Assim, indivíduos com a variante alélica Val66Met que sofreram trauma na infância apre-
sentaram maior risco de depressão e tentativas de suicídio de maior letalidade.60,61
Esses achados são um exemplo do que se denomina interação gene-ambiente, ou seja, a vivência
do trauma na infância leva pessoas biologicamente/geneticamente mais suscetíveis (pelo fato de serem por-
tadoras da variante Val66Met) a terem um risco aumentado de adoecimento psiquiátrico quando adultas.
Níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias e glicocorticóides podem prejudicar as funções do
BDNF e do seu receptor em vítimas de maus-tratos através da supressão da sinalização do BDNF na via MAPK
/ ERK, a qual atua na sobrevivência e diferenciação de oligodendrócitos, que produzem a bainha de mielina,
responsável pelo isolamento elétrico dos axônios.62,63

4.3 ALTERAÇÕES DO HIPOCAMPO E DA AMÍGDALA


Os efeitos do trauma na infância mostraram alterar o desenvolvimento e o volume de estruturas
cerebrais, mais especificamente do hipocampo e da amígdala, que fazem parte de uma rede neural respon-
sável pelo processamento emocional e pela resposta ao estresse. Essas estruturas são importantes para o
estudo do impacto da vivência de traumas no início da vida, pois possuem muitos GRs de forma a sofrerem
as consequências das alterações do eixo HPA.
O hipocampo está localizado no lobo temporal de cada hemisfério e tem como principais funções
a consolidação da memória declarativa (consciente) de curto prazo e da memória espacial (topográfica) e a
regulação comportamental. A amígdala está situada na região ântero-inferior do lobo temporal e se associa
ao processamento das emoções, especialmente do medo, à memória emocional (inconsciente), à detecção
de perigo e ativação das vias HPA e SAM.
Uma revisão sistemática de 109 estudos que utilizaram ressonância magnética nuclear estrutural e
funcional em crianças e adolescentes expostos a trauma na infância mostrou redução do volume da amígda-
la, do córtex pré-frontal medial (mPFC) e do hipocampo, bem como aumento da ativação da amígdala frente
a ameaças. 64-67 Essas mudanças adaptativas na estrutura e na função da amígdala facilitam a identificação
rápida de ameaças no ambiente, porém levam à hiperreatividade frente a estressores menos graves ou até
mesmo em situações seguras.64
A liberação desregulada de glicocorticóide e o aumento da inflamação após abuso infantil podem
contribuir para a diminuição da neurogênese, atrofia de processos dendríticos e neurotoxicidade do hipocam-
po, levando à perda do volume hipocampal e ao comprometimento de suas funções.68-70 Também decorrência
do estresse precoce, a secreção aumentada do CRH ativa os receptores (CRF 1) localizados nos dendritos das

41
células piramidais do hipocampo, tendo ação neurotóxica, reduzindo a arborização dendrítica dos neurônios
Tópicos em Neurociência Clínica

hipocampais. Esses efeitos podem ser persistentes.71


O abuso infantil também tem sido associado a alterações na estrutura e função das regiões fronto-
-límbicas laterais e ventromediais, favorecendo problemas de comportamento e controle emocional.72

5 CONSEQUÊNCIAS CLÍNICAS DO TRAUMA NA INFÂNCIA PARA A VIDA ADULTA

As consequências neurobiológicas do trauma infantil podem promover o desenvolvimento de um


espectro de doenças psiquiátricas e somáticas, que compartilham a característica central do aumento do
estresse e da reatividade emocional. Uma pesquisa investigou a relação entre a exposição a experiências
adversas na infância e comportamentos de risco à saúde e doenças durante a vida adulta.1 Em questionário
respondido por 9.508 pessoas, foi averiguada exposição precoce a diferentes categorias de adversidade:
abuso psicológico, físico ou sexual, violência contra a mãe, convivência com membros da família usuários
de drogas, portadores de doenças psiquiátricas, suicidas ou ex-presidiários. Metade dos entrevistados vi-
venciaram pelo menos uma forma de adversidade e 25% vivenciaram 2 ou mais. Exposição a quatro ou
mais categorias de adversidade na infância aumentou em 12 vezes o risco de abuso de substâncias, alcoo-
lismo, depressão e tentativa de suicídio e em 1,4 a 1,6 vezes o risco de sedentarismo e obesidade severa na
vida adulta. Observou-se também correlação positiva entre o número de experiências adversas na infância
e a presença de doenças em adultos, como isquemia cardíaca, câncer, doença pulmonar obstrutiva crônica,
fraturas ósseas e doença hepática.

5.1 DEPRESSÃO
Como explicado acima, o trauma infantil resulta em sensibilização persistente dos mecanismos de
resposta ao estresse, principalmente do eixo HPA, que, por sua vez, estão envolvidos com a fisiopatologia
da depressão (vide capítulo XII). Vários mecanismos biomoleculares respaldam a correlação entre eventos
estressores no início da vida, inflamação periférica, alterações nos mecanismos de neuroplasticidade de-
pressão. Experiências de abuso induzem a ativação de mecanismos epigenéticos em genes envolvidos com a
resposta inflamatória e imunológica.
A presença de maior adversidade durante a infância tem sido associada a maior risco de desenvolvimen-
to de depressão. Estudos têm mostrado que maus-tratos no início da vida resultam em sintomas mais graves de
depressão, em sua cronificação, como também em um menor tempo de remissão.73,74 Em uma metanálise, que
inclui 192 estudos e 68.830 pacientes, observou-se que quanto maior a gravidade dos maus-tratos infantis mais
acentuados eram os sintomas de depressão.12 Todos os tipos de maus-tratos foram associados ao risco aumentado
de desenvolver o quadro de depressão. No entanto, justamente as suas formas mais sutis e silenciosas ( abuso
emocional e negligência emocional) mostraram as associações mais fortes com sintomas depressivos no adulto.
Outra pesquisa mostrou que um volume reduzido do hipocampo e da amígdala tem potencial para
servir de biomarcador de risco de depressão após a exposição à violência e maus-tratos na infância, visto que
é um mecanismo plausível de sensibilização ao estresse e está associado ao aumento de sintomas depressi-
vos ao longo do tempo.75

5.2 DOENÇAS AUTOIMUNES


As doenças autoimunes (DA) são condições crônicas caracterizadas pela perda de tolerância imuno-
lógica a autoantígenos. Um autoantígeno é uma proteína ou um complexo de proteínas/ácido nucléico nor-
malmente reconhecido pelo hospedeiro como próprio, mas que, em condições patológicas, induz a resposta
imunológica, desencadeando a produção de autoanticorpos e causando doença autoimune. Todos os tecidos
42
do corpo possuem autoantígenos, mas, quando ocorre perda da autotolerância, os autoantígenos são reco-

Tópicos em Neurociência Clínica


nhecidos como estranhos e desencadeiam reação autoimune. As DA afetam órgãos-alvo específicos ou múlti-
plos órgãos e formam um grupo heterogêneo de cerca de 80 entidades nosológicas diferentes, como diabetes
mellitus insulino-dependente, artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, esclerodermia, tireoidite e
esclerose múltipla. Sua manifestação é mais comum entre os 30-60 anos. São classificadas de acordo com
o tecido, órgão ou sistema atingido e têm sido associadas a fatores genéticos, infecciosos e/ou ambientais.
Como visto acima, estressores, como o trauma psicológico, abuso físico, ou sexual e a negligência,
levam à desregulação da homeostase do sistema imunológico, devido à perda do equilíbrio das respostas ao
estresse dos linfócitos Th1 e Th2,. Respostas imunes efetoras exacerbadas ou desreguladas podem levar à
indução e à progressão de doenças autoimunes.
Em um estudo longitudinal prospectivo que acompanhou 17 mil famílias por um período de 5 a 6
anos, evidenciou-se que crianças expostas a um elevado nível de estresse psicológico apresentaram ativida-
de espontânea diminuída das células Tr1, Th17 e Th2, devido aos baixos níveis de várias quimiocinas e citoci-
nas, como IL-5, IL-10, IL-13 e IL-17, indicando um efeito imunossupressor causado pelo estresse. Entretanto,
apresentaram maior reatividade a antígenos como a toxina tetânica, a β-lactoglobina e antígenos relaciona-
dos com o diabetes (GAD65, HSP60, IA-2).76 As células Tr1 são linfócitos T reguladores (Tregs) que atuam na
regulação ou na supressão de outras células imunológicas e ajudam a prevenir doenças autoimunes. Já as
células Th17 são linfócitos que medeiam a inflamação tecidual precoce, sintetizando citocinas pró-inflamató-
rias e quimiocinas responsáveis pelo recrutamento de células, estando também, por meio da secreção de IL-
17, associadas à patogênese de doenças autoimunes, como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico,
psoríase, esclerose múltipla, esclerose sistêmica, doença inflamatória intestinal, espondilite anquilosante e
artrite idiopática juvenil.77
A imunossupressão causada pelo estresse leva à supressão das ações dos linfócitos Treg e das célu-
las Th2, ocasionando um estado pró-inflamatório mediado por Th1/Th17. Assim, no sítio inflamatório existe
acúmulo das células Tregs, mas na presença de altos níveis de citocinas inflamatórias, a sua capacidade de
imunorregulação sobre as células-alvo fica prejudicada.78 Isso leva a exacerbação das condições inflamatórias,
facilitando o surgimento de doenças autoimunes.
A análise dos dados de 15.357 adultos inscritos no Estudo Adverse Childhood Experiences de 1995
a 1997 e que foram acompanhados até 2005 mostrou que o número de experiências adversas na infância au-
mentava o risco de hospitalizações por qualquer doença autoimune.11 O grupo de pessoas que vivenciaram 2
ou mais experiências adversas na infância apresentou aumento de 100% no risco de ser internado por doen-
ças reumáticas no decorrer da vida, com aumento de 80% no risco de hospitalizações por doenças mediadas
por linfócitos Th1 e de 70 % por doenças associadas à via Th2.

5.3 DOENÇAS CARDIOVASCULARES


Adversidades na infância podem aumentar o risco de doenças cardiovasculares (DCV) por induzirem
a comportamentos menos saudáveis, a um estado emocional de hipervigilância e ao estado pró-inflamatório.79
Vários estudos mostram que indivíduos que vivenciaram trauma na infância apresentam hábitos de
vida que constituem fatores de risco para o surgimento de DCV na vida adulta, como o tabagismo, o sedenta-
rismo, o diabetes e a obesidade. Em um estudo retrospectivo com 9.215 adultos, aqueles que vivenciaram 5 ou
mais experiências adversas na infância apresentaram, quando comparados ao grupo-controle sem histórico de
exposição traumática, risco 5 vezes maior de iniciação precoce do tabagismo.79 Também houve associação entre
adversidade e menor frequência de prática de atividade física, com aumento do risco de obesidade, diabetes
tipo 2, hipertensão, dislipidemia e aterosclerose.80,81 É plausível que o prejuízo na autorregulação emocional
causado pelo trauma propicie comportamentos compensatórios de busca de recompensa imediata.

43
O trauma na infância está fortemente associado a doenças psiquiátricas, como depressão, trans-
Tópicos em Neurociência Clínica

torno afetivo bipolar e TEPT, sendo estes preditores estabelecidos de DCV. Assim, a Associação Americana
de Cardiologia (American Heart Association) declarou recentemente que o transtorno depressivo maior e o
transtorno afetivo bipolar são patologias que se associam a um risco moderado de DCV precoce e ateroscle-
rose acelerada.82 O TEPT também pode estar envolvido no surgimento de DCV, por meio do aumento no nível
de catecolaminas circulantes, que elevam a pressão arterial, a velocidade do fluxo sanguíneo e a vasocons-
trição, propiciando lesões vasculares. 83,84 Estudos experimentais também demonstraram que a exposição
prolongada à adrenalina e à norepinefrina induz dano ao miocárdio em ratos.85
O estado pró-inflamatório crônico pode acelerar o desenvolvimento de doenças cardiovasculares
(hipertensão, doença vascular obstrutiva, isquemia do miocárdio, isquemia cerebral) e metabólicas (diabetes,
obesidade, dislipidemia).86,87

6 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O TRATAMENTO

A detecção e intervenção precoce melhoram o prognóstico da criança traumatizada. Dessa forma,


os pais, os familiares e os profissionais de saúde e da educação devem observar se a criança presencia mu-
danças de padrão comportamental, sendo esse o principal sinal de alerta para a identificação do sofrimento
de um trauma. Alguns sinais comuns são: sentimentos intensos e contínuos de medo, terror ou estresse,
pesadelos ou dificuldade para dormir, ansiedade ou estar em estado de alerta constante, problemas para
estabelecer amizades, mudanças nos hábitos alimentares ou perda de apetite, dificuldade em confiar em
pessoas, regressão ou perda de habilidades que a criança havia dominado anteriormente— como perda do
controle dos esfíncteres—, dificuldade em se concentrar ou prestar atenção, baixo desempenho acadêmico,
dores e choro sem causa aparente. A detecção precoce permite a tomada de medidas necessárias para a
interrupção da situação de abuso e o início do atendimento multidisciplinar.
A padronização do tratamento para crianças vítimas de maus-tratos é difícil, pois a sintomatologia
decorrente de tal exposição é bastante variada e se modifica a cada estágio do desenvolvimento. O tratamento
de primeira linha, em geral, é a psicoterapia que precisa ser adaptada ao estágio de neurodesenvolvimento,
às circunstâncias sociofamiliares e incluir a participação dos pais ou responsáveis. Há várias abordagens psico-
terápicas para crianças vitimizadas, como por exemplo, a terapia comportamental focada no trauma (TF-CBT)
e a terapia de interação pai-filho (PCIT).88,89 Essas abordagens são um trabalho conjunto entre o psicólogo, o
cuidador e a criança. A TF-CBT visa a psicoeducação sobre trauma, o aprendizado de técnicas de relaxamento
e de outras habilidades de enfrentamento, o desenvolvimento da capacidade de identificação dos próprios
sentimentos e a compreensão da sua relação com os pensamentos e os comportamentos. A PCIT tem como
objetivo a retomada do desenvolvimento psicossocial saudável da criança, o estabelecimento de reciprocidade
nos relacionamentos, a mudança na interpretação e na resposta a estímulos vistos como ameaçadores, dife-
renciando a revivescência do trauma e a evocação das memórias traumáticas das situações atuais.
A prescrição de psicofármacos pode ser necessária para tratar alguns dos sintomas do trauma,
como ansiedade, depressão, insônia e agitação. Os antidepressivos da classe dos inibidores seletivos de
recaptação de serotonina (ISRS) são as drogas de primeira escolha para tratamento de transtornos de ansie-
dade na infância.
O tratamento medicamentoso deve levar em consideração o diagnóstico, as comorbidades psiquiá-
tricas e clínicas, e os efeitos adversos dos psicofármacos, sendo recomendado quando os sintomas são mo-
derados ou graves, comprometem a participação na psicoterapia ou quando o tratamento psicoterápico não
leva à melhora satisfatória.90

44
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tópicos em Neurociência Clínica


O trauma na infância é uma epidemia encoberta, que acontece, na maioria das vezes, de forma
velada, no contexto familiar, podendo ter consequências devastadoras por toda a vida. Ele está relacionado
à desregulação de importantes processos neurobiológicos, e ao aumento do risco para diversos transtornos,
como transtornos do desenvolvimento, depressão, doenças cardiovasculares, metabólicas, autoimunes e de-
generativas. Dessa forma, o conceito de TTD foi proposto para aprimorar o diagnóstico de crianças traumati-
zadas, admitindo a complexidade e a especificidade dos seus sintomas. que se devem ao fato de a exposição
ao trauma ter ocorrido durante estágios iniciais do neurodesenvolvimento. Por consequência, neurocircuitos
que dependem de estímulos ambientais para o seu adequado estabelecimento, sofrem alterações duradou-
ras que influenciarão padrões de cognição, afetividade e comportamento não apenas durante a infância, mas
também na vida adulta. A hiperreatividade do eixo HPA, o estado inflamatório persistente, alterações no
padrão de atividade de áreas límbicas são exemplos bem estudados.
O conhecimento sobre as interações entre os sistemas psíquico, nervoso, endócrino e imunológico,
sobre a plasticidade dos circuitos cerebrais e sobre a natureza dinâmica da expressão gênica é relativamente
recente e tem representado uma transformação radical no paradigma de interpretação do funcionamento
biológico e das repercussões que as experiências têm sobre ele. O corpo responde continuamente e como
um todo às mudanças do ambiente e estas respostas, por sua vez, se acompanham de alterações funcionais
e estruturais de longo prazo, ou seja, causam transformações permanentes. É justamente nesse panorama
que as experiências precoces, em especial, as traumáticas, ganham particular atenção dos pesquisadores, dos
profissionais de saúde e da sociedade como um todo. Trata-se de um problema complexo e sem soluções fá-
ceis. No entanto, é importante ressaltar que a prevenção, a proteção e o tratamento precoce dessas crianças
podem levar a uma melhoria no prognóstico e na qualidade de vida.

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49
50
Tópicos em Neurociência Clínica
Capítulo III

ADIÇÃO
Ana Letícia Marcon
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO

Adição é o termo que designa a dependência, quer de substâncias químicas, quer de comportamen-
tos compulsivos potencialmente danosos à saúde física e mental. Sua raiz latina, addictus, significa submis-
são, dependência de algo ou de alguém. Dessa maneira, a adição é entendida como uma relação de escravi-
dão, sendo que o “senhor” é a substância e o “escravo”, o adicto.1
Como será visto abaixo, a nomenclatura e a classificação das alterações comportamentais associa-
das ao uso de substâncias é complexa e variável. Entretanto, neste texto, os termos adição e dependência
serão tratados como sinônimos.
Diversos fatores predispõem o indivíduo à adição e ao abuso de substâncias, dentre eles, a consti-
tuição genética,2 as experiências de vida, os traços de personalidade, os estressores sociais, a cultura e tam-
bém alguns transtornos mentais.3 A dependência pode se relacionar à ingestão de substâncias, ou a compor-
tamentos capazes de gerar recompensa, como as compras compulsivas, os jogos de azar, a atividade sexual e,
até mesmo, o uso da internet. Crescentes evidências demonstram semelhanças entre os mecanismos neuro-
biológicos desses dois tipos de transtorno, contudo, neste capítulo, serão abordadas mais aprofundadamente
as alterações geradas pelo uso de substâncias.4
De início, convém ressaltar que a adição é uma doença crônica, sem cura, que produz prejuízos
afetivos, profissionais e sociais. Sendo assim, a compreensão dos mecanismos e das possíveis consequências
neurais geradas pela dependência tornam-se de grande importância para o desenvolvimento de tratamentos
mais eficazes.
Este capítulo é dedicado à discussão dos processos neurobiológicos subjacentes ao desenvolvimen-
to da adição em seus diferentes componentes, como tolerância, abstinência, fissura e recaída. Em seguida,
serão abordadas especificamente as substâncias mais comumente associadas à adição e, por último, os tra-
tamentos disponíveis.

1.1 EPIDEMIOLOGIA E CONSIDERAÇÕES DIAGNÓSTICAS


A adição representa um grande problema de saúde pública. Estima-se que, no mundo todo, em
2019, cerca de 35 milhões de pessoas sofriam de transtornos de uso de substâncias, entretanto, somente
uma em cada sete recebia tratamento.5 Outro registro alarmante mostra que, em 2017, a dependência de
substâncias foi responsável por 585 mil óbitos no mundo.5 Segundo dados disponíveis no DSM-5 (Manual
Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-quinta edição), o consumo de tabaco e de álcool são os mais
prevalentes entre indivíduos maiores de 18 anos nos Estados Unidos.6
Transtorno por uso de substância é o termo introduzido pelo DSM-5 em substituição aos termos
“abuso” e “dependência”, propostos pelo DSM-IV. Essa substituição reflete o entendimento da natureza

51
dimensional do problema, ou seja, de que se trata de um conjunto de características de comportamento,
Tópicos em Neurociência Clínica

cognição e afeto que se mostram em um continuum, no qual as diferenças se estabelecem pela gravidade
e não pela natureza dos processos em si.6
O transtorno por uso de substância é definido como “um padrão problemático de uso [de qual-
quer substância psicoativa], levando a comprometimento ou sofrimento clinicamente significativo, mani-
festado por meio de pelo menos dois [de onze critérios possíveis], ocorrendo durante um período de 12
meses (Critério A)”.
Os critérios diagnósticos dos transtornos por uso de substancias do DSM-5 (tabela 1) represen-
tam a divisão das alterações comportamentais e neurobiológicas em quatro agrupamentos: baixo controle
(critérios 1-4); deterioração social (critérios 5-7); uso arriscado (critérios 8-9); critérios farmacológicos (cri-
térios 10-11). 6
Quanto à gravidade, a presença de 2 ou 3 critérios caracteriza um transtorno por uso de substância
“leve”; 4 ou 5, um transtorno “moderado”; ao passo que o “grave” possui ao menos 6 sintomas.

Tabela 1 - Critérios do DSM-5 para diagnóstico do transtorno por uso de substância6

A. Um padrão problemático de uso de [uma determinada substância], levando a comprometimento ou


sofrimento clinicamente significativo, manifestado por pelo menos dois dos seguintes critérios, ocorrendo
durante um período de 12 meses:
1. A substância é frequentemente consumida em maiores quantidades, ou por um período mais longo do
que o pretendido.
2. Existe um desejo persistente ou esforços malsucedidos no sentido de reduzir ou controlar o uso da
substância.
3. Muito tempo é gasto em atividades necessárias para obtenção da substância, na utilização da substân-
cia ou na recuperação dos seus efeitos.
4. Fissura, ou forte desejo ou necessidade de usar a substância.
5. Uso recorrente da substância, resultando no fracasso de desempenhar papéis importantes no trabalho,
na escola ou em casa.
6. Uso continuado da substância , apesar de problemas sociais ou interpessoais persistentes ou recorren-
tes causados ou exacerbados por seus efeitos.
7. Importantes atividades sociais, profissionais ou recreacionais são abandonadas ou reduzidas em função
do uso de substância.
8. Uso recorrente da substância em situações nas quais isso representa um perigo à integridade física.
9. O uso de substância é mantido apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persis-
tente ou recorrente que tende a ser causado ou exacerbado pela substância.
10. Tolerância, definida por qualquer um dos seguintes aspectos:
a. Necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para alcançar intoxicação ou o
efeito desejado;
b. Efeito acentuadamente menor com o uso continuado da mesma quantidade de substância.
11. Abstinência, manifestada por qualquer dos seguintes aspectos:
a. Síndrome de abstinência característica da substância (consultar os critérios para síndrome de abstinên-
cia específicos para cada droga)
b. A substância (ou uma outra substância estritamente relacionada) é consumida para aliviar ou evitar os
sintomas de abstinência.

Especificar a gravidade atual: leve: presença de 2 ou 3 sintomas; moderada: presença de 4 ou 5 sintomas; grave: pre-
sença de 6 ou mais sintomas.

52
O DSM-5 reconhece dez classes de substâncias, cujo consumo pode se associar a transtornos: ál-

Tópicos em Neurociência Clínica


cool, cafeína, Cannabis, alucinógenos, inalantes, opioides, sedativos, hipnóticos e ansiolíticos, estimulantes,
e outras substâncias.
A 11ª versão da Classificação Internacional das Doenças (CID-11), elaborada pela Organização Mun-
dial de Saúde (OMS), entrou em vigor em janeiro de 2022. A CID-11 introduziu o termo Transtornos Devido
ao Uso de Substâncias e Dependências Comportamentais (Disorders due to Substance Use and Addictive
Behaviours), reconhecendo a proximidade comportamental e neurobiológica entre padrões de consumo de
substâncias e comportamentos repetitivos que podem gerar dependência.
Assim como o DSM-5, a CID-11 também enfatiza a compreensão de que o padrão de uso de subs-
tâncias ocorre em um espectro de gravidade, mas difere daquele por aplicar denominações específicas para
os seus diferentes estágios. Assim, a CID-11 reconhece a Dependência, mas também o Padrão de Uso Nocivo,
o Uso Arriscado e o Episódio de Uso Nocivo como diagnósticos específicos (tabela 2).
O fato de atribuir dimensão diagnóstica a comportamentos muitas vezes vistos socialmente como
aceitáveis e inofensivos sinaliza o reconhecimento pela OMS da gravidade dos problemas associados ao uso
de substâncias em termos de saúde pública no mundo e sua intenção de ser uma ferramenta de detecção
precoce, para que medidas de prevenção da dependência possam ser iniciadas.

Tabela 2 - Classificação dos transtornos devido ao uso de substâncias pela CID-11

A Dependência é definida como um distúrbio de regulação decorrente do uso repetido ou contínuo. O


traço característico é um forte impulso interno, que se manifesta pela capacidade prejudicada de con-
trolar o consumo, aumentando a prioridade dada à substância sobre outras atividades e a persistência
do uso apesar de danos ou consequências negativas. Essas características geralmente são evidentes por
um período de 12 meses, porém o diagnóstico pode ser feito se o uso da substância for contínuo (diaria-
mente ou quase diariamente) por pelo menos 1 mês.

O Padrão de Uso Nocivo é definido como um padrão de uso que já causou danos à saúde física ou men-
tal de um indivíduo ou resultou em comportamento danoso à saúde de terceiros. É um diagnóstico de
sub-dependência que abrange muitos padrões diferentes de consumo e danos. O diagnóstico de Padrão
Nocivo não tem seu correspondente no DSM-5.
O Uso Arriscado é definido como um padrão de uso que aumenta consideravelmente o risco de conse-
quências prejudiciais à saúde física ou mental do usuário ou de terceiros, a ponto de merecer atenção
e aconselhamento de profissionais de saúde. O aumento do risco se dá tanto pela frequência de uso
quanto pela quantidade utilizada em determinada ocasião ou, ainda, por comportamentos de risco asso-
ciados ao uso de substância. Esta nova categoria está incluída dentro de um capítulo separado e também
não tem equivalente direto no DSM-5.

Um novo diagnóstico na CID-11 é o Episódio de Uso Nocivo de Substância, que envolve principalmente
danos agudos à saúde, além dos sintomas de intoxicação aguda ou abstinência, e comumente lesões.

2 CONCEITOS

2.1 ADIÇÃO
A adição ou dependência é uma condição na qual o indivíduo sente frequentemente uma motiva-
ção intensa para ingerir certa substância ou para ter um determinado comportamento, mesmo tendo ciência
dos prejuízos que isso lhe causa.6 A adição se acompanha de mudanças funcionais no cérebro que envolvem
o sistema de recompensa, de resposta ao estresse e de autocontrole, que podem persistir por meses, mesmo
após a interrupção do consumo/comportamento.7
53
A relação de dependência pode se estabelecer com substâncias, como as drogas lícitas e ilícitas
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(como álcool, nicotina, cocaína, heroína e crack), os medicamentos (analgésicos e ansiolíticos), e também
com comportamentos que geram prazer (sexo, compras, apostas, redes sociais, incluindo o trabalho).6
Existem seis elementos principais que caracterizam a adição:8
• Saliência: Consiste na importância excessiva atribuída a determinado objeto, ou comportamento.
Trata-se de uma distorção na percepção e na atribuição de valor, de forma que, para o indivíduo, a
substância, ou as circunstâncias associadas à sua aquisição tornam-se mais relevantes que os diversos
outros componentes de sua vida, como trabalho, família, recreação, convívio social etc.
• Alterações de humor: podem se manifestar como tristeza, cansaço, perda de motivação, irritabilida-
de, insônia ou medo, podendo ocorrer durante a utilização, na ausência ou mesmo na possibilidade de
ficar sem o uso da substância.
• Abstinência: compreende mudanças no comportamento físico e mental da pessoa quando ela inter-
rompe, ou reduz o consumo da substância ou o comportamento do qual é dependente. Dentre as al-
terações comumente encontradas estão o tremor, o aumento da pressão sanguínea, a irritabilidade, a
ansiedade, podendo até ocorrerem crises convulsivas. A gravidade, a duração e os sintomas específicos
da abstinência dependem do tipo de substância consumida.
• Recaída: o retorno ao comportamento de dependência, após período de remissão.
• Conflito: compreende a ambivalência em relação ao comportamento de dependência com motivação
simultânea para cessá-la e perpetuá-la.
• Tolerância: necessidade de doses maiores de uma determinada substância para se obter o mesmo
efeito inicial.

A dependência de substâncias pode ser definida como um transtorno crônico, compulsivo, que per-
faz um círculo vicioso de três estágios: compulsão/intoxicação, abstinência e preocupação/antecipação.9,10 A
etapa de compulsão/intoxicação se caracteriza por grande impulsividade e compulsividade pelo uso; a fase
de abstinência é desencadeada após a redução ou interrupção do consumo; e a preocupação/antecipação
corresponde ao processo de recaída.11

2.2 IMPULSIVIDADE E COMPULSIVIDADE


Impulsividade envolve a tendência de agir sem ponderação sobre os possíveis resultados da ação. O
comportamento impulsivo é parte do fenômeno da adição, sendo o consumo voltado para a busca de prazer
imediato, ou de alívio para o desconforto gerado pela abstinência.10
A compulsão caracteriza-se por um padrão de comportamento repetitivo e persistente, associado
ou não a um objetivo, cujo principal intuito é aliviar temporariamente a tensão emocional que aumenta com
a inibição desse comportamento.10 Sabe-se que a impulsividade e a compulsividade compartilham circuitos
cerebrais, estando ambas associadas a déficits no controle inibitório do córtex pré-frontal.12 Dessa forma, é
comum estarem presentes e coexistirem nas diversas fases do ciclo de dependência.10

3 O CÉREBRO DE UMA PESSOA ADICTA

3.1 OS CIRCUITOS FRONTOESTRIATAIS E O SISTEMA DE RECOMPENSA


A dependência química e comportamental é compreendida como uma desordem neurobiológica
que afeta principalmente o sistema de recompensa do cérebro. Em um indivíduo saudável, esse circuito

54
é responsável pelas sensações de prazer e, assim, reforça os comportamentos essenciais para a sobrevi-

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vência, tais como, comer, beber, reproduzir-se e socializar-se. Esse sistema está associado também à mo-
tivação, ao estresse e à memória, fazendo o cérebro perceber e gravar eventos relevantes. O consumo de
substâncias de abuso altera esse sistema, levando o indivíduo a agir como se a droga fosse fundamental à
sua sobrevivência.6,10
Os circuitos frontoestriatais são alças neuronais moduladas pela dopamina que formam quatro tra-
tos córtico-estriado-tálamo-corticais, os quais controlam o comportamento: via mesocortical, via mesolímbi-
ca, via nigroestriatal e via túbero-infundibular. Esses circuitos transmitem informações do córtex— através do
corpo estriado— ao tálamo e então de volta ao córtex. As alças frontoestriatais— em particular a alça meso-
cortical, que se inicia no córtex dorsolateral pré-frontal (DLPFC)— estão envolvidas com as funções executivas
que permitem a realização de atos planejados e voltados para objetivos particulares. Seu mau funcionamento
pode levar a escolhas impulsivas.13
O corpo estriado (núcleo caudado, putâmen, nucleus accumbens) seleciona a ação, escolhendo
entre duas ou mais possibilidades diferentes de comando, sendo assim uma estação intermediária entre o
córtex cerebral— que dita os comportamentos motores— e os sistemas de execução. A eferência inibitória
tônica do corpo estriado para o tálamo impede a execução de comportamentos motores indesejados. Já o
alívio seletivo desta inibição permite a execução de um determinado ato motor, mantendo paralelamente
a repressão sobre outros. Assim, comandos para diferentes comportamentos motores podem ser desini-
bidos seletivamente.
A seletividade é particularmente importante quando o estriado recebe do córtex comandos para
ações incompatíveis. Então cabe a ele escolher o mais adequado a partir da integração de informações
menmônicas e sensoriais (viscerais, proprioceptivas, visuais, táteis, etc). Esta função de seleção é parti-
cularmente significativa, quando as ações alternativas têm benefícios relativos muito diferentes, como é
o caso do chamado desconto temporal (receber uma recompensa menor, porém mais precocemente, ou
receber uma recompensa maior, mas tendo que esperar mais tempo por ela) ou do desconto probabilís-
tico (escolher em favor de uma recompensa menor, mas mais certeira, ou uma recompensa maior, porém
menos provável).
A dopamina, liberada pelo mesencéfalo, interage com receptores dos neurônios corticais e estria-
tais, associando-se tanto à representação da experiência de recompensa, quanto à da sua antecipação, de
forma que a recordação da experiência passada de recompensa e a imagem de sua repetição no futuro in-
fluenciam nossa escolha de comportamentos.14
Resumidamente, enquanto o estriado direciona para ações voltadas para a busca de recompensa,
o córtex pré-frontal— em especial o DLPFC, mas também o córtex cingulado anterior e o córtex pré-frontal
ventro-medial— exerce um controle de cima para baixo (top-down regulation), ponderando os resultados de
ações alternativas, suprimindo atos arriscados e potencializando os benéficos.15
O sistema de recompensa é basicamente um circuito em série, modulado por vias dopaminérgicas,
que liga a área tegmental ventral (ventral tegmental area-VTA), localizada na porção ventro-medial do me-
sencéfalo, ao nucleus accumbens e ao globo pálido ventral, por meio do feixe do prosencéfalo medial.16 (Figu-
ra 1). O modelo mais bem estabelecido para o desenvolvimento da adição propõe a sua origem na disfunção
de duas vias dopaminérgicas: a mesolímbica, que abrange as aferências da VTA para o nucleus accumbens e
a via mesocortical, que envolve a VTA, o núcleo caudado e o DLPFC.

55
Tópicos em Neurociência Clínica

Córtex pré-Frontal

Nucleus accumbens

Via mesocortical

Via nigroestriatal

Via
tuberoinfundibular
Substância Negra

Via mesolímbica Área Tegmental ventral

Figura 1 – A figura representa as vias dopaminérgicas e as regiões anatômicas correspondentes. As duas principais vias
associadas à adição compreendem a via mesolimbica, com origem na VTA (área tegmental ventral) e se dirigindo ao
nucleus accumbens; e via mesocortical, originando-se na VTA e seguindo em direção ao córtex pré-frontal.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.

Anteriormente, acreditava-se que a dopamina estivesse diretamente ligada à sensação de eufo-


ria. Contudo, estudos em camundongos com depleção de dopamina na via mesolímbica constataram que
a depleção não necessariamente reduz a sensação de prazer associada à recompensa, mas sim diminui o
comportamento de busca da mesma, por exemplo, os animais passam menos tempo procurando comida.
Atualmente, a dopamina é associada à atribuição de saliência e à facilitação de formação de memória.17-19
A saliência e a formação de memória se desenvolvem dentro de um processo de transmissão si-
náptica com a ação do glutamato. Quando se experimenta uma sensação de prazer, a dopamina é liberadada
pela VTA para o nucleus accumbens que, por meio das vias mesocortical e mesolímbica, alcança regiões como
o córtex, a amígdala e o estriado dorsal, estimulando a liberação de glutamato— essencial na formação do
traço de memória.19
O glutamato é um neurotransmissor excitatório que promove através de seus diferentes receptores
a entrada de sódio, mas também de cálcio no neurônio. Por sua vez, o cálcio intracelular provoca uma série de
reações enzimáticas em cadeia que resultam na migração de mais receptores para a superfície da membrana
pós-sináptica e em alterações na configuração dos canais iônicos que consistem no correlato bioquímico de
uma forma de neuroplasticidade— a potenciação de longo prazo, também conhecida pela sentença: “neurô-
nios que disparam juntos crescem juntos”. Em outras palavras, a potenciação de longo prazo faz com que a
chance de um neurônio disparar o potencial de ação, quando o outro também disparar, aumente e por isso
se diz que houve fortalecimento da sinapse entre eles.
Outros neurotransmissores importantes nesse sistema são os opioides. Eles se ligam principalmen-
te aos receptores µ, mas também ao δ, κ e ORL1, presentes na superfície de neurônios no putâmen, no
núcleo caudado e no globo pálido. Além da inibição da percepção de dor, os opioides se relacionam ao com-
ponente hedônico do consumo de substância. Eles também inibem a liberação de GABA. Ora, os neurônios
gabaérgicos exercem inibição tônica sobre os neurônios dopaminérgicos na VTA e assim a sua inibição pro-
move indiretamente a liberação de dopamina para o nucleus accumbens.18, 20, 21. Portanto, as drogas de abuso
56
podem agir sobre os sistemas de neurotransmissão, aumentando diretamente os níveis de dopamina, como

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ocorre com a cocaína e as anfetaminas —que inibem a sua recaptação na fenda sináptica—, ou facilitando a
sua liberação através de inibição gabaérgica, como se verifica com os opiáceos e o álcool.

3.2 TOMADA DE DECISÕES, MEMÓRIA CONDICIONADA E GATILHOS


A decisão inicial em fazer o uso de uma determinada substância geralmente é voluntária, contudo
o uso contínuo interfere nas funções neuropsicológicas, como a capacidade de autocontrole, tornando o
consumo um ato compulsivo.16 Via de regra, no início, o uso de substância resulta em efeitos de redução de
ansiedade, euforia, sensação de aumento da capacidade mental e física, além de alterações na percepção
sensorial, que também pode induzir ao desenvolvimento de transtornos mentais graves, como transtornos
psicóticos, afetivos e de ansiedade.6 O uso continuado de substâncias leva à neuroplasticidade maladapta-
tiva com redução da sensibilidade do sistema de recompensa, disfunção executiva e aumento da resposta
ao estresse.22
Estudos em modelos animais fornecem evidências de que a adição está fortemente vinculada aos
processos de condicionamento, que são formas de aprendizado inconsciente e involuntário, por meio dos
quais um estímulo se associa a outro. Por exemplo, nos experimentos de condicionamento clássico do fisio-
logista Ivan Pavlov, o cão, de início, demonstrava uma resposta fisiológica de salivação, quando exposto ao
alimento (estímulo não condicionado). Na fase seguinte, a exposição passou a ser antecipada por um som
específico (estímulo condicionado). Após alguns ensaios, o animal aprendeu a associar o som à oferta de ali-
mento, de modo que a simples presença do som, mesmo sem o alimento, induzia-o à salivação. Pavlov assim
demonstrou como uma resposta reflexa, não aprendida, é modificada pelo aprendizado associativo.
Já nos experimentos de condicionamento operante, o animal aprende a associar um determinado
comportamento a um resultado específico. Por exemplo, apertar uma haste para obter alimento, de forma
que esse aprendizado muda o repertório comportamental do animal, aumentando a probabilidade de ele
apresentar o comportamento condicionado.23
No contexto da dependência, o condicionamento clássico ocorre quando fatores ambientais ante-
riormente neutros – por exemplo, determinado local, objetos, pessoas, situações – são associados à expe-
riência de consumo da substância, produzindo respostas de aumento da liberação de dopamina, mesmo na
sua ausência.
O uso contínuo de substâncias de abuso gera repetidos picos de liberação de dopamina e, assim,
o cérebro aprende que determinado estímulo ambiental (neutro) prediz a apresentação da recompensa.
Ocorre, então, uma adaptação cerebral, na qual os neurônios que antes se despolarizavam, liberando o neu-
rotransmissor durante o consumo da substância, passam a se despolarizar quando expostos aos estímulos
condicionados que preveem essa recompensa. Desta maneira, o estímulo neutro torna-se o próprio sinal de
recompensa.17, 24
O condicionamento operante, no contexto da adição, ocorre quando a pessoa com dependência,
pela formação da memória associativa inconsciente, repete atos que, no passado, geraram recompensas, tais
como, voltar a frequentar um ambiente onde consumia a substância.
A memória condicionada vincula a experiência de abuso a pistas ambientais, como locais (um bar
ou uma rua onde a pessoa consumia a substância de abuso), objetos (roupas, ou a parafernália que usava
no momento do consumo), pessoas (amigos, traficante), cheiros, músicas, etc. Este processo corresponde ao
condicionamento clássico, que resulta na fissura e no comportamento de busca da substância, que caracteri-
za o condicionamento operante. Por isso, o reconhecimento dos gatilhos ambientais da fissura e o desenvol-
vimento de estratégias de evitação e enfrentamento são elementos essenciais da psicoterapia do transtorno
por uso de substâncias.

57
Em uma visão anatômica, as áreas cerebrais associadas ao desenvolvimento da dependência são:
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1) Nucleus accumbens, VTA e pallidum ventral: circuito da saliência com sinalização do estímulo de
recompensa;
2) Amígdala, córtex orbitofrontal, hipocampo e estriado dorsal: Formação da memória associativa/
condicionamento;
3) Córtex pré-frontal, córtex orbitofrontal e giro cingulado anterior: Controle executivo;
4) Córtex orbitofrontal, giro cingulado anterior, VTA e estriado dorsal: Controle da motivação e inibi-
ção de atos impulsivos.

3.3 ALTERAÇÕES GERADAS POR NEUROPLASTICIDADE MAL-ADAPTATIVA: FISSURA, TOLERÂNCIA


E ABSTINÊNCIA

3.3.1 Fissura
A fissura caracteriza-se por desejo ou necessidade intensa de usar a substância. Ela pode ocorrer
a qualquer momento, mas, em geral, está ligada aos gatilhos e à abstinência. Muitas vezes, é descrita como
uma vontade tão grande ao ponto de não se conseguir pensar em mais nada. Esse estado é considerado um
sinal de recaída iminente, um fator crítico para o desenvolvimento do uso compulsivo e da dependência de
substâncias.6, 25 Em momentos de fissura, a pessoa tem sua capacidade de escolha e discernimento reduzidas,
focando suas atitudes na obtenção da substância, o que frequentemente leva à desconsideração dos seus
valores éticos e envolvimento com atividades criminosas, ou imorais.25

3.3.2 Tolerância
A tolerância é um fenômeno comum na dependência, contudo, não é necessária e nem suficien-
te para causá-la. É definida como a redução no efeito após administração prolongada de um determinado
fármaco que resulta em perda de sua potência, evidente pelo desvio farmacológico para a direita na curva
dose-resposta. Como resultado, é necessário aumentar a dose de consumo para se obter o efeito inicial.
A tolerância acontece porque o uso prolongado leva o cérebro a estabelecer um novo equilíbrio
químico. Nesse processo, os neurônios, como em um “mecanismo de defesa” diante da superestimulação
gerada pela substância, promovem uma dessensibilização por meio da redução do número, ou da afinidade
dos receptores na membrana celular ou da diminuição da produção de neurotransmissores, caracterizando,
assim, o processo de down regulation.16, 26, 27
Outro mecanismo importante é chamado de up regulation, no qual ocorre o inverso. A baixa sina-
lização feita por um neurotransmissor estimula o aumento do número de receptores na superfície neuronal,
numa tentativa de aumentar a sensibilidade celular à substância. Sabe-se que o aumento na liberação de
dopamina, gerado pelo abuso de substâncias, desencadeia vários mecanismos de plasticidade sináptica, po-
dendo fortalecer (por up regulation) ou enfraquecer (por down regulation) a conectividade entre diversas
regiões do sistema de recompensa.27
Na adição, a neuroplasticidade induzida pelo uso de substâncias está relacionada com respostas
epigenéticas, nas quais estímulos do ambiente são capazes de gerar o silenciamento da expressão gênica e a
edição do RNA e da sua tradução, como ocorre nos mecanismos down e up regulation.27
O grau de tolerância varia de acordo com o tipo de substância, o padrão de exposição (regular, oca-
sional etc.) e o estágio de desenvolvimento do sistema nervoso (na adolescência a tolerância se desenvolve
de forma mais acelerada).28 Além disso, nem todas as substâncias possuem a capacidade de produzir tolerân-
cia. A cocaína, por exemplo, praticamente não induz esse processo. 29, 30 Contudo, a maioria das substâncias

58
comercializadas atualmente geram algum grau de tolerância, como o álcool, a nicotina, os benzodiazepínicos

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e grande parte dos opioides.31-34 Já substâncias, como o crack e a heroína são capazes de desenvolver rapida-
mente e de forma severa a tolerância.35, 36
Esses mecanismos cerebrais produzem consequências negativas ao indivíduo, pois não só a sensa-
ção de euforia relacionada ao consumo da substância é afetada, mas a capacidade geral de experimentar o
prazer. Dessa maneira, o sistema de recompensa deixa de responder também aos estímulos cotidianos, como
comida, sexo e atividades sociais e a pessoa passa a se sentir rotineiramente deprimida.
Nesse momento, o indivíduo continua a usar a substância apenas para sentir-se normal, sem a sen-
sação de êxtase antes experimentada. Estabelece-se, então, um ciclo vicioso que se intensifica cada vez mais.
Com o tempo, a droga diminuirá sua capacidade de produzir recompensa e o indivíduo precisará de doses
cada vez maiores para ter alguma sensação de prazer.

3.3.3 Abstinência
A síndrome da abstinência corresponde a um conjunto de sintomas somáticos e autonômicos após
a interrupção abrupta do fornecimento da substância .37 As condições clínicas variam de acordo com o tipo
de droga utilizado, podendo ocorrer hiperatividade autonômica, agitação, tremores, taquicardia, febre, su-
dorese, irritabilidade, ansiedade, problemas de concentração e memória, alterações no sono, dentre outros
sintomas. Nos casos mais severos, pode haver alucinações, convulsões, delirium tremens e coma.38
A síndrome de abstinência prolongada pode desencadear recaídas, pois, na tentativa de conter os
sintomas, o paciente volta a fazer uso da droga.
A tolerância e a abstinência são duas faces da mesma moeda. O uso da droga induz o cérebro a
respostas epigenéticas e neuroplásticas, de modo a se adaptar ao seu consumo e, assim, quando o mesmo é
subitamente cessado, ocorre descompensação, uma vez que inúmeros neurônios passam por uma mudança
brusca em seu padrão usual de inibição/excitação.
Sumarizando o que foi explicado acima, o modelo explicativo mais aceito para a adição propõe que
sua evolução aconteça em três estágios: primeiro, binge/intoxicação— resultante da disfunção de redes neu-
rais frontoestriatais que respondem pela atribuição de saliência à droga, motivação e comportamento impul-
sivo; segundo, abstinência/afetos negativos- associado à ativação de áreas límbicas de resposta ao estresse,
destacando-se a amígdala; terceiro, preocupação/antecipação (craving/fissura) com recrutamento de áreas
límbicas relacionadas ao estresse e do córtex pré-frontal. Durante a fase de aquisição, caracterizada por epi-
sódios de intoxicação, o uso da substância provem da busca de experiência hedônica, mas evolui para a fase
na qual o consumo é movido pela tentativa de atenuação dos sintomas negativos da abstinência, passando
a ser compulsivo, ou seja, repetitivo e guiado por urgência intensa e inadiável, porém, sem proporcionar o
prazer esperado. Além disso, instala-se gradualmente disfunção do córtex pré-frontal com prejuízo na aten-
ção seletiva, na inibição de comportamentos impulsivos e na tomada de decisões.39 Deste modo a repetição
do consumo da substância em si provoca mudanças neuroplásticas maladaptativas com desregulação de
circuitos motivacionais, déficits no sistema de recompensa e comprometimento das funções executivas, que
explicariam a transição do uso recreacional para a adição.40

4 FATORES DE RISCO

O consumo de uma determinada droga por si só não induz necessariamente à adição. Caracterís-
ticas genéticas, fatores do ambiente, idade do início de uso e interações sociais estão entre os principais
responsáveis pelo desenvolvimento do transtorno por uso de substâncias.14

59
Entre os fatores hereditários, diversos genes já foram identificados como transmissores de vulne-
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rabilidade à dependência. Eles agem tanto em receptores, quanto nos próprios neurotransmissores e, até
mesmo, no metabolismo das drogas.10 Por exemplo, polimorfismos no gene do receptor do hormônio libera-
dor de corticotrofina (CRHR1) estão associados ao consumo excessivo de álcool. As alterações no gene dos
receptores de acetilcolina, com a dependência de nicotina; e variações polimórficas no receptor de glutamato
AMPA-seletivo (CNIH3), com a adição aos opioides.
Além disso, a exposição paterna às drogas pode provocar mudanças epigenéticas, ou seja, altera-
ções no material genético ocasionadas por fatores ambientais, que são transmitidas pela linhagem germinati-
va, gerando, na prole, maior suscetibilidade à adição.41 Já alelos específicos que codificam enzimas envolvidas
no metabolismo do álcool, como a álcool desidrogenase (ADH1B) e a acetaldeído desidrogenase (ALDH2),
mostram-se protetores contra o abuso de álcool. Do mesmo modo, polimorfismos nos genes do citocromo
P450 2A6 e 2D6, que metabolizam nicotina e opioides, podem proteger contra a dependência de nicotina.10
Por outro lado, o ambiente está muitas vezes relacionado à propensão ao uso de substâncias e ao
desenvolvimento da adição. Condições, tais como baixo nível socioeconômico, falta de apoio social, uso de
drogas pelos pais ou responsáveis, depressão, influência de colegas, disponibilidade de drogas na vizinhança
estão entre os principais fatores de risco.10
Experiências traumáticas na infância estão fortemente ligadas ao transtorno por uso de substâncias.
Estudos afirmam que apenas 15% dos usuários de cocaína não sofreram abuso ou negligência na infância. A
literatura sugere que 60-84% das mulheres adultas que estavam em programas de tratamento para depen-
dência foram vítimas de abuso sexual na infância. Um estudo em Nova Iorque, em 2009, revelou que metade
dos moradores de rua usuários de crack haviam sofrido abuso físico por mães ou parceiros destas. Sabe-se
também que esses fatos podem influenciar a magnitude da recaída após períodos de abstinência.42
Com efeito, o comportamento de busca de recompensa é impulsionado pelo nucleus accumbens
e estriado (NAc / Estriado), mas é inibido/controlado pelo córtex pré-frontal (PFC) através das funções exe-
cutivas. O resultado é o desempenho de comportamentos equilibrados e direcionados a metas. Todavia, em
adultos que sofreram abuso na infância, por mecanismos epigenéticos, a expressão do fator liberador de
corticotrofina (CRF) pelo hipotálamo e de dopamina pela área tegmental ventral (VTA) são modificados, pro-
piciando comportamentos impulsivos. A superexpressão de glicocorticoides (que resulta da hiperativação do
eixo hipotálamo-hipófise-adrenal) também pode causar atrofia do PFC, o que prejudica o desempenho das
funções executivas, agravando a impulsividade.43
Quanto ao fator idade de início, embora o uso de drogas em qualquer idade possa levar à adição, o
início precoce de uso está associado ao aumento do risco de evolução para dependência.44 Esse cenário é par-
ticularmente problemático na adolescência, pois neste período as áreas cerebrais que controlam a tomada
de decisões, o julgamento e o autocontrole ainda estão em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a pressão
do grupo, o desejo de pertencimento e aceitação e a definição da própria identidade são desafios emocionais
que podem predispor a ações impulsivas e a comportamentos de risco.45
Dificuldades na autorregulação emocional também são apontadas como fatores de propensão à
dependência, por se associarem à busca de recompensa imediata como mecanismo de compensação.45
A via de administração da droga também influencia na dependência. Estudos indicam que quanto
mais rapidamente adentra o cérebro, mais aditiva ela se torna. Isso porque a velocidade de aumento da sua
concentração cerebral intensifica os seus efeitos de reforço.24, 41
Os sistemas cerebrais envolvidos na dependência não são exclusivos da adição, uma vez que estão
relacionados com a psicopatologia de múltiplas doenças psiquiátricas, como a esquizofrenia, o transtorno do
déficit de atenção e hiperatividade, o transtorno obsessivo-compulsivo e o transtorno do estresse pós-trau-
mático. Por diferentes vias —maior impulsividade, menor autorregulação emocional, disfunção executiva,

60
sofrimento psíquico, exclusão social, estigma— indivíduos com transtornos mentais são mais vulneráveis ao

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uso de drogas. O influxo de dopamina gerado pelo seu consumo é capaz de aliviar temporariamente alguns
sintomas psiquiátricos, contudo, a administração repetida causa dessensibilização, o que acaba por exacerbar
as apresentações clínicas dos pacientes. Comumente, o abuso de substâncias também pode desencadear
adoecimento mental, como transtornos de ansiedade, de humor e até mesmo transtornos psicóticos.3, 46
A impulsividade está diretamente relacionada tanto com abuso de substâncias, quanto com com-
portamento suicida. Um estudo com usuários em Portugal concluiu que 10,9% desse grupo já havia tentado
suicídio, enquanto que na população geral esse percentual varia de 3% a 5%.47 Outro estudo com estudantes
na Turquia demonstrou que o uso de substâncias de abuso favorece o surgimento de traços psicológicos ne-
gativos, como depressão, isolamento e ideação suicida.48 Sendo assim, a impulsividade é, ao mesmo tempo,
um fator de risco para a adição, como também uma consequência da mesma, pois o uso de substâncias pre-
judica circuitos associados ao autocontrole comportamental.

5 TRATAMENTO

A adição é uma condição com muitas particularidades, sendo assim, seu tratamento necessita ser
multifacetado. É de extrema importância abordar questões como diminuir as propriedades de reforço do
consumo da substância, incrementar outras fontes de recompensa , inibir comportamentos condicionados,
aumentar a motivação e fortalecer o autocontrole inibitório no processo terapêutico.14
Atualmente, não existem tratamentos específicos para a adição, entretanto, as abordagens que
combinam o uso de fármacos com a psicoterapia têm melhores chances de sucesso que estratégias isola-
das. Além disso, o tratamento de comorbidades psiquiátricas, como depressão, bipolaridade e esquizofrenia,
contribui para melhores resultados, uma vez que estabilizando o quadro psíquico desse paciente, as chances
de recaída são menores. É importante considerar aqui as particularidades de cada paciente —sua situação
socioeconômica, sua rede de apoio sociofamiliar, seu padrão de consumo e o tipo de substância consumida. 46
Em casos específicos, algumas medicações são essenciais para auxiliar o paciente no processo de
desintoxicação e na redução dos sintomas de abstinência. Os fármacos indicados permitem que o cérebro se
adapte gradualmente à ausência da droga, ajudando na prevenção da fissura e da recaída. Contudo, são pou-
cos os fármacos hoje disponíveis para esse fim. Em geral, os mais aceitos e mais utilizados são a metadona, a
naltrexona, o topiramato e a buprenorfina.
A metadona é um agonista dos receptores de opioide. Suas características farmacocinéticas, como a
meia-vida longa, permitem que seja usada no tratamento dos transtornos por uso de opioides, com redução
progressiva da dose até sua retirada completa.49,50
A naltrexona é um antagonista opioide. Isso implica no fato de ela se ligar aos receptores opioides,
mas não ativar a resposta hedônica mediada pelo receptor. Além disso, ela inibe por competição a ligação
com outros tipos de opioides, como a heroína. Sabe-se que sua administração não produz efeitos psíquicos
significativos em indivíduos não dependentes. Admite-se que sua ação atenue o craving por reduzir a libe-
ração de dopamina pela área tegmental ventral para o estriado (que é mediada por opioide) associada ao
consumo de substâncias aditivas.20, 49, 51
O topiramato age bloqueando canais de sódio voltagem-dependentes, potencializando a atividade
gabaérgica e reduzindo a atividade excitatória do glutamato. O aumento da atividade do GABA resulta em
inibição da liberação de dopamina.20, 52
A buprenorfina é um agonista parcial do receptor opioide do tipo µ, ou seja, ela é capaz de estimu-
lar o receptor, gerando, porém, efeitos mais leves que outros opioides, como por exemplo, a heroína. Assim

61
como a metadona, esse fármaco é retirado aos poucos, durante o tratamento, até que seu uso possa ser
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interrompido.19, 49
Como visto, durante a terapêutica, os medicamentos têm suas doses reduzidas gradualmente para
que o paciente possa se ajustar à ausência deles. Existem, basicamente, três fases de administração das medi-
cações: indução, estabilização e manutenção. A evolução de tais etapas é muito particular em cada paciente,
sendo o tempo de tratamento individualizado.53
A fim de reduzir os sintomas na fase aguda da abstinência, podem-se utilizar benzodiazepínicos,
que auxiliam na ansiedade e na insônia, antieméticos (para redução de náuseas e vômitos), antidiarreicos
(controle da diarreia) e anti-inflamatórios, usados em casos de dor.53
Além dos medicamentos, medidas psicoterápicas e psicossociais são elementos fundamentais no
tratamento. Uma das técnicas mais utilizadas é a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que aborda ques-
tões como a influência das drogas nos diversos aspectos da vida, a motivação para a mudança, a adesão à
medicação, o reconhecimento dos gatilhos de recaída e o aprendizado de estratégias para enfrentá-los.54 O
manejo de contingências comportamentais ou gestão de contingência é uma estratégia no contexto da TCC,
que consiste em fornecer recompensas mediante amostras de urina que comprovem a ausência do consumo
da substância de abuso. Quando aplicada junto ao reforço da comunidade (fortalecimento das relações com
familiares, amigos e pessoas significativas), tem apresentado resultados positivos.54
Grupos de autoajuda, como os Alcoólicos Anônimos (AA) e os Narcóticos Anônimos (NA) oferecem
em reuniões privadas suporte solidário, compartilhamento de conquistas e apoio mútuo, visando a abstinên-
cia completa.53 Eles atuam sob a forma de grupos locais em mais de 150 países.
O “Programa dos 12 Passos”, que é parte do pensamento dos AA, consiste em encorajar a pessoa
com dependência a admitir sua impotência pessoal e crer em um poder superior, também chamado de Deus,
que lhe concederá o perdão e lhe ajudará no processo de tratamento. Ela é encorajada a passar por uma
profunda avaliação pessoal, sendo incentivada a mudar comportamentos e reparar os erros cometidos.55, 56
Outra abordagem que vem sendo investigada é a meditação mindfulness, que consiste no treina-
mento em manter a atenção focada na observação imparcial dos próprios pensamentos e emoções. Esta
prática resulta no desenvolvimento de habilidades de autorregulação emocional e controle de respostas im-
pulsivas, mostrando resultados na prevenção de recaída.56
Dentro do cenário destrutivo causado pelo abuso de substâncias, a prevenção e o tratamento pre-
coce ganham significativa importância. Aqui, um exemplo interessante é o modelo do programa escolar euro-
peu Unplugged, elaborado com o intuito de desenvolver a percepção de risco, o pensamento crítico, habilida-
des de comunicação e capacidade de recusa, resolução de problemas e tomada de decisões em adolescentes
de 12 a 14 anos. Fundamentado em 12 aulas em grupos, com treinamentos e discussões, o programa é capaz
de modular atitudes dos jovens sob pressão social e coerção ao uso de substâncias, dessa forma auxiliando
na prevenção do abuso.57, 58
A educação e a conscientização de diferentes atores sociais (pais, educadores, líderes de comuni-
dade) para melhor compreensão dos fatores de risco (biológicos, biográficos e ambientais), reconhecimento
precoce e acolhimento sem estigma das pessoas com transtornos por uso de substâncias é essencial e requer
um esforço conjunto para que se tenha alguma chance de enfrentar essa epidemia do nosso século.59

5.1 RECAÍDA
A recaída significa o retorno ao uso de uma determinada substância, após tentativa de cessá-lo. A
taxa de recaída, um ano após tentativas de interromper o abuso de álcool ou de tabaco, varia de 80% a 95%.
As evidências sugerem que essas cifras não são muito diferentes nos transtornos por uso de outras drogas.60

62
Um estudo com usuários em tratamento, na cidade de São Paulo, constatou que sentimentos de

Tópicos em Neurociência Clínica


frustração, ansiedade, raiva, medo e culpa são as principais emoções envolvidas na recaída. Além disso, si-
tuações como conflitos familiares, convite para festa, convivência em um meio que estimula o uso e a perda
de trabalho foram consideradas pelos pacientes como circunstâncias de alto risco para a volta ao consumo.61
Uma possível explicação para a associação entre situações estressoras e recaída é o fato de o estres-
se estimular o eixo HPA, liberando cortisol. O alto pico desse hormônio está relacionado com comportamen-
tos de risco e com o aumento de quatro vezes na probabilidade de recaída ou de abandono do tratamento.
Isso acontece devido a um fenômeno de sensibilização, no qual a ativação de circuitos de estresse gera o
aumento da neurotransmissão dopaminérgica no sistema mesolímbico e no córtex pré-frontal, resultando
em ativação de circuitos associados a busca de recompensa. 23, 62
A ocorrência de recaídas é significativa durante o tratamento, sendo continuamente necessárias
medidas que auxiliem na sua prevenção. Deve-se ter em mente que se trata de um processo gradual e que é
essencial auxiliar os pacientes no reconhecimento dos sinais de alerta e no desenvolvimento de habilidades
de enfrentamento.63,64

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A adição é um enorme desafio médico e social no século XXI. O número de acometidos e a diversi-
dade das formas de dependência tendem a aumentar. Novas substâncias ilícitas são introduzidas no mercado
e novas vias de acesso a elas são propiciadas às pessoas. Trata-se de um negócio altamente lucrativo e em
constante expansão. Além das repercussões político-estruturais do crime organizado sobre a sociedade e a
nação como um todo, o comportamento de adição é, em si, devastador para a pessoa acometida e todo o seu
entorno. O indivíduo com dependência vive em um estado de distorção perceptiva, no qual o valor atribuído
ao consumo da substância supera todos os demais aspectos de sua vida. Seu comportamento é aprisionado
a um padrão compulsivo e repetitivo que resiste a tentativas de autocontrole e moderação.
Por isso, a adição é hoje compreendida como uma doença cerebral que se desenvolve em pessoas
geneticamente predispostas e expostas aos fatores de vulnerabilidade ambiental, como experiências traumá-
ticas na infância. Em outras palavras, o uso de uma determinada droga não causa dependência na maioria dos
indivíduos e investigações recentes têm demonstrado fatores estatisticamente associados ao desenvolvimen-
to da adição, de modo que o componente genético não é entendido como determinante, mas como um fator
de suscetibilidade que interage de forma dinâmica com os elementos do ambiente.
Uma vez estabelecida, a dependência gera alterações cerebrais significativas, tanto pela ação
tóxica e neurodegenerativa da substância em questão, quanto pela neuroplasticidade de circuitos neu-
rais associados a recompensa, saliência, autocontrole, definição de metas e organização de estratégias.
Como consequência, a capacidade de autodeterminação vai se deteriorando, perpetuando um ciclo de
autodestruição.
A conceituação da dependência de substâncias como doença, embora com amplo respaldo científi-
co, ainda encontra resistência na sociedade, pois configura uma mudança de paradigma que tira o usuário da
posição de criminoso, ou indolente e o coloca como merecedor justo de assistência médica.
Ainda resta muito a ser feito. Além da elucidação dos circuitos envolvidos na origem e na manuten-
ção da adição, é preciso que se elaborem estratégias de detecção de risco e de prevenção na atenção primária
e que se desenvolvam fármacos e técnicas psicoterápicas específicas e mais eficazes.
A adição destrói biografias, famílias e representa um enorme ônus para as nações. Ela não pode ser
vista como um problema individual, mas como uma ameaça a ser enfrentada pela sociedade coletivamente.

63
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66
Capítulo IV

TRANSTORNO DO ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO (TEPT)


Lucas Dutra Madureira
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO

A maioria das pessoas ao redor do mundo será exposta a um evento potencialmente traumático
pelo menos uma vez na vida.1 De fato, no decorrer da nossa curta existência são muitas as possibilidades
de situações extremas que nos colocam à beira da morte e/ou à mercê de violência sem controle, ou saí-
da. O risco de assaltos, sequestros, acidentes, estupros e até mesmo de ataques terroristas e execuções
coletivas está sempre presente. Ainda não se entende por completo porque algumas pessoas sucumbem a
essas experiências, desenvolvendo o transtorno do estresse pós-traumático (TEPT), não conseguindo mais
restituir as suas vidas, enquanto outras as superam e ainda outras até mesmo as enxergam como um fator
de crescimento pessoal.
O trauma configura um acontecimento tão extraordinário que rompe com a noção de normalidade,
de cotidiano até então aceita como autoevidente. O trauma é uma transgressão do espectro das possibili-
dades calculáveis. Ele abala e contradiz o senso comum, não se encaixa com coerência na linha biográfica da
vítima, sendo impossível determinar a resposta que cada indivíduo específico desenvolverá. Esta última não
é apenas função da natureza da violência sofrida, mas da combinação de suscetibilidades individuais que
influenciam o processamento de emoções e da memória.
O TEPT é um antigo problema de saúde pública, ainda muitas vezes despercebido pela sociedade,
um assunto emergente, mas que ainda carece de conhecimento e discussão. Quase metade dos indivíduos
que manifestam seus sintomas não procuraram nenhuma forma de tratamento.1
A proposta deste capítulo é esclarecer os mecanismos fisiopatológicos descritos para a manifesta-
ção do TEPT explorando a neurobiologia da doença. De início, apresentamos um breve panorama histórico
com o reconhecimento recente do TEPT como entidade nosológica, a evolução dos critérios clínicos para
o seu diagnóstico e o crescimento contínuo de sua relevância epidemiológica. Em seguida, são discutidos
modelos explicativos da fisiopatologia do TEPT com enfoque nas alterações de neurocircuitos e no envol-
vimento de diferentes neurotransmissores, assim como o papel de fatores genéticos e epigenéticos na sua
etiopatogenia. Na sequência, a situação atual — ainda precária — do tratamento do TEPT é analisada em
suas principais abordagens terapêuticas, que envolvem farmacoterapia e medidas psicoterápicas. Por fim,
encerramos o capítulo pontuando os desafios a serem enfrentados para melhor compreensão e tratamen-
to deste problema tão devastador.

67
2 EVOLUÇÃO DO TEPT COMO ENTIDADE NOSOLÓGICA
Tópicos em Neurociência Clínica

Sintomas advindos de eventos traumáticos têm sido descritos há séculos. Principalmente no con-
texto de guerra, com registros de alterações em combatentes que vão desde as tábuas da Mesopotâmia
há 3000 anos.
Após a Primeira Guerra Mundial foi introduzido pela comunidade psiquiátrica o termo Shell Shock
(choque de combate) para descrever mudanças de comportamento decorridas de experiências de batalha.
Diversos outros termos foram usados em seguida, como “fadiga de combate” ou “neurose de guerra” quando
milhares de homens retornavam da Segunda Guerra Mundial com sintomas do que seriam hoje classificados
como TEPT. A primeira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) publicado
em 1952 pela Associação Americana de Psiquiatria (APA) introduziu o diagnóstico de “reação grosseira ao
estresse”, porém a categoria foi excluída na segudnda versão do DSM, em 1968, no qual os sintomas foram
atribuídos a outros transtornos, como depressão maior e esquizofrenia.
O período após a guerra do Vietnã despertou grande interesse para o que na época era definido
como síndrome pós-Vietnã. Também passaram a ser discutidas experiências de trauma na população civil,
como o abuso físico, psicológico e sexual vivido nas famílias por muitas mulheres e crianças e que foi aborda-
do pelo movimento feminista. Com essa mobilização, o diagnóstico formal “transtorno do estresse pós-trau-
mático” foi finalmente adicionado ao DSM-3 em 1980 e doze anos depois na Classificação Internacional de
Doenças (CID) elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).2
Após a introdução formal do TEPT como diagnóstico, diversas pesquisas foram realizadas para seu
melhor entendimento e caracterização, até que, no ano de 2013, com a quinta edição do manual (DSM-5), um
novo conceito, mais amplo e completo, foi implantado para o diagnóstico da doença.3
Segundo os critérios atuais do DSM-5, os indivíduos com TEPT devem ter sido expostos direta
ou indiretamente a um evento traumático e devem ter os sintomas por pelo menos um mês: sintomas
de intrusão, de esquiva, de entorpecimento, efeitos negativos sobre cognição e humor associados ao
trauma e sintomas de hiperexcitação (tabela 1).4 Outro sistema de diagnóstico utilizado para o TEPT é
o da CID, cuja décima primeira versão, de 2018, entrará em vigor no ano de 2022. A CID-11 diverge da
DSM-5 pelo fato de ter eliminado sintomas julgados inespecíficos com o intuito de mais bem delimitar
o TEPT de outros transtornos psiquiátricos, resultando dessa forma em uma definição mais restrita da
doença (tabela 2).5

Tabela 1: Critérios do DSM-5 para diagnóstico de TEPT (aplicáveis em adultos, adolescentes e crianças acima
de 6 anos de idade).

A. Exposição a episódio concreto ou ameaça de morte, lesão grave ou violência sexual em uma (ou mais) das se-
guintes formas:
1. Vivenciar diretamente o evento traumático.
2. Testemunhar pessoalmente o evento traumático ocorrido com outras pessoas.
3. Saber que o evento traumático ocorreu com familiar ou amigo próximo. Nos casos de episódio concreto
ou ameaça de morte envolvendo um familiar ou amigo, é preciso que o evento tenha sido violento ou
acidental.
4. Ser exposto de forma repetida ou extrema a detalhes aversivos do evento traumático (p. ex., socorristas
que recolhem restos de corpos humanos; policiais repetidamente expostos a detalhes de abuso infantil).
Nota: O Critério A4 não se aplica à exposição por meio de mídia eletrônica, televisão, filmes ou fotogra-
fias, a menos que tal exposição esteja relacionada ao trabalho.

68
Tópicos em Neurociência Clínica
B. Presença de um (ou mais) dos seguintes sintomas intrusivos associados ao evento traumático, começando de-
pois de sua ocorrência:
1. Lembranças intrusivas angustiantes, recorrentes e involuntárias do evento traumático.
Nota: Em crianças acima de 6 anos de idade, pode ocorrer brincadeira repetitiva na qual temas ou aspec-
tos do evento traumático são expressos.
2. Sonhos angustiantes recorrentes nos quais o conteúdo e/ou o sentimento do sonho estão relacionados
ao evento traumático.
Nota: Em crianças, pode haver pesadelos sem conteúdo identificável.
3. Reações dissociativas (p. ex., flashbacks) nas quais o indivíduo sente ou age como se o evento traumático
estivesse ocorrendo novamente. (Essas reações podem ocorrer em um continuum, com a expressão mais
extrema sob a forma de perda completa de percepção do ambiente ao redor.)
Nota: Em crianças, a reencenação específica do trauma pode ocorrer na brincadeira.
4. Sofrimento psicológico intenso ou prolongado ante a exposição a sinais internos ou externos que simboli-
zem ou se assemelhem a algum aspecto do evento traumático.
5. Reações fisiológicas intensas a sinais internos ou externos que simbolizem ou se assemelhem a algum
aspecto do evento traumático.
C. Evitação persistente de estímulos associados ao evento traumático, começando após a ocorrência do evento,
conforme evidenciado por um ou ambos dos seguintes aspectos:
1. Evitação ou esforços para evitar recordações, pensamentos ou sentimentos angustiantes acerca de ou
associados de perto ao evento traumático.
2. Evitação ou esforços para evitar lembranças externas (pessoas, lugares, conversas, atividades, objetos,
situações) que despertem recordações, pensamentos ou sentimentos angustiantes acerca de ou asso-
ciados de perto ao evento traumático.
D. Alterações negativas na cognição e no humor associadas ao evento traumático, começando ou piorando de-
pois da ocorrência de tal evento, conforme evidenciado por dois (ou mais) dos seguintes aspectos:
1. Incapacidade de recordar algum aspecto importante do evento traumático (geralmente devido a amné-
sia dissociativa, e não a outros fatores, como traumatismo craniano, álcool ou drogas).
2. Crenças ou expectativas negativas persistentes e exageradas a respeito de si mesmo, dos outros e do
mundo (p. ex., “Sou mau”, “Não se deve confiar em ninguém”, “O mundo é perigoso”, “Todo o meu
sistema nervoso está arruinado para sempre”).
3. Cognições distorcidas persistentes a respeito da causa ou das consequências do evento traumático que
levam o indivíduo a culpar a si mesmo ou os outros.
4. Estado emocional negativo persistente (p. ex., medo, pavor, raiva, culpa ou vergonha).
5. Interesse ou participação bastante diminuída em atividades significativas.
6. Sentimentos de distanciamento e alienação em relação aos outros.
7. Incapacidade persistente de sentir emoções positivas (p. ex., incapacidade de vivenciar sentimentos de
felicidade, satisfação ou amor).
E. Alterações marcantes na excitação e na reatividade associadas ao evento traumático, começando ou piorando
após o evento, conforme evidenciado por dois (ou mais) dos seguintes aspectos:
1. Comportamento irritadiço e surtos de raiva (com pouca ou nenhuma provocação) geralmente expres-
sos sob a forma de agressão verbal ou física em relação a pessoas e objetos.
2. Comportamento imprudente ou autodestrutivo.
3. Hipervigilância.
4. Resposta de sobressalto exagerada.
5. Problemas de concentração.
6. Perturbação do sono (p. ex., dificuldade para iniciar ou manter o sono, ou sono agitado).
F. A perturbação (Critérios B, C, D e E) dura mais de um mês.
G. A perturbação causa sofrimento clinicamente significativo e prejuízo social, profissional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo.
H. A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., medicamento, álcool) ou a outra
condição médica.

69
Tabela 2: Critérios da CID-11 para diagnóstico de TEPT.
Tópicos em Neurociência Clínica

1) Reviver o evento ou eventos traumáticos no presente na forma de memórias intrusivas vívidas, flashbacks
ou pesadelos. A revivescência pode ocorrer por meio de uma ou múltiplas modalidades sensoriais e é tipicamente
acompanhada por emoções fortes ou avassaladoras, particularmente medo ou horror, e fortes sensações físicas;
2) Evitação de pensamentos e memórias do evento ou eventos, ou evitação de atividades, situações ou pessoas
que lembrem o (s) evento (s);
3) Percepções persistentes de ameaça presente elevada, por exemplo, conforme indicado por hipervigilância ou
uma reação de sobressalto aumentada a estímulos, como ruídos inesperados.
Os sintomas persistem por pelo menos várias semanas e causam prejuízo significativo na vida pessoal, familiar,
social, educacional, ocupacional ou em outras áreas importantes do funcionamento.

3 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DO TEPT

O quadro clínico de TEPT é complexo e pode manifestar-se de diversas formas, sendo importante
reconhecê-lo em suas diferentes apresentações. Sabe-se que o transtorno envolve principalmente sinto-
mas relacionados a lembranças intrusivas persistentes, hipervigilância, evitação e alterações de cognição
e humor.
Ex-combatentes acometidos por TEPT, por exemplo, são constantemente marcados pelas me-
mórias da guerra. Os sintomas de revivescência e a persistência de memórias de conteúdo traumático
são um tormento constantemente. Ocorre de sofrerem com sonhos perturbadores e “flashbacks” de mo-
mentos devastadores, como se estes estivessem acontecendo novamente. É possível que apenas pistas
associadas ao evento traumático possam despertar reações de medo. Por exemplo, um ex combatente, ao
presenciar fogos de artifício, não consegue distingui-los de uma situação de bombardeio, entra em estado
de extrema ansiedade.
Outro sintoma frequente no TEPT é a dissociação, que consiste na fragmentação de elementos da
consciência, normalmente integrados, levando a prejuízo de memória, identidade e percepção de si mesmo
e do ambiente. Duas formas comuns de dissociação são a despersonalização e a desrealização, ambas sendo
anormalidades perceptivas intimamente relacionadas, nas quais a informação sensorial não se integra. A
despersonalização é um sentimento de estranheza e desconhecimento de si mesmo, a sensação de que se
perdeu posse do próprio corpo, que se está divorciado de si mesmo, de seus sentimentos, emoções e identi-
dade. Desrealização é a sensação de que se está desapegado do mundo exterior, que se tornou irreal e carece
de emoção ou profundidade.
A hipervigilância se caracteriza por um estado de constante alerta, tensão e guarda. Como se es-
tivessem em situação de ameaça, pessoas com TEPT estão sempre examinando o ambiente à sua volta. A
hipervigilância pode fazer com que situações do cotidiano pareçam ameaçadoras.
A evitação se apresenta como esquiva a qualquer situação, ou estímulo que possa se relacionar às
recordações traumáticas— sejam pessoas, lugares, ou situações. Isso pode limitar dramaticamente o espec-
tro de atividades e de participação social e familiar do paciente, atingindo níveis de incapacitação.
Pessoas com TEPT frequentemente têm sintomas de depressão com sentimentos de vazio, de-
sesperança, angústia, mas também de alienação, isolamento e incapacidade de sentir emoções profun-
das, ou de criar vínculos. Sua experiência é de tal forma inexprimível e incompartilhável que impede a
intimidade com outras pessoas, a retomada da vida de antes e o estabelecimento de metas e aspirações
para o futuro.

70
4 EPIDEMIOLOGIA

Tópicos em Neurociência Clínica


Um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS), publicado em 2017, e que abrangeu 24 países,
com uma amostra de 68,894 adultos, demonstrou que aproximadamente 70,4% dos respondentes relataram ter
vivenciado algum tipo de evento traumático. A prevalência de TEPT ao longo da vida foi de 3,9% na amostra total
e de 5,6% entre os expostos ao trauma, sendo mais alta em países de alta do que países de baixa e média renda.6
Um estudo realizado nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro entre 2007 e 2008 contendo uma amostra
de 3744 entrevistas, relatou no Rio de Janeiro prevalência de TEPT de 8,7% e em São Paulo de 10,2%. Os eventos
traumáticos analisados foram dividos em violênica de assalto (envolvendo, por exemplo, sequestros, ataques com
e sem arma, estupro), outras lesões, ou eventos chocantes (como acidentes de carro, desastres naturais, testemu-
nhar alguém sendo assassinado ou ferido) e morte súbita/ doença com risco de vida de uma pessoa próxima. Cerca
de um terço dos participantes haviam experimentado as três categorias de eventos traumáticos. O tipo de trauma
mais associado ao TEPT foi morte súbita ou lesão com risco de morte de pessoa próxima. Entre as características
demográficas levantadas pelo estudo, demonstraram estar associadas ao TEPT: faixa etária (45-59 anos), desem-
prego e baixa escolaridade. Em ambas as cidades, a prevalência de TEPT foi muito maior em mulheres do que em
homens.7 Por meio dessa análise, é possível concluir que, mesmo não sendo um país em guerra, os altos índices de
violência no Brasil resultam em números marcantes de exposição ao trauma e TEPT.
De acordo com pesquisa com veteranos da guerra do Vietnã, índivíduos com TEPT teriam risco
quase duas vezes maior de mortalidade relacionada à idade do que aqueles sem TEPT. O TEPT possui alta fre-
quência de comorbidades associadas, coexistindo principalmente com transtornos de humor, de ansiedade,
e abuso de substâncias, mas também com diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e respiratórias.8 Pesqui-
sas com militares e veteranos de guerra demonstram alta taxa de comorbidade entre transtorno por uso de
substâncias e TEPT, sendo 2-4 vezes maior que na população em geral.9,10

5 MODELOS NEUROBIOLÓGICOS

Hoje é possível compreender que a resposta ao trauma não depende apenas das características do
evento estressor, mas também de fatores específicos da vítima. O fato de que apenas parte delas desenvolve
sinais e sintomas de TEPT indica que o transtorno envolve alterações anormais e persistentes dos sistemas
neurobiológicos de adaptação. Assim, as pesquisas que investigam a origem do TEPT se concentram na re-
gulação das respostas ao estresse, as quais incluem vias endócrinas e circuitos cerebrais responsáveis por
regular a memória e o comportamento do medo. Aqui se destacam três estruturas: a amígdala, o hipocampo
e o córtex pré-frontal. A primeira representa o componente responsável pela detecção de estímulos aversivos
e a formação da memória aversiva. A amígdala faz parte do sistema límbico— o cérebro emocional— evolu-
tivamente antigo, presente mesmo nos répteis. Seu processamento de informações é imediato, acontecendo
antes que as mesmas adentrem a consciência e já gerando respostas reflexas de sobrevivência. Por exemplo,
as reações de susto frente a estímulos inesperados são promovidas pela amígdala que detecta a ameaça e
orquestra respostas motoras, autonômicas (SNA simpático), endócrinas (eixo hipotálamo-pituitária-adrenal),
e comportamentais, antes de haver um processamento mais preciso. Por isso, é comum a situação de corri-
girmos a reação de susto ao percebermos que nos enganamos e que a ameaça não era real (por exemplo, o
animal perigoso era apenas um brinquedo de borracha).
O hipocampo se associa à percepção de contextos e à formação da memória biográfica, ou decla-
rativa, ou seja, seu funcionamento adequado é essencial para que os estímulos e eventos sejam percebidos
e armazenados de forma inteligível e coerente— em um determinado local, tempo e situação— de modo a
poderem ser inseridos nos conteúdos conscientes, evocados e relatados através da linguagem.

