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Trauma Raquimedular: Da lesão até a reabilitação

Chapter · August 2021

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6 authors, including:

Vinícius Benatti Freire Lucas Cressoni De Souza


Universidade Nove de Julho Universidade Nove de Julho
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Thales Andolfo Antonio Damin


Universidade Nove de Julho Universidade Nove de Julho
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Trauma e Emergência
Teoria e Prática
2ª EDIÇÃO - VOLUME 02

Organizadores

Guilherme Barroso L. De Freitas


Roberta Da Silva

2021
2021 by Editora Pasteur
Copyright © Editora Pasteur
As redações e informações dos capítulos são de responsabilidade dos autores

Editor Chefe:

Dr Guilherme Barroso Langoni de Freitas

Corpo Editorial:

Dr. Alaércio Aparecido de Oliveira Dr Guilherme Barroso L de Freitas


Dra. Aldenora Maria X Rodrigues Dra. Hanan Khaled Sleiman
Bruna Milla Kaminski MSc. Juliane Cristina de A Paganini
Dr. Daniel Brustolin Ludwig Dr. Lucas Villas Boas Hoelz
Dr. Durinézio José de Almeida MSc. Lyslian Joelma Alves Moreira
Dr. Everton Dias D’Andréa Dra. Márcia Astrês Fernandes
Dr. Fábio Solon Tajra Dr. Otávio Luiz Gusso Maioli
Francisco Tiago dos S Silva Júnior Dr. Paulo Alex Bezerra Sales
Dra. Gabriela Dantas Carvalho MSc. Raul Sousa Andreza
Dr. Geison Eduardo Cambri Dra. Teresa Leal
MSc. Guilherme Augusto G. Martins

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Editora Pasteur, PR, Brasil)
FR862c FREITAS, Guilherme Barroso Langoni de.
Trauma e Emergência – Teoria e Prática/ Guilherme
Barroso Langoni de Freitas- 2 ed. 2 vol - Irati: Pasteur, 2021.
1 livro digital; 522 p.; il.

Modo de acesso: Internet


https://doi.org/10.29327/540467
ISBN: 978-65-86700-51-0
1. Medicina 2. Emergência 3. Ciências da Saúde
I. Título.

CDD 610
CDU 601/618
PREFÁCIO

A ciência e aprendizado sobre situações de trauma e emergência evoluíram nas últimas


décadas. Esse crescimento levou a um maior profissionalismo e ao aumento de desfechos de
sucesso no atendimento ao paciente. A educação e treinamento passaram a ser o pilar do
fortalecimento da área. Porém, o conhecimento é dinâmico, requer esforço e busca incessante
para melhora contínua nos resultados. A educação do profissional que atende vítimas de traumas
e em situações de emergência precisa encontrar o equilíbrio entre teoria e prática. Por
conseguinte, a Editora Pasteur desenvolveu esta série, em sua segunda edição, para servir como
guia de estudo aos amantes da área. Esperamos que tenha uma leitura agradável e possa desfrutar
do conhecimento repassado pelos autores convidados.

Editorial
CAPÍTULO 01
TRAUMA E FACE: EPIDEMIOLOGIA E ABORDAGEM NO DEPARTAMENTO
DE EMERGÊNCIA ____________________________________ 1

CAPÍTULO 02
ATENDIMENTO INICIAL AO POLITRAUMATIZADO: UMA ABORDAGEM
PRÁTICA ________________________________________ 17

CAPÍTULO 03
MANEJO DE OVERDOSE NA URGÊNCIA ____________________ 33

CAPÍTULO 04
AMPUTAÇÃO E PRÓTESE DE MMII EM PACIENTES VÍTIMAS DE TRAUMA:
UMA REVISÃO DE LITERATURA _________________________ 47

CAPÍTULO 05
INCIDÊNCIA DE TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO NO BRASIL NOS
ÚLTIMOS 10 ANOS: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ___________ 62

CAPÍTULO 06
INTUBAÇÃO ACORDADO COM FIBROSCÓPIO EM VÍTIMA DE TRAUMA
MAXILOFACIAL ____________________________________ 69

CAPÍTULO 07
SERVIÇOS DE EMERGÊNCIA DURANTE PANDEMIA DA COVID-19:
PROCURA POR ATENDIMENTO E ADEQUAÇÃO DOS SERVIÇOS ____ 87

CAPÍTULO 08
“WALLED – OFF PANCREATIC NECROSIS” COM TROMBOSE DA VEIA
MESENTÉRICA SUPERIOR E PORTA: RELATO DE CASO __________ 98
CAPÍTULO 09
MANEJO E EPIDEMIOLOGIA DE INTOXICAÇÃO E OVERDOSE, REVISÃO DE
LITERATURA _____________________________________ 106

CAPÍTULO 10
SEQUÊNCIA RÁPIDA DE INTUBAÇÃO NO CONTEXTO DA EMERGÊNCIA
_____________________________________________ 130

CAPÍTULO 11
MANEJO NA EMERGÊNCIA DE PACIENTES COM SARA POR COVID - 19
_____________________________________________ 142

CAPÍTULO 12
ABORDAGEM EMERGENCIAL DA ATONIA UTERINA NOS QUADROS DE
HEMORRAGIA PÓS-PARTO ___________________________ 157

CAPÍTULO 13
MANEJO CLÍNICO EM FRATURA DE MANDÍBULA: ABORDAGEM
BUCOMAXILOFACIAL _______________________________ 170

CAPÍTULO 14
COMO RECONHECER E MANEJAR CASOS DE OSTEOMIELITE INFECCIOSA:
UMA URGÊNCIA ORTOPÉDICA ________________________ 175

CAPÍTULO 15
PROTOCOLO PARA TRAUMATISMO DENTO -ALVEOLAR: UMA REVISÃO
DE LITERATURA __________________________________ 193

CAPÍTULO 16
MANEJO DO PACIENTE NO ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO ___ 205

CAPÍTULO 17
FASCEIÍTE NECROSANTE: ABORDAGEM ATUAL _____________ 223
CAPÍTULO 18
FRATURA DE MANDÍBULA DESFAVORÁVEL AO TRATAMENTO: RELATO
DE CASO CLÍNICO _________________________________ 232

CAPÍTULO 19
DESAFIOS NO CUIDADO DE ENFERMAGEM DURANTE A CLASSIFICAÇÃO
DE RISCO EM SERVIÇOS DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA ________ 237

CAPÍTULO 20
EMERGÊNCIAS MÉDICAS CARDIOVASCULARES _____________ 248

CAPÍTULO 21
SEPSE DECORRENTE DE INFECÇÕES HOSPITALARES __________ 265

CAPÍTULO 22
BIOMARCADORES COMO ALTERNATIVA DIAGNÓSTICA PRECOCE DA
ISQUEMIA MESENTÉRICA ____________________________ 281

CAPÍTULO 23
SEPSE PÓS-TRAUMA _______________________________ 288

CAPÍTULO 24
INTOXICAÇÕES EXÓGENAS E SEU MANEJO NA EMERGÊNCIA: UMA
ABORDAGEM EPIDEMIOLÓGICA E ENTEGRATIVA ____________ 296

CAPÍTULO 25
PANCREATITE AGUDA NA EMERGÊNCIA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
_____________________________________________ 311

CAPÍTULO 26
PROFILAXIA ANTIMICROBIANA NO TRAUMA_______________ 327
CAPÍTULO 27
A ABORDAGEM DO ABDOME AGUDO NA GESTANTE _________ 342

CAPÍTULO 28
A ANALGESIA E SEDAÇÃO COMO FERRAMENTA NA MEDICINA DE
EMERGÊNCIA ____________________________________ 353

CAPÍTULO 29
SEPSE EM PEDIATRIA _______________________________ 361

CAPÍTULO 30
TRAUMA RAQUIMEDULAR: DA LESÃO ATÉ A REABILITAÇÃO ____ 379

CAPÍTULO 31
MANEJO E CONDUTA DAS EMERGÊNCIAS HIPERTENSIVAS
GESTACIONAIS ___________________________________ 400

CAPÍTULO 32
CETOACIDOSE DIABÉTICA NA EMERGÊNCIA: UMA REVISÃO DE
LITERATURA _____________________________________ 416

CAPÍTULO 33
RELATO DE CASO: OSTEOMIELITE COMO CONSEQUÊNCIA DE UM ERRO
CIRÚRGICO _____________________________________ 424

CAPÍTULO 34
CONDUTAS ATUAIS EM QUEIMADURAS __________________ 430

CAPÍTULO 35
A ABORDAGEM DO PACIENTE POLITRAUMATIZADO E INFARTADO COM
SUAS APLICABILIDADES _____________________________ 442
CAPÍTULO 36
MANEJO DE PACIENTES VÍTIMAS DE AMPUTAÇÕES TRAUMÁTICAS
CONSEQUENTES DE POLITRAUMATISMOS ________________ 449

CAPÍTULO 37
AVALIAÇÃO DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO E ETIOLÓGICO DOS TRAUMAS
DE FACE: UMA REVISÃO DA LITERATURA _________________ 461

CAPÍTULO 38
DIFICULDADES ENFRENTADAS, NO ATENDIMENTO DO SUS, PELAS
VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL DIAGNOSTICADAS COM TRANSTORNO
DE ESTRESSE PÓS TRAUMÁTICO _______________________ 469

CAPÍTULO 39
GRAVIDEZ ECTÓPICA E O PAPEL DA ULTRASSONOGRAFIA NO
DIAGNÓSTICO DE EMERGÊNCIA _______________________ 473

CAPÍTULO 40
COMPLICAÇÕES EM CIRURGIA BARIÁTRICA________________ 487

CAPÍTULO 41
OS CRITÉRIOS E CONSEQUÊNCIAS DA RESTRIÇÃO DO MOVIMENTO DA
COLUNA: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA ___________________ 513
Í
CAPÍTULO 01
TRAUMA E FACE:
EPIDEMIOLOGIA E
ABORDAGEM NO
DEPARTAMENTO DE
EMERGÊNCIA

Palavras-chave:Trauma de face; Epidemiologia; Atendimento inicial.

BEATRIZ CARVALHO DE OLIVEIRA1


CAIO PLUVIER DUARTE COSTA1
PEDRO HENRIQUE DE MORAIS LUVIZOTTO1
ANA CAROLINA DE AZEVEDO SOUZA1
FELIPE CORRÊA MASSAHUD1
AMANDA AMORIM MUGAYAR1
BERNARDO BRANDÃO BARBOSA1
ALICE FREITAS MACEDO1
SAMUEL VITORIO BRAGA1
THIAGO SOUZA DE MELLO1
CAROLINE BABY NUNES1
ANA SOFIA SOUSA RIBEIRO1
MARIANA LETÍCIA DE BASTOS MAXIMIANO1
FERNANDO DE BARROS2
ANTONIO AUGUSTO DE MELO DA SILVA3

1
Discente – Medicina da Universidade Federal Fluminense.
2
Docente – Departamento de Cirurgia Geral da Universidade Federal Fluminense
3
Cirurgião Bucomaxilo Facial do Hospital São Paulo Muriaé-MG.
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO Na maioria dos casos, o osso nasal é o


mais afetado, seguido pela mandíbula,
Eventos de trauma que levam a fraturas ossos orbitários, maxilar e zigomático
de face são frequentes nos serviços de (YKEDA, et.al. 2010). Muitos dos ossos da
emergência. Apesar da abordagem face fazem fronteira com os ossos do crânio.
definitiva ser, na maioria das vezes, É importante que se saiba que lesões nessas
realizada por um especialista, é importante regiões podem fazer comunicação com a
o reconhecimento e tratamento inicial no cavidade craniana, sendo um evento
primeiro atendimento. A depender da agravante do quadro clínico (SANTOS,
cinemática da ocorrência, os traumatismos 2013).
faciais são diversos e se diferenciam quanto O objetivo deste estudo foi levantar e
à localização, o mecanismo, a profun- analisar os dados epidemiológicos acerca
didade, a direção e a força do impacto do trauma de face no território brasileiro.
(SANTOS, 2013). Um episódio pode Além disso, objetivou-se realizar uma
acometer diversas regiões da face, sendo revisão integrativa da literatura sobre o
imprescindível uma avaliação criteriosa dos manejo dessa afecção no cenário de
múltiplos órgãos que a compõem para um emergência, visando contrinuir para um
início de tratamento rápido e que reduza a melhor atendimento incial pelos profissio-
morbimortalidade (ATLS, 2018). nais.
Estudos demonstraram que o sexo
masculino é o mais afetado e as principais 2. MÉTODO
causas são agressões físicas, acidentes
automobilísticos e queda (YKEDA, et.al. O presente estudo constitui-se de uma
2010). revisão integrativa da literatura realizada no
Sabe-se, também, que o trauma de face período de abril a junho, relacionada à
ocorre em qualquer faixa etária, contudo, análise epidemiológica descritiva,
pesquisas evidenciaram que há maior transversal e retrospectiva, e visa abordar o
acometimento em adultos jovens de 20 a 40 tema do trauma de face e seu manejo nos
anos, tendo como principal causa a centros de trauma do país.
violência interpessoal. Em contrapartida, Para realizar uma revisão abrangente,
em crianças, adolescentes e adultos acima foram utilizados os dados da literatura
dos 40 anos, a principal etiologia é a queda obtidos nos indexadores Publish Medical
(WULKAN, et.al. 2005). Os ossos da Literature Analysis and Retrievel System
cabeça podem ser divididos em ossos do Online (PubMed), Scientific Eletronic
crânio e os ossos da face. Os ossos do crânio Library Online (SciELO) e Literatura
delimitam a cavidade craniana, que tem Latino-Americana em Ciências da Saúde
como conteúdo o encéfalo e as meninges. Já (LILACS); utilizando-se descritores
os ossos da face, que delimitam as ((Facial Trauma) AND (Initial Asses-
cavidades orbitárias, oral e nasal, têm como sment)) e ((Facial Injuries) AND (Initial
conteúdo o viscerocrânio (NETTER, 2008) Assessment)). Dentre os artigos selecio-
(Figura 1.1). nados, utilizou-se os de revisão sistemática,
revisões de literatura, estudos randomiza-
3
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

dos controlados, metanálises e ensaios crianças, em idosos, trauma facial em


clínicos publicados em inglês, português e esportes ou que não envolvam manejo de
espanhol nos últimos dez anos. Excluem-se emergência.
artigos que envolvam trauma facial em

Figura 1.1 Ossos do crânio e da face

Fonte: Adaptado de Netter, 2008.

Na análise epidemiológica, utilizou-se resultados obtidos foram apresentados em


as informações secundárias amplamente números absolutos, e a partir deles, obteve-
divulgadas, por meio do aplicativo se as frequências relativas que originaram
TABNET, pelo Departamento de Informá- as análises e conclusões, expressas em
tica do Sistema Único de Saúde tabelas e gráficos; derivados pelo Excel,
(DATASUS), por meio de dados categoria- ferramenta da Microsoft Office℗ Professi-
zados em estatísticas “Epidemiológicas e onal Plus 2019. A análise de tendência das
Morbidade” relacionados aos agravos de fraturas de crânio e dos ossos da face por
notificação compulsória registrados desde região brasileira, com as respectivas
2007, no Sistema Nacional de Notificação estimativas da variação percentual anual
de Agravos (SINAN). (Annual Percentage Change [APC]), foi
Para este trabalho, foram utilizadas as realizada por meio do método de regressão,
notificações de internação por fratura do através do programa estatístico Joinpoint
crânio e dos ossos da face, para as cinco Regression Analysis, versão 4.8.0.1. Para
regiões brasileiras definidas pelo Instituto descrever a tendência linear do período, são
Brasileiro de Geografia e Estatística utilizadas as APCs e seus respectivos
(IBGE), tendo como início o ano de 2008 intervalos de confiança de 95% (IC95%).
até o de 2020. Foram coletadas informações Os testes de significância para escolha do
referentes a: sexo, idade, e dados gerais. Os melhor modelo baseiam-se no método de

4
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

permutação de Monte Carlo, considerando Norte tinha a maior taxa de incidência


p < 0,05. Para minimizar o efeito de (21,44 internações/100.000 habitantes), por
possíveis autocorrelações, utilizou-se a outro lado, no final do período, a região Sul
opção “fit an autocorrelated errors model apresentou-se líder na incidência de
based on the data” disponível no software. internações (15,15 internações/100.000
Levando-se em conta que se trata de um habitantes) (Tabela 1.1). Já quando se faz
banco de dados de livre acesso e de acesso uma comparação entre os sexos, observa-se
público, garantindo a confidencialidade dos uma maior incidência nos homens, com
participantes não houve demanda ético- cerca de 4,5 vezes maior quando comparado
legal para a submissão ao Comitê de Ética e com as taxas das mulheres. A Figura 1.2,
Pesquisa (CEP) e/ou Comissão Nacional de mostra como foi a evolução, nos homens e
Ética e Pesquisa, tendo o inciso III do artigo nas mulheres, no período do estudo e traça
1º da Resolução do Conselho Nacional de uma linha de tendência polinomial de
Saúde no 510, de 7 de abril de 2016 ordem 3, com provisão avançando 3
(BRASIL, 2016), como respaldo à ética períodos. Percebe-se tendência maior de
nacional. redução de fratura do crânio e dos ossos da
face em homens do que nas mulheres.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO O ano de 2020 chama a atenção, uma
3.1. Epidemiologia vez que houve uma redução na incidência
Entre 2008 e 2020, vê-se um total de em todas as grandes regiões. Como a maio-
379.392, com uma variação pequena nas ria das causas de fratura do crânio e dos
taxas de internação por fratura do crânio e ossos da face deve-se a causas externas,
dos ossos da face (Tabela 1.1), sendo o ano essa redução se deu, possivelmente, pelo
de 2009 o período com maior número período de pandemia, quando atividades
absoluto de internações, 30.431. Vale foram reduzidas, suspensas ou canceladas
destacar que no início do período a região (ALBUQUERQUE, 2020).

Tabela 1.1 Taxas de internação hospitalar por fratura do crânio e dos ossos da face, segundo
grandes regiões e ano, por 100.000 habitantes. Brasil, 2008-2020

Internações 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

Brasil 14,74 15,72 15,39 14,53 14,74 14,60 14,83 14,37 14,60 13,97 13,93 14,28 12,01

Norte 21,44 26,41 25,64 20,66 18,22 16,65 16,10 14,98 15,22 14,65 14,47 15,19 12,26

Nordeste 13,55 13,64 13,51 12,77 14,08 14,94 14,66 14,59 14,71 13,28 13,56 13,86 11,70

Sudeste 13,05 13,89 13,55 13,06 13,06 12,54 13,46 12,82 12,99 12,65 12,58 12,98 11,27

Sul 15,89 18,34 18,08 17,54 17,54 17,74 17,71 17,22 17,63 17,02 16,13 17,01 15,15

Centro-Oeste 14,77 16,96 16,98 15,61 15,61 17,66 17,38 16,45 17,67 16,66 16,50 16,61 13,53

Fonte:Ministério da Saúde - Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde(DATASUS), 2021.


5
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Figura 1.2 Taxas de


internação hospitalar por
fratura do crânio e dos
ossos da face, pelo sexo,
2008-2020, por 100.000
habitantes, com linhas
de tendência polino-
mial, Brasil

Fonte: Ministério da Saúde -


Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), 2021.

Quando observamos a análise por faixa da face são em pacientes adultos jovens, de
etária, confirma-se o que outros estudos têm 20 a 39 anos, correspondendo a metade destes
encontrado: a maior parte dos casos de eventos (Tabela 1.2).
internação por fratura do crânio e dos ossos

Tabela 1.2 Taxas de internação hospitalar por fratura do crânio e dos ossos da face, por faixa
etária, Brasil, por 100.000 habitantes 2008-2020

Internações 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020

0 a 9 anos 4,73 4,71 4,59 4,01 4,04 4,04 4,06 4,17 3,90 3,84 4,03 4,21 4,46

10 a 19 anos 12,57 13,35 13,15 12,81 13,45 13,60 14,35 13,00 13,12 12,50 11,80 11,42 9,08

20 a 29 anos 27,51 30,20 29,98 27,47 27,85 27,63 28,38 27,22 28,08 26,76 25,69 27,29 23,39

30 a 39 anos 20,59 22,84 22,54 20,87 20,81 20,62 20,96 20,33 20,69 19,32 19,50 19,89 17,20

40 a 49 anos 15,58 16,84 16,77 15,85 15,68 16,32 16,02 15,74 15,78 14,90 15,30 15,69 13,75

50 a 59 anos 10,14 11,17 10,67 10,20 10,50 10,76 11,00 10,81 11,57 10,99 11,50 11,56 10,36

60 a 69 anos 6,58 7,27 6,52 6,67 6,84 7,16 6,35 7,19 7,08 7,18 7,47 8,55 6,41

70 a 79 anos 4,46 5,42 4,69 4,45 4,66 4,40 4,83 5,28 5,47 5,35 5,96 6,42 5,15

>= 80 anos 3,73 4,30 4,56 3,76 3,43 3,42 3,12 3,35 4,60 4,09 4,54 5,30 4,43

Fonte: Ministério da Saúde - Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), 2021.

Ao observar as tendências calculadas uma tendência de redução dessas taxas no


pelo Joinpoint das taxas de incidência de país e nas demais regiões, com exceção do
fraturas do crânio e dos ossos da face no Centro-oeste, que teve tendência de
Brasil e nas grandes regiões, percebe-se estabilidade (Tabela 1.3). Vale ressaltar
6
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

que mesmo com uma tendência de queda no 2020 foi de 25.464 internações, e os altos
número de episódios, não deixa de ser um custos envolvidos no tratamento desses
problema importante de saúde pública, eventos (SANTOS, 2013).
tendo em vista o alto volume anual, que em

Tabela 1.3 Tendências das taxas de incidência por fraturas do crânio e dos ossos da face

Região Período Tendência APC IC (95%)

2008-2018 Estacionária 0,6 -0,4 – 1,6


Centro-oeste
2018-2020 Estacionária -9,6 -26,1 – 10,6

2008-2015 Crescimento 1,7 0,1 – 3,4


Nordeste
2015-2020 Declínio -3,2 -5,9 – -0,3

2008-2010 Estacionária 4,9 -13,2 – 26,8

Norte 2010-2013 Estacionária -14,2 -29,3 – 4,1

2013-2020 Declínio -2,2 4,2 – -0,2

Sudeste 2008-2020 Declínio -0,8 -1,2 – -0,3

Sul 2008-2020 Declínio -0,7 -1,3 – -0,2

Brasil 2008-2020 Declínio -1,1 -1,6 – -0,6

Fonte:Ministério da Saúde - Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS), 2021.

3.2. Atendimento inicial tornam a priorização geral das lesões um


O trauma facial se apresenta com aspecto fundamental e que pode ser difícil
gravidade amplamente variada, desde em muitos pacientes (PERRY, 2016). Do
ferimentos relativamente triviais, até ponto de vista prático, lesões maxilofaciais
aqueles associados a lesões ameaçadoras de podem ser organizadas de acordo com a
vida e/ou da visão. Além disso, devido à sua urgência e tipo de manejo necessário
etiologia diversa, está frequentemente (Tabela 1.4). Nesse artigo, aborda-se o
relacionado a lesões intracranianas, ocula- manejo inicial das lesões que necessitam de
res, da coluna cervical e lesões significa- tratamento imediato.
tivas abaixo das clavículas. Esses fatores

7
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Tabela 1.4 Lesões maxilofaciais de acordo com a urgência e o manejo.

Tempo de tratamento Descrição da lesão

Imediato Lesões faciais que ameaçam a vida ou a visão e que requerem intervenção
imediata visando proteger a via aérea, evitar hemorragias profusas ou
aliviar a pressão intraocular via cantotomia lateral e cantólise.

Algumas horas Lesões faciais muito contaminadas, com algumas fraturas expostas, em
um paciente hemodinamicamente estável.

Dentro de 24h Algumas fraturas faciais e lacerações limpas.

Mais de 24h, se necessário A maioria das outras fraturas faciais.

Fonte:Adaptado de Fonseca et al., 2013.

3.3. Avaliação das vias aéreas e dificultar a pré-oxigenação com bolsa-


coluna cervical válvula-máscara de oxigênio e a intubação
Seguindo os protocolos do ATLS, deve- orotraqueal (Figura 1.3) (CHOI, 2020).
se iniciar o atendimento na emergência do Durante o manejo da via aérea, a coluna
trauma de face com o manejo da via aérea, cervical deve estar constantemente protegi-
sendo o principal desafio para o médico da devido a possíveis lesões na medula
assistente. Seu comprometimento decorre espinhal. Duas manobras são utilizadas para
de hemorragia, edema de partes moles e desobstruir a via aérea pelo decaimento da
corpos estranhos. A intubação orotraqueal base da língua: inclinação da cabeça e
não deve ser evitada, contudo a intubação elevação do mento “chin-lift”, e elevação da
nasotraqueal está contraindicada em casos mandíbula “jaw-thrust”. Esta última é
de fratura de base de crânio ou naso-órbito- realizada na suspeita de lesão cervical pela
etmoidais, que pode ser identificada por menor mobilização do pescoço (ATLS, 10ª
equimoses periorbitais e auriculares, rinor- Edição).
reia ou otorreia de líquido cerebroespinhal A intubação orotraqueal é o método de
(SABISTON, 19ª Edição). escolha para o manejo da via aérea difícil no
A dificuldade em acessar a via aérea trauma de face, contudo pode haver falhas.
pode ser ocasionada pelas seguintes lesões: A via aérea cirúrgica na emergência é a
fraturas posteriores de maxila que cricotireoidostomia, por ser uma via de
bloqueiam a nasofaringe; perda da inserção acesso mais rápida e com menos complica-
anterior da língua com fratura de ções do que a traqueostomia. O manejo da
mandíbula, além de dentes e fragmentos de via aérea no trauma de face muitas vezes se
tecidos moles bloqueando a orofaringe; encaminha para esta via definitiva. O edema
hemorragia de naso/orofaringe, principal- de glote, trauma de laringe, grandes
mente ocasionadas pelas artérias carótidas hemorragias e obstruções na via aérea, além
interna e externa; edema de partes moles; e da incapacidade de visualização das cordas
trauma de laringe/traqueia associados ao vocais são indicadores da via aérea
trauma de face. Tais acometimentos podem cirúrgica (ATLS, 10ª edição).
8
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Figura 1.3 Imagem ilustrando múltiplas através de uma sonda de Foley com balão
lesões em face que tornam a via aérea de 10 ml, o qual requer cuidado para que o
difícil balão não seja insuflado na base do crânio
(Figura 1.4). Já o tamponamento de lesões
da cavidade anterior é realizado com o uso
de gaze padrão umedecida com bacitracina.
Este controle da hemorragia não deve ser
deixado por mais de 24 horas (RAYMOND,
4ª EDIÇÃO).
Caso os mecanismos de tamponamento
não sejam suficientes, parte-se para a
Fonte: ATLS, 10ª edição.
redução das fraturas e fixação. A
3.4. Avaliação de hemorragias angiografia seletiva para embolização pode
Após o manejo da via aérea parte-se ser necessária quando as outras medidas
para a avaliação e controle de possíveis falharem. Em pacientes instáveis a
focos hemorrágicos. Lesões maxilares são embolização angiográfica é o método de
as principais causadoras de sangramento, controle de escolha. Por fim, a ligadura
originado na artéria maxilar interna. Outros cirúrgica dos vasos sanguíneos é uma opção
locais de hemorragia são fraturas de face (RAYMOND, 4ª EDIÇÃO).
superior ou fraturas naso-etmoidais nas
quais os vasos sinusais são atingidos Figura 1.4 Tamponamento das cavidades
(TUAN, 2017). nasais anterior e posterior com a sonda de
O couro cabeludo é um local de rico Foley
suprimento vascular e foco de hemorragias
ocultas. Assim, é importante identificar
lesões para evitar um possível choque
hipovolêmico. Lacerações em couro cabe-
ludo podem ser estabilizadas com o uso de
clipes de Raney (RAYMOND, 4ª EDI-
ÇÃO).
As fraturas do terço médio da face são
os principais locais de hemorragia no
Fonte: Anson et. al., 2016.
trauma de face e apresentam-se sob a forma
de epistaxe. Estas hemorragias podem levar 3.5. Avaliação neurológica
a obstrução das vias aéreas, aspiração, O exame neurológico é fundamental no
choque e exsanguinação. Para o controle paciente com trauma de face, uma vez que
adequado destas lesões deve-se proteger as o mecanismo de lesão nesses casos é,
vias aéreas e realizar o tamponamento das geralmente, causado por uma grande quan-
cavidades nasais anterior e posterior. O tidade de força, sendo comum que haja
tamponamento da cavidade posterior é feito associação com lesões cerebrais traumáticas

9
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

(TRUONG, 2017). Outro fator é a proxi- do paciente, o atendimento urgente do


midade dos ossos maxilofaciais com o trauma facial também deve incluir uma
crânio (JOSHI et al., 2018). avaliação oftalmológica (CAMPOLO et al.,
A presença de amnésia, êmese, redução 2017).
do nível de consciência ou baixa pontuação Além do exame pupilar, deve ser
na Escala de Coma de Glasgow (ECG) são realizado o exame da córnea, conjuntiva,
achados importantes para a suspeita de pálpebras, avaliação do campo e da
lesão cranioencefálica. No entanto, em acuidade visual e da movimentação dos
pacientes com trauma maxilofacial, trauma olhos. Dor, percepção visual reduzida,
crânio encefálico (TCE) pode ser observado perda de reflexo pupilar direto, preservação
mesmo sem a presença desses achados do reflexo consensual, proptose e oftal-
(ISIK et al., 2012), evidenciando a moplegia são sinais que indicam a presença
importância da investigação ativa. de hematoma retrobulbar, indicando a
O exame neurológico nessa etapa deve realização de cantotomia lateral de urgência
focar na avaliação da ECG, do estado (DEANGELIS et al., 2014). Concluímos
pupilar e sua resposta à luz e do déficit que a identificação de uma possível lesão
neurológico focal. É importante reconhecer ocular que ameace a visão permite o
a possibilidade de existência de fatores encaminhamento precoce a um especialista
confundidores na avaliação de um provável apropriado e o início do tratamento quando
TCE associado a um trauma facial, como o necessário.
uso prévio de álcool e outras drogas (ATLS, Após a abordagem adequada dos pro-
10ª Edição). O estudo conduzido por blemas identificados na avaliação primária,
Udupikrishna M. Joshi e colaboradores, realiza-se a avaliação secundária, com o
mostra que o risco de traumatismo craniano exame criterioso das lesões faciais e dos
cresce conforme o número de fraturas nervos cranianos.
maxilofaciais aumenta e conforme a
pontuação na ECG diminui. 3.7. Exames de imagem
O diagnóstico rápido e a intervenção Na ausência de sinais clínicos de
precoce são fundamentais na prevenção de instabilidade, a maioria dos pacientes se
morbimortalidade, pois mesmo uma curta beneficiará da realização de exames de
duração de hipóxia e edema podem levar a imagem, a fim de estabelecer a extensão do
déficits neurológicos permanentes signifi- trauma e identificar lesões associadas que
cativos. sejam clinicamente ocultas. Embora várias
modalidades de exames possam ser
3.6. Avaliação oftalmológica utilizadas em casos selecionados, a Tomo-
A incidência de lesões oculares grafia Computadorizada (TC) com multide-
associadas a lesões maxilofaciais chega até tectores é a referência no trauma facial,
70% e ocorre com mais frequência em devido a sua rapidez e capacidade de
fraturas de ossos frontais. Portanto, uma vez produzir conjuntos de dados tridimen-
descartadas ou tratadas as ameaças à vida sionais de alta resolução (BITAR &
TOUSKA, 2020).
10
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

No entanto, existem algumas desvan- consolidação da fratura e, portanto, seria


tagens inerentes à TC, como seu custo e a útil para diagnóstico e acompanhamento
exposição do paciente a altas doses de das lesões. Porém, é preciso lembrar que a
radiação ionizante. Em contrapartida, a USG não consegue penetrar estruturas
ultrassonografia (USG) tem diversas vanta- ósseas mais profundas e, com isso, seu uso
gens, como a não exposição à radiação, ser é, atualmente, restrito à avaliação de
um método barato, não invasivo, portátil, estruturas faciais superficiais (RAJEEV et
prontamente disponível e rápido. Além al., 2019).
disso, pode demonstrar as várias fases da

Figura 1.5 TC em corte


axial e com recons-trução
3D de fraturas complexo
naso-orbito-etmoidal

Legenda: Primeira - imagem axial de TC sem contraste mostra fraturas naso-


orbitais-etmóides e envolvimento dos ductos nasolacrimais bilateralmente (setas
vermelhas). Observe o gás intra-orbital bilateralmente (setas azuis). Segunda –
TC com reconstrução 3D evidenciando fratura cominutiva naso-orbitária-
etmoidal com envolvimento da inserção do tendão do canto medial (pequena seta branca). Fonte: Bitar & Touska,
2020.

3.8. Classificação das lesões risco de contaminação (Tabela 1.5) (DO-


RAFSHAR, 2020). Já a medida profilática
3.8.1. Partes Moles
pós-exposição ao Clostridium tetani possui
O trauma de partes moles pode ser
critérios de acordo com o esquema vacinal
classificado quanto ao mecanismo ou ao
do paciente, o que pode apresentar a
tipo de injúria como, por exemplo: abrasão,
necessidade de reforço e, até mesmo, de
laceração, contusão, avulsão, mordedura,
realizar as três doses completas (MINIS-
queimadura. Essas lesões podem acometer
TÉRIO DA SAÚDE, 2019).
diferentes regiões da face e diferentes
O trauma contuso apresenta, de forma
estruturas anatômicas, além dos feixes
geral, edema e equimose, quando localiza-
vásculo-nervosos, ductos salivares, cartila-
das posteriores ao pavilhão auditivo (Sinal
gens e músculos. Diante disso, o trauma de
de Battle) e perioculares bilateralmente
partes moles pode ser separado em duas
(Sinal do guaxinim) sugerem fratura de base
categorias (Tabela 1.5) de modo a sugerir
de crânio. No entanto, as peri-orbitária,
menores e maiores riscos de contaminação
principalmente, associada à hemorragia
e, portanto, diferentes necessidades de aten-
subconjuntival indicam fratura de comple-
dimento (PERRY & HOLMES, 2014).
xo zigomático-orbitário (SANTOS &
A profilaxia antibiótica será realizada de
MEURE, 2013). Em quadros de quemose –
acordo com a classificação de ferida com
11
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

edema massivo da conjuntiva – deve-se (PHTLS, 2017). A presença de hematoma


suspeitar de ruptura de globo ocular. A em septo e orelhas, por sua vez, devem ser
hemorragia intraocular, hifema, é caracte- drenados para evitar necrose (BOOTH,
rizada pela presença de sangue na câmara 2012).
anterior do globo entre a íris e a córnea

Tabela 1.5 Classificação quanto à ferida limpa ou suja

Ferida Limpa Ferida Comprometida

Incisão cortante Borda irregular

Trauma de baixa energia Trauma de alta energia

Não contaminada Esmagamento

Lesão com menos de 6h Perda de tecido

Queimadura

Contaminação

Lesão com mais de 12h

Fonte: Adaptado de Perry, M.& Holmes, S., 2014.

Outro tipo de lesão de partes moles que 3.8.2. Fraturas


merece destaque é a mordedura gerada por
mamíferos, que conferem significativo A fratura de osso frontal, geralmente,
risco para a vítima. O estudo “Review of ocorre na parede anterior do seio (Figura
facial trauma management”, sugere que o 1.6), que de forma isolada, não apresenta
tipo de lesão com maior risco de infecção é significativos riscos ao paciente, cuja
o perfurante, além de evidenciar que o principal preocupação é a estética. No
fechamento de primeira intenção na face é entanto, a fratura de parede posterior,
seguro para mordedura de cão e há mesmo incomum, apresenta extrema
possibilidade, também, para mordedura de gravidade, uma vez que envolve a cavidade
gatos e humanos, porém ainda não bem intracraniana e usualmente apresenta aprisi-
esclarecidas. onamento de ar em seu interior (LYNHAM,
No que tange a profilaxia para raiva, há 2012). Além disso, o ducto nasofrontal,
indicação de administração do soro após o localizado posteromedial ao assoalho do
incidente a depender da natureza da seio frontal, pode sofrer ruptura ou
exposição, das condições do animal agres- obstrução ao longo do seu trajeto em
sor e da lesão (MINISTÉRIO DA SAÚDE, direção à cavidade nasal, por consequência
2014). de fratura do assoalho e/ou da parede
posterior do seio frontal (BOSWELL,
2013).

12
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Figura 1.6 TC de crânio e


vista frontal evidenciando
fratura de parede anterior do
seio frontal

Fonte: Lynham, 2012

A fratura do complexo naso-orbito- II e III (Figura 1.7) que sugere gradati-


etmoidal (NOE) compreende a área de vamente impacto de maior energia (SAN-
confluência dos ossos nasais, orbitais e TOS & MEURER, 2013).
etmoide, o assoalho do seio frontal e a A fratura do osso zigomático é
porção anterior da base do crânio. Os identificada, muitas vezes, como “afunda-
achados sugestivos de fratura do complexo mento da maçã do rosto”, que caracteriza a
NOE incluem edema e equimose periorbital depressão malar. Ademais, pode estar
(sinal do guaxinim), telecanto, diplopia, associado à lesão de feixe nervoso
epistaxe, anosmia, tontura e rinorre- zigomaticofacial e infraorbital (BREN-
ialiquórica, que indica fratura de base de NAN, 2012).
crânio associada (BRENNAN, 2012). Além
disso, fraturas naso-etmoidais podem Figura 1.7. Le Fort I, II e II, respec-
resultar em lesão do ligamento cantal tivamente.
medial e do ducto do sistema lacrimal
(LYNHAM, 2012).
No terço médio da face, as fraturas
podem ocorrer em blocos que envolvem os
ossos: maxilar, zigomático, nasais, lacri-
mal, palatinos e componentes da órbita.
Nesse sentido, foi observado um padrão de
separação em relação ao crânio, cuja Fonte: DORAFSHAR, 2020
classificação foi nomeada como Le Fort I,
Há uma variedade de sinais e sintomas
sugestivos de fratura de mandíbula, como a
A fratura de terço inferior da face, por
incapacidade de oclusão, a limitação do
sua vez, se restringe a mandíbula e a
movimento, a lesão do nervo alveolar
dentição inferior. Os principais acometi-
inferior e a avulsão dentária; contudo, o
mentos são o ângulo e o côndilo da
sinal patognomônico da lesão é o hematoma
mandíbula (Figura 1.8) (PEETERS, 2016).
sublingual (Figura 1.9) (PEETERS, 2016).

13
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Figura 1.8 Principais fraturas associadas e agravo prevalente no Brasil e que está, em
frequência de ocorrência em porcentagem muitos casos, associado a outras lesões
graves, sendo fundamental que médicos
generalistas saibam como efetuar o
atendimento primário de maneira correta.
A distribuição trimodal da morte no
trauma já é um assunto muito conhecido e
em aceito. O trauma de face pode ter sua
incidência reduzida no primeiro pico em
adultos jovens através da educação escolar,
com ênfase no uso moderado de álcool e
orientações da forma como se portar frente
a situações hostis, evitando-se a violência
interpessoal. Além disso, o incentivo ao uso
do cinto de segurança e à instalação de
Fonte: Brennan, 2012 airbags em veículos ou ao uso de capacetes
por motociclistas são condutas que podem
Figura 1.9 Hematoma sublingual reduzir a incidência do trauma de face
(WULKAN, 2005). Conclui-se que o
manejo inicial do trauma de face deve
seguir o protocolo de atendimento do
ATLS, sempre priorizando as situações que
ameaçam a vida da vítima. Além disso, as
lesões que ameaçam a visão dos pacientes
também devem ser abordadas no
atendimento de urgência.
Por fim, além de dominar o manejo
Fonte: Dorafshar, 2020
inicial do trauma de face, é importante que
os generalistas tenham conhecimento
básico sobre as principais classificações das
4. CONCLUSÃO
lesões faciais. Esse conhecimento é neces-
O trauma facial é, sem dúvida, uma área sário para prever complicações associadas e
muito desafiadora, particularmente para os guiar a necessidade de condutas como a
profissionais não especializados no tema. profilaxia antibiótica e antitetânica.
Esse estudo deixa claro que se trata de um

14
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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15
Capítulo 01
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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YKEDA, R. B., et al. Epidemiological profile of 277 patients with facial fractures treated at the emergency room
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otorhinolaryngology, v. 16, n. 4, p. 437–444.

16
Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 02

ATENDIMENTO INICIAL AO
POLITRAUMATIZADO: UMA
ABORDAGEM PRÁTICA

Palavras-chave: Cuidados de suporte avançado de vida no trauma;


Ferimentos e lesões; Traumatismo múltiplo.

ANGEL ADRIANY DA SILVA¹


ALIANA LUNARDI ZVICKER¹
ANNE KAROLINE C. DA ROCHA¹
CAROLINA WEIBEL THOMɲ
MAIARA RAÍSSA DOS SANTOS¹
PAULA KAORI ANDO3
VICTOR TONIOLO MARCONI4
KARIN APARECIDA BECKER5
LUIZ CARLOS VON BAHTEN6

1
Acadêmica do Curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
2
Acadêmica do Curso de Medicina da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná.
3
Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná.
4
Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade Positivo.
5
Cirurgiã Geral do Hospital Universitário Cajuru.
6
Professor Titular de Clínica Cirúrgica da Pontifícia Universidade do Paraná e Professor
Associado do Departamento de Cirurgia da Universidade Federal do Paraná.

17
Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO dos a cada ano no Brasil, resultando em


aproximadamente 40.000 mortes e em mais
A doença trauma, caracterizada princi- de 370.000 feridos (PANORAMA, 2017).
palmente pela violência interpessoal, Além disso, as causas externas representam
violência urbana e acidentes de trabalho, é a terceira causa de morte no Brasil.
um importante problema de saúde pública, Devido a esse cenário, foi sancionada
tendo repercussão significativa na morbi- em 8 de julho de 2013 a Portaria Nº 1.365,
dade e mortalidade da população mundial. que instituiu a Linha de Cuidado ao Trauma
Devido às agressões interpessoais e aos na Rede de Atenção às Urgências e Emer-
ferimentos resultantes, os traumatismos gências. Esse documento veio como uma
geram grande impacto emocional que, a forma de educar os profissionais de saúde,
longo prazo, influenciarão psicologica- ampliar o atendimento e reduzir a morbi-
mente o indivíduo e sua família. Ademais, mortalidade, focando em um atendimento
há prejuízo econômico expressivo, tanto inicial ao trauma de qualidade (BRASIL,
para os envolvidos quanto para o país em 2013).
que habitam. Apesar desses dados, o Para tratar adequadamente os pacientes
financiamento para ações de prevenção com ferimentos graves, é preciso iniciar o
ainda é escasso globalmente (WHO, 2014). manejo no local do acidente, seguindo uma
O grupo etário mais afetado pelas lesões sequência de tratamento inclusive na fase de
é de 5 a 29 anos (LENTSCK et al., 2019), reabilitação precoce da vítima. Além disso,
havendo superioridade de prevalência e é necessária uma equipe interdisciplinar
mortalidade em homens. Deste modo, as le- capacitada sob a orientação de um cirurgião
sões traumáticas são uma das três principais habilitado no atendimento ao trauma para
causas de óbitos masculinos (WHO, 2014). manejar adequadamente as lesões graves e
Cerca de 6 milhões de pessoas morrem com risco de vida. Em centros de trauma, é
vítimas de trauma a cada ano, o que fundamental o conhecimento das diretrizes
corresponde a 9% da mortalidade mundial e e protocolos padrão para uma boa execução
a 1,7 vezes a mais que o total de óbitos por do tratamento aos pacientes politrauma-
malária, tuberculose e HIV/AIDS. Entre tizados. Portanto, é necessário que haja
essas vítimas, um quarto das mortes é treinamento constante da equipe de
causado por suicídio e homicídio e um atendimento (VON RÜDEN et al., 2017).
quarto por acidentes de trânsito. A previsão Como a abordagem adequada requer um
é de que até 2030 os acidentes de trânsito se planejamento rigoroso e disponibilidade de
tornem a sétima causa de morte. Além recursos terapêuticos, é essencial a implan-
desses fatores, as quedas (principalmente tação de um modelo de triagem e avaliação
em idosos), os afogamentos, as queima- rápido e padronizado. Assim, em diferentes
duras e os envenenamentos também estão situações, decisões semelhantes serão toma-
envolvidos nos traumas (WHO, 2014). das para pacientes que necessitam do
De acordo com o Ministério da Saúde, mesmo nível de cuidado (MORAN &
mais de 1 milhão de acidentes são registra- NASH, 2020). Neste contexto, o protocolo

18
Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Advance Trauma Life Support (ATLS) é no assunto. Os resultados foram apresen-


utilizado mundialmente para atendimento tados e discutidos de modo a atender ao
adequado de pacientes vítimas de trauma- objetivo proposto de abordar as nuances do
tismos, descrevendo condutas necessárias a atendimento inicial ao politraumatizado,
serem realizadas em cada circunstância bem como contextualizar o surgimento
(ATLS 10ª ED.). desta prática.
Tendo em vista a prevalência do trauma
na epidemiologia mundial, este estudo tem 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
como objetivo descrever os principais
pontos envolvidos no atendimento inicial ao 3.1. História do ATLS
paciente vítima de traumatismos e a O protocolo Advance Trauma Life
contextualizar a criação dos protocolos de Support (ATLS) foi criado a partir do ano
atendimento pré e intra-hospitalar. de 1980 pelo Colégio Americano de
Cirurgiões (ATLS 10ª ED.; GALVAGNO
2. MÉTODO et al., 2019), com o objetivo de reduzir a
variação clínica inexplicada no acompanha-
Trata-se de uma revisão narrativa de mento e tratamento de pacientes vítimas de
literatura, realizada no período de 17 a 28 trauma. Atualmente em sua 10ª edição,
de maio de 2021 por membros da Liga atualizada em 2018, o ATLS permanece
Acadêmica de Trauma do Hospital como o programa mais aceito mundial-
Universitário Cajuru (LATHUC). Foram mente para a avaliação inicial, estabilização
utilizados livros-texto de referência no e manejo do paciente traumatizado (MAC-
suporte ao atendimento no trauma e artigos ARTHUR et al., 2019).
das bases de dados PubMed e SciELO. O ATLS divide o atendimento
Devido à preponderância da língua hospitalar inicial em primário, secundário e
inglesa na literatura médica em geral, foram terciário, com etapas intermediárias, como
utilizados na base de dados PubMed os a solicitação de exames complementares. A
descritores "trauma", "emergency medical avaliação primária deve ser feita rapida-
services" e "wounds and injuries" e os mente, considerando as funções vitais,
descritores "trauma", "serviços médicos de conhecidas pelo mnemônico ABCDE, e
emergência" e "ferimentos e lesões" na base inclui também a reposição volêmica inicial.
de dados SciELO. Os critérios de inclusão Essa etapa ainda abrange exames de
foram: artigos publicados nos últimos dez imagem que podem ser feitos na beira do
anos condizentes ao objetivo desta revisão, leito, como radiografias de tórax e bacia e
sem restrição de idioma. Textos do tipo ultrassom – Focused Assesment with Sono-
carta ao editor e resumos foram excluídos. graphy for Trauma (FAST) (MACAR-
Dos 1.082 artigos encontrados, 29 THUR et al., 2019). A exposição do
foram selecionados para a leitura minuciosa paciente, retirando vestimentas permite
e coleta de dados, incluindo artigos correta avaliação de demais lesões,
relacionados e os livros-texto de referência juntamente deve-se realizar o controle da
19
Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

temperatura a fim de prevenir ou tratar 1990 foi implantado o Programa Nacional


hipotermia, cuidado este que deve se de Enfrentamento de Emergências e
estender durante todo o atendimento do Trauma (PNEET), vinculado ao Ministério
paciente (ATLS 10ª ED). Além disso, a da Saúde, com o Prof. Dario Birolini como
avaliação completa (ABCDE) deve ser diretor. Nesta época houve a criação do
constantemente reavaliado, especialmente Grupamento de Socorro e Emergência
quando o status do paciente se deteriora GSE/RJ, Sistema de Atendimento ao
(GALVAGNO et al., 2019). Trauma e a as Emergências (SIATE –
Após a estabilização do paciente, inicia- CURITIBA), Sistema RESGATE de São
se a segunda etapa do atendimento que Paulo e a Companhia de Socorro de
consiste em exame minucioso, com Emergência do Corpo de Bombeiros do
avaliação completa e pormenorizada do Distrito Federal. Em 2003 foi criado o Plano
paciente, inclusive do dorso e coluna, Nacional de Atendimento à Urgência e
somada à obtenção de história detalhada do Emergência, depois chamado de Serviço de
trauma e passado médico do paciente Atenção Móvel de Urgência (SAMU)
(MACARTHUR et al., 2019). Junto a isso, (LADEIRA et al., 2008).
são solicitados os exames complementares, A implantação de um protocolo pré-
como radiografias e tomografias computa- hospitalar como o PHTLS é importante
dorizadas dos segmentos afetados (MAC- porque ele atua durante a primeira hora de
ARTHUR et al., 2019). um trauma, chamada de “golden hour”, um
A nova atualização do ATLS trouxe período crítico para reduzir morbi-mortali-
atualizações no atendimento de populações dade e definir prognóstico de um paciente
especiais, como crianças, idosos e (LADEIRA et al., 2008). Cerca de 40% dos
gestantes, além de defender um protocolo óbitos relacionados ao trauma ocorrem
mais rigoroso quanto à reposição volêmica nesta fase, e estudos sugerem que um atraso
com cristaloides, que deve ser racional. do atendimento durante este período está
Também sugeriu o uso de métodos diag- relacionado a maiores taxas de mortalidade
nósticos viscoelásticos, tais quais trombo- e morbidade em traumas graves (GHOLI-
elastografia e a tromboelastometria rota- POUR et al., 2014).
cional, para auxiliar na decisão de
reanimação volêmica (ATLS 10ª ED.; 3.2. Mecanismos do Trauma
GALVAGNO et al., 2019). Interpretar o ambiente e o mecanismo
Com o intuito de alinhar as condutas de trauma no primeiro momento do
tomadas no serviço hospitalar com o serviço atendimento é de suma importância para
pré-hospitalar, foi criado o Prehospital triar o paciente, formular uma hipótese
Trauma Life Support (PHTLS) em 1983 quanto às lesões, seu potencial de gravidade
(GHOLIPOUR et al., 2014). O objetivo e prever uma possível perda sanguínea.
desse protocolo foi otimizar os possíveis Um evento traumático é dividido em
desfechos de um paciente traumatizado, três etapas: pré-evento, que diz a respeito de
priorizando suas necessidades médicas. Em prevenção, evento, o momento em que há a

20
Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

troca de energia, e o pós-evento, o qual choque hipovolêmico e/ou tamponamento


contempla o atendimento do paciente cardíaco (GÓES et al., 2019).
(NATIONAL ASSOCIATION OF EMER- Quanto ao trauma cranioencefálico
GENCY MEDICAL TECHNICIANS, (TCE) causado por traumas penetrantes,
2017). uma pesquisa conduzida por Souza et al.
Podemos dividir o mecanismo de (2013) na Santa Casa de São Paulo mostrou
trauma em penetrante e fechado, ou também que os pacientes são em sua maioria do sexo
chamado contuso. A troca de energia e masculino, entre 21 e 30 anos, e os lobos
lesões produzidas por esses traumas são mais atingidos foram o frontal, temporal e
muito semelhantes, o que os diferencia é a occipital. O TCE causado por ferimentos
área corporal que entra em contato com a penetrantes ainda tem uma particularidade,
energia. No trauma penetrante, a energia se que é a capacidade de fragmentos ósseos
concentra em uma área pequena, suficiente cranianos se tornarem “projéteis secundá-
para penetrar na pele. O mesmo não ocorre rios”.
no trauma fechado porque a área de contato Os traumas contusos, por sua vez,
é maior (NATIONAL ASSOCIATION OF representam 70% dos casos de trauma
EMERGENCY MEDICAL TECHNICI- (DURSO et al., 2020). A grande maioria
ANS, 2017). das vítimas sofrem lesões mínimas, no
O trauma penetrante ainda pode ser entanto, é importante reavaliar constante-
dividido em trauma balístico (causado por mente, pois muitos pacientes graves podem
armas de fogo) e não balístico (ferimentos se apresentar inicialmente com estabilidade
por armas brancas). Dados do Centers for clínica (VELD et al., 2018). Eles envolvem
Disease Control and Prevention (CDC) nos duas forças principais: compressão e
Estados Unidos evidenciam que os traumas cisalhamento, o qual é o resultado de uma
penetrantes são responsáveis por 13 a cada mudança brusca de velocidade em um órgão
100.000 óbitos no país (DURSO et al., que leva a uma separação das partes. Ambas
2020). Outro fator relevante é que o trauma as forças ainda podem fazer uma cavitação
penetrante atinge principalmente adoles- (NATIONAL ASSOCIATION OF EMER-
centes e adultos jovens, uma população GENCY MEDICAL TECHNICIANS,
economicamente ativa e que pode acarretar 2017).
perda potencial de anos produtivos Alguns fatores importantes a serem
(SOUZA et al., 2013). analisados ainda no pré-hospitalar são a
Frequentemente o trauma penetrante direção do impacto e lesões internas e
acomete múltiplas regiões do organismo, externas de um veículo. Os principais
sendo que em mais da metade dos casos o mecanismos nos traumas fechados são os
tórax e o abdome estão envolvidos acidentes automobilísticos e as quedas. As
(DURSO et al., 2020). Especificamente no lesões podem resultar do impacto entre o
trauma penetrante cardíaco o ventrículo automóvel e outro objeto, da colisão da
direito é o mais vulnerável, pois é a câmara vítima com a força causadora do impacto
mais anteriorizada, e os óbitos ocorrem por (como em uma explosão) ou com o solo em

21
Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

uma queda, o choque com compartimento EMERGENCY MEDICAL TECHNICI-


interno do veículo, ou ainda quando os ANS, 2017).
órgãos sofrem a força de cisalhamento Quando há uma colisão lateral, seis
(NATIONAL ASSOCIATION OF regiões podem ser afetadas: cabeça,
EMERGENCY MEDICAL TECHNICI- pescoço, clavícula, tórax, abdome e pelve.
ANS, 2017). Nesses casos, as lesões podem ser
O Brasil infelizmente tem um grande produzidas pelo impacto da deformação da
número de vítimas envolvidas em acidentes cabine para dentro do veículo, ou ainda pela
de trânsito (AT), pois está dentre os dez aceleração lateral (NATIONAL ASSOCIA-
países que concentram metade das mortes TION OF EMERGENCY MEDICAL
provocadas por ATs no mundo (RIOS et al., TECHNICIANS, 2017).
2019). Alguns fatores envolvidos na O impacto angular é uma combinação
ocorrência e mortalidade dos acidentes dos impactos frontal e lateral – o indivíduo
automobilísticos são a velocidade excessi- primeiro continua a se mover para frente, e,
va, não uso de equipamento de proteção e em seguida, é atingido pela lateral do
dirigir sob influência de álcool (MALTA et veículo. No caso de vários passageiros,
al., 2016). aquele que estiver mais próximo do ponto
A colisão entre veículos pode ser de colisão sofrerá as lesões mais graves,
frontal, lateral, angular, traseira ou uma vez que a energia do impacto será
capotamento. No impacto frontal, o veículo totalmente absorvida pelo seu corpo
se deforma até que toda energia possa ser (NATIONAL ASSOCIATION OF
absorvida, e o mesmo acontece com o EMERGENCY MEDICAL TECHNICI-
motorista. O maior impacto ocorre no tórax, ANS, 2017).
impactando o esterno, as costelas, e ainda No impacto traseiro, o veículo de maior
pode atingir as demais estruturas deste local velocidade é chamado de “veículo projétil”,
(NATIONAL ASSOCIATION OF e o de menor velocidade, “veículo-alvo”.
EMERGENCY MEDICAL TECHNICI- Nesse caso, a energia do veículo projétil é
ANS, 2017). convertida em aceleração no veículo alvo, e
Na sequência de um impacto frontal, o seus ocupantes são projetados para frente.
indivíduo pode seguir um vetor no sentido Quando o encosto de cabeça não está
cranial ou um no sentido caudal. Em uma posicionado corretamente, o torso inicia seu
trajetória por cima, o corpo se projeta sobre movimento para frente e a cabeça faz o
o volante e a parte mais anterior do corpo, movimento de hiperextensão por cima da
geralmente a cabeça, colide com o para- parte superior do encosto, resultando em
brisas. Na trajetória por baixo, o corpo é hiperextensão do pescoço (NATIONAL
direcionado para fora do assento, em ASSOCIATION OF EMERGENCY ME-
direção ao painel, lesando sobretudo os DICAL TECHNICIANS, 2017).
membros inferiores. É principalmente nessa Em um capotamento, o veículo pode
etapa em que os equipamentos de proteção sofrer impactos de diversos ângulos, e cada
atuam (NATIONAL ASSOCIATION OF um deles pode resultar em um tipo de lesão.

22
Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Passageiros que usam cinto de segurança ASSOCIATION OF EMERGENCY ME-


sofrem lesões por cisalhamento, pois os DICAL TECHNICIANS, 2017).
órgãos continuam o movimento. Passa-
geiros que não usam o cinto de segurança 3.3. O Atendimento Inicial
podem sofrer lesões mais graves e ainda O atendimento inicial ao paciente
podem ser ejetados do veículo, sofrendo o politraumatizado deve sempre seguir uma
impacto pelo contato com o solo, podem ser ordem lógica que leva em consideração a
esmagados pelo veículo que está capotando prioridade de cada etapa na manutenção da
ou ser atropelados por outros veículos que vida do paciente. Esse primeiro momento se
trafegam pela pista (NATIONAL baseia no ABCDE do trauma juntamente
ASSOCIATION OF EMERGENCY ME- com a reanimação, de forma a manter os
DICAL TECHNICIANS, 2017). sinais vitais estáveis. É de grande
Por fim, outro mecanismo de trauma importância que toda a equipe e hospital
importante são as quedas. Nesses casos é esteja preparada para receber o paciente. Os
importante determinar a altura da queda, a materiais devem estar organizados e todos
superfície com a qual o paciente se chocou devem estar utilizando os equipamentos de
e qual a primeira parte do corpo a se chocar proteção individual (EPIs). O primeiro
com essa superfície (NATIONAL contato com o paciente no ambiente
ASSOCIATION OF EMERGENCY ME- hospitalar já se inicia pela conversa, onde já
DICAL TECHNICIANS, 2017). De acordo se pode predizer certos aspectos quanto à
com a Organização Mundial de Saúde gravidade do trauma. Caso o paciente esteja
(OMS), as quedas são a segunda maior conversando, sugere-se que suas vias aéreas
causa de óbitos acidentais no mundo, atrás estão pérvias e que seu nível de consciência
apenas dos acidentes de trânsito (KAISER não está rebaixado (ATLS 10ª ED.).
et al., 2020).
A vítima pode cair de frente com as A- Vias Aéreas e Controle da Coluna
mãos estendidas, levando a compressão Cervical
bilateral e fraturas por flexão dos punhos, O objetivo dessa primeira etapa é
um padrão conhecido como fratura de avaliar a perviedade das vias aéreas e
Colles. Se a primeira parte a atingir o solo também estabelecer o controle da coluna
forem os pés, pode haver fratura bilateral de cervical do paciente. O médico deve se
calcâneo, compressão de tornozelos, e por atentar à presença de corpos estranhos, de
absorção de energia, resultar em fraturas de fraturas na face e de sangue ou secreções
tíbia, fêmur e pelve, ou ainda fraturas de que podem obstruir as vias aéreas (ATLS
compressão em coluna torácica e lombar. A 10ª ED.).
vítima ainda pode cair de cabeça com o Simultaneamente, a equipe deve se
corpo alinhado, situação comum em atentar à restrição de movimentos da coluna
acidentes por mergulho em água rasa, cervical, pois um exame neurológico
podendo frequentemente fraturar a coluna negativo não exclui a possibilidade de lesão
cervical por compressão (NATIONAL cervical. Portanto, o paciente deve perma-

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Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

necer com o colar cervical e caso seja movimentação cervical, realiza-se a


preciso removê-lo, algum membro da radiografia (NGATCHOU, W. et al., 2018).
equipe deve estabilizar a coluna manual-  Critérios de alto risco: Idade maior ou
mente. Todos esses cuidados devem ser igual a 65 anos, mecanismo de trauma
repetidos durante todo o atendimento do perigoso, parestesia de extremidades;
paciente politraumatizado (ATLS 10ª ED.).  Critérios de baixo risco: Colisão
O controle cervical é de extrema automobilística frente-traseira, paciente
importância nestes pacientes, sendo que que se encontra sentado na emergência,
deve-se enfatizar a restrição de movimento paciente que deambula em qualquer
do pescoço com uso de colar cervical até momento, dor cervical tardia, ausência
que a lesão nesta região seja descartada de sensibilidade na linha média cervical
(GALVAGNO et al., 2019). Os sistemas Podem ser realizadas duas manobras a
NEXUS (National Emergency X-Radio- fim de desobstruir as vias aéreas superiores:
graphy Utilization Study) e CCR (Canadian a tração da mandíbula e a elevação do
C-spine Rules) são úteis para categorizar os mento. Nos pacientes com escore da Escala
pacientes que necessitam de exames de de Coma de Glasgow (ECG) menor ou igual
imagem da coluna cervical. O primeiro a 8, deve-se estabelecer uma via aérea
exclui a necessidade de radiografia definitiva (como a intubação orotraqueal ou
naqueles que pacientes que apresentarem cricotireoidostomia) (ATLS 10ª ED.).
todos os 5 critérios (NGATCHOU et al., Deve-se ter atenção no atendimento
2018): inicial de pacientes queimados, começando
1. Ausência de sensibilidade na linha por avaliar se as vias aéreas se encontram
média da coluna cervical. abertas e pérveas. As queimaduras causam
2. Ausência de sinais de intoxicação. hipovolemia, hipóxia, hipotermia e dor.
3. Ausência de alteração no nível de Neles, o comprometimento das vias aéreas
consciência se dá pela lesão por inalação de fumaça,
4. Ausência de déficit neurológico focal pela lesão causada pelo calor local e
5. Ausência de lesões que causem dor e também pelo edema como consequência da
que possam causar desatenção, inflamação local. Ao atender o politrau-
impedindo o paciente de ser matizado vítima de queimadura, é impo-
corretamente avaliado. rtante primeiramente avaliar a necessidade
O segundo sistema apresenta 3 critérios de transferência a centros especializados.
de alto risco e 5 critérios de baixo risco. Após, deve-se parar o processo de
Caso o paciente apresente pelo menos 1 queimadura e avaliar as vias aéreas
critério de alto risco, faz-se o exame de superiores e inferiores. Este processo se
imagem, e caso apresente algum critério de inicia observando a presença de sinais de
baixo risco deve-se avaliar a capacidade inalação de fumaça como: alteração na
dele de rotacionar o pescoço para os dois consciência, queimaduras em face (vibris-
lados a 45°. Somente na incapacidade de sas chamuscadas, lesão em nariz, boca,
orofaringe), rouquidão e edema de

24
Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

orofaringe. Na presença de algum desses ED.). No pneumotórax hipertensivo estão


sinais, deve-se oferecer oxigênio umidifi- presentes os mesmos sinais, com ênfase na
cado a 100% por máscara ou tubo hipotensão e na taquicardia, causados pelo
endotraqueal. O maior dos cuidados nesses aumento da pressão intratorácica, que causa
pacientes é avaliar se há necessidade de uma diminuição do retorno venoso ao
intubação orotraqueal, visto que o edema coração (DENNIS et al., 2017). Nestes
pode rapidamente obstruir completamente a casos, o tratamento inicial deve ser realiza-
via respiratória. A obstrução manifesta do prontamente a fim de descomprimir a
como sinais a dispneia, estridor, aumento do cavidade torácica e restabelecer os
esforço respiratório e cianose. Nos casos de parâmetros hemodinâmicos, e é feito
exposição a incêndios em locais fechados, através do procedimento chamado de
pode haver intoxicação por monóxido de toracocentese de alívio, realizada com
carbono e cianeto (VIVÓ et al., 2018). cateter calibroso (14 ou 16 G) no quinto
espaço intercostal do lado acometido.
B - Respiração e Ventilação O pneumotórax aberto é mais raro e
A segunda etapa visa garantir a deve ser percebido precocemente no
ventilação do paciente, ou seja, diz respeito atendimento pré-hospitalar. Os sintomas
a realização de trocas gasosas efetivas. são dor, taquipneia, dificuldade para
Neste momento, o médico deve observar a respirar e murmúrios vesiculares diminuí-
expansibilidade pulmonar (simetria, ampli- dos. A ferida, de característica aspirativa ou
tude, padrão de movimentos respiratórios), soprante, deve ser tratada de imediato com
a coloração da pele, a posição da traqueia e um curativo de 3 lados. Neste procedimento
também se há ingurgitamento jugular. A coloca-se um pedaço de material plástico
palpação torácica permite a identificação de sobre a lesão a fim de ocluir 3 dos seus 4
enfisema pulmonar e crepitações (indican- lados, permitindo que a banda caudal
do fratura de arcos costais). Principalmente, permaneça aberta, de forma a funcionar
deve-se atentar a situações de trauma como uma válvula (ATLS 10ª ED).
torácico, como hemotórax; pneumotórax Lembrando que esta medida inicial é
simples, hipertensivo ou aberto; contusão suficiente para estabilizar o quadro, porém,
pulmonar e lesões traqueais ou brônquicas na sequência, deve ser realizado o
(ATLS 10ª ED.). tratamento definitivo com drenagem
No pneumotórax simples, o ar entra no torácica fechada (DENNIS et al., 2017).
espaço virtual entre as pleuras parietal e O tratamento do pneumotórax e hemo-
visceral. Nota-se, ao exame físico, murmú- tórax é a drenagem em selo d’água, a fim de
rios vesiculares abolidos e hipertimpanismo conduzir o ar e/ou fluidos a um sistema
à percussão. É importante realizar radi- fechado (ATLS 10ª ED.).
ografia de tórax nesses pacientes e avaliar a O hemotórax maciço é condição onde o
necessidade de inserção de dreno torácico, volume de sangue ocupa 2/3 ou mais da
realizado no quinto espaço intercostal cavidade pleural e deve ser suspeitado nos
anterior à linha axilar média (ATLS 10ª casos de trauma torácico tanto contuso

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Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

quanto penetrante. Nesses casos os computadorizada. O tratamento é de


pacientes, além de murmúrios vesiculares suporte, evitando a infeção secundária e, a
diminuídos, os pacientes podem apresentar depender da extensão do comprometimento
desvio de traqueia, insuficiência respira- pulmonar, suporte ventilatório invasivo
tória e instabilidade hemodinâmica. A através de intubação orotraqueal (DENNIS,
radiografia de tórax revela borramento do M.B. et al., 2017).
seio costofrênico e opacificação do hemi- Mais raramente, podem ocorrer lesões
tórax acometido em diversos níveis na árvore traqueobrônquica, causadas por
(BRODERICK et al., 2013). O tratamento é desaceleração brusca, ferimentos por arma
realizado através de inserção de dreno de fogo ou arma branca. Pode ocorrer
torácico e, nos casos que apresentam débito insuficiência respiratória franca com
superior a 200ml por hora por 2 a 4 horas, necessidade suporte ventilatório e tratamen-
tratamento cirúrgico deve ser considerado to cirúrgico imediato (DENNIS, M.B. et al.,
devido a possibilidade de lesões cardíacas, 2017).
pulmonares extensas ou de grandes vasos
(ATLS 10ª ED.; DENNIS, M.B. et al., C - Circulação
2017). No C do atendimento inicial, deve-se
O tórax instável é definido pela identificar e controlar sangramentos exter-
ocorrência de fratura em dois ou mais nos, bem como avaliar o estado hemodi-
pontos de dois ou mais arcos costais nâmico. Choque é condição definida como
consecutivos, ocasionando movimentos perfusão inadequada de órgãos e tecidos,
respiratórios paradoxais, responsável por podendo ser causado por diferentes origens.
contusão no parênquima pulmonar adja- O diagnóstico deve se dar através de sinais
cente. Outros sinais clínicos são a presença clínicos e o tratamento direcionado para a
de crepitação, assimetria de expansibilidade causa etiológica. No trauma, o choque
pulmonar e dispneia, podendo chegar à hemorrágico é a causa mais frequente e
insuficiência respiratória. O tratamento se também a principal causa de morte evitável.
baseia em otimização da analgesia e terapia Por isso, identificar e controlar focos de
respiratória, a fim de permitir a correta sangramentos, bem como realizar precoce-
limpeza de secreções brônquicas, prevenin- mente a reanimação volêmica desses paci-
do a ocorrência de atelectasias e infecção entes é fundamental (GOMES et al., 2020).
secundária. Tratamento cirúrgico para A primeira medida no manejo destes
fixação dos arcos costais é descrita, porém, pacientes é parar possíveis fontes de
com utilização controversa (DENNIS, M.B. sangramento, em especial as externas, que
et al., 2017). na maior parte dos casos são facilmente
Pacientes que sofreram contusão controlados com uso de curativos oclusivos
pulmonar apresentam poucos sinais, sendo ou compressivos. Em lesões exsanguinantes
necessário alto grau de suspeição, bem em extremidades pode-se utilizar torni-
como realização de exames de imagem quetes (ATLS 10ª ED). Nestes casos, deve-
como radiografia simples e tomografia se registrar o horário de aplicação e mantê-

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Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

lo pelo menor tempo possível até obtenção Uma vez descartado pneumotórax
de controle cirúrgico definitivo devido aos hipertensivo como causa de choque, deve-
riscos de isquemia e de lesões nervosas se tratá-lo como de origem hipovolêmica
secundárias (KING et al., 2019). até prova em contrário. Estima-se o volume
Nos casos de sangramento interno, os circulatório e o débito cardíaco através da
locais mais comum de ocorrência são tórax, avaliação do nível de consciência, perfusão
abdome, retroperitônio, pelve e ossos cutânea e frequência cardíaca, sendo esta a
longos. Sua identificação é feita usualmente primeira a se alterar num quadro de choque.
através do exame físico e de exames de Deve-se lembrar dos valores de referência
imagem como radiografias e e-FAST de acordo com a idade (lactentes: 150bpm;
(Extended Focused Assessment with pré-escolares: 140bpm; escolares e pré-
Sonography for Trauma) e ainda realizar o púberes: 120bpm; adolescentes-adultos:
lavado peritoneal diagnóstico. Nos paci- 100bpm), bem como as condições especiais
entes estáveis hemodinamicamente, tomo- como idosos, que podem fazer uso de
grafias computadorizadas podem ser medicamentos que diminuem a frequência
realizadas (ATLS 10ª ED.). A partir dos cardíaca, e atletas, que possuem frequência
dados obtidos, medidas imediatas podem cardíaca basal menor (ATLS 10ª ED).
ser necessárias como toracocentese de As medidas terapêuticas a serem
alívio para pneumotórax hipertensivo, iniciadas imediatamente em um paciente
instalação de dispositivo de estabilização com sinais de choque são a reanimação
pélvica ou talas para membros, seguidas de volêmica, prevenção da coagulopatia
avaliação para tratamento e controle induzida pelo trauma e o controle do
definitivo das fontes de sangramento sangramento. Inicia-se pela infusão de
(ATLS 10ª ED.; SPANH et al., 2019). cristaloides (solução fisiológica ou ringer
Dois acessos venosos periféricos lactato) aquecidos a temperatura de 37-
calibrosos (18G de vasão) devem ser 40ºC (para prevenção de hipotermia) e de
obtidos, bem como coleta de amostra para forma racional – infusão de grandes
tipagem sanguínea – na impossibilidade de volumes em detrimento do controle efetivo
punção venosa periférica a infusão da hemorragia demonstraram aumentar a
intraóssea, passagem de acesso venoso morbi-mortalidade (ATLS 10ª ED).
central ou mesmo realização de flebotomia Pacientes com lesões severas estão sob
podem ser realizados de acordo com a risco de desenvolvimento de quadro
disponibilidade de tais materiais, bem como coagulopatia e, por vezes, apresentam-se no
da experiência do cirurgião (ATLS 10ª ED; serviço hospitalar com o quadro já
SPANH et al., 2019). Coleta de amostras estabelecido. Estudos militares europeus e
para outros exames como hemograma, teste americanos demonstraram melhora da
de gravidez (beta-HCG), gasometria e sobrevida com a administração de 1g de
lactato podem ser obtidas também nesse ácido tranexâmico dentro de 3 horas do
momento (ATLS 10ª ED). quadro, seguido de infusão contínua da

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Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

mesma dose nas 8h subsequentes (ATLS D – Disability – Avaliação


10ª ED; SPANH et al., 2019). Neurológica
É importante lembrar dos outros tipos Traumas cranioencefálicos (TCE) estão
de choque que podem ocorrer: entre os traumas mais comuns no
Cardiogênico: proveniente de contu- departamento de emergência e TCE graves
sões cardíacas, tamponamento cardíaco ou frequentemente são associadas a sequelas
infarto do miocárdio. Nestes casos, deve-se incapacitantes e até mesmo ao óbito (MA-
realizar eletrocardiograma a fim de detectar REHBIAN et al., 2017). Uma avaliação
presença de arritmias ou outros padrões de neurológica rápida deve estabelecer o nível
lesão, bem como a dosagem de enzimas de consciência do paciente, a igualdade
cardíacas, em especial a troponina, de forma pupilar, presença ou não de sinais de
seriada principalmente em vítimas de lateralização e determina o nível da lesão
trauma torácico contuso (ATLS 10ª ED.). espinhal, quando presente (ATLS 10ª ED.).
Choque obstrutivo: padrão causado A ECG (Tabela 2.1) é um método fácil,
por pneumotórax hipertensivo, hemotórax rápido e objetivo de determinar o nível de
maciço e tromboembolismo pulmonar consciência do paciente e classificá-los
maciço. Usualmente sinais clínicos especí- quanto à gravidade do trauma. Pontuações
ficos somados aos exames de imagem entre 13 e 15 caracterizam TCE leve, entre
habituais são suficientes para correto 9 e 12 TCE moderado e ≤ 8 TCE grave,
diagnóstico (ATLS 10ª ED.). sendo indicação de obtenção de via aérea
Choque neurogênico: decorre de lesão definitiva (ATLS 10ª ED.). A resposta
espinhal que leva à perda do tônus motora tem relação com desfecho e
simpático dos vasos, e consequentemente, a prognóstico, portanto, deve-se sempre
vasodilatação. Mecanismo de trauma e considerar a melhor resposta apresentada
exame físico sugestivos devem levantar a pelo paciente (PICETTI et al., 2019).
suspeita de lesão raquimedular, que será Condições como presença de hipogli-
então confirmada através de exames de cemia, ingestão de álcool ou uso de
imagem. Estes pacientes frequentemente entorpecentes são fatores que também po-
necessitam de início precoce de drogas dem alterar o nível de consciência do
vasoativas a fim de restabelecer o tônus paciente, e devem ser levados em conside-
vascular (ATLS 10ª ED.). ração. Contudo, até prova em contrário,
Choque séptico: raro na admissão de toda alteração deve ser considerada como
pacientes vítimas de trauma por tratar-se de resultado de lesão em sistema nervoso
complicação tardia, contudo, pode estar central (ATLS 10ª ED.).
presente em situações especiais, como nas O trauma ocasiona a lesão cerebral
quais ocorreu demora significativa até primária e, na sequência, pode ocorrer lesão
entrada no serviço hospitalar, e também em cerebral secundária, cuja extensão está
idosos, indivíduos nos quais, pode ser um relacionada à perfusão e oxigenação cere-
fator precipitante do trauma em si (GOMES bral. Daí a importância em priorizar a
et al., 2020). manutenção de bons parâmetros ventilató-

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Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

rios e circulatórios durante o manejo inicial. RAERTS et al., 2018). E quanto aos
(ATLS 10ª ED). Para tanto, deve-se evitar a parâmetros hemodinâmicos, deve-se man-
hiperventilação, já que a hipocapnia ter pressão arterial sistólica maior que 100
exacerba as lesões isquêmicas secundárias. mmHg e pressão arterial média maior que
Sugere-se manter saturação arterial de 80 mmHg – para garantir pressão de
oxigênio maior que 90% (com PaO2 60 - perfusão cerebral adequada (MAREHBIAN
100 mmHg e PaCO2 35- 40 mmHg) (GEE- et al., 2017).

Tabela 2.1 Escala de Coma de Glasgow


Abertura ocular Resposta Verbal Resposta motora

Espontânea = 4 Orientado = 5 Obedece a comandos = 6

À voz = 3 Confuso = 4 Localiza dor = 5

À pressão = 2 Palavras = 3 Flexão normal = 4

Ausente = 1 Sons = 2 Flexão anormal = 3

Não testado = NT Ausente = 1 Extensão anormal = 2

Não testado = NT Ausente = 1

Não testado = NT

Fonte: Adaptado de ATLS 10ª ED.

Reavaliações frequentes devem ser mais episódios de vômitos; pacientes com


realizadas de modo a identificar precoce- mais de 65 anos; perda de consciência
mente quaisquer sinais de deteriorização do maior que 5 minutos; uso de coagulantes;
quadro já que muitos pacientes não amnésia retrógrada maior que 30 minutos
apresentam alterações significativas no após o trauma; mecanismos de trauma de
primeiro atendimento (ATLS, 10ª ED). alta energia – atropelamentos por veículos,
Entretanto, algumas características iniciais colisões com ejeção, queda de altura
indicam a avaliação imediata pelo superior a 1 metro ou 5 degraus (GOMES et
neurocirurgião e realização de tomografia al., 2020). A tomografia de crânio não pode
de crânio: Glasgow menor que 15; sinais de atrasar a transferência do paciente para um
fratura de base de crânio, caracterizados por centro especializado ou o tratamento
equimose periorbitária ou sinal do guaxi- neurocirúrgico definitivo (ATLS, 10ª ED.).
nim, equimose retroauricular ou sinal de
Battle, rinorreia ou otorreia (saída de líquor E – Exposição
pelo nariz e orelha respectivamente); Nesta fase final todo paciente politrau-
suspeita de fratura de crânio exposta; matizado deverá ser totalmente exposto,
afundamento de calota craniana; dois ou retirando roupas e adornos para possibilitar
29
Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

a inspeção de toda superfície corporal. Para P – Passado Médico


esta avaliação corporal total pode ser L – Última Refeição/Líquidos
necessário a realização da rotação em bloco A – Ambiente relacionado ao trauma
da vítima, onde uma pessoa fica respon-
sável pelo controle cervical e outras duas 3.4.2. Exame Físico
rotacionam o corpo segurando membros Nesta segunda parte da avaliação
superiores e inferiores, deste modo a coluna secundária o médico deve realizar um
permanece alinhada e previne-se novas exame físico geral da vítima, buscando por
lesões ou agravamento daquelas já exis- sinais e lesões que possam ter passado
tentes, com intuito de permitir verificar despercebidas (GOMES et al., 2020) Para
lesões ocultas e, em pacientes vítimas de evitar o esquecimento de alguma região
queimadura, quantificar a superfície corpo- corporal, orienta-se seguir a seguinte or-
ral queimada. Durante esta etapa é essencial dem: cabeça; face; coluna cervical e pesco-
que o paciente seja protegido da hipotermia, ço; tórax; abdome; períneo, reto e vagina;
uma vez que se trata de uma complicação sistema músculo esquelético; sistema ner-
potencialmente fatal por agravar a acidose e voso. Em cada um destes seguimentos
favorecer a coagulopatia (ATLS 10ª ED.). deve-se seguir a propedêutica adotada em
Sendo assim, mantas e fluidos aquecidos toda semiologia, atentando a buscar as
devem ser empregados com intuito de principais lesões que ocorrem no trauma
manter a temperatura corporal entre 36 a (ATLS 10ª ED.).
37ºC (GOMES et al., 2020).
4. CONCLUSÃO
3.4. Avaliação Secundária
Após completar-se o exame primário O trauma é uma doença de grandes
deve ser iniciado a avaliação secundária, alterações orgânicas, emocionais, sociais e
desde que o paciente apresentar melhora de econômicas. Além das ações de prevenção,
suas funções vitais. Nesta etapa do educação e treinamento visando o correto
atendimento o médico busca informações atendimento destes pacientes, tem papel
sobre a história clínica do traumatizado e crucial na melhoria dos desfechos dos casos
realiza o exame físico minucioso da cabeça e na minimização das complicações
aos pés. decorrentes do mesmo.
Além da constante reavaliação do
3.4.1. História Clínica paciente no momento do atendimento
As informações necessárias ao médico inicial, é importante que as condutas
podem ser lembradas por meio do relacionadas ao atendimento sejam sempre
mnemônico “AMPLA”, o qual pode ser revistas, a fim de diminuir a morbimorta-
aplicado ao próprio paciente ou, caso este lidade da doença trauma. Deste modo, a
esteja impossibilitado de responder, a realização constante de estudos epidemio-
algum de seus familiares (ATLS, 10ª ED.). lógicos nesta área ajuda a identificar a
A – Alergia prevalência de determinados eventos, o que
M – Medicamentos incentiva a atualização das medidas
profiláticas e das ações terapêuticas.
30
Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Capítulo 02
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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32
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 03

MANEJO DE OVERDOSE
NA URGÊNCIA

Palavras-chave: Overdose; Intoxicação exógena; Antídotos.

ANDRÉ FERREIRA DE LIMA2


ARTHUR BARATA PAVIATO¹
BIANCA NASCIMENTO OLIVEIRA¹
CARLOS AUGUSTO CHAVES COLARES¹
GABRIEL PLAZZI MANDACARU¹
JULIA FLORENZANO SOARES¹
LARISSA MENDES DE SOUZA¹
LUANA DE OLIVEIRA LOTFI¹
LUISA FARIA GUIMARÃES SOARES¹

1
Discente - Medicina da Universidade José do Rosário Vellano UNIFENAS
2
Docente – Medicina Universidade José do Rosário Vellano UNIFENAS. Neurologista e
especialista em Terapia Intensiva Neurológica

33
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO quase que por um protocolo único, que


envolve estabilização e proteção de vias
De acordo com DECS – DESCRI- aéreas, definição das síndromes clínicas,
TORES EM CIÊNCIAS DA SAÚDE, a descontaminação e redução da absorção da
overdose de drogas é definida pelo uso droga e uso de antídotos específicos quando
acidental ou deliberado de substâncias existentes.
lícitas ou ilícitas em grandes doses. O objetivo deste estudo foi analisar e
Segundo o CDC - CENTERS FOR DISE- sistematizar a abordagem inicial da over-
ASE CONTROL AND PREVENTION, a dose e o manejo das intervenções necessá-
overdose se apresenta como uma das rias em um serviço de urgência. Além disso,
principais causas de mortalidade no mundo, também foram evidenciados os principais
correspondendo a um grave problema de indutores de sobredosagem, medicamen-
saúde pública. Neste contexto, em que a tosa ou não, a fim de direcionar as
crise de overdose é influenciada por alterações de maior relevância e suas
diversos determinantes, bem como abrange respectivas condutas.
todos os grupos demográficos, faz-se
necessário aprimorar a prática clínica e o 2. MÉTODO
manejo das intervenções para reduzir as
mortes por superdosagem de drogas Esse estudo se caracteriza como uma
(SALONER et al., 2018). revisão de literatura, a qual irá contribuir
O mecanismo da overdose varia de para a construção de uma análise mais
acordo com a substância utilizada e com o ampla do tema em questão, propiciando,
grau de intoxicação, existindo manifesta- assim, um auxílio para discussões e refle-
ções clínicas específicas, a depender de xões acerca da epidemiologia e do manejo
particularidades como sítios de ação e clínico da overdose. O estudo teve como
farmacocinética da droga de abuso DECS - base um levantamento bibliográfico realiza-
DESCRITORES EM CIÊNCIAS DA SAÚ- do nos seguintes bancos de dados: SciELO,
DE. De forma geral, ocorrem manifestações PubMed, Google Acadêmico e CDC.
que podem ser observadas na maior parcela A pesquisa foi realizada em abril de
dos quadros de superdosagem, representan- 2021, adotando como critérios de inclusão
do assim, os efeitos clássicos de toxicidade. artigos publicados em português e inglês e
Embora, frequentemente, os achados não que apresentassem relevância científica
estejam sempre presentes, a toxicidade para o tema descrito. Como critérios de ex-
clássica manifesta-se por disfunção clusão, foram desconsiderados artigos que
respiratória, incluindo bradipneia, alteração apresentassem conteúdo divergente à temá-
do sensório e alterações pupilares (miose ou tica escolhida. Em sua totalidade, 23 artigos
midríase) (BOYER, 2012). foram considerados para a realização do
Apesar das diferentes manifestações estudo.
apresentadas nos quadros de overdose, o
manejo inicial durante a emergência se dá
34
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO sintéticos, principalmente o fentanil. Essa


onda perdura até hoje, com o fentanil
3.1. Epidemiologia tomando parte do mercado da heroína e,
As overdoses em geral, representam, muitas vezes, ocorrendo a associação do
mundialmente, um importante problema de uso das duas drogas. Ainda no contexto da
saúde pública, estima-se que cerca de 841 terceira onda, tem-se que, em 2019 as
mil pessoas tenham morrido por essa causa mortes por overdose de heroína represen-
desde 1999. Nos Estados Unidos (EUA), taram 28% de todas as mortes relacionadas
apenas no ano de 2019, ocorreram mais de a overdoses de opioides (CDC - CENTERS
70 mil mortes por abuso de drogas, sendo a FOR DISEASE CONTROL AND PRE-
maioria delas por excesso de opioides (CDC VENTION). Vale ressaltar que o principal
- CENTERS FOR DISEASE CONTROL responsável pelas overdoses por opioides
AND PREVENTION). sintéticos não é o fentanil produzido pelas
Desde a década de 90, considera-se indústrias farmacêuticas, mas sim o feito
instalada a epidemia de overdose por ilegalmente, que, muitas vezes, é misturado
opioides. A primeira onda, iniciada nos à heroína e à cocaína, visto que ele
EUA, foi possibilitada graças ao aumento amplifica os efeitos da euforia causada por
da prescrição, sendo que as principais essas drogas (CDC - CENTERS FOR
drogas responsáveis pelas mortes eram CONTROL AND PREVENTION).
Metadona, Oxicodona e Hidrocodona No Brasil, um estudo apontou que o uso
(CDC - CENTERS FOR DISEASE CON- de drogas psicotrópicas geralmente se inicia
TROL AND PREVENTION). na adolescência, em torno dos 15 anos,
A segunda onda iniciou-se por volta de sendo o álcool e o tabaco as primeiras
2010, com um grande aumento nas mortes drogas usadas. Alguns pesquisadores apon-
ocasionadas pela heroína. Ademais, em tam variação de 10% a 30% de evolução do
2010 as overdoses relacionadas a produtos uso experimental para o abuso e depen-
farmacêuticos representaram 70% dos dência de substâncias lícitas e ilícitas
índices, sendo que aproximadamente 15% (MÉDICA BRASILEIRA et al., [s.d.]).
representava uma overdose não intencional, Nessa perspectiva, a incidência de
enquanto a superdose por motivações overdose por álcool representa números
suicidas representou cerca de 8%. Em um significativos das mortes anuais por
panorama geral, os opioides, benzodiazepí- overdose. Além disso, o álcool apresenta-se
nicos, antidepressivos, medicamentos antie- como um dos principais contribuintes para
pilépticos e antiparkinsonianos lideram o a ocorrência de overdose por outras drogas,
ranking de maior envolvimento com mortes isso porque frequentemente o álcool é
por overdose de produtos farmacêuticos associado a outras substâncias que atuam
(CHRISTOPHER M, et al., 2013). como depressores do sistema nervoso
Por fim, em 2013 iniciou-se a terceira central (WITKIEWITZ; VOWLES, 2018).
onda, momento o qual ocorreu grande De acordo com Frieden et al., na
aumento nas mortes relacionadas a opioides emergência, os atendimentos de pacientes

35
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

que apresentam overdose por álcool equi- assertivas, minimizando os danos ao


valem a 1 em cada 4 casos (FRIEDEN et al., paciente.
2014). Cabe ressaltar que, em caso de pacientes
Já em um contexto de drogas lícitas, ou com alterações significativas no estado
seja, aquelas autorizadas e comumente mental e pouco colaborativos, é importante
utilizadas pela população geral, como os colher informações dos acompanhantes ou
analgésicos, com destaque para o parace- testemunhas. Nesse contexto, dados como
tamol, registram elevado número de medicamentos utilizados, possíveis frascos
ocorrências de má administração medica- com substâncias suspeitas e locais onde
mentosa. Nessa conjuntura, tem-se que a foram encontrados, assim como a evolução
maioria dos casos de overdose dessa classe dos dados vitais do paciente, são importan-
farmacológica não é intencional, o que tes para o manejo das emergências tóxicas.
evidencia a necessidade de educar a popula- Caso a overdose seja por medicamentos, é
ção a respeito da administração desses importante atentar-se também a dose
medicamentos. Um estudo feito no Centro ingerida estimada, intenção do uso (suicida
de Informações Toxicológicas de Belo ou não), padrão do uso (agudo/crônico)
Horizonte (CIATBH) concluiu que o para- tempo da ingesta e condições clínicas que
cetamol foi o analgésico responsável pelo possam predispor ao dano hepático
maior número de atendimentos, sendo (alcoolismo, tabagismo).
62,9% dos 201 casos documentados de O exame físico deve ser direcionado,
intoxicação provocadas por AINES e com objetivo prioritário de promover a
analgésicos não opioides no ano de 2015. estabilização na sala de emergência. É
importante buscar a presença de odores
3.2. Manejo clínico atípicos e específicos nas roupas e na pele
A abordagem de um paciente com um do paciente, como também pesquisar sinais
potencial diagnóstico por overdose, em um de cianose, diferença de temperatura, sinais
serviço de urgência, deve incluir uma de lesão, reflexos e tônus muscular. Ao
coleta, rápida e direcionada da história exame ocular deve-se atentar ao tamanho e
clínica, a qual seja capaz de favorecer a reatividade das pupilas, e a presença ou não
identificação e possível causa da overdose, de nistagmo.
bem como contribuir para a otimização do No exame torácico é feita a mensuração
tratamento médico. É importante obter da frequência cardíaca, além de se examinar
informações a respeito de antecedentes detalhadamente os pulmões para verificar
médicos, medicamentos utilizados, uso de se há alguma alteração na ausculta, como
drogas ilícitas, se há contato com produtos sibilos e roncos. No abdome, é importante
tóxicos no ambiente de trabalho, história de verificar presença de ruídos intestinais e
doenças psiquiátricas e de tentativa de distensão abdominal, como também
autoextermínio. Soma-se a isso a importân- atentar-se à retenção urinária (CHAVAR-
cia de conhecer o tempo de exposição à RÍA et al., 2010).
substância para tomar condutas rápidas e

36
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.3. Medidas gerais screening toxicológico (diante de suspeição


de intoxicação exógena por drogas de abuso
3.3.1. Suporte de sinais vitais e vias ou medicamento de uso convencional).
aéreas
A abordagem inicial do paciente vítima 3.5. Descontaminação e diminuição
de intoxicação se inicia com a estabilização da absorção
clínica e do manejo de via aérea, levando-se
em conta todos os fluxos protocolares do 3.5.1. Lavagem gástrica
suporte avançado de vida (ABC). Paciente Lavagem gástrica é indicada nas
sem proteção de via aérea e/ou com intoxicações potencialmente graves, em que
rebaixamento grave do nível de consciência a ingesta foi recente, podendo ser realizada
(escala de coma de Glasgow < 9) devem ser até no máximo 2 horas da ingestão. É útil
submetidos a intubação orotraqueal a fim de especialmente para as substâncias não
evitar aspiração pulmonar. Uso de droga absorvidas pelo carvão ativado, como os
vasoativa ou ressuscitação volêmica deve álcoois e o cianeto. Sua realização está
ser iniciado nos casos de hipotensão contraindicada nas situações envolvendo
associada. derivados de petróleo; agentes cáusticos e
Cabeceira elevada e cabeça centrada na corrosivos; nas discrasias hemorrágicas; e
linha média são cuidados adicionais nos nas situações sem adequada proteção de
casos associados a coma, objetivando vias aéreas (risco alto de aspiração).
diminuir aspiração e reduzindo risco de Idealmente, utilizar sonda nasogástrica
hipertensão intracraniana. calibrosa, n° 16 a 18, com infusão de 300 ml
de solução fisiológica em cada processo.
3.4. Exames de urgência
A glicemia capilar é um exame 3.5.2. Carvão ativado
primordial tanto para avaliação de pacientes Carvão ativado pode ser realizado até
com nível de consciência como para aqueles cerca de 4 horas da ingestão. A dose é de 1
com suspeita de uso de tóxicos. Deve ser g/kg peso (até 100g) diluído em água ou
realizado de forma emergencial assim que suco. Nas overdoses por fenobarbital, feni-
possível, e prontamente corrigida. Atentar toína, carbamazepina, dapsona, teofilina e
para necessidade de uso concomitante de salicilatos pode-se realizar múltiplas doses
tiamina, nos casos de síndrome carencial de carvão ativado, com doses subsequentes
suspeita. de 0,25 a 0,5 g/kg a cada 4 horas até que a
Propedêutica laboratorial básica deve concentração sérica das drogas esteja próxi-
ser solicitada de urgência: hemograma, ma ao valor de referência. Atentar para os
íons, gasometria (avaliar acidose e hiper- efeitos adversos, sobretudo constipação
capnia), função renal, função hepática. intestinal.
Podem ser, necessária a dosagem de O carvão ativado é proscrito e não deve
marcadores de lesão muscular (na suspeição ser realizado em casos associados a hidro-
de crises convulsivas e rabdomiólise) e

37
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

carbonetos, derivados do petróleo, álcoois, 3.6. Avaliação da síndrome clínica


metais e ácidos. O reconhecimento de uma síndrome
clínica envolvida na overdose é crucial para
3.5.3. Excreção do tóxico o manejo adequado e manutenção de sinais
Algumas substâncias irão ter benefício vitais, avaliação de antídoto específico e
de terapias como alcalinização da urina avaliação de via de excreção. Abaixo qua-
(fenobarbital), hemodiálise e plasmaférese. dro de apoio com as síndromes tóxicas mais
O conhecimento da farmacocinética e vias comuns na prática clínica:
de excreção é fundamental para o manejo
clínico eficiente das intoxicações.

Síndrome Tóxica Apresentação clínica Drogas associadas


Anticolinérgica Taquicardia, hipertensão, hipertermia, midría- Atropina, anti-histamínicos,
se, anidrose, agitação, parada de ruídos tricíclicos
intestinais
Colinérgica Bradicardia, Labilidade pressórica, paralisia, Fosforados, carbamatos
fasciculação muscular, aumento das secreções (comum em inseticidas)
Serotoninérgica Taquicardia, hipertensão, diaforese, Antideressivos, opioides,
hipertermia, confusão mental, agitação, MDMA, LSD
hiperreflexia e clônus
Neuroléptica Parkinsonismo (tremores, bradicinesia e Antipsicóticos, anti-
rigidez), distonias, rabdomiólise, hipertermia, histamínicos,
rebaixamento da consciência e encefalopatia metoclopramida
Adrenérgica Taquicardia, hipertensão, hipertermia, Estimulantes do SNC,
sudorese, midríase, alucinações e euforia, cocaína, LSD, cafeína,
ruídos intestinais presentes teofilina
Sedativo-hipnótica Bradicardia, hipotensão, rebaixamento de Opioides, barbitúricos,
consciência, coma, depressão respiratória benzodiazepínicos,
tricíclicos, anestésicos

3.7. Uso de antídotos específicos 3.8. Drogas de abuso


O reconhecimento da síndrome clínica Listamos as principais drogas de abuso
ou da droga específica responsável pela as quais as intoxicações e overdoses
overdose é de crucial manejo no primeiro possuem manejo específico e com necessi-
atendimento, devido a possibilidade da dade de condução precoce. A abordagem
existência de reversores, antagonistas ou acertada e no tempo oportuno é capaz de
antídotos específicos para a substância em modificar os desfechos de morbimorta-
questão. Abaixo quadro descrevendo os lidade dos pacientes acometidos.
principais antídotos utilizados na prática
clínica:

38
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Droga Antídoto/antagonista são classificados como antagonistas são a


Anticolinesterásicos Atropina escolha para a gerência do quadro de
overdose por opioides (PARTHVI et al.,
Benzodiazepínicos Flumazenil
2017).
Opioides Naloxone Dentre os tipos de overdose, a causada
Cianeto Vitamina B12 por opioides ocorre quando o sistema
Cumarínico Vitamina K
nervoso central e o impulso respiratório são
suprimidos devido ao consumo excessivo
Etilenoglicol/metanol Etanol
da droga. Os sintomas incluem sonolência,
Paracetamol N-acetilcisteína respiração lenta, pupilas puntiformes,
cianose, perda de consciência e morte.
3.9. Depressoras do sistema nervoso Além disso, alguns pacientes requerem
central gerenciamento através da terapia intensiva
por insuficiência respiratória, encefalopatia
3.9.1. Opioides metabólica, lesão aguda renal ou outra
Opioides são substâncias derivadas da falência de órgão.
planta “Papoula do Oriente”, que possuem Tendo em vista as manifestações
efeitos operantes em receptores específicos apresentadas, as estratégias de manejo
no cérebro. Desde o século 19, a morfina incluem gestão das vias aéreas, uso de
passou a ser isolada do ópio da papoula, agentes reversíveis e correção de complica-
representando desse modo, juntamente a ções associadas. Opioides transdérmicos de
codeína, a classe dos opioides naturais. Já longa ação devem ser procurados e
no século 20, surgem os opioides sintéticos removidos prontamente. Se a ingestão de
e semissintéticos, sendo esses originários opioides ocorrer dentro de 1-2 horas após a
dos alcaloides do ópio, os quais são apresentação na emergência, carvão ativado
representados pela heroína, hidrocodona, pode ser usado para descontaminação
hidromorfona, oxicodona, buprenorfina e gastrointestinal.
oximorfona. (PARTHVI et al., 2017) Nos casos com suspeição de intoxicação
A primeira destinação do ópio foi o exógena por opioides, sobretudo com a
manejo da dor, entretanto como eviden- presença de bradipneia e pupilas puntifor-
ciado pela epidemiologia, a overdose por mes, terapia empírica com cloridrato de
abuso dos opioides apresenta-se em níveis naloxona deve ser iniciada: naloxona, bolus
alarmantes. Nesse contexto, cabe compre- inicial de 0,4mg EV. Doses adicionais
ender que os opioides, a depender da sua podem ser necessárias, até um total de 4mg
interação com os receptores cerebrais, da droga.
podem ser classificados como agonistas, Em caso de intoxicação por heroína, os
antagonistas, agonistas parciais e agonistas pacientes podem receber alta cerca de 1–2
mistos. Tal compreensão auxilia no horas após a administração de naloxona, se
entendimento do manejo da sobredosagem apresentarem as seguintes condições: pude-
de opioides (OOD), visto que aqueles que rem deambular sem ajuda, ter saturação de

39
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

oxigênio superior a 92%, frequência isso, a prevenção da aspiração também é


respiratória superior a 10 respirações por obrigatória, neste caso a colocação do
minuto, frequência cardíaca superior a 50 paciente em uma posição lateral pode ser
batimentos por minuto, apresentar tempera- útil.
tura normal bem como escala de Glasgow O acesso intravenoso deve ser obtido a
com pontuação igual a 15. fim de administrar solução de fluido
Em quadros de intoxicação por opioides intravenoso para hidratar o paciente e
não-heroína, a alta pode ser considerada 4- corrigir desequilíbrios eletrolíticos e
6 horas após a administração de naloxona se hipoglicemia (MARCO; KELEN, 1990).
o paciente permanecer assintomático. Já em Os medicamentos antieméticos podem
overdoses associadas à metadona faz-se ser úteis em pacientes com náuseas ou
necessário a observação do paciente por vômitos. O vômito prolongado pode causar
cerca de 12-24 horas, pelo fato de ser uma hiponatremia, devendo estar atento para sua
droga que possui meia-vida mais longa. reposição lenta e segura. (CAPUTO
Desse modo, deve ser salientado que, em et.al.,2001).
todos os casos, os médicos de emergência Em pacientes agitados e violentos,
devem confirmar que a desintoxicação dos podem ser ministradas substâncias sedati-
opioides foi concluída antes de dar alta ao vas, incluindo haloperidol. Entretanto,
paciente. deve-se ter em mente a possibilidade de
Após a permanência na UTI, os uma interação farmacológica entre as
pacientes devem ser monitorados em um drogas sedativas e o álcool, interação a qual
andar médico antes da alta ou em centros de pode levar à depressão respiratória e
desintoxicação. O manejo da overdose é o hipotensão. Além disso, é necessário evitar
passo inicial para lidar com o vício em traumas físicos e/ ou o uso de contenção
opiáceos, sendo que a longo prazo essa física com intuito de impedir que o paciente
gestão envolve tratamento para o vício com escape, dadas as preocupações éticas quanto
medicamentos como naltrexona, metadona ao seu uso. Tais medidas devem ser consi-
e suboxone, bem como tratamentos psicos- deradas apenas em condições extremas. Em
sociais, como terapia individual, familiar e alguns casos, ventilação mecânica e cui-
em grupo como por exemplo: Narcóticos dados intensivos devem ser fornecidos
Anônimos (PARTHVI et al., 2017). (YOST, 2002).
Logo na abordagem inicial, em caso de
3.9.2. Etanol suspeição de risco nutricional (etilismo,
O manejo, principalmente no pronto- drogadição, neoplasia maligna, síndrome
socorro, do paciente que apresenta uma disabsortiva) deve-se realizar infusão de
libação alcoólica visa, dependendo de sua tiamina precedendo a reposição de glicose,
apresentação clínica, estabilizar o quadro com objetivo de evitar precipitação de
clínico do paciente. A avaliação das vias encefalopatia de Wernicke. A forma meta-
aéreas junto ao desenvolvimento da função bolicamente ativa da tiamina (pirofosfato de
respiratória deve ser realizada. Somado a tiamina) participa como coenzima no

40
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

metabolismo da glicose. Portanto qualquer A abordagem do paciente com suspeita


fator que estimule o metabolismo da de overdose por medicamentos benzodiaze-
glicose, como sua reposição, irá agravar a pínicos deve conter a realização e avaliação
deficiência de tiamina podendo levar de ECG, eletrólitos, função hepática, função
agudamente a encefalopatia de Wernicke. renal, hemograma e glicemia. Deve-se insti-
Tiamina/vitamina B1. Dose: 100mg EV tuir medidas de suporte inicialmente, a
precedendo a infusão de glicose. partir da desobstrução das vias aéreas e
Reposição com glicose hipertônica deve administração de oxigênio, quando necessá-
ser realizada diante de hipoglicemia ou na rio. Somado a isso, deve ser feita a moni-
impossibilidade de sua mensuração. Deve torização de sinais vitais, obtenção de
ser realizada após infusão de tiamina, com acesso venoso calibroso e coleta de amos-
explicado previamente: tras biológicas para exames de rotina e
Glicose 50% - 50ml EV, com repetição toxicológico, além de manter a oferta
de glicemia capilar em até 10min. adequada de hidratação para assegurar boa
eliminação renal.
3.9.3. Benzodiazepínicos A fase de descontaminação compreende
Os benzodiazepínicos são utilizados em lavagem gástrica e uso de carvão
como agentes anticonvulsivantes, em ativado. Salienta-se que a lavagem gástrica
transtornos ansiosos, na síndrome de absti- não é necessária nas pequenas e moderadas
nência alcoólica, nos estados hiperadrenér- ingestões se o carvão puder ser adminis-
gicos como intoxicações por abuso de trado rapidamente. Deve ser feito ainda, o
drogas, como relaxantes musculares e como uso de flumazenil, uma imidazo-benzodia-
agentes sedativos em procedimentos. zepina que age como antagonista competi-
Devido a sua ampla margem terapêutica, os tivo das benzodiazepinas. Dessa forma, o
benzodiazepínicos frequentemente apare- flumazenil atua revertendo os efeitos provo-
cem em dados epidemiológicos como causa cados por esse grupo de drogas. Entretanto,
de overdose. Tendo em vista isso, salienta- o seu uso fica reservado para situações com
se que a dose de intoxicação é variável, já intoxicação grave com depressão respira-
que, em geral, são medicações seguras com tória ou situações de sedação iatrogê-nica
índice terapêutico alto. (PAULO et al., 2017).
Os sintomas de intoxicação podem se
manifestar com sonolência, sedação e fala 3.10. Estimulantes do sistema nervoso
arrastada em casos de intoxicação leve a central
moderada. Já em casos de intoxicação
grave, nota-se a presença de coma com 3.10.1. Cocaína
depressão respiratória, hipotensão e hipo- A cocaína possui uma dose tóxica muito
termia, principalmente com o uso endove- variável. A depender da tolerância indivi-
noso ou em associação com outros depres- dual, via de administração e da associação
sores do SNC. com outras drogas. Ressalta-se que a
ingestão única de 1 g ou mais de cocaína

41
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

pode ser fatal. Em contrapartida, há relatos gasometria, CPK, urina com pesquisa de
de óbito com doses de 20 mg utilizadas de mioglobinúria na suspeita de rabdomiólise,
forma parenteral. ECG, troponina na suspeita de isquemia
A suspeita de intoxicação por cocaína miocárdica, TC de crânio se sintomas
ou crack é propiciada quando adultos jovens neurológicos persistentes (PAULO et al.,
desenvolvem síndrome adrenérgica. A fim 2017).
de fortalecer a suspeita de intoxicação por O manejo deve ser feito com medidas de
cocaína, é importante atentar-se aos acha- suporte e com a descontaminação, indicada
dos como lesões de mucosa nasal ou restos em casos de ingestão acidental. O uso de
de pó ao redor das narinas. Já para benzodiazepínicos (diazepam) são funda-
corroborar a suspeita de intoxicação por mentais para o controle da agitação e dos
crack, deve atentar-se a presença de sintomas. A sedação adequada pode evitar o
queimaduras em pontas dos dedos, desenvolvimento de rabdomiólise, hiperter-
evidências frequentemente comuns nesses mia, hipertensão e convulsões (PAULO et
usuários. al., 2017).
Acerca disso, na abordagem do paciente
com suspeita de ter utilizado a cocaína é 3.11. Medicamentos
importante realizar algumas perguntas, bem 3.11.1. Antidepressivos triciclicos
como a via a qual foi utilizada, se houve Dentre os produtos farmacêuticos que
ingestão de pedras de crack, papelotes ou lideram o ranking por overdose estão os
pacotes de cocaína; quanto tempo após o antidepressivos (CHRISTOPHER M, et al.,
uso os sintomas se iniciaram, uma vez que 2013). Tendo em vista isso, é oportuno
pode ser uma síndrome de abstinência e não dissertar sobre o manejo das overdoses por
uma intoxicação; indagar se o paciente é antidepressivos tricíclicos (TCA). Cabe
etilista ou se associou a cocaína com bebida ressaltar que os TCA’s possuem efeitos no
alcoólica (maior toxicidade), uma vez que a sistema nervoso central, podendo levar a
atividade da colinesterase plasmática pode sonolência, depressão respiratória, convul-
estar diminuída, retardando a metaboliza- sões e delírios. Neste contexto, alguns
ção da cocaína; se a paciente for do sexo aspectos são considerados importantes para
feminino, perguntar se está grávida; pergun- a conduta destes casos, sendo eles a
tar sobre dor torácica ou abdominal, pen- avaliação inicial do paciente, descontami-
sando em angina, IAM ou infarto nação e o manejo ativo no pronto socorro.
mesentérico. A proteção das vias respiratórias deve
Para diagnóstico laboratorial, pode ser ser considerada ao avaliar a necessidade de
feito o exame específico com testes intubação e de sedação de pacientes
qualitativos em urina, que serão positivos agitados. Desse modo, alguns parâmetros
para cocaína não metabolizada até 6 a 12 h são utilizados, sendo eles a avaliação da
do uso. Além disso, é importante monitorar escala de coma de Glasgow bem como
eletrólitos, glicose, função renal, RX tórax avaliação do risco de aspiração pulmonar.
e abdome se dor torácica e abdominal, Nesse contexto, estudos concluíram que

42
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

aqueles pacientes que apresentam GCS período <8h, superiores a 10 g ou 150


menor ou igual a 8 devem ser submetidos à mg/kg em adultos. Em intoxicações
intubação imediatamente. Já aqueles que crônicas, doses cumulativas ingeridas num
apresentem GCS > 8 devem ser intubados período >8h, define-se como dose tóxica a
em situações específicas, tal como a ingesta de 10 g/dia por 2 dias em adultos
presença de comprometimento das vias O mecanismo de toxicidade relaciona-
aéreas, hipoventilação e convulsão refratá- se à ação de um metabólito gerado pela
ria. Em relação a sedação orienta-se o uso CYP2E1 (enzima do citocromo P450), o N-
de benzodiazepínicos para controle de acetil-p-benzoquinoneimina (NAPQI). Em
delírios bem como da agitação após a doses terapêuticas, este metabólito é conju-
overdose, se atentando sempre ao risco de gado e detoxificado pela glutationa hepática
aspiração pulmonar, situação a qual se (antioxidante). Em casos de superdosagem,
contraindica o uso dos benzodiazepínicos. quando os estoques de glutationa estão
Após verificar os riscos de aspiração depletados, inicia-se o processo de dano
pulmonar, é permitido o uso de carvão hepático. Ou seja, a quantidade livre de
ativado em pacientes com até 1 hora do NAPQI se liga rapidamente aos hepatócitos,
episódio de overdose. A impossibilidade de iniciando o processo de injúria e necrose
utilização do carvão ativado para hepatocelular centrolobular, que pode se
descontaminação intestinal, somado a seguir por uma resposta inflamatória
quadros de overdose com alto potencial de secundária a partir das células de Kupffer
risco de vida, de modo alternativo pode ser em um segundo estágio, estendendo a zona
feita a lavagem gástrica. Ressalta-se ainda de lesão hepática.
que, a lavagem gástrica pode ser feita No quadro de intoxicação aguda deve-
apenas em pacientes com intervalo de se solicitar primeiramente a dosagem sérica
tempo de até 1-2 horas após a ingestão das de Paracetamol e AST. Caso estejam altera-
drogas, bem como que apresente vias aéreas dos podem ser solicitados TP/INR, bilirru-
preservadas (BODY et al., 2011). binas, gama-GT, eletrólitos, fosfato, lactato,
e exames de função renal. Neste caso, os
3.11.2. Paracetamol exames de função hepática e o TP devem
O paracetamol é um dos medicamentos ser repetidos a cada 24h, até que os níveis
mais comuns em overdose, além disso, a de AST comecem a decair.
overdose por paracetamol eventualmente No manejo destes pacientes, o
está associada a complicações como insufi- tratamento de suporte deve ser instituído, a
ciência hepática. Nesse âmbito, é de grande partir da desobstrução das vias aéreas,
importância conhecer o manejo destes administração de oxigênio suplementar se
quadros a fim de prevenir as complicações necessário, monitorização dos sinais vitais,
mais frequentes, bem como a morte hidratação adequada e obtenção acesso
(ZIMMERMAN, 2003). venoso calibroso, além de coletar amostras
A dose tóxica do paracetamol é prevista biológicas para exames de rotina e
em ingestas agudas, doses cumulativas num toxicológicos. Posteriormente, para a des-

43
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

contaminação, administra-se carvão hepática em que se faz necessária a


ativado, dose de 1g/kg (máximo 50g) em até administração endovenosa. Após este
4h da ingesta ou em casos em que o tempo tempo, cada hora a mais gera uma queda na
de ingestão é indeterminado. efetividade. Feito isso, o seguimento do
A fim de repor os estoques de glutationa paciente deve ser realizado até que o nível
hepática, o antídoto N-Acetilcisteína sérico de paracetamol seja indetectável e a
(NAC) é utilizado, aumentando a conjuga- função hepática esteja próxima do normal
ção da glutationa substância ao NAPQI e (ZANARDO et al., [s.d.]).
sua consequente destoxificação. Para o
4. CONCLUSÃO
tratamento com a NAC, é necessário ter
indicação, sendo elas: concentração plas-
O manejo da overdose na urgência
mática de paracetamol acima ou na linha de
engloba intervenções rápidas e eficientes,
risco possível do nomograma, suspeita de
que visam monitorização de sinais vitais,
ingesta acima da dose tóxica quando não
avaliação das vias aéreas, estabilização
houver possibilidade de realização da
hemodinâmica e eletrolítica, administração
análise sérica em até 8h, paciente com
de agentes reversíveis da toxicidade
tempo de ingesta desconhecido e
induzida, coleta assertiva da história clínica
concentração sérica acima de 10 mcg/mL,
e solicitação de exames complementares.
ou história de ingesta da medicação
Ademais, é notória a importância epidemi-
associado a sinais de dano hepático.
ológica do abuso de substâncias, lícitas e
A terapia com NAC deve ser iniciada 8h
ilícitas, como um problema de saúde
após a ingesta, tendo como via de
pública, evidenciando necessidade da
administração a via oral ou endovenosa,
implementação de ações voltadas para
sendo que ambas têm eficácia semelhante,
educação em saúde da população geral.
exceto na presença de sinais de falência

44
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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https://decs.bvsalud.org/ths/resource/?id=54899. Acesso em: 19 abr. 2021.

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45
Capítulo 03
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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YOST, David. Acute care for alcohol intoxication. Postgraduate Medicine, v. 112, n. 6, p. 14–26, 2002.

46
Capítulo 46
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 04

AMPUTAÇÃO E PRÓTESE
DE MMII EM PACIENTES
VÍTIMAS DE TRAUMA:
UMA REVISÃO DE
LITERATURA

Palavras-chave: Amputação traumática; Reabilitação; Prótese.


CLAUDIO KALUME REIS¹
EMILIANO MIGUEL E. DOS SANTOS2
MIRIAM VITÓRIA R. DOS SANTOS3
VICTORIA ALMEIDA BRANCALHONI4
MARIA CLARA ROCHA ZICA5
DANIELLE SILVA BORGES6
GABRIELA MEDEIROS DE SOUZA7
RAISA NATALIA DOTTO8
BRUNA DAMASCENO DE ALMEIDA9
LARISSA MAIA LEMOS BARRETO9
RAISSA LOHAYNE PEREIRA9
ISABELLE SOUZA DO ROSÁRIO10
ÂNGELA CAROLINE DIAS ALBINO DESTRO DE MACÊDO11

1
Médico Ortopedista e Traumatologista – Instituto Doutor Jose Frota.
2
Discente – Instituto de Educação Superior do Vale do Parnaíba.
3
Discente – Universidade Federal da Fronteira Sul.
4
Discente – Centro Universitário FAM.
5
Discente – Centro Universitário de Brasília UniCEUB.
6
Discente – Universidade de Uberaba.
7
Discente – FACERES – São José do Rio Preto.
8
Discente – Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR.
9
Discente – Faculdade de Medicina de Barbacena – FAME/FUNJOB.
10
Discente - Centro Universitário do Estado do Pará – CESUPA.
11
Discente - Universidade Federal de Juiz de Fora

47
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO funcional e estético. Assim, o uso de


próteses pode servir como meio de fornecer
As amputações dos membros inferiores um recurso para aceitação de sua nova
são um grave problema de saúde, com altos identidade (POMARES et al., 2020).
índices de morbimortalidade e de relevante Experiências militares auxiliaram no
impacto social. As causas mais comuns que tratamento atual do amputado, com ênfase
levam à amputação são complicações do na reabilitação e tecnologia protética em
diabetes mellitus, doença vascular perifé- busca da recuperação da funcionalidade,
rica, neuropatia e trauma. Sobre essa última, além das melhorias nas formas de proteção,
ela se apresenta mais associada a nos cuidados médicos o que resultou no
consequências de combates militares e aumento de sobrevida de pacientes vítimas
acidentes civis, como automobilísticos ou de trauma (HERGERT et al., 2020;
relacionados ao trabalho na agricultura, EDWARDS et al., 2016).
com a população masculina aparentando ser O prognóstico é influenciado pela
o grupo mais prevalente (MOLINA; capacidade individual de aceitação da nova
FAULK, 2020). Assim, a fim de garantir situação, sendo essencial identificar os
maior autonomia e reinserção do indivíduo fatores críticos para a recuperação completa
à sociedade, essa população deve ser (POMARES, et al., 2020). Por fim, com o
reabilitada com prioridade, por uma equipe intuito de garantir maior autonomia e
multi e interdisciplinar, avaliando o pacien- reinserção do indivíduo à sociedade,
te integralmente. Atualmente, cuidados de cuidados de todos os aspectos de saúde do
todos os aspectos de saúde do indivíduo, indivíduo compõem a reabilitação do
físico e mental, compõem a reabilitação de amputado, sendo que um tratamento
amputados (EDWARDS et al., 2016). especializado com a abordagem de uma
O uso de sistemas de pontuação para equipe multi e interdisciplinar é primordial
avaliação de gravidade de lesões auxilia na para se alcançar resultados ideais (WEB-
predição de amputações, atentando a fatores STER., 2018). O presente capítulo de livro
associados a maior risco e que estão tem o objetivo de averiguar as melhores
prontamente disponíveis, sem necessidade soluções, atualmente disponíveis para
de uma bateria maior de exames. Para amputados de membros inferiores e desta-
auxiliar na predição de amputações car como a incorporação dessas soluções no
precoces e nas medidas de salvamento dos plano de reabilitação podem ajudar a
membros são utilizados os conhecimentos melhorar a qualidade de vida desses
do mecanismo de lesão, fratura associada, pacientes.
choque, lesão de tecidos moles
(SCHECHTMAN et al., 2020). 2. MÉTODO
Além disso, sabe-se o processo de
trauma com necessidade de amputação O presente trabalho consiste em uma
gera, além do choque físico, o choque revisão da literatura científica, desenvol-
psicológico, com sofrimento social, vida entre os meses de abril e junho de

48
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

2021, com abordagem de caráter qualitativa exclusão foram: artigos publicados são
sobre artigos publicados em idioma inglês, desfecho contundente aos objetivos, relatos
no qual foram utilizadas as bases de dados meramente narrativos e sem demonstração
da saúde como Biblioteca Nacional de de condutas adotadas e que não atendiam
Medicina dos Estados Unidos (PubMed) e aos demais critérios de inclusão.
ScienceDirect. Ademais, para a buscas dos A busca nas bases de dados resultou em
artigos foram utilizadas as palavras chaves, uma lista com mais de 400 títulos, entre
no idioma inglês: amputation; prostheses; artigos de revisão e arquivos de pesquisa,
trauma; Operador Booleano empregado foi sendo selecionado um total de 10 trabalhos
o “and”. Os artigos analisados foram publicados como fontes de desenvolvi-
oficialmente publicados entre 2008 e 2021, mento dos resultados e discussão.
com seus resumos disponíveis nos bancos Dessa maneira, foi desenvolvida uma
de dados informatizados da web e textos na tabela, nos resultados, a partir dos
integra podendo ser fornecidos pela fonte periódicos escolhidos para leitura e
original. exposição de informações, na qual foram
Os critérios de inclusão adotados para a divididas três colunas com as categorias:
seleção dos trabalhos compreenderam causa do trauma, procedimentos realizados
aqueles, que em sua descrição, apresen- e desfecho na vida do paciente; assim as
tavam causa do trauma, formas de manejo e linhas foram dedicadas a colocação das
resultados da conduta proposta; em prol de informações adquiridas a partir dos traba-
dispor pensamento crítico e ações ao lhos; quanto a discussão, essa estendeu-se a
profissional durante o atendimento de verificar tópicos e as consequências
pacientes acometidos por lesão traumáticas observadas a partir das leituras dos artigos.
de membros inferiores. Os critérios de

3. RESULTADOS

Tabela 4.1 Revisão de Literatura


Não há um impacto significativo
Utility of the Mangled na evolução das amputações ou
Tentativa de recuperação
Extremity Severity Score in Vítima de arma reconhecimento pelo Mangled
vascular precoce às
Predicting Amputation in explosiva com lesão Extremity Severity Score
amputações do membro
Military Lower Extremity vascular (MESS) que possa trazer
inferior.
Arterial Injury. benefícios para vítimas de
trauma militares.
Post-Traumatic Pacientes afro-americanos e
Amputations Epidemiology hispânicos geriátricos
and Outcomes Within the submetidos à amputação têm
Amputação dos membros
National Trauma Data Pacientes geriátrico maior probabilidade de
inferiores.
Bank: Improved Survival desenvolver fragilidades e,
Over Time Results in consequente, complicações pós-
Increased Population in cirurgia.

49
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Need of Rehabilitation
Support.
The Impact of a Limb
Isquemia aguda do
Preservation Service on the Utilização do Programa de O uso do LPS mostrou um
membro, trauma,
Incidence of Major serviços de preservação declínio favorável no número de
infecção e isquemia
Amputations for All dos membros (LPS) pré- amputações de etiologias
crônica com risco
Indications at a Level I amputação vasculares e não vasculares
do membro.
Trauma Center
Amputação seguida de
Amputações de membros colocação protética deve ser
Prosthetic Rehabilitation in Indianos vítimas de inferiores preservando associada à uma reabilitação do
the Lower Limb trauma. maximamente articulações paciente para que a prótese seja
e comprimento ósseo. favorável no auxílio de suas
atividades diárias.
As amputações acima do joelho
Outcomes in lower limb Amputação do membro favorecem melhores condições
amputation following amputação abaixo do de vida para o paciente, uma vez
Vítimas de trauma
trauma: A systematic joelho, direta do joelho e que reduz as dores pós-
review and meta-analysis acima do joelho. amputação e elevam a aderência
das próteses.
Tratamento do membro
Lower Limb Amputation
residual com controle da Cicatrização mais rápida do
Care Across the Active Amputações
dor e do edema, membro residual e adaptação à
Duty Military and Veteran traumáticas
manutenção da amplitude e prótese
Populations
utilização de próteses
Recrutamento para clínica
Identificar variáveis como
de reabilitação para
Pessoas submetidas etiologia e localização da
Prosthesis use in persons aplicação de questionários
a amputação de amputação, destacando os
with lower- and upper-limb que avaliam informações
membros superiores benefícios do uso de próteses
amputation sobre a amputação, uso de
e inferiores para melhora da qualidade de
próteses e aspectos sociais
vida do paciente
relevantes
Uso de tecnologias Garantia de bons resultados,
Prosthetic Rehabilitation in Indianos amputados modernas auxiliando na melhora da qualidade de vida e
the Lower Limb vítimas de trauma preparação pré-amputação, jovens com possibilidade de
pré-protética e no processo retorno às atividades de
de reabilitação contribuição social
Divisão dos pacientes em 4
Outcomes in lower limb grupos: amputação abaixo Pacientes com amputação direta
Amputação de
amputation following do joelho, amputação do joelho têm melhor qualidade
membros inferiores
trauma: A systematic acima do joelho, de vida do que aqueles com
pós-trauma
review and meta-analysis amputação direta do joelho amputação acima do joelho.
e amputação bilateral
Implante de prótese de Pacientes com prótese de
Osseointegrated prosthesis osseointegração (OIP) em osseointegração (OIP)
Amputação de
for patients with an pacientes com problemas melhoram a mobilidade e a
membro inferior
amputation relacionados ao encaixe da qualidade de vida
prótese

50
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

4. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO A amputação de um membro é um dos


recursos terapêuticos mais antigos da
4.1. Epidemiologia medicina. No caso de sua indicação no
A incidência mundial de amputação de trauma por lesões graves de nervos, artérias,
membros é estimada em mais de um milhão partes moles e ossos, esperava-se ocorrer
ao ano e, no Brasil, as amputações têm uma uma redução de sua incidência com o fim
incidência de cerca de 13,9 por 100.000 das grandes guerras. Entretanto, houve a
habitantes, apresentando prevalência de substituição do trauma de origem de
85% dos casos ocorrendo nos membros conflito militar pelo trauma de origem civil,
inferiores. Estudo realizado utilizando os especialmente em virtude dos acidentes de
dados do Sistema de Informações trânsito, seguidos pela violência urbana
Hospitalares do SUS (SIH SUS), eviden- (HERGERT, et al., 2020).
ciou que entre os anos de 2008 a 2015, o O mecanismo do trauma na síndrome do
Brasil apresentou um quantitativo de membro mutilado é, na sua maioria,
361.585 casos de amputação, onde as contuso, com lesões associadas que
regiões Sul, Sudeste e Nordeste, foram determinam a impossibilidade de revascu-
responsáveis por 88,13% dessas larização e, por isso, indica-se a amputação
(SCHECHTMAN, et al., 2021). traumática. Os traumas penetrantes que
A principal indicação de amputação envolvem grande perda tecidual como os
decorre de complicações de diabetes, da oriundos de projéteis de alta velocidade
doença aterosclerótica e de vasculopatias, também são relatados na literatura
embora ainda sejam poucos os estudos (HERGERT, et al., 2020). A amputação de
voltados a estabelecer a epidemiologia membros é o recurso final para evitar uma
dessa população (SCHECHTMAN, et al., doença crônico-degenerativa que evolui
2021). No entanto, apesar de ainda com isquemia e morte celular de uma
abrangerem o maior grupo de causas de extremidade ou para evitar um processo de
amputação de membros, pesquisas recentes destruição maciça que impede o
têm mostrado uma redução das taxas no restabelecimento circulatório (HERGERT,
grupo de pessoas com essas morbidades, o et al., 2020). As lesões traumáticas apresen-
que pode ser atribuído à detecção precoce tam um prognóstico ruim se o tratamento
de doenças e programas preventivos for retardado ou ineficiente, já que a maioria
implementados pela saúde pública (HER- delas são classificadas como feridas sujas
MINGWAY, 2021). Atualmente, os devido ao seu mecanismo de lesões. A
traumas são classificados como causas exemplo dessas situações, estão as lesões
bastante expressivas, principalmente em por esmagamento que podem culminar em
pacientes jovens, sendo a segunda indica- infecções com risco de vida e complicações
ção mais comum para amputação de sistêmicas na forma de síndrome de
membro (SCHECHTMAN, et al., 2021; esmagamento e síndrome de comparti-
HERGERT, et al., 2020; HERMINGWAY, mentos. Assim, a amputação oportuna do
2021) membro possui impacto na evolução do

51
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

quadro de vítimas de trauma, sendo um acometida por amputações traumáticas.


fator determinante na morbimortalidade do Estudos prévios, observaram que quanto
paciente (HERGERT, et al., 2020). mais jovem o indivíduo, maior a probabi-
A causa mais comum, entre as lidade de sofrer amputação traumática,
amputações traumáticas de membro, são os seguindo uma faixa etária abaixo dos 45
acidentes automobilísticos (HERGERT, et anos. Em Ribeirão Preto, por exemplo,
al., 2020). A melhora econômica da 81,5% dos casos de amputações traumá-
população de países em desenvolvimento, ticas, ocorreram em indivíduos abaixo dos
como o Brasil, e o incremento da produção 60 anos (SCHECHTMAN, et al., 2021).
da indústria automobilística associada a um Esse fator pode ser explicado devido as
número cada vez maior de veículos em pessoas mais jovens, apresentarem condici-
circulação acompanham-se de um absurdo onamento físico melhor que os idosos,
aumento de acidentes, que, frequentemente, sendo assim as atividades de lazer e de
envolvem traumas graves dos membros trabalho tendem a apresentar maior risco de
inferiores (HERGERT, et al., 2020). Além acidente (SCHECHTMAN, et al., 2021).
dos acidentes de automobilísticos, outros Nesse sentido, Ebskov, Schroeder e
mecanismos de trauma importantes na Holstein relatam dois picos na distribuição
determinação da amputação são as lesões de idade para amputações traumáticas
por esmagamento, queimaduras, choques sendo as masculinas entre 20-29 e 70-79 e
elétricos, traumas iatrogênicos, acidentes entre mulheres majoritariamente ocorre na
com máquinas e em ferrovias (SCHECHT- faixa etária de 70-79 anos. O pico relatado
MAN, et al., 2021; HERGERT, et al., entre os mais jovens pode ser atribuído,
2020). principalmente, aos acidentes de trabalho e
Foi evidenciado a prevalência do sexo automobilísticos, enquanto o pico posterior
masculino como o gênero mais acometido é relativo sobretudo às quedas (HER-
por amputações traumáticas (SCHECHT- MINGWAY, 2021).
MAN, et al., 2021). Este achado pode estar Embora as doenças vasculares e a
relacionado ao estilo de vida masculino, que diabetes tenham sido mais comumente
no geral, são expostos a atividades que associadas a amputações de membros
favoreçam o desenvolvimento de lesões inferiores, as amputações de membros
traumáticas com mais facilidade, principal- superiores representaram a grande maioria
mente aquelas preveníveis, como a (68,6%) de todas as amputações relacio-
condução inconsequente de veículos auto- nadas ao trauma (HERMINGWAY, 2021).
motivos e a falta de cuidado em comparação Em resumo, de acordo com os dados
ao sexo feminino, que é reconhecido pela analisados no presente casuístico, se
procura de acompanhamento clínico com concluiu que os jovens/adultos do sexo
mais frequência do que os homens masculino, configuraram o público de
(SCHECHTMAN, et al., 2021). maior risco para o desenvolvimento futuro
Além disso, a faixa etária dos jovens e de amputações traumáticas, principalmente
adultos foi evidenciada como a mais em membros superiores, porém, com um

52
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

melhor desfecho dos casos em relação aos estratificar a gravidade da lesão e prever a
demais tipos de amputações, recebendo alta necessidade de amputação, sendo o
por melhora com maior incidência em “Mangled Extremity Severity Score”
comparação as causas não traumáticas (MESS) um dos mais utilizados na
(SCHECHTMAN, et al., 2021). Sendo população em geral, exceto no caso de
assim, o número de vítimas é ascendente e, traumas militares, em que não há resultados
estas possuem, em sua maioria, uma claros sobre a eficácia do MESS
característica preocupante, que é a faixa (SCHECHTMAN, et al., 2021;
etária que compreende adultos jovens, que EDWARDS, et al., 2016)
são predominantemente economicamente Os componentes para avaliação da
ativos. Suas consequências seguem nas MESS foram desenvolvidos na década de
mesmas proporções, determinando um 90, em estudo onde todos os participantes
importante impacto social em razão das haviam sofrido trauma grave em membros
sequelas (HERGERT, et al., 2020). inferiores associado à lesão arterial. Nesse
Em relação às amputações decorrentes estudo, os pacientes que apresentam MESS
de causas traumáticas, é inevitável citar a maior ou igual a 7 necessitaram de
população dos veteranos de guerra que amputação, apresentando valor preditivo e
sofreram lesões em campo. A amputação negativo de 100%, consagrando esse
traumática de membros no campo de sistema na predição de amputações. Dentre
batalha é uma das mais debilitantes os fatores utilizados, estão inclusos o
consequências do conflito armado para a “injury severity score” (ISS), mecanismo de
saúde dos soldados afetados. Nesse sentido, lesão, tipo de fratura, choque e lesão de
o impacto se estende à além da dificuldade tecidos moles os mais comuns associados à
de mobilidade decorrente da perda do amputação (SCHECHTMAN, et al., 2021).
membro, já que esse trauma também afeta a Contudo, o estudo de Schechtman et al,
população no âmbito social, psicológico, utilizou apenas do mecanismo de lesão, ISS
entre outros, que serão discutidos posterior- alto, politrauma, fratura e transfusão
mente neste trabalho (EDWARDS, et al., maciça, que se mostrou inadequado.
2016). A estratificação de gravidade e a pre-
dição da amputação em vítimas militares
4.2. Estratificação de gravidade e tem pouca acurácia quando avaliado pelo
predição da amputação MESS. Isso pode ser explicado por fatores
Em situações de traumatismos graves de capazes de alterar a avaliação, como no caso
membros inferiores, principalmente em da homogeneidade demográfica, uma vez
caso de acometimento arterial, a diferenci- que são em sua maioria homens saudáveis
ação de uma lesão recuperável para uma entre 20 e 30 anos, além do mecanismo de
lesão que irá necessitar de amputação e a lesão que pode gerar um fator confusional
tomada de decisão rápida é de extrema adicional, pois as lesões por explosão estão
importância no desfecho do paciente. Desse relacionadas com desfechos mais graves
modo, existem escores que objetivam quando comparado à ferimentos por arma

53
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

de fogo, por exemplo (SCHECHTMAN, et Foi analisado que quando o compri-


al., 2021; WEBSTER, 2018). Sendo assim, mento ósseo é maior, a tendência é que a
fica clara a necessidade de um sistema mobilidade seja melhor, enquanto os outros
individualizado para ser aplicado entre fatores apresentaram divergências em
militares, que é um grupo de grande preva- diferentes estudos.
lência entre os amputados. Portanto, até que Quanto ao nível de amputação dos
um sistema de previsão para militares seja membros inferiores, foi observado uma
elaborado, devem ser mantidas tentativas maior prevalência abaixo do joelho, acima
agressivas de salvamento. do joelho e através do joelho, e o menos
comum é que ocorra a amputação bilateral.
4.3. Amputação Entretanto, evidenciou-se que pacientes
Uma vez que foi decidido pela com amputação através do joelho têm
realização da amputação, é importante melhor desfecho e, consequentemente, me-
preservar o máximo de articulações e o lhor qualidade de vida quando comparados
máximo de comprimento ósseo possível. àqueles com amputação acima do joelho.
Entretanto, o comprimento muito longo Portanto, é preferível manter um compri-
também não se mostra totalmente benéfico, mento ósseo maior e, quando possível, dar
pois se a distância entre o coto e o solo ou preferência à amputação através do joelho
entre o coto e próxima articulação for muito em comparação à amputação acima do
limitada, a função da prótese pode ser joelho (PEEN-BARWELL, 2011).
comprometida, gerando custos adicionais
para ajustes (O’KEEFEE, 2019). Desse 4.4. Colocação de prótese
modo, é importante que a decisão seja Após a realização da amputação e a alta
tomada de forma individualizada, de acordo hospitalar, há um intervalo entre 6 e 8
com a situação clínica e vontades do semanas que o paciente precisará aguardar
paciente, juntamente com um especialista até a colocação da prótese. Caso esse
informado sobre próteses. Além disso, o indivíduo não siga a processo de
indivíduo que passará pela amputação e reabilitação correto a colocação da prótese
pela colocação de prótese deve ser pode ser postergada, uma vez que o mesmo
informado e estar ciente de como será o poderá apresentar contraturas, perda de
procedimento, das possíveis complicações e força e ou equilíbrio, e amplitude de
dos resultados que poderão ser alcançados. movimento inadequada (O’KEEFEE, 2019;
Ao selecionar o nível de amputação PEEN-BARWELL, 2011). Portanto, é
diversos fatores são levados em indicado um protocolo a ser seguido
consideração, incluindo o funcionamento previamente à colocação da prótese.
físico, mobilidade, limitação, energia, dor e Esse protocolo inclui: (1) Terapia de
percepção de saúde. Foi observado uma edema, com enfaixamento do coto e
maior prevalência de amputações abaixo do colocação do membro residual acima do
joelho, acima do joelho e através do joelho nível do coração para melhorar o retorno
venoso. (2) Posicionamento adequado do

54
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

coto, devendo o paciente ser instruído a termos mais amplos, abordando a pessoa
manter o membro residual reto quando como um todo, indicando também que os
deitado e a não deixar que o membro fique fatores sociais, psicológicos e ambientais
pendurado quando sentado, podendo ser contribuem para a saúde e a qualidade de
usado uma prancha plana por baixo para vida (BRASIL ,2015; DE SOUZA & DE
apoio; (3) Mobilização do membro várias MATOS, 1999).
vezes ao dia; (4) Instruções quanto à O retorno à produtividade - aqui
realização de curativo e observação de entendido como retomada dos estudos e/ou
sinais de inflamação; (5) Treinamento trabalho - é tradicionalmente visto na
muscular; (6) Tratamento da cicatriz e sociedade contemporânea como proposta
preparação da pele, com indicação de central de vida e assume papel principal no
antissépticos e hidratantes, além de suprimento das necessidades econômicas e
massagem da cicatriz para cima. Além de autoestima. Por isso, a reabilitação tem
disso, poderão ser indicados objetos como principais objetivos ajudar o
texturizados, como feijão, arroz, palha e indivíduo a recuperar antigas ou criar novas
escova macia para dessensibilização da habilidades para manter relações sociais e
região; (7) Higiene do coto, em que paciente encorajar o desenvolvimento de novos
e seus cuidadores deverão ser instruídos a vínculos em substituição àqueles perdidos
lavar com água e sabão, e posteriormente após a lesão, promovendo seu retorno a
secar bem a ferida (O’KEEFEE, 2019). atividades como trabalho, estudo, ativi-
dades domésticas e outros relevantes.
4.5. Reabilitação Portanto, o retorno à produtividade é uma
Reabilitação é compreendida como um das metas na reabilitação e é particular-
processo que objetiva a capacitação e o mente relevante quando se examina o
alcance do máximo potencial de habilidades impacto econômico individual e social do
físicas, sensoriais, intelectuais, psicológicas trauma - a maioria de cujas vítimas são
e de funcionamento social. Este processo adultos jovens (BRASIL ,2015; DE
constitui-se de uma instrumentalização dos SOUZA & DE MATOS, 1999).
indivíduos com incapacidades, subsi-
diando-os com ferramentas necessárias para 4.5.1. Reabilitação Hospitalar
a obtenção de independência e auto- O acesso à reabilitação deve ocorrer já
determinação (DE SOUZA & DE MATOS, no ambiente hospitalar, assim que o
1999). indivíduo apresentar estabilidade clínica
Tradicionalmente, a reabilitação era após a situação traumática. Estudos na
focalizada no diagnóstico e tratamento literatura indicam que a reabilitação preco-
clínico, sendo seus resultados medidos por ce proporciona a otimização dos resultados,
indicadores objetivos, baseada em parâme- com maior recuperação funcional e redução
tros exclusivamente biomédicos. Hoje, os do tempo de internação e de duração do
modelos de reabilitação refletem uma processo de reabilitação (DE SOUZA & DE
mudança de paradigma e definem saúde em MATOS, 1999).

55
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Os objetivos da reabilitação precoce na  A mobilização passiva de todos os


fase aguda são: minimizar lesões secundá- segmentos, contribuindo para a manu-
rias e deficiências, prevenindo complica- tenção da amplitude articular, da
ções decorrentes do imobilismo (como: adequação do tônus, além de analgesia;
úlceras de pressão, limitações articulares,  A potencialização da mobilidade ativa
contraturas, espasticidade, infecções pul- voluntária e funcional, como: controle
monares, trombose venosa profunda e de tronco, uso funcional do membro
distúrbios neurovegetativos); facilitar a superior, trocas posturais como o rolar,
interação com o meio; promover o decúbito para sentado e sentado para
desmame progressivo dos suportes de ortostase, transferência da cadeira de
cuidado intensivo e prover informação rodas para outros assentos, para a cama,
adequada às famílias (DE SOUZA & DE equilíbrio em pé e marcha, à medida que
MATOS, 1999; CARVALHO & DE o indivíduo evolui também em relação a
MATOS, 2016). aspectos cognitivos (PEEN-BAR-
WELL, 2011; BRASIL, 2015; DE
4.5.2. Reabilitação Física SOUZA & DE MATOS, 1999).
A reabilitação física deve ser iniciada o Em vítimas gravemente feridas em ação
mais breve possível para minimizar os ou sofrendo de enfermidade musculoes-
efeitos deletérios da imobilidade, que além quelética debilitante como consequência de
de levar a limitações articulares, associam- seu serviço militar. Pode-se argumentar que
se a complicações clínicas (respiratórias, recursos físicos semelhantes também são
circulatórias, lesões de pele) e interferem necessários para traumas civis de amputa-
negativamente no prognóstico. Outro as- ção. Embora existam diferenças óbvias,
pecto importante será promover o reapren- especialmente no mecanismo de lesão,
dizado das funções sensório-motoras ambas as configurações resultam em
perdidas, por meio do mecanismo de rea- mudança de vida, lesões e semelhanças
daptação neural (BRASIL ,2015; DE existentes no atendimento cirúrgico
SOUZA & DE MATOS, 1999). imediato e reabilitação para fazer uma
Algumas medidas fundamentais na comparação direta que vale a pena (PEEN-
reabilitação física são: BARWELL, 2011).
 O posicionamento correto no leito, bem
como o incentivo a sua retirada, o treino 4.5.3. Reabilitação psicossocial da
da postura sentada e do ortostatismo, vítima
ainda que necessite de recursos como A maior parte das pessoas expostas a um
uma cadeira adaptada e uma prancha incidente traumático apresenta condições
ortostática. A adequação postural para retornar ao nível prévio de funcio-
promove alinhamento e inibe a influên- namento no período após a sua ocorrên-
cia de reflexos primitivos, principal- cia/resolução (quatro a seis semanas) e não
mente os tônicos, como os cervicais e os vai necessitar de qualquer tipo de
labirínticos; intervenção psicológica posteriormente. No

56
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

entanto, um número significativo de acesso à informação) sobre as mesmas e


pessoas que mantém os sintomas de estresse sobre aspetos gerais e/ou específicos
agudo ao longo do tempo (dependendo do necessários relacionados com o
tipo de incidente crítico, este período pode incidente crítico.
rondar os dois a cinco anos) os quais, sem c) Orientação: Após um trauma, e perante
uma intervenção adequada, aumentam a o desequilíbrio emocional provocado
probabilidade de desenvolvimento de s pelo mesmo, pode existir a necessidade
relacionados com o trauma, o Transtorno de de ensinar ou reorientar a pessoa para a
Estresse Agudo (TSA) e o Transtorno de utilização de estratégias mais adaptati-
Estresse Pós-Traumático (TSPT) (BRASIL vas com vista à resolução do incidente
,2015; DE SOUZA & DE MATOS, 1999; ou à sua adaptação e/ou aceitação do
CARVALHO & DE MATOS, 2016). mesmo, como a criação de um plano
O processo de reabilitação deve ter um para regressar à rotina e o retorno ao
enfoque psicossocial, compreendendo o nível prévio de funcionamento. Nesta
indivíduo em toda a sua complexidade. De fase, a resolução instrumental de
acordo com os parâmetros da Classificação problemas relacionados com o incidente
Internacional de Funcionalidade, crítico contribui para melhorar a
Incapacidade e Saúde (CIF), as dimensões percepção de eficácia para lidar com
pessoais e subjetivas, não só as físicas, dificuldades enquadradas nas “novas”
devem ser abordadas (CARVALHO & DE rotinas.
MATOS, 2016). d) Seguimento: O seguimento destina-se a
A intervenção psicossocial estruturada monitorizar a evolução do processo de
deve apresentar uma abordagem breve e adaptação emocional e às novas rotinas,
intensiva, apresentando 4 fases: bem como a sinalizar potenciais
a) Avaliação: Nesta fase deve ser feita a situações que devam ser alvo de
avaliação do estado emocional da referenciação para o sistema de saúde,
pessoa, das estratégias de coping com vista na avaliação e intervenção
utilizadas para lidar com o trauma, da especializada.
existência e disponibilidade de suporte
social e familiar, de necessidades 4.5.4. Reabilitação Interdisciplinar
específicas e da existência de condições Em todas as etapas dos cuidados, o
de segurança e risco (suicídio, entre processo de reabilitação de pessoas que
outros riscos). sofreram acidentes traumáticos requer uma
b) Psicoeducação: A normalização das abordagem global e interdisciplinar, que
reações emocionais, iniciada na envolve diferentes áreas de especialização,
intervenção psicossocial em crise uma vez que estas podem apresentar
durante o trauma, deve continuar a ser dificuldades ou desafios em várias áreas
feita sempre que necessário ao longo do (motora, neurológica, sensorial, neuropsi-
programa de intervenção, através do cológica, comunicação, socialização, entre
fornecimento de informação (ou do outras), demandando a necessidade de

57
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

avaliações e intervenções de uma equipe  Enfermeiro(a);


interdisciplinar (BRASIL, 2015).  Assistente social;
Trabalho em equipe integra o conheci-  Psicólogo;
mento e a experiência de profissionais em  Nutricionista;
diversas áreas de conhecimento, mas não é  Fisioterapeuta;
caracterizado pelas intervenções isoladas  Terapeuta ocupacional;
das diversas especialidades (BRASIL,
 Farmacêutico;
2015).
 Técnico de enfermagem;
Trabalho em equipe integra o
 Profissional com experiência ou capaci-
conhecimento e a experiência de profissio-
tação em reabilitação.
nais em diversas áreas de conhecimento,
mas não é caracterizado pelas intervenções
4.5.5. Participação da família
isoladas das diversas especialidades
Não existe cuidado e reabilitação sem a
(BRASIL, 2015).
participação da família, principalmente
Dessa forma, a atuação na área de
quando se trata de orientações e interven-
reabilitação pode ser qualificada pela ação
ções direcionadas à pessoa em reabilitação.
conjunta de profissionais, que propicia o
A família traz consigo conhecimentos sobre
estabelecimento de prioridades do processo
a pessoa vítima do incidente traumático,
de reabilitação, focos de ação e atividades
seja ela criança, adolescente, adulto ou
contextualizadas que abranjam mais de uma
idoso, e seu cotidiano que se somam, sendo
área do desenvolvimento. Essa ação
essenciais ao processo de tomada de
conjunta pode ser otimizada, em muitas
decisão. Assim, a família integra a equipe
situações, por atendimentos integrados, nos
interdisciplinar para que, juntos, encontrem
quais participam mais de um profissional,
caminhos para facilitar a aprendizagem e os
contribuindo para a observação das poten-
processos específicos do processo de
cialidades da pessoa a partir do olhar
cuidado e reabilitação, tomando como base
simultâneo de diferentes áreas e a discussão
motivações, capacidades e interesses indivi-
sobre as impressões, embasando o processo
duais dentro de seu contexto familiar e
de tomada de decisão.
sociocultural (BRASIL, 2015; DE SOUZA
Cada categoria profissional tem a sua
& DE MATOS, 1999).
forma de contribuir no processo de
reabilitação, sendo a troca de informações
4.5.6. Avaliação e elaboração de um
entre a equipe, o paciente e a família,
programa de reabilitação
atividade essencial e a forma mais efetiva
A avaliação da vítima é um componente
de alcançar resultados.
essencial na elaboração de um programa de
Equipe de profissionais para atendi-
reabilitação. É um processo dinâmico, no
mento de reabilitação:
qual se deve investigar os déficits presentes
 Médico fisiatra;
nas fases aguda e crônica para prever
 Médico psiquiatra; melhor o desfecho funcional. Proporciona a
 Fonoaudiólogo; base para a construção de estratégias
58
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

terapêuticas, que possibilitará maior grau de os pacientes para atingir o seu nível ótimo
autonomia, integração na comunidade e de bem-estar, reduzindo o impacto dos seus
melhoria na qualidade de vida do indivíduo. problemas na vida de cada dia e apoiar no
A avaliação requer uma abordagem retorno aos diferentes e mais apropriados
compreensiva e interdisciplinar para avaliar contextos de vida (DE SOUZA & DE
o quadro motor, a maioria dos domínios MATOS).
cognitivos, os sintomas psiquiátricos, os
fatores psicológicos, as variáveis psicos- 4.5.8. Contextualização do programa
sociais e o funcionamento. Deve ser capaz de reabilitação
de identificar as repercussões ou implica- É importante o planejamento do pro-
ções dos déficits no ‘mundo real’: “O grama de reabilitação contextualizado, isto
indivíduo com lesão cerebral apresenta é, baseado na vida da pessoa. As atividades
capacidade para retornar ao trabalho ou à de reabilitação devem ser conduzidas de
escola? Apresenta capacidade de viver maneira ecológica, dentro da estrutura
independente, administrando suas próprias cotidiana da pessoa. Por exemplo, um
finanças? Apresenta capacidade para adulto deve ser treinado a utilizar
conduzir sua própria vida? (BRASIL, 2015; novamente um cartão de crédito após o
CARVALHO & DE MATOS, 2016) ”. TCE, se essa atividade fazia parte de sua
Não é possível conceber um programa rotina anterior ou se tal tarefa passasse a
individualizado de reabilitação e desenvol- fazer parte do seu dia a dia; ou, ao escolher
vimento sem uma avaliação completa, cor- as atividades para uma criança, a família e a
reta e periódica de cada criança, adoles- equipe devem considerar não apenas o
cente, adulto ou idoso, em cada etapa dos estágio atual do seu desenvolvimento, mas
cuidados e do processo de reabilitação também a relação entre a atividade
(CARVALHO & DE MATOS, 2016). selecionada, a realidade cotidiana e a vida
diária da criança (PENNBARWELL, 2011;
4.5.7. Tempo de reabilitação BRASIL, 2015; DE SOUZA & DE
Quase todos os traumatizados passam MATOS, 1999).
por um processo de recuperação de grau O objetivo não é somente criar lugar e
variável, dependendo da gravidade e horários específicos para desenvolver as
número de lesões. A recuperação é mais atividades de reabilitação, sejam elas de
rápida nas primeiras semanas e mais lenta natureza motora ou neuropsicológica, mas
posteriormente, podendo estender-se até incluir as atividades de estimulação
dois anos, após o traumatismo (DE SOUZA naturalmente durante o dia e incorporá-las
& DE MATOS, 1999; CARVALHO & DE aos hábitos e à rotina diária, 47 garantindo
MATOS, 2016). assim, o alcance de melhores resultados
A recuperação pode ser medida em (BRASIL, 2015; DE SOUZA & DE
semanas, meses e anos e vai de acordo com MATOS, 1999; CARVALHO & DE
o grau da lesão do paciente. Dessa forma, o MATOS, 2016).
objetivo central da Reabilitação é capacitar

59
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

4.5.9. Reabilitação centrada na pessoa intervenção deve ser apoiada em um


A pessoa é o elemento-chave da equipe programa individualizado, apropriado ao
de cuidados e reabilitação. Ela é o foco do momento do curso de vida de cada pessoa
esforço da equipe e aquela que, em última (BRASIL, 2015; DE SOUZA & DE
instância, determina os resultados finais do MATOS, 1999).
processo. O foco da reabilitação deve ser o
alcance da autonomia pessoal e não da 4.5.10. Reabilitação na comunidade
deficiência. A prioridade máxima é com qualidade de vida
favorecer a retomada do controle da própria Independentemente da idade da pessoa
vida. Assim, ninguém mais do que a própria que sofreu trauma e do momento do seu
pessoa, dentro de suas limitações e curso de vida, o objetivo do processo de
capacidades, sinaliza o que é melhor para reabilitação é promover sua reintegração na
ela, qual a melhor maneira de viver sua vida comunidade. Neste processo, deve-se levar
e que atividades a deixaria mais integrada e em conta a percepção da pessoa em relação
satisfeita consigo mesma (PENN-BAR- à sua melhora e bem-estar, isto é, sua
WELL, 2011; BRASIL, 2015, CARVA- qualidade de vida (PENN-BARWELL,
LHO & DE MATOS, 2016). 2011; BRASIL, 2015; DE SOUZA & DE
A função do profissional da equipe de MATOS, 1999).
Saúde é ajudá-la a acessar todo o potencial A visão da reabilitação deve ser
e colaborar na descoberta de qual o melhor holística, integrada e focada no alcance do
caminho a tomar, pessoal e profissio- máximo desempenho funcional e bem-
nalmente, levando em consideração as estar.
alterações causadas pelo trauma. A

60
Capítulo 04
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Ministério da Saúde. Diretrizes de Atenção à Reabilitação da pessoa com Traumatismo
Cranioencefálico. Brasília DF., 2015. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_reabilitacao_pessoa_traumatisco_cranioencefalico.pdf.
Acesso em: maio,2021.

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Brasileira de Terapias Cognitivas, v. 12, p. 116-125, 2016.

DE SOUZA, R.M.C. & KOIZUMI, M.S. Vítimas de trauma crânio-encefálico e seu retorno a produtividade após 6
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FROLKE, J.P.M, et al. Osseointegrated prosthesis for patients with an amputation: Multidisciplinary team approach in
the Netherlands. Unfallchirurg, v. 120, p. 293-299, 2017.

HEMINGWAY, J. The Impact of a Limb Preservation Service on the Incidence of Major Amputations for All
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Bank: Improved Survival over Time Results in Increased Population in Need of Rehabilitation Support. Journal of the
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Disponível em <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK546594/>

O’KEEFEE, B. & ROUT, S. Prosthetic Rehabilitation in the Lower Limb. Indian Journal of Plastic Surgery, v.52, p.
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PENN-BARWELL, J.G. Outcomes in lower limb amputation following trauma: a systematic review and meta-analysis.
Injury, v. 42, p. 1474-1479, 2011.

POMARES, G. et al. TRAUMATIC UPPER-LIMB AMPUTATION: THE PROCESS TOWARD ACCEPTANCE.


ORTHOPAEDICS & TRAUMATOLOGY: SURGERY & RESEARCH, V. 106, P. 1419-1423, 2020.

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WEBSTER, J. Lower Limb Amputation Care across the Active Duty Military and Veteran Populations. Physical
Medicine and Rehabilitation Clinics of North America, v.1, p. 89-109, 2018.

61
Capítulo 05
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 05

INCIDÊNCIA DE
TRAUMATISMO
CRANIOENCEFÁLICO NO
BRASIL NOS ÚLTIMOS 10
ANOS: UMA REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA
Palavras-chave: Traumatismo cranioencefálico;
Trauma; Urgência.

LAURA VITÓRIA MELO GOMES¹


VICTÓRIA CÂNDIDO DA SILVA2
LETÍCIA RIBEIRO DE SOUZA MARTINS2
GEOVANA MARTINS BORGES2
LUDMILA FERRANTE SILVEIRA MAIA2

1
Discente - Medicina da Universidade de Rio Verde – Campus Goianésia.
2
Discente – Medicina da Faculdade Atenas – Campus Passos.

62
Capítulo 05
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO associam mais aos extremos de idade


(população pediátrica e indivíduos com
O Traumatismo Cranioencefálico mais de 65 anos de idade) (GAUDÊNCIO
(TCE) no Brasil, é um grave problema de TG, LEÃO GM et al., 2013).
saúde pública não só pela sua magnitude No Brasil, em 2008, as maiores taxas de
como, também, por atingir jovens em idade mortalidade por estas causas foram
produtiva, aumentando os gastos públicos encontradas nas regiões Sudeste e Nordeste
na forma direta com as despesas médicas e (KOOGAN; 2008).
na forma indireta, com o afastamento do O TCE, uma violência ao cérebro
trabalho e limitações físicas, resultando na ocasionada por uma força física externa,
perda da produtividade. Esse tipo de lesão, pode provocar alterações de consciência,
as traumáticas cranioencefálicas, acarretam comprometimento das capacidades cogniti-
alterações cognitivas, físicas e comporta- vas ou do funcionamento físico. Pode ser
mentais, por isso oneram o sistema de provisório ou permanente e causar distúrbio
saúde, podendo comprometer a Qualidade parcial ou total das funções físicas e
de Vida (QV) das vítimas e familiares. psicológicas (SMITH; et al.,WINKLER,
Além disso, mantém à margem do processo 1994). O trauma pode ser leve, moderado e
produtivo e social parte significativa da grave, de acordo com a escala de Coma de
população. Muitos pacientes conseguem Glasgow (CONTANT Narayan, et al.,
readquirir parte de suas funções, entretanto, 1996). Protocolos mais recentes indicam a
a grande maioria, apresenta déficits físicos TC nas primeiras três horas do traumatismo,
e cognitivos para o resto da vida (PASSOS, em pacientes com pontuação na ECG
2015). (Eletrocardiograma) < 15 e ECG = 15
Segundo a Organização Mundial de apresentando um ou mais dos seguintes
Saúde (OMS), os acidentes com trauma são achados: convulsão, cefaléia, vômitos,
considerados problemas de saúde pública e amnésia e/ou desmaio (Shackford SR, Wald
representam um problema social e SL, Ross SE, et al., 1992).
econômico em qualquer país (MELO; O objetivo do presente estudo é
SILVA; MOREIRA JÚNIOR, et al., 2004; evidenciar se houve um aumento ou uma
PEREL et al., 2006; SABACK; ALMEI- diminuição dos casos de TCEs, nos últimos
DA; ANDRADE, et al., 2007). 10 anos no Brasil (2010 a 2020) e o perfil
É um importante componente do perfil epidemiológico das vitimas destes aciden-
epidemiológico de traumas no Brasil e no tes.
mundo, o TCE, estando associado a
elevados níveis de morbimortalidade, 2. MÉTODO
principalmente em indivíduos com menos
de 45 anos de idade e naqueles com mais de Este estudo trata-se de uma revisão
65 anos. Tal evento apresenta relação bibliográfica, de caráter qualitativo, realiza-
íntima com acidentes motociclísticos no da no período de março de 2021 a maio de
primeiro grupo, assim como as quedas se 2021, por meio de pesquisas nas bases de

63
Capítulo 05
TRAUMA E EMERGÊNCIA

dados PubMed, SciELO, Ministério da apresentou como a principal vítima do TCE


Saúde (MS) e Google Acadêmico. em todos os anos analisados, com uma
Foram utilizados os descritores: “trau- média de 578,6. Já no sexo feminino, a
matismo caranioencefálico”; “trauma” e média foi 194,8. A faixa etária mais
“acidente de trânsito”. Desta forma foram prevalente foi até os 40 anos, com média de
encontrados 20 artigos, posteriormente 458 casos anuais.
submetidos aos critérios de seleção. O artigo “TCE em UTI:
Os critérios de inclusão foram: artigos Epidemiologia, Tratamento e Mortalida-
nos idiomas português, inglês e espanhol; de no Maranhão”, Brasil, publicado em
publicados no período de 2009 a 2021 e que 2019, foi um estudo descritivo analítico,
abordavam as temáticas propostas para esta tipo corte transversal realizado no Hospital
pesquisa, estudos do tipo revisão, disponibi- Municipal de Imperatriz. Contou com um
lizados na íntegra. Os critérios de exclusão total de 62 pacientes, com faixa etária
foram: artigos duplicados, que não estavam mínima de 18 anos e máxima com pacientes
no período adequado, não abordavam acima de 60. O sexo masculino predominou
diretamente a proposta estudada e que não com 95,2% dos casos, enquanto o feminino
atendiam aos demais critérios de inclusão. registrou apenas 4,8% desse total. Além
Após análise de seleção restaram 15 disso, a idade entre 18 e 30 anos apresentou
artigos que foram submetidos à leitura 24 casos, sendo o maior número, e em
minuciosa para a coleta de dados e seguida 31 e 40 anos, com 15 casos. Os
selecionados para aplicação no trabalho. Os maiores registros foram no fim de semana,
resultados foram apresentados em tabelas e, com 38,8%.
de forma descritiva, divididos em categorias Em relação ao artigo “Perfil epidemi-
temáticas abordando o perfil epidemio- ológico do traumatismo cranioencefálico
lógico, manejo e conduta do TCE. no Nordeste do Brasil”, publicado em
2021, foi um estudo exploratório, descri-
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO tivo, epidemiológico, de série temporal,
realizado de janeiro de 2009 a dezembro de
Foram analisados oito artigos, com o 2019. Nesse período, a região Nordeste
intuito de identificar as características registrou 299.001 internações por TCE. Os
epidemiológicas do TCE. O primeiro artigo maiores números de internações foram do
analisado foi “Epidemiologia de trauma- sexo masculino com 78,9% do total e, em
tismo cranioencefálico em um hospital”, relação a faixa etária, a terceira década
publicado em 2017, é um estudo apresentou-se com os maiores números,
transversal, a qual a amostra foi composta registrando 22,5%, enquanto a quarta
por 4.466 pacientes admitidos com TCE década, 17,5% dos casos. Bahia foi o estado
entre os anos 2010 e 2015 em um hospital com maiores internações, sendo 73.133.
de Uberlândia (MG). Essa prevalência foi Outro artigo, “Traumatismo cranioen-
comparada em três grupos de idade: até os cefálico no Brasil: Análise Epidemio-
40 anos, entre 41 e 80 anos e acima dos 80 lógica’, publicado em 2020, trata-se de um
anos. No estudo, o sexo masculino se estudo descritivo, em que os dados foram

64
Capítulo 05
TRAUMA E EMERGÊNCIA

obtidos através de abordagem documental”. emergência”, publicado em 2021, foi


O período analisado foi de janeiro de 2010 realizado no Hospital HEURO no período
a dezembro de 2019, sendo registradas de maio a outubro do ano de 2020. É uma
1.045.070 internações por TCE. Desse total, pesquisa qualitativa e quantitativa,
76,23% eram do sexo masculino, e a faixa exploratória e descritiva, que teve um total
etária predominante foi entre 20 a 29 anos, de 41 pacientes. A maioria, sendo 78%
registrando 17,65% das internações. eram do sexo masculino. Quanto ao óbito, o
O artigo “Internamentos e óbitos índice foi de 51%.
causados por trauma crânio encefálico O artigo “Perfil Clínico-
notificados no Paraná no período de Epidemiológico de indivíduos com
Janeiro de 2014 a Agosto de 2019”, histórico de traumatismo
publicado em 2020, foi realizado por uma cranioencefálico”, publicado em 2018, é
análise retrospectiva baseada em banco de um estudo epidemiológico, realizado no
dados do Departamento de Informática do Hospital Geral Prado Valadares (HGPV)
Sistema Único de Saúde (DATASUS). em Jequié (BA). Esse estudo contou com
Foram registrados 58.655 internamentos, uma amostra de 1.140 pacientes internados.
sendo que desse total 42.174 (71,89%) eram Desses, 934 (81,9%) eram do sexo
homens, e 12.502 (21,31%) eram pacientes masculino, e 206 (18,1%) do feminino. O
com mais de 60 anos. Em relação a óbitos maior grupo etário registrado foi dos 20 aos
por TCE, o estudo registrou 3.255 nesse 29 anos, com 297 (26,4%) dos casos. Em
período, sendo que 78,58% eram do gênero seguida, dos 40 aos 49 anos com 241
masculino. Idosos apresentaram 38,27% e a (21,4%) e, em terceiro lugar, 30 aos 39
faixa etária entre 20 e 59 anos registrou anos, com 200 (17,8%) internações. Através
óbito de 59,45% dos casos. da pesquisa realizada, foram selecionados 8
Além desses, o artigo “Perfil artigos, os quais possuem suas caracterís-
epidemiológico de pacientes adultos com ticas evidenciada na tabela abaixo (Tabela
traumatismo cranioencefálico grave na 5.1).
rede SUS do Distrito Federal: um estudo
retrospectivo”, publicado em 2020, foi um A conduta de vítimas de traumatismo
estudo retrospectivo com coleta de dados crânio encefálico deve ser realizada através
em prontuário eletrônico, entre 01 de do ABCDE do Advanced Trauma Life
janeiro e 31 de dezembro do ano de 2015. Support (ATLS), o qual se aplica para todos
Foram selecionados 439 pacientes, mas 227 os pacientes com quadro crítico, e em
foram os que preencheram todos os critérios qualquer idade (Colégio Americano, 2014;
de elegibilidade. 84% eram do gênero THIM et al., 2012). A primeira etapa é
masculino, e a média de idade foi de 38 estabilizar a coluna cervical da vítima e
anos. Excluiram-se pacientes com idade logo após, avaliar as vias aéreas, deixando-
inferior a 18 anos. as pérvias por meio das manobras de
Ademais, o artigo “Perfil de pacientes desobstrução (GENTILE et al., 2011). Em
com traumatismo crânio encefálico segundo lugar, examina-se a respiração e
atendidos em um hospital de urgência e ventilação, se estiverem inadequados é
65
Capítulo 05
TRAUMA E EMERGÊNCIA

importante um suporte ventilatório (THIM fim, é realizada a exposição da vítima,


et al., 2012). Depois disso, pesquisa-se por observando todo o seu corpo a procura de
hemorragias, sendo que a melhor forma de sangramentos, manchas na pele e sinais de
contê-las é por compressão direta do foco. traumas. Além disso, vale ressaltar a
(BEURAN et al., 2012). Já o exame importância em controlar a temperatura do
neurológico, tem como alvo principal local, para que o paciente não perca calor
diminuir qualquer probabilidade de lesão (THIM et al., 2012). O objetivo dessas
secundária. Ele é realizado com o auxilio da condutas no TCE é melhorar tanto a
Escala de Coma de Glasgow (ECG), a qual oxigenação dos tecidos quanto a perfusão
mede a resposta motora, verbal e abertura cerebral, além de dificultar lesões
ocular (Colégio Americano, 20114). Por secundárias (SANTOS, 2012).

Tabela 5.1 Tabela das características gerais dos artigos selecionados


Delineamento
Título dos artigos País/Ano Amostra
do estudo
A amostra foi composta por 4.466 pacientes
admitidos com TCE entre 2010 e 2015 em um
Epidemiologia de traumatismo Estudo
BRASIL, 2017 hospital de Uberlândia (MG). Comparou a
cranioencefálico em um hospital Transversal
prevalência em três grupos de idade: até os 40 anos,
entre 41 e 80 anos e acima dos 80 anos.
A análise desse estudo contou com um total de 62
TCE em UTI: Epidemiologia, pacientes, sendo que desses, 95,2% eram do sexo
Estudo Descritivo
Tratamento e Mortalidade no BRASIL, 2019 masculino e apenas 4,8% do sexo masculino. A faixa
Analítico
Maranhão, Brasil etária entre 18 e 30 anos foi a predominante, com 24
pacientes.

A amostra desse estudo obteve um total de 299.001


Perfil epidemiológico do
Estudo internações. 78,9% eram do sexo masculino, e a
traumatismo cranioencefálico no BRASIL, 2021
Epidemiológico terceira e quarta década registraram as maiores faixas
Nordeste do Brasil
etárias, com 22,5% e 17,5%, respectivamente.

A população desse estudo foi representada pelos


pacientes vítimas de TCE internados na rede pública
Traumatismo cranioencefálico no
BRASIL, 2020 Estudo Descritivo hospitalar, sendo registradas 1.045.070. A faixa etária
Brasil: Análise Epidemiológica
predominante foi de 20 a 29 anos, responsável por
17,65% das internações.

No período da pesquisa ocorreram 58.655


Internamentos e óbitos causados
internamentos no estado do Paraná, sendo que desses,
por trauma crânio encefálico Análise
BRASIL, 2019 71,89% eram do sexo masculino. Quanto aos óbitos,
notificados no Paraná no período de Epidemiológica
foram um total de 3.255, sendo a maioria pacientes
Janeiro de 2014 a Agosto de 2019.
(38,27 %) com 60 anos ou mais.

Perfil epidemiológico de pacientes


Foram admitidos 439 pacientes na UTI neurotrauma.
adultos com traumatismo
Estudo Destes 227 preencheram os critérios de elegibilidade
cranioencefálico grave na rede SUS BRASIL, 2020
Retrospectivo e todos foram analisados. 84% são do sexo masculino
do Distrito Federal: um estudo
e a média de idade foi 38 anos.
retrospectivo.

66
Capítulo 05
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Perfil de pacientes com


traumatismo cranio encefálico Foram identificados 41 pacientes. Destes, 71% são do
BRASIL, 2021 Caso em série
atendidos em um hospital de sexo masculino.
urgência e emergência.
Amostra total do estudo contém 1.140 casos de
Perfil Clínico- Epidemiológico de
BRASIL, 2018 Estudo internações, os quais 81,9% são do sexo masculino e
indivíduos com histórico de
Epidemiológico a faixa etária 20-29 anos apresentou-se como a mais
traumatismo cranioencefálico.
alta, com 26,4% dos casos.

No escopo deste estudo, observou-se grande número de internações e óbitos.


um total de 1.408.662 vítimas admitidas Sendo assim, conclui-se que através da
com TCE, no período de janeiro de 2009 à coleta de dados feita sobre TCE, 1.408.662
outubro de 2020, em várias regiões do pessoas entre os anos de 2009 a 2020 obteve
Brasil. Os estudos abrangeram idades de a doença no Brasil. A análise feita sugere
crianças menores de 1 ano até idosos com que pacientes até 40 anos têm maiores
mais de 80 anos. Pacientes com faixa etária chances de internação. Além disso, foi
até 40 anos apresentaram a maior incidência evidenciado que o índice de TCE é maior
das internações em todos os estudos. Em em homens, com cerca de 77% dos casos, e
relação ao sexo, o masculino em todas as mulheres com cerca de 23%, independente
idades apresentou os maiores números de da idade.
internações, com 77% dos casos e um Dessa forma, é necessário que haja uma
número de 1.079.429 pacientes. Já o sexo avaliação primária adequada dos profissio-
feminino, ocupa 23% com 329.233 do total nais da saúde sobre os manejos do protocolo
de casos. ABCDE, a fim de diminuir sequelas e
também impedir novas lesões Nesse
aspecto, há uma necessidade de novos
4. CONCLUSÃO
estudos para abordar novas condutas de
O traumatismo crânio encefálico é um
prevenção e diminuir esses índices na
problema de saúde pública no Brasil, com
sociedade.

67
Capítulo 05
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BEURAN M, Negoi I, Paun S, Runcanu A, Gaspar B, Vartic M. Trauma scores: a review of the literature. Chirurgia
(Bucur). 2012;107(3):291-7

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FEITOSA, M. D. S. TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO: morbidade e a mortalidade. XV Encontro Latino


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TORQUATO, K. D. D. S. PROGNÓSTICO E REABILITAÇÃO DOS PACIENTES COM TRAUMATISMO


CRANIOCEREBRAL: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA. Revista Interdisciplinar em Saúde,
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XENOFONTE, Marcelo Rafael; MARQUES, Consuelo Penha Castro. Perfil epidemiológico do traumatismo
cranioencefálico no Nordeste do Brasil. Revista Brasileira de Neurologia, v. 57, n. 1, 2021.

68
Capítulo 05
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 06
INTUBAÇÃO
ACORDADO COM
FIBROSCÓPIO EM
VÍTIMA DE TRAUMA
MAXILOFACIAL

Palavras-chave: Intubação; Trauma de face; Via aérea difícil.

FERNANDA FERREIRA DE MORAIS¹


FILIPE ALTINO DE OLIVERIA²
GABRIELA SALDES CAMPOS PEREIRA³
RENATA DE PAULA LIAN4
WISTAN LUIZ MAGUETAS FILHO5

1
Discente – Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
2
Médico – Anestesiologista da Anestesiologia da Pontifícia Universidade
Católica de Campinas.
3
Discente - Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas
69
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO dade das estruturas ósseas e pervidade das


vias aéreas. É fundamental assegurar que
Anestesia em pacientes politrauma- essas fraturas não desloquem posterior-
tizados apresenta inúmeros desafios, mente da maxila, o que produz edema e
especialmente quando há comprometi- oclui a via aérea (LOUIS et al., 2017).
mento facial, não somente de partes moles, Diante desse cenário, é de grande interesse
bem como estruturas ósseas. O manejo do determinar se o caso se trata de uma VAD
paciente politraumatizado deve seguir o que são comuns na prática da emergência,
protocolo do ABCDE do trauma, uma vez com estimativas de 20% de todas as
que esses pacientes estão sob risco de vida intubações do setor (ELEUTÉRIO, 2014;
e enquadram-se na emergência do WALLS, MURPHY, 2011).
atendimento. Para otimizar o atendimento Sabe-se que os casos de insuficiência
inicial, eles podem ser categorizados na respiratória, TCE (traumatismo crânio-
Classificação de ASA (American Society of encefálico) com Glasgow ≤ 8, lesões de vias
Anesthesiologists) e após a assistência aéreas superiores, fraturas complexas de
inicial, parte-se para o tratamento das face, hematoma cervical expansivo e
fraturas de face, cuja única exceção é caso queimadura de vias aéreas são indicações de
essas fraturas estejam obstruindo as vias via aérea definitiva. Existem algumas
aéreas por compressão de estruturas ou opções de via aérea definitiva como
sangramentos intensos. intubação orotraqueal (IOT), intubação
Classificação de ASA se dá, resumi- nasotraqueal (INT), traqueostomia e
damente por seis tipos de estados: paciente cricotireoidostomia e que para cada tipo
com saúde normal; paciente com alterações existem suas particularidades como
sistêmicas moderados; paciente com indicações e contraindicações (AMERI-
alteração sistêmica grave; pacientes com CAN COLLEGE OF SURGEONS, 2008).
alterações sistêmicas graves que repre- Em casos de fratura complexa de face e
sentam risco de vida; pacientes moribundos suspeita de lesão de laringe a IOT está
que não tem expectativa de sobrevivência contraindicada, quanto à INT apneia é
sem intervenção cirúrgica; morte cerebral contra- indicação absoluta e suspeita de
declarada em que os órgãos estão sob fratura de base de crânio chama a atenção
proposta de doação. para a contraindicação, já que pode levar a
Outra classificação usada no contexto lesão cerebral. A cricotireoidostomia
de identificação de fraturas traumáticas de cirúrgica é contra- indicada em lesões de
face é a classificação de Le Fort, cujas laringe e em crianças menores de 12 anos
etiologias são de baixa e alta energia. Ela (AMERICAN COLLEGE OF SURGE-
fornece ao anestesiologista que tipo de ONS, 2008). Alguns percalços podem
fratura de terço médio de face determinado dificultar a colocação de uma via aérea
paciente apresenta na emergência (LOUIS definitiva e são enquadradas em VAD (via
et al., 2017). aérea difícil).
O manejo desses pacientes se baseia na VAD é uma situação clínica em que um
restauração da arquitetura facial, integri- anestesista treinado convencionalmente

72
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

passa por dificuldade para ventilar um descritores: "facial fracture", "le fort
paciente com máscara facial, intubação fracture". Desta busca foram encontrados
traqueal ou ambas. (ASA, 2013). Nos casos 58 artigos, posteriormente submetidos aos
de intubação traqueal, a dificuldade pode critérios de seleção.
ser explícita em casos de trauma facial e Os critérios de inclusão foram: artigos
com abertura bucal menor de 3 cm. Para nos idiomas inglês, espanhol e português;
detalhar com mais precisão como proceder publicados no período dos últimos 5 anos e
em relação ao manejo na emergência de que abordavam as temáticas propostas para
uma via aérea difícil utilizam-se diretrizes, esta pesquisa, estudos do tipo revisão bem
principalmente o ASA, e assim é possível como diretrizes, disponibilizados na
garantir uma boa ventilação ao paciente. íntegra. Os critérios de exclusão foram:
A intubação traqueal acordada com artigos duplicados, artigos pagos, disponi-
fibroscopia flexível (fibroscópio de fibra bilizados na forma de resumo, que não
óptica) é a técnica ideal para gerenciar a abordavam diretamente a proposta estudada
VAD antecipada com paciente acordado em e que não atendiam aos demais critérios de
ventilação espontânea. Além disso, todas as inclusão.
sociedades incluíram a cricotireoidostomia Após os critérios de seleção restaram 2
para o gerenciamento de um cenário “não artigos que foram submetidos à leitura
intubo, não oxigeno" (NINO) (SLULLITEL minuciosa para a coleta de dados. Os
e OLIVEIRA, 2018). resultados foram apresentados de forma
Uma nova atualização dessas diretrizes descritiva com base na âncora teórica
propõe que haja substituição da máscara referente ao manejo de trauma facial e via
laríngea por dispositivos extra-glóticos e a aérea difícil.
adição da videolaringoscopia seja usada Ademais, foram usados para base teó-
como método de primeira escolha para a rica do presente trabalho livros referentes a
intubação traqueal nos casos de VAD Traumatologia, Anestesiologia e Manejo de
(SLULLITEL e OLIVEIRA, 2018). Via Aérea desenvolvidos pelo UNA-SUS,
O objetivo deste estudo foi demonstrar Sociedade Brasileira de Anestesiologia e
a utilização da diretriz ASA para o manejo demais fontes e artigos disponibilizados
de um paciente com via aérea difícil de durante Curso de Treinamento de Via Aérea
emergência, ou seja, cujo tratamento pelo Centro de Treinamento de Vias Aéreas
demanda raciocínio rápido, planejado e (CTVA).
conciso a fim de salvar o paciente com o
menor dano possível. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

2. MÉTODO O relato de caso utilizado como base


para nosso capítulo é referente a um
Trata-se de uma revisão sistemática paciente masculino de 32 anos, 69 kg, 1,72
realizada no período de 01/06/2021 a m de altura, ASA 2 por etilismo, vítima de
10/06/2021, por meio de pesquisas na base trauma de corpo estranho - barra de ferro -
de dados PubMed. Foram utilizados os transfixando maxila à direita e mandíbula à
73
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

esquerda, encaminhado ao serviço para acordo com traumas com etiologias


retirada do corpo estranho cirurgicamente traumáticas de baixa e alta energia (LOUIS
24 horas após o trauma. O paciente se et al., 2017), visando classificar os tipos de
encontrava hemodinamicamente estável, fratura de terço médio da face, ou seja,
em ventilação espontânea, mantendo satu- maxila, zigomáticos e ossos nasais, consi-
ração de 100% em ar ambiente, no entanto, derando que podemos encontrar por vezes,
não era possível abertura bucal maior que 2 mais de um tipo de fratura em um mesmo
cm. Ademais, em tomografia computado- paciente (SANTOS e MEURER, 2013).
rizada de crânio e face, não foi encontrada Destaca-se que este tipo de fraturas tende a
fratura de base de crânio. se apresentar como distorção e alongamento
Após a admissão e atendimento inicial, facial acompanhados por mobilidade
foi realizada nebulização com 6 mL de maxilar, instabilidade da face média e má
lidocaína 2% para anestesia tópica, bem oclusão (LOUIS et al., 2017).
como bloqueio do nervo laríngeo recorrente A fratura Le Fort I é aquela cuja qual
bilateral com 3 mL de lidocaína 1%, temos fratura maxilar horizontal, causando
bloqueio transcricotireoideano com 5 mL descontinuidade entre a mesma, acima dos
de lidocaína 1% e sedação venosa com dentes, e os ossos esfenoide, nasais e zigo-
Dexmedetomidina 1,0 mcg/Kg por 10 mático, sendo identificada por meio da
minutos, seguida de manutenção com 0,2 mobilidade alveolar de toda maxila durante
mcg/Kg/h. a palpação dental da mesma. Caso exista
Em seguida, foi aplicado lidocaína gel e fratura em múltiplos segmentos, é necessá-
vasoconstritor nasal para inserção de ria fixação provisória seguida de redução e
fibroscópio para realização de intubação fixação cirúrgicas (SANTOS e MEURER,
nasal. Procedeu-se então a intubação nasal 2013).
sob fibroscopia com tubo número 6,5 com Já fraturas Le Fort II e III são causadas
Cuff bem-sucedida seguida de anestesia por lesões em regiões mais superiores da
geral com Propofol 2 mg/Kg, Fentanil 5 face, sendo o primeiro tipo definido por
mcg/Kg e Rocurônio 0,6 mg/Kg após separação do complexo naso-orbital da
confirmação da INT por ausculta pulmonar maxila, de forma que, ao exame físico, nota-
e capnografia. A manutenção anestésica foi se que o complexo nasal se move em
realizada via inalatória utilizando Sevoflu- conjunto com a maxila (LOUIS et al., 2017)
rano 25 ml/h. O procedimento durou 2 horas e o segundo por separação do complexo
e 40 minutos, sem intercorrências. Ao final, naso-orbital, ossos etmoides, zigomáticos e
o paciente foi extubado e encaminhado à maxila, sendo ambos os casos normalmente
sala de recuperação após a conclusão da acompanhados por outras fraturas corporais
intervenção. e complicações traumáticas.
Com relação ao caso discutido, pode-
3.1. Classificação de Le Fort mos classificá-lo como Le Fort 1, tendo em
A classificação de fraturas Le Fort foi vista o acometimento apenas mandibular,
criada, em sua forma inicial em 1901 de

74
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

preservando demais áreas do terço médio da interincisivos de ao menos 3 cm, além de


face. que a anatomia do pescoço e sua mobilidade
O manejo destes casos se baseia, devem ser avaliados por meio de
resumidamente, na restauração da arquite- mensuração da circunferência do mesmo e
tura facial, bem como na integridade das análise de desvios dos eixos oral, faríngeo e
suas estruturas ósseas, como órbitas e ossos traqueal e possíveis cicatrizes locais.
nasais. É essencial a manutenção de via Concomitantemente, devem ser avaliadas
aérea pérvia, dado que estas fraturas tendem dentição, características faciais, nariz e
a causar deslocamento posterior da maxila língua, com foco ao último aspecto, dado o
acompanhados por edema, ocluindo a impacto no campo de visão criado pelo
mesma (LOUIS et al., 2017). laringoscópio (ORTENZI, 2018).
Devemos destacar também, ao exame
3.2. Preditores de Via Aérea Difícil físico, a obesidade, muitas vezes avaliada
A definição de VAD é uma situação por meio do IMC do paciente. Esta
clínica em que um anestesiologista treinado comorbidade, além de se relacionar a
convencionalmente passa por dificuldade patologias relevantes na análise pré-
para ventilar um paciente com máscara anestésica como a Apneia Obstrutiva do
facial, intubação traqueal ou ambas (ASA, Sono, pode se associar a uma VAD
2013). imprevisível em casos de obesidade
Os preditores de VAD são diversos. mórbida e em aumentos de IMC sutis por
Durante a anamnese podemos reconhecer conta das alterações encontradas fora do
alguns destes, como ansiedade, história estado de vigília dos pacientes. No entanto,
prévia de VAD e diversas condições médi- no primeiro caso os pacientes possuem
cas. Algumas destas merecem destaque, tendência a dessaturação e dificuldade de
como: acromegalia pela presença da intubação após a indução de anestesia,
macroglossia, alterações anatômicas larín- levando a uma intubação precoce com o
geas e prognatismo; artrite reumatóide pela paciente acordado (LANGERTON et al.,
alteração de mobilidade articular, impactan- 2000).
do nas manobras possíveis para intubação; Ademais, podemos realizar exames
doença cardiopulmonar em decorrência do complementares em casos de suspeita de
menor tempo possível em apneia para alterações que impactem na implementação
realização de laringoscopia; obesidade por de via aérea (VA). Um exemplo de uso é
conta do prejuízo de mobilidade e acúmulo para controle de via aérea e avaliação pré-
de gordura em região cervical (ORTENZI, anestésica por meio de ultrassonografia de
2018). pescoço, visando avaliar dimensões da
Durante o exame físico, é possível traqueia, confirmação da intubação adequa-
identificar essa dificuldade por meio de da, bloqueios nervosos para via aérea
outros artifícios. A abertura da boca é um (ORTENZI, 2018).
dos importantes preditivos, de forma que é Com relação a ventilação sob máscara,
considerada adequada caso exista distância além de fatores como presença de barba e

75
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

ausência de dentição, responsáveis pela Bang, indicativo do risco desta patologia,


diminuição da vedação da máscara facial e visto que pontuações maiores ou iguais a 3
consequente dificuldade de ventilação com indicam intubação traqueal difícil (ITD)
pressão positiva (LANGERTON et al, (ORTENZI, 2018). Ressalta-se que pode
2000), os 5 critérios preditores de impossi- ser visto impacto semelhante ao da apneia
bilidade da mesma são: classificação de obstrutiva do sono em pacientes sob
Mallampati maior ou igual a III, radiação ou indução anestésica que sofrem com
massa no pescoço, sexo masculino, deslocamento posterior de palato mole,
distância tireomentoniana limitada, presen- língua e epiglote ou casos de tentativa de
ça de dentes e IMC maior ou igual a inspiração do paciente em anestesia geral,
30kg/m2 (ORTENZI, 2018). causando colapso faríngeo secundário
Com relação ao nosso caso, podemos (LANGERTON et al., 2000).
definir que o uso de ventilação sob máscara Já no caso de intubação traqueal, a
é complicado considerando que o paciente dificuldade pode ser explícita em casos de
cumpre critérios de dificuldade para a trauma facial, pescoço curto, histórico de
mesma - como ser do sexo masculino -, VAD, dentre outros casos, ou inesperada,
além de apresentar trauma facial com podendo ser avaliada por meio do teste de
alojamento de corpo estranho, dificultando Mallampati modificado, demonstrado na
o posicionamento adequado da máscara Figura 6.1, de forma que, quanto maior a
facial. classificação, maior a dificuldade de intuba-
A partir destes preditores, subentende- ção embora este teste seja considerado
se a relevância da apneia obstrutiva do sono, limitado. Ressalta-se que nas gestantes, esta
a qual se relaciona com tais alterações e classificação é variável durante os
pode ser avaliada pelo questionário STOP- momentos do parto (ORTENZI, 2018).

Figura 6.1 Classificação do Teste de


Mallampati modificado

Legenda: Classe I - visibilidade do palato


móvel, úvula e pilares; classe II -
visibilidade de palato mole e úvula; classe
III - visibilidade do palato mole e base da
úvula; classe IV - invisibilidade de todas
estruturas, inclusive palato mole Fonte:
Ortenzi et al., 2018.

Além da classificação citada anterior- lábio superior, empregado para avaliação da


mente, diversas outras foram desenvolvi- mobilidade temporomandibular e prever
das, como índice de Wilson e col. e índice ITD caso a manobra não seja possível e a
de Arné e col. para predição de VAD. Pode classe avançada, consequentemente (OR-
ser realizado também o teste de mordida no TENZI, 2018).
76
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Outra forma de avaliação empregada é a com alguns critérios e busca de achados


mensuração das distâncias tireomentoniana relevantes para intubação, os quais são
e esternomentoniana, de forma que, caso a apresentados na tabela 6.1, sendo realizada
primeira seja menor que 6 cm ou a segunda de forma rápida durante a laringoscopia
menor que 12,5 cm, a intubação será difícil. seguindo o julgamento do médico
Ademais, de acordo com ASA, a avaliação responsável pelo procedimento (ORTENZI,
pré-anestésica deve ser realizada de acordo 2018).

Tabela 6.1 Tabela referente à avaliação pré-anestésica das vias aéreas de acordo com achados
não desejáveis e seus respectivos significados

Fonte: Controle da Via Aérea - CVA. Ortenzi, 2018.

2
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Por fim, vale ressaltar alguns mnemô- dificuldade na colocação de dispositivo


nicos empregados: LEMON, para previsão extra glótico; e SMART para cricotireoi-
de VAD; ROMAN, para dificuldade na dostomia difícil (ORTENZI, 2018), como
ventilação sob máscara; RODS, para visto na tabela 6.2.

Tabela 6.2 Tabela referente aos Mnemônicos LEMON e ROMAN de Preditores de VA Difícil.

Mnemônico Avaliações

LEMON L - Look externally: observar a VA do paciente e avaliar de acordo com a sua subjetividade;
E - Evaluate: siga a regra 3-3-2; paciente deve conseguir colocar 3 de seus dedos entre os
incisivos superiores e inferiores ao abrir a boca, 3 dos próprios dedos entre o ápice do mento e
osso hióide e 2 de seus dedos entre osso hióide e incisura tireóidea;
M - Mallampati: avaliar a classificação de acordo com classes de Mallampati;
O - Obesity/obstruction: avaliar 4 principais sinais de obstrução de VA - voz abafada, deglutição
difícil, estridor e dispnéia;
N - Neck mobility: avaliar mobilidade do pescoço do paciente;

ROMAN R - Radiação e restrição;


O - Triplo "O": obesidade, obstrução e apneia obstrutiva do sono;
M - Mallampati, Masculino e Máscara;
A - Age: idade;
N - "No teeth": ausência de dentição;

Com relação ao nosso caso, nota-se que mais experientes e serviços hospitalares têm
o paciente possui dificuldade de abertura seus próprios protocolos e opiniões de como
bucal, de forma que não é atendida a regra proceder frente a uma VAD e nesse sentido,
“3-3-2” referente a avaliação pré- estudos foram realizados a fim de compilar
anestésica, na qual é prevista VAD caso o a melhor prática diante de pacientes
paciente não possua distância de 3 dedos complicados mesmo que para anestesistas
entre incisivos superiores e inferiores. experientes.
Ressalta-se que o trauma facial, além de A utilidade de algoritmos é discutida e
dificultar a ventilação sob máscara, é mais tem seus prós e contras como por exemplo
um dos preditivos de VAD neste paciente. a padronização de técnicas em pacientes
críticos pode ser discutida em relação à
3.3. Algoritmo de Via Aérea Difícil individualidade de cada caso. Ao passo que
Os algoritmos de VAD foram um procedimento pode ser aplicado em uma
formulados a fim de padronizar o manejo de população, ele pode não ser aplicável a um
pacientes que têm preditores de VAD e paciente específico e este vir a óbito por
evitar consequências adversas como lesão conta de uma não individualização de
cerebral. Eles são procedimentos “passo a procedimento.
passo” ou “árvore de decisão'' para orientar Diante desse cenário, atualmente,
o praticante através do diagnóstico e diretrizes (guidelines), algoritmos, políticas
tratamento de vários problemas clínicos práticas, recomendações, opções, estraté-
(SLULLITEL e OLIVEIRA, 2018). gias são todas voluntárias, ou seja, cabe ao
Acontece que na prática clínica os médicos médico avaliar no momento de sua prática

1
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

profissional o que cabe a cada caso. No ● Consideração de VLC (videolaringoscópio)


entanto um modelo/ padrão (Standards) são para intubação quando houver suspeita de
obrigatórios, que são aqueles princípios dificuldade;
geralmente aceitos para o gerenciamento de ● Adição de VLC a abordagens de intubação
pacientes; exceções são raras e o fracasso difícil alternativa, uma vez que uma VAD
em seguir é muitas vezes difícil de justificar for encontrada;
(SLULLITEL e OLIVEIRA, 2018). ● Remoção da broncoscopia rígida e do
É comum que cada sociedade de Combitube como dispositivos para ventila-
anestesiologia publique suas próprias ção de emergência não invasiva das VAs
diretrizes em relação ao manejo da VAD. (vias aéreas);
Apesar do grande número de variações, ● Limitar as opções de emergência das VAs
todas as sociedades nacionais consideram a não invasivas para ventilação na situação
intubação traqueal acordada com NINO para o uso de um DEG;
fibroscopia flexível como a técnica ideal ● A ventilação com jato e a intubação retró-
para gerenciar a VAD antecipada, seja essa grada também são consideradas técnicas
IOT ou INT. Além disso, todas as invasivas das VAs, além das técnicas
sociedades incluíram a cricotireoidostomia cirúrgicas e percutâneas.
para o gerenciamento de um cenário “não A ASA ainda propõe alguns cuidados
intubo, não oxigeno" (NINO) (SLULLITEL nos casos de VAD, em que a intubação e a
e OLIVEIRA, 2018). ventilação por máscara sejam difíceis, a
Uma nova atualização dessas diretrizes princípio a via aérea dos pacientes deve
propõe que haja substituição da máscara sempre estar protegida, sendo que é
laríngea por outros dispositivos extragló- equívoco achar que essa preocupação se
ticos e a adição da videolaringoscopia, é inicia após a indução anestésica geral, com
provável que de agora em diante, pelas o paciente desacordado. É de extrema
sociedades nacionais, a videolarin-goscopia importância que o médico e o paciente
seja usada como método de primeira estejam preparados para uma ITA adequa-
escolha para a intubação traqueal nos casos da, desde posição até a presença de todo o
de VAD. (SLULLITEL e OLIVEIRA, material utilizado no procedimento a dispor
2018). do anestesiologista (SLULLITEL e
O algoritmo da VAD da ASA de 2013 OLIVEIRA, 2018).
difere em algumas questões do algoritmo de Outro ponto importante é que qualquer
2003 e são elas: (SLULLITEL e OLIVEI- técnica de intubação será bem-sucedida
RA, 2018). com o paciente acordado provavelmente, já
● Substituição de ML (máscara laríngea) por com o paciente desacordado/ inconsciente
DEG (dispositivo extraglótico) em todo o ou em que foi administrado BNM (bloquea-
algoritmo; dor neuromuscular) e a intubação for difícil,
● Adição de avaliação de inserção difícil de é válido salientar alguns cuidados, já que a
DEG; possibilidade de ventilação malsucedida é
aumentada (SLULLITEL e OLIVEIRA,
2018). É por esse motivo que no caso
79
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

relatado foi escolhida a INT acordado com flexível, o que compete com o método
ventilação otimizada. escolhido pela equipe médica do caso.
Muitas tentativas de intubação devem
ser evitadas, pois a passagem do tubo de 3.4. Preparo da Sala Cirúrgica para
intubação e o laringoscópio podem induzir Abordagem de Via Aérea do Trauma
edema laríngeo e hemorragia podem se O anestesiologista tem importante papel
desenvolver progressivamente e isso com- em evitar lesões secundárias ao trauma,
plicar ainda mais a ventilação adequada, sendo fundamental que obtenha informa-
mesmo que com máscara. Nesses casos o ções do paciente repassadas pelo SAMU
ideal é acordar o paciente e administrar precocemente. Em cirurgia de trauma, o
anestesia regional (com anestésicos locais), fator tempo é primordial a fim de evitar que
ou prosseguir usando ventilação com hipotermia, acidose e coagulopatia se
máscara ou dispositivo extraglóticos se for desenvolvam. A comunicação com o banco
apropriado, ou até mesmo seguir com de sangue para acionar o protocolo de
cricotireoidostomia extraglóticos (SLUL- transfusão maciça deve ser feita ainda no
LITEL e OLIVEIRA, 2018). atendimento pré-hospitalar (MILLER,
No caso de necessidade de dispositivo 2015).
extraglótico, a situação passa a ser de No preparo da sala cirúrgica, deve-se
emergência já que o paciente está sem checar ventilador pulmonar e monitor
aporte de oxigênio e tende a fazer acidose, multiparamétrico com cardioscópio, oxime-
acúmulo de lactato e sua vida passa a correr tria de pulso, capnografia, pressão arterial
riscos. Se mesmo assim a ventilação não for não invasiva, e aferidor de temperatura.
possível, configura-se em NINO (não Monitorização invasiva pode- se fazer
intubo, não ventilo), em que a necessária, mas não deve postergar o início
cricotireoidostomia é utilizada (SLUL- da cirurgia devendo ocorrer concomitante a
LITEL e OLIVEIRA, 2018). mesma (MILLER, 2015).
Com relação ao caso relatado podemos Material para via aérea difícil deve estar
identificar que o paciente foi intubado disponível nos centros de trauma, visto que
acordado e escolhida a INT por fibroscopia, muitos pacientes têm trauma de face e
isso porque trata-se de um paciente do fazem uso de colar cervical, o que pode
trauma com fratura de face que necessita, dificultar o manuseio da via aérea.
por indicação, de via aérea definitiva. Além Situações de via aérea difícil prevista, como
disso, o paciente é enquadrado em VAD já no caso relatado, tornam necessária o uso de
que tem abertura oral menor de 3 cm, aparatos de manejo de via aérea mais
trauma facial e é do sexo masculino, o que tecnológicos e eficazes. Além de materiais
dificulta a ventilação sob máscara facial. como máscara facial com bolsa e válvula
Diante desse cenário, o manejo da via aérea unidirecional, cânula de guedel, laringos-
desse paciente de acordo com o algoritmo cópio com lâminas de diversos tamanhos,
do ASA seria a intubação traqueal acordado inclusive possibilidade de lâmina com
em ventilação espontânea com fibroscopia ponta articulada, guias introdutores traque-
ais (bougie, fio-guia e estilete luminoso) e

80
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

dispositivos extraglóticos (máscara laríngea vidro flexíveis e finas capazes de transmitir


e combitube). É necessário a presença de luz, consequentemente uma imagem, ao
um videolaringoscópio e de um fibroscópio longo se seu trajeto.
flexível junto de um profissional adequada- A maioria dos modelos permite um
mente treinado para manuseá-los. campo de visão de 120 graus e possuem
O videolaringoscópio é um dispositivo uma alavanca de controle de direção que é
que permite a intubação traqueal por acionada pelo polegar do operador e
visualização indireta, através de uma possibilita mobilidade da ponta distal do
câmera locada na ponta lâmina do aparelho atingindo uma variação total de
videolaringoscópio e uma tela acoplada ao 240 graus. Além disso mudanças laterais no
cabo. Permite uma melhor visualização da campo de visão podem ser obtidas pela
laringe em casos em que a lâmina de rotação de todo conjunto do corpo do
Macintosh do laringoscópio tradicional não fibroscópio e sua haste flexível (ORTENZI,
atinge adequada visualização já que a 2018). O preparo do paciente com a
lâmina do videolaringoscópio possuí maior finalidade de obter uma boa colaboração
angulação. A laringoscopia direta permite durante o procedimento de intubação
um ângulo de observação limitado a 15 através de fibroscopia flexível é fundamen-
graus, enquanto as lâminas de videolarin- tal para o sucesso do procedimento sem
goscópio podem variar entre 60 e 80 graus. intercorrências. Esse preparo é alcançado
A videolaringoscopia muda o conceito de transmitindo informações ao paciente
obtenção de linhas de visão com previamente, realizando uma sedação
alinhamento de eixos oral, laríngeo e consciente e anestesia da via aérea para
faríngeo, transmitindo a visão para uma tela promover conforto. Após preparo adequado
de vídeo independente da linha de visão do paciente procede-se com a intubação via
(ORTENZI, 2018). nasotraqueal ou orotraqueal. A cânula
A intubação por fibroscopia flexível é traqueal pode ser montada no fibroscópio
considera abordagem padrão-ouro para o flexível e avançada após a identificação da
controle da VAD antecipada em paciente traqueia.
colaborativo e em ventilação espontânea. Na escassez de material, o acesso
Suas indicações incluem história clínica cirúrgico da via aérea pode ser necessário
e/ou exame físico com suspeita de VAD, na impossibilidade de intubação. Aspirador
resgate de falha de intubação traqueal, com sonda orotraqueal se faz necessário
prevenção de mobilidade cervical em para retirar sangue e retorno de conteúdo
pacientes de alto risco, traumatismo de gástrico que podem dificultar a visualização
cabeça, pescoço ou via aérea superior. Suas da glote (MILLER, 2015).
contraindicações absolutas são paciente Em caso de instabilidade hemodinâ-
completamente não cooperativo, falta de mica, o anestesiologista deve requisitar
capacitação, obstrução completa das vias bombas de infusão contínua, drogas
aéreas superiores e hipoxemia não corrigida vasoativas, soluções cristaloides aquecidas,
(ORTENZI, 2018). A tecnologia na qual o material para acesso venoso central, pressão
fibroscópio flexível se baseia são fibras de arterial invasiva e cateterização vesical.
81
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Quando disponível, aparelho de ultrassono- glóticas devem ser anestesiadas. A


grafia, ecocardiografia, monitores de débito nebulização com aerossol de lidocaína se
cardíaco são recursos de grande valia, mostra uma técnica eficaz por ser de fácil
auxiliando na obtenção de acessos venosos aplicação e ser uma técnica segura. É
e guiando reposição volêmica (MILLER, necessário um nebulizador simples com 6
2015) ml de lidocaína 2% e fluxo de O2 entre 4
Aparelhos de gasometria e tromboe- L/min a 6 L/min. Sprays anestésicos de
lastografia quando disponíveis no centro lidocaína bem como géis também podem
cirúrgico, oferecem informações impor- ser utilizados para essa anestesia tópica. A
tantes sobre acidose, perfusão periférica, lidocaína ainda pode ser injetada através do
anemia, distúrbios eletrolíticos e coagulo- canal de trabalho do fibroscópio flexível,
patias. Mantas térmicas, e rapid infuser para técnica chamada de “spray as you go”.
aquecimentos de líquidos contribuem para A injeção de lidocaína através da
evitar a hipotermia (MILLER, 2015). membrana cricotireóidea objetiva aneste-
siar a traqueia. Essa membrana é
3.5. Sedação identificada colocando-se um dedo na
A sedação venosa no manejo de uma via cartilagem tireoide e outro na cartilagem
aérea difícil se faz útil nos casos de cricóide, podendo ser utilizado um aparelho
intubação acordado. Objetiva ansiólise, de USG para auxílio. É realizada punção da
manutenção de um padrão respiratório membrana com auxílio de um cateter
espontâneo, analgesia e amnésia que podem venoso, ar deve ser aspirado para provar a
ser atingidos com a seleção correta de localização correta do cateter e 4-6 ml de
agentes. O Midazolam se destaca entre os lidocaína 1% é injetado, ocasionando um
benzodiazepínicos por ter meia-vida curta, reflexo de tosse no paciente que dispersa o
ser mais potente que o Diazepam e anestésico local.
promover amnésia anterógrada. A Bloqueio de nervos podem auxiliar no
Dexmedetomidina, um agonista alfa2- manejo de uma intubação acordado.
adrenérgico, também é bem indicada para Notados por serem de fácil realização,
esse tipo de sedação para intubação apresentarem baixos riscos ao paciente,
acordado, pois promove sedação e anal- ablação sensorial do local envolvido de
gesia, reduzindo a resposta hemodinâmica à rápido início. Guiados pela anatomia ou
intubação sem causar depressão com auxílio de um USG os nervos que
respiratória. É iniciada com um bolus de 1 podem ser bloqueados são esfenopalatino,
mcg/Kg realizado em 10 minutos e com glossofaríngeo, etmoidal anterior, laríngeo
manutenção de 0,2 a 0,5 mcg/Kg/h superior e laríngeo recorrente (ORTENZI,
(ORTENZI, 2018). 2018). No caso relatado, foi escolhido
bloqueio do nervo laríngeo recorrente
3.6. Anestesia das vias aéreas bilateral para anestesia de estruturas
superiores e bloqueio de nervos subglóticas, com injeção de 3 ml de
Para INT a cavidade nasal, a nasofa- lidocaína 1% através de cada lado da
ringe, orofaringe e as estruturas supra membrana cricotireóidea, o USG pode
82
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

ajudar a identificar essa membrana de forma analgesia pós-operatória. Os demais opioi-


rápida e segura. des podem ser utilizados, mas cursam com
diminuição da frequência cardíaca e
3.7. Indução anestésica hipotensão arterial, devendo-se utilizar
Na sala cirúrgica proceder à doses pequenas e preparar vasopressores
identificação do paciente quando o mesmo caso seja necessário (BARASH, 2017).
estiver consciente, monitorização com Hipnose frequentemente é obtida com
cardioscópio, oxímetro, pressão arterial não Propofol, utilizado no caso relatado, ou
invasiva e termômetro, verificar a Etomidato. O Propofol na dose de 1 a 2 mg/
existência de acesso venoso ou intraósseo kg reduz a resistência vascular periférica
obtido no atendimento pré-hospitalar. podendo levar a hipotensão arterial
Cuidado no posicionamento do paciente, importante nos casos de choque
sobretudo quando lesão cervical ou hipovolêmico, tem como vantagem início
instabilidade de pelve, garantir imobiliza- de ação rápido, proteção contra êmese,
ção. Os braços do paciente devem ficar diminuição do metabolismo cerebral e não
abduzidos de modo a garantir um fácil ocasiona supressão adrenal. A adminis-
acesso ao membro a partir do início da tração de Etomidato resulta em queda
cirurgia (BARASH, 2017). mínima da resistência vascular periférica,
Realizar antibioticoprofilaxia e preparo mas pode cursar com espasmos musculares
de medicações simultaneamente a pré- involuntários e supressão adrenal
oxigenação do paciente, que pode ser (BARASH, 2017).
otimizada quando conscientes através de A Cetamina na dose de 1mg/kg confere
inspirações forçadas. A indução anestésica analgesia e hipnose mantendo o paciente
deve garantir analgesia, hipnose e relaxa- hemodinamicamente estável devido sua
mento muscular. No contexto do trauma é atividade simpática ocasionar aumento da
importante escolher os medicamentos com frequência cardíaca e hipertensão arterial.
menor repercussão hemodinâmica e realizar Pode ser utilizada de forma isolada, ou em
ajuste de dose de acordo com o quadro conjunto com o Fentanil e Propofol para
clínico do paciente (MILLER, 2015). promover estabilidade hemodinâmica. A
A analgesia é obtida através do uso de cetamina provoca alucinações e aumento
opioides, sendo o Fentanil, utilizado no caso discreto na pressão intracraniana em
na anestesia geral, o mais utilizado em pacientes respirando espontaneamente, isso
virtude de causar pouca instabilidade é reduzido quando o paciente está em
cardiovascular quando comparado ao Al- ventilação controlada com níveis adequa-
fentanil, Sufentanil e Remifentanil. Doses dos de CO2, e com outros sedativos
baixas de Fentanil como 1 a 2 ug/Kg não associados. Os benzodiazepínicos como o
provocam hipotensão arterial relevante e Midazolam na dose de 0,1 mg/kg reduzem
possui tempo de latência pequeno sendo a ansiedade, provoca amnésia e inibe os
seguro seu uso no trauma. Morfina pelo seu efeitos adversos dos psicotrópicos
início de ação lento, não deve ser utilizada (BARASH, 2017).
na indução, mas tem papel importante em
83
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

A imobilidade do paciente é feita disglicemia e hiponatremia a fim de evitar


através dos bloqueadores neuromusculares. piora do edema cerebral possivelmente
A Succinilcolina (1 mg/kg) é um relaxante presente nestes quadros (MILLER, 2015).
muscular despolarizante que produz condi- Concomitantemente, é fundamental que
ções de intubação em 30 a 45 segundos. o anestesiologista diferencie a hipotensão
Entretanto, seu uso está contraindicado arterial decorrente de choque hipovolêmico,
quando suspeita de hipercalemia decorrente manifestada por taquicardia compensatória
de queimaduras extensas, esmagamentos de visando manutenção do débito cardíaco, da
membros com rabdomiólise e insuficiência hipotensão por agentes anestésicos, a qual
renal. O Rocurônio (0,6 a 1,2mg/kg) usado cursa com bradicardia, além de ser é
no caso para indução anestésica é um necessário verificar se o aumento da fre-
relaxante muscular adespolarizante que quência cardíaca possui etiologia relaciona-
possui uma latência curta e não ocasiona da à hipovolemia ou à dor decorrente de
contrações musculares involuntárias, o que analgesia inadequada, embora exista grande
predisporia à broncoaspiração, sendo este dificuldade para tal, visto que pacientes
fármaco uma opção segura para pacientes hipovolêmicos não vão cursar com
com hipercalemia suspeita (BARASH, hipertensão arterial na vigência de dor
2017). (MILLER, 2015).
Deve ser mantida atenção para não
3.8. Manutenção anestésica manter o plano anestésico superficialmente
A manutenção anestésica pode ser em decorrência do choque hipovolêmico, o
realizada através da infusão contínua de que pode resultar em memória implícita do
Propofol ou por anestésicos inalatórios. O paciente. Se disponível, a monitorização do
Sevoflurano, usado no caso para a manuten- índice biespectral pode fornecer parâmetros
ção anestésica, é bastante utilizado tendo sobre profundidade da anestesia e atividade
em vista sua mínima repercussão cerebral. Além deste cuidado, alterações
hemodinâmica quando comparado ao hemodinâmicas devem ser corrigidas com
Isoflurano (MILLER, 2015). mínimo de cristaloide e drogas vasoativas,
Ademais, a reposição volêmica, drogas da mesma forma que quando suspeitarmos
vasoativas e hemoderivados podem ser de dor devemos fornecer mais opioides
necessários para manter pressão arterial (BARASH, 2017).
média (PAM) acima de 55 mmHg, de forma Durante a manutenção é oportuno cole-
a favorecer a oferta de oxigênio aos tecidos, tar hemograma, coagulograma, fibrinogê-
e, consequentemente, prevenir lesão renal nio, e gasometria arterial seriada que
aguda e miocárdica. Ressalta-se que com servem de parâmetros para verificar se
trauma cranioencefálico associados, estamos atingindo os objetivos propostos e
demandam PAM acima de 80 mmHg otimizarmos a perfusão tecidual (BARA-
visando garantir pressão de perfusão SH, 2017).
cerebral adequada contrapondo o aumento Com relação ao paciente atendido no
da pressão intracraniana. Como demais caso relatado, foi realizada manutenção
intervenções, é necessária correção de anestésica com Sevoflurano no lugar de
84
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Isoflurano, considerando que o paciente se Ademais, a relação entre sucesso de manejo


encontra em estado de risco para do paciente traumatizado e emprego de
instabilidade hemodinâmica por conta do técnicas adequadas é explicitada por meio
traumatismo sofrido e este fármaco, como da relação teórico-prática trazida pela
já dito, possui menor impacto hemodi- explicitação de conceitos básicos de
nâmico (BAGATINI, 2016). Anestesiologia e da Traumatologia, bem
como pelo relato de caso apresentado.
4. CONCLUSÃO Portanto, nota-se que é imprescindível a
capacitação de profissionais relacionados
Conclui-se com o presente trabalho a ao manejo de pacientes do trauma visando
relevância da utilização da diretriz ASA melhores resultados nos atendimentos.
para o manejo de um paciente com via aérea
difícil em situação de emergência, ou seja,
cujo tratamento demanda raciocínio rápido,
planejado e conciso a fim de salvar o
paciente com o menor dano possível.

85
Capítulo 06
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Curso de Alunos, 8ª ed., 2008.

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86
Capítulo 07
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 07
SERVIÇOS DE EMERGÊNCIA
DURANTE PANDEMIA DA
COVID-19: PROCURA POR
ATENDIMENTO E ADEQUAÇÃO
DOS SERVIÇOS

Palavras-chave: Emergência; Infecção por coronavírus; Pandemia.

MARCOS TORRES DE BRITO FILHO ¹


SARAH SOUZA MARQUES ¹
HÉLDER SANTOS GONÇALVES 2
ANA CAROLINE GUSMÃO DE MATOS 2
ALESSANDRO SANTOS FERREIRA 2
ROBERTA KAYANE SILVA LEAL ¹
JOSÉ ABIMAEL DA SILVA SANTOS ¹
MONIQUE LORDELO DA SILVA DE SANTANA ¹
MATHEUS MARTINS PEREIRA²
RENATO MORAIS DE A. MESQUITA JUNIOR3
CARLA VIVIANE FREITAS DE JESUS4

1
Discente - Medicina da Universidade Federal de Sergipe.
2
Discente – Medicina de Universidade Tiradentes.
3
Docente – Medicina da Universidade Federal de Sergipe.
4
Discente – Pós-graduação em Saúde e Ambiente da Universidade Tiradentes.

87
Capítulo 07
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO o que pode refletir no antedimento


hospitalar (LOTFI et al., 2020).
Em dezembro de 2019, ocorreu o início Os serviços de emergência hospitalar
das infecções pelo Severe Acute Respira- são essenciais na assistência e triagem de
tory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV- pacientes acometidos com a COVID-19,
2), novo vírus identificado na família promovendo uma assistência qualificada e
coronavírus, causador da doença do buscando melhor abordagem para cada tipo
coronavírus 2019 (COVID-19), que passou de paciente. Os departamentos de
a ser conhecido mundialmente após vários emergência (DE) enfrentam dificuldades
casos de infecções respiratórias. A doença com escassez de recursos humanos, estru-
possui manifestações clínicas com turais e materiais. Tais limitações se agra-
gravidades diferentes. Em casos leves, os vam com a gravidade e imprevisibilidade
pacientes apresentam sindrome gripal. Em dos casos (THOMAS et al., 2020).
pacientes graves, a doença cursa com Além disso, o risco de contaminação por
síndrome respiratória aguda grave (HU- COVID-19 exigiu adaptações rápidas para
ANG et al., 2020). Os sintomas mais evitar a contaminação de profissionais da
comuns da COVID-19 são inespecificos e, saúde e pacientes no ambiente hospitalar.
portanto, são compartilhados por diversas Por outro lado, a pandemia pela COVID-19
doenças, sendo a anosmia o sintoma ameaça a estabilidade dos sistemas de
específico mais relatado. As manifestações saúde, devido à demanda alta e persistente
mais comuns são febre, tosse, dispnéia, que pode exigir capacidade, tecnologia e
fadiga, dor de garganta, congestão nasal, serviços especializados não disponíveis no
tontura, calafrios, dor muscular e artralgia, hospital. Tais fatos exigiram, também, o
porém, alguns sintomas menos comuns desenvolvimento de critérios clínicos,
podem aparecer, como dor de cabeça, técnicos e éticos dos recursos disponíveis,
diarreia, dor abdominal, vômito e os quais estão sujeitos a constantes revisões,
conjuntivite (BAJ et al., 2020). conforme as realidades locais e o surgi-
Com o cenário de pandemia, foram mento de novas evidências (BRASIL,
adotadas medidas de prevenção quanto ao 2020).
contágio pelo vírus, recomendadas pela Diante deste cenário, os serviços de
Organização Mundial da Saúde (OMS), emergência precisam de maior preparo para
como o isolamento domiciliar, uso de a assistência planejada e organizada dos
mascara e higienização regular das mãos. pacientes com COVID-19, considerando
Essas precauções, com intuito de diminuir o todas as variáveis envolvidas na pandemia
contágio, contribuiram para uma modifi- (BRASIL, 2020). Portanto, o presente
cação no padrão de vida da população geral, estudo tem por objetivo apresentar um
com a diminuição do tráfego de veículos, panorama dos serviços de emergência
adoção de trabalho em home office e durante a pandemia da COVID-19,
ausência de eventos com grandes públicos, considerando o perfil da procura por
atendimento e a adequação dos serviços.

89
Capítulo 07
TRAUMA E EMERGÊNCIA

2. MÉTODO critérios de seleção, 359 artigos foram


selecionados para a triagem por títulos e
Trata-se de uma revisão integrativa resumos, dos quais 44 foram selecionados
realizada no período de maio a junho de para leitura na íntegra. Obedecendo aos
2021, com abordagem descritiva. Foram critérios de exclusão, a leitura na íntegra
obedecidos os passos para esse tipo de resultou na amostra final de 32 artigos
estudo, conforme Souza, Silva e Carvalho utilizados para coleta de dados. Os
(2010): 1) elaboração da pergunta resultados foram divididos em categorias
norteadora, 2) busca ou amostragem na temáticas abordando: o perfil sociodemo-
literatura, 3) coleta de dados, 4) análise gráfico e clínico de procura por atendimento
crítica dos estudos incluídos, 5) discussão e a adequação dos serviços ao atendimento
dos resultados, 6) apresentação da revisão surante a pandemia do SARS-CoV-2 em
integrativa. Serviços de Emergência. As etapas de
Para responder à pergunta “Quais os seleção da amostra final estão esquemati-
impactos da pandemia da COVID-19 no zadas no Fluxograma 7.1.
perfil do atendimento e adequação dos
serviços nos departamentos de emergên- 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
cia?”, foi realizado levantamento de artigos
nas bases de dados PubMed, Scientific Encontram-se na literatura estudos
Electronic Library Online (SciELO) e transversais, retrospectivos, observacionais,
Literatura Latino-Americana e do Caribe por vezes multicêntricos, que buscavam
em Ciências da Saúde (LILACS). Foram retratar a mudança no perfil do atendimento
utilizados os descritores: "Emergency na Urgência e Emergência durante a pande-
Medical Services", "COVID-19"; mia. A maioria deles reportou as realidades
"Pandemics" e "Health Services", utilizan- em hospitais nos Estados Unidos, China e
do o operador booleano AND. Europa, sendo encontrada principalmente
Os critérios de inclusão foram: artigos uma redução no número geral de
nos idiomas português, espanhol ou inglês; atendimentos dos departamentos de emer-
publicados em 2020 e 2021, disponibiliza- gência (DE), quando comparado a períodos
dos na íntegra para livre acesso e que anteriores. O percentual de redução variou
abordavam de forma parcial ou total as de 35,2% a 65,4%, de acordo com a
temáticas propostas para esta pesquisa. quantidade de departamentos, a localização
Foram excluídos editoriais, livros, artigos e a especialização estudadas (MOLINA
veterinários, estudos focados exclusiva- GUTIÉRREZ et al., 2020; WESTGARD et
mente no manejo de pacientes infectados al., 2020). Jeffery et al., (2020) analisaram
pelo SARS-CoV-2, temas pediátricos e 24 grandes centros de emergência em cinco
psiquiátricos. estados norte-americanos, dentre os quais o
A busca inicial encontrou 2.682 artigos, estado de Nova Iorque apresentou a maior
posteriormente submetidos à aplicação de redução percentual nos atendimentos em
filtros e exclusão de repetições. Após os cerca de 63,5%, sendo um dos epicentros da

90
Capítulo 07
TRAUMA E EMERGÊNCIA

pandemia nos EUA (JEFFERY et al., atendimentos nos departamentos de


2020). Já Sun et al. (2020) reportaram uma emergência em 24 hospitais na província de
redução de cerca de 61,2% no número de Nanjing, na China (SUN et al., 2020).

Fluxograma 7.1 Etapas de seleção dos artigos para composição da amostra final

Fonte: Elaborado pelos autores.

Muitas teorias foram elencadas para disso, houve uma diminuição dos acidentes
explicar tal redução, dentre as quais tanto de trânsito, como em locais de
destacaram-se a redução no número de trabalho, o que pode ser um dos fatores
acidentes, por conta das medidas de causais da redução (NUÑEZ et al., 2020).
restrição; as campanhas para evitar Assim como, as campanhas sociais para
superlotação dos sistemas de saúde; e o evitar superlotação nas urgências contribuí-
medo do contágio durante o atendimento na ram para essa alteração, uma vez que se
urgência (LUCERO et al., 2020). As estima que cerca de 20-30% dos atendi-
medidas restritivas e as orientações para a mentos nas emergências são quadros leves
população ficar em casa reduziram o que poderiam ser manejados em nível
número de pessoas circulando, seja por ambulatorial (OJETTI et al., 2020). Dessa
meio terrestre, aquático ou aéreo, assim forma, tais atendimentos foram direciona-
como aumentou o percentual de trabalha- dos a procurar por assistência a distância,
dores em home office. Em consequência impulsionando o ramo da telemedicina.
91
Capítulo 07
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.1. Mudança no perfil sociodemo- hipertensão arterial sistêmica, aterosclerose


gráfico e doença renal crônica no sexo masculino, o
Em relação a idade dos pacientes que que gera quadros mais severos.
buscaram atendimentos na urgência, a
maioria dos estudos relatou uma redução no 3.2. Mudança no perfil clínico
percentual de idosos e pacientes pediátricos. Nota-se uma diminuição na quantidade
Luccero et al. (2020) analisaram cerca de 26 de diagnósticos de condições potencial-
milhões de atendimentos em prontos-soco- mente graves como acidente vascular
rros em 141 hospitais nos EUA. Dentre os cerebral (AVC) e infarto agudo do mio-
resultados, notou-se que a população pediá- cárdio (IAM), além de condições inflamató-
trica correspondia a 8,4% dos pacientes na rias como apendicite e colecistite (JAIN et
urgência após implementação das medidas al., 2021). Por outro lado, evidencia-se um
restritivas durante a pandemia da COVID- aumento no percentual de visitas ao DE por
19, porém, antes dessas medidas correspon- problemas relacionados à saúde mental e
dia a 16,2%. Por outro lado, alguns autores um aumento geral no número de óbitos,
referiram uma redução de cerca de 41,3% impulsionado principalmente pela mortali-
na quantidade de visitas à emergência em dade fora do hospital - aumentando de
maiores de 65 anos (WESTGARD et al., 35,8% para 51,2% (WALKER et al., 2020).
2020). Tais dados refletem um maior Para a ilustração da mudança no
impacto das restrições e receio dos pais em panorama das internações, Ojetti et al.,
expor seus filhos à possibilidade de (2020) analisaram 16.281 prontuários clíni-
infecção pelo SARS-CoV-2, assim como cos em Roma (Itália), o que apontou uma
uma menor incidência e quadros mais leves redução geral nas admissões em 2020 de
de COVID-19 nessa faixa etária. Em para- 37,6% em comparação a 2019. Houve ainda
lelo, a população idosa, geralmente indica- um aumento nos níveis de admissões por
da como de risco para quadros de maior quadros febris, como esperado, por conta
gravidade, é o principal alvo das campanhas dos quadros suspeitos de COVID-19. O
de conscientização, o que contribui para tal mesmo estudo relatou, também, uma queda
mudança. significativa nas internações por doenças
Quanto à proporção entre homens e cardiotorácicas, urológicas, gastroenteroló-
mulheres, grande parte dos estudos apontam gicas, otorrinolaringológicas, oftalmoló-
para um aumento no percentual de homens. gicas e traumatológicas. Já as condições
Um estudo realizado nos EUA mostrou uma neurológicas agudas registraram apenas
redução desproporcional no número de uma redução leve, enquanto as admissões
atendimentos de mulheres em cerca de de oncologia foram estáveis, ambos
40,3% e inversão na proporção entre representados pela Tabela 7.1. As admis-
homens e mulheres (WESTGARD et al., sões por doenças infecciosas foram 30% do
2020). Uma explicação indicada pelos total em 2020, em comparação com apenas
autores foi a uma maior incidência de casos 5% e 6% em 2018 e 2019, respectivamente.
de COVID-19 nessa população, associada a Cabe notar que em 2020, a taxa de interna-
maior prevalência de comorbidades como ção aumentou para 42,9%, frente a 27,7% e

92
Capítulo 07
TRAUMA E EMERGÊNCIA

26,4% nos anos anteriores. Corroborando socorro em condições não infecciosas,


outros dados da literatura, destaca-se uma sugerindo o não deslocamento para o
redução drástica das internações no pronto- hospital mesmo em condições graves.

Tabela 7.1 Tabela do número de pacientes Admissões DE distribuídas de acordo com diferentes
códigos de diagnóstico (da Classificação Internacional de Doenças, 9ª revisão, Modificação
Clínica, CID-9)
Grupo de 2018 2019 2020
diagnóstico* (n = 6001) (n = 6329) (n = 3951)
Cardiotorácica 1152 (19,2%) 1189 (18,8%) 644 (16,3%)
Neurológico 432 (7,2%) 417 (6,6%) 233 (5,9%)
Gastrointestinal 768 (12,8%) 747 (11,8%) 363 (9,2%)
Urogenital 270 (4,5%) 335 (5,3%) 134 (3,4%)
Malignidade 240 (4,0%) 209 (3,3%) 142 (3,6%)
Traumatologia 810 (13,5%) 816 (12,9%) 332 (8,4%)
Otorrinolaringologia /
192 (3,2%) 228 (3,6%) 91 (2,3%) 0,001
Oftalmologia
Doença infecciosa 330 (5,5%) 405 (6,4%) 1185 (30,0%)

Legenda: * Pequenos grupos de diagnóstico da classificação CID-9 não foram incluídos na análise. Fonte:
Adaptado de Ojetti et al., 2020.

Um outro estudo, realizado em São total de consultas médicas de emergências


Paulo, em que se analisaram 462.412 tenha reduzido, a mortalidade por emergên-
consultas na emergência, de janeiro de 2019 cias não SARS-CoV-2 se manteve estável
a julho de 2020, reforçou a hipótese de (STEINMAN et al., 2021), o que nova-
redução das internações e dos atendimentos mente sugere a diminuição da ida ao hospi-
de condições não críticas. Foi encontrada tal dos pacientes “não críticos.
uma tendência de redução no número de Essas alterações sugerem um adiamento
atendimentos para condições como trauma, no atendimento em condições não críticas.
dor abdominal, dor no peito e resfriado Várias razões podem se relacionar com tal
comum, provavelmente, causado pelo contexto, dentre elas destacam-se o medo
distanciamento social exigido por decreto, da exposição ao SARS-CoV-2, o desejo de
além do dado de que apenas 4,7% do total não querer sobrecarregar os profissionais, a
de atendimentos (21.653) necessitou de percepção das próprias queixas como não
internação. Por outro lado, o número de urgentes, o acesso limitado aos serviços e as
consultas médicas para AVC, IAM, uretero- instruções de permanência em casa por
litíase, apendicite aguda e colecistite aguda profissionais de referência (NAB et al.,
se manteve estável, indo de encontro ao 2020). Além disso, a capacidade reduzida
descrito pela maioria dos artigos, em que se das unidades de atenção primária durante o
observou uma redução nessas situações. Por bloqueio nacional pode ter causado uma alta
fim, evidencia-se que embora o número taxa de automedicação, bem como um
93
Capítulo 07
TRAUMA E EMERGÊNCIA

atraso na prestação de cuidados em alguns permitido uma melhor eficiência no


pacientes (MAURO et al., 2021). Portanto, atendimento ao trauma nas condições de
tais pacientes buscaram assistência médica pacientes críticos (MOYER et al., 2021).
tardiamente com quadros evoluídos, por Já em relação às internações e admis-
vezes fora da janela de tratamento, o que sões em emergências pelo SARS-CoV-2,
pode culminar com aumento da morbimor- um estudo turco analisou 840 pacientes com
talidade (IŞIK et al., 2021). pelo menos um sintoma e achado de
Não obstante, apesar da situação de infecção respiratória aguda (tosse, falta de
adiamento na ida ao hospital ter trazido ar). Foram encontrados 41% de positividade
possíveis benéficos, como a menor superlo- no teste de RT-PCR, uma taxa menor do
tação dos hospitais por situações menos que a encontrada na literatura. Desses, 64
graves e a realocação e reorganização dos pacientes (18,6%) receberam alta do DE,
recursos médicos (MOYER et al., 2021), enquanto 255 pacientes (73,9%) foram
sabe-se que esse achado é preocupante pela internados na clínica COVID e 26 na
possibilidade de levar a um aumento da unidade de terapia intensiva (UTI) COVID.
mortalidade (IŞIK et al., 2021). De acordo Ainda sobre os pacientes positivados,
com um estudo multicêntrico norte-ameri- durante sua admissão no DE, houve
cano, houve um aumento na mortalidade manifestação clínica leve em 72,2%,
por causas naturais de 22,5% no período moderada em 21,7% e grave em 6,1%.
pandêmico em relação aos anos de 2018- Dentre as comorbidades mais encontradas,
2019. Tal redução foi puxada pela diminui- evidenciam-se a hipertensão em 119 dos
ção estatisticamente significativa da morta- casos (34,5%), seguida de diabetes mellitus
lidade extra-hospitalar, a qual saiu de 35,8% em 61 dos casos (18,3%). Dos pacientes
anteriormente, para 51,2% na pandemia internados, 86,7% receberam alta, enquanto
(WALKER et al., 2020). Assim, entende-se 13,3% morreram devido à falência de
que que o adiamento ou não busca por múltiplos órgãos, sendo essa mortalidade
assistência em quadros graves pode levar ao menor quando comparada a outros países
aumento da morbimortalidade das patolo- (ALTINBILEK et al., 2020).
gias.
Nessa mesma linha, Chiba et al. (2021) 3.3. Mudança técnica e estrutural
investigaram o maior centro de trauma em O contexto da pandemia teve efeito
Los Angeles, analisando-se o impacto do epidemiológico significativo nos atendi-
bloqueio em comparação com o período mentos no DE, e consequentemente, no
anterior. Foi encontrada uma redução deslocamento na utilização de recursos
significativa na mortalidade por trauma materiais e humanos, principalmente nos
(27,9%), além da diminuição nas taxas de equipamentos de proteção individual
admissão, na ventilação mecânica e no (EPI’s) e cuidados intensivos. Baseando-se
tempo de internação na unidade de terapia em tais mudanças, foi-se necessário um
intensiva. Essas alterações na reorganização remanejamento no planejamento, no fluxo e
dos serviços médicos novamente comprova na demanda de equipamentos e profis-
uma realocação de recursos que pode ter sionais a fim de otimizar o uso dos recursos

94
Capítulo 07
TRAUMA E EMERGÊNCIA

hospitalares durante a pandemia. Além de demandas não previa o risco de uma


prestar assistência aos milhares de pacientes pandemia, trazendo uma dificuldade na
com COVID-19, os sistemas de saúde disponibilidade de mercado de materiais
mantinham a assistência às demais patolo- hospitalares e dos medicamentos essenciais
gias (MONT’ALVERNE et al., 2020). (DE CL OLIVEIRA et al., 2021).
A ampliação e expansão dos leitos de É importante lembrar que os pacientes
terapia intensiva com ventiladores mecâni- também devem receber cuidados a fim de
cos fez-se necessária em consequência do evitar a contaminação. Uma medida bastan-
evidente déficit na demanda, e aumento no te adotada foi a distribuição de máscaras
encaminhamento de pacientes, principal- cirúrgicas, de preferência, após a triagem
mente no Sistema Público de Saúde no Bra- inicial do paciente, a fim de se conservar o
sil. O setor privado contribuiu para amorte- suprimento de EPI (SCHREYER et al.,
cer o déficit de demanda, mas em várias 2020). O Center for Disease Control and
macrorregiões, dependendo da velocidade Prevention (CDC) recomendou algumas
com que a infecção se propaga, a oferta orientações acerca do uso da máscara N95
conjunta dos dois setores não seria suficie- em ambientes de saúde, dentre elas,
nte. Nesse cenário, algumas medidas podem implementar práticas que permitam o uso
contribuir para ampliar a oferta dos serviços prolongado e/ou reutilização limitada,
hospitalares (NORONHA et al., 2020). quando aceitável, priorizando seu uso às
Outro ponto que deve ser destacado são pessoas com maior risco de contrair a
os cuidados aos profissionais de saúde infecção (DA SILVA et al., 2021).
envolvidos direta e indiretamente no
enfrentamento da pandemia, principalmen- 4. CONCLUSÃO
te, aqueles que trabalham na urgência e
emergência. Tal exposição cotidiana eleva A pandemia da COVID-19 alterou a
o risco de adoecer pelo coronavírus. Sendo dinâmica do atendimento em urgência e
assim, fez-se necessário a disponibilização, emergência. Seja por medo da exposição ao
por parte dos hospitais, de EPIs, incluindo SARS-CoV-2, ou desejo de não querer
máscaras N95, óculos de proteção, proteto- sobrecarregar os profissionais, ou acesso
res faciais, luvas, gorro, capas para sapatos limitado aos serviços, devido às restrições
impermeáveis descartáveis, aventais de de circulação e as instruções de permanên-
isolamento descartáveis e escudo facial, de cia em casa por autoridades, houve uma
acordo com sua necessidade (TEXEIRA et redução significativa no número de atendi-
al., 2020). mentos nos departamentos de emergência.
Nessa perspectiva, com a chegada da Tal redução foi atrelada ainda, a um
pandemia, um dos maiores problemas adiamento no buscar por assistência mesmo
encontrados foi a rápida elevação do custo em quadros de maior gravidade como IAM
dos insumos no mercado. Muitos estoques e AVC, o que gerou um aumento da taxa de
hospitalares não tinham condições finan- mortalidade em certas patologias. Associa-
ceiras igualitárias a necessidades do mo- da a essas mudanças, houve um remane-
mento. Planejamento financeiro e de
95
Capítulo 07
TRAUMA E EMERGÊNCIA

jamento dos equipamentos e fluxos, devido estado de emergência. Ademais, torna-se


à maior demanda por equipamentos de imprescindível o investimento em educação
proteção individual (EPI), profissionais em saúde e em Atenção Básica, visto que
com experiência em via aérea, leitos de comportamentos inadequados de retardo no
isolamento, áreas de transição, leitos de atendimento médico podem ter contribuído
terapia intensiva e ventiladores mecânicos. com complicações e mortalidades. São
As descobertas do presente estudo aju- necessários mais estudos buscando enten-
dam a desenvolver um melhor planeja- der o perfil de pacientes que adiaram atendi-
mento e, consequentemente, uma otimiza- mento, a fim de desenvolver estratégias de
ção dos recursos intensivos hospitalares. redução dos riscos e possibilitar melhorias
Os projetos de contingência em tempos no sistema de saúde; além de estratégias que
de crise precisam ser minuciosamente visem apontar a importância de visitar o
direcionados para os problemas de saúde pronto-socorro durante a pandemia de
pública que não diminuem e para o perfil COVID-19 para casos graves que não
clínico de maior epidemiologia mesmo em podem ser tratados em outros ambientes.

96
Capítulo 07
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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97
Capítulo 08
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 08
“WALLED – OFF PANCREATIC
NECROSIS” COM TROMBOSE DA
VEIA MESENTÉRICA SUPERIOR E
PORTA: RELATO DE CASO

Palavras-chave: Pancreatite Aguda Necrosante; Oclusão


Vascular Mesentérica; Trombose Venosa.

ANGÉLICA FREITAS DA SILVA KNEIPP1


DEMAR CUSTÓDIO JÚNIOR2
FELIPE MONNERAT CAMPOS2
FLÁVIO TARCILO RIBEIRO MENEZES2
MARCOS MIRANDA MACEDO2
MATEUS RODRIGUES FONSECA2
ORLANDO HIROSHI KIONO SIQUEIRA3
PAULO ROBERTO BASTOS FONTINHA2
VICTOR SIMÕES FERREIRA2

1
Médica do serviço de Cirurgia Geral do Hospital Universitário Antônio Pedro/ Universidade Federal
Fluminense
2
Discente – Medicina da Universidade Federal Fluminense
3
Professor do departamento de Cirurgia Geral e Especializada da Universidade Federal Fluminense

98
Capítulo 08
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO necrotizante. O grupo 3 corresponde às


coleções necróticas não demarcadas,
A pancreatite aguda é uma das doenças enquanto o grupo 4 caracteriza-se pelas
gastrointestinais mais comuns encontradas demarcadas por paredes encapsulantes
na prática clínica (BARON et al., 2020). É (Walled-Off Pancreatic Necrosis – WOPN),
uma doença inflamatória do pâncreas, leve (TRIKUDANATHAN et al., 2019).
e autolimitada em 80% dos pacientes, As coleções líquidas extra pancreáticas
apresentando, porém, complicações e que se enquadram no grupo 1 possuem
mortalidade substanciais em até 20% dos evolução, na maioria das vezes, autoli-
casos (WANG et al., 2009). Acredita-se que mitada e não requerem tratamento adicio-
a sua primeira descrição clínica foi nal, enquanto nos pseudocistos pancreáticos
publicada em 1652 pelo anatomista holan- é preciso avaliar fatores como localização,
dês Nicholaes Tulp. Tratava-se de um dimensões e manifestações clínicas para
paciente jovem, grave e com febre contínua, definição da abordagem adequada, que
cuja necrópsia revelou pâncreas edemacia- pode ser conservadora, endoscópica, percu-
do, com secreção purulenta e preenchido tânea ou cirúrgica. Já as pancreatites
com muco viscoso (PANNALA; KIDD; necrotizantes infectadas correspondem a
MODLIN, 2009). A incidência anual desta uma emergência médica e possuem indica-
patologia nos EUA varia entre 13 e 45 casos ção absoluta de drenagem, sendo a necro-
a cada 100.000 pessoas (LANKISCH; sectomia aberta considerada o procedi-
APTE; BANKS, 2015). No Brasil, foi mento padrão para a retirada do foco séptico
responsável por 32.659 internações, 1.694 (UPCHURCH, 2014).
óbitos e cerca de 26 milhões de reais gastos O objetivo do presente estudo é discutir
no ano de 2017 (COELHO; NUNES, 2019). o relato de caso de uma paciente acometida
A pancreatite aguda e suas complica- por WOPN associado a trombose das veias
ções foram classificadas no simpósio de porta e mesentérica superior, tratada cirur-
Atlanta em 1992 e atualizado em 2012 gicamente a partir de uma abordagem
como resultado de uma melhor compre- transgástrica.
ensão da fisiopatologia e da evolução dos
métodos diagnósticos por imagem (UP- 2. MÉTODO
CHURCH, 2014). As complicações locais
foram divididas em quatro grupos. Nos dois Trata-se de um relato de caso, cujas
primeiros encontramos pancreatite edema- informações foram obtidas por meio de
tosa intersticial. No grupo 1 encontramos análise retrospectiva do prontuário de uma
coleções líquidas extra pancreáticas. No paciente, gênero feminino, 34 anos, que deu
grupo 2 temos os pseudocistos que são entrada na emergência e permaneceu em
tipicamente extra pancreáticos, encapsula- internação prolongada na Unidade de
dos e com conteúdo líquido e quantidade Terapia Intensiva (UTI) do Hospital
mínima de componentes sólidos. Já no Universitário Antônio Pedro da Universi-
terceiro e quarto grupos ocorre a pancreatite dade Federal Fluminense.

99
Capítulo 08
TRAUMA E EMERGÊNCIA

A busca por referencial teórico ocorreu cardíaca de 60 batimentos por minuto


nas plataformas digitais: SciELO, LILACS; (bpm); pressão arterial de 110x70 mmHg. O
MEDLINE/PubMed e Biblioteca Virtual exame físico apresentava abdome semi-
em Saúde (BVS) /BIREME, bem como em globoso, flácido, depressível, com ruídos
livros científicos recentes da área relacio- hidroaéreos diminuídos, presença de
nada ao tema. Foram utilizados os descri- “massa” palpável em região epigástrica,
tores: Pancreatite Aguda Necrosante; com dor discreta nesta região. Ausculta
Oclusão Vascular Mesentérica, Trombose cardiovascular: ritmo cardíaco regular em
Venosa; Veia Porta. dois tempos, bulhas normofonéticas.
Os critérios de inclusão foram: artigos Ausculta respiratória: murmúrio vesicular
nos idiomas Inglês e Português; publicados universalmente audível sem ruídos adven-
nos últimos 15 anos e que abordavam as tícios. Membros inferiores: Sem edema,
temáticas propostas para esta pesquisa, pulsos presentes e simétricos, panturrilhas
estudos do tipo (relatos de caso, revisão, livres.
meta-análise), disponibilizados na íntegra. Exames de sangue e bioquímica na
Os critérios de exclusão foram: artigos admissão mostravam valores aumentados
duplicados, disponibilizados na forma de de gama glutamil transferase (GGT) 122
resumo, que não abordavam diretamente a U/L, lipase 419 U/L, amilase 220 U/L,
proposta estudada e que não atendiam aos fosfatase alcalina 121 U/L e leucograma de
demais critérios de inclusão. 16400/mm³, estando os parâmetros restan-
tes dentro dos valores de referência,
3. RELATO DE CASO inclusive a bilirrubina. Repetidos os exames
10 dias após, foi constatado um aumento
Paciente feminina, 34 anos, admitida na nas enzimas pancreáticas, amilase: 564 U/L
emergência do Hospital Universitário Antô- e lipase: 3606 U/L. Exame de urina com 30
nio Pedro da Universidade Federal Flumi- mg/dl de proteínas (+), leucócitos (++) e
nense queixando-se de dor em epigástrio, hemoglobina (+++).
sem irradiação e que melhorava com o uso A ultrassonografia (USG) do abdome
de medicamentos sintomáticos, associada a mostrava vesícula biliar pouco distendida,
náuseas e vômitos e iniciada há 15 dias, com paredes finas contendo cálculo no seu
quando ficou internada por 10 dias em outra interior. Presença de massa complexa,
unidade hospitalar de um município vizi- anterior ao pâncreas e medindo 9,4 (L) x 7,7
nho. Negava dor do tipo em queimação, (AP) x 5,3 cm (T). A tomografia
fatores de piora, febre, icterícia, colúria e computadorizada (TC) evidenciou um
acolia fecal. pâncreas heterogêneo, aumentado de
volume e com grande formação semelhante
O exame físico mostrava uma paciente
à encontrada na USG, localizada na
em bom estado geral, lúcida e orientada no
transição entre cabeça e corpo pancreático,
tempo e no espaço, afebril, eupneica em ar
além de uma outra menor junto a cauda
ambiente, acianótica, anictérica, hipocorada
(Figura 8.1). A TC também identificou
(2+/4+) e desidratada (+/4+); frequência
grande trombo não obstrutivo na veia porta

100
Capítulo 08
TRAUMA E EMERGÊNCIA

após junção esplenomesentérica, além de a intubação orotraqueal e ventilação mecâ-


sinais de obstrução de veia mesentérica nica, a qual permaneceu por dez dias,
superior também por trombo. Foi constata- quando foi traqueostomizada, ainda manti-
do também defeito de perfusão nos segmen- da em ventilação mecânica. Nesse momento
tos hepáticos I, IVa, IVb e aumento do lobo não apresentava condições clínicas para
hepático esquerdo (Figura 8.2). Além disso abordagem cirúrgica.
evidenciou-se colelitíase com espessamento
da vesícula biliar, dilatação discreta da via Figura 8.2 Defeito de perfusão nos segmentos I,
IVa e IVb relacionados à trombose da veia porta.
biliar intra e extra-hepáticas.
Trombo não obstrutivo no interior da veia porta,
logo após a junção esplenomesentérica e sinais de
Figura 8.1 Tomografia computadorizada de
obstrução da veia mesentérica superior por trombo
abdome demonstrando pâncreas heterogêneo com
grande formação cística, cerca de 9 x 7 cm, na
transição entre cabeça e corpo. Pequena formação
cística junto à cauda pancreática

Em decorrência da trombose de veia


porta, foi contraindicada a drenagem endoscó-
Tendo em vista os dados clínicos,
pica por risco de sangramento na parede
laboratoriais e de imagem formulou-se a
gástrica. Optou-se, portanto, pelo tratamento
hipótese diagnóstica de pancreatite biliar
cirúrgico, realizado sessenta e quatro dias após
complicada com pseudocisto associado a
a internação. Nesse procedimento foi tentada a
trombose de veia porta e mesentérica
drenagem externa pela raiz do mesocólon
superior. Vinte e sete dias após internação
transverso. Durante essa tentativa, ocorreu um
foi realizada colangiopancreatografia retró-
sangramento vultoso, motivo pelo qual essa
grada endoscópica. Oito dias depois a
abordagem foi interrompida. Optou-se por
paciente desenvolveu septicemia, tendo
punção transgástrica da “coleção” que confir-
sido iniciado antibioticoterapia com
mou sua localização. Procedeu-se a gastrotomia
cefepime e vancomicina, sendo esta última
anterior. Através da incisão gástrica anterior foi
posteriormente suspendida e substituída por
então realizada gastrotomia posterior e abertura
metronidazol. Germes isolados em
da cápsula peripancreática. Observou-se saída
hemocultura: Klebsiella e Enterobacter
de abundante quantidade de secreção com
sensível a cefepime. Fez uso de ventilação
aspecto purulento. Ao realizar a aspiração do
não invasiva por dois dias, até ser submetida
conteúdo dessa lesão seguida de irrigação com
101
Capítulo 08
TRAUMA E EMERGÊNCIA

solução fisiológica verificou-se a presença de gastrorrafia anterior em dois planos com


abundante quantidade de tecido necrótico vicryl 3.0 e prolene 3.0.
infectado. Nessa etapa, foi feita a retirada desse
tecido desvitalizado de forma transgástrica Figura 8.5 Sutura da parede da “coleção” infectada
com a parede posterior do estômago
(Figuras 8.3 e 8.4).

Figura 8.3 Gastrotomia anterior com retirada de necrose


infectada através de gastrotomia posterior (abordagem
transgástrica)

O exame histopatológico do material


obtido revelou a vesícula biliar macrosco-
Figura 8.4 Ressecção do tecido peri-pancreático
picamente medindo 9,0x2,5 cm, recoberta
infectado parcialmente por serosa enrugada, leve-
mente opalescente, com área espessada e
acastanhada no seu fundo. Quando aberta, a
mucosa era pardo-clara e aveludada, com
sua parede medindo 0,7 cm de espessura.
Havia presença de cálculos amarelados,
linfonodo policístico pardo e elástico
medindo 0,6x0,4x0,3 cm. A microscopia
evidenciou inflamação crônica da vesícula
biliar e linfonodo cístico reacional,
caracterizando uma colecistite crônica e
pericolecistite fibrinosa. A avaliação
macroscópica do tecido necrótico demons-
trou segmento irregular de tecido ora
acinzentado, ora pardo-amarelados, lobula-
do e elástico, medindo 6x2x2cm, com áreas
Depois da retirada tanto da secreção
externas com depósito de material fibri-
purulenta quanto da necrose infectada,
noide. À microscopia, foram observadas
procedeu-se a sutura da parede da referida
necrose extensa e poucas áreas de células de
“coleção” com a parede posterior do
tecido pancreático com arquitetura glandu-
estômago com pontos separados de vicryl
lar destruída. A avaliação macroscópica da
2.0 (Figura 8.5). Em seguida, foi feita a
cápsula apresentou fragmento de tecido

102
Capítulo 08
TRAUMA E EMERGÊNCIA

brancacento e elástico medindo 3 x 2, 7 x pode ser diferenciada de um pseudocisto


0,3 cm e em uma de suas faces material pela detecção de componentes sólidos
fibrinóide. Microscopicamente, a cápsula (ISAYAMA et al., 2016). A WOPN
era representada por um tecido conjuntivo sintomática ou infectada está associada a
ricamente vascularizado mostrando em uma significativa morbimortalidade, exigindo
das faces material necrótico fibrino- detecção precoce e intervenção agressiva.
hemático-leucocitário compatível com Sepse com consequente insuficiência de
cápsula de abscesso. múltiplos órgãos e sistemas é a principal
A paciente foi mantida em acompa- causa tardia de mortes nesses pacientes
nhamento, com exames frequentes para (SILVA et al., 2010).
avaliação de amilase, lipase e GGT. Além do tratamento primário de suporte
Evoluiu satisfatoriamente e teve alta três clínico e nutricional, é necessária antibio-
meses após a admissão. ticoterapia e drenagem. O alvo do
procedimento cirúrgico é a remoção do foco
4. DISCUSSÃO séptico com o desbridamento da necrose
infectada pancreática e peripancreática
O manejo inicial dos pacientes com (PAPACHRISTOU et al., 2007). A
pancreatite aguda se dá na emergência. A necrosectomia aberta tradicionalmente tem
intervenção terapêutica mais importante é a sido o tratamento padrão para as
ressuscitação agressiva com fluidos complicações infecciosas da pancreatite
intravenosos. O paciente deve permanecer necrosante. Oferece um amplo campo
em jejum e com controle medicamentoso da visual para o abdome e fácil acesso ao
dor abdominal. A determinação da tecido necrosado.
gravidade e triagem podem ser direcionadas Nos últimos anos, novas abordagens
pela avaliação do BISAP (Bedside Index of minimamente invasivas estão sendo
Severity in Acute Pancreatitis). propostas como alternativas. O estudo
Hematócrito e ureia elevados estão PANTHER (2010) indicou menor
relacionados a maior gravidade (LONG et incidência de complicações com a
al., 2013). Os pacientes graves, sem abordagem minimamente invasiva quando
resposta à ressuscitação inicial com fluidos,
comparada a cirurgia aberta, notadamente
ou com sinais de insuficiência respiratória,
menor incidência de falência múltipla de
hipotensão ou falência de órgãos são
órgãos, hérnias incisionais e diabetes (VAN
candidatos a internação em unidade de
SANTVOORT et al., 2010). Entretanto,
terapia intensiva.
quando comparadas as abordagens de
Para estabelecer o correto diagnóstico
drenagem aberta, laparoscópica e
de WOPN, o curso clínico e exames de
percutânea, os desfechos são similares
imagem são importantes. A tomografia
quanto à mortalidade (REBHUN et al.,
computadorizada com contraste costuma
2021). Ademais, sem necrosectomia,
ser o método de escolha podendo ainda ser
estratégias minimamente invasivas são bem
usados ultrassonografia ou ressonância
magnética de forma complementar. WOPN

103
Capítulo 08
TRAUMA E EMERGÊNCIA

sucedidas em apenas 35-55% dos casos de qualidade comparando as diferentes


WOPN infectada (ISAYAMA et al., 2016). modalidades de intervenção. A conduta
Para a paciente deste caso, a drenagem deve ser individualizada, tendo em
endoscópica foi contraindicada devido a perspectiva a extensão, gravidade e recursos
trombose de veia porta, associada a defeito disponíveis no local de atendimento. Se for
de perfusão detectado nos segmentos I, IVa possível implementar uma abordagem
e IVb. A opção pelo tratamento cirúrgico conservadora por 4 a 6 semanas, visando
com abordagem transgástrica teve sucesso que as coleções pancreáticas desapareçam
em ressecar o tecido infectado. ou se organizem, tal conduta pode oferecer
uma melhor tolerância e segurança para
5. CONCLUSÃO posterior intervenção cirúrgica ou
endoscópica. A análise do caso permite
A condução de uma paciente com concluir que o tratamento instituído foi de
WOPN pode ser desafiadora. Não há fato a melhor opção para a paciente, com
diretrizes bem estabelecidas para o resultados satisfatórios e mudança
tratamento, e faltam evidências de alta significativa da evolução.