71
O córtex pré-frontal faz parte do neocórtex, evolutivamente recente e associado a funções cogni-
Tópicos em Neurociência Clínica

tivas mais complexas, atuando juntamente com o hipocampo e a amígdala, particularmente ponderando,
interpretando, analisando e selecionando os comportamentos mais adequados.
A seguir, revisamos alguns dos modelos propostos para a neurobiologia do TEPT que discutem essas
estruturas.

5.1 TRANSTORNO DE MEMÓRIA


O aprendizado associativo é uma forma de memória não verbal— um processo inconsciente e in-
voluntário, pelo qual o cérebro passa a relacionar entre si dois elementos separados, porém simultâneos, ou
sucessivos. No condicionamento clássico, ocorre a associação entre um estímulo e uma dada resposta fisio-
lógica, ou comportamental pré-existente, por exemplo, quando o animal passa a exibir salivação ao ouvir um
determinado som, por ter sido exposto repetidamente a situações em que este precedia a oferta de alimento.
Já no condicionamento operante, uma resposta é aprendida após ser repetidas vezes associada a um resulta-
do, como no caso do animal que aprende a apertar a alavanca para obter a solução açucarada.
A aprendizagem associativa do medo depende da neuroplasticidade— mudanças funcionais e es-
truturais— nos neurônios do complexo basolateral da amígdala, que promove a conexão entre um estímulo
incondicionado (EI) e um estímulo condicionado (EC). De fato, estudos em pacientes com TEPT mostram
hiperreatividade da amígdala a estímulos emocionais, indicando que a sua disfunção poderia explicar a per-
sistência excessiva de memórias de medo e outros sintomas emocionais do TEPT.11
A singularidade no trauma, porém, é que a exposição não precisa ser repetida. De fato, muitas vezes
um evento único já origina aprendizado associativo, como no caso de uma pessoa que, após ter sido vítima
de atropelamento, mostra ansiedade intensa sempre que vê um automóvel, ainda que o mesmo esteja
parado. Outro aspecto característico e pouco explicado da memória traumática é a generalização, ou seja, o
traço associativo não se refere apenas ao objeto específico da experiência em si, mas se estende para outros
estímulos e contextos, que passam então a também evocar resposta de medo.12,13
No TEPT ocorre generalização excessiva que pode decorrer não apenas da disfunção da amígdala,
mas também do hipocampo em seu papel de discriminação e contextualização dos estímulos (discutido abai-
xo).14 É possível que na situação traumática, a intensidade da experiência cause alterações permanentes nos
circuitos cerebrais, superando sua capacidade de discriminação entre pistas perigosas e seguras, fazendo
com que o indivíduo tenha alta reatividade aos menores “lembretes” do trauma.15-18
Além disso, a memória traumática é anormalmente resistente à extinção, ou seja, a associação formada
entre o trauma e um determinado estímulo resiste a revisões. Deste modo, ainda que haja experiências sucessi-
vas nas quais o indivíduo traumatizado é reexposto ao estímulo, porém, sem que haja o correlato traumático, ele
continua a apresentar reação de medo. Apesar de conceber intelectualmente que o estímulo em si não significa
repetição do trauma, a resposta condicionada não se extingue. Isso ocorre porque a extinção não apaga a memória
traumática, mas apenas cria uma memória adicional de segurança. Por isso, admite-se que, nas pessoas com TEPT,
haja alterações nos processos de aprendizado que as predispõem a essa forma patológica de memória.
Em modelos animais de condicionamento do medo, a extinção pode ser obtida, mas em humanos
isso não se reproduz, talvez porque os estímulos traumáticos nos modelos animais não sejam comparáveis às
experiências devastadoras vividas por pessoas com TEPT.19
Há também diferenças neuroanatômicas e funcionais entre humanos e outros mamíferos que po-
dem explicar o prejuízo de extinção. A espessura do córtex pré-frontal ventromedial e do córtex orbitofrontal
mostrou-se inversamente correlacionada com a capacidade de extinção.20,21 Também a menor espessura do
córtex pré-frontal ventromedial foi associada a prejuízo na inibição do medo.22 Lesões no córtex pré-frontal
ventromedial prejudicam a extinção do condicionamento pelo medo em ratos.23

72
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 1 – Neuroanatomia do TEPT. Esquema da neuroanatomia funcional do TEPT, mostrando a rede de conexões
entre a amígdala, hipocampo e córtex pré-frontal disfuncionais decorrente do estresse traumático. NE = norepinefri-
na; CRF = hormônio liberador de corticotrofina; ACTH = hormônio adrenocorticotrófico; FC = frequência cardíaca; PA
= pressão arterial.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.

5.2 DISFUNÇÃO NO PROCESSAMENTO DO CONTEXTO ASSOCIADO AO TRAUMA


O contexto é o cenário, a situação global que permite interpretar e atribuir significados aos eventos
que nela ocorrem. Assim, os acontecimentos são codificados em um determinado tempo, espaço e nexo de
causalidade.24 O processamento contextual adequado permite compreender as respostas indicadas às neces-
sidades de uma determinada situação, como por exemplo, se o evento requer ação de congelamento, fuga,
ou simplesmente desfrute. Dessa forma, o prejuízo no processamento contextual leva a percepções impreci-
sas ou a respostas inadequadas. Modelos animais e estudos em humanos revelaram que o hipocampo exerce
um papel essencial na codificação do contexto, e que as regiões corticais do hipocampo interagem com o
córtex pré-frontal na sua recuperação.15
O hipocampo estabelece novas representações de memória, minimizando a sobreposição com me-
mórias anteriores, mas também ajuda a recuperar memórias antigas com base em informações parciais.
Esses processos são conhecidos respectivamente como separação de padrões e agrupamento de padrões.25
O primeiro pode ter efeito na diferenciação entre segurança e ameaça. Diante de pistas, pacientes com TEPT
têm dificuldade em interpretar os elementos contextuais necessários para a separação de padrões, o que tor-
na difícil distinguir uma ameaça real de algo seguro, acarretando na generalização da ameaça, hipervigilância
e hiperexcitação. O comprometimento das regiões do hipocampo responsáveis pela separação de padrões

73
pode resultar na recuperação recorrente de memórias de trauma em resposta a pistas parciais, levando
Tópicos em Neurociência Clínica

a respostas de medo incongruentes com o contexto atual. Estudos com ressonância magnética em vete-
ranos do Vietnã com TEPT relataram redução significativa no volume do hipocampo em comparação com
indivíduos saudáveis.26
O córtex medial pré-frontal interage intimamente com o hipocampo, resolvendo conflitos entre
esquemas pré-existentes e novos eventos, ou seja, realizando a revisão e a reformulação dos conceitos a
respeito do mundo. Esse processo é a base da psicoterapia, pois implica em aprender que o evento trau-
mático foi algo isolado, ocorrido em um contexto específico, que não mais está se repetindo no momento
presente. Assim, os déficits na recuperação/retenção da extinção com reações emocionais exageradas a
indicadores potenciais de ameaça poderiam se explicar pela disfunção de circuitos pré-frontais em pessoas
com TEPT. 27-29
A mediação do medo contextual depende da ativação de receptores de glicocorticóides (GR) no
córtex pré-frontal,30 que exercem feedback negativo sobre o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA), inibin-
do a liberação de cortisol. A suprarregulação dos receptores de glicocorticóides no córtex medial pré-frontal
em pacientes com TEPT mostrou ser crítica para a expressão dos seus sintomas.29,31 Processo semelhante por
sinalização de corticóides ocorre no hipocampo, atuando na separação de padrões e interferindo no proces-
samento contextual.32

5.3 DISFUNÇÃO NO CIRCUITO DA SALIÊNCIA


Saliência refere-se às qualidades ou características de um evento, objeto ou experiência que os dis-
tinguem dos demais, permitindo que nos orientemos cognitivamente no ambiente, discriminando eventos
positivos e negativos com base em suas características e escolhendo nosso comportamento de adaptação. Se
não conseguimos atribuir importância e valor adequados aos estímulos que percebemos, nossa capacidade
de navegar pelo mundo de forma produtiva se desfaz.
O neurotransmissor dopamina tem aqui um papel central, tanto nos acontecimentos positivos como
nas experiências aversivas. Depois de ser liberada pela área tegmental ventral do mesencéfalo, ela se espalha
pelo cérebro, modificando as sinapses que atribuem saliência e discriminam recompensa de aversão. Desta
forma, a dopamina ajuda a criar um registro estável do mundo no cérebro, associando padrões de atividade
cerebral a contextos específicos do ambiente. A dopamina facilita o condicionamento, pelo qual dois elemen-
tos previamente isolados se conectam entre si em circuitos cerebrais. Este é um processo de aprendizagem
inconsciente, em que a neuroplasticidade sináptica cria traços de memória, que são então enviados para o
córtex cerebral.
Neurobiologicamente, tem sido sugerido que o TEPT resulta, pelo menos em parte, da hiperativi-
dade dopaminérgica com um padrão de disparo caótico da área tegmental ventral do mesencéfalo para o
corpo estriado, o hipocampo e a amígdala que propicia a formação de traços de memória incorretos, levando
à atribuição de saliência a situações irrelevantes, não geradoras de experiência aversiva33. A sensibilização
da amígdala após o trauma resultaria assim em sua hiperreatividade diante de pistas neutras com detecção
exagerada de ameaças.
Aumento nos níveis cerebrais de noradrenalina e de glicocorticóides também podem contribuir
para a atribuição excessiva de saliência, já que a hiperatividade noradrenérgica está ligada ao aumento da
reatividade da amígdala e os receptores de glicocorticóides, que são abundantes na amígdala, foram associa-
dos ao aumento da ansiedade e do medo.34,35

74
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 2 – Amígdala, córtex cingulado anterior e ínsula.
Fonte: Própria do autor.

5.4 PREJUÍZO NO DESEMPENHO DAS FUNÇÕES EXECUTIVAS E DE AUTORREGULAÇÃO


EMOCIONAL
A autorregulação emocional envolve sistemas de controle cognitivo que ponderam e selecionam
os comportamentos mais adequados de acordo com a análise realizada do ambiente e das metas pessoais.
Aqui, o córtex pré-frontal exerce um papel fundamental. Seus circuitos reentrantes mantêm e manipulam
informações e representações mentais, inibem interferências de adentrarem à consciência e têm acesso às
informações armazenadas em outras áreas.
Concebeu-se a ideia de que haveria uma instância superior de funcionamento cognitivo responsável por
coordenar e organizar o processamento de informações das outras. Assim, o controle executivo corresponderia às
habilidades de seleção e encadeamento de etapas de raciocínio e de comportamentos, filtração de informações re-
levantes, direcionamento da atenção, automonitoramento, comparação entre meta desejada e meta obtida para
revisão da estratégia escolhida. Trata-se de funções de síntese, agregação, mas também de segregação e seleção.
Elas não estão vinculadas à elaboração de um estímulo específico do ambiente — visual, linguístico, matemático,
etc.— sendo necessárias a toda forma de processamento complexo de conteúdos externos e internos. As funções
executivas compreendem também a memória de trabalho, ou memória operacional, que corresponde à função de
manter “on-line” e ao mesmo tempo manipular informações, como, por exemplo, quando se realizam operações
matemáticas em sequência, ou quando se elaboram etapas de uma argumentação. Aqui, é preciso manter a repre-
sentação mental dos diferentes tópicos de forma dinâmica, com atualização contínua, conforme os mesmos vão
sendo modificados e, ao mesmo tempo, manter a inibição da entrada de interferências e distrações.
Didaticamente o córtex pré-frontal se divide em: córtex pré-frontal dorso-lateral (associado à me-
mória de trabalho); córtex pré-frontal ventro-medial e córtex cingulado anterior (associado à motivação);
córtex orbitofrontal (controle inibitório de interferências e impulsos).36
A regulação das respostas emocionais depende das funções executivas e seus mecanismos de pla-
nejamento, automonitoramento, flexibilidade com mudança de estratégia, memória de trabalho, atenção
e inibição. Em situações de interação social, o controle executivo, além de inibir interferências (estímulos
irrelevantes à tarefa, pensamentos distrativos, respostas impulsivas, ou inapropriadas), mantém ativas as
representações mentais das possíveis decisões do indivíduo e de seus possíveis resultados, permitindo que

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ele manipule estas relações, compare com experiências passadas e selecione o comportamento mais.37 Logo,
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prejuízos nas funções executivas podem estar associados à fisiopatologia do TEPT, originando sintomas como
déficit de memória, irritabilidade, impulsividade e respostas emocionais exageradas a pistas salientes.38

6 FATORES NEUROQUÍMICOS

6.1 SEROTONINA
Neurônios secretores de serotonina (5-HT) estão localizados nos núcleos mediano e dorsal da rafe
no tronco cerebral e têm ampla projeção cortical, incluindo para amígdala, hipocampo e córtex pré-fron-
tal ventromedial (áreas do circuito de processamento do medo), modulando principalmente a atividade de
neurônios inibitórios GABAérgicos.39 A 5-HT participa da regulação de respostas afetivas e de estresse. Com-
portamentos impulsivos, hostilidade, depressão e suicídio— frequentemente observados em pessoas com
TEPT— são associados à disfunção serotoninérgica.
Os receptores 5-HT 1B chamam atenção para a manifestação de TEPT, pois parecem desempenhar
função chave na modulação do medo e da ansiedade. Pacientes de TEPT apresentaram redução significativa
da densidade de receptor 5-HT 1B na amígdala, córtex cingulado anterior, estruturas relevantes para o TEPT.40
Fármacos que agem aumentando a atividade serotoninérgica, como inibidores seletivos de recap-
tação de 5-HT (ISRS) demonstraram ser parcialmente eficazes no tratamentos de sintomas de TEPT. Estudos
recentes relatam que o uso da droga de rua 3,4-Metilenodioximetanfetamina (conhecida como MDMA ou
“ecstasy”) indutor de liberação de serotonina e norepinefrina poderia ter resultados terapêuticos em pacien-
tes de TEPT.41

6.2 NOREPINEFRINA
A norepinefrina (NE) é responsável por mediar respostas autonômicas através do sistema nervoso
central (SNC) e periférico. A NE no SNC é liberada por neurônios do locus coeruleus que se conectam com
regiões envolvidas com respostas ao estresse, incluindo o córtex pré-frontal, amígdala, hipocampo e hipo-
tálamo. Um circuito de retroalimentação positiva conecta a amígdala e o hipotálamo com o locus coeruleus,
no qual o hormônio liberador de corticotrofina (CRH) e a NE interagem para aumentar o condicionamento do
medo e a codificação das memórias emocionais, aumentar a excitação e a vigilância e integrar as respostas
endócrinas e autonômicas ao estresse. Essa via é inibida pela ação de glicocorticóides.42
Altos níveis de ativação noradrenérgica estão relacionadas com a provocação de flashbacks e pâni-
co, além de que níveis altos de NE envolvem baixa afinidade de receptores α1 no córtex pré-frontal, causando
distúrbios de atenção e memória e desinibindo sintomas clássicos de TEPT.43
Uma explicação para a maior liberação de NE no estresse crônico pode estar implicada na redução
do neuropeptídeo Y (NPY), uma proteina inibitória da liberação de NE, discutido adiante neste capítulo. A
hiperatividade da amígdala devido a estímulos estressores condicionados e não condicionados aumentam
a saída noradrenérgica do locus coeruleus, além da liberação de NE e epinefrina dos neurônios simpáticos e
medula adrenal.

6.3 NEUROPEPTÍDEO Y
O neuropeptídeo Y (NPY) é o peptídeo mais abundante no SNC, atuando como um cotransmissor,
que modula a liberação e atividade de outros neurotransmissores. Em situação de estresse com maior es-
timulação neuronal, o NPY liberado facilita os efeitos pós-sinápticos dos neurotransmissores. Essa função é
associada a uma forma de conservação de bioenergia em períodos de estresse elevado.

76
O NPY se concentra em regiões conhecidas por atuarem na regulação do estresse, memória, ansie-

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dade e medo, como o hipocampo, amígdala e córtex pré-frontal e pode atuar na resiliência ao estresse. Indi-
víduos com TEPT apresentam valores reduzidos de NPY, o que pode estar relacionado a alterações fisiológicas
envolvendo neurotransmissores de resposta ao estresse, como a NE e CRH.44, 45

6.4 GLUTAMATO
O glutamato é o principal neurotransmissor excitatório do SNC e a sua influência no TEPT possui for-
tes evidências. Pacientes com TEPT possuem níveis elevados de glutamato.46 Projeções do córtex pré-frontal
para a amígdala são de natureza glutamatérgica e os receptores glutamatérgicos do tipo N-metil D-aspartato
(NMDA) orquestram a plasticidade sináptica, necessária aos processos de aprendizagem e memória, sendo
peças fundamentais no condicionamento do medo no TEPT. Além disso, a superexposição de neurônios ao
glutamato é excitotóxica, podendo afetar a integridade neuronal no hipocampo e no córtex pré-frontal nos
pacientes de TEPT.

7 GENÉTICA E EPIGENÉTICA

Como já mencionado acima, enquanto diversas pessoas são expostas ao trauma, apenas uma pe-
quena parcela desenvolve TEPT. A divergência entre os indivíduos nas respostas perante experiências traumá-
ticas pode ser explicada a partir do risco genético e epigenético, herdado e adquirido.  
Pesquisas comparativas com gêmeos monozigóticos e dizigóticos demonstraram uma herdabilidade
dos sintomas de TEPT de cerca de 30%, sendo que fatores genéticos modularam tanto o risco de exposição a
eventos traumáticos (talvez por se correlacionarem com traços de personalidade), quanto a vulnerabilidade
para o desenvolvimento do TEPT, uma vez tendo sofrido trauma.47,48
Já os estudos de associação do genoma em grande escala (GWAS) obtiveram resultados inferiores,
estimando uma contribuição genética para o TEPT de 20% em mulheres e de ainda menos nos homens.49
Trata-se aqui de um método que permite testar em amostras populacionais centenas a milhares de varian-
tes em todo o genoma, realizando uma varredura em busca de polimorfismos de nucleotídeo único que se
associem com o traço fenotípico em questão. O polimorfismo de nucleotídeo único (SNP, do inglês single nu-
cleotide polymorphism) corresponde à variação de uma única base (adenina, citosina, timina, ou guanina) na
sequência de DNA, que pode ocorrer em uma região codificante, resultando em uma variante menos eficaz/
disfuncional da proteína codificada, ou em uma região não-codificante, alterando o processo de transcrição.
Assim, diferentes genes isolados foram relacionados à vulnerabilidade ao TEPT. Todavia, admite-se que haja
outros mecanismos genéticos não avaliados pelo método GWAS (como interações gene-ambiente e altera-
ções epigenéticas) que justificam sua menor estimativa de herdabilidade do TEPT quando comparada aos
resultados dos estudos com gêmeos.
Um exemplo da complexa e dinâmica reciprocidade entre fatores genéticos e ambientais é o papel
da proteína FKBP5. Trata-se de uma proteína que permanece no citoplasma ligada ao GR, tornando-o menos
sensível à ação do glicocorticoide. Assim, a redução na expressão dessa proteína se associa à hipersensibili-
dade aos glicocorticoides— que é justamente um traço do TEPT.  
Um estudo binacional, envolvendo mais de 2000 veteranos de guerra, demonstrou que o gene
FKBP5 (que codifica a proteína FKBP5) tem polimorfismos (rs9296158, rs3800373, rs1360780, rs947008) que
se correlacionam positivamente à gravidade dos sintomas de TEPT e interagem com abuso na infância na
predição do seu desenvolvimento.50 Outro estudo concluiu que os polimorfismos por si sós não predizem
TEPT, mas apenas o fazem na presença de história de trauma precoce.51 Deste modo, a presença destes qua-

77
tro polimorfismos modulou a resposta neurobiológica à experiência traumática. Esse fenômeno, pelo qual a
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variante genética altera a sensibilidade do indivíduo a um determinado fator ambiental é denominado inte-
ração gene-ambiente.  
Concomitantemente, o abuso na infância leva a alterações epigenéticas que também aumentam
a vulnerabilidade ao adoecimento psiquiátrico na vida adulta, ou seja, além do polimorfismo herdado, a
experiência em um período precoce e de alta neuroplasticidade causa mudanças no DNA (adquiridas) que
não alteram a sua sequência de bases em si, mas o seu arranjo espacial, de forma a facilitar, ou a dificultar
determinados processos de transcrição. Essas alterações são duradouras e mudam o padrão de resposta a
futuros eventos. Estudos de associação de epigenoma em grande escala (EWAS, do inglês epigenome-wide
association studies), porém, ainda não conseguiram encontrar marcadores epigenéticos do TEPT. Assim, uma
pesquisa publicada em 2017 e que avaliou 473 vítimas do ataque de 11 de setembro às torres gêmeas não
detectou perfil de metilação que demonstrasse associação significativa com o transtorno, mas apontou para
a presença de mudanças em vias relacionadas à plasticidade sináptica, sistema oxitocinérgico, colinérgico e
resposta inflamatória.52

8 TRATAMENTO

O tratamento do TEPT envolve intervenções psicológicas, farmacológicas e abordagens comple-


mentares. Ele deve ser individualizado, considerando a gravidade dos sintomas, as comorbidades presentes,
as preferências do paciente e os recursos clínicos disponíveis.

8.1 PSICOTERAPIA
Existe uma grande variedade de tratamentos psicológicos para o TEPT que foram, ao longo dos
anos, avaliados e sistematizados em guidelines por diversas organizações, como a American Psychological
Association (APA), Veterans Health Administration and Department of Defense (VA/DoD) e o National Institu-
te for Health and Care Excellence (NICE). Dentre as abordagens que demonstraram maior grau de evidência,
abordaremos aqui a terapia de exposição, a terapia de processamento cognitivo e a terapia cognitivo com-
portamental focada no trauma.
A terapia de exposição (TE)— real, ou imaginada— é baseada em modelos animais de extinção da
memória traumática, consistindo no enfraquecimento gradual de uma resposta condicionada, obtido através
da exposição ao componente não condicionado (seguro) associado ao trauma.53,54 Por exemplo, o paciente
retorna ao local do acidente diversas vezes e vê que o mesmo é seguro. Na realidade, os resultados são va-
riáveis, pois a memória traumática tende a se reinstalar espontaneamente, ou mediante pequenos gatilhos.
A terapia cognitivo-comportamental é uma abordagem já bem estabelecida e amplamente utilizada
nos mais diversos transtornos psiquiátricos. Ela parte do princípio de que nossas emoções e comportamen-
tos podem ser modificados, se transformarmos nossas percepções e convicções. Assim, a reestruturação
cognitiva envolve a confrontação do paciente com sua forma de pensar e de perceber o mundo, que pode
ser excessivamente negativa, fatalista, ameaçadora, radical, inflexível ou egocêntrica. Ao longo das sessões,
suas interpretações da realidade são discutidas com o terapeuta sob um prisma racional e reveladas em seus
aspectos distorcidos.
A terapia cognitivo comportamental focada no trauma (TCC-FT) tem como alvo a mudança na inter-
pretação do evento traumático, esperando que ela promoverá mudanças emocionais e comportamentais. O
terapeuta identifica no paciente padrões de distorções de pensamentos, como generalização e pensamentos

78
negativos e lhe ajuda a reavaliar as experiências traumáticas, sua compreensão de si mesmo e de sua capa-

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cidade de enfrentá-las.54  
A terapia do processamento cognitivo é uma forma de TCC criada inicialmente para tratar vítimas de
estupro e posteriormente introduzida no tratamento do TEPT. Ela combina diferentes técnicas de exposição e
de reapreciação cognitiva. Elementos como a escrita da narrativa do trauma e sua leitura repetida permitem
a elaboração de temas como culpa, vergonha, revolta, autoestima, intimidade, segurança, etc. com o intuito
de alterar as distorções de percepção e de pensamento advindas do trauma.
Embora válidas, as diferentes técnicas psicoterápicas ainda têm resultados modestos com mais da
metade dos pacientes permanecendo com sintomas consideráveis.

8.2   FARMACOTERAPIA
O tratamento farmacológico do TEPT ainda tem resultados pouco satisfatórios. Na prática clínica, os
medicamentos mais usados são os antidepressivos, particularmente os inibidores seletivos de recaptação de
serotonina, devido ao seu bom perfil de tolerabilidade.55
Apesar de possuírem ação agonista sobre os receptores gabaérgicos, os benzodiazepínicos não são
recomendados no tratamento do TEPT, pois prejudicam a consolidação da memória de extinção do medo e
se associam a piores desfechos clínicos, como aumento na severidade dos sintomas, agressividade, depres-
são, abuso de substâncias, pior resposta à psicoterapia e maior risco de desenvolvimento de TEPT quando
usados logo após a experiência traumática.56  
Há inúmeras pesquisas sobre possíveis intervenções precoces para prevenir o desenvolvimento de
TEPT em pessoas recém-traumatizadas. Experimentos em modelos animais com antagonistas do GR e anta-
gonistas do receptor de CRF demonstraram respostas eficazes na prevenção da consolidação da memória
traumática, sugerindo o importante papel do sistema HPA sobre estruturas límbicas, como a amígdala, o
hipocampo e o córtex pré-frontal ventromedial, no desenvolvimento do TEPT.57,58,59  
O propranolol, um antagonista dos receptores β-adrenérgicos, mostrou resultados positivos, quan-
do usado logo após o trauma, possivelmente atenuando o descarga noradrenérgica no momento do estresse
e assim prevenindo a formação da neuroplasticidade que estrutura o TEPT. Entretanto, seu uso clínico ain-
da não pôde ser estabelecido.60 A prazosina, um inibidor do receptor alfa-1-noradrenérgico, foi benéfica no
tratamento dos sintomas relacionados ao sono e também na sintomatologia de pacientes com TEPT e com
transtorno do uso de álcool.61
Intervenções visando o sistema glutamatérgico também são promissoras. A cetamina, um antago-
nista do receptor NMDA, demonstrou resultados positivos quando administrada logo após a exposição ao
trauma,62 mas também no tratamento de quadros crônicos.63,64 Ainda não se entende como essa droga po-
deria ajudar nos sintomas de TEPT, mas há evidências de que a atividade glutamatérgica é fundamental para
a neuroplasticidade associada à consolidação da memória e que o antagonismo do NMDA pode bloquear a
consolidação da memória do medo condicionado no hipocampo.65

8.3   TÉCNICAS COMPLEMENTARES


Além da psicoterapia convencional e da farmacoterapia, outros métodos mostraram resultados po-
sitivos, como o neurofeedback, a Dessensibilização e Reprocessamento por meio dos Movimentos Oculares
(Eye Movement Desensitization and Reprocessing -EMDR), o yoga e a meditação mindfulness.   
O neurofeedback é uma técnica não invasiva capaz de promover o controle voluntário da ativida-
de cerebral pelo seu automonitoramento. Durante a sessão, o paciente tenta relaxar, enquanto recebe um
feedback gerado por um aparelho que afere o seu padrão de ondas cerebrais e o transforma em estímulos vi-
suais, ou auditivos, de forma que o paciente aprende que o padrão almejado (ondas alfa) corresponde a uma

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determinada imagem ou som. Ao longo das sessões, ele vai conseguindo entrar cada vez mais rapidamente
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em estado de relaxamento e assim controlar as respostas de estresse, medo e hipervigilância.  


O neurofeedback pode se associar a outras terapias, pois a melhora das habilidades de autorregula-
ção das reações emocionais que esta técnica promove aumenta a capacidade do paciente de se recordar e de
narrar a situação traumática, como também de sustentar a exposição a pistas que se associem ao trauma.66
O método EMDR consiste na aplicação de estimulação visual bilateral, solicitando ao paciente que
execute movimentos oculares sacádicos horizontais, enquanto relembra e reconta o trauma. A terapia é feita
em uma sequência de oito fases, seguindo um protocolo padronizado que aborda os aspectos passados, pre-
sentes e futuros de uma determinada memória traumática. O EMDR possui mecanismos de ação ainda não
compreendidos, mas sua eficácia está comprovada, atingindo resultados semelhantes ou superiores, quando
comparado com intervenções farmacológicas ou com outras formas de psicoterapia, sendo inclusive forte-
mente recomendado pelo VA / DoD e sugerido pela APA.67
Há inúmeras outras práticas complementares ao tratamento padrão de TEPT que merecem ser
mencionadas e experimentadas, como o yoga, a acupuntura e a meditação, porém seus resultados ainda
requerem maior respaldo científico.68

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O TEPT é um problema de reconhecimento e abordagem recentes, mas que vem ganhando grande
interesse e rápido progresso científico. Embora seus mecanismos fisiopatológicos ainda não estejam com-
pletamente elucidados, diversas alterações em circuitos cerebrais e vias moleculares específicas já foram
identificadas.
Os modelos presentes propõem aprendizagem anormal do medo, processamento contextual alte-
rado, detecção exagerada de ameaças e disfunção executiva. No entanto, muitas características da doença
ainda não são bem explicadas e um modelo abrangente, que esclareça o amplo espectro dos seus sintomas
ainda não existe. Em relação aos fatores neuroquímicos, níveis anormais de serotonina, neuropeptídeo Y,
GABA e glutamato estão envolvidos na resposta anormal ao estresse e na codificação das memórias aversi-
vas, podendo ser potenciais alvos para a farmacoterapia.  
O TEPT, assim como diversos transtornos psiquiátricos, é resultado tanto de exposição a fatores
ambientais condicionantes como da predisposição neurobiológica inata, envolvendo complexas interações
genéticas e epigenéticas. A busca pela compreensão de como a exposição ao trauma pode interagir com o
genoma humano e resultar em desarranjos nos sistemas neurais e no organismo como um todo é uma área
promissora para pesquisa.  
Por fim, foram brevemente apresentadas as formas de intervenção terapêutica no TEPT. Foi visto
que é um transtorno complexo que exige tratamento multidisciplinar e altamente individualizado. Trata-se
aqui de uma área ainda desafiadora e com resultados frustrantes, mas de intensa inovação e experimentação
de novos caminhos.

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84
Capítulo V

DEPRESSÃO
Eduardo Henrique Loreti
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO

O sofrimento, a tristeza, o medo e a insatisfação são parte da condição humana. Todos vivem mo-
mentos de frustração, de desânimo, crises de choro e de mau humor. Isso tudo não é depressão. A depressão
é um estado demorado, pesado e profundo. A pessoa deprimida pode relatar uma tristeza esmagadora, mas
também raiva, mágoa, culpa ou medo do futuro, preocupações contínuas, ou sensação de vazio e alienação,
como se não pertencesse mais a esta vida, ou tivesse perdido a capacidade de sentir. A forma de perceber o
mundo fica alterada. Este parece hostil, traiçoeiro e perigoso. Pequenas críticas são causa de grande ofensa.
O paciente muitas vezes se enxerga como inferior, inadequado e insuficiente. Não se trata aqui de enxergar
os próprios defeitos, mas de se sentir muito mal na própria pele.
Os pensamentos podem se restringir a conteúdos negativos do passado (injustiças, perdas e de-
cepções sofridas), ou do futuro (catástrofes iminentes), que ficam se repetindo em uma trama sem resolu-
ção. Aos poucos vai sendo sedimentada a crença de que não há reparação, não há saída, não há esperança.
O isolamento é procurado, pois a pessoa deprimida se sente sozinha e incompreendida na sua
vivência. Ela não consegue compartilhar com os demais as pequenas alegrias e prazeres do cotidiano,
como festas, encontros, ou hobbies. Essas atividades lhe parecem distantes e sem sentido. Ademais, fre-
quentemente o deprimido tem muito cansaço e falta de energia. É como se fosse atado a uma pedra de
chumbo. Tudo se torna muito exaustivo, até mesmo a higiene pessoal e os cuidados básicos com a casa
podem ficar inviáveis.
A depressão comprovadamente altera o funcionamento geral do corpo e aumenta o risco para
várias doenças. O sono pode ser excessivo, ou reduzido e entrecortado. Alguns pacientes despertam pela
madrugada e não adormecem mais. Este despertar precoce é comumente acompanhado de muita angús-
tia, configurando a pior fase do dia. Alguns deprimidos têm perda de apetite e de peso, outros comem
compulsivamente. A dor está intimamente associada à depressão, compartilhando com ela várias áreas de
percepção do sistema nervoso. Doenças inflamatórias, autoimunes, alérgicas, mas também doenças me-
tabólicas, como o diabetes e até mesmo o câncer sofrem influência da depressão. Existe assim uma área
de pesquisa denominada psiconeuroendocrinoimunologia que busca destrinchar as vias que interligam os
diferentes sistemas do nosso organismo. De acordo com as neurociências, a divisão do homem em corpo e
mente é mais didática que real, pois os mesmos órgãos (por exemplo, cérebro, suprarrenais, intestino) e as
mesmas moléculas (por exemplo, serotonina, dopamina, noradrenalina, citocina, insulina, citocinas) atuam
coordenando tanto o nosso comportamento, as nossas emoções, como o nosso metabolismo, crescimento
e resposta de defesa imune.

85
A depressão é uma doença altamente prevalente, incapacitante e dispendiosa. Atualmente é con-
Tópicos em Neurociência Clínica

siderada a principal causa de incapacidade no mundo, pois acarreta a diminuição da funcionalidade, da qua-
lidade de vida e o aumento do risco de comorbidades e de mortalidade.1 Mais de 350 milhões de pessoas
sofrem de depressão em todo o mundo, sendo que a probabilidade de desenvolvê-la em algum momento
durante a vida é de 5% a 12% para homens e 10% a 25% para mulheres.1
É uma doença de etiologia multifatorial, envolvendo elementos biológicos, psicológicos e sociais.
Muitos dos sintomas da depressão apresentam características polimórficas que podem se sobrepor a vários
outros transtornos psiquiátricos, o que torna o diagnóstico desafiador.2
Este capitulo abordará questões importantes e atuais relacionadas à depressão, como a apresen-
tação clínica, a fisiopatologia, sua relação com o trauma na infância, o tratamento farmacológico e psicote-
rápico e, finalmente, o uso terapêutico da eletroestimulação transcraniana por corrente continua (tDCS) que
consiste em uma técnica de neuromodulação não-invasiva.

2 EPIDEMIOLOGIA

A depressão é a condição de saúde mental mais comum na população geral. Em suas formas mais
graves, pode levar ao aumento da mortalidade, particularmente pelo suicídio.3
A depressão afeta mais de 350 milhões de pessoas em todas as idades e em todo o mundo, sendo
que o número total daqueles com probabilidade de desenvolvê-la aumentou em 18,4%, entre 2005 e 2015.
Estima-se que esse número aumentará exponencialmente nos próximos anos, devendo superar as taxas das
doenças cardiovasculares.2 Já no ano de 2013, a depressão foi a segunda maior causa de “Anos Vividos com
Incapacidades” (YLDs – Years Lived with Disabilities), que é uma forma de se medir e comparar na população
o quanto de incapacidade uma determinada doença causa. Naquele ano, a depressão afetou entre 5% e 10%
dos adultos no mundo.4
A prevalência de sintomas depressivos na população geral varia entre 8% e 14%, nas áreas urbanas
de diferentes países. Ao longo da vida, a prevalência de depressão varia de 20% a 25% em mulheres, e de 7%
a 12% em homens.5
Em relação à associação entre depressão e doenças crônicas, um estudo de metanálise, publicado
em 2017, envolvendo 41 344 indivíduos, mostrou que sintomas depressivos estavam presentes em 27% dos
pacientes com asma, 24,6% daqueles com doença pulmonar obstrutiva crônica, 22% daqueles com lúpus
eritematoso sistêmico e em 30% daqueles com acidente vascular cerebral (30%).6

3 DIAGNÓSTICO

Para padronização dos critérios diagnósticos de depressão, foram desenvolvidos sistemas de classi-
ficação, dentre os quais os mais usados são a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relaciona-
dos à Saúde— atualmente em sua 11ª versão (CID-11)— e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais— atualmente me sua 5ª versão (DSM-5).
O DSM-57 destaca que os transtornos depressivos incluem transtorno disruptivo da desregula-
ção do humor, transtorno depressivo maior (incluindo episódio depressivo maior), transtorno depressivo
persistente (distimia), transtorno disfórico pré-menstrual, transtorno depressivo induzido por substância/

86
medicamento, transtorno depressivo devido à outra condição médica, outro transtorno depressivo es-

Tópicos em Neurociência Clínica


pecificado e transtorno depressivo não especificado. A característica comum entre esses transtornos é
a presença de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado de alterações somáticas e cognitivas. O que
os difere são os aspectos relacionados à duração, momento ou etiologia presumida. Seguem abaixo suas
respectivas descrições.

• Transtorno disruptivo da desregulação do humor: Caracterizado por irritabilidade crônica


grave com explosões de raiva frequentes (verbais ou comportamentais), e humor persistentemente
irritável ou zangado.
• Transtorno depressivo maior: A característica essencial é a presença de ao menos um episó-
dio depressivo maior, que consiste em um período de pelo menos duas semanas durante as quais
há um humor depressivo ou perda de interesse ou prazer em quase todas as atividades. Humor
deprimido deve estar presente na maior parte do dia, além de estar presente quase todos os dias.
Insônia ou fadiga frequentemente são as queixas principais relatadas. A tabela 1 apresenta os crité-
rios para diagnóstico do transtorno depressivo maior.
• Transtorno depressivo persistente: A característica principal é um humor deprimido que
ocorre na maior parte do dia e em quase todos os dias, por um período mínimo de dois anos (ou
por um ano em crianças e adolescentes), estando associado a duas, ou mais, das seguintes carac-
terísticas: Apetite diminuído ou alimentação em excesso; insônia ou hipersonia; baixa energia ou
fadiga; baixa autoestima; concentração pobre ou dificuldade em tomar decisões; sentimentos de
desesperança.Aqui a alteração afetiva não atinge gravidade suficiente para preencher os critérios
de um episódio depressivo, mas se distingue pela sua cronicidade.
• Transtorno disfórico pré-menstrual: Tem como característica a labilidade do humor, irritabili-
dade, disforia e sintomas de ansiedade, que ocorrem repetidamente durante a fase pré-menstrual
e diminuem de intensidade por volta do início da menstruação ou logo depois da mesma.
• Transtorno depressivo induzido por substância/medicamento: É caracterizado por sintomas
de um transtorno depressivo associado à abstinência, ou à intoxicação por alguma substância. Os
sintomas devem persistir além do período esperado de duração dos efeitos diretos da intoxicação
ou da abstinência.
• Transtorno depressivo devido a outra condição médica: É caracterizado por período de hu-
mor deprimido ou de diminuição acentuada de interesse ou prazer causado pelos efeitos diretos de
outra condição médica (como hipotireoidismo, ou síndrome de Cushing).
• Outro transtorno depressivo especificado: Consiste na presença de sintomas característicos
de um transtorno depressivo, mas que se deve a uma situação particular não prevista na classifica-
ção do DSM-5.
• Transtorno depressivo não especificado: Consiste na presença de sintomas característicos
de um transtorno depressivo, mas que não satisfazem os critérios diagnósticos das possibilidades
listadas na DSM-5 e nem permite especificação.

87
Tabela 1: Critérios do DSM-57 para diagnóstico do transtorno depressivo maior
Tópicos em Neurociência Clínica

A característica essencial do Transtorno Depressivo Maior é um quadro clínico caracterizado por um ou mais Episó-
dios Depressivos Maiores, sem história de Episódios Maníacos, Mistos ou Hipomaníacos (Critério A e C). O episódio
depressivo se define quando:
A. Cinco (ou mais) dos seguintes sintomas estiverem presentes durante o mesmo período de duas semanas e repre-
sentarem uma mudança em relação ao funcionamento anterior. Pelo menos um dos sintomas deve ser (1) humor
deprimido ou (2) perda de interesse ou prazer.
1. Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, conforme indicado por relato subjetivo (p. ex., sen-
te-se triste, vazio, sem esperança) ou por observação feita por outras pessoas (p. ex., parece choroso). (Nota: Em
crianças e adolescentes, pode ser humor irritável.)
2. Acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia, quase
todos os dias (indicada por relato subjetivo ou observação feita por outras pessoas).
3. Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta (p. ex., uma alteração de mais de 5% do peso corpo-
ral em um mês), ou redução ou aumento do apetite quase todos os dias. (Nota: Em crianças, considerar o insucesso
em obter o ganho de peso esperado.)
4. Insônia ou hipersonia quase todos os dias.
5. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias (observáveis por outras pessoas, não meramente sensações
subjetivas de inquietação ou de estar mais lento).
6. Fadiga ou perda de energia quase todos os dias.
7. Sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem ser delirantes) quase todos os dias
(não meramente autorrecriminação ou culpa por estar doente).
8. Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão quase todos os dias (por relato subjetivo ou
observação feita por outras pessoas).
9. Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ou ideação suicida recorrente sem um plano
específico, ou uma tentativa de suicídio, ou plano específico para cometer suicídio.

B. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo, ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou


em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

C. O episódio não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica.

Nota: Os Critérios A-C representam um episódio depressivo maior.

D. A ocorrência do episódio depressivo maior não é mais bem explicada por transtorno esquizoafetivo, esquizofrenia,
transtorno esquizofreniforme, transtorno delirante, outro transtorno do espectro da esquizofrenia e outro transtor-
no psicótico especificado ou transtorno da esquizofrenia e outro transtorno psicótico não especificado.

E. Nunca houve um episódio maníaco ou um episódio hipomaníaco.

Nota: Os episódios de Transtorno do Humor Induzido por Substância (devido aos efeitos fisiológicos diretos de uma dro-
ga de abuso, um medicamento ou exposição a uma toxina) ou de Transtorno do Humor Devido a uma Condição Médica
Geral não contam para um diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior. Além disso, os episódios não devem ser mais
bem explicados por um Transtorno Esquizoafetivo, nem devem estar sobrepostos a Esquizofrenia, Transtorno Esquizo-
freniforme, Transtorno Delirante ou Transtorno Psicótico Sem Outra Especificação (Critério B).
Nota: Um episódio é considerado findo quando não mais são satisfeitos todos os critérios para Transtorno Depressivo
Maior por pelo menos 2 meses consecutivos. Durante esse período de 2 meses, existe a resolução completa dos sinto-
mas ou a presença de sintomas depressivos que não mais satisfazem os critérios completos para um Episódio Depressivo
Maior (em remissão parcial).

88
4 FISIOPATOLOGIA

Tópicos em Neurociência Clínica


Assim como outros transtornos psiquiátricos, a depressão tem causa multifatorial. O conceito de
interação gene-ambiente, que traduz a observação de que a sensibilidade e a resposta aos fatores ambientais
variam entre as pessoas em dependência do polimorfismo genético, e o conceito de epigenética, segundo o
qual um elemento do ambiente desencadeia mudanças na configuração e com isso na probabilidade de ex-
pressão de um determinado gene, abrem novas perspectivas para a compreensão da herança genética como
um elemento em contínua e dinâmica interação com fatores ambientais.8,9
Por sua vez, essas interações se fazem refletir, por mecanismos de neuroplasticidade, em mudanças na
estrutura e no funcionamento de redes neurais que regulam funções psíquicas específicas. Assim, a perspectiva
neurodesenvolvimental da origem dos transtornos psiquiátricos propõe que o adoecimento seja o resultado ma-
nifesto de uma trajetória individual há muito iniciada, de modo que a doença não surge como interrupção de um
estado anterior de saúde e não pode ser prevista apenas a partir da constituição gênica.10 De fato, a experiência
de maus tratos nas fases iniciais do neurodesenvolvimento leva a mudanças permanentes na regulação gênica da
resposta ao estresse e à recompensa.11 As alterações em diferentes circuitos neurais (alças frontoestriatais, eixo
hipotálamo-hipófise-adrenal) associa-se a maior risco de desenvolvimento de inúmeras doenças psiquiátricas no
adulto, como depressão, impulsividade e comportamento de risco, incluindo o uso de substâncias.12,13
Durante décadas, admitiu-se que a depressão resultava de déficit na neurotransmissão monoami-
nérgica, tendo como embasamento os achados de melhora dos sintomas depressivos com administração
de inibidores de monoaminooxidase e antidepressivos tricíclicos— drogas que sabidamente aumentam a
quantidade de neurotransmissores monoaminérgicos (dopamina, serotonina e noradrenalina) na fenda si-
náptica. Entretanto, esse modelo apresentava algumas lacunas e, em 1989, é proposta a teoria citocinérgica
da depressão, postulando sua associação com um estado de atividade pró-inflamatória do sistema nervoso
central (SNC).14 No decorrer das décadas, foi ficando evidente que os dois modelos se complementam, de
modo que a ação de citocinas no SNC interfere também no metabolismo das monoaminas.15 Além disso, ou-
tros elementos, como fatores neurotróficos e a neurotransmissão glutamatérgica foram sendo incorporados
ao fenômeno da etiopatogenia da depressão.16,17

4.1 HIPÓTESE MONOAMINÉRGICA DA DEPRESSÃO


A hipótese monoaminérgica da depressão surgiu na década de 1960, a partir da observação clínica
de respostas às drogas. Por exemplo, a reserpina, um inibidor do armazenamento vesicular das monoaminas,
desencadeou sintomas depressivos. Já a imipramina, um inibidor de recaptação de noradrenalina no cérebro,
foi capaz de reverter os efeitos da reserpina. Esses dados ajudaram a formular a hipótese monoaminérgica
da depressão, ou seja, que esta se deve a uma deficiência ou ao desequilíbrio nos neurotransmissores do-
pamina, serotonina e noradrenalina.18 Essas monoaminas exercem efeitos modulatórios sobre sinapses de
diversos circuitos, fortalecendo-os ou enfraquecendo-os e estão envolvidas com a regulação do humor, a
atividade psicomotora, o apetite, o sono, e a cognição.19 (Figura 1).
A teoria monoaminérgica foi alicerce para o desenvolvimento de diversos antidepressivos, como os
inibidores da MAO (enzima monoamino-oxidase, que cataboliza a dopamina), os antidepressivos tricíclicos,
os inibidores seletivos de receptação de serotonina e outros, todos eles atuando de forma a aumentar a dis-
ponibilidade das monoaminas no sistema nervoso.
No entanto, há lacunas ainda inexplicadas, como a refratariedade de 30% dos pacientes ao trata-
mento com antidepressivos, a taxa de recaída de até 50% após o primeiro episódio de depressão e a incon-
gruência entre o efeito de aumento nos níveis de monoaminas no cérebro, que é quase imediato após o uso
de antidepressivos, e a demora de duas a três semanas para o aparecimento da melhora clínica.20

89
Tópicos em Neurociência Clínica

Noradrenalina Serotonina

Dopamina

Figura 1 – Modelo monoaminérgico da depressão.


Fonte: Quevedo e Silva (2013).

4.2 DEPRESSÃO E O EIXO HIPOTÁLAMO-PITUITÁRIA-ADRENAL (HPA)


A atividade do eixo HPA segue um padrão de secreção circadiano, que se caracteriza por um pico
nos níveis séricos de cortisol e do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) pouco antes do despertar, com de-
clínio gradual nas 24 horas seguintes do dia.21
O eixo HPA é importante para manter a homeostase em situações de desafio, sendo ativado quando
o organismo sofre um estimulo estressor. Em resposta, é secretado pelo hipotálamo o hormônio liberador de
corticotropina (CRH), que estimula a síntese de ACTH pela adenohipófise. O ACTH, por sua vez, circula pela
corrente sanguínea, estimulando a síntese de glicocorticoides pela glândula suprarrenal. Os glicocorticoides,
por um mecanismo de feedback negativo, ligam-se aos seus receptores no hipotálamo, promovendo a inibi-
ção da liberação adicional de e CRH e ACTH, de forma que normalmente a resposta é aguda e autolimitada. 22
Entretanto, caso o elemento estressor seja de longa duração, ocorre dessensibilização do receptor
de glicocorticoide (RG) no hipotálamo com disfunção do mecanismo de feedback negativo. Isso perpetua a
situação de altos níveis de cortisol, tanto na corrente sanguínea, como nos tecidos, incluindo no SNC.
O cortisol tem efeito anti-inflamatório, suprimindo a ação dos leucócitos e a produção de citocinas.
Todavia, na situação de cronicidade, também os RG nessas células sofrem dessensibilização, o que leva a um
estado pró-inflamatório com níveis de citocinas que se mantêm elevados, apesar da hipercortisolemia.
Em modelos animais, o estresse crônico— associado ao isolamento social, rejeição, submissão, ou
derrota— se associa à ativação de estruturas límbicas, particularmente da amígdala (responsável pela detec-
ção de ameaça) que deflagra a ativação do eixo HPA e do sistema nervoso autônomo simpático.
O hipocampo é um alvo importante do cortisol e a ativação local de receptores glicocorticoides
no hipocampo auxilia no controle do eixo HPA. O desequilíbrio dos RG na depressão pode contribuir para a
susceptibilidade do hipocampo e para o dano neuronal nessa estrutura. As alterações funcionais dos neurô-
nios do hipocampo causadas pelo estresse crônico podem reduzir o tônus inibitório sobre o eixo HPA, o que
contribui para a sua hiperatividade.12,23

90
4.3 HIPÓTESE CITOCINÉRGICA, OU INFLAMATÓRIA DA DEPRESSÃO

Tópicos em Neurociência Clínica


O papel das citocinas na depressão foi inicialmente proposto por Smith como “teoria dos macrófa-
gos na depressão”24 e tem sido amplamente investigado nas últimas décadas.25 Citocinas pró-inflamatórias,
incluindo IL -1, IL-6 e TNF-alfa, PCR, IL-1β, interferons alfa e gama são liberados por células imunes ativadas
durante a resposta à invasão do patógeno, bem como no contexto de lesão tecidual e de estresse psicológico.
Elas provavelmente induzem ao “comportamento de doença” (do inglês sickness behavior), correspondendo
este às mudanças comportamentais que acompanham o adoecimento agudo, como retraimento social, ane-
donia, fadiga e anorexia. Estas alterações guardam semelhança com sintomas depressivos.26
O “comportamento de doença” é considerado um mecanismo de adaptação, uma resposta cerebral
temporária aos sinais do sistema imunológico, que visa a conservação de energia do organismo durante o
curso do “combate imunológico”, permitindo aos indivíduos doentes lidar melhor com uma infecção, ou infla-
mação aguda. Citocinas anti-inflamatórias regulam a intensidade e a duração do “comportamento de doen-
ça”, provavelmente por inibição da produção e por diminuição da sinalização de citocinas pró-inflamatórias.27
No entanto, este equilíbrio pode ser interrompido e sintomas comportamentais clinicamente relevantes,
e até mesmo doenças neuropsiquiátricas como a depressão podem se desenvolver, quando o desafio imunológico
se torna crônico e / ou não regulado, como observado em pacientes que receberam tratamentos de longa duração
com intérferon, ou naqueles expostos a doenças crônicas e / ou à situação de estresse psicossocial prolongado.
Assim, a teoria citocinérgica defende que os sintomas psiquiátricos da depressão sejam causados por
um estado inflamatório crônico. De fato, pacientes com depressão apresentam aumento da expressão de citocinas
pró-inflamatórias, quimiocinas, reagentes de fase aguda e moléculas de adesão,29 com estudos de meta-analise
demonstrando que IL-1β, IL-6, TNF e proteína C-reativa (PCR) são os biomarcadores inflamatórios mais confiáveis
nesses casos.30 Por outro lado, o bloqueio de citocinas (como o TNF) ou de componentes da via de sinalização infla-
matória reduzem os sintomas depressivos em pacientes com artrite reumatoide, psoríase e câncer.31,32
De fato, interações neuroimunes no SNC levam a mudanças em diferentes vias de sinalização bio-
molecular que, em conjunto, interferem no afeto e no comportamento: disfunção do eixo hipotálamo-hi-
pófise-adrenal (hipercortisolemia e densidade reduzida do receptor de glicocorticóide); ativação da enzima
degradante triptofano indolamina-2,3-dioxigenase (IDO), que gera metabólitos potencialmente neurotóxicos
derivados de quinurenina, tais como 3-hidroxi-quinurenina e ácido quinolínico; disfunção da neurogênese
(por exemplo, apoptose neural e diminuição da produção de fatores neurotróficos), disfunção em neurocir-
cuitos envolvendo os gânglios da base e córtex cingulado anterior e disfunção neuroimune sistêmica (por
exemplo, diminuição da proliferação, aumento da taxa de apoptose e função diminuída das células T).28
A exposição ao estresse psicossocial é um dos preditores mais importantes para o desenvolvimento
de depressão em humanos. Os inflamossomas— complexos proteicos citosólicos que se formam nas célu-
las mieloides em resposta a microorganismos patogênicos, mas também a estressores psíquicos— podem
representar uma das principais interfaces imunológicas entre a experiência psicológica e a inflamação.29 O
estresse psicossocial desencadeia a liberação de catecolaminas, as quais irão estimular, na medula óssea, a li-
beração de células mieloides que entram na periferia e encontram danos moleculares induzidos pelo estresse
(DAMPs – padrões moleculares associados aos danos) e por microrganismos (MAMPs – padrões moleculares
associados aos microrganismos). São então ativadas as vias de sinalização inflamatória, como o inflamassoma
NLRP3, que ativa a caspase 1, a qual leva à produção de IL-1β e IL-18, ao mesmo tempo que cliva o receptor
de glicocorticoide. A ativação do fator nuclear-kappa-beta (NF-κβ) estimula a liberação de TNF e IL-6 que,
juntamente da IL-1β e IL-18, podem penetrar no cérebro, atravessando as áreas circunventriculares (nas quais
não há barreira hematoencefálica), trafegando pelo nervo vago, ou por transporte ativo.29 Ao mesmo tempo,
a ativação prolongada do eixo HPA leva à hipercortisolemia e à resistência dos RG nos leucócitos periféricos,
que continuam liberando citocinas, apesar dos níveis altos de corticoides.32

91
Além disso, a elevação dos níveis de IL-6 no SNC pode estimular a produção e a secreção do hormô-
Tópicos em Neurociência Clínica

nio liberador de corticotropina (CRH) por estruturas límbicas; por sua vez, o CRH ativa macrófagos, monócitos,
micróglia e astrócitos a liberarem citocinas pró-inflamatórias.
Como já mencionado, o aumento nas concentrações de citocinas pró-inflamatórias acarreta ativa-
ção da enzima idolamina-2,3-dioxigenase (IDO), que metaboliza o triptofano, formando moléculas neurotóxi-
cas e reduzindo a sua disponibilidade no SNC para a formação de serotonina.32
Estudos utilizando ressonância magnética nuclear funcional (fMRI) em adultos com infecção crônica
pelo vírus da hepatite C demonstraram que as citocinas inflamatórias diminuem a liberação de dopamina
nos gânglios da base e levam à redução na resposta de recompensa no estriado.33 Níveis séricos elevados de
PCR se correlacionam à diminuição da ativação do estriado ventral (nucleus accumbens— área associada ao
processamento de prazer e motivação) e do córtex pré-frontal ventromedial (fundamental na ponderação so-
bre diferentes opções e na tomada de decisões) em análise por fMRI.34 Em cadeia, o aumento da inflamação
também causa aumento da ativação de neurocircuitos associados à ameaça e à ansiedade, incluindo o córtex
cingulado anterior dorsal, a ínsula e a amigdala.29
A compreensão de como os processos inflamatórios contribuem para a depressão tem estimulado o
interesse acerca da possibilidade do uso de anti-inflamatórios como novos “antidepressivos”.35

4.4 FATOR NEUROTRÓFICO DERIVADO DO CÉREBRO (BDNF) E FATOR DE CRESCIMENTO NEURAL


(NGF)
O BDNF é considerado a principal neutrofina do cérebro, sendo produzido pela glia e pelos núcleos
neuronais e tendo grande expressão no hipocampo, neocórtex, amigdala e cerebelo. O BDNF faz a modulação
de diversas funções sinápticas, promove a maturação, a nutrição, o crescimento e a integridade neuronal,
desempenhando papel fundamental na plasticidade neuronal e na memória.36
O SNC é responsável por quase 75% da produção de BNDF circulante. Sua concentração se reduz fi-
siologicamente com a idade em ambos os sexos. Já na depressão sugere-se que ocorram alterações nos níveis
de BDNF em estruturas límbicas chaves.37
O feedback positivo do BDNF ocorre na amígdala e no nucleus accumbens. O feedback negativo
ocorre no hipocampo e no córtex pré-frontal medial. O equilíbrio entre a regulação positiva e a regulação
negativa depende dos níveis de cortisol circulantes. Em situações de estresse, há aumento dos níveis de
cortisol, com hiperativação do eixo HPA e resistência dos RG. Os glicocorticoides acabam sendo tóxicos para
os neurônios hipocampais que reduzem a formação de BNDF, com implicações na sobrevida neuronal e na
neurogênese, o que provavelmente se associa à depressão.38
O Fator de crescimento neural (NGF) é outra neutrofina, também com um papel importante na dife-
renciação e sobrevivência neuronal, na conectividade e na plasticidade do cérebro, tanto durante o neurode-
senvolvimento como na idade adulta.39 Ele é produzido no córtex cerebral, no hipocampo e no hipotálamo e,
assim como o BDNF, foi associado ao desenvolvimento de transtornos mentais.40

4.5 INTERAÇÕES DO EIXO INTESTINO-CÉREBRO


O conceito relacionado ao eixo intestino-cérebro é usado para descrever a comunicação bidirecional
entre o SNC e os órgãos intestinais. Ele foi discutido, pela primeira vez, em termos de regulação periférica das
emoções, em 1880.41
O cérebro juntamente com o Sistema Nervoso Entérico (SNE)— que possui cerca de 200 a 600 mi-
lhões de neurônios— são os componentes desse eixo que envolve conexões entre o sistema límbico, o eixo
HPA e o tronco encefálico.42

92
O aumento na permeabilidade intestinal (leaky gut) permite que microrganismos e seus metabó-

Tópicos em Neurociência Clínica


litos— como lipopolissacarídeos (LPS) e peptídeos neuroativos— passem da luz intestinal para a corrente
sanguínea e para o tecido linfoide mesentérico, desencadeando resposta imunológica com ativação do nervo
vago e de neurônios aferentes da medula espinhal, que irão modular respostas no SNC e no SNE.
Os LPS podem penetrar o SNC e nele ativar os receptores toll-like 4 nas células microgliais, que
passam a liberar citocinas inflamatórias. O processo neuroinflamatório, por sua vez, predispõe a sintomas
depressivos.43
Em estudos com modelo animal, observou-se que a composição da microbiota estava alterada em
animais com depressão. Em humanos, foi observado, em indivíduos com depressão, aumento da população
de Bacteroidetes, Proteobacteria e Actinobacteria e diminuição da população de Frimicutes. Outro achado é
o de que determinados probióticos podem aliviar os sintomas depressivos.44

5 TRAUMA NA INFÂNCIA E DEPRESSÃO

O trauma pode ser definido como uma experiência avassaladora que supera a capacidade de adap-
tação e enfrentamento do indivíduo. Pode surgir de um único evento, no entanto, mais frequentemente
corresponde a situações crônicas ou repetidas de adversidade, como o abuso infantil.
Estudos de meta-analise têm demonstrado aumento da incidência de transtornos mentais em in-
divíduos com histórico de abuso infantil.45,46 Por exemplo, o abuso sexual na infância pode aumentar em até
quatro vezes o risco de depressão na idade adulta. Também a concomitância de diferentes formas de maus-
-tratos (físico, sexual, emocional, negligência) e sua duração impactam no risco de adoecimento psiquiátrico
no adulto.47
Abuso emocional e negligência emocional também estão relacionados à maior vulnerabilidade à
depressão.47 Discute-se que a vergonha, a culpa e a baixa autoestima decorrentes do abuso possam ser os
elementos que levam à depressão.
Estudos em modelo animal mostram que a experiência de derrota social induz comportamentos
de depressão, como anedonia, isolamento e imobilidade, acompanhados de elevação dos níveis séricos de
corticoides e alterações duradouras do sistema de recompensa,49-50 com aumento da excitabilidade e da taxa
de disparo de neurônios dopaminérgicos na área tegmental ventral.49 Roedores privados de cuidados mater-
nos apresentam comportamentos depressivos, com aumento do nível de glicocorticoides e diminuição da
concentração de neutrofinas.51,52
Conforme já discutida, a hiperreatividade do eixo HPA é um dos principais mecanismos envolvidos
na depressão.53 Admite-se que experiências traumáticas em um período precoce do neurodesenvolvimento
causem— por mecanismos epigenéticos— dessensibilização duradoura do receptor de glicocorticoide no
hipotálamo, determinando assim a hiperresponsividade do eixo HPA diante de futuros estressores.54-56

6 DEPRESSÃO E SUICÍDIO

O suicídio é um ato consciente, feito com a intenção de acabar com a própria vida, constituindo
um problema de saúde pública desafiador e complexo.57 É considerado uma das principais causas de morte
evitável em países desenvolvidos e em desenvolvimento, sendo que até dois terços das mortes por suicídio
ocorrem na primeira tentativa.58 Sua incidência entre pessoas com depressão varia entre 2,8% e 5%, sendo
que mais de 90% das pessoas que morreram por suicídio tinham histórico de depressão.58

93
Tópicos em Neurociência Clínica

O risco de suicídio sempre deve ser investigado e diretamente questionado pelo psiquiatra. Ele
pode se mostrar sob diferentes formas, indo desde a perda de interesse pela vida, fantasias de morte, até o
planejamento meticuloso do ato de autoextermínio. É possível que se estruture como ideia fixa, ou que seja
a resposta impulsiva a uma situação percebida como inescapável.58
Estudos post mortem e in vivo, em sobreviventes à tentativa de suicídio, evidenciam alterações no
eixo HPA e no sistema serotoninérgico. Com efeito, a hiperatividade do eixo HPA foi associada a um aumento
de até 14 vezes no risco de suicídio,59 que assim possui um componente de resposta neuroendócrina anormal
ao estresse. Aqui, fatores genéticos e epigenéticos estão envolvidos. Estudos demonstraram que indivíduos
que cometeram suicídio apresentaram alterações no gene do CRH e hipermetilação e expressão reduzida do
gene SkA2, que codifica uma proteína que interage com NR3CL (receptor de glicocorticoide).60-61
Um estudo recente de neuroimagem estrutural com morfometria evidenciou atrofia em diferentes
regiões do córtex pré-frontal em pessoas com tentativa de suicídio. Trata-se aqui de áreas responsáveis pela
interpretação do ambiente, ponderação, tomada de decisão frente a diferentes opções, flexibilidade cogniti-
va e controle dos impulsos.62
Assim, as alterações genéticas, biomoleculares a anatômicas, em conjunto, provavelmente causam
um perfil cognitivo e emocional, com prejuízo no autocontrole e nas funções executivas, impulsividade, tra-
ços de agressividade, hiper-reatividade ao estresse e pessimismo, que predispõe ao comportamento suicida.

7 TRATAMENTO

7.1 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO E PSICOTERÁPICO


O tratamento da depressão varia de acordo com a gravidade dos sintomas. Após avaliação psiquiá-
trica, em casos de sintomas leves, ficam indicadas medidas não farmacológicas, tais como: psicoeducação,
atividade física, psicoterapia, técnicas de higiene do sono, meditação, dentre outras.
O uso de antidepressivos fica reservado para os casos de depressão moderada a grave, devendo ser
acompanhado das medidas acima, de modo a estabelecer um tratamento multiprofissional e abrangente.63
As intervenções psicoterápicas seguem diferentes linhas teóricas. Assim, a psicoeducação visa pro-
piciar ao paciente um entendimento adequado do seu transtorno e dos seus sintomas. Estudos têm demos-
trado que a técnica reduz o risco de depressão em 38% dos casos, sendo uma importante ferramenta de
prevenção e tratamento.63
A psicoterapia de apoio psicodinâmica breve é uma modalidade de curto prazo, embasada na teoria
psicanalítica. A psicoterapia interpessoal é outra modalidade de terapia breve e focada, também com evidên-
cia comprovada, proporcionando resultados equivalentes aos da farmacoterapia isolada, com melhora nas
funções sociais e menores índices de recaída.64
Um estudo de metanálise que analisou 25 ensaios clínicos randomizados concluiu que exercícios
aeróbicos moderados demonstraram ter efeitos antidepressivos.65 Os exercícios físicos aeróbicos e de resis-
tência (musculação) podem promover redução da gravidade dos sintomas depressivos já após dez dias de
execução. Realizados regularmente, os efeitos de dez semanas de exercícios aeróbicos podem durar até dez
meses, diminuindo a taxa de recaídas.52 Outra meta-analise demonstrou que atividade física regular reduz os
níveis de cortisol em indivíduos com depressão.66
O tratamento farmacológico é composto por drogas que atuam sobre a neurotransmissão monoami-
nérgica. Os antidepressivos mais usados são os antidepressivos tricíclicos (ADT— que inibem a recaptação de
noradrenalina, serotonina e dopamina na fenda sináptica) e os inibidores seletivos da recaptação de serotonina
(ISRS), sendo necessária avaliação cuidadosa e análise dos efeitos adversos e das interações medicamentosas.

94
Apesar de ter resultados comprovados, a eficácia da farmacoterapia ainda é insatisfatória, com

Tópicos em Neurociência Clínica


quase metade dos pacientes permanecendo com sintomas depressivos e cerca de 2/3 de recidiva. Deve-se
também, nos casos de refratariedade, considerar as possibilidades de diagnóstico incorreto, má adesão ao
tratamento, transtorno de personalidade grave e mau enfrentamento dos estressores ambientais.63

7.2 ESTIMULAÇÃO TRANSCRANIANA POR CORRENTE CONTINUA (tDCS)


A tDCS surgiu nas últimas décadas como estratégia terapêutica não farmacológica promissora, que
oferece a oportunidade de modulação não invasiva da excitabilidade cortical e da plasticidade neuronal em
transtornos como a depressão.
Por meio de uma corrente contínua de baixa intensidade sobre o escalpo, a tDCS deflagra respostas
de neuroplasticidade nos neurônios corticais, influenciando funções cerebrais, como a cognição, a percep-
ção, a memória, a linguagem e as funções executivas. A maioria dos estudos utiliza uma amplitude entre 1 e
2 mA, e tempo de aplicação entre 10 e 20 minutos, por sessão.
Enquanto a tDCS anódica causa aumento da excitabilidade cortical, a catódica causa sua diminui-
ção. Os efeitos da aplicação de curta duração só são observados durante a estimulação. As duas formas da
tDCS (anódica e catódica), quando aplicadas por períodos curtos, afetam primariamente o potencial de re-
pouso da membrana neural.67
Quando aplicada por um período superior a três minutos, os efeitos são mais duradouros. Pes-
quisas apontam que a tDCS acima de três minutos também causa modificação no microambiente sináptico
(efeito neuroplástico), interferindo na atividade de receptores glutamatérgicos e GABAérgicos.67
A justificativa para o uso da tDCS na depressão é baseada em observações clínicas de hipometa-
bolismo do córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, associado à hiperfunção pré-frontal direita e à disfun-
ção da plasticidade cerebral. Assim, nas sessões de terapia, o ânodo é tipicamente colocado sobre o córtex
pré-frontal dorsolateral esquerdo e o cátodo, sobre a área supraorbital contralateral, correspondendo a F3 e
FP2, de acordo com o sistema internacional 10-20 EEG.68
Estudos clínicos68,69 têm demonstrado efeitos positivos da tDCS, no tratamento da depressão,
associada ou não à terapia medicamentosa. No entanto, trata-se de uma técnica que ainda carece de
mais estudos para sua comprovação e que pode apresentar alguns efeitos colaterais leves, como: cefaleia
transitória, sensação de prurido, eritema transitório, náusea e vertigem.69

7.3 ELETROCONVULSOTERAPIA
A eletroconvulsoterapia (ECT) é um procedimento que aplica estimulação elétrica para produzir
uma convulsão generalizada com fins terapêuticos.70 Ela já vem sendo utilizada há mais de meio século,71 no
entanto, ainda é considerada uma terapia de segunda linha, geralmente reservada para os casos mais graves
(comportamento suicida, sintomas psicóticos, mutismo) em que a medicação e a psicoterapia falharam. Sua
indicação não se restringe à depressão, sendo um método estabelecido também no tratamento da esquizo-
frenia e do transtorno afetivo bipolar.72
Estudos em animais demonstraram que a ECT induz mudanças nos sistemas serotoninérgico e do-
paminérgico, levando ao aumento da densidade dos receptores 5HT2.73 e à resistência dos receptores dopa-
minérgicos, resultando em aumento da liberação da dopamina.74 Também observou-se aumento na síntese
de fatores neurotróficos.75 Além disso, a ECT desencadeia alterações hormonais, com elevação dos níveis de
prolactina, cortisol e hormônio tireoestimulante.76
A ECT é comprovadamente um método seguro e bastante eficaz na melhora dos sintomas depressi-
vos, com resultados superiores à farmacoterapia. A resposta antidepressiva é rápida e duradoura.77-79

95
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tópicos em Neurociência Clínica

A depressão não é simplesmente estar triste, mas um transtorno psiquiátrico grave que precisa de
acompanhamento profissional, uma vez que é uma das doenças mentais mais incapacitantes e que pode
trazer comprometimentos severos para os pacientes e seus familiares. Apesar de sua fisiopatologia ser com-
plexa, a depressão é tratável e diferentes opções terapêuticas estão à disposição. No entanto, é importante
salientar que a falta de informação dificulta muito a recuperação e a reabilitação dos pacientes, sendo neces-
sário que a sociedade desenvolva um novo olhar para esse problema.

9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Capítulo VI
ESQUIZOFRENIA
Marília de Souza Vergara
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO

Dentre os transtornos psiquiátricos a esquizofrenia é provavelmente o mais severo. Ela compro-


mete gravemente a percepção da realidade e de si mesmo, leva a comportamentos altamente disfuncionais,
desorganiza a afetividade e a cognição, perturba os vínculos familiares e sociais, resultando frequentemente
em incapacitação profissional, isolamento e marginalização.
Tipicamente a esquizofrenia se caracteriza pela presença de sintomas positivos (alucinações, delí-
rios, fala desorganizada), sintomas negativos (embotamento afetivo, falta de motivação, empobrecimento do
discurso e retraimento social) e déficit cognitivo, incluindo prejuízo da atenção, da memória e das funções
executivas. Trata-se de um transtorno comum que acomete cerca de 1% da população mundial. Felizmente a
heterogeneidade é grande, de forma que nem todos os casos têm um prognóstico funesto.
A esquizofrenia continua a ser um transtorno mental mal compreendido pela sociedade, permane-
cendo como um estigma, sendo muitas vezes associada a contextos negativos, em especial, aos de violência.1
Por isso é necessário falar sobre a doença e fortalecer as políticas públicas de tratamento e de reabilitação, de
modo que as pessoas com esquizofrenia possam reescrever sua história. A melhor compreensão ajudará os pa-
cientes a abraçarem o tratamento de forma efetiva, pois a adesão aos tratamentos ainda é muito baixa no Brasil.
Embora o advento dos antipsicóticos tenha sido um enorme avanço, o tratamento da esquizofrenia
permanece insatisfatório, pois enquanto essas drogas melhoram os sintomas positivos, os déficits cognitivos
e os sintomas negativos ainda persistem sem uma terapêutica adequada. O melhor entendimento da sua
fisiopatologia deverá se converter em avanços no tratamento e na melhor recuperação dos enfermos.
O presente capítulo apresenta dados epidemiológicos, a história do diagnóstico de esquizofrenia
até a sua conceituação atual, que se reflete nos critérios da Associação Americana de Psiquiatria, descritos
na quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM-5). Também discute
a abordagem fenomenológica, a diferença entre a compreensão das patologias psiquiátricas como entidades
categóricas e a sua apreciação dimensional, a multicausalidade dos transtornos mentais, considerando a
interação entre fatores genéticos e ambientais, a neuroplasticidade e a epigenética. Em seguida, o capítulo
apresenta as hipóteses fisiopatológicas associadas à origem da esquizofrenia e aborda o aspecto da neuro-
degeneração. Finalmente, apresenta-se um panorama das possibilidades terapêuticas: o tratamento medica-
mentoso, a eletroconvulsoterapia e as terapias de base psicossocial.

2 EPIDEMIOLOGIA

A prevalência mundial da esquizofrenia é de cerca de 1% da população e sua incidência anual de


1,5/10.000 indivíduos.1 O transtorno se inicia mais comumente no final da adolescência ou no começo da

99
vida adulta, sendo mais raro seu surgimento na infância ou após os 45 anos. A diferença de acometimento
Tópicos em Neurociência Clínica

entre os sexos é pequena, com uma proporção de 1,4 homens para 1 mulher. Além disso, o diagnóstico nas
mulheres é mais tardio, com idade de início no sexo masculino entre 18 e 25 anos e no sexo feminino entre
25 e 35 anos.2,3
Os fatores de risco associados com a esquizofrenia são:
• Ser morador de zona urbana.4
• Imigração.5
• Histórico de complicações obstétricas, como hemorragia perinatal, prematuridade, incompatibi-
lidade sanguínea materno-fetal, hipóxia neonatal, infecção materna durante a gestação.6
• Nascimento no final do inverno e início da primavera (refletindo, talvez, exposição ao vírus da
gripe durante o desenvolvimento neural).
• Idade paterna avançada na concepção (poderia estar associada com risco aumentado de muta-
ções de novo).7,8
• Abuso de drogas psicoestimulantes, como anfetamina, metanfetamina e cocaína.9
• Uso de cannabis: O consumo de Cannabis pode aumentar o risco de desenvolvimento de esqui-
zofrenia em até 4 vezes em pessoas geneticamente predispostas.10
• Histórico de adversidades na infância, como abuso físico e sexual, e bullying.10

Os indivíduos com o transtorno têm menor expectativa de vida, cerca de 20 anos a menos do que
a população geral,11 e maior mortalidade devido às comorbidades psiquiátricas— como depressão, transtor-
nos de ansiedade e transtornos por uso de álcool e outras substâncias— e às comorbidades clínicas, como
doenças cardiovasculares (coronariopatia, acidentes vasculares encefálicos) e metabólicas (diabetes tipo II,
dislipidemia, obesidade), afecções respiratórias.12,13,14,15

3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIAGNÓSTICO DE ESQUIZOFRENIA

A definição de esquizofrenia começa a ser desenvolvida no final do Século XIX e início do XX. Ga-
nhando forma com as contribuições de Emil Kraepelin (1856-1926) e de Eugen Bleuler (1857-1939), passou
por transformações constantes ao longo do século passado, até chegar ao conceito atual, sobretudo após
Kurt Schneider (1887-1967) propor os Sintomas de Primeira Ordem.
O psiquiatra alemão Emil Kraepelin introduziu o termo dementia praecox (1919), unindo em uma
única entidade nosológica um grupo de manifestações clínicas observadas em seus pacientes. Eles apre-
sentavam, em idade jovem, severo declínio cognitivo e comportamental, com evolução progressiva do que,
décadas depois, foram conceituadas como funções executivas. A dementia praecox foi descrita com tendo
nove formas de manifestações clínicas: hebefrenia, dementia praecox simplex, depressiva, circular, agitada,
periódica, catatônica, paranoide e com discurso confuso.16 Kraepelin acreditava que essas manifestações fos-
sem subjacentes a distúrbios neurológicos, o que não conseguiu comprovar na sua época.17
O psiquiatra suíço Eugen Bleuler cunhou o termo esquizofrenia para definir a cisão entre com-
portamento, pensamento e emoção. Diferentemente do que defendia Kraepelin, afirmou que a doença
não teria necessariamente um curso deteriorante. Bleuler distinguiu os sintomas básicos (obrigatórios)
– prejuízo de associações, de pensamento, indeterminação volitiva (ambivalência), incongruência afetiva,
afastamento da realidade (autismo) –, dos sintomas acessórios (suplementares) – delírios e alucinações.16
Em sua concepção, os distúrbios estariam mais associados às alterações psicológicas do que propriamente
a uma disfunção neural.

100
Kurt Schneider, psiquiatra alemão, estabeleceu os sintomas de primeira ordem, como altamente

Tópicos em Neurociência Clínica


indicativos do diagnóstico de esquizofrenia:
• Alucinações auditivas sob a forma de vozes discutindo sobre ou discutindo com o paciente;
• Sonorização dos pensamentos/pensamentos audíveis/eco do pensamento
• Passividade somática: o indivíduo tem a experiência dessas sensações como não sendo suas,
mas como sendo controladas por alguém.
• Inserção de pensamento, na qual o indivíduo experimenta pensamentos como não sendo seus,
mas inseridos em sua mente.
• Roubo de pensamento: os pensamentos cessam na mente devido à influência direta de um
agente externo.
• Transmissão do pensamento/irradiação do pensamento: experiência de pensamentos saindo
dos limites de sua mente e sendo compartilhados com outros sujeitos.
• Percepções delirantes: quando se atribui um significado anormal a percepção de fatos da realidade.18
A partir dessas proposições e refletindo as ideias de Kraepelin, Bleuler e Schneider foram formula-
das as definições presentes no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais em sua primeira e
segunda edições (DSM-I e DSM-II). No entanto, os critérios permaneceram imprecisos, tal que se diagnostica-
va uma mesma patologia de diferentes formas em diferentes países, sem uma real padronização. Com o DS-
M-III, buscou-se eliminar as dissonâncias de diagnóstico, fazendo constar a presença de distúrbios cognitivos
e a evolução crônica e priorizando os Sintomas de Primeira Ordem de Schneider.

4 ABORDAGEM FENOMENOLÓGICA

Em psiquiatria, a abordagem fenomenológica busca descrever e caracterizar os fenômenos psicopa-


tológicos em sua subjetividade, ou seja, explora-se a vivência do indivíduo durante o adoecimento psíquico
e não apenas seus sinais externos. Trata-se de uma inversão de perspectiva em relação à tendência predomi-
nante de objetivação e mensuração.
Publicada em 1913, a obra que demarca fundamentalmente essa abordagem é “Psicopatologia Geral”
de Karl Jaspers. Nela o entendimento da esquizofrenia no sentido “de dentro para fora” significa a compreensão
da experiência delirante, o que ainda é um desafio. Atualmente o delírio é definido como uma falsa crença,
baseada em inferências incorretas sobre a realidade externa, que se mantém sustentada pela pessoa contra o
senso comum e eventuais provas contrárias e incontestáveis.19 Sua característica principal é a incorrigibilidade.
Os delírios variam grandemente de conteúdo. Podem-se referir a experiências religiosas ou de per-
seguição, adoecimento, envenenamento, roubo e, até mesmo, à crença de estar morto, de possuir quali-
dades superiores, de ser amado, dentre outras. Os delírios podem ter enredos complexos e organizados.
Neste caso, denominam-se sistematizados. Na esquizofrenia, eles são caracteristicamente bizarros, ou seja,
encerram ideias claramente absurdas e ilógicas, como, por exemplo, a de ter o pensamento lido por um chip
implantado na pele, de estar gestante de um alienígena ou ser perseguido por alguém que as demais pessoas
não conseguem enxergar.
O psiquiatra alemão Klaus Conrad desenvolveu um modelo que divide a experiência esquizofrênica
em etapas.20 Segundo suas observações, antes da cristalização da crença delirante, os pacientes experimen-
tam um estado de assombro, durante o qual têm a percepção indefinida de que algo está errado. Esse perío-
do – que pode durar meses – é caracterizado por medo, desconfiança e retraimento. Aspectos irrelevantes da
vida cotidiana, até então despercebidos, adquirem importância e geram apreensão.

101
Essa fase, denominada humor delirante, é interrompida pela apofania (ou revelação), que seria a
Tópicos em Neurociência Clínica

experiência de insight, ou seja, de subitamente encontrar um sentido sobre o que está acontecendo. Neste
momento, o paciente cristaliza o delírio como uma explicação para sua antiga sensação de estranheza e
perplexidade. O paciente constrói inferências causais e muda o ponto de referência da realidade para si
mesmo, passando a interpretar todos os eventos como girando em torno de si, ou mantendo uma relação
consigo.21 Alguns pesquisadores sugerem que o fenômeno central da esquizofrenia seja, assim, a perda do
senso comum.22
Os transtornos do self são outras características centrais da experiência psicótica. Trata-se de vi-
vências muito perturbadoras e ameaçadoras para a pessoa, nas quais os dados autoevidentes – os que a
orientam no mundo – são abalados, como acontece nos transtornos de desrealização e de despersonalização.
A desrealização reflete a sensação de estranheza e perplexidade diante do ambiente, como se
este tivesse se tornado irreal e distante para o indivíduo. Já a despersonalização se caracteriza pela quebra
da percepção de si mesmo, na qual o indivíduo deixa de se perceber como unidade (desintegração do eu),
ou não se reconhece como ator de seus atos e pensamentos (perda do senso de agência). O paciente pode
não se sentir totalmente presente no mundo, carecer de identidade e de definição clara dos limites do
seu corpo e sentir que seus pensamentos não são autogerados. De fato, Kraepelin considerou a “perda da
unidade interior de consciência” e a “devastação da vontade” (orquestra sem maestro) como as principais
características da esquizofrenia. Ambas as noções implicam na “devastação” do self, porque é o self que
impõe um senso de unidade na multidão de conteúdos mentais.23 Em sua etimologia, a palavra esquizofre-
nia significa “cisão da mente”.