104
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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105
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 09
MANEJO E EPIDEMIOLOGIA
DE INTOXICAÇÃO E
OVERDOSE, REVISÃO DE
LITERATURA

Palavras-chave: Intoxicação exógena; Overdose; Manejo clínico.

GABRIEL BAPTISTELLA¹
LUCAS MENDONÇA¹
PEDRO PARENTI DO COUTO VILHENA¹
ANA CLARA C. LOMONACO²
JÚLIA TRONE VENTURA SOUZA²
LAÍS LEAL GUIMARÃES²
LARA CABRAL SCHIAVONI²
LETICIA MIDORI MURAMATSU MIYASHIRO²

1
Acadêmico do Curso de Medicina da Universidade do Vale do Sapucaí.
2
Acadêmica do Curso de Medicina da Universidade do Vale do Sapucaí.

106
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO No Brasil, com base em dados do


SINAN, as duas principais causas de
Atualmente, o Brasil e o mundo intoxicação exógena são o uso de fármacos
assistem a uma epidemia de intoxicações na tentativa de suicídio e overdose, seguido
exógenas (AJDACIC-GROSS et al., 2008). de acidentes e automedicação. Além disso,
Nos anos de 2007 a 2017, foram registrados os grupos sociodemográficos mais atingi-
no Sistema de Informação de Agravos de dos no país são mulheres de 15 a 49 anos da
Notificação (SINAN) 833.282 casos de região sudeste, residentes na área urbana
intoxicação exógena com uma taxa de (ALVIM et al., 2020). Tal perfil
letalidade de 0,1 a 0,4%. Tais taxas epidemiológico pode ser explicado com
encontram-se em elevação, uma vez que base na situação psicossocial da mulher na
somente de 2018 a 2020 foram registrados sociedade brasileira, em que as mulheres
mais 380.098 casos, mostrando taxa de têm de se submeter muitas vezes a duplas
crescimento de 67,25% em comparação ao jornadas de trabalho - em casa cuidando do
período anterior (ALVIM et al., 2020). lar e dos filhos e fora de casa tendo ainda
Nos Estados Unidos, os números são que lidar com situações como desigualdade
ainda mais alarmantes, chegando à marca de salários, machismo e assédio sexual –
de mais de 70 mil mortes em 2017, sendo (ALLAN et al., 2002; MACIEL et al.,
70% destas devido ao uso de opioides como 2009). Ademais, a violência doméstica e as
a Methadone (WILSON et al., 2018; disfunções familiares também acabam
LITOVITZ et al., 2002; LEAO et al., 2015). levando a transtornos psicológicos, como
Países como Reino Unido, Turquia, ansiedade e depressão, que, por sua vez,
Israel e Nigéria também apresentaram podem levar a mulher à tentativa de
resultados similares (CAMIDGE et al., suicídio, geralmente por meio da
2003; BENTUR et al., 2019; YAYLACI et superdosagem de fármacos (AJDACIC-
al., 2016). GROSS et al., 2008).
Tal fato onera e sobrecarrega os Esse perfil epidemiológico de suicídio
sistemas de saúde de diversos países ao pode mudar de acordo com o país em
redor do globo de forma significativa. Na análise. Nos EUA, é mais comum entre
Turquia, por exemplo, na unidade de terapia homens brancos de 25 a 54 anos de idade
intensiva do hospital “Sakarya Training and (WILSON et al., 2018). Além disso,
Research Hospital”, 8,9% das internações populações mais expostas ao risco, como
tratavam-se de overdoses sendo que 94,1% viciados em drogas e profissionais da saúde,
dos casos ocorriam pela tentativa de que lidam diariamente com pressões
suicídio (YAYLACI et al., 2016). inimagináveis e que possuem maior acesso
Para compreender-se o fenômeno da a medicamentos e drogas, configuram nas
intoxicação exógena deve-se conhecer seus estatísticas de overdose como método de
múltiplos agentes causais e a principal suicídio (MEDEIROS et al., 2016; SAM et
parcela sociodemográfica que é afetada por al., 2009; FERREIRA et al., 2008;
essa. ALBERSTON et al., 2011).

107
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Com base no exposto, entende-se a encontram espalhados por todo o corpo,


importância do médico, especialmente do mas são particularmente abundantes no
clínico geral, que atende em unidades de tálamo ventrolateral e na medula espinhal,
pronto-socorro, em saber identificar, utili- que são áreas que regulam a respiração por
zando-se da história patológica pregressa do meio do feedback positivo da hipercapnia e
paciente e de sinais clínicos, um quadro de da hipóxia, além de promoverem a midríase
intoxicação exógena e como proceder pupilar.
diante dela. Depois de estabilizado o paciente, deve-
se proceder de modo a obter-se um
1.1. Diagnóstico inicial de overdose diagnóstico diferencial confirmatório. Esse
Faz-se necessário ao clínico geral saber será feito através da obtenção da história do
identificar um paciente com intoxicação histórico e do exame físico do paciente.
exógena assim que esse adentra ao pronto- O histórico do paciente deve esclarecer
socorro. Os seguintes procedimentos devem ao clínico qual a droga utilizada pelo
ser adotados resumidos pelo mnemônicos paciente, a via de aplicação, quanto tempo
ABC e DONT: verificação das vias aéreas, atrás essa foi efetuada, qual o objetivo da
da respiração e da circulação do paciente, aplicação (entorpecente, tentativa de
além da administração de oxigênio, suicídio, automedicação), além da história
naloxona e tiamina. A administração de pregressa da doença com enfoque em
Dextrose é recomendada em casos de transtornos mentais como depressão,
hipoglicemia (ERICKSON et al., 2007). ansiedade, esquizofrenia e medicamentos
Segundo estudos, embora a tiamina receitados. Esse histórico pode ser dado
possa ser utilizada em via parenteral pelo próprio paciente, se este estiver
(intramuscular ou intravenosa) com boa consciente e lúcido, ou pelos seus familiares
margem de segurança, há o risco de e até mesmo pela equipe do SAMU, que
ocorrência de reação anafilática se o muitas vezes realiza o primeiro
paciente em questão for imunossensi- atendimento, podendo encontrar frascos de
bilizado à tiamina - nesse caso, ocorre uma drogas ou cartas de suicídio perto do
reação de degranulação de mastócitos paciente, que possam ajudar no diagnóstico
liberando IgE, o que pode levar ao clínico.
fechamento da glote e ao choque O exame físico do paciente deve checar
distributivo, fato esse que já levou pacientes os sinais vitais, como pressão arterial,
ao óbito (STEPHEN et al., 1992). bulhas cardíacas, frequência cardíaca e
Por outro lado, a naloxona agirá de frequência respiratória. Também deve ser
maneira farmacológica diferente da feito um bom exame neurológico, buscando
tiamina. Essa agirá principalmente em sinais como oftalmoplegia, nistagmo
intoxicações por opioides, como a morfina, rotatório, midríase ou miose, hiporreação
sendo um inibidor competitivo antagonista pupilar à luz, espasmos, tremores ou rigidez
dessa nos seus receptores Mu, delta e Kappa muscular, afasia e dificuldade de manter a
(BOYER, 2012). Tais receptores se postura. O nível da consciência, sinal

108
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

importantíssimo ao clínico, pode ser resultados foram apresentados em tabelas,


estipulado utilizando do score de Glasgow gráficos, quadros ou, de forma descritiva,
ou do score AVPU. Tais achados clínicos divididos em categorias temáticas
são de suma importância, pois permitem abordando: descrever os subtítulos ou com
determinar empiricamente qual classe de base na âncora teórica.
drogas está causando a overdose bem como
os antídotos específicos que devem ser 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
utilizados (BOYER, 2012).
3.1. Carbamatos
2. MÉTODO Carbamatos são compostos inseticidas,
a exemplo do Lannate e do Aldicarb, muito
O presente estudo trata-se de uma utilizados como agroquímicos em diversas
revisão integrativa, realizada no período de culturas, como a soja, café, algodão, entre
abril a maio de 2021, por meio de pesquisas outras, também sendo utilizado comumente
nas bases de dados: PubMed e MEDLINE, como raticidas domésticos (MEDEIROS et
LILACS e Google Schollar. Foram al., 2017; FERREIRA et al., 2008). Devido
utilizados os descritores: “intoxicação a sua fácil aquisição e elevada toxicidade,
exógena”, “overdose”, “manejo clínico”, os carbamatos e organofosforados são
“epidemiologia” e “tratamento”, em muito utilizados como meio de suicídio,
combinação com “opioides”, “cannabis”, podendo responder por cerca de 30% do
“álcool”, “benzodiazepínicos”, “estimulan- total de casos. Além disso, o total de mortes
tes”, “carbamatos”, “solventes”. Desta por intoxicação com uso de pesticidas é de
busca, foram encontrados mais de 100 258.234, sendo esse número inferior à
artigos, posteriormente submetidos aos realidade, devido à subnotificação de casos.
critérios de seleção. A taxa de mortalidade desse tipo de
Os critérios de inclusão foram: artigos intoxicação varia de 20 a 30% (SAM et al.,
nos idiomas português, inglês e espanhol, 2009).
publicados no período de 1973 a 2020 e que No Brasil, segundo dados do Sistema
abordavam as temáticas propostas para esta Nacional de Informações Tóxico-Farmaco-
pesquisa, estudos do tipo revisão, meta- lógicas (Sinitox) de 2003, o número de
análise e relato de caso indexado, intoxicações por pesticidas seria de 12.788
disponibilizados na íntegra. casos, com uma taxa de mortalidade de
Os critérios de exclusão foram: artigos 1,8%, sendo a maioria dos casos resultante
duplicados, disponibilizados na forma de de ingestão acidental, normalmente por
resumo, que não abordavam diretamente a crianças, (37,1%) ou tentativas de suicídio
proposta estudada e que não atendiam aos (42,5%) (FERREIRA et al., 2008).
demais critérios de inclusão. Os carbamatos agem como inibidores da
Após os critérios de seleção restaram, enzima colinesterase, de modo a elevar a
70 artigos que foram submetidos à leitura concentração da acetilcolina em junções
minuciosa para a coleta de dados. Os

109
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

neuromusculares, nos receptores muscarí- Já com relação à atropina, deve ser


nicos e nos receptores nicotínicos. administrada via intramuscular ou via
Os sintomas associados à intoxicação intravenosa, com dosagem de 1 a 2mg e
por carbamatos são decorrentes desse progressão da dosagem para 4 a 5mg se não
acúmulo de acetilcolina, sendo os princi- houver melhora dos sintomas colinérgicos
pais: astenia, sialorréia, broncoconstrição em 5 minutos (SAM et al., 2009).
com consequente cianose, miose, diarreia,
vertigens, suor excessivo e bradicardia. 3.2. Álcool
Embora baixa (1%), há a possibilidade de O etanol, substância lícita que provoca
ocorrência de edema pulmonar não efeito depressor no sistema nervoso central,
cardiogênico, devido a vasodilatação é a droga mais consumida em todo o
resultante do estímulo simpático produzido mundo. Possui forte impacto social e é
pelo excesso de acetilcolina (FERREIRA et responsável por 5,9% do total de mortes na
al., 2008). população mundial (SUNDHINARASET et
A associação desses sintomas com a al., 2016). Sua ingestão abusiva foi
dosagem sérica extremamente baixa de investigada pela Pesquisa Nacional de
colinesterase confirmam o diagnóstico Saúde (PNS) e é definida como o consumo
diferencial de intoxicação por carbamatos. de quatro ou mais doses de bebidas
(SAM et al., 2009). alcoólicas por mulheres e cinco ou mais
Quanto ao tratamento da intoxicação doses por homens.
por carbamatos, a terapia inclui o fármaco A intoxicação aguda alcoólica é uma
antagonista muscarínico atropina (inibidor condição clínica temporária, que depende
competitivo da acetilcolina) e a adminis- da tolerância e dos níveis sanguíneos de
tração de carvão ativado em casos de a álcool do consumidor. É caracterizada por
intoxicação ter ocorrido em menos de duas alterações físicas e psicológicas, que variam
horas, a fim de exercer um efeito adsorvente desde sinais de embriaguez leve, como
ao carbamato que ainda está no trato excitação e impulsividade, e estão
gastrointestinal e até na sua parcela que já relacionadas a alcoolemia de até 50mg% e
foi absorvida (SAM et al.,2009). O uso de até mesmo coma e depressão respiratória -
carvão ativado em casos de intoxicação níveis séricos de álcool partir de 400mg%
possui um efeito de diálise gastrointestinal, (ROOM et al., 2008).
capaz de diminuir os níveis séricos de Não existe antídoto nem medidas de
diversos fármacos (ALBERTSON et al., eliminação da droga. O manejo inicial
2011; LEAO et al., 2015). Quanto às doses, desses pacientes envolve um ambiente sem
o carvão ativado deve ser utilizado na muitos estímulos, monitorização de sinais
proporção de 1g/kg em crianças menores de vitais, estabilização clínica, proteção de via
1 ano; de 25 a 50g em crianças entre 1 e 12 aérea – devido a maior risco de
anos e de 50 a 100g em maiores de 12 anos broncoaspiração - administração de fluidos
(LEAO et al., 2015). e antieméticos, coleta de exames
laboratoriais gerais e correção de distúrbios

110
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

hidroeletrolíticos, no qual o mais comum é adultos já utilizaram tranquilizantes no


a hipomagnesemia (GRAFF et al., 2010). Brasil e cerca de 50% dos que usam por
Em caso de hipoglicemia, idealmente mais de 12 meses evoluem com síndrome
prescrever Tiamina antes da administração de abstinência (BOTEGA, 2017).
de soro glicosado. Se o paciente apresentar Estes medicamentos possuem ampla
agitação psicomotora, podem ser prescritos margem de segurança e dificilmente levam
antipsicóticos típicos, mais comumente o à morte. Quando usados em doses excessi-
Haloperidol 5mg via intramuscular. A vas, sem associação à outra substância, os
lavagem gástrica é recomendada se há benzodiazepínicos podem causar sonolên-
coexistência de outra intoxicação e ingestão cia, letargia, confusão, leve depressão dos
recente. Os benzodiazepínicos não são sinais vitais e ataxia. Entretanto, quando
recomendados, visto que podem potenciali- misturados com álcool e outras substâncias
zar o efeito depressor do sistema nervoso sedativo-hipnóticas, são capazes de levar o
central (D’ONOFRIO & DEGUTIS, 2002). paciente ao óbito (BOTEGA, 2017).
A Síndrome de Abstinência Alcoólica Em face ao exposto, em casos mais
(SAA) ocorre em bebedores crônicos moderados, deve-se ocorrer a retirada
quando há uma cessação abrupta do progressiva dos benzodiazepínicos, inde-
consumo da substância. É caracterizada por pendentemente do uso abusivo ou da
tremores, inquietação, sudorese intensa, síndrome de dependência, visto que os
aumento do tônus simpático, convulsões, sintomas tendem a ser sutis e devido à
delirium tremens e alucinações. Seu manejo adição que podem gerar. O tratamento
inclui hidratação e aporte nutricional, consiste num corte gradual e este deve ser
administração de Tiamina 100mg IM por 3- negociado com o paciente para que atinja o
7 dias, monitorização de função renal e melhor resultado terapêutico. Uma prática
hepática, dosagem de CPK, e prescrição de comum é a retirada de 25% da dose por
antipsicóticos se necessário (MACIEL et semana, mas esta pode ser mais lenta caso o
al., 2005). médico avalie como necessário. Outro
método utilizado consiste na substituição do
3.3. Benzodiazepínicos benzodiazepínico por um de meia-vida mais
Os benzodiazepínicos são depressores longa do que o que era usado, como
do sistema nervoso, com um teor substituir o Midazolam (1-5 horas de meia-
significativo de fármaco-dependência e vida) por um Diazepam (20-70 horas). Já
com inúmeros pacientes crônicos. Os mais em casos de abstinência, segundo relatos, a
comuns são: Alprazolam, Bromazepam, Buspirona e a Carbamezapina são muito
Clonazepam, Diazepam, Lorazepam, e utilizadas. Apesar da sua eficácia não ser
Midazolam e estes são indicados para o estabelecida, essas drogas podem tratar os
controle de ansiedade, insônia e como sintomas como a ansiedade, tremores e
adjuvantes em inúmeros transtornos palpitações (SADOCK et al., 2017).
psiquiátricos. Apesar de a prescrição ser Por fim, em casos mais graves que
restrita, 2,5% dos adolescentes e 9,6% dos causam a depressão respiratória ou

111
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

neurológica, pode-se utilizar um antago- Esses compostos são encontrados em


nista dos benzodiazepínicos, como o vários produtos domésticos e são divididos
Flumazenil, que possui um efeito mais curto em quatro classes: (1) solventes para colas
do que os benzodiazepínicos. Assim, o e adesivos; (2) propelentes (latas de tinta em
efeito do antagonista pode acabar, mas o aerossol); (3) diluentes (para tintas e fluidos
paciente ainda estará com os sintomas da corretivos); e (4) combustíveis (propano)
intoxicação. O tratamento normalmente (SADOCK et al., 2017). Em relação aos
inicia-se com uma dose de 0,3mg gases anestésicos (éter), e aos vasodila-
endovenosa, podendo chegar ao limite de tadores de ação breve, que também são
2,0mg e se essa não reverter o quadro usados fora de hospitais para se atingir os
rapidamente, investiga-se outra causa para a efeitos aqui citados, o DSM-5 os excluiu
depressão do SNC. Vale destacar que dos transtornos relacionados a inalantes,
pacientes que usam antidepressivos classificando-os como transtornos
tricíclicos, cocaína ou aminofiilina, que relacionados à outra substância.
abrangem um risco de convulsão, o Alguns importantes fatores relaciona-
Flumazenil é contraindicado (BOTEGA, dos ao abuso por solventes são: baixo preço,
2017). fator legal e fácil acesso. Estes contribuem
para o uso elevado e indiscriminado entre
3.4. Solventes indivíduos pobres e jovens, sendo que no
Os solventes ou inalantes são Brasil 2% dos adolescentes e 2,2% dos
hidrocarbonetos voláteis que são inalados adultos já fizeram uso de solventes na vida
pela boca ou pelo nariz, levando à depressão (BOTEGA, 2017).
do sistema nervoso central e estão Quando ocorre a intoxicação por
frequentemente relacionados ao poliabuso. inalantes, assim como ocorre com o álcool,
Eles causam efeitos efêmeros e intensos, os pacientes usualmente não necessitam de
como sensações de euforia e excitação, bem atenção médica e o quadro se resolve de
como outras sensações agradáveis, como a maneira espontânea (SADOCK et al.,
de flutuar. Se usados em doses elevadas, 2017). Entretanto, alguns efeitos mais
podem causar ilusões sensoriais, confusão graves, como coma, broncoespasmo,
mental, alucinações auditivas e visuais arritmias cardíacas e queimaduras, visto que
(BOTEGA, 2017). Já em uso crônico, o podem levar à morte, precisam de
indivíduo pode apresentar como sintomas tratamento. Deve-se ter como cuidados
clínicos: neuropatias, vômitos, hepatite primários a atenção aos sinais vitais e ao
tóxica, insuficiência renal crônica e nível de consciência, além de tranquilizar o
delirium, quando usado concomitantemente paciente. Outros consideráveis elementos
a outra substância. Vale ressaltar que, são os fármacos sedativos, incluindo
apesar de raro, alguns desenvolvem a benzodiazepínicos, que não devem ser
síndrome de abstinência quando cessam o usados, posto que agravam a intoxicação.
uso de inalantes (SADOCK et al., 2017). Portanto, ainda que não tenha um
tratamento bem definido, as intervenções

112
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

que envolvem programas abrangentes de O tempo para o aparecimento dos


apoio e serviço social vêm obtendo sucesso. sintomas depende da via de contaminação:
Faz-se necessário contemplar o estado exposição oral ou respiratória leva a
mórbido do paciente e voltar à atenção para sintomas dentro de 3 horas, enquanto a
experiências de abuso ou negligência que exposição cutânea leva a sintomas mais
são bastante comuns. Desta forma, este tardiamente, em até 12 horas após a
tratamento conjunto possibilitará um exposição. Os sintomas decorrem do
ambiente acolhedor e livre de drogas, além excesso de acetilcolina, que leva a uma
de tornar o indivíduo mais produtivo, seja síndrome colinérgica (VELASCO et al.,
no trabalho ou na escola (SADOCK et al., 2020).
2017). No exame físico, chama a atenção os
sinais de síndrome colinérgica, como
3.5. Organofosforados sialorreia, lacrimejamento intenso e miose,
Organofosforados, como Malathion, além de roncos na ausculta pulmonar que
Parathion e Fenthion, são compostos indicam broncorreia. O paciente pode
orgânicos utilizados principalmente como encontrar-se em insuficiência respiratória
inseticidas na agricultura, como arma tanto pela broncorreia como pela fraqueza
química e em ataques terroristas. No ano de muscular e depressão respiratória. Apesar
2017, houve 3.859 intoxicações por de o paciente poder apresentar taquicardia e
agrotóxicos notificadas no SUS. As hipertensão por ativação simpática, o mais
intoxicações agudas ocorrem principal- comum é a bradicardia e hipotensão,
mente por tentativa de suicídio e por podendo cursar com bloqueios atrioventri-
aplicação dos produtos sem uso de culares e aumento do intervalo QT
equipamentos de proteção individual (EPI). (VELASCO et al., 2020).
Seu uso domiciliar é proibido, sendo restrito Alguns pacientes apresentam a
ao ambiente rural (VELASCO et al., 2020). síndrome intermediária, que consiste em
Esses compostos são facilmente sintomas neurológicos que surgem após 24
absorvidos pela pele, pulmão e trato a 96 horas da exposição, caracterizados por
gastrointestinal. Ligam-se, então, à enzima fraqueza muscular proximal, diminuição de
acetilcolinesterase, levando a uma alteração reflexos tendinosos profundos, fraqueza na
conformacional da enzima, provocando flexão do pescoço e alteração de pares
uma perda de função irreversível. A cranianos (VELASCO et al., 2020).
acetilcolinesterase é responsável pela Além da síndrome intermediária, os
hidrólise da acetilcolina em colina e ácido organofosforados podem levar a uma
acético, sendo que sua inibição leva a um neuropatia tardia, que surge 1 a 3 semanas
acúmulo de acetilcolina nas sinapses após a exposição. Cursa com parestesias em
nervosas e na junção neuromuscular. Além bota de luva, seguida de uma polineuropatia
disso, esses compostos apresentam motora simétrica que se inicia em membros
toxicidade neuronal e podem levar a inferiores e progride para os membros
neuropatias (VELASCO et al., 2020). superiores (VELASCO et al., 2020).

113
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

O diagnóstico da intoxicação por insuficiência respiratória, devemos realizar


organofosforados é eminentemente clínico, intubação orotraqueal precoce. Evita-se o
deve-se levar em conta a exposição ou uso de succinilcolina nesses pacientes, pois
provável exposição associada ao quadro de essa droga também é degradada pela
síndrome colinérgica. Vale ressaltar que é acetilcolinesterase e terá o seu efeito pro-
importante sempre buscar o nome do longado. O uso de bloqueadores neuromus-
composto e o tempo da exposição. Em caso culares não despolarizantes (Rocurônio) é
de dúvida diagnóstica, pode-se realizar indicado, porém doses maiores do que os
prova terapêutica com 1mg de Atropina habituais são eventualmente necessários,
endovenosa e se o paciente não apresentar devido à competição com a acetilcolina na
sinais anticolinérgicos (taquicardia, junção neuromuscular (VELASCO et al.,
midríase) após a administração de Atropina, 2020).
o diagnóstico de síndrome colinérgica é Em caso de bradicardia, orienta-se
reforçado (VELASCO et al., 2020). realizar o tratamento habitual. No paciente
A medida da atividade eritrocitária da hipotenso, a expansão com cristaloides está
acetilcolinesterase é proporcional ao grau indicada, assim como o uso de drogas
de toxicidade, podendo auxiliar no vasoativas, se necessário. Na ocorrência de
diagnóstico, porém é um exame pouco convulsões, benzodiazepínicos são a droga
disponível e demorado. A medida da de escolha. Não há evidências do uso de
atividade da pseudocolinesterase (butirilco- Fenitonína nesses pacientes (VELASCO et
linesterase) é um exame mais disponível, al., 2020).
entretanto não tem utilidade na intoxicação A descontaminação é uma medida
aguda (VELASCO et al., 2020). concomitante à estabilização clínica. Em
Devemos coletar hemograma, glicemia, caso de exposição tópica, retira-se toda a
função hepática e renal, eletrólitos, roupa do paciente e realiza-se a lavagem
gasometria, CPK e eletrocardiograma em abundante da pele com água corrente. A
toda suspeita de intoxicação, já que os lavagem gástrica não é indicada. O uso de
organofosforados apresentam metaboliza- carvão ativado na dose de 1mg/kg (máximo
ção hepática e excreção renal, sendo de 100mg) em ingesta via oral em menos de
importante avaliar a função desses órgãos 1 hora pode ser considerado, com benefício
(VELASCO et al., 2020). incerto. Contraindica-se a indução de
Em relação ao manejo, a equipe médica vômitos devido ao elevado risco de
deve estar paramentada e realizar o broncoaspiração e à ausência de eficácia
atendimento em ambiente, de preferência, desse método de descontaminação
ventilado, a fim de evitar a própria (VELASCO et al., 2020).
exposição tópica ao químico (VELASCO et A terapia específica na intoxicação por
al., 2020). organofosforados consiste na administração
O atendimento inicial visa à de Atropina endovenosa e deve ser
estabilização do paciente. Em caso de realizada o mais cedo possível. A Atropina
rebaixamento do nível de consciência ou compete pela acetilcolina nos receptores

114
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

muscarínicos e reverte seus efeitos. Deve-se medicamentosa de fármacos, os quais visam


realizar bolus de 1 a 4 mg (0,05-0,1 mg/kg o alívio desse sintoma. Um exemplo dessa
em crianças) a cada 2 a 15 minutos até que classe de medicamentos são os opioides,
as manifestações respiratórias (broncorreia compostos amplamente utilizados nas
e depressão respiratória) sejam revertidas. últimas décadas para o controle da dor
Uma maneira simples de guiar a terapia é a (RAUB et al., 2017). Os opioides são
ausculta pulmonar, administra-se Atropina compostos derivados ou sintetizados a
até não se auscultar mais roncos. Podem ser partir de substâncias presentes no ópio,
necessárias múltiplas doses até o efeito líquido encontrado e extraído da planta
desejado. Vale ressaltar que a taquicardia e oriental denominada Papaver somniferum,
midríase não são parâmetros adequados ou Papoula do Oriente como é
para guiar o tratamento. Como a ligação do popularmente conhecida (VANEGAS,
organofosforado é irreversível, após o bolus 2017). É dessa planta que substâncias como
inicial já descrito, é necessário realizar a Morfina e a Codeína são oriundas,
Atropina em bomba de infusão contínua até compostos clássicos e utilizados pela
que os efeitos da intoxicação sejam medicina para, justamente, o controle da
revertidos (VELASCO et al., 2020). dor. Apesar do uso na atualidade,
A Pralidoxima, assim como outras civilizações antigas já conheciam as
oximas, agem nas manifestações nicotínicas propriedades farmacêuticas dessa planta,
da intoxicação. As evidências do uso em ocorrendo registros do manejo medicinal do
intoxicações agudas são inconsistentes na ópio no século IV pelos gregos, no
literatura. O seu uso é indicado em tratamento de cólicas das crianças pelo
pacientes com intoxicações moderadas ou povo egípcio e a popularização desse
graves. Deve-se realizar bolus de 30 mg/kg vegetal e de seus derivados na China e na
endovenoso em 30 minutos, seguido de Índia durante a Idade Média (VANEGAS,
infusão contínua de 8 mg/kg/h até 12 horas 2017). O principal componente opioide, a
após o desaparecimento dos sintomas morfina, foi isolado da planta entre 1803 e
colinérgicos (VELASCO et al., 2020). 1806, ao ponto que a codeína foi
Também é importante ressaltar que toda identificada como também componente do
suspeita de intoxicação ou intoxicação ópio em 1832 (VANEGAS, 2017). A
confirmada deve ser notificada (VELASCO morfina foi utilizada de forma injetável para
et al., 2020). dor intensa mais tarde em 1853. Os
problemas fisiológicos associados ao ópio
3.6. Opioides remetem à época da Guerra do Ópio entre o
A dor é uma das principais Império chinês e a Grã-Bretanha no meio do
manifestações sintomatológicas de quadros século XIX, guerra na qual o Império da
clínicos crônicos que acometem a China já havia identificado o caráter de
população mundial. É nesse contexto que o vício e de prejuízo para sua população
manejo para o controle da dor é realizado, tentando restringir o uso em seu território
por exemplo, através da administração (CANTON ALVAREZ, 2016).

115
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

O mecanismo de ação dos opioides e seu condicionar o indivíduo a uma


efeito analgésico ocorre quando esses superdosagem desses medicamentos, uma
compostos se ligam a receptores específicos maior possibilidade de dependência,
localizados na medula e no cérebro intoxicação e, até mesmo, uma overdose por
(CARDOSO et al., 2021). Existem três essa administração desmedida.
categorias principais para esses receptores: Apesar do conhecimento acerca do
Mu, Delta e Kappa, os quais são mecanismo de ação e das possíveis
encontrados em diversos locais do Sistema complicações com o uso dos opioides, o
Nervoso Central e outros tecidos e, ao número de intoxicação e de quadros de
serem conectados e inativados por seu overdose com esses compostos permanece
ligante - os opioides - desencadeiam reações preocupante. Em um número notificado de
inúmeras, as quais resultam em um efeito 63.632 mortes por overdose de drogas nos
inibitório do sistema nervoso, impedindo a Estados Unidos em 2016, 42.249 (66,4%)
propagação do sinal elétrico, o que foram causadas pela administração de
possibilita a analgesia (CARDOSO et al., opioides, sintéticos e naturais (SETH et al.,
2021). Os receptores Mu para opioides são, 2016). De 2016 a 2017, as mortes
principalmente, os responsáveis pela envolvendo opiáceos aumentaram conside-
predominância dos efeitos clínicos desses ravelmente, e a epidemia de overdose
compostos, possibilitando tanto o alívio da envolvendo essa classe de medicamentos
dor quanto a dependência do organismo continua a piorar e a evoluir devido ao
(WHISTLER, 2012). São associados aos aumento contínuo do uso, principalmente,
receptores Mu, também, o desenvolvimento dos sintéticos (SCHOLL et al., 2018). Entre
da tolerância a esses medicamentos, através os opioides sintéticos existentes, a heroína e
de um processo dinâmico de endocitose e metadona são os principais envolvidos na
reciclagem dessas mesmas estruturas. Isso overdose fatal. Isso porque, essas drogas
pois, após o contato com os medicamentos promovem uma depressão respiratória,
ocorre o desacoplamento dos receptores às alterando o controle da respiração, inibindo
proteínas de membrana, desencadeando o os quimiorreceptores de via, Mu e Delta.
processo de endocitose dessas estruturas Outro fator importante relatado na literatura
que passam a pertencer ao meio intracelular é o aumento da prescrição de opioides.
(WHISTLER, 2012). Posteriormente ao Ainda nos Estados Unidos, segundo a
englobamento desses aceptores, esses “American Association of Poison Control
podem retornar à superfície de membrana Centers”, entre 1997 e 2007, as prescrições
em um processo de reciclagem que volta a de analgésicos opioides aumentaram 700%,
ressensibilizar a célula para a ligação com sendo o número de gramas de metadona
os opioides (WHISTLER, 2012). Esse prescritos no mesmo período tendo um
processo pode tornar necessário que uma aumento de 1200%. Em 2010, a “National
dosagem de medicação de opioides seja Poison Data System” relatou mais de
maior, para sensibilizar as células e atingir 27.500 internações em unidades de saúde
o efeito clínico esperado, fato que pode

116
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

por exposição excessiva a analgésicos quais utilizam esse adesivo para o


opioides. tratamento de dor crônica. Vale lembrar
Em um contexto de tolerância, um que, a análise qualitativa de urina para uso
indivíduo que realiza uma sobredosagem de de drogas não deve afetar e pouco interfere
opioides apresentará uma série de achados no manejo imediato da intoxicação. Isso
clínicos. A sintomatologia para casos de porque, o tratamento no caso de uma
toxicidade em geral, como apneia, estupor e superdosagem por opioide, independente do
miose podem ocorrer, mas não estão tipo específico da substância utilizada,
necessariamente presentes. A condição pouco varia (BOYER, 2012).
clássica da intoxicação por opioides, como Pacientes que apresentam apneia
já mencionado, é a depressão respiratória, a necessitam receber o auxílio mecânico e
qual gera um declínio perceptível em todas medicamentoso para restaurar novamente o
as fases da atividade de ventilação e ato de respirar. Possibilitar uma ventilação
diminuição da frequência respiratória adequada é um manejo simples que permite
(BOYER, 2012). A falha de oxigenação, oferecer meios para o restabelecimento da
com uma saturação de oxigênio inferior a oxigenação no paciente. A administração do
90%, paciente em sono fisiológico que medicamento naloxona é utilizada para os
permanece imóvel e em estupor também casos de superdosagem de opioides. Esse
podem ser outros achados clínicos composto é um antagonista do receptor de
persistentes em overdose por opioides opioides Mu competitivo que reverte todos
(BOYER, 2012). Além desses sintomas, os os sinais de intoxicação por opioides
sinais vitais, a história do paciente e o (BOYER, 2012). A dosagem da naloxona é
exame físico devem ser considerados para empírica, e depende muito da quantidade da
fechar um diagnóstico de overdose. Depois droga presente no organismo do paciente,
da estabilidade do quadro do paciente, o seu peso e a penetrância do analgésico no
médico deve perguntar sobre o uso de sistema nervoso central. Dessa forma, cabe
analgésicos opioides e, também, sobre ao médico administrar uma dosagem inicial
possível uso de substâncias ilícitas. No em adultos de 0,04mg, esperar e analisar a
exame físico, devem ser analisadas as resposta e, caso for necessário, ir
pupilas, seu tamanho e sua reatividade, e aumentando a dose até no máximo 15mg,
analisar o grau de esforço respiratório para obterem uma resposta positiva e
daquele paciente e procurar nos achados reverter o quadro de depressão respiratória
auscultatórios, sinais de possível edema (BOYER, 2012). Após o restabelecimento
pulmonar (KHANDELWAL et al., 2011). da respiração com o uso de naloxona, o
Também durante o exame físico, o paciente deve ser observado entre 4 a 6
profissional deve, com o paciente despido horas antes de receber alta. Caso os
de preferência, realizar uma procura ativa profissionais não obtenham uma resposta
por adesivos de fentanil no corpo do positiva após essa dosagem máxima, uma
paciente, que continuará a liberar doses de alternativa é a intubação orotraqueal para
opioides na circulação desses pacientes, os garantir a ventilação adequada, além de

117
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

serem admitidos para uma unidade de 2012, 1,7% (4,3 milhões) abusava de
terapia intensiva (BOYER, 2012). Para maconha. Com relação à idade do primeiro
casos que forem encontrados os adesivos de uso, aqueles que começaram a usar drogas
fentanil como mencionado anteriormente, o mais cedo (até 14 anos) tiveram maior
profissional deve retirar imediatamente o probabilidade de se tornar aditos do que os
adesivo e lavar a região com água corrente que começaram mais tarde (SADOCK et
e sabão. Após o manejo e reverter o quadro al., 2017).
de overdose, é importante investigar o que A Cannabis ou maconha é a droga ilícita
determinou o quadro de sobredosagem, a mais utilizada no mundo (AMARAL et al.,
fim de identificar a realidade de cada 2010; PEARSON & BERRY, 2019;
paciente e, caso necessário, realizar um SCHEP et al., 2020), sendo que em 2016
encaminhamento para tratamento havia cerca de 192,2 milhões de usuários
psicológico, psiquiátrico e medicamentoso. em todo o mundo com idades entre 15 e 64
Promovendo, portanto, um apoio e um anos, um aumento de 16% em relação ao
atendimento íntegro do quadro patológico e ano de 2006 (PEARSON & BERRY, 2019).
social, o qual o indivíduo está Ao longo dos últimos 30 anos, ela se tornou
condicionado. uma parte da cultura jovem na maioria das
sociedades desenvolvidas, com o primeiro
3.7. Maconha uso atualmente ocorrendo entre a metade e
As drogas psicoativas fazem parte da o fim da adolescência. Trata-se da quarta
existência humana há milhares de anos droga psicoativa de uso mais comum entre
(SADOCK et al., 2017). O ópio, por adultos nos Estados Unidos, depois de
exemplo, é usado para o alívio da dor há cafeína, álcool e nicotina (SADOCK et al.,
mais de 3500 anos e a Cannabis para uso 2017).
medicinal é mencionada em antigos Preparações de Cannabis são obtidas a
herbários chineses (SADOCK et al., 2017). partir da planta Cannabis sativa, que possui
No Brasil, 6% da população (11 milhões de mais de 400 compostos químicos, incluindo
pessoas) apresentam transtornos por uso de mais de 60 canabinoides, sendo o
substâncias considerados graves canabidiol (CBD) e o tetrahidrocanabinol
(AMARAL et al., 2010). (THC) as principais substâncias ativas
O National Institute of Drug Abuse (ASHTON, 2001; SCHEP et al., 2020;
(NIDA) e outros órgãos, como o National FITZGERALD et al., 2013; LAFAYE et
Survey of Drug Use and Health (NSDUH), al., 2017). Ela pode ser consumida por via
conduzem levantamentos periódicos sobre oral ou por inalação (preparações das folhas
o uso de drogas ilícitas nos Estados Unidos. e das flores semelhantes ao tabaco),
Até 2012, estima-se que mais de 22 milhões resultando em sedação, euforia, relaxa-
de pessoas com idade superior a 12 anos mento e perda da inibição social (SCHEP et
(cerca de 10% da população total do país) al., 2020).
foram classificadas como tendo um Ao se fumar Cannabis, os efeitos de
transtorno relacionado a substâncias. Em euforia surgem em minutos, atingem o auge

118
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

em aproximadamente 30 minutos e duram euforia pode ser expressa por marcante


de 2 a 4 horas. Alguns efeitos motores e senso de bem-estar e relaxamento. O
cognitivos podem durar de 5 a 12 horas. indivíduo pode se tornar indiferente ao seu
Quando ingerida por via oral, misturada a meio. A taquicardia está invariavelmente
alimentos, como bolos, o dobro ou triplo da presente, embora menos proeminente do
quantidade é necessário para se ter o mesmo que nos usuários crônicos. Congestão
efeito da inalação da sua fumaça (SADOCK conjuntiva está quase sempre presente.
et al., 2017). Outros sintomas físicos incluem aumento
A intensidade dos efeitos produzidos do apetite, usualmente por guloseima e boca
pelo uso da Cannabis é avaliada seca. Efeitos comportamentais incluem
principalmente de acordo com a concen- ideação paranoide, acessos de pânico e
tração de THC de uma amostra. Este é o afetividade disfórica. A pessoa pode
principal canabinoide psicoativo da acreditar que está morrendo ou
Cannabis. Os efeitos adversos após o uso enlouquecendo. Alguns pensam que estas
agudo ou regular de Cannabis estão em reações adversas ocorrem mais em
relação direta com as concentrações de personalidades rígidas, em pessoas que já
THC no produto (LAFAYE et al., 2017). tiveram perturbação psicótica ou em
O uso abusivo da droga e uma circunstâncias consideradas ameaçadoras,
consequente intoxicação aguda causam os como uma "batida policial". Outros efeitos
seguintes distúrbios: paranoia, delirium, comportamentais incluem interferência na
despersonalização, confusão mental, atuação social ou profissional e
inquietude, ataxia e alucinações, que podem comprometimento do julgamento.
levar a um quadro psicótico agudo e crises Por outro lado, o indivíduo com
de pânico. Uma intoxicação crônica, que abstinência - síndrome específica de cada
ocorre devido ao uso abusivo e prolongado, substância que ocorre após a interrupção ou
pode levar a uma síndrome amotivacional e redução da quantidade da droga ou
apatia intensa. substância de uso regular durante um
O Diagnostic and Statistical Manual of período prolongado – pode apresentar
Mental Disorders (DSM III) publicado pela aumento moderado de irritabilidade,
American Psychiatric Association (APA) nervosismo, ansiedade, sonhos vívidos ou
define: “Intoxicação por Cannabis – As perturbadores, humor deprimido, cefaleia,
características essenciais são sintomas calafrios, dor estomacal, sudorese, tremo-
psicológicos e físicos específicos e efeitos res, inquietação, insônia, anorexia e náusea
desadaptativos comportamentais devidos a leve; todos esses sintomas surgem apenas
uso recente de cannabis. Os sintomas quando o indivíduo interrompe o uso de
psíquicos incluem euforia, intensificação doses elevadas de Cannabis (SADOCK et
subjetiva das percepções, sensação de al., 2017).
lentificação do tempo (cinco minutos O manejo e o tratamento do uso de
parecem uma hora), preocupações com os Cannabis se baseia nos mesmos princípios
estímulos auditivos e visuais e apatia. A que o tratamento para outras substâncias de

119
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

abuso – abstinência e apoio. A abstinência introduzida como inibidor de apetite no


pode ser alcançada por meio de final do século XIX e início do XX,
intervenções diretas, como hospitalização, entretanto, com o passar dos anos, a maioria
ou mediante monitoramento atento de base desses medicamentos foram se tornando
ambulatorial por meio de exames de urina, ilegais devido ao abuso de drogas para fins
que podem detectar a presença de Cannabis recreativos e aos efeitos colaterais (MORO
até quatro semanas após o uso. Pode-se et al., 2006).
obter apoio por meio de psicoterapia MDMA: "ecstasy", "MD" - A
individual, familiar e de grupo (SADOCK motivação para o uso de anfetaminas, em
et al., 2017). geral, é para obter melhor desempenho e/ou
No caso de alguns indivíduos, fármacos sensação de euforia. Seu uso é feito por
ansiolíticos, como Clonazepam e diversos grupos, como jovens, estudantes,
Diazepam, podem ser úteis para o alívio de trabalhadores com prazos importantes,
curto prazo dos sintomas de abstinência. caminhoneiros e pessoas que buscam
Para outros, o uso de Cannabis pode estar emagrecer.
relacionado a um transtorno depressivo A fisiopatologia ainda não é totalmente
subjacente, que pode melhorar com um compreendida, entretanto, ela envolve a
tratamento específico com antidepressivos liberação de serotonina, dopamina e
(SADOCK et al., 2017). noradrenalina (HALL, et al., 2006).
O uso de clozapina também se mostrou O diagnóstico é clínico e o quadro
eficiente: um ensaio duplo-cego mostrou clínico se apresenta em diferentes graus,
que ela tem um efeito útil na redução do porém, os efeitos agudos graves são
desejo pela Cannabis (MURRAY et al., relativamente raros. Os efeitos menores são,
2016). taquicardia, hipertensão, midríase, boca
Por fim, os canabinoides raramente seca, nistagmo, elevação do humor,
causam emergências médicas ou confusão, febre, insônia, bruxismo, tremor,
psiquiátricas. Quando estas ocorrem, na dispneia, náusea, vômito, inquietação e
maioria das vezes estão ligadas ao uso transtornos de ansiedade, de depressão e de
crônico e de altas doses, além do consumo pânico. Os efeitos adversos graves estão
concomitante de outras substâncias associados a doses elevadas (cada vez
psicoativas (SADOCK et al., 2017; maiores pela tolerância do usuário) e dos
AMARAL et al., 2010). episódios de uso - sensibilização do
organismo aos efeitos adversos. A
3.8. Estimulantes exacerbação dos efeitos já mencionados
Os estimulantes são um amplo grupo de somados ao delírio persecutório e a psicose
drogas que estimulam o SNC, causando anfetamínica (paranoia e alucinações) pode
euforia e sintomas associados. Eles podem evoluir para quadros mais severos que
ser de origem vegetal (cafeína e derivados exigem tratamentos mais específicos, além
da coca) ou sintética (ex. anfetaminas). A de aumentar o risco de trauma (HALL, et
primeira anfetamina foi sintetizada e al., 2006).

120
Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Hipernatremia, rabdomiólise e Hiponatremia e edema cerebral - o


falência múltipla de órgãos - causada pela conhecimento relativamente comum entre
hipertermia associada à desidratação que usuários de MDMA sobre o risco de
dificulta a termorregulação. O estímulo de hipertermia leva ao consumo hídrico em
5-hidroxitriptofano e dopamina provocados grandes volumes em alguns indivíduos, dos
pela droga, além da situação circunstancial efeitos das anfetaminas que promovem esse
típica do uso da droga (festas em que o comportamento, como boca seca,
indivíduo realiza atividades físicas comportamento repetitivo, menor inibição e
extenuantes, dança e com temperatura maior liberação de ADH. Consequen-
elevada) levam ao aumento de temperatura temente, há hiponatremia e edema cerebral
corporal, desidratação e hipernatremia. Tais que se apresentam com quadro de confusão
condições podem evoluir para a síndrome e convulsão e/ou delirium com possível
serotoninérgica, rabdomiólise e falência rápida evolução para o estado comatoso.
múltipla de órgãos, em que quanto maior a Em geral, paciente com hiponatremia não
temperatura e duração da hipertermia são apresentam hipertermia
indicadores de risco de mortalidade. Morte súbita - pouco é conhecido sobre
Síndrome seratoninérgica - excesso de seu mecanismo, é provável que seja causada
atividade seratoninérgica no sistema pelo estímulo excessivo do sistema nervoso
nervoso provoca hiperatividade do sistema simpático. Pode estar relacionada com
nervoso autônomo e muscular. Outras doenças cardiovasculares não diagnosti-
drogas e associações de drogas podem cadas em jovens.
provocar essa síndrome, como iMAO e Ataque do pânico e ansiedade grave
ISRS. Provoca alterações musculares aguda - resolução espontânea em algumas
(tremor, hiper-reflexia e mioclonias), do horas, mas há casos de persistência por
estado mental (agitação, confusão mental e meses. Sua ocorrência pode estar
hipomania), do sistema autônomo relacionada ao número de episódios de uso
(hipertensão, hipotensão postural, midríase, de anfetaminas, doenças mentais pré-
diarreia, agitação e taquicardia) e existente e vulnerabilidade intrínseca do
hipertermia (se moderado 40 °C e se grave usuário. Além dos efeitos agudos, pode
cerca de, 41,1°C) que podem evoluir para haver dano neurológico permanente.
rabdomiólise, coagulação disseminada, O tratamento específico do MDMA
falência múltipla dos órgãos e convulsões consiste em reverter o quadro clínico, no
tônico-clônicas. caso (HALL, et al., 2006):
Falência hepática - apresenta icterícia, Hipertermia - reposição de fluidos e se
dor abdominal, aumento das transminases, temperatura for maior que 39 °C
do tempo de protrombina e hipoglicemia. A administrar dantrolene. Terapia adjuvante
lesão é causada pela hipertermia possível- se necessário: administração de O₂ a 100%
mente associada a uma reação de e controle de acidose, arritmia e proteção
hipersensibilidade mediada por eosinó- renal.
filos.

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Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Síndrome de seratonina - casos leves e conversão da substância por aquecimento,


moderados podem ter resolução dando origem ao Crack (PROSSER et al.,
espontânea, mas exigem monitoramento. 2015).
Casos graves, suporte ventilatório e Basicamente, o mecanismo de ação da
administração de bloqueadores cocaína no sistema nervoso central é o
neuromusculares. bloqueio da recaptura de catecolaminas
Hiponatremia e edema cerebral - (dopamina, adrenalina e noradrenalina).
restrição hídrica, correção de eletrólitos Dessa forma, o consumo de cocaína aumen-
(não deve ultrapassar 6-8 mmMol/L/dia ta a concentração e duração desses neuro-
para evitar a síndrome de desmielinização transmissores estimulando os receptores
osmótica) e, se necessário, administração de alfa, beta-1 e beta-2 adrenérgicos. A
solução hiperosmótica. Há pouca evidência cocaína é uma droga de duração breve e de
sobre os benefícios de usar diuréticos. efeito rápido. Leva à agitação psicomotora,
Falência múltipla de órgãos - manitol vasoconstrição, taquicardia, hipertensão
ou furosemida para levar aumentar a arterial. O bloqueio nos canais de sódio leva
diurese. localmente à anestesia das membranas
Hipertensão grave - labetalol. axonais. O uso crônico pode levar a
Ataque do pânico e ansiedade grave miocardite e focos de micro fibrose
aguda - benzodiazepínicos (diazepam 0,1- miocárdica (PROSSER et al., 2015).
0,3 mg/kg via oral) são efetivos. No A dose tóxica varia com a tolerância do
tratamento crônico podem ser usadas indivíduo, via de administração e associ-
diversas classes de drogas, incluindo, ações com outras drogas. Há relatos de
benzodiazepínicos e ISRS. óbito com doses de 20mg utilizadas de
Convulsão: diazepam 0,1-0,3 mg/kg forma parenteral. A ingestão única de 1g ou
via intravenosa. mais pode ser fatal. O quadro clínico mais
predominante se deve à estimulação simpá-
3.9. Cocaína tica decorrente da síndrome adrenérgica. Os
A cocaína é uma droga psicoesti- níveis de intoxicação podem ser divididos
mulante, com propriedades anestésicas e em: (1) leve a moderada; e (2) grave. Sob
vasoconstritoras, extraída das folhas da sua manifestação leve a moderada encontra-
planta Erythroxylon coca. É alcaloide de se: agitação psicomotora, medo, falsas
sabor amargo, cristalino, inodoro e de alucinações, inquietação, instabilidade
coloração branca. Sua utilização pode ser emocional, movimentos estereotipados,
através de folhas de coca mascadas sob convulsões, tremores faciais inconscientes,
forma de chá ou junto à substância palidez, hipertensão, taquicardia, dor torá-
alcalinizante, também é utilizado sob forma cica, hipertermia, sudorese, pupilas dilata-
em pasta de nome “Merla”, normalmente das, dor de cabeça, náuseas e vômitos, dor
sendo fumada em cachimbos. Mais abdominal. Já os achados clínicos para
comumente, é administrada por via nasal intoxicações graves, além dos sintomas
sob a forma de cloridrato de cocaína, ou citados acima, são: arritmias cardíacas,
sendo fumada em cachimbos através da hipotensão arterial, dispneia, infarto agudo

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Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

do miocárdio, convulsão e status epilep- vitais, a manutenção do acesso venoso


ticus. Caso não haja resposta à medicação, calibroso, a hidratação adequada e a
poderá evoluir para insuficiência renal, utilização de medidas de resfriamento
coma, fibrilação ventricular, insuficiência corporal caso indicadas. A descontami-
respiratória e óbito. nação é indicada em casos de ingestão
Na anamnese, durante a abordagem acidental, normalmente feita por pessoas
inicial, deve ser perguntado a via de intituladas body packers ("mulas") ou body
administração da droga, quanto tempo após stuffers (eventual ou pequeno traficante que
o uso os sintomas iniciaram, se o paciente é ingere pequena quantidade da droga para se
alcoólatra, se está grávida, se há presença de livrar do flagrante policial).
dor torácica e/ou abdominal, e se houve Para pacientes sintomáticos, é utilizado
associação com bebida alcoólica e/ou com benzodiazepínico para controle da agitação.
medicamentos. O diagnóstico clínico deve A sedação suficiente pode prevenir o
ser feito através da suspeita em adultos desenvolvimento de rabdomiólise, hiperter-
jovens que desenvolvem síndrome mia, pressão alta e convulsões. Nos casos
adrenérgica. Podem ser encontradas lesões graves, podem ser necessárias intubação
nas mucosas nasal ou restos de pó ao redor orotraqueal e medidas de resfriamento
das narinas de indivíduos que fizeram a corporal. Em adultos, é administrado Diaze-
utilização via intranasal. Nos usuários de pam de 5 a 10mg IV repetidos a cada 5 a 10
crack, são comumente encontradas minutos até o controle das manifestações ou
queimaduras em pontas dos dedos. O até 1 mg/Kg. Na impossibilidade de
diagnóstico complementar pode ser feito obtenção de acesso venoso, pode-se utilizar
laboratorialmente através de exames Midazolam IM. Em crianças, Diazepam
específicos como testes qualitativos em 0,25 a 0,4 mg/kg/dose IV repetidas a cada 5
urina e cromatografia em camada delgada a 10 minutos conforme necessidade, até o
(CCD) em urina, ou em exames gerais como máximo de 10 mg. Para o controle das
glicose, função renal, monitoramento de convulsões, sugere-se a utilização de
eletrólitos, gasometria, RX de tórax e benzodiazepínicos e, em casos refratários,
abdome em caso de queixa de dor nessas Fenobarbital. Em caso de hipotensão ou
regiões, ECG, CPK, urina com pesquisa de choque, deve-se colocar o paciente em
mioglobinúria na suspeita de rabdomiólise, posição de Trendelemburg e infundir
troponina na suspeita de isquemia cristaloides e aminas vasoativas, se
miocárdica, TC de crânio se os sintomas necessário. Preferir dopamina, e se não
neurológicos persistentes (BENOWITZ et houver resposta norepinefrina. Usar
al., 2012). dopamina em doses de: > 10 µg/ kg/min e
O tratamento deve ser feito através de aumentar conforme a necessidade, doses
medidas de suporte e descontaminação. altas podem ser necessárias chegando até 50
Para o suporte pode ser recomendado a µg/kg/min. Não usar neurolépticos
desobstrução das vias aéreas e adminis- (haloperidol, clorpromazina) pelo risco de
tração de oxigênio suplementar quando convulsão, taquicardia, arritmias, piora da
necessário, a monitorização dos sinais hipertermia e indução de reações distônicas.

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Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Deve-se ter o cuidado com a utilização de toxicidade específicos de cada droga.


succinilcolina, pois essa é metabolizada Assim, no contexto de manejo clínico,
pelas colinesterases plasmáticas, e na durante o atendimento dos pacientes nos
ocorrência de rabdomiólise pode agravar a casos de intoxicação, sobredosagem ou
hipercalemia e aumentar o risco de arritmias overdose, tais conhecimentos são essenciais
cardíacas. Também deve-se evitar medica- para evitar um quadro de complicação e
mentos com ação anticolinérgica importan- agravamento desses pacientes. Dessa
te como a prometazina. Pacientes assinto- forma, cabe aos profissionais da saúde
máticos devem ser monitorados por 12 compreender o fundamento da intoxicação
horas, caso estejam com sinais vitais e por essas substâncias, o mecanismo de ação
exames laboratoriais normais podem no organismo, bem como quais antagonistas
receber alta hospitalar e devem ser específicos devem ser utilizados para
encaminhados para serviço especializado reverter esses quadros. Em muitos casos, a
para tratamento da dependência evolução imprevisível da intoxicação
(BENOWITZ et al., 2012). demanda um manejo empírico dos
No caso de ingestão acidental de medicamentos e dos sintomas potencial-
pequenas quantidades, o tratamento é mente letais, exigindo ainda mais cautela.
através de carvão ativado em dose única, Além disso, cabe aos médicos observar e
catártico salino e monitorização. Já com a identificar situações de administração
ingestão de grandes quantidades, o inapropriada dos pacientes e rastrear
tratamento recomendado é a lavagem possíveis doenças mentais associadas aos
intestinal contínua com solução de polietil- transtornos comportamentais. Dessa manei-
enoglicol (manipulada) até eliminação total ra, será realizado não só um atendimento
das cápsulas: adolescentes e adultos, 1.500 clínico como também psicossocial,
a 2.000 mL/hora; 6 a 12 anos, 1.000 compreendendo o paciente de uma forma
mL/hora; 9 meses a 6 anos, 500 mL/hora. integral e mais humana, sendo possível ao
Nesses casos, também deve ser feita a profissional realizar, se necessário, o
monitorização e em caso de início de encaminhamento do paciente para as áreas
sintomas, intervenção cirúrgica imediata. de psicologia, psiquiatria e assistência
Em casos de drogas embaladas hermetica- social.
mente e introduzidas nos orifícios naturais, Torna-se fundamental que a abordagem
o tratamento consiste na retirada mecânica do manejo, também, respalde as questões da
e/ou catártico salino (BENOWITZ et al., educação em saúde. Quando identificado
2012). um caso de sobredosagem por uma
administração inadequada, seja ela consci-
ente ou não, cabe aos profissionais orientar
4. CONCLUSÃO os pacientes para que seja reestabelecido a
dosagem adequada para cada caso ou para
Após análise de todos os tópicos, desestimular o uso de drogas prejudiciais ao
portanto, reflete-se sobre a importância do organismo. Mantendo a coerência com a
conhecimento acerca dos aspectos de realidade de cada indivíduo, os médicos

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Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

devem estabelecer um diálogo que oriente a clínico nos casos de intoxicação e overdose
população acerca dos riscos de intoxicação será realizado de forma eficaz, revertendo
e overdose condicionadas por uma dosagem os sintomas e contornando gravidades, além
elevada dessas drogas. Somente assim, de estimular a educação em saúde para
compreendendo não somente a fisiopato- combater, de fato, a sobredosagem e os
logia, mas também o contexto social em que vícios que acometem a população.
aquele paciente está inserido, o manejo

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Capítulo 09
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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129
Capítulo 10
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 10
SEQUÊNCIA RÁPIDA DE
INTUBAÇÃO NO
CONTEXTO DA
EMERGÊNCIA

Palavras-chave: Sequência rápida intubação; Intubação


traqueal; Emergência; Via aérea definitiva.

MIRTHES MONTEIRO ORTEGA¹


GABRIELA MONTEIRO ORTEGA²

1
Fisioterapeuta Especialista Respiratória, pós-graduada pela UNIFESP e
Discente de Medicina - Universidade Municipal de São Caetano do Sul,
São Paulo/SP.
2
Discente de Medicina - Centro Universitário das Américas, São Paulo/SP.

1
Capítulo 10
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO rápida” significa que os medicamentos


devem ser administrados rapidamente e em
A Sequência rápida de intubação (SRI) série.
é um método usado para o controle rápido Stept e Safar recomendaram a injeção
da via aérea enquanto minimiza os riscos de acelerada de uma dose já calculada do
regurgitação e aspiração do conteúdo fármaco de indução, no entanto, uma dose
gástrico, que significa a administração predeterminada fixa acarreta o risco de
sequencial ou quase simultânea de um subdosagem, com risco de hipertensão ou
agente indutor (analgésico e sedativo) e mesmo de sobredosagem com risco de
dose-paralisante de um agente bloqueador hipotensão.
neuromuscular, seu uso tem indicação A subdosagem como resultado de uma
precisa, diante da necessidade de facilitar as administração de dose predeterminada pode
condições de intubação (IT) gerando ser a razão pela qual uma maior incidência
melhores condições de visualização, de consciência é relatada em pacientes
indicada como procedimento padrão para obstétricos ou de trauma. No entanto, a
IT em cenários de urgência e emergência. sobredosagem pode causar súbita e
A Sequência Rápida de Intubação significativa diminuição da pressão arterial,
consiste em: que pode ser indesejada e até fatal. Isso é
Preparação: checar sinais que indiquem especialmente verdadeiro nos pacientes que
intubação difícil, fazer um plano de se encontram hipovolêmicos, ressalta-se
intubação incluindo vias alternativas de que nesse grupo de pacientes os
assegurar a via aérea e reunir equipamentos mecanismos compensatórios podem já estar
e medicações. esgotados.
Pré-oxigenação: recomenda-se que todo Os bloqueadores neuromusculares, são
paciente que necessite de intubação divididos de acordo com seu mecanismo de
endotraqueal receba oxigênio em alto fluxo ação, em despolarizante e não despo-
imediatamente. larizante. O único agente despolariz-ante na
Pré-tratamento: dependendo das cir- prática clínica é a succinilcolina e é a
cunstâncias clínicas pode-se usar medica- primeira escolha de bloqueador neuromus-
ções antes da indução como a atropina nos cular na prática da emergência clínica pela
casos de bradicardia, noradrenalina, dopa- sua superioridade em relação aos bloque-
mina no choque e/ou lidocaína. adores não despolarizantes.
Indução: são diferentes tipos de indução Posicionamento: posição de ‘cheirador’
utilizados dependendo da situação clínica. com coxim suboccipital de modo a alinhar
A dose e o momento da administração dos o meato acústico com o esterno do paciente.
fármacos de indução são pontos controver- Extensão do pescoço, realizando, a
sos. A recomendação tradicional é injetar intubação orotraqueal propriamente dita. A
rapidamente uma dose predeterminada do confirmação do posicionamento do tubo
fármaco de indução da hipnose seguida endotraqueal, na prática da emergência é
imediatamente pelo bloqueador neuromus- feito através da ausculta dos campos
cular (BNM). De fato, o termo “sequência pulmonares e do estômago. Orienta-se
2
Capítulo 10
TRAUMA E EMERGÊNCIA

iniciar com a ausculta do epigástrio, caso unidades de terapia intensiva e nas salas de
positiva sabe-se do mau posicionamento do emergência. Durante a IOT tem o risco da
tubo, caso negativa, é feita a ausculta dos aspiração do conteúdo estomacal, pela
campos pulmonares buscando uma simetria circunstância da laringe se tornar
entre os dois lados. Se disponível, checa-se incompetente pela indução da anestesia.
o posicionamento correto do tubo através da Portanto, a IOT mais segura frente a este
aferição de CO2 excretado (capnografia). O risco seria a intubação acordado (ITA) antes
RX de tórax é realizado para determinar se da indução da anestesia. Entretanto,
houve intubação seletiva para o brônquio destaca-se que essa técnica exige colabora-
fonte direito. ção extrema do paciente e leva a um estresse
Por fim os cuidados pós intubação, o elevadíssimo no mesmo e que, dentro de
tubo deve ser fixado, RX de tórax pós muitos cenários, é prejudicial ao próprio
intubação orotraqueal (IOT) deve ser paciente.
realizado na busca de complicações e a Em síntese, a SRI é utilizada para
ventilação mecânica deve ser ajustada. adequar o risco da aspiração traqueo-
Medicamentos usados para SRI são brônquica frente a cenários em que a IOT
normalmente de curta ação, assim deve-se acordada é contraindicada, ou deve ser
assegurar sedação de longo prazo, analgesia evitada como consequência ao elevado
e eventualmente paralisia se necessário. Em estresse que provoca e a falta de
alguns casos o paciente pode ser mantido colaboração do paciente. É importante ter
sem sedação, cada caso deve ser discutido em mente que o desempenho adequado da
individualmente. SRI requer não somente a prevenção da
aspiração bem como o controle definitivo
2. MÉTODO da via aérea. Assim, deve-se estar preparado
para a possibilidade da falha na IOT e da
Trata-se de uma revisão bibliográfica prevenção da aspiração broncopulmonar.
não sistemática da literatura em língua Portanto, deve-se ressaltar que é prudente
portuguesa e inglesa. As bases de dados idealizar com antecedência medidas de
pesquisadas foram: biblioteca virtual, contingência, sempre resguardando que o
eletrônica, banco de dados informatizados controle sobre a hipóxia tem preferência
(SciELO, LILACS, PubMed), selecionando sobre uma, potencial aspiração
livros e artigos publicados entre os anos de traqueobrônquica.
2015 e 2021, disponíveis na integra.
As principais indicações de IOT são:
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO ● Procedimentos e cirurgias
● Impossibilidade de manter via aérea
A intubação orotraqueal é um pérvia
procedimento médico que visa estabelecer o ● Insuficiência respiratória aguda grave e
controle definitivo da via aérea. Esse refratária
procedimento é comumente realizado em ● Hipoxia e/ou hipercapnia
pacientes nas unidades de emergências,
3
Capítulo 10
TRAUMA E EMERGÊNCIA

● Escala de Coma de Glasgow (GCS) ≤ 8 possível, de elevado fluxo para uma


● Instabilidade hemodinâmica grave ou administração rápida de fármacos. A
parada cardiorrespiratória avaliação do equipamento de oxigenação e
● Antecipação de piora em pacientes IOT que será utilizado com a garantia de sua
queimados ou em pacientes com visível perfeita performance. A idealização e
desconforto respiratório que poderão preparo das medidas de contingência para a
entrar em fadiga da musculatura situação da IOT não ocorrer com sucesso. E
respiratória o monitoramento do paciente deve ser com
A única contraindicação absoluta é: a SpO2 adequada, pressão arterial não
transecção de traqueia. invasiva (PANI) e a cardioscopia. Lembran-
Como foi exposto, existem variações do que esse monitoramento pode ser
técnicas e controvérsias importantes sobre a ampliado conforme as necessidades do
técnica da SRI. Entretanto, princípios para a paciente. É necessária a presença de um
segurança do paciente devem ser obede- assistente treinado na aplicação da manobra
cidos, como antes de iniciar SRI garantir um de Sellick, caso esta seja indicada. É
adequado preparo da mesma e das medidas consenso que a manobra de Sellick deve ser
de contingência, para o caso da ocorrência aplicada pelo profissional mais experiente
de falha da intubação. da equipe.
A avaliação da via aérea do paciente
3.1. Preparo pode ser feita através da técnica LEMON ou
3.1.1. Checagem obrigatória para SRI simplesmente pela Classificação de
A checagem do perfeito funcionamento Mallampati e Classificação de Cormack-
dos equipamentos para remoção de Lehane (esta última durante a intubação).
secreções ou vômito é mandatória antes do Se for observado via aérea difícil, devemos
início de uma SRI. O aspirador deve estar solicitar o kit de via aérea difícil e já pensar
em perfeita atividade com dispositivo em possíveis complicações – devendo
rígido. O acesso venoso seguro e, se sempre ter um plano alternativo em mente.

Tabela 10.1 Técnica LEMON, mnemônico que avalia 5 itens


L Look externally Edema, traumas faciais, desvio traqueal
Regra 3-3-2
E Evaluate 3 dedos de abertura bucal, 3 dedos entre o mento e o
hioide, 2 dedos entre hioide e cartilagem tiroidiana
M Mallampati Visualização da orofaringe

O Obstruction Traumas, epiglotes, abcessos

N Neck mobility Flexão, extensão, colar cervical

Classificação de Mallampati: quanto maior, mais difícil será a intubação.

4
Capítulo 10
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Figura 10.1 Classificação de Mallampati

Legenda: Class 1: Completa visualização do palato mole; Class 2: Completa visualização da úvula; Class 3:
Visualização da base da úvula; Class 4: O palato mole não é visível. Fonte: J. Evolution Med. Dent. Sci./eISSN- 2278-
4802, pISSN- 2278-4748/ Vol. 05/ Issue 36/ May 05, 2016.

3.2. Pré-oxigenação (preferencialmente > 90%). Um outro


A pré-oxigenação é vital para processo relatado é ofertar O2 (60 a 100%)
maximizar o O2 disponível para o paciente até se obter a maior SaO2 possível no
a partir da sua capacidade residual funcional paciente (preferencialmente > 99%).
(CRF). Ressalta-se que, apesar dessa
obrigatoriedade, a incidência na queda na 3.3. Posicionamento
oxigenação e forma grave é uma das O posicionamento do paciente também
situações mais comuns durante a SRI. A é controverso na literatura, com cada autor
fração inspirada de O2 pode variar de 60 a justificando sua conduta. É conhecido que a
100% conforme o estado clínico do head up position (cefaloaclive) melhora a
paciente. Porém, deve ser lembrado que oxigenação, diminui a pressão intraocular e
existe diferença quanto ao tempo da queda possivelmente a possibilidade de regur-
da saturação arterial de oxigênio (SaO2 < gitação. Porém, Semler e col., em 2017,
90%). Logicamente a fração inspirada de observaram em estudo multicêntrico que a
O2 ofertada de 60% resulta em uma queda posição em rampa, semelhante à head up
mais rápida que a de 100% position, dificulta a visualização da laringe
A administração do O2 pode ser feita quando comparada com a posição
por um tempo fixo como durante 3 minutos convencional de IOT (sniffing position). A
com o paciente respirando com sua posição em cefaloaclive vem sendo
capacidade vital, com 5 minutos com o defendida para SRI em obstetrícia desde a
paciente respirando com seu volume década de 1950. Stept e Safar, em 1970,
corrente, ou até́ que a fração expirada de O2 modificaram a posição head-up
chegue a um valor mais elevado possível sensivelmente recomendando a posição
5
Capítulo 10
TRAUMA E EMERGÊNCIA

semisentada com as pernas elevadas, cefalodeclive rapidamente, se não tinha sido


posição em “V”. O tronco é elevado a 30° adotada. Isto facilitaria a aspiração e
com o objetivo de neutralizar a evitaria que uma maior quantidade de
regurgitação, e os membros inferiores sujidade alcançasse a via área (VA).
elevados para minimizar a hipotensão. A
ideia era elevar a laringe acima do esfíncter 3.4. Otimização dos pacientes
esofagiano inferior por uma distância que se Os pacientes podem ter dificuldade de
excede a pressão intragástrica esperada IOT pelos mais variados motivos, como o
máxima para se evitar a sujidade dá árvore micrognatismo, redução da mobilidade do
traqueobrônquica em caso de regurgitação. pescoço e muitas outras causas. Embora o
Opositores da posição head-up argumentam choque séptico, a depressão miocárdica
que, caso ocorra o vômito ativo (diferente grave ou a incapacidade de oxigenar por si
de regurgitação passiva), poderia acontecer só não tornem o ato de laringoscopia e a
de o material gástrico atingir a laringe e a IOT mais difíceis, eles podem contribuir
aspiração ser inevitável por causa da para o estresse do operador e a morbidade
gravidade. do paciente ao diminuir drasticamente o
Outros autores argumentam que a tempo disponível para uma IOT confortável
posição head-down (cefalodeclive) seria, ao operador. O paciente instável ou com sua
teoricamente, mais vantajosa porque VA difícil de ser controlada fica com um
qualquer vômito ou material regurgitado risco maior de hipoxemia e/ou colapso
seria direcionado para a orofaringe, circulatório após receber agentes de
afastando-se da traqueia. A razão dessa indução. A etapa de otimização do paciente
interpretação é que a carina estaria mais envolve a identificação e mitigação de áreas
elevada que a laringe nesse posicionamento. de vulnerabilidade cardiopulmonar que
Um terceiro grupo de autores prefere a podem complicar os esforços de ressus-
posição supina neutra porque permite a IOT citação, mesmo que a IOT seja rápida e
mais fácil e, portanto, mais rápida. realizada suavemente. Se a necessidade de
Advogam que ela é segura, desde que a IOT não for imediata, os parâmetros
manobra de Sellick seja aplicada de forma hemodinâmicos anormais devem ser
adequada. Destaca-se que a maioria dos regularizados tanto quanto possível antes da
anestesiologistas utiliza a posição de um SRI.
decúbito elevado de 30 a 45 graus nas O problema fisiológico mais comum é a
análises publicadas. Independentemente da hipotensão. Esta é usualmente consequên-
posição do corpo do paciente, deve-se ter cia do choque hemorrágico, da desidratação
em mente que o posicionamento para uma grave, por causa da sepse e do choque car-
IOT fácil e, portanto, rápida é muito diogênico, condições comuns nas unidades
importante. No evento de ocorrer vômito ou de emergência e que podem complicar o
regurgitação, caso não exista uma cenário do paciente, apesar da IOT bem-
contraindicação clara, a mesa cirúrgica deve sucedida. Podem-se utilizar fluidos
ser capaz de ser colocada na posição isotônicos, produtos sanguíneos e agentes
6
Capítulo 10
TRAUMA E EMERGÊNCIA

adrenérgicos, para suportar a pressão exemplo, fentanil, três a quatro minutos).


sanguínea e aumentar as opções Em razão de o perfil farmacocinético do
farmacológicas para SRI. A hipertensão alfentanil ser mais rápido, esse opioide é
arterial, apesar de menos comum, também muito adequado nesse propósito da SRI.
deve ser manejada, se possível, antes da Durante essa etapa, deve-se estimular o
laringoscopia e IOT, ambas conhecidas por paciente a respirar profundamente pela
resultar em uma descarga adrenérgica. É máscara facial com oxigênio ou por outra
corriqueira a repercussão hemodinâmica, fonte de O2, como os cateteres nasais de
em especial a hipotensão e bradicardia, nos alto fluxo. A associação de lidocaína para
pacientes submetidos a SRI. Essa minimizar o estresse da IOT é controversa.
observação se deve à rapidez na indução Existem evidências de que esse fármaco
necessárias e à obrigação de se utilizar isolado não apresenta ação em suavizar a
doses fixas dos agentes anestésicos e dos resposta simpática. Outros fármacos
BNM, contrariamente quando se emprega coadjuvantes, como o esmolol e a
doses tituladas. A procura de fármacos, dexmedetomidina, parecem ser mais
hipnóticos e analgésicos que pudessem eficazes para esse propósito. A atropina
evitar essas repercussões escritas ainda é pode estar indicada nessa fase nos pacientes
palco de pesquisas, inclusive de associações pediátricos com menos de dez anos de idade
como propofol e cetamina (cetofol) ou como também naqueles pacientes com
etomidato e fentanil (etofen) e muitas bradicardia significativa e que se tem a
outras. Mesmo a cetamina pura, intensão de utilizar a succinilcolina. Ainda
dependendo da intensidade do choque, pode nessa fase, pode-se indicar o emprego de
piorar a hipotensão arterial. Portanto, uma baixa dose de BNM adespolarizante
sempre que for possível, é mais adequado (pré-curarização). Essa indicação é
buscar a estabilização e otimização do reservada aos pacientes que vão receber
paciente antes da SRI. succinilcolina como agente do relaxamento
muscular para IOT e apresentam o risco de
3.5. Agentes anestésicos e aumento da pressão intracraniana. Outra
bloqueadores neuromusculares indicação dessa alternativa seria nos
3.5.1. Pré-tratamento pacientes que, por qualquer outro motivo,
Antes da utilização do hipnótico e do deseja-se impedir as fasciculações
BNM, é necessário o emprego de fármacos induzidas pela succinilcolina. A dose
de forte ação analgésica, como um opióide. recomendada do BNM adespolarizante
O fundamento desse pré-tratamento é nessa fase é a de um décimo da dose normal
diminuir o estresse da IOT que se seguirá. utilizada de BNM (por exemplo, a dose de
Muitas são as técnicas de administração dos rocurônio seria um décimo da dose de 0,6
opioides sugeridos para esse fim, porém, mg/kg). Essa quantidade deve ser
mais importante é que se espere o tempo administrada três minutos antes da admi-
suficiente para a sua ação central (por nistração da succinilcolina.

7
Capítulo 10
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.5.2. Indução •Doenças neuromusculares envolvendo


denervação (lembrar que a succinilcolina é
Momento da administração dos segura na miastenia gravis);
fármacos • AVC com mais de 72 horas de evolução;
• Distrofia muscular
 Midazolam: dose 0,2 a 0,3 m/kg.
• Queimadura com mais de 72 horas de
Contraindicação: depressão miocárdica dose
evolução;
dependente resultando em hipotensão.
• Rabdomiólise.
Vantagem: um potente anestésico.
Atualmente, não há dados para
 Propofol: dose 1,5 a 3 mg/kg. Não há
comparar os potenciais riscos de aspiração
contraindicação absoluta, porém produz
de um tempo maior de indução (titulação
hipotensão dose dependente. Vantagem:
“dose efeito”) com a instabilidade hemodi-
broncodilatação.
nâmica ou incidência de consciência que
 Etomidato: dose 0,3 mg/kg. Contraindi-
pode resultar após uma técnica de dose
cação: suprimir a produção adrenal de cortisol.
predeterminada. Koerber e col., observaram
Vantagem: excelente sedação com pouca
que 54% dos entrevistados sempre
hipotensão.
verificaram a “dose efeito” (perda do
 Quetamina: dose de 1,5 mg/kg. Contra-
reflexo ciliar) antes da administração do
indicação: é controverso o uso em pacientes
BNM, somente 10% administraram o BNM
com elevada pressão intracraniana e
imediatamente após a indução, e que 36%
hipertensão arterial. Vantagem: estimula a
cronometraram de acordo com o cenário
liberação de catecolaminas e faz bronco-
clínico. Estas variações denotam uma
dilatação.
mudança técnica. A menos que o paciente
Na SRI a dose de succinilcolina e de 1,5
esteja completamente em coma, insensível
mg/kg endovenosa, com a paralisia
e instável em sua hemodinâmica,
ocorrendo em 45 a 60 segundos após sua
recomenda-se sempre utilizar fármacos para
administração EV, possui uma duração
evitar a consciência da IOT e principal-
aproximada de 6 a 10 minutos. A
mente promover adequado relaxamento
succinilcolina possui duas contraindicações
muscular com o emprego do BNM. Os
absolutas: história pessoal e familiar de
fármacos de indução ideal para SRI devem
hipertermia maligna e pacientes com alto
ter um início instantâneo e previsível para
risco de desenvolver hipercalemia. É
se alcançar os objetivos da diminuição
recomendado o uso de agentes bloquea-
rápida da consciência e do relaxamento
dores musculares não despolarizantes no
muscular, para se conseguir uma IOT
lugar da succinilcolina nos seguintes casos:
segura, e se possível, com o mínimo de
• Hipercalemia (sugere-se checar alterações
efeitos adversos.
características no eletrocardio-grama);
O fármaco hipnótico deverá também, de
• História pessoal de disfunção renal;
preferência, atingir outros objetivos
• História pessoal e familiar de hipertermia
secundários, principalmente o de melhorar
maligna;
a condição da IOT no contexto de um
8
Capítulo 10
TRAUMA E EMERGÊNCIA

relaxamento muscular inadequado. Devem A utilização de etomidato para SRI


evitar os distúrbios hemodinâmicos também foi muito investigada, mas com
hipertensivos devido a respostas simpáticas resultados variados. Fuchs-Buder e col. não
à laringoscopia e IOT. Contudo, não devem encontraram diferenças significativas nas
induzir a hipotensão, uma vez que na SRI condições de IT entre o tiopental e o
costuma-se considerar uma dose fixa dos etomidato, contudo, sem os efeitos
medicamentos devido ao objetivo central colaterais do tiopental. Existe uma
que é de ser rápida. Claramente, este preocupação real sobre a inibição da
fármaco ideal ainda não está́ disponível. produção de cortisol que o etomidato
Muitos outros fármacos venosos foram produz. Entretanto, Upchurch e col., em
sugeridos após a descrição inicial da SRI, o 2017, não encontraram diferenças na
que levou à busca do fármaco ideal, ou de mortalidade em pacientes submetidos a SRI
uma associação ideal. Apesar de os efeitos quando se utilizou cetamina ou etomidato,
hemodinâmicos do propofol serem o que sugere que o impacto daquela inibição
semelhantes aos do tiopental, ele é o agente não é importante quando empregado em
mais utilizado em SRI no Reino Unido, na dose única, apesar de existir. Isto já tinha
Alemanha e no Brasil. Porém, na Índia, sido proposto por Dettmer, em 2015, em
ainda é o tiopental o mais empregado. pacientes sépticos. Destaca-se que o
Em estudo de Blant e col., de 1987, o etomidato, apesar de não ser o mais
midazolam como agente único apresentou comumente utilizado, é o fármaco de
performace ruim com relação ao agente indução alternativo para SRI nas unidades
padrão tiopental, observando-se maior de emergência, quando alterações menores
tempo para induzir a hipnose e também na hemodinâmica não podem ser toleradas,
esteve associado à hipotensão arterial. Por o que tanto o tiopental como o propofol
causa desses achados, provavelmente o podem produzir. A supressão da adrenal
midazolam foi colocado como um fármaco não parece ser um impedimento ao seu
inadequado para SRI. Porém, em estudos emprego nestes cenários. Porém, como foi
mais recentes quando ele foi associado a apresentado anteriormente, o propofol é o
outros fármacos, especialmente à cetamina, fármaco preferido para SRI na grande
apresentou performance aceitável. A maioria das situações, especialmente
cetamina pode ser o fármaco de indução de quando as condições da IT são mais
escolha para o grupo de pacientes instáveis importantes que a instabilidade hemodinâ-
em sua hemodinâmica. No entanto, pode mica que pode provocar. Na maioria das
resultar em determinados efeitos colaterais situações, quando a SRI está indicada, as
que a tornam contraindicada, especialmente condições clínicas do paciente são o
no grupo com hipertensão intracraniana, principal fator que determina a escolha do
hipertensão ocular e hipertensão arterial. fármaco de indução e do BNM. A dose de
Um achado importante é que nos pacientes succinilcolina que é considerada uma “dose
em choque grave e prolongado pode piorar adequada” permanece controversa desde o
o estado hemodinâmico dos mesmos. princípio até os dias atuais. Em sua
9
Capítulo 10
TRAUMA E EMERGÊNCIA

descrição original de SRI, Stept e Safar que, mesmo com o deslocamento esofágico,
utilizaram 100 mg de succinilcolina para 70 uma redução média de 35% no diâmetro
quilos de peso corporal após 2 a 3 min do anteroposterior da hipofaringe pós-
pré-tratamento com BNM adespolarizante. cricóidea ocorreu, e os autores sugerem que
Anteriormente, usava-se apenas 50 mg de isso efetivamente representa a oclusão
succinilcolina sem o pré-tratamento com completa da luz. Eles postularam que o anel
BNM adespolarizante, mas com uma rápida cricoide e a hipofaringe pós-cricóidea,
injeção de tiopental em pacientes conectados por uma complexa rede de
obstétricos. estruturas musculares e ligamentares, atuam
como uma única unidade anatômica. Assim,
3.6. Manobra de Sellick mesmo que o anel não esteja fixado contra
Como visto anteriormente, Sellick, em uma vértebra cervical, a oclusão da luz
1961, descreveu a manobra para controlar a hipofaringeana ocorre contra os músculos
regurgitação do conteúdo gástrico durante a adjacentes. Isso é potencialmente relevante.
indução da anestesia. Consiste na “oclusão” É provável que uma unidade anatômica
temporária do esôfago superior por pressão dependa das estruturas musculares e seja
no anel da cartilagem cricoide contra a afetada pelo uso de agentes anestésicos.
coluna para evitar que o conteúdo estomacal
atingisse a faringe. A manobra de Sellick 4. CONCLUSÃO
rapidamente se tornou um componente A sequência rápida de intubação deve
integral da SRI e substituiu a posição de ser sempre o método de escolha para
cefaloaclive que era habitual. No entanto, intubação na urgência e emergência. Deve-
desde a sua criação, os médicos levantaram se lembrar dos passos a serem seguidos para
questões sobre sua eficácia e segurança, e um procedimento seguro e sempre checar o
alguns até sugeriram o abandono da material antes de iniciar a SRI. É interes-
manobra. Em vista das novas publicações, sante que o médico que atende urgências
tanto a favor quanto contra a manobra, e a conheça as medicações disponíveis em seu
polarização dos proponentes e críticos, serviço, bem como as indicações e
torna-se difícil uma decisão. A manobra contraindicações de cada uma e saiba
classicamente consiste na compressão escolher aquela que melhor se aplica ao
anteroposterior da cartilagem cricoide com cenário clínico de cada paciente. O uso do
uma força de 30N. Isso levaria à obstrução relaxante muscular não deve ser desconsi-
do esôfago contra a coluna. derado, especialmente pela facilitação das
No entanto, isso pode ser irrelevante. condições de IT e secundariamente menos
Segundo Rice e col., que analisaram lesão de via aérea e outras complicações.
imagens de ressonância magnética em A sequência rápida de intubação
voluntários acordados, não é o esôfago que endotraqueal mostrou-se procedimento
é comprimido com essa manobra, mas a eficaz e seguro de obtenção da via aérea
hipofaringe pós-cricóidea, ou seja, um definitiva, mesmo em ambiente pré-
centímetro (cranial). Seu estudo sugeriu hospitalar e quando realizada por médicos
10
Capítulo 10
TRAUMA E EMERGÊNCIA

não-anestesistas, desde que realizada em ou não, de acesso à via aérea é


unidade de suporte avançado multidiscipli- recomendada. Equipamento de via aérea
nar e de acordo com padronização prévia. cirúrgica deve sempre estar presente e
Experiência com outros métodos, cirúrgicos pronto para uso imediato.

11
Capítulo 10
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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141
Capítulo 11
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 11
MANEJO NA EMERGÊNCIA
DE PACIENTES COM SARA
POR COVID - 19

Palavras-chave: COVID-19; Emergência; SARA

ALESSANDRA N DE AGUIAR1
ANTONIO FERREIRA LOUZADA1
DANIELE DA ROSA FRAGA1
GIOVANA LOPES NADAIS1
GIOVANE LOURENÇO ROBERTSON1
NATÁLIA LIMA DE SOUSA BRANDÃO1
RAPHAEL PIZZATTO1
REBECA BORÉL CALADO FARIA1
THATIANA DA SILVA PIRES1

1
Discente – Medicina da Universidade do Grande Rio.

142
Capítulo 11
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO da maioria dos pacientes apresentar


prognóstico favorável, a pneumonia assim
O coronavírus é um RNA vírus que como a hipoxemia grave em associação à
recebe este nome devido ao seu aspecto em infecção por síndrome respiratória aguda
coroa na microscopia. Ele possui forma grave por SARS-CoV-2, podem levar à
elipsoidal, com coroa característica e Síndrome da Angústia Respiratória Aguda
proteínas spike, que dão uma aparência (SARA) que gera uma alta taxa de
diferenciadora. O severe acute respiratory mortalidade (GRASSELLI, 2020). Ela
syndrome coronavirus 2 (SARS-CoV-2), ainda pode variar da forma mais branda até
novo coronavírus, deu início à COVID-19. a SARA. Porém, a maioria das pessoas
Ele tem como alvos iniciais as células apresentam a forma mais leve da doença
epiteliais nasais, bronquiais e pneumócitos, com febre (78%), tosse (58%), fadiga
além de se relacionar diretamente com a (31%), anosmia (25%), dispneia (23%),
Síndrome do Desconforto Respiratório além de calafrios, sibilância, odinofagia,
Agudo (SDRA), principal complicação tontura, cefaleia, confusão mental e mialgia,
existente da doença. Através da proteína podendo ainda apresentar náuseas, vômito e
viral de superfície S (spike) é que ele se liga diarreia. Pacientes imunossuprimidos,
ao receptor da Enzima Conversora de idosos e com comorbidades são uma das
Angiotensina 2 (KHAN, 2021). O vírus maiores preocupações atuais, uma vez que
passa por endocitose celular, tendo início à os mesmos possuem agravamento rápido da
replicação viral e lesão celular, já que este doença, podendo levar à morte (AZEVE-
infecta principalmente células epiteliais DO, 2020).
pulmonares. Além disso, invade e destrói os A SDRA, também chamada de SARA é
linfócitos T, induzindo a uma linfopenia, uma insuficiência respiratória aguda e grave
que traz consigo uma gravidade no COVID- causada por um distúrbio respiratório
19. Vale ressaltar que os achados não se caracterizado pelo acúmulo de líquido nos
restringem apenas ao pulmão. Muitos alvéolos pulmonares levando ao edema
órgãos como o fígado, os rins, miocárdio, pulmonar não cardiogênico. Em 2012, foi
pele e tecidos linfóides manifestam lesão estabelecida a definição de Berlim, usada
celular direta e microtrombos locais, até hoje nos critérios diagnósticos da SDRA
comprovando, portanto, que a COVID-19 é (KNOBEL, 2016).
uma doença sistêmica, com apresentação Ela pode ser causada por etiologias
clínica diversificada e, eventualmente, pulmares (diretas) ou extrapulmonares
muito grave. (AZEVEDO, 2020) (indiretas) e entre os fatores de risco estão
A Organização Mundial da Saúde idade avançada, sexo feminino, tabagismo,
(OMS) relatou que as manifestações alcoolismo, condições que causam lesão
clínicas iniciais da doença são pulmonar direta (como aspiração, lesão por
caracterizadas por uma síndrome gripal, que inalação, contusão pulmonar) ou lesão
pode evoluir de maneira resolutiva, sem indireta (como toxicidade por drogas,
necessidade de cuidados especiais. Apesar
143
Capítulo 11
TRAUMA E EMERGÊNCIA

queimaduras, lesão pulmonar aguda O vírus SARS-CoV-2 frequentemente


relacionada à transfusão) (SAGUIL, 2020). evolui para SARS (HILLESHEIM,2020).
A fisiopatologia da SARA é composta Até 22 de maio de 2021, já existiam
por 2 ou 3 fases dependendo da evolução do 166.346.635 casos confirmados de COVID-
quadro de cada paciente: Fase Exsudativa, 19 e 3.449.117 óbitos em todo globo
Fase Proliferativa e Fase Fibrótica (sendo (WHO, 2021).
que esta última ocorre em alguns pacientes). Levando em conta todas as cepas de
Os sintomas de SDRA variam em intensi- COVID-19, foi verificado que 5% propi-
dade a depender da causa e gravidade, mas ciam o desenvolvimento da insuficiência
geralmente os sintomas que estão presentes respiratória, enquanto, entre os pacientes
são dispneia grave, hipóxia, dor torácica hospitalizados, até 40% poderão desenvol-
pleurítica, produção de escarro, taquipneia ver a SDRA, que é uma importante causa de
e podem ser observados sinais como edema, morte nessa população (TOMAZINI,2020).
febre, distensão venosa jugular, terceira Sugeriu-se que a lesão das células epiteliais
bulha cardíaca (SAGUIL, 2020). alveolares foi a principal causa de SDRA
A Definição de Berlim é constituída por associada a COVID-19, podendo o paciente
4 critérios: o Tempo de evolução (dentro de ser diagnosticado com o início dos sintomas
uma semana de um evento clínico em torno de 9 dias de evolução (Li X.,
conhecido, ou novo evento, ou piora dos 2020).
sintomas respiratórios); Radiografia de No Brasil, foram notificados 1.928.301
tórax (opacidades bilaterais - não completa- casos de SARS hospitalizados de 2020 até a
mente explicadas por derrames pleurais, 18ª Semana Epidemiológica de 2021. Na
colapso lobar ou pulmonar ou nódulos); referida 18ª Semana Epidemiológica,
Origem do edema (insuficiência respirató- 70,7% do número de casos com SARS
ria não totalmente explicada por falência foram confirmados para COVID-19
cardíaca ou sobrecarga de volume – neces- (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).
sidade de avaliação objetiva (ecocardio- Visto isso, o objetivo deste estudo foi
grama) para excluir edema hidrostático, se compreender de maneira mais abrangente
não houver fator de risco); e Oxigenação as características dessa doença, assim como
(leve, moderada ou grave) (JAMA, 2012). o manejo adequado que é imprescindível
O tratamento da SDRA vai ser composto para a saúde pública mundial, a fim de
principalmente pelo suporte respiratório e evitar complicações letais à população
hemodinâmico e tratamento da condição afetada pela referida doença.
predisposta que originou a síndrome, além
de evitar complicações. (KNOBEL, 2016). 2. MÉTODO
A infecção pelo novo coronavírus
(SARS-CoV-2) associado SARS e suas O método utilizado para este estudo foi
manifestações clínicas têm apresentado um de revisão sistemática, realizada no período
problema de saúde pública global sem de abril até junho de 2021. Para a
precedentes (NAVAS-BLANCO, 2020). elaboração deste, foi feita uma análise
144
Capítulo 11
TRAUMA E EMERGÊNCIA

documental com busca na base de dados do demonstrou infiltrados bilaterais em 72%


PubMed, utilizando-se a combinação dos dos sobreviventes e 83% dos não
termos “emergency”, “COVID” e “ARDS”, sobreviventes. Nesse sentido, a imagem de
tanto em português quanto em inglês, de tórax é recomendada em pacientes que
publicação no período de 2020 a 2021. possuam sintomas leves ou quaisquer
Como questão norteadora do estudo houve fatores de risco para progressão da doença,
o seguinte questionamento: "Qual é o em todos os pacientes com características
manejo existente na emergência dos moderadas a graves ou quando o teste
pacientes com SARA por COVID-19 na rápido para COVID-19 não estiver
atualidade?”. Foram encontrados 285 disponível.
resultados nesta pesquisa, destes, foi feita Além da radiografia, Hani (2020)
uma seleção criteriosa e apenas 28 foram afirma que apesar do padrão de referência
considerados relevantes, pois abordaram o para diagnóstico da COVID 19 serem os
manejo desses pacientes na emergência testes microbiológicos, como por exemplo a
como tema central, além de aprofundar reação em cadeia da polimerase em tempo
sobre tratamentos iniciais e medidas de real (RT-PCR) ou sequenciamento, muitas
suporte envolvidas nesse processo, vezes a tomografia computadorizada (TC)
abrangendo os critérios da pesquisa. Além por ser utilizada como importante
disso, foram utilizadas publicações complemento para o diagnóstico da
relacionadas a esses artigos, que se pneumonia por COVID-19.
encontravam nas referências bibliográficas Segundo McManus (2020), a TC foi
dos mesmos, preenchendo as lacunas capaz de identificar pacientes com a doença
restantes do estudo, totalizando 40 artigos após um ou mais testes RT-PCR negativos,
analisados para a coleta de dados. e durante o pico da epidemia na China, a
baixa sensibilidade do mesmo reforçou a
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO crença no valor aditivo da TC para muitos.
Além disso, a combinação da TC com o RT-
3.1. Exames de imagem PCR oferece máxima sensibilidade, em
Em relação aos exames de imagem torno de 97%, e a British Society of
relacionados a infecção por COVID-19, Thoracic Imaging recomenda não utilizar a
Carpenter (2020) ressalta a importância da TC quando o RT-PCR for positivo, mas
radiografia de tórax para avaliação da considerar a TC quando o teste microbi-
doença, uma vez que determinadas ológico inicial for negativo, para identificar
patologias, tais como pneumonia, derrame doença coexistente ou complicações
pleural e edema pulmonar, podem potenciais do COVID-19, como embolia
mimetizar os efeitos da mesma. Os achados pulmonar.
típicos incluem opacidades que em geral Hani (2020) relata que a principal
são bilaterais e periféricas, e de acordo com característica da TC em relação a
McManus (2020), um estudo de coorte pneumonia causada por COVID-19 é a
retrospectivo realizado em Wuhan, presença de opacidades em vidro fosco,
145
Capítulo 11
TRAUMA E EMERGÊNCIA

normalmente com distribuição periférica e fosco podem ser misturadas com áreas de
subpleural. Na maioria dos pacientes, consolidação focal, ou pode estar também
percebe-se acometimento de múltiplos associada a reticulações intralobulares
lobos, principalmente os inferiores. As sobrepostas, gerando um padrão de
áreas que possuem opacidade em vidro pavimentação em mosaico.

Quanto a evolução durante o ausência de nódulos centrolobulares e


acompanhamento da doença, Hani (2020) nenhuma compactação mucóide.
sugere que as características da TC de Em relação aos benefícios da TC,
pneumonia por COVID-19 se modificam ao Carpenter (2020) pontua que devem ser
longo do tempo, e possui apresentações equilibrados em relação aos custos, perigos
distintas de acordo com a fase e gravidade de radiação médica ou limitações práticas
da doença. Nesse sentido, as evoluções das em hospitais movimentados com grande
anormalidades pulmonares podem ser fluxo de traumas de hora em hora e chegada
classificadas em quatro estágios (início de 0 de quadros de AVE e emergências
a 4 dias, progressivo de 5 a 8 dias, pico de 9 dependentes do tempo, em conjunto com a
a 13 dias e absorção ≥ 14 dias) de acordo necessidade de desligamento da TC para
com os períodos de tempo. limpeza devido ao COVID-19, que exige no
Hani (2020) ainda relata que entre mínimo 30 minutos. Esse tempo de limpeza
diagnósticos diferenciais, a pneumonia também pode estender a permanência de
bacteriana é um dos principais que devem outros pacientes na emergência, prolongan-
ser considerados, e sua distinção é possível do assim a exposição de pacientes não
de ser feita pela própria imagem. Nesse infectados ao COVID-19.
aspecto, na pneumonia adquirida na Em contrapartida, McManus (2020)
comunidade é observada consolidação do relata que as diretrizes atuais do American
espaço aéreo e um segmento ou lóbulo, College os Radiology (ACR) recomendam
limitado pelas superfícies pleurais. Além considerar o uso de radiografias de tórax
disso, há atenuação em vidro fosco, nódulos portáteis (CXR) para evitar levar pacientes
centrolobulares, espessamento da parede para as salas de radiografia, e não
brônquica e impactações mucóides. Na TC recomenda a TC, a menos que clinicamente
com pneumonia por COVID-19, há indicada por outro motivo. Além disso,
146
Capítulo 11
TRAUMA E EMERGÊNCIA

refere que a ultrassonografia a beira de leito diabetes já estabelecida. Nesses casos, os


(LUS) pode oferecer vantagens no setor de pacientes apresentam um risco indepen-
emergência para pacientes com suspeita de dente de pneumonia grave, resposta infla-
COVID-19. matória descontrolada e estado de
Nesse sentido, um artigo publicado hipercoagulabilidade. A elevação dos níveis
recentemente com 391 pacientes mostrou de ureia, creatinina e potássio podem
que o LUS possui sensibilidade superior ao evidenciar insuficiência renal aguda ou
CXR em pacientes com diagnóstico de insuficiência renal crônica agudizada
pneumonia por COVID-19. Quando (CARPENTER, 2020). Queda dos níveis de
comparado com o RT-PCR, sua hemoglobina pode apontar para um
sensibilidade também é baixa, em torno de distúrbio da coagulação com hemorragia
60-70%, mas tem vantagens em relação a ainda não exteriorizada e as alterações no
segurança, uma vez que não necessita de coagulograma podem confirmar essa
radiação, tem baixo custo e disponibilidade tendência hemorrágica ou o estado de
rápida a beira de leito. hipercoagulabilidade, apontando para risco
de eventos trombogênicos bastante
3.2. Exames Laboratoriais frequentes nos casos de COVID 19. Exames
Uma vez que o paciente é admitido no como D-Dímero podem apoiar na definição
serviço de emergência com suspeita de de maior risco de fenômenos tromboem-
desconforto respiratório por COVID-19 é bólicos. Associado a níveis elevados de
necessário seguir uma rotina laboratorial interleucina (IL) - 6, proteína C reativa
com o objetivo de confirmação diagnóstica, (PCR) e ferritina aponta para maior
avaliação das condições clínicas e dos suscetibilidade à rápida deterioração do
sistemas que podem ser acometidos pela quadro em paciente com Diabetes Mellitus.
doença, dos indicadores de infecção O acometimento de outros sistemas
bacteriana secundária já estabelecida e pode ser evidenciado pela alteração no
fundamentalmente das condições ventilató- hepatograma demostrando disfunção
rias do paciente para definição da condição hepática ou elevação de marcadores de
de troca gasosa e necessidade de suporte lesão miocárdica, especialmente a troponi-
ventilatório não invasivo ou invasivo. Dessa na, podendo demostrar algum grau de
forma, o exame de RT-PCR é realizado para acometimento miocárdico. Na avaliação do
diagnosticar a infecção por COVID. Esse hemograma completo, a linfopenia é o
método faz uma detecção qualitativa da achado mais comum em pacientes com
presença de ácido nucleico do vírus Sars- COVID 19, podendo ocorrer em 50% e tem
CoV-2 e apresenta uma sensibilidade que se correlacionado com maior gravidade,
pode alcançar em um primeiro teste 78% e admissão em terapia intensiva e óbito
até 86% em um segundo teste. (CARPENTER, 2020; MCMANUS, 2020).
As alterações dos níveis de glicose O exame de PCR é inespecífico e
podem indicar uma descompensação do frequentemente elevado em pacientes com
metabolismo da glicemia ou de uma doença leve. No entanto, níveis acima de
147
Capítulo 11
TRAUMA E EMERGÊNCIA

100 miligramas (mg)/L têm sido associados negativos precisam ser confirmados. A
a resultados piores e maior mortalidade agilidade na liberação dos exames nos
intra-hospitalar (MCMANUS, 2020). Uma serviços de emergência, no entanto, permite
vez que o acometimento pulmonar é o otimização do uso de leitos de isolamento
achado mais comum nos quadros graves de dos pacientes com COVID-19 (MÖCKEL,
pacientes com infecção pelo Sars-CoV-2, a 2021).
avaliação da gasometria arterial na Os usos de outros exames laboratoriais
admissão desses pacientes no serviço de também podem ser úteis na avaliação inicial
emergência que já se apresentam com e prognóstica. A gasometria arterial, um
alguma disfunção ventilatória se torna exame rápido e de baixo custo, tem sido
fundamental. A gasometria inicialmente utilizado como uma importante ferramenta
pode demostrar hipoxemia assim como prognóstica nos pacientes com infecção por
hipocapnia e queda da saturação de O2. Sars-CoV-2. Os indicadores gerados com o
Através da gasometria se define a relação uso gasometria arterial como a relação
PO2:FIO2 que apresenta correlação inversa PO2:FiO2, a PCO2 e a SpO2 têm correlação
com a extensão do processo inflamatório inversa com a extensão de lesão pulmonar
pulmonar na TC, assim como a PCO2 e na TC enquanto o pH tem demonstrado uma
SpO2, enquanto o pH tem uma correlação relação direta (TURCATO, 2020). Achados
direta. Essas alterações podem ser encon- de níveis elevados de leucócitos e neutró-
tradas nos pacientes admitidos com SARA filos, aumento da proporção neutrófilo /
no serviço de emergência (TURCATO, linfócito, elevação da proteína C reativa,
2020). procalcitonina, D-dímero, alanina amino-
Dentre os exames laboratoriais que transferase, uréia e aspartato aminotrans-
fazem parte da avaliação diagnóstica dos ferase, principalmente associado a pacien-
pacientes admitidos com suspeita de tes mais idosos foram mais prevalentes em
síndrome respiratória aguda grave por pacientes graves que nos casos não graves
COVID-19 no serviço de emergência, o na admissão (ZHANG, 2021). O
RT-PCR continua sendo o padrão ouro para desequilíbrio hidroeletrolítico pode ser
o diagnóstico, com alta sensibilidade e boa evidenciado no momento da admissão, e a
especificidade, melhorando inclusive a presença de hiponatremia e hipocalemia
especificidade dos achados da tomografia pode ser um indicador de gravidade nesses
de tórax (TC) conforme evidenciado numa pacientes (DE CARVALHO, 2021).
revisão sistemática (ADAMS, 2020). Uma Concluímos então que a avaliação laborato-
limitação para o exame de RT-PCR é o seu rial tem ampla utilização na avaliação
tempo de liberação que pode levar de 6 a 8 durante a admissão no departamento de
horas em condições ideais. Novos testes emergência.
rápidos têm surgido com o objetivo de
permitir resultados precoces. Esses testes 3.3. Estabilização hemodinâmica
possuem boa especificidade, porém A monitorização do estado
sensibilidade limitada e os exames hemodinâmico do paciente realizada
148
Capítulo 11
TRAUMA E EMERGÊNCIA

durante os cuidados de pacientes graves De acordo com S. Lentz (2020), os


teria como objetivo principal permitir uma profissionais que lidam com a ventilação
avaliação do estado cardiovascular, de mecânica também devem se atentar à
modo a evitar que ocorram situações que instabilidade hemodinâmica. Ela poderia
comprometam a oferta de oxigênio aos ser causada por um PEEP (Pressão
tecidos, em sumo, as instabilidades Expiratória Positiva Final) muito elevado,
hemodinâmicas. No caso de pacientes que seria responsável por uma distensão
internados pelo COVID-19, esse estado de demasiada das estruturas pulmonares,
instabilidade poderia ocorrer tanto por elevando a resistência vascular, o que
causa do desenvolvimento da doença em si diminui a perfusão tecidual pulmonar e
nos tecidos alvos quanto pelas influências induz a uma instabilidade hemodinâmica
fisiológicas do manejo realizado no por diminuição da pré carga cardíaca.
paciente. Como dito por T. Montrief (2020), é
Segundo T. Montrief (2020), pacientes importante que seja feita a estabilização
com COVID-19 podem se apresentar mais hemodinâmica do paciente, para assim
propensos a ter lesão miocárdica, que pode facilitar a realização de alguns procedi-
causar ou agravar uma instabilidade mentos, principalmente de alto risco, como
hemodinâmica, resultando em lesão exemplo da intubação endotraqueal, além
tecidual e menor oferta de O2 aos tecidos. de favorecer a melhora do estado geral do
Em um estudo com 52 pacientes doentes mesmo.
por COVID-19 realizado na China, A estabilização hemodinâmica, de
constatou-se que 29% deles apresentavam acordo com M. McManus (2020), tem se
troponina cardíaca de alta sensibilidade I mostrado vantajosa para os pacientes
>28 ng/L, o que representaria um certo grau adultos doentes por COVID-19, quando
de lesão miocárdica. Outro estudo, feita de forma conservadora. A adminis-
realizado com 416 pacientes internados tração de substâncias vasopressoras preco-
com COVID-19 observou que cerca de 20% cemente tenderia a ajudar a manter a
deles (82 pessoas) apresentaram lesão pressão arterial média entre 60 e 65 mmHg.
miocárdica, que foi inclusive associada a Segundo o autor, apesar de se ter poucas
uma maior mortalidade dentre os evidências de qualidade dando suporte para
participantes do estudo. Ainda é um pouco essa afirmação, se baseia a ideia no
incerto na literatura sobre como esse histórico de tratamento da SARA em UTI,
processo ocorreria. Segundo S. Hendren no qual percebesse que após introdução
(2020), talvez seja possível associar precoce do tratamento em questão os
infecções virais com tecidos produtores da pacientes tendem a necessitar menos tempo
enzima ACE2 (células epiteliais de de ventilação e permanecerem menos
brônquios e alvéolos, túbulos renais e tempo internados. Contudo, existe inconsis-
cardiomiócitos), fato esse que, caso tência quando se fala que houve redução na
comprovado, poderia explicar os casos de mortalidade desses pacientes.
miocardite aguda e subaguda citados.
149
Capítulo 11
TRAUMA E EMERGÊNCIA

O autor ainda destaca que o fluido de pelo ventilador (LPIV), o que pode ser
primeira escolha para a ressuscitação deve alcançado por meio do uso de ventilação
ser a norepinefrina, sendo epinefrina e mecânica protetora (LENTZ et al, 2020).
vasopressina possíveis alternativas na falta Os princípios da ventilação mecânica
desta. Em casos de necessidade de aumento protetora são: baixo volume corrente (Vt),
de dose da norepinefrina, a adição de pressão expiratória final positiva (PEEP)
vasopressina como droga secundária seria suficiente para manter o SpO2 entre 90-95%
uma alternativa recomendável. Dobutamina e baixas pressões de platô (Pplat). É
também pode ser considerada uma droga recomentado para todos os pacientes com
alternativa à norepinefrina, contudo, apenas SARA: Vt de 4 a 8 mL/kg do peso predito e
em casos de comprovada disfunção Pplat < 30 cm H2O (LENTZ et al, 2020).
cardíaca e hipoperfusão tecidual, devido aos Segundo o ensaio ARDSnet ARMA, há
maiores riscos dessa droga de causar significativa redução da mortalidade em
arritmias. pacientes com SARA com o uso de baixo
Vt (6 mL/kg do peso predito), em
3.4. Ventilação mecânica comparação com alto Vt (12 mL/kg do peso
Atualmente, não há consenso na predito), PEEP definida pela tabela
literatura sobre o tempo ideal para se PEEP/FiO2 para PEEP baixa e uma meta de
realizar a intubação orotraqueal (IOT) em Pplat < 30 cm H2O. Embora inicialmente seja
pacientes com SARA. Os candidatos à IOT vista uma melhora na oxigenação com um
são aqueles com hipoxemia refratária aos Vt maior que 12 mL/kg, esse estudo
métodos de ventilação não-invasivos e cujo demonstrou que a melhora observada se
esforço respiratório os predispõe à lesão relaciona intimamente com um posterior
pulmonar auto-infligida pelo paciente (P- aumento na mortalidade. As tabelas 11.1 e
SILI). O estudo LUNG SAFE associou o 11.2 foram propostas pelo estudo citado
uso de ventilação não invasiva a aumento de para determinar os valores ótimos de PEEP
mortalidade em pacientes de unidades de com base no grau de hipoxemia e nos
terapia intensiva com PaO2/FiO2 < 150 valores de FiO2 requeridos para manter a
mmHg (BELLANI et al, 2017). saturação de O2 em casos de SARA leve e
Dada a carência de estudos voltados ao moderada/grave, respectivamente.
desenvolvimento de estratégias de ventila- Para casos de SARA moderada ou
ção mecânica específicas para os pacientes grave, deve-se considerar ventilação
com SARA associada à COVID, diversos mecânica em posição prona, prática
estudos recomendam uma abordagem associada a redução acentuada da
semelhante à dos casos de SARA por outras mortalidade, melhora da relação PaO2/FiO2
etiologias no que tange o suporte e redução do risco de LPIV (GUÉRIN et al,
ventilatório (ALHAZZANI et al, 2020). 2013). Em pacientes com hipoxemia
Para esses pacientes, a prioridade é manter refratária à ventilação protetiva, com altos
a saturação de oxigênio em níveis aceitáveis valores de PEEP, posição prona e terapias
enquanto se evita a lesão pulmonar induzida adjuvantes, deve-se considerar a utilização
150
Capítulo 11
TRAUMA E EMERGÊNCIA

de oxigenação por membrana extracorpórea


(ECMO) (ALHAZZANI et al, 2020).

Tabela 11.1 Relação PEEP x FiO2 para determinação do valor ótimo de PEEP em pacientes com
SARA leve

PEEP baixa x FiO2: SARA leve

FiO2 0.3 0.4 0.4 0.5 0.5 0.6 0.7 0.7 0.7 0.8 0.9 0.9 0.9 1.0

PEEP (cm H2O) 5 5 8 8 10 10 10 12 14 14 14 16 18 18↔2


4
Fonte: ARDS Network, 2000

Tabela 11.2 Relação PEEP x FiO2 para determinação do valor ótimo de PEEP em pacientes com
SARA grave (ARDS Network, 2000)

PEEP alta x FiO2: SARA moderada / grave

FiO2 0.3 0.3 0.4 0.4 0.5 0.5 0.5 0.6 0.7 0.8 0.8 0.9 1.0

PEEP (cm H2O) 5- 14 14 16 16 18 20 20 20 20 22 22 22-24


12
Fonte: ARDS Network, 2000

Em uma série de casos envolvendo 16 autores propuseram a existência de


pacientes submetidos a ventilação fenótipos distintos para a SARA causada
mecânica, Gattinoni et al., observaram por COVID. O fenótipo “L” é caracterizado
quadros de hipoxemia grave em pacientes por um quadro mais brando, com baixa
com complacência pulmonar próxima do elastância pulmonar, relação ventilação-
normal, achado incomum em casos de perfusão (V/Q) diminuída, baixo peso
SARA. Ao avaliar 8 desses pacientes por pulmonar e baixa recrutabilidade alveolar,
tomografia computadorizada, foi constata- enquanto o fenótipo “H”, por sua vez, é
da alta fração de shunt apesar da caracterizado por alta elastância, alto shunt
complacência pulmonar preservada, o que direita-esquerda, alto peso pulmonar e alta
sugere hiperperfusão da porção não aerada recrutabilidade alveolar, sendo uma
do parênquima pulmonar (GATTINONI et evolução do fenótipo L, com características
al., 2020). similares aos quadros típicos de SARA
Posteriormente, ao observarem o grave (GATTINONI et al., 2020). Dadas as
mesmo padrão em diversos casos, os características distintas dos fenótipos

151
Capítulo 11
TRAUMA E EMERGÊNCIA

propostos, foram sugeridas abordagens tromboembólicos em pacientes com SARS


distintas no suporte ventilatório: os associada a COVID. Songping Cui, em abril
pacientes com o fenótipo L, devido à de 2020, corrobora tal premissa ao
complacência pulmonar preservada, seriam acompanhar 81 pacientes com pneumonia
beneficiados ao se utilizar volumes corren- grave por coronavírus. Sua pesquisa relata
tes maiores (7-9 mL/kg), e baixos valores de uma incidência de tromboembolismo
PEEP (<10 cm H2O), minimizando o risco venoso igual a 25%, assim como um pior
de lesão pulmonar associada à ventilação prognóstico. Além disso, estabelece o
mecânica e instabilidade hemodinâmica aumento do D-dímero como parâmetro de
(MARINI et al., 2020). Já os pacientes com identificação dos grupos de maior risco. (1)
o fenótipo H, por outro lado, responderiam Nos casos de pacientes com COVID-19
melhor a baixo volume corrente (5-7 leve, tratadas em ambulatório, o uso de
mL/kg) e altos valores de PEEP (<15 cm anticoagulação profilática não está
H2O), assim como na SARA típica recomendada, uma vez que sua atuação não
(MARINI et al., 2020). está bem descrita na literatura. No entanto,
Contudo, não há, no momento, aqueles que já estão sob uso crônico de
evidências suficientes que corroborem a alguma terapia anticoagulante ou antipla-
existência dos fenótipos propostos e que quetária devem manter o tratamento. Por
justifiquem mudança dos protocolos de outro lado, pacientes de moderado a grave,
ventilação atual para pacientes com SARA. hospitalizados, devem ser considerados
Em um estudo de coorte envolvendo 66 para terapia profilática anticoagulante e
pacientes hospitalizados por COVID e antiagregante plaquetária, mesmo embora
submetidos a ventilação mecânica, a não apresentem diagnóstico de trombo
complacência pulmonar média foi de 35 cm embolismo venoso prévio. (2)
H2O (ZIEHR et al., 2020) — achado Os eventos tromboembólicos compõem
compatível com outros estudos de coorte de uma das principais complicações
pacientes com SARA (BEITLER et al., recorrentes associadas ao COVID-19,
2020). Tendo em vista os riscos potenciais representando certa parcela preocupante
de uma abordagem ventilatória diferente da desde o início da pandemia. Deste modo,
convencional para pacientes com SARA estudos científicos atentaram em estabele-
(instabilidade hemodinâmica, barotrauma, cer de modo eficaz métodos diagnósticos
volutrauma, etc.), recomenda-se, ainda, precoces, como também o melhor manejo
uma abordagem conservadora, em alinha- para os pacientes portadores de COVID-19.
mento com os guidelines atuais para Baseando-se nos artigos selecionados
tratamento da síndrome. para produção deste artigo, destacou-se a
importância da dosagem de D-dímero para
3.5. Anticoaguloterapia pacientes portadores, visando a identifica-
Desde o começo da pandemia, estudos ção mais precoce para grupos de maior
preliminares, já demonstravam maior risco. Evidenciou-se, também, que a
preocupação com o surgimento de quadros anticoaguloprofilaxia associada a antiagre-
152
Capítulo 11
TRAUMA E EMERGÊNCIA

gantes plaquetários possuem um papel necessária avaliação clínica do paciente


singular em quadros hospitalizados mode- pelo médico. O uso de corticoides deve
rado-graves mesmo sem diagnóstico firma- fazer parte do manejo em pacientes em
do de tromboembolismo prévio, enquanto ventilação mecânica associada à SDRA.
os casos leves não apresentaram qualquer
indicação para a mesma administração 4. CONCLUSÃO
terapêutica.
A complexidade do paciente com
3.6. Corticoterapia infecção pelo coronavírus durante sua
As hipóteses iniciais sobre o uso de admissão na emergência com um quadro de
corticoesteróides na COVID-19 se basea- síndrome do desconforto respiratório agudo
ram nos estudos que abordavam o SARS- mostra a importância de uma avaliação
CoV-1. Os resultados determinavam que clínica e o uso de exames complementares
apesar das doses altas e prolongamento do direcionados para implementação de um
período de viremia (de 8 para 12 dias), a tratamento precoce e efetivo. Este deve
administração dessa medicação reduzia a objetivar a estabilização do paciente e
descompensação do quadro clínico permitir maior sucesso na melhora do
(MCMANUS NM, 2020). quadro respiratório e a redução da
O “Surviving Sepsis Campaign guideli- mortalidade.
nes on the management of critically ill Nessa discussão buscou-se não apenas
adults with COVID-19” compila algumas demonstrar a importância dos procedi-
recomendações a respeito do uso de mentos e das intervenções, considerando
corticoides, apesar das evidências de baixa sempre sua disponibilidade e preço,
qualidade. Nos adultos em ventilação mecâ- questões importantes em relação ao serviço
nica, devido à insuficiência respiratória por médico, mas além disso, uma visão de como
COVID-19, o uso de corticoterapia sistêmi- esse tratamento se encaixa na complexa
ca é indicado apenas quando a SDRA está conjuntura da pandemia do COVID-19, que
associada ao quadro (ALHAZZANI W, tanto impactou nosso país e o mundo.
2020). Muitas das informações presentes neste
A diretriz do “National Institutes of material não estão totalmente embasadas
Health (NIH)” recomenda avaliar caso a em pesquisas sobre a COVID-19, tendo
caso para o uso dos corticoides nos sido muitas das vezes conhecimentos
pacientes graves com SDRA. No geral, as adaptados e testados na prática, devido a
diretrizes não recomendam o uso desses urgência demandada pela pandemia. Tal
medicamentos na ausência de hipoxemia e fato, mais uma vez demonstra a importância
SDRA, a menos que o paciente apresente de que sejam feitos mais estudos nessa área,
histórico de patologias pulmonares crônicas buscando sempre o melhor para os
(MCMANUS NM, 2020). pacientes.
Portanto, o uso de corticoide de forma
indiscriminada não é recomendado, sendo
153
Capítulo 11
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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Capítulo 11
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Capítulo 11
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156
Capítulo 12
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 12
ABORDAGEM EMERGENCIAL
DA ATONIA UTERINA NOS
QUADROS DE HEMORRAGIA
PÓS-PARTO

Palavras-chave: Hemorragia pós-parto; Inércia uterina; Morte


materna.

GABRIEL COSTA OSANAN¹


ANA LUIZA OLIVEIRA A. GONÇALVES2
GABRIEL RUZZA DE AVILA PEREIRA2
GIOVANA BASTOS MONTEIRO2
JOÃO VITOR FLORES SILVEIRA3
LETÍCIA DE OLIVEIRA PINHEIRO2
ROMILDO RODRIGUES DE OLIVEIRA2
YOHANA TEODORO COSTA FUKUTI2
DAISY MARTINS RODRIGUES4

1
Docente – Professor Adjunto do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia
da UFMG, Professor da Faculdade de Medicina – UNIFENAS-BH, Membro
Diretoria da SOGIMIG, Membro da Comissão Nacional Especializada em
Urgência Obstétrica da FEBRASGO, Instrutor da Estratégia Zero Morte
Maternas por Hemorragia- Ministério da Saúde/ OPAS-OMS.
2
Discente – do curso de Medicina da Universidade José do Rosário Vellano –
UNIFENAS- BH
3
Discente – do curso de Medicina da Universidade de Itaúna – UI
4
Docente – Professora da Faculdade de Medicina – UNI-BH e FAMINAS-
BH

157
Capítulo 12
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO Os casos de hemorragia primária são os


mais comuns e mais ameaçadores à vida da
A hemorragia pós-parto (HPP) é uma paciente (OSANAN et al., 2019).
das principais causas de morte materna As principais causas de hemorragia pós-
(MM). Anualmente ocorrem 14.000.000 de parto podem ser definidas pelo mnemônico
novos casos de HPP no mundo, e cerca de dos “4Ts”: Tônus (atonia uterina); Trajeto
140 mil mortes maternas, o que corresponde (traumatismos no canal do parto, inversão
a 1 MM a cada 4 minutos. Considera-se que uterina, rotura uterina, lacerações e
a maioria dos casos de MM por HPP hematomas), Tecido (retenção placentária \
poderiam ser evitados com inserção de acretismo); Trombina (coagulopatias, dro-
medidas de complexidade variável, tais gas anticoagulantes). (MAGALHÃES et
como: a presença de cuidado pré-natal al., 2016; COURA et al., 2017;
adequado, uso rotineiro de uterotônicos no MAVRIDES et al., 2017; OPAS, 2018;
pós-parto e capacitação das equipes LEDUC, et al., 2009). A atonia uterina é
multidisciplinares na abordagem da HPP e responsável por 70% dos casos de hemo-
organização/preparação das instituições rragia nas primeiras 24 horas do parto.
para atender tais casos. No Brasil, a HPP é Dessa forma, o objetivo deste capítulo
a segunda causa de MM, estando atrás será a abordagem específica da atonia
apenas dos distúrbios hipertensivos na uterina nos quadros de hemorragia pós-
gestação (MAGALHÃES et al., 2016; parto, uma vez que é a sua principal causa.
COURA et al., 2017; MAVRIDES et al.,
2017; OPAS, 2018; OSANAN et al. 2019). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Em função desse cenário nacional de
elevadas taxas de MM por HPP; em 2015, o A atonia uterina é a principal causa de
Ministério da Saúde do Brasil em parceria HPP e pode causar sangramentos que
com a Organização Pan-Americana da chegam a atingir perdas sanguíneas de 250
Saúde/Organização Mundial da Saúde a 500 ml/min, constituindo, portanto, uma
(OPAS/OMS) em sua Representação no emergência obstétrica. Como a maioria dos
Brasil, tomou a decisão de trazer para o casos de atonia ocorrem em pacientes sem
Brasil, a Estratégia Zero Morte Materna por fatores de risco evidentes, todas as
Hemorragia, cujo objetivo tem sido pacientes devem receber medidas profilá-
trabalhar na aceleração da redução da ticas no pós-parto imediato e todas as
morbimortalidade materna grave e tem se equipes que realizam partos devem estar
mostrado estratégia exitosa (OSANAN et aptas a tratar tal intercorrência puerperal. É
al., 2018). importante tanto prevenir como saber tratar
A hemorragia pós-parto pode ser tal tipo de intercorrência (MAGALHÃES et
classificada em primária, quando ocorre nas al., 2016; COURA et al., 2017;
primeiras 24 horas após o parto, ou MAVRIDES et al., 2016; OPAS, 2018;
secundária quando o sangramento ocorre LEDUC, et al., 2009; OSANAN, 2019).
entre 24h e 6 semanas após o nascimento.
158
Capítulo 12
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.1. Profilaxia medicamentosas da “Regra dos Três”, Figura 12.1. Nesse


atonia uterina esquema a paciente recebe 3 UI de
A prevenção da atonia uterina é simples ocitocina, em infusão endovenosa lenta
e deve ser instituída de forma universal, (mínimo de 30 segundos) após o
pois reduz em mais de 50% o risco de HPP nascimento. Aguarda-se 3 minutos para
por atonia. O uso da ocitocina profilática, na avaliar a resposta à ocitocina; caso o útero
dose de 10 UI intramuscular, após todos os mantenha-se hipotônico, infundir mais 3 UI
partos é a principal medida de prevenção da de ocitocina e aguardar outros 3 minutos. Se
HPP, e, portanto, deve ser realizada de ainda assim a resposta for inadequada, fazer
rotina após todos os partos, em todos os uma terceira dose de ocitocina profilática
serviços (MAGALHÃES et al., 2016; (3UI endovenoso lento) e aguardar outros 3
COURA et al., 2017; MAVRIDES et al., minutos. Caso haja contração uterina após
2016; OPAS, 2018; LEDUC, et al., 2009). qualquer uma das doses, deve-se iniciar o
Na ausência de ocitocina, pode-se esquema de manutenção com infusão de 3
alternativamente optar-se pelo uso de UI/hora de ocitocina por 4 horas. Se não
metilergometrina (isolado ou combinado) houver resposta contrátil após nenhuma das
desde que descartado presença de distúrbio doses profiláticas, deve-se iniciar o
hipertensivo materno; carbetocina ou protocolo de HPP a partir da utilização dos
mesmo misoprostol (WHO, 2018). uterotônicos de segunda linha, tais como os
Em pacientes submetidas a cesariana, derivados de Ergot e misoprostol
opções com esquemas posológicos (MAGALHÃES et al., 2016; COURA et
endovenosos têm sido estudados, dentre os al., 2017; OPAS, 2018; BALKI & TSEN,
quais o de maior destaque é o regime da 2014).