5 DIAGNÓSTICO NA PSIQUIATRIA E CONCEITO DE ESPECTRO DA ESQUIZOFRENIA

Comparada com outras especialidades médicas, a psiquiatria é bastante peculiar. Os transtornos de


saúde mental ainda não têm sua etiologia esclarecida, nem existem exames de neuroimagem, neurofisiologia
ou laboratoriais que tenham, no momento, aplicação prática estabelecida como instrumento de diagnóstico
ou marcador de doença mental. Por conseguinte, enquadrar um perfil comportamental como sendo pato-
lógico é uma decisão respaldada puramente em critérios observacionais, de forma que os diagnósticos psi-
quiátricos se baseiam na descrição e na observação de agrupamentos de padrões de emoções, percepções e
comportamentos.
Outra limitação é o fato de critérios diagnósticos serem definidos categoricamente, ou seja, em
termos da presença ou ausência de uma determinada lista de sintomas. As manifestações e as alterações
emocionais e comportamentais, todavia, são dimensionais, ou seja, acontecem em um continuum. Elas estão
presentes— de modo mais ou menos acentuado— em grande parte da população, o que pode, por vezes,
tornar difícil a delimitação entre o normal e o mórbido.
As classificações categóricas podem ser limitantes por não incorporarem formas mais brandas de
apresentação da doença. Por exemplo, de acordo com Guloksuz e van Os,24 o conceito de esquizofrenia da
CID-10 contempla somente 30% dos pacientes, correspondendo àqueles com pior evolução dentro de uma
síndrome psicótica multidimensional.
O conceito de espectro é baseado no fenômeno físico da dispersão de energia ou de radiação, de
forma que, quando se fala em espectro da esquizofrenia, fica implícita a proposta de que uma disfunção bási-
ca pode gerar manifestações clínicas de diferentes gradações, intensidades e durações. Assim, a esquizofrenia
compartilha características clínicas e fisiopatológicas com uma gama de transtornos: transtorno de personali-
dade esquizotípica, transtorno delirante, transtorno psicótico breve, transtorno esquizofreniforme, transtorno
102
esquizoafetivo e transtorno psicótico induzido por substância/medicamento. Todos eles têm em comum dis-

Tópicos em Neurociência Clínica


torções do senso de realidade, da percepção do eu e da organização do pensamento e do comportamento.

6 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

Até o momento, não se conhecem biomarcadores para uso na prática psiquiátrica. Deste modo, o
diagnóstico de esquizofrenia, assim como dos outros transtornos de saúde mental, é puramente clínico. Na
busca de padronização, a comunidade médica e científica se baseia nos textos elaborados pela Associação
Americana de Psiquiatria (DSM) e pela Organização Mundial de Saúde (CID).

Seguem abaixo os critérios diagnósticos do DSM-5 (tabela 1), da CID-11 (tabela 2).

Tabela 1: Critérios diagnósticos para esquizofrenia – DSM-519

Sintomas característicos: presença de dois (ou mais) dos seguintes sintomas, cada um por uma
quantidade de tempo significativa, durante o período de um mês (ou menos, se tratados com suces-
so). Pelo menos um deles deve ser 1 ou 3.
Critério A 1. Delírios
2. Alucinações
3. Discurso desorganizado
4. Comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico
5. Sintomas negativos

Disfunção social/ocupacional: por um período significativo de tempo, desde o aparecimento da


perturbação, o nível de funcionamento em uma ou mais áreas importantes, como trabalho, relações
Critério B
interpessoais ou autocuidado, estiver acentuadamente abaixo do nível alcançado antes do início, ou,
quando o início se der na infância ou na adolescência, incapacidade de chegar ao nível esperado de
funcionamento interpessoal, acadêmico ou profissional.

Duração: determina que sinais contínuos de perturbação devem persistir por, pelo menos, seis me-
ses. Esse período deve incluir, no mínimo, um mês de sintomas (ou menos, se tratados com sucesso)
que precisam satisfazer ao Critério A (sintomas da fase ativa) e pode incluir períodos de sintomas
Critério C
prodrômicos ou residuais. Durante esses períodos prodrômicos ou residuais, os sinais da perturba-
ção podem se manifestar apenas por sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas listados no
Critério A, presentes em uma forma atenuada (por exemplo: crenças absurdas, experiências percep-
tivas incomuns).

Exclusão de transtorno esquizoafetivo e de humor: o transtorno esquizoafetivo e o transtorno


depressivo ou transtorno bipolar com características psicóticas são descartados, porque: 1) não
Critério D
ocorreram episódios depressivos maiores ou maníacos concomitantemente com os sintomas da fase
ativa, ou 2) se episódios de humor tiverem ocorrido durante os sintomas da fase ativa, sua duração
total foi breve, em relação aos períodos ativo e residual da doença.

Exclusão de uso de substâncias ou outras condições: a perturbação pode ser atribuída aos
Critério E
efeitos fisiológicos de uma substância (por exemplo: droga de abuso, medicamento) ou a outra
condição médica.

Relação com atraso no desenvolvimento global ou espectro autista: se houver história de trans-
torno do espectro autista, ou de um transtorno da comunicação iniciado na infância, o diagnóstico
Critério F
adicional de esquizofrenia é realizado somente se delírios ou alucinações proeminentes, além dos
demais sintomas exigidos de esquizofrenia, também estiverem presentes por pelo menos um mês
(ou menos, se tratados com sucesso).

103
Tabela 2: critérios diagnósticos CID-1125
Tópicos em Neurociência Clínica

Pelo menos dois dos seguintes sintomas devem estar presentes (pelo relato do indivíduo ou por observação do clínico
ou outros informantes) na maioria das vezes por um período de 1 mês ou mais.
Pelo menos um dos sintomas de qualificação deve ser do item A) a D) abaixo:
Item A Delírios persistentes (por exemplo, delírios de grandeza, delírios de referência, delírios
persecutórios).
Item B Alucinações persistentes (as auditivas são mais comuns, embora possam envolver qualquer
modalidade sensorial).
Item C Pensamento desorganizado (transtorno formal do pensamento) (como tangencialidade e per-
da de associações, discurso irrelevante, neologismos). Quando grave, a fala da pessoa pode ser
tão incoerente a ponto de ser incompreensível (‘salada de palavras’).
Item D Experiências de influência, passividade ou controle (ou seja, a experiência de que seus sen-
timentos, impulsos, ações ou pensamentos não são gerados por si mesmo, estão sendo colo-
cados em sua mente ou retirados de sua mente por outros, ou que seus pensamentos estão
sendo transmitidos para outros).
Item E Sintomas negativos como embotamento afetivo, alogia ou escassez de fala, avolição, desinte-
resse social e anedonia.
Item F Comportamento grosseiramente desorganizado que impede a atividade direcionada a um
objetivo (por exemplo, comportamento que parece bizarro ou sem propósito, respostas
emocionais imprevisíveis ou inadequadas que interferem na capacidade de organizar o com-
portamento).
Item G Distúrbios psicomotores, como inquietação ou agitação catatônica, postura, flexibilidade cé-
rea, negativismo, mutismo ou estupor. Nota: Se a síndrome de Catatonia completa estiver pre-
sente no contexto de Esquizofrenia, o diagnóstico de Catatonia Associada a Outro Transtorno
Mental também deve ser atribuído.
Os sintomas não são uma manifestação de outra condição médica (por exemplo, tumores cerebrais), e não são devido ao
uso de alguma substância ou medicação com efeitos no sistema nervoso central, incluindo sintomas de retirada.
Especificadores do curso para esquizofrenia: devem ser aplicados para identificar o curso da doença, incluindo se o
indivíduo atualmente atende aos requisitos diagnósticos da Esquizofrenia ou está em remissão parcial ou total. Os
especificadores de curso também são usados ​​para indicar se o episódio atual é o primeiro episódio de Esquizofrenia,
se houve vários desses episódios ou se os sintomas foram contínuos por um longo período de tempo.
1. Esquizofrenia, primeiro episódio
a) Esquizofrenia, primeiro episódio, atualmente sintomático;
b) Esquizofrenia, primeiro episódio, em remissão parcial;
c) Esquizofrenia, primeiro episódio, em remissão completa
d) Esquizofrenia, primeiro episódio, não especificado
2. Esquizofrenia, múltiplos episódios
a) Esquizofrenia, episódios múltiplos, atualmente sintomáticos
b) Esquizofrenia, múltiplos episódios, em remissão parcial
c) Esquizofrenia, múltiplos episódios, em remissão completa
d) Esquizofrenia, múltiplos episódios, não especificado
3. Esquizofrenia, contínua
a) Esquizofrenia, contínua, atualmente sintomática
b) Esquizofrenia, contínua, em remissão parcial
c) Esquizofrenia, contínua, em remissão completa
d) Esquizofrenia, contínua, não especificada
4. Outro episódio especificado de Esquizofrenia
5. Esquizofrenia, episódio não especificado

104
7 GENÉTICA, INTERAÇÃO GENE VERSUS AMBIENTE E EPIGENÉTICA: UMA DOENÇA DO

Tópicos em Neurociência Clínica


NEURODESENVOLVIMENTO

A psiquiatria contemporânea não mais entende que o adoecimento psiquiátrico seja um evento que
interrompe uma biografia até então normal. Pelo contrário, admite-se hoje que ele resulte de um percurso
que se inicia até mesmo antes do nascimento, pois durante as fases precoces do neurodesenvolvimento são
construídos os substratos do funcionamento cognitivo e emocional.26
Estudos voltados para o acompanhamento de crianças por longos períodos procuram entender
e identificar sinais preditores de adoecimento futuro— como alterações de comportamento, prejuízo nas
aquisições cognitivas, ou biomarcadores—, assim como caracterizar eventos/experiências estressoras como
fatores de risco e fatores de resiliência27. Por exemplo, o estudo de Dunedin, na Nova Zelândia, demonstrou
que já havia sinais de doença mental durante a infância em 75% dos adultos com transtornos psiquiátricos
que compunham uma amostra de 1037 pessoas, acompanhadas longitudinalmente desde o nascimento28.
Com efeito, experiências de adversidade nos primeiros anos de vida alteram de forma duradoura
a configuração dos circuitos neurais de processamento emocional e das vias de resposta humoral e imune,
aumentando a susceptibilidade ao desenvolvimento de transtornos futuros, tanto de natureza psiquiátrica,
como metabólica, inflamatória e autoimune.29-31
Há propostas que tentam explicar a dinâmica das interações entre os pais e os filhos e o seu papel
no fenômeno frequentemente observado de perpetuação de transtornos psiquiátricos dentro de uma deter-
minada família. Por um lado, o modelo parental propõe que pais com transtornos psiquiátricos são disfuncio-
nais e por isso aumentam o risco de saúde mental dos seus filhos. Por outro, o modelo bidirecional defende
que a criança, já com transtornos, ainda que subliminares, mostra comportamentos difíceis que evocam nos
pais respostas de adversidade, perpetuando um conflito que aumenta o risco de adoecimento mental na vida
adulta. Por último, o modelo da vulnerabilidade genética compartilhada explica que os comportamentos mal
adaptativos, tanto dos pais, quanto da criança, se devem a alterações psíquicas e neurobiológicas hereditá-
rias. Obviamente, os três modelos se complementam e oferecem pontos para atuação preventiva.32
A psiquiatria do desenvolvimento é, nesse contexto, uma nova perspectiva que procura direcio-
nar esforços de pesquisa para compreender a gênese do adoecimento mental através da investigação e do
acompanhamento de indivíduos desde as fases mais precoces da infância até a adolescência. O objetivo é a
determinação de fatores ambientais, biográficos, genéticos e epigenéticos de risco e de vulnerabilidade, mas
também de proteção e resiliência, a identificação de biomarcadores (padrões de neuroimagem, marcadores
séricos, etc) e a caracterização de manifestações pré-clínicas para atuação preventiva.33
Neuroplasticidade designa a capacidade de reestruturação do sistema nervoso em resposta a estí-
mulos. Trata-se de mudanças na forma de liberação de neurotransmissores, na sensibilidade dos recepto-
34

res, na estrutura da árvore dendrítica, nos prolongamentos axonais, no número de neurônios recrutados para
uma determinada atividade, na sua sincronização com os outros, etc. A neuroplasticidade é uma caracterís-
tica neural de todas as fases da vida, mas é muito mais intensa durante o neurodesenvolvimento, na infância
e na adolescência. Deste modo, apesar de nascermos com uma arquitetura neural básica que nos permite
a execução de comportamentos instintivos e de respostas reflexas, muitas de nossas funções dependerão
do aprendizado e da cultura em que crescemos (linguagem, coordenação, manuseio de ferramentas, dança,
música), sendo moduladas pelo ambiente.35
Esta “modelagem” experiência-dependente ocorre durante janelas de tempo distintas denomina-
das períodos críticos. Acredita-se que haja períodos críticos diferentes para as diversas capacidades, como
processamento visual, processamento da linguagem, coordenação, capacidade de formação de vínculo in-
terpessoal, dentre várias outras. Trabalhos recentes buscam desvendar as bases celulares e moleculares dos
períodos críticos e principalmente porque a neuroplasticidade fica limitada após os mesmos. Por um lado, a
105
própria conformação estrutural do cérebro adulto com a bainha de mielina e a glia limitam as possibilidades
Tópicos em Neurociência Clínica

de brotamento neural. Por outro lado, mudanças no equilíbrio preciso entre excitação e inibição sinápticas
controlam a plasticidade cerebral em circuitos em desenvolvimento e nos já consolidados. A atuação sobre
estes processos abriria amplas possibilidades para abordagens terapêuticas, educacionais e de reabilitação.36
É fascinante imaginar a diferenciação do organismo nos mais diversos tecidos a partir de uma única
célula e assim é também admirável a capacidade de especialização neuronal, constituindo circuitos especí-
ficos a partir de células indiferenciadas. De fato, existe um percurso geneticamente previsto de neurogêne-
se, migração neural, brotamento dendrítico e axonal, sinaptogênese, mielinização, poda sináptica e morte
neuronal programada. Essa coreografia, porém, não é tão fixa, mas consiste em interações contínuas entre
expressão de determinados genes e mediadores do ambiente que os estimulam, ou silenciam. Este jogo
controla processos de aprendizado e memória, deixando-nos marcados pelas nossas experiências.37 Deno-
minam-se, assim, mudanças epigenéticas as alterações na estrutura espacial da cadeia de DNA que não im-
plicam mudanças no código de bases em si, mas que tornam determinados genes silenciados, ou ativados.
Uma forma bem estabelecida de alteração epigenética consiste na adição de moléculas do grupo
metil —metilação— a um determinado gene, que é capaz de inativá-lo. Outra forma corresponde à modifi-
cação das moléculas de histona, que são moléculas do núcleo celular, em torno das quais a fita de DNA se
enrola, adquirindo um formato mais ou menos enovelado, de modo que, a depender da sua configuração, os
genes podem ficar expostos ou encobertos, ou seja, mais ou menos disponíveis à leitura.37
O fato de a expressão gênica não ser pré-determinada, mas ser passiva de modulação ambiental,
permite-nos maior habilidade de adaptação às circunstâncias, cuja importância fica evidente, quando se pen-
sa nas funções cognitivas e afetivas complexas que desempenhamos. A configuração epigenética é estável,
duradoura e altamente específica, sendo diferente até mesmo entre gêmeos monozigóticos. É a nossa marca
individual, a nossa história, que pode ser transmitida para futuras gerações.38 O grau de exposição a poluen-
tes, os alimentos consumidos, a exposição à luz, a estimulação cognitiva, a atividade física, mas também
experiências traumáticas, ou a deprivação são exemplos de fatores que induzem a respostas neurais, imunes
e endócrinas, gerando mediadores celulares que promovem no núcleo celular alterações epigenéticas.
Essa individualidade explica diferenças na suscetibilidade para o desenvolvimento de doenças so-
máticas e psíquicas, justificando o papel de experiências precoces na saúde do adulto.39 Em contrapartida,
apesar de duradouras, as mudanças epigenéticas não são estáticas e não acontecem apenas na infância. São
respostas dinâmicas e passíveis de reconfiguração.40
Estes conceitos são relevantes, pois, se por um lado, explicam as bases moleculares das interações
gene-ambiente e de como as experiências precoces modificam o nosso cérebro e criam situações de vulne-
rabilidade para o futuro, por outro lado, abrem um caminho de perspectivas terapêuticas futuras, visando a
intervenção nestes mecanismos, seja por meios farmacológicos, ou psicoterapêuticos. A questão em aberto
é se existem janelas de tempo propícias para intervenções terapêuticas, visando a reversão de mudanças epi-
genéticas após experiências traumáticas. Por exemplo, crianças vítimas de maus tratos, quando colocadas em
ambientes com bons cuidadores mostraram melhora de comportamento e regulação dos níveis de cortisol
basal, que é um marcador de vulnerabilidade ao stress.41
De acordo com a psicopatologia do desenvolvimento, quando os recursos de resposta e adapta-
ção não são mais suficientes para o enfrentamento de uma situação adversa, surge o adoecimento psíqui-
co, que, portanto, não depende apenas da situação em si, mas dos fatores individuais de vulnerabilidade
e resiliência.42
A variação na sensibilidade aos fatores ambientais associada à especificidade genética recebe o
nome de interação gene-ambiente. Por exemplo, a exposição a maus tratos se mostrou um fator de risco para
o desenvolvimento de transtorno de personalidade antissocial quando adulto em crianças portadoras de um

106
determinado polimorfismo do gene da enzima monoaminooxidase (enzima MAO que degrada dopamina),

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mas não naquelas que possuíam outra variante do mesmo gene.43 Outras investigações estabeleceram que
um determinado polimorfismo do gene que codifica o transportador de serotonina se relaciona no adulto a
maior probabilidade de depressão naqueles que sofreram situações estressoras.44 Entende-se, portanto, que,
nas doenças psiquiátricas, os genes não atuam de forma determinista e isolada, mas em interação com as cir-
cunstâncias biográficas, predizendo a priori as respostas mais prováveis, mas que ainda assim, permanecem
imprevisíveis e sujeitas a inúmeras interferências e correções.
A neurobiologia da esquizofrenia busca desvendar os complexos mecanismos de interação entre
determinantes genéticos e fatores ambientais que resultam na doença clinicamente manifesta. O compo-
nente genético, ainda que não esteja completamente elucidado, é fortemente sugerido por dados de es-
tudos com famílias (concordância entre gêmeos monozigóticos de 50% e entre gêmeos dizigóticos de 10-
15%). Com a técnica de associação ampla do genoma (GWAS) foi possível identificar inúmeros loci genéticos
associados à esquizofrenia, permitindo a elaboração de escores de risco poligênico com base no número de
alelos de risco.45
Duas hipóteses foram propostas: hipótese da “doença comum, alelo comum”; e hipótese da “doen-
ça comum, alelo raro”. Na primeira, genes prevalentes e de baixa penetrância agiriam de forma aditiva por
meio da epistasia (interação entre diferentes genes), conferindo risco maior ou menor para os transtornos
psicóticos. Na segunda, haveria alteração genética rara (mutações de novo ou variantes no número de có-
pias), mas altamente penetrante.46 Variantes no número de cópias envolvem deleção ou duplicação de seções
do DNA que conferem alto risco para um determinado transtorno. Elas estão presentes em 2% a 3% dos pa-
cientes com esquizofrenia. Um exemplo de deleção de megabases de DNA envolve o cromossomo 22q11.2 e
se associa a um risco de 30% a 40% de desenvolvimento da doença ao longo da vida.45
Com o intuito de se identificar quais circuitos cerebrais poderiam estar alterados na esquizofrenia,
fez-se um mapeamento dos perfis de expressão gênica de diferentes neurônios. Verificou-se que os genes
associados ao transtorno não são expressos em todas as populações neuronais, mas, especificamente, no
hipocampo, nas células piramidais, nos neurônios espinhosos médios e nos neurônios corticais.45 Isso faz com
que haja alterações funcionais nessas populações, as quais, por sua vez, contribuem para modificações na
neurotransmissão e para o desenvolvimento da doença.
A epigenética também desempenha um papel importante na esquizofrenia. De fato, respostas de
adaptação aos estímulos ambientais que acontecem sob a forma de alterações bioquímicas no DNA resultam
em mudanças duradouras na expressão de genes, na sinaptogênese, no funcionamento de circuitos neurais
e consequentemente, na cognição, na emoção e no comportamento.46
De acordo com dados clínicos e epidemiológicos, os fatores ambientais de risco com maior grau
de evidência são exposição a danos pré-natais, como drogas, infecções maternas, deficiência nutricional;
complicações no parto; hipóxia perinatal; estressores psicossociais, como viver na zona urbana, histórico de
adversidades na infância e imigração.45, 47, 48

8 FISIOPATOLOGIA

Sob a perspectiva bioquímica, diferentes propostas buscam explicar a gênese da esquizofrenia, sen-
do que a hipótese dopaminérgica é a mais aceita. Ela surgiu da observação da melhora dos sintomas psicó-
ticos com medicamentos neurolépticos, que bloqueiam os receptores dopaminérgicos D2, o que levou ao
conceito de que a principal disfunção fosse pós-sináptica. Entretanto, estudos de tomografia por emissão de
pósitrons (PET) verificaram que a principal disfunção é pré-sináptica, tanto na capacidade de síntese, quanto
de liberação de dopamina.49
107
A dopamina é continuamente liberada pela área tegmental ventral do mesencéfalo, mediante dis-
Tópicos em Neurociência Clínica

paro tônico de seus neurônios. No nucleus accumbens, sua ação facilita comportamentos de busca de recom-
pensa. No estriado (núcleo caudado e putâmen), esse neurotransmissor favorece o aprendizado associativo,
que é uma forma de memória inconsciente, por meio da qual estímulos concomitantes são relacionados uns
aos outros, constituindo o chamado aprendizado condicionado, ou condicionamento.
Em situações nas quais algo inesperado acontece, os neurônios dopaminérgicos respondem com
o disparo fásico, que gera aumento abrupto dos níveis de dopamina no estriado e no nucleus accumbens,
fortalecendo as sinapses envolvidas com a aprendizagem e a memorização. Deste modo, o cérebro atribui
saliência a este evento e às circunstâncias a ele associadas.
Admite-se que, na esquizofrenia, ocorram disparos caóticos dos neurônios dopaminérgicos. Esses
disparos levariam à atribuição de saliência a aspectos irrelevantes e ao estabelecimento de causalidade entre
estímulos simultâneos que, porém, não estão obviamente relacionados entre si. Por exemplo, se durante
uma conferência uma pessoa da plateia espirra, no mesmo momento em que o conferencista diz uma frase,
o disparo caótico de dopamina pode fazer com que a atenção da pessoa com esquizofrenia se volte para os
dois acontecimentos— em si irrelevantes— e estabeleça um nexo entre ambos.
De fato, estudos de neuroimagem sobre pacientes esquizofrênicos não medicados mostram que
eles apresentam no nucleus accumbens resposta de ativação aumentada a estímulos neutros e menos
intensa que o normal a estímulos positivos,50 o que se interpreta como correlato da atribuição confusa
de significados. A teoria dopaminérgica da esquizofrenia e sua respectiva proposta do disparo caótico de
dopamina, explicariam neurobiologicamente as descrições fenomenológicas do humor delirante, descri-
tas anteriormente.
Os estímulos presentes no meio são inúmeros e, se atentássemos para todos eles, não seríamos ca-
pazes de nos concentrar em tarefas específicas, nem de construir um panorama mental coerente do mundo.
Por isso, a função de seleção exercida inconscientemente pelos circuitos estriatais é fundamental. Assim, sua
disfunção pode causar um “déficit de filtração” para as entradas corticais, com o cérebro não diferenciando
adequadamente o que é do que não é relevante 51. Além disso, os neurônios adjacentes do estriado exer-
cem inibição uns sobre os outros— inibição lateral, que aumenta o contraste entre o neurônio que dispara e
os seus circunvizinhos— para evitar a formação de associações inadequadas ou imprecisas entre estímulos
coincidentes. É possível que mudanças nesses circuitos inibitórios permitam a formação de novos traços
de memória, que associam eventos não relacionados, porém, concomitantes, resultando na apresentação à
consciência de conexões improváveis e incorretas.52 Daí o estranhamento e a perplexidade – a sensação de
que há algo de estranho no ar.
É provável que o prejuízo na filtração dos estímulos externos ocorra também na seleção de
pensamentos, possibilitando que ideias ambíguas e interpretações confusas inundem a consciência,
causando dificuldades de organização e encadeamento lógico dos conteúdos mentais. Admite-se que
haja, na esquizofrenia, além do disparo dopaminérgico caótico, uma falha nos circuitos pré-frontais que
são responsáveis pelo monitoramento da realidade, ou seja, da capacidade de distinguir estímulos gerados
internamente (divagações, fantasias) de estímulos advindos do meio ambiente.53
Quando não estamos engajados em tarefas externas e podemos divagar, ativamos um grupo de
áreas conectadas entre si e que formam circuitos neurais, conjuntamente denominados default mode net-
work (DMN). O DMN é tido como uma rica fonte de pensamentos fantasiosos. O delírio pode se associar à
falsa interpretação de que essas fantasias provêm de fonte externa. Além disso, ao sermos confrontados
com eventos inexplicáveis, o DMN pode “preencher” ambiguidades, imaginando explicações. Se estas não
forem adequadamente filtradas pela função de monitoramento da realidade, podem também contribuir
para os delírios.

108
Significativamente, a dopamina participa não apenas da atribuição de saliência e do aprendizado

Tópicos em Neurociência Clínica


associativo, mas também da atividade pré-frontal que regula o monitoramento da realidade.54 A hiperativi-
dade dopaminérgica está ligada aos sintomas positivos da esquizofrenia e há evidências de que os níveis de
dopamina se correlacionam com o grau de disfunção observado.55 Ademais, considerando-se as extensas
projeções do hipocampo ao córtex pré-frontal, amígdala e outras regiões envolvidas na cognição e emoção,
é provável que essas alterações dopaminérgicas também tenham participação nos sintomas negativos e nos
déficits cognitivos associados à esquizofrenia.56, 57, 58
Outro modelo postula a disfunção gabaérgica e glutamatérgica como base da etiopatogenia da
esquizofrenia (figura 1). Basicamente admite-se aqui que haja hipofunção de receptores de glutamato do
tipo NMDA na superfície de neurônios gabaérgicos no córtex pré-frontal e no hipocampo. Estes neurô-
nios gabaérgicos têm disparo contínuo e de alta frequência, exercendo efeito inibitório sobre neurônios
dopaminérgicos da área tegmental ventral e sobre neurônios glutamatérgicos do córtex pré-frontal e do
hipocampo. O efeito inibitório é importante para que a atividade cerebral de milhões de neurônios seja
sincronizada e gere o que no eletroencefalograma aparece como atividade gama, que se associa a proces-
samento cognitivo.
Tendo receptores NMDA hipofuncionantes, os interneurônios gabaérgicos não são adequadamente
excitados de forma a não manterem o necessário disparo de alta frequência. Assim, o prejuízo na sua função
desinibe e dessincroniza neurônios glutamatérgicos e dopaminérgicos, constituindo circuitos de processa-
mento que não trabalham de forma eficaz, explicando porque sintomas de prejuízo cognitivo aparecem já nos
estágios iniciais da esquizofrenia, até mesmo nas fases prodrômicas.59
Note-se que a teoria gabaérgica-glutamatérgica complementa e aprofunda a teoria dopaminérgica
da esquizofrenia, uma vez que postula que o estado hiperdopaminérgico associado à saliência aberrante seria
resultado da disfunção dos receptores glutamatérgicos nos neurônios gabaérgicos.60
A teoria gabaérgica-glutamatérgica encontra respaldo na observação de que drogas antagonistas
de NMDA, como a quetamina e a fenciclidina provocam sintomas psicóticos, sintomas negativos e déficit de
cognição em indivíduos saudáveis.61 Outra observação que sugere o papel do glutamato na esquizofrenia é
o fato de que a encefalite associada a anticorpos anti-receptor NMDA (uma doença neurológica autoimune
rara) pode se manifestar com sintomas psicóticos.62 Ademais, em modelo animal, a deleção do gene que co-
difica a subunidade NR1 do receptor NMDA em interneurônios gabaérgicos causou desinibição de neurônios
piramidais glutamatérgicos e gerou sintomas análogos à esquizofrenia.63
Há indícios de que a neuroinflamação crônica também participe da gênese da esquizofrenia. De
fato, infecções congênitas, infecções perinatais e doenças autoimunes, na família são fatores de risco estabe-
lecidos para o desenvolvimento do transtorno. 45,64 Álem disso, estudos de metanálise recentes evidenciaram
aumento no nível de citocinas no líquido cefalorraquidiano de pacientes com esquizofrenia, evidenciando um
possível papel da neuroinflamação.65,66
Sabe-se que as interleucinas inflamatórias liberadas pelas células da micróglia ativam a enzima in-
dolamina-2,3-dioxigenase (IDO) que desvia o metabolismo do triptofano, gerando substâncias neurotóxicas,
dentre elas o ácido quinurênico que age como antagonista do receptor NMDA. Deste modo, a neuroinflama-
ção poderia ser uma possível causadora da disfunção do receptor glutamatérgico.
O triptofano é degradado em quinurenina (KYN), que tem como metabólito excitatório a mo-
lécula 3-hidroxi-KYN e o ácido quinólico (QUIN), e como metabólito intermediário, o ácido quinurênico
(KYNA). O KYNA atua como antagonista do sítio de glicina do receptor NMDA e como inibidor não compe-
titivo de receptor nicotínico α7 acetilcolina. Já o QUIN é um agonista do receptor NMDA e causa neuroto-
xicidade. Com efeito, estudos verificaram excesso de peso de KYNA sobre o QUIN no líquor e em células
da micróglia hipocampal.67

109
Entendendo a esquizofrenia como doença do neurodesenvolvimento e buscando correlacionar di-
Tópicos em Neurociência Clínica

versos achados aparentemente desconexos, tem sido sugerido que, em pessoas geneticamente predispostas,
injúrias cerebrais (por exemplo, tóxicas ou infecciosas) poderiam gerar neuroinflamação e neurotoxicidade
que, por sua vez, induziriam ao aumento patológico da poda sináptica em circuitos corticais relevantes ao
processamento cognitivo. Esta poda sináptica implicaria em perda da arborização dendrítica e prejudicaria
processos de neuroplasticidade, fundamentais para a memória e o aprendizado. Sua ocorrência na adoles-
cência— um período crítico para o neurodesenvolvimento— justificaria a manifestação precoce da doença e
os déficits cognitivos e afetivos que a acompanham desde o seu início, até mesmo antes do afloramento dos
sintomas psicóticos.68
Sabe-se que os interneurônios gabaérgicos que expressam o receptor NMDA são um grupo
particularmente suscetível ao estresse celular (dano oxidativo), de forma que seriam preferencialmente aco-
metidos em caso de injúria.
Durante a maturação do cérebro, o receptor NMDA é essencial para que a plasticidade sináptica
ocorra, desempenhando um papel importante para o desenvolvimento das funções cognitivas superiores,
como aprendizado e memória. Trata-se de uma molécula heterotetramérica, com duas subunidades NR1
(obrigatórias) e duas NR2 (variáveis), de forma que a especificidade estrutural determinará suas proprie-
dades biofísicas e farmacológicas. Assim, alterações nas subunidades que ocorrem durante o processo de
maturação cerebral mudam os padrões de resposta do receptor e com isso os padrões de disparo neural e
consequentemente a integração de informações. Este processo não ocorre de maneira uniforme no cérebro,
mas em etapas específicas e geneticamente determinadas, de modo que cada agrupamento neural tem o seu
período de tempo, no qual passará por mudanças. Isso acarreta em momentos de suscetibilidade, ou “janelas
de risco”, durante as quais fatores ambientais poderiam exercer seus efeitos, interferindo com os mecanis-
mos de neuroplasticidade e promovendo o desenvolvimento de transtornos mentais. O atraso na mudança
das subunidades ou sua mudança incompleta, com expressão de um receptor NMDA hipofuncionante, ape-
sar de maduro, poderia prejudicar o processo de depressão e potenciação de longo prazo, que é essencial
para fortalecer ou enfraquecer conexões sinápticas.49
Receptores NMDA hipofuncionantes nos interneurônios gabaérgicos, como visto acima, levam
à desinibição dos neurônios pré-frontais e hipocampais que liberam glutamato, gerando uma “tempes-
tade glutamatérgica”. Esta, por sua vez, gera aumento dos níveis intracelulares de cálcio e sobrecarrega
o metabolismo neuronal, finalmente induzindo à apoptose. Trata-se aqui da ativação de uma cascata de
proteínas que leva à morte celular, não sendo um mecanismo programado geneticamente para a seleção
de neurônios, mas que participa de processos patológicos, como da demência do tipo Alzheimer. Interes-
santemente, a apoptose não envolve inflamação, nem formação de gliose. Não se sabe porque acomete
áreas específicas.
Durante o neurodesenvolvimento normal, células da micróglia participam ativamente da apoptose
e da poda sináptica, eliminando neurônios e sinapses determinadas e permitindo assim que as remanescen-
tes sejam fortalecidas e otimizadas. É possível que a origem da esquizofrenia se relacione a alterações neste
processo de seleção, causado por ativação microglial exacerbada associada à neuroinflamação— gerada por
infecção ou por processo autoimune.69
Em resumo, ainda restam muitas dúvidas, mas os modelos dopaminérgico, gabaérgico-glutamatér-
gigo, neuroinflamatório e neurodesenvolvimental se complementam e começam a apontar para a solução
deste complicado quebra-cabeças, o que abriria novas possibilidades de tratamento e— principalmente— de
prevenção da esquizofrenia.

110
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 1 – Regiões envolvidas na esquizofrenia. O hipocampo é dividido em quatro regiões ou campos, sendo o campo
CA1 conhecido como setor de Sommer, no qual estão localizadas as células piramidais em arranjo radiado.
Fonte: MAGNO, Gabriel, 2021. Adaptado de Lieberman JA, First MB. Psychotic Disorders. N Engl J Med. 19 de 2018;379(3):270–80.

Figura 2 – Modelo proposto para a fisiopatologia da esquizofrenia com os neurotransmissores envolvidos no transtorno:
dopamina (seta azul), glutamato (seta roxa) e Ácido-Gama-Aminobutírico (GABA – seta verde). A psicose pode ter como
origem o aumento da atividade de neurônios que liberam glutamato em células localizadas no hipocampo (região CA1).
Essa disfunção, provavelmente, se deve a déficits em interneurônios gabaérgicos hipocampais e à redução da função de
receptores glutamatérgicos N-metil-D-aspartato (NMDAr). Na representação do hipocampo, podem ser vistos uma célula
piramidal e um interneurônio gabaérgico. Mesmo com aumento do glutamato sináptico, há menor ativação do interneurô-
nio inibitório que forma sinapse com o dendrito apical da célula piramidal. Devido a menor estimulação, o interneurônio
libera menos GABA, o que por sua vez, reduz a inibição gabaérgica sobre a célula piramidal que libera mais glutamato
(setas roxas) para o mesencéfalo (área tegmental ventral – VTA) e para o corpo estriado (nucleus accumbens). Maior ativi-
dade hipocampal amplia a liberação de dopamina no corpo estriado diretamente ou através da estimulação de neurônios
dopaminérgicos do mesencéfalo, os quais se projetam para o nucleus accumbens e para o córtex pré-frontal (setas azuis).
Neurônios dopaminérgicos no mesencéfalo também promovem a desregulação de dopamina e glutamato.
Fonte: MAGNO, Gabriel, 2021. Adaptado de Lieberman JA, First MB. Psychotic Disorders. N Engl J Med. 19 de
2018;379(3):270–80.
111
9 EVOLUÇÃO CLÍNICA DA ESQUIZOFRENIA E CONCEITO DE DOENÇA NEUROPROGRESSIVA:
Tópicos em Neurociência Clínica

DANO EXCITOTÓXICO E NEURODEGENERAÇÃO

A evolução da esquizofrenia é bastante variável. O risco de recorrência da doença, em estudos de


descontinuação de antipsicóticos, é de 57,3%. Dos indivíduos com recidiva, 10% a 45% possuem resistência
ao tratamento. A remissão da doença é vista em cerca de 40% dos casos dos pacientes que respondem à
medicação e destes, os que se recuperam funcionalmente representam 13,5%.10
Alguns autores abordam a esquizofrenia como uma doença neurodegenerativa ou neuroprogressi-
va em razão da piora gradual dos prejuízos cognitivos e emocionais, ao longo dos anos, que acompanha parte
dos pacientes. A partir dessa constatação, Kraepelin já havia proposto o termo demência precoce. Também
os achados de neuroimagem de redução do volume da substância branca em pacientes crônicos, corroboram
esta abordagem.70 Esses achados permanecem sem uma explicação clara, mas acredita-se que tenham rela-
ção com a micróglia, os astrócitos e a perda de neurônios.
Contudo, classificar a esquizofrenia como uma doença neuroprogressiva é controverso, já que, mes-
mo verificando-se alterações clínicas e neuroanatômicas por meio de estudos de imagem, não se tem clareza
sobre a origem de tais alterações, além do que, não são todos os indivíduos que desenvolvem o curso crônico
da doença. Alguns entram em remissão ou têm apenas um único episódio.
O dano excitotóxico na esquizofrenia está correlacionado provavelmente com um processo neu-
roinflamatório, em que acontece ativação da micróglia e liberação de citocinas pelo próprio sistema nervoso
central. De fato, os níveis de citocinas pró-inflamatórias no sangue e no líquido cefalorraquidiano se encontra
elevado em pacientes com esquizofrenia.71 Além disso, um trabalho de metanálise que envolveu 23 estudos e
762 pacientes mostrou que os antipsicóticos têm efeito anti-inflamatório, reduzindo os níveis séricos de IL-1β
e intérferon-γ.72

10 COMORBIDADES: DEPRESSÃO E SUICÍDIO

A prevalência de depressão na esquizofrenia é de cerca de 40%, independentemente do estágio da


doença. Considerando-se os casos agudos, essa taxa sobe para até 60%. Nos casos crônicos e após o primeiro
episódio psicótico, as taxas são de 20% e de 50%, respectivamente. A associação entre esquizofrenia e de-
pressão relaciona-se com pior prognóstico e maior chances de recaída.
A taxa de suicídio ao longo da vida em indivíduos com esquizofrenia está entre 4-13%, enquanto
que as taxas de tentativa de suicídio ao longo da vida variam entre 18% a 55%.73,74
O suicídio é o elemento que mais contribui para a redução (de cerca de 10 anos!) na expectativa de
vida dos pacientes com esquizofrenia, tendo como fatores de risco: idade mais jovem, sexo masculino, estado
civil solteiro, morar sozinho, estar desempregado, ter maior quociente intelectual, maior nível educacional,
bom ajuste ou funcionamento pré-mórbido, presença de metas elevadas e a compreensão de não serão al-
cançadas, prejuízo executivo e acesso aos meios letais, como armas de fogo. Durante a primeira década do
transtorno, o risco de suicídio é particularmente elevado.73

11 ALTERAÇÕES DE NEUROIMAGEM

Os estudos de neuroimagem estrutural e funcional permitiram identificar alterações anatô-


micas e fisiológicas em inúmeras áreas e circuitos cerebrais, corroborando tanto o conceito de esqui-
zofrenia como doença do neurodesenvolvimento, quanto sua abordagem enquanto processo neurode-

112
generativo. Assim, Vitolo et al.70 verificaram, em meta-análise de estudos de morfometria baseada em

Tópicos em Neurociência Clínica


voxel (MBV) e imagem por tensor de difusão (DTI) em pacientes com esquizofrenia, que havia redução
da anisotropia nos circuitos que envolvem fibras de projeção longa— fibras comissurais (corpo caloso,
comissura anterior e fórnix), fibras motoras descendentes e vias frontotemporais límbicas. A DTI é um
método que quantifica a direção preferencial do deslocamento das moléculas de água como um corre-
lato da integridade das vias axonais, de forma que a redução da anisotropia indica dano estrutural das
fibras de substância branca. Esse achado sugere interrupção dos circuitos neurais e uma comunicação
disfuncional, afetando a conectividade inter-hemisférica, as conexões límbicas e o circuito motor corti-
co-cerebelo-tálamo-cortical, o que implica em prejuízo de processamento motor, sensorial, emocional
e cognitivo.
As anormalidades nas vias axonais podem ser resultantes de alterações durante o neurodesenvolvi-
mento, ou seja, mudanças na densidade sináptica (poda sináptica excessiva, eliminação excessiva de axônios
mielinizados) durante a maturação levariam à desorganização dos circuitos cerebrais, mesmo antes da plena
manifestação clínica da doença.
A metanálise de Vitolo et al.70 também apresenta resultados compatíveis com a presença de proces-
so neurodegenerativo subjacente à evolução da esquizofrenia, uma vez que pacientes mais velhos mostraram
maior redução do corpo caloso, do fascículo arqueado esquerdo e do trato córtico-espinal direito, em compa-
ração com pacientes mais jovens. Também Torres et al.75, através de MBV, evidenciaram maior acometimen-
to estrutural da substância cinzenta (na ínsula, no córtex pré-frontal dorsolateral e ventrolateral, no córtex
cingulado anterior, nas regiões têmporo-límbicas, no giro temporal superior, no núcleo caudado e na região
fronto-temporal) naqueles pacientes com maior tempo de duração da doença.
A disfunção da ínsula provavelmente contribui para as distorções perceptivas, pois esta estru-
tura é responsável pelo processamento emocional, pela integração sensorial (visual e auditiva) com o
sistema límbico, pela percepção de dor, pela interocepção e pela representação neural de si mesmo. 75
Quanto às anormalidades na estruturas límbicas— como o hipocampo, o giro para-hipocampal e a amíg-
dala— elas poderiam estar envolvidas na emergência dos sintomas positivos e negativos, uma vez que
têm o papel de integrar informações internas e externas, mediar respostas fisiológicas, comportamentais
e afetivas, bem como participar da tomada de decisões baseadas em emoções que permitem adaptação
ao ambiente com base em experiências prévias. Particularmente o hipocampo mostra perda de volume
e alteração na morfologia de suas sub-regiões, as quais também se correlacionam com o tempo de pro-
gressão da doença. 76
Já a região fronto-temporal relaciona-se com uma ampla gama de processos cognitivos, como aten-
ção, linguagem, memória e outros aspectos de função executiva, os quais também se apresentam alterados
nos pacientes com esquizofrenia.
Pesquisas com neuroimagem funcional também têm revelado padrões de ativação anormais nes-
se grupo. Por exemplo, Jáni & Kašpárek77 observaram, através de ressonância magnética nuclear funcional,
diminuição na ativação da rede neural de processamento emocional durante atividades envolvidas com o
reconhecimento de emoções por meio de expressões faciais. Além disso, houve diminuição na ativação do
neurocircuito envolvido com a teoria da mente (menor recrutamento da ínsula direita, do giro temporal supe-
rior). Trata-se aqui da capacidade de atribuir estados mentais (intenções, pensamentos, crenças) aos outros
e compreendê-los como diferentes e separados de si mesmo.
Apesar de promissores, os dados de neuroimagem ainda não permitiram o estabelecimento de
biomarcadores para determinação diagnóstica, prognóstico, acompanhamento da evolução clínica, ou espe-
cificação de formas de tratamento.

113
12 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO E NÃO FARMACOLÓGICO
Tópicos em Neurociência Clínica

Os antipsicóticos, ou neurolépticos começaram a ser utilizados na década de 1950, após a descober-


ta de que a clorpromazina diminuía a agitação em pacientes em psicose. Nas décadas de 1960 e 1970 consta-
tou-se que tanto os fenotiazínicos (por exemplo, a clorpromazina) como as butirofenonas (por exemplo, o ha-
loperidol) bloqueavam receptores dopaminérgicos. Desde então, os antipsicóticos são a base do tratamento
farmacológico da esquizofrenia, sendo divididos em neurolépticos de primeira geração, também chamados
de típicos – antagonistas da dopamina –, e neurolépticos de segunda geração, ou atípicos – antagonistas da
dopamina e da serotonina, desenvolvidos a partir dos anos 1990.78
Essa divisão considera também os efeitos adversos, sendo que os mais marcantes são os sintomas
extrapiramidais, associados principalmente aos neurolépticos típicos, que bloqueiam os receptores dopa-
minérgicos D2 nas alças mesocortical e mesolímbica, mas também no sistema nigroestriatal (alça motora) e
túbero-infundibular (sistema endócrino pelo qual a dopamina inibe a liberação de prolactina). Já os neurolép-
ticos atípicos aumentam o risco de alterações metabólicas, especialmente obesidade e diabetes.
Os sintomas extrapiramidais envolvem distonia aguda, acatisia, parkinsonismo e discinesia tardia.
Esses efeitos adversos são frequentes e podem, por vezes, tornar-se debilitantes e estigmatizantes, exigindo
tratamento adicional.
A distonia aguda é caracterizada por contrações involuntárias, lentas e sustentadas da musculatura
axial ou apendicular, que geram posturas anormais. Pode se manifestar com desvios oculares, ou cervicais
(anterocolo, laterocolo, torcicolo), contrações dos músculos da face, da língua, ou, em situações extremas,
com distonia do tronco. A acatisia é um sentimento subjetivo de inquietude motora, com necessidade ur-
gente de estar em constante movimento. O parkinsonismo manifesta-se como bradicinesia, tremor e rigidez
muscular. A discinesia tardia surge após anos de tratamento, com movimentos faciais involuntários e repeti-
tivos, como caretas, protusão de língua, crise oculogírica e franzimento de lábios. A distonia tardia também
é— como o nome já diz— um efeito colateral tardio que pode acometer diferentes segmentos do corpo (ble-
faroespasmo, distonia cervical, distonia de tronco, de membros, etc).79
Podem-se dividir os neurolépticos atípicos em dois grupos. O primeiro consiste nos antagonistas dos
receptores 5-HT2A e D2. Nesse grupo, estão a clozapina a quetiapina, a risperidona, a asenapina, a paliperi-
dona e o ariprazol. Já o segundo grupo, também denominado neurolépticos de terceira geração, se diferencia
pela seletividade de antagonismo dos receptores D3 e agonismo parcial dos receptores D2. Incluem-se aí, a
amisulprida (antagonista de 5-HT7) e a cariziprazina (antagonista de 5-HT2B e agonista parcial de 5-HT1A).
Ainda há discussão em relação à superioridade dos neurolépticos atípicos. Em um estudo duplo-ce-
go randomizado, a clozapina não se mostrou superior quanto à qualidade de vida, função global e sintomas
extrapiramidais, quando comparada aos neurolépticos de primeira geração. Entretanto, a clozapina foi mais
eficaz no tratamento do comprometimento cognitivo e se associou a menores taxas de recaídas/reinterna-
ções e desistências.80
Infelizmente, na prática clínica no nosso país, ainda se observa o uso de altas doses de neurolép-
ticos típicos e polifarmácia, fatores que aumentam os sintomas extrapiramidais e as taxas de abandono. Os
neurolépticos atípicos têm como vantagem menor frequência e gravidade dos sintomas extrapiramidais, con-
tribuindo para menor descontinuação. Esse dado é verificado em estudos com doses flexíveis compatíveis
com a realidade clínica.81
Atualmente o grande desafio está no tratamento dos sintomas negativos e do prejuízo cognitivo,
os quais não respondem aos medicamentos disponíveis. A melhor compreensão da fisiopatologia da doença
abre novas possibilidades farmacológicas, como o desenvolvimento de drogas que atuem sobre as vias gluta-
matérgica e gabaérgica e sobre o processo neuroinflamatório.

114
Outro caminho a seguir são as chamadas terapias de natureza psicossocial, que têm como finalidade

Tópicos em Neurociência Clínica


melhorar habilidades sociais, autossuficiência, habilidades práticas, comunicação interpessoal, visando à me-
lhor inserção desses pacientes na sociedade. Dentre as abordagens psicossociais, destacam-se o treinamento
de habilidades sociais e a terapia cognitivo-comportamental. A primeira baseia-se em três componentes:
respostas comportamentais, percepção e cognição social. Aqui os pacientes são treinados através do ensino
de habilidades, estabelecimento de metas, ensaios comportamentais e tarefas domésticas. Já a terapia cogni-
tivo-comportamental busca engajamento do paciente, seu entendimento da psicose, seu gerenciamento dos
riscos de recaídas e da disfunção social, de modo que ele aprenda a desenvolver estratégias para lidar com a
sua doença. O ponto chave da terapia é entender como a percepção de eventos influencia o estado emocio-
nal. O terapeuta procura compreender a experiência subjetiva e o conjunto de valores e crenças do sujeito,
que se formaram nas primeiras experiências de aprendizagem, apontando a ele suas distorções perceptivas,
mantidas por erros em processos cognitivos (atenção seletiva, viés de memória).82,83
Como abordagem complementar, a atividade física parece contribuir na redução dos sintomas ne-
gativos e positivos da esquizofrenia, melhorar os fatores de risco cardiometabólicos, os sintomas de depres-
são, o retraimento social, assim como a cognição (memória de trabalho e na atenção).84,85 Contudo, a com-
preensão dos mecanismos responsáveis pelos benefícios da atividade física ainda é limitada. Firth et al.52
sugeriram que ela aumenta a expressão de fatores neurotróficos (como o fator neurotrófico derivado do
cérebro – BNDF), os quais estimulam a neurogênese, reduzem a neuroinflamação e promovem a sinalização
e o crescimento neuronal, melhorando a conectividade entre diferentes áreas cerebrais.
As intervenções com atividade física mostraram melhores resultados quando monitoradas por edu-
cadores físicos, responsáveis por estimular a participação dos pacientes nos exercícios. Esse estímulo é im-
portante, porque pessoas com esquizofrenia convivem com inúmeros fatores desfavoráveis à automotivação,
tais como os sintomas negativos, o déficit cognitivo, a sedação associada ao uso de antipsicóticos, ansiedade,
depressão e isolamento familiar e social.86

13 ELETROCONVULSOTERAPIA

A eletroconvulsoterapia é outra abordagem para o tratamento da esquizofrenia. Introduzida em


1938, ela consiste na indução de crise epiléptica mediante a administração de estímulo elétrico por meio de
87

eletrodos colocados bilateralmente no couro cabeludo. Já em 1934, o neuropsiquiatra Ladislas von Meduna
usava essa técnica para induzir convulsões em pacientes com dementia praecox, partindo dos relatos obser-
vacionais de melhora clínica após quadros de crises epilépticas, como aquelas consequentes a traumatismo
cranioencefálico ou meningite. A baixa incidência de psicose em pacientes com convulsões frequentes levou
os médicos a ver a dementia praecox e a epilepsia como desordens antagônicas.
Em 1938, o primeiro procedimento utilizando eletricidade foi realizado em um homem de 39 anos.
Na década seguinte, utilizaram-se muitas formas diferentes de frequências, amplitudes e formatos de pulsos
de correntes elétricas, o que levou à atual adoção da corrente de pulso breve com ondas de formato quadrado.
No início, a eletroconvulsoterapia esteve associada com medo, pânico, fraturas, cefaleias, mordedu-
ras de língua e perda de memória. O avanço da técnica possibilitou minimizar essas complicações. Para evitar
fraturas durante sua aplicação, utiliza-se um agente que induz paralisia muscular de efeito transitório. Foram
testados com esse fim os relaxantes musculares curare e succinilcolina. Hoje são usados anestésicos barbitú-
ricos, como o tiopental, que, além da ação motora, previnem sintomas de ansiedade antes do procedimento.
Em relação ao risco de danos cerebrais, já se questionou se haveria algum perigo, conhecendo-se
que nos Estados Unidos a eletricidade foi usada na execução de penas de morte. Entretanto, estudos clínicos

115
com testes neurológicos, eletroencefalograma e exames de neuroimagem não confirmaram danos neurais;
Tópicos em Neurociência Clínica

ao contrário, indicaram que o procedimento pode ser indutor de neurogênese.


Pode haver amnésia para eventos ocorridos dias antes até algumas semanas após a sessão. Entre-
tanto, a função de memória se recupera, não havendo prejuízo duradouro.55
Evidências recentes mostram que a eletroconvulsoterapia é eficaz no tratamento da esquizofrenia.
Revisões sistemáticas demonstraram que sua associação com antipsicóticos é benéfica (Zheng et al.,2016;
Lally et al., 2016; Pompili et al., 2013; Grover et al., 2015; Gu et al., 2017; Ahmed et al., 2017).88 Outros estu-
dos mostraram boa tolerabilidade, melhora da qualidade de vida e sua não-relação com déficit neurocogniti-
vo. No estudo de Vuksan e colaboradores89, observou-se melhora no funcionamento executivo e na memória
verbal imediata e tardia, após cerca de dez sessões de eletroconvulsoterapia. Hoje, a eletroconvulsoterapia é
considerada como último recurso de tratamento. Porém, de acordo com Teodorczuk90, pode-se utilizá-la no
início do tratamento de pacientes com respostas pobres aos antipsicóticos ou nos quais exista preocupação
com seus efeitos adversos. Isso porque, no início do curso da doença, a resposta à eletroconvulsoterapia seria
mais eficaz do que nos anos mais tardios da doença.

14 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A esquizofrenia é um transtorno frequente e com impacto muitas vezes devastador sobre o indiví-
duo e suas famílias. Trata-se de uma doença complexa que envolve disfunções graves de natureza cognitiva e
afetiva. As perturbações de percepção da realidade, de organização do pensamento e do comportamento são
tão severas que representam uma ruptura biográfica – a quebra de uma linha, a descontinuidade de tudo o
que a pessoa até então vivia. Apesar disso, admite-se hoje que a esquizofrenia tenha origens no neurodesen-
volvimento e, por isso, inúmeras pesquisas têm buscado elucidar os mecanismos e a natureza das alterações
iniciais que levam ao transtorno, a fim de se detectá-las e intervir ainda nas fases pré-sintomáticas.
O advento dos neurolépticos foi um divisor de águas no tratamento da esquizofrenia. De fato,
eles mudaram completamente a evolução da doença e o destino de quem vive com ela, tornando pela
primeira vez possível sua reabilitação e inserção social. Assim, a farmacoterapia eficaz aplainou o caminho
para o movimento de desospitalização e para a terapia multiprofissional, pois, ao induzir a remissão da
agitação psicomotora, das alucinações e dos delírios, resgatou os pacientes, propiciando-lhes um estado
mental capaz de responder às outras medidas, como a psicoterapia. Contudo, ainda restam grandes desa-
fios, como eliminar os efeitos colaterais— potencialmente graves— que acompanham os medicamentos e
obter a recuperação funcional completa. Especialmente as capacidades cognitivas, assim como a motiva-
ção e a responsividade afetiva frequentemente sofrem um processo de deterioração longa e gradual, de
forma que o paciente, apesar de não se encontrar mais em franco surto psicótico, permanece incapaz de
participar e usufruir ativamente da vida.
A esquizofrenia ainda causa muita incapacidade nas pessoas acometidas que se reverte em per-
das para a sociedade, uma vez que a doença se manifesta, na grande maioria dos casos, no fim da adoles-
cência e início da vida adulta. Os pacientes apresentam dificuldade de se inserir no mercado de trabalho e,
não apenas isso, muitos acabam ficando à margem da sociedade por falta de apoio da família e de adesão
ao tratamento disponível.
Por isso, é necessário que as pesquisas avancem para que um melhor entendimento da origem do
transtorno se reverta em um tratamento mais eficaz, principalmente, em relação aos sintomas negativos, que
ainda são os grandes causadores de incapacidade. Também é essencial o desenvolvimento de políticas pú-
blicas voltadas à profissionalização e à inserção desses pacientes no mercado de trabalho, propiciando-lhes,
assim, inclusão social, independência e melhora da autoimagem e da qualidade de vida.
116
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Tópicos em Neurociência Clínica


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122
Tópicos em Neurociência Clínica
Capítulo VII

EPILEPSIA
Henrique Souza Camoiço
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO

A epilepsia é definida como “um distúrbio do cérebro caracterizado pela predisposição duradoura a ge-
rar crises epiléticas, associado às consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais dessa condição”.
Contudo, epilepsia é um termo genérico, pois abrange diversas entidades nosológicas distintas, cada qual com sua
respectiva etiologia, prognóstico, complicações e tratamento.1 A síndrome afeta cerca de 70 milhões de pessoas
em todo o mundo2, das quais 80% vive em países subdesenvolvidos ou emergentes, onde a exposição aos fatores
de risco é sabidamente mais alta e as condições de diagnóstico e tratamento e a qualidade de vida, inferiores.3,4
Em sua origem etimológica, “do grego epi = de cima e lepsem = abater”, epilepsia expressava a ideia
de estar possuído ou dominado por algo, remetendo a conteúdos de caráter mágico, sobrenatural ou divino.
O estigma e o preconceito que se consolidaram em torno da doença provêm, em parte, dessas interpretações
místicas acerca das crises. O desconhecimento popular a respeito da condição, bem como o medo e a vergonha
provocados no portador corroboram os problemas de cunho social, emocional e psíquico a ela associados.5
As últimas décadas presenciaram avanços consideráveis no campo da neurobiologia da epilepsia.
Reformularam-se as classificações para as suas distintas formas de apresentação6 e foram introduzidas novas
possibilidades de tratamento, como o uso da dieta cetogênica7 e dos canabinoides.8,9 O estudo dos fenôme-
nos de neuroplasticidade promoveu melhor compreensão sobre o modo como o cérebro epilético opera.10
Entende-se hoje que o processo de neurodegeneração— que é inerente à epilepsia— promove alterações
cognitivas e afetivas11 que podem se associar a sintomas psiquiátricos.12 Avanços nas áreas da biologia mole-
cular e da genética evidenciaram o papel da genética no processo de epileptogênese revelaram novos alvos
farmacêuticos para o seu tratamento.13
No entanto, apesar do avanço científico, ainda restam muitas lacunas na compreensão da epilepsia.
Além disso, o tratamento adequado ainda não alcança grande parte dos pacientes.
Este capítulo apresenta os aspectos epidemiológicos, clínicos e neurobiológicos da epilepsia, discu-
tindo modelos fisiopatológicos para a sua origem, manutenção e progressão. Em seguida são abordadas as
principais formas de tratamento. A democratização do saber no que tange à epilepsia é fundamental para o
rompimento de estigmas e a adequada inserção dos indivíduos na sociedade.

2 DEFINIÇÃO

Por definição, a crise epilética é transitória. Ela exibe início e fim bem determinados, embora o térmi-
no de uma crise seja menos evidente do que sua deflagração.14 Por outro lado, o status epilepticus descreve a

123
situação em que há crises prolongadas (acima de 30 minutos), ou recorrentes, sem recuperação da consciên-
Tópicos em Neurociência Clínica

cia entre as mesmas.14


Para o diagnóstico da doença epilepsia utilizam-se os seguintes critérios: ocorrência de duas
crises não provocadas, em um período maior do que 24 horas; ou ocorrência de uma crise não pro-
vocada, associada a um risco de recorrência superior a 60% dentro de um período de dez anos; ou
diagnóstico confirmado de síndrome epiléptica.1 As crises recorrentes (ou o alto risco de recorrência)
representam critério essencial, visto que uma única crise não é suficiente para se estabelecer o diag-
nóstico.15 Define-se como síndrome epilética um distúrbio caracterizado por um conjunto específico de
sinais e sintomas clínicos, associados aos achados de exames complementares— como as síndromes de
West e de Dravet.16
Denominam-se crises não provocadas aquelas que se processam na ausência de fatores desenca-
deantes, sejam eles temporários ou reversíveis. Diferentemente dessas, as crises precipitadas pela presença
de algum fator desencadeante— como por exemplo, as convulsões associadas à abstinência alcóolica, hipo-
glicemia, ou febre— não são consideradas epilepsia.1 O alto risco de recorrência de crises epiléticas, ao qual
se refere o segundo critério diagnóstico, inclui condições que predispõem o encéfalo à descarga neuronal
anormal, tais como: acidentes vasculares encefálicos, malformações estruturais congênitas do sistema ner-
voso central (SNC) ou eletroencefalograma com perfil epileptiforme.1

3 EPIDEMIOLOGIA

Sabe-se que a epilepsia acomete mundialmente mais de 65 milhões de pessoas, das quais cerca de
80% encontram-se em nações subdesenvolvidos ou emergentes.3,4 A taxa de incidência é de 61,4 para cada
100 mil pessoas/ano. A prevalência pontual de epilepsia ativa é de 6,38/1000 e a prevalência ao longo da
vida, de 7,6 por 1.000.17
Da totalidade dos portadores de epilepsia, aproximadamente 60% a 75% possuem etiologia idio-
pática, a qual é atribuída a prováveis mutações genéticas ou susceptibilidade alélica.18 Dentre as causas as-
sociadas à epilepsia secundária, algumas são passíveis de prevenção, como as patologias infecciosas e os
traumatismos cranianos. Causas vinculadas ao período pré e perinatal também poderiam ser grandemente
reduzidas mediante os devidos cuidados obstétricos e pediátricos.
De modo geral, a população com epilepsia é heterogênea. Fatores como gênero, idade ocu-
pação laboral e questões socioeconômicas tornam o grupo consideravelmente diverso e distinto. No
que se refere ao sexo, a incidência de crises sintomáticas em homens é relativamente maior do que em
mulheres.19 Isso se deve ao fato de o sexo masculino estar mais relacionado aos comportamentos que
elevam o risco de causas adquiridas de epilepsia, tais como, consumo de drogas e maior incidência de
traumatismos cranioencefálicos.20,21
Em relação à faixa etária, há dois picos de distribuição de incidência. O primeiro se dá nos primeiros
anos de vida, nos quais as causas geralmente são congênitas, perinatais ou infecciosas. Em contrapartida, o
segundo pico é observado a partir dos 60 anos de idade, em que etiologias neurodegenerativas e cerebro-
vasculares são predominantes.22,23
Ademais, aspectos socioeconômicos parecem se correlacionar com a incidência da epilepsia. Indi-
víduos das classes sociais com menor poder aquisitivo têm maior exposição aos fatores de risco para causas
adquiridas, além de disporem de acesso limitado aos serviços de saúde mais complexos.24 Não há estudos
que indiquem associação estatisticamente significante entre epilepsia e etnias22

124
4 ASPECTOS CLÍNICOS E CLASSIFICAÇÃO

Tópicos em Neurociência Clínica


As entidades nosológicas que constituem o conjunto da epilepsia, mesmo com etiologias e manifes-
tações variadas, compartilham vias comuns em sua fisiopatologia – a epileptogênese.1,14 A classificação das
crises simplifica seu estudo e compreensão, posto que as agrupam de acordo com suas características clíni-
cas. Com o intuito de refinar essa categorização, os critérios de classificação da epilepsia foram atualizados.6

4.1 FISIOPATOLOGIA E ETIOLOGIA


A adequada transmissão de impulsos nervosos através da membrana celular de neurônios assegura
o funcionamento harmonizado do sistema nervoso. Nesse contexto, as células nervosas recebem aferências,
tanto de caráter excitatório quanto inibitório, as quais regulam o seu limiar de disparo, obedecendo à lei do
tudo ou nada. Em essência, tal princípio afirma que, para desencadear um potencial de ação em um neurônio
(impulso nervoso), a somatória dos estímulos recebidos deve necessariamente levar à inversão do potencial
elétrico que ultrapasse o limiar de ativação da célula. Do contrário, mesmo sendo estimulada, não haverá
propagação do impulso nervoso. Por outro lado, caso seja superior ao limite mínimo para deflagrar um po-
tencial de ação, o estímulo implicará em transmissão do impulso, independentemente de sua intensidade.25
O processo de epileptogênese, isto é, a conversão de um cérebro não epilético em um tecido nervo-
so capaz de gerar descargas espontâneas e recorrentes, ocorre mediante um desequilíbrio entre os estímulos
excitatório e inibitório sobre os neurônios. Dessa forma, seus disparos se tornam excessivos e/ou síncronos,
determinando uma crise epilética.14 Durante o processo de epileptogênese, uma série de eventos se pro-
cessa: formação de novos circuitos excitatórios, perda de interneurônios inibitórios GABAérgicos, aumento
da atividade excitatória glutamatérgica, morte de neurônios e mudança na disposição citoarquitetônica dos
neurônios nas camadas corticais.18 Embora os mecanismos fisiopatológicos não estejam completamente elu-
cidados, é consenso considerar mudanças de neurotransmissão como a base da epileptogênese.12
Ainda que a grande maioria dos casos de epilepsia seja de caráter idiopático (60% – 75%)18, há
etiologias sabidamente relacionadas à epileptogênese. Dentre as causas congênitas, os erros inatos do me-
tabolismo e as síndromes cromossômcas/genéticas são as mais prevalentes.26 Em meio às causas adquiridas,
destacam-se os tumores cerebrais, os traumatismos cranioencefálicos, as doenças neurodegenerativas, os
acidentes vasculares encefálicos e as infecções do SNC.26
As infecções no SNC constituem etiologias frequentes de epilepsia adquirida em países subdesen-
volvidos, sobretudo na América do Sul, África e no sudeste da Ásia. O herpes-vírus (HSV-1 e HSV-2) repre-
senta a causa mais comum e severa de encefalite em pacientes imunocompetentes. Além desse, os vírus
da rubéola, do sarampo e os arbovírus, como os causadores da dengue e chikungunya, também podem
provocar epilepsia, caso propiciem quadro de encefalite nos hospedeiros. Em áreas endêmicas, neurocisti-
cercose e hidatidose devem ser consideradas como possíveis etiologias. Em pessoas imunocomprometidas,
a epilepsia pode ser consequente a neurotoxoplasmose, encefalite por citomegalovírus, neurotuberculose
e neurocriptococose.26
Os sintomas resultantes da crise epilética estão diretamente relacionados à área cerebral acometi-
da, além de variarem conforme o estágio do neurodesenvolvimento, os padrões de propagação da despola-
rização epiléptica, medicações em uso e período do ciclo sono-vigília.14,27 Pode haver manifestações motoras,
sensoriais e autonômicas, bem como alterações no nível de consciência, no estado emocional, na cognição
e no comportamento.14
Focos epiléticos restritos a um pequeno grupo de neurônios não demonstrarão manifestações clíni-
cas, devido à inibição adjacente, propiciada por aferências inibitórias de neurônios GABAérgicos circundantes.
Todavia, nos casos de crises focais, tal inibição é superada, acarretando a dispersão do estímulo epileptogênico.

125
De modo geral, a propagação percorre as mesmas vias axonais da atividade cortical normal – vias talamo-
Tópicos em Neurociência Clínica

corticais, fibras intra-hemisféricas e fibras inter-hemisféricas.15 Caso haja envolvimento do sistema reticular
ativador ascendente ou de suas projeções talâmicas, haverá perda da consciência durante as crises.27
Crises restritas à área de um único hemisfério cerebral são denominadas crises focais, podendo ou
não causar prejuízo à vigilância. De outra maneira, as crises generalizadas acometem o encéfalo bilateralmen-
te, com perda da consciência. Estas últimas podem ser primariamente generalizadas ou focais com generali-
zação secundária, isto é, oriundas da propagação de uma crise focal.27

4.2 GENÉTICA
Conforme mencionado anteriormente, cerca de 60% a 75% dos casos de epilepsia possuem etiolo-
gia desconhecida, vinculada a prováveis mutações genéticas ou à susceptibilidade alélica.18 Nesse contexto, a
base genética da patologia tem sido investigada há décadas, com o intuito de precisar e apontar quais são os
genes envolvidos com os diferentes tipos de epilepsia existentes.
Admite-se que a epilepsia seja uma forma de canalopatia, ou seja, resulte de desregulações em ca-
nais iônicos. Variáveis mutantes de alguns genes já demonstraram estar associadas com síndromes epiléticas.
Os genes SCN1A e SCN2A, que sintetizam a subunidade α dos canais de sódio dependentes de voltagem, são
responsáveis pela predisposição às convulsões febris e pela síndrome de Dravet.28,29 Os genes da família KCN,
que codificam canais de cálcio dependentes de voltagem, são associados à epilepsia mioclônica progressiva
e à encefalopatia epilética.28,29 Os genes da família GABRA – canais GABAérgicos – e do grupo GRIN2 – canais
glutamatérgicos – também são relacionados com tipos específicos de epilepsia.28,29
Há indícios de que genes mutantes vinculados à remodelação da cromatina e à regulação trans-
cricional também participem da geração de crises epiléticas.13 Tais genes estão sendo investigados como
possíveis alvos para o desenvolvimento de medicamentos contra a epilepsia. Invariavelmente, o diagnóstico
de epilepsia causada por fatores genéticos deve ser considerado diante de histórico familiar positivo ou de
estudos clínicos populacionais sugestivos de origem gênica para a doença.13 Nesses casos, o mapeamento
genético pode elucidar a causa da epilepsia.

4.3 CLASSIFICAÇÃO
Em 1981, por meio de extensa avaliação de videoeletroencefalogramas, a ILAE (International Lea-
gue Against Epilepsy) estabeleceu critérios para a classificação das crises epiléticas, que foram divididas em
dois grandes grupos: crises parciais e crises generalizadas.6,30
Determinaram-se como crises parciais aquelas que envolvessem apenas uma porção do cére-
bro restrita a um hemisfério. Dentro dessa categoria, as crises seriam subdivididas em parciais simples,
sem a perda da consciência, e parciais complexas, em que haveria alteração do nível de vigilância e
responsividade.30
As crises generalizadas eram caracterizadas por descargas anormais em ambos os hemisférios
cerebrais, com perda imediata da consciência. Sua origem poderia ser primária, isto é, essencialmente
generalizada, ou secundária – derivada da disseminação da despolarização para ambos os hemisférios, a
partir de uma crise parcial. Dentro dessa classe de crises, formulou-se a seguinte subdivisão: crises tônico-
-clônicas (“grande mal”), crises de ausência (“pequeno mal”), crises tônicas, crises clônicas, crises mioclô-
nicas e crises atônicas.27,30
Embora a classificação de 1981 ainda seja largamente utilizada, a ILAE, em 2017, propôs uma re-
visão, admitindo que termos, como, “parcial simples” ou “parcial complexa” causavam confusão ao público
geral e, até mesmo, aos pacientes, além de estigmatizarem alguns tipos de epilepsia como demasiadamente
“simples” ou “complexos”. A falta de termos descritivos acerca das crises também gerava confusão quanto ao

126
seu caráter. Além disso, por ter sido concebida há mais de 30 anos, a classificação de 1981 não descrevia for-

Tópicos em Neurociência Clínica


mas de epilepsia posteriormente caracterizadas. A nova nomenclatura possibilita melhor comunicação entre
profissionais de saúde e público e permite agrupar os pacientes com maior especificidade para a investigação
de mecanismos fisiopatológicos e possibilidades de tratamento.6
Desse modo, de acordo com a mais recente proposta da ILAE, o termo ‘crises parciais’ foi substi-
tuído por ‘crises focais’, ao passo que os termos ‘simples’ e ‘complexo’ foram abolidos, sendo substituídos
pelas respectivas descrições “sem comprometimento da consciência/perceptivas” e “com comprometi-
mento da consciência/disperceptivas”.6,31,32 A origem das crises passou a ser agrupada de acordo com
seu sintoma inicial. A categoria motora foi subdividida em: com automatismos, com espasmos epiléticos,
do tipo atônica, do tipo hipercinética, clônica, mioclônica e tônica. A categoria não-motora foi subdividi-
da em: autonômica, parada comportamental, cognitiva, emocional e sensorial. As crises antes descritas
como parciais com generalização secundária converteram-se em crises focais com evolução para crise
tônico-clônica bilateral.6,31,32
Semelhantemente, as crises generalizadas também foram agrupadas conforme a apresentação
inicial. No grupo motor, as classificações são as seguintes: crise tônico-clônica, clônica, tônica, mioclônica,
mioclônico-tônico-clônica, mioclônico-atônica, atônica e espasmos epiléticos. As crises não motoras com-
preendem: crise de ausência típica, crise de ausência atípica, crise de ausência mioclônica e crise de ausência
com mioclonias palpebrais. Os termos ‘grande mal’ e ‘pequeno mal’ não são recomendados.6,32 Além disso,
quando o foco da crise não pode ser determinado, ela deve ser classificada como de origem desconhecida.6

4.4 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS


Nas crises focais, pode haver ou não perda da consciência, a qual se dá mediante envolvimento da
formação reticular ativadora ascendente (FRAA), responsável pela manutenção da vigília. Trata-se aqui de
um agrupamento de neurônios distribuídos pela porção rostral do tronco encefálico e que têm amplas cone-
xões com o tálamo, o córtex cerebral e a medula espinhal.27 Quando há manutenção da vigilância durante a
crise, o indivíduo permanece alerta e consciente acerca de si e do ambiente, ainda que esteja paralisado, ou
apresentando movimentos ou percepções anormais.13 Já nas crises com perda de consciência, o paciente não
responde aos estímulos do ambiente e apresenta amnésia acerca do evento.33 Nas crises focais dispercepti-
vas, há alteração, mas não perda completa, da responsividade. Crises de ausência provocam perda abrupta
da consciência sem (ou com mínima) manifestação motora.27,31
As manifestações sensoriais ou psíquicas experienciadas durante as crises são intituladas auras epi-
léticas. Em geral, são de curta duração e precedem a perda de consciência. Na realidade, a aura é uma crise
focal resultante da despolarização síncrona em áreas sensoriais primárias ou secundárias, de modo que suas
características clínicas têm valor propedêutico, pois indicam a área cerebral de início da crise.
Dentre os sintomas somatossensitivos, há descrições de auras dolorosas, distorções propriocep-
tivas e ilusões cinestésicas.31 Auras visuais, decorrentes de acometimento do lobo occipital, manifestam-se
como alucinações visuais ou perda da visão em um campo visual.31 Alucinações auditivas, oriundas de foco no
lobo temporal, expressam-se como fenômenos auditivos simples (ruídos ou zumbidos) ou, até mesmo, como
alterações perceptivas complexas (escutar vozes, músicas ou sons familiares).31 Auras olfatórias, derivadas
de acometimento do lobo frontal basal ou região periamigdaliana (que constitui o córtex olfativo primário),
sucedem-se com parosmia ou cacosmia.31,34,35 Alucinações gustativas, resultantes de focos no lobo parietal e
temporal, podem se manifestar concomitantemente às auras olfatórias.31,34,35
Ademais, há relatos de auras autonômicas, sugestivas de acometimento do córtex límbico, mais
especificamente da ínsula, que processa as aferências viscerais. Isso culmina em sensações subjetivas de

127
alterações vasomotoras ou termorregulatórias, taquicardia, sudorese, náuseas e irregularidades no peris-
Tópicos em Neurociência Clínica

taltismo intestinal.31,36
Outrossim, algumas crises podem cursar com auras experienciais, representadas por sintomas
psíquicos ou emocionais. Isso sugere acometimento de regiões do sistema límbico, bem como de áreas
do córtex pré-frontal, relacionadas respectivamente às emoções e à cognição.31,37 As auras experienciais
podem ser de caráter afetivo, mnemônico ou ilusório. Auras afetivas cursam com êxtase, medo ou pâni-
co. Auras mnemônicas manifestam-se tipicamente através de fenômenos como dèja vu (acreditar já ter
visto ou vivido algo nunca ocorrido) e jamais vu (sensação de estranheza perante algo familiar). Por fim,
auras ilusórias consistem em alucinações, ou seja, em percepções na ausência de um estímulo externo
que as desencadeie.31
Os sintomas motores emanam de focos epiléticos em áreas corticais motoras— giro pré-central
(área motora primária), córtex pré-motor lateral, área motora suplementar— assumindo diferentes for-
mas38,39, podendo ser muito impressionantes com vocalização (grito), apneia, desvio dos olhos e da cabeça,
abalos violentos do tronco e/ou das extremidades. 27,31 Crises tônicas consistem no aumento do tônus da
musculatura por um curto período de tempo, determinando enrijecimento muscular. Crises clônicas são ca-
racterizadas por abalos repetitivos, com alternância entre contração e relaxamento de modo regular. Crises
mioclônicas qualificam-se por breves contrações musculares (em torno de 200ms – mais rápidas que as con-
trações clônicas), de aspecto espasmódico. Crises tônico-clônicas são descritas por contrações musculares
com uma fase inicial tônica, de contração contínua, seguida de uma fase clônica, na qual a contração se inter-
cala com o relaxamento, causando abalos.
As manifestações motoras também podem se apresentar com fenômenos negativos, ou seja, com
restrição ou inibição de movimento. Crises atônicas caracterizam-se pela perda completa do tônus muscular,
sobretudo de músculos posturais, o que frequentemente provoca quedas abruptas durante o ictus.40 Crises
que cursam com afasia exibem sintomas variáveis, a depender da área afetada: afasia motora (área de Broca)
e afasia sensorial (área de Wernicke).31
A marcha jacksoniana é um sintoma de crise focal motora, em que ocorre um padrão migratório
dos abalos musculares que se iniciam nas extremidades e caminham para a porção proximal dos membros.
Esse fenômeno corresponde ao trajeto da onda de despolarização epileptiforme ao longo do córtex motor,
acompanhando as diferentes áreas somatotópicas (homúnculo de Penfield). Também podem ocorrer sen-
sações de formigamento, choque ou dor, que seguem essa mesma progressão espacial em um hemicorpo,
neste caso refletindo a dispersão da descarga epilética ao longo do córtex somatossensorial que também tem
representação somatotópica.31,41
Um fenômeno incomum que pode sobrevir depois das crises é a chamada paralisia de Todd. O qua-
dro consiste na paresia ou paralisia de um membro, após seu acometimento durante a crise. Há ainda raras
manifestações pós-ictais não motoras, como afasia (disfunção das áreas de Broca ou de Wernicke), pareste-
sia/anestesia (disfunção do córtex somatossensorial) e hemianopsia (disfunção do córtex visual). Esses sinto-
mas podem durar horas, ou mesmo, dias, porém têm reversão espontânea.42,43 A fisiopatologia da paralisia
de Todd ainda não é completamente compreendida, embora algumas hipóteses possam ser consideradas.
A teoria mais aceita propõe que se deva à “exaustão” de neurônios corticais, em virtude de suas descargas
excessivas durante o ictus, com consequente inibição por hiperpolarização prolongada.42,43 Outras hipóteses
aventam a depleção de neurotransmissores, dessensibilização neuronal e alterações no fluxo sanguíneo para
o cérebro.42

128
5 ESTIGMA E PRECONCEITO

Tópicos em Neurociência Clínica


Via de regra, o contexto cultural e social de uma população estabelece a forma como uma deter-
minada enfermidade é abordada. A palavra “epilepsia” provém de étimos gregos que exprimem o conceito
de “ser tomado” ou “dominado por algo sobrenatural”, pois, na Grécia Antiga, atribuía-se a causa das crises
a fenômenos místicos ou divinos5. Assim, a epilepsia era referida como “doença sagrada”, vista como uma
manifestação dos deuses. No entanto, muitas outras sociedades associaram-na à possessão demoníaca ou ao
castigo divino, o que invariavelmente permaneceu enraizado na cultura ocidental.44,45
Interpretar as crises como fenômenos místicos, em detrimento de seu caráter natural, comumente
resultou na pratica de exorcismos, até mesmo, de homicídios, ao longo da história. Dessa maneira, a cultura
e as crenças infundadas são responsáveis pelo estigma e o preconceito que sofrem as pessoas que vivem
com epilepsia. Portanto, não se trata de um fato recente, visto que as práticas discriminatórias vêm da anti-
guidade. Embora os textos médicos de antigas civilizações da Mesopotâmia descrevessem detalhadamente
diversos aspectos das crises epiléticas*, sua etiologia era atribuída aos espíritos malignos, o que implicava
exorcismo e, inclusive, exílio dos doentes.46
Reflexos do preconceito institucionalizado foram presenciados até meados do século XX. Uma série
de embargos eram instaurados sobre as pessoas com essa condição, tais como a restrição ao matrimônio, a
negação de vistos imigratórios, a proibição do exercício de alguns ofícios e atividades e, até mesmo, a esteri-
lização compulsória.47 Contudo, mesmo diante de avanços conquistados por intermédio da democratização
dos direitos civis, ainda há muito que se progredir, no que se refere à inclusão social deste grupo.
Estigma é definido como a coocorrência de rotulagem, estereótipos, exclusão, perda de status e
discriminação em um contexto no qual o poder é exercido. Trata-se de uma marca ou sinal que designa o seu
portador como desqualificado ou menos valorizado. O estigma se associa a múltiplas condições e caracterís-
ticas, tais como raça, cor, nacionalidade, religião, orientação sexual, deficiência, infecção pelo HIV, obesidade,
etc. e sempre resulta em discriminação, tanto em nível individual (ou seja, o tratamento desigual que surge
na sociedade em um determinado grupo social), como em nível estrutural (ou seja, as condições sociais que
limitam o indivíduo em suas oportunidades, recursos e bem-estar).48
O estigma associado à epilepsia persiste. Em um estudo realizado na Turquia, cerca de 28% dos
acometidos relataram sentir-se estigmatizados pela sua condição, sendo que a prevalência de depressão
nessa parcela dos entrevistados também foi mais elevada.49 Em outro trabalho, conduzido na Austrália,
47% dos indivíduos com epilepsia referiam tratamento desigual em ambientes laborais e sociais.50 Mini-
mizar ou até mesmo omitir a condição como uma maneira de contornar o estigma associado a ela é uma
resposta comum entre os pacientes. Essa sensação de constrangimento ou punição pode também afetar
a família.51
Ainda sobre os aspectos estruturais do preconceito, a reação pública diante da enfermidade é
moldada pelo estereótipo negativo. Por vezes, características como belicosidade, retardo mental, agressi-
vidade e descontrole são erroneamente vinculadas às pessoas com epilepsia, usurpando-as de sua indivi-
dualidade.51,52 O transtorno é comumente tido como doença mental e de caráter contagioso em âmbitos
culturais menos informados, corroborando a manutenção da discriminação.52 Igualmente, o desconheci-
mento acerca da natureza das crises e da forma de lidar com elas perpetua essa falsa noção.26,52 Logo, é in-
dispensável facilitar o acesso a informações legítimas a respeito da epilepsia, a fim de combater o estigma
arraigado na sociedade.