Figura 12.1 Esquema profilático


de ocitocina para partos
cesarianas: Regra dos Três

Fonte: Protocolo de Belo Horizonte,


(traduzido e adaptado a partir Balki &
Tsen, 2014).

159
Capítulo 12
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.2. Diagnóstico da atonia uterina A atonia uterina deve ser tratada de


Quando do diagnóstico de um quadro forma agressiva em função das grandes
hemorrágico, deve-se avaliar a causa do perdas volêmicas que podem se associar a
sangramento. Avalia-se o tônus uterino ela. Diversas são as estratégias de
através da palpação abdominal; investiga-se tratamento da atonia uterina, tais como: a
a presença de lacerações e hematomas no compressão uterina bimanual, o uso de
trajeto do canal do parto através do exame medicações uterotônicas, os balões de
especular; procura-se a presença de restos tamponamento intrauterino, os procedi-
placentários intracavitários através de mentos cirúrgicos e os tratamentos
revisão placentária e cavidade uterina e adjuvantes (MAGALHÃES et al., 2016;
ainda avalia-se a possibilidade de COURA et al., 2017; MAVRIDES et al.,
coagulopatia, através de história clínica e 2016; OPAS, 2018; LEDUC, et al., 2009;
avaliação do quadro de sangramento. A BALKI & TSEN, 2014).
atonia é a causa mais comum e pode estar
associada a outras causas simultaneamente. 3.3.1. Compressão uterina bimanual
O tratamento inicial da atonia uterina se
3.3. Tratamento da atonia uterina dá por meio da realização de compressão
Diante de um quadro de HPP a paciente uterina manual, Figura 12.2. A compressão
deve ser abordada de forma rápida e uterina deve ser realizada após
adequada, e baseando-se no sequencia- esvaziamento da bexiga e visa o controle
mento proposto para cada causa específica transitório do sangramento por atonia
do sangramento. Sabe-se que o controle do enquanto se aguarda o efeito dos
foco sangrante é a medida mais eficaz no medicamentos uterotônicos (MAGA-
combate ao choque hipovolêmico LHÃES et al., 2017; COURA et al., 2017;
(MAGALHÃES et al., 2016; COURA et MAVRIDES et al., 2016; OPAS, 2018;
al., 2017; MAVRIDES et al., 2017; OPAS, LEDUC, et al., 2009, ALVES et al. 2020).
2018; LEDUC, et al., 2009, OSANAN,
2020).

Figura 12.2 Manobras de compressão uterina de Hamilton e de Chantrapitak

Legenda: Imagem A: manobra de Hamilton, B: manobra de Chantrapitak para pacientes com parede abdominal
relaxada. C: manobra de Chantrapitak para pacientes com parede abdominal tensa. Fonte: ALVES A, et al., 2020.

160
Capítulo 12
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.3.2. Medicação uterotônica ocitocina. Tal fenômeno é ocitocina-


Enquanto se realiza a compressão ute- específico e não afeta os outros uterotô-
rina, deve-se iniciar o uso de uterotônicos nicos. Dessa forma, em tais circunstâncias
para tratamento da atonia uterina. Os pode-se necessitar o uso precoce dos
principais uterotônicos disponíveis no derivados de Ergot ou mesmo o misoprostol
Brasil para o tratamento da atonia uterina para controle do sangramento puerperal
são a ocitocina, os derivados de Ergot e o (MAGALHÃES et al., 2017; COURA et
misoprostol. Existem vários esquemas al., 2017; MAVRIDES et al., 2016; OPAS,
terapêuticos propostos. O ponto comum 2018; BALKI & TSEN, 2014; DÁVILA,
entre esses protocolos é o uso da ocitocina 2013).
endovenosa como droga de primeira b. Derivado de Ergot (Ergometrina
escolha nos casos de atonia uterina 0,2mg/ml – 1 ampola):
(BOHLMAN & RATH, 2014). Os derivados de Ergot são uterotônicos
a. Ocitocina (1 ampola de 1 ml de de segunda linha. Utilizado quando a
ocitocina contém 5UI): ocitocina falha em promover a contração
A ocitocina é a droga de primeira linha uterina e controlar o sangramento pós-parto.
na atonia uterina, pois é efetiva no seu A metilergometrina deve ser administrada
tratamento. A ocitocina endovenosa de forma intramuscular e seu início de ação
apresenta início de ação de 1 min e meia- ocorre entre 2 e 3 minutos. Sua meia vida é
vida de 5 min, além de ter baixo custo e de 30 a 120 minutos. Sua posologia varia de
menos efeitos colaterais quando comparado acordo com a gravidade da hemorragia, mas
aos outros uterotônicos. Existem vários não deve exceder 1 mg em 24 horas. Deve-
esquemas posológicos propostos na se ressaltar que pacientes não responsivos à
literatura, e, portanto, cada serviço de saúde primeira dose de derivados de Ergot tendem
deve adotar o seu. Ressalta-se que os a não responder às doses subsequentes deste
estudos que comparam protocolos medicamento. Assim, a sequência da
diferentes e não há evidências que abordagem da atonia deve prosseguir. Os
comprovem a superioridade de um esquema derivados de Ergot estão contraindicados
sobre o outro (MAGALHÃES et al., 2017; especialmente nos estados hipertensivos e
COURA et al., 2017; MAVRIDES et al., nas doenças vasculares oclusivas
2016; OPAS, 2018; BOHLMAN & RATH, (MAGALHÃES et al., 2017; COURA et
2014; OSANAN, 2019). al., 2017; OPAS, 2018; BALKI & TSEN,
Deve-se destacar que a administração de 2014; DÁVILA, 2013).
ocitocina durante o trabalho de parto c. Misoprostol (200 mcg\comp)
determina um “down regulation” nos O misoprostol é o uterotônico de
próprios receptores da droga no útero. terceira linha no tratamento da atonia, uma
Assim, puérperas que tiveram trabalho de vez que é menos eficaz que a ocitocina e os
parto prolongado ou que utilizaram altas derivados de Ergot no controle da atonia
doses de ocitocina durante o seu processo uterina, e apresenta tempo de latência
de parturição apresentam menor resposta à maior do que os uterotônicos citados. Pode-
161
Capítulo 12
TRAUMA E EMERGÊNCIA

se utilizar o misoprostol via retal na dose de pneumático (TAN) (MAGALHÃES et al.,


800 mcg ou por via oral em pacientes com 2017; COURA et al., 2017; OPAS, 2018).
estado de vigília preservados na dose de 400
a 600 mcg. Deve-se ressaltar que o Figura 12.3 Balão de tamponamento
misoprostol por via retal tem início de ação intrauterino
em torno de 20 minutos. Já o misoprostol
por via oral inicia sua ação de forma mais
precoce, em torno de 7 a 11 minutos, porém
apresenta mais efeitos colaterais. O uso de
misoprostol pode causar especialmente
náuseas, vômitos e febre. Deve ser evitado
em pacientes com doença vascular cerebral
e doença coronariana (MAGALHÃES et
al., 2016; COURA et al., 2017;
MAVRIDES et al., 2016; OPAS, 2018;
LEDUC, et al., 2009; BALKI & TSEN,
2014; BOHLMAN & RATH, 2014; Fonte: ALVES et al., 2014 (Ilustração de Felipe
DÁVILA,2013). Lage Starling)

3.4. Balão de tamponamento uterino O BTI é capaz de reduzir a abordagem


(BTI) cirúrgica na HPP, em especial a
O BTI, Figura 12.3, é uma importante histerectomia, haja em mais de 60% dos
estratégia terapêutica no tratamento da HPP casos de atonia uterina. Quando o BTI falha
por atonia uterina. O seu mecanismo de em controlar tal sangramento, a abordagem
ação parece consistir na aplicação de cirúrgica está indicada de imediato
pressão hidrostática contra a parede uterina (MAGALHÃES et al., 2017; COURA et
interna, resultando em redução do al., 2017; MAVRIDES et al., 2016; OPAS,
sangramento capilar e venoso do endomé- 2018).
trio, dos remanescentes placenta-rios e do Durante o uso do balão de tampo-
miométrio (MAGALHÃES et al., 2017; namento intrauterino recomenda-se manter
COURA et al., 2017; MAVRIDES et al., o uso de uterotônicos, assim como de
2016; OPAS, 2018; LEDUC, et al., 2009; antibioticoterapia. A paciente deve ser
DÁVILA, 2013). mantida em vigilância rigorosa durante o
Os BTI podem ser inseridos tanto por seu uso, pelo risco de novo sangramento
via vaginal (a mais comum) quanto por via que necessite intervenção imediata. O BIT
abdominal, nos casos de cesariana. O BTI deve ser retirado quando o sangramento
pode ser utilizado em concomitância com estiver controlado e o paciente estável. Seu
suturas compressivas de Hayman e B- esvaziamento deve ser gradual e a equipe
Lynch ou mesmo com traje anti choque não deve estar preparada para abordagem
cirúrgica para controle definitivo do

162
Capítulo 12
TRAUMA E EMERGÊNCIA

sangramento (MAGALHÃES et al., 2017; suturas compressivas e ligaduras vasculares


COURA et al., 2017; MAVRIDES et al., têm eficácia semelhante no controle do
2016; OPAS, 2018; DÁVILA, 2013). sangramento, mas em termos práticos,
O uso do BIT está contraindicado em frequentemente, são utilizadas de forma
situações tais como: neoplasias e infecções associada. O sucesso de qualquer um desses
cervicais, vaginais ou uterinas; sangramen- procedimentos na atonia está vinculado à
tos uterinos arteriais que requerem abor- área do sangramento, assim como sua
dagem cirúrgica; suspeita ou presença de causa, a facilidade de execução do
lacerações ou rotura uterina; anomalias procedimento e à familiaridade do cirurgião
uterinas que distorcem a cavidade uterina. com a técnica cirúrgica (OSANAN et al.,
Não há evidências que recomendem o uso 2021, MAVRIDES et al., 2016; OPAS,
rotineiro do balão nos casos de 2018; DÁVILA, 2013; ALVES et al., 2014;
coagulopatias e existe o risco potencial de DOUMOUCHTSIS et al., 2007).
perfuração nos casos de acretismo
placentário. As complicações relacionadas 3.6. Histerectomia
ao uso do balão de tamponamento A histerectomia é a última etapa do
intrauterino incluem perfuração uterina e tratamento cirúrgico, pois quando realizada
infecção puerperal. Por isso seu uso deve ter implica em uma perda sanguínea adicional
indicação precisa (MAGALHÃES et al., de mais de 2 litros (que estão represados na
2017; COURA et al., 2017; MAVRIDES et sua circulação) e assim precipitar um
al., 2016; OPAS, 2018; DÁVILA, 2013). choque e/ou coagulopatia refratária.
Contudo, quando realizada em momen-
3.4.1. Abordagem cirúrgica to oportuno (antes da coagulopatia) é um
A abordagem cirúrgica na atonia uterina procedimento importante, que evita o
estará indicada quando o tratamento medi- choque hemorrágico e a coagulopatia. O
camentoso e o uso do balão de tampo- prognóstico materno piora substancial-
namento intrauterino falharem no controle mente quando a histerectomia é realizada
do sangramento. A abordagem cirúrgica tardiamente, quando a paciente já se
consiste principalmente na realização das apresenta com quadro de coagulopatia
suturas hemostáticas e histerectomia. estabelecida. Dessa forma, a histerectomia
não deve ser adiada quando indicada. A
3.5. Suturas hemostáticas histerectomia subtotal é a técnica de escolha
As suturas hemostáticas referem-se às na atonia, pela facilidade e agilidade na sua
ligaduras vasculares (artérias uterinas, realização e menor morbidade associada
ovarianas e hipogástricas) e as suturas (MAGALHÃES et al., 2017; COURA et
compressivas (tais como sutura de B- al., 2017; MAVRIDES et al., 2016; OPAS,
Lynch, Hayman e Cho), Figura 12.4. As 2018).

163
Capítulo 12
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Figura 12.4 Suturas Hemostáticas: A. Suturas compressivas de B-Lynch, Hayman e Cho, B.


Ligaduras vasculares de artérias uterinas, ovarianas e hipogástricas

Fonte: Adaptado de Alves ALL et al., 2014.

3.6.1. Tratamento adjuvante realizar a primeira dose do ácido


O ácido tranexâmico e o traje tranexâmico, ocorre uma redução de 10%
antichoque não-pneumático são considera- no seu efeito hemostático (GAYET-
dos como estratégias adjuvantes e de baixo AGERON et al., 2018).
custo para o controle da HPP, incluindo a O ácido tranexâmico deve ser infundido
atonia uterina. assim que se detecte um quadro de HPP.
Nos casos da atonia, não é necessário
3.7. Ácido tranexâmico aguardar o efeito dos uterotônicos para
O ácido tranexâmico é uma droga utilizá-lo, sendo que deverá ser utilizado em
antifibrinolítica, ou seja, que bloqueia a concomitância com os uterotônicos, assim
fibrinólise. O estudo WOMAN TRIAL, que se diagnosticar HPP (COLLABO-
2017 confirmou o benefício do uso do ácido RATORS, 2017).
tranexâmico na hemorragia pós-parto de
redução de 31% de morte materna quando é 3.8. Traje anti choque não
utilizado nas 3 primeiras horas (COLLA- pneumático (TAN)
BORATORS, 2017). O TAN consiste em uma nova
Segundo esse estudo, a dose inicial tecnologia, que está sendo introduzida no
recomendada é de 1g de ácido tranexâmico Brasil, para controle transitório da HPP,
endovenoso lento, em 10 minutos, o mais com o intuito de se obter tempo extra para
precoce possível dentro das primeiras 3 transferência ou procedimentos não
horas do quadro hemorrágico. Estaria disponíveis no local. O TAN é uma veste de
recomendada uma segunda dose, caso neoprene com velcro, que recobre a
ocorra a persistência do sangramento após paciente do tornozelo ao abdome, de forma
30 minutos ou reinício da HPP nas segmentada, Figura 12.5. No segmento
primeiras 24 horas (COLLABORATORS, abdominal existe uma bola de espuma para
2017). A cada 15 minutos de atraso para se realizar compressão sobre a região
164
Capítulo 12
TRAUMA E EMERGÊNCIA

umbilical. O TAN também é reutilizável vaginal caso necessário (MAGALHÃES et


por diversas vezes após higienização. Uma al., 2016; COURA et al., 2017; OPAS,
vantagem do TAN é não recobrir a região 2018; MILLER et al., 2008).
perineal, o que permite acesso a cavidade

Figura 12.5 Segmento dos membros inferiores (#1, #2, #3), pélvico (#4) e abdominal com
bola de espuma (# 5 e #6)

Fonte: Figura Miller, 2008.

Seu mecanismo de ação consiste na TAN pode ser mantido por horas ou dias. Já
realização de uma pressão circunferencial existem relatos do seu uso por 72 horas, sem
de 20 a 40 mmHg nas partes inferiores do efeitos adversos relevantes para o paciente
corpo, o que reduz o fluxo sanguíneo local (MAGALHÃES et al., 2016; COURA et
(reduzindo o sangramento no sítio da lesão) al., 2017; OPAS, 2018; MILLER et al.,
e redireciona o fluxo de sangue para regiões 2008).
superiores do corpo (órgãos nobres). Por Os benefícios do uso do TAN para a
não utilizar manguito pneumático, não se abordagem da HPP relacionam-se princi-
associa aos riscos de garroteamento dos palmente a dois fatores: (1) à redução da
membros (MAGALHÃES et al., 2016; perda sanguínea (por compressão do no
COURA et al., 2017; OPAS, 2018; local da lesão) e (2) ao redirecionamento do
MILLER et al., 2008). fluxo de sangue para as partes superiores do
O uso do TAN está indicado para organismo. Assim, pode-se citar como
pacientes com HPP e instabilidade possíveis efeitos benéficos do seu uso:
hemodinâmica ou sangramento vultuoso (MAGALHÃES et al., 2016; COURA et
com iminência de choque hipovolêmico. al., 2017; OPAS, 2018; MILLER et al.,
Está contraindicado em pacientes com 2008).
lesões supra diafragmáticas, doenças ● Redução da perda volêmica;
cardíacas e pulmonares graves (ex: estenose ● Aumento do tempo para tratamento
mitral, hipertensão, edema agudo de definitivo (transferência, transfusões etc.);
pulmão) ou gestações com feto vivo. O
165
Capítulo 12
TRAUMA E EMERGÊNCIA

● Facilidade de obtenção do acesso venoso 4. A retirada do TAN deve ser


em membros superiores; monitorizada e gradual. Ela deve obedecer
● Favorecimento da reversão do choque a “Regra dos 20”. Segundo essa regra, a
hipovolêmico; cada segmento retirado, a equipe deve
● Redução a necessidade de hemocompo- monitorar a paciente por 20 minutos. Se
nentes; nesse intervalo a pressão sistólica cair em ≥
● Redução da necessidade de intervenção 20 mmHg ou a frequência cardíaca materna
cirúrgica. aumentar ≥ 20 bpm, deve-se reposicionar
O manuseio do TAN é simples, o que imediatamente o traje, iniciando-se sempre
permite capacitar profissionais para utilizá- a partir do segmento #1.
lo em curtos períodos. O TAN apresenta 5. A retirada deve ser feita sob
alguns cuidados de posicionamento e de monitorização contínua
retirada (MAGALHÃES et al., 2016; 6. A equipe deve estar preparada para
COURA et al., 2017; OPAS, 2018; ressuscitação volêmica e para intervenção
MILLER et al., 2008). definitiva caso ocorra instabilidade
No que se refere ao posicionamento do hemodinâmica após retirada do TAN.
TAN ele deve sempre ser posicionado de Deve-se ressaltar que se o uso do TAN
forma sequencial, por uma ou duas pessoas, objetiva o controle transitório da HPP e não
no sentido do segmento #1 (tornozelo) para substitui as medidas de tratamento
o segmento #6 (abdome). definitivo. Assim, o sucesso do seu uso está
No que se refere a retirada do TAN, intimamente vinculado à presença de um
existem critérios e cuidados mínimos que protocolo assistencial para HPP. Seu efeito
devem ser obedecidas para garantir sua isolado poderá ser limitado caso os
retirada segura (MAGALHÃES et al., profissionais atrasem a realização de
2016; COURA et al., 2017; OPAS, 2018; medidas de controle definitivo do
MILLER et al., 2008): sangramento (por acreditarem que o uso do
1. A retirada do TAN não pode ser TAN por si só determinará o tratamento do
realizada em qualquer ambiente e nem foco sangrante) (MAGALHÃES et al.,
mesmo de forma abrupta e intempestiva, 2016; COURA et al., 2017; OPAS, 2018).
pois pode haver reativação do foco de
sangramento e surgir choque hipovolêmico 4. CONCLUSÃO
refratário e letal.
2. O sangramento deve estar controlado A atonia uterina é a principal causa de
(inferior a 50m\h, nas últimas 2 horas) e a HPP. Por esse motivo, deve-se realizar
paciente deve estar estável (frequência profilaxia universal com ocitocina após
cardíaca ≤ 100 bpm, pressão arterial todos os partos. O esquema profilático de
sistólica > 90-100mmHg e Hemoglobina > ocitocina mais utilizado no mundo é a de 10
7 g\dl). UI, intramuscular. Nos casos de cesariana,
3. A retirada também deve ser no uma opção venosa de ocitocina profilática é
sentido do segmento#1 para o segmento #6 o esquema da “Regra dos Três”.
166
Capítulo 12
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Contudo, quando a profilaxia não foi posicionamento do TAN. Se ainda assim


efetiva e já se diagnostica um quadro de tais esforços forem ineficazes no controle
HPP por atonia uterina, a primeira manobra do sangramento, está indicado a
a ser realizada é a compressão uterina, que laparotomia para realização de procedi-
deve ser mantida até o efeito das drogas mentos cirúrgicos, tais como as suturas
uterotônicas se iniciar. A ocitocina endo- hemostáticas (compressivas e\ou vascula-
venosa é o uterotônico de primeira linha res) ou mesmo a histerectomia. Além disso,
para tratamento da AU e deve ser iniciado quando ambas as terapias apresentarem
imediatamente, assim como a infusão do falha, as suturas hemostáticas estão indi-
ácido tranexâmico. Nos casos em que a cadas. Por fim, a histerectomia é a última
ocitocina falha em determinar contração etapa do tratamento da atonia, mas, quando
uterina adequada, deve-se imediatamente indicada, não deve ser postergada a fim de
considerar os derivados de Ergot ou miso- se evitar a tríade letal do choque hemor-
prostol. Os derivados de Ergot não podem rágico (acidose, hipotermia e coagulopatia).
ser utilizados em pacientes com hiperten- Ressalta-se ainda a importância de todos os
são. profissionais de saúde conhecerem o
Se o tratamento medicamentoso não for protocolo de abordagem do quadro em
suficiente para controlar a HPP nos casos de questão para garantir uma intervenção
atonia, estão indicados o balão de rápida e resolutiva.
tamponamento intrauterino e o

167
Capítulo 12
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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168
Capítulo 12
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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169
Capítulo 13
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 13
MANEJO CLÍNICO EM
FRATURA DE MANDÍBULA:
ABORDAGEM
BUCOMAXILOFACIAL

Palavras-chave: Fixação interna; Traumatologia; Procedimento cirúrgico.

MARCOS FLÁVIO SPÍNOLA AMBRÓSIO¹


ANA LUIZA LEAL BARBOSA2
DEISE LIMA CUNHA3
LARA HELENA LEMOS FUZARI PADRÃO4
RAFAEL VAGO CYPRIANO5
RENATA PITTELLA CANÇADO6

1
Cirurgião Dentista graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo.
2
Cirugiã Bucomaxilofacial, Mestrado em DTM e Dor Orofacial.
3
Especialista e Mestre em Ortodontia e Ortopedia Facial – (UERJ)
4
Cirurgiã Bucomaxilofacial, Mestranda em DTM e Dor Orofacial.
5
Cirurgião Bucomaxilofacial, AOCMF International Faculty.
6
PHD, MSc. Cirurgiã Bucomaxilofacial.

170
Capítulo 13
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO destacam-se o acesso submandibular,


retromandibular, pré auricular, ritidectomia
A mandíbula é o mais pesado e mais e intraoral (GOIS FILHO et al., 2013).
forte dos ossos faciais, sendo um osso ímpar Sendo assim, o presente estudo tem o
e móvel que se articula com a cavidade objetivo de expor os principais acessos e
glenoide do osso temporal, formando a tratamentos em relação as fraturas
articulação temporomandibular. É consti- mandibulares, onde são demonstradas as
tuída por processos condilares, processos condutas necessárias e importantes para
coronoides, corpo, dois ramos, dois ângulos elucidar possíveis dúvidas durante o
e os processos alveolares, além de inserções diagnóstico e tratamento.
musculares complexas, com importante
função na mastigação, deglutição, fala e 2. MÉTODO
estética da face. Quando há fratura de
mandíbula, devido a ações musculares e Trata-se de uma revisão de literatura
descontinuidade do arco mandibular, pode narrativa e descritiva, realizada entre os
existir o deslocamento dos cotos ósseos períodos de 2010 a 2021, onde foram
(DANTAS et al., 2017). analisados artigos publicados nas bases de
Várias etiologias das fraturas dados eletrônicos: Scientific Electronic
mandibulares são descritas, sendo acidentes Library Online (SciELO) e National
de trânsito, agressões físicas, quedas, Library of Medicine (PubMed). Os
acidentes desportivos e lesões por projétil descritores utilizados foram: fixação
de arma de fogo os mais prevalentes (De interna; traumatologia; procedimento
ARAÚJO et al., 2020). cirúrgico.
De acordo com Gadicherla et al., Para a realização do estudo, os critérios
(2016), o diagnóstico da fratura é realizado de inclusão foram artigos publicados em
através do exame clínico, onde são suas versões completas, nos idiomas inglês,
observados limitação da abertura bucal, português e espanhol e que mostravam as
edema, assimetria facial, maloclusão, mobi- formas de acesso e o tratamento de fratura
lidade atípica à manipulação, crepitação, da mandíbula. Os critérios de exclusão
parestesia e dor. Os exames de imagem são foram artigos que não tiveram seus resumos
comumente utilizados no intuito de disponíveis nas bases de dados selecionadas
complementar o diagnóstico e estabelecer durante o período da pesquisa e que não
maior acurácia da localização e da extensão abordavam os objetivos deste estudo.
da fratura. Da busca foram encontrados 37 artigos
Em seus estudos Nandini et al., (2011) na SciELO, dos quais 15 preenchiam os
observaram que as modalidades de critérios de inclusão e na PubMed um total
tratamento para as fraturas de mandíbula de 22 artigos, destes foram selecionados 8,
tem-se desde o bloqueio maxilomandibular, enquanto os demais resultados foram
à fixação interna ou estável dos fragmentos excluídos por não serem compatíveis com o
ósseos. Em relação aos acessos cirúrgicos, objetivo desta revisão bibliográfica.
171
Capítulo 13
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Após definição dos artigos, conforme os parafusos isoladamente ou em conjunto


critérios de inclusão selecionados, foram com placas e parafusos. A utilização de
seguidos alguns passos: leitura exploratória, miniplacas aplica-se a regiões como ramo,
leitura seletiva e eleição do material que se ângulo, corpo e sínfise, fraturas com
enquadram aos objetivos e tema desta cominução mínima e grandes fragmentos
revisão. ósseos intactos. Já o método conservador
Ao fim destas etapas, observamos que a consiste, em sua maior parte, no bloqueio
propedêutica varia entre a confecção de maxilomandibular por um determinado
acessos intrabucais e extrabucais, até o período de tempo, alivio sintomático, dieta
tratamento conservador, sendo que a condu- liquida/pastosa associado à fisioterapia para
ta das fraturas constitui uma fonte de recuperação das funções.
controvérsias, apesar do progresso obtido Em relação as fraturas condilares Gois
com os atuais modelos de fixação rígida e Filho et al., (2013) perceberam em suas
evolução de técnicas operatórias. pesquisas que as características clínicas
podem ser: (1) evidência de trauma facial,
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO principalmente na área de mandíbula e
especialmente na sínfise, (2) edema e dor
As fraturas mandibulares apresentam-se localizada na região de articulação
como a maior parte das injúrias tratadas temporomandibular, (3) limitação da aber-
pelos serviços de Cirurgia e Traumatologia tura bucal, (4) desvio ao abrir a boca em
Bucomaxilofacial, ocorrendo com maior direção ao lado fraturado, (5) mordida
frequência no gênero masculino. Por ser um aberta posterior, no lado contralateral, (6)
osso largo e com grande espessura, a mandí- mudança da oclusão no lado fraturado, com
bula é fraturada com maior frequência possível mordida cruzada, (7) presença de
representando cerca de dois terços das sangue no canal auditivo, (8) dor à palpação
fraturas faciais, devido à sua posição, no lado fraturado, (9) ausência de
perdendo somente para os ossos nasais movimento condilar à palpação, (10) desvio
(FLANDES et al., 2019). mandibular em direção ao lado fraturado,
Em seus estudos Dantas et al., (2017) (11) inabilidade do paciente de excursionar
observaram que o método cirúrgico consiste a mandíbula no lado fraturado, (12)
em exposição da fratura por meio de dificuldade de excursões e de protrusão da
acessos faciais ou por acessos intraorais mandíbula e (13) ocorrência de mordida
associado à redução e à fixação interna com aberta, geralmente, em fraturas subcon-
placas e parafusos dos segmentos fratura- dilares bilaterais.
dos. A escolha do acesso é feita diante das Se tratando de fraturas localizadas em
características clínicas e imaginológicas da corpo de mandíbula pode-se optar pelo
fratura, além da experiência e preferência acesso submandibular ou acesso de Risdon
profissional. A fixação interna rígida é uma pois fornecem um campo de visão amplo e
forma de estabilizar uma fratura ou direto a região traumatizada acrescido de
osteotomia, obtida através de fio de aço, descolamento dermoperiosteal para a expo-
172
Capítulo 13
TRAUMA E EMERGÊNCIA

sição do traço de fratura. Mendonça et al., compartilhamento das cargas geradas sobre
(2012) reconhecem que um dos grandes o osso fraturado. São mais indicados em
receios dos cirurgiões quanto à escolha casos de fraturas lineares e bem definidas e
desse acesso é a incisão cutânea devido à cotos fraturados com tamanhos favoráveis a
localização do ramo marginal da mandíbula redução e fixação. Os dispositivos load-
do nervo facial, sendo que esta localização bearing são miniplacas e parafusos do
nervosa dista de 1,5 a 2,0 cm da borda sistema 2,4 mm a 3 mm, que absorvem toda
mandibular. Fato importante durante a a carga gerada sobre o osso, no intuito de
dissecção da abordagem submandibular, o evitar maior deslocamento e instabilidade
cirurgião deve se atentar durante a incisão da fratura (de ALENCAR et al., 2015).
não só da estrutura nervosa, mas também do
componente vascular da artéria e veia facial 4. CONCLUSÃO
que mantém proximidade ao nervo
homônimo. Em relação às lesões ao nervo Diante do estudo apresentado,
facial, a excessiva retração dos tecidos no considera-se que abordagem cirúrgica das
transoperatório tem sido descrita como uma fraturas de mandíbula é indicada em casos
das causas da alta taxa de paralisia. em que há deslocamento considerável dos
Associada a sutura meticulosa do retalho, a cotos fraturados, maloclusão e queixas
menor compressão, mesmo que indireta dos funcionais dos pacientes. A utilização do
ramos do nervo facial, diminui a incidência sistema de fixação interna rígida por
de paralisia ou paresia mesmo que dispositivos load-bearing tem demonstrado
transitória. Outra possibilidade de lesão ao eficiência na estabilização e na
nervo facial é por meio da formação de consolidação da fratura, podendo ser
hematoma e edema de grandes proporções. indicado em casos de fratura deslocadas e
Desta forma medidas devem ser tomadas com perda de continuidade óssea. Já o
para a redução do edema, como a prescrição sistema de fixação interna rígida por
de antiinflamatórios esteroidais, além de dispositivo load-sharing pode ser indicado
hemostasia e fechamento por planos, não em casos de fratura bem definida e sem
havendo formação de espaço morto. perda de continuidade óssea, demonstrando
Rodrigues et al., (2018) indicam acesso também eficiência na estabilização e na
intraoral em casos de fratura em região de consolidação da fratura. Além disso, a
parassínfise, podendo-se optar por redução experiência profissional do cirurgião
e fixação interna rígida com miniplacas e durante os acessos é um fator que deve ser
parafusos do sistema 2 mm. Quando se considerado, pois existe a possibilidade de
refere aos sistemas de fixação interna rígida lesão nervosa e, em caso positivo, poderá
em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilo- acometer a mímica de toda a face.
facial, dois dispositivos podem ser
utilizados. Os dispositivos load-sharing
consistem em miniplacas e parafusos do
sistema 1,5 mm a 2 mm, que buscam o
173
Capítulo 13
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Odontologia, Passo Fundo, v.23, n.3, p. 343-347, 2018.

174
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 14
COMO RECONHECER E
MANEJAR CASOS DE
OSTEOMIELITE INFECCIOSA:
UMA URGÊNCIA ORTOPÉDICA

Palavras-chave: Osteomielite; Urgência Ortopédica; Infecção.

GABRIELA CARNEIRO NEVES¹


BERNARDO DE C. BORGES ARANTES¹
ISADORA BITENCOURT BAESSO¹
LUCAS SANTOS JARDIM¹
MARIA EDUARDA FERREIRA NAVES¹
MARCOS SOARES ARAUJO¹
PEDRO AUGUSTO ROSA VALADARES¹
TIAGO QUELOTTI FREIRE²
CLÁUDIO GALUPPO DINIZ³
VANESSA CORDEIRO DIAS³
VÂNIA LÚCIA DA SILVA³
ALESSANDRA B. FERREIRA MACHADO³

1
Discente - Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora.
²Discente - Faculdade de Fármacia da Universidade Federal de Juiz de Fora.
³Docente – Departamento de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia da
UFJF.

175
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO infeccioso (KAVANAGH et al., 2018;


URISH & CASSAT, 2020).
A osteomielite é uma inflamação óssea É importante destacar, também, que o
majoritariamente decorrente de uma quadro clínico é variado, mas geralmente é
infecção. Em casos isolados, podem haver caracterizado por dor, parestesia, eritema,
lesões ósseas estéreis cuja etiologia ainda aumento da temperatura local, sudorese e
não foi completamente elucidada, mas com drenagem local purulenta (MANZ et al.,
caráter auto-inflamatório sugestivo (URISH 2020; HOFSTEE et al., 2020). De forma
& CASSAT, 2020). Quando infecciosa geral, o diagnóstico é feito baseado na
pode ser aguda, subaguda ou crônica, sendo suspeição clínica, além de documentações
o Staphylococcus aureus o agente principal, laboratoriais, radiológicas e microbio-
entretanto, outros potenciais patógenos lógicas - sendo essa imprescindível para
podem estar envolvidos (KAVANAGH et identificação correta do agente etiológico e
al., 2018). As formas de contaminação são seu perfil de susceptibilidade aos
por via hematogênica, por contiguidade antimicrobianos (AMSILLI & EPAU-
com outro sítio de infecção ou por LARD, 2020; URISH & CASSAT, 2020).
inoculação direta mediante trauma, inserção Em resumo, o tratamento é feito
de próteses ou cirurgia (AMSILLI & individualmente, a depender da evolução do
EPAULARD, 2020). quadro do paciente. Pode ser feito
Há vários fatores que contribuem para clinicamente, com antibioticoterapia, ou de
que um paciente desenvolva o quadro, forma cirúrgica, caso haja necessidade de
como idade, comorbidades associadas, desbridamento ou de ressecção de frag-
intervenções cirúrgicas prévias e estado mentos ósseos necrosados (KAVANAGH
imunológico. Além dos determinantes et al., 2018).
relacionados ao hospedeiro, as caracterís- Adicionalmente, a osteomielite é um
ticas do patógeno também podem impactar grande desafio clínico, por se tratar de uma
diretamente no sucesso da infecção, a infecção recorrente e persistente em até
exemplo da capacidade de formar 40% dos casos (KAVANAGH et al., 2018),
biofilmes, que facilita a persistência do bem como cirúrgico, visto que é
processo infeccioso; do caráter resistente responsável por uma taxa considerável de
aos antimicrobianos, que dificulta o morbi-mortalidade (URISH & CASSAT,
tratamento e dos fatores de virulência, que 2020). As infecções osteoarticulares
permitem fácil disseminação (KAVA- representam riscos à vida e à perda de
NAGH et al., 2018). Outros fatores que membros, podendo culminar em sequelas
merecem destaque como facilitadores da importantes, a exemplo de deformidades
osteomielite são as propriedades anatomo- ósseas decorrentes de uma severa
fisiológicas do tecido ósseo que, além de inflamação, de irrigação deficiente e de
contribuírem para que os ossos sejam um destruição óssea localizada (KAVANAGH
nicho potencial para a colonização por et al., 2018; MANZ et al., 2020). Portanto,
microrganismos, restringem a chegada a osteomielite se configura como uma
otimizada dos antimicrobianos ao sítio urgência ortopédica desafiadora, sendo
176
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

imprescindível o seu manejo por uma grau de complexidade devido ao processo


equipe interdisciplinar, através de um inflamatório no tecido infectado e nas
diagnóstico adequado e precoce, além do adjacências (GARCIA DEL POZO et al.,
tratamento apropriado (HOFSTEE et al., 2018; HOFSTEE et al., 2020), sendo um
2020). Dessa forma, o obejtivo deste estudo problema clínico difícil de diagnosticar,
foi evisar a etiologia, os processos tratar e classificar, muitas vezes, exigindo
fisiopatológicos, as principais manifesta- uma abordagem multidisciplinar (MAN-
ções clínicas, o diagnóstico, o tratamento e DELL et al., 2018). Tanto a sua fisiopa-
o prognóstico da osteomielite. tologia, quanto a sua classificação são
desafiadoras, variando com a idade do
2. MÉTODO indivíduo (criança ou adulto), a cronicidade
da infecção (aguda - até 2 semanas, sub-
Trata-se de uma revisão bibliográfica aguda - de 2 semanas a 3 meses ou crônica
narrativa realizada no período de 26 de abril - mais de 3 meses), a via de disseminação
de 2021 a 09 de maio de 2021. A busca por (por foco hematogênico ou por contigui-
referencial teórico ocorreu nas bases de dade), o estado imunológico e vascular do
dados PubMed, Science Direct, Medscape e paciente, bem como a região afetada (por
Scopus. Utilizou-se os descritores em exemplo, ossos longos ou vértebras)
ciências da saúde: "Osteomielite", (MANDELL et al., 2018). A doença pode
“Diagnóstico”, “Terapêutica”, “Fisiopato- ser restrita a uma única porção do osso ou
logia”, “Emergências” e seus correspon- afetar várias regiões, como a medula,
dentes em inglês com o emprego dos córtex, periósteo e/ou tecidos moles
descritores booleanos and. Os critérios de circundantes (KAVANAGH et al., 2018).
elegibilidade constaram de artigos publica- Há uma variabilidade epidemiológica
dos a partir de 2017, que versavam sobre da osteomielite de acordo com a duração do
osteomielite, na língua inglesa. Após esta quadro clínico do paciente e com a via de
seleção, 25 artigos foram submetidos à inoculação ou disseminação dos patógenos,
leitura minuciosa para a coleta de dados. Os sendo melhor detalhada a osteomielite
resultados foram apresentados de forma aguda hematogênica e por foco contíguo. O
descritiva, mediante divisão da metodologia principal agente causador de osteomielite
em: conceito e epidemiologia; classifi- aguda por via hematogênica é a bactéria
cação; etiologia; fisiopatologia; manifesta- Staphylococcus aureus, responsável por
ções clínicas; diagnóstico; tratamento; cerca de 35% a 80% destes casos
prognóstico e sequelas. (HOFSTEE et al., 2020; URISH &
CASSAT, 2020). Cerca de 85% dos casos
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
ocorrem em pacientes com menos de 17
3.1. Conceito e epidemiologia anos de idade, sendo o pico de
Osteomielite é o nome dado a uma acometimento em menores de 3 anos.
inflamação nos ossos geralmente associada Apesar de ser duas vezes mais comum no
a infecções por agentes patogênicos como sexo masculino, os dados demonstram que
bactérias e fungos. É uma patologia de alto sua incidência varia conforme o sexo e a
177
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

idade, em função do diferente processo de proposto por Lew e Waldvogel (1997), é


desenvolvimento vascular e esquelético baseado no mecanismo de infecção e na
(FUNK & COPLEY, 2017; GARCIA DEL duração e complicações da doença. Nesse
POZO et al., 2018; MANZ et al., 2020). esquema, a osteomielite é dividida em 3
Também há casos relatados de infecções categorias por mecanismo fisiopatológico:
pelas bactérias Kingella kingae, Strepto- osteomielite hematogênica; osteomielite de
coccus pyogenes e Streptococcus pneu- foco contíguo de trauma, cirurgia ou
moniae, sendo a bactéria K. kingae respon- disseminação de tecido mole; e osteomielite
sável pela maior parte dos casos da doença de insuficiência vascular, frequentemente
em crianças com idades entre 3 a 5 anos vista nos casos de diabetes mellitus. Nessa
(FUNK & COPLEY, 2017). classificação, a osteomielite pode também
Em relação à origem por foco contíguo ser diferenciada em aguda (anterior a
ou por contiguidade, a literatura sugere que destruição óssea) ou crônica (associada a
metade dos casos da doença em adultos têm necrose avascular do osso e formação de
origem pós-traumática (URISH & sequestro) (SCHMITT, 2017; GROLL et
CASSAT, 2020). Em geral, os pacientes al., 2018).
acometidos por esse tipo de apresentação de O segundo esquema de classificação,
osteomielite têm idade abaixo de 40 anos e proposto por Cierny e Mader (2003),
possuem como comorbidades o Diabetes fornece algumas orientações para a gestão e
Mellitus. É estimado, ainda, que até 20% acompanhamento da doença. A
dos pacientes com polineuropatia diabética osteomielite é dividida por estágios
desenvolvem osteomielite e em casos anatômicos e relacionada ao estado de
severos cresce para 2 em cada 3 pacientes saúde do hospedeiro, o qual é definido por
(KAVANAGH et al., 2018). fatores locais e sistêmicos. Os fatores locais
É importante ressaltar que a incluem edema, estado circulatório, uso de
osteomielite também pode ser causada por tabaco e neuropatia, enquanto os sistêmicos
patógenos não tradicionais, como o incluem idade, estado nutricional e doenças
Cryptococcus neoformans, responsável por imunossupressoras como neoplasia, falên-
5% dos casos em pacientes imunocom- cia de órgãos e diabetes. Em relação ao
prometidos (AL-TAWFIQ & GHAN- estágio anatômico, a osteomielite pode ser
DOUR, 2018; MEDARIS et al., 2019; separada em: osteomielite medular,
ONISHI et al., 2020) e o Mycobacterium superficial, localizada e difusa (SCHMITT,
tuberculosis, ocasionando cerca de 3,5% 2017; GROLL et al., 2018).
dos casos de tuberculose extrapulmonar
(ABEBE & ZEGEYE BONSA, 2017; 3.3. Etiologia
TANGADULRAT & SUWANNAPHISIT, A espécie responsável pela maioria dos
2021). casos é o Staphylococcus aureus
(KAVANAGH et al., 2018). Outros
3.2. Classificação microrganismos podem ser agentes
Existem dois grandes esquemas de etiológicos da osteomielite, conforme a
classificação para osteomielite. O primeiro, idade e o estado imunológico dos pacientes
178
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

(COLSTON & ATKINS, 2017). Em bebês, osso e passam a se multiplicar, provocando


Staphylococcus aureus, Streptococcus uma resposta inflamatória aguda no local.
agalactiae (grupo B) e Escherichia coli são Na tentativa de superar a infecção, os
os isolados ósseos recuperados com maior leucócitos produzem citocinas e enzimas
frequência. Em crianças, Staphylococcus inflamatórias que destroem o tecido
aureus, Streptococcus pyogenes (grupo A) infectado e o adjacente. A morte dos
e Haemophilus influenzae são mais comuns, leucócitos e das células hospedeiras/
considerando indivíduos não imunizados. bacterianas pode preencher os espaços
Em adultos, outros patógenos além de S. intercelulares ao redor da infecção e formar
aureus incluem estafilococos coagulase- um abscesso, que é chamado de abscesso de
negativos, Enterococcus spp, Streptococcus Brodie (MANDELL et al., 2018).
spp, Pseudomonas aeruginosa, várias Na infecção crônica, os abscessos
espécies de Enterobacteriaceae e, ocasio- podem prejudicar o fluxo sanguíneo e
nalmente, bactérias anaeróbias obrigatórias desnudar o periósteo, criando uma área de
(GROLL et al., 2018). osso necrótico chamada sequestro. Um
Adicionalmente, os patógenos não
sequestro é um segmento de osso
bacterianos são causas infrequentes de desvascularizado que se separa do osso
infecção óssea. A osteomielite fúngica hospedeiro devido à necrose circundante,
tipicamente ocorre em pacientes com fornecendo assim segurança aos patógenos,
fatores de risco para infecções fúngicas já que é inacessível a antimicrobianos.
profundamente estabelecidas (por exemplo,
Portanto, o sequestro é uma lesão de
condição de imunossupressão, terapia osteomielite crônica que compromete a
antimicrobiana de amplo espectro recente, integridade do osso. O comprometimento
tratamento com dose alta de corticos- vascular torna os focos de infecção crônica
teroide). A infecção por Micobactérias impermeáveis às células do sistema imu-
(habitualmente tuberculose) também ocorre
nológico e aos antimicrobianos sistêmicos.
em hospedeiros imunocomprometidos, em Frequentemente, ocorre neoformação ósse-
especial naqueles infectados por HIV (vírus a, gerando um invólucro que se forma a
da imunodeficiência humana) (SCHMITT, partir de fragmentos intactos remanescentes
2017). do periósteo. Sua função é fornecer suporte
axial para os ossos que suportam peso e para
3.4. Fisiopatologia prevenir fratura patológica devido ao
O processo inicial que é decisivo na enfraquecimento ósseo. O exsudato ou a
patogênese da infecção óssea é o acesso do purulência da infecção pode escapar por
agente infeccioso ao osso (preferencial- uma abertura no osso chamada cloaca e,
mente na região metafisária). Isto pode
eventualmente, formar um trato sinusal, que
ocorrer por meio de dois focos permite a comunicação da ferida com a
(hematogênico ou contíguo) (MANDELL superfície da pele (KAVANAGH et al.,
et al., 2018). Depois de acessarem o tecido 2018; MANDELL et al., 2018).
ósseo, os microrganismos se aderem ao

179
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Em relação à osteomielite por via mellitus e com comprometimento vascular.


hematogênica, também conhecida como A osteomielite disseminada por contigui-
osteomielite endógena, sabe-se que é uma dade pode originar-se de trauma, inoculação
infecção causada por microrganismos que direta durante procedimentos cirúrgicos ou
se alojam na medula óssea, frequentemente tecidos moles infectados circundantes
nas metáfises dos ossos longos de crianças (KAVANAGH et al., 2018; KISHNER,
ou vértebras de adultos. A metáfise é a 2020). Em adição, estima-se que metade
região de um osso longo entre a epífise e a dos casos de osteomielite em adultos seja
diáfise. Essa parte contém a placa de decorrente de traumas, envolvendo fraturas
crescimento e, devido às suas características abertas ou fechadas (presença ou ausência
vasculares, é a região preferida da de osso exposto). Os tecidos conjuntivos
osteomielite hematogênica. Em particular, danificados, incluindo pele, músculo e osso,
crianças menores de 5 anos são suscetíveis expõem proteínas às quais os microrga-
devido à abundância de vasos sanguíneos nismos podem se ligar prontamente, como
com endotélio permeável que terminam em o colágeno e a fibronectina, aumentando a
alças de capilares (KISHNER, 2020). chance de inoculação (KAVANAGH et al.,
Quando a osteomielite acomete as vértebras 2018). Os casos pós-traumáticos começam
mediante deposição hematogênica de fora do córtex ósseo e seguem em direção
microrganismos na metáfise dos corpos ao canal medular; sendo normalmente
vertebrais, a infecção se espalha para o encontrados na tíbia, mas podem ocorrer em
disco intervertebral, que é uma estrutura qualquer osso (KISHNER, 2020).
avascular (SCHMITT, 2017). Já em relação aos casos associados à
Além disso, a osteomielite hemato- diabetes mellitus, sabe-se que há o
gênica geralmente é monomicrobiana. comprometimento do fornecimento de
Ocorre mais comumente em pacientes sem sangue micro e macrovascular para as
nenhum fator de risco anterior ou infecção. extremidades inferiores. Somado ao cenário
No entanto, também pode ser causada pela da neuropatia sensorial que também é
disseminação de patógenos circulantes no comum nesta doença, os pacientes estão
sangue, que podem surgir de uma infecção predispostos ao desenvolvimento da ulcera-
existente. O foco hematogênico representa ção cutânea em pontos de pressão ou
apenas 20% de todas as infecções por trauma, com posterior colonização com
osteomielite; entretanto, a maioria dos casos microbiota cutânea. A má vascularização
de osteomielite em crianças é por via contribui para a imunidade local compro-
hematogênica (85% dos casos em pacientes metida e cicatrização dificultada da pele,
menores de 17 anos) (KAVANAGH et al., promovendo a propagação da infecção para
2018). o osso subjacente (SCHMITT, 2017). Os
Contraditoriamente, a disseminação fatores citados contribuem para que cerca
contígua da infecção é mais frequentemente de 15% dos pacientes diabéticos com
polimicrobiana e afeta mais comumente úlceras também desenvolvam osteomielite
adultos, sobretudo portadores de diabetes (MANDELL et al., 2018).
180
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.5. Manifestações clínicas Nesse sentido, a osteomielite aguda é


As manifestações clínicas da caracterizada pela presença de eritema,
osteomielite são diversas e dependem dos calor e edema no local afetado, com a
agentes etiológicos, dos tipos de ossos manifestação em até duas semanas.⁠ Além
afetados, da evolução do quadro e da via de disso, sintomas constitucionais, como febre
acometimento. Desse modo, nesta seção são e calafrios, podem estar associados com dor
discutidos os achados clínicos dos tipos intensa. Por outro lado, na osteomielite
mais relevantes de osteomielite conforme subaguda pode ocorrer dor de moderada
essas variáveis. Inicialmente, deve-se ter a intensidade, febre e mal-estar geral, bem
suspeita da infecção quando o paciente como sintomas constitucionais atenuados
apresenta alguns fatores que aumentam o de duas semanas a três meses. É preciso
risco dessa doença como: endocardite, uso ressaltar também que os sintomas
de drogas injetáveis, trauma, feridas que anteriormente citados estão presentes por
não cicatrizam, doença vascular periférica e mais de três meses na osteomielite crônica
neuropatia periférica (SCHMITT, 2017)⁠. (Figura 14.1), mas a febre pode não estar
presente (MANDELL et al., 2018)⁠.

Figura 14.1 Osteomielite crônica

Legenda: Paciente masculino de 40 anos com osteomielite em tíbia esquerda proximal secundária a injeção intraóssea
após overdose de drogas. O paciente apresentou febre, dor óssea, calafrios, vermelhidão, calor e edema na região da
infeção três meses depois, necessitando de hospitalização. A. Imagem de porção da tíbia esquerda com área
avermelhada, edemaciada e quente bem definida, correspondente ao local de injeção interóssea (seta). A perna
contralateral está normal. B. Radiografia frontal da tíbia proximal esquerda, evidenciando lesões líticas mal definidas
nas regiões da metáfise e da epífise com padrão geográfico (seta vermelha), bem como, existência de áreas borradas
(seta verde). C. Ressonância magnética com imagem ponderada em T1 de corte coronal evidenciando região hipotensa
em T1 edema ósseo intramedular maciço na epífise e metáfise, estendido desde a diáfise até o terço médio da perna. D.
Ressonância magnética de corte sagital em T2 com hiperintensidade nas áreas de infiltração dos tecidos moles (setas).
Fonte: BASTIDES et al., 2018.

Em relação à osteomielite por via eritema e edema são sinais comuns, nos
hematogênica, os pacientes podem apresen- casos de trauma e procedimentos cirúrgicos
tar dor subaguda ou crônica no local afetado de artroplastia, enquanto febre e calafrios
(SCHMITT, 2017). Do mesmo modo, são sinais que dependem da virulência do
181
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

agente infeccioso. Nesse sentido, a Figura 14.2 Osteomielite vertebral


osteomielite aguda hematogênica ocorre
com mais frequência em crianças, sendo
que 50% ocorrem em crianças com até 5
anos de idade (SCHMITT, 2017)⁠. Essas
infecções afetam geralmente os ossos
longos como fêmur, tíbia e úmero (FUNK
& COPLEY, 2017)⁠. Além disso, os sinais e
sintomas se restringem ao local lesionado e
40% dos pacientes acometidos podem não
apresentar febre (GIGANTE et al., 2019).
Nesses casos, outro achado importante é a
artrite séptica secundária à osteomielite, em
virtude da disseminação do agente Legenda. Tomografia computadorizada em corte
sagital da região lombar com osteomielite nas
infeccioso para a região cortical ou articular
vértebras L4 e L5 e anterolistese de L5, causada por
do osso, após se estabilizar na região bactéria do gênero Veillonella em um homem de 76
metafisária. Enfim, a artrite séptica anos. O paciente apresentava dor lombar, febre e
secundária à osteomielite constitui 33% calafrios. A tomografia computadorizada revelou
abscesso no músculo psoas com extensão extra-dural,
desses casos (FUNK & COPLEY, 2017)⁠.
além da osteomielite lombar. Fonte: BATHINI et al.,
Já a osteomielite vertebral (Figura 2020.
14.2), por sua vez, tem sinais e sintomas
inespecíficos e acomete principalmente Cabe ressaltar a associação do diabetes
adultos. Os sintomas iniciais estão associa- mellitus e a osteomielite em extremidades
dos com o comprometimento vertebral, inferiores. O comprometimento da vascula-
radicular ou medular, resultando, por tura e dos nervos periféricos pelo diabetes
exemplo, em dor lombar, radiculopatia, facilita o desenvolvimento de ulceração em
déficits neurológicos sensitivos e motores áreas de trauma ou pressão, como nos pés.
(AMSILLI & EPAULARD, 2020)⁠. A Consequentemente, ocorrem lesões da pele
localização da dor corresponde ao local de e dos tecidos moles que ulceram, facilitando
infecção, geralmente com apresentação infecções. Em seguida, essas infecções
subaguda ou crônica. É pertinente afirmar podem se disseminar para ossos e estruturas
que 25% dos pacientes podem apresentar adjacentes, haja vista o ambiente hipergli-
compressão ou comprometimento radicu- cêmico e com pouco aporte sanguíneo. A
lar, causando dor irradiada a partir do nível osteomielite é, assim, uma das compli-
da raiz comprimida e disfunção urinária ou cações comuns desta condição (SCHMITT,
intestinal (SCHMITT, 2017)⁠. Por fim, 2017)⁠.
sintomas característicos de infecção, como Ainda sobre o acometimento de
febre e astenia, também podem estar pacientes com osteomielite e diabetes, é
presentes. importante enfatizar as características
clínicas dessa infecção no pé diabético
182
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

(Figura 14.3). As manifestações depen- e perfusão adequados. O sinal “dedo em


dem, então, do agente infeccioso envolvido, salsicha” é, assim, um importante achado
do grau de extensão do osso infectado ou para a suspeita de osteomielite, estado no
necrosado, da presença de abscesso e da qual o dedo acometido fica inchado, quente
adequada perfusão do membro. A suspeita e avermelhado. É preciso ressaltar, enfim,
de osteomielite em pé diabético também que em razão da doença arterial periférica,
deve ser acrescida em lesões recorrentes, cronicidade da lesão e neuropatia presentes,
que atingem ossos ou articulações, alguns sinais da inflamação são atenuados
principalmente, se for uma úlcera que não na pele próximo à úlcera (ARAGÓN-
se cicatriza após seis semanas de tratamento SÁNCHEZ & LIPSKY, 2018)⁠.

Figura 14.3 Osteomielite em pé diabético

Legenda. Paciente de 68 anos, masculino, com


histórico de Diabetes Mellitus tipo 2 apresentando
história de eritema, edema, sensibilidade e calor local
no membro inferior esquerdo, associado a presença
de paroníquia e úlcera de pé diabético na falange distal do primeiro dedo do pé esquerdo de extensão até o osso, há
um mês. Além disso, foi submetido anteriormente a remoção cirúrgica da unha e desbridamento cirúrgico, com
tratamento duplo de antibiótico. A. Imagem do pé esquerdo do paciente com “dedo salsicha” e úlcera de pé diabético
(seta). B. O mesmo pé, um ano e meio após tratamento. Fonte: LOUPA et al., 2018.

3.6. Diagnóstico presentes. Como tipicamente os valores da


O diagnóstico da osteomielite consiste PCR se elevam e decaem mais rapidamente
de aspectos clínicos, laboratoriais, exames se comparados aos valores do VHS, a
de imagem e microbiológicos. A atenção medida da PCR costuma ser mais utilizada
especial na sintomatologia do paciente é para o monitoramento agudo da doença
fundamental, visto que uma sintomatologia (URISH & CASSAT, 2020). A osteomielite
de dor óssea, eritema, febre, ulcerações e causada por Propionibacterium acnes pode
fraturas com dificuldade de cicatrização ainda se apresentar com valores de PCR e
podem ser sugestivas do quadro. Avaliar a VHS normais. Além disso, uma linfocitose
história clínica pregressa também é pode ou não estar presente e uma anemia
importante, como histórico de trauma, normocítica e normocrônica pode vir a ser
infecções, vasculopatia ou neuropatia peri- detectada em longos períodos de infecção
férica (comum em pacientes diabéticos). (SCHMITT, 2017). Em adição, biomarca-
Na análise dos exames laboratoriais do dores específicos elevados, como a inter-
paciente, alterações inespecíficas e leucina-6, podem sugerir o diagnóstico
decorrentes de processo inflamatório, como diferencial de osteomielite crônica não
um aumento sérico da proteína C-reativa bacteriana, que é uma condição auto
(PCR) e da velocidade de hemossedi- inflamatória, embora ainda não exista
mentação sanguínea (VHS) podem estar
183
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

consenso na literatura acerca da validade utilizados são a radiografia, tomografia


deste biomarcador (BUCH, et al., 2019). computadorizada (TC), ressonância magné-
É fundamental realizar a cultura de tica (RM), tomografia por emissão de
células sanguíneas na tentativa de identifi- pósitrons (PET), tomografia computado-
cação do patógeno causador da doença, que rizada por emissão de fóton único (SPECT)
pode direcionar a terapêutica e escolha do e ultrassom.
antimicrobiano mais adequado para o caso. De acordo com uma abrangente revisão
Entretanto, a forma mais acurada de sistemática de 2019, verificou-se que RM,
diagnóstico permanece sendo a biópsia do PET e SPECT são os exames com maior
osso ou aspiração de coleção de pus do acurácia para o diagnóstico de osteomielite,
mesmo ou de tecidos ao entorno, sendo a ressonância o de maior sensibi-
procedimento invasivo que muitas vezes lidade dos três, porém com menor
exige anestesia e vários dias de análise. especificidade do que o PET (LLEWEL-
Dessa forma, caso a cultura de células LYN et al., 2019). Tal revisão - que não
sanguíneas apresente resultado negativo, a encontrou variações de resultado em
biópsia do osso pode ser necessária e em relação a diferenças quanto ao local,
muito contribui na identificação de evolução e mecanismo de instalação da
patógenos menos comuns, como nos casos doença - indica que no caso de se desejar
de osteomielite da coluna vertebral secun- evitar possível falso positivo, como antes de
dária à infecção por Mycobacterium tuber- se realizar uma cirurgia ou qualquer outro
culosis e anaeróbios (AMSILLI & EPAU- procedimento invasivo, talvez o PET seja
LARD, 2020). Após a realização destes um exame preferível. Não há nenhuma
testes, ainda há a possibilidade de análise razão para preferir qualquer um desses três
microbiológica na tentativa de identificação exames, embora a maior disponibilidade da
do patógeno, o que auxilia na melhor RM em relação ao PET e ao SPECT e o fato
escolha do tratamento antimicrobiano. A dela não expor os pacientes aos malefícios
biópsia também é útil na diferenciação entre da radiação ionizante, talvez a torne o
osteomielite aguda/subaguda bacteriana da exame de imagem mais utilizado no auxílio
osteomielite crônica não bacteriana, que diagnóstico. No caso de osteomielite
terá uma amostra estéril, com sinais crônica não bacteriana, a RM de todo o
inflamatórios pouco específicos (THA- corpo pode ser necessária para detecção de
KOLKARAN & SHETTY, 2019). lesões assintomáticas em outros sítios, além
Os exames de imagem são recursos do ponto primário de dor, já que esse tipo de
fundamentais na confirmação ou exclusão osteomielite de caráter auto inflamatório
do diagnóstico de osteomielite, evitando tende a ser multifocal (BUCH et al., 2019).
biópsias desnecessárias e possibilitando A radiografia é o exame mais utilizado
ainda a identificação de coleções de pus, pelo seu baixo custo e alta disponibilidade
acessos para procedimentos de drenagem de nos centros de saúde em geral, mas não
abcessos, ou mesmo como guia cirúrgico. possui acurácia diagnóstica suficiente para
Nesse contexto, os principais métodos ser o único exame de imagem empregado na
184
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

suspeita de osteomielite, devendo ser dos na suspeita diagnóstica de osteomielite,


sucedida se possível pela ressonância delineamos abaixo os principais achados,
magnética PET (LLEWELLYN et al., segundo SIMPFEN-DORFER, 2017:
2019). Isso porque a destruição óssea 1) Radiografia: Nos casos de osteomi-
necessária para gerar imagens na elite aguda, permite visualizar osteopenia
radiografia leva cerca de 2 semanas para focal, destruição óssea, periostite e demarca
ocorrer em crianças e um período ainda através de uma luminosidade circunscrita os
mais longo em adultos, o que impossibili- abcessos de Brodie. Se a osteomielite tiver
taria o diagnóstico nos estágios precoces da sido causada por contiguidade, um dos
doença e quadros agudos/subagudos primeiros achados radiográficos é a
(URISH & CASSAT, 2020). Tal exame indistinção do córtex ósseo. Já na
pode ser útil, no entanto, para a exclusão de osteomielite crônica, que é melhor
diagnósticos de fratura óssea ou neoplasias, visualizada na radiografia que a forma
que podem mimetizar o quadro sintomático aguda, observa-se um remodelamento ósseo
de osteomielite. e afinamento cortical, esclerose e
Tanto a cintilografia quanto a tomo- irregularidades.
grafia computadorizada possuem menor 2) Ressonância magnética: A osteomi-
sensibilidade e especificidade em compara- elite aguda se apresentará com hiposinal em
ção com a RM, PET e SPECT, devendo ser T1 e hipersinal em T2 e STIR nos casos de
utilizados apenas na indisponibilidade de se edema medular, sendo que um sinal normal
realizar outros exames, sendo o uso do em STIR tem praticamente 100% de valor
contraste na TC útil no delineamento de preditivo negativo para osteomielite.
possíveis abcessos. Abcessos periósteos e acometimento
Apesar da ultrassonografia possuir cortical também podem ser observados.
também menor sensibilidade e especifici- Utilizar o contraste gadolíneo pode ser útil
dade diagnóstica se comparada a RM, PET para melhor visualização do acometimento
e SPECT, tem a vantagem de ser de partes moles. Pode-se também utilizar a
amplamente disponível e de baixo custo. ressonância magnética nos casos de
Apesar de não possibilitar a visualização do osteomielite crônica, embora a visualização
osso em si, é útil na delimitação de abcessos se torne mais difícil pelo fato de o tecido
e coleções de pus próximo ao osso ou fibrovascular reparador ter sinal semelhante
articulações. É mais utilizada no diagnós- às áreas inflamadas ativas, devendo-se
tico de osteomielite em crianças, que atentar para a presença de ruptura cortical,
costumam requerer sedação para a abcessos e úlceras cutâneas que podem
realização da ressonância magnética, ou auxiliar o diagnóstico. O uso do contraste
para guiar aspirações e biópsias, o que torna gadolíneo é especialmente útil nessas
a RM um procedimento difícil de ser situações, pois ressaltará as áreas de
realizado. inflamação ativa. O invólucro formado será
Como a radiografia e a ressonância visto como uma porção óssea mais
magnética são os dois exames mais solicita- espessada, circundando o sequestro. Nessa
185
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

situação, o edema medular pode ou não ser Antes de iniciar a terapia antimicrobiana, é
visualizado. importante considerar a penetração do
antimicrobiano no osso, visto que
3.7. Tratamento elementos de infecção, como biofilme
A terapia da osteomielite requer uma bacteriano, formação de abscesso e osso
abordagem interdisciplinar, envolvendo a necrótico podem impactar consideravel-
avaliação do paciente, a antibioticoterapia e mente na penetração de antimicrobianos
a intervenção cirúrgica (KAVANAGH et nos casos de osteomielite, o que demonstra
al., 2018). A terapia antimicrobiana requer a importância da cirurgia no desbridamento
a identificação do microrganismo para de tecido necrótico para melhorar a
posterior controle da fonte, que deve ser administração dos antimicrobianos (URISH
realizado por meio do desbridamento do & CASSAT, 2020).
osso necrótico, drenagem e irrigação do Tendo em vista as diretrizes clínicas
tecido abscesso e remoção do material baseadas em evidências existentes, que se
infectado (URISH & CASSAT, 2020). relacionam com o tratamento antimicro-
Tendo em vista que o osso necrótico é a biano da osteomielite, o foco central de cada
marca registrada da osteomielite crônica, a uma dessas é a adaptação da terapia com
única estratégia curativa, nesse caso, é a base nos resultados da cultura de origem
ampla excisão cirúrgica, o que inclui ossos (URISH & CASSAT, 2020). Desse modo,
saudáveis e tecidos moles, uma vez que o embora o S. aureus e o S. epidermidis
desbridamento local e conservador está permanecem os agentes etiológicos mais
associado a altas taxas de falha (FANTONI comuns de infecções ósseas e articulares, o
et al., 2019). Quando a intervenção tratamento empírico da osteomielite deve
cirúrgica não for possível, o paciente pode ser adiado até que as amostras para cultura
precisar de supressão antimicrobiana da sejam obtidas, permitindo a seleção
infecção a longo prazo, geralmente por via antimicrobiana ideal. Visto que, em quase
oral (KAVANAGH et al., 2018). todos os casos, a antibioticoterapia da
Em relação às diretrizes de tratamento osteomielite crônica não é uma emergência,
da osteomielite, tanto crônica quanto aguda, é possível esperar pelos resultados da
pode-se perceber que há pouca evidência cultura para, então, iniciar a terapia
objetiva para os preceitos de tratamentos (FANTONI et al., 2019). Após a escolha do
aceitos e faltam estudos de alta qualidade antimicrobiano, os resultados dos testes de
nessa área. Em vista disso, a terapia da suscetibilidade podem informar a escolha
osteomielite aguda pode ser difícil e é do agente ideal, a via e a duração do
amplamente baseada na opinião de tratamento (KAVANAGH et al., 2018).
especialistas. Ademais, há várias concep- O agente escolhido para a terapia deve
ções diferentes sobre a duração e a via do ser orientado pelos resultados dos testes de
tratamento, existindo confusão quanto à sensibilidade aos antimicrobianos, sendo o
superioridade do tratamento intravenoso mais importante o resultado de suscetibi-
sobre o oral (KAVANAGH et al., 2018). lidade à oxacilina/meticilina, que define se
186
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

S. aureus ou S. epidermidis suscetível à As indicações cirúrgicas gerais para


meticilina (MSSA/MSSE) ou resistente à osteomielite incluem a presença de
meticilina (MRSA/MRSE) estão envolvi- abscesso subperiosteal ou de tecido mole,
dos (KAVANAGH et al., 2018). Apesar da sequestro ósseo, sinais de infecção crônica
oxacilina, nafcilina e cefazolina serem ou quando a infecção não responde à
opções adequadas para o tratamento inicial antibioticoterapia inicial. A intervenção
da osteomielite estafilocócica crônica, esses cirúrgica desempenha um papel importante
agentes não estão disponíveis na formula- na melhoria do local por meio do
ção oral e a biodisponibilidade de penicilina debridamento do tecido desvitalizado,
oral e cefalosporinas é geral-mente baixa. descompressão da carga bacteriana e
Em vista disto, trocar a terapia para a via aumento da administração de antimicro-
oral requer, muitas vezes, uma mudança bianos. As indicações para cirurgia vão
para outros agentes, que são ativos contra as depender da etiologia. Na osteomielite
MSSA e as MRSA, como doxiciclina, hematogênica aguda, o desbridamento
clindamicina ou sulfametoxazol-trimeto- cirúrgico é comum, mas não absolutamente
prima (TMP-SMX). Ademais, nos casos de necessário, pois depende da lesão infecciosa
pacientes com alergia à penicilina, os e da gravidade da doença. Além disso,
agentes clindamicina e vancomicina são geralmente, a osteomielite requer desbrida-
boas alternativas terapêuticas (FANTONI mento quando o tecido mole circundante
et al., 2019). está envolvido, como nos casos de: úlceras
Tratando-se sobre a via e a duração do de pé diabético de adultos, fraturas expostas
tratamento, estudos sugerem que os e trauma, articulações sépticas e infecção
antimicrobianos devem ser administrados articular periprotética (URISH & CASSAT,
por 4 a 6 semanas, se possível por via 2020).
intravenosa. No entanto, apesar das Após o desbridamento do local
complicações e riscos associados a cateteres infectado, há uma área restante denominada
intravenosos de longo prazo e um de espaço morto, cujo manejo envolve,
prolongamento da internação hospitalar, a normalmente, a coleta de enxertos ósseos
terapia parenteral continua sendo a autólogos ou autógenos, frequentemente da
abordagem de escolha até que mais estudos crista ilíaca pélvica, seguido pela implanta-
comparativos sejam concluídos (KAVA- ção no local do defeito. Os enxertos
NAGH et al., 2018). Em contrapartida, autólogos são o padrão para promover a
vários outros estudos mostraram resultados cicatrização, possuindo desempenho bioló-
equivalentes entre o tratamento intravenoso gico ideal em termos de osteogenicidade,
e o tratamento oral de alta biodispo- osteoindutividade e osteocondutividade. No
nibilidade, pois, além de facilitar a alta entanto, o uso desses enxertos é limitado
hospitalar precoce, a via oral evita por conta da morbidade do local do doador,
complicações potenciais de cateteres de da dor pós-operatória e do risco de infecção.
acesso venoso de longa permanência Outro método usado para manejar o espaço
(URISH & CASSAT, 2020). morto é o uso de retalhos musculares, que
187
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

possui como vantagens a maleabilidade, a infecção localizada que restringem o fluxo


densa rede capilar e o incentivo à rápida sanguíneo para a área, resultando em uma
deposição de colágeno. Entretanto, as região avascular de tecido ósseo necrótico
desvantagens incluem infecção recorrente chamada de sequestro. O sequestro possui
em casos de osteomielite crônica, podendo vascularização e oxigenação reduzidas,
levar a infecção do retalho muscular proporcionando condições ideais para a
(KAVA-NAGH et al., 2018). fixação bacteriana e para a formação de
biofilme. A permanência do sequestro
3.8. Prognóstico e sequelas facilita a disseminação da infecção no osso
O prognóstico dos pacientes depende e nas articulações e, eventualmente,
intimamente do tratamento precoce e resultará na necessidade de desbridamento
adequado. Um tempo prolongado entre o radical e possível amputação do membro
surgimento dos primeiros sinais clínicos e o (KAVANAGH et al., 2018).
diagnóstico da doença é frequente e O fator mais importante para o sucesso
representa um importante fator para um no tratamento de pacientes com infecção
mau prognóstico da doença (AMSILLI & óssea é a qualidade do desbridamento. O
EPAULARD, 2020). desbridamento ósseo com cobertura de
A osteomielite tem morbidade elevada, retalho está associado a melhores resultados
o que pode levar a complicações diversas, de osteomielite em comparação com apenas
tais como: disseminação localizada da o desbridamento ou com somente a cirurgia.
infecção para tecidos moles ou articulações; Um retalho vascularizado permite o
evolução para infecção crônica; amputação estabelecimento de melhor suprimento
da extremidade envolvida; infecção sanguíneo ósseo e melhor liberação de
generalizada ou sepse. Conforme a infecção antimicrobianos no osso infectado,
se espalha ao longo da estrutura óssea, permitindo menor duração do tratamento e
pode-se atingir o periósteo metafisário e reduzindo os riscos de reinfecção (MANZ
causar um abscesso periósteo, desencade- et al., 2020). A instabilidade óssea ou os
ando um quadro de sepse articular. O defeitos de cobertura como consequência
envolvimento de articulações é um dos do desbridamento exigem atenção, pois a
fatores que podem ser associados a maus reconstrução de defeitos ósseos e de tecidos
prognósticos e maior ocorrência de sequelas moles pode influenciar no prognóstico e na
em casos de osteomielite (MANZ et al., ocorrência de sequelas (GARCÍA DEL
2020). Casos que envolvem dispositivos POZO et al., 2018).
protéticos são mais complexos, causando A espécie S. aureus é a principal
aumento da morbidade devido à necessi- responsável por casos de infecção crônica
dade de mais procedimentos cirúr-gicos e ou reinfecção, sendo observada alta
de regimes extensos de antimicrobianos persistência desse microrganismo no tecido
necessários para o tratamento. ósseo (MASTERS et al., 2019). Ao
Frequentemente, em casos de infecções colonizar-se, o S. aureus libera toxinas,
crônicas podem surgir abscessos de algumas capazes de facilitar a disseminação
188
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

no hospedeiro, e é capaz de formar biofilme hematogênico ou contíguo, provocando


no local da infecção, fatores que facilitam a resposta inflamatória aguda mediante
reinfecção e a recolonização. Em conjunto multiplicação microbiana em determinado
do estabelecimento de biofilmes, a local do tecido ósseo. As manifestações
resistência deste microrganismo a antimi- clínicas da osteomielite são diversas e
crobianos dificulta o tratamento e prejudica dependem do agente etiológico, da idade do
o prognóstico da osteomielite em pacientes, paciente, da localização anatômica da lesão,
sendo que mais de 50% dos casos são da via de inoculação dos patógenos e do
causados por linhagens de S. aureus tempo de evolução da infecção. Diante
resistentes a meticilina (MRSA). O S. disso, seus achados clínicos mais relevantes
aureus é capaz, ainda, de entrar em um são eritema, calor, edema e dor local, bem
estado de dormência com baixa atividade como variados sintomas específicos de
metabólica, podendo sobreviver intracelu- acordo com cada variável citada. Por
larmente por diversos anos e emergir apresentar um amplo espectro de
novamente no hospedeiro, levando a casos manifestações clínicas associado a uma
de reinfecção. Terapias farmacológicas com considerável taxa de morbi-mortalidade, a
regime insuficiente ou fármacos inadequa- osteomielite se caracteriza como uma
dos podem levar à persistência da infecção. desafiadora urgência ortopédica.
A osteomielite está também indireta- Portanto, o diagnóstico deve ser
mente associada à deformação e ao composto pela correlação entre achados
enfraquecimento do osso. Em razão da clínicos, laboratoriais, exames de imagem e
infecção, ocorre a morte de osteoblastos na microbiológicos, tendo a sintomatologia e a
região e há elevada produção de citocinas história pregressa, papéis fundamentais.
inflamatórias que estimulam a reabsorção Aliado à clínica, os exames laboratoriais
de matriz óssea por osteoclastos, o que gera auxiliam na pesquisa de alterações
enfraquecimento do osso e facilita a decorrentes de processos inflamatórios,
ocorrência de fraturas. Episódios de bem como na identificação do patógeno,
osteomielite nas placas de crescimento enquanto os exames de imagem tornam-se
podem afetar o crescimento saudável de recursos essenciais para a confirmação do
crianças (KAVANAGH et al., 2018). diagnóstico e ações cirúrgicas. Já o
tratamento deve ser individualizado,
4. CONCLUSÃO relacionando a avaliação do paciente, a
antibioticoterapia e a intervenção cirúrgica.
A osteomielite é uma inflamação O conhecimento de toda extensão e
recorrente e persistente nos ossos, particularidades da doença é crucial para
geralmente decorrente de infecção um diagnóstico eficiente e para um
estafilocócica, capaz de evoluir para um tratamento eficaz e planejado, considerando
quadro de resolução cirúrgica. Sua as manifestações dos sinais e sintomas
fisiopatologia tem como processo inicial e específicos de cada paciente
decisivo a infecção óssea por foco
189
Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Capítulo 14
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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192
Capítulo 15
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 15
PROTOCOLO PARA
TRAUMATISMO DENTO -
ALVEOLAR: UMA REVISÃO
DE LITERATURA

Palavras-chave: Dente; Face; Ferimentos e Lesões; Trauma.

ÉTORE GOULART CHAGAS¹


VITOR CARDOSO COSTA¹
GUILHERME HENRIQUE BORGES²
MARCELO DIAS MOREIRA DE ASSIS COSTA²
LUIZ RENATO PARANHOS³

1
Graduando – Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de
Uberlândia.
2
Doutorando – Programa de Pós-graduação em Odontologia (PPGO) da
Universidade Federal de Uberlândia.
3
Docente - Departamento de Odontologia Preventiva e Social da
Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Uberlândia.

193
Capítulo 15
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO dental com coparticipação dos tecidos de


suporte, podendo levar a incapacidade de
Todos os anos, o trauma é a causa de mastigar, falar e até respirar (STEELE et
milhões de mortes e ferimentos em todo o al., 2004). A multiplicidade de estruturas
mundo (WORLD HEALTH ORGANI- envolvidas, o momento ou a variabilidade
ZATION, 2014). Nesse contexto o trauma da lesão requerem atenção do profissional
de face é comumente causado por acidentes desafiando-o a estabelecer prioridades e
automobilísticos em indivíduos adultos, distinguir as lesões e terapias mais eficazes.
sendo os maxilares, o nariz, os ossos Desafios diagnósticos relacionados ao
zigomáticos e a órbita os locais mais traumatismo dento-alveolar são comuns e a
acometidos (FRIED et al., 1996). A capacidade dos cirurgiões-dentistas de
prevalência de lesões na dentição em identificar corretamente lesões específicas
pacientes que apresentam algum tipo de por meio de um exame clínico minucioso
trauma craniofacial pode chegar a 76% associados a exames por imagem ditam o
(LAM, 2016). Devido a sua alta ocorrência curso ideal de tratamento (COHENCA;
o trauma dento-alveolar representa um SILBERMAN, 2017).
grande entrave para o sistema público de A agilidade em um atendimento
saúde, pois seu manejo é multidisciplinar e imediato diante de uma situação em que
não se resume apenas ao atendimento houve um traumatismo dental faz com que
imediato, mas também a proservação por evitemos muitas perdas de elementos
alguns anos com alto índice de insucesso e dentais. Contudo, não depende somente de
complicações (WUSIMAN et al., 2018). um profissional capacitado, mas também do
Pacientes do sexo masculino têm taxas próprio paciente ou responsável. A
consistentemente mais altas de trauma importância do conhecimento sobre um
dental do que as mulheres; isso pode ser dente traumatizado deve ir além dos meios
atribuído ao envolvimento com esportes de odontológicos e se expandir para população
contato com ou sem equipamento de em geral (GUEDES-PINTO, 2010). Desta
proteção adequado (GASSNER et al., forma, o objetivo deste estudo foi abordar
2004). Em crianças, os acidentes como as de maneira ampla, a avaliação inicial do
quedas, são as principais causas. As lesões paciente com traumatismo dento-alveolar,
em boca chegam a 5% do total de lesões os tratamentos para as lesões dentais e de
corporais em todas as idades (JONES, tecidos de suporte bem como a sua
2020). Por outro lado, existem fatores que proservação com vistas a analisar
predispõe o traumatismo dental, tais como: integralmente o paciente.
protrusão do maxilar, hipotonicidade do
orbicular, atos de violência e pacientes com 1.1. Avaliação inicial do paciente com
deficiência cognitiva (GUEDES-PINTO, traumatismo Dento-Alveolar
2010). Nos últimos anos, ocorreram mudanças
Os traumatismos dento-alveolares nas recomendações para o tratamento de
podem estar associados a lesões na estrutura lesões dentais traumáticas (TDIs).

194
Capítulo 15
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Recentemente, foram publicadas diretrizes necessite de uma cobertura antibiótica.


da International Association of Dental Juntamente, checar se as vacinas estão em
Traumatology (IADT, 2020) com atualiza- dia, principalmente a antitetânica
ções frente a proservação e contenção, para (GUEDES-PINTO, 2010; LOSSO et al.,
o gerenciamento de emergência de TDIs 2011; COHENCA; SILBERMAN, 2017).
fornecendo um manual abrangente para os Quando se realiza o exame geral do
profissionais da saúde conduzirem paciente, deve-se observar: exame
pacientes que apresentam esses tipos de neurológico básico do paciente realizado
lesões (LEVIN et al., 2020). Para isso, a por meio da coleta dos sinais vitais, da
anamnese, o exame radiográfico, o exame observação clínica e dos relatos do paciente
geral e o intraoral do paciente se tornam como diplopia, náuseas, vômitos,
primordiais para um diagnóstico, um inconsciência, tonturas e cefaleia. Nessas
planejamento e um acompanhamento situações, o encaminhamento imediato do
adequado. paciente ao médico é indicado. Sucessiva-
A anamnese é um exame minucioso e de mente devem-se avaliar as lesões extrabu-
suma importância, visto que vários fatores cais: caso o paciente apresente lesões nessas
irão definir o melhor tratamento a ser áreas, a avaliação especializada também é
executado dentro da condição sistêmica do imprescindível. Trauma na região do mento
paciente para garantir um atendimento pode resultar em fraturas longitudinais do
seguro (HAMMEL; FISCHEL, 2019). dente, sendo capaz de restringir a coroa ou
Existem situações em que se necessita envolver coroa e raiz (GUEDES-PINTO,
contatar o médico que acompanha o 2010; LOSSO et al., 2011; LOUREIRO et
paciente para obter maiores informações al., 2019).
frente a sua saúde. Pessoas com problemas Ao exame intrabucal, a inspeção e a
de coagulação ou cardiopatias precisam de palpação podem revelar fraturas alveolares
conduta prévia ao atendimento. O intuito e dos ossos gnáticos, bem como a presença
desse procedimento é assegurar-lhes a sua de objetos incluídos pelo trauma. Assim,
saúde (ALVINO et al., 2021). para uma correta análise deve-se realizar
Em relação ao episódio de trauma, deve- uma limpeza dos tecidos a fim de investigar
se avaliar o tipo de traumatismo. Como as seguintes questões: 1) Tecidos moles
aconteceu o trauma dental e bucal, além de estão lesionados pelo trauma? 2). Qual a sua
verificar se a história é compatível com a extensão dessa lesão? 3) Dentes apresentam
condição clínica; quando se deu o trauma, fratura, mobilidade ou deslocamento? 4)
pois o tempo decorrido definirá a melhor Tecido ósseo apresentam fraturas? 5)
conduta a ser tomada no caso; onde ocorreu Oclusão está alterada ?; O esclarecimento
o trauma, a fim de saber se foi em local desses pontos se tornam primordiais para a
contaminado. Se for o caso, é preciso checar escolha do tratamento recomendado para o
a necessidade ou não da indicação de tipo de lesão e o possível impacto da
antibióticos para aqueles pacientes que terapêutica adotada (LOSSO et al., 2011;
tiverem uma razão clínica médica que

195
Capítulo 15
TRAUMA E EMERGÊNCIA

COHENCA; SILBERMAN, 2017; LEVIN 1.2. Diagnóstico e tratamento para


et al., 2020). traumatismo Dento-Alveolar ou na
A familiaridade com os achados na dentição permanente
imagem de emergências odontológicas 1.2.1. Fratura somente em esmalte
melhora a confiança diagnóstica do Ocorre quando há fratura incompleta do
cirurgião-dentista e o papel de orientar o esmalte, sem perda da estrutura dental. As
atendimento ao paciente, evitando a características clínicas neste tipo de lesão
progressão para condições de risco de vida são: sem sensibilidade à percussão ou
e reduzindo problemas estéticos, perda palpação, sendo necessária uma avaliação
dental e condições relacionadas (COHEN- do dente para uma possível associação de
CA; SILBERMAN, 2017; LOUREIRO et lesão de luxação ou fratura de raiz. A
al., 2019). Ao interpretar uma radiografia, é sensibilidade a mobilidade é normal e os
necessário considerar a idade do paciente e testes de sensibilidade pulpar normalmente
o tipo de trauma. Embora radiografias são positivos.
iniciais não sejam adquiridas na maioria dos Tratamento:
casos de emergência, os dentes são 1. Em caso de lesões graves, o condicio-
incluídos em muitas imagens diferentes da namento ácido e a restauração com resina
cabeça e pescoço, e sua avaliação inicial devem ser considerados para evitar a
raramente requer um protocolo específico descoloração e contaminação bacteriana das
(COHENCA; SILBERMAN, 2017; LOU- lesões;
REIRO et al., 2019). 2. Caso contrário, nenhum tratamento é
Assim, deve-se avaliar, o estágio de necessário - somente o acompanhamento.
erupção dental; o grau de rizólise dos dentes
decíduos; o grau de rizogênese do dente 1.2.2. Fratura de esmalte e dentina
permanente; fragmentos em tecido mole; a sem exposição pulpar
presença de fraturas ósseas ou dentais; a Ocorre quando há lesão nos tecidos
espessura da dentina remanescente entre a esmalte e dentina, porém, sem a exposição
linha de fratura e a polpa coronária (fratura da polpa dental. As características clínicas
coronária); reabsorções radiculares; tama- nesta situação são: mobilidade normal - os
nho da câmara pulpar; deslocamentos testes de sensibilidade pulpares geralmente
intrusivos e extrusivos e a presença de dão positivos. Sem sensibilidade à
outras alterações patológicas na área percussão ou palpação - há necessidade de
(GUEDES-PINTO, 2010). uma avaliação do elemento dental para uma
Faz-se importante processar correta- possível associação a lesão de luxação ou
mente e guardar as radiografias obtidas a fratura de raiz, especialmente se houver
fim de compará-las com as futuras sensibilidade.
radiografias de controle. Se possível, Tratamento:
fotografar o caso para documentação 1. Se o fragmento dental estiver disponível
(LOSSO et al., 2011; LOUREIRO et al., e intacto, ele pode ser colado de volta ao
2019). dente. O fragmento deve ser reidratado por

196
Capítulo 15
TRAUMA E EMERGÊNCIA

imersão em água ou solução salina por 20 dente após a reidratação e, a polpa exposta
minutos antes da colagem; é tratada;
2. Cobrir a dentina exposta com ionômero 6. Na ausência de um fragmento de coroa
de vidro ou usar adesivo e resina composta; intacto para ligação, cobrir a dentina
3. Se a dentina exposta estiver a 0,5 mm da exposta com ionômero de vidro ou usar
polpa (rosa, mas sem sangramento), colocar adesivo e resina composta;
uma proteção com hidróxido de cálcio e 7. Neste caso, o acompanhamento é feito
cobrir com um material como ionômero de da seguinte forma: avaliações clínicas e
vidro; radiográficas são necessárias após 6-8
4. Acompanhar o caso. semanas, depois de 3 meses, 6 meses e 1
ano. Se houver luxação associada, fratura
1.2.3. Fratura do complexo dentina- radicular ou suspeita de lesão de luxação
esmalte com exposição pulpar associada, o regime de acompanhamento da
É uma fratura confinada ao esmalte e à luxação prevalece e deve ser feito um
dentina com exposição pulpar. As acompanhamento mais longo.
características clínicas nesta situação são
semelhantes ao caso descrito acima, porém, 1.2.4. Fraturas radiculares
a polpa exposta é sensível a estímulos como Esta lesão é caracterizada pela fratura da
o ar, frio e doces. raiz envolvendo dentina, polpa e cemento.
Tratamento: Pode ser horizontal, oblíqua ou uma
1. Em pacientes onde os dentes têm raízes combinação de ambas. As características
com os ápices abertos, é muito importante clínicas são: o segmento coronal pode ser
preservar a polpa. Pulpotomia parcial ou móvel e pode ser deslocado, pode haver
capeamento pulpar são recomendados a fim sensibilidade à percussão, sangramento do
de promover maior desenvolvimento sulco gengival e o teste de sensibilidade da
radicular; polpa pode ser negativo inicialmente,
2. O tratamento conservador da polpa (por indicando dano neural transitório ou
exemplo, pulpotomia parcial) também é o permanente.
tratamento preferido em dentes com Tratamento:
desenvolvimento radicular completo; 1. Se deslocado, o fragmento coronal deve
3. Cimentos de hidróxido de cálcio que ser reposicionado o mais rápido possível;
não consolidem ou silicato de cálcio que 2. Verificar o reposicionamento radiogra-
não mancham são materiais adequados para ficamente;
serem colocados na ferida da polpa; 3. Estabilizar o segmento coronal móvel
4. Se um pino for necessário para a com uma tala passiva e flexível por 4
retenção da coroa em um dente maduro com semanas. Se a fratura estiver localizada
formação radicular completa, o tratamento cervicalmente, a estabilização por um longo
de canal radicular é o tratamento indicado; período até 4 meses pode ser necessária;
5. Se o fragmento do dente estiver 4. As fraturas cervicais têm potencial para
disponível, ele pode ser colado de volta ao cicatrizar. Assim, o fragmento coronal,

197
Capítulo 15
TRAUMA E EMERGÊNCIA

especialmente se não móvel, não deve ser deslocamento e desalinhamento do


removido na visita de emergência; segmento alveolar fraturado são frequente-
5. Nenhum tratamento endodôntico deve mente vistos e os dentes no segmento
ser iniciado na visita de emergência; fraturado podem não responder ao teste de
6. É aconselhável monitorar a consolida- sensibilidade da polpa.
ção da fratura por pelo menos um ano. O Tratamento:
status da polpa também deve ser 1. Reposicionar qualquer segmento deslo-
monitorado; cado;
7. Necrose pulpar e infecção podem se 2. Estabilizar o segmento imobilizando os
desenvolver posteriormente. Geralmente dentes com uma tala passiva e flexível por
ocorre apenas no fragmento coronal. Dessa 4 semanas;
forma, o tratamento endodôntico apenas do 3. Suturar lacerações gengivais, se houver;
segmento coronal será indicado. Como as 4. O tratamento do canal radicular é
linhas de fratura radicular são frequen- contraindicado na visita de emergência;
temente oblíquas, a determinação do 5. Monitorar a condição pulpar de todos os
comprimento do canal radicular pode ser dentes envolvidos, tanto inicialmente
um desafio. Uma abordagem de apicifi- quanto nos acompanhamentos, para
cação pode ser necessária. O segmento determinar se ou quando o tratamento
apical raramente sofre alterações endodôntico se torna necessário.
patológicas que requerem tratamento;
8. Em dentes maduros onde a linha de 1.2.6. Concussão
fratura cervical está localizada acima da Nesta situação o elemento dental possui
crista alveolar e o fragmento coronal é mobilidade normal, é sensível à percussão e
muito móvel, a remoção do fragmento ao toque, provavelmente responderá ao
coronal, seguida por tratamento de canal teste de sensibilidade da polpa.
radicular e restauração com uma coroa pós- Tratamento:
retida provavelmente será necessária. 1. Nenhum tratamento é necessário;
Procedimentos adicionais, como extrusão 2. Monitorar a condição da polpa por pelo
ortodôntica do segmento apical, cirurgia de menos um ano, mas de preferência por mais
alongamento de coroa, extrusão cirúrgica tempo.
ou mesmo extração, podem ser necessários
como opções de tratamento futuras. 1.2.7. Subluxação
É uma lesão nas estruturas de suporte
1.2.5. Fraturas alveolares dental com afrouxamento anormal, mas sem
São lesões que envolvem o osso deslocamento do dente. As características
alveolar e podem se estender aos ossos clínicas são: o elemento dental está sensível
adjacentes. São clinicamente caracterizadas ao toque ou batidas leves, aumento da
por apresentar mobilidade do segmento e mobilidade, mas não está deslocado.
deslocamento com vários dentes movendo- Sangramento no sulco gengival pode estar
se em bloco. Distúrbios oclusais devido ao presente e pode não haver resposta ao teste

198
Capítulo 15
TRAUMA E EMERGÊNCIA

de sensibilidade da polpa inicialmente geralmente associado a uma fratura ou


indicando dano transitório do tecido pulpar. compressão da parede da cavidade alveolar
Tratamento: ou osso cortical facial. Características
1. Normalmente nenhum tratamento é clínicas em destaque são: elemento dental
necessário; está deslocado, geralmente em uma direção
2. Uma tala passiva e flexível para palatal / lingual ou labial. Pode haver uma
estabilizar o dente por até 2 semanas pode fratura associada do osso alveolar, imobi-
ser usada, mas apenas se houver mobilidade lidade, pois o ápice da raiz está "travado"
excessiva ou sensibilidade ao morder o pela fratura óssea, a percussão dará um som
dente; altamente metálico e provavelmente não
3. Monitorar a condição da polpa por pelo terá resposta aos testes de sensibilidade da
menos um ano, mas de preferência por mais polpa.
tempo. Tratamento:
1. Reposicionar o dente digitalmente,
1.2.8. Luxação extrusiva retirando-o de sua posição travada e o
Ocorre quando há o deslocamento do reposicionar suavemente em seu local
dente para fora de seu alvéolo em uma original sob anestesia local. Método: palpar
direção incisal/axial. É caracterizado pela gengiva para sentir o ápice do dente.
clinicamente apresentar um alongamento Usar um dedo para empurrar para baixo
dental, maior mobilidade e provavelmente sobre a extremidade apical do dente e, em
não terá resposta aos testes de sensibilidade seguida, usar outro dedo ou polegar para
da polpa. empurrar o dente de volta para o alvéolo;
Tratamento: 2. Estabilizar o dente por 4 semanas
1. Reposicionar o dente empurrando-o usando uma tala passiva e flexível. Se
suavemente de volta para o encaixe do houver ruptura/fratura do osso marginal ou
dente sob anestesia local; da parede do alvéolo, uma tala adicional
2. Estabilizar o dente por duas semanas pode ser necessária;
usando uma tala passiva e flexível. Se 3. Monitorar a condição pulpar com testes
houver ruptura/ fratura do osso marginal, de sensibilidade pulpar nas consultas de
imobilizar por mais quatro semanas; acompanhamento;
3. Monitorar a condição da polpa com 4. Cerca de 2 semanas após a lesão, fazer
testes de sensibilidade da polpa; uma avaliação endodôntica:
4. Se a polpa se tornar necrótica e Dentes com formação de raiz incompleta
infectada, o tratamento endodôntico podem ocorrer revascularização espontâ-
adequado ao estágio de desenvolvimento da nea. Se a polpa se tornar necrótica e houver
raiz do dente é indicado. sinais de reabsorção externa inflamatória
(relacionada à infecção), o tratamento do
1.2.9. Luxação lateral canal radicular deve ser iniciado o mais
Ocorre quando há o deslocamento do rápido possível. Procedimentos endodôn-
dente em qualquer direção lateral, ticos adequados para dentes imaturos ou

199
Capítulo 15
TRAUMA E EMERGÊNCIA

decíduos devem ser usados. O prognóstico  Dentes com formação radicular


para dentes com a formação radicular completa (dentes maduros).
completa, provavelmente a polpa ficará 1. Permitir a reerupção sem intervenção se o
necrótica. dente for intruído menos de 3 mm. Se não
houver reerupção dentro de 8 semanas,
1.2.10. Luxação Intrusiva reposicionar cirurgicamente e imobilizar
Ocorre quando há um deslocamento do por 4 semanas com uma tala passiva e
elemento dental em uma direção apical no flexível. Alternativamente, reposicionar
osso alveolar. As características clínicas ortodonticamente antes que a anquilose se
desta lesão são o deslocamento do elemento desenvolva;
dental axialmente para o osso alveolar, 2. Se o dente for intruído de 3-7 mm,
imobilidade, a percussão dará um som reposicionar cirurgicamente (de preferên-
altamente metálico e provavelmente não cia) ou ortodonticamente;
terá resposta aos testes de sensibilidade da 3. Se o dente for intruído além de 7 mm,
polpa. reposicionar cirurgicamente.
Tratamento:  Para a dentição permanente.
 Para a dentição decídua 1. Em dentes com formação radicular
1. Permitir a reerupção sem intervenção completa, a polpa quase sempre se torna
(reposicionamento espontâneo) para todos necrótica. O tratamento do canal radicular
os dentes intruídos, independente do grau deve ser iniciado em 2 semanas ou assim
de intrusão; que a posição do dente permitir, usando um
2. Se não houver reerupção dentro de 4 antibiótico, corticosteroide ou hidróxido de
semanas, iniciar o reposicionamento cálcio como medicação intracanal. O
ortodôntico; objetivo deste tratamento é prevenir o
3. Monitorar a condição da polpa; desenvolvimento de reabsorção externa
4. Em dentes com formação radicular inflamatória (relacionada à infecção).
incompleta pode ocorrer revascularização A avulsão dental ocorre quando o dente
pulpar espontânea. No entanto, se for sai do alvéolo e gera o rompimento do feixe
observado que a polpa se torna necrótica e vásculo-nervoso e cessa o fornecimento de
infectada ou que há sinais de reabsorção sangue para a polpa e as células do
externa inflamatória (relacionada à ligamento periodontal ficam expostas ao
infecção) nas consultas de acompanha- meio externo. Kenny et al. (2003) também
mento, o tratamento de canal é indicado e classificaram avulsões e intrusões como
deve ser iniciado o mais rápido possível sendo os danos de deslocamento mais
quando da posição do dente permitir. complexos e controversos da dentição
Procedimentos endodônticos adequados permanente. Para a dentição permanente,
para dentes imaturos devem ser usados; existem três possibilidades: quando o
5. Os pais devem ser informados sobre a elemento dental é reimplantado no local do
necessidade de visitas de acompanhamento. ocorrido e somente depois o paciente
procura atendimento odontológico, a

200
Capítulo 15
TRAUMA E EMERGÊNCIA

segunda situação é quando o paciente zado. Este estágio de desenvolvimento pode


armazena o dente em uma solução e procura resultar em afrouxamento ou perda da tala.
o cirurgião-dentista para o reimplante em Nos casos de fratura alveolar ou maxilar
menos de 60 minutos e por fim, é quando o associada, uma contenção mais rígida é
paciente não armazena o dente em uma indicada e deve ser deixada no local por 4
solução adequada e demora mais de 60 semanas;
minutos para procurar atendimento profissi- 7. Suturar as lacerações, se houver;
onal. 8. Tratamento endodôntico 2 semanas
Segundo a International Association após o reimplante;
Dental Traumatology (IADT, 2020) sugere 9. Administração de antibiótico sistêmico;
para a primeira situação o seguinte 10. Verificar o estado da vacina de tétano;
protocolo: 11. Instruções pós-operatórias;
1. Limpar a área ferida com água, soro 12. Acompanhamento.
fisiológico ou clorexidina; Segunda situação: quando o paciente
2. Verificar a posição correta do dente armazena o dente em uma solução e procura
reimplantado clínica e radiograficamente; o cirurgião-dentista para o reimplante em
3. Deixar o dente/ dentes no lugar (exceto menos de 60 minutos. Os meios de
onde o dente está mal posicionado; o mal armazenamento mais indicados são soros
posicionamento precisa ser corrigido por fisiológicos, água de coco, leite ou saliva.
meio de uma leve pressão digital); 1. Se houver contaminação, enxaguar a
4. Administrar anestesia local, se necessá- superfície da raiz com um jato de solução
rio, de preferência sem vasoconstritor; salina para remover resíduos grosseiros;
5. Se o dente ou dentes foram reimplan- 2. Verificar se há detritos na superfície do
tados no alvéolo errado ou girados, dente avulsionado, remover qualquer
considerar reposicionar o dente/ dentes no resíduo da superfície com leve jato de
local adequado até 48 h após o incidente solução salina;
traumático; 3. Colocar o dente em um meio de
6. Estabilizar o dente por 2 semanas armazenamento enquanto faz a anamnese,
usando uma contenção semirrígida, com um examinar o paciente, clínica e radiografi-
fio de diâmetro de até 0,4 mm colado ao camente e preparar o paciente para o
dente e aos dentes adjacentes. Manter a reimplante;
resina e os agentes de união longe dos 4. Administrar anestesia local, de prefe-
tecidos gengivais e áreas proximais. Uma rência sem vasoconstritor;
linha de pesca de nylon pode ser usada para 5. Irrigar levemente o alvéolo com solução
criar uma contenção flexível, usando salina estéril;
materiais restauradores para uni-la aos 6. Examinar o alvéolo, se houver uma
dentes. Contenções de nylon (linha de fratura da parede alveolar, reposicionar o
pesca) não são recomendadas para crianças fragmento fraturado em sua posição
quando há apenas alguns dentes permanen- original com um instrumento adequado;
tes para estabilização do dente traumati-

201
Capítulo 15
TRAUMA E EMERGÊNCIA

7. A remoção do coágulo com um jato de anquilose. Neste caso, o tratamento é


solução salina pode permitir um melhor sugerido da seguinte maneira:
reposicionamento do dente; 1. Remover os resíduos e a contaminação
8. Reposicionar o dente lentamente com visível agitando o dente em meio de
uma leve pressão digital. Força excessiva armazenamento fisiológico ou com gaze
não deve ser usada para reimplantar o dente embebida em soro fisiológico. O dente pode
de volta à sua posição original; ser deixado em meio de armazenamento
9. Verificar a posição correta do dente durante a obtenção da anamnese, do exame
reimplantado clínica e radiograficamente; clínico e radiográfico do paciente e a
10. Estabilizar o dente por 2 semanas preparação do paciente para o reimplante;
usando um fio passivo flexível de diâmetro 2. Administrar anestesia local, de
de até 0,4 mm. Manter a resina e os agentes preferência sem vasoconstritor;
de união longe dos tecidos gengivais e áreas 3. Irrigar o alvéolo com solução salina
proximais. A linha de pesca de nylon pode estéril;
ser usada para criar uma contenção flexível, 4. Examinar o alvéolo, remover o coágulo
usando resina para uni-la aos dentes. se necessário. Se houver uma fratura da
Contenções de nylon não são recomendadas parede do alvéolo, reposicionar o fragmento
para crianças quando há apenas alguns fraturado com um instrumento adequado;
dentes permanentes, pois, a estabilização do 5. Reimplantar o dente lentamente com
dente traumatizado pode não ser garantida. uma leve pressão digital. O dente não deve
Em casos de fratura alveolar ou maxilar ser forçado a voltar ao lugar;
associada, uma contenção mais rígida é 6. Verificar a posição correta do dente
indicada e deve ser deixada no local por reimplantado clínica e radiograficamente;
cerca de 4 semanas; 7. Estabilizar o dente por 2 semanas
11. Suturar lacerações gengivais, se houver; usando um fio flexível passivo de diâmetro
12. Iniciar o tratamento endodôntico no de até 0,4 mm. Manter a resina e os agentes
período de 2 semanas; de união longe dos tecidos gengivais e áreas
13. Administrar antibióticos sistêmicos; proximais. A linha de pesca de náilon pode
14. Verificar o estado do tétano; ser usada para criar uma contenção flexível,
15. Fornecer instruções pós-operatórias; com resina para ligá-la aos dentes. Uma
16. Acompanhamento. contenção mais rígida é indicada em casos
Terceira situação: quando o paciente de fratura alveolar ou do osso maxilar e
não armazena o dente em uma solução deve ser deixada no local por cerca de 4
adequada e demora mais de 60 minutos para semanas;
procurar atendimento profissional. Para esta 8. Suturar lacerações gengivais, se houver;
situação, o prognóstico é muito 9. O tratamento do canal radicular deve ser
desfavorável em longo prazo, devido às realizado dentro de 2 semanas;
células do ligamento periodontal estarem 10. Administrar antibióticos sistêmicos;
mortas, impossibilitando a cicatrização e 11. Verificar o estado do tétano;
favorecendo a evolução do quadro para uma 12. Fornecer instruções pós-operatórias;

202
Capítulo 15
TRAUMA E EMERGÊNCIA

13. Acompanhamento. e demora mais de 60 minutos para procurar


atendimento profissional, a International
1.3. Tratamento para Traumatismo Association Dental Traumatology (AITD,
Dento-Alveolar em Dentição Decídua 2020) sugere o reimplante a fim de manter
As avulsões dentais também podem o osso alveolar, devido o prognóstico em
ocorrer em pacientes com a dentição longo prazo ser muito desfavorável, tendo
decídua, e as mesmas três situações como resultado quase sempre a anquilose e
descritas acima podem ser vistas. De acordo reabsorção radicular. Quando se opta por
com a International Association Dental reimplantar, a técnica, nesse caso, é a
Traumatology (IADT, 2020), o objetivo de mesma preconizada para dentição perma-
se reimplantar um dente decíduo em criança nente, devendo realizar o tratamento da
é para que ocorra a revascularização pulpar, superfície radicular antes do reimplante.
e caso ela não ocorra, o tratamento
endodôntico deve ser realizado. 2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando o elemento dental é reimplan- Diante do exposto no decorrer deste
tado no local do ocorrido e somente depois capítulo, é importante ressaltar a relevância
o paciente procura atendimento odontoló- do tema no cotidiano tanto dos pacientes
gico, o cirurgião-dentista não deve remover quanto dos profissionais da saúde, uma vez
o dente e sim somente limpar a região com que se tomadas as medidas corretas
jato de água, solução salina ou clorexidina. descritas quanto ao armazenamento e
Confeccionar a contenção flexível por duas abordagem, desde a anamnese, exames
semanas, e caso não seja observada clínicos e imaginológicos, até o tratamento
revascularização o tratamento endodôntico e proservação, é possível garantir saúde ao
deve ser iniciado, e, depois da desinfecção paciente, bem como função, estética e
do espaço do canal radicular, deve dar início fonética adequada por meio da preservação
ao procedimento de apicificação (TROPE, de elementos dentais e do manejo adequado
2002). de lesões que acometem estruturas ósseas e
Quando o paciente armazena o dente em tecidos moles.
uma solução e procura o cirurgião-dentista O protocolo é essencial ao cirurgião-
para o reimplante em menos de 60 minutos. dentista ao passo que permite a conduta
É necessário limpar o dente com solução clínica mais indicada e correta para as
salina, e remover o coágulo do alvéolo lesões de etiologia variada do trauma dento-
também com essa solução, e depois alveolar. Serve para orientar o profissional
reimplantar o dente. Administrar antibiótico direcionando-o para o atendimento correto,
e manter o dente com contenção semirrígida a fim de que nenhuma etapa seja perdida ou
por 2 semanas. Caso não seja observada que seja tratada com ineficácia.
revascularização pulpar, deve-se dar início
ao tratamento endodôntico.
E, por fim, quando o paciente não
armazena o dente em uma solução adequada

203
Capítulo 15
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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204
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 16
MANEJO DO PACIENTE NO
ACIDENTE VASCULAR
ENCEFÁLICO

Palavras-chave: Acidente Vascular Cerebral; Ativador de


Plasminogênio Tecidual; Trombectomia.

MAYARA MADEIRA MENDES¹


GUSTAVO PAIVA AZEVEDO¹
JOÃO INÁCIO MIGLIORINI SILVA¹
MARIANE DE ARAÚJO MESSIAS ALARCON¹
DÉBORA TOLEDO AMARAL ¹
SÓCRATES CHRISTIAN FARIA DE VASCONCELOS¹
MARIANA GAZZINELLI MAIOLINI¹
PATRICIA DE CÁSSIA NERI BERALDO SILVA¹
MILENA BARBOSA DE ARAUJO¹

1
Discente – Medicina da Universidade do Vale do Sapucaí.

205
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO O número de casos de AVC em pessoas


com menos de 65 anos aumentou nas
O acidente vascular encefálico (AVE) é últimas décadas, com a incidência aumen-
um grupo de distúrbios neurológicos que tando em todo o mundo em 25% entre
afeta 13,7 milhões de pessoas por ano em adultos de 20 a 64 anos (KATAN & LUFT,
todo o mundo e constitui a segunda maior 2018).
causa de morte, com 5,5 milhões de mortes Há uma tendência de variação na
por ano, e a primeira causa de incapacidade epidemiologia do AVC entre os países com
(KATAN & LUFT, 2018); (CAMPBELL et relação à renda ao longo do tempo, visto
al., 2019). que os países de alta renda possuem taxas
O AVE pode ser classificado de forma de incidência e de mortalidade gradual-
abrangente como acidente vascular isquê- mente menores, o que pode ser explicado
mico do cérebro, da medula espinhal ou da em razão das diferenças na demografia, na
retina, e acidente vascular hemorrágico, o idade da população, na expectativa de vida,
último inclui ainda hemorragia intracere- no estado de saúde e nos padrões de
bral e subaracnóide (CAMPBELL et al., prestação de cuidados de saúde (CAMP-
2019); (HANKEY, 2017). BELL et al, 2019).
A definição tradicional de AVE é O AVE causa anormalidades abruptas
clínica e baseada no início súbito da perda em razão de prejuízos na perfusão cerebral.
da função neurológica focal devido a infarto A redução do suprimento sanguíneo e de
ou hemorragia e pode ser diferenciado do oxigênio para o cérebro causa o acidente
ataque isquêmico transitório se os sintomas vascular cerebral isquêmico, ao passo que o
persistirem por mais de 24 horas ou levarem acidente vascular cerebral hemorrágico é
a morte precoce (HANKEY, 2017). Estima- causado por sangramentos dos vasos
se que 1 em 4 adultos sofrerá um derrame sanguíneos cerebrais.
durante a vida (CAMPBELL et al., 2019). As oclusões isquêmicas contribuem
Enquanto os acidentes vasculares cerebrais para cerca de 85% dos casos de acidente
isquêmicos somam a maior parte dos vascular cerebral (AVC) e geram condições
derrames, os acidentes vasculares cerebrais trombóticas e embólicas no cérebro que
hemorrágicos são responsáveis pelos podem levar ao estresse severo e necrose do
índices mais elevados de mortalidade e de tecido cerebral, o que desencadeia a ativa-
incapacidade (KATAN & LUFT, 2018). ção de eventos inflamatórios que intensifi-
A incidência e a prevalência de acidente cam gradualmente o processo de destruição
vascular cerebral isquêmico evoluíram ao tecidual (KURIAKOSE & XIAO, 2020). Se
longo do tempo. Em 2016, a incidência a perfusão cerebral não for restabelecida
global de eventos de AVC isquêmico foi de precocemente há riscos de danos cerebrais
9,5 milhões. Em 2017, foram 2,7 milhões de irreversíveis.
mortes devido a AVC isquêmico (CAMP- O AVC hemorrágico é responsável por
BELL et al., 2019). aproximadamente 10-15% de todos os
AVCs e tem uma alta taxa de mortalidade
206
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

(KURIAKOSE & XIAO, 2020). Nessa de abril a maio de 2021, com objetivo de
condição, o estresse no tecido cerebral e direcionar o diagnóstico e tratamento
lesões internas causam a ruptura dos vasos adequados do paciente com Acidente
sanguíneos, o que resulta em acúmulo de Vascular Encefálico para o melhor
sangue intracerebral (KURIAKOSE & prognóstico e sobrevida.
XIAO, 2020). A partir da escolha do tema e do
O diagnóstico do AVC é mais difícil nas objetivo, foi realizada a pesquisa de fontes
horas iniciais. Alguns sintomas súbitos literárias nas bases de dados SciELO,
incluem fraqueza unilateral, diplopia, PubMed e MEDLINE e livros presentes na
alterações na fala, na sensibilidade e no biblioteca virtual da Universidade do Vale
equilíbrio (HANKEY, 2017). do Sapucaí de Pouso Alegre-MG. Os
Os modernos métodos de imagem descritores utilizados foram: “ischemic
fornecem uma grande quantidade de stroke”, “hemorrhagic stroke” associado a
achados potenciais implicados na etiologia “definition”, “epidemiology”, “diagnosis”
dos AVEs, além de subsidiarem a “therapy”, “guideline”, “management” pelo
diferenciação e classificação dessas descritor boleando “AND”.
patologias (RADU et al., 2017). Após a busca, foram aplicados os
Dentre os fatores de risco, existem critérios de seleção divididos em critérios
aqueles modificáveis, tais como sexo e de inclusão e exclusão. Foram incluídos os
idade, e os não modificáveis, dentre eles textos publicados entre o período de 2017 a
hábitos de vida, inatividade física, tabagis- 2021 cujos título e resumo se enquadram no
mo, alcoolismo e algumas comorbidades tema proposto, bibliografia histórica acerca
como diabetes mellitus e hipertensão do tema e aceitos também estudos do tipo
arterial (KURIAKOSE & XIAO, 2020); ensaios clínicos, meta-análises, randomi-
(SHARRIEF & GROTTA, 2019). zados e revisões sistemáticas. Sendo
O acidente vascular encefálico é causa excluídos relatos de caso e revisões
de elevada morbimortalidade e de gastos narrativas e artigos duplicados e aqueles
elevados para os sistemas de saúde. Dessa que fugiam da temática proposta. Após
forma, o reconhecimento e o manejo seleção pelo título e leitura dos resumos,
adequado dos pacientes com AVE é foram selecionados os textos compatíveis
essencial na prática clínica. Portanto, esse restando 23 artigos escolhidos para a
capítulo aborda as mais recentes realização da leitura e coleta de dados.
atualizações no manejo do paciente com Os resultados foram apresentados de
AVE tendo em vista o diagnóstico precoce maneira descritiva divididos em abordagem
e a melhora do prognóstico. inicial do tratamento do AVE isquêmico,
abordagem inicial do tratamento do AVE
2. MÉTODO hemorrágico, diagnóstico seguido da
discussão acerca das atualizações na
O presente estudo trata-se de uma conduta diante de um quadro suspeito de
revisão bibliográfica sistemática realizada
207
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

doença cerebrovascular e o que ainda atendimento médico se faça no menor


necessita de estudos dentro do assunto. intervalo de tempo possível, desde o início
dos sintomas. Para isso, cabe ao clínico uma
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO avaliação rápida e precisa no estabele-
cimento do diagnóstico, de modo que a
3.1. Diagnóstico conduta se dê de forma ágil e o paciente
O AVC agudo é considerado uma possa ter um melhor prognóstico.
emergência médica, uma vez que há um (VELASCO et al.,2020)
comprometimento do tecido cerebral. Isto Dessa forma, objetivando a otimização
ocorre devido à redução no aporte do tempo, a American Heart Association e
sanguíneo para a região encefálica no a American Stroke Association estabelecem
decorrer do tempo, o que implica no metas para que se faça avaliação inicial do
aumento da área isquemiada e resulta em paciente e identifiquem com maior êxito
uma redução progressiva da probabilidade aqueles suspeitos de apresentar o quadro
de recuperação funcional do paciente (Tabela 16.1).
acometido. Assim, é necessário que o

Tabela 16.1 Metas de tempo sugeridas pela AHA/ASA para abordagem inicial do AVC

Metas de tempo para abordagem inicial do AVC segundo AHA/ASA

Da admissão à avaliação medica inicial ≤ 10 min

Da admissão ao exame de neuroimagem ≤ 25 min

Da admissão à interpretação do exame de imagem ≤ 45min

Da admissão ao resultado dos exames laboratoriais do protocolo ≤ 45min

Da admissão à administração da trombólise endovenosa, se aplicável ≤ 60 min

Da admissão hospitalar até a admissão na unidade do AVC ≤ 180 min

Fonte:Adaptada de diretrizes da American Heart Association/American Stroke Association

Tabela16.2. Escala de Cincinnati


Sinal e sintoma Teste Normal Anormal
Movimenta os mm
Movimenta apenas um lado da
Assimetria facial Pede-se que o paciente sorria faciais de forma
face, aparência assimétrica
simétrica
Apresenta fraqueza em um dos
Pede-se ao paciente que eleve os Os braços se
Fraqueza de braços; não consegue elevar um
braços a 90º e os mantenha os mantém erguidos de
mmss dos braços ou mantém a
braços estendidos por 10s forma simétrica
elevação de forma assimétrica
Pede-se ao paciente que diga Não apresenta Apresenta dificuldade, fala lenta
Anormalidades
uma frase simples. ex: “o rato dificuldades na ou reprodução errada de
da fala
roeu a roupa do rei de roma” reprodução da frase palavras
Fonte: Adaptado de BRASIL. Ministério da Saúde. 2020.

208
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Na determinação do diagnóstico alguns 3. Contraindicações para trombólise


pontos são fundamentalmente abordados, endovenosa (TEV) (VELASCO et al,
dentre eles: 2020).
1. Tempo de início dos sintomas: último Procede-se, então, para a realização de
momento em que o paciente foi visto sem exame neurológico sucinto, exame físico e
alterações neurológicas perceptíveis - se de imagem (BRASIL, 2020).
paciente acorda com sintomas, assume-se O exame neurológico é feito para a
que estes tiveram início no momento em identificação dos sinais de disfunções
que o paciente se deitou para dormir. Com neurológicas, utilizando-se inicialmente a
a obtenção de dados sobre o início dos Escala de Coma de Glasgow (MEHTA &
sintomas é possível classificar o quadro em CHINTHAPALLI, 2019) para a avaliação
(BRASIL, 2020): do nível de consciência; e a escala de AVC
a. AVC agudo: sinais neurológicos de do National Institute of Health Stroke
início súbito sem recuperação; (NIHSS) (VELASCO et al., 2020) para a
b. AIT (Acidente Isquémico Transitório): quantificação da gravidade do AVC, na
episódio único de déficit neurológico com qual a pontuação varia de 0 (sem evidência
recuperação completa em menos de uma de déficit neurológico) a 42 (paciente em
hora; coma e irresponsivo). Nos casos de AVCh,
c. AVC crônico: início dos sintomas há deve-se incluir a escala de ICH (Intracra-
mais de um mês, sem progressão. nial Hemorrhage) (tabela 16.3), para a
2. Obtenção de dados sobre comorbidades avaliação do prognóstico (MAROTTI et al.,
e medicações em uso; 2019) (BARRET & MESCHIA, 2010).

Tabela 16.3: Escala ICH para hemorragia intracraniana

Dado Clínico Achado Pontos


3-4 2
Glasgow da admissão 5-12 1
13-15 0
≥ 80 anos 1
Idade
< 80 anos 0
Infratentorial 1
Local do hematoma
Supratentorial 0
≥ 30ml 1
Volume do hematoma
< 30ml 0
Presente 1
Hemoventrículo
Ausente 0
Escore ICH 0-6 pontos

Escore ICH 0 1 2 3 4 5 6
Mortalidade
0% 13% 26% 72% 97% 100% 100%
em 30 dias
Fonte: Adaptado de HEMPHILL et al, Stroke, 2001

209
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Já em relação aos exames de imagem, a sinais ao exame ocorre tardiamente, ou seja,


análise do encéfalo mostra-se fundamental, entre as 24 horas e os 7 dias iniciais (LIMA
principalmente se o quadro clínico for et al., 2012).
sugestivo de AVCi agudo, de modo a Ainda assim, caracteriza-se, no período
realizar sua diferenciação do AVCh. anterior às 12 horas iniciais, a possibilidade
Ademais, busca-se constatar possíveis do aparecimento de alguns achados
complicações oriundas do acidente precoces na TC, sendo eles:
vascular, bem como identificar pacientes 1. Perda do contorno insular;
passíveis de determinados procedimentos, 2. Indefinição dos núcleos cinzentos;
como trombectomia mecânica ou 3. Perda da diferenciação substância
craniotomia descompressiva (VELASCO et branca e cinzenta;
al., 2020). 4. Artéria cerebral hiperdensa (alta
Atualmente, o exame de imagem mais especificidade, porém baixa sensibilidade
utilizado é a Tomografia Computadorizada para diagnóstico de AVCi) (LIMA et al.,
sem contraste (TC), pois apresenta melhor 2012).
custo-benefício, sendo assim, de fácil Seguindo a evolução mediante a
acesso nos serviços de saúde, baixo custo e duração da isquemia focal observa-se uma
de rápida realização. Caracteriza-se por alta área indistinta de baixa densidade na
sensibilidade no que se refere a vasculatura afetada entre as primeiras 12 a
identificação de hemorragia intracraniana 24 horas. Após este período, nota-se
recente, porém ainda se mostra falha no que diminuição da densidade e maior
diz respeito ao reconhecimento de lesões circunscrição na área afetada. Iniciando, a
isquêmicas agudas, principalmente se seguir, o efeito de massa que levará a uma
realizada precocemente ao aparecimento assimetria sucal ou distorção ventricular
dos sintomas ou se acidente vascular (BARRET & MESCHIA, 2010).
cerebral vertebrobasilar (MAROTTI et al., A fase crônica da evolução caracteriza-
2019). se por uma lesão em foco com menor
Desse modo, as lesões isquêmicas densidade, delimitada, respeitando os vasos
agudas podem não ser identificadas na TC sanguíneos e com proeminência de sulcos e
ou, se evidenciadas, ser de forma discreta, alargamento dos ventrículos ipsilaterais
principalmente nas primeiras 12 horas, visto (LIMA et al., 2012).
que, na maioria das vezes, o surgimento de

Figura 16.1 Tomografia


Computadorizada no
AVE isquêmico

Legenda: TC ilustrando
perda do contorno insular
(esq.), perda da diferenciação
branco-cinzenta (centro esq.), artéria cerebral hiperdensa (centro dir.) e lesão hipodensa associada a efeito de massa
com deslocamento ventricular esquerdo e de linha média. Fonte: adaptado de LIMA et al., 2012

210
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Figura 16.2 Tomografia Computa-


dorizada em comparação com peça
de anatomopato-lógico

Legenda: TC com lesão em foco de menor


densidade (esq.) e necropsia com aspecto
macroscópico da lesão do AVE isquêmico
(dir.). Fonte: LIMA et al., 2012

Nos casos de AVCh, observa-se, na TC, Ressonância Magnética (RM) de encéfalo.


imagens de maior densidade, seguidas de Este método diagnóstico é mais sensível
edema ao redor da lesão e efeitos de massa, para a constatação da isquemia encefálica
com possibilidade de deslocamento ventri- aguda, bem como para a avaliação de
cular e herniações de estruturas adjacentes. possíveis complicações decorrentes do
No decorrer do tempo a lesão hipodensa se acidente e definição de diagnósticos
confunde ao parênquima, pois sua colora- diferenciais, sendo considerado o exame
ção torna-se semelhante e em caso de padrão-ouro de diagnóstico, principalmente
hiperdensidade pode significar nova hemor- por ser capaz de identificar as lesões em
ragia (LIMA et al., 2012). momentos mais iniciais do quadro. Apesar
disso, é pouco utilizado, visto que seu custo
Figura 16.3 Tomografia Computadorizada é maior, o método é paciente dependente,
no AVE hemorrágico possui menor disponibilidade nos serviços
de saúde e necessita de mais tempo para sua
realização (MAROTTI et al., 2019).
Por fim, pode-se fazer a utilização da
Angiografia por TC ou por RM. A ATC, em
especial, mostra-se útil na determinação da
etiologia do AVC. E é capaz de fornecer
uma visualização rápida do sistema
vascular cerebral, permitindo identificar a
localização, permeabilidade e comprimento
Legenda: Lesão hiperdensa à direita, com de coágulos cerebrais. Porém, é um exame
compressão de estruturas e desvio da linha média. mais restritivo visto que apresenta radiação
Fonte: LIMA et al., 2012.
e toxicidade renal devido ao contraste
utilizado (MAROTTI et al., 2019).
Além da tomografia computadorizada
sem contraste pode-se utilizar, também, a

211
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Figura 16.4 Resso-


nância Magnética de
encéfalo no AVE

Legenda: RNM ilustrando em difusão, T2 e FLAIR áreas de maior densidade e em T1 menor densidade, sinais
característicos do AVCi. Fonte: LIMA et al., 2012

3.2. Abordagem inicial do paciente horário do dia de início dos sintomas


com AVE isquêmico apresentam candidatos para a terapia com
Seguido do diagnóstico precoce, a alteplase. Estudos recentes concluíram que
reperfusão adequada e limitação de lesões enquanto o hipersinal na sequência de
secundárias são prioridades no manejo difusão (DWI) da ressonância magnética
avançado do AVE. O atendimento do (RM) do encéfalo surge em poucos minutos
paciente com AVE isquêmico deve ser após o ictus, o hipersinal na sequência
estruturado, rápido e objetivo, a fim de se FLAIR pode levar algumas horas para
instituir o quanto antes a melhor estratégia ocorrer. Dessa forma, pacientes nos quais o
de reperfusão cerebral, quando indicada. O exato momento do ictus é desconhecido,
tratamento envolve a administração do mas que apresentam hipersinal na DWI,
ativador de plasminogênio tecidual (tPA) sem aumento do sinal do FLAIR na mesma
endovenoso e a terapia endovascular região, têm maior probabilidade de ainda
(PHIPPS & CRONIN, 2020). estar na janela para receber a TEV (PHIPPS
A eficácia terapêutica das estratégias de & CRONIN, 2020) (RABINSTEIN, 2020)
reperfusão do AVEi agudo diminui (VELASCO et al, 2020).
progressivamente com o tempo, devido ao A realização da trombólise endovenosa
aumento da área isquêmica (lesão em pacientes nos quais a suspeita clínica de
irreversível). A janela de administração da AVEi não se confirmou apresenta riscos de
alteplase em 2009 foi estendida para 3-4,5 complicações muito baixos, desde que não
horas baseada no estabelecimento do início haja contraindicações a essa intervenção,
dos sintomas. Todavia, ensaios clínicos têm devendo, assim, ser realizada. As contrain-
sugerido o tratamento baseado na imagem dicações e indicações são demonstradas na
da área isquemiada ao invés do horário de Tabela 16.4 abaixo (VELASCO et al.,
início dos sintomas, demonstrando que 2020).
quase 50% dos casos de “wake-up stokes” e
de casos em que não se é conhecido o

212
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Tabela 16.4 AHA GUIDELINE 2019

Indicações Contraindicações
 Trauma severo dentro de 3 meses
 AVEi nos últimos 3 meses
 Cirurgia intracraniana ou intraespinhal recente
(menos de 3 meses)
 Neoplasia intracranial intraxial
 Suspeita de endocardite infecciosa
 Suspeita de dissecção de arco aórtico
 Coagulopatias; INR > 1.7. Plaquetas <
100.000/mm3
 Heparina nas últimas 48h com tempo de
 Diagnóstico de AVEi com déficit Tromboplastina Parcial Ativada anormal
neurológico incapacitante (independen-  Dose terapêutica completa de HBPM nas
temente da gravidade) últimas 24h
 Início dos sintomas com menos de 4,5h  Uso recorrente de inibidor direto da trombina ou
 Wake-up stroke com perfusão em Inibidor do fator Xa com testes de coagulação
imagem com ponderação FLAIR anormais
 Idade maior de 18 anos  Hemorragia intracerebral prévia
 Suspeita de hemorragia subaracnoidea
 Malignidade gastrointestinal ou sangramento
gastrointestinal nos últimos 21 dias
 Sangramento interno ativo
 PA sistólica > 185 mmHg ou diastólica > 110
mmHg que não pode ser reduzida com
segurança
 TC mostrando hemorragia aguda
 TC mostrando hipodensidade extensa (ex.: > ⅓
do hemisfério cerebral)

Fonte: Adaptado de PHIPPS & CRONIN, 2020.

Há estudos promissores envolvendo a recomendado para a administração da


Tenecteplase, um novo trombolítico alteplase é menor do que 60 minutos
altamente fibrinogênio específico e de (ALBRIGHT, 2021).
meia-vida longa que resulta em uma maior Assim como em outras emergências
taxa de reperfusão quando comparada em clínicas, é necessário a estabilização clínica
estudos com a Alteplase e também melhores do paciente. Vale ressaltar, que por se tratar
prognósticos funcionais. Todavia, a de uma emergência clínica, a internação
Alteplase continua sendo a única droga hospitalar é indispensável ao paciente
aprovada pelo FDA (PHIPPS & CRONIN, portador de AVEi, visando identificar o
2020). fator causal e oferecer o tratamento
Quase 69% dos pacientes com AVE não adequado, diminuindo, assim, as conse-
são elegíveis a receber o tratamento com quências negativas a médio longo prazo
IV-rPA devido a atrasos até iniciar o para o paciente e, a recorrência de AVE
primeiro atendimento hospitalar (PHIPPS (VELASCO et al, 2020).
& CRONIN, 2020). O tempo porta-agulha
213
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

O manejo inclui a manutenção da Além disso, a hipotensão e hipovolemia


oxigenação do paciente com saturação devem ser evitadas e corrigidas diante de
acima de 94% de PaO2. A insuficiência uma isquemia, sendo que ela pode favorecer
respiratória em uma paciente com quadro de o estabelecimento do infarto definitivo na
AVE pode levar à aspiração, hipoxemia e área de penumbra e comprometer o
hipercapnia com piora das lesões prognóstico funcional do paciente. A causa
secundárias (PHIPPS & CRONIN, 2020). da hipovolemia deve ser detectada e tratada,
A pressão arterial na injúria como sepse, infarto agudo do miocárdio ou
cerebrovascular isquêmica torna-se fisiolo- dissecção da aorta (PHIPPS & CRONIN,
gicamente elevada para a manutenção da 2020).
perfusão das áreas de isquemia, todavia a A TEV é uma intervenção amplamente
hipertensão permissiva somente é aceita até recomendada e segura. No entanto, pode
o limite de 220/110 mmHg nas primeiras 24 desencadear complicações, como hemor-
a 48 horas, devendo manter como objetivo ragia intracraniana sintomática e, angi-
uma PA menor ou igual a esse valor de oedema orolingual. Dessa forma, antes de
modo a evitar uma transformação em administrar a TEV, recomenda-se informar
hemorragia intracerebral, hipertensão o paciente e/ou seu responsável legal sobre
intracraniana e, também, complicações os riscos e benefícios potenciais da terapia,
cardiopulmonares. Esses valores mudam se bem como obter termo de consentimento
o paciente for submetido a terapia com por escrito para a infusão do trombolítico
alteplase, devendo manter os níveis (VELASCO et al, 2020).
pressóricos menores ou igual a 180/105 A dosagem recomendada de Alteplase é
mmHg durante o procedimento e 185/110 0,9 mg/kg, sendo 90 mg o máximo
mmHg após o procedimento. Na terapia permitido. Deve-se administrar 10% da
endovascular, a PAS menor que 160 dose em bolus de 1 minutos e, o restante da
mmHg, principalmente entre 121-140 dose ao longo de 60 minutos. É importante
mmHg, demonstrou melhores prognós- ficar atento a sinais de alarme para
ticos funcionais ao paciente (PHIPPS & transformação hemorrágica, complicação
CRONIN, 2020). mais importante, como náuseas, vômitos,
As medicações de 1ª linha no tratamento hipertensão aguda e/ou refratária, cefaleia
da hipertensão arterial nos quadros de AVEi intensa, deterioração neurológica. A
são labetalol, nicardipina e clevidipina. transformação hemorrágica sintomática
Devido ao risco teórico de indução de ocorre em 5 a 6% dos pacientes e os seus
hipertensão intracraniana e disfunção fatores de risco incluem NIHSS elevado,
plaquetária, o nitroprussiato de sódio é uso prévio de antiagregante plaquetário ou
considerado medicação de 2ª linha, anticoagulante, presença de microssangra-
podendo ser utilizado como 1ª linha caso mentos em RM de encéfalo. O tratamento
PAD > 140 mmHg (VELASCO et al, consiste em interromper a infusão de
2020). alteplase; colher exames laboratoriais
(hemograma, INR/TP, TTPa, fibrinogênio e
214
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

tipagem sanguínea) e, a realização de segmento M1 da artéria cerebral média


reversão de anticoagulação: crioprecipitado (VELASCO et al, 2020).
(com fator VIII) 10 UI EV infundidos em O edema cerebral relacionado ao AVC
10-30 min, além da TC de crânio de isquêmico é uma complicação potencial-
emergência. Se após administração o mente letal que tende a atingir seu ápice
fibrinogênio for menor 150 mg/dL, deve ser entre o 3º e o 4º dia após o ictus. Edema
considerada dose adicional (VELASCO et significativo, com risco de herniação
al, 2020). cerebral, ocorre principalmente em
Outra complicação é o angioedema pacientes que tenham sofrido infarto de
orolingual. Ocorre em 1,3 a 5,1% dos grandes áreas encefálicas e/ou cerebelares
pacientes. Os fatores de risco são o uso de (VELASCO et al, 2020).
inibidor da conversão de angiotensina Caso o paciente apresente deterioração
(iECA) e infartos em córtex frontal e ínsula. neurológica devido ao edema cerebral, é
A suspeita clínica se dá quando há edema de necessária a monitorização em ambiente de
língua, lábios ou orofaringe, em geral UTI, e a instituição de medidas clínicas para
contralateral à isquemia cerebral. O hipertensão intracraniana, como decúbito a
tratamento consiste em proteção de via 30°, terapia osmótica e hiperventilação
aérea (considerar intubação orotraqueal), moderada, assim como neuroproteção,
suspender a infusão de alteplase e inibidores sedação, por exemplo. Em alguns casos,
da conversão de angiotensinas. As pode-se considerar a realização de
medicações que devem ser usadas são procedimentos cirúrgicos, como a hemicra-
metilprednisolona 125 mg EV + niectomia descompressiva com expansão
difeniframina 50 mg EV + ranitidina 50 mg dural (VELASCO et al, 2020).
EV (ou famotidina 20 mg EV). Se houver A ASA recomenda a administração de
progressão do angioedema, deve-se ácido acetilsalicílico (AAS) para o paciente
considerar o uso de epinefrina 0,1% 0,3 mL com AVEi agudo em até 48 h do ictus,
subcutâneo ou 0,5 mL por nebulização demonstrando segurança e eficácia entre as
(VELASCO et al, 2020). dosagens 160 e 300 mg 1 vez ao dia. Se o
A trombectomia mecânica (TM) paciente foi submetido a TEV, o
consiste na retirada do trombo agudo de antiagregante plaquetário deverá ser
grandes artérias que participam da iniciado somente após 24 horas da infusão
vascularização cerebral, por meio de do trombolítico. A introdução de dupla
dispositivos específicos, denominados stent antiagregação com AAS e clopidogrel em
retrievers. É importante destacar que a TM pacientes com AVC isquêmico não
e a TEV não são terapias mutuamente cardioembólico, NIHSS ≤ 3 e que não
exclusivas. Não é recomendado aguardar a tenham recebido TEV também é indicada,
resposta clínica à TEV para definir a devendo ser iniciada em até 24 h do ictus e
indicação de TM. As indicações de TM, de continuada por 21 dias: AAS 75 mg/dia +
maneira geral, restringirem-se a NIHSS ≥ 6, Clopidogrel (dose de ataque 300 mg no
oclusões da artéria carótida interna e/ou do primeiro dia) seguida de 75 mg/dia do
215
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

segundo dia em diante (VELASCO et al, de prevenir lesões secundárias de


2020). hipoxemia, hipertensão e a expansão do
hematoma. E como proteção das vias
3.3. Abordagem inicial do paciente aéreas, está indicada a intubação, para os
com AVE hemorrágico pacientes com pontuação na Escala de
A hemorragia intracerebral é Coma de Glasgow ≤ 8 pontos (DASTUR &
considerada uma emergência médica, como YU, 2017).
já citado, já que mais de 20% dos pacientes Segundo, grandes estudos como
apresentam após o início da avaliação dos INTERACT e ATACH e a partir deles, o
sintomas, um rebaixamento do nível de guideline atualizado em 2015, do Manejo
consciência constatado pela Escala de de Hemorragia Intracerebral Espontânea,
Coma de Glasgow de 2 ou mais pontos recomenda-se duas medidas terapêuticas
(DASTUR & YU, 2017). diferentes para os pacientes, seguindo os
No AVC hemorrágico em sua fase valores iniciais da PAS.
aguda é observado pressão arterial elevada Para os pacientes que apresentam PAS
em cerca de 46 a 75% dos acometidos. A inicial entre 150 e 200 mmHg, a redução
pressão arterial sistólica inicial elevada aguda da PAS para 140 mmHg é segura,
(PAS) e seus valores em persistência de sem efeitos adversos significativos e pode
forma elevada está associada à maior ser vista como eficaz como forma de
expansão do hematoma, deterioração melhorar o resultado funcional da condição.
neurológica, formação de edema cerebral e Já para os pacientes com PAS > 220 mmHg,
de pior prognóstico, após o evento o alvo ideal vem a ser menos claro, embora
hemorrágico intracerebral, principalmente a redução agressiva da pressão arterial com
durante a fase aguda (SAKAMOTO et al., infusão intravenosa contínua e monitora-
2013) (QURESH AL, 2016), (RAPOSO et mento frequente tem se mostrado com
al., 2012). resultados razoáveis.
Há o risco nessas primeiras horas A partir disso, é importante o
decorrentes do evento, em cerca de 73% dos monitoramento contínuo e frequente dos
casos de hemorragias intracerebrais sinais vitais dos pacientes, de maneira
parenquimatosas primárias da expansão sempre a reavaliar esses parâmetros a cada
desse hematoma em algum grau. E por isso, nova medida tomada. A qualquer deterio-
quando houver a suspeição de sangramento ração clínica em associação com redução
intracerebral é necessário seguir correta- agressiva da pressão arterial deve levar a
mente a abordagem dessa condição que uma reavaliação da pressão arterial alvo
inicialmente deve ser realizada, no (DASTUR & YU, 2017) (QURESHI et al.,
departamento de emergência. 2016) (RAPOSO et al., 2012).
Para o adequado manejo, é necessário O tratamento de escolha para redução
seguir corretamente a sequência ABC, que precoce da pressão arterial são os
é a estabilização das vias aéreas, avaliação bloqueadores dos canais de cálcio de
da respiração e da circulação corporal, a fim administração intravenosa, como a
216
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

nicardipina, e beta bloqueadores, como o agentes intravenosos (DASTUR & YU,


labetalol, principalmente devido a sua meia 2017) (SALVETTI et al., 2018).
vida curta. Os nitratos devem ser evitados É indicado ainda, para os pacientes que
devido ao potencial de vasodilatação apresentem nível de consciência diminuído
cerebral e então, elevação da pressão devido a hemorragia intraventricular com
intracraniana. hidrocefalia, efeito de massa ou hérnia de
Para os pacientes com hipertensão tronco são indicados a receber ventrículos-
arterial resistentes, os agentes anti- tomia, terapia hiperosmolar com manitol
hipertensivos orais precisam ser iniciados o 0,5-1 g / kg ou infusão de solução salina
mais rápido possível para estabilização e hipertônica. Ventriculostomia também é
facilitar, então transição desses pacientes indicada não só nos casos de hemorragia
para o cuidado em unidade de terapia intracerebral intensa, bem como nos casos
intensiva de maneira a se obter manejo a de hidrocefalia ou elevação da pressão
longo prazo. Nesses casos, é recomendado intracraniana (DASTUR & YU, 2017).
o uso de IECA – inibidor da enzima Importante salientar que cerca de 12 a
conversora de angiotensina ou BRA – 20% dos pacientes com injúria intracerebral
bloqueador de receptor da angiotensina, hemorrágica, tomam anticoagulantes orais
bloqueadores de canais de cálcio e regularmente, e podem apresentar coagulo-
diuréticos tiazídicos em doses máximas patia, seja por indução de medicamentos ou
otimizadas. Sendo esses dois últimos, tidos devido a uma condição patológica sistêmica
como de primeira linha para o controle da e esse distúrbio na coagulação é associada
hipertensão resistente, porém em pacientes também, a expansão do hematoma e maior
com hemorragia em grande extensão ou taxa de desfecho desfavoráveis. E, portanto,
com efeito em massa, o uso de tiazídicos a correção rápida da coagulopatia deve ser
deve ser administrado de forma cautelosa, considerada em quaisquer pacientes
visto que seu uso pode piorar a recuperáveis, embora ainda a reversão dessa
hiponatremia e então, piorar edema cere- condição ainda não tenha sido claramente
bral. Além desses agentes anti-hiperten- demonstrada (FRONTERA et al., 2015).
sivos, a espironolactona mostrou ser Por conseguinte, é importante diante
bastante eficaz para o tratamento da hiper- dos sinais e sintomas sugestivos de injúria
tensão resistente, podendo ser utilizada, cerebral aguda, seguir uma abordagem clara
assim como os antagonistas alfa e beta para o diagnóstico precoce e assim,
como terceiro e quarto agentes anti- intervenção imediata de forma a evitar
hipertensivos. Seu uso ocorre principal- danos ainda maiores a esses pacientes
mente com o objetivo de manter o controle acometidos.
da pressão arterial enquanto desmame de

217
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Algoritmo para diagnóstico precoce e intervenção de emergência

Suspeita de hemorragia intracerebral?

Acionar equipe de radiologia - técnico em


tomografia computadorizada, acionar equipe de
neurologia

Iniciar avaliação

 Checar ABC: via aérea, respiração e circulação do paciente


 Acesso venoso periférico e coleta de sangue para exames laboratoriais
 Suplementar Oxigênio para manter saturação > 92%
 Monitorização cardíaca e oximetria de pulso
 Realizar exame físico e exame neurológico
 Realizar tomografia computadorizada sem contraste com tempo ≤ 20 minutos desde o tempo
de inicio do atendimento na emergência

TC evidenciou ICH

 Administrar Labetalol 10mg e/ou Hidralazina 10mg EV para manter PA menor


ou igual a 140mmhg
 Iniciar infusão de Nicardipina 5 a 15mg/hr, se necessário
 Realizar reversão de coagulopatias, de acordo com a medicação usual
 Administrar Manitol 0,5 a 1mg EV bolus ou solução salina hipertônica, se
efeito de massa ou herniação

Indicação de cirurgia?

SIM NÃO

 Consulta com neurocirurgião.


 Ventriculostomia se ICH severo Encaminhar paciente para UTI
associado ou não a hidrocefalia. para acompanhamento
 Craniotomia para ICH acometendo neurológico.
grande cerebelo ou região temporal.

Fonte: Adaptado de DASKUR CK, 2017

218
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.4. Discussão beira leito, para avaliação da área


O AVE isquêmico e hemorrágico são isquemiada e a possibilidade de extensão da
afecções neurológicas com alta mortali- janela terapêutica. E em 2015, a terapia
dade, morbidade e incapacitações (CAMP- endovascular trouxe avanços na abordagem
BELL et al, 2019). Eles são emergências deste tipo de AVE, uma vez que muitos
médicas que precisam de intervenção pacientes não são elegíveis para o
imediata para recuperação das funções tratamento endovenoso e a janela é bastante
neurológicas e, por isso, os esforços atuais limitada. Porém, o benefício ainda é
visam otimizar as estratégias de substancial quando a terapia endovascular é
atendimento, para que o paciente receba a realizada após a terapia endovenosa
terapia antes de ocorrer o infarto encefálico (PHIPPS & CRONIN, 2020)
(RABINSTEIN, 2020). (RABISTEIN, 2020).
O diagnóstico de AVE nem sempre é Além disso, evidências crescentes
simples, mas existe necessidade de apoiam a expansão da janela terapêutica
realização de diagnóstico e terapêutica para reperfusão de emergência, aumentando
imediatos. Tempo é cérebro. A ASA propõe assim o número de pacientes candidatos
metas de tempo para o atendimento e para esses tratamentos (RABISTEIN,
manejo do paciente com AVE (VELASCO 2020).
et al, 2020). O diagnóstico eficiente, rápido, Em relação ao AVE hemorrágico, tem-
preciso, sistematizado e objetivo pode ser se como base da terapêutica o valor da PAS
melhor alcançado com o uso da escala de do paciente, mas não está bem definido o
Cincinatti ou de NIHSS (BRASIL, 2020). alvo ideal para redução dessa pressão,
As unidades móveis equipadas com sendo necessário monitorização frequente
tomógrafo, telecomunicação com especia- deste paciente (DASTUR & YU, 2017).
lista em AVE e possibilidade de já iniciar A fim de reduzir a incidência de AVE a
trombólise parecem ser uma solução prioridade hoje deve ser realizar educação
promissora para diminuição do tempo de continuada a população sobre o reconheci-
início do tratamento (RABINSTEIN, mento dos sintomas iniciais, além de
2020). preparar os hospitais para melhorar a
Os estudos avançam cada dia mais no triagem e a agilidade na instituição da
âmbito do tratamento dos diferentes tipos de terapia (RABINSTEIN, 2020). O foco
AVE. Em relação ao tratamento do AVE também deve estar na realização de
isquêmico, ainda se tem como primeira prevenção primária, visto que o número de
escolha na maioria dos serviços a Alteplase pacientes com fatores de risco tem
para abordagem inicial, mas sabe-se hoje aumentado (HERPICH & RINCON, 2020).
que a Tenecteplase tem tido resultados
promissores, porém ainda não foi aprovada 4. CONCLUSÃO
pela FDA para este fim. Uma inovação O presente capítulo levantou discussões
importante que vem sendo estudada é o uso como a importância do conhecimento da
de exames de imagem, como o ultrassom à população e dos profisionais para a suspeita
219
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

e diagnóstico precoce de um acidente indicando a necessi-dade de investimento e


neurovascular e a necessidade de seguir aprovação de novas drogas para o
protocolos rígidos a fim da redução do tratamento.
tempo porta-agulha. Além disso, a limita- Desse modo, diante dos estudos
ção no tratamento atual para AVE contribui mostrando as dificuldades e limitações no
com a dificuldade no tratamento, fazendo cenário de diagnóstico e tratamento, a
com que sejam poucas as indicações de profilaxia destaca-se na redução da
reperfusão da área em sofrimento vascular, morbimortalidade da população.

220
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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221
Capítulo 16
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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222
Capítulo 17
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 17
FASCEIÍTE NECROSANTE:
ABORDAGEM ATUAL

Palavras-chave: Streptococcus, Fasceiíte necrotizante e


Antibioticoterapia

Isabella Siqueira Barreto¹


Ana Carolina Araújo Barbosa Lopes¹
Gustavo Frade Lacerda¹
João Gabriel Medina Denizar¹
Larissa Ribeiro Teixeira¹
Lucas Coelho de Abreu¹
Mariana Macedo Fernandes¹
Paula Costa Vieira Paiva¹
Paula Souza Ferreira¹
Paulo Vitor Kelmon Silva de Oliveira¹
Edson Siqueira da Rocha²

1
Acadêmico (a) do Curso de medicina da Universidade José do Rosário
Vellano (Unifenas-BH).
2
Médico cardiologista.

223
Capítulo 17
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO progredir rapidamente para região perineal


é classificada como gangrena de Fournier.

1.1. Conceito
1.2. Etiologia
A fasceiíte necrotizante (FN) é
De acordo com o autor Chen, Fasolka e
considerada uma infecção bacteriana dos
Treacy (2020), a FN é classificada em dois
tecidos moles profundos que causa
tipos I e II. A FN tipo I é a mais frequente,
destruição rápida e progressiva com
correspondendo de 55 a 90% dos casos
acometimento inicial da fáscia muscular e
notificados e é mais prevalente em
posteriormente do tecido subcutâneo,
imunodeficientes, portadores de doenças
derme e epiderme. É uma doença já descrita
crônicas — como diabetes mellitus — e
por Hipócrates em 500 a.C, que afetava
idosos (LEIBLEIN et al., 2017). Este tipo
principalmente as extremidades, a região
de FN decorre de uma infecção polimicro-
ano-genital e o torso. Contudo, o termo
biana causada por bactérias anaeróbias e
“fasceiíte necrotizante” só foi desenvolvido
aeróbias. O complexo perfil biológico gera
ao longo dos séculos XIX e XX, quando em
uma infiltração gasosa do tecido subcutâneo
1952, B. Wilson descreveu o termo que é
semelhante à gangrena gasosa (CHEN,
usado até os dias atuais. Outros termos
FASOLKA e TREACY, 2020).
também utilizados para descrever a FN são
Já o tipo II não está atrelado a certas
gangrena estreptocócica hemolítica, gan-
comorbidades, sendo que lesões na pele são
grena sinergista progressiva bacteriana
o ponto de partida para uma infecção pelo
(Gangrena de Meleney) (TAVARES, W.;
streptococcus do grupo A (GAS) de
MARINHO, L. A. C., 2015), infecções
Lancefield, o Streptococcus pyogenes, e
necrosantes dos tecidos moles (NSTIs)
frequentemente ocorre a associação com
(CHEN, FASOLKA e TREACY, 2020),
Staphylococcus aureus. Sua progressão
erisipela gangrenosa, celulite necrotizante
ocorre de maneira rápida com liberação de
sinergista, entre outros (LEIBLEIN et al.,
endotoxinas, que são responsáveis pela
2017).
toxicidade sistêmica grave (CHEN,
Segundo o pensamento do autor Chen,
FASOLKA e TREACY, 2020), choque
Fasolka e Treacy (2020), há algumas
séptico e insuficiência de múltiplos órgãos
classificações específicas para a FN de
(LEIBLEIN et al., 2017).
acordo com o local de acometimento dessa
Contudo, Leiblen et al. (2017)
infecção, sendo a infiltração bacteriana na
acrescenta os tipos III e IV, sendo o tipo III
região do espaço submandibular chamada
de evolução fulminante causado pela
de angina de Ludwing. A infecção
infecção do microrganismo da espécie
orofaríngea que é causadora da trombo-
clostridium, bactérias Gram negativas ou
flebite séptica secundária da veia jugular
Vibrio spp. (Vibrio vulnificus). Esta FN
interna é denominada síndrome de
pode levar à falência de múltiplos órgãos
Lemierre. Já a infiltração microbiana da
em 24 horas e gerar alta mortalidade,
mucosa gastrointestinal ou uretral que pode
mesmo em pacientes sob terapia ideal,
224
Capítulo 17
TRAUMA E EMERGÊNCIA

ocorrendo em 35-44% desses. O tipo IV é 1 em cada 3 pessoas morrem devido à


causado por uma infecção fúngica, em sua infecção (CDC, 2018).
maioria por Candida spp. ou zigomicetos. A FN é vista com maior frequência no
inverno, embora seja mais diagnosticada no
1.3. Epidemiologia verão quando a etiologia é o Vibrio
A FN é uma doença rara, tendo uma vulnificus. Ela ocorre em qualquer faixa
incidência na população geral de 0,3 a 5 por etária e tende a ser mais comum em
100.000 indivíduos, em dados coletados na homens. Sabe-se que cerca de 50% dos
Noruega. Nos Estados Unidos da América pacientes possuem histórico de lesão de
(EUA), sua incidência também é seme- pele, 25% sofreram trauma contuso e 70%
lhante, 0,4 por 100.000 indivíduos ou mais têm doenças crônicas (SHIMIZU,
(SHIMIZU, 2010). 2010).
Em pacientes internados a incidência Os fatores de risco associados à FN são:
também é baixa, com menos de três casos uso de drogas intravenosas, imunossu-
por 10.000 internações. Contudo, ela está pressão, diabetes mellitus (DM) e outras
aumentando progressivamente devido ao infecções cutâneas graves (SHANNON et
envelhecimento da população, ao aumento al., 2018).
do número de pacientes críticos e imunode- O estudo de Dworkin et al. (2009 apud
primidos por síndrome da imunodeficiência Khamnuan, et al. 2015), realizado com 80
adquirida (SIDA), neoplasias e transplantes pacientes com FN, demonstrou que os
de órgãos, como também à emergência de preditores independentes para a amputação
inúmeros patógenos multirresistentes de membro incluíam ser do sexo feminino,
(TAVARES & MARINHO, 2015). ter DM, presença de gangrena cutânea na
A prevalência de mortalidade é de 15 a admissão e evidência de outras doenças
29%, já a perda de membro associada à FN subjacentes.
é de 20,3 a 26%. Na Tailândia, as taxas de Anaya et al. (2005 apud Khamnuan, et
amputação e de mortalidade relatadas são al., 2015) realizou um estudo que teve como
de 8,7 a 15,4% e 5,9 a 22,1%, respecti- fonte dos dados 166 pacientes com FN, no
vamente (KHAMNUAN et al., 2015). qual cita que história de doença cardíaca,
O Centro dos EUA para Controle e choque na admissão hospitalar com pressão
Prevenção de Doenças (CDC) estima que, arterial sistólica < 90 mmHg e infecção
de 2010 a 2019, cerca de 700 a 1200 casos clostridial foram preditores independentes
de FN causada pelo GÁS ocorreram a cada de perda de membro em pacientes com a
ano no país. Além disso, 6 em cada 10 doença. Entretanto, houveram limitações
pessoas que desenvolvem a FN e a nesse estudo que envolveram um número
síndrome do choque tóxico estreptocócico pequeno de amostra e uma população de
ao mesmo tempo evoluem com pressão pacientes amplamente variada.
arterial baixa, falência de múltiplos órgãos Em relação à literatura brasileira, foi
e óbito. Ademais, mesmo com o tratamento, realizado um estudo transversal observa-
cional a partir da análise de prontuários de
225
Capítulo 17
TRAUMA E EMERGÊNCIA

23 pacientes diagnosticados com a defesa no local da invasão, o que torna o


síndrome de Fournier em um hospital sistema imunológico ineficaz no combate à
terciário de Jundiaí - SP no período de 2016 disseminação patogênica inicial. Dessa
a 2018. Nesse estudo, 17 pacientes forma, a liberação de exotoxinas pirogê-
(80,95%) apresentavam DM, isoladamente nicas pelas bactérias torna-se facilitada, o
ou associado a outras comorbidades, como que leva à inflamação nos vasos, aos danos
imunossupressão (HIV, neoplasias malig- endoteliais, ao edema, à redução do fluxo
nas ou terapia com corticosteroides), sanguíneo para a ferida e, consequen-
neuropatias, insuficiência renal e hepática, temente, à hipoxemia tecidual, seguida de
hipertensão e obesidade. O tempo de morte do tecido (KESSENICH et al., 2004).
internação foi de aproximadamente 20 dias. Postula-se, ainda, que os agentes
A lesão foi identificada em todos os casos, etiológicos são capazes de produzir impor-
sendo a região perianal a mais comum como tantes enzimas que estão envolvidas no
local de origem (69,56%), seguida de processo de necrose dos tecidos subcutâneo
acometimento primário da região escrotal e adiposo, sendo as principais as hialuro-
(21,74%); apenas um paciente (4,35%) nidases e a lipases, respectivamente. Além
apresentou lesão inicial na região inguinal e disso, os pirógenos bacterianos, quando
em um (4,34%) a origem da lesão se deu na entram em contato com as células de defesa,
região vulvar. Esses dados são consistentes estimulam a produção de fatores de necrose
com a literatura internacional (INÁCIO, tumoral e de interleucinas 1 e 6. Essas
2020). citocinas, por sua vez, impulsionam a
velocidade de dano tecidual da doença por
1.4. Fisiopatologia estimularem a produção de radicais livres
Para que ocorra o desenvolvimento da de oxigênio e óxido nitroso, substâncias que
FN, é necessário que haja uma ferida de levam à necrose, à gangrena e à síndrome
pele capaz de tornar o indivíduo suscetível do choque tóxico (KESSENICH et al.,
à infecção pelos patógenos descritos na 2004).
etiologia da doença. O ferimento nos Em consonância ao estudo supracitado,
indivíduos permite a instalação e multipli- Tavares & Marinho (2015) confirmam o
cação do agente infeccioso, dando início a caráter progressivo da FN quanto aos
uma cascata de eventos fisiopatológicos que aspectos micro e macroscópicos. Assim que
levam à progressão da FN (KESSENICH et o sistema imunológico consegue evadir os
al., 2004). mecanismos de defesa bacterianos iniciais,
O primeiro evento a acontecer é a é possível observar um quadro de
subsequente invasão bacteriana nos tecidos inflamação aguda nos locais da lesão,
linfático e sanguíneo adjacentes. Nessa caracterizado pela presença de infiltrado
ocasião, as bactérias são capazes, por polimorfonuclear, necrose e hemorragia. A
mecanismos ainda não muito elucidados, de seguir, se não tratada rapidamente, a
bloquear, tanto pela via linfática quanto necrose pode evoluir numa velocidade de
pela via sanguínea, a chegada de células de até 3 centímetros por hora, momento em
226
Capítulo 17
TRAUMA E EMERGÊNCIA

que a antibioticoterapia sozinha já não gera artigos tanto na língua inglesa quanto
resultados satisfatórios, sendo necessária a portuguesa, datados a partir do ano de 1998,
realização de desbridamento cirúrgico que abordavam as temáticas propostas para
prévio. a construção deste capítulo, incluindo
estudos do tipo revisão, ensaios clínicos,
1.5. Quadro Clínico relatos de caso e estudos observacionais.
Os pacientes com FN geralmente
apresentam história de cirurgia, punção 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
venosa e trauma. A pele se apresenta lisa,
brilhante, eritematosa, edematosa, quente 3.1. Abordagem anterior
ao toque e sem limites bem definidos. Outro O diagnóstico precoce é fundamental na
ponto importante é que esses indivíduos se abordagem da FN. Isto se deve ao fato de
apresentam extremamente doentes, com que diagnósticos tardios estão associados a
relato de dor severa, que é desproporcional um alto risco de morte devido à delonga do
à apresentação física. A dor é de início tratamento. O diagnóstico depende da
súbito, latejante, em queimação, e refratária velocidade em que a infecção se alastra, na
ao uso de opioides (KESSENICH et al., sua toxicidade, na dor severa e
2004). Além disso, pode-se observar desproporcional aos achados físicos
crepitação à palpação decorrente da (KESSENICH et al., 2004). É recomendada
formação de bolsas de gás no subcutâneo, a exploração cirúrgica da lesão e a biópsia
as quais sugerem ser desencadeadas por de congelação das bordas das fáscias
bactérias anaeróbicas, o que é útil para a musculares para a confirmação do diagnós-
estratégia de tratamento (MISIAKOS et al., tico nos casos duvidosos. Em alguns casos,
2017). os usos de imagens radiológicas são úteis
Outros sintomas gerais que podem para demonstrar o acometimento do tecido
acompanhar a FN incluem a febre, o delírio subcutâneo. A ressonância magnética (RM)
tóxico, os sinais típicos de choque pode diferenciar o tecido necrótico do
(taquicardia e hipotensão) e, eventual- tecido saudável, a tomografia computado-
mente, a falência de múltiplos órgãos rizada (TC) pode revelar a extensão da
(LEIBLEIN et al., 2017). infecção tecidual e a radiografia pode
detectar a presença de gás de tecidos moles.
2. MÉTODO Contudo, esses exames devem ser usados
como métodos auxiliares para o diagnós-
Para a elaboração deste capítulo, foi tico. Somado a isso, resultados falso-
realizada uma revisão narrativa utilizando positivos e falso-negativos são possíveis e a
as bases de dados SciELO e PubMed. verdadeira extensão do envolvimento do
Foram utilizados os seguintes descritores: tecido muscular somente é confirmada
“Streptococcus”, “Fasceiíte necrotizante” e mediante cirurgia (MATOS et al., 1998).
“Antibioticoterapia”. Dessa busca, foram O desbridamento cirúrgico do tecido
utilizados os seguintes critérios de inclusão: necrótico tem sido a forma de tratamento
227
Capítulo 17
TRAUMA E EMERGÊNCIA

primária da FN. Durante a intervenção 3.2. Diagnóstico


cirúrgica, o tecido necrótico é removido e a Considerando o principal causador de
ferida é irrigada com grandes quantidades FN, o S. pyogenes, tem-se que a mortalidade
de peróxido de hidrogênio a 2% dos indivíduos acometidos é de 30-80%.
(KESSENICH et al., 2004). A troca de Nesse contexto, nota-se a importância do
curativos deve ser exaustiva, somada à diagnóstico precoce para que o tratamento
utilização de açúcar ocasionalmente. Além seja estabelecido em tempo hábil, visando
disso, o desbridamento cirúrgico deve ser diminuir a mortalidade (RAPPO et al.,
repetido sempre que for necessário. 2020).
Contudo, parece haver um aumento da Tendo em vista a necessidade de um
mortalidade em pacientes que necessitam diagnóstico precoce, é essencial o
de múltiplos desbridamentos da ferida conhecimento do quadro clínico que o
operatória (FO). Sendo assim, a intervenção paciente, em geral, apresenta para que haja
cirúrgica deve ser tão precoce e agressiva rápida suspeição. Além disso, a realização
quanto possível a fim de contribuir para a de exames laboratoriais de menor
redução da mortalidade e morbidade complexidade também pode ser útil. Nesses
(MATOS et al., 1998). casos, encontraram-se alterações como
A terapia medicamentosa é instituída elevação da Proteína C Reativa (PCR) e
juntamente à intervenção cirúrgica e Velocidade de Hemossedimentação (VHS),
consiste em uma antibioticoterapia de leucocitose com desvio à esquerda e
amplo espectro. O tratamento inicial anemia, bem como hiperglicemia, hipocal-
abrange bactérias aeróbicas e anaeróbicas cemia e aumento de Creatinofosfoquinase
Gram positivas e Gram negativas. A (CPK), evidenciando infecção muscular
penicilina já foi a droga de escolha, porém (SOARES et al., 2008).
não é mais considerada eficaz devido à Os exames radiológicos também são
resistência antimicrobiana. A droga de úteis para auxiliar no diagnóstico, como a
primeira linha mais utilizada é a TC e a RM. A TC fornece informações
clindamicina ou metronidazol e estas adicionais, como espessamento assimétrico
devem ser administradas em combinação da fáscia e alterações da gordura
com cefalosporina e um aminoglicosídeo subcutânea, assim como a presença de gás e
(KESSENICH et al., 2004). abscessos. Já a RM permite delimitar a área
A utilização de oxigenoterapia de necrose da fáscia e programar o
hiperbárica também é recomendada durante procedimento cirúrgico. Nesse sentido, a
o tratamento da FN. Essa terapia consiste na ausência de alterações na fáscia profunda
entrega de altas concentrações de oxigênio praticamente exclui o diagnóstico (SOA-
aos tecidos acometidos, o que afeta os RES et al., 2008).
leucócitos e faz com que os tecidos sejam Ademais, uma ferramenta existente para
inóspitos às espécies anaeróbicas (KES- auxiliar no diagnóstico precoce de FN é o
SENICH et al., 2004). escore do Indicador de Risco Laboratorial
para Fasciíte Necrotizante (LRINEC), que
228
Capítulo 17
TRAUMA E EMERGÊNCIA

usa seis valores séricos para distinguir entre Caso a infecção tenha uma progressão
infecções de tecidos moles e FN: PCR, para a FN, inicia-se o tratamento específico
contagem global de leucócitos, hemoglo- para a doença, que pode ser dividido em
bina, sódio, creatinina e glicose. Uma medicamentoso e cirúrgico. No medica-
pontuação LRINEC ≥ 6 em adultos deve mentoso, inclui-se, inicialmente, antibióti-
levantar a suspeita de FN, enquanto uma cos de amplo espectro até que se saiba a
pontuação ≥ 8 é fortemente preditiva. O etiologia da infecção, por meio de exames
valor preditivo positivo de um escore como cultura, teste de coloração de Gram e
LRINEC ≥ 5,8 para FN variou de 57 a 92% resultados de sensibilidade. De acordo com
em três estudos, com valores preditivos a diretriz mais recente da Infectious Disease
negativos de 86% e 96% em dois estudos Society of America é recomendado
(RAPPO et al., 2020). vancomicina ou linezolida combinada com
O diagnóstico é confirmado à piperacilina-tazobactam, um carbapenem
intervenção cirúrgica, com a evidência de ou ceftriaxona-metronidazol. O tratamento
necrose da fáscia superficial (COSTA et al., com a clindamicina deve ser incluído no
2007), sendo a biópsia da fáscia padrão- tratamento empírico inicial, pois é um
ouro para o diagnóstico e deverá ser medicamento com boa ação em toxinas
realizada em todos pacientes durante o liberadas por alguns organismos, como a S.
desbridamento, mesmo naqueles em que aureus e GAS, sendo que o último pode ser
seu aspecto macroscópico for normal tratado com clindamicina associada à
(SOARES et al., 2008). Além disso, a penicilina após confirmação de etiologia
biópsia de congelação também é uma (CHEN, FASOLKA e TREACY, 2020).
opção, sendo encontrado nela infiltrado Assim que a microbiologia da amostra
maciço de polimorfonucleares com necrose confirma a espécie, pode-se adaptar o
focal e formação de microabscessos na tratamento ao organismo específico.
fáscia e no tecido subcutâneo (COSTA et Também é importante usar antibiogramas
al., 2004). para determinar os padrões de resistência
locais. Somado a isso, o tratamento
3.3. Tratamento adicional inclui medidas suportivas, uso de
O estudo de Rappo et al. (2020), que vasopressores para choque séptico e
envolveu 2883 pacientes com infecções ressuscitação com fluidos (CHEN,
bacterianas agudas da pele e da estrutura da FASOLKA e TREACY, 2020).
pele ou complicadas, demonstrou que o uso O papel de administração intravenosa de
de antibioticoterapia com dalbavancina ou Imunoglobulina G e oxigenação hiperbárica
linezolida, dalbavancina ou vancomicina, para tratamento de FN ainda é controverso,
dalbavancina em dose única ou regime de visto que o benefício de ambas ainda não foi
duas doses em até 72 horas após a início da demonstrado em grandes estudos randomi-
infecção apresentou uma taxa de incidência zados (CHEN, FASOLKA e TREACY,
de FN muito baixa (0,1%). 2020).

229
Capítulo 17
TRAUMA E EMERGÊNCIA

No caso da abordagem cirúrgica, que é administração intravenosa de antimicro-


considerada o padrão ouro para FN suspeita bianos e fluídos para corrigir os desarranjos
ou diagnosticada, ocorre exploração e metabólicos. No caso de alguns pacientes
retirada do tecido acometido. Inicialmente vai ser necessária a transferência para o CTI
os achados no tecido podem incluir: (CHEN, FASOLKA e TREACY, 2020).
equimoses, edema, perda da coloração e A monitorização dos dados vitais entre
sinais de necrose. Durante a cirurgia outros sinais que evidenciam descompen-
exploratória deve-se coletar tecidos sação deve ser realizada, já que os pacientes
afetados para realização das pesquisas com FN possuem alto risco de choque
laboratoriais (Gram e cultura). O paciente séptico. No caso de detecção de instabili-
pode retornar à cirurgia diversas vezes até dade dos dados vitais, deve-se administrar
que seja determinado que todo o tecido fluidos cristaloides e coloides de forma
acometido foi retirado. A amputação intravenosa, somado a agentes vasoativos
algumas vezes é necessária em casos de FN como a norepinefrina. Dependendo do nível
grave envolvendo extremidades (CHEN, de dor do paciente, o tratamento ambula-
FASOLKA e TREACY, 2020). torial também pode incluir intervenções
Por se tratar de um difícil diagnóstico, apropriadas para amenização desta (CHEN,
com manifestações muito sutis, é extrema- FASOLKA e TREACY, 2020).
mente importante que enfermeiras se
mantenham alertas para possíveis casos de 4. CONCLUSÃO
FN, especialmente em pacientes considera-
dos de alto risco. Alguns dos sintomas que A fasceiíte necrotizante é uma doença
devem ser vigiados são: eritema localizado, de rápida progressão, difícil diagnóstico e
rubor local, sensibilidade desproporcional, controle, sendo indispensável o uso dos
esclerose, sinais de sepse e choque (que protocolos atualizados para o seu manejo,
incluem febre e instabilidade hemodinâ- como o LRINEC, apesar de não ser uma
mica) (CHEN, FASOLKA e TREACY, doença com elevada taxa de incidência.
2020). Assim, a redução da morbimortalidade da
As enfermeiras que suspeitam de FN FN é alcançada mediante a um diagnóstico
devem rapidamente notificá-la e preparar precoce e emprego da antibioticoterapia
para maior exploração do caso, através de adequada, combinada com a abordagem
exames de imagem e laboratoriais. Também cirúrgica e o uso de medidas gerais de
devem iniciar algumas intervenções, como: suporte.

230
Capítulo 17
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHEN, Leon L; FASOLKA, Brian J.; TREACY, Caitlin. Necrotizing fasciitis: A comprehensive review. Journal
Nursing 2020. Nova York, v. 50 n. 9, p.34-40. Set. 2020.

COSTA, Izelda Maria Carvalho et al. Fasciíte necrosante: revisão com enfoque nos aspectos dermatológicos. Anais
Brasileiros de Dermatologia [online]. v. 79, n. 2 p. 211-224, 2004.

INÁCIO, Mariana Fernandes. et al. Epidemiological study on Fournier syndrome in a tertiary hospital in Jundiaí-SP
from October 2016 to October 2018. Journal of Coloproctology, São Paulo, SP. v. 40, n. 1, p. 37-42. 2020.

KESSENICH, Cathy R; BAHL, Ashima. Necrotizing fasciitis: understanding the deadly results of the uncommon 'flesh-
eating bacteria'. American Journal of Nursing, [S. l.], v. 104, p. 51-55, 9 set. 2004.

KHAMNUAN, Patcharin et al. Necrotizing fasciitis: epidemiology and clinical predictors for amputation.
International Journal of General Medicine, Distrito de Meuang, Chiang mai. v. 8, p.195–202. fev. 2015.

LEIBLEIN, Michael et al. Necrotizing fasciitis: treatment concepts and clinical results, European Journal of Trauma
and Emergency Surgery, Alemanha, v. 44 n. 2 p. 279-290. Mai. 2017.

MATOS, Jean Carlos de et al. Fasceiíte necrotizante em Pacientes Obstétricas. Revista Brasileira de Ginecologia e
Obstetrícia. Dezembro de 1998; v. 20, n. 10, p. 557-561.

MISIAKOS, Evangelos et al. Early Diagnosis and Surgical Treatment for Necrotizing Fasciitis: A Multicenter Study.
Frontiers in Surgery, [S. l.], v. 4, p. 1-5, 7 fev. 2017.

RAPPO, Urania et al. “Fascite necrosante dentro de 72 horas após a apresentação com infecção da pele e da estrutura
da pele. ” The Western Journal of Emergency Medicine [online]. v. 21, n. 4 p. 943-948, 2020.

SHANNON, Fernando M. et al. Necrotizing soft tissue infection: diagnostic accuracy of physical examination, imaging,
and LRINEC score: a systematic review and meta‐analysis. Annals of Surgery, Ottawa, v.20, n.20, p. 1-8, 2018.

SHIMIZU, Taro; TOKUDA, Yasuharu. Necrotizing Fasciitis. Rev. Internal Medicine, Geórgia, Atlanta, EUA, v.4,
p.1051-1057, fev. 2010.7

SOARES, Thiago Horta et al. Diagnóstico e tratamento da Fasciíte Necrotizante: relato de dois casos. Revista Médica
de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 18, ed. 2, p. 136-140, 2008.

TAVARES, W.; MARINHO, L. A. C. Rotinas de diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas e parasitárias.
4. ed. São Paulo: Atheneu, 2015.

Type II Necrotizing Fasciitis. The Centers for Disease Control and Prevention, EUA, 2018. Disponível em:
https://www.cdc.gov/groupastrep/diseases-hcp/necrotizing-fasciitis.html. Acesso em: 13 junho 2021.

231
Capítulo 18
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 18
FRATURA DE MANDÍBULA
DESFAVORÁVEL AO
TRATAMENTO: RELATO DE
CASO CLÍNICO

Palavras-chave: Fraturas mandibulares, Fixação de fratura, Mandíbula.

CAROLINA TICIANELI PIVA¹


LUCAS SANTOS DE OLIVEIRA2

1
Discente – Odontologia da Universidade Santa Cecília.
2
Residente de cirurgia e traumatologia buco maxilo facial hospital regional de cotia -
FHO, Radiologista no departamento de diagnósticos por imagem da Universidade Santa
Cecília e Docente do curso de capacitação para auxiliares em saúde bucal - ABO Santos.

232
Capítulo 18
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO ção pós operatória do paciente e a eficácia


da mesma.
As fraturas faciais são uma O objetivo deste estudo foi relatar um
problemática crescente que podem ocasio- caso clínico de fratura de mandíbula e
nar sérias consequências nos âmbitos conscientizar a população sobre o uso
físicos, emocionais, socioeconômicos e correto de capacete de proteção para pilotar
estéticos. A fratura de mandíbula é a motocicletas.
segunda mais frequente, estando atrás
apenas da fratura de nariz. (SILVA JJL et 2. MÉTODO
al.; 2004).
O osso mandibular se localiza no terço Trata-se de um relato de caso. As
inferior da face, sendo o único osso móvel. informações relacionadas ao caso clínico
Apresenta importantes funções como foram obtidas por meio de revisão do
mastigação, deglutição, fonação e oclusão prontuário, entrevista com paciente e
dentária. Ficando em uma área mais exposta registro fotográfico dos laudos diagnós-
e desprotegida, acaba por contribuir com ticos.
uma maior incidência de fraturas. Paciente J.C.R, 18 anos de idade, gênero
Estudos mostram que homens são mais masculino, branco, natural de São Vicente,
atingidos do que mulheres, e a faixa etária foi conduzido ao serviço de Cirurgia e
predominante é a dos 20 aos 29 anos. Essas Traumatologia Buco Maxilo Facial do
fraturas podem ser causadas por acidentes Hospital Municipal pela equipe do S.A.M.U
automobilísticos, acidentes interpessoais, após acidente moto ciclístico em via
quedas de própria altura, patologias, entre pública.
outros. Ao exame físico evidenciou-se edema,
Entre as regiões mandibulares mais dor a palpação em região de ângulo
acometidas, estão o corpo da mandíbula, mandibular à esquerda, má oclusão e
seguido do côndilo, região de sínfise, limitação em abertura bucal.
ângulo, e alveolar isoladamente. Os exames radiográficos sugeriram
Os princípios básicos para o tratamento fratura de ângulo do lado esquerdo da
da fratura mandibular consistem em mandíbula. Considerando as características
redução, contenção e imobilização dos clínicas e radiográficas, o tratamento eleito
segmentos fraturados. A escolha terapêutica foi abordagem cirúrgica para redução e
depende da severidade do caso e domínio da fixação com material de síntese, sob
técnica escolhida pelo profissional. anestesia geral.
O tratamento escolhido leva em
consideração o melhor tempo de recupera-

233
Capítulo 18
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Figura 18.1. Radiografia PA de Figura 18.2. Emprego da caneta Figura 18.3. Incisão extraoral Figura 18.4. Divulsão dos tecidos Figura 18.5. Artéria facial
mandíbula evidenciando a fratura dermatográfica eviden-ciando o (Risdon). até a visualização da fratura óssea individualizada (Controle de
em ângulo esquerdo local da incisão. hemorragia)

Figura 18.6. Inserção de placa e Figura 18.7 Placa 2.0 e 1.5 instala- Figura 18.8 Fechamento da ferida Figura 18.9 Sutura em derme Figura 18.10 Curativo.
parafusos em traço de fratura. das por planos (músculos até a pele) finalizada

234
Capítulo 18
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A redução pode ser aberta ou fechada,


sendo que na fechada, a manipulação é sem
O objetivo de maior relevância no exposição cirúrgica do osso, ao contrário da
tratamento de fraturas mandibulares é aberta que expõem os cotos da fratura e
restaurar a estrutura para que volte a ter uma realiza-se osteossíntese rígida com placas
função adequada, com a técnica de menor de micro-fragmentos ou semi-rígida com
morbidade, que proporcione uma união fios de aço. Na redução fechada, o cirurgião
sólida dos focos de fratura, com uma boa manipula e traciona o osso sob a pele
oclusão dentária. intacta, até que a fratura fique na posição
Todo tratamento de fraturas ósseas correta (KRUGER, 1984).
segue os mesmos princípios básicos:
Redução, Contenção e Imobilização 4. CONCLUSÃO
(VALENTE, 2000), sendo que raramente se
enquadra como emergência, um ferimento O uso de placas de titânio no tratamento
que indique risco de vida, deve ser das fraturas mandibulares é um método
considerado em primeiro lugar, mas é eficaz. Pois, as mesmas, são biocompatíveis
possível obter-se bons resultados, mesmo e apresentam excelentes propriedades
após duas ou três semanas (DINGMAN; físicas e mecânicas que são capazes de
NATIVIG, 1990). promover melhor estabilidade das fraturas.
Quando as fraturas não são tratadas em Essa técnica cirúrgica oferece maior
alguns dias ou estão gravemente desloca- conforto para o paciente no pós-operatório,
das, a redução dos segmentos ósseos à já que não é necessário a manutenção do
posição correta e uma adequada fixação bloqueio maxilo-mandibular.
intermaxilar podem tornar-se dificeis (PE- Considerando o aumento dos acidentes
TERSON et al., 1999), podendo, nestes moto ciclísticos, é de extrema importância o
casos, utilizar-se ainda fios de aço, também uso do capacete, já que ele oferece proteção
no bloqueio intermaxilar rígido, no lugar facial e diminui a incidência de fratura em
dos anéis elásticos (BARROS; MAN- terço médio e inferior da face. Bem como o
GANELLO DE SOUZA, 2004). Os seguimento das leis de trânsito brasileiras.
aparelhos de fixação devem ser removidos Contribuindo para saúde e segurança de
após quatro a seis semanas de utilização todos.
(VALENTE, 2000).

235
Capítulo 18
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ansari MH, Maxilofacial fractures in Hamedan province, Iran: a retrospective study (1987-2001). Journal of Cranio-
Maxillofacial Surgery 2004; 32 (1): 28-34.

LEAL D.L., Revisão de literatura: fraturas mandibulares [tese]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande
do Sul; 2020.

Macedo JLS, Camargo LM, Almeida PF, Rosa SC. Perfil epidemiológico do trauma de face dos atendidos no pronto
socorro de um hospital público. Rev. Col. Bras. Cir. 35 (1), 2008

MONTAVANI J.C., CAMPOS L.M.P., GOMES, M.A., MORAES V.R.S., FERREIRA F.D., NOGUEIRA E.A.
Etiologia e incidência das fraturas faciais em adultos e crianças. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia 2007; 72
(2): 235-41.

236
Capítulo 19
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 19
DESAFIOS NO CUIDADO DE
ENFERMAGEM DURANTE A
CLASSIFICAÇÃO DE RISCO EM
SERVIÇOS DE URGÊNCIA E
EMERGÊNCIA

Palavras-chave: Enfermagem em Emergência, Emergência, Triagem.

CARLOS HENRIQUE NUNES PIRES¹


ANA CLARA MONTEIRO IBIAPINA1
ANA CRISTINA ARAÚJO DOS SANTOS²
ALÍCIA REBECA SILVA SOARES2
GABRIEL OLIVEIRA DA SILVA2
LIA RAQUEL LUSTOSA COSTA ROMERO2
LOENNE DA SILVA SANTOS ALVES2
NATALIA DA SILVA TEIXEIRA2
ESTER DA SILVA SOUSA PASSOS2
KAROLAINE RODRIGUES LOUZEIRO3
JORDEILSON LUIS ARAÚJO SILVA4

1
Enfermeiros – Faculdade Pitágoras – Instituto Camilo Filho.
2
Discente – Enfermagem pela Centro Universitário Uninovafapi.
3
Enfermeira – Centro Universitário Uninovafapi.
4
Enfermeiro – Mestrando em Saúde da Família pela Universidade Federal do
Ceará - Campus Sobral.

237
Capítulo 19
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO A escala de triagem do protocolo de


Manchester classifica o paciente em cinco
A superlotação nos serviços de urgência níveis de prioridade, com determinada
e emergência é um problema mundial, variação de tempo e geralmente são
reflexo de uma demanda de atendimento associados a pulseiras de sinalização, de
maior que a capacidade de captação, cores distintas. Nível 1: emergente, (deve
determinada, por exemplo, pela alta taxa de receber atendimento médico imediato),
ocupação dos leitos e pouca mão de obra sinalizado pela cor vermelha; nível 2: muito
profissional e caracterizada por pacientes urgente, (avaliação médica em até 10
acomodados em corredores e longo tempo minutos), cor laranja; nível 3: urgente,
de espera para os atendimentos, que resulta (avaliação médica em até 60 minutos), cor
em um sistema desorganizado e hostil, amarela, nível 4: pouco urgente, (avaliação
sobretudo para os enfermeiros, presentes médica em até 120 minutos), cor verde,
desde a acolhida ‘nas portas’ das unidades à nível 5: não urgente, (pode aguardar até 240
alta. (SOUZA & BASTOS, 2008). minutos para atendimento médico), indica-
Para reorganizar o acolhimento nesses do pela cor azul (SOUZA & ARAÚJO &
serviços, o Ministério da Saúde adotou CHIANCA, 2015).
como dispositivo a classificação de risco, Embora apresente inúmeros desafios, a
cuja estratégia objetiva gerenciar com implantação do protocolo de classificação
segurança o fluxo de pacientes e otimizar o de risco, na unidade hospitalar contempla o
manejo clínico destes, estabelecendo princípio da equidade do sistema único de
prioridades de atendimento de acordo com saúde, oferecendo ao cliente um cuidado
as necessidades de saúde dos usuários, de racional, atendendo-os não por ordem de
forma a não tardar a assistência aos chegada, mas de acordo com a sua
pacientes que apresentem gravidade ou po- necessidade. Promove ainda menor número
tencial agravamento no seu estado clínico de erros e consequentemente, diminuição da
(OLIVEIRA, et al., 2017). morbidade e mortalidade da população
É importante que esse processo de (OLIVEIRA, et al., 2017).
acolhimento com classificação de risco seja O presente estudo tem como objetivo
padronizado, a fim de uniformizar a avalia- identificar na literatura os desafios do
ção do Enfermeiro, por isso recomenda-se a cuidado de enfermagem ao paciente em
utilização de um protocolo direcionador. O classificação de risco em ambiente intra-
protocolo de Manchester é uma das escalas hospitalar à luz do Protocolo de Manches-
de triagem existentes, bastante difundido no ter.
Brasil e no mundo (SOUZA & ARAÚJO &
CHIANCA, 2015). Contribui para a gestão 2. MÉTODO
do sistema, oferece melhores condições de
trabalho ao implantar um cuidado Trata-se de uma revisão integrativa,
horizontalizado e aumenta a satisfação dos sistemática ou narrativa realizada no perío-
usuários com níveis elevados de prioridade. do de mês de março e abril, por meio de
238
Capítulo 19
TRAUMA E EMERGÊNCIA

pesquisas nas bases de dados: Literatura exclusão foram: artigos duplicados, dispo-
Latino-americana e do Caribe em Ciências nibilizados na forma de resumo, que não
da Saúde (LILACS), Base de Dados em abordavam diretamente a proposta estudada
Enfermagem (BDENF) e Medical Litera- e que não atendiam aos demais critérios de
ture Analysis and Retrieval System Online inclusão
(MEDLINE). Foram utilizados os descrito- A revisão integrativa da literatura foi
res: Enfermagem em Emergência, Emer- constituída por meio das seis etapas
gência, Triagem, com o operador boleano empregadas: primeiro a seleção da questão
OR, que amplia a busca nas bases de dados. norteadora, segundo da acepção dos
Desta busca foram encontrados 213 artigos, critérios de inclusão de estudos conforme
posteriormente submetidos aos critérios de seleção da amostra, seguido da represen-
seleção. tação dos estudos selecionados conside-
Os critérios de inclusão foram: artigos rando suas características em comum,
nos idiomas português; publicados no realizada a análise crítica dos achados,
período de 2017 a 2021 e que abordavam as identificando os pontos com diferenças e
temáticas propostas para esta pesquisa, conflitos, julgamento dos resultados e
estudos do tipo (revisão, meta-análise, remeter-se, de forma clara, a evidência
relato de experiência), disponibilizados de encontrada (SOUZA; SILVA; CARVA-
forma gratuita na íntegra. Os critérios de LHO, 2010).

Figura 19.1 Estratégia de seleção dos artigos

Fonte: produzido pelo próprio autor, 2021.

Após os critérios de seleção restaram 30 minuciosa e como resultado 8 artigos


artigos que foram submetidos à leitura selecionados para a coleta de dados
239
Capítulo 19
TRAUMA E EMERGÊNCIA

conforme a Figura 19.1. Os resultados da autonomia profissional pelas outras


foram apresentados nas Tabelas 19.1 e 19.2 classes de profissionais da saúde como os
e de forma descritiva. redundantes questionamentos médicos
sobre a classificação feita por enfermeiros,
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO sem a busca por entendimento dos
procedimentos de classificação realizados
por enfermeiros. Os usuários entendem a
Segundo Lacerda, et al. (2019) a partir
classificação como o estabelecimento de
de um estudo com 34 usuários de serviço de
diagnósticos médicos o que não cabe aos
urgência concluiu que a percepção dos
profissionais de enfermagem, mas o
usuários quanto a um serviço justo se
levantamento de sinais e sintomas prévios e
relaciona com o tempo de espera para
questionam a competência dos profissionais
atendimento, apontado um tempo superior
de enfermagem exigindo a presença de
ao preconizado para atendimento médico.
enfermeiros que é o profissional que atua
Entende-se como geradora de injustiças a
frente a esse processo (LACERDA, et al.
compreensão da classificação de risco
2019).
conforme a padronização de cores pelos
A seguir é apresentada a relação de
usuários, eles não assimilam como é
artigos selecionados de acordo com o ano,
formulada a ordem de prioridade dando
título do artigo, autores e revista. Na
margem as reclamações do sistema de
presente revisão integrativa conforme a
classificação de risco que prioriza os
Tabela 19.1 foram encontrados sete artigos
quadros de maior gravidade.
em 2019 e um em 2020. Destaca que cinco
No mesmo sentido Paula, Ribeiro &
artigos abordam o papel dos enfermeiros,
Werneck, (2019) relatam quanto a percep-
um aborda os métodos utilizados por
ção dos usuários que mesmo sem o
enfermeiros e um aborda a percepção dos
conhecimento funcionamento e estrutura-
enfermeiros.
ção da classificação de risco, os usuários
Com entrevista feita com 64 pacientes,
classificam o sistema em altos índices de
em uma avaliação geral das dificuldades
avaliação como muito bom ou ótimo,
encontradas no serviço, 67,19% os
entretanto consideramos o nível de
participantes relatam que a consulta de
escolaridade são um fator relevante para o
enfermagem e a CR como um ótimo
resultado, sendo 31,25% do usuários com
serviço, porém 64,06% relatam que não
ensino fundamental completo e 29,69%
conhecem o sistema de classificação
com ensino médio completo, tendo em vista
utilizado, é de suma importância informar
que pessoas com níveis de escolaridade
os procedimento a ser tomado após a
mais baixo, apresentam menor criticidade.
classificação e o tempo preconizado para o
No atendimento de enfermagem
atendimento médico (PAULA; RIBEIRO,
percebe-se a necessidade de entendimento
ROCHA, 2019).

240
Capítulo 19
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Tabela 19.1 Artigos selecionados coforme o ano, título, autores e revista. Teresina (PI), Brasil,
2021.

ANO TÍTULO AUTORES REVISTA


2019 Humanização da assistência: PAULA, F.B; RIBEIRO, Revista de Enfermagem
acolhimento e triagem na classificação R.C.H.M; WERNECK, UFPE on-line.
de risco. A.L.
2019 O papel do enfermeiro na classificação QUARESMA, A.S; Revista enfermagem atual
de risco nos serviços de urgência e XAVIER, D.M; in derme.
emergência. CEZAR-VAZ, M.R.
2019 Classificação dos pacientes na ZAMBON, F. et al. Revista de Enfermagem
emergência segundo a dependência da UFPE on-line.
enfermagem.
2019 Percepção de enfermeiros SANTOS AA, et al. Revista de Enfermagem
emergencistas acerca da atuação e UFPE on-line.
preparo profissional.
2019 Registro eletrônico e manual do CICOLO, E.A; PERES, Revista Latino-Americana
Sistema Manchester: avaliação da H.H.C. de Enfermagem.
confiabilidade, acurácia e tempo
despendido.
2019 Caracterização dos atendimentos de SILVA, A.D.C. et al. Revista Mineira de
um pronto-socorro público segundo o Enfermagem.
sistema de triagem de Manchester.
2019 Acolhimento com classificação de LACERDA, A.S.B. et al. Revista Brasileira de
risco: Enfermagem.
relação de justiça com o usuário
2020 Serviço de emergência hospitalar: BRANCO, A. et al. Enfermagem em Foco.
fluxos de atendimento a pacientes
suspeitos ou confirmados para
COVID-19.

Nesse mesmo sendido Quaresma, do sistema de referência e contrareferência


Xavier & Cezar-Vaz (2019) aborta tomando ações de encaminhamento aos
capacidades importantes para alcançe das serviços mais adequados.
qualidade no atentimento da CR, a esculta Para Zambonin, et al. (2019) o cuidado
qualificada que melhora o vínculo entre de enfermagem e o grau de dependência dos
profissional e paciente, raciocínio clínico pacientes nos setores de urgência e emer-
principalmente em situações de urgência e gência são semelhantes aos encontrados em
emergência para encaminhamento eficaz, unidades de terapia intensiva, analisados
assim como o conhecimento das Redes de pelo Sistema de Classificação de Pacientes
Atenção em Saúde para que possa ter posse (SCP) proposto por Fugulin, Gaidzinski e

241
Capítulo 19
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Kurcgant, sendo classificados com tologia com 35,94% e Cirurgia Geral e


cuidados intensivos 69,28% dos 74 paci- Clínica Geral com 18,75%. Devido ao
entes, o gerenciamento da permanência aumento dos casos de doenças não
desses pacientes é de suma importância para transmissíveis e causas externas compara-
manter a capacidade de atendiamentos do dos aos casos de doenças transmissíveis
setor, apenas 18,92% dos pacientes foram caracterizando uma alteração epidemioló-
tranferidos para a UTI. gica (PAULA F.B. & RIBEIRO, R.C.H.M.
Cerca de 70% dos pacientes apresen- & WERNECK, A.L. 2019).
taram-se em estado de inconsciência e 73% No atendimento em CR os enfermeiros
sob vetilação mecânica, destaca-se a consideraram perceberem-se inseguros em
gravidade dos casos atendidos, aproxima- relação ao atendimento ao paciente idoso
damente 78% dos usuários eram verificados com sintomatologia de AVC, relatando o
os sinais vitais de 6 em 6 horas e 22% de 4 despreparo ao identificar sinais de alerta,
em 4 horas, quanto ao uso de alimentação corroboram para isso a carência de preparo
por sonda nasogástrica cerca de 80% desde graduação, no setor apenas 4 dos 12
apresentram dieta gástrica, logo com maior profissionais relatam pós-graduação assun-
demanda de cuidados de enfermagem é tos relacionados ao tema, relataram ainda a
necessária readequação do quadro de pouca capacitação para o atendimento /
funcionários setor para que não ocorram reconhecimento, são lacunas importantes
subdimencionamento do quadro de enfer- no atendimento principalmente de idosos
magem, pois o cuidado de enfermagem de que aprestam predomínio entre os grupos
emergência se caracteriza com ter cuidado acometidos por doenças cerebrovasculares
de curta duração, com a finalidade (SANTOS, et al., 2019).
estabilizar ou solucionar uma situação de Conforme o entendimento de Quares-
emergência (ZAMBONIN, et al. 2019). ma, Xavier & Cezar-Vaz (2019), os
O seguimento do tempo preconizado é enfermeiros são os protagonistas da classifi-
importante para que não ocorram falhas no cação de risco no Brasil assim como em
atendimento aos pacientes, entre os pacien- outros países como Finlândia, França,
tes classificados em cor amarela, portanto Holanda, Noruega e Austrália, entre as
maior prioridade a nível de urgência, é capacidades elencadas por esses profissi-
esperado que sejam atendidos o mais rápido onais no setor de CR estão a visão clínica
possível, em outro estudo é relatado o uso dos sinais e sintomas, queixas e estado geral
de pulseira amarela em pacientes com idade do pacientes, orientados para resoluções de
mais avançada ou com novas queixas, situações de estresse, ansiedade, agressivi-
destoando a abordagem preconizada pelo dade ou impaciência, análise da gravidade
Ministério da Saúde na classificação de dos pacientes com a evolução do quadro
risco. Percebeu-se entre as especialidades clínico, bem como a visão geral do serviço,
médicas o tempo maior que o preconizado contribuindo para a identificação do suporte
nas especialidades de Ortopedia / Trauma- e agilidade no atendimento.

242
Capítulo 19
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Tabela 19.2 Análise dos dados: objetivo, resultados e conclusão dos estudos selecionados. Teresina (PI), Brasil, 2021
OBJETIVO RESULTADOS CONCLUSÃO
Entende-se que, nas cores amarela, verde e azul, os
PAULA, F.B; Estabelecer relações entre a humanização da Dos 64 usuários apenas 5 tiveram o tempo de
indivíduos estavam no tempo preconizado, com
RIBEIRO, assistência e o acolhimento e a triagem na atendimento maior que o estipulado, as
uma pequena parcela deles acima do tempo padrão
R.C.H.M; classificação de risco pela Enfermagem nos especialidades com maior tempo de espera foram,
de espera. Os usuários o classificaram como um
WERNECK, A.L. serviços médicos de emergência. Clínica Médica, Cirúrgica e Ortopedia.
sistema funcional.

Conhecer a atuação do enfermeiro na CR dos


QUARESMA, Além do gerenciamento do setor e de suas
Serviço de Urgência e Emergência (SUE).
A.S; XAVIER, Do enfermeiro é necessário cuidado integral, adversidades é importante o conhecimento
Objetiva-se conhecer a atuação do enfermeiro na
D.M; CEZAR- baseado em conhecimento científico. técnico-científico para a resolubilidade das
CR dos SUE.
VAZ, M.R. demandas encontradas no setor.

Foram analisados 74 pacientes na amostra, através


do o Sistema de Classificação de Pacientes (SCP), Constatou-se um elevado número de cuidados
Caracterizar o grau de dependência da os 69,28% (n=115) dos pacientes analisados foram intensivos e semi-intensivos, atrelados à longa
ZAMBON, F. et
enfermagem dos pacientes internados no setor de categorizados como cuidado de intensivo (69,28%), permanência no setor, o que descaracteriza as
al.
emergência de um hospital de referência. seguido por cuidado semi-intensivo (13,86%) e de unidades de emergência como local de
alta dependência (11,45%). estabilização.

Identificar a percepção de enfermeiros


O despreparo profissional é uma fragilidade
classificadores acerca do acolhimento ao idoso Profissionais não se sentem seguros para realizar o
presente nesta unidade de referência. Torna-se
com doença cerebrovascular e de estratégias para acolhimento com classificação de risco à pessoa
imperativo, assim, adotar pré-requisitos para a
SANTOS AA, et qualificá-lo. Identificar a percepção de idosa com suspeita de acidente vascular cerebral,
seleção e a contratação de enfermeiros
al. enfermeiros classificadores acerca do acolhimento apontando para a relevância da formação
qualificados, bem como estratégias de treinamento
ao idoso com doença cerebrovascular e de acadêmico-profissional nas áreas de
para atuar em serviços de referência no
estratégias para qualificá-lo. Urgência/Emergência e Gerontologia
atendimento de pessoas com suspeita de AVC.
Confiabilidade moderada para escolha dos Uso do registro eletrônico apresenta vantagens
Avaliar o grau de confiabilidade, a acurácia e o fluxogramas e substancial para determinação dos referentes à confiabilidade, acurácia e tempo
CICOLO, E.A; tempo despendido na utilização do Sistema discriminadores em ambos os registros; substancial despendido para a realização da classificação de
PERES, H.H.C. Manchester de Classificação de Risco nos e moderada, para prioridade, respectivamente, no risco, indicando a importância da adoção de
registros eletrônico e manual. registro manual e eletrônico. tecnologias no processo de trabalho gerencial e
assistencial nos serviços de saúde.

243
Capítulo 19
TRAUMA E EMERGÊNCIA

O tempo entre o registro e a classificação teve


mediana de 6,2 minutos (IQ: 2,8-13). Quanto ao
A reavaliação dos fluxos e processos relacionados
tempo entre a classificação de risco e o primeiro
Caracterizar os atendimentos a pacientes à classificação de risco e ao atendimento inicial
atendimento, a mediana em minutos foi de 20,1 para
SILVA, A.D.C. et classificados pelo Sistema de Triagem de tem o intuito de melhorar a precisão dos registros
emergência/vermelho, 18,5 para muito
al. Manchester no pronto-socorro de um hospital e do tempo de primeiro atendimento, o que pode
urgente/laranja, 58,2 para urgente/amarelo, 92,7
público de grande porte. contribuir para uma assistência mais qualificada e
para pouco urgente/verde e 103,4 para não
resolutiva.
urgente/azul.

A concepção de justiça para os usuários foi


As concepções e entendimentos ainda não estão
Descrever a concepção de justiça de enfermeiros percebida em ralação ao tempo para atendimento,
LACERDA, A.S.B. claras, a ética ainda tem lacunas. A justiça terá
e usuários na Classificação de Risco em eles não tinham noção do protocolo usado no
et al. efeito quando as expectativas dos usuários forem
Emergência. atendimento.
atendidas.
Para atendimento dos pacientes suspeitos ou
confirmados de infecção por coronavírus, foram Constatou-se a importância da participação
Relatar a experiência vivenciada de um serviço
organizados planos de contingência e fluxos de multidisciplinar para organização logística, de
de emergência hospitalar do Sistema Único de
BRANCO, A. et al. atendimento nos setores de emergência em conexão recursos humanos e materiais para o
Saúde sobre os fluxos de atendimento a pacientes
com as demais áreas do hospital. Criou-se o Centro estabelecimento das novas rotinas assistenciais em
suspeitos ou confirmados por COVID-19.
de Triagem e a sala vermelha COVID-19. curto prazo.

244
Capítulo 19
TRAUMA E EMERGÊNCIA

De acordo com CICOLO & PERES idade entre dezenove e vinte e nove anos.
(2019) com a necessidade de modernizar a Entre as mais frequentes queixas dos
classificação de risco tornando-a mais pacientes classificados conforme o sistema
segura para os pacientes e entre os de classificação de Manchester foram
profissionais, a implantação de computado- problemas nas extremidades e mal-estar em
res se fez necessária, o uso elevou a adultos.
introdução dos sinais vitais evitando o Os atendimentos de maior gravidade
esquecimento ou escrita ruim dos dados foram encontrados no período noturno,
coletados, também destaca que na maioria sendo os pacientes idosos a maioria classifi-
dos casos ocorre o undertriage, uma falta de cada entre os pacientes com vermelho,
atenção dos serviços aos pacientes mais porém a média de atendimento dos usuários
graves podendo ser gerador de complica- classificados com cor amarela, laranja e
ções mesmo em curto prazo, o overtriage, vermelha caracterizam-se por ultrapassar o
também ocorre com menor quantidade de tempo preconizado, o que pode estar subes-
casos sendo o realocamento desnecessário timado sendo o paciente atendido em face a
de materiais e recursos humanos para urgência primeiro que o atendimento da
pacientes que não apresentam problemas CR.
emergentes, apesar de necessário o registro
das informações dos pacientes aos
4. CONCLUSÃO
enfermeiros cabe o raciocínio clínico para a
tomada de decisão mais adequada.
Mesmo que em situações de atendi-
Em um estudo realizado entre pacientes
mento rápido e necessário entre os profissi-
com COVID-19 BRANCO, A. et al. (2019),
onais de enfermagem o cuidado aos
os pacientes são avaliados na CR por
paciente de forma integral, a avaliação das
enfermeiros, em caso de instabilidade, os
condições de saúde do cliente precisam de
pacientes são remanejados para a sala
atenção e cuidado para a formação de
vermelha, ou em quarto de isolamento em
raciocínio clinico e levantamento dos
casos de parada cardiorrespiratória, o
diagnósticos pertinentes a cada caso, a
protocolo de Manchester utilizado a coro do
necessidade de qualificação das equipes e
enfermeiro para o atendimento de intercor-
tida como uma necessidade, os estudos mais
rências, como também comunicação ao
recente destacam lacunas existentes na
Núcleo de Epidemiologia e acionamento do
gestão do cuidado, porém o entendimento
Serviço de Controle de Infecções Hospita-
das tomadas de condutas frente as
lares (SCIH) para notificação dos casos.
necessidades reais ainda são reduzidos.
Foram analisados no estudo de SILVA,
Sistematizar o cuidado frente aos
et al. (2019) 52.637 prontuários com idade
pacientes com complicações agudas ou
média de 33 anos, entre os pacientes
crônico agudizadas, preenche os profissio-
classificados em sua maioria em vermelho e
nais de incertezas, sentimento que pode ser
laranja eram idosos, já os pacientes com
suprimido com conhecimento técnico-cien-
nível de prioridade verde tiveram a maioria
tífico, o uso de protocolos como o protocolo
245
Capítulo 19
TRAUMA E EMERGÊNCIA

de Manchester, assim como a introdução de entendimento das necessidades e em


protocolos instrucionais, adoção esta que mesmo nível de compreensão afim de dar
fica mais fidedigna a realidade local. A resolutividade dentro do atendimento
aplicação da comunicação efetiva entre multiprofissional.
profissionais e usuários deve ser atrelada ao

246
Capítulo 19
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANCO, A. et al. Serviço de emergência hospitalar: fluxos de atendimento a pacientes suspeitos ou confirmados para
covid-19. Enfermagem Foco. v.11, n.1, p.199-204, 2020.

CICOLO, E.A. & PERES, H.H.C. Registro eletrônico e manual do Sistema Manchester: avaliação da confiabilidade,
acurácia e tempo despendido. Revista Latino-Americana Enfermagem. v.27, e3241, 2019.

LACERDA, A.S.B. et al. Acolhimento com classificação de risco: relação de justiça com o usuário. Revista Brasileira
de Enfermagem. v.2, n.6, p.1572-1580, 2019.

OLIVEIRA, J.L.C. et al. Acolhimento com classificação de risco: percepções de usuários de uma unidade de pronto
atendimento. Texto Contexto Enfermagem, v.26, n.1, e0960014, 2017.

PAULA F.B. & RIBEIRO, R.C.H.M. & WERNECK, A.L. Humanização da assistência: acolhimento e triagem na
classificação de risco. Revista de Enfermagem UFPE On-line, v.13, n.4, p.997-1005, 2019.

QUARESMA, A.S & XAVIER D.M & CEZAR-VAZ, M.G. O papel do enfermeiro na classificação de risco nos
serviços de urgência e emergência. Revista Enfermagem Atual In Derme, v.87, n.25, 2019.

SANTOS, A.A, et al. Percepção de enfermeiros emergencistas acerca da atuação e preparo profissional. Revista de
Enfermagem UFPE On-line, v.13, n.5, p.1387-1393, 2019.

SILVA, A.D.C, et al. Caracterização dos atendimentos de um pronto-socorro público segundo o sistema de Triagem de
Manchester. REME – Revista Mineira de Enfermagem, v.23, e-1178, 2019.

SOUZA, C.C. & ARAÚJO, F.A & CHIANCA, T.C.M. Produção científica sobre a validade e confiabilidade do
Protocolo de Manchester: revisão integrativa da literatura. Revista da Escola de Enfermagem USP, v.49, n.1, p.144-
151, 2015.

SOUZA, M.T & SILVA, M.D & CARVALHO, R. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein. v.8, n.1, p.102-
106, 2010.

SOUZA, R.S & BASTOS, M.A.R. Acolhimento com classificação de risco: o processo vivenciado por profissional
enfermeiro Acolhimento com classificação de risco: o processo vivenciado por profissional enfermeiro. REME –
Revista Mineira de Enfermagem v.12, n.4, p.581-586, 2008.
ZAMBONIN, F. et al. Classificação dos pacientes na emergência segundo a dependência da enfermagem. Revista de
Enfermagem UFPE On-line, v.13, n.4, p.1133-1141, 2019.

247
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 20

EMERGÊNCIAS MÉDICAS
CARDIOVASCULARES

Palavras-chave: Manejo; Emergências; Cardiovasculares

BERNARDO VALLE ZANETTI¹


BIANCA ALVES MIRA ORDOÑO¹
DANIEL CAMARGO DE ANDRADE¹
JÉSSICA CASTRO MATTOS DE SOUZA¹
MATHEUS SALGADO GUEDES BORGES¹
MATHEUS TEPERINO PERCEGONI FIGUEIRA¹
MIGUEL GUIMARÃES DA SILVA PASCHOALINO¹
MILLA GIANCRISTOFARO DUTRA¹
RICARDO POUBEL BUETTEL¹
VITOR HUGO LOBO FERNANDES¹

1
Discentes–Medicina da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz
de Fora – SUPREMA.

248
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO AND “Information System” AND “Morta-


lity”. Em seguida, a partir do estudo inicial,
As doenças cardiovasculares represen- foram selecionados os tópicos de maior
tam grande parte das emergências médicas relevância na área, dos quais foram realiza-
e a principal causa de morte no Brasil. A das novas pesquisas com descritores
Sociedade Brasileira de Cardiologia, específicos e referentes a cada um dos
através da análise dos números do Sistema subtópicos selecionados para maior apro-
de Informação sobre Mortalidade de 2017, fundamento neste capítulo. Desta busca
estimula que cerca de 172 mil pessoas inicial, foram encontrados 6 artigos, os
morreram no Brasil devido a doenças quais foram posteriormente submetidos aos
cardiovasculares, equivalente a aproxima- critérios de seleção do estudo, assim como
damente 30% das mortes no país. Muitas as buscas seguintes também foram subme-
destas vidas poderiam ter sido salvas caso tidas a mesma análise de seleção dentro de
tivessem recebido atendimento emergen- suas respectivas temáticas.
cial, todavia, quase 50% das vítimas não Os critérios de inclusão foram: artigos
chegaram sequer a receber suporte médico nos idiomas português e inglês; publicados
antes de seu falecimento (MALTA et al., no período de 2011 a 2021; que abordavam
2020; OLIVEIRA et al., 2020). as temáticas propostas para esta pesquisa;
O objetivo deste capítulo é investigar o estudos do tipo revisão sistemática, meta-
possível estado da arte sobre etiologia, análises e ensaios clínicos. Os critérios de
fisiopatologia, sintomas, conduta e impor- exclusão foram: artigos duplicados; dispo-
tância do diagnóstico precoce dos eventos nibilizados na forma de resumo; que não
cardiovasculares relevantes na emergência, abordavam diretamente as propostas estu-
visando, assim, difundir conhecimentos dadas; que não atendiam aos demais
médicos imprescindíveis para a mudança critérios de inclusão.
necessária no cenário atual. Após os critérios de seleção inicial e
final, restaram 26 referências para serem
2. MÉTODO submetidas à leitura minuciosa para coleta
de dados. Os resultados foram apresentados
Trata-se de uma revisão de literatura de forma descritiva, e divididos em
realizada no período de abril, maio e junho categorias temáticas, cada uma delas
de 2021, por meio de pesquisas nas bases de abordando etiologia, fisiopatologia, sinto-
dados PubMed e MEDLINE; bem como mas, conduta e importância do tratamento
pesquisas em guidelines da American Heart precoce dentro dos subtópicos.
Association, da Sociedade Brasileira de
Cardiologia e da Sociedade Brasileira de 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Doenças Cerebrovasculares. Para a aborda-
gem inicial e contextualização deste estudo, A partir de uma revisão da literatura,
foi utilizada a seguinte frase de pesquisa: chegou-se a um estado da arte sobre as
“Cardiovascular Disease Mortality”[ti] principais e mais prevalentes emergências

249
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

médicas cardiovasculares: 1) arritmias em um substrato no qual as propriedades


cardíacas; 2) infarto agudo do miocárdio; 3) funcionais permitem o início e a
acidente vascular encefálico; 4) paradas manutenção do circuito de reentrada, de
cardiorrespiratórias; 5) insuficiência cardía- forma que foram propostos vários
ca aguda descompensada; 6) crises hiper- mecanismos para explicá-lo (como a
tensivas; 7) angina instável. Essas que serão reentrada do círculo principal em torno de
abordadas de forma mais aprofundada em um núcleo funcionalmente refratário e a
subtópicos durante este capítulo (MALTA reentrada na onda espiral com um núcleo
et al., 2020; OLIVEIRA et al., 2020). excitável não excitado) (TSUJI et al.,
2013).
3.1. Arritmias Cardíacas As arritmias podem produzir uma
São consideradas Arritmias Cardíacas grande variedade de sintomas, e não
qualquer ritmo cardíaco não sinusal e sem necessariamente refletem a gravidade da
condução atrioventricular normal. Algu- doença cardíaca de base do paciente ou o
mas, como batimentos atriais e ventricu- potencial risco de parada cardíaca súbita.
lares ectópicos, podem causar preocupação, De acordo com a American Heart Asso-
mas não precisam de tratamento imediato. ciation, os sintomas incluem: palpitações;
No entanto, alguns distúrbios do ritmo sensação de batimentos extras ou pulados;
apresentam sérios riscos de saúde para o dor torácica; tontura; confusão mental;
indivíduo, ocorrendo uma taxa de mortali- síncope; dispneia. É importante ressaltar
dade devido a fibrilação atrial de 641 por que as arritmias podem ser assintomáticas
100 mil habitantes (OLIVEIRA et al., por grandes períodos de tempo, sendo
2020). necessário um ECG ou Telemetria para seu
Os principais mecanismos que resultam diagnóstico. O diagnóstico diferencial de
em alteração do ritmo cardíaco são: 1) intolerância a exercício, dor torácica,
automaticidade – geração espontânea de dispneia e síncope inclui as arritmias, mas
potenciais de ação que não precisam da inclui também outras etiologias. Apesar
indução por batimentos anteriores; 2) pós- disso, sintomas mais aparentes, particular-
despolarizações adiantadas – despolariza- mente em pacientes com doenças elétricas
ções secundárias que ocorrem antes da ou estruturais do coração, devem alertar o
repolarização completa do coração, sendo profissional para uma possível associação
típicas de quando há uma prolongação com arritmias (AHA, 2013).
excessiva do potencial de ação; 3) pós- O diagnóstico pelo profissional deve
despolarizações atrasadas – impulsos levar em conta os fatores de predisposição,
gerados após a repolarização, resultantes que incluem estresse por esforço ou
normalmente de um excesso de íons cálcio emocional, associação de medicamentos
nas células; 4) reentrada – consiste no e/ou doenças, fatores de alívio e histórico
principal mecanismo para arritmias ventri- familiar, sendo os principais fatores: parada
culares sustentadas, podendo ocorrer em cardíaca súbita, doença isquêmica do
torno de um obstáculo anatômico fixo ou coração, doenças valvares, cardiomiopatia

250
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

não isquêmica e insuficiência cardíaca (AL- acontece, pois, o bloqueio da passagem


KHATIB et al., 2018). sanguínea pelas artérias coronárias
O tratamento das arritmias tem como acarretará perda do suporte de oxigênio do
objetivo melhorar os sintomas e prevenir a músculo estriado cardíaco. Consequente-
ocorrência de complicações que ameacem a mente, são liberados na corrente sanguínea
vida do indivíduo, como paradas cardíacas marcadores séricos de lesão celular miocár-
devido a fibrilação atrial. Dessa forma, ao dica, os quais são constituídos por enzimas
traçar uma estratégia de tratamento para o cardíacas – como a CK-MB - e por conteú-
paciente, seja por medicamentos ou outros dos celulares – como as troponinas (cTn). A
dispositivos, esta deve depender da gravi- maioria das mortes decorrentes do IAM
dade e frequência dos sintomas comparados acontece nas primeiras horas da manifes-
aos riscos da terapia. O tratamento tação do quadro, sendo 40-65% das mortes
medicamentoso tem como base a escala ainda na primeira hora (BENJAMIN et al.,
Vaughan Williams com 4 níveis: 1) classe I 2018; THYGESEN et al., 2018).
– bloqueadores dos canais de cálcio; 2) A respeito de sua etiologia, o IAM pode
classe II – beta bloqueadores; 3) classe III – ser classificado em seis tipos: 1) Tipo 1 –
bloqueadores de corrente de potássio de espontâneo e ocasionado por evento coro-
repolarização; 4) classe IV – bloqueadores nário primário, consistindo em instabilidade
dos canais de cálcio não diidropiridínicos. da placa de ateroma; 2) Tipo 2 – evento
Já os tratamentos cirúrgicos são recomen- secundário e resultante de aumento da
dados apenas em casos em que o tratamento demanda de oxigênio ou diminuição de seu
medicamentoso não é efetivo ou apresenta fornecimento, de forma a proporcionar um
muitos problemas ao paciente. Nestes desbalanceamento entre oferta e demanda;
casos, podem ser utilizados marca-passos 3) Tipo 3 –relacionado com morte cardíaca
ou cardioversores implantáveis desfibrila- súbita; 4) Tipo 4a – associado à complica-
dores. Além disso, a ablação por cateter ções de intervenções coronarianas percutâ-
também pode apresentar benefícios ao paci- neas, como a angioplastia coronária-na; 5)
ente. A cirurgia cardíaca como procedi- Tipo 4b – derivado de trombose de stent; 6)
mento único para o tratamento de arritmias Tipo 5 – acarretado pela cirurgia de revas-
é raramente feita devido ao risco envolvido, cularização do miocárdio. Dentre os exem-
não sendo uma recomendação a menos que plos de eventos coronarianos primários,
todos os outros meios de tratamento tenham destacam-se ruptura, erosão e fissuração da
sido utilizados (AL-KHATIB et al., 2018). placa de ateroma. Vale mencionar que
alguns fatores de risco para a formação
3.2. Infarto Agudo do Miocárdio desta placa são obesidade, hipertensão
O Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) arterial sistêmica, diabetes e hipercoleste-
consiste na necrose isquêmica miocárdica rolemia. Sobre o Tipo 2, exemplos de
devido obstrução aguda coronariana total eventos desencadeantes do desbalancea-
ou parcial, sendo a principal etiologia a mento entre oferta e demanda de oxigênio
aterosclerose. Tal processo necrótico são hipertensão, hipotensão, anemia, arrit-

251
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

mia, bradicardia ou taquicardia, embolia alterações somente no segmento ST e na


arterial coronariana e choque circulatório onda T. Usualmente a profundidade da
(THYGESEN et al., 2018). necrose não consegue ser mensurada, de
Dessarte, o IAM deve ser classificado forma que a principal classificação é a
de acordo com a ausência ou presença do respeito do supradesnivelamento (THY-
supradesnivelamento do segmento ST. Tal GESEN et al., 2018).
distinção é evidenciada através do eletro- A Sociedade Brasileira de Cardiologia
cardiograma (ECG) e é fundamental para afirma que, dependendo do tempo decorrido
direcionar a abordagem terapêutica, que e da região obstruída, o coração pode ficar
varia entre os diferentes casos. Nesse totalmente comprometido, impossibilitando
sentido, os quadros são divididos em Infarto seu funcionamento. Nota-se, então, a
Agudo do Miocárdio sem Supradesni- necessidade do tratamento imediato desta
velamento de Segmento STe Infarto Agudo emergência médica, a fim de aumentar as
do Miocárdio com Supradesnivelamento de chances de sobrevivência sem sequelas.
Segmento ST, sendo este último represen- Logo, a atenção aos sinais e sintomas são
tado através de um exemplo na Figura 20.1 fundamentais para uma hipótese diagnós-
(BENJAMIN et al., 2018; THYGESEN et tica precoce e precisa. Dentre estes,
al., 2018). destacam-se: dor subesternal, visceral
profunda constritiva, com duração maior
Figura 20.1. Imagem de supradesnive- que 30 minutos, alta intensidade, poucos
lamento do segmento ST com concavidade fatores atenuantes – alívio mínimo e
para baixo temporário ao repouso – e irradiada
principalmente para braços, pescoço,
mandíbula, ombros e dorso; dispneia;
náuseas; fadiga; diaforese; palidez cutânea;
vômitos; sentimentos de inquietude e
angústia; taquicardia; presença de B4;
hipofonese de B1; hipertensão; crepitação
pulmonar; fácies de dor; pulso filiforme.
Em casos de infarto de ventrículo direito,
Legenda:Eletrocardiograma com presença de
supradesnivelamento do segmento ST. Fonte:
percebe-se turgência jugular patológica. É
Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2015. importante também mencionar que grande
parte dos pacientes desenvolve sintomas
Sobre sua extensão, o IAM ainda pode prodrômicos dias ou semanas antes,
ser classificado como transmural ou não destacando-se angina instável e dispneia.
transmural. Os transmurais abrangem tanto Todavia, cerca de 20% dos pacientes são
miocárdio quanto epicárdio e endocárdio, assintomáticos ou com sintomas tão leves
geralmente apresentando ondas Q anormais que chegam a ser imperceptíveis, situações
no ECG. Enquanto isso, os não transmurais frequentes em diabéticos (PIEGAS et al.,
não atravessam as paredes cardíacas, de 2015).
modo que ficam restritos e provocam
252
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Ainda de acordo com a Sociedade dia); Clopidogrel (uma dose de ataque de


Brasileira de Cardiologia, o ECG é o 300 mg e manutenção diária de 75 mg para
principal exame diagnóstico e deve ser reduzir eventos cardiovasculares maiores);
realizado preferencialmente em menos de Ticagrelor (dose de ataque de 180 mg
10 minutos desde a suspeita. Este deve ser seguida de 90 mg duas vezes ao dia também
refeito a cada 5 ou 10 minutos, visto que para a redução de maiores eventos
muitos casos podem apresentar resultados cardiovasculares); Antico-agulantes (entre
normais em um primeiro momento. A eles, a Enoxaparina por via intravenosa com
confirmação diagnóstica se dá pela coleta doses de acordo com a idade do paciente,
de sangue na unidade de emergência ou na reduzindo o desfecho primário de morte);
unidade coronariana, objetivando a dosag- Betabloqueadores (por via oral nas
em dos marcadores cardíacos. Estes se primeiras 24 horas); Inibidor da Enzima
apresentam em períodos e proporções Conversora de Angiotensina (como por
diferentes após a lesão, sendo as cTn as exemplo o Captopril). Outro método
mais sensíveis e específicas, de forma que eficiente é a angioplastia imediata (PIEGAS
são os marcadores preferenciais para et al., 2015).
diagnóstico (BENJAMIN et al., 2018;
PIEGAS et al., 2015). 3.3. Acidente Vascular Encefálico
Segundo a V Diretriz da Sociedade Segundo a Sociedade Brasileira de
Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento Doenças Cerebrovasculares, cerca de 5,8
do Infarto Agudo do Miocárdio, o manejo milhões de óbitos anuais ao redor do mundo
de pacientes com IAM acontece por meio são atribuídos ao Acidente Vascular
de: administração de oxigênio (indicada Encefálico (AVE), dos quais 90% dos casos
para pacientes com saturação < 94%, poderiam ter sido evitados. No Brasil, o
congestão pulmonar, dispneia ou qualquer AVE é responsável por aproximadamente
outro desconforto respiratório); tratamento 10% das mortes e 10% das internações
da dor (preferencialmente com Sulfato de hospitalares. Logo, nota-se que o
Morfina endovenosa na dose inicial de 2 a 8 diagnóstico precoce é imprescindível para o
mg, podendo repetir as doses sob início imediato do tratamento, redução de
monitorização em intervalos de 5 a 15 sequelas e aumento da taxa de sobrevida
minutos. O Sulfato de Meperidina em doses dos pacientes. Para isso, é preciso conhecer
fracionadas de 20 a 50 mg pode substituí- os sinais e sintomas característicos do
lo); Nitrato (podendo ser adminis-trado pela quadro (KLEINDORFER et al., 2021;
via sublingual na forma de Nitroglicerina, OLIVEIRA-FILHO et al., 2012). Ainda que
Mononitrato de Isossorbida ou Dinitrato de os índices de AVE sejam altos na
Isossorbida. É usado para alívio da dor população, um estudo com brasileiros
anginosa com no máximo três doses demonstrou que apenas 43% deles saberiam
separadas por intervalos de 5 minutos); identificar sinais do caso e consequen-
Ácido Acetilsalicílico (Anti-plaquetário de temente ligariam para a emergência, 22%
eleição a ser utilizado no manejo de IAM. A não seriam capazes de reconhecer nenhum
dose recomendada é de 160 a 325 mg ao dos sinais e 35% não saberiam o número do

253
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

serviço de atendimento móvel de urgência brilação arterial, uso de anticoncepcionais e


para solicitar ajuda (OLIVEIRA-FILHO et terapias hormonais no geral (OLIVEIRA-
al., 2012). FILHO et al., 2012).
O AVE é uma lesão cerebral secundária Por ser um quadro tempo-dependente,
a um mecanismo vascular não traumático este precisa ser reconhecido o quanto antes
que pode ser dividida em dois tipos de para início imediato do tratamento, aumen-
acordo com sua etiologia: 1) Acidente tando as chances de recuperação total.
Vascular Encefálico Isquêmico; 2) Aciden- Nesse sentido, a clínica é fundamental para
te Vascular Encefálico Hemorrágico. O o diagnóstico precoce através da identi-
AVE isquêmico é resultante de obstrução ficação dos sintomas característicos, sendo
arterial por embolia ou trombose, suspen- eles: confusão mental; alterações na fala, na
dendo o suporte sanguíneo das áreas compreensão e na marcha; equilíbrio e
cerebrais previamente irrigadas pela artéria coordenação motora prejudicados; tontura;
acometida, de forma a acarretar em carência fraqueza em braços e pernas uni ou
de oxigênio e glicose. Logo, pode-se gerar bilateralmente; paralisia facial; cefaleia
necrose e paralisia da área envolvida, súbita e intensa; alterações visuais. Para
ressaltando mais uma vez o caráter diagnóstico, são utilizadas escalas para
emergencial do quadro. Vale mencionar que verificação de sintomas e avaliação da
o foco de seu tratamento é a área de gravidade, como por exemplo, a Escala
penumbra, a qual circunda a área isquêmica FAST. Além do diagnóstico clínico,
e apresenta lesão celular potencialmente exames que detectam a existência da doença
reversível. Este é o tipo mais frequente, são: tomografia computadorizada (exame
sendo responsável por aproximadamente de escolha, sendo capaz de detectar 90-95%
85% dos casos. Já o AVE hemorrágico é das hemorragias, mas incapaz de identificar
derivado de uma ruptura de vasos a fase aguda de quadros isquêmicos);
encefálicos, de modo a causar extravasa- ressonância magnética (consegue identi-
mento de sangue local. Sendo responsável ficar a área isquêmica precocemente e é
por 15% dos casos, este pode acontecer capaz de definir a área de penumbra com
dentro do próprio tecido cerebral ou entre certa precisão); hemograma (visando ava-
meninges (KLEINDORFER et al., 2021). liar plaquetograma, creatinina, glicemia,
A incidência do AVE aumenta com a ureia, eletrólitos, tempo de protrombina e
idade, de forma que cerca de dois terços dos tempo de tromboplastina parcial ativada)
acidentes acontecem em pessoas com mais (OLIVEIRA-FILHO et al., 2012).
de 65 anos. Dessarte, nota-se uma prevalên- Segundo as Diretrizes para Tratamento
cia no sexo masculino e em afrodes- do Acidente Vascular Cerebral previstas e
cendentes. Além disso, outros importantes determinadas pela Sociedade Brasileira de
fatores de risco a serem citados são: Doenças Cerebrovasculares, o manejo do
histórico familiar de AVE, anemia paciente com AVE é diferente em cada um
falciforme, tabagismo, hipertensão arterial dos tipos de etiologia. No isquêmico, o
sistêmica, diabetes, dislipidemia, hiperco- objetivo principal é a desobstrução arterial
lesterolemia, obesidade, sedentarismo, fi- para o reestabelecimento do fluxo sanguí-

254
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

neo. Já no hemorrágico, visa-se o controle mecânica cardíaca, confirmada pela ausên-


do extravasamento sanguíneo ocasionado cia de pulso detectável, ausência de respon-
pela ruptura. Para o tratamento adequado, sividade e apneia ou respiração ofegante. A
deve-se descobrir o início do déficit criação de protocolos e algoritmos interna-
neurológico e do aparecimento de sintomas. cionais permitiu a padronização e a
Para os pacientes com AVE isquêmico, organização da assistência médica diante
caso o início dos sintomas se dê em menos deste evento. O diagnóstico e o tratamento
de 5 horas decorridas até o atendimento das causas reversíveis que levam à PCR são
emergencial, com hemorragia não identifi- fundamentais na abordagem dos ritmos de
cada em exames de imagem e em maiores parada, caracterizados pelo mnemônico “5
de 18 anos, sua conduta se consiste na H e 5 T”, o qual foi representado na Figura
trombólise. Descarta-se a trombólise para 20.2. Tais causas devem ser investigadas
pacientes com história de AVE hemorrá- durante o manejo do quadro e tratadas de
gico, tumor intracraniano, aneurisma, IAM acordo com as abordagens preconizadas
nos últimos três meses e uso atual de (NACER et al., 2015; BERNOCHE et al.,
anticoagulantes. Outra conduta indicada é a 2019).
administração de ácido acetilsalicílico nas A Ressuscitação Cardiopulmonar
primeiras 24 horas do início do quadro ou (RCP) é composta por: 1) compressões
24 horas após a infusão do trombolítico, torácicas – sendo observado uma frequência
visando neste segundo caso prevenir entre 100 e 120 compressões por minuto,
recidivas. Além disso, outras medidas comprimindo 5 cm, com intervalo de 10
terapêuticas são: nitroprussiato de sódio segundos a cada 30 compressões para a
para manutenção da pressão arterial, realização das duas ventilações e revezar
oxigenoterapia em casos de saturação entre os socorristas a cada 2 minutos; 2)
inferior a 92%, manutenção da glicemia e ventilações – 2 aplicações após 30
monitorização cardíaca. Já no AVE compressões torácicas, requerendo abertura
hemorrágico, o tratamento cirúrgico para das vias aéreas; 3) desfibrilação – indicada
retirada do sangue extravasado acontece por no tratamento da Fibrilação Ventricular
cateteres para alívio da pressão intracra- (FV), na Taquicardia Ventricular Sem Pulso
niana e diminuição do edema cerebral (TVSP) e na reversão de TV polimórfica
(OLIVEIRA-FILHO et al., 2012; MAR- sustentada devido à dificuldade de
TINS et al., 2012). sincronização com os diferentes complexos
QRS observados nesta arritmia, sendo
3.4. Paradas Cardiorrespiratórias caracterizada pela presença de ao menos um
A Parada Cardiorrespiratória (PCR) destes quatro sinais: hipotensão somada à
permanece como uma das emergências sinais de choque circulatório; dor torácica
cardiovasculares de grande prevalência e anginosa; dispneia associada à congestão
com índices de morbimortalidade elevados. pulmonar; rebaixamento do nível de
É definida como ausência de atividade consciência (BERNOCHE et al., 2019).

255
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Figura 20.2 Correlação entre diagnóstico de causas reversíveis de PCR com o tratamento
indicado

Legenda: Os 5 “H” e os 5 “T”. Fonte: Bernoche, 2019.

Conforme a Sociedade Brasileira de ser utilizada durante as manobras de RCP e


Cardiologia apresentou no livro Treina- é importante ressaltar que nenhuma
mento de Emergências Cardiovasculares manobra de ressuscitação deve ser inter-
Avançado, o principal ritmo de PCR em rompida para administração de medicamen-
ambiente extra-hospitalar é a FV e a TV, tos. Em casos de FV ou TVSP, deve ser
chegando a quase 80% dos eventos, com administrado 1 mg de adrenalina por via
bom índice de sucesso na reversão, se endovenosa (EV), podendo ser repetido a
prontamente tratados. Quando a desfibri- cada 3-5 minutos. Em casos de assistolia ou
lação é realizada precocemente, em até 3-5 AESP, administra-se 1 mg por via EV assim
minutos do início da PCR, a taxa de que se obtiver acesso vascular, podendo
sobrevida é em torno de 50% a 70%. Em também ser repetida a cada 3-5 minutos; 2)
contrapartida, em ambiente intra-hospitalar, vasopressina – vasoconstritor potente não
o ritmo de PCR mais frequente é Atividade adrenérgico que se mostra bastante eficaz e
Elétrica Sem Pulso (AESP) ou assistolia, superior a adrenalina. Uma dose de
com pior prognóstico e baixas taxas de vasopressina 40 U pode substituir a
sobrevida, inferiores a 17% (SBC, 2012). primeira ou segunda dose de adrenalina no
Drogas recomendadas pela Sociedade tratamento da PCR; 3) amiodarona – pode
Brasileira de Cardiologia no livro ser considerada para FV e TVSP que não
Treinamento de Emergências Cardiovascu- respondem à RCP, desfibrilação e tera-
lares Avançado: 1) adrenalina – tem sido pêutica vasopressora. A dose é de 300 mg
muito utilizada no manuseio da PCR devido por via EV ou intra-óssea (IO) e pode ser
aos seus efeitos pressores alfa-adrenérgicos, administrada uma dose adicional de 150 mg
os quais possibilitam aumento das pressões por via EV ou IO intercalada com
de perfusão cerebral e coronariana. Deve vasopressor; 4) lidocaína – pode ser
256
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

considerada medicação de segunda escolha sistemas de saúde (HAMMOND et al.,


caso a amiodarona não esteja disponível. A 2018; ROHDE et al., 2018).
dose inicial recomendada é de 1 a 1,5 A ICA é determinada, diferentemente
mg/kg, via EV. Se a FV e a TVSP da insuficiência cardíaca crônica, por
persistirem ou forem recorrentes, doses rápidas ou graduais alterações dos sinais e
adicionais de 0,5 a 0,75 mg/kg podem ser sintomas que cursam em necessidade
administradas a cada 5-10 minutos, até uma emergencial de terapêutica. De acordo com
dose máxima de 3 mg/kg; 4) sulfato de dados do DATASUS, aproximadamente
magnésio – indicado em casos de suspeita 190 mil brasileiros são internados todos os
de hipomagnesemia ou TV com padrão anos devido à esta condição. A mortalidade
eletrocardiográfico de torção das pontas, na dos pacientes, em até um ano, é de 11-17%
dose de 1 a 2 g diluídos em 10 mL de soro e a reinternação aparece em 44-66% dos
glicosado a 5%. Entretanto, não é casos (ROHDE et al., 2018).
recomendado para uso rotineiro na RCP; 5) Diferentes fatores influenciam o
cálcio – pode ser considerado quando desenvolvimento da Insuficiência Cardíaca
houver hiperpotassemia, hipocalemia ou (IC), como por exemplo a doença arterial
intoxicação por agentes bloqueadores dos coronariana e a isquemia miocárdica, as
canais de cálcio na dose de 0,5-1 g quais promovem a diminuição da perfusão
(gluconato de cálcio 10%, 15 a 30 mL ou e, com isso, causam o aumento hiperten-
cloreto de cálcio 10%, 5 a 10 mL), mas não sivo. Ademais, outras enfermidades estão
se deve utilizar soluções de cálcio e intimamente relacionadas com o desenvol-
bicarbonato de sódio simultaneamente na vimento da IC, como cardiomiopatia primá-
mesma via de administração (SBC, 2012). ria, infarto do miocárdio, hipertensão
Dentre os tratamentos não recomen- arterial sistêmica, presença de válvulas
dados devido à falta de evidência científica, estenóticas e regurgitação valvular. Todas
pode-se citar: reposição volêmica (indicada essas comorbidades tem como similaridade
somente para PCR por hipovolemia), o desenvolvimento da remodelação dos
atropina, bicarbonato de sódio, fibrinolí- ventrículos, a diminuição do débito cardía-
ticos, marca-passo (colocação durante a co e a elevação das pressões de enchimento
PCR) e soco precordial (SBC, 2012). (HAMMOND et al., 2018).
Cabe pontuar que as principais etio-
3.5. Insuficiência Cardíaca Aguda logias da ICA são de origem isquêmica
Descompensada (30%), hipertensiva (20%), dilatada idiopá-
A Insuficiência Cardíaca Aguda (ICA) tica (15%), valvar (12%) e provenientes de
pode ser caracterizada como uma síndrome doença de Chagas (11%). (ROHDE et al.,
clínica de grande prevalência mundial e de 2018). A partir do desenvolvimento da ICA,
alta taxa de morbimortalidade devido as causas mais comuns de sua forma
principalmente à sua forma descompen- descompensada incluem: dieta inadequada;
sada. Além disso, o quadro gera um uso desregulado de medicação; arritmias
considerável impacto econômico para os cardíacas; agravamento de problemas
257
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

renais; estresse emocional/físico; hiperten- uma disfunção do ventrículo esquerdo


são arterial não controlada; infarto (HAMMOND et al., 2018).
miocárdico; infecções. Cabe ainda mencio- O diagnóstico desta síndrome deve se
nar que muitos medicamentos são capazes basear nos sinais e sintomas apresentados
de agravar a IC, como os que tem efeitos pelo paciente, com o auxílio de exames
inotrópicos negativos e aqueles que são laboratoriais e de imagem. Dentre eles,
cardiotóxicos (HAMMOND et al., 2018; destaca-se a utilização de biomarcadores,
ROHDE et al., 2018). Já o bombeamento como o peptídeo natriurético tipo B (BNP)
inadequado do sangue pelo músculo e a porção N-terminal do pró-peptídeo
cardíaco pode ser causado por problemas natriurético tipo B (NT-proBNP), os quais
sistólicos (produzindo diminuição do em níveis elevados indicam fortemente a
volume sistólico) ou anormalidades diastó- ocorrência da ICA. Caso o paciente faça uso
licas (o que leva ao defeito no enchimento do medicamento sacubitril-valsartana,
ventricular), podendo essas duas causas ocorrem elevações nos níveis séricos do
coexistirem. Portanto, definem-se os BNP que interferem em sua acurácia
pacientes que possuem IC de acordo com os diagnóstica. Dessa forma, nestes pacientes
dados relacionados à fração de ejeção do recomenda-se utilizar o NT-proBNP.
ventrículo esquerdo (FEVE), a qual encon- Também devem ser solicitados na admissão
tra-se preservada ou reduzida (ROHDE et do paciente os exames de troponina,
al., 2018). eletrólitos (sódio e potássio), hemograma
A partir do momento em que a pré-carga completo, transaminase glutâmico oxalacé-
do ventrículo aumenta, os benefícios de tica (TGO), transaminase glutâmico pirú-
pequeno prazo podem ser vistos como vica (TGP), função renal (creatinina e
volume sistólico aumentado em função da nitrogênio ureico), coagulograma, eletro-
contratilidade ventricular. Entretanto, a cardiograma, radiografia de tórax e ecocar-
força deste coração é reduzida. Já a longo diograma transtorácico (HAM-MOND et
prazo, a extensão dessa remodelação al., 2018; ROHDE et al., 2018; YANCY et
ventricular resulta em redução da FEVE, al., 2017).
levando à um débito cardíaco (DC) Os principais sintomas estão relaci-
insuficiente. Assim, ocasiona-se uma onados com a presença ou não de congestão
hiperatividade neuro-humoral com o obje- pulmonar e hipoperfusão. Em linhas gerais,
tivo de manter o DC. Nos pacientes com IC, os pacientes que forem acometidos por
a regulação positiva do Sistema Renina- congestão pulmonar apresentarão dispneia,
Angiotensina-Aldosterona (SRAA) predis- fadiga, retenção de fluidos, turgência
põe o desenvolvimento de sua forma des- jugular patológica e B3 em galope. Estes
compensada. Dessarte, o Sistema Nervoso pacientes podem evoluir para edema agudo
Simpático é hiperativo na IC, o que pode de pulmão, situação que acarreta hipoxemia
exacerbá-la, estimulando o SRAA e e acidose metabólica. Já aqueles que
contribuindo para o desenvolvimento de apresentam hipoperfusão poderão manifes-
tar extremidades frias, fadiga extrema,
258
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

náuseas, função renal prejudicada e baixos 3.6. Crise Hipertensiva


níveis de sódio sérico (HAMMOND et al., A Crise Hipertensiva é um quadro
2018; ROHDE et al., 2018). sintomático resultante de acentuada e
A conduta apropriada para a ICA abrupta elevação da pressão arterial (PA).
descompensada é guiada pela identificação Baseado na presença ou não de lesão do
de sinais e sintomas da condição volêmica e órgão-alvo (LOA), os pacientes podem ser
de baixo débito cardíaco do paciente. Logo, divididos em emergência hipertensiva ou
é fundamental monitorar retenção de urgência hipertensiva respectivamente
líquidos, peso, eletrólitos e saber identificar (MARTIN et al., 2015).
quaisquer mudanças nos sinais e nos Calcula-se que a crise hipertensiva afete
sintomas da insuficiência, a fim de garantir aproximadamente 1% da população
uma boa terapêutica do paciente. A pre- hipertensa – no Brasil, há mais de 360 mil
sença de congestão pulmonar pode fazer hipertensos -, demonstrando a importância
com que seja necessário suporte respira- do diagnóstico e tratamento desta condição
tório, sendo preferencialmente escolhidas a (MARTIN et al., 2015). A crise hiperten-
oxigenoterapia com cateter nasal, máscara siva corresponde a uma taxa variável de
ou suporte ventilatório não invasivo com 0,45 a 0,59% de todos os atendimentos de
pressão positiva. Para reduzir tal congestão, emergência hospitalar e a 1,7% das
é utilizada terapia diurética, principalmente emergências clínicas, sendo a urgência
a furosemida por via intravenosa. A hipertensiva mais comum do que a
ultrafiltração também pode ser realizada emergência hipertensiva. Acidente vascular
envolvendo a remoção do excesso de cerebral (AVC) isquêmico e edema agudo
fluidos, porém precisa ser ajustada de de pulmão são as situações mais
acordo com a necessidade de cada paciente, encontradas nas emergências hipertensivas
pois pode induzir piora da função renal. Em (MARTIN et al., 2011; PINNA et al.,
casos mais graves, quando ambas não 2014).
apresentam resposta adequada, pode ser Primeiro, deve-se diferenciar emergên-
realizada terapia vasodilatadora intrave- cia hipertensiva de urgência hipertensiva.
nosa. Nos casos em que o paciente De acordo com a 7ª Diretriz Brasileira de
apresenta hipoperfusão e congestão, é Hipertensão Arterial, emergência hiperten-
indicado o tratamento com inotrópicos, siva caracteriza-se como elevação aguda da
associados ou não aos diuréticos, de acordo PA associada a LOA, que pode incluir
com o quadro clínico. Nas situações em que acometimento neurológico, renal, ocular,
não ocorrer congestão, mas ainda assim a hepático e/ou insuficiência miocárdica,
perfusão estiver inadequada, pode ser manifestando-se como encefalopatia, com-
providenciada uma hidratação isotônica vulsão, alteração visual e achados normais
intravenosa (HAMMOND et al., 2018; de eletrocardiograma e/ou ecocardiograma.
ROHDE et al., 2018). Já a urgência hipertensiva é descrita como
elevação da PA superior ao percentil 99
mais 5 mmHg – estágio 2 -, associada com
259
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

sintomas menos graves, em pacientes sob Assim, para o controle das emergências
risco de evolução para LOA progressiva, hipertensivas, a seleção do agente anti-
sem evidência de acometimento recente. hipertensivo deve ser baseada na
Sugere-se manejo com medicamentos por farmacologia da medicação, nos fatores
via oral, com redução da PA em 24 a 48 fisiopatológicos relacionados à hipertensão
horas, sob monitorização (SBC, 2015). do paciente, na gravidade da progressão das
A apresentação clínica de uma LOA, na velocidade desejada de redução de
emergência hipertensiva pode variar e são PA e na presença de comorbidades. Dessa
determinados principalmente pela LOA. Os forma, recomenda-se medicações que
sintomas incluem cefaleia, distúrbios possam ser usadas por via parenteral –
visuais, dor torácica, dispneia, sintomas endovenosa – com rápido início de ação e
neurológicos, tontura e apresentações mais fácil titulação, onde se destacam os
inespecíficas. Na história médica, averígua- vasodilatadores de ação direta e os
se hipertensão preexistente associada a não bloqueadores adrenérgicos. Dentre estas
adesão aos medicamentos anti-hiperten- medicações, o nitroprussiato de sódio é o
sivos prescritos, ausência de mudanças no fármaco que pode ser indicado para a
estilo de vida e/ou uso concomitante de maioria das emergências hipertensivas,
medicamentos para aumento da PA (como mas, dependendo das situações clínicas, há
por exemplo, anti-inflamatórios não mais benefícios quando a redução da PA é
esteroidais, esteroides, imunossupressores, feita com outras classes terapêuticas mais
simpaticomiméticos, cocaína e antiangio- específicas (BORTOLOTTO et al., 2018).
gênicos) (UNGER et al., 2020).
O objetivo terapêutico geral em 3.7. Angina Instável
pacientes que apresentam emergências A doença arterial coronariana afeta
hipertensivas é uma redução controlada da grande parte da população e estima-se que
PA para níveis seguros, com a finalidade de seja causa de mais de um terço dos óbitos
prevenir uma hipotensão ou limitar mais em pessoas com mais de 35 anos. A
danos hipertensivos e suas complicações. incidência é maior em homens, mas à
Existe uma falta de dados de ensaios medida que os indivíduos ultrapassam os 75
controlados randomizados para fornecer um anos, as diferenças entre as incidências
corte claro sobre as metas de PA e os entre os sexos feminino e masculino
tempos dentro dos quais devem ser alcan- tornam-se menores. Além da idade, outros
çadas, sendo a maioria das recomendações fatores de risco que podem ser citados são
baseada no consenso de especialistas. obesidade, diabetes, hipertensão, hiperco-
Todavia, sabe-se que pacientes que experi- lesterolemia, tabagismo, histórico familiar,
enciaram uma emergência hipertensiva são doença renal crônica, HIV, doenças
alto risco para desenvolverem doenças autoimunes, anemia e uso de drogas como
cardiovasculares e renais (UNGER et al., cocaína e anfetaminas (HELWANI et al.,
2020). 2018).