*
O texto sumério Sakikku (“Sobre todas as doenças” em tradução livre), datado de 1067-1046 a.C., detalha minuciosamente variadas
apresentações de crises epiléticas, além de fornecer prognósticos acurados à época conforme as manifestações evidenciadas. Ainda
que de forma arcaica, fenômenos como a paralisia de Todd e a marcha jacksoniana são descritos no documento.46
129
6 NEUROPLASTICIDADE, NEUROINFLAMAÇÃO E NEURODEGENERAÇÃO
Tópicos em Neurociência Clínica

Ao perturbar a homeostase do tecido cerebral, a epileptogênese suscita neuroinflamação como


forma de proteção do organismo. Entretanto, de modo colateral, a inflamação lesa o tecido nervoso por meio
de mediadores imunológicos, radicais livres, estresse oxidativo e danos excitotóxicos. Por sua vez, as injúrias
instauradas resultam em resposta de neuroplasticidade para restaurar e/ou manter a operacionalidade dos
circuitos neurais.

6.1 NEUROPLASTICIDADE
Com o avanço das neurociências, a epilepsia passou a ser compreendida como um distúrbio que
impacta não só as áreas focais acometidas pelas crises, mas que também interfere no padrão de conectivida-
de de diversas outras regiões não diretamente envolvidas com as mesmas.53 Nesse contexto, os conceitos de
conectoma e neuroplasticidade apresentam grande significado.
A evolução do conhecimento sobre neuroanatomia funcional possibilitou a associação de áreas
cerebrais a determinadas funções cognitivas. Regiões como a área de Broca, responsável pelo componente
expressivo da linguagem, e a área de Wernicke, associada à sua compreensão, são exemplos dessa topogra-
fia operacional. Estabeleceu-se, deste modo, uma espécie de “atlas do cérebro”. Com base nele, observa-se
que alguns locais são mais eloquentes do que outros e, portanto, menos viáveis à intervenção cirúrgica, caso
necessária.54
No entanto, na avaliação dos pacientes, nem sempre se observava a anatomia esperada. Em 2004,
um estudo prospectivo de Rossini et al.55 investigou a funcionalidade e a plasticidade cerebral, por intermédio
da avaliação de imagens de ressonância magnética nuclear funcional pré e pós-operatórias, em pacientes
portadores de glioma e de epilepsia passível de intervenção cirúrgica. Constatou-se que as vias neurais se
remodelaram de modo a otimizar as funções remanescentes.55-57 Isso mudou a forma de conceber a epilepsia
, pois ficou claro que seu impacto não se restringia ao córtex acometido, mas que também envolvia a subs-
tância branca.
O conjunto de conexões neurais no cérebro forma uma complexa rede denominada conectoma. O
conceito reflete um novo paradigma de compreensão da funcionalidade cerebral, pois implica que nenhuma
função cortical depende de apenas uma região, necessitando do fluxo de informações entre diversas áreas
através de circuitos neuronais. A organização do conectoma mediante seleção natural preza por conexões
econômicas e eficientes, dado o alto consumo metabólico de manutenção do cérebro. Assim, observa-se a
remodelação das rotas com o intuito de equilibrar a eficácia da conectividade com o custo energético.58,59
O processo de epileptogênese— particularmente quando se dá durante o neurodesenvolvimento—
pode prejudicar a especialização e a consolidação de áreas funcionais, de modo a orientar o desenvolvimento
de conexões alternativas, como forma de compensação. Por exemplo, há casos de epilepsia na infância, nos
quais as áreas corticais vinculadas à fala – normalmente dispostas no hemisfério esquerdo – são observadas
no hemisfério contralateral e, até mesmo, em outros locais do cérebro.10 Por ainda estarem no processo de
maturação neurocognitiva, infantes são mais susceptíveis à reorganização das conexões neurais. Com o ama-
durecimento do sistema nervoso, verifica-se a consolidação de sinapses e a mielinização de axônios, sendo o
calibre da bainha de mielina – sintetizada pelos oligodentrócitos – proporcional à atividade neural operante
e à menor susceptibilidade à remodelação.60
A neuroplasticidade constatada na epilepsia resulta de injúria prolongada e lenta ao encéfalo, ou
seja, há tempo hábil para a formação de novos circuitos, que, entretanto, depende da preservação das vias
subcorticais.57 Diante disso, estruturas encefálicas, a priori inoperáveis, podem ser abordadas, bem como
faculdades cognitivas outrora prejudicadas podem ser — ao menos parcialmente— restauradas.54

130
6.2 NEUROINFLAMAÇÃO

Tópicos em Neurociência Clínica


Qualquer lesão no tecido nervoso induz o processo de neuroinflamação, que consiste em resposta
inflamatória e/ou imunológica, mediada pela micróglia e pelos astrócitos, culminando na liberação de diver-
sas citocinas e quimiocinas e no aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica.61,62
A IL-1, citocina produzida pelas células gliais e neurônios durante a inflamação, promove não ape-
nas maior liberação sináptica de glutamato, mas também diminui sua recaptação, suscitando, além disso,
hiperexpressão de receptores NMDA nos neurônios pós-sinápticos. A maior atividade glutamatérgica, por
sua vez, acarreta hiperexcitabilidade neuronal – estado precursor da epileptogênese. Medicamentos antago-
nistas do receptor de IL-1, como a anakinra, estão em investigação para o tratamento de crises epiléticas.62,63
A IL-6, por sua vez, não é encontrada em abundância no SNC. Em situações inflamatórias, sua sínte-
se se dá por intermédio dos astrócitos e da micróglia. Seu principal efeito neuronal é a gliose, que atua como
um agente epileptogênico, ao provocar conexões anômalas e favorecer a hiperexcitabilidade. Seu antago-
nismo pode ser obtido farmacologicamente por meio de anticorpos monoclonais, como o tocilizumabe.62,63
O TNF-α, semelhantemente à IL-1, fomenta a maior liberação de glutamato nas sinapses e a hipe-
rexpressão de receptores AMPA. Além disso, acarreta a hipoexpressão de receptores GABAérgicos, de forma
a reduzir a atividade sináptica inibitória. Sua ação pode ser bloqueada por anticorpos monoclonais, como o
adalimumabe.62,63
Por seu turno, as prostaglandinas e as prostaciclinas— sintetizadas pela degradação do ácido ara-
quidônico— também agravam o quadro neuroinflamatório. O metabolismo do ácido araquidônico se dá pela
enzima ciclooxigenase (COX), em suas isoformas constitutiva (COX-1) e indutível (COX-2). No tecido nervoso,
as prostaglandinas e as prostaciclinas aumentam a liberação sináptica de glutamato.62,63
Diversas outras moléculas também participam da neuroinflamação. O fator ativador de plaquetas
(PAF) estimula a liberação de glutamato e uma maior expressão de COX-2. As metaloproteinases (enzimas
proteolíticas) acarretam elongamentos dendríticos e alterações morfológicas nas sinapses, gerando neuro-
plasticidade aberrante. Os receptores de membrana Toll-like acionam os inflamossomos (proteínas citoplas-
máticas do sistema imune inato responsáveis pela ativação da secreção de citocinas e quimiocinas).62
Também o aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica contribui para o processo de
epileptogênese. Em condições normais, a barreira impede a passagem de moléculas grandes e hidrofílicas,
bem como de anticorpos, fatores imunológicos e células imunes. Todavia, em situações de inflamação, a
permeabilidade endotelial se eleva ao ponto de permitir a passagem de albumina, mediadores imunológicos
e leucócitos.62
O extravasamento de albumina da circulação para o ambiente extracelular cerebral tem diversas
consequências. Sua captação pelos neurônios favorece a liberação de glutamato, gerando hiperexcitabildiade
neuronal. Além disso, a proteína estimula a maior transcrição de citocinas pró-inflamatórias e de moléculas
de adesão leucocitária. Por fim, também propicia maior captação proteica pelos astrócitos, ativando o fa-
tor de crescimento transformante (TGF-β) que induz as células gliais a reduzirem a expressão de canais de
potássio do tipo KIR 4.1. Por conseguinte, a elevação da concentração extracelular de potássio diminui o
limiar de excitabilidade neuronal, o que facilita a despolarização.61,64
Além do dano causado pela inflamação parenquimatosa, também ocorrem edema cerebral e glio-
se, em virtude da disfunção da barreira hematoencefálica.63 Em resposta, os neurônios sintetizam fatores
de crescimento vascular endotelial (VEGF), o que pode suscitar angiogênese desajustada, corroborando o
processo de epileptogênese.61 Dando mais subsídio à sua plasticidade, as neurotrofinas, como o NGF (nerve
growth factor) e o BNDF (brain derived neurotrophic factor) aumentam a síntese proteica das células neu-
ronais.65 As mitocôndrias, por sua vez, elevam sua capacidade de geração de energia e também passam a
sintetizar proteínas antiapoptóticas, como as da família Bcl-2.65

131
6.3 NEURODEGENERAÇÃO
Tópicos em Neurociência Clínica

No cérebro, o glutamato é o principal neurotransmissor excitatório. Ele se liga aos receptores do tipo
canal iônico— NMDA (N-metil-D-aspartato), AMPA (ácido α-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolepropionico) e
cainato— e a receptores metabotrópicos. Os receptores glutamatérgicos AMPA e NMDA, ao serem ativados,
permitem influxo de íons sódio e cálcio respectivamente. A entrada de sódio tem o efeito rápido de mudar a
polaridade da membrana, gerando potencial pós-sináptico excitatório, de modo a facilitar a despolarização neu-
ronal. Já a entrada de cálcio ativa enzimas citoplasmáticas, resultando em efeitos mais lentos, porém mais du-
radouros, como fechamento de canais de potássio, expressão de receptores AMPA e ativação da genética.61, 66-68
Os astrócitos, células responsáveis pela sustentação e nutrição dos neurônios, efetuam a depuração
de glutamato das sinapses que é catabolizado pela enzima glutamina sintetase (GS). A glutamina resultante
pode ser utilizada tanto para a síntese de glutamato quanto para a síntese de ácido-γ-aminobutírico (GABA).
Caso a função da enzima seja deficitária nos astrócitos, haverá acúmulo sináptico de glutamato, o que ocasio-
na hiperexcitabilidade dos neurônios pós-sinápticos. Também devido à produção inadequada de glutamina,
a síntese de GABA pela via glutaminérgica é diminuída, amplificando o efeito de hiperexcitabilidade através
da redução da aferência inibitória.61
Esse estado de hiperexcitabilidade contribui com os ciclos de despolarização/repolarização. O au-
mento excessivo da concentração intracelular de cálcio (dano excitotóxico) desencadeada pelo glutamato
ativa enzimas pró-apoptóticas – como caspases, proteases e endonucleases –, propiciando a degeneração e
a morte dos neurônios. Em larga escala, o processo neurodegenerativo se evidencia como atrofia da região
cerebral acometida.64 Por conseguinte, a subexpressão de glutamina-sintetase é um ponto-chave no fenôme-
no da neurodegeneração.
Ademais, tanto o dano excitotóxico quanto a neuroinflamação observados durante a injúria ce-
rebral culminam com a produção de radicais livres. Em grande quantidade, espécies reativas de nitrogênio
(RNS) e de oxigênio (ROS) superam a capacidade de depuração celular e instauram quadro de estresse oxida-
tivo, que pode também induzir apoptose, se não revertido.61,63
Os mecanismos de lesão mediados por radicais livres são: peroxidação lipídica das membranas, modi-
ficações nas proteínas (degradação ou desdobramento anormal) e lesão ao DNA (mutações).64 Diante de dano
celular prolongado ou severo, as RNS e ROS ultrapassam a capacidade oxidativa das mitocôndrias— organelas
responsáveis pela degradação de radicais livres, juntamente com peroxissomos. A disfunção mitocondrial, por
consequência, acarreta desregulação da homeostase intracelular de cálcio e, finalmente, morte celular.61,63

7 COGNIÇÃO E EMOÇÃO

Transtornos cognitivos e emocionais são comorbidades comuns na epilepsia. Eles são causados
tanto por alterações neurobiológicas, associadas às crises, quanto por possível doença neurológica de base.
Ademais, as consequências psicossociais da epilepsia também podem influir no desenvolvimento dessas co-
morbidades.

7.1 DEPRESSÃO
A presença de transtorno depressivo em pacientes com epilepsia é uma associação conhecida, que
eleva o risco de mortalidade, sobretudo de suicídio.69,70 Tanto a epilepsia quanto a depressão instauram um
quadro de neuroinflamação crônica, desencadeada pelo aumento dos níveis de cortisol circulantes devido
à desregulação no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal.12 Ocorre liberação de citocinas pró-inflamatórias, tais
como IL-1, IL-6, TNF-α e IFN-γ, que reduzem o limiar convulsivo, lesam a barreira hematoencefálica e induzem

132
a diminuição da densidade glial e do tamanho dos neurônios em diversas áreas do cérebro sobretudo no giro

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cingulado e no córtex pré-frontal— regiões relacionadas à emoção e à cognição.12,71,72
A redução da neurogênese hipocampal acontece tanto na epilepsia quanto na depressão e se asso-
cia ao efeito citotóxico do cortisol sobre os neurônios e à redução dos níveis de BNDF. Esse fenômeno gera
a atrofia/esclerose hipocampal, que pode ser visualizada em exames de ressonância magnética nuclear.74,75
Indivíduos com depressão resistente à terapia medicamentosa possuem maior propensão à atrofia
hipocampal76, e nesses casos a duração da depressão é inversamente proporcional ao volume do hipocam-
po.77 O uso da tomografia por emissão de pósitrons, utilizando-se glicose marcada com flúor radioativo (FD-
G-PET), demonstra hipometabolismo do hipocampo em portadores de epilepsia temporal.78,79 Por sua vez,
imagens obtidas através de ressonância magnética funcional evidenciam diminuição do volume hipocampal –
unilateral em portadores de epilepsia temporal e bilateral naqueles deprimidos.80 Nessas condições, também
se observa, de modo frequente, o aumento da amígdala, área límbica vinculada ao medo e à ansiedade.12

Figura 1 – Mecanismos neuroinflamatórios da epilepsia e da depressão.


Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.

A tese de que a depressão resulta apenas do sofrimento psicossocial parece improvável. O desen-
volvimento da teoria neuroinflamatória da depressão, hipótese alternativa à teoria monoaminérgica, propõe
que os sintomas depressivos surjam em portadores de epilepsia antes mesmo do início das crises.73 Sob tal
óptica, estressores ambientais crônicos provocam ativação das vias pró-inflamatórias – previamente des-
critas, que poderiam até mesmo contribuir na gênese da epilepsia.62,63 A perspectiva neuroinflamatória até
mesmo dá indícios de que os altos níveis de cortisol e a hipoexpressão de receptores serotoninérgicos sejam
consequência da neuroinflamação.73

7.2 COGNIÇÃO
O prejuízo cognitivo progressivo, associado à epilepsia, era denominado, no século XIX, “demência
epilética”. Neste período, na ausência de tratamento adequado disponível, a maioria dos pacientes exibia de-
clínio das funções mentais. Em geral, quanto maior a exposição às crises, maior a disfunção intelectual. Nesse
contexto, interpretava-se a demência como um sintoma tardio da epilepsia.81

133
Comorbidades cognitivas são relativamente frequentes na epilepsia e podem ser secundárias às
Tópicos em Neurociência Clínica

crises.82 A atrofia hipocampal provocada pela epilepsia suscita déficit cognitivo.11 Em caráter complemen-
tar, verifica-se um processo de neuroplasticidade que, a longo prazo, conduz à reorganização disfuncional
de circuitos neurais, podendo acarretar degeneração sináptica, sincronização aberrante e predisposição a
crises.83,84 Ademais, a atrofia do hipocampo propicia acúmulo de peptídeo beta-amilóide (Aβ) no parênqui-
ma cerebral.84
A epilepsia em crianças pode prejudicar seriamente o desenvolvimento neurocognitivo e psi-
cossocial. As crises, particularmente as mais severas (maior frequência e duração, tendência à refrata-
riedade), podem ocasionar injúria prolongada e crônica sobre o cérebro, o que implica reestruturação
atípica das vias neurais responsáveis por diversas funções intelectuais, tais como linguagem, memória e
aprendizado.10, 12,85
O uso de medicamentos anticonvulsivantes para controle das crises, em alguns casos, pode im-
plicar prejuízo cognitivo como efeito adverso. Tradicionalmente, o fenobarbital, os benzodiazepínicos e
o topiramato podem se associar a prejuízo cognitivo. De modo semelhante, a fenitoína, a carbamazepina
e o ácido valpróico podem provocar diminuição da atenção e da memória, bem como menor atividade
psicomotora.

8 EXAMES COMPLEMENTARES

Os principais exames complementares na avaliação da epilepsia são o eletroencefalograma (EEG) e


a ressonância magnética nuclear (RMN).

8.1 ELETROENCEFALOGRAMA
O eletroencefalograma (EEG) registra a atividade elétrica do cérebro, com o uso de eletrodos
colocados sobre o escalpo, possibilitando uma análise não invasiva e em tempo real da fisiologia de um
conjunto neurônios.15 Os resultados do EEG, sobretudo, durante as crises e descargas epileptiformes
interictais, são essenciais ao diagnóstico e à classificação da epilepsia. Via de regra, as descargas epi-
leptiformes consistem em ondas paroxísticas apiculadas no EEG, determinadas pela descarga anormal
ou síncrona de um grupo de neurônios.86,87Contudo, disparos paroxísticos podem ocorrer em indivíduos
saudáveis (aproximadamente 2% da população geral). Por isso, a adequada correlação com os achados
clínicos é fundamental.
Com o intuito de assegurar a acurácia, diversos registros são efetuados, pois a ausência de altera-
ções no EEG não exclui o diagnóstico de epilepsia – apenas 50% dos pacientes demonstram padrão epilep-
tiforme ao primeiro exame.87 A repetição, por conseguinte, eleva sua sensibilidade, com 90% dos pacientes
com epilepsia evidenciando padrões epileptiformes até o terceiro EEG.87 Provas de ativação por meio de
privação de sono antes do exame e manobra de hiperventilação, ou aplicação de estímulos foto ou audios-
sensoriais intermitentes durante o mesmo também aumentam sua sensibilidade.87
As características dos padrões eletrográficos – ritmo de base, localização, morfologia, duração das
descargas epileptiformes – direcionam a classificação das crises e até mesmo o diagnóstico de síndromes
epilépticas específicas, fornecendo informações acerca da evolução e do prognóstico. Assim, as crises focais,
que correspondem à despolarização síncrona em uma determinada área do cérebro, geram atividade paro-
xística localizada (Figura 2). Já as crises generalizadas se traduzem em descargas epileptiformes em ambos os
hemisférios cerebrais (Figura 3).6,30

134
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 2 – EEG de crise focal, evidenciando atividade epileptiforme ritmada em região temporal esquerda, característica
de crise de lobo temporal em paciente com esclerose hipocampal.88

Figura 3 – EEG de crise generalizada, exibindo paroxismos complexos espícula-onda a aproximadamente 3Hz, de proje-
ção generalizada, característicos das crises de ausência típicas.89
135
8.2 RESSONÂNCIA MAGNÉTICA NUCLEAR
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O advento da RMN revolucionou o diagnóstico na neurologia, permitindo de forma não invasiva a


caracterização e a localização precisa de lesões encefálicas. No contexto da epilepsia, a RMN é indicada como
exame inicial em todos os casos para detecção ou exclusão segura de alterações estruturais.90 Deve-se aqui,
porém, deixar claro que o exame normal não inviabiliza o diagnóstico de epilepsia, que na maioria das vezes
é de natureza idiopática sem lesão estrutural visível. Uma vez associada ao quadro clínico do paciente, a RMN
pode servir de respaldo para intervenções cirúrgicas terapêuticas.91
Outro método de exame de imagem, a tomografia computadorizada (CT) tem sido amplamente
utilizada em serviços de saúde pelo mundo, graças ao fácil acesso e aos reduzidos custos, como alterna-
tiva à RMN.92 Entretanto, as imagens obtidas via CT permitem somente a visualização de lesões maiores,
com delimitação anatômica menos precisa, devendo, por isso, ser utilizada apenas na indisponibilidade
da RMN.93

Figura 4 – Imagem de RMN, em sequência T2, corte coronal, evidenciando esclerose hipocampal à direita em pa-
ciente com epilepsia mesial temporal. A esclerose hipocampal, também conhecida como esclerose temporal mesial,
é a causa mais comum da epilepsia de lobo temporal. Na imagem, observa-se marcada assimetria hipocampal, com
atrofia do lado direito.94

136
9 TRATAMENTO

Tópicos em Neurociência Clínica


A terapia medicamentosa com anticonvulsivantes constitui a base para o tratamento da epi-
lepsia. A escolha da melhor droga depende da análise individualizada de diferentes fatores, como o
tipo de crise, o gênero, a idade, outros medicamentos em uso, comorbidades, situação psicossocial e
financeira do paciente, sua ocupação, etc. Há anticonvulsivantes que podem piorar crises generalizadas,
outros interagem com anticoncepcionais, outros causam sonolência excessiva, prejuízo de memória,
alguns requerem sua administração em diferentes horários do dia, exigindo disciplina e organização por
parte do paciente, e alguns são muito onerosos.95 Em caso de refratariedade à farmacoterapia, algumas
alternativas podem ser discutidas, como a ablação cirúrgica da área acometida, a dieta cetogênica e a
estimulação vagal.96,97
O canabidiol (CBD), um dos princípios ativos da planta Cannabis sativa, tem propriedades an-
ticonvulsivantes.8,9,98 A molécula mostrou resultados positivos, com significativa redução das crises em
casos de epilepsia refratária, como a síndrome de Dravet e síndrome de Lennox-Gastaut.8,98 Entretanto,
a substância também se associa a frequentes efeitos colaterais, como náusea, diarreia, dor de cabeça,
fadiga e sonolência.8,98 São necessários novos estudos para se avaliar a eficácia do canabidiol em outras
síndromes epilépticas.

9.1 TERAPIA MEDICAMENTOSA


A transmissão de impulsos nervosos se dá por meio do potencial de ação, que consiste na inver-
são da polaridade na membrana neuronal, que se propaga ao longo do axônio para outros neurônios. 25 No
contexto da epilepsia, potenciais de ação síncronos e excessivos ocorrem em função da perda do equilí-
brio entre inputs excitatórios e inibitórios sobre determinados neurônios, reduzindo o limiar de disparo
na membrana.14 Dessa maneira, os anticonvulsivantes têm o objetivo de inibir a despolarização neuronal
anômala, restaurando esse equilíbrio. Contudo, eles compensam, mas não corrigem a causa do fenômeno
de hiperexcitabilidade.66
Os principais mecanismos de ação dos anticonvulsivantes são: potencialização da ação GABAér-
gica (aumentando a inibição/hiperpolarização da membrana neuronal), inibição da função dos canais de
sódio (reduzindo a excitabilidade da membrana neuronal) e inibição da função dos canais de cálcio (re-
duzindo a excitabilidade do neurônio pós-sináptico e a liberação de neurotransmissores pelo neurônio
pré-sináptico).67
Recomenda-se, em geral, o emprego de monoterapia por facilitar a adesão ao tratamento e ter me-
nor risco de efeitos adversos. Caso haja falha terapêutica, realiza-se a troca do fármaco ou a adição de outro
ao esquema prévio.68
Os antiepiléticos dividem-se em três gerações, ilustradas nas tabelas 1, 2 e 3, distinguindo-se quan-
to à eficácia, mecanismos de ação, características farmacodinâmicas, efeitos adversos e interações com ou-
tros medicamentos.67

137
Tabela 1: Anticonvulsivantes de 1º geração.66-68
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PRIMEIRA GERAÇÃO

Nome dos fármacos Mecanismo de ação

Benzodiazepínicos Ligação aos receptores GABAA (aumento da frequência de abertura dos canais Cl-).
Carbamazepina Bloqueio de canais de Na+ dependentes de voltagem.
Fenobarbital Ligação aos receptores GABAA (aumento do tempo de abertura dos canais Cl-).
Etossuximida Bloqueio de canais de Ca2+ tipo T.
Fenitoína Bloqueio de canais de Na+ dependentes de voltagem.

Bloqueio de canais de Ca2+ tipo T, de canais de Na+ dependentes de voltagem, e da


Ácido valpróico
enzima GABA-transaminase (GABA-T)*.

Tabela 2: Anticonvulsivantes de 2º geração.66-68

SEGUNDA GERAÇÃO

Nome dos fármacos Mecanismo de ação


Gabapentina Bloqueio de canais de Ca2+ dependentes de voltagem.
Lamotrigina Bloqueio de canais de Ca2+ e de canais de Na+ dependentes de voltagem.
Bloqueia a proteína SV2A** e canais de cálcio do tipo N (impede liberação de
Levetiracetam
neurotransmissores).
Oxacarbazepina Bloqueio de canais de Ca2+ e de canais de Na+ dependentes de voltagem.
Pregabalina Bloqueio de canais de Ca2+ dependentes de voltagem.
Tiagabina Inibição da enzima GABA-transportadora 1 (GAT-1)***.
Bloqueio de canais de Ca2+ e de canais de Na+ dependentes de voltagem, an-
Topiramato tagonismo de receptores glutamatérgicos AMPA, inibição da enzima anidrase
carbônica e potencialização da ação GABAérgica.
Vigabatrina Bloqueio da enzima GABA-transaminase (GABA-T).

Tabela 3: Anticonvulsivantes de 3º geração.66-68


TERCEIRA GERAÇÃO

Nome dos fármacos Mecanismo de ação


Lacosamida Bloqueio de canais de Na+ dependentes de voltagem.
Eslicarbazepina Bloqueio de canais de Na+ dependentes de voltagem.
Perampanel Antagonista do receptor glutamatérgico AMPA.

*
A enzima GABA-transaminase (GABA-T) é responsável pela degradação intracelular do ácido γ-aminobutírico (GABA), regulando os
níveis disponíveis da substância na sinapse. O bloqueio de GABA-T provoca aumento na concentração de GABA na sinapse, hiperpo-
larizando a célula.66-68
**
A proteína SV2A é ubíqua em vesículas sinápticas. Embora sua função não esteja bem elucidada, sabe-se que seu bloqueio pelo levetira-
cetam reduz a liberação de neurotransmissores na fenda sináptica, exercendo efeito inibitório.66-68
***
A enzima GABA-transportadora 1 (GAT-1) realiza a captação intracelular de GABA através de um co-transporte, aproveitando-se do
gradiente de Na+ existente. Seu bloqueio impede a recaptação de GABA, elevando a concentração sináptica do neurotransmissor.66-68
138
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Figura 5 – Alvos moleculares dos fármacos anticonvulsivantes na sinapse excitatória glutamatérgica. Os alvos pré-si-
nápticos que diminuem a liberação de glutamato incluem: 1) canais de Na+ regulados por voltagem (RV) (fenitoina, car-
bamazepina, lamotrigina e lacosamida); 2) canais de Ca2+ RV (etossuximida, lamotrigina, gabapentina e pregabalina); 3)
canais de K+ (retigabina); proteínas vesiculares sinápticas; 4) SV2A (proteínas vesiculares sinápticas) (levetiracetam); e
5) CRMP-2, proteína mediadora da resposta de colapsina 2. Os alvos pós-sinápticos incluem: 6) receptores AMPA (blo-
queados pelo fenobarbital, topiramato, lamotrigina e perampanel); e 7) receptores NMDA (bloqueados pelo felbama-
to). EAAT (transportador de aminoácidos excitatórios); NTF (fatores neurotroficos); mGluR (receptor metabotrópico de
glutamato). Os pontos vermelhos representam o neurotransmissor glutamato.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021. Adaptado de: KANDEL, Eric et al.; 2003.

139
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Figura 6 – Alvos moleculares dos fármacos anticonvulsivantes na sinapse inibitória GABAérgica. Os alvos “específicos”
são: 1) transportadores de GABA (particularmente GAT-1, tiagabina); 2) GABA-transaminase (GABA-T, vigabatrina); 3)
receptores GABAA (benzodiazepínicos); 4) receptores GABAB; e 5) proteínas vesiculares sinápticas (SV2A). Os efeitos
também podem ser mediados por alvos “inespecíficos”, como canais iônicos regulados por voltagem (RV) e proteínas
sinápticas. PIPS (potencial inibitório pós-sináptico). Os pontos azuis representam o neurotransmissor GABA.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021. Adaptado de: KANDEL, Eric et al.; 2003.

9.2 CIRURGIA
Cerca de 30% dos indivíduos com epilepsia não obtêm sucesso com o tratamento medicamentoso.
Em alguns casos, a cirurgia é uma opção terapêutica viável, desde que o foco epileptogênico seja restrito e
passível de remoção segura. Para estar apto ao procedimento, a localização da origem das crises não pode
advir de regiões eloquentes do cérebro, tais como as áreas vinculadas à linguagem, memória, sensibilidade
e motricidade.97 A cirurgia não abrange apenas a remoção cirúrgica do foco cortical epileptiforme, mas tam-

140
bém compreende métodos como a neuroestimulação (estimulação cerebral profunda e estimulação vagal), a

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radiocirurgia estereotáxica e a ablação com laser.99
A epilepsia de lobo temporal mesial (EMT) é uma das formas mais prevalentes de epilepsia em adul-
tos, respondendo por 40% dos casos nessa faixa etária.100,101 Para a EMT, o tratamento cirúrgico é bem docu-
mentado, com expressivos resultados positivos, sendo a ressecção cirúrgica em casos refratários à medicação a
terapêutica padrão-ouro.99 A lobectomia temporal anterior, procedimento comumente empregado na terapia
da EMT, demonstra eficácia de 58% a 73% na remissão das crises.102,103 Por sua vez, a ablação a laser guiada por
ressonância magnética, opção menos invasiva, alcança a remissão das crises em até 54% dos casos de EMT.104,105
Finalmente, a neuroestimulação propicia, a longo prazo, redução média de 70% na frequência das crises.97
Etiologias como esclerose hipocampal, tumores, anormalidades vasculares e malformações do de-
senvolvimento cortical são passíveis de correção cirúrgica.97,106 A identificação de focos epiléticos foi grande-
mente aprimorada com o advento da ressonância magnética nuclear funcional, que pode ser avaliada em
conjunto com o eletroencefalograma.91 Também houve expressiva evolução da técnica cirúrgica. Por exem-
plo, a criação do neuronavegador – tecnologia que constrói um modelo tridimensional do cérebro a partir de
imagens obtidas pela RMN, a fim de orientar espacialmente os neurocirurgiões durante os procedimentos.107
Além de proporcionar qualidade de vida aos indivíduos com epilepsia refratária, a cirurgia promove,
em longo prazo, redução significativa dos custos com a saúde, ainda que os gastos com o procedimento e
internações pré e pós-operatórias sejam expressivos.106-108

9.3 ESTIMULAÇÃO VAGAL


A estimulação do nervo vago compreende uma forma de terapia adjunta para pacientes com epi-
lepsia refratária à medicação e não elegíveis para cirurgia. A técnica consiste no implante de um dispositivo
sob a pele da região torácica. O aparelho, semelhantemente a um marcapasso, emite sinais elétricos com
intensidade e frequência pré-determinados ao nervo vago esquerdo.96
Embora o mecanismo de ação da estimulação vagal seja pouco compreendido, sugere-se que ele es-
teja associado à função imunomodulatória do nervo vago. Sua eferência colinérgica inibe, ao nível do tronco
encefálico, a liberação de citocinas pró-inflamatórias que, conforme se tem provado, estão relacionadas com
o desenvolvimento de crises epiléticas.96,109

9.4 DIETA CETOGÊNICA


A dieta cetogênica é composta por alto teor de gordura (cerca de 90% do valor calórico da dieta),
baixa ingesta de carboidratos e quantidade adequada de proteínas, vitaminas e sais minerais. O volume
total de calorias diárias se mantém, mesmo com as modificações do perfil nutricional.110 Tal regime alimen-
tar direciona o metabolismo para o uso de gorduras como principal fonte energética, em detrimento dos
carboidratos. O metabolismo de lipídeos se dá por intermédio de um processo denominado β-oxidação,
que ocorre na matriz mitocondrial. Como resultado, são produzidos corpos cetônicos: acetoacetato, β-hi-
droxibutirato e acetona.111
A dieta cetogênica tem sido utilizada como terapia adjuvante nos casos de epilepsia resistente à
medicação e inapta à cirurgia. Devido aos seus efeitos adversos e restrições, o acompanhamento nutricional
e médico é indispensável.110,111 Como principais efeitos colaterais que dificultam a adaptação do indivíduo à
nova rotina alimentar destacam-se dores abdominais, esteatorreia, constipação, êmese e refluxo gastroeso-
fágico. Pode haver ainda dislipidemia e aumento do risco de complicações cardiovasculares.110,111
O mecanismo anticonvulsivante relacionado à dieta cetogênica ainda não está completamente com-
preendido. No entanto, acredita-se que estejam associados à ação dos corpos cetônicos e dos ácidos graxos
poliinssaturados. Com a condução do metabolismo para a degradação de gorduras, verifica-se o aumento na

141
densidade de mitocôndrias e de genes associados ao metabolismo energético, uma vez que tais organelas
Tópicos em Neurociência Clínica

são responsáveis pela β-oxidação.7,110,111


A dieta cetogênica leva à diminuição da oferta de glicose ao cérebro, bem como da produção de
adenosina-trifosfato (ATP), pela via glicolítica. Por conseguinte, canais de potássio sensíveis ao ATP (KATP)
se abrem, provocando hiperpolarização da célula e elevando o limiar convulsivo. De forma complementar,
canais de potássio compostos por dois domínios (K2P) também são ativados, em virtude da maior concen-
tração de corpos cetônicos circulantes e do pH relativamente mais ácido. O resultado é a estabilização da
membrana dos neurônios, de modo a aumentar o limiar de disparos anormais. 110-112
Além disso, ocorre maior síntese do neurotransmissor GABA devido à ativação da enzima ácido glu-
tâmico descarboxilase, necessária à sua síntese. A concentração sináptica de GABA também é ampliada pela
redução do seu catabolismo pela enzima GABA-transaminase (GABA-T), que efetua degradação intracelular
da molécula.7,110,111
A dieta cetogênica também aumenta os níveis de agmatina, um metabólito proveniente da descarboxi-
lação do aminoácido arginina. A substância é encontrada em abundância no hipocampo e atua como neurotrans-
missor inibitório, bloqueando receptores glutamatérgicos AMPA, de maneira a exercer função anticonvulsivan-
te.110,111

9.5 CANABINOIDES
Os canabinoides usados no tratamento da epilepsia são extratos de plantas do gênero Cannabis
(fitocanabinoides), ou moléculas sintetizadas em laboratório (canabinoides sintéticos).8,98 A farmacocinética
e a farmacodinâmica dos medicamentos variam conforme sua formulação e via de administração, bem como
seu metabolismo e interação farmacológica com outras drogas. Não se recomendam produtos não regula-
mentados por órgãos sanitários, pois o risco de haver contaminantes durante o processo de fabricação é
desconhecido, o que representa ameaça à saúde dos usuários.98
Os principais canabinoides presentes na Cannabis são o tetraidrocanabinol (THC) e o canabidiol
(CBD), sendo que suas respectivas concentrações variam conforme as espécies da planta. O THC, componen-
te ativo mais abundante, é o responsável pelos efeitos psicoativos. No entanto, provoca estresse oxidativo
e disfunção mitocondrial.98,113 Por outro lado, o CBD não se associa a efeitos psicotrópicos e demonstra ação
neuroprotetora e antiepiléptica.8,98,114,115
Evidências experimentais constatam a efetividade do CBD no tratamento da síndrome de Lenno-
x-Gastaut, da síndrome de Dravet e de epilepsias refratárias à medicação. Na síndrome de Lennox-Gastaut,
houve redução superior a 50% na frequência das crises em 44-49% dos pacientes.116,117 Esse resultado foi al-
cançado em 40% dos pacientes com a síndrome de Dravet.118 e em 57% daqueles com epilepsia refratária.119
O mecanismo antiepilético do CBD ainda não está elucidado. Sabe-se que se trata de uma molécula
com múltiplos alvos farmacológicos, ou seja, que se liga a receptores variados.8,98 Sugere-se que seu efeito
neuroprotetor se dê mediante ligação a receptores γ-ativados por proliferador de peroxissomo (PPRA-γ). O
PPRA-γ consiste numa proteína receptora nuclear que regula a expressão de genes e de fatores de transcri-
ção. Quando em grandes concentrações, o CBD, além de exercer agonismo parcial de receptores CB1 e CB2,
também se liga ao PPRA-γ, que, uma vez acionado, acarreta inibição da síntese de citocinas pró-inflamatórias
e de proteínas de fase aguda da inflamação, atenuando o dano provocado por doenças inflamatórias crônicas.
No caso da epilepsia, haveria redução da lesão inflamatória causada pelo dano excitotóxico das crises.8,98,120
O CBD também se liga aos receptores serotoninérgicos metabotrópicos do tipo 5-HT1A, acoplados
à proteína G, possivelmente justificando seu efeito ansiolítico e antidepressivo. A ligação ao receptor ativa a
proteína G (segundo mensageiro), que leva à inibição da liberação de glutamato e acetilcolina – neurotrans-
missores excitatórios que reduzem o limiar convulsivo – no hipocampo e no córtex pré-frontal.8,98,121,122

142
O canabidiol também parece ter a função de bloqueio de canais de cálcio do tipo T e de receptores

Tópicos em Neurociência Clínica


de potencial transitório V1 (TRPV1) – também conhecidos como receptores de capsaicina.123 O TRPV1 é um
receptor de membrana que regula um canal ionotrófico para captação de cálcio. O aumento da concentração
intracelular de cálcio nos neurônios induz o estresse oxidativo sobre as mitocôndrias, o que pode ativar vias
apoptóticas mediadas por caspase. Ademais, a exocitose de vesículas ricas em neurotransmissores é interme-
diada pelo influxo intracelular de cálcio. Logo, uma diminuição na liberação de neurotransmissores, efetuada
pelo bloqueio de canais de cálcio, poderia entravar a instauração de uma crise epilética.8,98,123,124

Figura 7 – A molécula de canabidiol (CBD) é multimodal, ligando-se a diversos receptores celulares e exercendo função
de antagonista, agonista, moduladora, ativadora ou inibidora, a depender do receptor ao qual se liga. CB1 e CB2 (re-
ceptores canabinoides tipo 1 e tipo2); D2 (receptor de dopamina do tipo D2); 5-HT (receptor serotoninérgico); PPRA-γ
(receptor γ ativado por proliferador de peroxissomo); TRPV1 (receptor de potencial transitório V1).
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.

10 EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO

No passado, a epilepsia era referida como uma patologia crônica, progressiva e irremissível.125 En-
tretanto, através de evidências epidemiológicas, constatou-se que tal conclusão advinha de um viés de se-
leção, visto que os casos estudados eram oriundos de centros de referência terciários, isto é, de serviços
altamente especializados, nos quais apenas os casos mais graves eram atendidos.126,127
A etiologia da epilepsia é o fator preditivo de prognóstico mais proeminente. Causa idiopática agre-
ga maiores chances de cura do que as metabólicas/estruturais.128 Indivíduos com epilepsia, sem déficit neu-
rológico ao nascerem evidenciam 46% de possibilidade de remissão.129 Outro aspecto relevante é o padrão
eletroencefalográfico, sendo que a persistência de perfis elétricos aberrantes por mais de um ano é um indi-
cador de prognóstico negativo. 87, 128

143
10.1 MORTE SÚBITA INESPERADA NA EPILEPSIA (SUDEP)
Tópicos em Neurociência Clínica

Ainda que o prognóstico geral seja favorável, portadores de epilepsia têm maior risco de morte pre-
matura do que a média da população geral, sendo que acidentes relacionados às crises e suicídio correspondem
respectivamente a 6% e a 20% desses casos. Já a morte súbita inesperada em epilepsia (SUDEP) responde por cerca
de 17% dos eventos letais nesse grupo130-132, mas, em casos de epilepsia refratária, esta cifra chega a 50%134.
Define-se como SUDEP a morte abrupta, inesperada, sem afogamento e não-traumática de um indi-
víduo com epilepsia. À luz do exame post mortem, não há causas anatômicas ou toxicológicas que justifiquem
o óbito.132 Crises tônico-clônicas generalizadas são um fator de risco expressivo na precipitação do evento.132,133
O mecanismo fisiopatológico da SUDEP permanece incerto. Entretanto, há indícios de que o fenô-
meno derive de disfunções cardiorrespiratórias pós-ictais, tais como bradiarritmia, apneia central e edema
pulmonar neurogênico.132,133 O sistema nervoso autônomo permanece prejudicado após uma crise epiléptica,
de modo que ocorre aumento de aferências simpáticas (liberação de catecolaminas) em detrimento do tônus
parassimpático. Por conseguinte, podem surgir arritmias supraventriculares ou ventriculares, além de altera-
ções da repolarização ventricular (alongamento do intervalo QT no eletrocardiograma).133,134
Por outro lado, modificações do padrão respiratório durante as crises podem ser letais. Edema pul-
monar neurogênico e supressão do centro respiratório bulbar podem acontecer nas crises epiléticas. Crises
prolongadas provocam aumento da pressão no átrio esquerdo e nas artérias pulmonares, gerando edema
pulmonar, taquicardia e possível morte por hipoventilação ou hipóxia.133,134
Aproximadamente 80% dos casos de SUDEP não são testemunhados, o que sugere que crises obser-
vadas sejam menos fatais.135 A maioria dos óbitos ocorre durante o sono, quando há menor monitoramento e
supervisão dos pacientes. Em 70% dos casos, os corpos são encontrados em decúbito ventral, indicando que
houve dificuldade respiratória e/ou sufocamento. Percebem-se ainda sinais de que a morte foi antecedida
por uma crise.135
A SUDEP é mais prevalente em adultos do que em crianças.132 O fenômeno é mais frequente em
casos refratários, ou naqueles associados a atraso no desenvolvimento neurocognitivo, como na síndrome de
Dravet e na esclerose tuberosa.132 Em crianças com epilepsia abaixo de 14 anos, casos de SUDEP são raros e
geralmente restritos aos infantes com sérias injúrias neurológicas.132
A não adesão ao tratamento ou a administração de doses subterapêuticas de anticonvulsivantes
também são fatores de risco para a SUDEP. Da mesma forma, pacientes com crises tônico-clônicas generali-
zadas ou refratárias à medicação são mais propensos ao quadro.132-134 Medidas preventivas para diminuir o
risco de SUDEP incluem o controle das crises e a supervisão noturna, bem como adoção de um estilo de vida
saudável, com prática de exercícios físicos e redução do estresse.133

11 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, a epilepsia representa um importante tópico no âmbito das neurociências, sendo que o
progresso nas áreas da biologia molecular, da genética, da farmacologia e da pesquisa clínica levou a amplos
avanços no conhecimento da sua fisiopatologia e ao desenvolvimento de novas formas de tratamento, como
o uso de canabinoides e as intervenções cirúrgicas. Todavia, ainda resta muito a ser compreendido e realizado
para que grande parte dos acometidos disponha, de fato, de medidas preventivas e terapêuticas satisfatórias.
O combate ao preconceito velado contra portadores de epilepsia e sua inclusão integral à sociedade
são ainda desafios a serem vencidos. Para isso, a divulgação de informações técnicas, baseadas em evidên-
cias e no conhecimento científico acerca da patologia, sobretudo no ambiente escolar e nas mídias sociais, é
fundamental. Por fim, assimilar que a epilepsia é uma doença tratável e até mesmo curável é essencial para
o adequado apoio e tratamento das pessoas que vivem com essa condição.
144
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151
152
Tópicos em Neurociência Clínica
Capítulo VIII

DOR CRÔNICA
Caroline de Alexandre Rosa
Candida Aparecida Leite Kassuya
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO

A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP, International Association for the Study
of Pain) define dor como “uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a dano real
ou potencial ao tecido, ou descrita em termos de tal dano”.1 Assim, não necessariamente deve haver um
estímulo que provoque a sensação dolorosa, chamado aqui de estímulo nociceptivo, visto que, muitos
indivíduos relatam experiências de dor mesmo na ausência de danos teciduais ou de uma explicação fisio-
patológica provável. A dor, portanto, não se limita enquanto simples resultado de um estímulo periférico,
mas compreende um estado de percepção complexa e altamente subjetiva, decorrente de várias etapas
de processamento sensorial, emocional e cognitivo do sistema nervoso central (SNC). Ela é um fenômeno
psicossomático, envolvendo aspectos somáticos (sinal de lesão), cognitivos (atenção excessiva) e emocio-
nais (desregulação afetiva).
A dor pode ser classificada conforme sua duração (aguda ou crônica), localização (cutânea, pro-
funda e visceral) e o local de referência. A classificação de dor mais amplamente aceita é a que considera
sua duração, pois as formas aguda e crônica diferem em causa, função, mecanismo, sequelas psicológicas
e tratamento.
De maneira geral, a dor aguda tem início recente, menos de três meses, e envolve respostas au-
tonômicas simpáticas, como, por exemplo, aumento de frequência cardíaca, aumento de pressão arterial,
midríase (dilatação da pupila), xerostomia (boca seca), diminuição da motilidade do trato gastrointestinal
e respostas psicológicas de ansiedade. Já a dor crônica difere-se, primeiramente, por ser uma dor “arras-
tada”, com duração maior que três meses e ausência de respostas autonômicas simpáticas, mas com a
presença de estados psicológicos de irritabilidade, depressão, insônia, alteração de libido e, até mesmo,
redução do apetite.1
Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor, dor crônica é a “dor que persiste além
do tempo normal de cicatrização do tecido”. Na ausência de outros fatores, esse tempo geralmente é de três
meses.2 Devido à persistência, ela gera incapacitações importantes e, diferentemente da dor aguda – que for-
ça o indivíduo a proteger a área afetada e a procurar por assistência médica, favorecendo a cura do tecido le-
sionado –, a dor crônica torna-se um incômodo constante sem, necessariamente, indicar uma lesão tecidual.
O “Estudo de Carga Global de Doenças 2016” (The Global Burden of Disease Study 2016) revela
que a dor crônica afeta 1,9 bilhão de pessoas no mundo3 e reafirma que as doenças a ela relacionadas
são as principais causas de incapacitação. A cefaleia do tipo tensional é apontada como a dor crônica
mais comum. Neste estudo, foram particularmente observadas correlações entre o desemprego por

153
motivos de saúde e a presença de dor crônica.4 No Brasil, um estudo publicado pela Revista Brasileira de
Tópicos em Neurociência Clínica

Dor, em 2018, concluiu que dois terços da população brasileira convivem com dor crônica, cujos fatores
de risco incluem: ser mulher, ter idade avançada e baixa renda familiar. O estudo evidencia que, no Bra-
sil, as dores nas costas, a artrite reumatoide, as dores de cabeça e a osteoartrite são as dores crônicas
mais prevalentes.5 Assim, dada sua alta prevalência na população mundial e seu alto potencial de inca-
pacitação, a compreensão da fisiopatologia e do tratamento da dor é um tópico fundamental e de alta
relevância para todos os profissionais de saúde.
Este capítulo apresenta a dor crônica, explorando-a em seus mecanismos centrais de processamen-
to e de modulação.

2 CLASSIFICAÇÃO DA DOR CRÔNICA

A dor crônica é caracterizada por um quadro de dor prolongada, que dura mais de três meses.6 Se-
gundo a IASP, as dores crônicas podem ser classificadas, como: “síndromes de dor crônica primária”, nas quais
a dor é entendida como a própria doença, sem uma causa aparente, e “síndromes de dor crônica secundária”,
em que a dor se manifesta como sintoma de outra doença ou causa, como, por exemplo, câncer de mama,
acidente de trabalho ou neuropatia diabética, dentre outras.7 O diagnóstico diferencial entre as causas primá-
ria e secundária de dor pode ser desafiador, porém, deve sempre ser tratado com especial atenção quando
a dor se apresentar de forma moderada a intensa. Além disso, nas dores secundárias, o tratamento da causa
subjacente nem sempre faz cessar a dor crônica.
A dor neuropática é uma forma de dor crônica, de longa duração, muitas vezes incapacitante resultante
de uma resposta de adaptação anormal do SNC e/ou do sistema nervoso periférico (SNP) à lesão. Em outras pala-
vras, a injúria do tecido neural (seja no cérebro, na medula espinhal, ou no nervo periférico) causa neuroinflama-
ção, neurodegeneração, mas também mudanças no funcionamento das sinapses que mudam o processamento
de informações, gerando dor na ausência de estímulo doloroso. A dor neuropática pode ser devida à neuropatia
diabética, neuropatia pós-herpética (após infecção pelo vírus Herpes zoster), amputação (dor do membro fantas-
ma), neuropatia associada ao HIV, neuralgia do nervo trigêmeo, dor crônica regional complexa, mas também lesão
medular, esclerose múltipla, acidente vascular cerebral, etc. O paciente apresenta dores espontâneas, lancinantes.
Ele pode sentir sua pele queimando, sendo dilacerada, recebendo choques, sendo triturada, etc. As descrições são
dramáticas, pois o sofrimento de fato é intenso. São descritas hiperalgesia (aumento da resposta a estímulo dolo-
roso), alodínia (resposta de dor a estímulo não doloroso) e parestesias (sensações espontâneas de formigamento).

2.1 SÍNDROME DE DOR CRÔNICA PRIMÁRIA


É definida como dor em uma ou mais de uma região anatômica, persistente, por mais de três
meses, que causa sofrimento emocional significativo. Esta categoria engloba a “dor crônica generalizada”,
como a fibromialgia; as “síndromes de dor regional complexa”, “cefaleia primária crônica” e “dor orofacial”, a
exemplo da enxaqueca crônica e do distúrbio temporomandibular; a “dor visceral crônica”, como a síndrome
do intestino irritável; e a “dor musculoesquelética primária crônica”, como a dor lombar inespecífica.6

2.2 SÍNDROMES DE DOR CRÔNICA SECUNDÁRIA


Ocorrem quando a dor crônica decorre de outras doenças, marcando um estágio da doença subja-
cente. Nesse caso, a dor torna-se um problema por si só. Essa classificação inclui: a) “dor crônica relacionada
ao câncer”, quando a dor é causada pelo tumor primário, pela metástase, ou pelo tratamento cirúrgico, radio-
terápico e quimioterápico; b) “dor crônica pós-cirúrgica ou pós-traumática”; c) “dor crônica neuropática”, que

154
é dividida em central e periférica e que resulta de lesão no SNC— como, por exemplo, no acidente vascular

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cerebral, ou no traumatismo cranioencefálico— ou de lesão no SNP, como na neuropatia diabética; d) “cefaleia
crônica secundária” e “dor crônica orofacial”, definidas como dor de cabeça ou orofacial que ocorre por mais de
duas horas por dia, em pelo menos cinquenta por cento dos dias, durante três meses8; e) “dor crônica secundá-
ria visceral”, que é decorrente dos órgãos internos da cabeça, do pescoço e das cavidades torácica, abdominal e
pélvica; f)“dor crônica secundária musculoesquelética”, que tem origem em processos patológicos que afetam
diretamente os ossos, as articulações, os músculos ou os tecidos moles relacionados (Tabela 1).

Tabela 1: Classificação das dores crônicas.

Dores Crônicas

Dor crônica generalizada


Dor crônica regional complexa

Dor Crônica Cefaleia primária crônica e dor orofacial


Primária Dor visceral crônica
Cefaleia primária crônica e dor crônica primária orofacial
Dor primária crônica musculoesquelética
Dor crônica relacionada ao câncer
Dor crônica pós-cirúrgica ou pós-traumática

Dor Crônica Dor crônica neuropática


Secundária Cefaleia crônica secundária ou dor crônica secundária orofacial
Dor crônica secundária visceral
Dor crônica secundária musculoesquelética

Fonte: Própria do autor.

3 VIAS E MECANISMOS DE TRANSMISSÃO DA DOR

Os nociceptores são receptores sensoriais especializados que se localizam na pele, em estruturas


subcutâneas, nas articulações e nos músculos. Sua função é produzir impulsos nervosos que podem ser in-
terpretados como dor. Como têm alto limiar de excitabilidade, são ativados apenas quando um estímulo—
térmico, químico ou mecânico— atinge um determinado nível de intensidade, tornando-se nociceptivo. Os
nociceptores se continuam através de fibras nervosas— neurônios aferentes primários— que terminam no
corno dorsal da medula espinal. As Fibras Aδ são pouco mielinizadas e as fibras C são amielínicas. Quan-
do um indivíduo recebe um estímulo nocivo (por exemplo, uma picada de inseto), inicialmente surge uma
sensação de dor forte, súbita e bem localizada, logo em seguida, uma sensação de dor lenta, prolongada e
menos definida espacialmente. Em outras palavras, na ocorrência de um estímulo nocivo, as membranas dos
nociceptores convertem a energia recebida (térmica, química ou mecânica) em potencial elétrico despolari-
zante que, na sequência, é transmitido ao longo das fibras Aδ, gerando a “primeira dor”. Já a “segunda dor”
é levada pelas fibras do Tipo C. As diferentes sensações de dor – rápida ou lenta – se devem às características
morfológicas dessas fibras.

155
A informação dolorosa “percebida” pelos nociceptores é transmitida à medula espinal por meio de
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um potencial de ação, o qual é transmitido através de neurônios. A velocidade de condução desse potencial
é definida em função do diâmetro de cada fibra, quanto maior o diâmetro, maior será a velocidade de condu-
ção. Para tanto, as fibras Aδ têm uma camada lipoproteica denominada mielina, a qual envolve a fibra e tem a
capacidade de acelerar a condução do impulso. Assim, as fibras Aδ mielinizadas possuem um diâmetro maior
e conduzem o potencial de ação mais rapidamente, sendo esse o caminho das dores agudas. Por outro lado,
as fibras do tipo C são amielínicas, o que faz com que a informação seja transmitida a “baixa velocidade” e de
maneira prolongada; sendo essas as fibras que conduzem as dores crônicas.9
O neurônio do corno dorsal da medula espinal faz sinapses com outros neurônios da substância cin-
zenta, que se organizam em segmentos específicos, denominados “Lâminas de Rexed”. O corno dorsal com-
preende, principalmente, as lâminas I, II, III, IV e V. A lâmina I, também chamada de lâmina marginal (Fig. 1),
contém neurônios que recebem estímulos nocivos conduzidos pelas fibras Aδ e fibras do tipo C. A lâmina II,
também conhecida por substância gelatinosa, é formada por várias classes de interneurônios que respondem
de modo seletivo aos estímulos nociceptivos das fibras C e a estímulos inócuos. As lâminas III e IV contêm
interneurônios e neurônios de projeção supraespinal que respondem aos estímulos cutâneos inócuos (de-
flexão de pelos e pressão leve). A lâmina V responde a uma série de estímulos nocivos trazidos diretamente
pelas fibras Aδ e, por ter seus dendritos estendidos até a lâmina II, acaba sendo inervada também por fibras
do Tipo C.10

Figura 1 – Lâminas de Rexed. O corno dorsal é composto pelas lâminas I, II, III, IV e V, sendo onde as fibras nociceptivas
C e Aδ adentram a medula espinal. As fibras de dor decussam e ascendem contralateralmente ao corno medular de
entrada.
Fonte: CASTRO, Flávio; 2021.

156
Ainda na medula espinal, a informação dolorosa percorre seu caminho pela comissura anterior, re-

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gião da medula espinal localizada anteriormente ao canal central, e passa a ser transmitida contralateralmen-
te ao estímulo. A informação segue, então, para o encéfalo, através de dois tratos: o trato paleoespinotalâmi-
co (envolvido com a transmissão da dor crônica) e o neoespinotalâmico. Por último, ocorre o processamento
encefálico da sensação dolorosa.10
Resumindo, até aqui, a transmissão nervosa da dor é feita por meio de potenciais de ação que, de
maneira simplificada, perpassam três cadeias de neurônios: neurônios de primeira ordem, que se originam
na periferia e chegam até a medula espinal (fibras Aδ e fibras tipo C); neurônios de segunda ordem (ou neurô-
nios de projeção), que ascendem pela medula espinal e que, no caso, são representados pelos neurônios dos
tratos paleoespinotalâmico e neoespinotalâmico; e os neurônios de terceira ordem, que se projetam para o
córtex cerebral.
Em relação aos tratos espinais— feixes de fibras nervosas por onde passam os potenciais de ação—,
vale lembrar que se dividem em tratos ascendentes/sensitivos e tratos descendentes/motores. Os tratos
ascendentes são aqueles que transmitem a informação proveniente da periferia (vinda de fora do SNC) até o
crânio. Eles se dividem em sistema coluna dorsal-lemnisco medial (composto pelos fascículos grácil e cunei-
forme), tratos espinocerebelares e sistema espinotalâmico (trato espinotalâmico lateral, trato espinotalâmi-
co anterior e trato espinorreticular), e o trato espino-olivar. Quanto aos descendentes, os principais são os
tratos piramidais e o sistema piramidal9, conforme a figura 2. Porém, para compreender vias de dor, deve-se
dar especial atenção, principalmente, aos tratos paleoespinotalâmico e neoespinotalâmico, que se enqua-
dram como tratos sensoriais/aferentes.

Figura 2 – Principais tratos motores e sensitivos. Os tratos neoespinotalâmico e paleoespinotalâmico estão envolvidos
com a transmissão de dor. O trato neoespinotalâmico, envolvido com a transmissão de dor aguda compreende o trato es-
pinotalâmico lateral. Já o trato paleoespinotalâmico corresponde aos tratos espinorreticulares (marcados com a letra Y).
Fonte: CASTRO, Flávio; 2021.

3.1 TRATO NEOESPINOTALÂMICO


Envolvido principalmente com a transmissão da dor aguda e sua discriminação, o trato neoepi-
notalâmico é constituído basicamente pelo trato espinotalâmico lateral, que corresponde aos axônios dos
neurônios de projeção do corno dorsal da medula espinhal. Deste modo, o neurônio de primeira ordem,
através das fibras Aδ, faz sinapse com o neurônio de projeção da lâmina I de Rexed9, cujas fibras longas
157
passam pela comissura anterior, cruzando a medula espinal e ascendendo contralateralmente ao estímu-
Tópicos em Neurociência Clínica

lo doloroso.2 No tronco encefálico, em nível de ponte, as fibras do trato espinotalâmico lateral se unem
com as do trato espinotalâmico anterior, constituindo o lemnisco espinhal, que termina no núcleo talâ-
mico ventral póstero-lateral (figura 3). A partir daí, um neurônio de terceira ordem que possui seu núcleo
localizado no tálamo, emite seus axônios até o córtex somatossensorial I— localizado no lobo parietal e
correspondente às áreas 3, 2 e 1 de Brodmann.2 Esta via se associa aos aspectos discriminativos do proces-
samento da dor, como sua localização, irradiação, duração e caráter (em pontada, em aperto, pulsátil, etc).

Figura 3 – Mecanismo de transmissão de dor. Nesta imagem é possível perceber o caminho de dor desde o estímulo
periférico até a chegada da informação dolorosa em regiões específicas do córtex cerebral.
Fonte: CASTRO, Flávio; 2021.

Cabe aqui recordar que o córtex cerebral foi dividido no início do século passado pelo anatomista
alemão Korbinian Brodmann em cinquenta áreas distintas, de acordo com as diferentes disposições citoar-
quitetônicas observadas pelo microscópio. De fato, as diferenças de arranjo celular das áreas de Brodmann
correspondem às diferentes funções às quais elas estão associadas.
Desta forma, o córtex somatossensorial divide-se em primário (áreas de Brodmann 1,2,3)— res-
ponsável pelo processamento das informações somatossensoriais elementares (textura, dureza, forma, loca-
lização, intensidade, etc.) e secundário (áreas de Brodmann 5 e 7), que realiza a síntese e a organização das
informações oriundas do córtex somatossensorial primário, permitindo o reconhecimento de objetos.

158
3.2 TRATO PALEOESPINOTALÂMICO

Tópicos em Neurociência Clínica


Envolvido principalmente com a transmissão da dor crônica, o trato paleoespinotalâmico corres-
ponde aos tratos espinorreticulares e às fibras reticulo-talâmicas (Fig. 2). Trata-se de um sistema multissináp-
tico, em que as informações de dor são transmitidas especialmente pelas fibras do tipo C, que adentram a
medula espinal pelo corno dorsal e terminam na substância gelatinosa (lâminas II e III- Fig. 1), onde ocorre a
liberação de glutamato e da Substância P pelos neurônios aferentes primários.
A substância P interage com os receptores de neurocinina dos neurônios de projeção do corno dor-
sal, promovendo potenciais pós-sinápticos excitatórios lentos, tornando a excitação induzida pelo glutamato
mais demorada. Ademais, os mecanismos de recaptação desses neurotransmissores na fenda sináptica são
pouco eficientes, o que faz com que o potencial de excitação se perpetue mesmo após a cessação do estímulo
inicial e alcance vários neurônios presentes na região, contribuindo para a difusão espacial e a cronificação
da percepção dolorosa9.
Na sequência, ainda no corno dorsal, ocorrem sinapses com neurônios de fibra curta, que levam a
informação até os neurônios da lâmina V. Dessa região, surgem fibras longas que cruzam a informação para
o lado oposto da medula, através da comissura anterior. Por fim, a transmissão de dor ascende pelo trato
paleoespinotalâmico juntamente com o trato espinotalâmico lateral até o encéfalo2.
A via paleoespinotalâmica termina fazendo sinapses em vários níveis da formação reticular, localizada
no tronco encefálico, de onde surgem as fibras retículo-talâmicas (neurônios de terceira ordem). Essas fibras
se conectam com os neurônios dos núcleos intralaminares do tálamo e, posteriormente, com neurônios no
hipotálamo e em outras áreas corticais límbicas (Fig. 3), associando-se ao alerta e à ansiedade associada à dor.

4 MODULAÇÃO DA DOR

A percepção da dor bem como da sua intensidade dependem de uma série de interações envolven-
do neurônios e neurotransmissores em vários níveis do sistema nervoso, como o sistema opiode e o sistema
endocanabinoide, mas também os sistemas monoaminérgicos, glutamatérgico e gabaérgico, de modo que a
dor é uma percepção individualmente construída, que não resulta apenas da retransmissão em série por vias
ascendentes, mas da integração dinâmica entre essas e vias descendentes inibitórias e facilitatórias. Por isso,
admite-se que que a dor crônica resulte da desregulação de circuitos neurais.

4.1 TEORIA DO PORTÃO


A Teoria do Portão, apresentada pela primeira vez na década de 1960, por Ronald Melzak e Patrick
Wall, postula que o equilíbrio das atividades dos neurônios aferentes nociceptivos e não-nociceptivos de-
11

termina e influencia a transmissão e a percepção da dor. Tanto as fibras Aβ— altamente mielinizadas, de
transmissão rápida, condutoras dos estímulos de tato e propriocepção—, quanto as fibras nociceptivas Aδ e
C fazem sinapse com os neurônios de projeção do corno dorsal. As fibras C amielínicas (fibras aferentes noci-
ceptivas) inibem os interneurônios inibitórios, a fim de assegurar a transmissão da informação dolorosa. Já o
disparo das fibras Aβ estimula os interneurônios inibitórios que reduzem os disparos das fibras nociceptivas,
reduzindo a transmissão da informação de dor (Fig. 4).10

159
Tópicos em Neurociência Clínica

Fibra C (nociceptiva)

Interneurônio
inibitório

Neurônio de
projeção

Fibra AB (não nociceptiva)


Figura 4 – Teoria do portão. As interações entre as fibras nervosas nociceptivas, fibras não-nociceptivas, interneurônios
inibitórios e neurônios de projeção determinarão se a informação de dor será transmitida ou inibida.
Fonte: CASTRO, Flávio; 2021.

No modelo original de 1965, a situação é mostrada no corno dorsal da medula espinal. Atualmente,
sabe-se que as convergências de diferentes modalidades sensoriais podem ocorrer em diversas regiões de re-
transmissão dolorosa supraespinais. Essa constatação auxilia em muito no entendimento do sistema de anal-
gesia do organismo, bem como na criação de novas terapias para pacientes que sofrem com dores crônicas.

4.2 MATRIZ DA DOR


O conceito “matriz da dor” refere-se às diferentes estruturas do SNC envolvidas no processa-
mento nociceptivo, incluindo o tálamo, a amígdala, a ínsula, a área suplementar motora, o córtex parietal
posterior, o córtex pré-frontal, o córtex cingulado, a substância cinzenta periaquedutal (PAG), os núcleos
da base, o cerebelo e os córtex somatossensoriais primário e secundário. De maneira simplificada, o con-
ceito de matriz da dor nos auxilia a entender a complexidade da percepção de dor e as estruturas nela
envolvidas, visto que a matriz consiste em uma rede neural, formada pelos sistemas límbicos, corticais e
somatossensoriais. Por isso a dor sempre é uma percepção individualmente construída pelo cérebro, de
forma que o aspecto nociceptivo, ou seja, a lesão tecidual objetivamente avaliável constitui apenas um dos
seus elementos (Fig. 5).12
O processamento discriminativo (realizado pelo córtex somatossensorial) confere capacidade de
localização e determinação do caráter e da intensidade do estímulo doloroso. O processamento afetivo-emo-
cional (elaborado pelo sistema límbico) refere-se à valência emocional negativa atribuída à percepção de dor
e às respostas emocionais à mesma, como ansiedade, medo, hipervigilância e tristeza. Já o processamento
avaliativo-cognitivo (córtex pré-frontal e cingulado) confere a interpretação do significado da sensação de
dor— ferimento grave, sinal de complicação de uma doença, ou dor esperada para a situação em questão,
evidência de boa recuperação, etc. 13

160
Tópicos em Neurociência Clínica

Figura 5 – Matriz da dor. S1: córtex somatossensorial primário; S2: córtex somatossensorial secundário; M1: córtex
motor primário; ACC: córtex cingulado anterior; PCC: córtex cingulado posterior; SMA: área motora suplementar; BG:
gânglios da base; PFC: córtex pré-frontal; HT: hipotálamo; PB: núcleos parabraquiais; PAG: substância cinzenta peria-
quidutal; PPC: Córtex parietal posterior.
Fonte: CASTRO, Flávio; 2021.

161
4.3 SISTEMA DE ANALGESIA: VIAS DESCENDENTES INIBITÓRIAS
Tópicos em Neurociência Clínica

A neurotransmissão do estímulo doloroso da periferia ao córtex cerebral percorre um caminho


que envolve diferentes estações intermediárias e, assim, a percepção consciente da dor dependerá do
processamento do sinal que acontece em cada uma delas. Trata-se aqui de núcleos no tronco encefálico,
que recebem aferências da medula (de baixo para cima), mas também de áreas cerebrais (de cima para
baixo), sendo que estas últimas podem incrementar o sinal nociceptivo (vias facilitatórias, ou pró-nocicep-
tivas), ou o reduzirem (vias inibitórias, ou antinociceptivas). Essas vias de modulação descendente operam
em dependência das circunstâncias em que a dor acontece. Por exemplo, em uma situação de disputa
esportiva, é comum observar-se que ferimentos graves não impedem o esportista de continuar, naquele
momento, participando da competição. Nesses casos, vias inibitórias descendentes atenuam a intensidade
da informação de dor para o córtex cerebral e com isso a sua percepção consciente, pois trata-se de uma
situação, embora apenas recreativa, de estresse agudo, de luta ou fuga e a percepção excessiva da dor
poderia prejudicar o desempenho necessário. No dia seguinte, este mesmo esportista passa a ter dores
de forte intensidade que o obrigam à imobilização. Aqui as vias pró-nociceptivas predominam, levando ao
comportamento de preservação do tecido lesado para a sua melhor recuperação.
A PAG é um centro de retransmissão do estímulo doloroso e um ponto central no seu processa-
mento. Trata-se de neurônios que respondem aos opioides, recebendo aferências modulatórias do sistema
límbico (córtex orbitofrontal, córtex cingulado e prosencéfalo). Neurônios da PAG também liberam opioide
para a região do bulbo rostroventral (BRV), que inclui o núcleo paragigantocelular (noradrenérgico), o nú-
cleo magno da rafe (serotoninérgico) e a formação reticular adjacente. Por sua vez, neurônios do BRV têm
projeção inibitória para a medula espinhal.
Quando a PAG é estimulada, os neurônios presentes nessa região liberam o opioide endógeno en-
cefalina para o núcleo magno da rafe (NMR), cujos neurônios, por sua vez, se projetam para o corno dorsal
da medula, terminando nas lâminas I, II e V. Aqui a liberação de serotonina estimula interneurônios espinhais
a liberarem encefalina, que resulta na inibição da sinapse entre o neurônio de primeira ordem (da raiz dorsal)
e o neurônio de projeção (do corno dorsal da medula espinal) (Fig. 6).10 Assim, a transmissão de dor é inibida
por neurônios de projeção descendente vindos do tronco encefálico.
Da mesma forma, a PAG estimula o sistema de analgesia noradrenérgico (locus coeruleus e nú-
cleo paragigantocelular), cujos neurônios também se projetam para a medula espinhal, atuando sobre inter-
neurônios envolvidos com a transmissão da informação dolorosa nas lâminas I e V.9

162
Tópicos em Neurociência Clínica

Figura 6 – Sistema descendente de analgesia.


Fonte: CASTRO, Flávio; 2021.

163
4.4 SISTEMA OPIOIDE
Tópicos em Neurociência Clínica

O sistema opioide é formado por substâncias opioides endógenas, isto é, opioides que o próprio
sistema nervoso produz. Estas substâncias são peptídeos, divididos em 3 famílias, cada uma originada de um
gene distinto. Cada gene codifica a produção de uma grande proteína precursora, cuja clivagem origina os
diferentes peptídeos ativos. Deste modo, a pro-opiomelanocortina é a proteína precursora que dá origem ao
hormônio melanocítico estimulante, hormônio adrenocorticotrófico (ACTH ) e ß-endorfina; a pro-encefalina
gera a metionina encefalina (met-encefalina) e a leucina encefalina (leu-encefalina); a pro-dinorfina que ori-
gina as dinorfinas.
Os opioides são neurotransmissores de moléculas grandes, produzidos sob demanda e que
atuam sobre receptores metabotrópicos. Sua ação é lenta com efeito de modulação das sinapses (torna
a sinapse mais “forte”, ou mais “fraca”). Neurônios opioides estão presentes em amplas áreas do SNC e
do SNP e participam da regulação de diversas funções como apetite, sono, prazer, dor, etc..
Todos os níveis dos circuitos de processamento de dor respondem às substâncias opioides, daí seu
alto potencial analgésico. Os receptores opioides são divididos em receptores µ, κ e δ. A sua ligação com
substâncias opioides gera inibição dos canais de cálcio dependentes de voltagem e/ou abertura de canais de
K+, levando à hiperpolarização da célula e à menor excitabilidade neuronal. Nessa condição, as encefalinas
e as endorfinas podem atuar tanto em nível pré- como pós-sináptico. Esta dupla ação explica a inibição da
dor, apresentada no tópico anterior, pelas vias descendentes noradrenérgicas e serotoninérgicas através dos
interneurônios encefalinérgicos no corno dorsal da medula. Com efeito, esses interneurônios irão atuar tanto
sobre o neurônio pré-sináptico do corno da raiz dorsal, impedindo que libere o glutamato, quanto sobre o
neurônio de projeção, impedindo que se despolarize.
Na membrana pré-sináptica, os receptores opioides, uma vez estimulados pela encefalina, geram
reações intracelulares que culminam na redução do influxo de Ca2+ necessário para a liberação do neurotrans-
missor glutamato das vesículas sinápticas. Já na membrana pós-sináptica, a encefalina ativa os receptores
opioides que, por sua vez, promovem a abertura de canais de potássio, cujo efluxo causa hiperpolarização, o
que reduz as chances de geração de novos potenciais de ação.14
Em contrapartida, a perpetuação das aferências dolorosas causa neuroplasticidade mal adaptativa
que inverte o efeito de analgesia dos opioides, contribuindo para a intensificação e cronificação da dor. Assim,
ocorrem mudanças estruturais no receptor opioide (internalização, fosforilação e degradação do receptor,
desacoplamento da proteína G) que o tornam resistente (down-regulation)15. Também ocorre— devido à
estimulação duradoura do receptor µ— inibição da recaptação de glutamato na fenda sináptica e ativação do
receptor de glutamato do tipo NMDA com consequente aumento do cálcio intracelular que é em longo prazo
excitotóxico, causando apoptose neuronal16.

4.5 SISTEMA ENDOCANABINOIDE


O sistema endocanabinoide é compreendido hoje como um dos principais sistemas envolvidos no
mecanismo de inibição da dor. Ele é composto por dois receptores principais: CB1 e CB2. O receptor CB1 é
encontrado em neurônios pré-sinápticos, tanto do SNC, como do SNP. O receptor CB2 é encontrado, princi-
palmente, no sistema imunológico, incluindo as células microgliais do SNC. Os principais neurotransmissores
ligantes de receptores endocanabinoides são: Anandamida (AEA) e 2-araquidonoilglicerol (2AG). 17 18 19
O sistema endocanabinoide apresenta algumas particularidades em relação aos outros sistemas
clássicos de neurotransmissão. A principal delas é o fato de seus neurotransmissores serem retrógrados, por-
tanto, produzidos pelos neurônios pós-sinápticos e liberados na fenda sináptica para interagir com receptores
pré-sinápticos, os quais atuam como sinalização neuronal de freio, em resposta à alta atividade neural. Outra

164
diferença é que esses neurotransmissores são sintetizados sob demanda nos neurônios pós-sinápticos, sem

Tópicos em Neurociência Clínica


armazenamento vesicular prévio. A mediação e a regulação da síntese de AEA e de 2AG ocorrem por acúmulo
de íon cálcio no neurônio pós-sináptico.17 18 19
Quando o receptor CB1 é ativado nos neurônios pré-sinápticos, ocorre inibição da enzima adeni-
lato-ciclase, que leva a um déficit de conversão de ATP (adenosina trifosfato) em AMPc (3’,5’-monofosfato
cíclico), o que diminui a ação da PKA (proteína quinase A). Por conseguinte, há redução da fosforilação dos
canais de potássio, gerando saída de K+ da célula pré-sináptica e posterior inibição dos canais de cálcio. Esse
processo resulta em hiperpolarização da célula, redução da liberação de neurotransmissores e inibição da
transmissão de informação dolorosa 20
Por outro lado, quando os receptores CB2 são ativados, a adenil-ciclase (AC) é inibida e ativa-se a
cascata da proteína MAPK (proteína MAP quinase), que também fará diminuir a liberação de neurotrans-
missores na fenda sináptica por hiperpolarização da célula pré-sináptica. Além desse papel, o receptor CB2
medeia efeitos anti-inflamatórios e atua na anti-hiperalgesia nas dores inflamatórias.20 21
Na dor neuropática, acontece reorganização do circuito nociceptivo devido à sensibilização
central (este assunto será abordado logo em seguida), gerando distúrbios de sensibilidade, como hipe-
ralgesia e alodínia. Para esses casos, os analgésicos atuais são particularmente ineficazes, de forma que
os canabinoides são uma grande promessa, apesar de as pesquisas clínicas na área ainda estarem em
estágio inicial.

5 NEUROINFLAMAÇÃO E SENSIBILIZAÇÃO CENTRAL

Este tópico descreve diferentes mecanismos neurais que contribuem para a perpetuação da per-
cepção dolorosa, mesmo após a cessação da estimulação nociceptiva. Primeiramente, serão vistas as al-
terações do SNP e, em seguida, as alterações do SNC. Normalmente estes fenômenos visam à proteção
do tecido lesado e são autolimitados. Entretanto, nos casos de dor crônica, particularmente na dor neuro-
pática, eles culminam em mudanças duradouras, constituindo circuitos neurais anormais que facilitam a
transmissão nociceptiva.
A lesão tecidual causa liberação de substâncias algiogênicas (bradicinina e prostaglandinas) pelos
tecidos lesados e pelos leucócitos, as quais sensibilizam os nociceptores, reduzindo seu limiar de excita-
bilidade (gerando a hiperalgesia) e também induzindo-os a liberar eles mesmos mediadores inflamató-
rios, constituindo a denominada inflamação neurogênica. Assim, os neurotransmissores (substância p e
proteína relacionada ao gene da calcitonina- CGRP) liberados pelas terminações nervosas sensibilizadas
interagem com as células inflamatórias gerando extravasamento de plasma (edema) e vasodilatação. O
extravasamento de plasma, por sua vez, estimula liberação de histamina e serotonina pelas plaquetas, que
diminuem o limiar de excitabilidade de nociceptores vizinhos, fazendo com que a área de hiperalgesia se
torne maior que a área da lesão inicial (Fig. 7).9

165
Tópicos em Neurociência Clínica

Figura 7 – Mecanismo de inflamação neurogênica. A lesão tecidual leva à liberação de bradicinina e prostraglandina
pelas células do tecido lesado. Essas substâncias sensibilizam o terminal nervoso dos nociceptores, induzindo-os a libe-
rar substância P e proteína relacionada ao gene da calcitonina (CGRP), que atuam sobre o endotélio, gerando extrava-
samento de plasma e vasodilatação, bem como liberação de histamina e 5HT pelas plaquetas. O processo inflamatório
sustentado pelo próprio terminal nervoso aumenta a área de hipersensibilidade por diminuir o limiar de excitabilidade
de terminações nervosas vizinhas.
Fonte: CASTRO, Flávio; 2021.