260
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

A Angina Instável (AI) é definida como estável. Além disso, o desconforto torácico
uma dor ou desconforto torácico causado tipicamente anginoso é marcado por
pelo desequilíbrio entre oferta e demanda de irradiações, geralmente nos membros
oxigênio, sendo o fluxo sanguíneo cardíaco superiores e pescoço (SHAH et al., 2018).
insuficiente. Este quadro consiste em O diagnóstico de AI baseia-se no quadro
isquemia miocárdica ao repouso e aos clínico clássico associado a exclusão de
mínimos esforços, sendo caracterizada por diagnóstico de IAM, quadro caracterizado
ausência de injúria e de necrose miocárdica. pela presença de marcadores cardíacos.
Nesse sentido, os marcadores cardíacos de Para facilitar o diagnóstico diferencial e a
necrose estão ausentes, diferindo-se do avaliação do prognóstico do paciente, são
quadro de IAM. Cabe mencionar que a dor utilizados exames complementares: 1)
torácica aguda, sintoma muito frequente nas eletrocardiograma (ECG) – deve ser obtido
unidades de emergência, é um sinal de no máximo 3h após a suspeita clínica de
alerta para patologias de risco, de modo que síndrome coronariana ou qualquer doença
uma conduta imediata se torna fundamental. cardiovascular aguda; 2) exame de sangue –
Vale ressaltar que o tratamento precoce da investiga-se creatinofosfoquinase - MB
AI é essencial para evitar uma evolução do (CK-MB), mioglobina, troponina e marca-
quadro para um IAM (HELWANI et al., dores cardíacos, sendo estes últimos
2018; SMITH et al., 2018). ausentes em angina instável por não ser um
A etiologia da grande maioria dos casos quadro acompanhado por necrose miocár-
de AI é a doença aterosclerótica dica; 3) teste ergométrico – importante para
coronariana, sendo a causa mais comum o exclusão de doenças coronarianas e para
estreitamento da artéria coronária por estabelecimento do prognóstico; 4)
trombo não oclusivo em placa de ateroma. ecocardiograma – utilizado em casos de AI
Tal decorrência se dá pelo fato de a placa inconclusivo pelo ECG, possuindo
rompida dificultar a passagem sanguínea sensibilidade com variação de 40 a 90%.
total ou parcialmente, comprometendo a Destaca-se que o valor preditivo negativo
irrigação miocárdica. Dessarte, outros do ecocardiograma fica entre 50 a 99%, de
possíveis causadores da patologia são maneira que o resultado negativo não
vasoespasmo, pressão arterial elevada ou agrega informações diagnósticas. É
uma combinação multifatorial (SMITH et importante salientar que os marcadores
al., 2018). bioquímicos devem ser mensurados em
As características da dor seguem todos os pacientes que chegam à unidade de
padrões que apontam algumas hipóteses dor torácica e repetido pelo menos uma vez
diagnósticas. Dentre estas características, nas próximas 6-9 horas (PAOLA et al.,
destacam-se início súbito da dor ao repouso 2012).
ou aos mínimos esforços, duração A estabilização do quadro do paciente
usualmente maior do que dez minutos, mostra-se o foco principal da medicina de
padrão progressivo, alta intensidade e emergência. Em casos de AI, pode ser
frequência superior ao quadro de angina necessário oxigenoterapia, visto que
261
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

episódios prolongados de isquemia as heparinas não são utilizadas


miocárdica acarretam em alterações da especificamente para o tratamento da AI,
relação ventilação-perfusão secundárias a mas sim para evitar trombose no local da
shunt arteriovenoso pulmonar. Consequen- placa aterosclerótica (POOM et al., 2013).
temente, pode aparecer hipoxemia,
aumento da pressão diastólica final do 4. CONCLUSÃO
ventrículo esquerdo e edema intersticial
pulmonar e/ou alveolar. A hipoxemia, por Dessa forma, pode-se inferir que o
sua vez, agrava ainda mais a isquemia conhecimento médico sobre as condições
miocárdica, aumentando o tamanho da das doenças cardiovasculares é imprescin-
lesão. Ademais, a dor pode resultar em dível para a conduta e manejo do paciente.
hiperatividade do sistema nervoso simpá- Assim, faz-se fundamental o diagnóstico
tico e aumento do consumo miocárdico de precoce acerca do paciente, para que sejam
oxigênio. Nestes casos, a conduta adotada é elaboradas estratégias de controle e até
a administração de analgésicos, sendo o mesmo o tratamento de sua patologia, de
sulfato de morfina o de escolha. Além disso, maneira que as chances de um quadro
são observados benefícios terapêuticos a agudo e emergencial sejam reduzidas,
partir da administração de nitratos, elevando assim o bom prognóstico sobre a
relacionados à efeitos venodilatadores na enfermidade.
circulação periférica e coronária, que Todavia, mesmo com a redução do
diminuem o retorno venoso do coração e o número de casos emergenciais devido ao
volume diastólico final do ventrículo diagnóstico precoce, as emergências
esquerdo. Assim, reduz-se o consumo de cardiovasculares ainda são uma constante
oxigênio total do miocárdio. Já a no ambiente médico e, por isso, faz-se
administração de betabloqueadores inibe necessário o conhecimento das manifes-
competitivamente os efeitos das catecola- tações destas emergências, bem como as
minas circulantes. Na angina instável, seus formas de manejo de cada uma delas, a fim
benefícios estão diretamente relacionados à de reduzir o número de óbitos devido a
ação nos receptores beta-1. Há ainda os condições cardiovasculares emergenciais.
antagonistas dos canais de cálcio, utilizados
em razão da ação vasodilatadora. Por fim,

262
Capítulo 20
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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264
Capítulo 21
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 21

SEPSE DECORRENTE DE
INFECÇÕES HOSPITALARES

Palavras-chave: Sepse; Infecção Hospitalar; Profilaxia

MARINA MARQUES NOVAIS GOMES¹


BÁRBARA REIS DE SANTANA¹
GABRIEL MORAIS VALOIS¹
JÚLLIA BEATRIZ ARAUJO SOUZA¹
LÍDIA RUTH OLIVEIRA PRADO¹
LUANA THAYNAR CORREIA DE SOUZA¹
SABRINA LAYRA SOUZA ARAÚJO¹
CÁSSIA CRISTINA FERREIRA MATOS2

¹Discente – Graduando em Medicina na Universidade Tiradentes


2
Docente – Residente em Medicina Intensiva no Hospital Cirurgia

1
Capítulo 21
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO aspectos como temperatura, higiene,


manipulação do paciente pela equipe de
A sepse também conhecida como saúde e terapêutica da infecção primária são
septicemia ou “sepsis” consiste em um importantes na profilaxia da sepse (VIANA
estado inflamatório global do organismo em et al., 2016).
decorrência de infecções graves, causadas No que se refere ao diagnóstico da
por diversos patógenos, que atingem a sepse, torna-se relevante o conhecimento do
corrente sanguínea. Importante causa de local da infecção primária, bem como a
morbimortalidade, este agravo tem grande identificação do agente etiológico que
impacto na saúde pública com uma realizou um desequilíbrio imunológico no
incidência de aproximadamente 17 milhões organismo do paciente séptico. Atualmente,
de casos mundiais. Logo, as altas taxas de diversos exames podem ser utilizados para
incidência e prevalência da sepse culminam o reconhecimento da sepse e muitos deles
em ônus para os sistemas de saúde (VIANA utilizam novas tecnologias e métodos para
et al., 2016). No Brasil, apesar dos desafios em conjunto com a clínica identificar esse
de notificação, a sepse tem relevância nas tipo de agravo (BOECHAT; et al., 2010).
análises epidemiológicas - cerca de 400 mil O objetivo deste estudo foi destacar as
casos/ano refere-se a sepse. Há ainda atualizações científicas no contexto da
elevada taxa de mortalidade, com sepse intra-hospitalar, no que se refere a
aproximadamente 200 mil óbitos por ano. definições, causas, mecanismos,
Esses altos índices estão intrinsecamente diagnóstico e tratamento.
relacionados com a grande variedade de
agentes causais e o difícil diagnóstico do 2. MÉTODO
quadro séptico (ILAS, 2015).
Segundo Siqueira-Batista et al. (2011), Trata-se de uma revisão integrativa
dentre os agentes infecciosos que geram a realizada no período de abril e maio de 2021
Síndrome Inflamatória Sistêmica da Sepse (mês de início e término da pesquisa), por
(SIRS) destacam-se as bactérias, os vírus e meio de pesquisas na base de dados
fungos, sendo as bactérias os agentes mais PubMed. Foram utilizados os descritores
frequentes e lesivos no paciente séptico. "Sepsis” e “Cross Infection" validados no
Vale salientar que, essas infecções em geral DeCS e articulados com o booleano AND.
surgem em ambiente intra-hospitalar e Desta busca foram encontrados 110 artigos,
geram a dita sepse nosocomial que pode posteriormente submetidos aos critérios de
acometer 10% dos pacientes internados, seleção.
com maior prevalência em pacientes na Os critérios de inclusão foram: artigos
UTI. Desse modo, diversos fatores nos idiomas inglês e português; publicados
permeiam o surgimento da sepse intra- no período de 2016 a 2021 e que abordavam
hospitalar, desde infecções na inserção de as temáticas propostas para esta pesquisa;
equipamentos até as infecções devido à estudos do tipo ensaio clínico, meta-análise,
própria comorbidade do doente. Portanto, teste controlado e aleatório e análise
269
Capítulo 21
TRAUMA E EMERGÊNCIA

disponibilizados na íntegra gratuitamente. adquirida durante internação na UTI


Os critérios de exclusão foram: artigos (MARKWART, 2020). Esta última é
duplicados ou incompletos, disponibiliza- particularmente relevante devido à alta
dos na forma de resumo, que não aborda- prevalência de colonização de bactérias
vam diretamente a proposta estudada, multirresistente a antimicrobianos (MDR)
revisões de literatura, capítulos de livro e associada ao rompimento das barreiras
que não atendiam aos demais critérios de naturais do paciente para procedimentos
inclusão. invasivos, como a inserção de cateteres
Após os critérios de seleção restaram 45 venosos centrais e linhas arteriais, uso de
artigos, os quais foram submetidos à leitura antibióticos de amplo espectro e
minuciosa para a coleta de dados e, destes, comprometimento da função imunológica
30 foram incluídos na composição deste (RUSSOTTO, 2017).
capítulo. Os resultados foram apresentados Diante desse impacto epidemiológico,
de forma descritiva, divididos em categorias encontra-se um pior prognóstico nesses
temáticas abordando: epidemiologia, etio- pacientes, com aumento do tempo médio de
logia, fisiopatologia, fatores de risco, internação quando comparado com
quadro clínico, avaliação laboratorial, infecções adquiridas na comunidade e da
complicações e tratamento da sepse por mortalidade, excedendo em cerca de 40% a
infecções nosocomiais. taxa geral de óbito em pacientes graves
internados em UTI (MARKWART, 2020).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.2. Etiologia
3.1. Epidemiologia Já foi muito bem estabelecida que a
A sepse de origem hospitalar, apesar de sepse é a principal causa de mortalidade em
ser evitável por medidas higiênicas, tem pacientes com insuficiência renal aguda
grande impacto epidemiológico, sendo um (IRA), resultado de uma complexa
problema de saúde pública, principalmente síndrome da resposta inflamatória sistêmica
em países de média e baixa renda. Além dos (SIRS) que aliado a um estado de
fatores de desenvolvimento regional imunoparalisia com desarranjos na
estarem relacionados a essas estatísticas, é produção e ação de citocinas IL-6, TNF-α e
possível identificar diferenças ainda intra- IL-1β pelos monócitos, torna o paciente
hospitalares que atuam como fatores de suscetível a quadro mais grave (GIST e
interferência. Em meta-análise realizada FAUBEL, 2020).
com base em evidências epidemiológicas Um importante agente etiológico é o
relacionadas à carga de sepse adquirida em Staphylococcus aureus, sendo uma das
hospital e adquirida em UTI, pode-se principais causas de infecção associada à
constatar que cerca de metade de todos os assistência médica. Este patógeno é
casos de sepse com disfunção orgânica encontrado na forma de cepas epidêmicas e
(48,7%) tiveram origem no próprio hospital é caracterizado por sua resistência a
e que quase um em cada quatro (24,4%) foi antibióticos, principalmente Meticilina,
270
Capítulo 21
TRAUMA E EMERGÊNCIA

visto que o mesmo surgiu em ambiente também impacta na causa da sepse. Embora
hospitalar e demonstra a relevância desse apresente uma baixa patogenicidade, esse
meio na seleção de patógenos. Sua microrganismo tem relevância por possuir
importância e grande poder de grande capacidade de resistência a
multiplicação e resistência também pode antibióticos e causar sepse em pacientes
estar relacionada à sua facilidade de imunocomprometidos, crianças e idosos. A
transmissão através de objetos como falta de higienização das mãos dos
jalecos, canetas, gravatas e telefones, além profissionais de saúde e a manipulação
de sua colonização em longos períodos incorreta, sem antissepsia, dos
(TURNER, 2020). A existência de fômites equipamentos do paciente é o principal
como veículo de infecção e seleção de meio de inserção dessa bactéria tão
microrganismos resistentes, surge como prevalente no contexto de sepse
evidência da necessidade de protocolos de (CRISTINA et al., 2019).
prevenção eficazes e da presença do Além disso, outra importante bactéria é
descuido profissional. Apesar disso, pode- do gênero Acinetobacter, o qual causa
se constatar na literatura que apenas 28% infecções nosocomiais. A transmissão de
dos países relatam ter programas de Acinetobacter é facilitada pela tenacidade
controle e prevenção de infecções ambiental do organismo, resistência à
funcionais implementados a nível nacional dessecação e evasão da imunidade do
e em as unidades de saúde, em hospedeiro. Essa bactéria pode desencadear
conformidade com as recomendações da a sepse mediada por lipopolissacarídeos
OMS (MARKWART, 2020). (LPS) - Toll-like receptor 4 (TLR4). O
Ainda sobre o Staphylococcus aureus, o polissacarídeo capsular é um fator de
mesmo representa um dos patógenos virulência crítico que permite a evasão
resistentes a medicamentos mais imunológica, enquanto o LPS desencadeia
corriqueiros a desencadear infecção em o choque séptico. No entanto, o principal
pacientes hospitalizados, especialmente motivador do resultado clínico é a
indivíduos com mais de 48h de internação, resistência aos antibióticos (WONG et al.
após cirurgia recente e implantados com 2016).
dispositivos de monitoramento cutâneo ou A bactéria Pseudomonas aeruginosa
invasivo (SAMPEDRO; WARDENBURG, conhecida por sua capacidade de desen-
2017). No tocante às cepas resistentes, o S. volver resistência antimicrobiana, como ao
aureus resistente à meticilina (MRSA) carbapenem, tem papel relevante na
consiste num dos principais, cuja incidência etiologia da sepse. Esse microorganismo
dessa infecção em Unidades de Terapia secreta toxinas para o ambiente extracelular
Intensivas (UTIs) estadunidenses ultrapassa e para as células hospedeiras, o que resulta
200.000 por ano, acarretando grande na alteração das atividades, bloqueio da
dispêndio. fagocitose e, por fim, a morte celular dessas
A bactéria Serratia marcescens que células. A fisiopatogênese é ainda
pertence à família da enterobacteriaceae, potencializada devido a seus flagelos, pili e
271
Capítulo 21
TRAUMA E EMERGÊNCIA

lipopolissacarídeo que induzem respostas a K. ascorbata incluem: cefalosporinas de


inflamatórias no hospedeiro e a sua conexão terceira geração, cefepima, piperacilina-
entre as bactérias vizinhas, permite a tazobactam, carbapenem, aztreonam, fluo-
formação de biofilme e produção de roquinolonas e aminoglicosídeos (LEE et
numerosas toxinas, como a elastase, al. 2019).
protease alcalina e exotoxina A, que Os recém-nascidos possuem uma
rompem a integridade da barreira epitelial microbiota que varia de acordo com os tipos
por rompimento das junções herméticas das de bactérias maternas, forma de nutrição,
células epiteliais ou causam danos direto ao uso de antibióticos e prematuridade. Neste
tecido e necrose. (WANG et al. 2019). A último caso, os RNs (recém-nascidos)
Pseudomonas aeruginosa acomete com podem apresentar uma colonização
maior prevalência indivíduos portadores de bacteriana patogênica composta por
comorbidades, entre elas: a diabetes Klebsiella pneumoniae, C. difficile e C.
mellitus, doença pulmonar obstrutiva perfringens. Ressalta-se, entretanto, que
crônica, tumor sólido, doença hematológica RNs prematuros e em uso de nutrição
e neutropenia. Uma avaliação de dez parenteral possuem maior risco de
estudos relatou 5 principais fontes de desenvolver sepse. Um estudo comparou
infecções na corrente sanguínea, sendo elas: três grupos de prematuros, sendo o primeiro
trato urinário (18,9%), trato respiratório indivíduos com diagnóstico de sepse, o
(18,9%), desconhecido (13,1%), intra- segundo grupo foram pacientes sem o
abdominal (6,25%) e cateter vascular diagnóstico, mas que compartilharam do
(7,1%). E, apesar de não ser uma mesmo tempo e espaço com o primeiro
consequência obrigatória, sem a devida grupo, e o terceiro eram pacientes
intervenção terapêutica, tais infecções na randomizados. Concluíram então que os
corrente sanguínea podem culminar na pacientes do segundo grupo se infectaram
sepse nosocomial (ROJAS, 2019). com patógenos advindos do primeiro grupo,
A Kluyvera ascorbata também é um evidenciando uma transmissão nosocomial
patógeno de relevante importância clínica, numa Unidade de UTI Neonatal, e o
devido ao risco de superinfecção (20%). É principal microrganismo isolado relacio-
um bacilo pequeno, flagelado, presente no nado à sepse foi o Estreptococos do grupo
meio ambiente como um organismo de vida B (ORTEGÓN et al. 2017).
livre na água, solo, esgoto, pias hospitalares
e alguns animais. No hospedeiro, costuma 3.3. Fisiopatologia
acometer frequentemente o trato urinário A sepse pode estar relacionada com
(44,2%) e a corrente sanguínea (27,9%), defeitos imunológicos dos organismos, o
independentemente da idade ou estado de que gera um fenômeno denominado
saúde. Mas ainda pode infectar a região imunossupressão séptica. Por conseguinte,
intra-abdominal, tecidos moles, trato desequilíbrios entre células imunes
respiratório e sistema nervoso central. (LEE culminam no surgimento da sepse. As
et al. 2019). Os tratamentos eficazes contra células dendríticas têm papel fundamental
272
Capítulo 21
TRAUMA E EMERGÊNCIA

no equilíbrio imune com auxílio no combate infecções na corrente sanguínea relacionada


à infecção, por realizar a apresentação de a esses cateteres, incluindo por Staphy-
antígenos e liberação dos agentes anti e pró- lococcus aureus. Entre essas medidas estão
inflamatórios. Em análise da ação das a predileção pelo cateter na região da
células dendríticas, notou-se que tanto a subclávia, auxílio de ultrassonografia para
supressão quanto o excesso da atividade realizar a canulação, impregnação dos
dessas células agravam o curso da sepse. cateteres com antissép-tico, utilização de
Outrossim, para evitar complicações dispositivos de fixação sem sutura e
atreladas à disfunção das células dendríticas curativos com Clorexidina, além da
como o choque séptico, torna-se pertinente remoção do cateter assim que não for mais
o uso de glicocorticoides, com o objetivo de necessário o uso do mesmo para cuidados
modular a atividade imune e controlar o com o paciente. (BELL, 2018).
metabolismo do paciente séptico (BOU- Já no estudo de coorte realizado por
RAS et al. 2018). Schwab et al. (2020), houve evidência do
Uma outra análise do binômio em aumento da proliferação bacteriana, princi-
questão nesse capítulo é a presença de palmente da população gram-negativa, e
novas infecções nosocomiais principal- fúngica devido a considerável elevação da
mente pulmonares (devido à perda da temperatura no meio ambiente o que exa-
barreira epitelial pulmonar) após a cerbou a infecção da corrente sanguínea.
recuperação de quadro de sepse, indepen- Desse modo, a proliferação de micror-
dente da causa da síndrome. Isso ocorre ganismos está intrinsecamente relacionada
devido a alteração da programação celular a variação adequada de temperatura no
durante a fisiopatologia da sepse, sendo meio em que esses seres estão inseridos,
marcado por apoptose celular aumentada, logo, condições térmicas favoráveis para
produção de citocina suprimida, marca- infecção impactam consideravelmente na
dores de superfície de classe II do complexo persistência e gravidade da sepse nosso-
principal de histocompatibilidade (MHC) comial.
diminuídos, apresentação de antígeno
reduzida, anergia e função celular efetora 3.5. Quadro clínico
citotóxica diminuída (DENSTAEDT, Clinicamente, sabe-se que a febre é o
2018). sintoma mais relevante e ocorre em cerca de
40% dos pacientes sépticos gravemente
3.4. Fatores de risco enfermos em algum momento durante sua
Dentre possíveis meios de contami- permanência na UTI. No entanto, embora
nação estão os cateteres venosos centrais, os considere-se que o aumento da temperatura
quais muitas vezes fazem-se necessários corporal seja essencial para o combate da
nos cuidados de pacientes críticos infecção vigente, isso pode gerar um
internados em ambiente hospitalar. Apesar aumento da taxa metabólica, do consumo de
disso, existem várias medidas que podem oxigênio e depleção da função cardíaca.
ser tomadas para reduzir a ocorrência de Esta última inviabiliza haver uma adequada
273
Capítulo 21
TRAUMA E EMERGÊNCIA

perfusão tecidual e a consequência imediata plasminogênio (ALHAMDIN e TOH,


é a hipóxia (DREWRY et al. 2017). 2017).

3.6. Complicações 3.7. Avaliação laboratorial e


Como já citado, a sepse é resultado de diagnóstica
lesões celulares e inflamações sistêmicas. Em vista da gravidade dos quadros
Diante disso, há preocupação clínica quanto nosocomiais torna-se útil o seguimento de
à possível complicação de coagulação indicadores de gravidade. O Endocan, um
intravascular disseminada (CID). Esse proteoglicano específico para células endo-
processo pode ser explicado pela ação de teliais, surge como um possível indicador, o
histonas circulantes e armadilhas extracelu- qual está relacionado à pneumonias e
lares de neutrófilos que prejudicam a Síndrome do Desconforto Respiratório,
vasculatura, o que pode culminar em uma das complicações da sepse. De modo
resultados clínicos adversos, como a que em quadros de sepse com evolução para
tempestade de trombina. As atividades disfunção de múltiplos órgãos seus valores
excessivas de citocinas pró-inflamatórias estão elevados, melhorando com a
sépticas interrompem o equilíbrio sutil e a regressão de quadro (CAIRES, 2018). No
interlocução entre vias coagulantes, diagnóstico de CID deve-se recorrer as
anticoagulantes e inflamatórias favore- medições do tempo de protrombina,
cendo a pró-coagulação (ALHAMDIN e fibrinogênio, plaquetas e produtos relaci-
TOH, 2017). onados à fibrina. Outros parâmetros
Na conversão de fibrinogênio em hemostáticos também são válidos, a fim de
fibrina, a trombina torna-se imediatamente minimizar atraso no reconhecimento e
pró-coagulante e ao mesmo tempo medeia a diagnóstico (ALHAMDIN e TOH, 2017).
via anticoagulante ao interagir com a No que concerne aos recursos
trombomodulina para ativar a via da diagnósticos da sepse, a suspeição da
proteína C. Isso controla a extensão do condição dá-se por achados clínicos e
coágulo localizado, porém no caso da sepse laboratoriais inespecíficos e a confirmação
que a lesão é de natureza sistêmica ou é feita pelo isolamento do patógeno
sustentada, a regulação da geração de (SIQUEIRA-BATISTA et al., 2011). Nesse
trombina é perdida com consequências de contexto, as hemoculturas auxiliam no
CID e falência de órgãos por trombose diagnóstico de sepse secundária a
microvascular e ruptura da barreira bacteremia ou fungemia (CHELA et al.,
endotelial. Há também um processo de 2019). No entanto, convém ressaltar que a
fibrinólise prejudicada ou excessiva técnica adequada ao procedimento de
induzida por sepse e trauma. Este efeito é obtenção de hemoculturas é imprescindível
mediado por resistência aumentada do para um correto diagnóstico, visto que num
coágulo à fibrinólise pela plasmina e processo irregular a amostra pode sofrer
regulação negativa da ativação do contaminação e resultar em falso positivo.
Outrossim, é ideal que a coleta preceda o
274
Capítulo 21
TRAUMA E EMERGÊNCIA

início da terapia antibacteriana ou indicações, escores clínicos podem ser


antifúngica, evitando falsos negativos. Por utilizados para avaliar a necessidade de
fim, Chela et al. (2019) afirma a hemoculturas, por exemplo, critérios de
importância de consistente indicação para SIRS (Síndrome de Resposta Inflamatória
realização de hemoculturas objetivando Sistêmica) representados na Tabela 21.1 e
evitar procedimentos desnecessários e, Regra de Decisão de Shapiro e Cols na
dessa forma, reduzir custos. Concernente às Figura 21.1.

Tabela 21.1 Critérios diagnósticos para Síndrome de Resposta Inflamatória Sistêmica


Para definição de SIRS são necessárias duas das seguintes condições:
Temperatura > 38°C ou < 36°C
Frequência cardíaca > 90 bpm
Frequência respiratória > 20 irpm ou PaCO2 < 32 mmHg
Leucócitos > 12.000/ mm3 ou < 4.000/ mm3 ou 10% de bastões

Fonte: Adaptado de Siqueira-Batista et al. (2011)

Figura 21.1 Regra de decisão


de Shapiro et al.

Fonte: Chela et al. (2019).

275
Capítulo 21
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.8. Tratamento et al., 2011). No quesito abordagem da


Considerada uma das principais causas infecção, preconiza-se terapia antimicro-
de morbidade global, a sepse grave requer biana adequada e precoce. Contudo, devido
hospitalização imediata e prolongada além à possibilidade de resistência dos patógenos
de conservar altas taxas de mortalidade. Isto aos medicamentos, especialmente quando
também resulta em impactos financeiros são administrados antibioticoterapia de
consideráveis ao sistema de saúde. amplo espectro empiricamente, Ohji et al.
Portanto, diretrizes preconizam manejo (2016) propuseram a terapia de descalona-
diagnóstico e terapêutico precoces a fim de mento. Esta consiste em substituir os
mitigar desfechos fatais e reduzir os custos antimicrobianos de amplo espectro por
(TSAGANOS et al., 2016). Nesse contexto, agentes com espectro estreito imediata-
a utilização de recursos adjuvantes eficazes, mente após a identificação do patógeno
seguros e eficientes podem auxiliar na causador. Após revisão de literatura e meta-
recuperação dos pacientes, reduzindo análise, os autores concluíram, portanto,
tempo de hospitalização e aumentando as que a terapia de descalonamento é tão eficaz
taxas de alta. Exemplo disso é a utilização quanto ou melhor que a terapia que não
da claritromicina intravenosa. Tsaganos et envolveu a redução da escalada, além disso
al. (2016) em análise retrospectiva de foi observada melhora na mortalidade tanto
ensaio clínico randomizado, multicêntrico na pneumonia adquirida na comunidade
prospectivo, duplo-cego e controlado, evi- quanto na adquirida na UTI.
denciou expressiva redução, em compara- A pneumonia é uma das principais
ção ao grupo placebo, da mortalidade e dos doenças que acarretam na sepse, o manejo
custos a longo prazo quando utilizado terapêutico da pneumonia é imprescindível
claritromicina intravenosa por 3 dias para a profilaxia da sepse. Muitos estudos
consecutivos em pacientes com sepse e abordam a terapia e atualizações frequentes
pneumonia associada à ventilação (PAV). das pesquisas são relevantes no combate
Tal economia relatada foi atribuída ao efeito tanto da pneumonia como das suas
clínico benéfico do tratamento com complicações. Dentre as intervenções mais
claritromicina, às altas hospitalares com utilizadas no manejo do paciente séptico
vida e à descontinuação de tratamentos de cuja origem da infecção é a pneumonia,
suporte caros, como nutrição parenteral e destaca-se o uso de novos antibióticos cuja
soluções de albumina humana. eficácia diminui a resistência bacteriana,
O tratamento da sepse e de seus previne a sepse ou diminui a sua duração
desdobramentos severos (por exemplo, (ZARAZOGA et al., 2020).
disfunção múltipla de órgãos) é composto A terapêutica padrão contra a doença
por manobras de reposição volêmica, estafilocócica na UTI é a administração
abordagem da infecção, emprego de precoce e empírica de antimicrobianos.
corticoesteroides, terapia anticoagulante, Rotina preventiva hospitalar de infecção
controle glicêmico, suporte ventilatória e por MRSA alberga higiene das mãos e
medidas adicionais (SIQUEIRA-BATISTA isolamento de pacientes infectados
276
Capítulo 21
TRAUMA E EMERGÊNCIA

(SAMPEDRO; WARDENBURG, 2017), Tendo em vista o risco de vida no


sendo que a primeira medida é considerada choque séptico pela perfusão tecidual
o fator mais relevante na prevenção de inadequada, estudos têm demonstrado a
quaisquer infecções associadas aos relação entre as CEPs (células progenitoras
cuidados de saúde (AREFIAN et al., 2019). endoteliais) e sua resposta à estimulação
Ademais, em virtude da alta prevalência da elétrica neuromuscular (NMES), na
infecção por Staphylococcus aureus em capacidade de neovascularização em tecido
UTIs e da existência de fatores de isquemia adulto e participação na
predisponentes para adquiri-la, Sampedro formação de novos vasos sanguíneos. Foi
& Wardenburg (2017) propuseram um demonstrado que a NMES é bem tolerada e
modelo de epidemiologia patológica parece ter um efeito sistêmico de curto
molecular com o objetivo de precisar a prazo na microcirculação periférica,
estratificação de risco de pacientes hospi- potencial benefício fito ativação aguda da
talizados para infecção por S. aureus bem microcirculação observada pelo aumento da
como facilitar modificação de estratégias. taxa de consumo de oxigênio e reperfusão
Este modelo multifacetado envolve definir conforme medido por espectroscopia de
a exposição ao S. aureus e a história clínica infravermelho (LAGO et al., 2018).
de infecção pelo patógeno, analisar de Ademais, alguns estudos vêm sendo
assinaturas celulares e moleculares da realizados em relação à eficácia da terapia
doença, investigar respostas sorológicas de adsorção de endotoxina usando PMX
humanas a fatores de virulência em (hemoperfusão com fibra imobilizada de
pacientes apropriados e determinar um polimixina B (PMX), que adsorve endoto-
painel de susceptibilidade genômica do xina, reduzindo a cascata de sepse inflama-
hospedeiro. tória por bactérias Gram-negativas (SAITO
Em detrimento à clorexidina, um estudo et al., 2017).
multicêntrico subscreveu a lavagem O mau prognóstico da sepse nosocomial
corporal antisséptica diária com octenidina pode ser observado a partir da proporção
como alternativa do método profilático para direta com aumento do número de falências
sepse devido a organismos multirresistentes de órgãos por causa da resposta inflamatória
e bacteremia primária a fim de reduzir sistêmica. Dessa forma, como alternativa
reservatórios de microrganismos dérmicos terapêutica da disfunção miocárdica obser-
como patógenos potenciais na pele, vada em mais de 50% dos pacientes graves,
especialmente organismos Gram-negativos. a Levosimendana passou a ser usada em
Apesar da necessidade de maiores muitas UTIs na Europa no tratamento de
evidências, a octenidina age como um sepse grave e choque séptico e foi
antisséptico catiônico pertencente à classe recentemente recomendado como um ino-
das bispiridinas. É bactericida contra trópico alternativo nas diretrizes da
bactérias Gram-positivas e Gram-negativas, Sociedade Alemã de Sepse (GORDON et
bem como fungicida (MEIBNER et al., al., 2016). Esse medicamento já tem um
2017). amplo uso nos casos de insuficiência
277
Capítulo 21
TRAUMA E EMERGÊNCIA

cardíaca descompensada, atuando na Clostridioides difficile, entre outras. No


sensibilização do miocárdio ao cálcio para entanto, segundo Arefian et al. (2019) ao
que uma maior contração ventricular (e, analisar o estudo ALERTS, realizado na
portanto, o volume sistólico) possa ser Alemanha, apesar da implementação de um
alcançada para a mesma concentração de programa de controle de infecção hospitalar
cálcio intracelular, reduzindo assim a carga não reduzir a incidência total dessas
de trabalho do coração com insuficiência. infecções num período precoce, foi capaz
Ademais, as ações antiinflamatórias do de minimizar as infecções graves e reduzir
levosimendan fornecem uma forte justifica- o tempo de permanência em UTI,
tiva biológica para seu uso na sepse, uma abrandando substancialmente o dispêndio
vez que, em contraste, as catecolaminas - da internação.
noradrenalina e dobutamina - podem resul-
tar em superestimulação simpática e uma 4. CONCLUSÃO
série de efeitos adversos (GORDON et al.,
2016). Apesar da lógica no mecanismo de Portanto, a sepse é caracterizada por um
ação, há necessidade de estudos mais estado de inflamação global, a qual pode
robustos que esclareçam o papel da surgir a partir de ambientes hospitalares.
Levosimendana na melhora de pacientes Desse modo, faz-se necessário cuidados
com sepse e choque séptico (GORDON et com fatores que contribuem para o
al., 2016) surgimento da sepse intra-hospitalar, como
Como já mencionado, infecções associ- infecções na inserção de equipamentos e às
adas aos cuidados de saúde, especialmente infecções devido à própria comorbidade do
as nosocomiais, albergam efeitos danosos doente. Além disso, estudos mostraram que
na morbimortalidade dos pacientes, a sepse pode estar relacionada com defeitos
podendo culminar em sepse. Além de imunológicos dos organismos, o que gera
prolongarem o tempo de permanência dos imunossupressão séptica, havendo um
pacientes, tais infecções costumam elevar desequilíbrio entre as células imunes.
os custos da terapêutica (AREFIAN et al., Assim, encontra-se diversidade quanto às
2019). O tipo de infecção hospitalar causas, sítios de infecções e suas conse-
também interfere nos desfechos, sendo quências, podendo ter as altas taxas de
representada por infecção de sítio cirúrgico, incidência e mortalidade reduzidas, através
infecção do trato respiratório inferior, de medidas de prevenção, as quais devem
infecção do trato urinário, infecção primária ser implementadas com maior seriedade.
de corrente sanguínea, infecção associada à

278
Capítulo 21
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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279
Capítulo 21
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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280
Capítulo 22
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 22
BIOMARCADORES COMO
ALTERNATIVA DIAGNÓSTICA
PRECOCE DA ISQUEMIA
MESENTÉRICA

Palavras-chave: Isquemia mesentérica; Biomarcadores; Diagnóstico precoce.

Carolina Pantuzzo Leão Alves¹


Ingrid Silva Prado¹
Isabela de Souza Freitas Martins¹
Marcela Luiza Amaral Resende Lara¹
Mariana Mortimer Magalhães¹
Mayraline de Castilho Buzzi¹
Sophie Barreto Van Gysegem¹

1
Discente de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

1
Capítulo 22
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO utilizando os descritores “Mesenteric


Ischemia” AND “Early Diagnosis” AND
A isquemia mesentérica aguda (IMA) “Biomarkers”. Foram encontrados 17
consiste em uma emergência de caráter artigos, dos quais 9 foram escolhidos após
gastrointestinal e vascular por redução ou os critérios de seleção. Os critérios de
interrupção súbita do fluxo sanguíneo nos inclusão foram: artigos nos idiomas inglês e
vasos mesentéricos. Essa disfunção português, data de publicação entre 2016 e
isquêmica pode ser causada por oclusão 2021, disponibilização na íntegra e temática
arterial embólica, oclusão arterial trombo- relevante para a pesquisa. Já os critérios que
tica, trombose venosa mesentérica ou levaram à exclusão dos demais artigos
isquemia sem oclusão, vista nos pacientes foram: disponibilização em forma de
com baixa perfusão mesentérica por baixo resumo, baixa aplicabilidade clínica, artigos
débito cardíaco, sepse, dentre outros (LE- com baixa validação em termos de níveis de
BRUN; GROBER, 2018; DERIKX et al., evidência e que não atendiam aos critérios
2017; LIM et al., 2017). O compro- de inclusão utilizados.
metimento mais significativo corresponde à Os artigos selecionados foram subme-
obstrução da artéria mesentérica superior, tidos à leitura minuciosa para a coleta de
cuja oclusão reduz em 87% a irrigação dados. Os resultados foram apresentados de
mesentérica, sendo este vaso o principal forma descritiva, destacando os principais
alvo da proposta terapêutica cirúrgica biomarcadores promissores para o diagnós-
(MEMET et al., 2019). O diagnóstico da tico precoce da isquemia mesentérica, bem
afecção é obtido pela tomografia como a importância deste método tendo em
computadorizada (TC) e pela angiografia vista o acometimento da patologia e sua
(LEBRUN; GROBER, 2018; LIM et al., elevada morbimortalidade.
2017). Porém, devido à clínica inespecífica,
constituída por dor abdominal, vômitos, 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
náuseas e sangramentos retais, a
identificação da IMA é tardia, resultando 3.1. Doença isquêmica intestinal:
em alta taxa de mortalidade (60%) (CAKIR fisiopatologia
et al., 2019; LIM et al, 2017). A doença isquêmica intestinal é uma
O objetivo deste estudo consistiu em afecção cujo cerne de seu entendimento
revisar os principais biomarcadores investi- concentra-se no desequilíbrio do aporte
gados na literatura atual, a fim de serem nutricional das alças intestinais. Ao lado de
utilizados como alternativas de diagnóstico uma alta demanda de oxigênio (O2),
e intervenção precoces na isquemia mesen- desencadeada por múltiplos fatores rela-
térica aguda, reduzindo-se, assim, a cionados ao metabolismo gastrointestinal, o
morbimortalidade desta patologia. suprimento desse nutriente deve ser
oferecido proporcionalmente, de modo a
2. MÉTODO manter um equilíbrio, o que não é
evidenciado em contextos isquêmicos. A
Trata-se de uma revisão narrativa
isquemia intestinal se inicia na mucosa,
realizada na base de dados PubMed,
281
Capítulo 22
TRAUMA E EMERGÊNCIA

estágio no qual a lesão ainda pode ser tinos delgado e grosso; consequentemente,
reversível; porém, com a evolução do a obstrução deste vaso é responsável pela
quadro, a falta do aporte de oxigênio para a redução de 87% da irrigação dos órgãos em
serosa intestinal pode causar lesões questão, ao passo que o comprometimento
irreversíveis como necrose, sepse e falência da irrigação oferecida pelas artérias celíacas
do órgão. Diversos fatores são mencionados e mesentérica inferior proporciona redução
como desencadeantes do rompimento desse de apenas 4% e 70% do suporte sanguíneo,
equilíbrio, o qual pode ser crônico ou agudo respectivamente. Essa maior associação do
(BRASILEIRO FILHO, 2016; BALA et al., comprometimento da artéria mesentérica
2017; DERIKX et al.,2017; MEMET et al., superior ao fenômeno isquêmico se dá em
2019). razão da maior propensão de alojamento de
A isquemia intestinal crônica decorre de êmbolos por seu grande lúmen, somado ao
uma série de lesões sucessivas que pequeno ângulo formado ao derivar-se da
culminam em redução do fluxo arterial e, aorta abdominal (BRASILEIRO FILHO,
portanto, da oxigenação das alças intesti- 2016; BALA et al., 2017; MEMET et al.,
nais. O principal exemplo é o desenvol- 2019).
vimento de placas ateroscleróticas, cuja É demonstrado que a irrigação das alças
evolução pode determinar progressiva intestinais é diretamente dependente do
redução do lúmen arterial. A isquemia estado de alimentação, isto é, se os
intestinal aguda pode ser denominada intestinos se encontram, ou não, em fases
infarto intestinal, sendo ocasionado por que demandam maior metabolismo e,
múltiplos fatores, como: obstruções arteri- portanto, maior fluxo arterial. Ao mesmo
ais (trombos e/ou êmbolos), vasoespasmos, tempo, a disponibilidade de O2 pode ser
estados de desidratação, choque, disfunção autorregulada pelas próprias alças, através
da bomba cardíaca, volvos, intussuscep- de um processo de vasodilatação. Somado a
ções, hérnias encarceradas e vasculopatias. estes fatos, pontua-se que o intestino recebe
Dentre essas, a causa que mais se destaca apenas baixa taxa de irrigação em relação
dentre os casos relatados são as obstruções ao fluxo de sangue bombeado pelo coração
do fluxo mesentérico por êmbolos, as quais (débito cardíaco), o que faz com que, para
serão discutidas a seguir (BRASILEIRO apresentar-se em condição de isquemia, o
FILHO, 2016; BALA et al., 2017; MEMET intestino deve associar-se a uma redução
et al., 2019). significativa do aporte nutricional para que
O sistema de irrigação intestinal é de possa demonstrar comprometimento signi-
responsabilidade da circulação esplâncnica, ficativo de suas alças frente ao déficit de O2
a qual tem, entre seus constituintes da (BRASILEIRO FILHO, 2016; BALA et al.,
macrocirculação, a artéria celíaca e as 2017; MEMET et al., 2019).
artérias mesentéricas (inferior e superior). A Com relação às camadas teciduais
artéria mesentérica superior e seus ramos constituintes das alças intestinais, a mucosa,
correspondentes são responsáveis pela representada pelas vilosidades, é
irrigação de quase a totalidade dos intes- responsável pela captação de mais de ⅔ da

282
Capítulo 22
TRAUMA E EMERGÊNCIA

irrigação, sendo, da mesma forma, a mais um quadro bastante inespecífico, uma vez
precocemente afetada pelo comprome- que pode acompanhar-se de outras
timento isquêmico. Apesar disso, as patologias, determinando uma grande gama
consequências do déficit de O2 mostram-se de diagnósticos diferenciais - reforça a
reversíveis. Em contraste, lesões trans- importância de serem admitidas novas
murais, isto é, cujo comprometimento inclui ferramentas diagnósticas que sejam
as camadas mucosa, submucosa, muscular e compatíveis com o caráter emergencial da
serosa, requerem um maior tempo de IMA, promovendo, desse modo,
agressão isquêmica para que possam se identificação da doença de modo mais
instalar, do mesmo modo que se portam precoce (BRASILEIRO FILHO, 2016;
como processos irreversíveis e associados a BALA et al., 2017; LIM et al., 2017;
maiores complicações, que se tornam ainda MEMET et al., 2019).
mais propensas à medida que não há o Atualmente, o diagnóstico da IMA pode
controle da doença (BRASILEIRO FILHO, ser obtido tanto pela TC como pela
2016; BALA et al., 2017; MEMET et al., angiotomografia computadorizada de
2019). Tais informações serão essenciais na abdome. A angiotomografia permite a
investigação de alternativas diagnósticas ao análise da irrigação abdominal como um
IAM, como será discutido posteriormente. todo, sendo possível a observação de
oclusões arteriais que auxiliam na
3.2. Quadro clínico, diagnóstico e confirmação da hipótese diagnóstica de
tratamento da doença IMA, apesar de ser uma ferramenta
O infarto intestinal por obstrução dependente de profissionais especializados.
embólica é marcado por uma clínica cujas A especificidade e a sensibilidade do exame
manifestações podem incluir os seguintes alcançam os 95%. Por esses motivos,
sinais e sintomas: dor abdominal leve, tornou-se o método de imagem preferível e
súbita, de duração média de vinte e quatro mais recomendado para o diagnóstico.
horas e localizada em região periumbilical; Porém a angiotomografia, como a TC,
redução ou abolição do peristaltismo; possuem algumas limitações, o que valida a
diarreia; distensão abdominal; sangramento procura por outros métodos de detecção.
gastrointestinal baixo; taquicardia; febre; Dentre as principais limitações da
vômitos e náuseas. Pacientes que já angiografia, destaca-se o fato de ser um
possuem quadro em evolução a um tempo procedimento invasivo, de não estar
maior, isto é, quando feito um diagnóstico disponível em muitos centros, de requerer
tardio, podem cursar com choque séptico e tempo para organizar e executar, bem como
peritonite (BRASILEIRO FILHO, 2016; de ajudar pouco no diagnóstico diferencial
BALA et al., 2017; MEMET et al., 2019). de abdome agudo. Quando associada à TC,
O quadro descrito é comum tanto ao a qual é um exame mais disponível, menos
infarto de mucosa como ao infarto invasivo e mais rápido de ser executado,
transmural, variando apenas quanto à ainda possui algumas restrições, como
intensidade das apresentações. Trata-se de problemas técnicos e reação alérgica grave,

283
Capítulo 22
TRAUMA E EMERGÊNCIA

além de ser contraindicado em pacientes perfusão das alças intestinais. A


com insuficiência renal (BRASILEIRO antibioticoterapia deve ser iniciada, tendo
FILHO, 2016; BALA et al., 2017; MEMET em vista o risco aumentado de
et al., 2019; KULU et al., 2017). complicações sépticas por danos às
No que diz respeito aos testes vilosidades intestinais. O tratamento da
laboratoriais, estes ainda dependem de IMA também difere a depender da extensão
biomarcadores não específicos do infarto. Quando a necrose estende-se
convencionais preditores de trombose, apenas às camadas mucosa e submucosa, a
inflamação por hipóxia, infecção e outros abordagem normalmente é conservadora,
parâmetros para avaliação do quadro de com anticoagulação e/ou uso de agentes
IMA. Marcadores sorológicos, como vasodilatadores por infusão. Com relação
contagem de leucócitos e lactato elevados, ao infarto transmural, o tratamento consiste
podem ser utilizados na avaliação do infarto em abordagem cirúrgica emergencial, com
intestinal. No entanto, observa-se uma ressecção das alças intestinais necrosadas
maior significância quando estes são via laparotomia (BRASILEIRO FILHO,
colocados sob a ótica do prognóstico da 2016; BALA et al., 2017; MEMET et al.,
doença e não como métodos diagnósticos. 2019). Anteriormente a abordagem
Ou seja, testes laboratoriais ainda se cirúrgica, deve ser feita a revascularização
mostram como alternativas pouco do segmento, preferencialmente nos casos
específicas, no que se refere aos marcadores onde ainda não há sinal de infarto
convencionais, para exclusão de diagnós- transmural e a isquemia ainda possui
ticos diferenciais, uma vez que estes podem potencial de reversibilidade (DERIKX et
cursar com mesmas alterações evidenciadas al., 2017).
na IMA. Por outro lado, a progressiva O fator crítico que contribui para a alta
elevação de alguns desses marcadores pode mortalidade da IMA é o diagnóstico e o
evidenciar a evolução do infarto, isto é, da tratamento tardios. Devido a uma clínica
necrose intestinal, de modo a determinar o inespecífica, o diagnóstico deve surgir a
prognóstico da doença - o que ainda não partir de uma suspeita que, muitas vezes,
soluciona o problema do diagnóstico pode não ocorrer no primeiro momento.
precoce (BRASILEIRO FILHO, 2016; Avalia-se então o uso de biomarcadores,
BALA et al., 2017; DOHLE et al, 2018; que são testes não invasivos, de fácil acesso
LIM et al, 2017; MEMET et al., 2019). e análise, para auxiliar no diagnóstico
Confirmada a IMA, deve-se iniciar precoce da IMA. O biomarcador ideal deve
reposição volêmica com cristaloides e ser aquele específico para o tecido
hemoderivados, com monitorização contí- intestinal, com metabolismo estável desde o
nua do equilíbrio ácido-básico, uma vez que intestino até a circulação periférica, que
alguns pacientes podem cursar com reflete o dano atual e que seja específico
hipercalemia e acidose metabólica. Altos para isquemia (DERIKX et al., 2017).
volumes devem ser administrados, mas a
sobrecarga hídrica pode ser prejudicial à

284
Capítulo 22
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.3. Novos biomarcadores como entre os níveis de concentração do I-FABP


alternativas diagnósticas quando comparados no infarto de mucosa e
Biomarcadores são biomoléculas infarto transmural. Além disso, o marcador
utilizadas como indicadores mensuráveis de parece não conseguir distinguir a isquemia
alterações, ou seja, capazes de sinalizar intestinal de outras lesões (DERIKX et al.,
alterações patológicas. Além disso, são 2017; DOHLE et al., 2018; MEMET et al.,
capazes de apontar o grau de severidade do 2019).
quadro, sendo ferramentas promissoras para A citrulina é um aminoácido sintetizado
o diagnóstico precoce. Dessa forma, por enterócitos maduros das alças do
estudos atuais relativos à IMA buscam o intestino delgado, sendo descrita especifici-
melhor entendimento de como biomar- dade de 100%, apesar da baixa
cadores podem contribuir para a diminuição sensibilidade (39%), em estudo recente. A
dos índices de morbimortalidade associados atribuição dessa baixa sensibilidade se dá
à doença em questão (DERIKX et al., justamente pelo fato da citrulina também ser
2017). evidenciada no ciclo da ureia, o que faz com
Os marcadores endothelial cell-specific que, em situações de afecção renal, como a
molecule-1 (endocan) e signal peptide- insuficiência, também evidenciem altos
CUB-EGF domain-containing protein-1 níveis do aminoácido em questão. O seu uso
(SCUBE-1) são potenciais marcadores para como biomarcador em casos suspeitos de
a detecção precoce da IMA, assim como de IMA parte do princípio de que os
lesões em estágios reversíveis, que, quando enterócitos presentes na parede intestinal
combinados, demonstraram sensibilidade são altamente sensíveis à isquemia.
entre lesão reversível e irreversível de Portanto, pacientes com IMA apresentam,
94,1% e especificidade de 73,3% (MEMET muitas vezes, redução da massa induzida de
et al., 2019). enterócitos devido à isquemia e necrose,
Outro biomarcador que se mostrou apresentando, portanto, níveis mais baixos
relevante é o intestinal fatty acid binding de citrulina. Assim, os presentes estudos
protein (I-FABP), o qual chama atenção por afirmam que se os níveis de citrulina podem
ser específico do tecido intestinal. É ser eficazes para descartar o diagnóstico de
produzido por enterócitos maduros e IMA, pois caso eles forem maiores 15,82
concentrado na camada mucosa da parede nmol/mL em pacientes com abdome agudo
intestinal. Ele é detectado em concentrações ou com suspeita de infarto intestinal, pode-
plasmática e urinária elevadas sob lesão das se assumir quase com certeza que não há
vilosidades intestinais, comportando-se uma condição de isquemia relacionada
como um ótimo marcador precoce, na (KULU et al., 2017; MEMET et al., 2019).
medida em que seu aumento está A relação neutrófilo-linfócito (RNL),
diretamente relacionado ao dano à primeira mostrou-se útil na suspeita de IMA de
camada tecidual afetada pelo déficit de O2. origem arterial ao se correlacionar com a
Por outro lado, a literatura ainda registra magnitude da resposta inflamatória.
como duvidoso o fato de haver diferenças Estudos dirigidos por Rivera et al.,

285
Capítulo 22
TRAUMA E EMERGÊNCIA

avaliaram a relação neutrófilos / linfócitos de IMA. No entanto, é possível observar


(NLR) como fator preditivo de isquemia variações de suas dosagens em outros
mesentérica aguda por oclusão da artéria diversos quadros. No caso do D-dímero,
mesentérica superior em 61 pacientes que se este se apresenta como parâmetro para a
apresentaram no pronto-socorro com dor avaliação da ocorrência de afecções como
abdominal aguda. Como resultado, maiores coagulação intravascular disseminada,
índices de NLR foram diretamente trombose venosa profunda, embolia pul-
relacionados à maior mortalidade nos casos monar e doenças coronarianas, enquanto o
de IMA comprovados por oclusão dessa L-lactato pode ser útil na identificação do
artéria. Um NLR de 12,8 mostrou uma choque séptico (CAKIR et al., 2019;
sensibilidade de 92% e uma especificidade DOHLE et al 2018; LIM et al., 2017).
de 74% para IMA nesse caso. Ademais, no
presente estudo, nenhum paciente com NLR 4. CONCLUSÃO
<5 apresentou IMA por oclusão arterial. No presente momento, nenhum
Portanto, este biomarcador em questão marcador estudado se mostra capaz de ser
mostra-se como um parâmetro útil para utilizado isoladamente no diagnóstico
detecção de IMA devido à oclusão da precoce da IMA, uma vez que não se
artéria mesentérica superior, o que pode mostram específicos o suficiente para
auxiliar a definição do infarto intestinal detectar a isquemia ou sensíveis o suficiente
como hipótese diagnóstica. Para tanto, é para descartar a patologia (BALA et al.,
preciso de estudos mais amplos com o uso 2017; LEBRUN; GROBER, 2018;
desse marcador para comprovação MEMET et al., 2019). Tendo em vista o
diagnóstica (RIVERA et al., 2019). acometimento inicial e reversível das
Por outro lado, alguns biomarcadores vilosidades intestinais sob hipóxia, estudos
apesar de demonstrarem benefícios quanto ressaltam a importância de identificar
a gravidade do quadro, não possuem marcadores associados, especialmente à
especificidade necessária para determinar o nível molecular, proporcionando
diagnóstico, como é visto com o D-dímero diagnóstico precoce que possibilite
e o L-lactato, marcadores de fibrinólise e reversão do quadro, com prevenção de
lesão tecidual respectivamente, e passíveis necrose transmural. Logo, a IMA, afecção
de alteração em diversas patologias. Devido cuja alta mortalidade está relacionada a um
à correlação existente entre os níveis de D- déficit de diagnóstico precoce, demonstra
dímero e a ativação do sistema de relevância quanto à identificação de
coagulação sanguínea, bem como entre os marcadores que possibilitam seu
níveis de L-lactato e a hipoperfusão reconhecimento em tempo hábil
tecidual, esses marcadores são estudados (LEBRUN; GROBER, 2018).
como potenciais candidatos ao diagnóstico

286
Capítulo 22
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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287
Capítulo 23
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 23

SEPSE PÓS-TRAUMA

Palavras-chave: Sepse; Feridas e lesões; Microtrauma físico.

YVNNA SANTOS LIMA ¹


ARTHUR SOBRAL VIEIRA¹
GABRIELLE BARBOSA LIMA DE ANDRADE¹
GABRIELLE BARBOSA VASCONCELOS DE SOUZA¹
ISABELLA MOREIRA SARAIVA RODRIGUES¹
JÚLLIA BEATRIZ ARAUJO SOUZA¹
LUCAS GOMES DANTAS¹
MYLENNA BOMFIM SOUZA¹
MARIA BERNADETE GALRÃO DE ALMEIDA²

1
Discente – Graduando em Medicina na Universidade Tiradentes.
²
Docente – Universidade Tiradentes.

288
Capítulo 23
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO 2017). Em virtude da existência de diversas


nomenclaturas para determinar a condição
O trauma é considerado um conjunto de clínica do paciente com infecção grave, se
lesões causadas por agentes de variadas tornou necessário padronizar algumas
etiologias e extensões, podendo acometer definições. A partir de 1991, o American
qualquer parte do corpo. Diferente de anos College of Chest Physicians e a Society of
atrás, hoje é considerado uma doença e foi Critical Care Medicine definiu a Síndrome
assim conceituado em 1960 pela pela da Resposta Inflamatória Sistêmica (SRIS)
National Academy of Sciences dos Estados como a resposta inflama-tória que ocorre
Unidos, “a doença negligenciada da socie- relacionada a diversas condições clínicas
dade moderna” (PERFEITO; ABIBS, graves (SILVA; VELASCO, 2007). Já a
2012). sepse, o paciente também apresenta uma
Os números de lesões traumáticas vêm resposta inflamatória, que pode ser
crescendo e uma das explicações para isso considerada uma SRIS secundária, porém
são os avanços tecnológicos que estão cada ocasionada por um processo infeccioso
vez mais presentes na vida das pessoas. Há (EVANS, 2017). Também foi caracterizado
também a multiplicidade de conflitos o termo sepse grave ou severa, que acontece
armados e a desigualdade social que passa- quando o paciente séptico desenvolve
ram a afetar mais a humanidade (THOM- disfunções orgânicas e anormalidades na
PSON et al.,2019). Além disso, como o perfusão, sem a presença de uma etiologia
trauma perdeu a antiga visão de ser uma conhecida para o desenvolvimento desses
consequência de acidentes, ficou progressi- eventos clínicos ou, então, quando é
vamente mais claro que, pela própria acompanhado de episódios de hipotensão,
imprevisibilidade e natureza das lesões responsivos a hidratação (SILVA; VELAS-
traumáticas, a forma adequada de prestar o CO, 2007). Considera-se choque séptico,
atendimento às vítimas exigia, também, um quando o paciente com sepse grave evolui
atendimento pré-hospitalar. Porém, mesmo com hipotensão arterial, não responsiva à
que o trauma já seja tratado de maneira mais reposição volêmica, estabelecendo um
adequada e que a maioria dos casos tenha estado de falência circulatória aguda (ILAS,
boa evolução e recuperação, alguns casos 2020).
podem levar o paciente a óbito por compli- Em relação à letalidade da sepse é
cações e uma delas, apesar de rara, é a sepse observado que, apesar de possuir uma taxa
(PERFEITO; ABIBS, 2012). alta, em torno de 46% a nível global,
A sepse é a resposta sistêmica existem diferenças significativas entre insti-
inflamatória às doenças infecciosas, sejam tuições públicas, que possuem uma taxa
elas bacterianas, virais, fúngicas ou maior, em comparação às instituições
protozoárias, e corresponde à primeira privadas, que possuem taxas de mortalidade
causa de morte em unidades de terapia mais baixas (ILAS, 2020). Também se
intensiva não cardiológica, e que apresenta observa que as taxas de mortalidade em
elevadas taxas de mortalidade (EVANS, pacientes sépticos geralmente estão mais
289
Capítulo 23
TRAUMA E EMERGÊNCIA

associadas aos casos de disfunção múltipla “Sepsis and Wounds and Injuries or
de órgãos e choque séptico (EVANS, 2017). Microtrauma Physical”. Os critérios de
Além disso, a sepse possui uma etiologia elegibilidade foram: textos completos
variada e a partir de um estudo realizado no grátis, tipos de artigo (ensaio clínico, meta-
Brasil, notou-se que a maioria dos casos são análise, teste controlado e aleatório e
por bactérias gram-negativas, seguidos por análise), com filtro de 5 anos. Os idiomas
casos de bactérias gram-positivas e, em foram inglês e português. Os critérios de
terceiro lugar, por fungos (ILAS, 2020). exclusão foram revisões de literatura, livros
Estudos revelam que dos pacientes e relatórios que não abordavam sobre sepse
admitidos em unidades de terapia intensiva e traumatismo. Foram encontrados 89
(UTI), cerca de 70% apresentam a SIRS, resultados e, destes, foram selecionados 23
seja por causas infecciosas ou por eventos artigos.
como politraumatismos e queimaduras
(SILVA; VELASCO, 2007). Os fatores que 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
vão determinar um mau prognóstico não são
bem compreendidos, mas podem estar De acordo com a Organização Mundial
relacionados ao agente etiológico e às da Saúde (OMS), o trauma é responsável
características do hospedeiro (ILAS, 2020). por 10% das mortes ao redor do mundo
Por fim, como a sepse afeta pacientes de (MORTAZ et al., 2019). Assim, a lesão
diferentes faixas etárias, acredita-se que traumática é uma das principais causas de
grupos de pacientes semelhantes, morte, sendo 40% destas mortes pré-
geralmente apresentam uma resposta imune hospitalares. Uma das principais causas que
e inflamatória específica. Indivíduos jovens contribuem para este cenário é o distúrbio
e previamente hígidos estão mais propensos de coagulação, que causa hemor-ragias
a ter uma resposta pró-inflamatória descon- graves. Fatores como hipotermia, acidose e
trolada, à medida que pacientes idosos e hemodiluição de ressuscitação são
com comorbidades evoluem com um estado considerados como contribuintes significa-
de imunossupressão mais rapidamente. tivos para este quadro. A manifestação de
Dessa forma, entende-se que a sepse pode disfunção hemostática está associada a
se manifestar clinicamente de diversas maiores necessidades de transfusão de
formas, a depender do paciente acometido sangue, maior tempo de internação
(SILVA; VELASCO, 2007). O objetivo foi hospitalar e maior mortalidade (Martini
realizar revisão de literatura acerca de sepse WZ; 2016). O trauma em múltiplos órgãos
pós trauma. pode resultar em disfunções em todos os
sistemas do organismo, inclusive no sistema
2. MÉTODO imunológico, levando a alto risco de
infecções e complicações inflamatórias,
Utilizou-se como base de dados colocando os pacientes em condições
PubMed. Para a estratégia de busca foram possivelmente fatais.
utilizadas combinações dos descritores
290
Capítulo 23
TRAUMA E EMERGÊNCIA

A resposta inicial do hospedeiro, em em catabolismo de proteína e inflamação


trauma grave ou sepse, será a ativação do crônica (RAYMOND et al., 2017).
sistema imune inato, bem como da modu- Além disso, a literatura descreve um
lação da imunidade adaptativa (RAY- fator de risco genético para o aparecimento
MOND et al., 2017). A presença dos da sepse pós-traumática: o polimorfismo
patógenos, a perda massiva de sangue, a rs2232618 (Phe436Leu) no gene LBP que
lesão do tecido, a necrose celular e a lesão está relacionada à suscetibilidade à sepse
de reperfusão iniciam a resposta imuno- em pacientes traumáticos. Essa variante
lógica. Inicialmente, a resposta inflamató- gênica, classificada como SNP (polimorfi-
ria, constituinte da resposta imune inata, smos de nucleotídeo único) ocorre em genes
contará com os genes antiapoptóticos. Esses da resposta inflamatória e pode contribuir
passam por upregulation com o intuito de para diferentes desfechos observados na
aumentar a meia vida da circulação dos sepse e em outras doenças infecciosas -
neutrófilos que, por sua vez, fagocitam estudos prévios em animais de laboratório e
restos celulares, geram espécies reativas de coortes de pacientes clínicos confirmam
oxigênio (ROS), peptídeos antimicrobia- essa relação (LU et al., 2018). É possível
nos, serina proteases e várias citocinas e encontrar vários SNPs a proteína de ligação
quimiotaxinas, incluindo interleucina- (IL-) de lipopolissacarídeo (LBP), no receptor
1 β, IL-6, IL-10 e proteína quimiotática de toll-like 1 (TLR1) e no fator de necrose
monócitos-1 (MCP-1), que modula a tumoral alfa (TNF-alfa), inclusive em
resposta inflamatória e atrai ainda mais pacientes traumáticos. A existência de
monócitos e macrófagos. Porém, em variantes genéticas da sepse significa
situações de inflamação pós-traumática diferenças na resposta imunológica de cada
excessiva e suas complicações subsequen- paciente e suscetibilidade à sepse pós-
tes, os neutrófilos podem ficar super ativos traumática.
ou disfuncionais secretando um perfil Estudos recentes demonstram que o
alterado de citocinas, aumentando a comprometimento da função mitocondrial
produção de ROS, dentre outras alterações dos leucócitos, induzida pela sepse,
que agravam o dano ao tecido, incluindo contribui para o comprometimento das
tecidos saudáveis circundantes. A maioria respostas imunológicas antimicrobianas e
dos estudos demonstra que a alteração na para o aumento da suscetibilidade a
função dos neutrófilos prejudica sua ação de infecções secundárias. A maioria dos
defesa antimicrobiana, contribuindo para o estudos que demonstram um papel para
desenvolvimento da sepse (KOVTUN et disfunção mitocondrial de leucócitos
al., 2018). Assim, os danos resultantes da induzida por sepse, usaram células mononu-
exacerbação da resposta imunológica são: cleares do sangue periférico (PBMCs),
lesão de células endoteliais e epiteliais, isoladas de pacientes sépticos. Demonstra-
hipercoagulação, dificuldades na perfusão ram despolarização significativa do
microvascular e lesão de órgão. Além disso, potencial de membrana mitocondrial
o prolongamento da inflamação resultará induzida por sepse e aumento da expressão
291
Capítulo 23
TRAUMA E EMERGÊNCIA

de marcadores de morte celular, em imunológico é gerado por lesão,


monócitos do sangue periférico. Alguns não inflamação, isquemia e reperfusão do
sobreviventes demonstraram maior despo- tecido. O efeito do trauma, na função
larização da membrana mitocondrial, em imunológica, é variável e amplamente
comparação aos sobreviventes. dependente da gravidade da lesão. A
Em um estudo importante, Cheng et al., liberação de produtos celulares endógenos,
mostraram que a sepse bacteriana e fúngica como DNA mitocondrial, fosfolipídios
leva a uma mudança no metabolismo oxidados e ATP pode ativar receptores toll-
celular em direção à glicólise (efeito like e inflamassomas, para precipitar a
Warburg), e leucócitos isolados de ativação do sistema imunológico
pacientes sépticos, bem como aqueles (McBRIDE et al., 2020).
tratados com lipopolissacarídeos (LPS), Nas últimas décadas, estudos
demonstraram uma capacidade reduzida de demonstraram a influência do gênero na
consumo de oxigênio, significando defeitos resposta ao trauma e sepse em relação aos
mitocondriais. Além disso, esses defeitos mecanismos imunológicos, fisiopatológicos
metabólicos foram associados à capacidade e cardiovasculares. Estes estudos relataram
prejudicada dos leucócitos de produzir que as mulheres são menos suscetíveis,
citocinas pró-inflamatórias em resposta a principalmente à infecção causada após o
um estímulo secundário, que os autores trauma e à falência múltipla de órgãos.
chamam de estado de imunoparalisia. Nesse sentido, o resultado mais favorável
Em outros aspectos, a prevenção da em pacientes do sexo feminino, após o
infecção após o trauma envolve, trauma, é mediado por hormônios sexuais,
basicamente, a prevenção da ferida e da principalmente pela ligação do estrogênio
infecção nosocomial. Métodos de aos seus receptores (BÖSCH et al., 2018).
tratamento de feridas geralmente incluem Estudos, a partir da administração de
tratamento cirúrgico como desinfecção, endotoxina em roedores fêmeas,
desbridamento, irrigação abundante e observaram a redução da resposta da IL-1
limpeza de feridas, terapia de feridas com hipotalâmica, atenuando a inflamação
pressão negativa, drenagem de feridas, sistêmica. Este achado é apoiado pelo fato
fechamento de feridas apropriado e a de que o ciclo menstrual influencia na
administração de produtos farmacêuticos concentração de IL-1. Nesse sentido, a
como antibióticos profiláticos, vacinação ovariectomia aumenta os níveis de IL-1,
contra tétano, intervenções imunomodu- que após a administração de estradiol
ladoras. A desregulação imunológica é uma exógeno, tem seus níveis reduzidos
consequência bem descrita de trauma e (BÖSCH et al., 2018).
pode aumentar o risco de infecção É importante salientar que os hormônios
hospitalar (MA et al., 2016). sexuais influenciam no resultado. O
Embora a infecção e a sepse possam ser tratamento de ratos sépticos, machos ou
uma complicação do trauma, o impacto fêmeas ovariectomizadas com agonistas do
direto do trauma na função do sistema receptor de estrogênio alfa, atenuou as
292
Capítulo 23
TRAUMA E EMERGÊNCIA

interações leucócitos-endoteliais induzidas 4. CONCLUSÃO


pela sepse. Além disso, a administração
desse agonista aumenta a atividade dos Portanto, através desse estudo, é
macrófagos e a taxa de sobrevida (BÖSCH possível evidenciar que o trauma é
et al., 2018). considerado um conjunto de lesões
Conforme já discutido, uma consequên- causadas por um agente de variadas
cia do trauma e do choque séptico é o etiologias e extensões, e pode acometer
comprometimento da função orgânica, fato qualquer parte do corpo, sendo responsável
que está relacionado com a alta morbidade por 10% das mortes em todo o mundo. Na
e mortalidade. Nesse sentido, a lesão renal tentativa de explicar a associação entre as
aguda (LRA) é observada em 70% dos lesões traumáticas sepse, estudos demons-
pacientes com choque séptico e, entre esses traram fator de risco genético para o
pacientes, a taxa de mortalidade chega a aparecimento da sepse pós-traumática
aproximadamente 50% (BÖSCH et al.,
2018).

293
Capítulo 23
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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294
Capítulo 23
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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YOU, B. et al. Early application of continuous high-volume haemofiltration can reduce sepsis and improve the
prognosis of patients with severe burns. Critical Care, v. 22, p. 173, 2018.

295
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 24
INTOXICAÇÕES EXÓGENAS E SEU
MANEJO NA EMERGÊNCIA: UMA
ABORDAGEM EPIDEMIOLÓGICA E
ENTEGRATIVA

Palavras-chave: Intoxicação; Intoxicação Exógena; Emergência.

MARIANNA L. DE BASTOS MAXIMIANO1


ANA SOFIA SOUSA RIBEIRO1
CAIO PLUVIER DUARTE COSTA1
CAROLINE BABY NUNES1
BERNARDO BRANDÃO BARBOSA1
FELIPE CORREA MASSAHUD1
THIAGO SOUZA DE MELLO1
BEATRIZ CARVALHO DE OLIVEIRA1
SAMUEL VITORIO BRAGA1
PEDRO HENRIQUE DE M. LUVIZOTTO1
ANA CAROLINA DE AZEVEDO SOUZA1
ALICE FREITAS MACEDO1
AMANDA AMORIM MUGAYAR1
VALERIA TRONCOSO BALTAR²

1
Discente – Medicina da Universidade Federal Fluminense
²Docente – Departamento de Epidemiologia e Bioestatística da
Universidade Federal Fluminense

296
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO período, apenas as intoxicações por


agrotóxicos eram documentadas, e nesse
Intoxicação refere-se ao uso de uma ou ínterim o sistema era de responsabilidade da
mais substâncias em doses nocivas ao pasta governamental do Meio Ambiente
equilíbrio biológico, desencadeando efeitos (JESUS et al., 2012). Na continuidade de
adversos manifestados na clínica do linha cronológica, segundo a Portaria nº 4
paciente e/ou nos dados laboratoriais. de 2017 casos suspeitos e/ou confirmados
Devido às manifestações serem dose- de intoxicação exógena passaram a integrar
dependentes, substâncias a princípio a lista de casos de doenças e agravos de
desprovidas de toxicidade documentada, notificação compulsória no Sistema de
podem acarretar um quadro compatível com Informação de Agravos de Notificação
intoxicação exógena (IE)(ZAMBOLIM et (SINAN) (BRASIL, 2018).
al., 2008). A resposta de um indivíduo à Pesquisas epidemiológicas em nível
determinada concentração está relacionada mundial revelaram casos de IE em 1,5% a
às características específicas de cada 3% da população global (ALVIM et al.,
organismo, como tolerância e resposta à 2020). Em âmbito nacional, 1.107.971
interação com proteínas endógenas, casos foram notificados na última década,
juntamente com as especificidades físico- sendo 2019 o ano com maior número
químicas do agente, sua via de registrado até esse ano. O desfecho “cura
administração e o tempo de exposição sem sequela” é o encontrado em mais de
(KASPER et al., 2017). Com isso, uma 70% das evoluções segundo dados do
mesma dose pode causar reações distintas Departamento de Informática do Sistema
em diferentes organismos. À luz desse Único de Saúde (DATASUS). A morte por
entendimento, conclui-se que o efeito IE é considerada evitável, ajustando, pois, o
tóxico é dependente de uma interação foco das ações em saúde para medidas de
substância-receptor biológico capaz de prevenção visando a redução de novos
alterar a equilíbrio homeostático. casos.
Entre as formas de administração estão O objetivo deste estudo foi revisar a
a parenteral, enteral, tópica e inalada. A literatura associadamente à análise
partir disso entende-se que os efeitos podem epidemiológica de dados secundários
ser sistêmicos ou locais, possuindo íntima visando a abordagem da temática das
relação com via de uso do agente (ALVIM intoxicações exógenas e seu manejo nas
et al., 2020). Entre as situações que unidades de atendimento de emergência do
culminam no quadro clínico discutido há o país.
cenário acidental, a tentativa de suicídio ou
a intenção deliberada de assassinato. 2. MÉTODO
No Brasil, a notificação de IE começou
em 2004, via portaria 777, entretanto era Estudo de revisão integrativa no qual
relacionada a casos de exposição no utilizou-se os dados da literatura obtidos
ambiente laboral. Anteriormente a esse nos indexadores Publish Medical Literature
297
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Analysis and Retrievel System Online no trabalho, classificação final e evolução


(PubMed); Literatura Latino-Americana em dos casos. Os resultados obtidos foram
Ciências da Saúde (LILACS) e Scientific apresentados em frequências absoluta e
Eletronic Library Online (SciELO); relativa e taxas (por cada 100.000
empregando-se os descritores ((Exogenous habitantes) que derivaram as análises e
intoxication) AND (Emergency)). Foram conclusões expressas em tabelas e gráficos
selecionados artigos de revisão sistemática, gerados pela ferramenta da Microsoft
revisão de literatura, estudos randomizados Office℗ Professional Plus 2016 - o Excel.
controlados, metanálise, e ensaios clínicos, Por ter sido utilizado um banco de dados
todos publicados na última década (2010- público e de livre acesso cuja
2020) e obrigatoriamente em um dos confidencialidade dos participantes foi
seguintes idiomas: inglês, português e garantida, o trabalho não foi submetido ao
espanhol. Foram excluídas publicações que Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) e/ou
abordavam intoxicações em crianças, ou Comissão Nacional de Ética e Pesquisa
que não tratassem de manejo de sendo respaldado pelo inciso III do artigo 1º
emergência. da Resolução do Conselho Nacional de
No âmbito da avaliação epidemiológica Saúde no 510, de 7 de abril de 2016
foram empregadas informações secundárias (BRASIL, 2016), seguindo as normas éticas
amplamente divulgadas pelo DATASUS, nacionais.
por meio do aplicativo TABNET,
utilizando-se dados classificados em 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
estatísticas “Epidemiológicas e Morbidade”
referentes aos agravos de notificação 3.1. Epidemiologia
compulsória registrados no SINAN, a partir No período de janeiro de 2009 a
de 2007 e “Demográficas e Socioe- dezembro de 2019, foram notificados
conômicas” para cálculos de estimativas 1.106.495 casos de IE no Brasil. Sendo
populacionais. delineado um padrão crescente das
No presente trabalho, foram utilizadas ocorrências, culminando no ano de 2019 o
as notificações de intoxicação exógenas no ano com maior número de eventos, como
período de janeiro 2009 a dezembro de evidenciado no Gráfico 24.1. Vale destacar
2019 para as cinco regiões brasileiras que o sul foi a região de maior destaque para
definidas pelo Instituto Brasileiro de esse agravo, com um número de casos
Geografia e Estatística (IBGE). As ultrapassando 120 casos/100.000 habitan-
informações coletadas foram: sexo, idade, tes, no ano de 2019, seguido das regiões SE
escolaridade, raça/cor, agente tóxico, e NE; correspondendo ao padrão descrito na
circunstância, tipo de exposição, exposição literatura (SILVA et al., 2019).

298
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Gráfico 24.1 Distribuição


das taxas de notificações
por 100.000 habitantes,
segundo as macrorregiões,
intoxicação exógenas no
período de 2009 à 2019

Fonte: SINAN, 2020.

No que tange às características etárias 2020). Já o maior pico de incidência ocorre


da população estudada, percebe-se que a na faixa etária dos 20 - 39 anos, sugerindo o
curva de distribuição obedece a um padrão grupo de maior vulnerabilidade para esse
bimodal (Gráfico 24.2), tendo o seu agravo, com destaque as exposições
primeiro pico nas idades de 1- 4 anos, acidentais laborais (JESUS et al., 2012;
caracterizadas como intoxicações exógenas CAVALCANTE et al., 2014) e as
acidentais, as quais estão bem estabelecidas intencionais, nas tentativas de autoexter-
(RAMOS et al., 2017; AGUIAR et al., mínio (VIEIRA et al., 2015).

Gráfico 24.2 Histograma da frequência relativa das notificações no período de 2009 a 2019
segundo idade e macrorregiões

Fonte: SINAN, 2020.

Já para as características sociodemográficas analisado. A escolaridade, por sua vez, não se


(Tabela 24.1), têm-se que o sexo mais mostrou um fator de grande influência nas
prevalente para as IE foi o sexo feminino estatísticas, isso porque, houve uma distribui-
(55,68%), para todo o território nacional, sendo ção com pouca variabilidade percentual para os
25,62% maior que o sexo masculino (44,32%), níveis de escolaridade fornecidos pelo
em valores absolutos no período de tempo SINAN/SUS.
299
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Tabela 24.1 Características sociodemográficas


Indicadores Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Total
(N) (NE) (SE) (S) (CO)
Sexo (n; %)
Masculino 19.003 112.729 236.034 83.388 39.342 490.516
3,87% 22,99% 48,12% 17,00% 8,02% 100,00%
Feminino 19.592 132.762 295.075 119.407 49.395 616.234
3,18% 21,54% 47,88% 19,38% 8,02% 100,00%
Escolaridade (n; %)
Ignorado/Branco 13.801 134.892 234.244 49.499 38.860 471.296
2,93% 28,62% 49,70% 10,50% 8,25% 100,00%
Analfabeto 399 2.829 2.119 1.259 624 7.230
5,52% 39,13% 29,31% 17,41% 8,63% 100,00%
1ª a 4ª série 1.901 9.529 18.654 11.642 3.175 44.901
incompleta EF 4,23% 21,22% 41,54% 25,93% 7,07% 100,00%

4ª série completa EF 1.005 3.828 12.256 7.625 1.702 26.416


3,80% 14,49% 46,40% 28,87% 6,44% 100,00%
5ª a 8ª série 3.220 14.294 47.259 28.295 7.738 100.806
incompleta EF 3,19% 14,18% 46,88% 28,07% 7,68% 100,00%

EF completo 1.347 5.605 26.259 15.631 3.379 52.221


2,58% 10,73% 50,28% 29,93% 6,47% 100,00%
EM incompleto 2.523 9.231 40.216 22.247 6.215 80.432
3,14% 11,48% 50,00% 27,66% 7,73% 100,00%
EM completo 3.801 12.930 62.118 29.356 7.453 115.658
3,29% 11,18% 53,71% 25,38% 6,44% 100,00%
Superior incompleto 824 2.131 8.493 5.593 1.652 18.693
4,41% 11,40% 45,43% 29,92% 8,84% 100,00%
Superior completo 909 2.291 9.822 5.486 1.532 20.040
4,54% 11,43% 49,01% 27,38% 7,64% 100,00%
Raça/Cor (n; %)
Ignorado/ Branco 6.224 72.255 121.049 18.934 29.374 247.836
2,51% 29,15% 48,84% 7,64% 11,85% 100,00%
Branca 4.323 20.787 226.220 153.489 20.474 425.293
1,02% 4,89% 53,19% 36,09% 4,81% 100,00
Preta 1.057 6.680 32.012 6.470 3.316 49.535
2,13% 13,49% 64,63% 13,06% 6,69% 100,00%
Amarela 291 941 2.954 1.142 812 6.140
4,74% 15,33% 48,11% 18,60% 13,22% 100,00%
Parda 26.286 144.253 148.088 22.175 34.424 375.226
7,01% 38,44% 39,47% 5,91% 9,17% 100,00%
Indígena 422 657 867 598 371 2.915
14,48% 22,54 29,74% 20,51% 12,73% 100,00%
Legenda: EF (Ensino Fundamental); EM (Ensino Médio)

Pode-se destacar que, quanto aos grupos padrão numérico da população, segundo a
étnicos estudados, foram preponderantes os Pesquisa Nacional por Amostras de Domi-
brancos (38%) e pardos (~34%) seguindo o cílio (PNAD) no período de 2012-2019
300
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

(IBGE, 2019). Ainda que sejam poucos os educativos e prescrições; facilidade,


registros na literatura, alguns trabalhos facilidade na comercialização e acesso aos
mostram que a IE na população indígena medicamentos de modo geral, prevalecendo
(2.915) está fortemente associada às tanto em casos fatais, quanto não-fatais
tentativas de suicídio, sendo a segunda (MOTA et al., 2012) estando fortemente
causa mais prevalente, superadas apenas associados à tentativa de suicídio na
pelo enforcamento (SOARES et al., 2020). população jovem, principalmente (BER-
Dentre os agentes tóxicos causadores da NARDES et al., 2010; OLIVEIRA et al.,
IE (Gráfico 24.3), destacam-se os 2015; SILVA et al., 2019), e idosa, em
medicamentos 3,60 vezes mais frequentes função do aumento do consumo de
que a segunda causa, as drogas de abuso. medicamentos psicotrópicos altamente
Esse dado reflete os aspectos subjacentes à prescritos no envelhecer (GONÇALVES et
irregularidade das publicidades, programas al., 2017).

Gráfico 24.3 Distribuição das notificações no período de 2009 a 2019 segundo agente tóxico e
macrorregiões

Fonte: SINAN, 2020.

Referente às circunstâncias podemos crescimento no decorrer dos anos; como


destacar que, para as 5 sub-regiões observado no gráfico 24.4.
brasileiras, as mais frequentes foram: Por fim, vale destacar que a maioria
tentativas de suicídio (38,20%); acidental (64,80%) das IE notificadas tiveram
(18,40%); abuso de substâncias químicas confirmação laboratorial; dentre as
(12,70%), uso habitual (6,20%) e ingestão classificações finais, as intoxicações
alimentar (4,80%). É perceptível o quanto agudas-únicas (62,34%) foram as mais
as tentativas de suicídio se representam frequentes, refletindo principalmente as
como a maioria das causas de IE, causas acidentais e intencionais suicidas.
apresentando, inclusive um padrão de Dentre os registros, os óbitos totalizaram

301
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

11.047, perfazendo 0,99% das notificações qualificado tem na redução da carga de


no período estudado, indicando o potencial letalidade das intoxicações, na emergência.
de reversibilidade que o tratamento clínico

Gráfico 24.4 Distribuição das notificações no período de 2009 a 2019 segundo circunstância
e macrorregiões

Fonte: SINAN, 2020.

3.2. Clínica e diagnóstico de gravidade, ainda que se apresentem de


Tendo em vista que as intoxicações forma oligossintomática inicialmente,
exógenas se constituem de um desequilíbrio tendo em vista que o agravamento posterior
biológico desencadeado pelo emprego de do quadro pode vir a ocorrer (VELASCO et
um ou mais agentes danosos, essas podem al., 2019).
se apresentar de diferentes formas clínicas e As manifestações clínicas apresentadas
laboratoriais a depender da substância por pacientes encaminhados à emergência
desencadeadora do quadro. A correta médica comumente podem ser reunidas em
abordagem a ser realizada é crucialmente grupos sindrômicos (AKI et al., 2019), nos
dependente da análise precisa dos sinais quais se incluem sinais e sintomas
clínicos, dos dados encontrados nos exames específicos para cada síndrome que se
apresentados pelos pacientes e no relato de correlacionam com uma lista diminuta de
testemunhas, paramédicos ou familiares, ao agentes e substâncias potenciais desencade-
passo que, frequentemente, os pacientes adoras dos quadros. Essa concerne uma
podem se apresentar inconscientes ou não forma eficaz e efetiva que facilita o
cooperativos (HOLSTEGE, 2012). raciocínio clínico do médico, colaborando
Todos os pacientes com suspeita ou com a formulação do correto diagnóstico e
confirmação diagnóstica devem ser visando o tratamento mais rápido e
abordados como casos com alto potencial adequado.
302
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

As principais síndromes tóxicas, ou individuais dos organismos, comorbidades


“toxíndromes”, termo estabelecido por associadas e outros fatores coingestos
Mofenson & Greensher em 1970, são: (HOLSTEGE, 2012). Entretanto, essa se
Anticolinérgicas, Colinérgicas, Opióides, mantém uma técnica válida e aceita para
Simpaticomiméticas, Sedativo-hipnóticas e diagnóstico e ajuste do manejo em pacientes
Serotoninérgicas. Estas possuem, eventual- afetados por intoxicações exógenas.
mente, fatores entre si que se sobrepõem, Os principais sinais e sintomas paralela-
tornando possível o confundimento pelos mente aos agentes e substâncias predomi-
médicos avaliadores do quadro. Ademais, nantemente desencadeadores das principais
sabe-se que a resposta de cada indivíduo a síndromes expostas foram compilados na
determinada substância pode se apresentar (Quadro 24.1) para melhor compreensão e
de forma singular devido a variabilidades associação dos quadros apresentados.

Quadro 24.1 Principais sinais e sintomas das toxíndromes


Síndrome Principais sinais e sintomas Agentes desencadeantes
Midríase, anidrose, rubor, hipertermia,
Antidepressivos tricíclicos; Cogumelos
taquicardia, hipertensão, retenção urinária.
psicodélicos; Antiparkinsonianos;
Anticolinérgica Sintomas do SNC: Agitação, fala anormal,
Anti-histamínicos; Escopolamina;
confusão, tremor, ataxia, alucinação,
Atropina
delírio.
Miose, salivação, lacrimejamento, bradiar-
ritmias, hipotensão, incontinência urinária e
fecal
Organofosforados; Carbamatos;
Broncorreia, broncoconstrição, período
Colinérgica Nicotina; Fisostigmina; Gás sarin
expiratório aumentado, tosse
Pilocarpina
Náusea, vômito e dor abdominal
Sintomas do SNC: Convulsões, fascicu-
lações, paralisia flácida
Miose, bradipneia, bradicardia, hipotensão,
Morfina; Oxicodona;
hipotermia
Opioides Hidrocodona; Fentanil;
Sintomas do SNC: Redução do nível de
Codeína; Heroína.
consciência
Midríase, taquicardia, hipertensão,
Anfetaminas; Fenilefrina;
hipertermia, diaforese
Simpaticomimética Efedrina; Cocaína;
Sintomas do SNC: Agitação, ansiedade,
Cafeína; Teofilina.
tremor, paranoia, convulsões
Bradicardia, bradipneia Álcool;
Sedativo-Hipnótica Sintomas do SNC: Rebaixamento do nível Barbitúricos;
de consciência Benzodiazepínicos.
Midríase, taquicardia, hipertensão, Inibidores da MAO;
hipertermia, taquipneia Inibidores seletivos da recaptação de
Diaforese, diarreia serotonina;
Serotoninérgica
Sintomas do SNC: Confusão, agitação, Antidepressivos tricíclicos;
tremor, hiperreflexia, hipertonia, rigidez, Tramadol;
trismo, coma Fentanil.
Legenda: SNC (Sistema Nervoso Central); MAO: (Monoamina oxidase)
303
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Devido à grande prevalência dos (HERNANDEZ e RODRIGUES, 2017). A


medicamentos no cenário brasileiro das IE, estabilização deve respeitar a ordem
torna-se relevante o entendimento das ABCDE (VELASCO et al., 2019). Assim, é
principais classes de drogas envolvidas com importante a análise das vias áreas,
essas intoxicações. Segundo dados do garantindo sua perveidade e proteção.
Sistema Nacional de Informações Tóxico- Alterações do nível de consciência podem
Farmacológicas (Sinitox), os benzodiazepí- ser danosas, pois reduzem a capacidade de
nicos se apresentam como a classe de proteção (OLSON et al., 2012). É essencial
medicamentos mais preponderante, seguida estar alerta para realizar o procedimento de
pelos anticonvulsivantes e antidepressivos intubação orotraqueal (IOT), caso necessá-
(GONÇALVES et al., 2017). rio (MÜLLER e DESEL, 2013). A vítima
de intoxicação por opióides ou benzodiaze-
3.3. Tratamento pínicos pode ser despertada pela adminis-
A conduta específica a ser realizada tração antecipada de naloxona ou
depende da substância tóxica ingerida ou flumazenil, respectivamente, evitando a
exposta, da dose administrada, do tempo da necessidade de IOT (OLSON et al., 2012).
exposição e da duração do intervalo entre a A ação seguinte é a monitorização
exposição e o atendimento médico- cardiovascular com avaliação do status
hospitalar (MÜLLER & DESEL, 2013). As hemodinâmico. Em caso de hipotensão,
vítimas com hipótese de intoxicação deve-se administrar 10-20mL/kg de solução
exógenas devem ser direcionadas à sala de cristalóide. A conduta em quadros de
emergência. Assim, de acordo com a parada cardiorrespiratória (PCR) deve se
suspeita de exposição, os profissionais de basear no protocolo de reanimação da
saúde devem estar instrumentalizados com American Heart Association (AHA), o
os equipamentos de proteção individual Advanced Cardiovascular Life Support
(EPIs) adequados, como avental, luvas (ACLS) (VELASCO et al., 2019). A
descartáveis, máscaras com filtro químico, administração de tiamina e glicose via
óculos de proteção e etc., a fim de garantir intravenosa (IV) são fundamentais em
a segurança da equipe atuante (VELASCO cenários de alterações do nível de
et al., 2019). consciência, exceto em contextos que os
O tratamento está relacionado à hipóteses diagnósticas de intoxicação
monitorização e à estabilização dos sinais alcoólica e hipoglicemia possam ser
vitais, à elaboração da abordagem diagnós- rejeitados rapidamente (HERNANDEZ &
tica da síndrome tóxica correspondente e ao RODRIGUES, 2017).
manejo específico (VELASCO et al., Após a ressuscitação inicial e
2019). No manejo inicial, deve ser realizada estabilização do paciente, deve ser efetuada
monitorização do paciente: pressão arterial a sua exposição total. Nesse ponto, é
não invasiva, oximetria de pulso e punção essencial buscar sinais de lesões de pele,
de acessos venosos periféricos calibrosos trauma, marcas de agulha, infecção, edema

304
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

de extremidades (HERNANDEZ & Dentre essas, as vias cutânea, respiratória e


RODRIGUES, 2017). Além disso, devem oral se destacam como as mais
ser realizadas medidas de descontaminação preponderantes e possuem manejos
e coleta de exames de rastreamento. específicos a serem realizados (SILVA &
Dependendo da substância tóxica, podem COSTA, 2018). Descontaminação cutânea:
ser realizados eletrocardiograma (ECG), Remover as vestimentas contaminadas com
raio-x (RX), tomografia computadorizada a substância exógena e realizar a lavagem
(TC), exames laboratoriais ou endoscopia da região exposta com água abundante.
digestiva alta (EDA). Os principais exames Respiratória: Retirar o paciente do local e
complementares a serem solicitados são: fornecer oxigênio umidificado suplementar.
Hemograma completo, bioquímica sérica, Ocular: Aplicar anestésico tópico,
exames de função hepática, exame promover lavagem soro fisiológico a 0,9%
toxicológico na urina, lactato sérico, (SF 0,9%) ou com água filtrada sempre da
glicemia capilar, gasometria arterial, em região medial para a região externa com as
hipótese de acidose, concentração sérica de pálpebras abertas por no mínimo cinco
álcool, Beta-HCG em suspeita de gravidez minutos. Solicitar avaliação de especialista
(VELASCO et al., 2019). é essencial (HERNANDEZ &
Por fim, deve ser realizada uma RODRIGUES, 2017).
avaliação de risco do paciente. Nessa etapa, Descontaminação Gástrica: Esse
são analisadas, de forma abrangente, as processo baseia-se na tentativa de inibir ou
variáveis de intoxicação, a fim de reduzir a absorção da substância tóxica,
estabelecer os riscos e benefícios de novas promovendo a remoção do agente. A
possíveis intervenções para além do manejo indicação em relação à situação dos
inicial. Na maioria dos casos, a avaliação pacientes fundamenta-se no nível de
corrobora que apenas a realização de consciência e tempo de exposição, sendo
medidas de suporte e estabilização são recomendado para pacientes alertas e
suficientes para garantir o bem-estar do colaborativos (vítimas em estado de torpor
paciente (GHANNOUM & GOSSELIN, e sonolência apresentam maiores chances
2013). Todavia, algumas vítimas de para complicações, como broncoaspiração)
intoxicação apresentam melhor prognóstico e exposição recente, ou seja, o intervalo de
quando realizado um tratamento mais tempo decorrido da intoxicação oral até o
específico, como as técnicas de atendimento é de até 1 a 2 horas. As
descontaminação, as medidas de eliminação vantagens no que se refere ao agente tóxico
ingerido: substâncias que reduzem a
e a administração de antídoto
motilidade intestinal (anticolinérgicos,
(HERNANDEZ & RODRIGUES, 2017).
fenobarbital, etc.), agentes de liberação
prolongada, inoculação de agentes sem
3.4. Medidas de descontaminação
antídotos acessíveis ou disponíveis e
As medidas de descontaminação
compostos não corrosivos (MÜLLER &
dependem significativamente da via de
DESEL, 2013; HERNANDEZ &
exposição do agente tóxico ao organismo.
RODRIGUES, 2017).
305
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Lavagem gástrica: É um procedimento antagonistas vitamina K (MÜLLER &


realizado a partir da na infusão e posterior DESEL, 2013). Contraindicações: Conta-
aspiração de soro fisiológico a 0,9% (SF minação oral por compostos corrosivos
0,9%) por meio de sonda nasogástrica ou (ácidos inorgânicos, etc), surfactantes,
orogástrica. O volume recomendado varia hidrocarbonetos líquidos, não proteção das
com a faixa etária. Indicações: casos de vias áreas, agitação motora, RN, gestantes,
risco de vida 60 minutos após a intoxicação pacientes muito debilitados, cirurgia
(MÜLLER & DESEL, 2013). Dose: abdominal recente, administração de
Crianças: 10 mL/Kg por infusão até volume antídotos por VO e obstrução intestinal.
total de: Escolares: 4 a 5 L; Lactentes: 2 a 3 Complicações: Obstrução intestinal,
L, Recém-nascidos(RN): 0,5 L. Adultos: constipação, broncoaspiração e diminuição
250 mL por vez até um volume total de 6 a da ação dos antídotos orais
8 L ou até que retorne límpido (HENDRICKSON & KUSIN, 2019).
(HERNANDEZ & RODRIGUES, 2017). Lavagem intestinal: Baseia-se na
Contra-indicações: Risco de perfuração e administração de solução de
sangramentos, ingestão de hidrocarbonetos polietilenoglicol (PEG) via sonda naso-
líquidos de baixa viscosidade, como enteral para estimular a eliminação do
gasolina, lesões corrosivas com ácidos ou composto por meio do trato gastrointestinal
bases, redução do nível de consciência com pelas fezes. Indicações: Intoxicação por
perda de reflexos protetores das vias aéreas substâncias não absorvidas pelo carvão
(HENDRICKSON & KUSIN, 2019). ativado e body-packing (HERNANDEZ &
Complicações: Aspiração, hipóxia, RODRIGUES, 2017). Dose: Administração
pneumonia, perfuração e laringoespasmo. É por via oral ou sonda. Adultos: até 2 L/h.
indicado que a técnica seja feita apenas por Crianças de 9 meses a 6 anos: 500 mL/h.
médico com experiência no procedimento Crianças de 6 a 12 anos: 1000 mL/h
(MÜLLER & DESEL, 2013). (HENDRICKSON & KUSIN, 2019).
Carvão ativado: A administração Contraindicações: Presença de íleo
precoce de uma única dose de carvão paralítico, perfuração gastrintestinal,
ativado minimiza a absorção do agente hemorragia gastrintestinal, instabilidade
tóxico. É imprescindível conhecer as hemodinâmica, vômitos não controlados e
propriedades adsortivas da substância via área não protegida. Complicações:
ingerida (MÜLLER & DESEL, 2013). Broncoaspiração, náuseas e vômitos
Substâncias como ácidos, álcalis, álcoois, (THANACOODY et al., 2015).
cianeto e metais como lítio e ferro não são
efetivamente adsorvidas pelo carvão. 3.5. Tratamentos que aumentam a
Indicações: Ingestão por via oral (VO) em eliminação
até 2 horas (VELASCO et al., 2019). Dose: Inúmeras técnicas podem ser utilizadas
Recomenda-se 0,5–1 g/kg de peso corporal. para potencializar a eliminação de um
Maiores benefícios: Em casos de overdoses agente tóxico com meia-vida longa, o
de substâncias com farmacológico procedimento escolhido depende do
retardado, medicamentos alcalóides e
306
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

composto contaminante (GHANNOUM & principalmente quando a intoxicação já


GOSSELIN, 2013). causou acidose (MÜLLER & DESEL,
2013). Maiores benefícios: Remoção de
Alcalinização da urina: O objetivo é compostos com as seguintes características:
atingir pH urinário > 7,5, aproximadamente Baixo peso molecular (< 500 daltons),
8,0, enquanto o pH sérico deve se manter pequeno volume de distribuição (< 1 L/Kg)
em torno de 7,55 a 7,6 (GHANNOUM e e baixa ligação a proteínas plasmáticas
GOSSELIN, 2013). Indicações: Intoxica- (HERNANDEZ & RODRIGUES, 2017).
ção moderada a grave por salicilatos, sem Complicações: Instabilidade hemodinâmica
indicação de diálise, intoxicação por relacionada à hemodiálise e complicação de
fenobarbital, antidepressivos tricíclicos e punção de acesso vascular (GHANNOUM
clorpropamida. Dose: Administrar 1-2 & GOSSELIN, 2013).
mEq/kg de bicarbonato de sódio 8,4% em Hemoperfusão: Consiste na passagem
bolus; Infusão contínua de 150 mEq de do sangue por uma coluna de microcápsulas
bicarbonato de sódio 8,4% em 1.000 mL de de carvão ativado e resinas não iônicas,
soro glicosado a 5%, infusão de 200-250 promovendo a adsorção e depuração do
mL/h (HERNANDEZ & RODRIGUES, composto tóxico. Indicações: Substâncias
2017). Contraindicações: Hipervolemia já adsorvíveis pelo carvão ativado, pequeno
existente, edema pulmonar ou cerebral, volume de distribuição (< 1 L/Kg) e baixa
insuficiência renal e hipocalemia não ligação a proteínas plasmáticas (VELASCO
corrigida. (HERNANDEZ & RODRI- et al., 2019). Devido a efeitos colaterais, é
GUES, 2017; VELASCO et al., 2019). indicada apenas para o manejo de
Complicações: Hipervolemia, hipocalemia, intoxicações que não podem ser tratadas de
alcalose metabólica e hipocalcemia. outras formas, como diálise (MÜLLER &
Atenção a monitorização dos níveis níveis DESEL, 2013). Complicações: Em compa-
séricos de potássio, bicarbonato e pH (de ração com a hemodiálise, a hemoperfusão
2/2 até 4/4 h), sendo essencial a correção (HP) está associada a mais complicações,
dos distúrbios eletrolíticos, caso necessário como hipocalcemia, trombocitopenia,
(VELASCO et al., 2019). leucopenia e hipoglicemia. A disponibili-
Hemodiálise: Essa técnica deve ser dade da HP nos centros de emergência
aplicada nas contaminações por composto ainda é limitada (GHANNOUM &
em que não há vantagens nos GOSSELIN, 2013).
procedimentos de descontaminação e que
promovem efeitos danosos ao organismo 3.6. Antídotos
mais rapidamente que a sua própria Em algumas situações, é necessário um
eliminação (HERNANDEZ & RODRI- manejo mais específico com a utilização de
GUES, 2017). Indicações: Intoxicação por antídotos, caso disponível. É imprescindí-
salicilatos, valproato, lítio, carbamazepina, vel que o médico saiba realizar o uso
fenitoína, metformina, álcoois de cadeia apropriado de antídoto e terapias de suporte,
curta, como metanol e etilenoglicol, além de assegurar o monitoramento
307
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

dos pacientes quanto à reação clínica em já conhecidos na prática clínica podem ser
resposta à substância e aos efeitos colaterais consultados no quadro 24.2.
(MÜLLER & DESEL, 2013). Os antídotos

Quadro 24. 2 Principais antídotos utilizados na prática clínica

Agente Exógeno Antídoto Agente Exógeno Antídoto


Paracetamol/Acetamin
N-acetilcisteína (NAC) Ferro Desferoxamina
ofeno
Dimercaprol; Edetato
Opióides Naloxone Chumbo
de cálcio
Glucagon ou insulina
Betabloqueador Arsênio Dimercaprol
em altas doses
Insulina e cálcio
Bloqueadores de cálcio Etilenoglicol Etanol; Fomepizol
intravenoso
Digoxina Digoxina imune FAB Metanol Etanol; Fomepizol
Organofosforados e Atropina e Hidroxicobalamina;
Cianeto
carbamatos fisiostigmina Nitrito de sódio
Fonte: Adaptação de VELASCO et al., 2019

4. CONCLUSÃO relevante para que medidas preventivas


sejam adequadamente tomadas a fim de
A intoxicação exógena é um importante evitar as possíveis consequências desse
problema de saúde pública, que está evento. Para além da prevenção, é de suma
associada à diversas áreas da vida de um importância o conhecimento das toxisín-
indivíduo: suas relações interpessoais, dromes por parte do médico que atua na
trabalhistas, auto psíquicas, de cuidado e emergência para que esse seja capaz de, não
socioculturais. Traçar o perfil apenas realizar o diagnóstico sindrômico,
epidemiológico nacional da última década é mas utilizá-lo como ponto de partida na sua
conduta terapêutica.

308
Capítulo 24
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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310
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 25
PANCREATITE AGUDA NA
EMERGÊNCIA: UMA REVISÃO
INTEGRATIVA

Palavras-chave: Pancreatite aguda; Emergência; Pâncreas.

PAULO HENRIQUE TAVARES DE OLIVEIRA¹


THIAGO SOUZA DE MELLO¹
SAMUEL VITORIO BRAGA¹
AMANDA AMORIM MUGAYAR¹
PAULA HESSELBERG DAMASCO¹
THAIS GUARANÁ²

1
Discente - Medicina da Universidade Federal Fluminense.
2
Docente - Departamento de Medicina Clínica. Área de concentração: Gastroenterologia.

1
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO apresentações clínicas. Dessa forma, torna-


se possível realizar o manejo adequado e
A pancreatite aguda (PA) é uma lesão precoce, minimizando eventuais complica-
inflamatória e reversível do parênquima ções e garantindo um prognóstico favorável
pancreático originada a partir de sua desses pacientes (LANKISCH et al., 2015).
autodigestão enzimática. Configura-se Diante de sua relevância clínica, bem como
como uma das principais doenças da demanda por atualização constante sobre
gastrointestinais encontradas nas emergên- o tema e sobre as recomendações de
cias médicas, com incidência crescente ao tratamento, esse estudo objetivou realizar
longo dos anos, alcançando taxas entre 13 a uma revisão integrativa sobre essa temática.
45 novos casos a cada 100 mil habitantes
(KUO et al., 2015). Apesar de apresentar 2. MÉTODO
taxa de mortalidade em torno de 5%-10%,
esse valor pode chegar a 40% em casos Este estudo consiste de uma revisão
graves e abordados de forma incorreta integrativa. A pesquisa bibliográfica foi
(KUMAR & GRIWAN, 2017). realizada no mês de abril de 2021, a partir
A fisiopatologia da PA é caracterizada da busca de artigos nas seguintes bases de
pela ativação precoce e intrapancreática das dados: Public/Publisher MEDLINE (Pub-
pró-enzimas digestivas, com destaque para Med), Scientific Electronic Library Online
a tripsina. Essa pré-ativação desencadeia a (SciELO) e Literatura Latino-Americana e
autodigestão do parênquima pancreático, do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS).
com consequente resposta inflamatória De acordo com o objetivo desta pesquisa, as
extensa local e em tecidos adjacentes palavras-chaves foram os seguintes termos:
(LANKISCH et al., 2015). Entre suas “acute pancreatitis AND emergency”,
principais causas, podemos citar a “acute pancreatitis”, “acute pancreatitis
obstrução por cálculos biliares, o abuso epidemiology” e “acute pancreatitis
prolongado de álcool, fatores genéticos, diagnosis”.
infecções, traumas, medicamentos, estados Entre os artigos analisados, foram
hipercalcêmicos, e hipertrigliceridemia, revisados 16 artigos indexados nas bases
entre outros (WALLER et al., 2018). digitais PubMed, SciELO e LILACS, nos
A sintomatologia da PA se caracteriza, idiomas português, inglês e espanhol, no
na maioria das vezes, por dor abdominal período entre 2011 e 2021, sendo analisados
aguda no andar superior, náuseas e vômitos, estudos primários e secundários. Os
apesar de existirem casos assintomáticos critérios de exclusão foram: artigos
(5%) (WALLER et al., 2018). Por seu duplicados, disponibilizados na forma de
diagnóstico utilizar tanto critérios clínicos resumo, que não abordavam diretamente a
quanto radiológicos e laboratoriais, proposta estudada e que não atendiam aos
evidencia-se a necessidade de os demais critérios de inclusão. Os artigos
profissionais de saúde compreenderem sua analisados abordaram a fisiopatologia, a
fisiopatologia e conhecerem suas diversas epidemiologia, o diagnóstico e manejo da
313
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

pancreatite aguda. Além disso, foram al., 2013). Essa mudança de panorama
utilizados os seguintes livros como ocorre em decorrência de diversos fatores,
referencial teórico: Fisiologia - Margarida como a melhor acurácia dos métodos
de Mello Aires, Robbins & Cotran diagnósticos, desenvolvimento de escores
Patologia - Bases Patológicas das Doenças, mais precisos e manejo precoce e adequado
Rodrigo Antônio Brandão Neto - Medicina dos pacientes (MANDALIA et al., 2018).
de Emergência: Abordagem Prática e A maioria dos casos de PA apresenta
Milton de Arruda Martins - Clínica Médica gravidade classificada como leve ou
- Volume 4: doenças do aparelho digestivo, moderada, representando cerca de 80-90%
nutrição e doenças nutricionais. do total de casos. Entretanto, os demais
casos, classificados como graves, geral-
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO mente apresentam complicações concomi-
tantes, necessitando de cuidados intensivos
3.1. Epidemiologia e especializados, e mesmo assim alcançam
A PA é uma das principais doenças elevadas taxas de mortalidade, com valores
gastrointestinais encontradas nas emergên- próximos a 40%. Nesse contexto, a
cias médicas, configurando-se assim como mortalidade geral dessa emergência alcança
uma importante preocupação para o sistema valores em torno de 5% a 10%,
de saúde. Apesar de apresentar um amplo evidenciando-se a importância epidemioló-
espectro etiológico, a taxa de mortalidade gica da PA para o sistema de saúde
não é influenciada por esses fatores (KUMAR & GRIWAN, 2017).
(MANDALIA et al., 2018).
Sua incidência tem aumentado 3.2. Etiologia
globalmente ao longo dos últimos anos, Existem diversos fatores etiológicos
alcançando taxas de aproximadamente 13 a relacionados ao desenvolvimento da PA,
45 novos casos a cada 100 mil habitantes como mostrados na Tabela 25.1, sendo os
(KUO et al., 2015). Tal situação é cálculos biliares e o abuso de álcool seus
justificada por um aumento de consumo de principais fatores causais (HABTEZION et
álcool entre a população, maior incidência al., 2019; LANKISCH et al., 2015).
de obesidade e pelo envelhecimento Estudos demonstram que os cálculos
populacional (RIBEIRO et al., 2017). biliares, especialmente os menores que 5
Entretanto, sua taxa de mortalidade vem mm, são a principal causa de PA, sendo
diminuindo, de forma que não acompanha responsáveis por 40% a 70% dos casos.
esse aumento da incidência (TENNER et (MARZINOTTO et al., 2019; WALLER et
al., 2018; KUO et al., 2015).

314
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Tabela 25.1 Etiologias da Pancreatite Aguda

Etiologias mais Etiologias Etiologias Outras etiologias


comuns infecciosas hereditárias
Litíase Biliar; Mycoplasma Hipercalcemia familiar; Idiopática;
Álcool; pneumoniae; Mutações do gene Autoimune;
Hipertrigliceridemia; Salmonella typhi; CFTR; Trauma;
Iatrogenia (CPRE). Leptospira spp.; Mutações do gene Medicamentosa;
Campylobacter; PRSS1; Autoimune;
M. tuberculosis; Mutações do gene Trauma.
Vírus Epstein–Barr; SPINK1;
Coxsackiae Vírus; Disfunção do esfíncter
Varicela-Zoster; de Oddi.
Ascaris lumbricoides.

Fonte: Adaptado de KUO et al., 2015.

A segunda causa mais comum de PA é Não obstante, diversos medicamentos


o abuso de álcool, ocorrendo em 25% a 41% foram associados ao desenvolvimento da
dos pacientes. Estudos mostram que o uso pancreatite, entre eles: azatioprina,
abusivo de álcool por um período dapsona, ácido valpróico, lamivudina,
prolongado (50g de álcool por dia durante 5 hidrocortisona e sinvastatina, mostrados na
ou mais anos), está diretamente relacionado Tabela 25.2 (HABTEZION &
ao maior risco para o desenvolvimento da GUKOVSKAYA & PANDOL, 2019).
doença. Já a terceira causa mais comum de Além disso, podemos citar a
PA, que corresponde a 10% dos casos, é a enteroscopia de balão único ou duplo,
hipertrigliceridemia. Aproximadamente hipercalcemia, anormalidades vasculares,
20% dos pacientes que apresentam níveis trauma abdominal, etiologias autoimunes,
séricos de triglicerídeos > 1000 mg /dL ou congênitas e genéticas como deflagradores
10 mmol/L, irão desenvolver pancreatite da PA (LANKISCH et al., 2015; ISMAIL
(HABTEZION et al., 2019; WALLER et & BHAYANA, 2017). Ainda é importante
al., 2018; ISMAIL & BHAYANA, 2017). destacar que obstruções mecânicas como
Outras etiologias podem ser descritas, câncer pancreático, outras malignidades,
porém são menos frequentes. Dentre essas disfunção do esfíncter de Oddi, assim como
causas, podemos citar complicações de infecções virais e bacterianas também
colangiopancreatografia retrógrada endos- podem causar PA (MARZINOTTO et al.,
cópica (CPRE), possuindo uma frequência 2019; WALLER et al., 2018).
de 3,5% entre os pacientes que realizam o Dessa forma, a etiologia da PA deve ser
procedimento (LANKISCH et al., 2015). esclarecida ainda na emergência, devido ao
315
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

seu amplo espectro causal, a fim de fornecer como idiopática, visto que a etiologia não
tratamento definitivo e evitar a recorrência foi identificada mesmo com exames
do quadro (LEPPÄNIEMI et al., 2019). laboratoriais e de imagem iniciais
Todavia, não é possível identificar uma (LEPPÄNIEMI et al., 2019; WALLER et
causa definitiva da PA de um em cada al., 2018).
quatro pacientes, podendo ser definida

Tabela 25.2. Medicamentos de Classe I causadores de PA.

Medicamentos de Classe I causadores de PA


α-Metildopa Codeína Metimazol

Ácido Transretinóico Dapsona Nelfinavir

Ácido Valpróico Enalapril Omeoprazol

Amiodarona Furosemida Pravastatina

Azatioprina Hidrocortisona Sinvastatina

Benzafibrate Isoniazida Sulfametoxazol

Cannabis Lamivudina Sulfametoxazol - Trimetropim

Citosina Losartana Sulindac

Clomifeno Mestranol Tetraciclina


Fonte: Adaptado de KUO et al., 2015.

Em relação aos fatores de risco, relação aos que nunca fumaram. Além
podemos destacar que o risco de PA disso, outro fator de risco conhecido é o
aumenta progressivamente conforme a diabetes mellitus tipo 2, sendo o risco maior
idade. Além disso, pode-se afirmar que a em pacientes mais jovens, enquanto que há
obesidade e o aumento da adiposidade redução do risco com o uso de
abdominal são fatores de risco para o medicamentos antidiabéticos. Estudos
desenvolvimento de PA e de sua gravidade. ainda demonstram que a Cannabis também
Destaca-se ainda que a obesidade é um fator pode ser considerada fator de risco, visto
de risco para o câncer pancreático e para o que sua abstinência reduz os ataques
desenvolvimento de cálculos biliares, recorrentes de pancreatite (LANKISCH et
ambas etiologias da PA (YADAV & al., 2015; MANDALIA et al., 2019).
LOWENFELS, 2013).
Ressaltamos ainda o tabagismo como 3.3. Fisiopatologia
fator de risco, visto que pacientes fumantes O pâncreas é um órgão abdominal
de 20 maços/ano ou mais apresentam duas localizado no retroperitônio, classificado
vezes mais risco de desenvolver PA em como uma glândula mista, desempenhando,
316
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

portanto, funções endócrinas e exócrinas qual possui concentração intrapancreática


(AIRES, 2012). Sua porção endócrina é mínima; e a presença de inibidores de
representada pelas ilhotas de Langerhans, as tripsina na secreção pancreática e nos
quais constituem cerca de 1% a 2% do grânulos de zimogênio. O desequilíbrio
órgão. Essas estruturas são responsáveis desses mecanismos resulta na ativação
pela secreção de hormônios, os quais precoce e intrapancreática das proteases
regulam o metabolismo celular e a digestivas, originando o quadro de
homeostasia do organismo, como a pancreatite (KUMAR et al., 2016).
insulina, glucagon e somatostatina. Já sua A pancreatite é caracterizada pela
função exócrina é desempenhada pelas ativação precoce e intrapancreática desses
células acinares e constitui a maior parte zimogênios, com consequente autodigestão
desse órgão (80% a 85%). Essas células são do parênquima pancreático, degradação de
responsáveis pela produção das enzimas células adiposas e de fibras elásticas dos
digestivas as quais serão secretadas no vasos sanguíneos. A pancreatite é dividida
lúmen duodenal ainda na forma de em aguda e crônica, sendo este resultado de
zimogênio. Entre elas, pode-se destacar: o uma agressão constante e prolongada ao
tripsinogênio, quimiotripsinogênio, pró- órgão, enquanto aquela é caracterizada por
elastase e procarboxipeptidase (KUMAR et uma autodigestão e consequente estímulo
al. 2016; AIRES, 2012). inflamatório agudo e intenso, porém
O cerne da fisiopatologia da PA está na reversível, podendo atingir não apenas o
secreção exócrina do pâncreas. Em pâncreas, mas tecidos adjacentes (KUO et
condições normais, as células acinares al., 2015). Entre os principais mecanismos
produzem uma série de pró-enzimas de PA, podemos citar:
proteolíticas, como o tripsinogênio. Ao 1. Obstrução das vias biliopancreáticas: A
atingir a borda em escova jejunal, o obstrução dos ductos biliopancreáticos,
tripsinogênio é clivado em tripsina, a causada majoritariamente por cálculos
enzima ativa, por ação da enteroquinase. A biliares, resulta no bloqueio da chegada da
tripsina é a enzima responsável tanto pela secreção pancreática ao duodeno e se
autoativação do tripsinogênio quanto pela configura como a principal etiologia da PA.
ativação das demais pró-enzimas secretadas Tal bloqueio será responsável pelo aumento
pelo pâncreas (AIRES, 2012). É importante pressórico intraductal, resultando no
destacar que existem alguns fatores que extravasamento do suco pancreático para o
protegem o pâncreas de sua autodigestão interstício, e no refluxo de bile para o ducto
pelas enzimas que produz. Entre os pancreático. A lipase presente na secreção
principais, podemos citar a síntese das pancreática vai desempenhar um papel
enzimas digestivas em forma de pró- fundamental no processo necrótico do
enzimas inativas compartimentalizadas em órgão, pois ela é secretada diretamente em
grânulos de zimogênio; a necessidade da sua forma ativa, contribuindo para a
presença da tripsina para ativação da degradação da gordura local. Com isso,
maioria das pró-enzimas pancreáticas, a inicia-se um processo inflamatório,
317
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

responsável pelo edema local que dificulta assim cálculos ou mesmo úlceras nos
a perfusão do órgão e danifica as células pequenos ductos pancreáticos. Por fim,
acinares (KUMAR et al., 2016) Além disso, evidencia-se que os metabólitos do álcool
essa obstrução também impede a exocitose são tóxicos e geram estresse oxidativo no
dos grânulos de zimogênios das células ambiente intracelular dos ácinos, alterando
acinares, os quais irão se fundir com os seus estados redox (LANKISCH et al.,
lisossomos intracelulares e, 2015).
consequentemente, o tripsinogênio poderá 3. Outros: apesar de menos frequentes,
ser convertido em tripsina a partir da podem-se destacar outros mecanismos
enzima lisossomal catepsina B. Com a relacionados à PA. A hipercalcemia é um
presença de altas concentrações de tripsina fator que intensifica essa patologia, em
intrapancreática, ocorre uma cascata de razão de sua importante função regulatória
ativação das pró-enzimas digestivas, o que na ativação da tripsina. Com isso, pacientes
irá provocar a autodigestão do pâncreas, acometidos por hiperparatireoidismo são
caracterizando assim a PA (LANKISCH et mais propensos a desenvolver pancreatite
al., 2015). aguda. Além disso, outras alterações
2. Tóxico: O abuso prolongado de álcool é a metabólicas, como a hipertrigliceridemia,
segunda causa mais comum de PA. Apesar favorecem a ocorrência do quadro. Alguns
do seu efeito tóxico direto sobre os ácinos medicamentos, infecções, tumores, altera-
pancreáticos, o álcool também possui outros ções vasculares e lesões traumáticas (pós-
mecanismos responsáveis pelo desencadea- CPRE, por exemplo) também são
mento desse quadro. Primeiramente, pode- importantes causas de PA. Também se
mos destacar que o álcool estimula uma destacam alterações genéticas que favore-
contração transitória do Esfíncter de Oddi, cem o desenvolvimento de pancreatites
músculo da papila maior localizada na agudas recorrentes, também reconhecida
segunda porção duodenal, dificultando a como pancreatite hereditária, que ao longo
secreção pancreática e originando assim um dos anos pode evoluir para um quadro
quadro com fisiopatologia semelhante à crônico (ISMAIL & BHAYANA, 2017).
obstrutiva mencionada acima (KUMAR et Por fim, é importante ressaltar que,
al., 2016). Também, o álcool promove uma concomitante à autodigestão do parênquima
maior aproximação e contato entre os pancreático, a PA apresenta relevante
grânulos de zimogênio e os lisossomos, infiltrado inflamatório local com concomi-
fazendo com que essas estruturas se fundam tante liberação de citocinas pró-inflamató-
e ocorra ativação precoce das pró-enzimas rias, resultando em inflamação e
digestivas. Além disso, o álcool aumenta a acometimento intra e extrapancreático
concentração de proteínas da secreção (LANKISCH et al., 2015).
pancreática, resultando em uma maior
viscosidade do fluido; dessa forma, 3.4. Manifestações clínicas
formam-se “rolhas” proteicas que se Durante a anamnese é essencial buscar
aderem às paredes ductais, originando a história de fatores etiológicos para o
318
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

desenvolvimento da PA, como história de de 1% dos pacientes (MARZINOTTO, et


doença biliar, uso crônico de álcool e uso de al., 2019; WALLER et al., 2018;
medicamentos. A principal queixa dos GUARITA et al., 2016).
pacientes com PA é a dor abdominal aguda,
contínua, mal definida, localizada no andar 3.5. Diagnóstico
superior do abdômen e em flancos, com 3.5.1. Principais procedimentos de
irradiação para o dorso em 50% dos casos. diagnóstico
A intensidade da dor é variável, podendo De acordo com o American College of
não existir em até 5% dos casos, mas Gastroenterology, o diagnóstico de PA
geralmente é intensa. Como fator de alívio requer dois de três critérios: dor abdominal
para a dor, o paciente adota a posição característica, lipase e/ou amilase séricas 3
genupeitoral; já como fatores agravantes ou mais vezes acima do limite superior e
para a dor, menciona-se a posição supina, achados radiológicos em exames de
esforço físico e alimentação, podendo levar imagem (TC, RM ou USG abdominal)
os pacientes à anorexia. Na maioria dos (KUO et al., 2015).
casos, a dor será acompanhada de náuseas e 3.5.2. Testes laboratoriais
vômitos, devido à inflamação da parede Os testes laboratoriais mais empregados
posterior do estômago (MARZINOTTO, et no diagnóstico da PA são a amilase e lipase
al., 2019; WALLER et al., 2018; séricas; no entanto, outras variáveis devem
GUARITA et al., 2016) ser solicitadas na admissão do paciente.
Ao exame físico, na PA leve o paciente Entre elas, podemos citar: hemograma
não apresenta distensão abdominal ou completo, cálcio, uréia, creatinina, transa-
instabilidade hemodinâmica; no entanto, minase glutâmico pirúvico (TGP), transa-
pode-se encontrar sensibilidade aumentada minase glutâmico oxalacética (TGO),
à palpação na região epigástrica e no andar fosfatase alcalina (FA), bilirrubinas,
superior do abdômen. Ainda na palpação é glicose, tempo de atividade de protrombina
possível encontrar uma massa inflamatória (TAP), tempo de tromboplastina parcial
(plastrão). Já nas formas graves, o paciente ativada (PTTa) e albumina sérica
apresenta sinais de Síndrome da Resposta (LANKISCH et al., 2015).
Inflamatória Sistêmica (SIRS), como
taquicardia, taquipnéia e febre ou 3.5.2.1. Amilase
hipotermia, abdome distendido e doloroso A concentração de amilase sérica
com sinais de irritação peritoneal, alteração geralmente reflete o equilíbrio entre a taxa
do sensório e respiração superficial devido de síntese e remoção dessa enzima. De
ao processo inflamatório com irritação acordo com Ismail e Bhayana (2017), na PA
frênica. Ainda nas formas graves é possível o aumento do nível de amilase sérica ocorre
encontrar sinais de hemorragia retrope- rapidamente, com picos de três a seis horas
ritonial, como Sinal de Cullen (equimose após o início dos sintomas, possuindo meia-
periumbilical) e Sinal de Gray Turner vida de dez a doze horas e elevação
(equimose em flancos), acometendo menos persistente por três a cinco dias. Outras
319
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

condições não pancreáticas podem causar em 24 horas e apresenta uma elevação


elevação da amilase, dentre elas incluem: persistente de até duas semanas. Quando
fibrose cística, queimaduras, hepatite, elevada em pelo menos 3 vezes acima do
cirrose, insuficiência renal, acidose, limite superior, possui uma especificidade
gravidez, distúrbios ginecológicos, úlcera de 99% e um sensibilidade de 100% para
péptica perfurada, obstrução intestinal, PA.
infarto mesentérico, alcoolismo crônico,
dissecção aguda da aorta, traumatismo 3.5.3. Exames de imagem
craniano, algumas drogas e parotidite. 3.5.3.1. Ultrassonografia
A detecção de α-amilase pancreática Devido à prevalência de PA associada a
específica, apesar de possuir melhor cálculos biliares, recomenda-se a realização
especificidade e sensibilidade, não é muito de uma ultrassonografia (USG), em
utilizada devido ao seu alto custo e, por isso, pacientes com dor abdominal típica e
é desconsiderada, dando-se preferência à aumento da amilase e lipase sérica, logo
utilização da amilase total para o após o início do quadro (SOUZA et al.,
diagnóstico de PA (ISMAIL & 2016). Kuo et al. (2015) menciona a
BHAYANA, 2017). capacidade da USG de revelar colelitíase,
A amilase sérica demonstrou ter uma colecistite, obstrução do ducto biliar
especificidade de até 99% quando 3 ou mais comum, além de ser útil para determinar as
vezes acima do limite superior, mas é próximas etapas do tratamento, como CPRE
menos sensível e se normaliza em menos ou colecistectomia. Além disso, esse exame
tempo quando comparada à lipase (KUO et também consegue, no decorrer do
al., 2015). acompanhamento, avaliar pseudocistos
pancreáticos, coleções, presença de gás ou
3.5.2.2. Lipase massas associadas à PA.
A lipase tem uma especificidade maior
do que a amilase, uma vez que é produzida 3.5.3.2. Tomografia computadorizada
majoritariamente pelo pâncreas. Porém, A tomografia computadorizada (TC) de
outras condições podem causar a elevação abdome total com contraste venoso permite
da lipase sérica além da PA, como trauma, realizar o diagnóstico e determinar a
apendicite, cetoacidose diabética, doença extensão e gravidade do quadro, baseado na
inflamatória intestinal, obstrução ou sua análise morfológica. No entanto,
inflamação intestinal, embolia gordurosa, segundo Lankisch et al., (2015), uma TC
insuficiência renal e hipertrigliceridemia precoce, feita nas primeiras horas após o
(ISMAIL & BHAYANA, 2017). início dos sintomas, não é um bom método
De acordo com Kuo et al. (2015), essa diagnóstico para a distinção de pancreatite
enzima tem uma janela de diagnóstico intersticial da necrosante, ou mesmo para
maior em comparação com a amilase, já que fornecer evidências de uma complicação
sua elevação surge dentro de três a seis importante.
horas do início dos sintomas, tem seu pico
320
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Por isso, a TC deve ser priorizada creatinina sérica > 2 mg/dL) e a ocorrência
quando houver mais de 72 h de evolução, de complicações locais (normalmente
quadros graves, portadores de escores necrose pancreática com ou sem infecção).
clínicos críticos, alto índice de gravidade, Na PA leve, não há disfunção orgânica
sinais de deterioração rápida, SIRS e ou complicações locais, e geralmente ocorre
leucocitose. É válido lembrar que pacientes melhora em menos de uma semana. Exames
acima de 40 anos, em seu primeiro episódio de imagem como TC não são necessários e
de PA de causa indeterminada, devem a admissão é curta ou mesmo desnecessária
realizar esse exame para exclusão de causas (KUO et al., 2015). Na PA moderada,
neoplásicas. Sendo assim, uma TC precoce ocorre disfunção transitória de órgãos
(< 72 horas) deve ser obtida apenas quando (definida como disfunção orgânica com
há dúvida clínica sobre o diagnóstico de duração < 48 h) e/ou complicações locais
pancreatite e há possibilidade de existirem e/ou sistêmicas e muitas vezes o paciente
outras doenças com risco de vida (SOUZA pode precisar de uma estadia mais
et al., 2016). prolongada no hospital. Já a PA grave é
caracterizada pela presença de insuficiência
3.5.3.3. Ressonância magnética persistente de um único órgão ou de
A ressonância magnética (RM), pelo múltiplos órgãos (definido por falência de
seu elevado custo e baixa disponibilidade, é órgãos que está presente por ≥48 h). A
o exame de escolha para casos que maioria dos pacientes com falência
apresentem limitações ou contraindicações persistente de órgãos apresenta necrose
à realização da TC, necessitem de múltiplos pancreática, com consequente taxa de
exames para acompanhamento da evolução mortalidade elevada, de pelo menos 30%
e apresentem resultado tomográfico não (LANKISCH et al., 2015).
condizente com o quadro de PA, embora Além disso, a Revisão da Classificação
com suspeita clínica forte (SOUZA et al., de Atlanta (2012) subdivide a PA em:
2016). A colangio-RM pode estar indicada edematosa e necrosante. São duas fases que
na suspeita de etiologia biliar ou na podem se sobrepor e estão relacionadas
detecção de coledocolitíase. intimamente com dois picos de
mortalidade: inicial e tardia. A fase inicial
3.6. Classificação geralmente se encerra ao final da primeira
3.6.1. Classificação da PA quanto à semana de apresentação dos sintomas, mas
gravidade pode se estender até a segunda semana,
A classificação define três níveis de durante a qual ocorre a resolução da
gravidade: leve, moderada e grave. Essa isquemia pancreática e peripancreática, o
divisão leva em conta a disfunção orgânica desenvolvimento de coleção de fluidos ou a
(definida como sangramento gastrointes- evolução para necrose permanente e
tinal > 500mL/24 h, pressão arterial liquefação (SOUZA et al., 2016).
sistólica < 90 mmHg, PaO2 <60% ou

321
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.6.2. Pancreatite aguda edematosa evidenciadas no exame de imagem.


intersticial Segundo Lankisch et al., (2015), na maioria
É a forma leve e tem como principal das vezes, coleções necróticas agudas
característica o aumento focal ou difuso do desenvolvem um quadro bem definido com
pâncreas sem a presença de necrose. Esse parede inflamatória em torno de
aumento é decorrente do intenso processo quantidades variáveis de fluido e resíduos
inflamatório causando edema intersticial necróticos - denominado necrose murada –
e/ou peripancreático. Na TC com contraste, que pode ser estéril ou infectado.
geralmente, evidencia-se o aumento do
pâncreas com realce normal relativo e 3.7. Abordagem ao paciente com
gordura peripancreática normal, espessada pancreatite aguda
ou opacidade em vidro fosco devido ao Mediante o diagnóstico de PA e a
processo inflamatório. A ausência de tecido triagem dos pacientes conforme a sua
necrótico diferencia esta forma da necrótica gravidade, o manejo inicial se baseia na
(SOUZA et al., 2016). ressuscitação com fluidos, suporte nutrici-
onal e analgesia (LEE & PAPA-
3.6.3. Pancreatite necrosante CHRISTOU, 2019; LANKISCH et al.,
De acordo com Souza et al. (2016), é a 2015).
forma com pior prognóstico, caracterizada O resgate com fluidos intravenosos tem
por inflamação com consequente necrose de importante papel no manejo da PA.
tecido pancreático e/ou peripancreático. A Segundo a American College of
perfusão pancreática fica prejudicada e os Gastroenterology (ACG), o Ringer Lactato
sinais de necrose peripancreática evoluem é o fluido de escolha, com taxa de infusão
ao longo de vários dias, de modo que a recomendada de 250 a 500 mL/h por hora,
realização da TC com contraste realizada nas primeiras 12 a 24 horas, exceto em
precocemente pode mascarar a gravidade pacientes com doenças cardiovasculares,
do quadro. Para se obter melhor renais ou outras comorbidades
visualização da diferença de sinal entre relacionadas. A reanimação com fluidos
tecido viável e necrótico, é utilizada a TC deve acompanhar uma avaliação contínua
pós-contraste na fase arterial tardia, uma do status do paciente para evitar a
vez que o realce do pâncreas fica mais sobrecarga de volume (JAMES &
evidente. (Souza et al., 2016 apud CROCKETT, 2018; TENNER et al., 2013).
Busireddy KK et al., 2014; Zhao K et al., O suporte nutricional deve ter início
2015). Na TC com contraste podem ser imediato. Pacientes com PA leve podem
identificadas áreas de parênquima receber nutrição oral sólida com baixo teor
comprometidas, identificadas depois da de gordura na ausência de dor e quando não
administração de contraste (Gadolínio), há alteração da peristalse. Quando não for
alteração da perfusão e a formação de possível tolerar uma dieta oral devido à dor
coleções de fluidos peripancreáticos que abdominal, náuseas e vômito, a alimentação
podem demorar vários dias para serem enteral, por meio de cateter nasogástrico ou
322
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

nasojejunal, deve ser considerada. Em Após o manejo inicial, a conduta se


pacientes com PA grave, a terapia enteral volta para identificação da etiologia e
deve ser precoce (dentro de 48-72 h) para evolução clínica (LEE; PAPACHRISTOU,
manter a integridade da barreira mucosa 2019). A colangiopancreatografia
intestinal e assim prevenir a translocação endoscópica retrógrada (CPRE) é indicada
bacteriana. A nutrição parenteral é o último em pacientes com PA biliar grave associada
recurso a ser utilizado devido à associação à colangite aguda ou com obstrução biliar
com um aumento da taxa de infecção e persistente (JAMES & CROCKETT, 2018;
mortalidade quando comparada com TENNER et al., 2013). O momento dessa
alimentação enteral, estando indicada intervenção ainda é muito discutido, sendo
quando não for possível a utilização da via recomendado pela ACG dentro de 24h da
enteral, como por exemplo no íleo admissão para os casos de PA biliar com
prolongado. (LEE & PAPACHRISTOU, colangite e eletivo nos casos de obstrução
2019; GREENBERG et al., 2016). biliar persistente (TENNER et al, 2013).
A analgesia ainda é muito discutida e A colecistectomia laparoscópica é
carece de estudos na área. Considerando o indicada nos pacientes com pancreatite de
risco do desenvolvimento da dependência etiologia biliar, visando evitar novas
física a opioides, estes devem ser evitados, internações por pancreatite (prevenção
de modo que os anti-inflamatórios não secundária), após a avaliação do risco-
esteroidais são analgésicos ativos de benefício de tal procedimento. Na forma
primeira escolha (LEE & leve, deve ser recomendada na mesma
PAPACHRISTOU, 2019). internação, antes da alta hospitalar. Em
Cabe destacar que a contrapartida, na vigência de pancreatite
antibioticoprofilaxia não é recomendada em biliar necrosante, a colecistectomia deve ser
pacientes com PA leve ou grave adiada até a redução da inflamação com
(GREENBERG et al., 2016; JAMES & intuito de prevenir infecção (TENNER et
CROCKETT, 2018; MANDALIA et al., al., 2013). Nesse cenário de cuidado, a
2019). Infecções extrapancreáticas promoção da saúde com o aconselhamento
concomitantes como colangite, infecções da sobre o abuso do consumo álcool mostra-se
corrente sanguínea relacionada a cateter, importante e eficaz para evitar readmissão
sepse, infecções do trato urinário e hospitalar (JAMES & CROCKETT, 2018).
pneumonia demandam, por sua vez, a A presença de pseudocistos, necrose
administração de antibióticos. Carbapenê- pancreática ou extrapancreática assintomá-
micos, quinolonas e metronidazol, antibió- tica não justifica intervenção. Na
ticos capazes de penetrar em áreas de identificação de necrose infectada, pode
necrose pancreática, tornam-se importantes haver necessidade de intervenção por
para reduzir a morbidade e mortalidade no ecoendoscopia ou por cirurgia, além de
cenário de necrose pancreática infectada antibioticoterapia. Quando necessária
(TENNER et al., 2013). intervenção, pacientes com necrose
infectada devem esperar pelo menos 4
323
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

semanas para receberem o procedimento. desses sistemas possui suas próprias


Essa conduta visa permitir a liquefação do limitações, como baixa especificidade,
conteúdo e o desenvolvimento de uma sensibilidade ou mesmo grande complexi-
parede fibrosa ao redor da necrose. Métodos dade no sistema de pontuação. (KUMAR &
minimamente invasivos de necrosectomia GRIWAN, 2017)
são preferidos à necrosectomia aberta para
esses quadros (TENNER et al., 2013). 3.8.1. Critérios de Ranson
Este critério foi desenvolvido por John
3.8. Prognóstico HC Ranson em 1974 e tem importante valor
A fim de predizer o desenvolvimento da histórico por ser o primeiro escore de
PA e seu prognóstico de gravidade, diversos pancreatite aguda amplamente utilizado.
sistemas de pontuação baseados em dados Após algumas mudanças, atualmente é
clínicos, bioquímicos e exames de imagem composto por 11 parâmetros clínicos e
vêm sendo utilizados nos últimos anos. laboratoriais que possuem clara relação
Entre eles, destacam-se os critérios de com a morbimortalidade dos pacientes com
Ranson, APACHE II e SAPS (Simplified PA, como mostrados na Tabela 25.3
Acute Physiology Score). Todavia, cada um (FERREIRA et al., 2015).