Outro mecanismo periférico é a despolarização espontânea do coto nervoso em caso de injúria de


nervo periférico. A lesão desencadeia a expressão de canais de sódio nos terminais das fibras C lesadas e
das fibras ilesas adjacentes, induzindo à despolarização espontânea tanto das fibras lesadas no coto nervoso
quanto das vizinhas, esta última denominada despolarização efática.9
Ademais, a lesão axonal leva à transcrição de genes associados à reparação, o que gera brotamento
axonal. Este processo é importante na reparação do nervo, no entanto estimula também brotamento central
na medula. Normalmente as fibras Aβ de baixo limiar (tato epicrítico, vibração) terminam nas lâminas III-IV-V
de Rexed, enquanto que as fibras Aδ e as fibras C terminam nas lâminas I e II. Após lesão axonal ocorre, po-
rém, espraiamento dos dendritos dos neurônios de projeção de dor para as camadas III-IV-V, que passam a se
despolarizar com estímulos não-nociceptivos oriundos das fibras Aβ. 22 23
A sensibilização central consiste em mudanças neuroplásticas que ocorrem no SNC e que resultam
na intensificação e perpetuação da dor. Ela envolve mudanças nos receptores de glutamato que promovem
aumento dos níveis de cálcio intracelular, transformando o neurônio pós-sináptico em uma célula mais res-
ponsiva aos estímulos, ou seja, de mais fácil despolarização. A hiperexcitabilidade dos neurônios do corno
dorsal gera alodínia e hiperalgesia. A sensibilização central é, portanto, um estado de pró-nocicepção, ou
de facilitação da dor. É um fenômeno de hiperatividade e hiperexcitabilidade neuronal na medula espinal e
no encéfalo, subjacente à dor neuropática, à dor inflamatória, à enxaqueca, à síndrome do cólon irritável, à
fibromialgia, dentre outras síndromes de dor crônica.
166
A injúria tecidual prolongada causa estimulação repetida das fibras C, que se associa a um fenômeno

Tópicos em Neurociência Clínica


observado em laboratório, denominado wind up (Fig. 8). Trata-se aqui do aumento da resposta dos neurônios
de projeção do corno posterior induzido pelo disparo repetido das fibras C. Esse aumento se deve a mudanças
dos receptores glutamatérgicos. A liberação de glutamato ativa receptores AMPA, que são canais de sódio. A
entrada de sódio despolariza o neurônio de projeção, o que muda a configuração dos receptores NMDA. Estes
normalmente encontram-se bloqueados pelo íon magnésio, mas a mudança na polaridade da membrana pos-
sibilita o seu desbloqueio com saída do magnésio e abertura dos canais do receptor que permitem a entrada
de cálcio. O aumento do cálcio intracelular ativa uma cascata de enzimas que resultam na maior expressão e
ativação de receptores AMPA, o que torna a membrana do neurônio de projeção mais despolarizável. Além
disso, ocorre produção de óxido nítrico, que age como neurotransmissor retrógrado, estimulando o neurônio
pré-sináptico a liberar mais glutamato.23 Em outras palavras, a neuroinflamação periférica persistente causa
disparo repetido das fibras tipo C, o que leva ao aumento gradual e progressivo da excitablilidade dos neurônios
do corno dorsal da medula espinal— fenômeno conhecido por wind up. Esta facilitação sináptica é uma forma
de potenciação de longo prazo semelhante a que ocorre no hipocampo durante a consolidação da memória 23

Figura 8. Fenômeno de Wind up: A neuroinflamação periférica leva a disparos repetidos gerados pelas fibras do tipo
C e fibras A delta, com estas últimas liberando glutamato. O glutamato ativa receptores AMPA que geram entrada de
Na+ no neurônio de projeção, despolarizando-o. A mudança de potencial na membrana altera a configuração espacial
do receptor NMDA, levando à saída do íon Magnésio que o mantinha fechado. A abertura dos canais NMDA os torna
responsivos ao glutamato que induz entrada de íons Cálcio (os canais NMDA quando ativados levam à entrada de
Ca++, enquanto os canais AMPA levam à entrada de Na+). O aumento na concentração intracelular de cálcio, por sua
vez, desencadeia diversas reações enzimáticas em série que culminam em: a) expressão de mais receptores AMPA na
membrana do neurônio pós-sináptico (o que o torna mais facilmente despolarizável); b) retificação de canais de potás-
sio, impedindo a saída deste íon, o que também contribui para manter o neurônio de projeção em um estado despo-
larizado, mais próximo ao limiar de disparo do potencial de ação; c) produção de óxido nítrico (NO) que atua como um
neurotransmissor retrógrado, agindo sobre o neurônio pré-sináptico, estimulando a liberação de glutamato.
Fonte: CASTRO, Flávio; 2021

A neuroinflamação não ocorre apenas nos terminais nervosos, mas também no SNC, consistindo
na ativação crônica de resposta imune com proliferação da micróglia, aumento de citocinas pró-inflamatórias
(interleucina (IL)-1β, fator de necrose tumoral (TNF)-α e IL-6) e redução das citocinas anti-inflamatórias (IL-
4). A neuroinflamação acontece como resposta à injúria cerebral (AVC, traumatismo, hipóxia, infecção), mas
também ao estresse psicológico. Os neurônios têm receptores para as citocinas e assim elas modificam suas
167
propriedades, facilitando a neurotransmissão excitatória e reduzindo a transmissão sináptica inibitória no
Tópicos em Neurociência Clínica

neurônio de projeção na medula espinhal.24


Há indícios de que o processo neuroinflamatório participe da geração e perpetuação da dor neuropá-
tica, alterando o funcionamento das estações de processamento e o equilíbrio entre as vias inibitórias e facilita-
tórias da transmissão da dor. Assim, o BRV— que é caracterizado como um centro de analgesia com neurônios
responsivos a opioide e liberadores de monoaminas que atuam por vias de inibição descendente na sinapse do
corno dorsal— também contém neurônios serotoninérgicos com ação pró-nociceptiva que agem sobre recep-
tores 5-HT3 na medula. Estes últimos são os únicos receptores serotoninérgicos do tipo canal iônico (os outros
sendo metabotrópicos acoplados à proteína G). A particularidade aqui está no fato de a serotonina ter sobre
eles ação excitatória que facilita a transmissão do estímulo doloroso25.
Em um modelo animal de constrição de nervo periférico, foi possível demonstrar que houve
ativação da micróglia e dos astrócitos no tronco encefálico com aumento local do nível de citocinas, ou seja, a
resposta inflamatória após injúria periférica aconteceu não apenas no SNP, mas também no SNC. Por sua vez,
os neurônios do BRV não expressam apenas receptores opioides, mas também receptores de glutamato do
tipo NMDA e receptores para as citocinas TNF-α, IL-1β, cuja ativação induz a potenciação sináptica e a ativação
de vias descendentes facilitatórias da dor. A administração de antagonistas citocinérgicos causou redução da
resposta de hiperalgesia e alodínia, enquanto que microinjeções de TNF-α e IL-1β na região do BRV induziram
aumento da facilitação nociceptiva descendente associada à ativação de receptores NMDA 26.
Alterações neuroinflamatórias e neuroplásticas de sensibilização central também ocorrem em es-
truturas como amígdala, córtex cingulado anterior, córtex pré-frontal e se relacionam com as alterações emo-
cionais e cognitivas que acompanham a dor.

6 TRATAMENTO DOR CRÔNICA

O tratamento da dor crônica idealmente deve abranger uma combinação de abordagens, consi-
derando seus componentes nociceptivo, neuropático, inflamatório, mas também afetivo, cognitivo e socio-
familiar. De fato, a dor crônica pode resultar em alterações nos tecidos periféricos dos quais ela se origina.
Por exemplo, longos períodos de imobilidade, ou de posturas antálgicas podem gerar contraturas, atrofia
muscular e redução da mobilidade, que pioram a dor em si, mas também a autonomia e o grau de satisfação
com a vida. Ademais, a dor tem relação bidirecional com transtornos psiquiátricos, sendo um fator de risco
para a ansiedade, a depressão e a insônia, mas também parte da manifestação das mesmas. Na prática clíni-
ca, é bastante comum a situação de um mesmo paciente ter queixas de humor deprimido, prejuízo de sono,
irritabilidade, apreensão e diferentes formas de dor.
A redução na participação de atividades sociais e recreativas, a incapacitação para o trabalho, o
desemprego e o isolamento são também consequências frequentes da situação de cronificação da dor que
precisam ser consideradas, quando a meta é não apenas reduzir a sua intensidade, mas promover a reabilita-
ção do paciente nas diferentes esferas de sua vida.

6.1 FARMACOTERAPIA
A Organização Mundial da Saúde (OMS) desenvolveu um protocolo geral como guia para o tratamento
farmacológico da dor em pacientes oncológicos, mas que se estende para outros casos de dor crônica. Trata-se da
“escada analgésica” que prevê o uso inicial de analgésicos não-opioides por via oral, em doses e potências cres-
centes e reserva os opioides para situações de refratariedade. No entanto, quando aplicada a pacientes com dores
crônicas não-oncológicas, raramente se consegue analgesia a longo prazo, porque os efeitos colaterais desses me-

168
dicamentos acabam por limitar sua dose máxima, mas também porque mudanças nos circuitos neurais (neuro-

Tópicos em Neurociência Clínica


plasticidade) mudam o efeito das drogas (particularmente dos opioides) sobre as vias de processamento da dor.27
Os medicamentos adjuvantes mencionados na escada da dor da OMS incluem ansiolíticos, hipnóti-
cos, e relaxantes musculares. Além desses, os antidepressivos tricíclicos (como a amitriptilina e a nortriptili-
na) os inibidores duplos de recaptação de serotonina e noradrenalina (como a venlafaxina e a duloxetina) e os
anticonvulsivantes (como a carbamazepina, o ácido valpróico, a gabapentina e a pregabalina) ocupam papel
central no tratamento da dor crônica. Acredita-se que os antidepressivos promovam analgesia por melhora-
rem os aspectos afetivos da dor e por aumentarem a atividade da via inibitória descendente.27 Por sua vez, os
antiepilépticos agiriam na redução da liberação de neurotransmissores excitatórios nos terminais nervosos—
glutamato e substância P—, inibindo os canais de cálcio voltagem-dependentes, causando estabilização da
membrana dos neurônios pós-sinápticos que assim se despolarizariam com menor probabilidade.27

6.2 PROCEDIMENTOS INVASIVOS


Os procedimentos cirúrgicos ablativos para tratamento da dor crônica (neurotomia, rizotomia, sim-
patectomia etc.) visam destruir as células nervosas periféricas ou centrais, na tentativa de impedir que as in-
formações de dor cheguem ao encéfalo. São irreversíveis e nem sempre eficazes, sendo, por isso, atualmente
muito pouco indicados.27
Outra forma invasiva de tratamento é a bomba de infusão contínua. Trata-se de um recipiente (a
bomba) colocado no no tecido subcutâneo do abdome e acoplado a um catéter que alcança o espaço intrate-
cal. O recipiente é preenchido com medicação analgésica (opioides) e programado para liberar continuamen-
te pequenas quantidades da mesma diretamente no líquor. A vantagem é a possibilidade de administração
de doses grandemente reduzidas (o que diminui os efeitos colaterais) e de forma contínua (o que elimina
períodos de abstinência). Entretanto, esta é uma opção terapêutica dispendiosa com resultados divergentes,
nem sempre satisfatórios.28

6.3 NEUROESTIMULAÇÃO DA MEDULA ESPINAL


Trata-se de um procedimento reversível de tratamento da dor por neuromodulação, tendo como
embasamento a teoria do portão que prevê que fibras altamente mielinizadas (que transmitem a sensação
de tato epicrítico e a propriocepção) realizam inibição lateral das fibras adjacentes pouco mielinizadas, ou
amielínicas, que transmitem sinais nociceptivos. A técnica consiste em implantar-se um dispositivo movido
a bateria, denominado GPI (gerador de pulsos implantável), sob a pele, no abdômen, acima das nádegas ou
abaixo da clavícula. Este dispositivo é então conectado a um eletrodo que estimula as fibras nervosas da me-
dula espinal, com o objetivo de diminuir os sinais dolorosos e gerar uma sensação de parestesia.

6.4 ESTIMULAÇÃO CEREBRAL PROFUNDA


Consiste na implantação de eletrodos que estimulam áreas cerebrais envolvidas na transmissão
e na modulação de sinais nociceptivos. As estruturas-alvos são o tálamo— núcleo ventral pósterolateral
ou póstero-medial— para alívio da dor neuropática; substância cinzenta periaquedutal; braço anterior ou
posterior da cápsula interna e substância periventricular para alívio da dor nociceptiva. Uma estratégia
frequente é a implantação simultânea de eletrodos no tálamo e na substância cinzenta periaquedutal ou
na cápsula interna. 29
Os eletrodos são acoplados a um gerador semelhante ao de um marcapasso cardíaco, que fica
alojado abaixo da clavícula e que permite ajuste de frequência, largura de pulso e amplitude para modu-
lação da dor. Acredita-se que a pulsação do eletrodo cause inibição funcional da estrutura-alvo, inibindo
seu disparo neuronal.29
169
A estimulação cerebral profunda é um método relativamente invasivo e oneroso, sendo indicado
Tópicos em Neurociência Clínica

apenas para pacientes cuidadosamente selecionados e que não responderam a nenhum dos outros trata-
mentos propostos.

6.5 ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA (EMT) E ESTIMULAÇÃO TRANSCRANIANA POR


CORRENTE CONTÍNUA (ETCC)
São técnicas não invasivas que utilizam equipamentos posicionados próximos à cabeça, que indu-
zem através de alterações no campo magnético mudanças no padrão de disparo dos neurônios da região do
córtex cerebral estimulada. Há evidências de que, ao serem aplicadas, em sessões repetidas por 20 minutos
ou mais, diminuem a dor crônica em pacientes com fibromialgia e dor neuropática.30

6.6 ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA NERVOSA TRANSCUTÂNEA (TENS) E ESTIMULAÇÃO ELÉTRICA


NERVOSA PERCUTÂNEA (PENS)
São técnicas que consistem em estimular os nervos periféricos por meio de eletrodos colocados so-
bre a pele (TENS) ou nela inseridos (PENS), a fim de se alcançar a analgesia. A estimulação dos eletrodos ativa
fibras nervosas Aβ— somatossensoriais não-nociceptivas e altamente mielinizadas— que por sua vez ativam
interneurônios inibitórios na medula espinal, que atenuam a atividade nociceptiva de fibras tipo C. Este efeito
também pode ser alcançado por estimulação de nervos periféricos, por fricção, vibração, calor ou frio.

6.7 TERMOTERAPIA E CRIOTERAPIA


São técnicas que consistem respectivamente na aplicação superficial de calor ou frio para se pro-
mover alívio imediato da dor. A termoterapia relaxa músculos tensos e com espasmos, o que faz aumentar a
circulação local. Já a crioterapia reduz o metabolismo local, diminuindo a inflamação.

6.8 TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR DA DOR


As terapias até então apresentadas levam em consideração que a atenuação da dor gera automati-
camente melhora da saúde mental e da qualidade de vida. No entanto, sabe-se que a dor crônica, além de ser
um problema fisiológico, é também um problema psicossocial que envolve o desenvolvimento de ansiedade,
depressão, estresse, insônia, dentre outros. Sendo assim, combinar as terapias supracitadas – que tentam
atenuar os elementos neurofisiológicos da dor – com estratégias multidisciplinares é essencial para que o
tratamento de um indivíduo com dor crônica seja de fato eficiente.

6.8.1 Fisioterapia
Na dor crônica, o papel da fisioterapia é maximizar e manter a capacidade funcional do paciente,
sem promover aumento de dor. Busca-se conscientizá-lo de que, nos casos de dores crônicas, a sensação do-
lorosa não implica necessariamente em lesão dos tecidos e que evitar atividades pode, a longo prazo, piorar a
dor por descondicionamento físico. São realizados exercícios de resistência, aeróbicos e alongamentos leves,
para aumentar a força muscular e a amplitude dos movimentos.27

6.8.2 Terapia Ocupacional


O terapeuta ocupacional trabalha com foco na independência do paciente no autocuidado e nas
atividades de vida diária, ajudando no desenvolvimento de estratégias e ferramentas que permitam o máxi-
mo de autonomia e autorealização. Esse trabalho envolve treinamento de habilidades, uso de equipamentos
adaptativos, adaptação arquitetônica da residência, etc.

170
6.8.3 Psicologia Clínica

Tópicos em Neurociência Clínica


O psicólogo tem como função avaliar o impacto da dor crônica no bem-estar e na saúde men-
tal do paciente. Esse profissional tem papel fundamental em situações de dores crônicas. Há inúmeras
abordagens para o tratamento psicológico: entrevistas motivacionais, psicoterapia, psicodinâmica, terapia
cognitivo-comportamental, biofeedback, hipnose e redução do estresse com base na atenção plena (min-
dfulness), entre outras.27

7 CONCLUSÃO

A dor é uma experiência universal, mas a sua perpetuação, especialmente quando se dá na ausên-
cia de lesão tecidual, configura uma situação altamente dramática, associada a grande sofrimento, prejuízo
de diversas funções (humor, apetite, sono) e muitas vezes à incapacitação permanente.
Infelizmente as possibilidades terapêuticas permanecem insatisfatórias, pois ainda há muitos pon-
tos a serem compreendidos. Sabe-se que a dor crônica resulta de mecanismos que envolvem mudanças
sinápticas, neuroinflamação, neurogênese e até mesmo neurodegeneração. Alterações neurais, imunes e
endócrinas modificam o processamento e a modulação do estímulo doloroso. Assim, a meta das pesquisas
está na identificação de biomarcadores e mediadores que possam ser antagonizados para que se promova
um bloqueio precoce das cascatas de incrementação da transmissão nociceptiva.
Por fim, tratar um paciente que sofre de dor crônica envolve compreender os diversos aspectos
que o levaram a desenvolver este estado de doença. É importante que não apenas o profissional de saúde,
mas também o paciente tenha este entendimento para que novas abordagens possam ser aplicadas com a
finalidade de restaurar a sua qualidade de vida.

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2500.2012.00562.x.

172
Capítulo IX

ZUMBIDO
Lucas Rodrigues Santa Cruz
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO

O zumbido é um ruído percebido na ausência de uma fonte sonora externa.1 Tal condição, apesar
de todo o avanço, ainda continua enigmática no meio científico e clínico, o que compactua com o sofrimento
daqueles que a detém. Embora a maioria não refira um incômodo substancial, uma parcela significativa da
população é afetada de forma severa, fator que propicia grande perda da qualidade de vida e maior risco
para outros problemas de saúde.
Estima-se que 1 a cada 10 adultos norte-americanos possui zumbido.2 Dentre eles, aproximada-
mente 20% o relatam como um problema moderado e 7% como grave ou muito grave, o que corresponde a
mais de 800 mil pessoas, só nos EUA, padecendo de forma angustiante.2 Em território brasileiro, especifica-
mente na cidade de São Paulo, a presença do sintoma chega a atingir 22% da população adulta.3 Nas outras
regiões do mundo, essa prevalência se mostra semelhante à americana: cerca de 10 a 15% dos adultos são
acometidos, índice que aumenta conforme a idade.4
Além do ruído em si, existem inúmeras comorbidades associadas ao zumbido que também são
danosas, tais como ansiedade, menor rendimento no trabalho, distúrbios do sono, fuga do convívio social,
depressão e até suicídio. Uma das maiores análises contemporâneas já feitas sobre o assunto sugere que
1/3 dos pacientes com zumbido possui depressão,5 número este que reflete o abrangente ônus e sofrimento
instaurados. Mais grave ainda é o que ocorre nos casos extremos, com quase 21% dos portadores relatando
ideações suicidas e 1,2% tentativas de suicídio, dados de uma amostra coreana.6
Dessa forma, fica claro que o zumbido é uma condição que pode deteriorar bastante a qua-
lidade de vida de muitas pessoas, exigindo-se do profissional de saúde a capacidade de entendê-la e
manejá-la corretamente.
Fazendo jus à importância do tema, este capítulo abordará, inicialmente, alguns aspectos funda-
mentais do zumbido, como seus subtipos, características e causas principais. Em seguida, será explanada a
fisiologia básica da via auditiva, a qual é necessária para compreender, posteriormente, as teorias fisiopato-
lógicas preponderantes que tentam explicar o mecanismo de geração do sintoma. Logo após, serão descritas
as formas de avaliação bem como de tratamento atualmente estabelecidas. Por fim, um resumo com os
pontos-chave e algumas perspectivas futuras concluirão o capítulo.

173
2 CONCEITOS BÁSICOS
Tópicos em Neurociência Clínica

Primeiramente, vale ressaltar que o zumbido não é uma doença, mas sim um sintoma presente em
diversas doenças e outras condições de saúde. Ele pode ser percebido nas orelhas ou dentro da cabeça e é
relatado de inúmeras formas: um assobio, um chiado, som de cigarra, cachoeira, apito, cliques, ondas, entre
tantas outras. Às vezes, é ainda descrito como um som variável e complexo.
Antes de falar dos seus subtipos, é necessário diferenciar o zumbido do “ruído auditivo transitório”,
uma vez que este último não é uma condição patológica. Quando se ouve um tom único em uma orelha, de
início repentino, tipicamente acompanhado por perda auditiva e plenitude auricular do mesmo lado (sensa-
ção de ouvido “cheio”, sons abafados) e que desaparece dentro de 1 minuto, isso não deve ser denominado
zumbido, mas sim ruído auditivo transitório, haja vista que toda pessoa pode experimentá-lo sem prejuízos à
sua saúde.7 Para ser considerado “zumbido” propriamente dito, é necessário que o sintoma dure, no mínimo,
5 minutos, segundo a maioria dos estudos.8
Existem diversas classificações para o zumbido. De acordo com as diretrizes da Academia Ame-
ricana de Otorrinolaringologia, ele pode ser recente ou persistente (duração maior que 6 meses), primá-
rio (sem uma causa aparente, isto é, idiopático) ou secundário (possui uma causa orgânica identificável),
subjetivo (só o paciente ouve o som) ou objetivo (o examinador também pode ouvi-lo), uni ou bilateral,
pulsátil ou não-pulsátil e incômodo ou não-incômodo. 1 Pode ainda ocorrer de forma constante, inter-
mitente (ao menos semanal), ocasional (a cada poucas semanas/meses) ou temporária (após eventos
específicos).7
Dependendo do tipo de zumbido, algumas etiologias são muito mais prováveis que outras, o que
será explanado a seguir.

2.1 ZUMBIDO SUBJETIVO


É, de longe, a forma mais comum de zumbido, representando cerca de 3/4 dos casos.9 Muitas vezes,
além de ser percebido apenas pelo paciente, ele também é primário, ou seja, sem uma causa identificável,
exceto pela perda auditiva neurossensorial (PAN) que frequentemente está associada e que será explicada
adiante. Este é um quadro clínico bem típico: paciente com zumbido subjetivo, primário, bilateral e associado
a PAN simétrica. Grande parte dos estudos se concentra em elucidar técnicas de tratamento voltadas para
essa forma do sintoma.
Entretanto, o zumbido subjetivo também pode ser secundário, sendo que suas causas orgânicas
variam desde uma simples impactação de cerúmen (excesso de cera) no conduto auditivo externo até situa-
ções graves como um neurinoma do acústico (tumor do nervo vestibular, ou coclear), inflamações (como otite
média ou externa, labirintite, cocleíte, meningite e outras), otosclerose (crescimento anormal dos ossículos
auditivos), colesteatoma (crescimento anormal de epitélio na orelha média), doença de Ménière (hidropsia
endolinfática), medicamentos ototóxicos (como aminoglicosídeos, salicilatos, diuréticos de alça e quimio-
terápicos), presbiacusia (degeneração das estruturas cocleares associada ao envelhecimento), barotrauma
(trauma por variação de pressão), entre tantas outras.10
Basicamente, quase qualquer distúrbio que agrida as vias auditivas é capaz de ocasionar esse tipo
de zumbido bem como perda de audição.
Dentre as causas mais comuns, destaca-se o trauma acústico. Isso se deve ao número exacerbado
de pessoas que se expõem a níveis elevados de ruídos, sejam eles laborais (cerca de 25% dos adultos) ou
recreacionais (22,7%).2 Dessa forma, é simples entender que alguns profissionais, como militares, bombeiros,
músicos e operários de obras, possuem uma suscetibilidade bem maior para o sintoma.

174
2.2 ZUMBIDO OBJETIVO

Tópicos em Neurociência Clínica


Muito mais raro que o anterior, este tipo de zumbido é apenas secundário. Ele é atribuído a al-
gumas condições específicas, as quais geram uma fonte sonora interna no paciente que pode ser ouvida
também pelo examinador, no momento em que este avalia suas regiões cervicais e periauriculares. Estenose
carotídea, MAVs (malformações arteriovenosas) na dura-máter, bulbo jugular alto ou deiscente, paraganglio-
mas (tumores benignos vasculares, como glômus jugular e timpânico), mioclonias dos músculos da orelha
média ou do palato mole e disfunção da tuba auditiva estão entre as principais causas.
Vale salientar que, se o paciente referir um zumbido pulsátil e em sincronia com os batimentos
cardíacos, as anomalias vasculares, sejam arteriais ou venosas, são a principal suspeita. Já as queixas de zum-
bidos do tipo “cliques” são muito sugestivas de mioclonia (contração muscular involuntária súbita) palatal
ou dos músculos estapédio e tensor do tímpano. Por sua vez, os zumbidos tipo “ondas”, sincronizados com
a respiração, apontam fortemente para uma disfunção da trompa de Eustáquio (tuba auditiva), que perma-
nece patente/aberta.10

3 FISIOLOGIA AUDITIVA

Para compreender os mecanismos envolvidos na geração do zumbido, bem como a perda au-
ditiva que geralmente o acompanha, é pré-requisito ter clareza sobre processos básicos da fisiologia da
audição humana.

3.1 VIA AUDITIVA PERIFÉRICA


3.1.1 Orelha Externa
Anatomicamente o aparelho auditivo pode ser divido em orelha externa, média e interna. A au-
dição começa com a passagem do som pela orelha externa (composta pelo pavilhão auditivo e pelo meato
acústico externo) e sua concentração na membrana timpânica. Além de uma simples captação sonora, o
pavilhão auditivo (“orelha”) possui papel importante na localização do som, pois algumas ondas se refletem
em suas paredes antes de atingir o tímpano, o que gera um retardo e permite sua diferenciação. Por sua vez,
o meato acústico externo (conduto auditivo externo) possui também importância maior, uma vez que, além
de conduzir o som, promove efeitos de ressonância passiva (eco) para determinadas frequências, impulsio-
nando ainda mais as ondas.11

3.1.2 Orelha Média


Depois de atingir a membrana timpânica, a vibração nela produzida é transmitida aos ossículos da
orelha média (do mais externo ao interno: martelo, bigorna e estribo), os quais são fundamentais para am-
plificar a energia sonora antes que esta adentre a cóclea (Fig. 1).
Sem essa amplificação, a propagação do som seria ineficiente devido à reflexão das ondas nos
fluidos da orelha interna e à consequente perda de energia. Por outro lado, quando a intensidade sonora é
muito alta, faz-se necessário um mecanismo que diminua os movimentos dos ossículos e evite, assim, um
trauma acústico, o que é possível graças à ação dos músculos estapédio e tensor do tímpano.
Os distúrbios que acometem as estruturas até agora descritas (orelha externa e média) podem pro-
porcionar, além do zumbido, a chamada perda auditiva de condução (PAC), pois prejudicam os componentes
condutores do som até a cóclea.12

175
Tópicos em Neurociência Clínica

Figura 1 – Via auditiva periférica.


Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.

3.1.3 Orelha Interna


Seguindo o percurso, a base do estribo transmite as vibrações amplificadas para a janela do vestíbu-
lo (janela oval) e, por continuidade, para a rampa do vestíbulo na orelha interna. Diferentemente das outras,
a orelha interna é preenchida por fluidos e possui estruturas ligadas tanto ao equilíbrio (vestíbulo e canais
semicirculares) quanto à audição (cóclea). No interior da cóclea (tubo ósseo em forma de concha com 2 voltas
e meia), há 3 câmaras: a rampa do vestíbulo, a rampa do tímpano e a rampa média (ducto coclear); as duas
primeiras são preenchidas por perilinfa e interligadas pelo helicotrema, enquanto a última contém endolinfa
e se apresenta como um tubo de fundo cego (Fig. 1). A perilinfa permite a propagação da onda sonora por
toda a extensão das suas duas câmaras até que seja amortecida na membrana timpânica secundária (janela
redonda ou da cóclea). Nesse trajeto há também o deslocamento da endolinfa na rampa média e, consequen-
temente, a ativação do órgão espiral (de Corti) ali contido (Fig. 2).

176
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 2 – Cóclea e órgão espiral de Corti.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.

A partir desse momento, inicia-se uma etapa fundamental: a transdução do som (transformação
da energia sonora em impulso elétrico), que ocorre no órgão de Corti, estrutura composta por uma linha de
células ciliadas internas e três linhas de células ciliadas externas, as quais, devido ao movimento da endolin-
fa que as banha, da lâmina basilar que as sustenta e da membrana tectória que as recobre, são ativadas ou
inativadas. Essas células são denominadas ciliadas porque possuem estereocílios no seu ápice, sendo que é o
movimento específico dessas estruturas que, a depender da direção, abrirá ou não seus canais de potássio e,
respectivamente, despolarizará (gerando impulso) ou hiperpolarizará a célula. Sabe-se, ainda, que apenas as
células externas estão em contato direto com a membrana tectória.
É importante ressaltar que a lâmina basilar, assim como o restante da via auditiva, está estruturada
de maneira tonotópica, ou seja, cada frequência sonora possui um ponto de deslocamento máximo espe-
cífico. Desse modo, as frequências mais agudas são percebidas majoritariamente no início/base da lâmina
basilar, enquanto as mais graves promovem maior deslocamento no fim/ápice dela (Fig. 1).
Após serem gerados os sinais elétricos no órgão de Corti, estes atingem o gânglio espiral (conjunto
de corpos de neurônios nos espirais da cóclea) e depois seguem pela divisão coclear do nervo craniano VIII
(NCVIII- nervo vestibulococlear) até o sistema nervoso central (SNC). Vale destacar que são as células ciliadas
177
internas as responsáveis por cerca de 90% da audição, pois é proveniente delas a grande maioria das fibras
Tópicos em Neurociência Clínica

auditivas aferentes; já as células ciliadas externas atuam principalmente na amplificação do sinal e também
na organização tonotópica da via, devido ao seu mecanismo contrátil que gera maior movimento de endolinfa
de acordo com as frequências sonoras.13 É justamente esse mecanismo que explica a origem das emissões
otoacústicas, as quais terão sua importância descrita posteriormente.
Qualquer distúrbio que lesione as estruturas da orelha interna (células ciliadas ou NCVIII) pode
ocasionar, além do zumbido, a chamada perda auditiva neurossensorial (PAN), visto que prejudica sobretudo
componentes sensitivos e nervosos.12

3.2 VIAS AUDITIVAS CENTRAIS


Quando se fala da parte central da via auditiva, é necessário ter em mente que há mais de um tra-
jeto possível para que o impulso nervoso chegue até o córtex cerebral, o que depende de qual característica
sonora será processada.

3.2.1 Processamento da Frequência e do Volume


Para a frequência (altura) e o volume (intensidade) do som, a via é relativamente simples. As
primeiras estruturas centrais a serem atingidas pelas aferências do nervo coclear são os núcleos cocleares
anterior/ventral e posterior/dorsal (Fig. 3), localizados na junção bulbopontina. Esses núcleos estão orga-
nizados de maneira tonotópica, de modo que as fibras que codificam altas frequências se localizam mais
posterior e as que codificam baixas frequências, mais anteriormente. Após a sinapse nessa estrutura, os
axônios do próximo neurônio decussam (cruzam para o lado oposto) através das estrias cocleares e ascen-
dem contralateralmente pelo lemnisco lateral, chegando até o colículo inferior do mesencéfalo. Tal região
é um importante centro integrador das vias auditivas e possui também organização tonotópica, assim
como toda a via. Em seguida, as fibras do terceiro neurônio seguem pelo braço do colículo inferior até o
corpo geniculado medial, localizado no tálamo. Por fim, o impulso segue pelo quarto neurônio através do
trato geniculotemporal no ramo posterior da cápsula interna até o córtex auditivo primário (giro temporal
transverso anterior ou de Heschl).14

178
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 3 – Vias auditivas centrais. Os 3 asteriscos em amarelo represetam locais de cruzamento das fibras nervosas (de
baixo para cima: corpo trapezoide, comissura do lemnisco lateral e comissura do colículo inferior). Esses pontos são
importantes pois permitem que ambos os hemiférios cerebrais recebam informações das duas orelhas. NOSM = nú-
cleo olivar superior medial; NOSL = núcleo olivar superior lateral.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.

3.2.2 Processamento da Localização Sonora


Quando a característica processada for a localização sonora, algumas outras conexões serão realiza-
das nessa via antes dela atingir o córtex auditivo.
Para se localizar, no plano horizontal, sons de baixas frequências, as fibras que partem dos núcleos
cocleares dirigem-se ao núcleo olivar superior medial (NOSM) de ambos os lados. Os neurônios presentes
nessas estruturas, ao receberem aferências das duas orelhas (informação binaural), conseguem detectar a
diferença de tempo com que as ondas sonoras atingiram cada uma delas, deduzindo, assim, se a fonte do

179
som está mais à esquerda ou à direita. Após a sinapse no NOSM, as fibras ascendem pelo lemnisco lateral e
Tópicos em Neurociência Clínica

seguem o mesmo trajeto já descrito anteriormente até o córtex.


Já para os sons de altas frequências, o mecanismo da localização horizontal é diferente. As
fibras provenientes dos núcleos cocleares fazem sinapse com o núcleo olivar superior lateral (NOSL)
ipsilateral e, em seguida, com o núcleo medial do corpo trapezoide (NMCT) contralateral. Ao invés de
uma diferença de tempo, as conexões com essas duas estruturas de ambos os lados permitem detectar
a diferença de intensidade com que o som atinge cada orelha, sendo assim, o lado que receber ondas
mais intensas é o que contém a fonte sonora. Essa disparidade ocorre devido à “sombra acústica” criada
pela cabeça humana para os sons de frequências altas. Após essas conexões, o restante do trajeto é o
mesmo da via anterior.
Por sua vez, a localização vertical dos sons, tanto de altas como baixas frequências, é feita pelo pa-
vilhão auditivo, uma vez que, como já foi descrito, algumas ondas se refletem em suas paredes e atingem o
tímpano com um certo retardo, enquanto outras o atingem diretamente.

3.2.3 Integração das Vias Centrais, Trato Olivoclear e Áreas Não Auditivas
É preciso ressaltar que há um cruzamento de axônios muito significativo durante toda a aferência
auditiva central, como nas comissuras do colículo inferior e do lemnisco lateral, que permitem que a infor-
mação de um ouvido seja levada para ambos os hemisférios cerebrais (Fig. 3). Além disso, deve-se saber com
clareza que existem não somente fibras aferentes na via auditiva, mas também fibras eferentes em vários
níveis, merecendo destaque aqui o trato olivococlear (coclear eferente) que inibe as células ciliadas externas
e, com isso, diminui a amplificação do sinal quando necessário. Esse é um meio que o SNC tem de regular
a atenção dada aos diversos estímulos auditivos, como uma espécie de filtro que nos ajuda, por exemplo, a
focar e entender a fala de uma pessoa em locais com muito barulho.13
Por fim, vale acrescentar que os núcleos cocleares recebem também aferências do sistema soma-
tossensorial (o qual traz informações sobre as sensações do corpo e sobre a posição das suas diversas partes)
e essa integração é importante para aperfeiçoar a localização sonora bem como para distinguir os sons origi-
nados nos ambientes interno e externo.15 Ademais, a percepção final das ondas sonoras no córtex auditivo é
influenciada por diversas outras áreas não auditivas, como o sistema límbico (amígdala, hipocampo, ínsula,
entre outros) que proporciona uma associação emocional com o som ouvido.

4 MODELOS FISIOPATOLÓGICOS

4.1 VISÃO GERAL: PERDA AUDITIVA LEVA AO ZUMBIDO


Compreendida a maneira como os sons são percebidos e processados, agora serão mais palpáveis
as hipóteses sobre o mecanismo gerador do zumbido. São inúmeras as teorias que tentam explicar a origem
e manutenção desse sintoma, sendo impossível abordar adequadamente todas neste capítulo. No entanto,
serão bem explanadas as principais.
Sabe-se que a grande maioria das queixas de zumbido está relacionada a algum tipo de perda au-
ditiva e possui caráter subjetivo. Sendo assim, os estudos, no geral, se concentram em elucidar os mecanis-
16

mos por trás dessa forma do sintoma, uma vez que o zumbido objetivo já possui sua patogenia relativamente
bem esclarecida, relacionada principalmente a fenômenos vasculares ou mioclonias que geram uma fonte
sonora interna real no paciente. Já no zumbido subjetivo, o que ocorre é uma percepção fantasma, não há
fonte sonora. É a própria perda de audição que, na maioria dos casos, proporciona o ruído para o paciente e
é justamente isso o que os estudiosos buscam esclarecer.

180
De maneira simples e objetiva, acredita-se hoje que a diminuição das aferências provenientes da

Tópicos em Neurociência Clínica


cóclea (devido à perda auditiva) desencadeie uma série de alterações nas vias centrais que levam à hiperati-
vidade dos neurônios (“ganho central”) e isso é interpretado pelo cérebro como zumbido.17 Didaticamente,
podemos fazer analogia a um microfone defeituoso: com o volume de entrada normal, não há captação su-
ficiente do som, logo, o músico tenta aumentar o volume/sensibilidade do microfone a fim de ouvir melhor
sua voz; porém, ao fazer isso, a captação do som se torna excessiva, de modo que ruídos provenientes do
próprio microfone começam a ser ouvidos. Nessa cena, o microfone defeituoso é a via auditiva lesionada (por
um trauma acústico, por exemplo); o músico é o nosso cérebro que tenta compensar a falta de sinais sonoros
aumentando a captação do microfone, isto é, promovendo o ganho central; e os ruídos são as percepções
fantasmas (zumbido) resultantes dessa hiperatividade.
Muitos estudiosos comparam a fisiopatologia do zumbido àquela que ocorre na dor do membro-
-fantasma (quando o paciente refere dor em um membro que foi amputado). Acredita-se que, em ambas as
condições, a hipoestimulação cerebral (seja devida à perda auditiva ou à amputação) promove alterações
plásticas nos neurônios dessas vias aferentes resultando nas respectivas percepções fantasmas.18 Basicamen-
te, é como se o cérebro criasse tais sensações em função da falta de estímulos.
O grande desafio é entender como ocorrem essas alterações neuronais e como exatamente elas
são desencadeadas, uma vez que, tendo esse conhecimento, tratamentos específicos e eficientes poderiam
ser desenvolvidos.

4.2 ALTERAÇÕES PERIFÉRICAS


4.2.1 Modelos Fisiopatológicos Tradicionais
Muitos acreditam que a geração do zumbido se deva a fenômenos periféricos/cocleares, enquanto
a sua manutenção seja devida a fenômenos centrais. Nos anos 90, um estudo propôs que, dentre as altera-
ções periféricas, a que seria responsável pelo surgimento do sintoma seria a lesão preferencial das células
ciliadas externas (CCE) em privilégio das internas (CCI) que permaneciam intactas em algumas áreas.19 Como
somente as CCE estão conectadas diretamente à membrana tectória, esse estudo sugeriu que sua lesão
acarretaria um “desabamento” dessa membrana, fazendo com que ela chegasse a tocar nas CCI e, com isso,
promovesse uma despolarização contínua, que seria percebida como zumbido.
Outra teoria clássica, também dos anos 80/90, envolve o sistema eferente coclear, propondo que a
lesão preferencial das CCE reduziria as suas aferências para o SNC e, devido a essa carência de informações,
a resposta eferente sobre tais células também seria diminuída.20 Sabe-se que o trato olivococlear (coclear
eferente) atua inibindo as CCE e que sua inervação é difusa, ou seja, cada fibra inerva várias células. Sendo
assim, admite-se que essa redução da resposta eferente deixa de inibir não só as CCE lesadas, mas também
algumas funcionais, de modo que estas ficam livres para se contraírem mais vigorosamente e, assim, amplia-
rem de maneira excessiva o sinal para as CCI, gerando o zumbido.
Apesar de essas teorias mais clássicas (assim como muitas outras) terem como premissa uma lesão
coclear para o desenvolvimento desse ruído, sabe-se que isso não é obrigatório, uma vez que existem muitos
pacientes com perda auditiva condutiva (afetando apenas orelha externa e/ou média, poupando a cóclea)
que cursam com zumbido. Logo, parece ser a diminuição da entrada sonora o fator-chave para a produção
desse sintoma.21

4.2.2 Glutamato e Hiperatividade do Nervo Coclear


Outros estudiosos associam a ocorrência do zumbido com o neurotransmissor glutamato e seu re-
ceptor NMDA (N-metil-D-aspartato).22 Propôs-se que o dano coclear crônico (por excesso de ruídos laborais,
presbiacusia, entre outros) resultaria no aumento da liberação de glutamato pelas CCI e, consequentemente,
181
na maior ativação dos receptores NMDA que estão nos dendritos dos neurônios aferentes do gânglio espiral.
Tópicos em Neurociência Clínica

Esse processo desencadearia um grande influxo de íons cálcio para tais neurônios, o que proporcionaria uma
excitação aberrante do nervo coclear, com aumento da demanda de energia, geração de espécies reativas de
oxigênio e até morte neuronal,23 exacerbando o zumbido.
Haja vista a complexidade do tema, é inevitável que contradições em alguns pontos surjam re-
gularmente. Uma delas é a respeito dessa atividade aumentada no nervo coclear, pois muitos estudiosos
discordam disso afirmando que só há hiperatividade nas vias auditivas centrais, isto é, a partir dos núcleos
cocleares.24 Esse argumento se baseia no fato de que a secção do nervo auditivo/coclear não elimina o
zumbido dos pacientes (o que seria esperado em função da interrupção total da entrada sonora), pelo
contrário, pode, muitas vezes, desencadeá-lo naqueles que ainda não o tem. Além disso, quando pacien-
tes com PAN (perda auditiva neurossensorial) são tratados com implantes cocleares (os quais melhoram a
entrada dos estímulos acústicos), tanto a perda auditiva quanto o zumbido associado a ela são mitigados.25
Sendo assim, para esses estudiosos, hiperatividade no nervo coclear não seria uma explicação plausível
para a gênese do sintoma.

4.2.3 Sinaptopatia e Desmielinização Transitória


Nos últimos anos, sugeriu-se outro ponto de lesão periférica fundamental para o desenvolvimento
do zumbido: a sinapse coclear. Pesquisas indicaram que o trauma acústico, ao invés de destruir as células
ciliadas, lesiona as suas sinapses com os neurônios, sobretudo aquelas entre as CCI e os neurônios aferentes
com sintonia para altas frequências e com alto limiar de despolarização (baixa taxa de disparo espontâneo).26
Isso explicaria os casos de zumbido “sem perda auditiva” (quando o exame audiométrico é normal), pois,
como são afetadas as fibras de alto limiar (isto é, as que exigem um estímulo maior para serem despolariza-
das) e poupadas as de baixo limiar, o paciente continua ouvindo bem os estímulos fracos (ou seja, seu limiar
auditivo é normal), logo, seu audiograma não terá alteração.
Entretanto, apesar de não aparecer nesse exame, a perda auditiva existe e isso se comprova por
testes de audição supralimiar e pelo PEATE (potencial evocado auditivo do tronco encefálico). O PEATE usa
ondas de EEG (eletroencefalograma) para avaliar a função das estruturas auditivas. Em 2011, foi demonstra-
do, pela primeira vez, uma diminuição da amplitude da onda I (gerada pelo nervo coclear) enquanto a onda
V (gerada pelo colículo inferior) estava normal.27 Isso aponta para a presença de uma “perda auditiva oculta”
(devido aos sinais reduzidos do nervo coclear mesmo com audiograma normal) além de ganho central nesses
pacientes (pois a amplitude do sinal volta ao normal ao nível do mesencéfalo).
Mais recentemente, foi sugerida ainda uma nova explicação para a perda auditiva oculta no
audiograma, inovadora porque não envolve a lesão sináptica coclear (sinaptopatia) já descrita acima,
mas sim uma desmielinização transitória do nervo auditivo.28 Basicamente, propõe-se que a perda de
células de Schwann (formadoras da bainha de mielina do sistema nervoso periférico), mesmo que tran-
sitória, resulte em ruptura permanente da parte periférica dos axônios neuronais auditivos (região de
heminodos, próximo à sinapse não afetada com as CCI). Isso resulta na perda auditiva oculta a qual pode
ocasionar o zumbido.

4.3 ALTERAÇÕES CENTRAIS


Como foi discutido, admite-se que a grande maioria dos casos (se não todos) de zumbido subjetivo
são acompanhados de algum grau de perda auditiva, seja ela detectada na audiometria ou não. Essa carência
de informações sensoriais leva a diversas alterações centrais, as quais são fundamentais para a manutenção
do sintoma.

182
4.3.1 Neuroplasticidade Cortical com sua Reorganização Tonotópica

Tópicos em Neurociência Clínica


Uma das alterações centrais mais classicamente evidenciadas é a reorganização do mapa tonotópi-
co cortical. Estudos propuseram que, quando territórios do córtex auditivo que codificam certas frequências
perdem as suas aferências (devido à lesão coclear), eles passam a codificar as frequências de áreas adjacentes
cujo limiar de audição é quase normal, ou seja, as “bordas da lesão” ficam super-representadas.29 Ademais,
acredita-se que essas áreas limítrofes deixam de receber inibições intracorticais das regiões desaferentadas
(correspondentes à perda auditiva), o que contribui para sua expressão e para o zumbido.
Entretanto, há diversos estudiosos que contestam essa teoria. O principal argumento que embasa
a crítica é que, seguindo tal lógica, a frequência percebida (pitch) do ruído pelo paciente teria que estar sem-
pre na borda da lesão coclear, o que não corresponde à maioria dos casos em que o tom do zumbido está na
própria faixa da perda auditiva.30

4.3.2 Neuroplasticidade Homeostática e Hebbiana


A neuroplasticidade parece ocorrer não apenas no córtex auditivo, mas em diferentes níveis das
vias auditivas centrais. De maneira simples, o termo “neuroplasticidade” refere-se a alterações das sinapses
dos neurônios e de algumas propriedades intrínsecas dessas células, processos que, numa situação normal,
são de extrema importância para o nosso aprendizado e recuperação de lesões. Já no contexto do zumbido,
essas mudanças ocorrerão de maneira falha na via auditiva, o que será elucidado a seguir.
Antes de aprofundar o assunto, vale destacar os 2 tipos principais de plasticidade: a homeostática e
a Hebbiana.31 A primeira, como o próprio nome indica, é um fenômeno pelo qual os neurônios buscam man-
ter a homeostase, ou seja, ocorrem alterações de condutância elétrica das células e de frequência média das
despolarizações a fim de se promover uma situação semelhante à anterior ao dano periférico. Já a Hebbiana
refere-se à plasticidade que obedece a um postulado publicado em 1949 pelo psicólogo canadense Donald
Hebb, o qual afirma que, quando os disparos do neurônio pré-sináptico contribuem para os disparos do pós-
-sináptico (isto é, quando há uma relação causal entre eles), a sinapse entre esses neurônios é intensificada.32
A recíproca também é verdadeira: se não há uma relação causal (ou seja, se a despolarização pós-sináptica
não é precedida pela pré-sináptica), a sinapse entre essas células é enfraquecida.
Ambas as formas de plasticidade ocorrem fisiologicamente e são importantes para o neurodesen-
volvimento, o aprendizado e a memória. Porém, nos indivíduos com zumbido, esses mecanismos são detur-
pados nas células da via auditiva central. Pesquisas mostraram que a plasticidade homeostática (não altera-
da) esteve associada até com a prevenção do desenvolvimento do sintoma.33 Em relação à forma Hebbiana,
foi evidenciada uma substituição por um mecanismo anti-Hebbiano nas cobaias com zumbido, ou seja, as
sinapses intensificadas foram aquelas entre neurônios que não possuíam uma relação causal entre si.34 Tais
variantes nos processos de plasticidade resultam em 3 fenômenos neuronais: aumento da taxa de disparo
espontâneo, aumento da sincronia na região da perda auditiva e aumento do bursting (períodos de disparos
rápidos seguidos por intervalos quiescentes maiores que o normal), sobretudo no núcleo coclear dorsal, um
possível local de geração do ruído.35 Essas alterações neurais são muito defendidas como os correlatos neu-
rofisiológicos do zumbido.

4.3.3 Neuroplasticidade Bioquímica e “Ascensão do Zumbido”


A hiperatividade neuronal deve-se, de fato, a mecanismos moleculares caracterizados por diminui-
ção da atividade dos neurotransmissores inibitórios— GABA (ácido gama-aminobutírico)36 e glicina37— além
de aumento da liberação do glutamato excitatório,38 principalmente no núcleo coclear dorsal. Ademais, essas
células também sofrem desajustes intrínsecos em alguns de seus canais iônicos, como o canal de potássio
dependente de voltagem, denominado KCNQ, que possui atividade reduzida em animais com zumbido.33
183
Acredita-se que tais fenômenos ocorram inicialmente no nível dos núcleos cocleares e, em seguida, as-
Tópicos em Neurociência Clínica

cendam pela via auditiva até os neurônios corticais, o que é respaldado pela seguinte observação: a lesão coclear
decorrente de um trauma acústico proporciona hiperatividade de neurônios do núcleo coclear dorsal e, após 2
semanas, essa mudança também é vista no colículo inferior.39 Nesse cenário, caso seja feita uma ablação coclear
(bloqueando totalmente as aferências auditivas) dentro de até 8 semanas após o trauma, a atividade neural no
colículo inferior é normalizada; entretanto, se o procedimento é feito depois desse período, não há mais retro-
cesso e o ganho permanece.40 Isso permite concluir que a hiperexcitação (originada pela lesão da cóclea) está
ascendendo ao longo da via auditiva e que se encontram 2 tipos diferentes de zumbido: o periférico-dependente
(no estágio inicial) e o periférico-independente (num estágio mais tardio, quando já está “centralizado”).

4.3.4 Sistema Somatossensorial e Componentes Genéticos


Há ainda outra hipótese para se justificar a ocorrência do zumbido: a regulação positiva das en-
tradas somatossensoriais. Sabe-se que o núcleo coclear dorsal recebe não apenas aferências auditivas, mas
também de outros sistemas neurais. Foi proposto que, com a falta de sinais resultante da lesão coclear, haja
uma hipersensibilidade para as informações somatossensoriais,41 trazidas sobretudo pelo NCV (nervo trigê-
meo) e pela via coluna dorsal-lemnisco medial. Isso explicaria porque muitos pacientes conseguem modular
a intensidade ou a frequência do seu zumbido quando realizam certos movimentos com a cabeça, pescoço,
olhos ou até membros, uma vez que fomentam essa entrada sensorial.
Por fim, vale pontuar que, nos últimos anos, tem-se pesquisado mais sobre possíveis componentes
genéticos do zumbido. Um estudo de coorte com gêmeos do sexo masculino evidenciou uma influência ge-
nética moderada de aproximadamente 40% para o sintoma como um todo.42 Porém, quando os casos foram
avaliados de acordo com seu subtipo (uni ou bilateral), foi encontrada uma herdabilidade relativamente alta
de 68% para homens com zumbido bilateral.43 Apesar dos avanços, há ainda muita dificuldade para se fazer
uma associação genuína com um gene específico.44

5 AVALIAÇÃO

5.1 ANAMNESE
Quando o paciente busca atendimento médico com queixa de zumbido, o primeiro passo é cole-
tar uma boa história para se especificar o tipo do sintoma apresentado. É preciso saber como é esse ruído,
se ocorre em uma ou em ambas as orelhas, há quanto tempo surgiu, se houve algum fator desencadeante
(trauma acústico, medicamentos, entre outros), se é constante ou intermitente e se é pulsátil ou não. Em
geral, o zumbido que é unilateral, pulsátil e associado a outros sintomas otológicos (como vertigem e perda
auditiva) tem mais chances de estar relacionado a uma doença estrutural (como um tumor vascular ou um
schwannoma vestibular) do que o zumbido bilateral, o qual é mais frequentemente primário.10
Além disso, é muito importante saber o quão incômodo é o sintoma na vida da pessoa. Para isso,
foram padronizados diversos questionários que ajudam a analisar essa questão de forma objetiva. Um deles
é o THI (do inglês Tinnitus Handicap Inventory), composto por 25 perguntas autoaplicáveis, de fácil inter-
pretação, que avaliam os aspectos funcional, emocional e catastrófico da qualidade de vida do paciente.45
Pontua-se um valor de 0 a 100 de forma que, quanto maior o escore, maior o prejuízo causado pelo sintoma.
Esse dado é de grande valia pois ajuda o médico a atentar para outras possíveis comorbidades apre-
sentadas pelo seu paciente. Por exemplo, entre os que relatam o zumbido como um problema grave, 36,5%
apresentam sintomas de depressão, contrastando com apenas 10,6% daqueles sem zumbido ou dos que o
consideram um problema leve.46

184
5.2 EXAME FÍSICO

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No exame físico, é imprescindível a realização de otoscopia em busca de anormalidades na orelha
externa ou média, como impactação de cerúmen, mudança de coloração do tímpano (indicando otite média),
entre outras. Ademais, o profissional deve sempre auscultar as regiões periauriculares e cervicais, a fim de
distinguir o ruído objetivo do subjetivo, o que já direciona para etiologias diferentes. O zumbido de origem
vascular, por exemplo, tende a ser objetivo (ouvido também pelo avaliador) e geralmente é modulado pela
compressão ou rotação do pescoço, o que dificilmente ocorre com o zumbido subjetivo.
Como a grande maioria dos casos está associada a algum grau de perda auditiva (seja ela neurossen-
sorial ou de condução, oculta ou não), esta deve ser avaliada. Para tal, é muito difundido o uso do diapasão por
meio de testes clássicos como o de Schwabach, Rinne e Weber. Essas técnicas semiológicas avaliam diferente-
mente as conduções aérea (CA) e óssea (CO) do paciente, sabendo-se que, em condições normais, a primeira
deve ser mais eficiente que a última, em razão da CO passar ao largo dos ossículos da orelha média e atingir
diretamente a orelha interna (não usufruindo, assim, da amplificação da energia sonora que ocorre na CA).
Dessa forma, se esses testes mostrarem a CO melhor que a CA, infere-se que o paciente possui uma
PAC (perda auditiva de condução), a qual afeta a orelha externa ou média, mas poupa a interna. Por outro
lado, caso ambos os tipos estejam prejudicados (mantendo a relação normal de CA melhor que CO), iden-
tifica-se uma PAN (perda auditiva neurossensorial), em que a condução até à cóclea está normal, porém as
células ciliadas e/ou o nervo coclear estão lesados.12

5.3 AUDIOMETRIA E OUTROS EXAMES COMPLEMENTARES


Apesar dos testes clássicos com diapasão serem úteis à beira do leito, sabe-se que sua sensibilidade
diagnóstica não é boa, assim como a de outras avaliações tradicionais (como testar a audição através de atrito de
dedos, ou de palavra sussurrada próximo ao ouvido do paciente, etc.).47 Por isso, atualmente essas práticas per-
dem lugar para a audiometria, um exame bem mais detalhado, confiável e indicado para todos os pacientes com
zumbido. Há duas formas principais: a audiometria tonal, em que se utilizam tons puros de diferentes frequências
e intensidades, e a vocal, em que são usadas palavras e frases ao invés de sons tonais. O resultado do exame
audiométrico aparece num gráfico (o audiograma) e, dependendo do seu padrão de limiares auditivos, infere-se
uma PAC ou uma PAN. Na rotina médica, o que é mais corriqueiro é a deficiência auditiva para altas frequências e
queixas do tipo “ouço mas não entendo” (má discriminação da fala, daí a importância da audiometria vocal).
Além disso, é comum também a realização do timpanograma, um teste que avalia a impedância/
complacência da membrana timpânica e que possui grande valor, pois, se há anormalidade na tensão e movi-
mentação do tímpano, distúrbios como otosclerose, disfunção da tuba auditiva, otite média e outros devem
ser rastreados. Outra avaliação feita habitualmente é a do reflexo acústico, na qual, em situação normal,
espera-se a contratura reflexa do músculo estapédio após um estímulo auditivo intenso. Caso haja alteração
nesse teste, pode-se suspeitar de lesões no nervo facial, no nervo vestibulococlear ou no tronco encefálico.
No caso dos lactentes, uma prática de rotina é a medição das emissões otoacústicas, a qual permite
avaliar a funcionalidade das orelhas interna e média. Vale explicar que essas emissões são sons produzidos
pela própria orelha devido ao fluxo retrógrado de endolinfa e perilinfa em direção à janela do vestíbulo (Fig.
1), o que se deve ao mecanismo contrátil das células ciliadas externas.
Não se pode deixar de mencionar que, na análise específica do zumbido, um método fundamental
é a acufenometria, exame que pesquisa as 4 medidas psicoacústicas do sintoma: frequência (pitch), inten-
sidade (loudness), nível mínimo de mascaramento por um som externo (NMM) e inibição residual (tempo
que o ruído permanece mascarado). Essas características influenciam a orientação bem como a escolha do
tratamento do paciente, mas, apesar da sua relevância, ainda não há uma padronização consolidada sobre
como realizar tal mensuração.48

185
Finalmente, depois da anamnese, exame físico, audiometria e demais testes, pode-se solicitar exa-
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mes adicionais (como os laboratoriais ou de imagem) se houver suspeita de doença subjacente ao zumbido.
No geral, não se pede tomografia ou ressonância se o ruído for subjetivo, bilateral e associado a PAN simé-
trica.10 Para avaliar lesões centrais (retrococleares), pode ser necessário também o uso do PEATE (potencial
evocado auditivo do tronco encefálico), já explanado anteriormente.

6 TRATAMENTO

Para sanar o quadro de zumbido secundário, a conduta consiste, logicamente, em tratar a doença
subjacente ao sintoma, havendo incontáveis possibilidades. Já para o zumbido primário, sabe-se que, infeliz-
mente, não existe uma cura até hoje. Porém, há diversos tratamentos que podem reduzir significativamente
o incômodo e melhorar muito a qualidade de vida dos pacientes.

6.1 TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL, TERAPIA DE RETREINAMENTO DO ZUMBIDO E


TERAPIAS SONORAS
Dentre os tratamentos, destaca-se a terapia cognitivo-comportamental (TCC), um tratamento psi-
cológico que busca mitigar as crenças e comportamentos negativos da pessoa em relação ao sintoma, haja
vista que, muitas vezes, o grande incômodo advém da associação emocional maléfica e não da intensidade
do ruído em si. Para isso, a TCC se constitui de psicoeducação, treinamento baseado na atenção plena (min-
dfulness), terapia de exposição e outras técnicas que visam mudar o significado atribuído pelo paciente ao
zumbido. Diversos estudos demonstraram efetividade dessa prática tanto para o desconforto quanto para a
gravidade do sintoma.49
Outra abordagem muito usada é a Terapia de Retreinamento do Zumbido (TRT, do inglês Tinnitus Re-
training Therapy) ou Terapia de Habituação. Ela possui 2 componentes principais: o aconselhamento educacio-
nal e a terapia sonora, a qual utiliza ruído branco (som que contém todas as frequências na mesma intensidade)
de baixo nível para mascarar o zumbido e, assim, ajudar o paciente a percebê-lo como algo mais natural.50
Além do uso do ruído branco, existem diversos outros tipos de terapias sonoras, por exemplo, a
musicoterapia entalhada sob medida. Nessa modalidade, o paciente é exposto a músicas das quais foram
removidos os sons com a mesma frequência do zumbido, o que proporciona uma redução significativa da
intensidade do sintoma.51

6.2 PRÓTESES AUDITIVAS E IMPLANTES COCLEARES


Como a perda auditiva é um grande gatilho para o surgimento do ruído, ao se aumentar a entrada
sonora (e resolver o problema da baixa audição), por consequência, o zumbido também é diminuído ou até
abolido. É isso o que justifica o tratamento de boa parte desses pacientes com próteses/aparelhos auditivos
e implantes cocleares. Na maioria das vezes, o efeito de mascaramento promovido pelas próteses é mais
pronunciado nos casos de zumbido com tom agudo, pois esses dispositivos amplificam mais seletivamente as
altas frequências.52 Pode haver também associação dos aparelhos auditivos com geradores de som, os quais
conseguem diminuir ainda mais a percepção do ruído. Apesar do grande benefício proporcionado, vale lem-
brar a existência de um certo preconceito estético por parte dos pacientes em relação às próteses auditivas;
entretanto, a cada ano que passa, as indústrias desenvolvem modelos menos perceptíveis e até mais eficazes,
o que ajuda nesse quesito.
Já os implantes cocleares, por sua vez, representam uma intervenção invasiva, diferente das expos-
tas até agora. Essa medida é recomendada principalmente para pacientes que possuem PAN severa associada

186
ao quadro, de forma que apenas a amplificação sonora dos aparelhos auditivos não seria suficiente para

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restabelecer a audição. O implante possui um microfone e um processador (visíveis externamente) que con-
vertem o som em sinais elétricos, os quais são enviados diretamente para eletrodos colocados dentro cóclea,
onde estimulam o nervo auditivo. Apesar dos altos níveis de sucesso, o paciente deve saber que o zumbido
pode ser aumentado ou até mesmo induzido após o implante coclear.53

6.3 FARMACOTERAPIA
Em relação à terapia medicamentosa, vários fármacos já foram testados, mas nenhum deles teve
benefícios significativos a ponto de ser recomendado para tratamento de rotina do zumbido. Entre os mais
pesquisados, destacam-se os antidepressivos, os ansiolíticos e os anticonvulsivantes. Esses medicamentos
são prescritos principalmente nos casos em que outras comorbidades estão presentes, tais como ansiedade,
depressão, insônia, etc.
Embora existam diversos estudos defendendo o seu uso, os antidepressivos (tricíclicos e inibidores se-
letivos da recaptação de serotonina) falharam em demonstrar preponderância de efeitos benéficos, obtiveram
mais resultado sobre as comorbidades do zumbido do que sobre o sintoma em si e os estudos que os apoiaram
tiveram limitações metodológicas.1 Em relação aos anticonvulsivantes, mesmo sendo prescritos com o objetivo
de diminuir a hiperatividade neuronal (característica do zumbido), as evidências que sustentam seu uso nessa
situação possuem alto risco de viés e os efeitos positivos demonstrados são de significado clínico duvidoso.54
Já os ansiolíticos (como os benzodiazepínicos), por sua vez, até obtiveram alguma melhora com o alprazolam
sobre o incômodo do ruído, porém mais estudos são necessários para se confirmar um real benefício.55
Há várias outras substâncias propostas para se aliviar esse sintoma, como esteroides intratimpâ-
nicos, Ginkgo biloba, melatonina, zinco, vitaminas do complexo B e tantos outros suplementos dietéticos,
mas, de fato, ainda não se tem nenhuma droga aprovada pela FDA (Food and Drug Administration) para o
tratamento do zumbido.

6.4 TERAPIA COM ESTIMULAÇÃO MAGNÉTICA TRANSCRANIANA


Mais recentemente, começou-se a explorar uma outra abordagem para a melhoria dessa condição: a
estimulação magnética transcraniana repetitiva (EMTr). Basicamente, uma bobina envia breves pulsos magnéti-
cos através do crânio em direção a áreas específicas do cérebro com o objetivo de reduzir a atividade excessiva
nessas regiões. É um método não invasivo e praticamente sem efeitos colaterais. Essa prática já é usada para o
tratamento de outros distúrbios, como depressão e dor crônica, mas para o zumbido ainda não é totalmente
estabelecida. Apesar de mais estudos ainda serem necessários, bons resultados já foram obtidos com a EMTr,
sobretudo quando tanto o córtex auditivo primário quanto o pré-frontal dorsolateral são estimulados.56

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como foi discutido, o zumbido é um sintoma que afeta boa parcela da população, podendo ser
muito angustiante. Nos últimos anos, foram feitos avanços expressivos na compreensão de sua fisiopatolo-
gia, entretanto, ela ainda permanece um tanto obscura. Sabe-se que esse som fantasma está relacionado à
perda de audição e que a redução da entrada sonora promove alterações na plasticidade neural, resultando
em hiperatividade das vias auditivas centrais (sobretudo dos neurônios do núcleo coclear dorsal). Existe uma
associação com áreas não auditivas, como o sistema límbico, o que contribui para a valência emocional nega-
tiva atribuída pelo paciente ao sintoma. No manejo e tratamento, apesar de não existir cura, o quadro pode
ser melhorado a ponto de se viver sem nenhuma aflição na presença do zumbido.

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A cada ano que passa, novas propostas fisiopatológicas para o sintoma são estudadas, o que, no
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futuro, resultará em aprimoramento terapêutico, de forma que possa ser ofertada a reabilitação mais per-
sonalizada possível para cada paciente, de acordo com as características do seu próprio zumbido. O foco
também deve ser direcionado para as regiões não auditivas, as quais parecem, cada vez mais, possuir papel
importante na gravidade do quadro.

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190
Capitulo X

ESTADO VEGETATIVO E OUTROS


DISTÚRBIOS DE CONSCIÊNCIA
Henrique Souza Camoiço
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO

Devido aos progressos da medicina moderna, sobreviver a injúrias severas no sistema nervoso cen-
tral é cada vez mais comum e viável. Entretanto, a incidência de traumatismos cranianos também cresceu
nas últimas décadas. Em geral, eles são resultantes de acidentes no trânsito e contribuem para o aumento
do número de pacientes com distúrbios de consciência. Aqui, a taxa de erro no diagnóstico beira 43%, de
modo que muitos pacientes, mesmo com funções cognitivas remanescentes, recebem diagnóstico de estado
vegetativo.1 Ademais, dilemas inerentes à prática médica e aos seus aspectos éticos e legais emergem diante
de indivíduos em estado vegetativo ou em estado mínimo de consciência. Como abordar a dor nesses pacien-
tes? Como proceder com a retirada do suporte de vida nesses casos? Como discernir entre as vontades do
paciente e os desejos da família? Como evitar a distanásia? A resposta adequada em cada situação particular
depende da compreensão técnica do assunto. Assim, este capítulo tem por objetivo sintetizar as informações
já consagradas à luz das neurociências, bem como divulgar recentes descobertas sobre o estado vegetativo e
o estado mínimo de consciência.

2 ANATOMOFISIOLOGIA DA CONSCIÊNCIA

A consciência constitui um estado de pleno conhecimento acerca de si próprio e do ambiente.


Compreende a capacidade de se reconhecer a realidade e interagir com ela. Pode ser fracionada em dois
componentes: o conteúdo e o nível da consciência.
O conteúdo da consciência representa o “sumo” de todas as funções corticais superiores que são
as atribuições cognitivas e emocionais de um ser humano. Lesões circunscritas a áreas específicas do córtex
cerebral geram déficits específicos, como: afasia (deficiência na expressão e/ou na compreensão linguística),
apraxia (incapacidade de realizar sequências de movimentos com propósito) e agnosia (incapacidade de
reconhecer objetos ou símbolos).
Por sua vez, o nível de consciência consiste no grau de vigilância do indivíduo, que é regulado pela
Formação Reticular Ativadora Ascendente (FRAA), em associação com projeções talâmicas e com o córtex
cerebral.2 Esse conjunto denomina-se Sistema Ativador Reticular Ascendente (SARA).3

191
Tópicos em Neurociência Clínica

Figura 1 – Sistema Ativador Reticular Ascendente (SARA). A Formação Reticular Ativadora Ascendente (FRAA) – regu-
ladora do nível de consciência – localiza-se em toda a extensão do tronco encefálico. A associação entre FRAA e suas
projeções talâmicas e corticais compõe o sistema ativador reticular ascendente (SARA).
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.

A FRAA também é responsável pela manutenção do ciclo sono-vigília, em associação com outras
áreas do sistema nervoso central, como a glândula pineal, produtora de melatonina (indutor do sono) e o
hipotálamo, que sintetiza a orexina (estimulador da vigília). Danos à porção rostral do tronco cerebral que
atinjam a FRAA ou suas projeções talâmicas implicam em perda de consciência.3
A FRAA abrange diversos grupos neuronais dispostos no tronco encefálico e em outras regiões do
encéfalo, como:

• Locus coeruleus (neurônios noradrenérgicos);


• Núcleos da rafe (neurônios serotoninérgicos);
• Núcleos pedunculopontino e tegmentar laterodorsal (neurônios colinérgicos);
• Núcleo tuberomamilar no hipotálamo (neurônios histaminérgicos).3

Em condições fisiológicas, a ativação da FRAA produz padrões eletroencefalográficos típicos da vi-


gília, representados por ondas de alta frequência e baixa amplitude, como as ondas α e β. Caso haja lesão
na formação reticular, o padrão eletroencefalográfico muda para parâmetros semelhantes aos das condições
de sono profundo, com ondas de baixa frequência e alta amplitude (ondas θ e δ). É importante salientar que
não ocorre o padrão isoelétrico característico da morte encefálica, isto é, ausência de atividade elétrica. Con-
sequentemente, ainda que o paciente não demonstre consciência, existe atividade cerebral remanescente.
Dessa forma, atribui-se ao eletroencefalograma caráter complementar à identificação de distúrbios de cons-
ciência, viabilizando a distinção entre esses distúrbios e a morte encefálica.3

192
3 ESTADOS DE ALTERAÇÃO DA CONSCIÊNCIA

Tópicos em Neurociência Clínica


Estar apto a responder de forma adequada ao ambiente, reconhecendo a si próprio e ao meio,
configura estado de atenção e vigilância. Qualquer modificação dessa condição, seja em nível ou conteúdo,
qualifica alteração da consciência. Em geral, tais perturbações transcorrem com prejuízo da atenção e da
responsividade dos indivíduos.4
Condições agudas de alteração da consciência não são prolongadas, tampouco permanentes. Por
outro lado, condições crônicas, como o estado vegetativo persistente e o estado mínimo de consciência,
designam quadros sustentados de prejuízo à vigilância, que, via de regra, denotam cenários mais severos.4

3.1 ESTADOS AGUDOS DE ALTERAÇÃO DA CONSCIÊNCIA


As alterações do nível da consciência podem ser qualitativamente subdivididas em: sonolência,
obnubilação/torpor e coma.
Considera-se sonolência a alteração na qual o indivíduo apresenta redução branda no grau de vigi-
lância, mostrando-se letárgico, lentificado e adormecendo espontaneamente, se deixado sozinho.
O estado de obnubilação/torpor designa uma condição de significativa redução no grau de vigilân-
cia. A interação com o ambiente torna-se mínima, ao passo que a responsividade se dá apenas por meio de
estímulos vigorosos ou contínuos. O paciente não tem discurso, nem mesmo discurso confuso, restringindo-
-se sua verbalização a gemidos, ou palavras isoladas.4
O coma, por definição, compreende um estado de inconsciência, ou seja, um estado no qual o
paciente permanece irresponsivo e alheio ao ambiente. Distintamente do sono profundo, em que a pessoa
pode ser despertada mediante estímulo sensorial ou de outra natureza, no coma, o indivíduo não apresenta
resposta verbal alguma, mesmo por força de estímulos intensos. Pode haver respostas reflexas a estímulos
dolorosos, porém, a pessoa não é capaz de localizá-los, tampouco, de executar qualquer movimento defen-
sivo ou evasivo.4
A etiologia do rebaixamento do nível de consciência pode variar, indo de lesões supra ou infraten-
toriais às causas metabólicas, farmacológicas e hidroeletrolíticas, dentre outras. A instauração de um quadro
comatoso, em geral, indica prejuízo dos mecanismos de manutenção da consciência, isto é, da SARA. O coma
não é um estado permanente, evoluindo no curso de dias a semanas para o óbito, ou para a recuperação total
ou parcial da consciência, ou para o estado vegetativo ou de consciência mínima.4

3.2 ESTADO VEGETATIVO


O estado vegetativo consiste em um quadro clínico em que o paciente, mesmo quando desperto
e permanecendo de olhos abertos, não mostra evidências comportamentais, nem fisiológicas de atividade
cortical ou de funções cognitivas. Ele é incapaz de exibir respostas sustentadas, reproduzíveis, propositais ou
voluntárias a estímulos visuais, auditivos e, até mesmo, dolorosos. Verifica-se incontinência urinária e fecal;
o ciclo sono-vigília, assim como os reflexos do tronco encefálico (nervos cranianos) e os reflexos medulares
estão preservados.
A denominação “estado vegetativo persistente”, cunhada na década de 1970 para designar tal
condição, parte do princípio de que tais pacientes, ainda que destituídos de consciência, são capazes de
manter a homeostasia interna e as funções vegetativas, ainda que necessitem de suporte de aparelhos e
de assistência médica.5
No entanto, a palavra “vegetativo”, ao invés de remeter ao conceito de sistema nervoso autônomo,
consolidou-se pejorativamente com o sentido de “semelhante a um vegetal”, desqualificando a pessoa nessa
condição. Por sua vez, a palavra “persistente”, idealizada com a finalidade de denotar a característica crônica

193
desse estado, é erroneamente interpretada como “permanente”, corroborando para a estigmatização do
Tópicos em Neurociência Clínica

quadro. Por essa razão, atualmente, prefere-se o uso do termo Unresponsive Wakefulness Syndrome (UWS)–
síndrome da vigília irresponsiva, em tradução livre.6
Outras terminologias já foram tentadas para substituir a expressão “estado vegetativo”, mas sem
sucesso. A literatura médica já o denominou “síndrome apálica”, que indica a ausência de atividade cortical.
Entretanto, esta denominação é ambígua e pode ser confundida com distúrbios focais, associados a con-
teúdos e funções específicas, como afasia e agnosia. Outra expressão também utilizada foi “coma vigil”. No
entanto, por razões semânticas, o termo caiu em desuso, dado que os conceitos de coma e vigilância são
aparentemente contraditórios. Além disso, o termo era empregado para designar condições psiquiátricas,
como o mutismo acinético.5
Em 1994, baseada em extensos estudos clínicos, a Sociedade de Força-Tarefa do Estado Vegetativo
Persistente/ Síndrome da Vigília Irresponsiva (Multi Society Task Force on the PVS/UWS) convencionou cri-
térios temporais para a determinação da irreversibilidade do estado vegetativo. Assim, em lesões de origem
traumática, o período estabelecido foi de um ano. Aqui, a principal causa é a lesão axonal difusa, que con-
siste na ruptura dos axônios cerebrais, quando submetidos à aceleração e desaceleração bruscas, como no
contexto de um acidente automobilístico. Para casos não-traumáticos, cuja etiologia mais prevalente é a en-
cefalopatia hipóxico-isquêmica (por exemplo, após parada cardiorrespiratória ou intoxicação por monóxido
de carbono), estabeleceu-se o intervalo de três meses. Decorrido esse período, a reversão do quadro não é
impossível, porém, improvável.7 Contudo, evidências mais recentes se contrapõem a tal consenso. A recupe-
ração da responsividade e da consciência em pacientes que permaneceram em estado vegetativo por longos
períodos não é mais vista como exceção.8 Inclusive, há relatos de recuperação após mais de 19 meses em
estado vegetativo.8,9 Em outras palavras, o princípio de que o estado vegetativo se torna permanente depois
de um determinado intervalo de tempo vem sendo contestado por meio de diversos casos de recuperação
tardia.8-10 Pacientes jovens em estado vegetativo devido a razões traumáticas possuem estatisticamente me-
lhor prognóstico. Entretanto, a evolução dos recursos de terapia intensiva melhorou consideravelmente a
recuperação também dos casos de etiologia não-traumática8.

3.3 ESTADO DE CONSCIÊNCIA MÍNIMA


O estado de consciência mínima (ou estado mínimo de consciência) configura uma condição na qual
pacientes, mesmo com considerável prejuízo do nível de vigilância, apresentam alguma evidência de estarem
cientes de si próprios ou do ambiente. O indivíduo exibe condutas que sugerem a presença mínima de cons-
ciência, tais como obedecer a comandos simples, expressar respostas verbais ou gestuais básicas (sim/não),
manifestar verbalização inteligível ou executar ações dotadas de propósito. Ainda que tais comportamentos
sejam inconsistentes, eles são reproduzíveis e sustentados, o que nos autoriza a discerni-los de atitudes refle-
xas. Dessa forma, é possível distinguir o estado vegetativo do estado mínimo de consciência.11
Em alguns casos, os indícios de atividade cognitiva são tão sutis ou limitados que podem con-
duzir a erros diagnósticos, caso não seja efetuado um adequado exame do paciente. Há situações em que
se manifesta somente uma única atitude indicativa de vigilância. As flutuações no nível de consciência no
decorrer do tempo demandam avaliação do quadro clínico em diferentes ocasiões, a fim de se evitarem
erros ao estabelecer o diagnóstico.12 Trata-se de um tópico relevante, pois indivíduos em estado mínimo de
consciência possuem prognóstico mais promissor em termos de sobrevivência e recuperação da capacidade
funcional do que aqueles em estado vegetativo.13 A demonstração da diferença da atividade cerebral em
exames de neuroimagem funcional entre sujeitos em estado vegetativo e em estado mínimo de consciência
ratifica o nível de vigilância como forte fator preditivo de prognóstico.14, o que tem implicações de cunho
médico, ético e legal.12

194
Recentemente, a fim de se incrementar o diagnóstico do estado mínimo de consciência, propôs-se

Tópicos em Neurociência Clínica


sua subdivisão em MCS- e MCS+ (sendo MCS a sigla de Minimally Conscious State). Os critérios para MCS+
seriam a demonstração de comportamentos relativamente mais complexos, tais como obedecer a ordens
simples, expressar respostas verbais ou gestuais básicas (sim/não), ou exibir verbalização inteligível. Por sua
vez, o MCS- seria caracterizado pela presença de atitudes simples, porém não reflexas, como por exemplo, a
localização de estímulos nociceptivos, a fixação visual e a observação de ações que denotam ciência acerca do
ambiente – interação com objetos, com estímulos visuais ou auditivos ou reações emocionais. Contudo, essa
distinção baseia-se em aspectos clínicos e ainda aguarda estudos posteriores com a finalidade de determinar
seu substrato neurobiológico e sua utilidade clínica (poder preditivo de prognóstico).15 Alguns estudos, po-
rém, já constataram que sujeitos em MCS+ exibem desfechos mais promissores do que aqueles em MCS- ou
em estado vegetativo.15,16
A recuperação do estado mínimo de consciência para uma condição com maior nível de vigilância
abrange a retomada de funções sensoriais, perceptivas, cognitivas e emocionais, as quais não se restauram
necessariamente de forma concomitante. Embora esteja claro que a terapia de neurorreabilitação seja im-
prescindível, não há protocolos padronizados para o tratamento de indivíduos em estado vegetativo, ou em
estado mínimo de consciência.7,11

Coma

Estado vegetativo

Estado mínimo de consciência (MCS-)

Estado mínimo de consciência (MCS+)

Emergência do estado de mínima consciência

Figura 2: Progressão da recuperação em distúrbios do nível de consciência.


Fonte: Própria do autor.

3.4 SÍNDROME DO ENCARCERAMENTO


A síndrome do encarceramento ou síndrome do cativeiro (Locked-in Syndrome) constitui-se no estado
de perda das eferências motoras, causada por lesão na porção ventral da ponte, por onde atravessam as fibras
do trato piramidal. Trata-se de uma condição de paralisia de todos os membros, bem como dos pares cranianos,
com preservação apenas dos movimentos oculares verticais e do ato de piscar. Entretanto, o paciente permane-
ce plenamente consciente, com manutenção de todas as funções sensitivas, cognitivas e afetivas.4,17
A abordagem médica dos pacientes nessa condição é um desafio à prática clínica. A comunicação
pode se estabelecer por meio de perguntas simples, com respostas “sim” e “não” convencionadas por movi-
mentos oculares e pelo uso de tabelas com alfabetos ou, ainda, por meio de ferramentas digitais capazes de
reconhecer padrões de movimento ocular. Deve-se manter terapia de suporte, incluindo a administração de
analgésicos (para controle da dor) e antibióticos, bem como a prática de fisioterapia e controle nutricional,
com o intuito de prezar pela qualidade de vida. O retorno das funções motoras, porém, é improvável.18

195
Tabela 1: Comparação entre os diferentes aspectos dos distúrbios de nível da consciência.
Tópicos em Neurociência Clínica

estado estado de Síndrome do


condição coma
vegetativo consciência mínima encarceramento
Consciência Ausente Ausente Parcial Presente
Ciclo
Ausente Presente Presente Presente
sono-vigília
Variável, com preser- Preservação dos reflexos
Localização de estímulo
vação dos reflexos do do tronco encefálico.
função doloroso, interação com
tronco encefálico a Retirada a estímulos Quadriplegia
motora objetos e movimentos
depender do grau do dolorosos e movimentos
dotados de objetivo
coma não propositais
Localização do som e
função Resposta Reação a sons inespera-
compreensão inconsis- Preservada
auditiva ausente dos e vaga localização
tente de comandos
Reação a estímulos ines- Pode haver fixação e
Função
Resposta ausente perados e vaga fixação perseguição visuais Preservada
visual
visual sustentadas
Afonia e anartria, po-
Verbalização e expres- rém com possibilidade
Expressão
Comunicação Expressão ausente são gestual inconsisten- de interação através de
ausente
te, porém inteligível movimentos verticais
dos olhos e piscamento
Expressão Expressão reduzida, ou
Emoção Expressão ausente Preservada
ausente ausente

Fonte: Própria do autor.

4 FERRAMENTAS DIAGNÓSTICAS

Identificar e avaliar distúrbios de consciência são um desafio, pois a vigilância não é ainda uma
grandeza quantificável por um aparelho, mas apenas passível de observação clínica. Escalas e escores fo-
ram assim elaborados na tentativa de padronização dos dados clínicos, destacando-se a Escala de Coma
de Glasgow (ECG), a Escala FOUR (Full Outline of UnResponsiveness), a Escala WHIM (Wessex Head Injury
Matrix) e a Escala de Recuperação do Coma Revisada (CRS-R). Já os exames complementares não-invasi-
vos— como o eletroencefalograma (EEG) e os estudos de neuroimagem— possibilitam a análise da função
cerebral do paciente.

4.1 ESCALA DE RECUPERAÇÃO DO COMA REVISADA (CRS-S)


Estudos sugerem que a melhor escala para avaliação dos distúrbios de consciência – e que possibi-
lita diferenciar entre os estados vegetativo e de mínima consciência – é a Escala CRS-R.15, 19, 20 Concebida em
meados de 1992 e revisada após 12 anos, esse instrumento tem se mostrado sensível e replicável. Conforme
se observa na Tabela 2, é constituído por 25 itens, subdivididos em classes que abrangem as capacidades
visuais, auditivas, motoras, oromotoras e comunicativas, bem como o grau de atenção. As menores pontua-
ções indicam atividade reflexa e os maiores escores apontam comportamentos mediados pela presença de
consciência (estado de mínima consciência ou superior).19

196
Tabela 2: Coma Recovery Scale – Revised (CRS-R)11, 21

Tópicos em Neurociência Clínica


Coma Recovery Scale - Revised (CRS-R)
4 – Movimentação consistente a comando*
3 – Movimento reproduzível a comando*
Função auditiva 2 – Localização sonora
1 – Resposta a estímulo de sobressalto
0 – Nenhuma

5 – Reconhecimento de objetos*
4 – Localização de objetos*
3 – Perseguição visual*
Função visual
2 – Fixação*
1 – Resposta a estímulo de sobressalto
0 – Nenhuma

6 – Uso funcional de objetos¨


5 – Resposta motora automática*
4 – Manipulação de objeto*
Função motora 3 – Localização de estímulo nociceptivo*
2 – Flexão de retirada
1 – Postura anormal (de extensão ou flexão)
0 – Nenhuma (flácido)

3 – Verbalização inteligível*
2 – Vocalização/movimento oral
Função oromotora/verbal
1 – Movimento oral reflexo
0 – Nenhum

3 – Orientado¨
2 – Funcional*
Função comunicativa
1 – Não funcional
0 – Nenhuma

3 – Alerta
2 – Olhos abertos sem estimulação
Nível de atenção
1 – Olhos abertos com estimulação
0 – Olhos permanecem fechados

* Indica estado de consciência mínima.


¨ Indica emergência do estado de consciência mínima.

Vale ressaltar que indivíduos em estado mínimo de consciência podem ter oscilações em sua
condição clínica. Dessa forma, a CRS-R deve ser aplicada em diferentes ocasiões. Ademais, o examinador
também exerce papel importante no processo diagnóstico. Interpretações, ou observações errôneas e viés

197
de expectativa podem obstruir a correta avaliação do paciente. De igual modo, o conhecimento acerca de
Tópicos em Neurociência Clínica

condições de diagnóstico diferencial, como a síndrome do encarceramento e quadros psiquiátricos, reduz a


chance de falha diagnóstica, que, nos distúrbios da consciência, chega a 43%.1,22

4.2 ELETROENCEFALOGRAMA
O eletroencefalograma (EEG) é uma notável ferramenta diagnóstica por ser um exame não inva-
sivo, de baixo custo operacional e que permite observar a atividade cerebral por longos períodos. É sabido
que o padrão eletrofisiológico de uma pessoa desperta, em geral, é de ondas α e β (alta frequência e baixa
amplitude). Em contrapartida, ondas θ e δ (baixa frequência e alta amplitude) predominam durante o sono
profundo e o coma.3 Em distúrbios da consciência, existe atividade cortical remanescente, distintamente do
perfil isoelétrico característico da morte cerebral.
O EEG, que pode ser realizado à beira leito, possibilita identificar a presença de consciência em in-
divíduos incapazes de obedecer aos comandos motores, como acontece no estado vegetativo, no estado de
mínima consciência e na síndrome do encarceramento. O monitoramento do paciente por longos períodos
minimiza as interferências das flutuações no grau de vigilância. A diferença entre os padrões eletrográficos do
estado vegetativo e do estado de mínima consciência pode corroborar o diagnóstico diferencial. No entanto,
o método tem suas limitações, como a presença de artefatos e a resolução espacial, sendo de caráter com-
plementar à avaliação clínica e aos exames de neuroimagem.23
No EEG, o estado mínimo de consciência apresenta maiores oscilações eletrográficas do que
o estado vegetativo, além da prevalência dos padrões α e θ. Foi sugerido que a maior prevalência de
ondas θ no estado de mínima consciência se dê graças às conexões frontoparietais em atividade.24 Em
um estudo de coorte conduzido na França, em 2014, 24 o EEG possibilitou a reclassificação de pacientes
previamente tidos como em estado vegetativo, enquadrando-os como minimamente conscientes em
33% dos casos avaliados. 24

4.3 NEUROIMAGEM
Os exames de neuroimagem estrutural— tomografia computadorizada e ressonância magnética
nuclear— são importante ferramenta diagnóstica nos casos de distúrbios da consciência, especialmente para
avaliação de lesões estruturais (traumatismo, acidentes vasculares, encefalites, hipóxia, etc.) 25
Exames mais onerosos e demorados, mais frequentemente usados em pesquisa, são aqueles de
neuroimagem funcional, como a ressonância magnética nuclear funcional (RMNf) e a tomografia por emissão
de pósitron (PET), utilizando-se fluorodeoxiglicose marcada com flúor radioativo (FDG-PET) como medida
indireta da atividade sináptica neural.
Em indivíduos em estado vegetativo ocorre diminuição significativa na captação de fluorodeoxigli-
cose com redução do metabolismo cerebral basal para cerca de 40% dos valores normais26. Em contraste,
pacientes com MCS têm 50-70% da atividade cerebral preservada. De acordo com um estudo de validação
clínica, executado em 2014, verificou-se que a sensibilidade do FDG-PET foi de 93% na identificação de pa-
cientes em MCS, ao passo que o acerto na determinação do prognóstico de recuperação da vigilância acon-
teceu em 74% dos casos.27
Em estudo com estimulação, os pacientes em estado vegetativo apresentaram, durante es-
tímulos somatossensoriais nocivos, ativação cerebral apenas no hipotálamo contralateral e no córtex
somatossensorial primário, enquanto indivíduos normais submetidos aos mesmos estímulos também
ativaram o córtex somatossensorial secundário, o córtex insular e o córtex cingulado anterior. Os autores
sugerem que, em pacientes em estado vegetativo, o córtex motor primário é isolado e dissociado dos
córtices associativos de ordem superior.22 Em outro estudo de ativação de 15O-PET, que usou estímulos

198
auditivos, tanto os pacientes com MCS quanto os controles saudáveis exibiram ativação bilateral nos

Tópicos em Neurociência Clínica


giros temporais superiores (áreas de Brodmann 41, 42 e 22), o que foi interpretado como evidência da
presença de processamento sensorial de ordem superior necessária para a percepção consciente. Em
contraste, nos pacientes em estado vegetativo persistente, a ativação foi limitada às áreas de Brodmann
41 em ambos os hemisférios.23
A RMNf, por sua vez, emprega as variações no fluxo cerebral local como correlato do nível de ativi-
dade cerebral. A comparação de imagens em repouso com aquelas obtidas após um determinado estímulo/
ou tarefa proporciona a análise das regiões corticais ativadas pelo estímulo/tarefa em questão. Dessa ma-
neira, determinam-se quais locais do cérebro mantém sua função preservada no caso de um distúrbio da
consciência.28 Por intermédio da RMNf notam-se consideráveis diferenças neurofisiológicas entre indivíduos
em MCS+ e MCS-.29
Como a concentração de oxigênio no sangue se correlaciona com a atividade sináptica, a RMNf
pode mapear o nível de atividade de diferentes regiões do cérebro, medindo seu sinal dependente do
nível de oxigenação do sangue (BOLD). A RMNf em estado de repouso é capaz de quantificar a conec-
tividade entre diferentes áreas do cérebro e revelar várias redes, isto é, áreas que trabalham juntas de
forma síncrona durante o descanso, ou durante a realização de atividades específicas. Durante essas
investigações, o Default Mode Network (DMN) tornou-se um grande foco de interesse. O DMN é comu-
mente definido como um conjunto de áreas corticais mediais, incluindo o córtex cingulado posterior,
o precuneus e o córtex pré-frontal medial ventral, que é mais ativo quando os indivíduos estão em re-
pouso (vagando mentalmente, sonhando acordados, recordando conteúdos da memória autobiográfica,
meditando, ou imaginando o futuro), e não quando estão envolvidos em tarefas que exigem atenção ao
mundo exterior. Em indivíduos saudáveis, o DMN é caracterizado por alto metabolismo e alta conecti-
vidade funcional durante o estado de repouso e pela desativação durante a execução de tarefas orien-
tadas a objetivos.30 Significativamente, os pacientes em estado vegetativo demonstraram ter atividade
e conectividade diminuídas no DMN. Além disso, a força da conectividade do DMN foi considerada um
preditor de recuperação da consciência.14
Usando uma tarefa de escuta passiva de frases, Crone et al.31 verificaram que a desativação do DMN
durante o processamento da fala estava ausente em pacientes em estado vegetativo e reduzida em pacientes
com MCS em comparação com controles saudáveis. Os autores interpretaram esse achado como evidência
da ausência ou redução da capacidade de interromper processos introspectivos para processar consciente-
mente estímulos externos. Além disso, eles propuseram que a desativação do DMN poderia servir como um
marcador da gravidade do comprometimento da consciência.
Um avanço foi o muito discutido estudo de Owen et al.,28 em que uma mulher de 23 anos com
diagnóstico de estado vegetativo foi escaneada enquanto era solicitada a se imaginar jogando tênis ou se
movimentando pela casa. Surpreendentemente, essa paciente foi capaz de mostrar durante essas tarefas
padrões de ativação cerebral semelhantes aos de controles saudáveis. Nos anos seguintes, outros estudos
puderam replicar esses achados. Essas observações ressignificaram a compreensão da consciência e levaram
à proposta de um novo diagnóstico: a dissociação cognitivo-motora, também denominada síndrome do en-
carceramento funcional. Isso se refere à situação aparentemente paradoxal em que o paciente não apresenta
respostas comportamentais propositais, mas exibe, por neuroimagem, padrões de ativação cerebral compa-
tíveis com a capacidade de processamento cognitivo superior.32
Um estudo de Fernández-Espejo et al.33 propôs uma explicação neural para a dissociação cognitivo-
-motora. Avaliando 15 voluntários saudáveis e 2 pacientes, eles foram capazes de identificar com uma com-
binação de métodos de neuroimagem (RMNf e tractografia) que as conexões eferentes do tálamo ao córtex
motor primário eram essenciais para a execução motora, mas não para a imagética motora. O paciente em

199
estado vegetativo com dissociação cognitivo-motora apresentou dano estrutural seletivo nas fibras da subs-
Tópicos em Neurociência Clínica

tância branca que conectam o tálamo e o córtex motor primário bilateralmente, enquanto um paciente em
situação clínica semelhante, mas capaz de seguir comandos comportamentais teve essas vias preservadas.
No entanto, este tema continua a ser um assunto para futuras investigações.
Apesar de excitante e promissor, o uso de neuroimagem na prática clínica ainda é problemático.
Esses métodos são caros e pouco disponíveis, sendo em sua maioria restritos a centros de pesquisa. Eles tam-
bém exigem processamento estatístico muito sofisticado e que consome muito tempo. São, além disso, muito
sensíveis a artefatos de movimento, sendo que pacientes com distúrbios de consciência podem apresentar
movimentos involuntários que distorcem as imagens. Existem também questões técnicas ainda debatidas,
como, por exemplo, o fato de que, durante o processamento dos dados, as imagens de cérebros individuais
são adaptadas para se adequarem a mapas anatômicos padronizados, mesmo que cérebros gravemente feri-
dos tenham sua anatomia distorcida. Esses desafios estão sendo abordados por meio da implementação de
estudos de sujeito único,34 pois, neste caso, o cérebro do paciente não será comparado a um cérebro saudá-
vel. Ademais, as tarefas necessárias para a neuroimagem podem ser muito exigentes cognitivamente para
alguns pacientes, outros podem ter problemas sensoriais (como audição ou perda de visão), o que os impede
de entender a tarefa. Também os pacientes com distúrbios de consciência apresentam grandes oscilações
em seu estado de vigília. Todos esses fatores são motivos para achados falso-negativos, que podem levar à
subestimação das reais capacidades do paciente.

5 ABORDAGEM DA DOR

Define-se como dor toda experiência sensorial ou emocional desagradável, associada à lesão real
ou potencial de tecidos corporais. A dor consiste em um mecanismo evolutivo que promoveu a sobrevivência
de determinadas espécies, visto que possibilita orientação e reação acerca de estímulos nocivos.35 O controle
da dor em pacientes com distúrbios de consciência é essencial à abordagem terapêutica. Embora se trate
de uma sensação subjetiva, a incapacidade de comunicação dos indivíduos não impede a administração de
adequado tratamento.
A fim de assimilar o modo como proceder com a dor, é fundamental revisar brevemente seu meca-
nismo sensorial. Os estímulos dolorosos são percebidos por terminações livres e receptores dispostos pelo
corpo, em um processo denominado transdução – transformação do estímulo em impulso nervoso. Tal im-
pulso é transmitido à medula pelos nervos espinhais. A raiz posterior desses nervos conecta-se ao corno pos-
terior da medula, onde ocorre a modulação do estímulo, que é mediada por neurotransmissores (portão da
dor/substância gelatinosa). Em seguida, através do sistema anterolateral da medula (trato espinotalâmico),
o impulso ascende até o tálamo, onde já é percebido como desagradável/nocivo, porém a discriminação do
tipo e da localização da dor só é estabelecida pelo córtex.35
O estado mínimo de consciência pressupõe atividade cortical considerável, a ponto de haver com-
portamentos que denotam vigilância, ainda que de modo volátil e inconsistente. Diante disso, infere-se que
os indivíduos nesse estado têm consciência da dor, o que é reiterado por estudos de neuroimagem, que de-
monstram que as áreas corticais ativadas pela dor são semelhantes em pessoas normais e nas minimamente
conscientes, sugerindo a integridade de circuitos neurais de processamento sensorial.36

200
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 3 – Mecanismo de percepção da dor. Diagrama mostra o percurso do estímulo doloroso, que se propaga até
o cérebro na forma de impulso nervoso, cuja intensidade é modulada por neurotransmissores do corno posterior da
medula espinal, antes de seguir pelo trato espinotalâmico para o tálamo e o córtex, onde é percebido e discriminado
como nociceptivo.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.

Por outro lado, pacientes em estado vegetativo manifestam atividade cortical mínima. Nesses casos,
o estímulo nociceptivo é transmitido ao tálamo, todavia, provavelmente não ocorre a experiência dolorosa
consciente, uma vez que esta depende do córtex. No entanto, dada a linha tênue entre o estado vegetativo e
o estado mínimo de consciência e a possibilidade de erros diagnósticos, na prática clínica, não se deve inferir
que um paciente, ainda que irresponsivo, não tenha experiência consciente de dor.36
Embora a comunicação esteja grandemente reduzida nos distúrbios de consciência, é possível de-
tectar reações reflexas aos estímulos nociceptivos, graças à preservação das funções autonômicas do sistema
nervoso. Sinais, como taquicardia, taquipneia e, até mesmo, expressões faciais indicam a presença de estímu-
lo nociceptivo, mesmo com prejuízo de consciência acerca da dor. Além dos sinais físicos, diversos escores e
escalas foram desenvolvidos especificamente para facilitar a avaliação da dor: NCS (Nociception Coma Scale),
PAINAD (Pain Assessment In Advanced Dementia Scale), NIPS (Neonatal Infant Pain Scale), FLACC (Faces,
Legs, Activity, Cry, Consolability pain assessment tool) e CNPI (Checklist of Non-verbal Pain Indicators). Essas
escalas viabilizam a classificação dos pacientes quanto ao grau de sensibilidade à nocicepção, orientando a
propedêutica acerca do controle da dor.37
Tendo esses referenciais, a conduta médica na terapia de restrição da dor deve ser ampla. Lesões
traumáticas, como fraturas e traumas intra-abdominais, podem originar dor, bem como a realização de cirurgias
e inserção de tubos e sondas. Assim, recomenda-se em distúrbios da consciência profilaxia analgésica, tanto
farmacológica quanto não farmacológica. Sob a óptica não farmacológica, a fisioterapia, a nutrição adequada, a
higiene regular, o controle de excretas (sondagem vesical e rotina intestinal) e os cuidados de enfermagem são
indispensáveis, pois podem prevenir e/ou regular a dor. Do ponto de vista farmacêutico, deve-se ressaltar que
existem drogas que podem modificar o nível de vigilância do sujeito, mascarando alguns sinais que nos orientam

201
no diagnóstico correto. Entretanto, prevalece a gradação analgésica clássica: primeiramente, anti-inflamatórios
Tópicos em Neurociência Clínica

não-esteroidais (AINES),para dores leves; opioides fracos associados a AINES para intensidades intermediárias;
opioides, anticonvulsivantes e outras drogas atípicas em condições acentuadas e/ou crônicas.36

6 QUESTÕES ÉTICAS E LEGAIS

Pacientes em coma, estado vegetativo ou estado mínimo de consciência invariavelmente necessi-


tam de suporte básico à vida, sobretudo no que tange à nutrição e à hidratação assistida. A manutenção ou a
retirada desse suporte representa pauta de acalorada discussão nos meios jurídico, médico, filosófico e social.
No que diz respeito ao estado vegetativo, a questão mais emblemática envolve a maneira como
tais indivíduos devem ser tratados. Tal impasse abrange diversas considerações, como questionamentos on-
tológicos sobre a morte (ou até que ponto a pessoa em estado vegetativo pode ser considerada “viva”), o
princípio da autonomia (interesse do paciente), desgaste emocional da família e da equipe médica, além do
ônus financeiro relativo à continuidade do suporte básico à vida.38
O princípio da autonomia do sujeito ganha respaldo do ponto de vista jurídico. Nesse contexto, é
necessário prezar pelo “melhor interesse do paciente”. Contudo, por estar inapto à comunicação, como saber
quais são os seus desejos? Ele prefere morrer por estar nessa condição, anseia pela eutanásia? Até que ponto
os interesses da família não ultrapassam os do indivíduo? Mantê-lo vivo por tempo indeterminado configu-
raria distanásia? Exceto nos casos em que haja testamento vital, explicitando tópicos acerca da condição em
que a pessoa se encontra – o que é raro –, isso é praticamente impossível de ser determinado, dado que o
“melhor interesse do paciente” pode ser interpretado parcial e subjetivamente em prol de um ponto de vista.
Daí, possíveis divergências podem implicar processos judiciais em relação à manutenção ou à suspensão do
suporte à vida. Essa situação causa grande desgaste emocional.
Sob a perspectiva da família, a rotina é alterada substancialmente. Visitas hospitalares tornam-se hábito
e, em alguns casos, as relações sociais podem se reduzir à equipe médica. Ademais, sensações dúbias podem vir
à tona: perpetuar obstinada e indeterminadamente o funcionamento dos aparelhos de suporte, crendo na possi-
bilidade de que o ente querido possa recuperar a consciência em algum momento, ou aceitar a perda do familiar,
estimando a paz e o descanso que a morte possa lhe conferir.39 Tal ambiguidade ficou nítida em um estudo britâni-
co de 2014, realizado por Holland et al.,38 com familiares de pessoas em estado vegetativo. Ao mesmo tempo em
que consideravam o indivíduo como “alguém que já estava morto”, houve momentos nas entrevistas que sugeriam
a percepção da sobrevivência do paciente, tratando-o como “alguém que ainda estava ali”. Essa oscilação variou
conforme a proximidade do familiar, sendo os entes mais próximos os que mais expressavam esperança.38,39
Sob a óptica da equipe multidisciplinar, a abordagem terapêutica dos indivíduos em estado ve-
getativo provou ser estressante. Em geral, pacientes nessa condição demandam acompanhamento clínico
prolongado e minucioso. A troca de médicos e enfermeiras é algo comum, sobretudo, quando há conflito de
interesses com a família. E mais, esses pacientes requerem cuidados constantes, o que implica na presença
de um cuidador. A expectativa e a cobrança da família, associadas à desvalorização salarial e ao estresse que
o profissional suporta corroboram para o alto índice de depressão entre a classe.39
Finalmente, no que se refere às finanças, a manutenção do suporte básico de vida a pacientes em
estado vegetativo é extremamente onerosa. Apenas nos Estados Unidos, em 2002, a projeção média de gas-
tos estimada para uma pessoa com lesão cerebral severa era de quase dois milhões de dólares.11 São poucas
as pessoas capazes de custear tais valores. Logo, os possíveis desfechos são: a suspensão dos aparelhos, ou
a judicialização de seus gastos, delegando-os aos cofres públicos. Tal fato até hoje gera embate em tribunais,
sobretudo nos países onde existe sistema público de saúde, como no Brasil e no Reino Unido.

202
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tópicos em Neurociência Clínica


Embora muito já se tenha desvendado sobre a fisiopatologia e o prognóstico dos estados de alteração
da vigilância, existem lacunas a serem preenchidas. Como é “produzida” a consciência? Como o cérebro funciona e
reage em condições crônicas de prejuízo à consciência? Qual substrato biológico determina ou não a recuperação
do estado vegetativo após longos períodos? São várias as dúvidas que ainda pairam sobre o pensamento humano.
Esses questionamentos não se restringem apenas às neurociências. Filosofia, sociologia, antropolo-
gia e até mesmo a informática – com seus modelos de redes neurais artificiais e de aprendizado de máquina
– podem contribuir para respostas.
A redução na taxa de erros diagnósticos é primordial. Mesmo diante das limitações inerentes ao
exame clínico nos distúrbios de consciência, observações minuciosas e reiteradas, feitas a partir de protoco-
los comprovadamente eficientes, como o CRS-R, são capazes de restringir as falhas.
Ademais, é importante aprimorar as terapias de controle da dor, pois, ainda que o grau de vigilância
esteja prejudicado, estímulos nociceptivos continuam a ser processados e podem ser interpretados como
dor, no caso de haver suficiente atividade cortical.
Finalmente, é necessário estabelecer um denominador comum entre familiares e a equipe multidis-
ciplinar, para se conduzirem de modo saudável os cuidados com o paciente, reduzindo desgastes emocionais
e físicos. Deve-se, sobretudo, prezar pela dignidade do doente, buscando sempre “seu melhor interesse”.

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204
Capítulo XI

DEMÊNCIA DO TIPO ALZHEIMER


Ana Elizabeth Siqueira Eleutério
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO

Estima-se que cerca de 50 milhões de pessoas no mundo apresentem síndromes demenciais e que
este número chegará a 152 milhões até 2050. Dentre elas, a Demência do tipo Alzheimer (DA) é a forma mais
prevalente.1-4 Seu principal fator de risco é a idade, de forma que suas taxas de prevalência dobram a cada 5
anos de vida a partir dos 60 anos e aproximadamente um terço da população mundial com 85 anos ou mais é
acometida.5-7 Estes dados tornam-se alarmantes tendo em vista o envelhecimento populacional. Hoje, o Brasil
apresenta 29,9 milhões de idosos, e a perspectiva é de que sejam 72,4 milhões, em 2100.6
Entre as pessoas idosas de todo mundo, a demência é uma das principais causas de incapacita-
ção e dependência. Ela afeta não somente o portador, que apresenta declínio progressivo de suas funções
cognitivas (memória, linguagem, funções executivas, orientação, compreensão, capacidade de aprendizado),
mas também seus familiares e cuidadores. Dada a relevância da DA, em 2013, o G8 – grupo dos oito países
mais ricos do mundo: EUA, Alemanha, Rússia, Canadá, Itália, França, Reino Unido e Japão – reconheceu a de-
mência como prioridade global e programou que a cura, ou uma terapia modificadora da doença deve estar
disponível até 2025.8 Sendo assim, fica evidente a importância de pesquisas e estudos relacionados a essa
doença enigmática e devastadora.
Este capítulo discorre sobre os aspectos neurobiológicos e clínicos da DA. Primeiramente, são apre-
sentados conceitos básicos, como definição, epidemiologia e critérios diagnósticos. Em seguida, aborda-se a
neurobiologia da DA, com enfoque nos processos de neurodegeneração e neuroinflamação. As alterações no
sono e a depressão, que comumente acompanham o quadro, são discutidas em relação às áreas acometidas
pelo processo de morte neuronal. Por último, são abordados os tipos de tratamento atualmente utilizados e
as perspectivas futuras.

2 DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

A demência pode ser descrita como uma síndrome de prejuízo progressivo de funções intelectuais
e cognitivas, podendo apresentar ainda mudanças comportamentais e de personalidade. Existem diferentes
tipos resultantes de uma variedade de processos fisiopatológicos subjacentes (DA, demência dos corpos de
Lewy, degeneração lobar frontotemporal, causas vasculares, entre outras).1,9 A DA é a forma mais comum,
correspondendo a 60-70% dos casos e apresentando característica neurodegenerativa.10
A doença foi descrita, pela primeira vez, em 1907, pelo psiquiatra alemão Alois Alzheimer, depois
de estudar sua paciente, Auguste Deter, de 51 anos. Quando foi admitida no hospital, em 1901, ela apre-
sentava ideias delirantes, dificuldade de nomeação, de compreensão oral e de escrita, déficit de memória,

205
desorientação no tempo e no espaço e prejuízo de sua autonomia. Após sua morte, em 1906, Alzheimer pôde
Tópicos em Neurociência Clínica

realizar estudos anatomopatológicos e analisar as alterações em seu encéfalo, descrevendo a presença de


placas senis extracelulares e o acúmulo de fibrilas no interior dos neurônios.
A DA inicia-se comumente com o acometimento das regiões do hipocampo e do sistema límbico,
áreas relacionadas com a aprendizagem e a memória.2 Ela pode ser dividida em estágios—inicial, intermediá-
rio e tardio—, entretanto, na prática, os sintomas em diferentes pacientes podem se apresentar em ordens
cronológicas distintas daquelas observadas na maioria.10
Os sintomas da DA podem ser divididos em cognitivos e comportamentais. Entre as funções cogni-
tivas, estão a memória, a linguagem, as funções executivas, o processamento perceptivo, as praxias, as habi-
lidades visuoconstrutivas, dentre outras. Clinicamente, o prejuízo de memória é um dos principais sintomas
iniciais, entretanto, existem formas atípicas que se iniciam sem perda de memória.
Os déficits cognitivos são característicos. O não reconhecimento dos familiares, as apraxias, as ag-
nosias, a desorientação no tempo e no espaço, a incapacitação para a realização de atividades simples do
cotidiano são sintomas frequentemente observados.9 Conforme a progressão da doença, o paciente pode
esquecer os propósitos de determinadas ações e de tarefas diárias, repetir as mesmas perguntas, e não con-
seguir executar atividades que exigem etapas (por exemplo, seguir uma receita).9
No início do quadro, enquanto ocorre perda dos conteúdos de memória recente, as memórias do
passado remoto são preservadas, mas estas últimas também são prejudicadas nas fases mais avançadas.
A apraxia caracteriza-se pela dificuldade ou incapacidade de realizar uma atividade gestual cons-
ciente e intencional. Pode-se destacar, na apraxia ideomotora, a dificuldade ou incapacidade de executar
gestos simples, permanecendo inalteradas a atividade automática e a ideia do ato a ser realizado. Por exem-
plo, ao solicitar ao paciente que bata três vezes na porta, apesar de entender a ordem, ele não consegue ou
demonstra dificuldades em realizar o ato determinado.11 Na apraxia ideatória, diferentes gestos simples e
realizados individualmente, ao serem associados a atos mais complexos, perdem ou reduzem sua sequência
lógica e harmoniosa. Por exemplo, ao dar-lhe uma caixa de fósforo e um maço de cigarros, o paciente terá
dificuldade em executar a sequência de atos na ordem necessária para fumar. Ainda, a dificuldade ou a inca-
pacidade em executar atos habituais, como despir-se e vestir-se (abotoar a camisa, vestir a manga, dar o nó
na gravata, podendo colocá-la antes da camisa...) caracterizam a apraxia ideatória do vestir.11 Já a chamada
apraxia construtiva corresponde, na realidade, à disfunção executiva e prejuízo visuoconstrutivo, mostran-
do-se com dificuldade na execução de representações organizadas (desenhar um relógio, copiar modelos).
Com relação às agnosias, o termo gnosia (do grego gnose) significa reconhecimento e a perda
desta capacidade recebe o nome de agnosia. A agnosia pode ser auditiva (não reconhecimento de sons); ce-
gueira cortical (não reconhecimento de objetos apresentados visualmente); estereognosia (não reconheci-
mento de objetos pelo tato); somatoagnosia (não reconhecimento do próprio corpo em relação ao espaço);
prosopagnosia (não reconhecimento de uma pessoa pela face) e autoprosopagnosia (não reconhecimento
da própria face).11
As afasias correspondem aos distúrbios de processamento da linguagem— compreensão e expres-
são verbal, ou escrita—, sendo perceptível a desintegração dos mecanismos que formulam a palavra oral e/
ou escrita, a recepção verbal, auditiva e/ou visual, e a dificuldade de compreensão de ideias-símbolos.11
Na afasia motora (afasia de Broca), a dificuldade é de expressão por meio da fala ou da escrita. Des-
taca-se a incapacidade em designar ou nomear objetos, apesar de reconhecê-los em sua função. Na afasia
receptiva, ou sensorial (afasia de Wernicke), a dificuldade é de compreensão da fala e da escrita. Na afasia
global, tanto a compreensão quanto a expressão da linguagem se tornam reduzidas. Na afasia de condução,
há prejuízo na capacidade de repetição de palavras, sendo que, por mais que o paciente consiga ler e falar
razoavelmente, não é capaz de reproduzir frases que lhe são ditas.

206
Na afasia transcortical, que pode ser sensorial (transtorno importante na compreensão), motora

Tópicos em Neurociência Clínica


(importante alteração da expressão verbal), ou mista (com alterações tanto da compreensão quanto da ex-
pressão), a capacidade de repetição se mostra normal ou relativamente normal.11
As afasias podem se acompanhar de disartrias (alterações na articulação da palavra oral ou fala),
palilalia (repetição involuntária das últimas palavras que a própria pessoa pronunciou) e ecolalia (repetição
da última palavra ou frase dita por outra pessoa).
Como sintomas comportamentais, a falta de iniciativa no trabalho, negligência de tarefas comuns e
o abandono de atividades prazerosas costumam ser os primeiros sinais da DA. O indivíduo pode apresentar
depressão, apatia, flutuações no humor, instabilidade emocional, preocupação exacerbada com eventos co-
tidianos. No estágio intermediário da doença, são comuns a perambulação, o caminhar incessante e outras
atividades sem propósito. Entretanto, há pessoas que podem ficar sentadas, apáticas, por longos períodos. Nos
estágios mais avançados podem acontecer comportamento agressivo imotivado, agitação, alucinações visuais e
auditivas, sendo também mais perceptíveis as alterações motoras com prejuízo de força, equilíbrio e marcha.9
Transtornos delirantes são comuns na DA, especialmente crenças de perseguição, roubo, ou infide-
lidade do parceiro. 9,11 Ressaltam-se ainda os distúrbios do sono e a depressão, que serão discutidos a diante.
O estado confusional agudo pode surgir como intercorrência do quadro clínico de demência, carac-
terizando-se por alteração aguda, com oscilações no nível de consciência (períodos de torpor, sonolência e
de agitação), prejuízo da atenção, da organização do pensamento e alterações perceptivas (ilusões e aluci-
nações). Ele sempre denota disfunção cerebral orgânica aguda que pode decorrer de lesão estrutural (AVC,
encefalite), ou, mais comumente, de alterações sistêmicas, como distúrbios hidroeletrolíticos, metabólicos,
tóxicos, ou infecciosos. Assim, pacientes que já apresentam síndrome demencial, ou seja, que já têm prejuízo
cognitivo, estão em maior risco de desenvolver o estado confusional agudo, como parte da manifestação de
uma doença intercorrente.
A evolução da DA é, na maioria dos casos, insidiosa e lenta, com deterioração progressiva de vários
domínios cognitivos e comprometimento de atividades básicas da vida diária, como higiene pessoal, aumen-
tando o nível de dependência. Nas fases avançadas podem ocorrer sintomas motores, como mioclonias,
parkinsonismo, disfagia, incontinência esfincteriana e, mais raramente, crises epilépticas. Em média os pa-
cientes com a DA vivem de 6 a 10 anos após o diagnóstico, porém a sobrevida pode chegar a 20 anos. O óbito
geralmente ocorre por doenças intercorrentes associadas aos déficits neurológicos e ao mau estado geral,
que muitas vezes é acompanhado de desnutrição, desidratação, osteoporose e imobilidade. Causas comuns
são pneumonia aspirativa, infecção do trato urinário com sepse e doenças cardiovasculares.7,12

3 EPIDEMIOLOGIA E FATORES DE RISCO

A cada ano surgem no mundo dez milhões de novos casos de demência. Estima-se que 60% deles
vivam em países de baixa e média renda. A prevalência na população de 60 anos ou mais está entre 5 e 8%,
com 60 a 70% dos casos correspondendo à DA.10
Apesar de a idade ser o principal fator de risco, a DA não afeta somente os idosos.10 Existem formas
familiares raras, em que os sintomas ocorrem antes dos 60-65 anos de idade e possuem fortes relações com
mutações genéticas patológicas, entretanto as formas esporádicas que ocorrem em idades posteriores repre-
sentam a parte predominante.12
Estudos brasileiros de base populacional revelaram que a DA foi responsável por 55,1% dos casos de
demência identificados em uma coorte de indivíduos com 65 anos de idade ou mais, e por 59,8% dos casos
em uma coorte de pessoas com idade acima de 60 anos. A prevalência aumentou de 0,16% em indivíduos
com idades entre 65 e 69 anos para 23,4% naqueles com 85 anos ou mais.7

207
A prevalência da DA é superior em mulheres.12 Em amostra de 11.372 pacientes com diagnóstico
Tópicos em Neurociência Clínica

de demência em que a maioria tinha DA, 66,6% eram do sexo feminino (aproximadamente 2 terços!).13 En-
tretanto, isso não significa que o risco real de desenvolver a doença esteja relacionado ao gênero. De fato, as
mulheres têm em média maior expectativa de vida que os homens.14 Além disso, Chêne et al15 propuseram
que este achado se daria em parte devido à mortalidade diferencial entre homens e mulheres na meia-idade,
caracterizada principalmente pela sobrevida seletiva de homens com perfil de risco cardiovascular mais sau-
dável, ou seja, a mortalidade cardiovascular significativamente maior entre os homens na meia idade (45 e 65
anos) faz com que aqueles que possuem um perfil cardiovascular mais saudável e consequentemente menor
risco de demência sobrevivam até idades mais avançadas.
Acredita-se que a DA, assim como diversas doenças crônicas, possui causas multifatoriais, com exce-
ção dos casos raros relacionados a alterações genéticas que resultam em formas autossômicas dominantes.16
Entre os fatores de risco, idade e história familiar são os mais evidentes, porém não são modificáveis. Entre
as condições adquiridas e modificáveis estão os fatores de risco cardiovascular, como a hipertensão arterial,
obesidade, altos níveis de LDL, baixos níveis de HDL, diabetes mellitus, níveis elevados de homocisteína, taba-
gismo e traumatismo cranioencefálico. Destacam-se os processos vasculares, que não só estão associados à
fisiopatologia da DA em si, como também oferecem maior risco para ocorrência de micro e macroangiopatia,
com lesões cerebrais isquêmicas e hemorrágicas, que podem levar à demência vascular.7
Fatores protetores prováveis são atividade intelectual produtiva, atividade física e alimentação rica
em antioxidantes.7 Nesse contexto, surge o conceito de reserva cognitiva, que corresponde à capacidade de
preservação de desempenho cognitivo frente ao processo de neurodegeneração. De fato, observou-se que
a relação entre o grau de acometimento cerebral e o funcionamento intelectual não é linear, ou seja, há
grande variação interindividual, com pacientes apresentando prejuízo funcional menor que o esperado para
o seu grau de alteração neuropatológica. A reserva cognitiva se associa ao nível de escolaridade e à atividade
ocupacional.17,18
A DA representa um grande ônus para a sociedade. O paciente necessita de atendimento multipro-
fissional por equipe especializada e, muitas vezes, de cuidadores com supervisão contínua, de alimentação
diferenciada, de órteses, etc. Garantir a disponibilidade destes recursos é um desafio à saúde pública de
qualquer país. Com frequência, familiares ficam impossibilitados de exercerem uma profissão, o que pode
gerar sobrecarga financeira. Além disso, o convívio com um ente querido que não é mais capaz de interagir de
forma adequada— mostrando-se desorientado, repetindo incontavelmente as mesmas perguntas, apresen-
tando comportamentos de recusa e de agressividade, fuga, ou comportamentos de risco— gera um estresse
psicológico imenso que se associa a alto risco de adoecimento e até mesmo de morte.

4 NEUROBIOLOGIA

4.1 ACHADOS ANATOMOPATOLÓGICOS


As principais características anatomopatológicas da DA são: a) as placas senis, decorrentes do acú-
mulo extracelular de proteína beta-amiloide; b) os agregados neurofibrilares, constituídos por proteína tau
hiperfosforilada dentro dos neurônios; c) a perda neuronal.7 Estima-se que o processo neurodegenerativo
que causa estas alterações já se inicie 20 a 30 anos antes da manifestação dos sintomas.
O exame macroscópico se distingue pela atrofia cortical (Figura 1), principalmente em áreas neocor-
ticais associativas e temporais mesiais (formação hipocampal).7

208
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 1 – Atrofia cortical na demência do tipo Alzheimer, com dilatação compensatória dos ventrículos e do espaço
subaracnoide.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.

Mutações no gene da proteína precursora amiloide (APP) no cromossomo 21, no gene da pré-seni-
lina I (PSEN1) no cromossomo 14 e no gene da pré-senilina 2 (PSEN2) no cromossomo 1 resultam em formas
autossômicas dominantes da doença.1 Entretanto, estas perfazem menos que 1% do total de casos.2 As muta-
ções nesses três genes estão relacionadas com a produção aumentada de amiloide β (Aβ), especificamente,
do peptídeo Aβ42.1
As placas amiloides consistem em grande parte de uma agregação fibrilar de peptídeos de 40 e 42
aminoácidos (Aβ40 e Aβ42) provenientes da clivagem da APP, uma proteína transmembrana, presente na
maioria dos tecidos, com uma maior porção extracelular e uma cauda intracitoplasmática. Diversas secre-
tases são responsáveis pela sua clivagem, que, em condições normais, dá origem a um derivado peptídico
solúvel, não ocorrendo consequentemente a agregação. Entretanto, quando clivada pela β-secretase e sub-
sequentemente pela γ-secretase da APP, são formados os peptídeos Aβ40 e Aβ42 que sofrem agregações e
formam oligômeros e posteriormente polímeros que se depositam no tecido entre as células e se associam à
neurotoxicidade e perda sináptica. Não por acaso os genes da PSEN I e PSEN II são relacionados à atividade
destas secretases. Embora a forma familiar da DA seja incomum, a constatação de que mutações em três ge-
nes diferentes levam a mudanças semelhantes com relação aos produtos Aβ sugere que exista uma via final
comum na patogênese da doença.2
Na forma esporádica da DA, diversos genes de risco estão sendo estudados, entre eles destaca-se
o polimorfismo ε4 do gene APOE no cromossomo 19, que demonstra forte associação com o início da DA na
faixa etária de 80 anos.1
O gene APOE apresenta 3 alelos (ε2, ε3, ε4) e seis polimorfismos possíveis.7 O alelo ε4 está pre-
sente em cerca de 1/3 da população norte-americana não afetada, mas é encontrado em cerca de 2/3 dos
indivíduos com a DA de início tardio. Possuir uma cópia do alelo APOE-ε4 aumenta em 3 a 4 vezes o risco de
desenvolver a DA, já duas cópias se associam a um risco 10 a 15 vezes maior. O mecanismo patológico pos-
209
sivelmente está atrelado à depuração diminuída de Aβ42. Além disso, Shi et al19 demonstraram importante
Tópicos em Neurociência Clínica

papel do APOE na regulação da neurodegeneração mediada pela proteína tau, com o polimorfismo APOE-ε4
causando danos mais graves independentemente de Aβ.
O segundo achado anatomopatológico característico da DA consiste nos emaranhados neurofibrila-
res intracelulares, formados pela proteína tau hiperfosforilada. Em condições fisiológicas, a proteína tau está
associada aos microtúbulos, participando da estrutura do citoesqueleto dos neurônios e sendo responsável
pelo transporte axonal. Na DA, com sua hiperfosforilação, ela deixa de se ligar aos microtúbulos e forma fi-
lamentos helicoidais pareados e insolúveis que se agregam e geram os emaranhados neurofibrilares.7 Estes
não são, porém, patognomônicos da DA, sendo também encontrados em outras doenças neurodegenerati-
vas, como na degeneração lobar frontotemporal e na paralisia supranuclear progressiva.
Tipicamente, nos casos de DA, a deposição de β-amiloide precede as alterações neurofibrilares
e neuríticas, com aparente origem no neocortex frontal e temporal, no hipocampo e no sistema límbico.
Menos comumente, o depósito pode se iniciar em outras regiões do cérebro, como no neocórtex parietal
e occipital, com relativa conservação do hipocampo.2 Já os emaranhados neurofibrilares ocorrem inicial-
mente na formação hipocampal e aumentam em gravidade e extensão, conforme a progressão da doença,
acometendo finalmente todo o córtex cerebral. Essa disseminação topográfica foi a base para a classificação
anatomopatológica de Braak e Braak da DA em estágios. Nos estágios 1 e 2, os emaranhados neurofibrilares
aparecem na região entorrinal; nos estágios 3 e 4 eles são vistos na região hipocampal e nos estágios 5 e 6 já
se mostram em áreas neocorticais.1
Devido ao comprometimento degenerativo precoce e proeminente do núcleo basal de Meynert,
onde existem neurônios produtores de acetilcolina, ocorre declínio da estimulação colinérgica do hipocampo
e do córtex que, por sua vez, resulta em prejuízo cognitivo, particularmente de memória declarativa e de
orientação espacial. Este achado é a base para a terapia farmacológica da DA que atualmente consiste em
compensar a perda de inervação colinérgica com o uso de inibidores de acetilcolinesterase, como ainda será
visto neste capítulo.
A DA também se caracteriza de modo variável por degranulação de células piramidais do hipocam-
po (característica pouco citada), depósito amiloide nos vasos sanguíneos e alterações gliais. De fato, lesões
vasculares ocorrem em 30% a 50% dos indivíduos com DA.1

4.2 NEUROINFLAMAÇÃO E DEMÊNCIA DO TIPO ALZHEIMER


Neuroinflamação é a reação inflamatória que ocorre dentro do SNC e envolve principalmente ele-
mentos da resposta imune inata. A micróglia ativada e os astrócitos são as principais células que participam
desta resposta. A DA se acompanha de neuroinflamação. Entretanto, ainda não está claro se, no contexto da
fisiopatologia da doença, o processo inflamatório é a causa, um subproduto ou uma resposta de defesa.20
Principalmente na DA tardia, um conjunto de evidências corrobora o papel dos mediadores infla-
matórios e do sistema imunológico inato.21 Resultados de uma meta-análise contendo 17 estudos epidemio-
lógicos indicou que medicamentos anti-inflamatórios podem ter um efeito protetor para DA.22 Polimorfismos
do gene APOE parecem modular as respostas do sistema imunológico.20 Idade avançada —principal fator de
risco para o desenvolvimento da DA—se associa à neuroinflamação.21
Segundo a hipótese proposta por Krstic e Knuesel,21 em função do envelhecimento, haveria aumen-
to na deposição de proteínas no parênquima cerebral. Essas deposições, originadas de vesículas intracelula-
res do tipo esferoides, seriam expelidas dos neurônios por uma espécie de brotamento axonal e fagocitadas
pela micróglia e pelos astrócitos. No interior dessas vesículas foram observadas organelas e fragmentos de
APP contendo Aβ. Esse processo poderia refletir uma estratégia neuroprotetora dos neurônios para superar

210
o acúmulo de proteínas dobradas, danificadas ou aberrantemente clivadas. De acordo com essa sugestão, a

Tópicos em Neurociência Clínica


elevação crônica de citocinas pró-inflamatórias— que é uma característica da senescência— poderia acelerar
a formação desses brotamentos axonais.
A inflamação crônica e o estresse celular neuronal durante o envelhecimento também induzem
à hiperfosforilação da proteína tau (responsável pela estabilização das redes de microtúbulo-actina), o que
prejudica o transporte axonal, resultando em inchaços axonais focais, vazamento axonal, perda de contatos
sinápticos e acúmulo concomitante de mitocôndrias e outras organelas (Figura 2). Além disso, o metabolismo
energético perturbado poderia promover mais fosforilação da proteína tau, podendo, consequentemente,
contribuir para a formação de filamentos helicoidais emparelhados, precursores dos conhecidos emaranha-
dos neurofibrilares, característicos da DA.

Figura 2 – Modelo etiopatogênico da degeneração neuronal na demência do tipo Alzheimer proposta por Krstic e
Knuesel21. APP = proteína precursora de amiloide.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.

O processo inflamatório crônico induz ativação, ou “priming”, das células microgliais e astrogliose
extensa. Esse recrutamento microglial para as vesículas axonais e para os axônios degenerados poderia levar
à formação de “pontos quentes” inflamatórios que afetariam de forma negativa os neurônios das proximida-
des. O vazamento axonal e a liberação de conteúdo intracelular, por meio dos autofagolisossomos, incluindo
APP acumulada na matriz extracelular, levariam à produção de fragmentos propensos à agregação. Por fim,
o ambiente pró-inflamatório e a perda concomitante de axônios resultariam em mais filamentos helicoidais
emparelhados e à morte das células neuronais. Assim, a perda das sinapses, a indução persistente de infla-
mação e o estresse celular provavelmente contribuem para o início focal da patologia e sua progressão para
redes cerebrais mais extensas.
Essas propostas estão de acordo com a presença abundante de enzimas de clivagem da APP, de
vários fragmentos Aβ truncados e de diversos fragmentos não-Aβ de APP nas placas senis. Além disso, a mi-
croscopia eletrônica de placas senis humanas revelou abundância de mitocôndrias e outras organelas, assim
como de fragmentos de neurônios degenerados no núcleo da placa.

211
Krstic e Knuesel observaram que pacientes sem demência, mas com grande quantidade de placas
Tópicos em Neurociência Clínica

senis, chamados de controles de alta patologia, mostravam quase ou nenhuma evidência de neuroinflamação
e neurodegeneração e ao mesmo tempo níveis de Aβ1-42 muito maiores do que aqueles em cérebros de pa-
cientes da mesma idade com DA, o que sustentaria a proposta controversa de que Aβ1-42 corresponderia a
um mecanismo protetor e não tóxico em si. Os autores pontuaram também que estudos de imagem por PET
revelaram que o status cognitivo de pacientes com DA estava inversamente correlacionado com a ativação
microglial, mas não com a carga de Aβ.
Outra observação que respalda o papel da neuroinflamação é de que doenças crônicas inflamató-
rias, como aterosclerose, obesidade, diabetes e depressão sabidamente representam fatores de risco para a
DA de início tardio.21
Em resumo, a hipótese inflamatória da DA defende que sua origem esteja na resposta inflamatória
a danos crônicos que causa hiperfosforilação e deslocamento da proteína tau com consequente prejuízo do
transporte axonal, enquanto que o depósito de Aβ seria apenas um fenômeno secundário.
Por outro lado, outros autores defendem que as placas amiloides induzem a formação dos agrega-
dos neurofibrilares, que então causam a morte neuronal.23 Evidências crescentes demonstram que o acúmulo
de Aβ também ocorre dentro das células, particularmente nos neurônios piramidais do hipocampo e de cór-
tex entorrinal, podendo ser um contribuinte chave na patologia da DA.23,24

5 ALTERAÇÕES PSIQUIÁTRICAS NA DEMÊNCIA DO TIPO ALZHEIMER

A depressão na DA é muito comum, sendo muitas vezes uma manifestação pré-mórbida e interpre-
tada como um fator de risco para a demência. Também é entendida como reação emocional à percepção do
próprio declínio cognitivo no início do quadro. Entretanto, diversos dados sugerem que, na realidade, a de-
pressão e a DA compartilhem mecanismos etiopatogênicos e por isso sejam frequentemente concomitantes.
O hipocampo, uma das primeiras áreas cerebrais acometidas pelos emaranhados neurofibrilares, não está
apenas associado às funções executivas, à memória explícita e à orientação espacial, mas também é parte do
sistema límbico e tem papel relevante no processamento afetivo. Alterações na fisiologia hipocampal (redu-
ção da expressão de fatores de crescimento, redução da neurogênese, presença de marcadores inflamató-
rios) já são compreendidas como parte da fisiopatologia da depressão.
Na DA, o hipocampo sofre, além do acúmulo de amiloide e dos emaranhados neurofibrilares, redu-
ção das aferências de acetilcolina devido à degeneração dos núcleos colinérgicos localizados no prosencéfalo
basal (principalmente o núcleo basal de Meynert), o que resulta em sua disfunção, na redução da neurogêne-
se e da sobrevida de seus neurônios e finalmente em sua degeneração.7 Assim, o hipocampo seria o ponto de
encontro entre os déficits cognitivos e o comportamento depressivo25 na DA e explicaria porque os inibidores
da acetilcolinesterase melhoraram os sintomas de humor em alguns pacientes com DA.26,27 Em investigações
post-mortem 95 pacientes com DA, diagnosticada clinicamente, Rapp et al.28 observaram que pacientes que
tiveram depressão apresentaram cerca de duas vezes mais placas amiloides e emaranhados neurofibrilares
em seus hipocampos, quando comparados àqueles que não tiveram depressão.
Alterações do sistema serotoninérgico também são comuns às duas patologias. Pacientes com DA
possuem expressão diminuída do receptor 5-HT1A, particularmente em seus hipocampos e núcleos da rafe,
sendo o decréscimo do receptor hipocampal correlacionado com a piora dos sintomas clínicos.29,30 Também
a diminuição de até 69% de receptores 5-HT2 em determinadas regiões cerebrais de pacientes com DA pu-
deram ser observadas através de pesquisa utilizando a ligação da setoperona, um ligante 5-HT2 que tem
afinidade particular para os receptores 5-HT2A.31

212
Descobertas mais recentes indicam que os receptores da serotonina 5-HT4 e 5-HT6 — novos alvos do

Tópicos em Neurociência Clínica


tratamento antidepressivo— também estão envolvidos na fisiopatologia da DA. Semelhantemente ao que
ocorre na depressão, o agonismo do 5-HT4 alivia a patogenia amiloidogênica, enquanto o antagonismo de
5-HT6 melhora a memória e o aprendizado nos pacientes.32 Além disso, pacientes com DA apresentam dimi-
nuição/redução de serotonina e ácido 5-hidroxiindolacético (principal metabólito da serotonina) em seus cór-
tices frontal e temporal.33 Em suma, esses achados indicam que o sistema serotoninérgico desempenha um
papel crucial na demência do tipo Alzheimer e na depressão e constitui um alvo de tratamento promissor.25

6 ALTERAÇÕES NO SONO NA DEMÊNCIA DO TIPO ALZHEIMER

Na DA, as alterações no sono podem ser decorrentes da neurodegeneração de áreas responsáveis


por sua regulação e englobam quatro sintomas primários: insônia, sonolência diurna excessiva, atividade
motora anormal durante o sono e alterações comportamentais no período noturno, incluindo alucinações.34
Com o envelhecimento, alterações nos mecanismos de regulação do sono são comuns e a demência
intensifica esse processo, sendo que, na DA, a formação de placas amiloides ocorre inclusive nas áreas do
cérebro que controlam o ciclo sono-vigília.34 Além disso, estudos apontam relações potencialmente bidire-
cionais entre a neurodegeneração e os distúrbios do sono, com estes últimos sendo um fator de risco para o
desenvolvimento da DA.35,36
As regiões promotoras de vigília são o prosencéfalo basal, o hipotálamo posterior e lateral e os nú-
cleos do tegmento pontino. Já a área pré-óptica, localizada na região anterior do hipotálamo, está envolvida
com a geração do sono. Os neurotransmissores e neuromoduladores envolvidos são a acetilcolina, as monoa-
minas, o glutamato e a hipocretina, que agem como promotoras da vigília; enquanto o ácido gama-aminobu-
tírico (GABA) e a adenosina têm um papel importante na promoção do sono.34
O ritmo circadiano é regulado pelo núcleo supraquiasmático do hipotálamo (relógio biológico), sen-
do influenciado por fatores ambientais, especialmente pela luz.34 Uma das melhores evidências da pertur-
bação do ritmo circadiano em pacientes com DA é a degeneração do núcleo supraquiasmático e da glândula
pineal, por ele controlada e responsável pela liberação de melatonina— hormônio indutor do sono.37
Na DA, o acometimento precoce do núcleo basal de Meynert, do locus cœruleus, dos núcleos da
rafe e dos núcleos tegmentares pontinos justificam a presença de sintomas, como a insônia e a sonolência
diurna excessiva. 34
Um dos distúrbios do sono mais marcantes na DA é o transtorno do ritmo circadiano de sono-vigília
do tipo atraso de fase do sono. Aqui, o paciente apresenta dificuldade para adormecer nos horários usuais
e até mesmo pode apresentar-se mais agitado ao anoitecer, caracterizando a chamada síndrome do pôr do
sol (do inglês sundown syndrom). Este transtorno decorre da perturbação da expressão rítmica fisiológica de
genes relacionados com o relógio biológico (CLOCK genes).34
Com relação à melatonina, sua secreção noturna é reduzida e a diurna, aumentada, em pacientes
com DA. Esse hormônio é importante para a regulação do sono e a sua liberação, ao fim do dia, prepara o
organismo para a noite. Com a progressão da doença, os níveis de melatonina diminuem, sendo que uma
possível causa seria a maior degradação da serotonina, sua precursora, em razão da atividade excessiva da
monoaminoxidase A (MAO), fenômeno encontrado em várias partes do SNC de pacientes com DA.34
Além disso, há contribuintes ambientais para as alterações de sono na DA, como o isolamento, a
inatividade, a depressão e o uso de diversos medicamentos para diferentes comorbidades. Aqui destaca-se
também o papel sincronizador circadiano da luminosidade. Devido às condições de cuidados, seja por des-
preparo do cuidador ou pela institucionalização, o paciente com a DA pode ter menor exposição à luz, o que
contribui para a desregulação do ciclo sono-vigília. Há também nesses pacientes maior prevalência de dege-
213
neração da mácula e do nervo óptico, o que reduz ainda mais a aferência de estímulos luminosos ao núcleo
Tópicos em Neurociência Clínica

supraquiasmático.34
Com relação aos transtornos respiratórios do sono, incluindo a síndrome da apneia obstrutiva do
sono (SAOS), estudos demonstram sua maior prevalência em pacientes com DA do que em idosos sem alte-
rações cognitivas, sendo que a gravidade do quadro demencial se correlaciona com a gravidade do distúrbio
respiratório. Esta correlação pode estar associada à degeneração neuronal no centro respiratório no tronco
encefálico. Em pessoas com menos de 65 anos, a presença do alelo APOE-ε4 aumenta o risco de SAOS.34
A hipóxia— transitória, mas repetida—, a resposta do sistema nervoso simpático e as cascatas
imunoinflamatórias relacionadas aos períodos de apneia poderiam contribuir para a fisiopatologia da DA
ou acelerar sua progressão de pré-clínica para sintomática.35 Estudos de coorte corroboram essa proposta,
mostrando que pessoas com histórico de transtornos do sono na meia-idade tiveram aumento do risco de
posteriormente desenvolver DA, em comparação com aqueles sem queixas de sono. A premissa é de que
distúrbios do sono podem desempenhar um papel na cascata da patologia da DA e, consequentemente, au-
mentar a incidência de demência entre aqueles com maior risco, incluindo pessoas com comprometimento
cognitivo leve.36

7 DIAGNÓSTICO PRECOCE E BIOMARCADORES

Em princípio, o diagnóstico de certeza de DA só pode ser feito a partir dos achados anátomopatoló-
gicos de biópsia cerebral. Na prática, entretanto, o diagnóstico se sustenta essencialmente nos sinais clínicos
apresentados pelo paciente, no seu histórico médico e familiar, incluindo história psiquiátrica e de mudanças
cognitivas e comportamentais— aferidas por instrumentos específicos— e na exclusão de outras causas de
demência, através de exames laboratoriais e de neuroimagem. Nesse contexto, as informações dos membros
da família são de grande importância para o entendimento e a compreensão do quadro clínico, pois, muitas
vezes, o paciente não é capaz de perceber e relatar suas dificuldades cognitivas e suas alterações de compor-
tamento.2
A avaliação cognitiva é essencial para o diagnóstico da DA. Ela pode ser feita com testes de rastreio,
como o miniexame do estado mental, e complementada por testes de avaliação breve, ou por avaliação
neuropsicológica formal.7 Além desses, deve ser realizada dosagem sérica de vitamina B12, ácido fólico, hor-
mônios tireoidianos, sorologia e exames de neuroimagem complementares, como a tomografia computado-
rizada (TC), a ressonância magnética (RM) ou a tomografia por emissão de pósitrons (PET), principalmente
para descartar outras possíveis causas de síndrome demencial, aumentar a especificidade do diagnóstico e
permitir dimensionar os danos cerebrais.
Enquanto os biomarcadores de diagnóstico são mensuráveis somente quando o quadro clínico já se
encontra instalado, os biomarcadores de previsão estão presentes antes do início dos sintomas.2 Há inúme-
ras pesquisas buscando biomarcadores precoces, ou seja, alterações quantificáveis que indiquem com alta
probabilidade o desenvolvimento da doença, ou a sua presença em um estágio inicial. Esse seria o primeiro
passo para o desenvolvimento de medidas preventivas, mas, até o momento, os biomarcadores conhecidos
aparecem quando a doença já se desenvolveu e se manifestou clinicamente.
No líquido cefalorraquidiano (LCR) observam-se diminuição de Aβ42 e níveis elevados de t-tau (tau
total) e p-tau (tau fosforilada). Através de tomografia por emissão de pósitron com o radiofármaco 11C-PIB
(PET-PiB), pode-se detectar a deposição de amiloide no cérebro. Também a redução da taxa de metabolismo
cerebral— particularmente nos córtices temporal e parietal— pode ser quantificada através de FDG-PET, que

214
mensura o consumo de glicose em diferentes regiões cerebrais. A RMN craniana evidencia atrofia cerebral,

Tópicos em Neurociência Clínica


mais pronunciada no lobo temporal lateral, medial e basal e no córtex parietal medial.38
A tau fosforilada na treotonina 181 (p-tau 181) do LCR é um biomarcador altamente específico para
DA. Entretanto, apesar de poder ser utilizada na prática clínica, a dosagem de biomarcadores do LCR se faz
através de um procedimento considerado um tanto invasivo e dispendioso, daí a busca por biomarcadores
em outros fluidos, como saliva e sangue.39,40
A dosagem de p-tau 181 no plasma também mostrou um bom desempenho no diagnóstico para
DA, permitindo diferenciá-la de outros distúrbios neurodegenerativos e predizendo alterações cognitivas e
atrofia do hipocampo, caracterizando-se assim como uma boa ferramenta de diagnóstico precoce.40
Seguem abaixo os critérios diagnósticos para demência que foram elaborados pela Associação
Americana de Psiquiatria em 2013.41 Na realidade, o termo demência foi aqui substituído por transtorno
neurocognitivo maior (TNC maior), justamente para deixar explícito o entendimento de que se trata de uma
doença orgânica cerebral. Além disso, o DSM-5 introduziu um novo diagnóstico— o transtorno neurocogniti-
vo leve (TNC leve)— para permitir a detecção de casos de sintomatologia mais branda, os quais já merecem,
porém, atenção especializada, avaliação diagnóstica e acompanhamento. Trata-se aqui de pacientes com alto
risco de desenvolvimento de demência, que são candidatos ideais para tratamento precoce. 42
Um estudo americano de base populacional, publicado em 2006, mostrou que, no intervalo de 3
anos, a taxa de evolução para síndrome demencial foi de apenas 3% nos idosos com cognição inicialmente
normal, porém de 46% naqueles inicialmente identificados com TNC leve. 43. Outro estudo estimou para pa-
cientes com TNC leve amnéstico risco de progressão para DA de 10 a 15% ao ano.44 Ainda outra investigação
longitudinal com acompanhamento de 5 anos evidenciou progressão para demência em 47% dos indivíduos
com TNC leve e de 15% naqueles com cognição inicialmente preservada.45 Assim, inúmeros dados apontam
para a relevância do enquadramento diagnóstico de sintomas brandos como parte da estratégia de desenvol-
vimento de medidas preventivas e de tratamento precoce.

Critérios diagnósticos do Transtorno Neurocognitivo Maior do DSM-5 41


A. Evidências de declínio cognitivo importante a partir de nível anterior de desempenho em um ou mais domínios cognitivos
(atenção, funções executivas, aprendizagem e memória, linguagem, percepção motora ou cognição social), com base em:
1. Preocupação do indivíduo, de um informante com conhecimento ou do clínico de que há declínio significativo na
função cognitiva; e
2. Prejuízo substancial no desempenho cognitivo, de preferência documentado por teste neuropsicológico padroniza-
do ou, em sua falta, por outra investigação clínica quantificada.
B. Os déficits cognitivos interferem na independência em atividades da vida diária (i.e., no mínimo, necessita de
assistência em atividades instrumentais complexas da vida diária, tais como pagamento de contas ou controle
medicamentoso).
C. Os déficits cognitivos não ocorrem exclusivamente no contexto de delirium (estado confusional agudo).
D. Os déficits cognitivos não são mais bem explicados por outro transtorno mental (p. ex., transtorno depressivo
maior, esquizofrenia).
Determinar a etiologia:
Doença de Alzheimer, Degeneração lobar frontotemporal, Doença com corpos de Lewy, Doença vascular, Lesão cere-
bral traumática, Uso de substância/medicamento, Infecção por HIV, Doença do príon, Doença de Parkinson, Doença
de Huntington, outra condição médica, múltiplas etiologias e não especificado.

215
Tópicos em Neurociência Clínica

Critérios diagnósticos do Transtorno Neurocognitivo Leve do DSM-541


A. Evidências de declínio cognitivo pequeno a partir de nível anterior de desempenho em um ou mais domínios cogniti-
vos (atenção complexa, função executiva, aprendizagem e memória, linguagem, perceptomotor ou cognição social) com
base em:
1. Preocupação do indivíduo, de um informante com conhecimento ou do clínico de que ocorreu declínio na função
cognitiva; e
2. Prejuízo pequeno no desempenho cognitivo, de preferência documentado por teste neuropsicológico padronizado
ou, em sua falta, outra avaliação quantificada.
B. Os déficits cognitivos não interferem na capacidade de ser independente nas atividades cotidianas (i.e., estão
preservadas atividades instrumentais complexas da vida diária, como pagar contas ou controlar medicamentos, mas
pode haver necessidade de mais esforço, estratégias compensatórias ou acomodação).
C. Os déficits cognitivos não ocorrem exclusivamente no contexto de delirium.
D. Os déficits cognitivos não são mais bem explicados por outro transtorno mental (p. ex., transtorno depressivo
maior, esquizofrenia)
Determinar a etiologia:
Doença de Alzheimer, Degeneração lobar frontotemporal, Doença com corpos de Lewy, Doença vascular, Lesão cere-
bral traumática, Uso de substância/medicamento, Infecção por HIV, Doença do príon, Doença de Parkinson, Doença
de Huntington, Outra condição médica, múltiplas etiologias e não especificado.

Critérios diagnósticos para doença de Alzheimer em casos de Transtorno


Neurocognitivo Maior e em casos de Transtorno Neurocognitivo Leve 41
A. São atendidos os critérios para transtorno neurocognitivo maior ou leve.
B. Há surgimento insidioso e progressão gradual de prejuízo em um ou mais domínios cognitivos (no caso de
transtorno neurocognitivo maior, pelo menos dois domínios devem estar prejudicados).
C. Os critérios são atendidos para doença de Alzheimer provável ou possível, do seguinte modo:

Para transtorno neurocognitivo maior:


Provável doença de Alzheimer é diagnosticada se o critério 1, ou o critério 2 estiver presente; caso contrário, deve
ser diagnosticada possível doença de Alzheimer.
1. Evidência de uma mutação genética causadora de doença de Alzheimer a partir de história familiar ou teste
genético
2. Todos os três critérios a seguir estão presentes:
a. Evidências claras de declínio na memória e na aprendizagem e em pelo menos outro domínio cognitivo (com
base em história detalhada ou testes neuropsicológicos em série).
b. Declínio constantemente progressivo e gradual na cognição, sem platôs prolongados.
c. Ausência de evidências de etiologia mista (i.e., ausência de outra doença neurodegenerativa ou cerebrovas-
cular ou de outra doença ou condição neurológica, mental ou sistêmica provavelmente contribuindo para o declínio
cognitivo).

Para transtorno neurocognitivo leve:


Provável doença de Alzheimer é diagnosticada se há evidência de alguma mutação genética causadora de doença
de Alzheimer, constatada em teste genético ou história familiar.
Possível doença de Alzheimer é diagnosticada se não há evidência de mutação genética causadora de doença de
Alzheimer, de acordo com teste genético ou história familiar, com presença de todos os três a seguir:
1. Evidências claras de declínio na memória e na aprendizagem.
2. Declínio constantemente progressivo e gradual na cognição, sem platôs prolongados.
3. Ausência de evidências de etiologia mista (i.e., ausência de outra doença neurodegenerativa ou cerebrovascular
ou de outra doença ou condição neurológica ou sistêmica provavelmente contribuindo para o declínio cognitivo).
D. A perturbação não é mais bem explicada por doença cerebrovascular, outra doença neurodegenerativa, efeitos de
uma substância ou outro transtorno mental, neurológico ou sistêmico.

216
8 TRATAMENTO

Tópicos em Neurociência Clínica


O tratamento da DA deve ser feito em duas abordagens, a farmacológica e a não farmacológica.
Ambas possuem função de amenizar os sintomas e melhorar a qualidade de vida do paciente e dos seus
familiares e cuidadores.
O tratamento farmacológico é de natureza sintomática, com drogas que inibem a degradação da ace-
tilcolina na fenda sináptica, os inibidores da acetilcolinesterase (IAChE) ou com antagonistas de receptores de
glutamato do tipo NMDA. Donepezila, Galantamina e Rivastigmina são os três IAChE indicados e utilizados na
prática clínica para o tratamento da DA leve a moderada. Eles atuam impedindo a hidrólise da acetilcolina pela
acetilcolinesterase, fazendo com que esse neurotransmissor tenha sua disponibilidade aumentada na fenda
sináptica e melhorando, consequentemente, o desempenho cognitivo. Com relação aos efeitos adversos mais
comuns, destacam-se náuseas, vômitos e diarreias.7 Na prática, seus resultados são modestos, mas admite-se
que, tendo um efeito compensatório (tamponando a perda da inervação colinérgica), eles retardem a manifes-
tação sintomática da doença, ainda que não modifiquem a progressão do processo neurodegenerativo.
A memantina é um antagonista não competitivo dos receptores NMDA e mostra alguma eficácia
nas fases moderada e grave da DA, com discreta melhora cognitiva e funcional.35 Também pode ser útil na
prevenção e no tratamento dos transtornos comportamentais, como agitação, agressividade, irritabilidade
e psicose. Geralmente é bem tolerada, sendo raros os efeitos colaterais limitantes, como tontura, dor de
cabeça, sonolência e confusão.46
A combinação de qualquer dos três IAChE com a memantina em paciente com a DA moderada a
grave pode oferecer benefícios clínicos e funcionais, em relação ao uso do IAChE, isoladamente.7 A esses
medicamentos, podem-se associar antidepressivos, principalmente, inibidores seletivos da recaptação de se-
rotonina (como a sertralina e o citalopram) e antipsicóticos, de acordo com a necessidade de cada paciente.7
Inúmeras pesquisas em busca de novos fármacos para DA estão em andamento. Em 2020, 121
ensaios clínicos para DA foram registrados no ClinicalTrials.gov, site da Food and Drug Administration (FDA)
dos EUA, sendo a maioria dos medicamentos em estudo modificadores da doença.47 O Aducanumab, potente
anticorpo monoclonal direcionado especificamente contra oligômeros da Aβ, teve resultados preliminares
promissores em pacientes com DA prodrômica ou leve, trazendo a nova visão de que as espécies oligoméri-
cas de Aβ possam representar um possível alvo terapêutico.48
Devido ao fato de o acúmulo de Aβ no cérebro começar de 15 a 20 anos antes do início do quadro
clínico, os medicamentos estão sendo testados nos estágios pré-clínicos ou assintomáticos da DA, em indiví-
duos cognitivamente saudáveis, mas em risco de desenvolverem DA. Além disso, outras abordagens contra
elementos-chave da doença, como a inflamação do SNC, a resistência cerebral à insulina e a agregação de
tau estão sendo exploradas.48
Em outra descoberta, Lourenco et al.49 demonstraram ser a irisina um novo agente capaz de se opor à
falha de sinapses e ao comprometimento da memória na DA. Trata-se de uma mioquina – um hormônio-peptí-
deo, produzido em células musculares, por indução de exercício físico e liberado através da clivagem da proteína
FNDC5 (fibronectina do tipo III, localizada nas membranas de células musculares). A irisina também é expressa no
hipocampo e pode agir tanto como um importante fator de prevenção, como também de promoção de efeitos be-
néficos em pessoas que já tenham manifestações clínicas da DA. Isso é evidenciado pelo fato de que o aumento de
FNDC5/irisina no cérebro associa-se à recuperação da plasticidade sináptica e da memória em modelos de camun-
dongos com DA. Constatou-se ainda, nesses animais, que a superexpressão periférica de FNDC5/irisina resgatou
o comprometimento da memória, enquanto o bloqueio de FNDC5/irisina cerebral ou periférica diminuiu as ações
neuroprotetoras do exercício físico sobre a plasticidade sináptica e a memória. Concluiu-se então que aumentar

217
os níveis cerebrais de FNDC5/irisina, de maneira farmacológica ou por meio de exercícios poderia constituir uma
Tópicos em Neurociência Clínica

nova estratégia terapêutica para proteger/reparar a função sináptica e prevenir o declínio cognitivo na DA.49
A imunoterapia anti-amilóide é vista como uma promissora possibilidade futura de tratamento não
apenas sintomático, mas também neuroprotetor. A imunoterapia ativa consiste na administração de vacinas
contendo antígenos que induzem a resposta imune. Os desafios são as alterações imunológicas associadas à
idade (imunosenescência) e o risco do desencadeamento de resposta autoimune. Um estudo com administra-
ção de vacina contra Aβ42 pré-agregado precisou ser interrompido, pois levou a eliminação quase completa dos
depósitos de Aβ, entretanto causou encefalite como um efeito colateral grave em 6% dos pacientes vacinados.49
A imunização passiva se dá através da administração de anticorpos que se ligam à proteína amiloi-
de e desencadeiam a sua eliminação pelo sistema imune do paciente. Nesse caso, os desafios consistem na
criação de uma molécula que atravesse a barreira hematoencefálica e que tenha afinidade específica para
constituintes da proteína amiloide e também na necessidade de manutenção de administrações repetidas.50
Na abordagem não farmacológica, atividades que estimulem a função cognitiva, como ouvir músi-
cas que retomam memórias do passado, atividade física e participação na vida diária familiar estão relacio-
nadas com a melhoria da qualidade de vida, tanto dos pacientes, quanto dos seus cuidadores. Exposição ao
sol, rotina, regularidade, repetição e previsibilidade também são parte das medidas recomendadas.
O acompanhamento com equipe multiprofissional, em que médicos, enfermeiros, psicólogos, fisio-
terapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas, educadores físicos, musicoterapeutas,
arteterapeutas, dentre outros trabalhem de forma integrada é relevante para o tratamento e evolução do
quadro clínico do paciente. Tanto a abordagem do próprio paciente, como o apoio e orientação médica dos
familiares são de fundamental importância no enfrentamento do enorme desafio que é a DA.

9 CONCLUSÃO

O envelhecimento populacional coloca a DA como um assunto necessário e relevante. Mesmo com


muitos avanços realizados nas neurociências, várias perguntas ainda não foram respondidas sobre sua etio-
logia e fisiopatologia. Também ainda não se desenvolveram tratamentos de ação neuroprotetora que pudes-
sem ao menos retardar a evolução do processo neurodegenerativo. Entretanto, avanços na descoberta de
biomarcadores, como os citados neste capítulo, são promissores. O conhecimento sobre os diversos fatores
de risco modificáveis que influenciam principalmente a forma esporádica da doença traz à luz a possibilidade
de prevenção. Por enquanto, o tratamento farmacológico e o acompanhamento multidisciplinar ajudam a
melhorar a qualidade de vida tanto dos pacientes como dos seus cuidadores.

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220
Capítulo XII

DOENÇA DE PARKINSON
Luana Marques Costa
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO

As doenças neurodegenerativas caracterizam-se pelo envolvimento do sistema nervoso central


(SNC) e pela perda progressiva de neurônios. Como exemplo, podem ser citadas a doença de Alzheimer, de
Parkinson, de Huntington e a esclerose lateral amiotrófica.
A Doença de Parkinson (DP) é uma afecção neurodegenerativa relacionada a prejuízos motores, neu-
ropsicológicos e sensoriais. Caracteriza-se clinicamente por disfunções motoras como rigidez muscular, lentidão
dos movimentos voluntários, tremor dos membros e instabilidade postural. No entanto, apresenta-se também
com distúrbios não motores, os quais são muitas vezes negligenciados, como prejuízo cognitivo, dor, transtornos
do sono, disfunção sexual, constipação, hipotensão postural, déficit de memória, ansiedade e depressão.
Depois da demência do tipo Alzheimer, a doença de Parkinson é a enfermidade neurodegenerativa
mais frequente no mundo,1 sendo causa comum de aposentadoria por invalidez. Sua prevalência mundial em
2012 era de 100 a 300 doentes por 100.000 habitantes,2 afetando de 1 a 3% das pessoas com mais de 65 anos
e 4% daquelas com mais de 85.3 Essa estatística condiz com as estimativas da Organização Mundial de Saúde
(OMS), e resulta em cerca de 6,3 milhões de pessoas acometidas no mundo.
Com o envelhecimento populacional, a tendência prevista é a de que este número aumente. Assim, a DP
tem relevância para a saúde pública, tanto pela sua alta prevalência, quanto pelo alto grau de sofrimento e inca-
pacitação a ela associados. Além disso, sua compreensão é um desafio às Neurociências e, ao mesmo tempo, uma
janela para a elucidação dos mecanismos subjacentes à sobrevida neuronal e à neurodegeneração. O presente ca-
pítulo busca sintetizar o que se entende e o que ainda se discute sobre a doença de Parkinson e o seu tratamento.

2 EPIDEMIOLOGIA

De acordo com várias referências, a incidência da DP varia de 5/100.000 a mais de 35/100.000 no-
vos casos por ano e aumenta de 5 a 10 vezes dos 60 aos 90 anos de idade.4 À medida que a população global
envelhece, espera-se um acréscimo na prevalência da DP, que poderá dobrar nos próximos 20 anos.4 Em
2016, mais de 6 milhões de indivíduos possuíam a doença;5 e, em 2040, o número de pessoas acometidas é
projetado em todo o mundo para exceder 12 milhões.6
A DP surge, geralmente, entre os 50 e 80 anos de idade, com um pico na sétima década de vida. Em-
bora acometa ambos os sexos, estudos epidemiológicos mostram uma maior frequência no sexo masculino,
com uma proporção homem/mulher de 1,5. Esse dado não está explicado, mas poderia se dever a possíveis
fatores, como diferenças no estilo de vida e no grau de exposição a fatores ambientais e à possível ação neu-
roprotetora dos estrogênios.7
A manifestação clínica é bastante variável, o que pode dificultar o diagnóstico. Por exemplo, alguns
sintomas, como o congelamento da marcha, aparecem em 21% dos pacientes nas fases iniciais da doença e
em 80% nos estágios mais avançados.8
221
O fator de risco mais evidente é a história familiar. Pesquisas populacionais apontam que, quando o
Tópicos em Neurociência Clínica

indivíduo possui um parente com DP, há risco de 2,3 a 3,7 vezes maior de desenvolver a doença.9
A base de dados epidemiológicos da DP no Brasil é escassa. No entanto, os números existentes mos-
tram um padrão semelhante ao de países desenvolvidos, em que a prevalência é de 3,3% em pessoas com
idade igual ou superior a 64 anos. Cerca de 10% dos doentes têm entre 80 e 85 anos e 14,3% possui mais de
85 anos. Além disso, cerca de 36 mil novos casos surgem por ano no nosso país.10

3 ETIOLOGIA

A etiologia da DP ainda é controversa, mas supõe-se que seja multifatorial11 e os mecanismos etio-
patogênicos relacionados incluam a predisposição genética combinada a fatores ambientais, estresse oxida-
tivo, anormalidades mitocondriais e/ou alterações do envelhecimento.
Mutações monogênicas foram identificadas como causadoras de variantes familiares da doença, como
mutações nos genes alfa-sinucleína (SNCA), quinase 2 de repetição rica em leucina (LRRK2), proteína de classifica-
ção vacuolar 35 (VPS35), Parkin, Fosfatase e quinase 1 induzida por homólogo de tensina (PINK1) e Oncogene DJ-1
(DJ-1). Os genes SNCA, LRRK2 e VPS35 são associados à herança autossômica dominante; enquanto que mutações
nos genes recessivos Parkin, PINK1 e DJ-1 resultam em DP de início precoce.12 É importante, porém, ressaltar que
as mutações monogênicas respondem por uma ínfima minoria dos casos da doença. Seu interesse reside no fato
de abrirem possibilidades para o entendimento dos mecanismos biomoleculares da degeneração neuronal.
Há indícios de que fatores ambientais contribuam para o risco de DP. Pessoas expostas a pesticidas e
herbicidas (como os que contêm rotenona) têm maior risco de desenvolver a doença, supostamente porque a ex-
posição a esses produtos induz a agregação da proteína alfa-sinucleína— os agregados que constituem os corpos de
Lewy— que é o substrato anátomo-patológico da doença. O elevado consumo de carne vermelha pode aumentar
a geração de radicais livres e contribuir significativamente para a degeneração de neurônios dopaminérgicos.13 En-
tretanto, os fatores de risco ambientais ainda não estão claramente estabelecidos, necessitando de maior evidência.
O estresse oxidativo corresponde a um desequilíbrio entre a produção de espécies reativas de oxi-
gênio durante o metabolismo celular e a sua remoção por atividade antioxidante. O acúmulo de espécies
reativas de oxigênio ativa genes que desencadeiam a morte celular programada (apoptose). No caso da DP, a
neurodegeneração ocorre por estresse oxidativo, tanto na substância negra do mesencéfalo, como em diver-
sas outras áreas cerebrais. Junto a isso, a dopamina possui um poder auto-oxidativo e produz, por meio de
sua degradação, neuromelanina e radicais livres, como peróxido. Portanto, a grande renovação de dopamina
é um fator predisponente de estresse oxidativo, bem como a presença de ferro reativo e a deficiência de
glutationa. Dados mais antigos mostram que em cérebros de pacientes com DP há achados de altos níveis de
ferro, diminuição da glutationa e danos oxidativos aos lipídeos, às proteínas e também ao DNA.14

4 FISIOPATOLOGIA

As estruturas e vias que possuem influência na motricidade são agrupadas didaticamente em dois
sistemas: o piramidal e o extrapiramidal. O sistema piramidal tem origem nos neurônios no córtex motor, os
quais, após um longo trajeto descendente, fazem sinapse no bulbo e na medula espinhal. Ele responde pela
execução dos movimentos voluntários e lesões nesse sistema ocasionam perda total ou parcial da força.15 O
sistema extrapiramidal compreende todas as demais estruturas e circuitos neurais motores do SNC, tendo
como principais estações de processamento o tálamo, o cerebelo e os núcleos da base. Suas funções consis-
tem na regulação do tônus muscular e dos reflexos posturais, na seleção (inibição/ou desinibição) dos atos
motores e no controle da execução de tarefas motoras automáticas, como a marcha, a dança e a escrita.