Tabela 25.3. Critérios de Ranson

Ranson (causa alcoólica ou outra) Ranson (Causa Biliar)


Na admissão: Na admissão:

Idade > 55 anos Idade > 70 anos


GB > 16.000/mm³ GB > 18.000/mm³
LDH > 350 U/L LDH > 250 U/L
AST > 250 U/ L AST > 250 U/ L
Glicemia > 200 mg/dL Glicemia > 220 mg/dL
Às 48h: Às 48h:
Queda do hematócrito > 10% Queda do hematócrito > 10%
Aumento do BUN > 5 mg/dL Aumento do BUN > 2 mg/dL
Cálcio < 8 mg/dL Cálcio < 8 mg/dL
PO2 < 60 mmHg PO2 < 60 mmHg
Déficit de Bases > 4 mEq/L Déficit de Bases > 5 mEq/L
Perda de fluídos > 6 L Perda de fluídos > 4 L

Legenda: GB = global de leucócitos; LDH = desidrogenase láctica; AST = aspartato aminotransferase; BUN =
ureia sérica; PO2 = pressão parcial do oxigênio no sangue arterial. Fonte: Adaptado de Ferreira et al., 2015

Cada item do critério de Ranson de modo que pacientes que apresentem


contabiliza 1 ponto. A presença de três ou pontuação entre 0 e 2 pontos apresentam
mais critérios nas 48 horas da admissão mortalidade de 2%, enquanto pontuações de
classifica a PA como grave. Assim, a 7 a 8 pontos podem indicar uma
mortalidade dos pacientes com PA se eleva mortalidade de até 100% (FERREIRA et
proporcionalmente a maiores pontuações, al., 2015).
324
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.8.2. Apache II 13 a 45 casos a cada 100 mil habitantes,


É um dos critérios mais utilizados para sendo uma das doenças gastrointestinais
avaliação prognóstica e estratificação da mais frequentes no cenário das emergências
gravidade da PA pelo fato de utilizar médicas. Diante de sua relevância clínica,
parâmetros obtidos dentro das primeiras 24 bem como da demanda por atualização
horas de admissão hospitalar e poder ser constante sobre o tema e sobre as
reavaliado diariamente. Analisa 12 parâ- recomendações de tratamento, faz-se
metros fisiológicos e inclui uma pontuação necessária essa revisão integrativa.
extra para marcadores como idade e Entre as principais recomendações para
presença de doenças crônicas. Os o manejo inicial da PA, indica-se realizar
parâmetros utilizados incluem: temperatura ressuscitação com fluidos (cristaloides) nas
retal, pressão arterial média, frequência primeiras 12 a 24 horas, infundindo
cardíaca, frequência respiratória, saturação aproximadamente 250 a 500 mL/h por hora.
de oxigênio, pH arterial, sódio plasmático, O suporte nutricional deve ser imediato por
potássio plasmático, creatinina, leucócitos e meio de nutrição oral sólida com baixo teor
hematócrito. Diagnostica-se uma PA grave de gordura na PA leve. Quando não for
quando a pontuação do paciente é superior tolerada a via oral ou em casos graves, a
a 8 (MARZINOTTO et al., 2019 & alimentação enteral deve ser considerada,
FERREIRA et al., 2015). enquanto a nutrição parenteral deve ser
apenas a última opção. Além disso, deve-se
3.8.3. Saps II iniciar a analgesia com antiinflamatórios
Desenvolvido como uma alternativa ao não esteroidais e não se deve realizar
Apache em 1983, o Saps II é mais utilizado antibioticoterapia profilática.
em cuidados intensivos. Possui 12 variáveis Por fim, é de grande relevância médica
imediatas, entre elas frequência cardíaca, a triagem inicial quanto à gravidade,
pressão arterial sistólica, temperatura seguida do reconhecimento etiológico da
corporal, Escala de Coma de Glasgow, PA em um segundo momento. Esse
oxigenação, volume urinário, ureia, sódio diagnóstico, por sua vez, possibilita o
plasmático, potássio plasmático, bicarbo- direcionamento do tratamento mais eficaz
nato, bilirrubina e leucócitos, considerando para respectiva etiologia, relacionando-se
ainda as variáveis idade e comorbidades diretamente com a redução da reincidência
prévias. Diagnostica-se uma PA grave e mortalidade desta patologia. Dessa forma,
quando a pontuação do paciente é igual ou é importante a frequente realização de
superior a 34 (FERREIRA et al., 2015). estudos que contemplem os novos aspectos
da PA, objetivando a atualização dos
4. CONCLUSÃO profissionais sobre o manejo e conduta
diante desses pacientes
A pancreatite aguda possui alta
morbimortalidade com uma incidência de
.
325
Capítulo 25
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AIRES, M. autor. Fisiologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2012.


FERREIRA, A. D. F et al. Acute Pancreatitis Gravity Predictive Factors: which and when to use them?. Abcd. Arquivos
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GUARITA, D.R. et al. Doenças pancreáticas. In: Martins, MA, editor. Clínica Médica Volume 4: doenças do aparelho
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HABTEZION, A. et al. Acute Pancreatitis: a multifaceted set of organelle and cellular interactions. Gastroenterology,
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ISMAIL, O. Z. & BHAYANA, V. Lipase or amylase for the diagnosis of acute pancreatitis? Clinical Biochemistry, v.
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Gastroenterology, v. 34, n. 5, p. 330-335, set. 2018.
KUMAR, A. H. & GRIWAN, M. S. A comparison of APACHE II, BISAP, Ranson’s score and modified CTSI in
predicting the severity of acute pancreatitis based on the 2012 revised Atlanta Classification. Gastroenterology Report,
v. 6, n. 2, p. 127-131, 28 jul. 2017.
KUMAR, V. et al. autor. Robbins e Cotran - Patologia - Bases Patológicas das Doenças. Rio de Janeiro: Editora GEN
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KUO, D. C. et al. Acute Pancreatitis: what's the score?. The Journal of Emergency Medicine, v. 48, n. 6, p. 762-770,
jun. 2015.
LANKISCH, P. G. et al. cute pancreatitis. The Lancet, v. 386, n. 9988, p. 85-96, jul. 2015.
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WALLER, A. et al. Acute Pancreatitis: updates for emergency clinicians. The Journal of Emergency Medicine, v.
55, n. 6, p. 769-779, dez. 2018.

326
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 26
PROFILAXIA
ANTIMICROBIANA NO
TRAUMA

Palavras-chave: Antibiótico; Profilaxia; Trauma.

MATHEUS CRUZ FERRARO¹


PEDRO HENRIQUE CORDEIRO FLORES ¹
OTAVIO COSENDEY MARTINS ¹
IGOR MAGATON RIBAS¹
ISABELLE DE FÁTIMA FERNANDES¹
MURILO OLIVEIRA RODRIGUES¹
JOÃO PEDRO MEDEIROS GOMES¹
JOSÉ EMILIANO CRUZ FILHO¹
ALESSANDRA BARBOSA F. MACHADO²
VANESSA CORDEIRO DIAS²
VANIA LÚCIA DA SILVA²
CLÁUDIO GALUPPO DINIZ²

¹
1
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora.
²Departamento de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia da Universidade Federal de Juiz
de Fora.

327
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO sistema de classificação desse tipo de


fratura, a mais largamente utilizada e aceita
1.1. Fratura exposta nos dias de hoje (GARNER et al., 2020;
Fraturas abertas são fraturas onde seus HOFF et al., 2011). A classificação de
fragmentos se comunicam com o ambiente Gustilo-Anderson denota três tipos de
a partir de uma quebra de continuidade da feridas conforme: tamanho da laceração,
pele (HOFF et al., 2011). Tendo em vista presença de materiais contaminantes, grau
essa definição, percebe-se a amplitude do de comprometimento de tecido conjuntivo e
termo que engloba uma variedade de injúria vascular (Tabela 26.1) (GARNER et
possíveis lesões desde mais complexas a al., 2020; HARVEY; BRAD HALL;
mais simples e superficiais. Devido a isso, WILSON, 2018; HOFF et al., 2011).
em 1976, Gustilo e Anderson criaram um

Tabela 26.1 Fraturas abertas, segundo a classificação de Gustilo-Anderson


Tipo I Fratura exposta com ferimento menor do que 1 cm de comprimento, baixa energia e sem
contaminação grosseira.
Tipo II Fratura exposta com ferimento entre 1 e 10 cm de comprimento, baixa energia, sem contaminação
grosseira ou dano extensivo de tecidos moles, retalhos ou avulsões.
Tipo III A: Fratura exposta com ferimento maior do que 10 cm com adequada segurança de tecidos moles,
ou qualquer fratura exposta devido a trauma de alta energia ou com contaminação grosseira,
independentemente do tamanho da ferida.

B: Fratura exposta com lesão ou perda extensa de tecidos moles, com exposição do periósteo e do
osso. Requer cobertura de tecidos moles na forma de rotação ou transferência muscular.

C: Fratura exposta associada a lesão arterial que requer reparo para preservação do membro.
Fonte: Adaptado de Hoff et al., 2011; Gardner et al., 2020.

Nessas lesões, a quebra da continuidade com espectro de ação específico para as


da pele abre caminho para contaminação diferentes lesões, já que essas podem ter
que pode levar a diversas manifestações, origens diversas (GARNER et al., 2020;
entre elas: sepse, osteomielite aguda ou HARVEY; BRAD HALL; WILSON, 2018;
crônica, atraso de regeneração e até mesmo HOFF et al., 2011).
perda de extremidades e membros Recomenda-se que o início da
(OTCHWEMAH et al., 2015). Estima-se, antibioticoterapia e debridamento da lesão
por exemplo, que 19% dos casos de seja o mais precoce possível para devido
osteomielite tem como origem infecções manejo do risco de infecções da ferida
decorrentes de trauma com fraturas abertas (HAUSER et al., 2006; HOFF et al., 2011),
(GARNER et al., 2020). a literatura sugere ausência de percepção de
Devido a possibilidade de contaminação infecção importante em até 90 dias entre
a Eastern Association for the Surgery of pacientes que receberam antimicrobianos
Trauma (EAST), preconiza a administração em até 66 minutos da lesão, enquanto que
profilática de antimicrobianos sistêmicos entre os que não foram submetidos ao

327
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

regime profilático, 17% contraíram por estiramento e esmagamento, com a


infecção do sítio cirúrgico (LACK et al., lesão, na maioria dos casos, sendo
2015). Contudo o início precoce não infere confinada aos tecidos situados no caminho
longa duração da terapia, já que não se percorrido pelo objeto penetrante
percebe diminuição importante do risco de (KUHAJDA et al., 2014).
infecções quando o tratamento passa de 24 A gravidade da lesão dependerá da
horas, ao menos em fraturas do Tipo II biomecânica envolvida na penetração, da
(GARNER et al., 2020; ONDARI et al., eficiência com a qual a energia é dissipada
2016). Esse dado é de grande relevância, já do objeto perfurante para os tecidos
que, sem um benefício advindo de uma corporais atingidos, das características
longa duração da antibioticoterapia, essa físicas do objeto causador do trauma, como
não é justificável devido à rápida evolução sua velocidade, dimensão da face de
da resistência antimicrobiana das últimas impacto, capacidade de sofrer deformação,
décadas (HAUSER et al., 2006). Dessa densidade dos tecidos afetados e
forma, recomenda-se a descontinuação do importância de um órgão eventualmente
uso de antibióticos após 24 horas do penetrado para a fisiologia do organismo
fechamento de uma ferida do tipo I e II e 72 (KUHAJDA et al., 2014). Dentre esses
horas no caso do tipo III, se a cobertura do fatores, a velocidade se destaca como o
tecido conjuntivo não tiver sido feita mais determinante, uma vez que a
(GARNER et al., 2020). quantidade de tecido danificado depende
diretamente da quantidade de energia
1.2. Traumas penetrantes trocada entre o objeto penetrante e a região
O trauma penetrante geralmente é o afetada (KUHAJDA et al., 2014). Dessa
resultado de uma aplicação direta e abrupta maneira, a lesão pode ser classificada como
de força mecânica a uma área focal de baixa, média ou alta velocidade
(KUHAJDA et al., 2014). Geralmente os (KUHAJDA et al., 2014). Confira a Tabela
objetos causadores do trauma são facas ou 26.2.
projéteis, os quais geram o dano tecidual

Tabela 26.2 Tipo de lesão quanto a velocidade


Classificação Característica da lesão
Lesões podem ser produzidas por uma miríade de objetos afiados, tais como
Baixa velocidade
facas, adagas, pedaços de vidro ou de metais.
Média velocidade Maioria das lesões por pistola e metralhadora movida a ar.
Alta velocidade Lesões por rifles e armas militares.
Fonte: Adaptado de Kuhajda et al., 2014

Ademais, sabe-se que a distribuição das lesões a estruturas não recuperáveis (p.e.
mortes ocasionadas por trauma é tri-modal, coração), já o segundo ponto se situa nas 6
com o primeiro ponto sendo relacionado aos horas iniciais após o trauma ,sendo
momentos logo após o trauma é causado por causadas por quadros progressivos (p.e.

328
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

lesões hemorrágicas), por fim, o último Os critérios de inclusão foram: artigos


ponto se refere às mortes tardias após dias nos idiomas português ou inglês;
ou semanas , sendo ocasionadas por sepse e publicados entre os anos de 2011 a 2021 e
falência múltipla de órgão (COCCOLINI et que versavam sobre a abordagem profilática
al., 2017). Nesse contexto, faz-se dos assuntos interessados, independen-
necessário profilaxia antibiótica a fim de temente do tipo dos estudos, disponibi-
evitar a proliferação de bactérias no local da lizados na íntegra. Os critérios de exclusão
lesão e, dessa forma, prevenir uma possível foram: artigos duplicados e/ou que não
sepse e ocasional óbito. Contudo, a abordavam diretamente a proposta
possibilidade de óbito não é o único motivo estudada.
para profilaxia antimicrobiana, já que sua Após os critérios de seleção, 12 artigos
falta pode aumentar o risco de amputação e estudados foram considerados pelos autores
elevar a taxa de morbidade devido ao como pertinentes para a escrita da revisão e
trauma e consequentemente levando a dessa maneira foram submetidos à leitura
custos financeiros e redução de funci- minuciosa para a coleta de dados. Os
onalidade do acometido (COCCOLINI et resultados da antibioticoprofilaxia foram
al., 2017). apresentados em tabelas, de forma
Dessa maneira, tendo em vista que esses descritiva, divididos em 2 categorias
dois tipos de lesões podem levar a infecções temáticas abordando: fraturas abertas e
e podem necessitar de profilaxia traumas penetrantes.
antimicrobiana de maneira individualizada
e personalizada para cada paciente e 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
situação, essa revisão tem como objetivo
dissertar sobre a conduta profilática 3.1. Antibioticoprofilaxia de fraturas
adequada de antimicrobianos para cada tipo abertas
de lesão retratada. É importante ressaltar, de início, que
todas as tentativas de redução da carga
2. MÉTODO bacteriana nos tecidos lesionados devem ser
implementadas. Nesse contexto, além da
Trata-se de uma revisão narrativa adequada limpeza da ferida, remoção de
realizada no período de abril a maio, por corpos estranhos, irrigação, assepsia,
meio de 2 pesquisas avançadas nas bases de debridamento e tratamento cirúrgico apro-
dados eletrônica PubMed, com os seguintes priado, um ponto de extrema importância é
descritores e emprego dos descritores a profilaxia com antimicrobianos. Esta deve
booleanos AND: (“Antibiotic Prophylaxis” ser por período restrito de tempo, uma vez
AND “Fractures, Open”) e (“Wounds, que um contraponto à exposição aos agentes
Penetrating” AND “Antibiotic Prophy- antimicrobianos é a seleção de linhagens
laxis”). Desta busca, foram encontrados 202 bacterianas resistentes (ISAAC et al.,
artigos, posteriormente submetidos aos 2016). Apesar do negativo impacto clínico
critérios de seleção. (reoperações, infecções persistentes, perda

329
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

da função, problemas na cicatrização e agente antimicrobiano em momento


amputações) e econômico (custo de anterior à inoculação da bactéria reduz o
tratamento) das infecções, ainda há certa risco de infecção a quase zero, enquanto que
carência de estratégias sistematizadas de uma administração posterior à entrada da
prevenção (CHANG et al., 2015; CRAIG et bactéria tem seu efeito protetivo
al., 2014). drasticamente reduzido após um período de
Alguns estudos apontam contaminação 4 horas. No caso de fraturas abertas, embora
por bactérias Gram-positivas em até 70% não seja possível a oferta de
das feridas de fraturas abertas infectadas, antimicrobianos antes da contaminação, o
embora estudos posteriores mostram termo profilaxia é ainda assim utilizado. A
percentuais menores. A bactéria isolada intervenção, por ser realizada em momento
geralmente é proveniente da própria posterior, suscitou questionamentos acerca
microbiota da pele. Todavia, a taxa de de sua eficácia. Nesse sentido, o modelo
bactérias Gram-negativas associadas a experimental de Worlock de inoculação de
infecções aumenta proporcionalmente ao Staphylococcus aureus em pregos
grau de comprometimento dos tecidos intramedulares para fixação de fraturas
moles ou no caso de contaminação da ferida abertas de tíbia em coelhos demonstrou que
por material do ambiente (água, solo, fezes) uma injeção de antimicrobiano após a
(HALAWI & MORWOOD, 2015). Na maioria contaminação realmente teve sua eficácia
dos casos, as responsáveis por infecção são diminuída, porém não abolida, culminando
bactérias da microbiota da pele, em 40% menos infecções no grupo tratado
representadas por Staphylococcus aureus e em relação ao grupo controle (HALAWI &
alguns Staphylococcus coagulase negati- MORWOOD, 2015).
vos, tais como Staphylococcus epidermidis Patzakis e colaboradores foram os
(BUMBACIREVIC et al., 2012). A esse primeiros a demonstrar, mediante estudo
respeito, alguns autores encontraram randomizado e prospectivo, a eficácia em
culturas positivas para Staphylococcus humanos: comparando um grupo tratado
aureus em 50% a 68,4% das feridas com cefalotina, um grupo tratado com
infectadas em fraturas abertas (CRAIG et penicilina associada a estreptomicina, e um
al., 2014). Cumpre ainda salientar que a grupo não tratado com antimicrobianos,
taxa de infecções em fraturas abertas pode obteve-se taxas de infecção de 2,3%; 9,7%
chegar a 30%, em contraste com o valor de e 13,9%, respectivamente. Inclusive, os
0,5 a 2% encontrado para as fraturas resultados de Patzakis estabeleceram
fechadas equivalentes (BUMBACIREVIC cefalosporinas como drogas de escolha e
et al., 2012). condizem com resultados de outros estudos
A eficácia de uma dose única de citados ao longo deste capítulo acerca da
antimicrobiano contra Staphylococcus não superioridade de regimes de associação
aureus varia de acordo com o tempo de de amplo espectro em relação a regimes de
administração em relação ao momento de espectro restrito a Gram-positivos. Outro
contato com a bactéria: uma injeção do estudo randomizado e duplo-cego, dividido
entre grupo tratado com cloxacilina e grupo

330
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

placebo, encontrou taxas de infecção com anaeróbios. Nesse contexto, Gustilo


valores de 4% e 24%, respectivamente apontou que fraturas abertas do tipo III são
(PATZAKIS et al., 2021). Diante do frequentemente infectadas por bactérias
exposto, afirma-se que antimicrobianos Gram-negativas, podendo-se considerar,
reduzem comprovadamente a incidência de pois, a ampliação do espectro do regime,
infecções de sítio cirúrgico em fraturas geralmente com gentamicina. Nesses casos,
abertas, notadamente se for administrado após checagem da função renal, pode-se
um fármaco ativo contra Staphylococcus proceder à administração em dose única de
aureus (HALAWI & MORWOOD, 2015). aminoglicosídeo. Porém, deve-se estar
Ainda cabe ter em mente que a perda da ciente de que a redução do risco de infecção
vascularização e a necrose associadas a em fraturas abertas tipo III também depende
fraturas abertas de tipo II e especialmente de outros cuidados no manejo da ferida
tipo III na classificação de Gustilo- (como debridamento) e de outros fatores
Anderson são fatores que favorecem a fisiológicos individuais. No caso de risco de
colonização bacteriana e dificultam o infecção por anaeróbios, especialmente do
alcance de antimicrobianos sistêmicos ao gênero Clostridium sp., decorrente de
local da ferida. Assim, a irrigação e o exposição traumática a material fecal ou
debridamento têm grande importância ambiental (trauma em ambiente rural, por
nesses casos. Já no caso de fraturas do tipo exemplo), pode-se também ampliar o
I, os tecidos moles são relativamente espectro com adição de outras drogas, como
preservados, propiciando um melhor ampicilina ou altas doses de penicilina
alcance ao alvo para antimicrobianos (HALAWI & MORWOOD, 2015).
sistêmicos (ISAAC et al., 2016) Em fraturas abertas do tipo III, mais
graves e de maior risco de infecção, é mais
3.2. Regimes de amplo espectro vs. comum a contaminação com bactérias
Regimes de espectro restrito a Gram- Gram-negativas: achados das culturas de
positivos fraturas mostraram prevalência de espécies
É bem estabelecido e certo a necessi- do gênero Pseudomonas e Enterobacter,
dade de agentes antimicrobianos ativos por exemplo (HAND et al., 2020). Tais
contra bactérias Gram-positivas, especial- patógenos não são combatidos efetivamente
mente contra Staphylococcus aureus, sendo pelas cefalosporinas de 1° geração,
utilizado para tal fim geralmente uma cefa- amplamente utilizadas nos casos de fraturas
losporina de primeira geração. Tal regime dos tipos I e II. Dessa forma, com base
parece ser perfeitamente adequado para nessas informações, defende-se a aplicação
fraturas abertas do tipo I e II. Dentro das de aminoglicosídeos, drogas com cobertura
cefalosporinas de primeira geração, nenhu- contra Gram-negativas, em fraturas abertas
ma droga em particular demonstrou superi- do tipo III. No entanto, estudos sugerem que
oridade (HALAWI & MORWOOD, 2015). o uso de aminoglicosídeos não reduziu a
Entretanto, alguma controvérsia reside ocorrência de infecções de sítio cirúrgico
sobre a necessidade de expansão do por bacilos Gram-negativos: a aplicação de
espectro de ação para Gram-negativos e gentamicina em comparação à de

331
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

ceftriaxona não se traduziu em menores bacteriana. Dentro desse grupo, as


taxas de infecção para os bacilos Gram- cefalosporinas de primeira geração (como
negativos, como Pseudomonas (apesar da cefazolina, cefalotina e cefalexina) são os
atividade in vitro) (HAND et al., 2020). Em agentes mais usados na profilaxia de
ensaio clínico comparou-se o uso de fraturas abertas, principalmente as do tipo I
cefalosporina de primeira geração com e e II. A grande eficácia nestes tipos de fratura
sem a adição de aminoglicosídeos, se dá pela predominância de espécies Gram-
observando-se ganho de efetividade positivas como causa de infecção, sobre as
também irrelevante no que se refere às quais esses fármacos têm boa cobertura.
infecções de sítio cirúrgico. Além de não se Além das cefalosporinas, outro tipo de
mostrar efetiva, a adição de aminoglico- medicamento pertencente a esta classe e que
sídeos vem acompanhada de efeitos também é utilizado para a antibiótico-
adversos importantes, principalmente profilaxia é a penicilina. A penicilina foi o
relacionados ao dano renal (GARNER et primeiro antibiótico a surgir e teve
al., 2020). Além disso, das infecções que importância significativa no passado ao ser
ocorreram em longo prazo, aquelas utilizada para evitar as infecções
causadas por bacilos Gram-negativos decorrentes de feridas pelas mais variadas
resistentes a fluoroquinolonas e/ou causas. No contexto das fraturas abertas,
aminoglicosídeos foram mais comuns nos hoje em dia, altas doses de penicilina são
que foram tratados com regimes profiláticos indicadas, em adição à terapia com
estendidos para Gram-negativas (HAND et cefalosporinas, em caso de contaminação da
al., 2020). Esses estudos sugerem que, além fratura com terra ou fezes. Tal
de não trazer vantagens clínicas de redução recomendação se baseia no fato de que a
das taxas de infecção em fraturas abertas, a penicilina tem boa cobertura sobre espécies
terapia estendida contra Gram-negativas de Clostridium, comumente presentes
com uso de aminoglicosídeos parece nesses materiais e causadores de infecções.
induzir dano renal e favorecer a resistência Dentro dessa classe, cabe citar os
a antimicrobianos, em comparação com monobactâmicos, representados pelo
uma terapia com antibióticos de menor aztreonam. Esse fármaco tem atividade
espectro (como a cefazolina) (HAND et al., contra Gram-negativos aeróbios, como
2020). Enfim, vale considerar as possibi- Pseudomonas aeruginosa, mas não oferece
lidades de ampliação de espectro em alguns cobertura contra Gram-positivos ou
casos específicos, mas sempre tendo em anaeróbicos. Apesar de não ocasionar
mente a ressalva de que existem controvér- nefrotoxicidade, tem excreção renal, de
sias nas evidências que respaldam tal forma que sua dose precisa ser ajustada para
conduta. pacientes com disfunção nos rins. Assim,
pode ser uma alternativa ao uso de
3.3. Classes de antibióticos profilá- aminoglicosídeos (sabidamente nefrotóxi-
ticos cos) para pacientes com função renal
Os beta-lactâmicos são fármacos que comprometida, bem como para pacientes
afetam a síntese da parede celular alérgicos à penicilina com fraturas do tipo

332
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

III, desde que associado a algum outro aminoglicosídeos se baseia nos achados das
fármaco com cobertura de Gram-positivos. culturas de fraturas com espécies de
Por fim, vale comentar sobre a Pseudomonas e Enterobacter, contra as
combinação piperacilina-tazobactam, um quais as cefalosporinas não são tão efetivas.
beta-lactâmico adicionado a um inibidor de Esses gêneros são mais comuns em fraturas
beta-lactamases, com cobertura ampla mais graves, do tipo III. Apesar de ter
envolvendo espécies Gram-negativas, plausibilidade biológica, a terapia
Gram-positivas e anaeróbias. Dados sobre combinada carece de dados clínicos que
seu uso em fraturas abertas são limitados, comprovem seus benefícios na prática
mas estudos sugerem que a monoterapia (HAND et al., 2020). Além disso, essa
para fraturas do tipo III mostrou-se superior classe traz para o usuário efeitos adversos
à terapia combinada de cefazolina e importantes, como ototoxicidade e
gentamicina, com menores efeitos nefrotoxicidade, de forma que seu uso na
adversos. No entanto, é preciso ter em antibioticoprofilaxia de fraturas abertas tem
mente que piperacilina-tazobactam é muito sido questionado e descontinuado
útil no tratamento de sepse Gram-negativa (GARNER et al., 2020).
severa, de forma que sua ampla utilização As fluoroquinolonas são antibacterianos
no tratamento de fraturas abertas, além de que agem inibindo a replicação do DNA
não ter base científica sólida, pode reduzir bacteriano. Essas drogas cobrem Gram-
sua efetividade nesses cenários críticos. positivos e têm alcance comparável ao de
As lincosamidas são uma classe que aminoglicosídeos nos Gram-negativos, com
engloba drogas que agem inibindo a síntese menos efeitos adversos de ototoxicidade e
proteica bacteriana. O fármaco mais nefrotoxicidade, sendo que seu uso
utilizado desta classe no contexto de combinado com cefalosporina é favorável
fraturas abertas é a clindamicina, que para pacientes mais idosos e com dano renal
proporciona cobertura contra patógenos em comparação ao uso de
Gram-positivos, sendo comumente aminoglicosídeos. No entanto, a
recomendada e utilizada em pacientes com monoterapia mostrou-se significativamente
fraturas abertas que são alérgicos à menos eficaz em comparação com uso
penicilina. Seu uso como monoterapia ainda combinado de cefalosporina e
carece de dados, mas em ensaio clínico aminoglicosídeo em fraturas abertas tipo
randomizado mostrou-se com efetividade III, e com eficácia não superior para fraturas
semelhante à de terapia combinada de tipo I e II. Esses fármacos interagem com
cefamandol e gentamicina em pacientes anticoagulantes e devem ser evitados em
com fraturas abertas tipo I ou II. pacientes que fazem seu uso. Além disso,
Já os aminoglicosídeos são parecem dificultar a cicatrização correta da
antibacterianos que também atuam inibindo fratura: o uso de ciprofloxacina esteve
a síntese proteica, tendo boa eficácia sobre relacionado à inibição na ossificação
Gram-positivos aeróbios (GARNER et al., endocondral (GARNER et al., 2020), bem
2020). A profilaxia com adição de como seu uso profilático tem se associado a

333
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

relatos de surgimento de resistência após 3 horas do trauma, em comparação


(SAMAI & VILELLA, 2018). com os que receberam a intervenção antes
Os fármacos glicopeptídeos, dentre os (CRAIG et al., 2014).
quais se destaca a vancomicina, atuam Assim, diante do exposto, é consenso
inibindo a síntese da parede celular que a demora para início do tratamento
bacteriana. Seu uso pode ser uma antimicrobiano profilático se relaciona com
alternativa aos pacientes com alergia à maiores taxas de infecções nos pacientes
penicilina, mas não há evidência suficiente com fraturas abertas, independentemente do
para estabelecer monoterapia na profilaxia grau de gravidade. Baseando-se nisso, tanto
de fraturas abertas. Apesar disso, sua a EAST, quanto a SIS (Surgical Infection
utilização em combinação com cefepima Society), recomendam que a profilaxia se
(uma cefalosporina) mostrou-se mais inicie o mais rápido possível (GARNER et
efetiva em comparação à combinação de al., 2020).
cefazolina e gentamicina para pacientes Quanto à duração da antibiótico-
com fraturas do tipo III, bem como o uso profilaxia, um regime de duração longa
tópico de vancomicina tem sido relacionado apresenta relação custo-benefício desfavo-
a redução infecções de sítio cirúrgico rável, uma vez que a alta chance de seleção
quando aplicada dentro de 24h após a de linhagens bacterianas resistentes
fratura aberta (GARNER et al., 2020). perpassa a capacidade de prevenção de
Ainda assim, a adição vancomicina ao infecções (ISAAC et al., 2016). De fato,
regime profilático com antibióticos não é após o início da implementação de
recomendada para cobertura de rotina, profilaxia antimicrobiana em fraturas
devendo ser considerada apenas em casos abertas, houve aumento na incidência de
de alto risco de infecção por MRSA infecções por microrganismos resistentes
(Staphylococcus aureus resistente à (CRAIG et al., 2014).
meticilina) (SAMAI & VILELLA, 2018). A determinação do tempo de duração
mais apropriado para a profilaxia de cada
3.4. Tempo para início da antibio- tipo de fratura ainda é um debate. Terapias
ticoprofilaxia e duração com duração superior a 72 horas não
Um estudo retrospectivo aponta um demonstraram serem mais eficazes que
intervalo superior a 66 minutos entre a terapias mais curtas, mesmo que para
ocorrência de fratura aberta tipo III e a fraturas do tipo III, além de aumentarem a
administração de antimicrobianos como um chance de ocorrência de efeitos adversos
fator de risco independente para o desfecho (RUPP et al., 2020). As recomendações
de infecção. Nesse mesmo estudo, a taxa de mais comuns defendem antibioticopro-
infecções foi de 17,5%, mas, em última filaxia por 24 horas em casos de fraturas dos
análise, não ocorreram infecções em tipos I e II. Para fraturas do tipo III, a EAST
pacientes que receberam profilaxia dentro recomenda duração de até 72 horas a contar
do intervalo de 66 minutos. Outro estudo a partir do incidente, mas não mais que 24
detectou taxa de infecção maior em horas após a se alcançar a cobertura
pacientes que receberam antimicrobianos

334
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

completa do tecido mole lesionado execução de terapia profilática apenas com


(GARNER et al., 2020). Não há nenhum antibióticos tópicos para as fraturas abertas
benefício ao se administrar antimicrobianos (GARNER et al., 2020). No entanto, muitas
por período superior a 24 horas após o pesquisas trazem a terapia local como uma
fechamento da ferida (CRAIG et al., 2014). tática complementar à terapia sistêmica,
com a premissa de diminuir seus efeitos
3.5. Terapias locais adversos. Os aminoglicosídeos gentamicina
Um desafio inerente ao alcance de e tobramicina, juntamente ao glicopeptídeo
antimicrobianos sistêmicos aos seus vancomicina são as drogas mais
respectivos tecidos alvejados via corrente comumente utilizadas em veículos de
sanguínea é a vascularização comprometida terapia local (BUMBASIREVIC et al.,
em fraturas abertas de maior grau, o que por 2012).
sua vez implicaria concentrações Nesse contexto, o carreador de
insuficientes do agente em seu local de antibióticos mais comumente utilizado é
atuação. Aumentar a dose das drogas polimetilmetacrilato (o plástico acrílico) em
sistêmicas não é uma abordagem adequada correntes de contas impregnadas. Algumas
devido a problemas de toxicidade desvantagens são as de que esse material
(BUMBASIREVIC et al., 2012). não é biodegradável, necessitando de outra
Assim, a aplicação local de antibióticos cirurgia para ser retirado, além de que
no contexto de fraturas abertas tem ganhado concentrações abaixo da inibitória mínima
destaque. Na terapia local, além de ser estiveram relacionados a relatos de
imprescindível alcançar níveis acima da surgimento de resistência. Outro tipo de
concentração bactericida mínima para terapia local foi proposto com o uso de
evitar surgimento de resistência de vancomicina em pó: testes in vivo têm
microrganismos, é também necessário que demonstrado que a aplicação tópica em
tal concentração não afete o processo de fraturas ósseas abertas diminui a ocorrência
cicatrização óssea. Por exemplo, para de infecções de sítio cirúrgico quando feita
profilaxia contra Staphylococcus aureus, dentro de 24 horas após a fratura. Além
níveis de gentamicina devem estar entre 128 disso, foram relatadas baixas taxas de
mg/ml a 200 mg/ml para alcançar a infecção em fraturas abertas tratadas com
concentração inibitória mínima para 90% aminoglicosídeo líquido local em adição à
dos microrganismos (MIC90%), no tecido- terapia sistêmica. No entanto, indicações de
alvo acometido pela fratura. Essa mesma uso clínico e doses ainda permanecem
faixa de valores implica em redução menor indefinidas (RUPP et al., 2020)
que 50% na atividade da enzima fosfatase Além destas, outras formas de aplicação
alcalina de osteoblastos e no conteúdo de têm sido estudadas: lãs de colágeno
DNA (in vitro) de tais células impregnadas, revestimento de hidrogel de
(BUMBASIREVIC et al., 2012). rápida absorção carregado de antibióticos,
Cabe salientar que não há evidência derivados de ácido hialurônico injetáveis
científica suficiente para sustentar a termorresponsíveis carregados com genta-

335
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

micina e mistura de antibióticos em selante a) Profilaxia de trauma penetrante de


de tecido VitagelTM, entre outros, foram cabeça e pescoço: é recomendado o uso
usados com relativo sucesso em cloranfenicol perioperatório, ampicilina
experimentos e testes clínicos, mas sua com gentamicina, cloxacilina com
implementação na prática ainda parece estar cloranfenicol ou gentamicina com
distante (MAUFFREY et al., 2019). ceftriaxona e metronidazol. A terapia inicial
deve ser dirigida contra organismos
3.6. Antibioticoprofilaxia de traumas incluindo S. aureus resistente à meticilina e
penetrantes Pseudomonas aeruginosa. As diretrizes
3.6.1. Feridas de cabeça e pescoço: recomendam, também vancomicina com
Atos de violência ou acidentes são as uma das três terapias adicionais:
principais causas desse tipo de lesão. A ceftazidima, cefepima ou meropenem
possibilidade de infecção traz consigo a (PETERSEN & WATERMAN, 2011). A
necessidade de regimes profiláticos à base Tabela 26.3 sintetiza as principais
de antibióticos. De acordo com o local recomendações.
afetado, as recomendações variam e estão
abaixo sintetizadas.

Tabela 26.3 Antibioticoprofilaxia recomendada para infecção de Sistema Nervoso Central decorrente
de trauma penetrante
Trauma penetrante Antibioticoprofilaxia de escolha Duração da profilaxia
Cefazolina de 1g via intravenosa a
Couro cabeludo 5 dias
cada 8 horas
Cefazolina de 1g via intravenosa a
Meningite 5 dias
cada 8 horas
Fonte: Elaboração própria a partir de Petersen et al., 2011

b) Tratamento de trauma penetrante até 6 semanas se houver osteomielite


maxilofacial: é recomendado o uso de (PETERSEN & WATERMAN, 2011). A
ampicilina / sulbactam ou clindamicina Tabela 26.4 sintetiza as principais
mais moxifloxacina para alergia a β- recomendações.
lactâmicos com tratamento por 10-14 dias

Tabela 26.4 Antibioticoprofilaxia recomendada para infecção maxilofacial decorrente de trauma


penetrante
Trauma penetrante Antibioticoprofilaxia de Duração da profilaxia
escolha
Cefazolina de 2g via intravenosa a
24 horas
cada 8 horas
Maxilofacial
Clindamicina de 900mg via
24 horas
intravenosa a cada 8 horas
Fonte: Elaboração própria a partir de Petersen et al., 2011.

336
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.6.2. Feridas de tórax primeira geração são mais usadas,


As infecções torácicas são causadas considerando que essas complicações são
principalmente por contaminação da ferida predominantemente causadas por
e local cirúrgico por patógenos presentes no patógenos Gram-positivos. Quando se
corpo estranho penetrante ou na pele da constata infecção por bactérias Gram-
vítima, como S. aureus. A pneumonia está negativas ou para infecções desenvolvidas
diretamente ligada à complicação da lesão mais de 48 horas após a admissão
ou suporte ventilatório concomitante. As hospitalar, deve-se utilizar fluoroquino-
bactérias causadoras de infecções do tórax lonas isoladamente ou cefalosporinas de
após traumas penetrantes podem ser Gram- terceira geração com metronidazol;
negativas, Gram-positivas ou anaeróbicas, alternativamente, opções como ticarcilina /
sendo a S. aureus a mais comum. O objetivo ácido clavulânico; piperacilina / tazobactam
da profilaxia com antibióticos, idealmente, ou monoterapia com moxifloxacina são
deve ser reduzir a ocorrência de empiema possíveis. Para paciente com sepse ou
plueral e pneumonia sem aumentar a recebendo antimicrobianos após 48 h ou
ocorrência de resistência bacteriana. No com sinais de síndrome de resposta
entanto, as recomendações para sua inflamatória sistêmica ao longo de 48 horas
aplicação nesses casos ainda são incertas. de seguimento, carbapenêmicos, cefalospo-
Ainda assim, é recomendado uso de rinas avançadas (ceftazidima e cefepima)
cefazolina para empiema pleural na com metronidazol, ou aztreonam com o
presença do tubo de toracostomia, por não metronidazol oferecem boa cobertura
mais que 24h. O uso de aminoglicosídeos (BOSMAN et al., 2011).
deve ser evitado (PETERSEN & A tabela 26.5 sintetiza as principais
WATERMAN, 2011). recomendações profiláticas em caso de
*OBSERVAÇÃO: Nos casos em que a trauma penetrante torácico.
infecção se estabelece, as cefalosporinas de

Tabela 26.5. Antibioticoprofilaxia recomendada para infecção torácica decorrente de trauma penetrante.
Trauma penetrante Antibioticoprofilaxia de escolha Duração da profilaxia
Toracostomia com drenagem de Cefazolina de 1g via intravenosa a
24 horas
empiema cada 8 horas
Cefazolina de 1g via intravenosa a
Com contaminação abdominal 24 horas
cada 8 horas
Fonte: Elaboração própria a partir de Petersen et al., 2011.

3.6.3. Feridas de abdômen pancreáticas aumentam as taxas de


O trauma abdominal penetrante é infecção. Para traumas penetrantes
classificado quando a cavidade peritoneal abdominais, a terapia com antibióticos antes
está violada. As complicações são causadas da operação se mostrou mais eficaz
por infecções intra-abdominais pós- comparada às terapias intra e pós-
operatórias em pacientes com trauma operatórias (PETERSEN & WATERMAN,
penetrante. Pesquisas apontam que as lesões 2011).

337
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

É recomendado o uso de cefoxitina ou antibioticoterapia não deve passar de 24


moxifloxacina em terapia ou, alternativa- horas (PETERSEN & WATERMAN,
mente, ciprofloxacina combinada com 2011).
metronidazol. Os antibióticos devem ser A Tabela 26.6 sintetiza as principais
iniciados antes da cirurgia, e com base nos recomendações.
estudos, acredita-se que o uso de

Tabela 26.6 Antibioticoprofilaxia recomendada para infecção abdominal decorrente de trauma penetrante
Trauma penetrante Antibioticoprofilaxia de escolha Duração da profilaxia
Cefoxitina de 2g via intravenosa a cada 6 horas 24 horas
Abdominal Moxifloxacina de 400mg via intravenosa a cada
24 horas
24 horas

Fonte: Elaboração própria a partir de Petersen et al., 2011.

3.6.4. Feridas de extremidades b) Profilaxia de osteomielite: para


Pesquisas indicam que bactérias Gram- prevenção da osteomielite, é recomendado
positivas e anaeróbicas são predominantes o uso de cefazolina. A clindamicina é uma
no momento da ferida. Porém outras alternativa para o paciente que apresenta
evidências revelaram que por mais que as alergia a beta-lactâmicos. Adição de terapia
feridas de extremidades apresentam a maior local via antibióticos também deve ser
presença de bactérias Gram-positivas, logo considerada especialmente em fraturas de
depois os organismos Gram-negativos grau III. A duração da terapia deve ser de 1-
começam a predominar. O ambiente onde a 5 dias (PETERSEN & WATERMAN,
lesão ocorreu pode interferir diretamente na 2011).
profilaxia, podendo variar a seleção do c) Profilaxia de infecções por uso de
antibiótico (PETERSEN & WATERMAN, equipamento ortopédicos: há poucos
2011). estudos conclusivos sobre a necessidade de
a) Profilaxia de feridas em tecidos profilaxia com antibióticos nesses casos,
moles: a penicilina é recomendada pelo bem como sobre qual a melhor terapia.
Comitê Internacional da Cruz Vermelha Ainda assim, é recomendado o uso prévio
para amputações, fraturas expostas e de cefazolina (ou clindamicina em caso de
grandes feridas de tecidos moles por 5 dias alergia a beta-lactâmicos) em casos de
ou até o retardo da ferida. Além da feridas expostas que necessitem de uso de
penicilina, a cefazolina também é uma equipamentos ortopédicos (PETERSEN &
opção. Para pacientes alérgicos a beta- WATERMAN, 2011).
lactâmicos, uma alternativa seria o uso de A Tabela 26.7 sintetiza as principais
clindamicina (PETERSEN & recomendações.
WATERMAN, 2011).

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Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Tabela 26.7. Antibioticoprofilaxia recomendada para infecções de extremidades decorrentes de


trauma penetrante.
Trauma penetrante Antibioticoprofilaxia de escolha Duração da
profilaxia
Cefazolina de 1g via intravenosa a cada 8 horas
Tecidos Moles 1 a 5 dias
Clindamicina de 900mg via intrevenosa a cada 6 horas
Cefazolina de 1g via intravenosa a cada 8 horas
Osteomielite 1 a 5 dias
Clindamicina de 900mg via intrevenosa a cada 6 horas
Cefazolina de 1g via intravenosa a cada 8 horas
Equipamentos
Clindamicina de 900mg via intrevenosa a cada 1 a 5 dias
ortopédicos
6 horas
Fonte: Elaboração própria a partir de Petersen et al., 2011.

4. CONCLUSÃO indicação para casos de empiema pleural. A


antibioticoprofilaxia recomendada para
As recomendações de manejo infecções de extremidades decorrentes de
profilático com antibióticos em fraturas trauma penetrante são semelhantes em
abertas e traumas perfurantes estão em relação a escolha do antimicrobiano,
constante mudança e os protocolos variam dosagem e duração total. Ainda, a
de acordo com o local afetado. De modo determinação do tempo mais apropriado
geral, as práticas mais recomendadas e com para a profilaxia de cada tipo de fratura
maior nível de evidência estão relacionadas ainda é um debate, porém em um regime de
ao tempo de início da profilaxia, em que a longa duração, existe alta chance de seleção
cobertura sistêmica com antibióticos de linhagens bacterianas resistentes.
direcionados contra Gram-positivas deve Dessa forma, estudos prospectivos de
ser iniciada o mais rápido possível, à vigilância epidemiológica ativa são
expansão do espectro de ação para Gram- necessários para a determinação de um
negativas em caso de fraturas do tipo III e à protocolo padrão de conduta nesses casos,
possibilidade de adição de altas doses de principalmente no que se refere aos tipos de
penicilina em caso de contaminação da antibióticos recomendados para cada grau
fratura com terra ou fezes. de fratura e ao tempo de duração da terapia,
Em relação aos traumas perfurantes, considerando-se o crescente fenômeno da
destaca-se que a antibioticoprofilaxia do resistência aos antimicrobianos.
trauma penetrante do Sistema Nervoso
Central é a cefazolina intravenosa, mesma

339
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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340
Capítulo 26
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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341
Capítulo 27
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 27
A ABORDAGEM DO
ABDOME AGUDO NA
GESTANTE

Palavras-chave: Abdome agudo; Complicações na gravidez; Abordagem

ROBBERT BRUNELLY SANTOS¹


VICTOR HUGO FERRANTE MAIA ATHAYDE¹
ISABELA AYRES DE ARAUJO¹
LARISSA CAROLINE RODRIGUES ¹
LUÍSA CANEDO LIMA¹
LUIZ GUSTAVO MESQUITA RIBEIRO¹
MARIA LUÍSA MIRANDA MACEDO¹
MATHEUS RODRIGUES PIRES¹
RAFAEL MUNIZ GAMA¹
WILSON FERREIRA DA SILVA FILHO2

Discente – Medicina do Centro Universitário Atenas.


1

Docente – Departamento de Clínica Cirúrgica do Centro Universitário


2

Atenas.

342
Capítulo 27
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO complementares. Por mais, o profissional


da saúde realiza o exame físico, o qual é
O abdome agudo na gravidez bem característico e auxilia no diagnóstico,
caracteriza-se por ser um quadro de dor porém existem limitações frente à gestação.
abdominal aguda, associado a uma maior Por conseguinte, tem-se um processo
sensibilidade e rigidez provocada por uma inflamatório e aumento de leucócitos, - o
irritação peritoneal (ZACHARIAH et al., que dificulta ainda mais a abordagem, haja
2019). É uma situação extremamente rara, vista que o quadro gravídico também cursa
de incidência que varia entre 0,001 e 0,23% com leucocitose (ZACHARIAH et al.,
e com maior índice de acometimento em 2019).
mulheres jovens, e é também bastante Feito o diagnóstico, deve-se sempre
delicada, pelo fato da dificuldade do considerar a melhor terapêutica. Alguns
diagnóstico e pela fisiologia da mulher no estudos apostam na cirurgia de forma
período gestacional (EL-AMIN et al., precoce e outros utilizam uma terapia inicial
1998). Além disso, sinais e sintomas que a para tentar evitar que seja realizado esse
gestante com abdome agudo pode tratamento invasivo. Concomitantemente, a
apresentar se assemelham muito com intervenção cirúrgica é recomendada, na
aqueles característicos da gravidez, grande maioria das vezes, em casos de
tornando os achados desta manifestação confirmação do abdome agudo na gestação,
clínica menos evidentes e com tendo em vista que é mais seguro ser feita
possibilidade de agravar o caso para a mãe uma laparotomia precoce do que prejudicar
e para o feto (ZACHARIAH et al., 2019). a saúde materna e fetal (DEVENDRA,
A síndrome do abdome agudo pode 2005).
acontecer de cinco formas diferentes, sendo O objetivo deste estudo foi executar
as mais comuns: Abdome Agudo uma pesquisa bibliográfica completa a fim
Inflamatório (como a apendicite, de levantar um estudo e abordagem
pancreatite, diverticulite, colecistite e abrangente sobre a temática do abdome
colangite). O abdome agudo obstrutivo agudo em gestantes. Ressalta-se a
(podendo ser tumor de colo, íleo biliar, ou importância de conhecer e entender os
qualquer outra causa que obstrua o conceitos para uma conduta adequada e
intestino). O abdome agudo vascular que eficaz. Com isso, a pesquisa de dados foi
consiste na obstrução do fluxo sanguíneo do realizada com cautela nas referências
intestino. Na gestante, o tipo mais comum é bibliográficas, as quais puderam auxiliar e
o inflamatório, dentre eles, apendicite e enriquecer o trabalho.
colecistite (MONGA, 2007).
O diagnóstico é bastante complicado, 2. MÉTODO
pelo fato de as próprias alterações
fisiológicas da gravidez mascararem os O presente estudo trata-se de uma
sintomas do abdome agudo, e os médicos revisão narrativa sobre a abordagem do
terem uma resistência em solicitar exames abdome agudo em gestantes, bem como seu
343
Capítulo 27
TRAUMA E EMERGÊNCIA

diagnóstico, exames solicitados para Atinge cerca de uma a cada 500-635


avaliação, acompanhamento e tratamento. gestantes (BARBER-MILLET et al., 2016).
Para tal, foi realizada uma busca nas bases Pode ser classificado didaticamente em
de dados virtuais PubMed, Scientific cinco síndromes abdominais agudas:
Eletronic Library Online (SciELO) e hemorrágica, vascular ou isquêmica,
Google acadêmico. Foram utilizados os obstrutiva, perfurativa e inflamatória.
seguintes descritores: “abdome agudo”, O abdome agudo inflamatório é o mais
“fisiopatologia do abdome agudo”, “acute dominante na população em geral,
abdomen”, “acute abdomen in pregnancy”. incluindo as gestantes (MOURA, 2018).
A pesquisa compilou um total de 15 Entre as várias etiologias, a apendicite é a
artigos que apresentavam a fisiopatologia, principal causa, a qual ocorre pela
diagnóstico e tratamento do abdome agudo obstrução da luz do apêndice seja por
e sua abordagem em gestantes. Foram fecalitos (causa mais comum), hiperplasia
incluídos trabalhos publicados a partir do dos folículos linfoides, neoplasia, parasitos
ano de 2007 redigidos na língua inglesa, ou presença de corpos estranhos (MPHIL et
espanhola e portuguesa. Excluíram-se 5 al., 2014).
artigos incompletos, obsoletos ou que não O abdome agudo obstrutivo é
trouxeram dados relevantes sobre o tema caracterizado por obstrução intestinal
selecionado. Assim, totalizaram 10 artigos ocasionado, principalmente, por bridas e
para o desenvolvimento do estudo. aderências de pacientes com cirurgias
prévias. A fisiopatologia é explicada pela
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO cicatrização exacerbada durante a
manipulação intestinal. A válvula ileocecal
3.1. Síndromes Abdominais Agudas é a referência anatômica que possibilita a
A dor abdominal é o sintoma mais classificação da obstrução em baixa e alta.
prevalente do abdome agudo, mas também Trata-se da terceira causa não obstétrica e
está associada com o período gestacional, ginecológica mais comum no ciclo
devido às alterações abdominais e gestativo (BRUNETTI et al., 2007).
osteomusculares no desenvolvimento do O abdome agudo perfurativo é
feto (MOURA, 2018). Por se tratar de uma decorrente de uma perfuração de víscera
queixa comum em pacientes do sexo oca, tendo como principal etiologia a úlcera
feminino internadas é necessária uma péptica perfurada. Seu quadro clínico é
complexa avaliação durante o primeiro caracterizado por dor abdominal súbita, que
atendimento (MPHIL et al., 2014). faz com o que o paciente apareça no serviço
O abdome agudo na gestante é uma de emergência de forma precoce
condição súbita caracterizada por dor (MASSELLI et al., 2015).
aguda, espontânea, isenta de situações O abdome agudo vascular ou isquêmico
traumáticas, que acomete mulheres de é determinado por uma obstrução do fluxo
qualquer faixa etária (CEPEDA-SILVA, sanguíneo intestinal. A etiologia principal é
2013). a embolia da artéria mesentérica,
344
Capítulo 27
TRAUMA E EMERGÊNCIA

responsável por 50% dos casos. Trata-se de um diagnóstico incorreto (UNAL et al.,
um manejo e letalidade complexos, 2011).
frequentemente mais comum em pacientes Consequente à acomodação das fibras
com comorbidades acentuadas. É pouco musculares do útero e à sensibilidade aos
frequente durante a gravidez (BRUNETTI hormônios e estímulos nervosos, iniciam-se
et al., 2007). modificações de volume, forma, peso,
O abdome agudo hemorrágico é conteúdo e tamanho (MOURA, 2018). Por
definido como presença de sangramento volta de 12ª semana de gestação, o útero
dentro da cavidade abdominal, com sofre aumento e torna-se um órgão intra-
ausência de trauma. A causa principal e abdominal. A hipertrofia e hiperplasia das
mais frequente é a gravidez tubária rota. O fibras musculares uterinas associadas ao
quadro clínico é caracterizado por dor crescimento fetal, faz com que o órgão que
súbita, sinais de choque e sinais de se localizava na pelve invada a cavidade
peritonite. Dessa forma, é considerado um abdominal, podendo chegar até ao rebordo
quadro grave e seu diagnóstico deve ser costal, provocando a modificação do padrão
realizado de forma precoce (MOURA, anatômico da localização visceral, como o
2018). deslocamento lateral e superior do
estômago, intestino delgado, peritônio e
3.2. Alterações anatômicas e compressão da bexiga, ureteres e cólons
fisiológicas maternas durante a gestação (ZACHARIAH et al., 2019). Com isso, o
A associação do estado gestacional ao deslocamento do alimento contribui para a
abdome agudo representa um desafio ao progressão de peritonite em casos de
médico assistente, visto que a gravidez abdome agudo, e o relaxamento da parede
promove uma série de modificações abdominal disfarça a proteção, mascarando
metabólicas, endócrinas, cardiovasculares, qualquer inflamação peritoneal subjacente
geniturinárias, respiratórias e principal- (MOURA, 2018).
mente abdominais (ZACHARIAH et al., Em relação ao sistema circula-
2019). tório/cardiovascular, a produção de óxido
A elevação dos níveis séricos dos nítrico pelo endotélio vascular faz que
hormônios gestacionais, sobretudo da ocorra uma vasodilatação periférica. Além
progesterona, provoca a diminuição da disso, a diminuição do retorno venoso após
motilidade do intestino delgado, redução da o 2º trimestre e o aumento da frequência
pressão do esfíncter esofágico inferior e cardíaca são alterações comuns (MASSE-
redução do tempo de esvaziamento gástrico, LLI et al., 2015). Verifica-se também um
através da alteração da mobilização aumento fisiológico do volume plasmático
intracelular do cálcio dos miócitos do em comparação ao volume das hemácias,
músculo liso (MPHIL et al., 2014). Nesse dando início a uma anemia fisiológica. A
cenário, a constipação intestinal, náuseas e associação desse fenômeno com a
vômitos são comuns e inespecíficos durante diminuição da concentração de hemoglo-
todo o período, o que pode contribuir para
345
Capítulo 27
TRAUMA E EMERGÊNCIA

bina pode gerar um entrave em casos de determinadas patologias. Logo, o diag-


hemorragia (ZACHARIAH et al., 2019). nóstico diferencial de dor abdominal na
A prevalência alta de litíase nas gestante se torna amplo, com diversas
pacientes grávidas pode ser explicada pelas possibilidades, pois a dor adquire locali-
alterações hormonais e metabólicas, pois zação atípica e os sintomas naturais da
ocorre o surgimento de hiperlipidemia prenhez confluem com os quadros clínicos
sendo que o colesterol pode ser superior a de variadas causas de abdome agudo
50% do valor de normalidade. Ademais, o (UNAL et al., 2011).
aumento da progesterona contribui para a Alguns fatores que dificultam o
diminuição da contração e aumento do diagnóstico coerente do quadro no ciclo
volume residual de bile (MOURA, 2018). gravídico são: deslocamento de estruturas
A obstrução do trato urinário durante a intra-abdominais pela hipertrofia do útero,
gravidez predispõe a quadro de dor náuseas e vômitos, cólicas causadas pela
abdominal. Por influência hormonal e contração uterina, compressão ureteral e
compressão dos vasos extrínsecos uterinos leucocitose inespecífica (BARAHONA et
ocorre uma dilatação do sistema renal al., 2015). Além disso, a aversão em utilizar
excretor, o qual contribui para um métodos radiológicos, como radiografia ou
diagnóstico equivocado. Sendo assim, tomografia computadorizada e a relutância
torna-se evidente a importância da em submeter a paciente a uma cirurgia de
diferenciação da dilatação fisiológica e emergência dificultam a avaliação
obstrução por um cálculo (BARAHONA et diagnóstica e terapêutica (ZACHARIAH et
al., 2015). Durante a gestação ocorre a al., 2019). Por isso, a escolha do exame de
leucocitose fisiológica da gravidez imagem é primordial para o tratamento
(ZACHARIAH et al., 2019). A correto e acelerado (BARBER-MILLET et
concentração de leucócitos pode variar al., 2016).
entre 6.000 a 16.000 células/mm3, o que A ultrassonografia de abdome (USG) é
pode mimetizar um processo inflamatório a técnica mais aceita durante a prenhez,
abdominal agudo. Assim sendo, a contagem tanto por sua eficácia quanto por sua
de leucócitos não é parâmetro específico na segurança. Também possui sensibilidade e
avaliação de abdome agudo gestacional especificidade elevadas no diagnóstico
(MOURA, 2018) e, geralmente, assume precoce de colecistite e apendicite.
seus níveis de normalidade no sexto dia Entretanto, torna-se menos eficiente no
pós-parto (ZACHARIAH et al., 2019). terceiro trimestre, principalmente após a 32ª
semana, pois o crescimento exacerbado
3.3. Diagnóstico de abdome agudo uterino dificulta a realização da técnica.
gravídico Outrossim, em casos de perfuração
Em razão das alterações fisiológicas e apendicular a sensibilidade do teste diminui
anatômicas, a propedêutica do abdome fica para 28,5% (BARBER-MILLET et al.,
destoante da mulher não grávida, o que 2016).
prejudica os sinais de presunção de
346
Capítulo 27
TRAUMA E EMERGÊNCIA

A ressonância magnética (RM) também 2016). Esse valor equivale a uma de cada
é utilizada, pois fornece imagem com ótima 500 gestações (CEPEDA-SILVA, 2013). O
qualidade dos tecidos e possui sensibilidade momento ideal para dar início a cirurgia é
de 91% e especificidade de 85% dependente da urgência e não deve ser
(ZACHARIAH et al., 2019). No entanto, postergado devido à espera de exames
alguns autores propõem que os efeitos dos complementares ou avaliação obstétrica.
ruídos dessa ferramenta diagnóstica podem Dessa forma, diante de uma paciente com
gerar estresse e movimentação exacerbada instabilidade hemodinâmica não é
do feto, o que interfere na qualidade das obrigatória a estabilização do quadro para
imagens. Além disso, trata-se de um método início do procedimento (MPHIL et al.,
caro, disponível apenas em grandes centros 2014).
e que gera desconforto em pessoas A conduta pré-operatória na gestante é
claustrofóbicas. Em contrapartida, tem semelhante às pacientes não gestantes, o
como benefício principal a ausência de que inclui a administração de fluidos
radiação ionizante (BARBER-MILLET et intravenosos, punção de acesso periférico,
al., 2016). Apesar da tomografia sondagem vesical, correção de distúrbios
computadorizada apresentar avaliação hidroeletrolíticos, analgesia, tipagem
diagnóstica superior a USG e a RM, acaba sanguínea, entre outros (MOURA, 2018).
sendo utilizada apenas em situações Para evitar a hipotensão materna
específicas por possuir elevado risco de recomenda-se posicionar a paciente em
teratogênese e carcinogênese. A presença decúbito lateral esquerdo leve, a fim de
de radiação torna a maioria dos médicos diminuir a compressão do útero sobre a veia
relutantes quanto o seu uso, mesmo que sua cava, o que causa diminuição do retorno
sensibilidade e especificidade sejam venoso. Ademais, é necessária a realização
superior a 93%. Sendo assim, a TC fica da profilaxia tromboembólica, visto que
restrita em casos de dúvida diagnóstica ou durante o período gestacional tem uma
casos inconclusivos com os outros métodos predisposição a formação de trombos
(MOURA, 2018). A radiografia simples de (BARBER-MILLET et al., 2016).
abdome caiu em desuso, devido a melhores
técnicas de imagem existentes, porém pode 3.5. Etiologias, diagnósticos e
ser útil em suspeitas de obstrução intestinal tratamentos específicos
principalmente causada por aderência A dor abdominal aguda no período
(UNAL et al., 2011). gestacional pode ser de procedência
obstétrica ou não (MOURA, 2018). Em
3.4. Tratamento cirúrgico em relação às causas não obstétricas, a
gestantes apendicite aguda e a doença biliar compli-
Aproximadamente 0,2 a 1% das cada são as mais frequentes, em seguida
mulheres grávidas precisarão ser subme- encontram-se as causas de obstrução
tidas a algum procedimento cirúrgico não intestinal. Com predomínio inferior apare-
obstétrico (BARBER-MILLET et al., cem as doenças inflamatórias intestinais,
347
Capítulo 27
TRAUMA E EMERGÊNCIA

úlceras perfuradas, hérnias, hemorragias migra para fossa ilíaca direita. Pode estar
intra-abdominais e tumores (BARBER- associada a febre, náuseas, vômitos e
MILLET et al., 2016). Apesar de a hiporexia (BRUNETTI et al., 2007). O fator
pancreatite aguda fazer parte da lista das predominante para a definição de apendicite
etiologias, ela é pouco comum durante a é a dor abdominal, visto que está presente
gestação, porém caracteriza um elevado em 100% dos casos avaliados indepen-
grau de morbimortalidade fetal e materna e, dentemente da idade gestacional (MOURA,
dessa forma, deve ser abordada com 2018). Na maioria dos casos, a sensibilidade
relevância (MOURA, 2018). no ponto de McBurney também está
presente. Entretanto, é comum que as
3.6. Apendicite Aguda manifestações clínicas estejam alteradas em
A apendicite aguda é a causa mais gravidez avançada (ZACHARIAH et al.,
comum de abdome agudo inflamatório e 2019).
trata-se da inflamação do apêndice Em relação aos hábitos de vida, o
vermiforme. Durante a gestação é a tabagismo se enquadra como um relevante
emergência cirúrgica não obstétrica mais fenômeno pró-inflamatório, o qual consiste
corriqueira (MOURA, 2018). Apresenta em um fator de risco para a apendicite.
incidência nas gestantes de 0,2%, podendo Sendo assim, de acordo com alguns autores,
se manifestar por todo período gestacional, a gravidez possui a funcionalidade de fator
porém é mais comum no segundo trimestre protetor, visto que, durante esse período,
(CEPEDA-SILVA, 2013). ocorre a diminuição do tabagismo.
O comprometimento do fluxo arterial e O aumento fisiológico da concentração
do retorno venoso provoca a perfuração do de leucócitos na prenhez deve ser avaliado
apêndice resultando no aumento de 5% da com cautela em quadros de apendicite
morte fetal para 25% (ZACHARIAH et al., aguda pois pode gerar um equívoco
2019). Esse índice em atraso cirúrgico laboratorial. Apesar disso, a presença de
superior a 24 horas é cerca de 66% leucocitose deslocada à esquerda e formas
(BARBER-MILLET et al., 2016). Além do em faixas são indicativos para um possível
aumento no risco de perfuração, um processo inflamatório (ZACHARIAH et
possível retardo diagnóstico pode contribuir al., 2019).
para peritonite e septicemia, o que pode A USG possui especificidade de 83-
resultar em aborto espontâneo e trabalho de 96% e sensibilidade de 65-100% para
parto prematuro (ZACHARIAH et al., apendicite na mulher grávida. Por isso,
2019). Dessa forma, o diagnóstico precoce mesmo diante de limitações na avaliação
e manejo correto são essenciais para reduzir dos anexos, a USG é o exame de imagem
as taxas de morbidade e mortalidade mais empregado na investigação da
materno-fetais (MOURA, 2018). gestante com queixa de dor abdominal
Tradicionalmente, o quadro clínico se aguda (MOURA, 2018). A utilização da TC
instaura com dor insidiosa, periumbilical, também pode ser considerada, desde que
com piora progressiva que posteriormente leve em consideração os riscos e benefícios
348
Capítulo 27
TRAUMA E EMERGÊNCIA

que a radiação pode causar a mãe e ao feto mecânica, vascular, tumoral ou parasitária
(MPHIL et al., 2014). Entretanto, de acordo (BARBER-MILLET et al., 2016). A
com a recomendação do The American etiologia litiásica é responsável por 90%
College of Radiology, a ressonância dos casos. Já a colecistite aguda afeta cerca
magnética (RM) é mais segura e por isso de 20% das mulheres com 40 anos idade,
deve ser utilizada como segunda escolha em sendo que no período gestacional tem
casos de USG inconclusiva (ZACHARIAH incidência de 1:1.1600 a 1:10.000
et al., 2019). A RM possibilita a avaliação (ZACHARIAH et al., 2019). A prenhez
da estrutura abdominal e seus anexos com a predispõe a formação de cálculos biliares
ausência da radiação ionizante (BARA- devido ao retardo do esvaziamento biliar e
HONA et al., 2015). modificações hormonais que essas
A terapêutica antes do procedimento pacientes apresentam (BARBER-MILLET
cirúrgico é a mesma das pacientes não et al., 2016). A fisiopatologia possui relação
gestantes e inclui o uso de analgésicos e a com o aumento na produção de
administração de líquidos intravenosos. A progesterona, motilidade vesicular diminuí-
emergência cirúrgica é estabelecida quando da, taxa de colesterol elevada e estagnação
se tem o diagnóstico de apendicite aguda e das substâncias biliares, fazendo com que a
a mulher grávida deve ser submetida à gravidez e colecistite possam evoluir juntas
cirurgia imediata, independentemente da (MOURA, 2018). As manifestações clíni-
idade gestacional. Atualmente, a cas são caracterizadas por cólica biliar
apendicectomia laparoscópica é mais usada, associada a desconforto abdominal pós-
porque fornece dor pós-operatória mínima e prandial, náuseas, distensão abdominal
recuperação acelerada (BARBER-MILLET (ZACHARIAH et al., 2019). O sinal de
et al., 2016). Caso tenha apresentação de Murphy não necessariamente estará
peritonite, a laparatomia exploradora é presente. Sintomas sistêmicos como
necessária para avaliação mais complexa e taquicardia, febre e icterícia são
ressecção das áreas necrosadas evidenciados em apenas 1% das pacientes
(MASSELLI et al., 2015). Uma cesariana (MOURA, 2018).
associada a apendicectomia é um episódio Nas alterações laboratoriais podem ser
raro, exceto em gestação superior de 37 perceptíveis a presença de hipercoleste-
semanas e que já tenha previsão de cesárea rolemia e leucocitose. As transaminases e
(MOURA, 2018; ZACHARIAH et al., bilirrubinas também podem estar elevadas.
2019). Ocorre também o aumento dos estrogênios
e, posteriormente, a elevação da fosfatase
3.7. Doença Biliar alcalina (UNAL et al., 2011).
A doença biliar é a segunda causa mais O exame padrão-ouro na investigação
frequente de cirurgia emergencial não de litíase biliar é a ultrassonografia de
obstétrica durante o ciclo gestativo. Pode abdome que possui sensibilidade entre 90 a
ser classificada em litiásica e alitiásica que 98%. Além da presença de cálculos no
pode ser de causa química, infecciosa, interior da vesícula, podem ser visualizadas
349
Capítulo 27
TRAUMA E EMERGÊNCIA

a dilatação do canal biliar e, em alguns Cerca de metade das mulheres que passam
casos, coleções perivesiculares. Caso não por cirurgias na cavidade abdominal
seja possível estabelecer diagnóstico com a desenvolverão bridas futuramente (BRU-
USG, o próximo passo é realizar a NETTI et al., 2007). Há três momentos
ressonância magnética. Na investigação de cruciais durante a fase gestacional que
coledocolitíase, a Colangiopancreatografia ocorre um maior risco de obstrução
Retrógada Endoscópica (CPRE) com intestinal: (1) entre a 16ª e 20ª semana, no
esfincterectomia pode ser utilizada, momento em que o útero cresce mais
garantindo maior segurança (MASSELLI et adiante da pelve; (2) entre a 32ª e 36ª
al., 2015). O manejo correto envolve semana, em que se tem a descida do polo
reposição hidroeletrolítica, aspiração cefálico fetal; e (3) durante o período pós-
nasogástrica, analgesia e antibioticoterapia parto precoce (MACIEJ et al., 2013). O
de amplo espectro. O uso de anti- sintoma mais relatado pelas pacientes é a
inflamatórios não esteroidais deve ser dor abdominal em cólicas (98%)associada a
evitado após a 32ª semana por causa do náuseas, vômitos (82%) e constipação
risco de estreitamento do canal arterial e (30%). Entretanto, deve-se atentar ao
desenvolvimento de oligodrâmnia. Os diagnóstico errôneo de gestação em curso
antibióticos de primeira escolha são as frente a essas manifestações clínicas,
cefalosporinas e a clindamicina (ZACHA- corroborando para estrangulamento
RIAH et al., 2019). Caso ocorra falha no intestinal e elevando a morbimortalidade
tratamento clínico, sepse, perfuração, materna e perda fetal (MACIEJ et al.,
peritonite e episódios recorrentes de cólica 2013). A TC e a RM vêm ganhando espaço
biliar, a colecistectomia é a principal na avaliação, porém radiografias simples de
indicação. A laparoscopia é o procedimento abdome também são utilizadas e auxiliam
preferível por possuir vantagens pós- no diagnóstico precoce com positividade de
operatórias em relação a cirurgia aberta 82 a 100% (ZACHARIAH et al., 2019). O
(MOURA, 2018). tratamento clínico consiste na descom-
pressão intestinal através da sonda
3.8. Obstrução Intestinal nasogástrica (SNG), reposição de fluidos e
A obstrução intestinal constitui a eletrólitos intravenosos. Se não ocorrer
terceira causa mais prevalente de abdome melhora com o tratamento conservador em
agudo na gestação. Consiste em uma 48 horas, a indicação é o procedimento
emergência cirúrgica não obstétrica cirúrgico imediato (MOURA, 2018). A
potencialmente grave, visto que a laparotomia é preferível por permitir
incidência de mortalidade materna é de 2% exploração mais abrangente da cavidade
e a perda fetal é de 17% (UNAL et al., abdominal e manipular minimamente o
2011). útero. Em contrapartida, a laparoscopia
A etiologia principal são as aderências ainda não é recomendada (ZACHARIAH et
ou bridas, responsáveis por dois terços dos al., 2019).
casos seguida pelo volvo de sigmoide.
350
Capítulo 27
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.9. Pancreatite Aguda descompressão abdominal, hidratação


A pancreatite aguda é uma doença rigorosa, repouso intestinal, uso de
frequentemente autolimitada, por isso sua analgésicos e correção eletrolítica
complicação no período gravídico é rara, (ZACHARIAH et al., 2019). Também pode
com uma incidência de 1 a cada 10.000 ser feita a antibioticoterapia. A indicação de
gestações, sendo mais prevalente no procedimento cirúrgico ocorre apenas
terceiro trimestre. A taxa de mortalidade quando não há melhora clínica com o
materna é inferior a 1% e a taxa de partos manejo conservador, presença de necrose
precoces é de aproximadamente 20% ou pancreatite grave. A intervenção
(ZACHARIAH et al., 2019). A colelitíase é cirúrgica escolhida é a colecistectomia
a etiologia principal (38%), mas também (MOURA, 2018).
pode ser causada pela ingesta de álcool,
medicamentos (tiazídicos, diuréticos, anti- 4. CONCLUSÃO
hipertensivos e tetraciclina), triglicerídeos
elevados (superior a 2000 mg/DL) e, Dessa forma, é notório que o abdome
raramente, por úlceras duodenais, agudo é um quadro clínico que requer
hiperparatireoidismo e infecções virais. atenção na investigação, uma vez que,
Cerca de 11% dos casos trata-se de devido a gestação a mulher apresenta
pancreatite aguda idiopática (MOURA, alterações no organismo em níveis
2018). O sintoma característico é a dor hormonais, metabólicos, funcionais e
epigástrica com irradiação para flancos ou estruturais. Esses quadros são muitas vezes
associada a náuseas e vômitos. Em casos confundidos com o abdome agudo em suas
mais graves podem estar presentes a várias vertentes, etiologias e manifestações.
distensão abdominal, icterícia e febre Sendo assim, as queixas da mulher
(BRUNETTI et al., 2007). grávida devem sempre ser avaliadas de
Para a avaliação laboratorial devem ser forma minuciosa para que se tenha um
solicitados hemograma completo, função diagnóstico preciso e rápido. O quadro
hepática, amilase, triglicérides, lipase e clínico, exames complementares e de
cálcio. O exame de imagem padrão-ouro é a imagem são solicitados para confirmação e
TC, pois além de identificar o foco vigilância do abdome agudo, sendo o tipo
infeccioso, visualiza sua extensão para inflamatório o mais comum, a apendicite
órgãos, tecidos subjacentes e avalia o aguda. O tratamento, na maioria das vezes
prognóstico da doença. A necrose é fator com foco na abordagem cirúrgica, precisa
primordial indicativo de gravidade ser avaliado pelo médico de forma precisa
(MOURA, 2018). O tratamento conserva- buscando sempre a melhor opção para
dor é realizado com o uso de SNG para resguardo da mãe e do filho.

351
Capítulo 27
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
EL-AMIN, A. M. et al. Acute abdomen in pregnancy. International Journal of Gynecology & Obstetrics, v. 62, n.
1, p. 31, 1998.
ARORA, Devendra et al. Acute abdomen in gynaecological practice. Medical Journal Armed Forces India, v. 61, n.
1, p. 66, 2005.
BARAHONA, D. Z. et al. Abdomen agudo em el embarazo: Evaluación por resonancia magnética. Revista Chilena
de Radiologia. v. 21, n. 2, p. 70, 2015.
BARBER-MILLET, S. et al. Actualización em el Manejo del Abdomen Agudo no Obstétrico em la paciente gestante.
Revista de Cirurgía Española. v. 94, n. 5, p. 257, 2016.

BRUNETTI, A. et al. Abdômen Agudo. Cirurgia de Urgência e Trauma. V. 40, n. 3, p. 358-367, 2007.

CEPEDA-SILVA, A. Abdomen agudo en el embarazo: caso clínico comentado. Perinatología y Reproducción


Humana. v. 27, n. 2, p. 123, 2013.

KILPATRICK, C. C. & MONGA, M. Approach to the acute abdomen in pregnancy. Obstetrics and gynecology clinics
of North America, v. 34, n. 3, p. 389-402, 2007.

MACIEJ, S. et al. Intestinal obstruction during pregnancy. Ginekologia Polska v. 84, n.2, p. 137, 2013.

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1, 2015.

MOURA, N. C. L. Abdome agudo não obstétrico e ginecológico na gestação: uma revisão de literatura.
Universidade Federal do Maranhão; Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. p. 1, 2018.

MPHIL, M. H. et al. Non Obstetric Causes and Presentation of Acute Abdomen among the Pregnant Women. Journal
of Family and Reproductive Health. v. 8, n. 3, p. 117, 2014.

UNAL, A. et al. Acute abdomen in pregnancy requiring surgical management: a 20-case series. European Journal of
Obstetrict & Gynecology and Reproductive Biology. v. 159, p. 87, 2011.

ZACHARIAH, S. K. et al. Management of acute abdomen in pregnancy: current perspectives. International Journal
of Women’s Health. v. 11, p. 119, 2019.

352
Capítulo 28
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 28
A ANALGESIA E SEDAÇÃO
COMO FERRAMENTA NA
MEDICINA DE EMERGÊNCIA

Palavras-chave: Emergência; Analgesia; Sedação Profunda

VICTOR HUGO FERRANTE MAIA ATHAYDE¹


ROBBERT BRUNELLY SANTOS¹
BLENDA MARIA SOARES DE ARAUJO¹
ISADORA RIBEIRO DA COSTA ANDRADE¹
LARISSA ROYER PEREIRA¹
LETÍCIA FERNANDES TEIXEIRA¹
NATHALIA MARRA AGUIAR¹
NELISSA ABUD DE CASTRO¹
RAFAEL MUNNIZ GAMA¹
RODRIGO GUIMARÃES RABELO2

1
Discente – Medicina do Centro Universitário Atenas.
2
Docente – Departamento de Clínica Médica do Centro Universitário Atenas.

353
Capítulo 28
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO residentes de medicina de emergência


(NETO, 2018).
O cenário da Urgência e Emergência Segundo as Diretrizes da Sociedade
por si só compactua-se sendo um ambiente Europeia de Anestesiologia e Cuidados
desagradável e traumático, estando Intensivos e do Conselho Europeu de
associado com procedimentos dolorosos. Anestesiologia para Sedação e Analgesia
As diversas técnicas de sedação e analgesia em procedimentos em adultos (ESAIC),
possibilitam ao doente, o alívio da dor, e do caracteriza-se por procedimentos anestési-
desconforto durante determinados procedi- cos e sedativos, aqueles que fazem o “uso
mentos de urgência e emergência (MOURA de medicamentos hipnóticos e/ou
& NOVERSA,2015). analgésicos para permitir o desempenho
A International Association for the eficaz de procedimentos diagnósticos ou
Study of Pain (IASP) define a dor como terapêuticos, enquanto o paciente é
“uma desagradável experiência sensorial e monitorado quanto a possíveis efeitos
emocional associada com reais ou adversos”.
potenciais danos a tecidos, ou descrita em O objetivo desse presente estudo é
termos de tal lesão''. A habilidade para destacar a importância dos conhecimentos a
avaliar com segurança a dor do paciente é a respeito das habilidades necessárias para o
base para tratá-la de forma eficaz." A processo de sedo-analgesia em situações de
realização de técnicas que possibilitam ao emergência para alívio da dor e melhor
paciente um maior conforto, associa-se ao atendimento do paciente.
fato de alguns desses pacientes chegarem à
urgência e emergência impossibilitados de 2. MÉTODO
estabelecer comunicação verbal devido ao
trauma sofrido, e dessa forma o manejo da Realizou-se pesquisas na base de dados
dor não deve ser excluído (BRASIL, 2001). das plataformas da Scientific Eletronic
As técnicas de sedação e analgesia, Library Online (SciELO), National Library
permitem o alívio da dor, do desconforto e of Medicine (PubMed) e artigos periódicos
da ansiedade. É comum em pacientes publicados pela Revista da Sociedade
graves que a agitação e ansiedade ocorram Portuguesa de Anestesiologia, pela
com maior frequência estando associada a Sociedade de Anestesiologia do Estado de
efeitos e resultados clínicos adversos São Paulo, além da utilização das diretrizes
(BARR et al., 2013). Dessa forma, as da European Society of Anaesthesiology
habilidades acerca dos procedimentos que and Intensive Care. Foram utilizados os
envolvem os processos analgésicos descritores “emergência”, “analgesia” e
passaram a ser necessárias, não só para "sedação", sendo selecionadas as produções
anestesiologistas, mas para os médicos em publicadas desde 2003, em língua
atendimento no pronto socorro e uma parte portuguesa e inglesa. Assim, filtrou-se os
essencial do treinamento de base dos mais pertinentes ao tema, usando como
critério de exclusão, o melhor desempenho
354
Capítulo 28
TRAUMA E EMERGÊNCIA

de analgésicos como técnica de sedação, devido a necessidade de uma maior


tendo como enfoque a abordagem perfusão de oxigênio aos tecidos corporais
medicamentosa. como mecanismo de compen-sação ao
Excluíram-se 5 artigos incompletos, trauma sofrido. Já o fato da cronificação,
obsoletos ou que não trouxessem dados especula-se que diante da ativação
relevantes sobre o tema selecionado. Assim, prolongada das vias neuronais da dor, este
totalizaram 10 artigos para o desenvol- processo se estabeleça de forma contínua,
vimento do estudo. indo contra o processo de remissão natural
(CALIL & PIMENTA, 2005).
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A variedade de medicação, juntamente
com a variada farmacocinética e
O processo de algia determina-se por farmacodinâmica se dá por diferentes
uma experiência sensorial e emocional não fatores, sendo um dos principais, a idade do
agradável, associada a uma possível lesão paciente. Crianças tem uma maior taxa de
tissular, gerando repercussões clínicas e Citocromo P450, maior Clearance e uma
generalizadas no paciente (CALIL & barreira hematoencefálica mais permissiva,
PIMENTA, 2005). A dor é uma das justificando o fato que as doses infantis
principais consequências do trauma, sendo devem ser diferentes em cada etapa da vida
muitas vezes manejada de forma errada na (CALIL & PIMENTA, 2005). Atualmente,
condução do paciente grave. Devido ao um embate de abordagens em diferentes
complexo tratamento e, de caráter literaturas levanta a ideia de quando e como
individual, os fatores influenciadores do medicar o paciente, sendo elas -
sucesso intervencionista como sexo, cor, imediatamente o início da queixa ou após
raça, local, gravidade e tipo da lesão, são uma avaliação metódica e completa,
empecilhos que os serviços de emergência contudo, não existe uma máxima dentre a
encontram gerando uma dificuldade maior prática médica (MOURA & NOVERSA,
em protocolar suas ações e as generalizar, 2018).
para um tratamento igualitário e universal Apesar de aliviarem a dor, o desconforto
como forma de minimizar as mesmas e a ansiedade em determinados
(NETO, 2018). procedimentos diagnósticos e terapêuticos,
Pode-se dividir o achado semiológico da as técnicas de sedação e analgesia podem
dor em duas vertentes: a forma aguda e a cursar com efeitos colaterais graves com
disposição crônica. A vertente álgica aguda potencial risco de vida, dessa forma é de
implica em grandes repercussões fundamental importância que os
fisiológicas abruptas como: o aumento de profissionais sejam capacitados para
realizar essa técnica. Por não existir muitas
pressão arterial, taquicardia, taquipneia,
exigências aos médicos, em muitos países
diminuição de perfusão sanguínea
estes procedimentos são realizados por
periférica levando assim, um ciclo de
profissionais não médicos, no entanto, nos
potencialização da depressão cardiovas-
Estados Unidos da América (EUA), a
cular, a qual já se encontra sobrecarregada
355
Capítulo 28
TRAUMA E EMERGÊNCIA

realização de procedimentos de sedação por recomenda também que toda a equipe


indivíduos não médicos é uma preocupação profissional deve ter certificação em
atual, pois segundo a American Society of ressuscitação cardiopulmonar, para assim
Anesthesiologists (ASA), anestesia para ocorrer uma sedação segura e eficaz. Além
procedimentos diagnósticos ou terapêuticos disso, os médicos não anestesiologistas
deve ser realizado apenas por profissionais devem ser capazes de fazer uma avaliação
qualificados (PRAKASH & WEBB, 2018). clínica antes dos procedimentos e ter
Na Europa, a sedação é realizada por conhecimento dos fármacos utilizados na
médicos anestesiologistas e variando com sedação (HINKELBEIN et al., 2018).
os diversos serviços. Como exemplo, na Cabe ao profissional não especialista na
prescrição de colonoscopia é recomendado área possuir conhecimentos básicos para
que a anestesia deve ser realizada por que o procedimento seja realizado com
médicos anestesiologistas, mas na sua segurança, entre eles podemos citar a
ausência ou em situações de emergência, habilidade de reconhecer as condições que
pode ser realizado por um médico com o paciente apresenta, conhecimento sobre
treinamento em suporte avançado de vida e acessos vasculares, perícia em todas as
conhecimento dos fármacos utilizados, escalas de sedação, e preparação para lidar
além de mostrar competência para resolver com variações de sinais e sintomas clínicos
complicações clínicas. A monitorização que o paciente apresenta, garantindo então,
deve ser feita visualizando sinais vitais, segurança para enfrentar todos os tipos de
eletrocardiograma, além disso, capnografia situações, desde a mais leve até a mais
nos casos de doentes com risco de grave, que variam de maneira específica
hipoventilação. Além disso, deve estar com cada paciente atendido (De
disponível um carro de urgência equipado ROBERTIS et al., 2018).
com desfibrilador (HINKELBEIN et al., Com isso, a sedação e a anestesia
2018). constituem duas técnicas que necessitam
Em 2017 a European Society of entendimento e experiência para manejo,
Anesthesiology (ESA) publicou um pois alteram a fisiologia cardiovascular,
conjunto de recomendações para realizar respiratória e neurológica, além da
procedimentos sob sedação, como a possibilidade de gerar efeitos colaterais
avaliação do doente, o papel dos médicos graves. As realizações desses
anestesiologistas e as competências procedimentos devem ser feitas com
necessárias para administrar a sedação de segurança, espaço e material de
forma segura. A Sociedade europeia monitorização e reanimação adequados. O
recomenda que grupos com comorbidades médico anestesiologista é o mais capacitado
importantes como doença cardiovascular para a realização de qualquer procedimento
grave, apneia obstrutiva do sono ou possuindo conhecimento teórico-prático
insuficiência renal crônica, sejam avaliados para: avaliar a profundidade da sedação,
e conduzidos por um médico especialista na assegurar a permeabilidade da via aérea e
área e qualificado (De ROBERTIS et al, garantir a estabilidade clínica do doente,
2018; PRAKASH & WEBB, 2018). A ESA porém, na ausência desse, outros
356
Capítulo 28
TRAUMA E EMERGÊNCIA

profissionais que possuírem o bom espontânea pode estar inadequada e pode


entendimento da sedo-analgesia podem necessitar de assistência. A função
prosseguir com a técnica (HINKELBEIN et cardiovascular, em geral, está mantida.
al., 2018). 4. Anestesia Geral:
Estado de perda de consciência em que
3.1. Níveis de Sedação os pacientes não são acordados mesmo com
Em 2002, a American Society of estímulos de dor. Geralmente, há a
Anesthesiologists (ASA) definiu os quatro necessidade de intervenção para manter a
níveis de sedação de pacientes. Sendo eles: ventilação pérvia, positiva e a função
1. Sedação mínima ou Ansiólise: cardiovascular pode estar prejudicada.
Esse é um estado iniciado por A analgesia e a sedação devem
medicação. Funções cardíacas e promover um estado de depressão do nível
respiratórias não se encontram afetadas e o de consciência mantendo a via aérea pérvia,
paciente responde aos comandos verbais. independente e contínua. Por isso, é
As funções cognitivas e a coordenação, no necessária uma escolha adequada de doses
entanto, podem estar afetadas. e formas de administração. Crianças mais
2. Sedação Moderada ou Consciente: novas e enfermas usualmente necessitam de
É uma depressão da consciência uma sedação mais profunda para
estimulada por medicamentos. O paciente procedimentos dolorosos. Eventos adversos
nesse caso, tem leves estímulos táteis e da via aérea, sistema cardiovascular e
responde a comandos verbais. O respiratório são causas principais de
funcionamento da via aérea é adequado e a morbimortalidade associadas à sedação e
função cardiovascular é mantida. analgesia em crianças (RAMALHO et al.,
3. Sedação Profunda: 2017).
Também é induzida por medicamentos.
Os pacientes respondem a estímulos 3.2. Avaliação pré-sedação e sedação
dolorosos ou repetidos, mas não podem ser A ASA classifica os pacientes em seis
facilmente acordados. A função ventilatória categorias, de acordo com a Tabela 28.1:

Tabela 28.1 Classificação do estado de saúde basal do paciente segundo a American Society
of Anesthesiologists
Classes Estado de saúde
I Paciente normalmente saudável

II Paciente com doença sistêmica leve

III Paciente com doença sistêmica grave

IV Paciente com doença sistêmica grave que ameaça a vida


Paciente moribundo, não se espera que sobreviva sem intervenção
V
Paciente com morte encefálica que terá os órgãos removidos para fins de doação
VI

357
Capítulo 28
TRAUMA E EMERGÊNCIA

As classes I e II representam candidatos e congênitas. Caso haja comprometimento


a sedação mínima, moderada e profunda e da via aérea, é de suma importância a
as classes de III à VI, representam presença de um profissional treinado para
candidatos com anormalidades nas vias intervir e providenciar apoio ventilatório.
aéreas ou de outros sistemas que requerem Devem ser registrados os sinais vitais em
considerações adicionais no que implica a intervalos regulares antes do início da
sedação moderada ou profunda. Entre as sedação, durante o procedimento e na fase
complicações mais frequentes dessas de recuperação sendo o intervalo para
classes, pode-se citar: vômitos, agitação, registro dos sinais vitais de 10 minutos para
hipóxia e apneia. Outros eventos adversos indivíduos submetidos à sedação moderada
mais raros podem acontecer como ou de 5 minutos para sedação profunda. Já
problemas respiratórios graves como para aqueles submetidos a sedação
laringoespasmo e necessidade de mínima, é necessário dispor de oxímetro de
intubação. Especialmente na sedação pulso, monitor cardíaco, respiratório e de
profunda, os sedativos têm potencial de pressão arterial para o registro (SAKATA,
prejudicar os reflexos protetores das vias 2010).
aéreas. Devido ao risco da aspiração A recuperação compreende o período de
pulmonar, é necessário a avaliação do maior risco relacionado à sedação,
tempo de jejum. portanto, é obrigatória a monitoração
Os autores defendem que o risco da avaliando se o paciente consegue reprodu-
sedação e a possibilidade de aspiração zir comandos apropriados para a idade, se
deverão ser ponderados avaliando os a função cardiovascular está adequada, se
benefícios potenciais do procedimento, consegue acordar, sentar, falar com
principalmente em crianças, afinal, o facilidade e checar se as vias aéreas estão
número de estudos realizados em pronto- pérvias. A recuperação irá sofrer variações
socorro pediátrico é muito pequeno de acordo com a dosagem e a droga usada,
(RAMALHO et al., 2017). sendo comum o paciente estar elegível para
Deve-se dar atenção ao exame físico, a alta após 1-2 horas. As primeiras 24 horas
procura de anormalidades pulmonares, após a alta devem ser de observação pelos
hepáticas e cardíacas, as quais podem cuidadores e qualquer evento adverso deve
alterar a resposta do paciente em relação a ser relatado e reportado (SAKATA, 2010).
medicação analgésica e sedativa. No
exame das vias aéreas deve-se buscar 4. CONCLUSÃO
alterações que possam aumentar o risco de
obstrução como micrognatia, macroglos- A cada dia a analgesia e a sedação dos
sia, hipertrofia significante de amígdalas, pacientes tornam-se mais necessárias no
abertura limitada de via aérea, obesidade ambiente hospitalar, no entanto, o pouco
extrema, pescoço curto, secreção excessiva entendimento dos profissionais dificulta o
ou diminuição dos reflexos protetores das correto uso desses fármacos, sendo
vias aéreas. Bem como, doenças genéticas necessária a ampliação dos conhecimentos
358
Capítulo 28
TRAUMA E EMERGÊNCIA

para que erros não sejam cometidos no dia- falta de treinamento e educação dos
a-dia da urgência e emergência. Apesar dos profissionais. Além disso, a dificuldade da
procedimentos de sedo-analgesia terem uniformização das diretrizes para as
evoluído nos últimos 10 anos, deixando de práticas de sedação pelas sociedades
ser uma exclusividade da anestesiologia, especialistas apresenta-se como um impas-
grandes obstáculos retardam o desenvol- se para a evolução dessa prática médica.
vimento dessa área, como por exemplo a

359
Capítulo 28
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARR, J. et al. Clinical practice guidelines for the management of pain, agitation, and delirium in adult patients in the
intensive care unit. Critical Care Medicine, v.41, p.263,2013.

BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Cuidados paliativos oncológicos: controle da dor. - Rio
de Janeiro: INCA, 2001.

CALIL, A.M. & PIMENTA, C.A.M. Conceitos de enfermeiros e médicos de um serviço de emergência sobre dor e analgesia
no trauma. Revista da Escola de Enfermagem da USP. 2005 setembro.

De ROBERTIS, E. et al. Safety and quality of procedural sedation and analgesia practice for adult patients throughout
Europe. A step forward. European Journal of Anaesthesiology, v.35, p.1, 2018.

HINKELBEIN, J. et al. Diretrizes da ESAIC - Sociedade Europeia de Anestesiologia e Cuidados Intensivos e do


Conselho Europeu de Anestesiologia para Sedação e Analgesia em procedimentos em adultos.

MOURA, A. & NOVERSA C. Sedação e Analgesia: Qual o Papel do Anestesiologista?. Revista da Sociedade
Portuguesa de Anestesiologia. 2018 abril.

NETO, R.A.B. Analgesia e Sedação em Procedimentos no Departamento de Emergência. MEDICINANET.


Disponível em
<https://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/7612/analgesia_e_sedacao_em_procedimentos_no_departamen
to_de_emergencia.htm>. Acesso em 25 abr. 2021.

PRAKASH, A. 7 WEBB, S.T. Procedural sedation and analgesia for adults in Europe. Safety first. European Journal
of Anaesthesiology 2018; 35:4

RAMALHO, C.E. et al. Sedação e analgesia para procedimentos no pronto-socorro de pediatria. Jornal de Pediatria,
vol. 93, núm. 1, novembro, 2017, pp. 2-18.

SAKATA, R.K. Analgesia e sedação em unidade de terapia intensiva. Revista Brasileira de Anestesiologia. v. 60, n.
6, p.653, 2010.

360
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 29
SEPSE EM
PEDIATRIA

Palavras-chave: Pediatria; Sepse; Choque séptico.

RAFAELA MOREIRA PARANHOS¹


GABRIEL RAMOS DE ABREU¹
DAYANE CAMPOS SANTANA¹
MARIANNY RODRIGUES DE ANDRADE¹
BIANCA APARECIDA GONÇALVES¹
GIULIO GORI FONSECA¹
GABRIEL AUGUSTO DE SOUZA FIGUEIREDO¹
GUSTAVO RAMOS DE ABREU¹
ANA CRISTINA SIMÕES E SILVA2

1
Discente - Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade Federal
de Minas Gerais.
2
Docente – Departamento de Pediatria da Universidade Federal de
Minas Gerais.

361
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO neoplásica, hematológica e imunológica, e


as características do agente infeccioso,
A sepse pode ser definida como falência estão associadas com maior taxa de
multiorgânica potencialmente fatal, conse- mortalidade por choque séptico. Por outro
quente à resposta desregulada do organismo lado, em países em desenvolvimento e
a um processo infeccioso (GARCIA et al., subdesenvolvidos, em conjunto com os
2020). Trata-se da principal causa de fatores mencionados anteriormente,
mortalidade infantil por infecções no acrescenta-se pobreza, desnutrição, baixas
mundo (EMR et al., 2018). Em função taxas de vacinação, condições sanitárias
desse fato, a 70ª Assembleia Mundial de precárias e sistema de saúde deficiente (DE
Saúde aprovou, em 2017, a resolução SOUZA & MACHADO, 2019).
apresentada pelo Conselho Executivo da Vários estudos em países desenvolvidos
OMS que listou a sepse como uma das e em desenvolvimento mostraram que a
prioridades de saúde para a próxima década mortalidade por choque séptico também
(ILAS, 2017). Essa resolução teve como está associada à negligência no cuidado, por
objetivo reconhecer a sepse como um dos diagnóstico tardio e recusa à aderência aos
principais contribuintes para a morbidade e protocolos, demonstrando deficiências na
a mortalidade global, estimulando a educação em saúde e na estrutura de cada
investigação de sua prevalência e a serviço (DE SOUZA & MACHADO,
implementação de ferramentas de monito- 2019). Não existe um padrão ouro para o
ramento, avaliação, prevenção, diagnóstico diagnóstico de sepse. Dessa forma, o
e tratamento da sepse (FLEISCHMANN- diagnóstico depende de critérios clínicos,
STRUZEK et al., 2018). que têm sido aplicados de forma
Estudos retrospectivos mostraram que a inconsistente em ambientes hospitalares,
frequência de sepse está aumentando na dificultando um cuidado padronizado e
população pediátrica, principalmente eficiente (FLEISCHMANN-STRUZEK et
devido ao aumento da sobrevida de al., 2018).
neonatos com baixo peso ao nascer e de A principal diferença entre a sepse na
crianças com doenças crônicas (DE população adulta e pediátrica se refere ao
SOUZA & MACHADO, 2019). Aliado a prognóstico, uma vez que a mortalidade por
esse fator, a sepse pediátrica constitui um sepse entre adultos continuou praticamente
problema de saúde pública pelo fato de as constante ao longo das décadas, variando
crianças possuírem uma alta reserva entre 35-50%. A mortalidade por sepse na
compensatória. Portanto, quando os sinais população pediátrica, no entanto, diminuiu
de choque são aparentes, o tratamento deve drasticamente desde 1980, mesmo com o
ser feito emergencialmente (HILARIUS et aumento da sua frequência, mantendo-se
al., 2020). atualmente numa taxa de 10%-20%. Por
Nos países desenvolvidos, as outro lado, observa-se que as causas de
características do hospedeiro, como a sepse na população pediátrica são
presença de doença crônica, especialmente semelhantes às atribuídas à sepse em
362
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

adultos. Os agentes etiológicos respon- 2. MÉTODO


sáveis pela doença variam dependendo da
localização geográfica e podem incluir
Trata-se de uma revisão narrativa
infecções bacterianas, virais e fúngicas,
realizada no período de maio a junho de
individualmente ou em combinação. Res-
2021, por meio de pesquisas na base de
salta-se também a emergência de organis-
dados PubMed e em bibliotecas virtuais:
mos multirresistentes a drogas, especial-
SciELO – Scientific Electronic Library
mente nas Unidades de Tratamento
Online – e BVS – Biblioteca Virtual em
Intensivo, requer atenção especial e escolha
Saúde. Foram utilizados os descritores
criteriosa dos antibióticos (EMR et al.,
“sepse” e “pediatria”.
2018).
Os critérios de inclusão foram: artigos
Apesar da publicação das definições de
em inglês ou português; publicados no
sepse pediátrica em 2005, a perspectiva
período de 1992 a 2021 e que abordavam as
global do impacto dessa doença em crianças
temáticas propostas para esta pesquisa;
ainda é precária, possuindo como principais
estudos do tipo revisão bibliográfica, meta-
obstáculos para a análise epidemiológica a
análise e protocolos com recomendações
ausência de definições adequadas da doença
para sepse pediátrica foram incluídos neste
e o fato da sepse não ser considerada uma
capítulo. Os critérios de exclusão foram:
causa de morte pelo Relatório de Carga
artigos duplicados, disponibilizados na
Global de Doenças da OMS. A sepse deve
forma de resumo, que não abordavam
ser considerada uma causa de morte
diretamente a sepse pediátrica e que não
evitável por meio da adoção de medidas
atendiam aos demais critérios de inclusão.
simples e de custo aceitável. As medidas
Após os critérios de seleção restaram 24
primárias são a educação, a utilização de
artigos que foram submetidos à leitura
conhecimento científico e o uso de recursos
minuciosa para a coleta de dados. Os
efetivos, em conjunto com a implementação
resultados foram apresentados de forma
adequada de protocolos para sepse
descritiva, divididos em categorias temáti-
pediátrica. Tais medidas poderiam resultar
cas abordando epidemiologia, fisiopato-
em diagnóstico precoce e promoveriam
logia, quadro clínico, critérios diagnósticos
significativa redução no tempo de início da
e tratamento, além de tabelas e de imagens
intervenção e na variabilidade do trata-
complementares.
mento, diminuindo as taxas de compli-
cações e melhorando o prognóstico (DE
SOUZA & MACHADO, 2019). 3. RESULTADO E DISCUSSÃO
Este capítulo tem como objetivo a
abordagem da epidemiologia, da 3.1. Epidemiologia
fisiopatologia, do quadro clínico, dos Devido à grande dificuldade em
critérios diagnósticos, do tratamento e do quantificar a carga global da sepse, poucos
prognóstico da sepse em pediatria. estudos trazem números precisos sobre sua
frequência. Nos países de baixa renda, os
363
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

dados são geralmente insuficientes, comorbidades, que variam entre os países


impossibilitando traçar um perfil conforme a renda per capita
epidemiológico em nível populacional. (FLEISCHMANN-STRUZEK et al.,
Principalmente porque a maioria deles 2018).
classificam a causa da morte pelo tipo de 3.2. Fisiopatologia
infecção, como, por exemplo, infecção Acreditou-se por muito tempo que as
respiratória, e não pela presença da sepse complicações e a gravidade da sepse eram
(FLEISCHMANN-STRUZEK et al., explicadas apenas pelo estado de
2018). hiperestimulação do sistema imune. Assim,
Em 2018, estimou-se que 48 crianças a lesão promovida nos órgãos seria gerada
por 100.000 habitantes desenvolveram unicamente por essa inflamação
sepse, 22 crianças por 100.000 habitantes exacerbada, consequência da resposta do
apresentaram sepse grave e 2.202 neonatos próprio organismo para combater os
por 100.000 nascidos vivos exibiram sepse agentes invasores (HOTCHKISS & KARL,
neonatal, com mortalidade de 11-19%. Isso 2003; FONT et al., 2020). Porém, surgiram
se traduziu em uma incidência de 3 milhões evidências de que haveria, após certo tempo
de casos de sepse neonatal e 1,2 milhão de de evolução da sepse, uma mudança no
casos de sepse pediátrica anualmente. Essas padrão do sistema imune, resultando em um
estimativas são exploratórias devido à estado anti-inflamatório e imunossupressor.
considerável heterogeneidade entre os Isso seria causado, sobretudo, por uma
dados e à falta de estudos populacionais em perda de células de defesa por anergia ou
ambientes de baixa e média renda apoptose, conforme evidenciado pela
(FLEISCHMANN-STRUZEK et al., diminuição de linfócitos B e T CD4 em
2018). Em relação às crianças baços analisados após a morte de pacientes
hospitalizadas, a prevalência de sepse e de por sepse (HOTCHKISS & KARL, 2003;
choque séptico variou de 1 a 26%. Estima- GOTTS & MATTHAY, 2016; TAEB et al.,
se que a taxa de mortalidade da sepse 2017).
pediátrica nos países desenvolvidos seja de A fisiopatologia da sepse é complexa e
até 19%, enquanto nos países em ainda não foi completamente elucidada. A
desenvolvimento pode atingir até 40% resposta do organismo se inicia com o
(GARCIA et al., 2020; HILARIUS et al., reconhecimento, pelas células do sistema
2020). Observa-se ainda grande variação na imune inato, de padrões patogênicos
incidência da sepse, com a incidência de expressos nas moléculas do agente invasor.
sepse neonatal sendo cerca de 40 vezes Esses padrões, entre eles os PAMPs
maior e as taxas de mortalidade duas vezes (padrões moleculares associados a patóge-
maiores em países de renda média do que nos) e os DAMPs (padrões moleculares
nos de alta renda. Esses dados refletem as associados ao dano), ativam a resposta
diferenças de recursos, de ambientes de imune inata por meio de receptores na
cuidados de saúde, de prevalência de outras superfície das células, como os TLRs
coinfecções e de espectro e frequência de (receptores do tipo toll) e os CLRs
364
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

(receptores lectina tipo-C), ou de receptores a vasodilatação pela liberação de NO


no citosol, como os do tipo NOD e do tipo (FONT et al., 2020; TAEB et al., 2017). A
RIG-I. Essa sinalização promove a combinação desses fatores, associada ao
liberação de interferons do tipo I e de desequilíbrio entre mediadores pró-
citocinas pró-inflamatórias, como a inflamatórios e anti-inflamatórios, geral-
interleucina 1 (IL-1), o fator de necrose mente desencadeia a disfunção orgânica
tumoral alfa (TNF-alfa) e a interleucina 6 sistêmica característica da sepse (TAEB et
(IL-6), recrutando células de defesa para o al., 2017).
local (GOTTS & MATTHAY, 2016; FONT No sistema respiratório, as principais
et al., 2020). repercussões fisiopatológicas da sepse
Quando essa resposta imune se torna ocorrem no pulmão. A lesão endotelial
desequilibrada, ocorre desenvolvimento de pulmonar, proveniente da inflamação,
quadro séptico e de disfunção orgânica produz progressivo edema intersticial
(FONT et al., 2020). Nesse processo, são protéico, acarretando em desequilíbrio entre
liberadas espécies reativas de oxigênio a ventilação e a perfusão pulmonar e
(ERO), como radicais hidroxila e óxido diminuindo a complacência deste órgão, o
nítrico (NO), capazes de gerar alterações que, com frequência, leva à necessidade de
nas proteínas, nos lipídios, no DNA e na ventilação mecânica (PEREIRA JÚNIOR
função mitocondrial das células. Além et al., 1998). Em relação ao sistema
disso, a ativação do complemento aumenta gastrointestinal, as principais alterações
a produção de EROs, a permeabilidade ocorrem no intestino. A disfunção da
endotelial e a liberação enzimática pelos barreira intestinal contribui para a
granulócitos, podendo causar também a translocação de patógenos do trato
morte de células da medula da adrenal. A gastrointestinal para os vasos sanguíneos,
formação de um estado trombogênico enquanto déficits nutricionais podem
generalizado, decorrente da sepse, pode ocorrer devido a problemas absortivos
levar à coagulação intravascular dissemi- nesses órgãos (GOTTS & MATTHAY,
nada (CID), com disfunção microvascular e 2016). Ademais, a baixa perfusão e a lesão
de órgãos, além de perpetuar a ativação de inflamatória nos hepatócitos promovem
vias de sinalização inflamatória (GOTTS & disfunção hepática, dificultando a
MATTHAY, 2016). metabolização de produtos tóxicos ao
O mecanismo de lesão celular parece organismo (PEREIRA JÚNIOR et al.,
estar relacionado com acometimento direto 1998). Assim como no fígado, nos rins a
da célula causado por mediadores pró- redução da circulação e a resposta imune
inflamatórios, determinando isquemia exacerbada conduzem à necrose tubular,
tecidual, elevada taxa de apoptose, lesão dificultando a excreção de substâncias
endotelial, aumento da permeabilidade tóxicas ao corpo humano (GOTTS &
vascular e formação de edemas. Ocorre, MATTHAY, 2016).
ainda, a perda do glicocálix do endotélio, o O sistema nervoso central (SNC)
surgimento de tromboses microvasculares e responde à hipercitocinemia com uma
365
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

tentativa de diminuir a produção de reduzida. Essas mudanças cardíacas podem


citocinas pró-inflamatórias no baço e no ser geradas por vários fatores, incluindo a
intestino. Esse estímulo é proveniente do formação de edema miocárdico, as
tronco cerebral, que desencadeia uma alterações dentro das fibras miocárdicas e a
resposta vagal nesses órgãos. Entretanto, as liberação de substâncias depressoras do
disfunções endotelial, renal e hepática músculo cardíaco (PEREIRA JÚNIOR et
causadas pela sepse aceleram a entrada de al., 1998).
citocinas e substâncias tóxicas no SNC, Recentemente descobriu-se que o
desencadeando a formação de edema estado de inflamação séptico pode ter
perivascular e de leucoencefalopatia. Além repercussões crônicas. Infecções futuras são
disso, a coagulopatia resultante do processo facilitadas pela depleção de linfócitos T
séptico pode levar à formação de áreas CD4+ e CD8+ no baço e pela diminuição da
isquêmicas e hemorrágicas em todo o capacidade de produção de citocinas
cérebro (GOTTS & MATTHAY, 2016). inflamatórias neste órgão. Além disso, a
Em relação à performance cardíaca, reativação de certos vírus durante o
geralmente é observada uma redução da processo séptico já foi evidenciada, de-
fração de ejeção ventricular e aumento dos monstrando a possibilidade do surgimento
volumes diastólico e sistólico finais em de outras infecções de maneira conco-
ambos os ventrículos. O débito cardíaco mitante ou posterior à sepse (GOTTS &
(DC) e a frequência cardíaca (FC) MATTHAY, 2016). A Figura 29.1 ilustra
costumam estar aumentados, enquanto a os mecanismos fisiopatológicos da sepse.
resistência vascular sistêmica (RVS) está

Figura 29.1 Mecanismo


fisiopatológico responsá-
vel pela perpetuação do
processo inflamatório que
desencadeia a sepse

Legenda: O reconhecimento de
padrões específicos dos patóge-
nos é feito pelos receptores
existentes na superfície de
células do sistema imune inato.
Essa sinalização promove a
liberação de citocinas inflama-
tórias, que induzem o recruta-
mento de macrófagos e
neutrófilos para a região. Estas
células passam a se aderir ao endotélio e liberar mediadores como proteases, oxidantes, pró-coagulantes e
prostaglandinas, gerando lesão endotelial e promovendo aumento da permeabilidade, vasodilatação,
hipercoagulabilidade sanguínea e perpetuação da inflamação, contribuindo para a sepse. Fonte: Adaptado de
Russell, 2006.

366
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.3. Quadro clínico redução ou ausência de uma resposta


A sepse pediátrica possui um quadro inflamatória, como no caso de pacientes
clínico amplamente variável de acordo com imunossuprimidos. Esse quadro específico
as características individuais do paciente, o é chamado de “imunoparalisia” (GARCIA
sítio primário e o agente etiológico da et al., 2020).
infecção. As características individuais Os sítios mais frequentes de infecção
incluem idade, competência do sistema que levam à sepse são respiratório, urinário
imunológico e predisposição genética. e cutâneo, sendo a insuficiência respiratória
Dentre as características inerentes ao agente a disfunção orgânica mais comum nos
etiológico, destaca-se a patogenicidade do pacientes. Além disso, um maior número de
antígeno. A manifestação clínica pode ser disfunções orgânicas está diretamente
exagerada e descontrolada, incluindo associado à mortalidade (HILARIUS et al.,
intensa atividade inflamatória e um quadro 2020). Diversos autores classificam a sepse
florido de sinais e sintomas, mais comum como um continuum de alterações em
em pacientes imunocompetentes. Por outro resposta a uma infecção sistêmica, cujo
lado, a sepse pode-se apresentar também de desfecho mais grave é o óbito, como
forma insidiosa e caracterizada pela mostrado na Figura 29.2.

Figura 29.2 Possível evolução do continuum da sepse até seu desfecho mais grave

A história clínica mais comum na sepse sinais de infecção sistêmica, como


pediátrica é de um quadro febril agudo ou taquipneia, alteração do estado mental e
subagudo seguido de deterioração do estado comprometimento do estado geral. Outros
geral do paciente, podendo estar associado sintomas possíveis descritos são calafrios,
a sonolência, letargia e recusa alimentar. As vômitos, diarreia, dispneia ou apneia,
manifestações clínicas podem ser pouco icterícia, oligúria e presença de infecção de
perceptíveis em pacientes com atraso pele. Nos neonatos e lactentes, a história
significativo no desenvolvimento. A pode ser inespecífica e, por vezes, o quadro
alteração da temperatura, a taquicardia e os clínico é pouco sintomático, aumentando o
sinais de infecção local são manifestações risco de atraso no diagnóstico e cursando
comuns que podem indicar tanto uma com quadros mais graves. Inapetência,
infecção benigna, quanto um quadro inicial letargia, alteração do tônus, irritabilidade e
de sepse. A suspeita maior de sepse ocorre sinais e sintomas de infecções das vias
quando há associação destes achados com aéreas superiores são frequentes nessa faixa

367
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

etária (DAVIS et al., 2017; HILARIUS et muito comprometidas. Dessa forma, no


al., 2020; PRUSAKOWSKI & CHEN, momento que apresentam hipotensão, já
2017). estão em situação crítica há algum tempo
Os profissionais de saúde devem estar (PATEL & MCELVANIA, 2019;
atentos aos sinais clínicos de alerta para PRUSAKOWSKI & CHEN, 2017).
sepse grave e choque séptico, que incluem: O Instituto Latino Americano de Sepse
taquicardia inapropriada ou bradicardia em (ILAS) destaca a existência de grupos de
crianças menores de 1 ano; taquipneia risco elevado para o desenvolvimento de
inapropriada; perfusão periférica lentificada sepse na infância, com possibilidade de
ou muito rápida (em flush); alteração do apresentação atípica da doença e pior
estado mental manifestada por prognóstico. São estes os recém-nascidos
irritabilidade, agitação, choro inapropriado, (principalmente prematuros de muito baixo
interação pobre com familiares, sonolência, peso), os lactentes jovens (menores que 1
letargia ou coma; pulsos periféricos ano de vida), as crianças com doenças
diminuídos em comparação com os pulsos oncológicas, com asplenia, aquelas que
centrais; extremidades frias ou livedo; realizaram transplante de medula óssea ou
diurese diminuída (< 1,0 mL/Kg/h); e de órgão sólido, aquelas em uso de cateter
hipotensão (ILAS, 2019). venoso central e aquelas imunodeficientes,
A hipotensão arterial na pediatria é um imunossuprimidas, imunocomprometidas
sinal muito tardio, comum em choque (ILAS, 2019).
descompensado e sua presença está Dois conceitos importantes no quadro
associada à maior mortalidade. As crianças clínico e preditores do manejo dos pacientes
possuem grande capacidade de adaptação, são o choque quente e o choque frio, cujas
mantendo a pressão arterial (PA) características estão descritas na Tabela
compensada por meio do aumento da FC, 29.1.
até que as funções fisiológicas estejam

Tabela 29.1 Manifestações de choque quente e frio na pediatria


Choque Quente Choque Frio
RVP Alta Baixa

Extremidades Frias e úmidas, pele mosqueada ou cianótica Quentes e secas, pele avermelhada

TEC Maior que 2 segundos Menor que 2 segundos, em flush


Taquicardia ou bradicardia (de acordo com a
Coração Taquicardia (de acordo com a idade)
idade)
Diminuídos/finos ou diferença significativa
Pulsos periféricos Limitantes
entre pulsos centrais e periféricos

Pressão de pulso Reduzida Aumentada


Legenda: RVP, resistência vascular periférica; TEC, tempo de enchimento capilar; pressão de pulso, diferença entre
a pressão sistólica e a pressão diastólicas. Fonte: Adaptado de Prusakowski & Chen, 2017.
368
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Por fim, é competência do médico avanços no entendimento da fisiopatologia


reconhecer os diagnósticos diferenciais do e no tratamento da sepse, novas definições
continuum da sepse, que incluem: doenças foram adotadas. Contudo, foi apenas em
cardíacas congênitas e metabólicas em 2005, que o primeiro consenso direcionado
neonatos, miocardites, neoplasias, insufici- para a faixa etária pediátrica foi criado (DE
ência adrenal, anafilaxia, intoxicações ou SOUZA & MACHADO, 2019;
envenenamento, síndrome hemofagocítica, GOLDSTEIN et al., 2005)
embolia pulmonar e hipovolemia A Conferência Internacional de
(HILARIUS et al., 2020). Consenso sobre Sepse Pediátrica (IPSCC)
propôs, em 2005, definições para sepse e
3.4. Critérios diagnósticos seus estágios, sepse grave e choque séptico,
Existe grande dificuldade em se fundamentadas no conceito de Síndrome da
estabelecer uma definição para a sepse Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS)
devido à complexidade, ao caráter dinâmico (GOLDSTEIN et al., 2005). A Tabela 29.2
da doença, à variabilidade e à pouca mostra as proposições realizadas pelo
especificidade de manifestações clínicas. consenso.
Em especial, na pediatria, a abrangência de Estudos posteriores mostraram baixa
grupos etários com características especificidade e sensibilidade desses
fisiológicas e parâmetros laboratoriais critérios para o diagnóstico da sepse em
específicos dificulta ainda mais a criação de crianças, principalmente devido à sua
um consenso simples (DE SOUZA & relação direta com a SIRS. Isso porque
MACHADO, 2019; PRUSAKOWSKI & pacientes sem sepse podem apresentar
CHEN, 2017). quadro de SIRS, comum em crianças muito
A primeira definição de sepse foi criada, febris. Por outro lado, pacientes com sepse
em 1992, pelo Colégio Americano de podem não apresentar SIRS, geralmente em
Médicos do Tórax (ACCP) em conjunto crianças imunossuprimidas (GARCIA et
com a Sociedade de Medicina de Cuidados al., 2020; SCHLAPBACH & KISSOON,
Críticos (SCCM) e destinada à doença em 2018).
adultos (BONE et al., 1992). Com os

Tabela 29.2 Definições de síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), infecção, sepse,
sepse grave e choque séptico de acordo com a IPSCC (2005)
SIRS Presença de pelo menos dois dos quatro critérios a seguir, um dos quais deve ser
temperatura ou contagem de leucócitos:
 Temperatura corporal centrala > 38,5° C ou < 36° C;
 Taquicardiab (bradicardiac para crianças < 1 ano);
 Taquipneiad ou ventilação mecânicae;
 Contagem de leucócitos elevada ou diminuída para a idadef, OU > 10% de
neutrófilos imaturos.
Infecção Uma infecção suspeita ou comprovada g causada por qualquer patógeno OU uma
síndrome clínica associada à alta probabilidade de infecçãoh.
Sepse SIRS na presença ou como resultado de infecção suspeita ou comprovada.
369
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Sepse Sepse mais um dos seguintes:


grave  Disfunção de órgão cardiovasculari;
 Síndrome do desconforto respiratório agudo;
 Duas ou mais disfunções de outros órgãosi.
Choque Sepse e disfunção de órgão cardiovascular.
séptico
Legenda: aTemperatura central deve ser medida por via retal, vesical, oral ou cateter central. bFrequência cardíaca
média > 2 DP acima do normal para a idade na ausência de estímulo externo, medicamentos ou estímulos
dolorosos; ou elevação persistente inexplicável por período de 0,5 a 4 horas. cFrequência cardíaca média < percentil
10 para a idade na ausência de estímulo vagal externo, medicamentos ou cardiopatia congênita; ou depressão
persistente inexplicável por um período de 0,5 hora. dFrequência respiratória média > 2 DP acima do normal para
a idade. eVentilação mecânica para um processo agudo não relacionado à doença neuromuscular subjacente ou ao
recebimento de anestesia geral. fNão secundária à leucopenia induzida por quimioterapia. gInfecção comprovada
por cultura positiva, coloração de tecido ou teste de reação em cadeia da polimerase. hEvidência de infecção inclui
achados positivos no exame clínico, imagem ou testes laboratoriais. iDisfunções orgânicas definidas pelo Critério
de disfunção orgânica do IPSCC 2005. Fonte: Adaptado de International Consensus Conference on Pediatric
Sepsis, 2005.