222
Dentro do sistema extrapiramidal, particularmente os núcleos da base (NB) estão associados à fisio-

Tópicos em Neurociência Clínica


patologia da doença de Parkinson. Trata-se de agregados de corpos neuronais dentro da substância branca
cerebral, que se conectam uns com os outros e com o tálamo e o córtex cerebral, compondo circuitos, ou
alças paralelas que controlam a motricidade, a cognição, a atenção e a motivação. A figura 1 ilustra seus res-
pectivos nomes e localizações anatômicas: o núcleo caudado e o putâmen (que constituem o neoestriado); o
globo pálido (que forma o paleoestriado); o nucleus accumbens (ou estriado ventral) e o claustrum. Funcio-
nalmente, porém, o núcleo subtalâmico e a substância negra também são considerados NB.

Figura 1 – Núcleos da Base.


Fonte: MAGNO, Gabriel, 2021. Adaptado de Fundamentos em Bio-Neuro Psicologia.16

4.1 SUBSTÂNCIA NEGRA


A substância negra é um núcleo compacto situado no mesencéfalo, constituído por neurônios com
inclusões de melanina (que os deixa escuros — daí o nome substância negra). Grande parte de suas células
produz dopamina, que é liberada no corpo estriado. Assim, a degeneração dos neurônios dopaminérgicos
da substância negra ocasiona redução das aferências dopaminérgicas para o corpo estriado, sendo este um
fenômeno que já ocorre em diferentes graus durante o envelhecimento normal, e que justifica alguns dos sin-
tomas motores de pessoas idosas, como a lentificação dos movimentos. Entretanto, na doença de Parkinson
a morte de neurônios dopaminérgicos é bem mais acentuada.
Formada por duas partes interconectadas, a substância negra divide-se em: parte compacta (SNc)
e parte reticulada (SNr). A primeira é formada pelos neurônios que possuem melanina e tem como neuro-
transmissor a dopamina, projetando-se para o neoestriado. Já a parte reticulada é constituída por neurônios
inibitórios gabaérgicos e conecta-se com o neoestriado, colículo superior e núcleo tegmental peduncular
pontino.17 Principalmente a SNr contribui para o controle do tônus muscular envolvido na postura e na mar-
cha. Com o aumento do disparo dos neurônios gabaérgicos da SNr pela depleção dopaminérgica ocorre o
surgimento dos sintomas da DP, como a bradicinesia, a rigidez e as alterações de marcha.18

4.2 VIAS DIRETA E INDIRETA DO CONTROLE MOTOR


Os núcleos da base executam sua função no movimento por meio de duas vias de retroalimentação
em cadeia, pelas quais neurônios de diferentes núcleos modulam a atividade do núcleo de sua projeção. Na

223
via direta, os neurônios gabaérgicos do estriado inibem os neurônios gabaérgicos do globo pálido interno
Tópicos em Neurociência Clínica

(GPi) e da SNr (cuja função é inibir os neurônios do tálamo), promovendo assim a desinibição talâmica, de
forma que o tálamo pode exercer a estimulação dos neurônios do córtex cerebral. Na via indireta, neurônios
gabaérgicos do estriado inibem os neurônios gabaérgicos do globo pálido externo (GPe), reduzindo a inibição
destes sobre os neurônios glutamatérgicos excitatórios do núcleo subtalâmico. Este último ativa os neurônios
gabaérgicos do GPi e da SNr, que inibem o tálamo e consequentemente diminuem a atividade do córtex.18
Nesse processo, a dopamina exerce efeito inibitório sobre a via indireta, cujos neurônios expressam
o receptor D2 e efeito facilitatório sobre a via direta, cujos neurônios expressam o receptor D1. A ação dopami-
nérgica resulta em redução da atividade do GPi e SNr, com diminuição da inibição sobre o tálamo e, consequen-
temente, aumento da atividade cortical. Portanto, na DP, a redução da dopamina ocasiona redução na atividade
da via direta e hiperatividade na via indireta, com a consequente redução do movimento.19 A redução de do-
pamina na via nigroestriatal ocasiona acréscimo do disparo dos neurônios GABAérgicos no GPi e na SNr devido
a menor facilitação da via direta e menor inibição da via indireta. Com isso, a ativação da via indireta promove
excitação dos neurônios do núcleo subtalâmico e inibição do tálamo, dificultando o movimento.

Setas cheias correspondem a estímulos excitatórios; setas pontilhadas, inibitórios.


Glu = glutamato; GABA = Ácido gamaminobutírico; DOPA = Dopamina. Via direta: Striatum e pálido interno. VIa Indireta:
Striatum, pálido e externo, subtálamo e pálido interno.
Figura 2 – Vias do controle motor. A via direta (striatum e pálido interno) ocasiona um aumento da atividade do córtex,
enquanto a via indireta (striatum, pálido externo, núcleo subtalâmico e pálido interno), uma diminuição dessa atividade. A
dopamina age no corpo estriado por meio da atuação nos receptores D1 e D2, que interagem com as vias direta e indireta,
respectivamente, estimulando a via direta e inibindo a indireta. Na imagem, as setas verdes representam estímulos exci-
tatórios, enquanto que as vermelhas, inibitórios. GABA = ácido gama-aminobutírico; Glu = glutamato; Dopa = dopamina.
Fonte: MAGNO, Gabriel, 2021. Adaptado de JÚNIOR, 2006.20

224
5 ACHADOS ANATOMOPATOLÓGICOS NA DOENÇA DE PARKINSON

Tópicos em Neurociência Clínica


O marcador neuropatológico da Doença de Parkinson é a presença de corpos de Lewy, os quais
são inclusões proteicas intracitoplasmáticas formadas como resposta citoprotetora aos níveis elevados de
proteínas anormais e tóxicas nas células neuronais. O principal constituinte desses corpos é a proteína alfa-
-sinucleína, mas também podem conter outras proteínas, como a ubiquitina e a sinfilina-1.
Diversas evidências sugerem que a alfa-sinucleína está envolvida com processos metabólicos nos
terminais nervosos pré-sinápticos, funcionando como uma molécula chaperona, ligando-se a outras pro-
teínas e interagindo nos terminais sinápticos com proteínas que regulam a homeostase de dopamina de
neurônios dopaminérgicos nigroestriatais. Ela também regula a atividade da enzima tirosina-hidroxilase, que
participa da síntese de dopamina.
Os agregados da proteína alfa-sinucleína no cérebro constituem um marcador molecular do grupo
de doenças neurodegenerativas denominadas sinucleinopatias— a doença de Parkinson, a demência dos
corpos de Lewy e a atrofia de múltiplos sistemas. Alguns mecanismos parecem estar envolvidos na formação
desses agregados, como alterações pós-traducionais da alfa-sinucleína e disfunção mitocondrial. A inibição
do complexo mitocondrial ocasiona falha energética nas células e formação de radicais livres. Modificações
na proteína promovem estresse oxidativo, influenciando sua oxidação e capacidade de agregação. Outras
alterações, como diminuição do pH e aumento da temperatura, interação com lipídios, produtos tóxicos,
como o 1-metil-4-fenil1,2,3,4-tetrahidropiridina (MPTP), pesticidas, íons metálicos e falha no sistema ubiqui-
tina-proteassoma, responsável pela eliminação de proteínas mutantes e danificadas, também são descritos
como responsáveis pela formação de agregados de alfa-sinucleína.21
Junto à degeneração que ocorre na substância negra, há também perda neuronal em outras regiões
encefálicas. Estudos anátomo-patológicos post-mortem permitiram correlacionar os achados clínicos com os
histológicos, elaborando 6 estágios para a doença de Parkinson, o chamado estagiamento de Braak.
No estágio 1, as estruturas acometidas são o núcleo motor dorsal do vago, com perda de neurônios
colinérgicos; a formação reticular bulbar, cujos neurotransmissores são noradrenalina e acetilcolina; e o nú-
cleo olfativo anterior, que contém neurônios noradrenérgicos. A perda desses neurônios ocasiona a expres-
são de sintomas como constipação intestinal, distúrbios do sono (transtorno comportamental do sono REM)
e hiposmia, respectivamente. No estágio 2, são acometidos os núcleos da rafe, a formação reticular e do
locus coeruleus. O comprometimento das células serotoninérgicas dos núcleos da rafe se associa à ansiedade
e à depressão. Alterações na formação reticular, cujo neurotransmissor é a acetilcolina, estão relacionadas
com distúrbios do sono; enquanto que o acometimento do locus coeruleus noradrenérgico relaciona-se com
maior propensão à dor.
No estágio 3, os corpos de Lewy atingem os núcleos magnocelulares do prosencéfalo basal e a
SNc. O comprometimento dessa última está associado ao desenvolvimento dos sintomas motores clássicos
da DP— tremor, bradicinesia e rigidez—, que surgem quando cerca de 50-70% dos seus neurônios já foram
perdidos. As alterações nos núcleos magnocelulares— compostos por neurônios colinérgicos— estão relacio-
nadas com distúrbios do sono e prejuízo cognitivo.
No estágio 4, os corpos de Lewy são encontrados no mesocórtex temporal anteromedial, no núcleo
central da amígdala, nos núcleos orais da rafe, núcleo cortical acessório, núcleo intersticial da stria terminalis,
no claustrum ventral e no tálamo, correlacionado-se com disfunções mnemônicas, executivas e de comporta-
mento, come apatia e distúrbios do sono. No estágio 5, há progressão das alterações neuropatológicas para o
neurocórtex, destacando o início do processo de demência, com hipomnésia, disfunção executiva, apraxia e
agnosia. Por último, no estágio 6, ocorre acometimento de áreas corticais primárias. Além das manifestações
dos outros estágios, podem-se agravar as alterações cognitivas, comportamentais e motoras.22

225
As observações anátomo-patológicas tornam evidente que a DP compromete vários sistemas de
Tópicos em Neurociência Clínica

neurotransmissores, não apenas as vias dopaminérgicas, mas também as serotoninérgicas, colinérgicas e


noradrenérgicas.
Participando de várias funções, como emoção, cognição e comportamento motor, o sistema seroto-
ninérgico associa-se na DP a sintomas tais como tremores, fadiga, alucinações e depressão. Observa-se perda
progressiva e não linear de corpos celulares serotoninérgicos, com a presença de agregados de Lewy nos
núcleos da rafe e redução dos marcadores serotoninérgicos no estriado, hipotálamo e córtex frontal, embora
esse processo ocorra de forma mais lenta que a perda dopaminérgica.23
A liberação da acetilcolina depende do controle inibitório da dopamina, através de sua ação sobre os
receptores do tipo D2 presentes nos interneurônios colinérgicos. A redução da atividade dopaminérgica oca-
siona aumento da liberação de acetilcolina e excesso de estimulação dos receptores muscarínicos do estriado.
Por último, é fundamental destacar a importância do núcleo pedunculopontino (PPN) na fisiopato-
logia da DP. Ele está localizado na ponte superior, na porção do tegmento ponto-mesencefálico e sua massa
principal encontra-se ao nível do núcleo troclear, fazendo parte da região locomotora mesencefálica no tron-
co cerebral superior.
O PPN divide-se em dois subnúcleos: a pars compacta (PPNc) e a pars dissipatus (PPNd) e é consti-
tuído por neurônios colinérgicos e não colinérgicos com projeções aferentes e eferentes para o córtex, o tála-
mo, o cerebelo, a medula espinhal e os gânglios da base. Sua função é de controle da postura e da marcha,
sendo alvo de modulação inibitória GABAérgica exercida pela SNr, a qual se torna excessiva na DP, levando
aos distúrbios posturais e de equilíbrio.
O PPN tem sido alvo de estudos, visando a sua estimulação cerebral profunda para tratamento dos
déficits motores axiais na DP, principalmente do congelamento da marcha e das quedas.24

6 NEUROINFLAMAÇÃO E DOENÇA DE PARKINSON

Os processos de neuroinflamação e de estresse oxidativo caminham juntos na patogênese da DP,


culminando na degeneração neuronal progressiva, principalmente dos neurônios nigrais, que são mais vulne-
ráveis ao estresse oxidativo, em decorrência do seu conteúdo menor de glutationas antioxidantes e elevado
conteúdo de ferro.
As células do sistema imune inato consistem na primeira linha de defesa do organismo contra agentes
agressores. Elas possuem receptores que reconhecem os patógenos e ativam a produção de moléculas inflamató-
rias. Dentre esses receptores, os Toll-Like-Receptors (TLRs) reconhecem diversas moléculas que estão associadas
ao dano tecidual. Eles são expressos por células do sistema imune inato, mas também por neurônios, astrócitos e
linfócitos T e B. Os antígenos microbianos consistem nos padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs), e
as moléculas provenientes de danos teciduais consistem nos padrões moleculares associados a dano (DAMPs).25
No SNC, as principais células de defesa são a micróglia e os astrócitos, sendo que ambos expressam
TLRs, cuja interação com PAMPs e DAMPs ativa a produção de citocinas pró-inflamatórias. Os principais fato-
res de transcrição relacionados nesse processo são o fator nuclear (NF-κβ), a proteína ativadora 1 (AP-1), o
fator de resposta ao interferon 3 (IRF3) e o fator de resposta ao interferon 7 (IRF7). Os dois primeiros ligam-se
a regiões promotoras gênicas e estão envolvidos na transcrição de genes para citocinas, as quais medeiam a
resposta inflamatória; enquanto que os dois últimos induzem a produção de interferons tipo 1 (IFN-α e IFN-β)
e citocinas importantes nas respostas antivirais. Com relação à ativação do NF-κβ, este desempenha um papel
importante na patogênese da DP, uma vez que, quando ativado, adentra o núcleo das células e impulsiona a
transcrição de vários fatores pró-inflamatórios, como as interleucinas IL-1β e IL-6, ciclo-oxigenase-2 (COX-2) e
o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α).
226
A micróglia é constituída por macrófagos residentes no SNC que se originam de precursores da me-

Tópicos em Neurociência Clínica


dula óssea hematopoiética. Ela é fundamental na homeostase e na imunovigilância do SNC, monitorando a
atividade sináptica, eliminando células apoptóticas e exercendo suporte trófico para os neurônios. Também é
altamente sensível a perturbações no ambiente neuronal. Devido a essa sensibilidade, na presença de estímulo
nocivo, PAMPs ou DAMPs, e na sua persistência, ocorre aumento da expressão de receptores TLRs que ativam a
micróglia, que então secreta óxido nítrico, quimiocinas e citocinas pró-inflamatórias, tais como IL-1β, IL-6, IL-12
e TNF-α, substâncias mediadoras da neuroinflamação. Trabalhos recentes mostram que a proteína alfa-sinucleí-
na ativa a micróglia via TLR2 e, por isso é considerada um DAMP, possivelmente relevante na origem da DP.26
Ademais, é fundamental destacar a barreira hematoencefálica (BHE) nesse processo. Trata-se de
uma barreira física e funcional, constituída por células endoteliais e suas interações com os astrócitos, de
modo a impedir que proteínas do sangue, anticorpos, células do sistema imunológico e drogas penetrem
no parênquima cerebral. A secreção de citocinas, quimiocinas e TNF-α atua no endotélio desta barreira,
enfraquecendo as junções estreitas entre suas células endoteliais e regulando a expressão de moléculas de
adesão, as quais recrutam células T circulantes, monócitos e proteínas. Com isso, ocorre aumento da permea-
bilidade da BHE, com maior entrada de células imunes circulantes, anticorpos e citocinas pró-inflamatórias.27
A análise do sangue periférico mostrou suprarregulação de citocinas pró-inflamatórias, como IL1-β,
IL-2, IL-6, IFN-γ e TNF-α, não apenas no LCR, mas também no plasma de pacientes com DP, sugerindo que não
apenas a neuroinflamação, mas também a inflamação sistêmica participe na patogênese do dano neuronal
na substância negra.28
Além da resposta imune inata, pesquisas post-mortem mostram que o sistema imune adaptativo
também está envolvido no processo patogênico da DP, por meio da presença de linfócitos T CD4+ e CD8+ na
vizinhança dos vasos sanguíneos e próximos aos neurônios dopaminérgicos em tecidos cerebrais. Os pacien-
tes com DP apresentam maior número de células T no mesencéfalo ventral; modelos de DP em camundongos
também mostram a presença de células T no cérebro e indícios de que essas células sejam autorreativas, re-
conhecendo peptídeos derivados de alfa-sinucleína como antígenos estranhos e gerando resposta autoimu-
ne. No entanto, apesar da infiltração destas células ter uma possível relação com a neurodegeneração, o
papel da imunidade adaptativa na patogênese da DP ainda permanece indefinido.

7 DOENÇA DE PARKINSON E EIXO INTESTINO-CÉREBRO

Nos últimos anos, diversas análises revelaram a existência de uma relação entre o sistema gas-
trointestinal e o cérebro, o chamado eixo intestino-cérebro. Foi constatado que a microbiota intestinal de-
sempenha um importante papel nos processos digestivos, estado emocional, funções cognitivas, respostas
imunológicas e produção de uma variedade de TLRs, e que alterações nesta relação complexa está associada
à patogênese de vários distúrbios neurobiológicos. O eixo microbiota-intestino-cérebro, assim como o siste-
ma nervoso entérico tem atraído atenção em relação à patogênese da DP, na qual a disfunção gastrointestinal
pode se desenvolver cerca de 20 anos antes dos sintomas motores.
O sistema nervoso entérico (SNE) consiste em dois plexos ganglionares compostos por neurônios
e glia que, em conjunto com estruturas vagais simpáticas e parassimpáticas, regulam diversas funções intes-
tinais, como a motilidade e a secreção de hormônios. Os dois plexos são amielínicos e possuem neurônios
que se projetam para a mucosa. O plexo mioentérico ou plexo de Auerbach é localizado entre as camadas
longitudinal externa e circular interna do intestino e o plexo submucoso ou plexo de Meissner, na camada
submucosa.29 Os sistemas nervosos parassimpático e simpático enviam informações para o SNE e recebem
informações das fibras aferentes do nervo vago e das vias aferentes espinhais. Por meio dessas duas vias, o
SNE interage com os gânglios simpáticos pré-vertebrais e com o SNC.30
227
As células enteroendócrinas são quimiossensoriais, eletricamente excitáveis, e​​ residem na mucosa
Tópicos em Neurociência Clínica

do TGI. Possuem uma superfície apical que é exposta ao lúmen do intestino e uma porção basal que apresen-
ta grânulos secretores abundantes, o que permite respostas a sinais como nutrientes ou bactérias no intes-
tino. Essas células possuem características semelhantes a neurônios— como a presença de proteínas pré e
pós-sinápticas— e fazem sinapses com os nervos entéricos submucosos, indicando a presença de um circuito
neural que conecta o lúmen intestinal ao SNC.31
O diálogo bidirecional entre cérebro e intestino envolve mecanismos como a rede neural entérica,
o sistema imunológico, o eixo neuroendócrino hipotalâmico-pituitária-adrenal, neurotransmissores e regula-
dores neurais.32 Alguns possíveis mecanismos são responsáveis por mudanças na composição da microbiota
intestinal. Um deles é a ativação do receptor TLR 4 por meio do superestímulo do sistema imune inato da
mucosa intestinal. Tal processo ocorre devido a desequilíbrios na composição da mucosa, o que pode aumen-
tar o estresse oxidativo e ativar neurônios e células gliais entéricas, auxiliando no processo de dobramento
incorreto e acúmulo de alfa-sinucleína no SNE.33
Nos estágios iniciais da DP, observa-se aumento da permeabilidade intestinal, o chamado leaky gut
ou síndrome do intestino permeável, ocasionada pela barreira intestinal defeituosa. Esse defeito facilita a
translocação de produtos microbianos, como lipopolissacarídeos, e a disseminação de bactérias através dos
espaços nas junções entre as células para o tecido linfóide mesentérico, ativando células imunes da mucosa
que liberam citocinas inflamatórias e ativam o sistema nervoso vagal.30 Nesse processo, o nervo vago pode
oferecer um caminho para a disseminação do acúmulo da proteína alfa-sinucleína do SNE para o cérebro
através do tronco cerebral, prosencéfalo basal e áreas corticais.34 Esses eventos podem resultar na liberação
de peptídeos neuroativos, os quais modulam o SNE e o SNC.
Análises de amostras fecais de indivíduos com a DP revelaram níveis elevados de Enterobacteria-
ceae e níveis reduzidos da família de bactérias Prevotellaceae, relacionada com a síntese de mucina e cuja
redução está associada ao aumento da permeabilidade intestinal e da translocação de antígenos bacterianos.
Além disso, os estudos constataram aumento da presença de bactérias Escherichia coli e maiores níveis de
nitrotirosina e de lipopolissacarídeos no intestino de pacientes com DP. A redução da abundância de Prevo-
tellaceae, junto ao aumento de bactérias Lactobacilliceae foi associada a menores concentrações de grelina,
hormônio intestinal primordial na manutenção e proteção da função da dopamina nigroestriatal normal.32

8 DOENÇA DE PARKINSON E SISTEMA ENDOCANABINOIDE

O sistema endocanabinoide é responsável pela modulação de diversas funções fisiológicas, que


incluem o humor, a cognição, o controle motor e a dor. É constituído por endocanabinoides (eCBs), enzimas
e receptores canabinoides. Os endocanabinoides como N-araquidonoiletanolamina ou anandamida e 2-ara-
quidonoilglicerol (2-AG) são derivados do ácido araquidônico, sintetizados e metabolizados por diferentes
vias, interagindo com os dois principais receptores canabinoides: do tipo 1 (CB1) e do tipo 2 (CB2).35 Além
dessa interação, os endocanabinoides podem se acoplar a outros receptores, como ao receptor de potencial
transitório vaniloide tipo-1 (TRPV1), expresso nos terminais nervosos pós-sinápticos.
Os CB1 são receptores metabotrópicos acoplados à proteína G, localizada na membrana celular. São
mais encontrados nos córtices límbicos e, em níveis mais baixos, nas regiões sensoriais e motoras primárias. No
sistema nervoso entérico, os receptores CB1 estão presentes em todas as classes de neurônios entéricos, exceto
nos neurônios motores inibitórios.36 Os CB2 também são receptores acoplados à proteína G e são expressos em
níveis elevados nos tecidos imunológicos periféricos, como o baço e as amígdalas e em células imunológicas,
como monócitos e linfócitos CD4 e CD8 e na micróglia. Pesquisas também indicam que eles possivelmente de-
sempenham um papel importante na limitação das respostas inflamatórias secundárias à ativação microglial.
228
Os endocanabinóides não ficam armazenados em vesículas, mas são sintetizados sob demanda, a

Tópicos em Neurociência Clínica


partir de lipídeos de membrana, em resposta a sinais específicos. A anandamida é sintetizada a partir de N- ar
aquidonoilfosfatidiletanolamina (NAPE) e a principal enzima para sua degradação é a amida-hidrolase de
ácidos graxos (FAAH). A anandamida tem atividade muito baixa sobre o CB2, mas é um agonista parcial de
alta afinidade do receptor CB1 e um ligante natural do TRPV1. Já a 2-AG atua como um agonista total em
ambos os receptores com afinidade baixa a moderada.37
No SNC, os eCBs são produzidos por neurônios, mas também por células gliais. Estudos em cultura
indicaram que a micróglia produz 2-AG e anandamida e sugerem que seja a principal produtora de endocana-
binoides em condições de neuroinflamação, exercendo aqui ação antiinflamatória.
Os endacanabinóides têm a particularidade de serem neurotransmissores retrógrados. Após sua
liberação pelo neurônio pós-sináptico, eles se ligam aos receptores da membrana pré-sináptica de modo
a inibir a liberação de um determinado neurotransmissor. Essa sinalização retrógrada produz um mecanis-
mo de feedback inibitório, modulando diversos neurotransmissores, como GABA glutamato acetilcolina e
5-hidroxitriptamina.35
Apesar de dados indicarem que os neurônios dopaminérgicos nigroestriatais não expressam recep-
tores CB1, eles são afetados pelo sistema endocanabinoide, possivelmente de forma indireta através da ação
sobre receptores CB1 presentes em regiões neuronais conectadas aos neurônios dopaminérgicos.
Outras evidências da importância do sistema endocanabinoide no controle do movimento são
a presença marcante de receptores CB1, CB2 e TRPV1 nos gânglios da base e cerebelo e a ação inibitória
de canabinoides (derivados de plantas, sintéticos e endógenos) sobre a atividade motora. Em modelos
experimentais de DP, os canabinoides apresentam ação de reduzir o estresse oxidativo e aumentar a
densidade de receptores CB2, principalmente na micróglia. Isto sugere que a modulação anti-inflamatória e
neuroprotetora do sistema endocanabinoide poderia ser útil no tratamento da DP.

9 SINTOMAS MOTORES

Os sintomas da DP dividem-se didaticamente em três grupos: os sintomas motores, as alterações


cognitivas, neuropsiquiátricas e as disautonomias. A manifestação dos sintomas motores ocorre quando já
houve perda de 50 a 70% dos neurônios da SNc e caracterizam a clássica tétrade do parkinsonismo — bradici-
nesia, rigor, tremor e instabilidade postural—, que resulta em um conjunto amplo de sinais clínicos (tabela 1).
São necessários, no mínimo, dois componentes da tétrade para caracterizar a síndrome, devendo um deles
ser a bradicinesia.

Tabela 1: Sintomas motores da DP.

Craniofacial Visual Musculoesquelético Marcha

Visão turva, redução do Tremor de repouso, postura


Pequenos
contraste, apraxia de em anteflexão, cifose e/ou
Prejuízo da voz, redução passos, Redução do
abertura palpebral, mo- escoliose, dificuldade para
do movimento de piscar, movimento pendular
vimentos oculares invo- virar-se na cama, mioclonias,
disfagia, hipomimia. dos braços, freezing,
luntários com perda de camptocormia,
festinação.
precisão. micrografia.

Fonte: BLOOD, 2016.38

229
Atualmente, a DP é uma das doenças neurodegenerativas com maior impacto negativo na funciona-
Tópicos em Neurociência Clínica

lidade, principalmente nas Atividades de Vida Diária (AVD´s), o que resulta em diminuição da interação social,
da independência e da qualidade de vida dos pacientes.39 O tremor é geralmente o primeiro sinal, porém
outros sintomas podem precedê-lo, como a bradicinesia e a rigidez. Além disso, o tremor permanece ausente
em até 25% dos pacientes com a DP.
A bradicinesia, considerada indispensável para o diagnóstico clínico de parkinsonismo, caracteriza-
-se pela lentificação dos movimentos voluntários. Todos os aspectos do movimento são afetados, desde o seu
início, sua direção, a habilidade em interrompê-lo e reiniciá-lo, sua velocidade e amplitude, resultando em
prejuízo de marcha, expressão facial, fala e dificuldades para execução de tarefas diárias comuns que reque-
rem coordenação motora fina, como abotoar roupas ou usar utensílios.40
A rigidez da DP se define pelo aumento da resistência muscular à movimentação passiva. As alte-
rações dos circuitos fronto-estriatais e a inibição aumentada do PPN resultam em prejuízo da inibição dos
músculos antagonistas, necessária à execução fluida dos movimentos voluntários.
A rigidez pode ser simétrica, ou assimétrica, ter predomínio axial, ou apendicular. Ela é responsável
pela face em máscara do paciente (hipomimia), em que o mesmo permanece com a expressão facial conge-
lada, a boca semiaberta e o piscamento ocular reduzido. Pode haver também salivação excessiva (sialorreia),
fala hipofônica e gagueira.
O tremor em repouso é um sintoma bem característico da doença, mas não essencial para
o seu diagnóstico. O mesmo progride devagar, podendo se iniciar em apenas um dos lados do corpo,
sendo mais comum nas extremidades, mas também pode ser visto na mandíbula/queixo e na língua.
Possui frequência baixa, de 4 a 6 Hz e raramente acomete pescoço, cabeça ou voz. O tremor parkinso-
niano diminui com a movimentação voluntária e está ausente durante o sono, podendo aumentar com
tensão emocional ou fadiga. Nos membros superiores, a oscilação típica é de supinação e pronação do
antebraço. Nas mãos, há o chamado movimento de “contar dinheiro”, com movimentos alternados de
flexo-extensão dos dedos, adução e abdução do polegar, como num gesto de contar dinheiro, ou de rolar
bolinhas de gude.
Com o avanço da doença, os sinais de instabilidade postural tornam-se mais acentuados, o que se
associa com a degeneração do PPN e com o aumento anormal da inibição exercida pela SNr sobre a região
locomotora mesencefálica.25
A pessoa com DP tende a adquirir postura em flexão com hiperlordose cervical e redução do
movimento pendular dos braços e da amplitude dos passos durante a marcha. Assim, a marcha parkinso-
niana é caracterizada por passos curtos, arrastados, com aumento da fase de duplo apoio e encurtamen-
to do período de apoio simples. Pode ocorrer aceleração involuntária, fenômeno denominado festina-
ção. Há também empobrecimento dos movimentos — a mobilidade das articulações do tronco, quadril,
joelhos, tornozelos e pelve é reduzida—, por isso a denominação marcha em bloco. Ocorre dificuldade em
manter a postura após desequilíbrio, com tendência a cair para a frente ou para trás quando o centro da
gravidade é deslocado (perda dos reflexos posturais), o que contribui para quedas. As alterações posturais
comprometem também a respiração, uma vez que pode ocorrer redução da amplitude de movimento da
musculatura respiratória.41
Um fenômeno comum e ainda não explicado na DP é o freezing (congelamento), caracterizado pela
perda abrupta da capacidade de iniciar, ou continuar o movimento que pode ser desencadeado por situações
que exigem mudanças do comando motor, como começar a subir/descer uma escada, virar-se, levantar-se,
ou, até mesmo, passar por uma porta.

230
10 ALTERAÇÕES NÃO MOTORAS

Tópicos em Neurociência Clínica


Sintomas não motores estão persentes em cerca de 88% dos pacientes com a DP, sendo os mais
frequentes a dor, a fadiga, a ansiedade, a depressão, os transtornos do sono, dificuldade de concentração e
outras alterações cognitivas (que podem evoluir para demência nos estágios avançados da doença), urgên-
cia miccional, sialorreia, hipotensão postural, dermatite seborreica, disfunção erétil, constipação e perda de
olfato (anosmia). Em conjunto, os sintomas não motores tendem a ser subdiagnosticados e pouco valoriza-
dos durante o acompanhamento terapêutico. No entanto, eles constituem causa expressiva de sofrimento e
incapacitação. A tabela 2 exibe sua subdivisão em alterações cognitivas, neuropsiquiátricas e disautonomias.

Tabela 2: Alterações não motoras da DP.

Transtorno neurocognitivo com


Alterações cognitivas
disfunção executiva, delírios.

Alterações neuropsiquiátricas/ Ansiedade, alterações do sono, depressão, alterações de humor,


apatia, alucinações, irritabilidade, mania/hipomania,
comportamentais hipersexualidade, transtornos de controle dos impulsos.

Hipotensão ortostática, sialorreia, disfunção esfíncteriana,


Disautonomias
disfunção erétil, alterações da transpiração, constipação.

Fonte: POEWE, 2008.42

A dor é uma das manifestações não motoras mais prevalentes e que compromete significativamen-
te a vida dos pacientes com DP. Ela tende a ocorrer no hemicorpo mais acometido pelos sintomas motores
e mostra correlação com a presença de sintomas depressivos, doenças reumáticas, osteoporose e diabetes
mellitus.43 Trata-se de um fenômeno complexo e de múltiplas causas. O componente nociceptivo ocorre pelo
excesso de contração muscular, sobrecarga osteoarticular, mobilidade reduzida e posições anormais — por
vezes, assumindo posturas distônicas. O componente neuropático se explica pelas alterações neurodegenera-
tivas do SNC que alteram vias associadas ao processamento de informações sensoriais.44 O componente afe-
tivo se dá pela depressão e ansiedade que frequentemente acompanham a DP e alteram os circuitos neurais
de atribuição de valor emocional e importância aos estímulos recebidos. Achados de neuroimagem mostram
que os pacientes com a DP apresentam redução da atividade das áreas cerebrais de modulação descendente
da dor (córtex cingulado anterior e córtex dorsolateral pré-frontal). O tratamento é multidisciplinar e envolve
a otimização do controle medicamentoso dos sintomas motores do parkinsonismo, tratamento farmacoló-
gico da dor, mas também da depressão e da ansiedade e medidas fisioterápicas (atividade física, técnicas de
alongamento e relaxamento muscular e procedimentos analgésicos, como TENS, ultrassom, massagens, etc.).
A depressão ocorre em cerca de 40% dos pacientes diagnosticados com DP, e se manifesta como
tristeza, desinteresse por atividades antes prazerosas, pensamentos pessimistas, baixa autoestima, sentimen-
tos de culpa, fadiga, letargia, distúrbios do sono, perda do apetite, emagrecimento, ansiedade e até mesmo
ideação suicida. Se, por um lado, ela pode ser vista como resposta emocional à limitação funcional, às alte-
rações na aparência e no desempenho e à consciência de ser portador de uma doença crônica e progressiva,
por outro, seu substrato neurobiológico é bem estabelecido, pois a depleção das aminas biogênicas, assim
como a neuroinflamação são processos sabidamente associados a sintomas depressivos. Assim como a subs-
tância negra tem função facilitadora do movimento através da alça dopaminérgica motora, a área tegmental
ventral — através de aferências dopaminérgicas para o nucleus accumbens (alça afetiva, ou mesolímbica) —
incrementa a motivação e os comportamentos de busca de recompensa, por isso a redução da modulação
dopaminérgica afeta não apenas a motricidade, mas também o afeto.
231
Na DP, os transtornos do sono são frequentes e muito variados, abrangendo sonhos atípicos, pe-
Tópicos em Neurociência Clínica

sadelos, insônia, hipersonia diurna, transtorno comportamental do sono REM, dentre outros. A insônia está
comumente relacionada à frequente vontade de urinar durante a noite (noctúria) e à acinesia, que leva à in-
capacidade de se virar no leito. Já o transtorno comportamental do sono REM se caracteriza pela ocorrência
de movimentos, por vezes violentos, durante a fase REM do sono. Normalmente, dentro do complexo circui-
to que orquestra a arquitetura do sono, neurônios colinérgicos da ponte ativam neurônios glutamatérgicos
que, por sua vez, estimulam neurônios gabaérgicos e glicinérgicos da região do bulbo ventro-rostral. Esses
neurônios têm ação inibitória sobre os motoneurônios alfa na medula espinhal, o que resulta na paralisia
esperada para esta fase de sono profundo. Assim, embora ainda não completamente explicado, o transtorno
comportamental do sono REM parece se associar à neurodegeneração em vias colinérgicas, fazendo com que
não ocorra a inibição motora, de forma que o paciente realiza movimentos—por vezes bruscos e violentos—
durante o sono REM, provavelmente acompanhando as imagens dos seus sonhos.45
As alterações cognitivas existentes na DP abrangem desde um comprometimento cognitivo leve até
franca demência. Elas podem ter início com os primeiros sintomas motores da doença e progredir de forma lenta.
De início, os sintomas se associam à disfunção dos circuitos frontoestriatais, devido à depleção dopaminérgica,
pois esta atinge não apenas a alça mesolímbica e a alça motora, mas também a alça cognitiva que envolve o córtex
dorsolateral-pré-frontal e o núcleo caudado. Por isso, o transtorno neurocognitivo na DP é agrupado nas demên-
cias subcorticais com lentificação cognitiva, disfunção executiva (planejamento, sequenciamento, memória de tra-
balho, automonitoramento), prejuízo da atenção e das habilidades visuoespaciais. Pesquisas indicam uma relação
entre a perda cognitiva e o desenvolvimento de manifestações neuropsiquiátricas, principalmente de depressão.46
A incidência de síndrome demencial nos portadores de DP é cerca de seis vezes maior que na popu-
lação geral e é cumulativa com a idade, sendo seu risco em pacientes de 85 anos de até 65%.48 Assim, cerca
de um terço dos pacientes, geralmente nos estágios tardios, apresentarão demência, sendo os fatores de
risco idade avançada, alto grau de comprometimento motor, progressão rápida da doença, baixa resposta à
levodopa e presença de alucinações. Os seus sinais iniciais normalmente incluem comprometimento visuoes-
pacial e distúrbios de linguagem, com prejuízo da capacidade de nomeação e de fluência verbal.47
Já as alucinações e os delírios ocorrem em cerca de 50% dos pacientes com DP. As alucinações con-
sistem em sensações de ver, ouvir ou sentir coisas que não existem naquele espaço ou tempo, enquanto o
paciente está acordado. Ainda com sua fisiopatologia pouco elucidada, acredita-se que as alucinações visuais
estejam relacionadas com a desregulação do bloqueio e da filtragem da percepção externa pelos circuitos
frontoestriatais e com a produção interna de imagens. Já os delírios são crenças falsas, não baseadas na
realidade ou em fatos com fundamento, porém inabaláveis e incorrigíveis. Em geral, acontecem em fases
mais avançadas da DP, sendo principalmente de natureza paranoide.
As disautonomias são frequentes na DP. Exemplos são as alterações cardiovasculares, urinárias,
sexuais, termorregulatórias e cutâneas. As queixas mais recorrentes são incontinência urinária, hipotensão
postural sintomática, constipação intestinal, incontinência fecal, disfunção erétil, retardo na ejaculação, per-
da ou diminuição da libido, hipersexualidade, anidrose e hiperidrose.
A fisiopatologia da sialorreia ainda é pouco elucidada, mas acredita-se que ela se deva à disfagia—
presente em grande parte dos pacientes com DP, principalmente em estágios mais avançados da doença—
que advém de alterações motoras da língua e da região cervical, da incoordenação hipofaríngea, da hiperto-
nia do esfíncter esofágico inferior e da redução da motilidade esofagiana.
Cerca de 30-40% dos pacientes com DP têm hipotensão ortostática, que se define pela queda per-
sistente e consistente da pressão arterial sistólica de, pelo menos, 20 mm Hg ou da pressão arterial diastólica
de, pelo menos, 10 mm Hg dentro de três minutos após mudança da posição supina para a posição ortos-
tática. Esse sintoma está relacionado com a perda de fibras simpáticas pós-ganglionares responsáveis pela
inervação cardíaca e de vasos periféricos e também com algumas drogas usadas no tratamento da DP, como
a levodopa e os agonistas dopaminérgicos.49
232
11 DOENÇA DE PARKINSON EM HOMENS E MULHERES: EXISTE DIFERENÇA?

Tópicos em Neurociência Clínica


Cada vez mais, estudos apontam para o sexo biológico como um fator importante no desenvolvi-
mento e na expressão fenotípica da DP. Assim, o risco de desenvolvê-la é duas vezes maior nos homens, mas
as mulheres acometidas possuem taxa de mortalidade mais elevada e progressão mais rápida da doença.
Essas características sugerem que o desenvolvimento da DP envolve mecanismos patogênicos diferentes em
pacientes dos sexos feminino e masculino.50
Os sintomas motores surgem mais tardiamente em mulheres com DP e têm características tais
como tremor como primeiro sintoma, rigidez menos acentuada, instabilidade postural, disfagia e alto risco
de complicações associadas ao uso de levodopa. Também há maior prevalência de sintomas não motores
como dor, ansiedade e disfagia. Já o sexo masculino possui maior risco de desenvolver congelamento da
marcha e camptocormia (postura anormal com flexão pronunciada do tronco, que desaparece em supinação
e se agrava com a marcha), distúrbio comportamental do sono REM e prejuízo cognitivo.
Alguns fatores patogênicos no sexo feminino e masculino estão relacionados com manifestações
distintas. Em homens, níveis mais altos de urato foram relacionados com prevalência reduzida e progressão
mais lenta de DP, bem como com mutações nos genes que codificam as enzimas quinase 2 de repetição rica
em leucina (LRRK2), beta-glucosidase 1 (GBA1), lisossomal glucocerebrosidase (GCase) e gliceraldeído-3-fos-
fato desidrogenase (GAPDH). Estudos de expressão gênica apontaram que os genes regulados positivamente
em mulheres estão envolvidos principalmente na transdução de sinal e maturação neuronal. Nos homens,
os genes regulados positivamente codificam proteínas envolvidas na patogênese da DP, tais como alfa-sinu-
cleína e PINK1.51 Outrossim, evidências mostram que as células dopaminérgicas femininas possuem menor
vulnerabilidade aos fatores que induzem a degeneração que os neurônios masculinos. Também é destacado
o papel do estradiol como modulador homeostático e no metabolismo de dopamina.
Níveis de colesterol total maiores que 180 mg/dL e níveis de lipoproteína de baixa densidade
maiores que 110 mg/dL, foram relacionados a um menor risco de DP em homens e mulheres de meia-idade.52

12 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico da Doença de Parkinson é clínico. Muitas vezes seus sintomas clássicos (tremor, ri-
gidez e bradicinesia) possibilitam o diagnóstico já na primeira avaliação, porém cerca de 50% dos indivíduos
descobrem a doença apenas em estágios mais avançados. A DP deve ser diferenciada do parkinsonismo se-
cundário à medicação, ao acidente vascular encefálico (AVE), a encefalites e ao traumatismo craniano ou do
parkinsonismo associado a outras doenças neurodegenerativas, como a doença de Wilson, a doença de Hun-
tington, acantocitose, paralisia supranuclear progressiva, degeneração corticobasal e atrofia multissistêmica.
Essa diferenciação é feita pela história do paciente, seus sinais clínicos, mas também através de achados de
exames subsidiários, como a RMN craniana. Destaca-se aqui que uma boa resposta à droga levodopa sugere
fortemente o diagnóstico de DP, enquanto que resposta modesta ou ausência de resposta ao levodopa, em
doses de, pelo menos, 1.200 mg/dia, sugerem outra etiologia para o parkinsonismo.

12.1 BIOMARCADORES DA DP
A busca por biomarcadores para a DP tem sido alvo de estudos, uma vez que seriam ferramen-
tas valiosas no diagnóstico precoce, no estadiamento e, até mesmo, no desenvolvimento de novos alvos
terapêuticos.

233
Sintomas como o transtorno comportamental do sono REM, anosmia/hiposmia e constipação in-
Tópicos em Neurociência Clínica

testinal, quando isolados, não são específicos da DP, mas, quando associados aos achados de neuroimagem,
podem ser subsídios para o diagnóstico precoce. Com efeito, pesquisas correlacionam danos aos sistemas
colinérgico, serotoninérgico e noradrenérgico com a perda de olfato em pacientes com DP, o que é explicado
pelo fato de tais sistemas estarem relacionados com a atividade microglial e influenciarem a inflamação, o
dano oxidativo e a ruptura citosólica.53 Dados recentes apontam que mais de 90% dos pacientes com DP apre-
sentam hiposmia, que pode surgir até 4-6 anos antes do início de algum distúrbio do movimento. De fato,
achados anátomo-patológicos confirmam a presença de depósitos de alfa-sinucleína no bulbo olfatório nas
fases iniciais do processo neurodegenerativo (estágio I de Braak).
A constipação está presente em cerca de 60% dos pacientes com a DP e, em 87% dos casos, apare-
ce antes das alterações motoras.54 Isso pode se explicar pela presença de inclusões alfa-sinucleína no TGI e
na glândula submandibular. Estudos indicam a biópsia do cólon — preferencialmente de áreas de inervação
vagal — como possível biomarcador.
Outrossim, cerca de 30% dos pacientes com DP também têm depressão, um dos primeiros sintomas
não motores da doença. Alguns fatores de risco estão relacionados a essa concomitância, como anormalida-
de no gene da glicocerebrosidase ou mutação LRRK2, apontando a depressão como um possível indicador da
DP. Os primeiros sintomas depressivos ocorrem de 1-36 anos no início dos sintomas motores.54
Com relação aos biomarcadores de imagem, a tomografia computadorizada por emissão de fóton
único do transportador de dopamina (DAT-SPECT) rastreia o funcionamento dos transportadores de dopa-
mina pré-sinápticos (proteínas de recaptação da dopamina após sua liberação na fenda sináptica). Nesse
procedimento, a substância ioflupano I123, marcada com radioisótopo, é aplicada por via intravenosa e se liga
ao DAT dos terminais dopaminérgicos da substância negra no corpo estriado, como se fosse a própria do-
pamina, permitindo a visualização da degeneração no sistema nigroestriatal, caracterizada pela redução do
DAT. Assim, o DAT-SPECT pode auxiliar na diferenciação entre distúrbios com ou sem déficit dopaminérgico
pré-sináptico, e facilitar o diagnóstico precoce e preciso.55
O fluorodopa (F-DOPA)— uma forma fluorada de levodopa marcada com Fluor18— é usado como
um radiotraçador em Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) para analisar a eficiência dos neurônios da
substância negra. Uma vez injetado na corrente sanguínea, o F-DOPA atravessa a barreira hematoencefálica
e alcança as células dopaminérgicas que devem levá-lo ao seu interior por transporte ativo e então transfor-
má-lo em fluorodopamina pela ação da enzima DOPA-decarboxilase, processo que reflete sua capacidade de
produzir dopamina. A fluorodopamina é armazenada em vesículas pré-sinápticas e, em seguida, liberada para
ligar-se aos receptores de dopamina.
O F-DOPA-PET diferencia especificamente a DP de outras doenças neurodegenerativas, avaliando
a integridade dopaminérgica pré-sináptica e associando-a com os principais sintomas da DP, como rigidez e
hipocinesia.
A imagem por ressonância magnética (MRI) em pacientes com DP mostra-se normal, ou com pou-
cas alterações, como redução de volume e aumento na quantidade de ferro na substância negra. Sua maior
utilidade está em auxiliar na exclusão de outras causas de parkinsonismo.
Mais recentemente, a ultrassonografia transcraniana também tem se mostrado como possível fer-
ramenta diagnóstica na DP. Por meio dessa técnica não invasiva, visualizam-se sinais hiperecoicos mesencefá-
licos na pars compacta da substância negra, que representam disfunção na via nigroestriatal dopaminérgica.
Acredita-se que esta hiperecogenicidade esteja associada a concentrações aumentadas de ferro, o que resul-
ta em estresse oxidativo e lesão adicional aos neurônios dopaminérgicos.55
Com relação aos biomarcadores bioquímicos, a proteína DJ-1 (deglicase) está associada à neuropro-
teção com funções de regulação da transcrição, ação antioxidante e regulação mitocondrial. O fator neuro-

234
trófico derivado do cérebro (BDNF) regula a sobrevivência neuronal e sua expressão reduzida na substância

Tópicos em Neurociência Clínica


negra relaciona-se à deterioração dos neurônios dopaminérgicos e à piora de desempenho cognitivo na DP.
Outro possível biomarcador é a glutationa— um agente antioxidante (elimina os radicais livres)
e neuroprotetor— que se mostrou deficiente em tecido nigral de pacientes com DP. Outros biomarcado-
res bioquímicos, ainda em estudo, incluem a proteína ácida fibrilar glial (GFAP), o urato e a homocisteína
plasmática.55

12.2 MICRO-RNAs
MicroRNAs (miRNAs) são pequenas fitas de RNA presentes no citoplasma das células. Ao contrário
do RNA mensageiro (mRNA), os miRNA não codificam nenhuma proteína. Sua função é de controlar o proces-
so de tradução, sendo assim um mecanismo pós-transcricional de regulação da expressão gênica. Em outras
palavras, o mRNA resultante da transcrição de um determinado gene pode ser silenciado pelo miRNA. Trata-
-se de um processo epigenético, ou seja, que não altera o código da fita de DNA, mas que muda a expressão
gênica. Os miRNA participam de inúmeras funções como proliferação, diferenciação e morte. Alguns miRNA
promovem a sobrevida e a multiplicação celular, outros as inibem.
Pesquisas com miRNAs têm se mostrado promissoras no diagnóstico e prognóstico de algumas
doenças neurodegenerativas, como a doença de Parkinson. Alguns miRNAs podem agravar ou mitigar sua
progressão, através de suas ações no SNC ou na periferia. No SNC, observou-se que o miE-26a está regulado
positivamente nos tecidos e nos exossomos isolados do LCR de pacientes com DP, em comparação com con-
troles saudáveis. Em estudos post-mortem, miR-29a, miR-29b-1, miR-29b-2 miR-30c-2 e miR-30d estavam
regulados positivamente no giro cingulado anterior de indivíduos com DP, assim como miR-30b na substância
negra. Sugere-se também que o miR-485 esteja desregulado na DP, apesar de ainda ter funções desconheci-
das. O miR-7 já foi descrito como regulador da α-sinucleína e pesquisas com camundongos apontam que seus
níveis estão aumentados na substância negra e no estriado desses animais.56
Na periferia, o perfil sérico de expressão de miRNAs difere nos pacientes com DP e demência,
quando comparados ao grupo controle. Por último, há indício de que o miR-144-5p desempenhe um papel
na patogênese da doença, uma vez que está relacionado como regulador dos genes SNCA e LRKK2.57

12.3 DOENÇA DE PARKINSON PRODRÔMICA


Um passo em direção à busca do diagnóstico precoce e do tratamento preventivo é a conceituação
de doença prodrômica, que seria um estágio da DP em que os indivíduos poderiam estar assintomáticos
(pré-clínico) ou apresentar diversos sintomas motores sutis e sintomas não motores que não atendem aos
critérios de diagnóstico da DP.
Entende-se que haja uma fase latente da DP, durante a qual eventos moleculares específicos da
doença, como o dobramento incorreto da α-sinucleína intracelular e a formação de oligômero e fibrila se
iniciam, induzindo disfunção neuronal e morte celular. Durante um período de tempo incerto, este processo
pode permanecer assintomático ou causar a DP prodrômica, definida com base em critérios desenvolvidos
pela Movement Disorders Society (MDS) e publicados no ano de 2015, os quais exigem a avaliação de fatores
de risco e de marcadores prodrômicos. Os fatores de risco incluem sexo masculino, exposição regular a pesti-
cidas e solventes, o não consumo de cafeína, o não tabagismo e fatores genéticos. Os marcadores prodrômi-
cos incluem disfunção olfatória, depressão, sonolência diurna excessiva, transtorno comportamental do sono
REM, obstipação, hipotensão ortostática, disfunção erétil, disfunção urinária, dentre outros. No entanto,
essas características prodrômicas, quando isoladas, são inespecíficas e apresentam baixo valor preditivo para
o desenvolvimento da DP.58,59

235
Tabela 3: Estágios da doença de Parkinson.
Tópicos em Neurociência Clínica

Fase Manifestações da doença Diagnóstico da doença

Presença de biomarcadores como genéti-


Pré-clínica: Fase 1 Sem sinais ou sintomas
cos, moleculares e/ou de imagem.

Sintomas não motores e


Prodrômica: Fase 2 Sem critérios definidos, ainda em estudo.
sintomas motores sutis

Critérios atendidos baseados na presença


Motor: Fase 3 Sintomas motores clássicos
de sintomas motores e não motores.

Fonte: MAHLKNECHT, 2015.58

13 TRATAMENTO

O tratamento da DP precisa ser individualizado e atender às particularidades de sinais e sintomas


de cada paciente, envolvendo uma equipe multidisciplinar. Atualmente não existem medicamentos ou outras
terapias capazes de reverter ou frear o processo neurodegenerativo, mas estudos sobre terapias neuroprote-
toras estão em desenvolvimento.
A terapia farmacológica consiste principalmente no uso de drogas que atuam sobre o sistema do-
paminérgico, como a levodopa, os agonistas dopaminérgicos, os inibidores das enzimas que degradam a
dopamina (inibidores da monoaminoxidase e inibidores da COMT). Os anticolinérgicos e o antagonista de
glutamato amantadina também tem um papel, ainda que menor, no tratamento dos sintomas da DP.

13.1 TERAPIA FARMACOLÓGICA E CIRÚRGICA


O primeiro medicamento usado para o tratamento da DP foi a levodopa. Aplicada com sucesso nos
anos 60, é até hoje a droga mais eficaz para tratar os sintomas motores. Entretanto, seu papel se dá no trata-
mento sintomático, e não na modificação do curso da doença. A levodopa é um precursor da dopamina, que
atravessa a barreira hematoencefálica por ser lipossolúvel. No SNC, acontece então, dentro dos neurônios da
substância negra, a sua conversão em dopamina, por meio da enzima DOPA-descarboxilase. Para impedir que
esse processo ocorra fora do SNC, as formulações disponíveis vêm associadas a um inibidor da descarboxilase
periférica (benserazida, ou carbidopa).
No entanto, o tratamento de longo prazo com levodopa induz a flutuações na resposta motora, ou
seja, o paciente passa a apresentar durante o dia diferentes fases com grandes oscilações na gravidade dos
sintomas parkinsonianos e na presença de movimentos involuntários.
Admite-se que as flutuações motoras se associam com as propriedades farmacocinéticas e farma-
codinâmicas da levodopa. A inconstância dos níveis de dopamina no SNC com estimulação pulsátil— não
fisiológica— dos receptores estriatais gera mecanismos pré e pós-sinápticos de resposta de neuroplasticidade
mal-adaptativa.60 Além disso, a variabilidade em sua absorção, a meia-vida curta, a administração descontí-
nua do medicamento, a biodisponibilidade pobre e a janela terapêutica estreita também têm um papel em
tais manifestações. De fato, pessoas com doença de Parkinson, com uso prolongado da L-DOPA, apresentam
o fenômeno conhecido como wearing off – encurtamento do período de efeito da medicação, exigindo au-
mento na frequência das administrações diárias.

236
As discinesias— outro tipo de complicação motora associada ao uso de L-DOPA— caracterizam-se

Tópicos em Neurociência Clínica


por movimentos involuntários, como distonia, coreia ou atetose. Elas se associam à desregulação da sinalização
colinérgica estriatal e a anormalidades da plasticidade sináptica estriatal e podem se manifestar como discinesia
de pico de dose, em onda quadrada, bifásica e de período off. A primeira ocorre no período de melhor ação da
levodopa, manifestando-se por movimentos coreoatetóticos. A segunda caracteriza-se por movimentos invo-
luntários que se iniciam assim que a levodopa começa sua ação, estendendo-se por todo o tempo de seu efeito.
A terceira se expressa por movimentos involuntários, especialmente distônicos, que acontecem no início e no
final da ação do medicamento. Por último, as distonias do período off se mostram com posturas anormais e do-
lorosas, especialmente no pés (os pacientes as referem como câimbras), e ocorrem nas fases de queda do nível
plasmático de levodopa, nos momentos em que os sintomas parkinsonianos estão mais evidentes.61
Além dos sintomas motores, o paciente também pode relatar flutuações de sintomas não motores,
tais como dor, ansiedade, sudorese e sintomas de depressão. A variação do humor é o sintoma psíquico mais
relatado, caracterizado por períodos de euforia e de depressão. Ataques de pânico também são recorrentes e
súbitos e tendem a desaparecer após a próxima dosagem da medicação. Ademais, muitos pacientes referem
inquietação subjetiva.
Em alguns casos, a cirurgia também pode ser realizada para alívio dos sintomas, por meio de esti-
mulação cerebral profunda ou através de cirurgia lesional. As principais indicações para o tratamento cirúrgi-
co são o tremor intratável e flutuações motoras causadas pelo uso de levodopa. Atualmente, a estimulação
cerebral profunda (ECP) é o procedimento cirúrgico estereotáxico de primeira linha. É realizada, na maioria
das vezes, bilateralmente e os alvos desta terapia são o núcleo subtalâmico e o globo pálido interno.62 Aqui
um marca-passo é colocado sob a pele na região subescapular e conectado a fios que enviam pulsos de fre-
quência e amplitude programáveis diretamente à área-alvo. Trata-se de procedimento oneroso, porém de
baixo-risco, reversível e com bons resultados. A ECP não previne a progressão da doença, mas pode reduzir o
tremor, a rigidez e a bradicinesia, aliviando também os sintomas de discinesias.

13.2 OUTRAS POSSIBILIDADES TERAPÊUTICAS


Como os tratamentos disponíveis para a DP são sintomáticos, os esforços em pesquisa são dire-
cionados para a busca de intervenções neuroprotetoras, ou seja, que atuem impedindo a morte neuronal.
Aqui, estudos com a Coenzima Q10 e a creatina apresentaram, em animais, resultados positivos, reduzindo a
degeneração de neurônios dopaminérgicos expostos a agentes tóxicos.62 Entretanto, ainda não há evidências
de efeitos significativos em humanos.
Alguns dados sugerem o potencial neuroprotetor de derivados canabinoides. Essas substâncias atuam
como neurotransmissores retrógrados sobre os receptores CB1 e CB2, de modo a modular a liberação de dopa-
mina. De fato, os produtos à base de Cannabis apresentam propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes que
podem auxiliar no restabelecimento da função neural, suprimindo a excitotoxicidade, a ativação glial e o dano
oxidativo associados à degeneração dos neurônios liberadores de dopamina. Eles também auxiliam na função
mitocondrial e na remoção de restos celulares, reduzindo os danos ocasionados por radicais livres.63,64
Outras inovações na terapia da DP envolvem o uso de células-tronco para substituir neurônios de-
generados,65 sendo o transplante de células dopaminérgicas a terapia mais promissora neste cenário. Com
efeito, as células-tronco têm potencial para se diferenciarem em qualquer tipo de célula do organismo, inclu-
sive em neurônios produtores de dopamina. Trabalhos em desenvolvimento apontam diversos tipos viáveis
no tratamento da DP, como as células-tronco embrionárias (ESCs), as células-tronco pluripotentes induzidas
(iPSC) e as células mesenquimais.
As iPSCs são geradas por meio da reprogramação de uma célula somática adulta (como, por exemplo,
um fibroblasto dérmico) em uma célula-tronco, através da expressão de uma série de fatores de transcrição. Sua

237
vantagem em relação às ESCs é a viabilidade de formação de enxertos neurais a partir dos próprios fibroblas-
Tópicos em Neurociência Clínica

tos do paciente, sem a necessidade da imunossupressão, como ocorre na ESC. Todavia, apesar de promisso,
ainda é necessário estabelecer a melhor metodologia, os riscos e os resultados de longo prazo deste trata-
mento na DP.65
Concomitantemente ao tratamento farmacológico, é preciso que haja acompanhamento de outros
profissionais, como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas, e psicólogos. A
equipe multidisciplinar auxiliará na melhoria da autonomia, da participação social e da qualidade de vida dos
pacientes. Ademais, várias intervenções complementares têm efeito positivo, como musicoterapia, dança, Tai
Chi Chuan, alongamento, natação, acupuntura, yoga, atividades esportivas, artesanais e artísticas em grupo.
Essas ações estão relacionadas com a melhoria de sintomas neuropsiquiátricos e com a redução da gravidade
de sintomas motores e não motores da DP.66 Por último, no enfrentamento da doença, é de extrema impor-
tância a participação dos familiares e cuidadores.

14 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o envelhecimento da população, o número de pessoas com a DP aumenta a cada ano no Brasil
e no mundo. Sabe-se que sua etiologia engloba fatores genéticos e ambientais ainda não esclarecidos. Sua
fisiopatologia consiste na degeneração multissistêmica, que afeta diferentes neurotransmissores e diferentes
áreas cerebrais. Nesse cenário, fatores investigados que apresentam relação com a DP incluem o estresse
oxidativo, o eixo intestino-cérebro, o sistema endocanabinoide e a neuroinflamação.
A DP pode ocasionar diversos sintomas, apresentando um curso clínico bastante variável. Os pa-
cientes acometidos necessitam de atendimento multidisciplinar, que não apenas trate seus sintomas físicos,
mas que proporcione bem estar emocional e social. Até o momento, nenhum tratamento farmacológico
modificador da doença está disponível, mas novas pesquisas vêm sendo desenvolvidas, principalmente com
enfoque na terapia com células-tronco e substâncias neuroprotetoras, como os canabinoides.

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240
Capítulo XIII

ASPECTOS NEUROPSIQUIÁTRICOS DA INFECÇÃO PELO HIV


Lavínia dos Santos Chagas
Fábio Juliano Negrão
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 INTRODUÇÃO

O vírus da imunodeficiência humana (HIV) é um lentivírus que leva à síndrome da imunodeficiência


adquirida (AIDS), uma doença caracterizada pela falência do sistema imune, levando a infecções oportunistas
e a neoplasias. O HIV infecta linfócitos T auxiliares CD4, macrófagos e células dendríticas. A infecção pelo HIV,
se deixada sem tratamento, mais comumente progride para a AIDS e pode ser fatal em 6-18 meses.
Desde a emergência do HIV, no final da década de 1970, o número de pessoas contaminadas au-
mentou em várias regiões do mundo. Devido ao grande número de infectados, mais de 75 milhões de pes-
soas, e à relevante taxa de mortalidade, cerca de seis vezes maior do que na população geral, o HIV tornou-se
um grande problema de saúde global.1
Com a introdução da terapia antirretroviral (TARV), passaram-se a registrar quedas significativas na
mortalidade de pessoas que vivem com o HIV (PVHIV), embora ainda estivessem em risco mais elevado de
morte e de contraírem doenças, em comparação ao restante da população. As PVHIV têm probabilidade 69%
maior de desenvolverem câncer, em relação à população em geral, sobretudo, linfomas não-Hodgkin, câncer
de pulmão, Sarcoma de Kaposi, câncer anal, câncer de próstata, câncer de fígado e linfoma de Hodgkin.2 Entre
as mortes não relacionadas à AIDS, a maioria ocorre devido ao câncer (19%) e às doenças cardiovasculares/
acidentes vasculares cerebrais (19%), seguidas por infecções (18%) e doenças hepáticas (12%).1
O cuidado de PVHIV torna-se mais delicado à medida que os pacientes envelhecem. Isso se explica
pela sua senescência prematura, que colabora para o desenvolvimento de comorbidades, fragilidade e in-
capacidade. Por meio da análise de biomarcadores epigenéticos, baseada nos níveis de metilação do DNA,
foi observado que a infecção por HIV leva a um aumento na idade epigenética, tanto no tecido cerebral (7,4
anos), quanto no sangue (5,2 anos).3 Verificou-se ainda que em PVHIV o comprimento dos telômeros é sig-
nificativamente menor e a expressão do gene CDKN2A (supressor de crescimento tumoral e promotor de
senescência celular) é mais elevada, em comparação com indivíduos soronegativos.4
Dentre as comorbidades não relacionas à AIDS, as mais prevalentes, nesta população, são: a hi-
percolesterolemia (60,8%), seguida por hipertensão arterial (39,7%) e depressão / ansiedade generalizada
(23,9%).5
Do ponto de vista de saúde mental, os riscos de prejuízo neurocognitivo, mas também de depressão
e de ansiedade são maiores em PVHIV. Em relação à população geral, a prevalência de depressão em PVHIV
aumenta em 1,5 vezes para mulheres e em 3,4 vezes para homens. A prevalência de ansiedade é respectiva-
mente 1,2 e 2,2 vezes maior em mulheres e em homens com HIV6.

241
Este capítulo aborda os aspectos neuropsiquiátricos da infecção pelo HIV. Após breve apresenta-
Tópicos em Neurociência Clínica

ção das suas características epidemiológicas e clínicas, será abordada a fisiopatologia do acometimento do
sistema nervoso, com enfoque nas principais doenças decorrentes desse acometimento: transtorno neuro-
cognitivo, alterações psiquiátricas, neuropatia periférica, mielopatia, vasculopatia e infecções oportunistas
do sistema nervoso central (SNC).

2 EPIDEMIOLOGIA

De acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 75 milhões de pessoas foram
infectadas pelo vírus HIV até 2019, sendo que 32 milhões morreram com essa doença no mundo todo. No
mesmo ano, havia 38 milhões de pessoas vivendo com o vírus, dentre as quais aproximadamente 19,2 mi-
lhões eram mulheres, 17 milhões, homens e 1,8 milhão, crianças. Já no Brasil, o número de infectados cor-
respondia a mais de 900 mil pessoas. Apesar desses números elevados, segundo estimativa da OMS, apenas
24,5 milhões de PVHIV no mundo tinham acesso à TARV.7
Os riscos de infecção da população diferem de acordo com a prevalência local de HIV. Em regiões
com alta prevalência da doença, como nos países da África Oriental e Austral, mulheres jovens têm maior
probabilidade de se infectarem. Já em locais com baixa prevalência, outros grupos são os de maior risco,
como os de homens que fazem sexo com homens, pessoas transexuais, usuários de drogas intravenosas e
profissionais do sexo.8
Nos últimos anos, tem chamado atenção o crescimento na incidência entre mulheres jovens.
Assim, em 2016, segundo relatório da Organização das Nações Unidas, a taxa de novas infecções em mu-
lheres de 15 a 24 anos foi 44% maior (estimativa de 6000 novos casos por semana) do que em homens da
mesma faixa etária.8

3 ASPECTOS CLÍNICOS DA INFECÇÃO POR HIV

O vírus da imunodeficiência humana (HIV) é um retrovírus capaz de integrar-se ao DNA do hos-


pedeiro, o que dificulta a sua erradicação definitiva por meio das terapias atuais. Por isso, ainda não existe
cura para essa infecção, uma vez que o vírus permanece, ainda que em estado latente, no DNA de diferentes
células do paciente.
Existem dois tipos de vírus HIV que geram quadros clínicos parecidos, o HIV-1 e o HIV-2. Ambos pos-
suem semelhanças nas propriedades genéticas e biológicas, porém, o HIV-2 é tipicamente menos virulento
que o HIV-1 e possibilita ao hospedeiro desenvolver respostas imunológicas mais eficazes. Em consequência,
a infecção pelo HIV-2 tem progressão mais lenta e taxas mais baixas de transmissão. No entanto, a maioria
dos casos, principalmente no Ocidente, ocorre pelo HIV-1.9
O HIV-1 é um vírus de formato redondo, cuja área central é cercada por um revestimento lipí-
dico, proveniente da membrana celular do hospedeiro. No centro do vírus, agregam-se uma proteína
principal, conhecida como proteína do capsídeo p24, uma proteína do nucleocapsídeo p7/p9, dois RNA
genômicos do vírus e três enzimas virais (protease, transcriptase reversa e integrase). Em torno do centro,
há uma proteína chamada p17, situada sob o envelope da partícula viral. Além da p17, estão no envelope
viral duas glicoproteínas virais, gp120 e gp41, as quais são importantes para a infecção das células pelo
HIV10 (Figura 1).

242
Tópicos em Neurociência Clínica
Figura 1 – Vírus do HIV e suas principais estruturas.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.

O HIV acarreta a perda gradual das células T CD4+ do hospedeiro, que são mediadoras centrais
do sistema imunológico, coordenando respostas imunes celulares e humorais. O vírus infecta essas células
usando moléculas expressas na sua membrana— CD4 como receptora e CCR5 e o CXCR4 como correceptores.
Além dos linfócitos T CD4+, outras células que possuem CD4+ também são infectadas pelo vírus, como os
monócitos/macrófagos e as células dendríticas.10
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) é o estágio mais avançado da infecção e se carac-
teriza pela redução acentuada dos linfócitos T CD4+, que torna o organismo susceptível às infecções oportu-
nistas, neoplasias secundárias e manifestações neurológicas.
A transmissão do HIV ocorre pelo contato de fluidos corporais infectados com tecido mucoso ou
sangue. Em todo o mundo, a principal via de infecção é a sexual, sendo que grande parte é transmitida
por homens que têm relações sexuais com outros homens. Há também a transmissão parenteral através
uso de agulhas, seringas e outros objetos contaminados com sangue infectado. Esse tipo de transmis-
são ocorre principalmente em usuários de drogas intravenosas, mas foi há algumas décadas bastante
prevalente em pessoas que receberam transfusões sanguíneas e em hemofílicos tratados com fatores
proteicos.11 Em crianças, predomina a transmissão vertical que pode ocorrer por via transplacentária ou
no trabalho de parto, quando o feto é exposto ao sangue materno infectado ou aos fluidos corporais do
canal de nascimento.11
Medidas preventivas de saúde pública hoje são rotineiras, como a triagem do sangue para o vírus
antes de doação ou transfusão, fiscalização no uso e no descarte de materiais perfurocortantes em hospitais
e maior conscientização sobre o uso de preservativos.

243
A prevenção da transmissão vertical consiste na testagem sorológica de todas as gestantes, no uso
Tópicos em Neurociência Clínica

de TARV por aquelas que têm o vírus, na execução do parto por cesárea e no tratamento profilático dos re-
cém-nascidos o mais cedo possível. Nesses casos, fica contraindicado o aleitamento materno devido ao risco
de transmissão do vírus ao bebê por meio do leite.11
O tratamento com TARV em PVHIV reduz dramaticamente o risco de transmissão. A profilaxia pré-
-exposição (PrEP) consiste no uso contínuo de TARV por indivíduos não infectados. Já a profilaxia pós-exposi-
ção (PEP) é feita por tempo limitado após eventos específicos, como em casos de violência sexual e acidentes
ocupacionais com instrumentos perfurocortantes.12
Políticas de conscientização foram amplamente adotadas a partir dos anos 90, visando a educação
da população sobre os comportamentos de risco e as medidas preventivas. Intervenções como a distribuição
em massa de preservativos e a iniciativa de troca de seringas também tiveram impactos positivos na restrição
da disseminação do HIV.12
A Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA propõe que todas as pessoas entre 15 e 65 anos
façam testes de HIV pelo menos uma vez na vida. Já aqueles que têm risco aumentado, como usuários de
drogas intravenosas e pessoas que fazem sexo desprotegido, são recomendados a realizarem a testagem a
cada três a seis meses. Os resultados positivos devem ser confirmados com um teste de anticorpos que possa
diferenciar as infecções por HIV-1 e HIV-2.13
As manifestações da infecção aguda pelo HIV são inespecíficas e autolimitadas — dor de garganta,
mialgia, febre e erupção cutânea. Esse estágio acontece entre a 3ª e 6ª semana e é caracterizado por alto
nível de replicação viral e pequena redução das células T CD4+. Então sucede-se um longo período de meses
a anos, durante o qual o sistema de defesa ainda é competente, apesar da replicação viral contínua.10
Na história natural da doença, os pacientes finalmente evoluem para a AIDS, apresentando infec-
ções oportunistas graves, neoplasias secundárias e manifestações neurológicas.10
Com o seu surgimento na década de 1990, os antirretrovirais revolucionaram o curso da infecção
pelo HIV, diminuindo dramaticamente as taxas de mortalidade. Esses medicamentos são divididos em classes
que possuem modos de ação diferenciados:
• Inibidores nucleosídeos da transcriptase reversa (Tenofovir);
• Inibidores não nucleosídeos da transcriptase reversa (Elsulfavirine);
• Inibidores das proteases (Ritonavir);
• Inibidores das integrases (Raltegravir);
• Inibidores da entrada (Combinectin);
• Inibidores de capsídeo (GS-CA1).
O atual tratamento para as PVHIV compreende esquemas de combinação de três drogas de classes
distintas. Já a PrEP consiste no uso contínuo de duas drogas.14 As diretrizes para início da TARV mudaram no
decorrer dos anos. Em 2006, a OMS recomendava o tratamento apenas para PVHIV com CD4 ≤200 células/
mm3, já em 2010, o critério mudou para CD4 ≤350 células/mm3 e, em 2013, para CD4 ≤500 células/mm3.
Para fins de prevenção na população, a diretriz mais recente recomenda o início do tratamento para todos
os pacientes infectados pelo HIV com viremia detectável, independentemente da contagem de células CD4.15
Desse modo, ressalta-se a importância do diagnóstico precoce.
Apesar de alguns efeitos colaterais, os antirretrovirais são considerados potentes, seguros e tolerá-
veis. A adesão à terapia é fundamental para sua eficácia em longo prazo. Por isso, os pacientes devem usar
os medicamentos de forma contínua, nas doses adequadas e permanecerem em acompanhamento clínico e
laboratorial regular.

244
4 FISIOPATOLOGIA DA INFECÇÃO PELO HIV E DO ACOMETIMENTO DO SISTEMA NERVOSO

Tópicos em Neurociência Clínica


O HIV é um vírus neurotrópico, de forma que tem o sistema nervoso como um importante alvo de
infecção, já em suas fases iniciais. Apesar de haver diminuição e retardo do início das doenças neurológicas
devido à TARV, as complicações neurológicas não são totalmente eliminadas, sendo o sistema nervoso central
(SNC) o segundo local em que mais se observam manifestações clínicas em PVHIV.16
A teoria do cavalo de Troia propõe que o vírus adentre o SNC através de macrófagos infectados
perivasculares que passam pela barreira hematoencefálica (BHE). Segundo outra hipótese, isso aconteceria
por meio do aumento dos níveis séricos de citocinas pró-inflamatórias e de proteínas virais que alterariam
a permeabilidade das células endoteliais da BHE, facilitando a entrada direta do vírus. Em uma terceira pro-
posição, o vírus poderia usar células endoteliais infectadas e penetrar a BHE por transcitose ou por meio de
astrócitos reativos, que induzem a apoptose das células endoteliais, o que contribuiria para a modificação da
permeabilidade da barreira hematoencefálica, devido à liberação de proteínas virais.17 (Figura 2)

Figura 2 – Entrada do vírus do HIV pelo mecanismo “cavalo de Troia” no SNC e seus efeitos.
Fonte: MAGNO, Gabriel; 2021.

245
A infecção pelo HIV no sistema nervoso central causa neuroinflamação, definida como resposta
Tópicos em Neurociência Clínica

inflamatória originada no SNC, mediada pela produção local de citocinas, quimiocinas, espécies reativas de
oxigênio e mensageiros secundários. Esses mediadores são produzidos por micróglias, astrócitos, células en-
doteliais e células imunes de origem periférica.18
Além disso, as células infectadas no SNC secretam proteínas virais neurotóxicas, como a proteína
gp120 e a proteína transativadora de transcrição viral (Tat), que alteram a atividade normal do sistema nervo-
so, contribuindo, juntamente com as citocinas pró-inflamatórias, com o processo de neurodegeneração. Por
exemplo, a proteína gp120 do envelope viral, por meio das interações com os correceptores de quimiocina
CCR5 e CXCR4, causa disfunção sináptica precoce e para a morte neuronal.19
As manifestações neurológicas acometem cerca de 40% a 70% das PVHIV e, em estudos de necrop-
sia, o comprometimento do SNC é evidente em mais de 90% delas. Os principais sintomas neuropsiquiátricos
incluem depressão e transtorno neurocognitivo.16

5 ALTERAÇÕES NEUROPSIQUIÁTRICAS

PVHIV são frequentemente diagnosticadas com doenças psiquiátricas e problemas de saúde men-
tal. Dados epidemiológicos indicam que no curso da infecção mais de 60% delas são afetadas por, pelo me-
nos, um transtorno psiquiátrico, sendo a depressão o diagnóstico mais frequente, seguido por transtornos de
ansiedade e de abuso de substâncias, que são também altamente prevalentes nestes pacientes. Os motivos
para esses dados são multifatoriais. Por um lado, estão as reações emocionais causadas pelo diagnóstico e
pelo estigma a ele associado; por outro, as alterações neurais associadas à infecção viral.6
A prevalência de depressão entre as PVHIV, no Reino Unido, varia de 17% a 47%, em comparação
com uma prevalência de 2% a 5% na população geral do país. Disparidades desse tipo também são obser-
vadas na prevalência de ansiedade (22% – 49% em PVHIV e 4% – 5% na população geral), na depressão ou
ansiedade (50% – 58% em PVHIV e 27% na população geral), na dificuldade em dormir (61% em PVHIV e 10%
na população geral) e na ideação suicida (31% em PVHIV e 1% na população geral).20
A concomitância de sintomas de depressão e de prejuízo cognitivo em PVHIV é alta, o que pode se
dever tanto a determinantes psicossociais comuns, como ao compartilhamento de vias fisiopatológicas—
neuroinflamação, alterações dopaminérgicas, glutamatérgicas e neurotróficas.21

5.1 DEPRESSÃO
Considerada como um grande problema de saúde global, a depressão afeta mais de 300 milhões de
indivíduos no mundo. Entre as PVHIV, esse distúrbio é ainda mais predominante, cerca de duas a três vezes
mais frequente que na população geral, com taxas de prevalência em torno de 30%.6,22
A depressão tem um impacto negativo sobre a evolução da infecção pelo HIV, reduzindo a adesão
ao tratamento23, aumentando a frequência de comportamentos sexuais de risco24, acelerando a progressão
da doença e aumentando a mortalidade25,26. Além disso, há evidências de que os sintomas depressivos po-
dem afetar a resposta clínica à TARV27,28.
Há inúmeras evidências de que os estressores psicossociais desempenham um papel importante
na predisposição aos sintomas depressivos em PVHIV. O estigma relacionado ao HIV, a homofobia, o racis-
mo, a não comunicação do diagnóstico, o isolamento social, o medo da morte prematura, a incerteza sobre
o futuro, as preocupações com a aparência (a doença pode tornar-se visível) estão associados com maiores
taxas de depressão29. Além disso, pessoas de grupos sociais desfavorecidos e marginalizados são encontradas
com maior frequência entre as PVHIV (desfavorecidos economicamente, minorias étnicas, minorias sexuais,

246
usuários de drogas, profissionais do sexo) e estas pessoas estão em maior risco de depressão, mesmo antes

Tópicos em Neurociência Clínica


de contrair a infecção pelo HIV30.
Com efeito, elementos biográficos e psicossociais são altamente impactantes na gênese de sintomas
depressivos nas PVHIV, mas dela também participam inúmeros componentes neurobiológicos associados às ca-
racterísticas do vírus (o vírus HIV é neurotrópico e mostra alta reprodução em regiões ricas em dopamina; as pro-
teínas virais agem como neurotransmissores neurotóxicos) e à resposta inflamatória no SNC (ativação crônica da
micróglia com liberação de citocinas que também são neurotóxicas). Assim, as interações entre o vírus, a micróglia
e os neurônios mudam o funcionamento de circuitos neurais e com isso o processamento cognitivo e emocional.
As citocinas induzem à ativação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) com hipercortisolemia e resistência do
receptor de glicocorticóide. Elas também ativam a enzima degradante de triptofano— indolamina-2,3-dioxigenase
(IDO), que desvia este aminoácido— fundamental na formação do neurotransmissor serotonina— gerando, ao in-
vés do neurotransmissor, metabólitos potencialmente neurotóxicos derivados de quinurenina, tais como 3-hidro-
xi-quinurenina e ácido quinolínico. A neuroinflamação se associa à redução da expressão de fatores neurotróficos
(como o BDNF), causando prejuízo da neurogênese e menor sobrevida de neurônios, especialmente no hipocam-
po. As proteínas virais, particularmente a Tat e a gp120, atuam sobre receptores neurais como se fossem neuro-
transmissores e com isso levam à disfunção e finalmente à morte neuronal (neurodegeneração) em neurocircuitos
dopaminérgicos e glutamatérgicos, envolvendo os gânglios da base e o córtex cingulado anterior31,32.
As relações entre estressores psicossociais e alterações neuroendocrinoimunológicas são complexas e
recíprocas. A sua contribuição para os transtornos neuropsiquiátricos não é mutuamente exclusiva, nem aditiva,
mas acontece como interação dinâmica e sinergística em mecanismos ainda não completamente elucidados.
Por exemplo, a exposição a situações de estresse psicológico está associada ao aumento dos níveis séricos de
IL-6, que, por sua vez, é mais pronunciado em pacientes já deprimidos33,34. Em modelos animais, a depressão
induzida por estresse emocional está associada com o aumento de interleucina1β (IL-1β), fator de necrose
tumoral-α (TNF-α), interleucina 6 (IL-6), fator nuclear κβ, ciclooxigenase-2, expressão de receptores Toll-like e
peroxidação lipídica35. Estas e outras observações levam à suposição de que o cérebro traduza estresse psicos-
social em ativação imunológica, mas também, no caminho inverso, traduza ativação imunológica em percepção
de estresse36. Deste modo, não pode ser assumido que a depressão entre PVHIV seja meramente o resultado da
infecção cerebral crônica pelo HIV, nem apenas do estresse psicossocial associado ao diagnóstico.
Como previamente explicado neste texto, já nas primeiras semanas de infecção pelo HIV, o vírus
entra no SNC pelo mecanismo de “cavalo de tróia”, no qual macrófagos infectados atravessam a BHE. Monó-
citos ativados pelo HIV, microglia e outras células do sistema imunológico infectadas liberam proteínas virais
tóxicas e vírions infecciosos no SNC que impulsionam a progressão da infecção37. A inflamação prolongada re-
sultante aumenta a liberação de citocinas que induzem uma forma de “comportamento de doença” (do inglês
sickness behavior), que se caracteriza por fraqueza, ingestão reduzida de líquidos e alimentos, mal-estar, le-
targia, anedonia, diminuição do interesse pelo ambiente, bem como alterações no humor e na cognição 38,39.
Por suas semelhanças com o transtorno depressivo, o comportamento de doença em animais de laboratório
tem sido proposto como um modelo experimental de depressão. O comportamento de doença é considerado
parte de uma resposta adaptativa geral à injúria, na qual, para superar o estresse agudo, o corpo ativa tanto o
sistema nervoso autônomo simpático, como eixo HPA40 com elevação de citocinas que atuam sobre circuitos
neurais. Com doenças agudas, o comportamento de doença regride à medida que a inflamação é extinta e os
níveis de citocinas se normalizam. Do contrário, nas doenças crônicas, a situação tende a se perpetuar.
O eixo HPA é uma parte importante da resposta neuroendócrina ao estresse. Aqui, o hipotálamo
secreta o hormônio liberador de corticotropina (CRH), que estimula a hipófise a sintetizar e secretar o hormô-
nio adrenocorticotrófico (ACTH). Este, por sua vez, estimula a glândula adrenal a sintetizar o cortisol, fazendo
com que os níveis periféricos e centrais desse hormônio aumentem.

247
A ativação aguda do eixo HPA é autolimitada e tem efeito antiinflamatório, uma vez que o cortisol
Tópicos em Neurociência Clínica

atua sobre receptores do hipotálamo em feedback negativo, limitando a liberação de CRH e sobre receptores
dos leucócitos, inibindo a liberação de citocinas. Entretanto, em situações de estresse crônico— físico ou
emocional—, como é o caso da infecção pelo HIV, a estimulação contínua do eixo HPA induz à resistência dos
receptores de cortisol, levando a um estado de hipercortisolemia (pois os receptores do hipotálamo não são
mais responsivos ao feedback negativo) e de altos níveis de citocinas pró-inflamatórias (pois os receptores
nos leucócitos também se tornaram insensíveis ao cortisol).41
Além da neuroinflamação e da ativação neuroendócrina, o HIV-1 e as proteínas virais comprome-
tem a transmissão sináptica do glutamato. A ativação contínua de receptores AMPA e NMDA induzem neu-
rotoxicidade.42 Citocinas pró-inflamatórias, mas também as proteínas virais gp120 e Tat ativam receptores de
glutamato, o que resulta em aumento da condutância de cálcio através dos receptores NMDA. Além disso,
os níveis de glutamato nas sinapses são elevados, pois proteínas virais e a IL-1β inibem a sua recaptação
pelos astrócitos43. A hiperatividade glutamatérgica está associada com excitotoxicidade e aumento da morte
neuronal, pois níveis intracitoplasmáticos excessivos de cálcio ativam a cascata da apoptose (morte neuronal
geneticamente programada).
Segundo a teoria monoaminérgica, a depressão resulta da disfunção da neurotransmissão do-
paminérgica, serotoninérgica e noradrenérgica. Interessantemente, a neuroinfecção pelo HIV altera tam-
bém estas vias e este pode assim ser um fator contribuinte adicional para a depressão em PVHIV. Pro-
teínas virais (particularmente a Tat) têm efeito neurotóxico sobre os circuitos dopaminérgicos, que têm
papel-chave na regulação da motivação, do prazer e dos comportamentos de busca de recompensa.44,45
Citocinas pró-inflamatórias, incluindo TNF-α, IL-1β e IL-6 e proteínas virais, incluindo Tat e gp120, ativam
a via da quinurenina (KYN), estimulando a enzima IDO. Essa enzima redireciona o triptofano dietético
disponível para a produção de KYN, que é convertida pelos astrócitos em ácido quinurênico (KA) e pela
microglia em 3-hidroxiquinurenina (3HK) e ácido quinolínico (QUIN). Essas conversões metabólicas limi-
tam o triptofano disponível, que é o substrato para a produção de serotonina, diminuindo assim os níveis
deste neurotransmissor. Além disso, 3HK e QUIN são agonistas do receptor NMDA e podem contribuir
diretamente com a excitotoxicidade e morte celular mediada pelo excesso de Ca2+ intracelular. Já o KA
é neuroprotetor porque inibe a liberação de glutamato e atua como antagonista do receptor NMDA39,46,47
A hiperativação microglial pode levar à superprodução de QUIN e à liberação de glutamato, que por sua
vez causam estresse, disfunção mitocondrial e morte de neurônios, astrócitos e oligodendrócitos 40, de
forma que o QUIN é um marcador de injúria excitotóxica, cujos níveis no SNC podem refletir a extensão
da ativação imune48.
A degeneração neuronal que acompanha a infecção pelo HIV está associada à redução de
fatores tróficos neuronais, particularmente do BDNF, que é vital para a sobrevivência neuronal, a neu-
rogênese, a memória e o aprendizado. A proteína gp120 e o TNF-α diminuem a disponibilidade de
BDNF, reduzindo o seu transporte anterógrado, esgotando seus estoques intracelulares e estimulando
o receptor NDMA, que inibe a sua síntese. Como consequência, ficam prejudicadas a sobrevivência
neuronal e a capacidade de regeneração após injúria. Especialmente a neurogênese no hipocampo é
um processo que tem sido relacionado à resposta antidepressiva, sendo que o tratamento com anti-
depressivos se associa à elevação da expressão de BDNF49. No entanto, esse mecanismo fica prejudi-
cado na infecção pelo HIV devido à superestimulação do eixo HPA e à resistência dos receptores de
glicocorticoide (GR). Estes receptores, quando ativados, translocam-se do citoplasma para o núcleo,
onde inibem a transcrição de genes codificadores de citocinas inflamatórias dependentes do fator de
transcrição NF-κβ. Este mecanismo de feedback limita a inflamação. Todavia, no contexto da neuroin-
flamação crônica desencadeada pela entrada do HIV no SNC, o TNF-α atua sobre o GR, impedindo que

248
o complexo GR-cortisol entre no núcleo celular. O TNF-α também atua influenciando a expressão de GR,

Tópicos em Neurociência Clínica


especificamente aumentando sua isoforma inativa (GR-β) e diminuindo a isoforma ativa (GR-α), 38,39,46.
Acontece que a neurogênese hipocampal depende da ativação do complexo GR-cortisol e por isso fica
prejudicada na infecção pelo HIV50.

5.2 SUICÍDIO
As taxas de suicídio entre as PHIV são ainda cerca de três vezes mais altas que as registradas na
população geral, apesar de terem diminuído consideravelmente nas últimas décadas, com o advento da TARV.
Após seis meses do diagnóstico, cerca de 26% dos infectados têm ideação suicida e 13% deles realizam ten-
tativas de suicídio.51
O uso de substâncias ilícitas, a presença de problemas de saúde mental (particularmente a depres-
são e o abuso de substâncias) e o comportamento sexual podem ser fatores de risco, tanto para a infecção
pelo HIV, quanto para o comportamento suicida.
Um estudo longitudinal feito com 113 PHIV mostrou que os principais fatores que influenciaram
na ideação suicida foram: nível de escolaridade, suporte social e familiar e a presença sintomas depressivos.
Níveis mais elevados de sintomas depressivos e antecedente de depressão foram fatores de risco para o suicí-
dio, enquanto que o apoio social e familiar foi fator de proteção. Ademais, notou-se que os participantes com
maior escolaridade tinham uma melhor imagem corporal e percepção mais positiva do significado da vida.51

5.3 TRANSTORNO NEUROCOGNITIVO ASSOCIADO AO HIV


O transtorno neurocognitivo associado ao HIV (HAND- do inglês HIV Associated Neurocognitive Di-
sorder) é um conjunto de síndromes de comprometimento cognitivo que inclui o Comprometimento Neuro-
cognitivo Assintomático (ANI- do inglês Asymptomatic Neurocognitive Impairment), o Transtorno Neurocog-
nitivo Leve (MND- do inglês Minor Neurocognitive Disorder) e a Demência Associada ao HIV (HAD- do inglês
HIV Associated Dementia). Essa terminologia resulta de um consenso elaborado por pesquisadores da área
em 2007 na cidade italiana Frascati, ficando conhecida como classificação de Frascati. Ela inaugura o reco-
nhecimento de formas brandas de acometimento cognitivo associadas à infecção pelo HIV, que se tornaram
evidentes após o advento da TARV52.

Os critérios diagnósticos são:


• ANI: alteração de ≥ 2 domínios cognitivos na avaliação neuropsicológica (desempenho pior que 1
desvio-padrão do esperado para idade), sem comprometimento funcional nas atividades da vida
diária.14
• MND: alteração de ≥ 2 domínios cognitivos na avaliação neuropsicológica (desempenho pior que
1 desvio-padrão do esperado para idade), com comprometimento funcional leve a moderado
nas atividades da vida diária.14
• HAD: alterações graves de ≥ 2 domínios cognitivos (desempenho pior que 2 desvios-padrão do
esperado para idade), com comprometimento severo nas atividades da vida diária.14

Desde o início da infecção, o HIV pode entrar no sistema nervoso central e, mesmo com o sucesso
da TARV e o alcance da supressão viral sistêmica, o cérebro ainda permanece como um reservatório do vírus
e por isso é denominado, juntamente com o testículos, de santuário. A infecção persistente e a neuroinflama-
ção e neurodegeneração a ela associadas são provavelmente o substrato fisiopatológico para o desenvolvi-
mento do HAND que tem como fatores de risco idade avançada, uso de substâncias de abuso, coinfecção pelo

249
vírus da hepatite C e a presença de fatores relacionados a doenças cardiovasculares (diabetes, hipertensão
Tópicos em Neurociência Clínica

arterial, tabagismo, dislipidemia).53


Embora a demência grave seja rara nos dias atuais, os sintomas dos transtornos neurocognitivos,
ainda que leves, afetam consideravelmente a qualidade de vida e o cotidiano das pessoas acometidas. In-
divíduos com HAND nos estágios precoces já têm dificuldades de concentração, de memória e prejuízo nas
funções executivas. Além disso, pacientes com ANI têm risco duas a seis vezes maior de desenvolverem HAND
sintomática, quando comparados às PVHIV cognitivamente normais.54 Por isso, o ANI, apesar de assintomá-
tico, é clinicamente relevante, já que os afetados com esse comprometimento podem fazer a transição para
uma das formas mais graves de HAND.
Já a demência se caracteriza por disfunção grave com vários sintomas e sinais cognitivos, motores
e comportamentais16, aparecendo nos estágios mais avançados da infecção. Nos anos 80 e 90, a HAD era a
forma mais comum de HAND.53 No entanto, sua prevalência diminuiu significativamente com a ampla imple-
mentação da TARV.
A HAND não é causada por um evento patogenético único e direto, mas por diversos processos
imunopatológicos multidimensionais e complexos, que são regulados por fatores virais e por fatores do hos-
pedeiro. Destacam-se aqui a neuroinflamação crônica mediada pela micróglia e a ação neurotóxica das pro-
teínas virais, particularmente da Tat e da gp120.19
Neurônios, astrócitos e a oligodendroglia não são infectados pelo vírus HIV, porém podem ser afeta-
dos pela perda de sinapses, apoptose e também pela produção de citocinas pró-inflamatórias.55
Assim como na depressão, fatores que contribuem para o declínio cognitivo são as proteínas virais
e as citocinas pró-inflamatórias no SNC.56
Em pacientes infectados pelo subtipo do vírus mais comum no mundo, o HIV-1, o comprometimen-
to neurocognitivo também é explicado pela interrupção da sinapse— dano sinaptodendrítico, associado à
destruição da via da calmodulina, que é uma proteína reguladora da integridade sináptica.57
A proteína gp120 provoca resposta neuroinflamatória que potencializa a função do receptor do
N-metil D-Aspartato (NMDA) e induz a perda de sinapses excitatórias. Além disso, a interação da gp120 com
o CXCR4, na micróglia, pode evocar a liberação da citocina inflamatória IL-1β, a qual está relacionada com o
desenvolvimento do transtorno neurocognitivo associado ao HIV.58
A ação neurotóxica do HIV sobre neurônios dopaminérgicos é uma observação antiga e bem estabe-
lecida. Particularmente a proteína viral Tat inibe o transportador de dopamina (DA) pré-sináptico (DAT), redu-
zindo a sua recaptação. Níveis elevados de DA nas junções sinápticas, por sua vez, elevam o estresse oxidativo
e a excitotoxicidade, o que resulta em morte neuronal. Ora, a DA modula diferentes circuitos frontoestriatais,
denominados alças dopaminérgicas, que controlam a cognição, a motivação, a motricidade, dentre outras
funções. Assim, sua redução pode causar sintomas de prejuízo cognitivo (particularmente lentificação de
processamento de informações e disfunção executiva), alterações afetivas (perda de motivação, fadiga, adi-
namia, anedonia) e alterações motoras (sintomas parkinsonianos— bradicinesia, rigidez, tremor). Com efeito,
antes do advento da TARV, o extenso processo neurodegenerativo dos circuitos dopaminérgicos causava, no
contexto da HAD, sintomas acentuados nestas três esferas.59
A figura 3 resume as vias neurobiológicas que contribuem para o desenvolvimento da depressão e
do HAND em PVHIV.

250
Tópicos em Neurociência Clínica

Figura 3 – Convergência das teorias monoaminérgica e citocinérgica no transtorno depressivo maior. Embora MDD e
HAND sejam independentes e possam coexistir em PVHIV, as mesmas vias – inflamação e degeneração – estão relacio-
nadas a ambas as doenças, sugerindo uma possível associação entre elas.
Fonte: adaptado de Del Guerra et al., 201360

251
O diagnóstico do HAND é realizado por meio da história clínica, exame neurológico e psiquiátrico e
Tópicos em Neurociência Clínica

avaliação neuropsicológica. Além disso, recomendam-se exames de imagem e do Líquido Cefalorraquidiano


(LCR), para se excluírem outras causas associadas a prejuízo cognitivo.

6 NEUROPATIA PERIFÉRICA ASSOCIADA AO HIV

PVHIV, principalmente aqueles nos estágios mais avançados, estão sob maior risco de desenvol-
verem neuropatias periféricas, que, na verdade, constituem a complicação neurológica mais frequente nes-
se grupo. Dados do nosso país apontam para uma prevalência de até 30%.61 As síndromes clínicas incluem
polineuropatia sensório-motora distal, mononeurite múltipla, polineuropatia desmielinizante inflamatória
crônica e ganglioneurite. A forma mais comum é a polineuropatia sensório-motora distal. Trata-se aqui do
acometimento dos nervos periféricos sensitivos e motores em suas porções mais distais, de forma bilateral
e simétrica, causando prejuízo na condução dos estímulos sensoriais e daqueles para os comandos motores.
Os sintomas característicos são disestesia dolorosa em queimação e formigamento (parestesia) nos pés, nas
pernas e nas mãos— mais frequente na planta dos pés. Além disso, pode ocorrer perda da sensibilidade na
porção distal das extremidades— do tipo “em bota e em luva”—, atrofia, fraqueza muscular e perda do re-
flexo aquileu.61
As causas da neuropatia periférica são o próprio vírus, mas também alguns antirretrovirais, além de
doenças e fatores de risco concomitantes, como diabetes, etilismo, deficiência de vitaminas do complexo B,
dentre outros.
Trata-se de uma desordem ainda subdiagnosticada e subtratada que, embora na maioria das vezes
não coloque em risco a vida do paciente, causa— principalmente pela dor— prejuízo considerável à sua qua-
lidade de vida.

7 MIELOPATIA ASSOCIADA AO HIV

O HIV pode causar lesões na medula espinhal por induzir neuroinflamação e neurodegeneração,
ou por se associar a infecções oportunistas, ou a neoplasias. Os danos podem ser encontrados em qualquer
segmento da medula e afetar estruturas adjacentes, como as raízes nervosas, causando, neste último caso,
radiculomielopatia, doença da medula espinhal e das raízes dos nervos. Dentre as mielopatias, destacam-se
a mielite transversa e a mielopatia progressiva.
A mielite transversa é definida como inflamação da medula espinhal, assim denominada pela apre-
sentação clínica característica, com um nível medular de prejuízo de força e de sensibilidade determinável
ao exame neurológico.62 As PVHIV podem desenvolver essa doença no início da infecção ou mais tardiamen-
te. Embora o mecanismo exato da mielite transversa associada ao HIV não seja inteiramente conhecido, o
processo provavelmente resulta de desregulação imunológica e estado pró-inflamatório dentro do SNC. Os
principais sintomas encontrados são déficits motores bilaterais, sensoriais e esfincterianos, abaixo do nível
da lesão. A alteração anátomo-patológica é caracterizada pela presença de células gigantes multinucleadas.63
A mielopatia progressiva crônica, também chamada de mielopatia vacuolar, é a causa mais co-
mum de doença da medula espinhal no HIV/AIDS. Geralmente é vista em pacientes com a doença avan-
çada, mas pode se desenvolver em qualquer estágio da infecção. Os sintomas característicos são a pa-
raparesia espástica progressiva, descrita principalmente pela espasticidade progressiva dos membros;
ataxia (comprometimento do equilíbrio e da marcha por prejuízo de sensibilidade proprioceptiva e tátil) e

252
disfunção esfincteriana. Os achados patológicos incluem alterações vacuolares com tumefação intramie-

Tópicos em Neurociência Clínica


línica e desmielinização.63
Na avaliação diagnóstica de mielopatia em PVHIV, a exclusão de outras infecções ou processos
autoimunes que causam mielite é essencial. Exames de sangue e do LCR são importantes para descartar
deficiência de vitamina B12 e outras infecções, como tuberculose e mielite por citomegalovírus, ou por vírus
da família do herpes. Exames de imagem, como a ressonância magnética, podem excluir outras causas, como
compressão extrínseca da medula, tumor e isquemia.
Na mielite transversa associada ao HIV, o LCR revela aumento do número de linfócitos, níveis de
proteína normais a elevados, sendo possível detectar o vírus HIV. A ressonância magnética é normal ou
mostra hiperintensidade de sinal em ponderação T2. Já na mielopatia vacuolar associada ao HIV, imagens
mostrarão anormalidades nas colunas lateral e posterior em nível de medula torácica superior, com ou sem
envolvimento da medula cervical.63
Não existem opções de tratamento comprovadamente eficazes para a mielopatia associada ao HIV,
porém, são indicados o uso da TARV e das medidas de suporte para os sintomas. Já foram estudadas a suple-
mentação programada de L-metionina e a administração de imunoglobulina intravenosa para tratamento da
mielopatia vacuolar, no entanto, sem evidência de benefícios.64

8 VASCULOPATIA NO SNC ASSOCIADA AO HIV

A vasculopatia associada ao HIV pode ser causada direta ou indiretamente pelo vírus. Esse ter-
mo descreve várias alterações cerebrovasculares, incluindo vasculite e aterosclerose acelerada. As causas
indiretas podem ser as neoplasias, como o sarcoma de Kaposi, ou infecções secundárias, como toxoplas-
mose ou tuberculose.65 Além disso, distúrbios do metabolismo lipídico causados pelo HIV, em consequên-
cia da inflamação sistêmica persistente ou pelo tratamento com antirretroviral, podem aumentar o risco
de doença cerebrovascular.
De fato, na era da TARV, as PVHIV têm sua expectativa de vida prolongada, atingindo idades avan-
çadas, que se associam ao desenvolvimento de doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e dislipide-
mia. Além disso, a infecção pelo HIV em sua cronicidade predispõe a processos trombóticos.65
Alguns antirretrovirais podem contribuir para o risco de acidente vascular cerebral por acelerar a
aterosclerose. Os inibidores de protease estão associados com doenças cardiovasculares, por sua relação
com a dislipidemia, a lipodistrofia (alteração na distribuição da deposição de gordura no corpo) e a síndro-
me metabólica.66 Sabe-se, por exemplo, que o uso cumulativo de Darunavir potenciado com Ritonavir está
associado ao aumento progressivo do risco de complicações cardiovasculares, inclusive, de AVC.66 Outro me-
dicamento que demonstrou associação com AVC é o inibidor da transcriptase reversa de nucleosídeos (NRTI)
Abacavir, o qual aumentou em mais de duas vezes o risco desse evento.68
Principalmente nas PVHIV com a doença menos controlada, com baixa contagem de CD4 e maior
carga viral no plasma, outros fatores aumentam e contribuem para a prevalência de AVC, destacando-se
entre eles a hipertensão e o abuso de drogas ilícitas. Países de baixa renda registram mais casos de AVC em
PVHIV, quando comparados aos países com melhores condições socioeconômicas.16
Para haver diminuição da prevalência de AVC em pessoas infectadas com HIV, é importante aumen-
tar medidas de prevenção e melhorar o monitoramento desse grupo com identificação e tratamento dos
fatores de risco cardiovasculares e ajuste contínuo no tratamento com os antirretrovirais.

253
9 INFECÇÕES OPORTUNISTAS DO SNC ASSOCIADAS AO HIV
Tópicos em Neurociência Clínica

As PVHIV nos estágios avançados de imunodepressão ainda são afetadas pelas infecções oportu-
nistas, que raramente acometem indivíduos com níveis de linfócitos T CD4+ acima de 200 células/mm3.69
Aqui uma das maiores causas de morbimortalidade é o acometimento do sistema nervoso central. A menin-
goencefalite pode ser causada por vírus, tais como os do grupo do herpes; por fungos, como Cryptococcus e
Histoplasma; por bactérias, como Mycobacterium tuberculosis, Listeria, Treponema pallidum e Staphylococ-
cus aureus. As síndromes cerebrais focais são causadas por Toxoplasma gondii, neoplasias (principalmente o
linfoma primário do SNC), leucoencefalopatia multifocal progressiva (infecção pelo vírus JC) e abscessos por
Nocardia, Listeria, Trypanosoma cruzi, Taenia solium, Candida, Cryptococcus, Histoplasma, Aspergilus, Cocci-
dioides, Mycobacterium tuberculosis, micobactérias atípicas e bactérias piogênicas.69
Geralmente, as infecções oportunistas em PVHIV apresentam características clínicas e radiológi-
cas que podem diferir da apresentação de infecções em pacientes imunocompetentes, e, muitas vezes, são
suficientes para estabelecer o diagnóstico. Ter o diagnóstico correto é fundamental, já que o tratamento é
específico para cada condição.
Após o diagnóstico de uma infecção oportunista, o início precoce da TARV tem a vantagem de me-
lhorar a defesa imunológica contra a infecção, no entanto, a iniciação desses medicamentos também traz o
risco do desenvolvimento da Síndrome Inflamatória de Recuperação Imune (SIRI), que resulta da restauração
do sistema imune do hospedeiro e da redução da sua carga viral plasmática. Ela se manifesta com piora pa-
radoxal do quadro clínico de uma infecção conhecida ou com a manifestação sintomática de uma infecção
até então latente.69
Em indivíduos infectados pelo HIV, a melhor maneira de se prevenirem as infecções oportunistas,
inclusive as que afetam o SNC, é por meio da terapia com antirretrovirais. Esse tratamento visa controlar a
replicação viral e manter estáveis as contagens de células CD4+, fortalecendo, assim, o sistema imune e evi-
tando novas infecções. Por isso, é importante que o diagnóstico da doença seja realizado o mais cedo possível
e que a PVHIV tenha um acompanhamento médico adequado.

10 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A infecção causada pelo HIV é um problema de saúde mundial. Apesar do tratamento disponível,
as taxas de morbimortalidade ainda são altas, tanto pela imunodepressão, como por complicações e co-
morbidades indiretamente associadas ao vírus. Além disso, a doença permanece associada a preconceito e
estigma, o que contribui para a má aderência ao tratamento, piora da saúde mental e da qualidade de vida
das PVHIV.
Sabe-se que o vírus tem o sistema imune e o sistema nervoso como seus principais alvos, sendo
a terapia antirretroviral a melhor estratégia de prevenção de complicações da infecção pelo HIV, inclusive
daquelas associadas ao SNC. Além disso, faz-se necessário desenvolver mais estratégias de intervenção mul-
tiprofissional nos serviços de saúde, com o intuito de prestar assistência psiquiátrica, psicológica e social
adequada a esses pacientes.

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257
258
Tópicos em Neurociência Clínica
Capítulo XIV

CANNABIS SATIVA E SEUS DERIVADOS NATURAIS E


SINTÉTICOS: USO TERAPÊUTICO E RECREATIVO
Mayara Cristina Fernandes
Nathan Toews
Candida Aparecida Leite Kassuya
Elisabete Castelon Konkiewitz

1 ASPECTOS GERAIS

Cannabis sativa Linnaeus (Cannabinaceae), chamada simplesmente de Cannabis, Marijuana ou,


popularmente, no Brasil, de Maconha (Anagrama de Cânhamo), possui três principais subespécies: C. sativa,
C. indica e C. ruderalis.1 Além desses nomes, existe no mercado recreativo e medicinal da Cannabis uma outra
denominação usual, “strain”, que, em português, seria “cepa” ou “raça”. Todas elas possuem princípios ati-
vos que, no entanto, variam em sua concentração, em cada subespécie. Isso permite ao paciente selecionar
strains de acordo com a descrição dos efeitos terapêuticos e a concentração de canabinoides disponibiliza-
das em dispensários de Cannabis norte-americanos. No Departamento de Agricultura dos Estados Unidos,
encontra-se um banco de dados que contém a classificação de diversas formas vegetais, nele, a maconha é
catalogada cientificamente: Cannabis sativa l.
Cannabis sp é um arbusto nativo da Ásia que tem o ciclo de vida anual, podendo ser monoica ou
dioica, e apresentar as formas masculina, feminina e hermafrodita. Essa última contém órgãos reprodutores
de ambos os sexos. A planta masculina possui estames e, geralmente, é maior, porém, mais fraca que a fê-
mea, dotada de pistilos. O sexo é indefinido até a floração. A planta leva um período até apresentar o dimor-
fismo sexual que, posteriormente, torna-se bastante claro. O tamanho final de um exemplar varia entre as
subespécies existentes, entretanto, fatores ambientais e a forma de cultivo podem alterar a quantidade de
metabólitos secundários.3
O fruto da Cannabis, chamado de aquênio, é comercializado como alimento e é referido, usual-
mente, como sementes, com alto teor de ácidos graxos insaturados e outros fitonutrientes.4 O plantio da
Cannabis pode ser feito em ambiente externo ou em ambiente fechado, sendo que o último requer maior
manutenção, todavia, permite maior controle sobre a produção. Em países cujo cultivo é legalizado é mais
comum a prática do indoor, em ambiente fechado, por permitir o crescimento de variedades mais potentes e
evitar a polinização. Essa técnica faz a planta gerar flores sem semente e, por consequência, com maior teor
de canabinoides.
A Cannabis é uma das drogas mais consumidas pelo mundo, em conjunto com diversas outras dro-
gas legais, como o tabaco, a cafeína e o álcool. Apenas a planta fêmea tem valor medicinal, devido às grandes

259
concentrações de substâncias com potencial terapêutico em suas flores. Isso torna a folha pentâmera da
Tópicos em Neurociência Clínica

Cannabis apenas um símbolo, pois ela contém baixas quantidades de canabinoides.

2 CONSTITUINTES QUÍMICOS

Já se descobriram mais de 540 substâncias na Cannabis5 de diversas classes, como a dos mono-
terpenos (β-myrcene, α- e β-pinene, α-terpinolene), diterpenos, triterpenos, flavonoides, açúcares, sesqui-
terpenos (β-caryophyllene), esteroides, compostos nitrogenados (alcaloides de spermidina ou muscarina) e
os canabinoides.5 Os canabinoides já passam do total de cem compostos identificados, mas se restringem
apenas ao gênero Cannabis.

2.1 CANABINOIDES
Também chamados de fitocanabinoides, essa nomenclatura refere-se a todo composto terpe-
nofenol com C21 ou C22, aos seus metabólitos e substâncias análogas que são encontrados apenas na C.
sativa. Os canabinoides são substâncias apolares, sintetizadas no interior de células secretoras glandulares
de tricomas, e que têm maior presença nas flores de plantas fêmeas. São subdivididos de acordo com a
substância principal, como, por exemplo, os cannabidiol-type e tetrahydrocannabinol-type, que serão de-
talhados a seguir.
Após o crescimento vegetativo e durante a flora, há crescente acúmulo de substâncias químicas nos
tricomas, mas, mesmo após o amadurecimento total, a planta não está pronta para consumo. Dessa forma, o
modo de secagem, cura e armazenamento contribuem para a conversão dos ácidos em substâncias neutras,
bem como a ação do calor e da luz.6

2.1.1 THC
O mais potente dos psicoativos, depressores do sistema nervoso central da marijuana é o THC. Ele
possui quatro esteroisômeros, dos quais o mais estudado é o ácido tetrahidrocanabinolico (THCA), que é
encontrado naturalmente nas plantas. Após cerca de 1 hora de o indivíduo fumar a Cannabis, uma fração do
THC é convertida em 11-hidroxi-THC (mais ativo do que o THC) e, também, em metabólitos inativos, os quais
serão submetidos à conjugação e à recirculação êntero-hepática. Sendo altamente lipofílicos, o THC e seus
metabólitos são sequestrados na gordura do organismo. Sua eliminação urinária detectável permanece por
várias semanas, após uma única dose.
O THC tem propriedades anti-inflamatória e antiemética, estimula o apetite e apresenta vários sin-
tomas autonômicos. Seu uso é benéfico em várias condições, em especial, para o alívio da dor. No entanto,
o sistema de dosagem e de preparo ainda tem de ser definido com precisão.8 O uso de Cannabis e dos com-
postos isolados de Cannabis é uma alternativa para diminuir o uso de opioides para o tratamento da dor.8 O
medicamento marinol (dronabinol) contém THC sintético, que é usado nos tratamentos de câncer, da AIDS e
da esclerose múltipla, enquanto que o Cesamet™ (Nabilona), contém análogo de THC, e também é utilizado
para tratar o câncer.5
A descrição dos efeitos farmacológicos do THC é: sensações de relaxamento e bem-estar, sem a
imprudência e a agressividade associadas, impressões de consciência sensorial aguçada, com sons e visões
parecendo mais intensos e fantasiosos; prejuízo da coordenação motora, comprometimento da memória de
curto prazo e de tarefas de aprendizagem simples, aumento do apetite, catalepsia, ação antiemética, hipo-
termia, analgesia, taquicardia, vasodilatação, redução da pressão intraocular e broncodilatação. O efeito de
superdosagem não leva a risco a vida do indivíduo, mas podem ocorrer sonolência e confusão.

260
2.1.2 CBD

Tópicos em Neurociência Clínica


O canabidiol não apresenta as mesmas propriedades psicoativas do THC, mas pode apresentar ati-
vidade anticonvulsivante e induzir o metabolismo hepático de fármacos. Esse é o principal composto tera-
pêutico pesquisado e utilizado em tratamentos médicos. No Brasil, o canabidiol foi o primeiro composto da
maconha a ser reclassificado como substância controlada (2014), pela Agência Nacional de Vigilância Sani-
tária (Anvisa). Entretanto, o produto deve ser requerido e importado. O seu uso exclusivo não é capaz de
gerar o chamado estado de intoxicação high, mas possui ação anticonvulsivante e analgésica, principalmente,
contra a dor neuropática.7 Há uma escassez de estudos centrados na eficácia do canabidiol (CBD) sem THC,
o que complica ainda mais a realização de estudos clínicos médicos sobre Cannabis.8 Daí existir apenas uma
formulação de medicamento (Sativex), que apresenta, em sua composição, 2,7 mg/mL de THC e 2,5 mg/mL
de canabidiol, inclusive, é um dos medicamentos utilizados para tratamento de esclerose múltipla.5

3 A ANTIGA NOVA FONTE DE ENERGIA: O CÂNHAMO

A Cannabis tem uma taxa alta de crescimento em subespécies específicas e o seu plantio é feito
para extração das fibras. Apesar de também possuir uma quantidade mínima de canabinoides (menor que
0.3% THC), as plantas de onde se retiram o cânhamo são maiores e com hastes longas, há presença de ligno-
celulose, nas paredes celulares do tecido, e a produção de biomassa é muito acelerada.10
No Brasil, o cultivo de cânhamo é proibido por conta da ínfima concentração de THC encontrada
nas plantas. A proibição mantém o país atrasado em relação aos outros que já fazem uso sustentável e ver-
de dessas fibras. Eles são capazes de produzir compostos químicos, papel, biopolímeros e açúcar. Há poten-
ciais de exploração do cânhamo até mesmo como alternativa para o petróleo. A biotecnologia empregada
no cânhamo retomou o uso comercial dessa fonte de recursos verde e que pode atenuar a exaustão dos
recursos naturais.11

4 VEÍCULOS DE USO

Tanto no uso recreativo, quanto no uso medicinal da maconha, diversas formas de administração
são utilizadas pelos pacientes. A mais comum é utilizar o produto legalizado, ou o ilegal, na forma de cigarros
manufaturados, que são chamados popularmente de baseados ou joint, em que a erva é enrolada em papéis
específicos. Semelhante a isso, o blunt é um tipo diferente de papel, geralmente, composto de tabaco, e é
também utilizado para produzir um baseado, que recebe o próprio nome do material.12
Já o bong é a forma de consumo em que a erva é queimada em um recipiente de vidro, semelhante
a um vaso, no qual a fumaça passa por água fresca e é, assim, resfriada e inalada. Esse modo de uso é mais
potente do que em forma de cigarro, por ser possível tragar maior quantidade de Cannabis em menos tempo.
Considera-se que o bong cause menos danos relacionados ao calor produzido pela combustão da erva.13
Retirando a conotação negativa da maconha, em países legalizados, a redução de danos das drogas,
em geral, começou a ser discutida. Por isso, surgiram formas alternativas de se ingerir a Cannabis sem produ-
zir fumaça. A vaporização do produto in natura ou sob forma de óleos tornou-se popular entre usuários medi-
cinais ou recreativos, por ser menos agressiva ao trato respiratório. Esse método consiste no aquecimento do
substrato, até o ponto de ebulição dos canabinoides, estocagem do vapor em recipientes, ou a sua liberação
para o bocal do aparelho, estando, assim, pronto para o consumo.12
Os canabinoides são substâncias apolares e podem ser extraídos da planta por meio de infusão em
diversos produtos. Geralmente, manteiga e outros lipídeos de consumo humano são utilizados para diluir o
261
THC e CBD que, posteriormente, dão origem a diversos pratos cannabicos. Brownies, cookies, bolos e diver-
Tópicos em Neurociência Clínica

sas outras receitas formam a classe dos “edibles” que, em tradução livre, significa “comestíveis”. Essa é uma
alternativa de uso que não envolve a combustão.14
Além disso, as extrações da Cannabis são numerosas e variam de acordo com a consistência,
método de extrato, concentração de canabinoides e cor. A extração mais antiga da planta é o haxixe, que
mantém parte da matéria orgânica da erva e acumula os psicotrópicos. É a forma mais potente de uso que
é, geralmente, recreativo. Sob uso medicinal, os Triglicerídeos de Cadeia Média (TCM) são os solventes
mais utilizados em produtos farmacêuticos importados e na produção caseira são usados óleos de coco,
girassol e oliva.15
Na área farmacêutica, países que permitem o estudo e o desenvolvimento de pesquisas relaciona-
das com a Cannabis tornaram possível a criação de medicamentos contendo canabidióis, naturais e sintéti-
cos, para uso no tratamento de diversas doenças.

Tabela 1: Características quanto aos meios de administração de produtos à base de Cannabis.

Fumo Vaporização Oral Outros


- Via mais comum de ad- - Através do aqueci- - Óleos, cápsulas e outros tem - Tópico: ideal para sinto-
ministração, porém não mento da Cannabis a se tornado popular pela con- mas localizados, com pes-
recomendada (cachimbos, 160-230ºC; veniência e acurácia de dose; quisa ainda limitada;
charutos);
- Produz menos biopro- - Comestíveis (brownies / - Supositórios: indicado
- Combustão a 600-900ºC dutos tóxicos em com- cookies): dosagem é mais a populações específi-
com produção de bioprodu- paração ao fumo; difícil; cas (CA, sintomas TGI e
tos tóxicos; outros), possui absorção
- Reduz sintomas pul- - Sucos e chás não permitem a
variável;
- Uso crônico está associado monares em relação ao descarboxilação adequada da
a sintomas respiratórios fumo. planta crua; - Uso recreacional: “sha-
(bronquite, tosse); tter”, “dabs”, concentra-
- Nabiximols spray de oromu-
ções.
- Pacientes podem misturar cosa é o único medicamento a
com tabaco aumentando o base de Cannabis atualmente - Com altas doses de THC,
risco de câncer; prescrito com dosagem padro- apresentam alto risco de
nizada CBD-THC; euforia, psicose tóxica,
- 30-50% da Cannabis é per-
hipotensão ortostática e
dida para o ambiente (fumo - Tinturas e pastilhas interme-
outros. Inapropriado para
passivo). diárias continuam com pesqui-
aplicação médica.
sa limitada.

Fonte: tabe​la elaborada pelos autores com dados baseados em referência bibliográfica.58

5 HISTÓRIA DO USO DA MACONHA

A maconha é usada desde os tempos antigos no berço das civilizações da Crescente Fértil, da Índia
e da China, sendo usada em rituais religiosos, para fins medicinais e diversas funções práticas, como a utili-
zação das fibras de cânhamo na tecelagem. A farmacopeia chinesa Pen-Ts’ao Ching16, tinha a Cannabis como
planta medicinal, em conjunto com diversos medicamentos baseados em plantas e produtos naturais.17 E as
Américas foram conquistadas graças às fibras de cânhamo. A resistência, o baixo peso e baixa absorção de
água são características que tornaram o cânhamo ideal para a fabricação de cordas e velas das caravelas que
viabilizaram as viagens para o Novo Mundo, no período dos “Descobrimentos”.18
A introdução da Cannabis no Brasil, como planta, se deve aos africanos escravizados, que trou-
xeram sementes escondidas em bonecas de pano, amarradas nos ornamentos de suas tangas. Diversos

262
escritores da época das Navegações mencionavam e demonstravam as relações com a Diamba, Bangue ou

Tópicos em Neurociência Clínica


fumo da Angola, nomes usuais da erva, bem como descreviam os efeitos de euforia, riso fácil e apetência
relacionados a esses produtos.17
Longe de ser proibida, a Coroa Portuguesa, no século XVIII, chegou até a estimular o uso da maco-
nha, recomendando o plantio de 16 sacas de sementes, para 39 alqueires de terra, como foi feito na antiga
capitania de São Paulo, segundo Fonseca.19 Com o passar do tempo, o uso recreativo da planta aumentou não
só nos escravos, mas também na população indígena, que passou a cultivá-la para consumo próprio. Apesar
disso, a classe dominante não tinha interesse, nem utilizava a Cannabis, salvo em casos específicos.17
Já no século XIX, o uso medicinal da Maconha foi amplamente utilizado a partir das publicações do
professor Jean Jacques Moreau, pioneiro da Psicofarmacologia moderna, que estudou o haxixe (extração da
Cannabis), e seus potenciais terapêuticos. Além dele, médico irlandês William O’Shaughnessy (1809-1889),
que fez carreira na Índia, realizou estudos sobre o uso da Cannabis para tratamento de doenças reumáticas
e convulsão infantil.20
Um dos famosos anúncios de remédios advindos de suas ideias é o dos cigarros Grimault, pro-
duzidos com Cannabis indica. Até os anos 1930, esses cigarros foram muito populares, com a promessa de
aliviar diversos sintomas e curar doenças mentais, e a planta era tida como remédio miraculoso. Entretanto,
surgiram autoridades científicas que afirmavam a nocividade do uso da Maconha e de seus derivados, como
a manutenção de um estado marasmático e de imbecilidade em usuários de haxixe.21
No período entre Guerras, o “Dr. Pernambuco Filho” foi um dos responsáveis pelo início da repres-
são às drogas, mais especificamente, a Cannabis, que passou a ser descrita por ele como substância mais
perigosa do que o ópio.21 Ato contínuo, o usuário passou a ser perseguido em vários estados, dando-se
início a um período de “limpeza”, como pode-se ver no Decreto-lei 891, de 25 de novembro de 1938, que
determinou “a proibição total do plantio, cultura, colheita e exploração por particulares da maconha, em
todo território nacional”.19
Assim foi como o Brasil iniciou uma verdadeira guerra contra as drogas, que já custaram recursos
exorbitantes do Estado, violência nas favelas, abuso policial, tentativas de internação compulsória, entre ou-
tras estratégias para dar fim ao uso de entorpecentes. Essa política de combate não trouxe resultados bené-
ficos à sociedade, visto que permitiu a formação do crime organizado que, ainda hoje, domina o comércio
de forma ilegal, e é um poder paralelo ao do Estado. Contudo, avanços nas leis sobre o uso medicinal da
Cannabis permitiram a legalização do cultivo próprio, para a produção de óleos e medicamentos no Brasil,
mediante requisição e abertura de processo para se obter esse tipo de licença e ampliar as possibilidades de
tratamentos e de amparo às pessoas, no caso de determinadas patologias.

6 AVANÇOS REGULAMENTARES

A proibição da Cannabis, por meios legais, iniciou um período de Guerra às Drogas, combatendo
o crime organizado. Essa guerra velada é travada em grandes comunidades carentes das principais cidades
do Brasil, por exemplo, Rio de Janeiro e São Paulo. Ela atinge até mesmo a população desses locais, que se
mescla e é confundida com traficantes, resultando em baixas de civis, de policiais e de criminosos, sem que
haja resolução do conflito.
Em conjunto, a violência resultante do combate às drogas, advindas do intenso municiamento do
Crime e da Polícia, surgiram movimentos populares em defesa da legalização do uso da Cannabis. Esses mo-
vimentos questionaram a hiperreação policial aos usuários de maconha, que alegavam racismo e alertavam
sobre a forma das abordagens policiais, em que um utilizador poderia ser enquadrado como traficante, sob
determinação do oficial que realizou a abordagem. Assim, em 2002 a cidade do Rio de Janeiro foi sede da
263
primeira “Marcha da Maconha”, movimento que teve cerca de 800 participantes, mas ainda sem uma organi-
Tópicos em Neurociência Clínica

zação adequada. Apenas em 2007, a marcha se consolidou como um movimento social.


Entretanto, somente em julho de 2011, o Supremo Tribunal Federal liberou a realização da Marcha, por
ser um ato constitucional e de liberdade de expressão do pensamento, e não algo que incitasse ou provocasse
ações ilegais. Segundo o juiz Celso de Mello, esses eventos possibilitam a expressão da democracia, ao provocar
a discussão sobre o modelo proibicionista de drogas, bem como, os efeitos do incremento da violência que ele
provocou. Dessa forma, a decisão que foi tomada no julgamento da ADPF 187(Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental) foi que as manifestações não descumpriam o Artigo 287, do Código Penal, referente à apo-
logia de fato criminoso ou autor do crime, e poderia ser realizada normalmente no território nacional.22
Passados cinco anos da liberação das passeatas, em 2015, por meio da Resolução da Diretoria Colegiada
(RDC), n° 17/2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a importação de extratos da Can-
nabis para propósitos médicos, após a autorização do Conselho Federal de Medicina (CFM) para prescrição do CBD
como tratamento alternativo para tipos de epilepsia refratárias aos métodos tradicionais, por meio da Resolução
n° 2.113/2014. Ainda, o CFM afirma a necessidade de um profissional especialista em neurologia, neurocirurgia ou
psiquiatria para prescrever derivados da Cannabis, desde que contenham somente o canabidiol.
Por meio desses avanços, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) obteve o primeiro labora-
tório brasileiro para análise de substâncias terapêuticas derivadas da maconha que, através de um projeto de
extensão chamado “FarmaCannabis”, passou a dar apoio aos pacientes que recebiam o tratamento à base de
Cannabis. Esse projeto teve o objetivo de monitorar a terapia dos pacientes e, com amparo judicial, preparar
os extratos Canábicos para enfermos que eram autorizados a cultivarem a planta. Apesar disso, extratos ricos
em THC podem causar crises psicóticas e acentuar crises convulsivas, como foram relatados por mães de pa-
cientes epilépticos que este projeto abarcavou.23
Um ano depois, em 2016, por meio de uma Ação Civil Pública (ACP nº 0090670-16.2014.4.01.3400,
16ª Vara DF.) a RDC N° 66/2016, da Anvisa, ampliou as possibilidades de tratamento com Cannabis sativa,
permitindo a importação de partes da planta e substratos, incluindo, também, o THC. Já em 2017, o remédio
Mevatyl® foi registrado no Brasil, sob a indicação para contenção da espasticidade moderada a grave na es-
clerose múltipla. A sua composição é um extrato hidroalcoólico de C. Sativa, contendo, além de terpenos e
frações de outros canabinoides, 27 mg de THC e 25 mg de CBD, por pulverização. O medicamento é absorvido
pela mucosa oral e não deve ser inalado, e leva até duas semanas para atingir a concentração terapêutica,
sendo contraindicado para pacientes menores de 18 anos, cardiopatas graves, usuários frequentes de maco-
nha e para tratamento de epilepsia.15
Por fim, a RDC 327/2019 não gerou muitos avanços na “causa canábica”, assim como a RDC 66, a
327 não abordou o cultivo da planta. A Resolução de 2019 permitiu a produção de medicamentos de Canna-
bis no Brasil, mas com a necessidade de importação da matéria-prima, o que elevou os custos e não trouxe
benefícios marcantes para os pacientes, porque a terapia continuou dispendiosa. Além do mais, a RDC 327
determinou que os médicos podem receitar esse tipo de tratamento, apenas se não existirem outras opções
terapêuticas no Brasil, retirando do profissional a autonomia de prescrever Cannabis primariamente, mesmo
que seja a melhor alternativa.

7 RISCOS ASSOCIADOS

A maior parte das drogas ilícitas possui o uso irrestrito à dose, o que acentua seus efeitos, até sobre-
carregar o organismo, causar overdose e levar à morte. Entretanto, não existem casos relatados dessa sobre-
carga, em usuários exclusivos de Cannabis. Isso faz da Maconha uma droga de abuso relativamente segura.

264
Essa possibilidade, porém, não pode ser afirmada devido ao déficit de informação na comunidade científica

Tópicos em Neurociência Clínica


(falta de dados e de casos descritos), por conta da proibição dos estudos sobre a Cannabis, em vários países.
Sabe-se que os problemas de curto prazo se devem ao estado de intoxicação por THC que, geral-
mente, acabam com a suspensão do uso da droga. Os efeitos encontrados podem ser alterações no sentido e
na percepção do tempo, mudanças de humor, certa dificuldade de movimentação corporal e, até, problemas
para resolver enigmas, pensar e guardar informações na memória. O excesso do uso, bem como predisposi-
ções genéticas e altas dosagens, podem desencadear crises de alucinação, delírio e psicose.24
Já em longo prazo, os problemas são mais marcantes e graves. Nos Estados Unidos, a prevalência
de Infarto Agudo Isquêmico chega a ser 17% maior em jovens adultos que utilizam a maconha, independen-
temente, de ser de forma recreativa, ou seja, o abuso de Cannabis aumenta consideravelmente os acometi-
mentos vasculares cardíacos e encefálicos.
Além disso, a queda do Quociente de Inteligência (QI) é algo significativo, em usuários de longa data,
sendo que o início juvenil do uso de Cannabis está relacionado diretamente com a diminuição da capacidade de
raciocínio e da fala na fase adulta. Ainda, a suspensão do uso não devolve totalmente as habilidades perdidas
com o abuso da droga, podendo-se registrar uma queda média de 8 pontos no QI, dependendo da intensidade
do uso.25 Outro sintoma apresentado seria o desenvolvimento da síndrome de hiperemese relacionada aos ca-
nabinoides, que seria uma intensa náusea, desidratação e vômitos, causados pelo uso prolongado da planta.26
Sobre a redução de danos, a utilização de formas de resfriamento da fumaça e de veículos alternati-
vos pode amenizar os prejuízos respiratórios associados ao uso prolongado de cigarros de maconha. Eles são
semelhantes aos do tabagismo, como toalete matinal, produção excessiva de catarro, doenças pulmonares e
infecções mais frequentes. Entretanto, a Cannabis não contribui para o aumento do risco de se desenvolver
o câncer de pulmão.27
Uma das causas e do aumento dos sintomas negativos do uso prolongado da Cannabis é a manipu-
lação genética de cepas da planta. A seleção genética busca variedades com mais THC, por ser a substância
mais lucrativa dentre os canabidióis. Dessa forma, a potência da droga aumentou gradativamente nas últimas
décadas, assim como os efeitos negativos, advindos do abuso.28

7.1 GRAVIDEZ
A legalização da Maconha, bem como a popularidade dos tratamentos à base dessa planta, tornou
público certos problemas que ocorriam na ilegalidade. Um deles foi a continuação do uso da droga, medicinal-
mente ou recreativamente, durante a gravidez, em cerca de 20% das mulheres grávidas, conforme estudo cujo
banco de dados traz relatos de mulheres. Na verdade, os casos ocultos podem tornar os números bem maiores.
Ainda, certos dispensários que vendem legalmente, chegaram até a receitar o uso durante a gravidez, para
redução das náuseas.29 Entretanto, longe de ser medicinal, os prejuízos da ingestão de maconha durante a gra-
videz estão relacionados com a queda do peso do bebê ao nascer, aumento no risco de mau desenvolvimento
cerebral, tanto quanto aos problemas de atenção, comportamento, memória e capacidade de resolver proble-
mas na infância. Além disso, as moléculas de canabinoides também podem ser excretadas pelo leite materno,
devido a sua lipossolubilidade, o que torna o uso não recomendado até na fase de aleitamento.29

7.2 PORTA DE ENTRADA


Um dos argumentos mais comuns contrários à legalização da Cannabis sativa, para uso recreativo e,
até mesmo, medicinal, é que essa droga seria a porta de entrada para drogas ilícitas ainda mais prejudiciais à
saúde, como a cocaína e o crack. Assim sendo, o traficante de maconha, quase certamente, seria ligado a fac-
ções criminosas. Por isso, também deve vender outros entorpecentes, introduzindo o usuário de Cannabis no
mesmo ambiente em que as outras drogas são consumidas, facilitando o acesso e o uso. Novamente, a expo-

265
sição prematura de indivíduos à Cannabis, bem como outros tipos de substâncias, favorece o desenvolvimento
Tópicos em Neurociência Clínica

de adição, pois modifica o modo como o organismo reage às drogas. Testes com ratos já mostraram esses efei-
tos.30,31
Dessa forma, apesar de a Cannabis ser uma droga mais segura que as demais drogas ilícitas, os
fatores ambientais e sociais contribuem com o argumento de que ela é a “Porta de Entrada” para as outras
drogas. Como na ilegalidade não há leis de controle e restrição de compra para menores de idade, também
se agrava o problema de os menores poderem acessar a Cannabis.

7.3 ADIÇÃO
Embora as substâncias presentes na Cannabis sativa não sejam altamente aditivas, o hábito de
fumar, o sistema de recompensa e até o uso medicinal para sintomas comuns causam certa dependência em
usuários de longa data. Também, a introdução da maconha na adolescência aumenta a chance de adição em
até sete vezes, se comparado com os adultos. Além disso, a retirada súbita dos canabinoides pode produzir
no organismo sintomas de abstinência, como irritabilidade, sonolência, falta de apetite e ansiedade.32

8 Cannabis sativa na ciência

A Cannabis é objeto de estudo professor israelense Raphael Mechoulam, mundialmente respeitado


por suas pesquisas sobre a planta. Ele é responsável pela descoberta das moléculas 9-tetraidrocanabinol (9
-THC) e Canabidiol (CBD), na década de 1960.32 Elas são as bases dos intensos estudos sobre tema, havido
nos anos subsequentes. Apesar de certa euforia em relação às descobertas, Zuardi17 demonstra uma queda
expressiva no número de estudos publicados sobre a “Cannabis”, “Cannabinoids”, “Marijuana” e “Marihua-
na” até a identificação, clonagem e caracterização do receptor CB1, já na década de 1990, por Devane et al.
A Cannabis, torna-se assim novamente alvo de estudos, abrindo uma nova fase para a Maconha medicinal.34
O sistema endocanabinoide recebe esse nome por causa da semelhança estrutural e da ação dos
ditos canabinoides endógenos com os fitocanabinoides encontrados na planta Marijuana. Este sistema tem
a função de neuromodulação, plasticidade sináptica e responde aos danos que ocorram no organismo e ao
meio externo. Ele capaz de inibir ou induzir certos sinais de acordo com sua concentração plasmática. Essa
descoberta se deu através da identificação da molécula de Anandamida (AEA), um endocanabinoide que
produziu, no organismo de ratos, efeitos semelhantes aos psicotrópicos canábicos. O artigo de Devane foi
determinante para a caracterização desse novo sistema.34
Diversos mediadores lipídicos, que também agem como ligantes dos receptores do ECS (Sistema
Endocanabinoide), e caminhos do metabolismo endocanabinoide foram descobertos. Eles revelaram a ação
do ECS em outros sistemas, como sendo de caráter anti-inflamatório e resultado de metabólitos dos princi-
pais endocanabinoides, a já citada AEA e o 2-Aracdonoil-Glicerol (2-AG).35,36 Com o avanço nas descobertas
da função do ECS no organismo humano, vieram também os estudos relacionados com a disfunção desse
sistema, que envolve sintomas como a dor37, o desequilíbrio emocional38, desbalanço energético39 e doenças
neurodegenerativas40. Os estudos permitiram aliar a medicina canábica ao tratamento de diversas doenças
relacionadas às recentes descobertas feitas nesta área, como já se vê em países com leis específicas para uso
medicinal da Cannabis e de seus derivados.

266
9 SISTEMA ENDOCANABINOIDE: UMA PERSPECTIVA GERAL

Tópicos em Neurociência Clínica


O uso da maconha precede a descoberta do sistema endocanabinoide, que é formado pelos recep-
tores canabinoides 1 e 2 (CB1 e CB2), os dois endocanabinoides anandamida (N-araquidonoil etanolamina) e
2-araquidonoilglicerol (2-AG), e as enzimas anabólicas e catabólicas endocanabinoides.43,44 A constatação de
uso e percepção dos efeitos da maconha são muito antigos, alguns datam de 2700 a.C., mas já era percep-
tível a existência de um sistema no qual a Cannabis sp (maconha) agiria. Provavelmente, haveria agonistas
endógenos para esse sistema.45 Dessa forma, o termo endocanabinoide deriva da Cannabis, pois primeiro foi
descoberto o agonista exógeno, depois, os endógenos.
A descoberta do primeiro receptor canabinoide, que é predominantemente expresso no sistema
nervoso central, aconteceu em 1988, tendo sido denominado como CB1, em 1993, pois, naquele mesmo ano,
foi caracterizado o segundo receptor, CB2​.44 Em 1992, tanto a anandamida quanto o 2-AG foram identificados
como endocanabinoides – ambos agonistas, ou seja, exibem eficácia intrínseca dos receptores CB1​e CB2​.46 As
enzimas envolvidas na síntese e na degradação desses agonistas foram também identificadas, identificando-
-se todo o sistema de endocanabinoides. Esse sistema é conhecido por estar envolvido em vários processos
e funções fisiológicas, bem como em estados patológicos.44,46
Ainda que milhares de publicações tenham comprovado as atividades biológicas da anandamida, e
que muitos artigos tenham demonstrado as atividades biológicas do 2-AG, nenhum dos compostos mostrou
efeitos tóxicos em animais.44
Anandamida é uma amida predominantemente hidrolisada pela hidrolase da amida de ácidos gra-
xos (FAAH). O 2-AG é um éster modificado por uma monoacilglicerol lipase. No entanto, um 2-arachidonoil
éter glicerílico, chamado noladin, também foi encontrado no cérebro suíno48, em camundongos e em seres
humanos44, sendo muito mais estável, uma vez que não foi encontrada nenhuma esterase específica que o
degrade.
Os endocanabinoides são moléculas lipofílicas sintetizadas em membranas biológicas, predomi-
nantemente, em membranas pós-sinápticas no cérebro, conforme a demanda. A presença de chaperonas,
que são proteínas de ligação citosólica que acompanham essas moléculas, pode também estar envolvida na
absorção e transporte de endocanabinoides para as membranas pré-sinápticas para, assim, exercer efeitos
biológicos dependentes do CB1.
Muitos peptídeos endógenos modulam positivamente ou se comportam como agonistas inversos
dos receptores canabinoides. Estudos de Huang et al. demonstraram que a proteína de ligação aos ácidos
graxos, a FABP1, é um endocanabinoide proeminente e proteína de ligação de canabinoide no fígado (mas au-
sente no cérebro). A eliminação dessa proteína aumenta os níveis de endocanabinoides hepáticos49. Outros
FABPs também estão presentes no cérebro, com funções semelhantes.50 Um grupo de peptídeos chamado
Pepcans foi considerado como agonista negativo da modulação do CB1, por exemplo, o Pepsan-12, mas o seu
papel fisiológico ainda não foi elucidado.51
O 2-AG pode ser potencializado por análogos endógenos 2-acilgliceróis, 2-linoleoilglicerol e 2-pal-
mitoyl-glicerol, induzindo um efeito sinérgico de aumento da inibição do comportamento motor, imobilidade,
analgesia num modelo de placa quente, e hipotermia causada por 2-AG em ratos.52 Os constituintes endóge-
nos que modulam receptores CB1 foram identificados em porcos e são produzidos em menores quantidades
homo-γ-linolenoil etanolamida e docosatetraenoil etanolamida.53

9.1 RECEPTORES DO SISTEMA ENDOCANABINOIDE


O receptor CB1 está amplamente distribuído no cérebro, que se correlaciona bem com os efeitos de
psicoatividade conhecidos dos canabinoides naturais na memória, na percepção, no controle do movimento.44

267
Os receptores canabinoides estão em maior quantidade no hipotálamo (controle do apetite e da temperatu-
Tópicos em Neurociência Clínica

ra corporal), no hipocampo (importante para interferência no processo de memória), no cerebelo (coordena-


ção), na substância negra, nas vias dopaminérgicas mesolímbicas (implicadas na ‘recompensa’ psicológica) e
em áreas de associação do córtex cerebral. Entretanto, os receptores CB1 são escassos ou estão ausentes na
medula, no tálamo e em áreas de tronco cerebral, por isso, altas doses de canabinoides não induzem depres-
são respiratória.46
Na periferia do organismo, o receptor CB1 é encontrado no testículo humano e, em outros animais,
no intestino delgado (cobaia), na bexiga urinária (rato) e no canal deferente. O mRNA receptor CB1 foi descri-
to na glândula adrenal, no coração, no pulmão, na próstata, na medula óssea, no timo e nas amígdalas.53,54
Já os receptores CB2 encontram-se na zona marginal do baço, nas amígdalas e em células do sistema imune,
como os Linfócitos B e T, monócitos, células endoteliais, adipócitos e os nervos periféricos,​dentre​outros.57,58
A ativação dos receptores canabinoides pode induzir a lipogênese.​
Ambos os receptores canabinoides são membros da família dos receptores acoplados à proteína
G​i/o, à inibição de adenilato ciclase e de canais de cálcio operados por voltagem, e à​ ativação de canais de
potássio retificadores de entrada sensíveis à proteína G (GIRK), causando hiperpolarização da membrana.
Como os receptores CB​1 ​ estão localizados nos neurônios pré-sinápticos, sua ativação inibe a liberação de
transmissores. Como existe baixa homologia entre os receptores CB1 e CB2, também existe variação na res-
posta das vias de transdução de sinais, sendo a inibição da adenilato ciclase uma via comum, em resposta à
proteína G inibitória sensível à toxina pertussis. Foi demonstrado também que os receptores CB1, mas não os
CB2, acoplam-se à estimulação da adenilato ciclase, sob certas condições.59
Além da inibição da adenilato ciclase, inibição de canais de cálcio operados por voltagem e ativação
de GIRK, a ativação dos receptores CB (por seus respectivos agonistas) influencia a expressão gênica, pela
ativação da proteinoquinase ativada por mitógenos (MAPK), pela redução da atividade da proteinoquinase
A (PKA). Outra diferença de mecanismo: a ativação do mecanismo de transdução do receptor CB2 não ativa
canais de cálcio operados por voltagem, pois eles não são expressos em células do sistema imunológico.
A supressão da inibição induzida pela despolarização (DSI – do inglês depolarisation-induced su-
ppression of inhibition) é o exemplo eletrofisiológico clássico da ativação de receptores CB e da função en-
docanabinoide no sistema nervoso central. A DSI é um fenômeno que foi primeiramente observado no hi-
pocampo, onde a neurotransmissão espontânea GABAérgica era inibida por uma despolarização da célula
pós-sináptica. Quando as células piramidais são despolarizadas por um estímulo excitatório, ocorre supres-
são do estímulo inibitório mediado pelo GABA, gerando um fluxo retrógrado de informações da célula pira-
midal despolarizada, para os axônios inibitórios que terminam nela. A substância que poderia estar envolvida
na DSI é o endocanabinoide 2-AG, o qual poderia ser um mensageiro retrógrado, juntamente do receptor CB1
pré-sináptico (uma vez que o rimonabanto consegue inibir a geração do DSI).
Além de os endocanabinoides ativarem principalmente os receptores CB1 e CB2, eles também po-
dem ativar, embora em concentrações mais elevadas, o canal receptor potencial catiônico transitório da sub-
família V, membro 1 (TRPV1)29, e vários outros receptores30-34, incluindo, o GPR18, GPR55, GPR92, GPR119 e
o receptor peroxissômico ativado por proliferador α (PPARα).

10 potencial terapêutico da Cannabis sativa/canabinoides

Devido ao estigma negativo gerado pelo uso ilegal da Cannabis e todas as consequências advindas
da imersão em meio não regulamentado, atrelado à violência e a outras drogas, os estudos sobre o potencial
terapêutico de canabinoides encontram diversas barreiras. Apesar disso, avanços têm sido alcançados por
meio de estudos que indicam possíveis utilizações em diversas enfermidades.
268
Nesta seção, apresentaremos os alvos atuais, que consistem em efeitos terapêuticos já bem eviden-

Tópicos em Neurociência Clínica


ciados por meio de estudos. Assim, muitos desses alvos já apresentam medicações com componentes cana-
binóides produzidos e comercializados pela indústria farmacêutica. Portanto, de forma bem regulamentada e
padronizada, com indicação de acordo com determinado caso clínico e distribuição variando de acordo com
a regulamentação de cada país.
Apresentaremos também, possíveis alvos, que representam potencial de utilização e devem ser
esclarecidos por mais estudos.

10.1 ALVOS ATUAIS


● Anticonvulsivante: produtos à base de Cannabis com CBD predominante, como Epidiolex, têm-se mostra-
do seguros e efetivos no tratamento de casos não responsivos aos anticonvulsivantes clássicos, como nas
síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut. Porém, produtos THC predominantes são contraindicados, pois
apresentaram efeitos pró-convulsivantes nos estudos em roedores.60
● Tratamento da dor: os efeitos analgésicos da Cannabis podem ocorrer devido a diversos mecanismos,
dentre eles, a modulação da atividade neuronal da medula ventromedial rostral, efeitos antinociceptivos
nas vias descendentes da dor e inibição da síntese de prostaglandinas, atuando sobre o processo infla-
matório. Estudos clínicos indicam que produtos derivados de Cannabis, seja por via de administração
por fumo ou oral do extrato de Cannabis (THC:CBD), são eficazes para vários tipos diferentes de dor,
principalmente, dor neuropática.61 Em um relatório publicado pelas Academias Nacionais Americanas de
Ciências, Engenharia e Medicina, apoiadas em análises de revisões sistemáticas, meta-análises e estudos
clínicos randomizados, concluíram haver evidências substanciais de que a Cannabis inalada é eficaz para
o tratamento da dor crônica em adultos. Também, indicam evidências moderadas de que os canabinoi-
des oromucosos (especialmente nabiximóis) reduzem os distúrbios do sono associados à dor crônica (e
outras condições, como fibromialgia, esclerose múltipla e síndrome da apneia do sono).62 Entretanto, os
canabinóides orais parecem não eficazes na dor aguda pós-operatória, dor abdominal crônica ou dor reu-
matoide, de forma que não pode ser indicado universalmente no tratamento da dor.63
● Supressão de náuseas e antieméticos: o uso do THC sintético, com o propósito antiemético, por pacientes
em quimioterapia, foi aprovado nos Estados Unidos, em 1985.60 Em uma meta-análise de sete ensaios
clínicos randomizados, para controle de náuseas e vômitos após quimioterapia, foi encontrado um Risco
Relativo (RR) de 3,60 (IC 95% 2,55 a 5,09), com um Número Necessário para Tratar (NNT) de 3. Os efeitos
adversos fizeram com que alguns pacientes parassem o tratamento (número necessário para prejudicar
[NNH] de 8 a 22). Contudo, há evidências razoáveis de que os canabinoides melhoram as náuseas e vômi-
tos após a quimioterapia.64
● Estimulantes do apetite: esse efeito ocorre por meio da ação agonista de receptores CB1 presentes no
sistema nervoso central. A utilização com esse fim está indicada para prevenir a perda de peso em pacien-
tes com AIDS.65
● Distúrbios de movimento, tônus muscular (esclerose múltipla): no geral, os produtos farmacêuticos à
base de Cannabis parecem eficazes no tratamento da espasticidade muscular na esclerose múltipla. Com
esse fim, os nabiximóis são aprovados em dez países. Contudo, os dados sobre o uso de outras formas
de administração e doses de Cannabis medicinal, para espasmos musculares, ainda são limitadas. Além
disso, a maioria dos países lista “espasmo muscular” como indicação para o uso medicinal, porém, não
discrimina a necessidade de o diagnóstico de esclerose múltipla estar presente. Apesar dessa abrangên-
cia, a eficácia do uso da Cannabis medicinal, no espasmo muscular não relacionado à esclerose múltipla,
ainda não é consolidada por estudos.61
● Obesidade: Apesar de seu efeito anorexígeno e do comprovado aumento da sensibilidade à insulina, o
medicamento Rimonabant, o primeiro antagonista seletivo do receptor CB1, foi retirado do mercado por
seus efeitos adversos, que estão relacionados à ansiedade e à depressão.66
● Glaucoma: ainda não há consenso quanto ao uso de produtos à base de Cannabis serem indicados para o
tratamento de glaucoma. A Sociedade de Oftalmologia do Canadá e a Sociedade Americana de Glaucoma
não recomendam essa utilização, nesse quadro clínico, pois seus benefícios não seriam superiores aos
de outros tratamentos já bem estabelecidos, por ter efeito efêmero. Além disso, há presença de efeitos

269
colaterais neuropsicológicos indesejados.67 Outro estudo também demonstrou que, ainda que ocorra di-
Tópicos em Neurociência Clínica

minuição da pressão intraocular (PIO), com administração sublingual de 5 mg de Delta-9-THC, seu efeito
não estará mais presente após 4 horas da sua administração. Enquanto isso, produtos CBD predominantes
não demonstraram diferença terapêutica quando comparados ao placebo.68

10.2 POSSÍVEIS ALVOS


Outros benefícios têm sido relatados por estudos populares e, também, em estudos menores, acer-
ca do uso de produtos derivados de Cannabis. Dentre os potenciais terapêuticos encontrados, que carecem
de mais esclarecimentos científicos, encontram-se:
● Neuroproteção:​relatos de benefício principalmente relacionado às doenças neurodegenerativas, como a
Doença de Parkinson (DP) e doença de Alzheimer.69 Evidências indicam que a sinalização dos sistemas en-
docanabinoides esteja alterada em várias doenças neurodegenerativas, tanto em modelos animais quanto
em humanos.
● Anti-tumor: para além do tratamento em conjunto com terapias já estabelecidas, como quimioterapia e
radioterapia, há relatos populares sobre ação monoterápica em diversos tipos de tumores, entretanto é
necessária maior investigação.60
● Asma brônquica e outros distúrbios brônquicos: em alguns estudos que analisam o uso de produtos
derivados de Cannabis, de forma oral e por fumo, tem-se demonstrada sua ação benéfica em doenças
inflamatórias, como a asma, gerando broncodilatação.70 Entretanto, algumas sociedades não recomen-
dam a utilização por meio da administração via fumo, nesses pacientes, pois há evidências de indução de
bronquite crônica e reações alérgicas.71
● Distúrbios gastrointestinais: o sistema endocanabinoide influencia homeostase gastrointestinal, por meio
de efeitos anti-inflamatórios, antinociceptivos e antissecretores. Assim, alguns distúrbios gastrointestinais
poderiam ser tratados com canabinoides. Diante disso, os efeitos anti-inflamatórios da Cannabis foram in-
vestigados em pacientes com doenças inflamatórias do intestino. Entretanto, mesmo diante de benefícios
potenciais, os efeitos colaterais, ou mesmo prejudiciais da Cannabis, podem limitar seu uso, como, por
exemplo, na síndrome de hiperêmese canabinoide, que afeta alguns usuários.72
● Depressão maior e transtorno bipolar: o uso medicinal de Cannabis para tratamento de doenças psiquiá-
tricas, como depressão maior e transtorno bipolar, permanece controverso.73 Até o momento, a literatura
indica que há consequências mais prejudiciais em comparação com os benefícios associados ao uso de
Cannabis, em longo prazo, na sintomatologia e progressão da doença, sendo mais indicada a abordagem
terapêutica já estabelecida.61
● Transtorno de Estresse Pós-Traumático (PTSD): embora existam estudos que indicam que a Cannabis e os
canabinoides sintéticos possam oferecer benefício no tratamento de PTSD, essas evidências são limitadas
no aspecto da segurança e eficácia de seu uso, com essa proposta terapêutica. Assim, novas pesquisas, de
forma estruturada cientificamente, são necessárias para se compreender melhor o uso terapêutico desses
medicamentos e monitorar sua segurança.74
● Distúrbios de ansiedade e fobias: assim como no uso no tratamento da depressão maior e do transtorno
bipolar, não há evidências robustas de benefícios no tratamento da ansiedade, por meio de produtos à
base de Cannabis, há, inclusive, estudos que os correlacionam negativamente, sendo necessários novos
estudos para se elucidar essa correlação.72
● Distúrbios cardiovasculares: Vários estudos objetivaram caracterizar os efeitos do uso de Cannabis sobre
o sistema cardiovascular, bem como seu potencial impacto negativo a curto e longo prazos.75 Entretanto,
os dados apresentados são inconclusivos, de forma que não há consenso sobre os benefícios superarem
os riscos, que incluem arritmias, AVC e infarto agudo do miocárdio.76
● Tratamento de dependência de tabaco, álcool e outras drogas: pesquisas desenvolvidas a respeito da uti-
lização da Cannabis medicinal, como meio de tratamento da dependência de drogas ilícitas, álcool e outros
medicamentos, demonstram perspectivas favoráveis ao seu uso. Uma pesquisa transversal, realizada no Ca-
nadá, país com uso regulamentado e 2.032 pacientes em tratamento com Cannabis medicinal, apresentou
o seguinte resultado sobre substituição: a mais citada foi a de medicamentos controlados (69,1% = 953), de

270
álcool (44,5%, n = 515), de tabaco (31,1%, n = 406) e de substâncias ilícitas (26,6% = 136 ). Na pesquisa, 74,6%

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dos entrevistados relataram o uso diário de Cannabis (n = 1.515) e a quantidade média usada por dia foi de
1,5 g. Dentre os medicamentos, os opioides representaram 35,3% de todas as substituições de medicamentos
prescritos (n = 610), enquanto que 59,3% dos pacientes relataram cessação total (n = 362). Já os antidepres-
sivos foram citados por 21,5% (n = 371).85 Diante das pesquisas, o uso da Cannabis medicinal pode vir a se
consolidar como uma importante ferramenta de tratamento de adição ao álcool e outras drogas.

11 MEDICAMENTOS E APRESENTAÇÕES DIVERSAS

Os produtos à base Cannabis em comercialização apresentam-se em concentrações diversas de


canabinóides e de outros componentes, como terpenos, que determinam a ação farmacológica. Diante disso,
pode-se classificá-los da seguinte forma:60
● Tipo 1 – THC-predominante: inicialmente, o tipo predominante de produto comercializado na Europa e
América do Norte;
● Tipo 2 – Mistura de THC-CBD: recente aumento no interesse por esses produtos;​
● Tipo 3 – CBD-predominante: mecanismos de ação mais amplos, com índice​terapêutico melhor;
● Ácidos Canabinoides: são de menor interesse em pesquisas do que os anteriores, apesar de sinalizarem
boas perspectivas, como THCA apresentando efeito anti-inflamatório, via inibição de TNF-alfa, efeito an-
tiemético e dentro outros. O CBDA também demonstrou, em roedores, efeito antiemético e ansiolítico. Há
relatos de uso de ambos os ácidos, com benefícios para pele e em determinados tumores.

Tabela 2: Comparação de fatores entre os meios de administração de produtos à base de Cannabis.


Fumo/
Fatores Oral Oromucosa Tópico
Vaporização
Início de
5-10 60-180 15-45 Variável
ação (min)
Duração
2-4 6-8 6-8 Variável
(horas)
Menos odor, conveniente Menos efeitos
Ação rápida, adequado para Nabiximols disponí-
e discreto. sistemáticos, bom
Pró quadros agudos ou episódio vel no mercado com
Adequado para doenças e para sintomas loca-
de sintoma (náusea e dor). eficácia comprovada.
sintomas crônicos. lizados.

Necessário destreza, vapo-


Desafios de titulação de- Alto preço, disponí- Apenas
Contra rizadores podem ser caros e
vido ao início retardado. vel em poucos locais. efeitos locais.
pouco portáteis.

Fonte: tabela elaborada pelos autores com dados baseados em referência bibliográfica.58

11.1 MEDICAÇÕES À BASE DE CANNABIS DISPONÍVEIS NO MERCADO


● M​arinol​®​ (Dronabinol, (-)-D​9​-THC), desenvolvido como cápsula oral pelo laboratório Roxane® (Columbus /
EUA)84 e o Cesamet​(Nabilone), desenvolvido pelo laboratório Eli Lilly (Indianápolis - EUA), também como
cápsula oral.82 São​agonista de receptores CB1, sendo um análogo semissintético do THC. Esses medica-
mentos são comercializados com propósito antiemético, para pacientes submetidos à quimioterapia, e
como estimulantes do apetite, em casos de anorexia, desenvolvidos devido à síndrome da imunodefi-
ciência adquirida (AIDS).65 O​ análogo sintético do THC (nabilone) é aprovado para náuseas e vômitos as-
sociados à quimioterapia refratários ao tratamento convencional em quatro capítulos da EFIC (Federação
Europeia da Dor).77

271
● Rimonabant – Antagonista de receptores CB1 ​​​- Combate a obesidade, por meio da liberação de gordura do
Tópicos em Neurociência Clínica

adipócito. Foi retirado do mercado por apresentar efeitos adversos relacionados à emocionalidade (depressão).
● Myalo ​– Solução oral de canabidiol (CBD) puro, livre de THC (que é a substância​ com efeito psicoativo),
de 200 mg/ml. É produzido pela indústria farmacêutica Prati-Donaduzzi. Esse medicamento é utilizado no
tratamento de Epilepsia refratária.78
● Mevatyl ​– ​composto por THC 27 mg/ml + CBD 25 mg/ml, via de administração por​spray bucal. É produzido
pela empresa farmacêutica francesa Beaufour Ipsen Farmacêutica. O medicamento é indicado no tratamen-
to de espasmos musculares graves a moderados, na Esclerose Múltipla. Registro na ANVISA, em 2017.79
● Epidiolex​– Solução oral com 100 mg/mL. Em 2018, o FDA (Food and Drug Administration) determinou
que o produto CBD purificado, desenvolvido por GW Pharmaceuticals (Histon, Reino Unido), reduz efe-
tivamente a frequência de convulsões, em certas formas de epilepsias pediátricas raras (Síndrome de
Lennox-Gastaut ou síndrome de Dravet).81
● Sativex / Nabiximols​– Extrato padronizado de Cannabis de uso oral​, ​​com concentrações controladas de
THC e canabidiol, produzido pelo GW Pharma, no Reino Unido. Esse medicamento é utilizado para alívio
da dor neuropática, em pacientes com esclerose múltipla e para o alívio de dores associadas ao câncer.81

11.2 CONTRAINDICAÇÕES
● Durante o período gestacional e lactação;
● Em casos de psicose, exceto produtos com CBD predominante;
● Uso com parcimônia em pacientes com acometimentos cardíacos instáveis, como por exemplo, angina
devido à taquicardia e possível hipotensão, devido ao THC, porém, sem alterar o intervalo QT no eletro-
cardiograma.
● Uso em crianças e adolescentes ainda está em debate, assim como o uso recreativo (vício e dependência).

11.3 EFEITOS COLATERAIS


Quando comparados com as outras drogas, principalmente, os opioides, os medicamentos à base
de Cannabis apresentam uma segurança maior, devido à falta de receptores CB1 no centro cardiorrespira-
tório e no tronco cerebral. Dessa forma, esses medicamentos não levam a morte por overdose. Apesar de
mais seguros que os opioides, os efeitos adversos são muito comuns, incluindo, tontura, sedação, confu-
são, dissociação e a sensação de “estar alto”. Normalmente, esses efeitos estão relacionados ao THC, que
são dose-dependente. Em uma revisão sistemática, a presença de efeitos adversos foi relatada em 35% a
70% dos usuários.64
Tanto a sedação como o prejuízo à memória são fatores limitantes para o uso dos canabinóides. Os
efeitos do abuso de canabinóides afetam a memória, por desinibirem tonicamente o hipocampo, prejudican-
do qualquer padrão de informação existente nesta região. Postula-se que, no hipocampo, o DSI seria uma ma-
neira de desinibir uma via sob forte estimulação, o que facilitaria a formação de LTP (long-term potentiation,
ou potenciação de longa duração) e, consequentemente, de memórias.
Outro aspecto relevante a ser considerado é que, apesar da existência dos efeitos colaterais
psicoativos da Cannabis, os pacientes desenvolvem tolerância a esses efeitos, em um período curto de
dias, e mantêm a mesma dose diária por anos, sem prejuízo para os benefícios. Aqui, novamente, eles
se diferenciam dos opioides. Entretanto, a dose e a preparação são de vital importância no sucesso tera-
pêutico, com poucos efeitos colaterais, pois há estudos que demonstram que uma dosagem entre 10-15
mg de THC puro, oral, ou uma baixa trituração, pode induzir psicose tóxica em pacientes não experientes
ou suscetíveis.60
Contudo, o uso da estratégia de início de baixas doses e ajuste lento pode diminuir os eventos não
desejados, até porque, quando o THC é combinado ao CBD, os efeitos colaterais diminuem de forma expressiva.

272
Além dos efeitos colaterais, pode ocorrer a Síndrome da Hiperêmese canabinoide, que é caracteri-

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zada por vômito cíclico. Os pacientes nessas condições têm, em comum, o uso crônico de maconha em altas
doses e, normalmente, recorrem aos banhos quentes / duchas compulsivas, como tentativa de atenuar os
sintomas. Existem muitos mecanismos fisiopatológicos sugeridos para explicar a ocorrência da síndrome, po-
rém as evidências para cada um são inconclusivas. Assim, não está claro porque a Cannabis parece suprimir
a êmese, em certas circunstâncias, pois é até mesmo utilizada com esse propósito, em pacientes submetidos
ao tratamento quimioterápico, enquanto parece induzi-la em outros.82

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