Em 2016, surge uma nova definição quanto maior a pontuação, pior o


para sepse em adultos na conferência The prognóstico do paciente (MATICS &
Third International Consensus Definitions SANCHEZ-PINTO, 2017). O pSOFA pode
for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3) oscilar de 0, entendido como uma condição
(SINGER et al., 2016). A validação dessa normal de saúde e sem chance de sepse, até
definição em crianças ocorreu no ano o máximo de 24 pontos, interpretado como
seguinte e adotou uma modificação do choque séptico grave. O pSOFA avalia
escore SOFA (Sequential Organ Failure parâmetros dos diferentes sistemas e da
Assessment) direcionado à pediatria, coagulação, com valor de 0 a 4 pontos para
também chamado de pSOFA (pediatric cada um deles, como mostrado na Tabela
SOFA). Essa ferramenta estratifica a 29.3 (GARCIA et al., 2020; MATICS &
gravidade do quadro clínico, sendo que, SANCHEZ-PINTO, 2017).

Tabela 29.3. Pediatric Sequential Organ Failure Assessement Score (pSOFA).

Variáveis 0 1 2 3 4
RESPIRATÓRIO 100-199 com < 100 com suporte
≥ 400 300-399 200-299
PaO2 (mmHg): FiO2 suporte respiratório respiratório
148-220 com < 148 com suporte
SpO2: FiO2 ≥ 292 264-291 221-264
suporte respiratório respiratório
COAGULAÇÃO
Contagem plaquetária ≥ 150 100-149 50-99 20-49 < 20
(x103/uL)
HEPÁTICO
< 1,2 1,2-1,9 2,0-5,9 6,0-11,9 > 12,0
Bilirrubina (mg/dL)
CARDIOVASCULAR
PAM estratificada por idade (mmHg) ou infusão vasoativa (ug/Kg/min)
< 1 mês ≥ 46 < 46 Cloridrato de Cloridrato de Cloridrato de
1-11 meses ≥ 55 < 55 dopamina ≤ 5 dopamina > 5, dopamina > 15,

370
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1-2 anos ≥ 60 < 60 ou cloridrato noradrenalina ≤ 0,1 noradrenalina > 0,1


2-5 anos ≥ 62 < 62 de dobutamina ou bitartarato de ou bitartarato de
5-12 anos ≥ 65 < 65 (qualquer um) noradrenalina ≤ 0,1 noradrenalina > 0,1
12-18 anos ≥ 67 < 67
> 18 anosa ≥ 70 < 70

Variáveis 0 1 2 3 4
NEUROLÓGICO
Escala de coma 15 13-14 10-12 6-9 <6
b
Glasgow
RENAL
Creatinina por grupo etário
< 1 mês < 0,8 0,8-0,9 1,0-1,1 1,2-1,5 ≥ 1,6
1-11 meses < 0,3 0,3-0,4 0,5-0,7 0,8-1,1 ≥ 1,2
1-2 anos < 0,4 0,4-0,5 0,6-1,0 1,1-1,4 ≥ 1,5
2-5 anos < 0,6 0,6-0,8 0,9-1,5 1,6-2,2 ≥ 2,3
5-12 anos < 0,7 0,7-1,0 1,1-1,7 1,8-2,5 ≥ 2,6
12-18 anos < 1,0 1,0-1,6 1,7-2,8 2,9-4,1 ≥ 4,3
> 18 anosc < 1,2 1,2-1,9 2,0-3,4 3,5-4,9 ≥5
Legenda: PaO2, pressão parcial de oxigênio; FiO2, fração inspirada de oxigênio; SpO2, saturação periférica de
oxigênio; PAM, pressão arterial média. aOs pontos de corte para pacientes maiores de 18 anos são idênticos aos do
escore original SOFA. bDeve ser calculada usando a escala pediátrica. Fonte: Adaptado de Matics & Sanchez, 2017.

Seguindo o critério da Sepsis-3, sepse é uma razoável parcela de pacientes que já


definida como infecção suspeita ou estão com choque séptico clinicamente
confirmada associada a aumento agudo no estabelecido, mas ainda com baixos níveis
escore pSOFA superior ou igual a 2 pontos, de lactato (GARCIA et al., 2007; SIGNOFF
nas 48 horas prévias até 24 horas de et al., 2018). Além disso, por ser uma
infecção. O termo sepse grave foi abolido definição fortemente baseada em critérios
nessa definição. O choque séptico adota os laboratoriais, a aplicabilidade do pSOFA é
mesmos critérios citados para sepse em restrita aos ambientes hospitalares,
crianças que necessitaram receber drogas particularmente em países com recursos
vasoativas e apresentam um lactato sérico laboratoriais limitados (SCHLAPBACH &
superior a 2 mg/dL, mesmo posterior à KISSOON, 2018). Ademais, apesar da
reposição volêmica adequada (MATICS & disfunção orgânica ser notoriamente um
SANCHEZ-PINTO, 2017). achado importante na sepse, preditor de
No entanto, a avaliação do pSOFA morbimortalidade e útil no reconhecimento
também possui limitações. Apesar de de casos mais graves, alguns estudos a
alguns estudos pediátricos apontarem que o consideram pouco sensível para identifi-
aumento do lactato sérico pode predizer cação de casos suspeitos da doença (GAR-
gravidade e que seu decréscimo pode ser CIA et al., 2020).
associado a uma boa resposta terapêutica, Diferentes estudos têm pesquisado
vários outros fatores afetam sua oscilação. novos marcadores clínicos e biológicos de
Isso aumenta o risco de não se identificar sepse. O lactato sérico, a PA, o enchimento

371
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

capilar, a ferritina e a redução do PELOD (Pediatric Logistic Organ


fibrinogênio são exemplos, porém ainda Dysfunction).
não há evidências robustas na literatura que
justifiquem seu uso (GARCIA et al., 2007; 3.5. Abordagem terapêutica
SIGNOFF et al., 2018). Nesse sentido, o Na abordagem da sepse pediátrica, o
Protocolo Clínico Pediátrico do ILAS tratamento precoce é crucial. Os princípios
recomenda exames complementares em básicos do tratamento incluem manutenção
caso de suspeita da doença, o chamado “kit da oximetria acima de 92%, obtenção de
sepse”, que inclui: gasometria e lactato dois acessos periféricos ou intraósseos,
arterial, hemograma completo, creatinina, realização de exames laboratoriais ("kit
bilirrubina, coagulograma, hemoculturas e sepse" e outros de acordo com a
culturas de sítios suspeitos (ILAS, 2019). necessidade), administração precoce de
Atualmente, o IPSCC e o pSOFA ainda antimicrobianos de amplo espectro,
são os critérios diagnósticos de sepse mais ressuscitação volêmica quando necessário
utilizados na prática médica, mas existem e, em caso de persistência da disfunção
outros escores também validados para cardiovascular, utilização de aminas
análise de disfunções orgânicas na vasoativas (DAVIS et al., 2017). A Figura
pediatria, como o P-MODS (Pediatric 29.3 esquematiza o protocolo de manejo da
Multiple Organ Dysfunction Score), o sepse pediátrica.
PRISM (Pediatric Risk of Mortality) e o

Figura 29.3. Protocolo de tratamento para sepse pediátrica

Legenda: PA, pressão arterial; DC, débito cardíaco; RVS, resistência vascular sistêmica; ECMO, oxigenação
por membrana extracorpórea. Fonte: Adaptado de Garcia et al., 2019.
372
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.5.1. Primeira hora geralmente utilizam oxigênio por meio de


No choque séptico pediátrico a primeira cânula nasal de alto fluxo ou máscara não
hora é crucial para a manutenção da vida da reinalante com reservatório num fluxo de
criança e tem como principais alvos 10-15 L/min. O objetivo é manter a
terapêuticos (ILAS, 2019): saturação de oxigênio > 92% em casos de
 Tempo de enchimento capilar menor ou alteração da frequência respiratória ou
igual a 2 segundos; dessaturação. A intubação precoce deve ser
 PAS (pressão arterial sistêmica) e pressão considerada em pacientes com aumento do
de perfusão normais para a faixa etária; esforço respiratório, hipoventilação,
 Ausência de diferença entre o pulso central alteração do nível de consciência,
e periférico; inabilidade para proteger suas vias aéreas
 Presença de diurese acima de 1 ml/kg/h; ou grave comprometimento cardiovascular
 Extremidades aquecidas; ou respiratório (ILAS, 2019). Deve-se
 Índice cardíaco 3,3-6,0 L/min/m²; atentar às drogas utilizadas para intubação,
 SvcO2 maior ou igual a 70%; pois estas podem levar à deterioração
 Estado mental normal. hemodinâmica (DAVIS et al., 2017).
Nessa fase, são monitorados, portanto, Acesso vascular
temperatura, oximetria de pulso, ECG, O acesso vascular precisa ser obtido o
pressão sanguínea intra-arterial, saturação mais rápido possível, sendo necessários
do oxigênio, ecocardiograma seriado, dois acessos venosos periféricos e/ou
glicose, cálcio, lactato, ânion gap (diferença intraósseos visando à ressuscitação
entre cátions e ânions presentes no sangue) volêmica do paciente. A coleta de sangue
e débito urinário (DAVIS et al., 2017). São para os exames laboratoriais deve ser
também realizados e avaliados os exames imediata (WEISS et al., 2020).
do kit sepse. Se a criança com sepse não Administração de antimicrobianos
apresentar disfunção orgânica, faz-se uso de Antimicrobianos de amplo espectro
antimicrobianos e é mantida a monitoração administrados por via endovenosa também
contínua. Nos casos em que a suspeita de são necessários durante a primeira hora da
sepse foi afastada ou em pacientes identificação da sepse. Os antimicrobianos
considerados terminais, o protocolo pode devem ser administrados,
ser encerrado. No entanto, de modo geral, preferencialmente, em até 30 minutos. Em
quando há suspeita de sepse grave e/ou casos de lactentes/pré-escolares, os
choque séptico, o protocolo deve ser antimicrobianos podem ser administrados
seguido objetivando reduzir as taxas de por via intraóssea ou intramuscular caso a
morbimortalidade (WEISS et al., 2020). O via endovenosa não esteja disponível. A
tratamento realizado na primeira hora deve administração dos antimicrobianos não
incluir: deve ser retardada pela coleta das culturas,
Vias aéreas sendo recomendado o controle precoce e
Recomenda-se o monitoramento agressivo da fonte de infecção (ILAS,
rigoroso das vias aéreas. As terapias iniciais 2019). O atraso no início do tratamento com
373
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

antibióticos, o descontrole do sítio de classificado como refratário à fluidoterapia


infecção e a permanência de dispositivos e à inotrópicos e deve-se suspeitar de
infectados no paciente estão associados a complicações como derrame pericárdico e
maiores taxas de mortalidade por choque pneumotórax (GARCIA et al., 2019).
séptico. Os antibióticos devem ser ajustados Uso de vasopressor
para a resistência bacteriana local Em pacientes não responsivos à terapia
(HILARIOUS et al., 2020). com fluidos e inotrópicos, em caso de
Reanimação com fluidos choque quente, recomenda-se a
A reanimação com fluidos é iniciada administração venosa central de
com 40 a 60 mL/Kg ou mais durante as norepinefrina. No choque frio, o uso de
primeiras horas de tratamento se não forem epinefrina (0,05-0,3μg/kg/min) está
observados sinais de sobrecarga, que devem indicado e as doses podem ser tituladas. Em
ser avaliados antes e depois de cada bolus caso de hipotensão, vasopressores devem
de 20 mL/Kg. Se o paciente não responder ser iniciados durante a reposição volêmica
bem à infusão inicial deve-se considerar como terapia inicial, ao invés dos
monitoração hemodinâmica invasiva. O inotrópicos (GARCIA et al., 2019). O
tipo de solução infundida pode ser ringer ou acesso periférico pode ser usado enquanto
ringer lactato 20mL/Kg em 5 a 10 minutos, não se consegue acesso central, utilizando a
solução fisiológica 0,9% ou albumina proporção 1:3 (droga: soro fisiológico). O
humana a 5%, apesar desta ainda não ter seu tempo mínimo de infusão para definir que
benefício confirmado e ser mais cara que as as metas clínicas não foram alcançadas é de
demais soluções. Em caso de suspeita de 20 minutos e, a partir de então, o choque
disfunção cardíaca recomenda-se infusão de passa a ser classificado como refratário às
10 mL/Kg e monitoramento hemodinâmico. catecolaminas (ILAS, 2019).
Além disso, a hemoglobina deve ser
mantida acima de 10 g/dL, podendo ser 3.5.2. Após a primeira hora
indicada transfusão sanguínea. Caso os Após a primeira hora é feita a
alvos terapêuticos não sejam alcançados estabilização do paciente, mantendo a
após essa etapa, o choque passa a ser monitoração da pressão arterial invasiva
considerado refratário, sendo indicado o uso (PAI), da pressão venosa central (PVC), da
de inotrópicos e/ou vasopressores (DAVIS saturação venosa central de oxigênio
et al., 2017; WEISS et al., 2020). (SvcO2), da ecocardiografia funcional, da
Uso de inotrópico pressão de perfusão com coleta de status
No paciente com PA normal, o uso de perfusional e da presença de novas
dopamina (0,2-0,5μg/Kg/min), dobutamina disfunções orgânicas.
ou adrenalina pode ser realizado por acesso Nessa fase, diferentes perfis
venoso periférico até se conseguir um hemodinâmicos com manejos específicos
acesso central. Em caso de hipotensão, a podem ser encontrados (GARCIA et al.,
terapia é diretamente com vasopressores. Se 2019):
o choque não responder passa a ser
374
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

I. Choque frio, PA baixa, baixo DC e elevada Uso de corticoides


RVS: uso de adrenalina inotrópica (0,2-0,5 Hidrocortisona, 4 mg/Kg como dose de
μg/Kg/min) e, se FC em valores aceitáveis, ataque e manutenção com 2 mg/Kg/dose de
uso extra de 1 até 2 μg/Kg/min associado a 8/8h, é recomendada somente para paciente
vasodilatadores; com choque refratário a catecolaminas com
II. Choque frio, PA normal, alto DC e baixa risco de insuficiência adrenal ou falha do
RVS: uso de vasodilatadores visando eixo adrenal. Não há evidências que
aumentar o DC e uso de milrinona (0,25- sustentem seu uso em outras situações
0,75 μg/Kg/min) junto com noradrenalina, (GARCIA et al., 2019).
retirando a terapia com adrenalina;
III. Choque quente, PA baixa, alto DC e baixa 4. CONCLUSÃO
RVS: continuar uso de noradrenalina com A sepse é a principal causa de
aumento gradual de doses. Usar em mortalidade infantil no mundo (EMR et al.,
conjunto adrenalina (0,2-0,5 μg/Kg/min), 2018) e uma das prioridades de saúde para
enquanto o paciente estiver com baixa PA. a próxima década (ILAS, 2017). Por estar
Além disso, podem ocorrer rápidas associada à pobreza, à desnutrição e a
mudanças no perfil hemodinâmico do baixas taxas de vacinação, essa doença é
paciente durante as primeiras 48 horas. Para mais frequente em países em
choques frios com PA normal, é desenvolvimento. A sepse também está
recomendada infusão de inidilatador ou de associada à emergência de organismos
vasodilatador em caso de índice cardíaco multirresistentes, ressaltando a importância
menor que 3,3 L/min/m². Pode ser da escolha dos antibióticos (DE SOUZA &
considerado o uso de levosimendan. Em MACHADO, 2019).
choques hipodinâmicos com PA baixa, é A manifestação clínica da sepse é
adicionada noradrenalina. Em choques diversa, assim como os possíveis sítios
hiperdinâmicos com PA baixa e volemia primários da infecção, especialmente em
normal, pode-se considerar o uso de pediatria. Todavia, é importante discernir os
vasopressina, terlipressina ou angiotensina, pacientes com choque quente daqueles com
podendo associar adrenalina, dobutamina choque frio para o manejo clínico adequado
ou levosimendan em pacientes com índice dos mesmos (PRUSAKOWSKI & CHEN,
cardíaco menor que 3,3 L/min/m² (DAVIS 2019). Em 2016, houve a criação do
et al., 2017). pSOFA, um escore muito utilizado
Persistindo o choque, comorbidades não atualmente para estratificar a gravidade do
conhecidas e controle inadequado da quadro clínico (MATICS & SANCHEZ-
infecção devem ser investigados. Estando PINTO, 2017). Contudo, o pSOFA possui
essas situações revertidas, uma alternativa limitações, sendo pouco sensível como
passa a ser o uso de oxigenação por ferramenta de identificação de casos
membrana extracorpórea (ECMO), cuja suspeitos da doença e tendo aplicabilidade
sobrevida pode chegar a 75% (WEISS et restrita fora do ambiente hospitalar
al., 2020; GARCIA et al., 2019). (SCHLAPBACH & KISSOON, 2018).
375
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Novos marcadores clínicos e biológicos hemodinâmico e, em alguns casos, o uso de


para a sepse têm sido estudados visando ao corticoides (ILAS, 2017).
diagnóstico e à definição de prognóstico Em síntese, é necessária uma definição
(GARCIA et al., 2007). O chamado “kit mais precisa e adaptada da sepse para a
sepse” inclui os principais exames população pediátrica. É de suma
complementares em caso de suspeita de importância a utilização de ferramentas
sepse (ILAS, 2019). capazes de realizar a triagem de crianças
No tratamento da sepse, a abordagem com sepse. O aprimoramento também do
precoce é fundamental. Durante a primeira estadiamento da sepse e a identificação de
hora de tratamento pode ser necessário o terapias mais específicas para cada estágio
monitoramento rigoroso das vias aéreas, o evolutivo são fundamentais (RAMOS
estabelecimento de dois acessos vasculares, GARCIA et al., 2019). Apesar do fracasso
a administração de antimicrobianos, a de alguns testes clínicos em validar novas
reanimação com fluidos e o uso de abordagens terapêuticas, houve uma
inotrópicos e vasopressores. Após a melhora no diagnóstico de crianças com
primeira hora, torna-se necessária a sepse (LANZIOTTI et al., 2016).
estabilização do paciente do ponto de vista

376
Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Capítulo 29
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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378
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 30
TRAUMA RAQUIMEDULAR:
DA LESÃO ATÉ A
REABILITAÇÃO

Palavras-chave: Neuroplasticidade; Lesão da medula espinal;Manejo da


medula espinal.

VINÍCIUS BENATTI FREIRE¹, 2, 3


LUCAS CRESSONI DE SOUZA1
MÁRIO HENRIQUE DE LIMA MARTINELLI1
JOÃO VICENTE TADEO RUSSO ROMANO1
LEONARDO MOYSÉS SACCHI¹
THALES ANDOLFO DE SOUZA¹
ANTONIO EDUARDO DAMIN4

1
Acadêmico de Medicina da Universidade Nove de Julho.
² Membro da Liga Acadêmica de Neurocirurgia do Exército.
3
Membro honorário da Liga Acadêmica de Neurologia e Neurocirurgia
da Universidade Nove de Julho.
4
Departamto de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade
Nove de Julho, Neurologista e Professor de Neurologia da Faculdade de
Medicinada Universidade Nove de Julho.

379
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO este tema apresenta-se bem atual, pois


relaciona-se com temas como a
O capítulo tem por objetivo explicar neuroplasticidade, sub-tema abordado no
todos os aspectos envolvidos no trauma capítulo em questão (HURLBERT et al.
raquimedular. A sistematização do conceito 2013; BAGNAL et al., 2008; FREIRE et
inicia-se na epidemiologia, até o al., 2021).
tratamento; aborda-se com profundidade O objetivo deste estudo foi criar um
suficiente para compreensão dos panorama do trauma raquimedular e através
mecanismos fisiopatológicos, os princípios de sua fisiopatologia, expor suas vertentes
diagnósticos, os principais tratamentos e clínicas, seu diagnóstico e as principais
perspectivas futuras sobre a abordagem do intervenções.
tema (ANJUM et al., 2020; FREIRE et al.,
2021; HANSEBOUT, 2021; HURLBERT 2. EPIDEMIOLOGIA E
et al. 2013; BAGNAL et al., 2008). A lesão ETIOLOGIA
medular aguda, principal consequência do A lesão medular aguda tem por origem
tema abordado, possui uma prevalência diferentes tipos de traumas que variam
importante, em especial em países quanto ao mecanismo, bem como quanto a
subdesenvolvidos, sendo produto de origem destes eventos. Além disso,
violência, acidentes automotivos e afins possuem intima relação com a energia
(HANSEBOUT, 2021). Didadicamente envolvida no processo e com as
considera-se a lesão em 2 fases que particularidades anatômicas de cada
coadunam em uma cascata de eventos indivíduo. Atualmente em território
moleculares e celulares, descritas nos nacional assume-se que as principais
mecanismos fisiopatológicos, originando a origens dessas lesões se relacionam com
sintomatologia e guiando a abordagem ferimentos por arma de fogo (FAF),
diagnóstica, classificação de acordo com os acidentes automobilísticos e quedas
protocolos da ASIA (American Spinal (CAMPOS et al., 2008). Dados publicados
Injury Association), que inclui o uso de pelo “National Spinal Cord Injury
exames diagnósticos, em especial os de Statistical Center” apontam que os estados
unidos possuem como principais origens de
imagem (ATLS, 2018; HOFFMAN et al.,
trauma raquimedular acidentes com
2001; ANJUM et al., 2020; FREIRE et al.,
veículos automotores (48%), quedas (16%),
2021; ASIA, 2019). Além disso, a
violência – em especial em decorrência do
abordagem terapêutica consiste em mitigar
uso de armas de fogo – (12%), acidentes na
os efeitos inflamatórios pós-trauma,com
prática de esportes (10%) e demais causas
grande importância no prognóstico do
(14%) (HANSEBOUT & KACHUR,
paciente, direcionando as principais linhas
2021). Algumas condições de saúde podem
de abordagem para a lesão, que ainda não
tornar o paciente mais propenso a
possui tratamento definitivo, consistindo
desenvolver um quadro de lesão
em uma terapêutica conservadora e de
raquimedular como espondilose cervical,
minimização de danos secundários. Por fim,
instabilidade atlantoaxilar, osteoporose,
380
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

espondilite anquilosante, artrite reumatoide espinal nos Estados Unidos da América


entre outras. Além disso, a maior parte das variava de 25 a 59 novos casos por milhão
lesões na medula espinal estão associadas a de habitantes por ano, com uma média de 40
lesões conjuntas na coluna vertebral que por milhão em 2010 (DEVIVO, 2012).
podem ser representadas por fratura de uma Analisando a taxa de incidência de novos
ou mais vertebras; luxação de articulações casos, tende-se a acreditar que os casos
intervertebrais, rotura de ligamentos da serão cada vez mais frequentes e a idade
coluna e herniação de discos intervertebrais média dos acidentados aumentará devido ao
(HANSEBOUT & KACHUR, 2021). Os aumento da idade média da população geral
mecanismos físicos envolvidos na etiologia nos Estados Unidos da América (EUA).
da lesão medular agudam estão Nos outros países a média de idade em que
relacionados a eventos patológicos de ocorrem os traumas é inferior do que nos
movimentos que podem ser realizados, mas EUA, seja por conta da idade média da
que (pela energia envolvida) acabam por população ser menor ou pela maior taxa de
lesionar a medula. Posto isto, temos os violência entre pessoas mais jovens
mecanismos de flexão, rotação, extensão e (DEVIVO, 2012). Fato comprovado por um
compressão anormais da coluna; pode-se estudo que evidenciou a idade média que
ainda incluir lesão por cisalhamento e ocorriam lesões traumáticas da medula
contusão. Pode-se analisar ainda os níveis espinal. Foi analisado que até 2002, os
mais comuns de acometimento da coluna jovens do sexo masculino com idade média
vertebral, os níveis com maior incidência de 22 anos eram o público mais frequente a
encontram-se de C1-C4, seguidos de C5- serem vítimas de lesões agudas traumáticas
C8, T1- T6 e, por fim, de T7-S3 (CHEN et da medula espinal, entretanto, em 2010 essa
al., 2013). Ademais, a depender da idade se elevou para 37 anos
gravidade da lesão, pode-se inferir prejuízos (HANSEBOUT & KACHUR, 2021).
na estabilidade da coluna vertebral, bem É importante ressaltar que não só a
como o aumento da probabilidade de haver idade, como também a incidência de lesão
novos eventos em decorrência de uma lesão medular cresceu em comparação às taxas de
prévia (HANSEBOUT & KACHUR, 2002 e de 2016, tanto para os homens
2021). quanto para as mulheres. Em 2002, a
A maior razão de traumas incidência dos traumas dos homens era de
raquimedulares ocorrem por conta de 16,76 por milhão e evoluiu para 19,63 casos
acidentes de veículos motorizados. Não se por milhão em 2016. Já a incidência da
sabe se a maior incidência de casos de lesão lesão nas mulheres foi de 6,93 por milhão
de medular espinal nos Estados Unidos da em 2002 para 9,07 por milhão em 2016.
América são maiores do que no resto do Comprovando assim que não houve
mundo por conta de sua maior precaução mudanças consideráveis nas taxas de
com relação ao uso de cinto de segurança e incidência observadas em mulheres e em
maiores cuidados de segurança ou se ocorre homens (WILSON et. al., 2020). Outro
devido a maior taxa de mortalidade nos estudo recente revelou que a ampliação dos
acidentes. A incidência de lesão de medula casos é mais evidente do que se parece,
381
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

contabilizando cerca de 10000 traumas da medula bem como a gravidade da lesão. A


medula espinal a mais por ano, lesão secundária é relacionada com uma
principalmente os relacionados com série de eventos que ocorrem no local da
acidentes de trânsito e quedas (HAN; lesão acarretando mais dano neuronal, ou
WANG & YU, 2020). seja, a lesão secundária se expande para
A coluna vertebral é composta de outros segmentos medulares. Além disso,
algumas divisões anatômicas, como a pode-se identificar processos de isquemia,
cervical, lombar e torácica. Divisões que hipóxia, apoptose, resposta inflamatória,
são diferentes na epidemiologia do trauma e transcrição gênica, liberação molecular /
sofrem influência também na idade da enzimática, necrose / morte celular, desmie-
pessoa. Para isso, o diagrama CONSORT linização neuronal e formação de cicatriz
(Consolidated of Reporting Trials) para a glial. Todos estes processos culminam na
criação da coorte de estudo, entre 2002 e disfunção da medula espinal e na inibição
2017, demonstrou que em relação ao nível do mecanismo de regeneração, sendo que a
da lesão traumática na medula espinal, as neurorregeneração do sistema nervoso
lesões cervicais são acentuadamente mais central já é comprometida durante o
elevadas do que a torácica e lombar. Nela, desenvolvimento (HAN; WANG & YU,
foi descrito que ocorreram 899 lesões 2020; NAGAPPAN; CHEN & WANG,
cervicais em pessoas com até 64 anos e 569 2020; FREIRE et al 2021; ANJUM et al.,
em pessoas com pelo menos 65 anos. Houve 2020).
214 casos de lesões na região torácica e 66 A transcrição gênica ainda precisa ser
em pessoas com mais de 65 anos, além de mais estudada e compreendida para se
95 casos na região lombar de pessoas com entender melhor a fisiopatologia. No
até 64 anos e 23 na região lombar de pessoas entanto, estudos recentes de revisão da
com mais de 65 anos. É interessante literatura e ensaios clínicos, estão trazendo
ressaltar que em relação a integridade do atualizações e facilitando a compreensão da
prejuízo aconteceram 261 casos de lesões resposta gênica pós-lesão medular (PENG
completas em pessoas com até 64 anos e 58 et al., 2020; HAN; WANG & YU, 2020;
em pacientes acima de 65. Agora sobre as ZHOU et al., 2021). O microRNA-21-5p
lesões incompletas houve 946 casos em mostrou níveis séricos em pacientes com
pessoas com até 64 anos e 593 em pessoas lesões da medula espinal e promoveu
além de 65 anos (WILSON et. al., 2020). resposta inflamatória pela via PLAG1
(HAN; WANG & YU, 2020). Uma teoria
3. FISIOPATOLOGIA DA LESÃO foi postulada de que a desregulação dos
DA MEDULA ESPINAL circRNAs, mediada por ruptura vascular e
A lesão da medula espinal compreende apoptose pós-trauma, exercem influência na
em eventos de cascatas e, também, pode ser regeneração nervosa, angiogênese e
compreendida em dois momentos, que são adesão/diferenciação celular. Também foi
denominados de lesão primária e secun- visto que o eixo circRNA-miRNA possuem
dária. A lesão primária é compreendida ação na resposta inflamatória, estresse
como o processo que levou à lesão da oxidativo, migração neuronal e adesão /
382
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

desenvolvimento da coluna dendrítica. Dois contribuindo para o aparecimento de lesões


genes hub também foram identificados e parciais e/ou incompletas (ANJUM et al.,
são denominados de DDIT4 (DNA 2020).
Damage-Inducible Transcript 4), podendo Após o evento da lesão primária, ocorre
exercer papel neurotóxico ou protetor o surgimento da lesão secundária que
dependendo do estresse oxidativo e da promove danos químicos e mecânicos
isquemia, e EZR (Erzin), envolvido na adicionais, culminando em uma excitotoxi-
neurogênese, crescimento axonal e cidade neuronal mediada por um influxo de
formação astrocitária por deprimir a via cálcio aumentado no sentido intracelular
RhoA e na formação de gliose pós-lesão que, por sua vez, promove aumento das
medular por regular positivamente o concentrações de espécies reativas de
Ativador da Transcrição-3 (STAT3) oxigênio e glutamato. Com o aumento
(PENG et al., 2020). Os IncRNAs também destes eventos, ocorre danos nos ácidos
estão sendo amplamente estudados e podem nucléico, proteínas e fosfolipídios, ocasio-
exercer papéis nos processos de reparos da nando a disfunção neurológica. Além disso,
lesão da medula espinal, como por exemplo o estágio de lesão secundária ocasiona
o Map2k4 envolvido na proliferação eventos vasculares deletérios para a região
neuronal e inibição da apoptose (ZHOU et (isquemia, edema vasogênico, hemorragia)
al., 2021). e também desencadeia reação inflamatória
A lesão primária, como já abordado por meio da invasão de células do sistema
inicialmente, é o estágio inicial pós-lesão e imunológico no local da lesão (monócitos,
possui fragmentos ósseos na região e neutrófilos, linfócitos T e B) associada com
rompimento dos ligamentos espinhais. liberação de citocinas pró-inflamatórias
Além disso, ocorre a destruição do (IL-1a, IL-1b, IL-6, TNF-α), peroxidação
parênquima neuronal, rompimento da rede lipídica, desregulação iônica, aumento da
de axônios no local, bem como da permeabilidade celular, indução da
membrana glial e hemorragia (Figura apoptose, excitotoxicidade, formação de
30.1). Essas alterações mecânicas são um radicais livres, desmielinização, degene-
contribuinte do início da lesão secundária, ração Walleriana e as formações de cicatriz
além das alterações bioquímicas e glial (ou gliose) e cisto (ANJUM et al.,
fisiológicas do tecido neuronal também 2020).
serem fatores predisponentes da lesão No entanto os eventos não acontecem ao
secundária. A gravidade da lesão da medula mesmo tempo, fazendo com que a lesão
espinal, como citado anteriormente, vai secundária seja dividida em três fases: 1)
depender extensão da lesão inicial e o Lesão Aguda; 2) Lesão Subaguda; 3) Lesão
tempo que a medula espinal permaneceu Crônica. A primeira categoria compreende
comprimida. Apesar de o paciente referir em dano vascular, desequilíbrio iônico,
uma perda completa das funções motoras e excitotoxicidade, formação de radicais
sensitivas abaixo do nível da lesão, alguns livres, aumento do influxo de cálcio,
segmentos ainda permanecem conectados peroxidação lipídica, inflamação, edema e
por poucos axônios durante a fase primária, necrose, compondo, desta maneira, os
383
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

aspectos clínicos desta fase. Caso a lesão transformação da lesão subaguda para a
aguda dure muito tempo, a segunda fase se crônica, que se caracteriza pela formação
inicia com os achados de apoptose neural, dos cistos (ou cavidade cística), morte
desmielinização axonal, degeneração axonal e a maturação da cicatriz glial
Walleriana, remodelamento axonal e (ANJUM et al., 2020).
formação de cicatriz glial. Por fim, ocorre a

Figura 30.1 Lesão da medula espinal: Eventos/Fases do processo de injúria e tempo de lesão

Legenda: A: Fases da lesão da medula espinal; B: Subclassificação da lesão secundária de acordo com o tempo
da injúria; C: Eventos fisiopatológicos desencadeados com base nas fases da lesão da medula espinal. Fonte:
Anjum et al., 2020.

Outros tipos moleculares e proteicos periférico e central (Células de Schwann e


podem ser identificados na fisiopatologia da Oligodendrócitos) impede a neurorregene-
lesão da medula espinal, principalmente ração. Os oligodendrócitos necessitam de
após lesão da mielina, como por exemplo a sinais axonais para sobreviverem e, devido
acroleína e Nogo-A. A diferença das células à escassez de recursos no sistema nervoso
que compõe a mielina do sistema nervoso central, os que não conseguem estes sinais,

384
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

sofrem apoptose. Assim, após lesão terminal Nogo-66 através de 4 receptores


traumática, os oligodendrócitos perdem os principais diferentes: Receptor neuronal 1
sinais que mantém com os axônios e sofrem do Nogo-66 (NgR1), Receptor de
apoptose/senescência, culminando na neurotrofina (p75), TROY (Superfamília de
permanência dos restos da mielina no local, receptores de fator de necrose tumoral,
não sendo totalmente eliminados do meio membro 19) ou pelo LINGO1 (Repetição
como mencionado no tópico anterior rica em leucina e proteína 1 contendo
(FREIRE et al., 2021; NAGAPPAN; domínio semelhante a imunoglobulina). A
CHEN & WANG, 2020). interação específica com o NgR1 culmina
Na atividade astrocitária, foram em um influxo maior de cálcio e regulação
identificadas moléculas denominadas de positiva de GTPase com ativação da via
Proteoglicanos de Sulfato de Condroitina RhoA (Membro A da família homóloga
(CSPGs). Na porção central destas molécu- Ras) (Figura 30.2). As glicoproteínas
las, foram encontrados os glicosamino- associadas à mielina (MAG) e oligoden-
glicanos (CS-GAGs) e constituem a drócita da mielina (OMgp) também são
principal parte inibidora da neurorregene- responsáveis por esta inibição. Elas
ração dos CSPGs. Outra classe de interagem com o receptor Nogo, onde o
moléculas foi identificada como neuroinibi- terminal Nogo-66 se liga, e promove o
tórias, denominadas de Proteoglicanos de impedimento do mecanismo neurorregene-
Sulfato de Queratano (KSPGs), diferindo rativo. Outros componentes também foram
das CSPGs pelo N-Acetilglucosamina 6-O- identificados e que inibem o processo de
Sulfotransferase-1 ao invés de CS-GAGs regeneração do sistema nervoso central,
(FREIRE et al., 2021; NAGAPPAN; como Neurocan; Versican (CSPG2); Inibi-
CHEN & WANG, 2020). dor do crescimento de neurito associado à
A liberação da proteína Nogo-A pós mielina do SNC (NI-35); Efrina B3;
lesão da mielina é responsável por inibir o Semaforinas (4D e 3A); Células Meníngeas
processo de regeneração. Em resposta à e Antígeno Neural/Glial 2 (NG2) (Tabela
liberação da proteína Nogo-A, ocorre a 30.1) (FREIRE et al., 2021; NAGAPPAN;
liberação de anticorpo denominado de IN- CHEN & WANG, 2020).
1. O anticorpo compete com os receptores
Figura 30.2. Interação NogoA-Neurônio
do Nogo-A para que a neuroinibição não
ocorra e o processo de regeneração
aconteça. No entanto, a quantidade de
proteína Nogo-A é superior em comparação
com o IN-1, e a neuroinibição não acontece
(FREIRE et al., 2021; NAGAPPAN;
CHEN & WANG, 2020). A interação desta
com o neurônio se dá por vários
receptores/terminais, porém os principais Legenda: Interação do Nogo-A com os receptores
neuronais, culminando no colapso do cone de
são o terminal Amino-Nogo por um
crescimento. Fonte: Nagappan; Chen & Wang, 2020.
receptor ainda não identificado e pelo
385
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Tabela 30.1 Moléculas e componentes neuroinibitórios deste subtópico


Identificação Terminal Receptor(es) Correspondente / Interação Celular e Resultado/Função
Proteica / Local Encontrado
Nogo-A Nogo-66 Receptores: NgR1, p75, TROY e LINGO1 Via: RhoA
Amino-Nogo Receptor não identificado Remielinização Inibida
Efrina B3 - Receptor: EphA4 Remielinização Inibida
Semaforina 4D - Receptor: PlexinB1 Remielinização Inibida
Semaforina 3A - Receptores: Nrp1, Nrp2, L1cam, Nrcam Presente na gliose: Dificulta recuperação
CSPGs - Célula: Astrócitos Inibe regeneração axonal
KSPGs - Célula: Astrócitos Inibe regeneração axonal
Versican Terminal-N Hialuronano na ECM Pró-inflamação e estabilização das redes perineurais
Terminal-C Ligantes na ECM – Principal: Tenascina
MAG - Receptores: NgR2, GT1b, NgR1, p75, TROY, LINGO1 Via: RhoA e Receptores
OMgp Receptor: NgR1 Remielinização Inibida
Neurocan, NG2, CS-GAGs - Proteína: CSPGs Bloqueio da regeneração axonal
NI-35 - Receptor não identificado Fator de crescimento não permissivo na mielina
Acroleína - Proteína: Lipídio Promove neurocitotoxicidade (Neurônios)
Células Meníngeas do sistema - Local: Núcleo da lesão Formação de barreira para crescimento axonal
nervoso central
Legenda: EpphA4 – Receptor 4 de Efrina tipo A; Nrp1 e 2 – Neuropilina 1 e 2; L1cam – Molécula de adesão celular L1; Nrcam – Molécula de adesão celular neuronal. Fonte:
Freire et al., 2021; Nagappan; Chen & Wang 2020.

386
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

4. CLASSIFICAÇÃO DA LESÃO DA também elenca algumas síndromes clínicas


MEDULA ESPINAL E NEURO- pós lesão raquimedular como Síndrome do
PLASTICIDADE Cordão Central, Síndrome da Cauda
A lesão da medula espinal pode ser Equina; Síndrome da Artéria Espinal
incompleta ou completa e é classificada de Anterior; Síndrome de Brown-Sequard e
acordo com a gravidade da lesão. A lesão Síndrome do Cone Medular (NEVES et al.
incompleta da medula espinal se deve à 2007; FREIRE et al., 2021; ASIA, 2019).
preservação de algumas conexões após o A depender do grau de preservação das
evento de lesão primária (ver tópico 3) conexões axonais (substância branca), os
(ANJUM et al., 2020; FREIRE et al., 2021). pacientes podem desenvolver síndromes
Sendo assim, a necessidade de se criar uma clínicas relacionadas com as classificações
escala para auxiliar no tratamento, bem ASIA B, ASIA C ou ASIA D (FREIRE et
como estabelecer passos para a al., 2021). Cerca de 60-80% dos pacientes
identificação desta escala, é fundamental. exibem melhora espontânea, corroborando
A escala de classificação da American a teoria de que projeções e conexões
Spinal Injury Association (ASIA), que poupadas podem sofrer neuroplasticidade
divide as lesões segundo uma classificação espontânea, gerando melhora funcional. No
referente a motricidade e a sensibilidade entanto, as taxas de neuroplasticidade
avaliada e são elas: ASIA A (lesão medular espontânea após lesão em pacientes
completa): Não existe função motora e classificados como ASIA A são muito
sensitiva nos segmentos medulares abaixo baixas, contabilizando apenas 20%,
da lesão, incluindo os segmentos sacrais; enquanto os pacientes classificados como
ASIA B (lesão motora completa e sensitiva ASIA B, ASIA C ou ASIA D são muito
incompleta). Sensibilidade (total ou maiores. Os pacientes que apresentam um
parcialmente) preservada com extensão estágio mais crônico, como ASIA E,
através dos segmentos sacrais S4-S5, sem também não apresentam taxas significativas
função motora abaixo do nível neurológico; de melhora funcional espontânea e
ASIA C (lesão sensitiva e motora tratamentos medicamentosos que visam
incompletas) Função motora preservada melhorar a neuroplasticidade espontânea
abaixo do nível da lesão com a maior parte perdem a janela oportunista pós-lesão
dos músculos-chave abaixo do nível aguda (FREIRE et al., 2021).
neurológico apresentando um grau de força
muscular menor que 3; e ASIA D (lesão 5. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓS-
incompleta com função motora preservada TICO
abaixo do nível da lesão) Função motora Inicialmente devemos diferenciar o
preservada abaixo do nível da lesão com a choque neurogênico do choque espinal
maior parte dos músculos-chave abaixo do (presente no trauma raquimedular). O
nível neurológico apresentando um grau de choque neurogênico leva à perda da tensão
força muscular maior ou igual a 3 e ASIA E vasomotora e da inervação simpática
(lesão com funções normais) Função cardíaca. Lesões na coluna cervical ou na
motora e sensitiva normais. A ASIA medula espinal torácica superior (T6 e
387
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

superior) podem interferir nas vias nervosas preventivas para evitar lesões secundárias.
simpáticas descendentes. O sangue se As etapas mais importantes desse exame
acumula em órgãos internos e vasos são a deficiência neurológica global ( escala
sanguíneos periféricos, levando à redução de coma de glasgow e exame de pupilas),
da pressão arterial. A perda da inervação seguido de testes motores e sensitivos de
simpática do coração pode levar à membros superiores, inferiores e anorretal.
bradicardia ou, pelo menos, à incapacidade Esses testes tendem a ser negligenciados,
de produzir uma resposta de taquicardia à porém são de suma importância para
hipovolemia. No entanto, se ocorrer elucidar o caso, podem se ter déficits
choque, outras fontes devem ser excluídas, assimétricos em somente um dos lados ou
pois o choque hipovolêmico (hemorrágico) com padrões em salto. Esses testes devem
é o mais comum. Um choque em pacientes ser documentados com clareza no pronturio
com trauma pode ser um suplemento ao do paciente e preenchido na ficha do ASIA
choque neurogênico. A ressuscitação com (Figura 30.3) (ECKERT & MARTIN,
fluidos por si só não pode eliminar os 2017).
efeitos fisiológicos do choque neurogênico. Os testes de força e sensibilidade devem
A ressuscitação em massa pode causar ser realizados, bem como a análise dos
sobrecarga de fluidos e/ou edema pulmonar. movimentos que o paciente pode
Após a reposição de volume médio, a apresentar. A escala de força é graduada de
atropina pode ser usada para neutralizar 0 até 5, onde temos a seguinte identificação:
hemodinamicamente a bradicardia Força Grau (FG) 0 – Paralisia completa; FG
significativa. Choque espinal refere-se à 1 – É possível a visualização ou sentir as
flacidez (perda de tônus muscular) e perda contrações musculares; FG 2 – O paciente
de reflexos imediatamente após a lesão da consegue movimentar o membro, mas não
medula espinal (ATLS, 2018). vence a força da gravidade; FG 3 – O
O trauma raquimedular tem uma vasta paciente consegue movimentar o membro e
gama de sinais e sintomas possíveis, pois vence a força da gravidade, mas não vence
suas características dependem de inúmeros qualquer resistência imposta; FG 4 – O
fatores como a localização (cervical, paciente consegue movimentar o membro e
torácico e lombar), extensão (parcial ou vence as forças da gravidade e de
total) e na qualidade da lesão (sensitiva ou resistência moderada; FG 5 – O paciente
motora) (ECKERT & MARTIN, 2017). consegue movimentar o membro e vence as
O ponto mais crítico no diagnóstico forças de gravidade e de resistência alta. A
precoce é o reconhecimento do paciente em graduação da sensibilidade é de 0 até 2 e
risco seguido de um exame físico focado, possui as seguintes características:
essencialmente neurológico completo. Não Sensibilidade Grau (SG) 0 – Perda completa
se deve transferir tal percepção para exames das funções sensoriais; SG 1 – A
complementares, pois isso retarda o sensibilidade do paciente encontra-se
diagnostico da lesão e seus possiveis diminuída/prejudicada ou aumentada
tratamento, atrasando a interconsulta com o (hipersensibilidade); SG 2 – O paciente
especialista e o início imediato de medidas possui as funções sensoriais preservadas.
388
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Figura 30.3 Ficha de classificação ASIA

Legenda: Ficha de classificação original do A.S.I.A. em inglês. Referência: American Spinal Injury Association, 2019.

389
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Ambas as graduações possuem o Não beneficiar de mais cirurgia em situações de


Testável, servindo para alertar de que, por emergência. Possível localização patológi-
exemplo, o paciente estava imobilizado ou ca para melhor corrigir e prevenir a
com muita dor. As pontuações tanto disseminação iatrogênica de déficits
motoras quando sensoriais anormais neurológicos. Para choque espinal, é
precisam ser indicadas a fim de identificar impossível determinar se a lesão é completa
uma deficiência não relacionada ao trauma. ou incompleta em 24 a 48 horas após o
E essa deve ser explicada em região desaparecimento da fase de choque. Os
apropriada na caixa de comentários junto sintomas se originam de complicações de
com as informações de como foi avaliado, outros órgãos, como arritmia do sistema
pelo menos diferenciando entre normal ou cardiovascular, parada cardíaca e edema
não, ressalta a ASIA (ASIA, 2019). pulmonar cardiogênico, pneumonia pulmo-
O trauma "completo" é um modelo de nar, controle insuficiente de secreção,
trauma no qual não há absolutamente aspiração, síndrome respiratória aguda
nenhuma função neurológica mediada pela grave, hipoventilação e insuficiência
medula espinal abaixo do nível do trauma. respiratória, gastrite, pancreatite e úlceras;
Uma lesão "incompleta" é uma lesão cuja trato geniturinário: infecção do trato
função existe abaixo do nível da lesão, urinário, disfunção da bexiga e priapismo,
geralmente na forma de sensação completa choque neurológico, neurogênico, depres-
(por exemplo, períneo) ou função motora são, transtorno de estresse pós-traumático,
distal moderada. A preservação da raiz ansiedade, reflexos autonômicos anormais;
sacral pode causar deficiência ou sensação em outros sistemas (ECKERT & MARTIN,
do esfíncter anal ou leve movimento do 2017).
dedão do pé, o que é um sinal de lesão Inicialmente, deve ser feito uma
incompleta e de bom prognóstico. Restaura estratificação de risco do paciente para
um certo grau de função nervosa. O Padrão saber se há Lesão da Coluna Cervical
de Classificação Neurológica Internacional (LCC), nos casos típicos, os pacientes
da American Spinal Cord Injury chegam ao departamento de emergência
Association (ASIA) é a escala mais com colar cervical. Para estratificação de
amplamente utilizada e pesquisada para risco, em pacientes estáveis e em alerta
avaliar a gravidade da lesão da medula (ECG=15), a regra mais utilizada é a Regra
espinal. Ou falta de função motora e manter Canadense da coluna vertebral (CCR)
as raízes nervosas sacrais abaixo do nível de (Figura 30.4), que permite verificar a
dano. Saber qual grupo muscular em cada necessidade de submeter o paciente a um
segmento da medula espinal é ativado e exame de imagem, reduzindo exames
realizar um teste mais abrangente da função desnecessários sem qualquer efeito adverso
do nervo distal (incluindo exame retal nos resultados dos pacientes. No CCR é
digital) no segmento visível da medula verificado: a) Três fatores de alto risco
espinal pode ajudar a identificar pacientes (Idade maior ou igual a 65 anos, Mecanismo
com lesões incompletas que podem se perigoso e Parestesias em extremidades), na
390
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

qual a presença de qualquer fator resulta na presença de algum fator permite que o colar
necessidade de imageamento da coluna cervical seja removido e a rotação da
cervical e na ausência de todos a avaliação coluna cervical seja avaliada, contudo, se
deve ser continuada; b) Cinco fatores de houver a ausência de todos os fatores, o
baixo risco (Colisão de veículo motorizado, imageamento torna-se necessário; c) É
Posição sentada no departamento de verificado a capacidade dos pacientes de
emergência, Atendimento ambulatorial a girar o pescoço em 45º para a direita e para
qualquer momento, Inicio tardio da dor no a esquerda (BECKMANN et al. 2019; ALA
pescoço e Ausência da sensibilidade da et al. 2018).
colina cervical da linha central), na qual a

Figura 30.4 Regra Canadense da Coluna Cervical

Legenda: Fluxograma sobre a necessidade da realização de um exame de imagem no paciente na admissão. Fonte:
Modificado e adaptado de Ling, 2018

Há ainda, um outro estudo, o National lesão cervical. Os critérios são: 1)


Emergency X-Radiography Utilization Consciência plena 2) Ausência de evidência
Study (NEXUS), também utilizado e de intoxicação 3) Ausência de déficit
recomendado pelas autoridades internaci- neurológico focal 4) Ausência de lesão
onais, que verifica a necessidade de exames dolorosa aparente que cause distração em
de imagem em pacientes com história de relação a dor de uma lesão da coluna
trauma da coluna cervical. Um paciente que cervical 5) Ausência de sensibilidade ao
apresente os 5 critérios clínicos do NEXUS, tocar a coluna cervical. Tanto o estudo CCR
possui baixa probabilidade de possuir uma quanto o NEXUS, não possuem evidências
391
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

suficientes para que seja recomendada a radiografia P é a mais importante,


utilização em pacientes pediátricos, uma atentando-se à curvatura e alinhamento da
vez que foram desenvolvidos a partir de coluna, fratura dos corpos cervicais, das
estudos com adultos. No entanto, ambos os apófises espinhosas e do processo
protocolos podem ser usados como guias odontóide do áxis. Na anteroposterior,
para uma avaliação clínica pediátrica e visualiza-se massas laterais, facetas e
posteriormente consultar um neurocirurgião fraturas dos pedículos. Na odontóide com a
ou um cirurgião ortopédico da coluna boca aberta, podem ser observadas fraturas
((BECKMANN et al. 2019). do atlas e do processo odontóide. No
Em pacientes que não preenchem entanto, na prática, devido a facilidade do
nenhum dos critérios dos estudos exame e de sua sensibilidade superior, a TC
mencionados, a avaliação radiológica de coluna cervical é comumente utilizada
inicial deve conter três incidências: como primeiro exame (HOFFMAN et al.,
anteroposterior (AP), perfil (P) e odontóide 2001; MANDIGO; KAISER & ANGEVI-
com a boca aberta (Figura 30.5). Destas, a NE, 2018; LING, 2018).

Figura 30.5 Radiografia na incidência de odontóide com a boca aberta

Legenda: É possível visualizar a fratura de Jefferson, ou seja, rompimento dos anéis anterior e posterior em C1.
Fonte: ATLS, 2018.

A tomografia computadorizada com sagital. Sua limitação é em relação a


reconstrução é recomendada para investigar visualização de alteração nos tecidos moles,
alguma alteração evidenciada nas radiogra- como medula e estruturas ligamentares, o
fias e é a melhor escolha para detectar que já se torna melhor visualizado na
alterações ósseas anormais. Deve ser Ressonância Magnética. A ressonância
realizado desde occipício até a vértebra T1, magnética é o melhor exame de imagem
com reconstrução tridimensional coronal e para visualizar a medula espinal e complexo

392
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

discoligamentar. É uma ferramenta necessidade de altas doses. Cabe salientar a


importante para classificar a gravidade da importância deste efeito sobre a
lesão, visualizar hemorragias, edemas e peroxidação na terapêutica, portanto
compressões. Ela é recomendada nos verificou-se que dentre todos os fármacos a
seguintes cenários: déficit neurológico com metilpredinisolona tinha melhor ação
radiografia normal; falta de relação entre o antioxidante. Ademais, estudos do NACIS
déficit neurológico e o estudo radiográfico; apontavam também para esta direção,
deteriorização após uma redução fechada; porém uma análise sistemática de 2000
tentativas falhas de redução fechada; mostrou que alguns estudos tinham vieses,
quando há suspeita de ruptura ligamentar ou colocando essa prática em debate.
coluna cervical mecanicamente instável O primeiro NACIS separou dois grupos
(HOFFMAN et al., 2001; MANDIGO; de pacientes, um que receberia 1000
KAISER & ANGEVINE, 2018; miligramas de metilprednisolona (MP)
ROUANET et al., 2017). bolus e 250 miligramas endovenoso de
Outro exame consiste na eletrofisiologia manutenção e outro com um decimo das
é uma ferramenta utilizada para monitorar a doses. Neste estudo não foram vistas
recuperação ao longo do tempo de pacientes melhorias na evolução do paciente e foi
com lesão medular traumática, permitindo aventado um problema em relação a
observar medidas de função fisiológica e quantidade administrada (BRACKEN et
anatômica, como excitabilidade da medula al., 1984). No segundo estudo do NACIS,
espinal, deficiência sensorial, tempo de utilizou-se um bolus de 30 mg/kg e
condução para neurônios motores, inibição 4 mg/kg/h contra naloxona 5,4 mg/kg e
cortical e espinal, entre outros (AHUJA et 4 mg/kg/h e o placebo (BRACKEN et al.,
al., 2017). 1990). Os resultados, quando vendo toda a
população, nas 6 semanas e 6 meses nos
6. TRATAMENTO DA LESÃO DA testes de sensibilidade e de tato epicrítico
MEDULA ESPINAL houve uma melhora no grupo da MP, porém
A patofisiologia da lesão aguda espinal sem diferenças no teste motor sendo que
está em partes elucidada, como descrita esta tendencia sumiu no 1° ano
anteriormente, e dentro dessa dinâmica era (BRACKEN et al., 1985). Quando visto o
logico o uso de corticosteroides. Quando grupo da intervenção em até 8 h, todos os
testado em estudos animais em uma infusão parâmetros testados eram melhores, com
continua, os glicocorticoides em altas doses diferenças significativas presentes em até
diminuíam a extensão da lesão, o tempo de um ano depois da conduta (BRACKEN et
recuperação e as sequelas induzidas pela al., 1990). Com a dose já previamente
lesão devido aos efeitos anti-inflamatórios estudada, faltava o tempo de terapêutica,
oriundos da ativação dos receptores de para isso veio o NACIS 3 onde comparou-
glicocorticoide e por outros mecanismos se 24h ou 48 h de tratamento com MP.
não ainda conhecidos que incidiam direto Separou-se em 3 um grupo de 499, onde um
na peroxidação lipídica, por isso a tomaria 30-40 mg/kg bolus associado a
393
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5,4 mg/kg de manutenção em 23 h, outro administração de 48h mostrou-se superior,


tomaria em 48 e por fim um terceiro grupo porém não houve diferenças significativas
mesilato de tirilazad (um esteroide 21- para os pacientes que recebem em até 3h
amino que evita peroxidação lipídica) a depois do trauma (Tabela 30.2.)
cada 6 h por 48 h. Para os pacientes que (BRACKEN, 1992).
receberam o tratamento entre 3-8 h, a

Tabela 30.2 Análise comparativa entre os estudos NACIS


Estudo Característica N (Pacientes) Tratamento 1 ano
Ferimentos abertos
1000mg bolus + 250mg 6h
NACIS 1 ou fechados em até 306 Sem diferença estatística
por 10 dias
48h
100mg bolus + 25 6h por 10
Idade >13 anos
dias
Sem comorbidades
graves
Maioria de Traumas 30mg/kg bolus + 5,4mg por
NACIS 2 487 Sem diferença estatística
fechados hora 23h
Subgrupo tratado em até 8
Naloxona 5,4mg/kg bolus +
Idade >13 horas teve melhoria na função
4mg/kg/h por 23h
motora
Teste da agulha no subgrupo
Sem comorbidades
Placebo (sensibilidade epicrítica) não
graves
foi significante
Os grupos que começaram >8
tiveram uma piora na função
Sem esteroides de manutenção
motora, mas isso não foi
significante
Sem ferimentos por arma de fogo
Todos recebem 20-
Traumas agudos de Sem diferenças motoras e
NACIS 3 499 40 mg/kg bolus e seguem
até 8 h sensitivas
com
5,4 mg/kg/h cada 6h por Sem mudanças no FIM
Idade > 13 anos
23h (medida de dependência)
Grupos que começaram o
Sem comorbidades tratamento > 3 h e utilizaram
5,4 mg/kg a cada 6 h por 48
graves por 48 h MP tiveram melhor
recuperação
Sem MP de Sem diferenças na
2,5 mg/kg a cada 6 h por 48
manutenção sensibilidade
Sem ferimentos por arma de fogo

Fonte: Bracken et al., 1984; Bracken et al., 1985; Bracken et al., 1990; Bracken, 1992.

394
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Esses estudos guiaram a terapêutica decorrentes da lesão, diminuição de


com o uso da MP, uma prática que já era fragmentos nos sítios acometidos,
utilizada a priori, porém estes não são livres facilidade de manejo operatório, além de
de crítica. O fato de se utilizar de subgrupos contar com 80% de eficácia, 1% de chance
para se fazer análise, diversos fatores de de complicação e complicação do déficit
confusão como dados demográficos e neurológico 2-4% (REINDL et al., 2006).
gravidade da lesão não disponíveis para Caso o paciente não consiga essa redução,
escrutínio e as significâncias baixas dos deverá proceder à um exame de imagem. A
estudos acabam polarizando grupos em técnica normalmente consiste em uma
relação a esta prática (BOTELHO et al., tração linear com ponto de fixação superior
2009). no crânio e inferior até o local da lesão,
Em diversas análises minuciosas de pode-se utilizar analgésico ou relaxante
ensaios clínicos randomizados quanto ao muscular para aumentar a tração e diminuir
uso de metilpredinisolona, viu-se que seu a compressão (WINN, 2011).
uso não havia evidência IA, portanto Alguns casos requerem medidas
começou-se a contraindicar a pratica. cirúrgicas de descompressão bem como
Revisões sistemáticas mostraram que o uso correção de deslocamentos dos discos,
de MP não alterava significativamente o porém não há nenhuma indicação em
resultado como causava sangramentos e relação ao tempo em que essa intervenção
lesões em diversos órgãos, e, em 2013 a deva ser feita (BAGNAL et al., 2008).
Associação Americana de Neurocirurgiões, Podem ser feitas a fixação anterior,fixação
afirmou que essa pratica não era mais posterior e a fixação anteroposterior. A
recomendada, postura adotada também fixação anterior apresenta a vantagem de
pelos canadenses (HURBERLT et al., visualização direta e melhor manejo
2013). operatório, porém as vezes não é
Por conta disso o tratamento envolve biomecanicamente favorável (WINN,
suporte, manutenção e controle da situação. 2011). A fixação posterior é vantajosa nesse
No momento pré hospitalar é indicado fazer ponto de vista, pois a maioria das lesões
uma triagem para verificar qual paciente é ocorrem em flexão, além da facilidade de
passível de imobilização cervical, que manejo quando as facetas se encontram
consiste nos pacientes que apresentam dor bloqueadas (WOODWORTH et al., 2009).
cervical, sensibilidade, traumas múltiplos e
entre outros, e sendo assim, estes devem ter 7. PERSPECTIVAS FUTURAS DO
a imobilização cervical reservada. Em TRATAMENTO DA LESÃO DA
situações de orientação, consciência, MEDULA ESPINAL
ausência de dor e déficits não se deve Atualmente o tratamento da lesão medular
imobilizar (THEODORE et al., 2013). consiste em cirurgia de descompressão
A redução fechada vem sendo praticada precoce, aplicação de metilpredinisolona
desde 1983. Esta técnica mostrou-se (altas doses estão contraindicadas) e outros
favorável por diminuir complicações controles, como manejo da pressão arterial
395
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

e profilaxia para tromboembolismo. No Crescimento semelhante à Insulina (IGF);


entanto, em fraturas mais elevadas, por Fator de Crescimento Endotelial Vascular
exemplo cervicais, pode-se considerar (VEGF); Fator de Crescimento de
traqueostomia ou intubação precoce e Fibroblastos-2 (FGF-2); Fator de
ventilação mecânica. Apesar do avanço no Crescimento de Transformação (TGF)) e
manejo da lesão da medula espinal, não é regulam positivamente a Interleucina-10
possível se propor uma recuperação (IL-10) sérica, e, negativamente, o Fator de
funcional adequada e, muitas vezes, as Necrose Tumoral-α (TNF-α). Desta
doses necessárias dos medicamentos não maneira, é possível diminuir a inflamação
são alcançadas ou não podem ser local evitando mais lesões do mecanismo
alcançadas nos pacientes e trazem efeitos secundário. Quando as CTs foram
colaterais para os mesmos (ATLS, 2018; associadas com as Nanopartículas de Óxido
EUA, 2018; FREIRE et al., 2021). Sendo de Ferro Supermagnéticos (SPIONPs),
assim, outras abordagens envolvendo houve aumento do homing das mesmas no
células-tronco, nanotecnologia, suportes local da lesão (FREIRE et al., 2021).
medulares e novos métodos de abordagens A aplicação da nanotecnologia tem se
medicamentosas estão trazendo novas mostrado muito eficaz no tratamento da
perspectivas e direções para se melhorar o lesão da medula espinal. São capazes de
tratamento da lesão da medula espinal aumentar a biodisponibilidade e o tempo de
(ANJUM et al., 2020; FREIRE et al., 2021). circulação dos medicamentos no local da
A utilização das células-tronco (CTs) lesão, além de potencializar efeitos de
está se mostrando promissora no tratamento regeneração mediados pelas células proge-
da lesão da medula espinal. As CTs são nitoras. Os efeitos colaterais proporcio-
capazes de substituir as células no local da nados pela metilprednisolona e hidralazina,
lesão, sendo capazes de contribuir para uma por exemplo, foram reduzidos significati-
provável regeneração do tecido. Além vamente e obtiveram aumento dos efeitos
disso, foram relatados efeitos moleculares e benéficos quando associadas com
outros efeitos celulares. No local da lesão, nanopartículas de hidrogel (NHs). As NHs
as CTs também são eficazes na atenuação possuem propriedades mecânicas e
do mecanismo de lesão secundária através estruturais que as tornam a melhor escolha
da inibição das células do sistema para carrear fatores endógenos ao local da
imunológico que migram para o local da lesão medular. Óxido de ferro, ácido
lesão (linfócitos T, macrófagos) e as que já ferúlico (FA) e glicolquitosana (GC) são
estão no local naturalmente (micróglia). capazes de direcionar CTs ao local
Ademais, também proporcionam aumentam lesionado, sendo que o FA e GC são
os fatores neurotróficos que estimulam o neuroprotetores naturais favorecendo a
crescimento neuronal (Exemplos: Fator recuperação funcional. Os suportes
Neurotrófico Derivado do Cérebro medulares são capazes de se ligarem em
(BNDF); Fator Neurotrófico Derivado da moléculas de sinalização ou aos
Linha de Células Gliais (GNDF); Fator de medicamentos e fornecem administração
396
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

controladas dos mesmos no local da lesão. da lesão medular. Além disso, abordagens
Além disso são capazes de potencializar a genéticas, agonistas (neurotransmissores) e
regeneração axonal, fornecer local apropri- antagonistas (receptores), bloqueadores de
ado para adesão celular e migração de canais (Na+ e Ca2+), terapias anti-
células transplantadas, regular o microam- oxidativas, inibidores de apoptose e agentes
biente e proteger as células progenitoras fitoterápicos estão se mostrando promis-
neurais dos efeitos inibitórios da mielina. sores, assim como métodos celulares,
Porém, os materiais dos suportes medulares outros tipos de biomateriais (como nano-
precisam ser usados com cautela devido a fibras magnéticas), métodos que atuam nas
problemas, como biodegradação acelerada vias imunomodulatórias (neuroinflamação
(FREIRE et al., 2021). e medicações imunossupressoras) e meios
Estudos recentes envolvendo novos de interferência nas vias neuro-
compostos para formação de nanopartículas regenerativas (aplicação de anticorpo
NEP1-40, bem como, novos fármacos monoclonal – IN-1) (ANJUM et al., 2020;
(Rolipram e Tanespimicina) evidenciam PENG et al., 2020; FREIRE et al., 2021).
novas perspectivas para o tratamento futura

397
Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA
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Capítulo 30
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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399
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 31

MANEJO E CONDUTA DAS


EMERGÊNCIAS HIPERTENSIVAS
GESTACIONAIS

Palavras-chave: Pré́ -eclâmpsia; Eclâmpsia; Trabalho de Parto


Induzido.

AMANDA REIS CRUVINEL¹


ANA CLARA SAVIGNON ARIDE²
GABRIELA F. CAETANO AZEVEDO¹
LARA AZEVEDO PRAIS C. BRANT¹
LAURA COELHO PIRES ROCHA¹
LUIZA LUBIANA FONTANA²
LORENA ARAÚJO MIRANDA¹
LUIZA MARA VIEIRA ROCHA¹
MARIA LUIZA PATRÃO DIAS¹
MARIANA LUIZA MOREIRA¹
MARIANA PRATES CAMILO¹
MARINA FRANÇA COTTA¹
SOFIA CUNHA MAFRA¹
STELLA FERNANDES NASSUR³

¹Discente de Medicina da Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais -


FCMMG, Belo Horizonte, MG.
²Discente de Medicina da Universidade Vila Velha - UVV, Vila Velha, ES
³Discente de Medicina da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de
Misericórdia de Vitória - EMESCAM, Vitória, ES

1
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO mortalidade materna e fetal. É essencial


saber diferenciar a hipertensão que antecede
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) a gravidez, daquela que é uma condição
apresenta alto percentual de incidência no específica dela. Sabe-se que nessas
Brasil e no mundo, manifestando-se em gestantes ocorrem falhas na adaptação
gestantes de todas as idades e é a maior placentária e na infiltração do trofoblasto
causa de morte materna em obstetrícia, nas arteríolas espiraladas, com consequente
correspondendo a 20% e 25% de todas as hipoperfusão do leito placentário. Essa
causas de óbito materno no Brasil. Sua hipoperfusão placentária gera a liberação de
incidência prevalece em primigestas, substâncias vasoativas na circulação
multíparas com idade tardia para a gravidez, materna, que promovem dano e alteração da
gestante obesa e naquelas com antecedente função endotelial. Isso acarreta em uma
familiar de hipertensão arterial (MALA- série de mudanças na interface do sangue
CHIAS et al., 2016; SOUSA et al., 2020). com os tecidos, levando a alterações
As síndromes hipertensivas da gravidez funcionais e morfológicas, e complicações
possuem diferentes classificações, entre nos sistemas cardiovascular, renal,
elas a hipertensão crônica, a pré-eclâmpsia hematológico, neurológico, oftalmológico,
sobreposta, a hipertensão gestacional e a hepático e placentário (NETO, SOUZA,
pré-eclâmpsia. A hipertensão crônica é o AMORIM, 2010; FEBRASGO, 2018).
quadro de hipertensão observado antes da O objetivo deste estudo é descrever e
gravidez ou antes de 20 semanas de analisar as principais condutas no manejo
gestação, enquanto a pré-eclâmpsia da pré-eclâmpsia e suas complicações.
sobreposta consiste no surgimento de pré-
eclâmpsia nessas mulheres previamente 2. MÉTODO
hipertensas. A hipertensão gestacional é
caracterizada pela hipertensão identificada Trata-se de uma revisão integrativa da
em gestantes anteriormente normotensas, literatura realizada no período de abril a
sem sinais ou sintomas de pré-eclâmpsia e junho de 2021, a partir do levantamento
lesões em órgãos-alvo. Por fim, a pré- bibliográfico nas bases de dados Scientific
eclâmpsia é o quadro de hipertensão que Eletronic Library Online (SciELO),
ocorre após 20 semanas de gestação, Literatura Latino-Americana e do Caribe
acompanhada de proteinúria e/ou disfunção em Ciências da Saúde (LILACS), PubMed,
de órgão alvo e comprometimento Medical Literature Analysis and Retrieval
sistêmico. É importante salientar que esse System Online (MEDLINE) e UpToDate,
quadro pode se estender por até 12 semanas além da utilização de protocolos e manuais
pós-parto (FEBRASGO, 2018; MOURA, et técnicos.
al., 2011). Para o alcance do objetivo proposto, as
Entre essas classificações destacamos a etapas utilizadas no processo foram: 1)
pré-eclâmpsia devido ao seu alto índice de problematização com a elaboração da

2
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

questão norteadora; 2) definição dos padronizado, estabelecido em consenso


descritores e critérios de inclusão e exclusão antes do início das buscas nas bases de
para seleção dos artigos; 3) coleta dos dados.
dados; 4) classificação das evidências; 5)
interpretação e discussão dos resultados 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
obtidos; 6) apresentação dos resultados de
forma sumariada. 3.1. Avaliação inicial da gestante na
Os descritores utilizados foram: Pré- emergência
eclâmpsia; Eclâmpsia; Trabalho de Parto A paciente gestante que apresenta sinais
Induzido; Hipertensão conectados pelo de gravidade precisa de um atendimento de
operador booleano AND de acordo com a emergência com uma abordagem inicial do
terminologia DeCS (Descritores em paciente grave seguindo o ABCDE
Ciências da Saúde). Os critérios de inclusão (KLEINMAN, 2015).
foram trabalhos na língua portuguesa e A. Airway (via aérea): checar se a via aérea
inglesa, publicados no período de 2009 a está visivelmente obstruída ou com algum
2021, disponíveis na íntegra, eletrônica e sintoma de obstrução como estridor
gratuitamente, estudos do tipo revisão laríngeo ou disfonia. Checar capacidade de
sistemática, revisão não-sistemática, estudo deglutir, eficácia da tosse e nível de
de coorte, caso-controle e diretrizes. Vale consciência.
ressaltar que apenas um artigo de 1990 foi B. Breathing (ventilação): procurar sinais e
considerado visto a relevância do estudo sintomas de insuficiência respiratória como
quanto ao tema. Os critérios de exclusão dispneia, hipoxemia, ausculta anormal e
foram: artigos duplicados, disponibilizados percussão com hipertimpanismo ou
na forma de resumo, que não abordavam macicez.
diretamente a proposta estudada e que não C. Circulação: os parâmetros mais impor-
atendiam aos demais critérios de inclusão. tantes que precisam ser avaliados são
Foram excluídos os editoriais, as cartas ao palidez cutânea, pressão arterial, presença
editor, os trabalhos publicados em anais de de pulso periférico, oximetria, tempo de
evento, os artigos de reflexão e os artigos enchimento capilar, frequência cardíaca e
repetidos. eletrocardiograma.
Após os critérios de seleção restaram 18 D. Disability (neurológico): realizar exame
artigos sem nenhuma restrição. Quanto aos neurológico sistematizado, avaliar nível de
protocolos e manuais técnicos, foram consciência e escala de coma de Glasgow.
selecionados os da FEBRASGO e do E. Exposição: despir a paciente e procurar
Ministério da Saúde que abordavam lesões, controlar a temperatura e afastar
eclâmpsia, pré-eclâmpsia e gestação de alto corpos estranhos que podem estar causando
risco, publicados a partir de 2012. Os alergias ou intoxicações.
autores foram responsáveis por selecionar Além da abordagem inicial do paciente
os estudos por meio de protocolo grave, o médico emergencista precisa estar

3
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

ciente das particularidades do atendimento como diabetes, hipertensão arterial, doença


de uma mulher grávida. Com relação à dor renal, distúrbios de coagulação e se a
ela pode ser independente da gravidez, pode paciente faz uso de medicamentos e drogas
representar alguma complicação específica (ilícitas e lícitas) (MEDICINA DE
da gravidez ou representar o trabalho de EMERGÊNCIA, 2021).
parto. Informações importantes a serem No exame físico avaliam-se condições
colhidas são a localização da dor, gerais da gestante. Além disso, é essencial
intensidade, características, duração, repeti- avaliar tônus uterino, presença de
ção, fatores de melhora e piora, se está contrações (se sim, qual a frequência e
associada a contração uterina, sangramento intensidade), perceber movimentação fetal
e perda de líquido. Em caso de sangramento e auscultar o batimento cardíaco fetal.
genital é importante que ele seja bem Avaliar se há presença de saída de líquidos
caracterizado já que um sangramento ou sangue, em caso de suspeita de trabalho
volumoso e vivo pode estar associado a uma de parto realizar o toque vaginal para
complicação enquanto um sangramento verificar a dilatação e apagamento do colo
escuro, em pequena quantidade e misturado uterino (MEDICINA DE EMERGÊNCIA,
a muco cervical pode ser normal. Se houver 2021).
rotura de bolsa amniótica é necessário saber
sobre alguma alteração do líquido como cor 3.2. Etiologia e fisiopatologia da pré-
esverdeada, esbranquiçada ou sanguinho- eclâmpsia
lenta (MEDICINA DE EMERGÊNCIA, A determinação da causa exata da pré-
2021). eclâmpsia permanece desconhecida. Atual-
A leitura do cartão de pré-natal é mente, teorias mais importantes da sua
essencial já que permite identificar patogênese envolve placentação deficiente,
medicações em uso, evolução ponderal e de predisposição genética, quebra de tolerân-
níveis pressóricos e desenvolvimento fetal. cia imunológica, resposta inflamatória
É importante realizar a contagem do tempo sistêmica, desequilíbrio angiogênico e
de gravidez independente se for informada deficiência do estado nutricional. As teorias
pela paciente, considerar a data da última mais importantes foram divididas em dois
menstruação ou a ultrassonografia (US) do estágios: pré-clínico e clínico. No estágio
primeiro trimestre. Além disso, registrar pré-clínico, alterações no desenvolvimento
resultados de exames laboratoriais e placentário e insuficientes modificações na
ultrassonográficos que a paciente possuir. A circulação uterina geram hipóxia e
história gineco-obstétrica da paciente deve reoxigenação do tecido placentário, deter-
ser colhida, tanto da gestação atual quanto minando o desenvolvimento de estresse
das anteriores, os tipos de parto e se oxidativo e produção excessiva de fatores
houveram intercorrências. A história inflamatórios e anti angiogênicos. Já no
patológica pregressa também deve ser estágio clínico, a disfunção placentária e os
questionada, especialmente para condições fatores liberados por ela lesam o endotélio

4
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

sistemicamente, e a paciente manifesta arterial associada à proteinúria, que se


clinicamente com hipertensão arterial e manifesta em gestante previamente
comprometimento de órgãos-alvo normotensa, após a 20ª semana de gestação
(FEBRASGO, 2018). (MAGEE, 2014; FEBRASGO, 2018;
Apesar da etiologia desconhecida da UPTODATE, 2021). Atualmente, assim
pré-eclâmpsia, alguns fatores de risco para como consta na Tabela 31.1, também se
o desenvolvimento dessa condição já têm considera pré-eclâmpsia quando, na
sido bem estabelecidos. Entre eles, ausência de proteinúria, ocorre disfunção de
mulheres com obesidade ou índice de massa órgãos-alvo (trombocitopenia, disfunção
corporal elevado (IMC > 30 kg/m2) apre- hepática, insuficiência renal, edema agudo
sentam maior risco para o desenvolvimento de pulmão, iminência de eclâmpsia ou
da doença. Outras alterações de risco são eclâmpsia). Além disso, a associação de
hipertensão arterial crônica, diabetes pré- hipertensão arterial com sinais de
gestacional e lúpus eritematoso sistêmico comprometimento placentário, como restri-
(FEBRASGO, 2018). ção de crescimento fetal e/ou alterações
dopplervelocimétricas, também deve
3.3. Diagnóstico da pré-eclâmpsia chamar atenção para o diagnóstico de pré-
A pré-eclâmpsia é classicamente diag- eclâmpsia, mesmo na ausência de
nosticada pela presença de hipertensão proteinúria.

Tabela 31.1 Critérios diagnósticos de pré-eclâmpsia


Pressão arterial sistólica ≥ 140 mmHg ou pressão diastólica ≥ 90mmHg em pelo menos duas ocasiões com pelo
menos 4 horas de intervalo, após 20 semanas de gestação em uma gestante previamente normotensa E novo
aparecimento de um ou mais dos seguintes:

Proteinúria ≥0,3 g/urina de 24 horas; ou


Razão proteína / creatinina ≥0,3 em uma amostra de urina aleatória; ou
Vareta ≥1 + se uma medição quantitativa não estiver disponível.

Contagem de plaquetas <100.000 / microL

Creatinina sérica> 1,1 mg / dL (97,2 micromoles / L) ou o dobro da concentração de creatinina na ausência de


outra doença renal

Transaminases hepáticas pelo menos duas vezes o limite superior das concentrações normais para o
laboratório local

Edema pulmonar

Cefaleia persistente e de início recente não é explicada por diagnósticos alternativos e não responde às doses
usuais de analgésicos

Sintomas visuais (por exemplo, visão turva, luzes piscando ou faíscas, escotoma)
Fonte: tradução e adaptação de American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) Practice Bulletin
No. 222: Gestational Hypertension and Preeclampsia. Obstet Gynecol 2020; 135:237.

5
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Existe um consenso sobre sinais e as principais alterações indicativas de


sintomas que indicam a progressão da agravamento do quadro.
doença para formas ameaçadoras da vida
que invariavelmente apontam para a
provável necessidade de indicação de parto
(UPTODATE, 2021; MAGEE, 2014;
FEBRASGO, 2018). A Tabela 31.2 resume

Tabela 31.2 Critérios de diagnóstico de "pré-eclâmpsia com características graves"


Elevação severa da pressão arterial:

Pressão arterial sistólica ≥160 mmHg ou pressão arterial diastólica ≥110 mmHg em 2 ocasiões com pelo menos
4 horas de intervalo enquanto o paciente está em repouso no leito *

Sintomas de acometimento do sistema nervoso central:

Perturbação cerebral ou visual de início recente, como:


Fotopsia, escotoma, cegueira cortical, vasoespasmo retinal;
Dor de cabeça intensa (ou seja, incapacitante, "a pior dor de cabeça que já tive") ou
Dor de cabeça que persiste e progride apesar da terapia analgésica e não é explicada por diagnósticos
alternativos.

Disfunção hepática:

Função hepática prejudicada não explicada por outro diagnóstico é caracterizada por concentração de
transaminases séricas> 2 vezes o limite superior da faixa normal ou quadrante superior direito persistente grave
ou dor epigástrica que não responde à medicação e não é explicada por um diagnóstico alternativo

Trombocitopenia:

<100.000 plaquetas / microL

Disfunção renal

Insuficiência renal (creatinina sérica > 1,1 mg / dL [97,2 micromoles / L] ou uma duplicação da concentração
de creatinina sérica na ausência de outra doença renal)

Edema pulmonar

Fonte: tradução e adaptação de American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) Practice Bulletin
No. 222: Gestational Hypertension and Preeclampsia. Obstet Gynecol 2020; 135:237.

3.4. Manejo inicial da gestante com prevenção do quadro de eclâmpsia ou de


síndrome hipertensiva sua recorrência e da identificação precoce
Uma vez estabelecido o diagnóstico de de alterações laboratoriais, principalmente
pré-eclâmpsia, o foco do controle clínico é aquelas relacionadas à síndrome HELLP.
a prevenção da morbimortalidade materna e Tudo isso deve estar aliado à avaliação do
perinatal. Ressalta-se a importância da bem-estar fetal. A combinação dessas ações

6
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

deve possibilitar a condução dos casos assintomática, pressão arterial estável em


objetivando-se a realização do parto, única um nível seguro, resultados dos exames
forma real de evitar a progressão imediata laboratoriais estejam na faixa normal ou
da doença, com equilíbrio entre as melhorando ou testes fetais reconfortantes.
repercussões materno-fetais e os impactos 3. Administração de um curso de
da prematuridade (FEBRASGO, 2018). corticosteroides pré-natais.
Considerando-se o grau de imprevisibi- 4. Profilaxia de convulsões com sulfato de
lidade da pré-eclâmpsia, o acompanha- magnésio.
mento hospitalar e amiúde é justificado. 5. Monitoramento da pressão arterial pelo
Dessa forma, recomenda-se a internação menos a cada uma a duas horas. Tratar
assim que haja forte suspeita ou pacientes com pressão arterial sistólica
confirmação do diagnóstico de pré- ≥150 mmHg ou pressão arterial diastólica ≥
eclâmpsia para que as condições materno- 95 a 100 mmHg.
fetais sejam avaliadas adequadamente, 6. Registro preciso da ingestão de líquidos
sejam introduzidas/adequadas às doses de e da produção de urina.
anti-hipertensivos e as pacientes e seus 7. Estudos laboratoriais repetidos a cada 6
familiares sejam orientados sobre o a 12 horas enquanto a paciente está na
problema em questão, os riscos e os tipos de unidade de parto - hemograma completo
complicações. Após um período inicial, (incluindo contagem de plaquetas e
pode-se preconizar intervalos entre esfregaço), eletrólitos, creatinina, alanina e
períodos de internação ou de avaliação aspartato aminotransferase (ALT, AST) e
hospitalar e períodos em domicílio. A ácido lático desidrogenase (LDH).
decisão pelo acompanhamento hospitalar 8. Um perfil de coagulopatia (PT, PTT,
ou ambulatorial dependerá das condições fibrinogênio) é obtido se a ALT e AST
socioculturais das pacientes, e diante da forem mais de duas vezes o limite superior
identi-ficação de quaisquer problemas que do normal, se a contagem de plaquetas for
possam comprometer a adequada vigilância inferior a 100.000 células / microL ou se
dos casos a internação torna-se houver suspeita de descolamento prematuro
imprescindível (FEBRASGO, 2018). da placenta.
Para o manejo inicial de toda gestante 9. Avaliação do bem-estar fetal, incluindo
com pré-eclâmpsia com sinais de gravidade um teste sem estresse, determinação do
as seguintes condutas devem ser tomadas: volume de líquido amniótico e estimativa
1. Supervisão rigorosa e cautelosa uma vez do peso fetal. Dopplervelocimetria da
que o curso de evolução da doença ainda é artéria umbilical e do ducto venoso se o feto
pouco previsível, então a mãe deve ser tiver restrição de crescimento
observada durante 48 horas em unidade
intensiva. 3.4.1. Emergência hipertensiva
2. A gestante poderá ser encaminhada para Os casos de hipertensão grave, em que a
unidade menos intensiva caso esteja PAS ≥ 160 mmHg e/ou PAD ≥ 110 mmHg

7
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

tem duração maior que 15 minutos, são se, assim, os efeitos negativos sobre o
referidas como crises hipertensivas e devem estado fetal (FEBRASGO, 2018).
ser sempre tratados com eficiência e A Federação Brasileira de Ginecologia
rapidez. Para isso, as pacientes devem ser (FEBRASGO) e o Ministério da Saúde,
internadas e/ou encaminhadas para centros preconizam que nos casos de crises
de referência, a fim de se investigar hipertensivas, devem ser usadas as
comprometimentos de órgãos-alvo e as seguintes drogas: a hidralazina que é um
condições fetais. O objetivo do tratamento é vasodilatador periférico, o bloqueador de
diminuir a PA em 15% a 25%, atingindo-se canais de cálcio, nifedipina, e o
valores da PAS entre 140 e 150 mmHg e da vasodilatador venoso e arterial, nitroprus-
PAD entre 90 e 100 mmHg. Devem ser siato de sódio (FEBRASGO, 2018;
evitadas quedas bruscas da PA, pelos riscos BRASIL, 2012). A Tabela 31.3 mostra o
maternos (acidente vascular cerebral, esquema de administração desses fármacos
infarto) e pela redução em demasia da nas crises hipertensivas na gravidez.
perfusão uteroplacentária, potencializando-

Tabela 31.3 Agentes recomendados para o tratamento da crise hipertensiva em gestantes

Agente Dose inicial Repetir, se necessário Dose máxima


Hidralazina 5 mg 45 mg
5 mg, a cada 20 minutos
Ampola de 20 mg/ml Via intravenosa
Nifedipina 10 mg 10 mg, a cada 20-30
30 mg
Comprimido de 10 mg Via oral minutos (Via oral)
Nitroprussiato de sódio 0,5 a 10 mcg/kg/min Infusão
Ampola 50 mg/2 mL intravenosa contínua
Fonte: Adaptação de Peraçoli JC, Borges VT, Ramos JG, Cavalli RC, Costa SH, Oliveira LG, et al. Pré-
eclâmpsia/eclâmpsia. São Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO);
2018. (Protocolo FEBRASGO – Obstetrícia, nº 8/Comissão Nacional Especializada em Hipertensão na Gestação)

Aqui cabe ressaltar que há dados na disponíveis atualmente na literatura


literatura que indicam o uso do bloqueador sugerem que os agentes anti-hipertensivos
adrenérgico labetalol intravenoso como devem ser administrados em cerca de 30-60
primeira linha no tratamento das crises min. Uma vez obtidas as reduções desejadas
hipertensivas na gestação devido a sua nas pressões sistólica e diastólica, inicia-se
efetividade, com rápido início de ação e um ou otimiza-se rapidamente a utilização dos
bom perfil de segurança, sendo essa anti-hipertensivos de manutenção por via
recomendação inclusive adotada pelo oral (ACOG, 2020) (FEBRASGO, 2018;
Colégio Americano de Obstetrícia e NETO, SOUZA E AMORIM, 2010).
Ginecologia (ACOG) (ACOG, 2020).
Não há ainda na literatura consenso 3.4.2. Convulsões
sobre a melhor droga a ser usada na A terapia anticonvulsivante é indicada
emergência hipertensiva. As evidências para prevenir convulsões recorrentes em

8
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

mulheres com eclâmpsia, assim como o b) Gestantes com pré-eclâmpsia grave


aparecimento de convulsões naquelas com admitidas para conduta expectante nas
pré-eclâmpsia. O sulfato de magnésio - primeiras 24 horas;
MgSO4 - é a droga de eleição para tal c) Gestantes com pré-eclâmpsia grave nas
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012). quais se considera a interrupção da
Revisões sistemáticas indicam que o sulfato gestação;
de magnésio é mais seguro e eficaz do que d) Gestantes com pré-eclâmpsia nas quais
fenitoína, diazepam ou cocktail lítico se indica a interrupção da gestação e
(clorpromazina, prometazina e petidina) existe dúvida se a terapia
para a prevenção de convulsões recorrentes anticonvulsivante deve ser utilizada (a
em eclâmpsia, além de ter baixo custo, critério do médico assistente).
facilidade de administração e não causar A Tabela 31.4 mostra o esquema de
sedação. Ademais, recentemente a administração do sulfato de magnésio para
exposição fetal à terapia com sulfato de prevenção e tratamento de eclâmpsia. O
magnésio se mostrou como importante MgSO4 pode ser utilizado durante o
arma na redução dos casos de paralisia trabalho de parto, parto e puerpério,
cerebral e disfunção motora grave em devendo ser mantido por 24 horas após o
recém-nascidos prematuros (< 32 semanas parto, se iniciado antes do mesmo. Quando
de gestação) (FEBRASGO, 2018). Deve ser iniciado no puerpério, deve ser mantido por
utilizado nas seguintes situações: 24 horas após a primeira dose.
a) Gestantes com eclâmpsia;

Tabela 31.4 Esquemas do MgSO4 para prevenção e tratamento da eclampsia

Esquema de Pritchard (intravenoso e intramuscular):

Dose inicial: 4g por via intravenosa (bolus), administrados lentamente + 10g intramuscular (5g em cada
nádega). b

Dose de manutenção: 5g por via intramuscular profunda a cada 4 horas. b

Esquema de Zuspan (intravenoso exclusivo):

Dose inicial: 4g por via intravenosa (bolus), administrados lentamente. a

Dose de manutenção: 1g por via intravenosa por hora em bomba de infusão contínua (BIC).c
a
Preparação da dose de ataque intravenosa: MgSO4 50% – 1 ampola contém 10 mL com 5g de MgSO4.
Diluir 8 mL de MgSO4 50% (4g) em 12 mL de água destilada ou soro fisiológico. A concentração final terá
4g/20 mL. Infundir a solução por via intravenosa lentamente (15-20 minutos). Outra possibilidade: diluir 8 mL
em 100 mL de soro fisiológico a 0,9%. Infundir em bomba de infusão contínua a 300 mL/h. Assim o volume
total será infundido em torno de 20 minutos.
b
Preparação da dose de manutenção no esquema de Pritchard: Utilizar 10 mL da ampola de MgSO4 50%.
Outras apresentações não devem ser utilizadas para esse esquema devido ao volume excessivo delas.

9
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

c
Preparação da dose de manutenção no esquema de Zuspan: Diluir 10 de MgSO4 50% (1 ampola) em 490
mL de soro fisiológico a 0,9%. A concentração final terá 1g/100 mL. Infundir a solução por via intravenosa na
velocidade de 100 mL por hora.
Fonte: Peraçoli JC, Borges VT, Ramos JG, Cavalli RC, Costa SH, Oliveira LG, et al. Pré-eclâmpsia/eclâmpsia. São
Paulo: Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO); 2018. (Protocolo
FEBRASGO – Obstetrícia, nº 8/Comissão Nacional Especializada em Hipertensão na Gestação).

O obstetra não deve ter receio quanto ao sua realização é baseada em uma
uso do MgSO4, uma vez que as chances de combinação de fatores, incluindo gravidade
complicações relacionadas a essa medica- da doença, condição materna e fetal e idade
ção são raras e deixar de administrá-la é gestacional, sendo possível inclusive o
mais temerário do que a ocorrência de manejo expectante em casos selecionados.
qualquer risco. Nos casos de recorrência da
crise convulsiva, administram-se mais 2g 3.5.1. Conduta expectante
do sulfato de magnésio por via endovenosa O manejo expectante, é razoável em
(bolus) e utiliza-se como manutenção a dose casos selecionados para reduzir a
de 2 g/h. Se dois desses bolus não morbidade neonatal em decorrência do
controlarem as convulsões, a droga de nascimento prematuro imediato, embora
escolha será a difenil-hidantoína em seu frente a essa escolha a mãe e o feto correm
esquema clássico (dose de ataque: 250 mg risco de complicações da possível
+ SG 5% 250 ml IV em gotejamento até progressão da doença. O manejo expectante
completar a dose total de 750 mg; dose de permite a administração de um curso de
manutenção: 100 mg 8/8h IV e, a seguir, corticosteroides pré-natais e fornece tempo
100 mg 8/8h VO, até a alta) para o estratégico para crescimento e maturação
tratamento de crises convulsivas. fetal.
Recomenda-se a manutenção do sulfato de Estudos prévios demonstram que o
magnésio durante 24 horas após a resolução manejo expectante durante o segundo
da gestação ou após a última crise trimestre de gestação leva a uma
convulsiva. morbimortalidade materna e fetal elevada,
sendo que 25% a 63% das mães
3.5. Tratamento da pré-eclâmpsia desenvolveram complicações graves, inclu-
Uma vez que o diagnóstico da pré- indo a síndrome HELLP, insuficiência
eclâmpsia é realizado e as medidas iniciais renal, descolamento prematuro da placenta,
de emergência são definidas, o parto edema pulmonar e eclâmpsia. Mesmo em
consiste no único tratamento definitivo que casos em que o feto sobrevive, as
efetivamente previne o desenvolvimento de complicações a curto, médio e longo prazo
complicações maternas ou fetais decorren- são consideráveis.
tes da progressão da doença. Assim, apesar Por outro lado, os resultados da conduta
de o parto, de fato, levar à resolução final da expectante durante o terceiro semestre em
doença, a escolha do momento ideal para alguns casos mostraram-se favoráveis. Para
a considerar essa abordagem, tanto a mãe

10
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

quanto o feto devem apresentar-se apenas por critérios laboratoriais, o estudo


clinicamente estáveis, com monitorização de Odendaal aponta para o benefício para o
intensiva, em um ambiente hospitalar com recém-nascido se as anormalidades
um nível apropriado de atenção ao recém- laboratoriais maternas se resolverem dentro
nascido, e acompanhamento por um de 24 a 48 horas após a hospitalização
especialista em medicina materno-fetal. A (ODENDAAL, 1990).
maioria dos guidelines consideram possível
a abordagem expectante em pacientes entre 3.5.2. Parto antecipado
24 e 34 semanas de gestação. Após este A pré-eclâmpsia é, geralmente,
período, acredita-se também ser interes- considerada como uma indicação para parto
sante para melhores desfechos fetais sem em gestações ≥ 34 semanas de gestação. O
comprometimento materno quando a parto minimiza o risco de complicações
paciente apresenta pré-eclâmpsia sem sinais maternas graves, como mostradas na
de gravidade (BROEKHUIJSEN, 2015). Tabela 31.5, e complicações fetais,
Para pacientes com pré-eclâmpsia com potencialmente fatais e repentinas.
sinais de gravidade após 34 semanas, os Gestações em que o feto não atingiu a
guidelines atuais da ACGO defendem o idade gestacional de 34 semanas, que
parto em até 48 horas (ACOG, 2020). apresentam trabalho de parto prematuro ou
Embora não exista benefício para a mãe ruptura de membranas antes do parto, e
em continuar a gravidez, os benefícios gestações em que a condição materna ou
neonatais do tempo adicional para o fetal é instável, também são candidatas ao
crescimento e maturação intra-útero são parto. A tentativa de prolongar a gravidez
substanciais (ACOG, 2020). Em uma frente a estes cenários sujeita, tanto a mãe
metanálise de MAGEE (2009), a conduta quanto o feto, a riscos significativos com
expectante prolongou a gestação em média benefícios potenciais relativamente peque-
2 semanas, melhorou os desfechos nos. Portanto, o parto antecipado, nestes
neonatais e demonstrou baixo risco para as casos, também é preferível (FEBRASGO,
gestantes. O estudo de MULDER (2020) 2018).
demonstrou que com o prolongamento a) Critérios maternos
médio de gravidez com a conduta Existem situações clínicas, mostradas
expectante de 10 dias, observou-se uma na Tabela 31.5, em que os riscos associados
diminuição da mortalidade infantil e um à conduta expectante são maiores do que os
aumento do risco de albuminúria benefícios potenciais, por exemplo: instabi-
moderadamente elevada, mas não foi lidade hemodinâmica, síndrome HELLP,
associado à disfunção cardíaca sistólica ou eclâmpsia, descolamento prematuro de pla-
diastólica, hipertensão persistente ou centa, hipertensão refratária ao tratamento,
síndrome metabólica. cefaleia intensa ou cefaleia progressiva
Para mulheres assintomáticas com pré- persistente, anormalidades visuais caracte-
eclâmpsia com características graves rísticas, déficit motor ou sensorium

11
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

alterado, edema agudo de pulmão com ou ideal de parto, antes de 32-34 semanas, é um
sem comprometimento cardíaco, alterações dilema devido à incerteza no balanço entre
laboratoriais progressivas como tromboci- a segurança da mãe (término da gestação) e
topenia e elevação de enzimas hepáticas, a maturidade fetal (expectante)
insuficiência renal com níveis aumentados (MALACHIAS et al., 2016)
de ureia e de creatinina, oligúria e anasarca O sofrimento fetal é diagnosticado pelos
(ACOG, 2019). exames disponíveis para avaliação da
Nessas circunstâncias, a intervenção vitalidade, como cardiotocografia, doppler-
deve ser realizada, independentemente da velocimetria e ultrassonografia (ALVES,
idade gestacional, mesmo que a segunda 2013). São critérios fetais para interrupção
dose ou efeito máximo de corticosteroide da gestação na pré-eclâmpsia grave abaixo
não tenha sido administrado ou alcançado. de 34 semanas: crescimento fetal abaixo do
É importante ter em mente que os sinais e percentil 5; índice de líquido amniótico < 5
sintomas de gravidade da pré-eclâmpsia cm; perfil biofísico ≤ 4 em duas ocasiões
podem ser transitórios, cabendo a neces- com 4 horas de intervalo; desacelerações
sidade de avaliações clínicas e laboratoriais fetais tardias repetidas na cardiotocografia;
periódicas precedentes à indicação do parto doppler venoso com onda A patológica;
(ACOG, 2019). morte fetal; suspeita de descolamento
b) Critérios fetais prematuro de placenta; ruptura prematura
O parto precoce em pacientes com pré- de membranas ou início de trabalho de parto
eclâmpsia pode estar associado à (FEBRASGO, 2018).
diminuição da mortalidade. O momento

Tabela 31.5 Condições adversas e complicações graves que indicam o parto antecipado

Sinais que indicam o risco Complicações graves que exigem parto


Sistema afetado
aumentado de complicações antecipado

Eclâmpsia
Síndrome de leucoencefalopatia reversível
Sistema posterior
nervoso Cefaleia e sintomas visuais Cegueira cortical
Central Descolamento de retina
Escala de coma de Glasgow < 13
AVE, AIT

Hipertensão severa descontrolada por mais de


12 horas apesar do uso de 3 anti-hipertensivos;
Saturação de oxigênio <90%; Necessidade de
Dispneia
Cardiovascul oxigênio >50% por> 1 hora;
Dor torácica
ar Intubação
Saturação < 97%
Edema pulmonar
Suporte inotrópico positivo
Isquemia miocárdica ou infarto

Hematológico Leucocitose Contagem de plaquetas <50 x 109 / L

12
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

RNI ou PTTa elevado Transfusão de qualquer produto sanguíneo


Plaquetopenia

Lesão renal aguda (creatinina> 150 MIN sem


Creatinina elevada
Renal doença renal prévia) s Nova indicação para
Ureia elevada
diálise

Náuseas e /ou vômitos


Dor em Hipocôndrio direito Disfunção hepática (INR> 2 na ausência de
Hepático ALT, AST, LDH, bilirrubinas DIC ou varfarina) s Hematoma hepático ou
elevadas ruptura
Albumina diminuída

Ritmo cardíaco fetal não tranquili-


zador
Descoberta com evidência de
Feto- Crescimento intrauterino restrito
comprometimento materno ou fetal
placentário Oligohidrâmnio
Onda reversa do ducto venoso.
Fluxo diastólico ausente ou retrógra-
do ao doppler da artéria umbilical
Fonte: Traduzido de: Magee LA, Pels A, Helewa M, Rey E, von Dadelszen P; Canadian Hypertensive Disorders
of Pregnancy (HDP) Working Group. Diagnosis, evaluation, and management of the hypertensive disorders of
pregnancy. Pregnancy Hypertens. 2014; 4(2):105-45

3.5.3. Vias de parto possíveis termo, com colo uterino desfavorável,


A escolha da via de parto é baseada em pode-se promover o preparo do colo uterino
indicações obstétricas padrão. Dados com misoprostol ou sonda de Foley, a fim
observacionais sugerem que a decisão de de se obter maior sucesso com o parto
acelerar o parto, mesmo no cenário de pré- vaginal (FEBRASGO, 2018). Estudos
eclâmpsia com características de doença retrospectivos comparando a indução do
grave, não obriga ao parto cesáreo imediato parto vaginal com o parto cesáreo em
(UPTODATE, 2021). Dessa forma, o parto mulheres com critérios de gravidade e < 37
vaginal deve ser preconizado, tanto na semanas concluiu que a indução de trabalho
prematuridade quanto no termo, podendo- era favorável, não sendo prejudicial para
se realizar os procedimentos de preparo do bebês de baixo peso (ACOG, 2020).
colo diante da vitalidade fetal preservada. Quando se indicar o parto cesáreo na
Entretanto, casos de pré-eclâmpsia com síndrome HELLP, com contagem de
deterioração clínica e/ou laboratorial e colo plaquetas inferior a 50.000/mm3, reco-
uterino desfavorável são situações de pouca mendam-se avaliar coagulograma; realizar
segurança para aguardar a evolução do anestesia geral; repor plaquetas no ato
trabalho de parto, sendo a cesárea cirúrgico e realizar hemostasia cuidadosa
justificável. O procedimento também se (FEBRASGO, 2018).
justifica diante de alterações na vitalidade
fetal (FEBRASGO, 2018). 3.5.4. Manejo do RN prematuro
Em situações de pré-eclâmpsia sem A indução da maturidade pulmonar fetal
sinais de deterioração e evidentemente no com corticosteroide pode ser feita em

13
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

gestações com menos de 34 semanas nas plaquetopenia a principal e a mais precoce


quais o nascimento esteja previsto para as alteração (FEBRASGO,2018).
próximas 24 ou 48 horas. Havendo
indicação de cesariana eletiva (sem trabalho 4. CONCLUSÃO
de parto), em gestante com menos de 39
semanas, o uso de corticoide para As emergências hipertensivas durante a
maturação pulmonar traz benefício por gestação são a principal causa de
diminuir a necessidade de internação em morbimortalidade materna e neonatal.
UTI neonatal para ventilação mecânica do Dentre elas, foi destacado nesta revisão a
recém-nascido (FEBRASGO, 2018). pré-eclâmpsia, que apresenta pior
prognóstico em situações em que há poucos
3.6. Síndrome HELLP recursos, atrasos na triagem, transporte e
A síndrome HELLP refere-se a uma tratamento de pacientes.
emergência obstétrica marcada pela As condutas perante um caso de pré-
associação de hemólise, aumento de eclâmpsia consistem na expectante e na
enzimas hepáticas e plaquetopenia, caracte- antecipação do parto. Esse último apresenta
rizando um possível comprometimento menores chances de complicações relacio-
hepático-hematológico da pré-eclâmpsia. nadas à morbimortalidade materna e fetal.
Desenvolve-se em 10 a 20% das gestantes A antecipação do parto é preconizada
com pré-eclâmpsia grave e eclâmpsia. quando a idade gestacional é maior que 34
Sendo assim, na presença de semanas e deve ser tomada sempre que os
trombocitopenia em um paciente com pré- riscos superam os benefícios da conduta
eclâmpsia, deve-se pensar em HELLP expectante. Em relação à via de parto, a
(FEBRASGO, 2018). Sua fisiopatologia vaginal é preferida sobre a cesárea, devendo
está relacionada com a anemia hemolítica a última ser realizada quando a situação
microangiopática e ao vasoespasmo no clínica não possibilita a espera do trabalho
fígado materno. As manifestações geral- de parto.
mente são inespecíficas, podendo gerar Logo, percebe-se que o diagnóstico da
mal-estar, epigastralgia, náuseas e cefaleia. pré-eclâmpsia deve ser feito o mais
A partir da suspeita de pré-eclâmpsia, a precocemente possível, a fim de que o
confirmação diagnóstica deve ser realizada, manejo acurado seja feito. Por fim, ressalta-
ainda na fase assintomática, através de se que a conduta deve ser individualizada,
parâmetros laboratoriais - bilirrubina > 1,2 adequando-se a cada condição clínica da
mg/dl , LDH ≥ 600 U/L , TGO ≥ 70 UI, mulher e de seu bebê, haja vista que isso é
plaquetas < 100.000/mm3 - sendo a de suma importância para a redução das
suas implicações na saúde materno-fetal.
.

14
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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& Gynecology, v. 133, n. 2, p. 1-1, 2019.

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15
Capítulo 31
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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hypertension in pregnants. Einstein (São Paulo), São Paulo, v. 18, eAO4682, Oct. 2019.

16
Capítulo 32
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 32
CETOACIDOSE DIABÉTICA
NA EMERGÊNCIA: UMA
REVISÃO DE LITERATURA

Palavras-chave: Cetoacidose diabética; Diabetes mellitus; Emergências.

LUIZ FERNANDO BENAZET¹


ALEXANDRE RIBEIRO DE OLIVEIRA¹
CAROLINE SUEMI SASAKI¹
CATHERINE ALEXIA YOSHIKAWA¹
FERNANDA MAGALHÃES FERNANDES¹
GABRIELA MAYUMI UEHARA¹
ISABELA DE ALENCAR GONÇALES¹
KAREN ARAÚJO MAGALHÃES¹
LARA AZAMBUJA CANAVARROS¹
LAYALA STEFANE DE P. BARBOSA¹
LUIZ FELLYPPE NUNES GONDIM¹
NATHALY CASTRO RIBEIRO¹
RAFAEL BRAVARESCO FIORANTE¹
TÚLIO MÁXIMO SALOMɹ
VIRGINIA DEMARCHI KAPPEL TRICHEZ²

1
Discente – Medicina da Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD).
2
Docente– Medicina da Universidade Federal da Grande Dourados
(UFGD).

17
Capítulo 32
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO graves emergências em pacientes diabéticos


e é preciso saber manuseá-la adequa-
Diabetes mellitus (DM) é uma doença damente. Portanto, o objetivo deste trabalho
que ocorre devido à ineficiência ou à é salientar a importância da CAD como
ausência da produção da insulina. Essa emergência médica, e reforçar como
enfermidade é classificada em tipo 1, identificar e manuseá-la adequadamente.
caracterizada pela pouca ou nenhuma
produção do hormônio pelo pâncreas, 2. MÉTODO
sendo, portanto, uma doença autoimune; e
em tipo 2, quando o organismo não utiliza Este trabalho se trata de uma revisão
eficientemente a insulina, adquirindo integrativa realizada no período de maio a
resistência ao hormônio. Uma das junho, a partir de bibliografia científica
principais complicações agudas decorrentes disponível na base de dados PubMed. Para
da diabetes mellitus é a cetoacidose a busca, foi utilizada a associação entre as
diabética (CAD), que é consequência de um palavras-chave “diabetic ketoacidosis”
déficit ou ausência total na produção de AND “emergencies”, da qual foram
insulina associada a um aumento relativo encontrados 113 artigos, os quais foram
dos hormônios contrarreguladores, tais então submetidos aos critérios de seleção.
como cortisol e o glucagon. Os critérios de inclusão abrangiam
Ainda que a ocorrência da CAD esteja artigos nos idiomas inglês ou português,
majoritariamente ligada ao DM1, sua disponíveis na íntegra, e que abordassem a
manifestação em pacientes com DM2 temática da cetoacidose diabética no
representa por volta de 34% dos casos. contexto da emergência. Não foram
Além de sua manifestação ser mais comum utilizados filtros para tipos de estudo nem
em mulheres, jovens e minorias étnicas, a período específicos de publicação dos
incidência da CAD também está artigos. Os critérios de exclusão foram:
relacionada ao baixo status socioeconô- artigos duplicados, artigos que não
mico, sendo que fatores como baixa renda abordassem a proposta estudada e/ou que a
familiar e baixo nível educacional do abordassem secundariamente a outra
paciente contribuem para o alto índice de temática. Após esta triagem pelos critérios
recorrência da CAD. Com o surgimento da de seleção, 13 artigos foram escolhidos para
insulina na década de 20 e sua utilização no leitura e desenvolvimento do presente
tratamento da CAD aliada a antibiotico- trabalho.
terapia e hidratação adequada, a taxa de Com isso, os resultados foram
mortalidade por conta dessa complicação apresentados de forma descritiva, sendo a
foi reduzida de 90% para menos de 20%. escrita embasada nos dados obtidos dos
A respeito disso, mesmo que a artigos e complementada por informações
prevalência da cetoacidose diabética tenha das Diretrizes da Sociedade Brasileira de
reduzido, ela ainda representa uma das mais Diabetes (2019-2020).

18
Capítulo 32
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO inevitavelmente perdas extras de potássio e


sódio. Apesar da deficiência significativa de
A CAD é um quadro clínico originado potássio corporal total, inicialmente o
em decorrência de uma metabolização potássio sérico está normal ou elevado,
incorreta de carboidratos, gordura e devido à migração extracelular do potássio
proteínas, proporcionando um desarranjo de em resposta à acidose. Contudo, concen-
eletrólitos e fluidos à baixa concentração de trações de potássio geralmente caem mais
insulina, ou seja, o organismo metaboliza durante o tratamento, feito com insulina que
erroneamente triglicerídeos e aminoácidos leva o potássio para o interior celular. Se o
ao invés de glicose para sobreviver, potássio sérico não for monitorado e reposto
causando uma concentração plasmática de quando preciso, pode ocorrer hipopotas-
glicerol e ácidos graxos livres elevada, isso semia potencialmente fatal.
em virtude de não controlar a lipólise, assim O glucagon também estimula a
como alanina, do catabolismo muscular. conversão mitocondrial de ácidos graxos
Isso ocorre por causa da queda da livres em cetonas. A insulina normalmente
efetividade da insulina circulante devido bloqueia a cetogênese pela inibição do
aos hormônios contrarreguladores, como transporte de derivados de ácidos graxos
epinefrina, glucagon, norepinefrina, livres na matriz mitocondrial, mas a
cortisol e hormônio do crescimento (GH). cetogênese prossegue na ausência de
Em suma, a baixa concentração de insulina insulina. Os principais cetoácidos produ-
faz com que o organismo metabolize zidos, os ácidos acetoacético e beta-
triglicerídeos e aminoácidos no lugar de hidroxibutírico, são ácidos orgânicos fortes
glicose para sobreviver, e isso eleva a que causam acidose metabólica. A acetona
contração plasmática de glicerol e ácidos derivada do ácido acetoacético acumula-se
graxos por não ocorrer a lipólise no sangue e é eliminada lentamente pela
(CORWELL et al., 2014). O glicerol e a respiração.
alanina fornecem substrato para a A hiperglicemia causada pela
gliconeogênese hepática, essa é incentivada deficiência de insulina causa diurese
pelo excesso de glucagon que acompanha a osmótica que provoca perda significativa de
insuficiência de insulina. água e eletrólitos na urina. A excreção
Tendo isso em vista, a CAD é uma urinária de cetonas causa necessariamente
complicação metabólica aguda do diabetes perdas adicionais de sódio e potássio. O
caracterizada por hiperglicemia, hiperceto- sódio sérico pode cair em razão da
nemia e acidose metabólica (UMPIERREZ natriurese ou aumentar em virtude da
& KORYTKOWSKI, 2016). A hiperglice- excreção de grandes volumes de água livre.
mia causada pelo déficit de insulina Ocorre também perda de potássio em
desencadeia diurese osmótica provocando grandes quantidades. Apesar do déficit
perda significativa de água e eletrólitos na significativo de potássio corporal total,
urina. A excreção urinária de cetonas causa inicialmente o potássio sérico inicial está

19
Capítulo 32
TRAUMA E EMERGÊNCIA

normal ou elevado, devido à migração hiperglicêmicas, tendo como principal


extracelular do potássio em resposta à característica a presença de corpos
acidose. As concentrações de potássio cetônicos urinários na CAD e em pequena
geralmente caem mais durante o tratamento, quantidade nos achados laboratoriais da
à medida que o tratamento com insulina SHH. O diagnóstico para CAD também
leva o potássio para o interior das células. requer uma classificação de gravidade em
Se o potássio sérico não for monitorado e leve, moderada ou grave. Os parâmetros
reposto quando necessário, pode ocorrer para isso envolvem níveis de cetonúria, de
hipopotassemia potencialmente fatal glicose, de HCO3, o hiato aniônico, a
(FAYFMAN et al., 2017). osmolaridade e o pH (MUNEER &
Para o diagnóstico da CAD, é necessário AKBAR, 2021).
se atentar à existência de mecanismos Quanto ao tratamento, a Sociedade
patofisiológicos semelhantes entre ela e a Brasileira de Diabetes (2019) indica um
síndrome hiperglicêmica hiperosmolar roteiro para a remediação das crises
(SHH). Em ambas enfermidades, ocorre a hiperglicêmicas agudas. Entre as
redução da produção e ação da insulina intervenções estão: manutenção das vias
junto com alta nas taxas de hormônios aéreas pérvias, correção da desidratação e
contrarreguladores, produzindo sinais e dos distúrbios eletrolíticos, redução da
sintomas, de forma lenta e progressiva, hiperglicemia e da osmolaridade, e
parecidos com os da DM descompensada, identificação e tratamento do fator
sendo a sonolência, polidipsia, poliúria e precipitante da crise, que muitas vezes pode
sinais de desidratação comuns (SBD, 2019; ser infecções, acidentes vasculares
GOUVEIA & CHOWDHURY, 2013; cerebrais (AVCs), traumas, entre outros
FAYFMAN et al., 2017). Em casos nos (SBD, 2019).
quais a desidratação é intensa, dores A prevenção da CAD está relacionada
abdominais também podem ser encontradas ao diagnóstico precoce de pacientes tanto
devido à dificuldade de deslizamento da com DM1, quanto com DM2 (embora seja
pleura e do peritônio. Na CAD, é possível mais prevalente nos casos de DM1),
verificar, durante o exame físico do tornando necessário o rastreamento precoce
paciente com acidose, quadros de de pacientes pelas equipes de saúde,
hiperpneia, extremidades frias, face introduzindo rapidamente tratamentos,
hiperemiada, diminuição do tônus muscular mudanças no estilo de vida e conhecimentos
e pressão arterial variante, podendo ocorrer, necessários para o automonitoramento do
inclusive, choque hipovolêmico quando a paciente. Os critérios para a testagem da
remediação desse estado é demorada (SBD, população para o rastreamento de pacientes
2019). com DM2 assintomáticos são a idade acima
Nesse sentido, a Associação Americana de 45 anos com sobrepeso/obesidade
de Diabetes classificou uma tabela de somada a um ou mais dos seguintes fatores:
critérios para diferenciar essas emergências pré-diabetes, histórico familiar com DM,

20
Capítulo 32
TRAUMA E EMERGÊNCIA

etnia (negros e hispânicos), mulheres com prevenir CAD, já que a reserva do hormônio
diabetes gestacional, histórico de doença no corpo é muito limitada nestes pacientes,
cardiovascular e hipertensão. sendo necessária a instrução para carregar
Os critérios para rastreamento de sempre uma reserva de insulina de longa
pacientes com DM1 são semelhantes aos da duração.
DM2, porém a doença é mais frequente na Do ponto de vista da terapia nutricional,
infância e na adolescência, e a alcançar um bom controle metabólico é
sintomatologia geralmente já é mais fundamental para o manejo da DM. Assim,
chamativa, sendo a CAD uma das primeiras a intervenção nutricional por um
manifestações em um terço dos casos. Para profissional especialista tem impacto
o diagnóstico rápido da CAD em situações significativo na redução da HbA1c no DM1
como primeira consulta com paciente e DM2, devendo ser adotada uma dieta com
descompensado ou em lugares remotos, baixo teor calórico, mas de forma
hiperglicemia hospitalar, pronto-socorro, individualizada seguindo preferencialmente
cirurgia de emergência em diabético, dentre a culinária regional e cultural do paciente,
outros, a aferição da hemoglobina glicada visando, desta forma, a maior adesão do
(HbA1c) por meio de testes Point of Care, paciente na mudança do estilo de vida.
pela coleta de uma gota de sangue, não Além disso, a garantia de acesso a
sendo necessário jejum, facilita a tomada de medicamentos, como a insulina, por
decisão no momento da consulta, programas de assistência social é essencial
prevenindo um quadro de CAD. para reduzir lapsos no tratamento de
Em pacientes já diagnosticados com pacientes socioeconomicamente vulnerá-
DM1, o automonitoramento diário da veis, e, consequentemente, hospitalizações
glicemia capilar evita a ocorrência da CAD, por emergências de hiperglicemias (DIS-
permitindo ao indivíduo relacionar os SANAYAKE et al., 2004). Portanto, nota-
alimentos e atividades físicas que são se imprescindível também a atuação das
determinantes nos seus resultados ESFs, a partir de equipes multidisciplinares,
glicêmicos, bem como ajustar a dose de que promovem uma educação nutricional e
insulina em tempo real caso necessário, da saúde como um todo, incentivando a
favorecendo traçar estratégias de controle prática de exercícios físicos aeróbicos e de
glicêmico e cetônico consequentemente. autocuidados aos indivíduos em grupo de
Em crianças e adolescentes usuários de risco, especialmente aqueles em situação de
bomba de insulina especialmente, o pré-diabetes, prevenindo a evolução para
monitoramento cetônico com fitas para DM2 (SBD, 2019; FAYFMAN et al., 2017;
aferição capilar deve ser realizado quando o DISSANAYAKE et al., 2004).
paciente estiver doente e com
hiperglicemias ≥ 250mg/dL (SBD, 2019). 4. CONCLUSÃO
Em caso de falha da bomba, podem ser
necessárias múltiplas injeções diárias para A hiperglicemia, decorrente da
resistência à insulina ou pela menor

21
Capítulo 32
TRAUMA E EMERGÊNCIA

secreção pancreática deste hormônio, de custos ao sistema de saúde, cuja escassez


associada à contra regulação glicêmica de recursos financeiros atualmente gera
caracteriza a CAD e a SHH. As prejuízos à comunidade.
manifestações clínicas para ambas se Além da redução da hospitalização, a
assemelham à DM descompensada, sendo o educação em diabetes é capaz de reduzir a
exame físico um fator significativo para mortalidade das emergências diabéticas de
avaliar sintomas gerados pelo agravamento 25% para 10%. Por outro lado, pacientes
da acidose e pela remediação tardia em que são adequadamente tratados, mas que
casos de CAD. Em emergências, as não receberam nenhuma medida específica
condutas médico-hospitalares incluem a de educação, tendo pequeno conhecimento
restauração dos fluidos e perfusão tecidual, sobre a doença, têm maiores taxas de
na correção do desequilíbrio eletrolítico e complicações e morte. Dessa forma, é
das taxas de glicose, na resolução da preciso que haja entendimento e
cetoacidose por insulinoterapia e na empoderamento do paciente sobre a
identificação e no manejo de fatores enfermidade (LEVETAN et al., 1997).
precipitantes que podem agravar o quadro, Preferencialmente, o processo de
além do monitoramento dos níveis de empoderamento deve ser feito por um
consciência e sinais vitais. O controle de profissional de saúde especialista em
parâmetros bioquímicos e laboratoriais diabetes. O paciente, ou seu cuidador, deve
também auxilia no diagnóstico diferencial e ser alertado sobre a importância de dar mais
na classificação da gravidade da CAD. atenção ao seu estado de saúde durante os
A princípio, as emergências hipergli- “dias de doença” (sick days), quando as
cêmicas, incluindo a CAD, são passíveis de chances de complicação e hospitalização
prevenção (FAYFMAN et al., 2017), a qual são maiores. Ele deve ser educado sobre
deve ser encorajada, visto que diminui como realizar sua hidratação, sobre a
morbimortalidade, aumenta a qualidade de importância da monitorização glicêmica e
vida e reduz custos ao sistema de saúde. As das cetonas, da aplicação contínua da
principais medidas para prevenção desta insulina basal, sempre entrando em contato
complicação são a promoção de saúde e a com o profissional de saúde se necessário.
educação dos pacientes sobre a doença e seu Pacientes que utilizam bomba de infusão
manejo. Segundo Levetan e colaboradores contínua precisam ser alertados para o risco
(1997), a média de custo de hospitalização de CAD caso haja falhas no aparelho,
do paciente em emergência hiperglicêmica possuindo o contato de emergência do
é de 7 500 dólares nos EUA. Sabe-se que o suporte técnico de fácil acesso, bem como a
cuidado multidisciplinar e o fácil acesso aos disposição de insulina injetável de longa
profissionais de saúde pelo paciente são duração (MUNEER & AKBAR, 2021).
capazes de reduzir o número de Estudos clínicos prospectivos
hospitalizações. Dessa forma, a prevenção identificaram que a má aderência à
desse evento é necessária para a diminuição insulinoterapia é o principal precipitador da

22
Capítulo 32
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAD em algumas populações. Os pacientes adolescentes provenientes de comunidades


devem ser instruídos sobre o ajuste das menos privilegiadas.
doses de insulina, sobre a contagem de Por fim, a educação dos profissionais de
carboidratos, principalmente nos sick days, saúde também é de grande importância,
dando ênfase no fato de que a insulina pois resulta em intervenção precoce,
nunca deve ser descontinuada. Intervenções manejo de complicações e diminuição de
educacionais que focam no monitoramento futuras admissões. Outra medida
glicêmico reduzem substancialmente a importante seria a implementação, pelos
frequência e a severidade das emergências serviços de saúde, de protocolos próprios
(FAYFMAN et al., 2017). É preciso dedicar para o tratamento das emergências
atenção especial aos pacientes oriundos de hiperglicêmicas, visto que muitos
comunidades economicamente vulneráveis, profissionais apresentam desfalques no
com menor nível educacional e pouco entendimento do manejo desses eventos
acesso aos serviços de saúde. Tais (LEVETAN et al., 1997). Devido ao avanço
comunidades são historicamente mais científico e à democratização da
afetadas pelas complicações de informação, a disponibilidade de guidelines
hiperglicemia, pela cetoacidose diabética e atualizados sobre o manejo das emergências
outras emergências hiperglicêmicas. em diabetes é muito mais ampla nos dias
(LEVETAN et al., 1997). Segundo atuais, o que traz grande benefício aos
Fayfman e colaboradores (2017), um dos pacientes e a comunidade (MUNEER &
principais fatores de risco para a recorrência AKBAR, 2021).
da CAD é a má adesão à insulinoterapia em

23
Capítulo 32
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BEIK, N. et al. Evaluation of an institution-wide guideline for hyperglycemic emergencies at a tertiary academic
medical center. Annals of Pharmacotherapy. 2013 Oct;47(10):1260-5.

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CORWELL, B. et al. Current diagnosis and treatment of hyperglycemic emergencies. Emergency Medicine Clinics
of North America 2014 May;32(2):437-52.

DISSANAYAKE, A. M. et al. Diagnostic delays of adult patients admitted to hospital with diabetic ketoacidosis.
Diabetic Medicine 2004 Mar;21(3):290-1.

FAYFMAN, M.; PASQUEL, F. J.; UMPIERREZ, G. E. Management of Hyperglycemic Crises: Diabetic Ketoacidosis
and Hyperglycemic Hyperosmolar State. Medical Clinics of North America 2017 May;101(3):587-606.

GOUVEIA, C. F.; CHOWDHURY, T. A. Managing hyperglycaemic emergencies: an illustrative case and review of
recent British guidelines. Clinical Medicine, 2013, Vol 13, No 2: 160–2.

HANLEY, R. M. 'Diabetic' emergencies. They happen with or without diabetes. Postgraduate Medical Journal 1990
Sep 1;88(3):90-6, 99.

KONICK-MCMAHAN, J. Riding out a diabetic emergency. Nursing. 1999 Sep;29(9):34-9; quiz 40.

LEVETAN, B. N.; LEVITL, N. S.; BONNICI, F. Hyperglycaemic emergencies are a common problem. South African
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MUNEER, M.; AKBAR, I. Acute Metabolic Emergencies in Diabetes: DKA, HHS and EDKA. Adv Exp Med Biol.
2021;1307:85-114.

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SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES (SBD). Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (2019-2020).


Disponível em: https://www.diabetes.org.br/profissionais/images/DIRETRIZES-COMPLETA-2019-2020.pdf. Acesso
em: 14 mai. 2020.

STRACHAN, M. W. et al. Management of cerebral oedema in diabetes. Diabetes/Metabolism Research and Reviews
2003 May-Jun;19(3):241-7.

UMPIERREZ, G.; KORYTKOWSKI, M. Diabetic emergencies - ketoacidosis, hyperglycaemic hyperosmolar state and
hypoglycaemia. Nature Reviews Endocrinology 2016 Apr;12(4):222-32.

24
Capítulo 33
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 33
RELATO DE CASO:
OSTEOMIELITE COMO
CONSEQUÊNCIA DE UM ERRO
CIRÚRGICO

Palavras-chave: Osteomielite; Fixação de Fratura; Complicações Pós-


Operatórias; Erro cirúrgico; Erro médico.

ALEXANDRE CHAVES JUBÉ OLIVEIRA¹


ALEXANDRE DE CASTRO BROMMONSCHENKEL¹
ANA CRISTINA DIAS DE FREITAS¹
CARINE MARINA DIAS GUERRA¹
DAIANY RODRIGUES TOLENTINO¹
FELIPE AUGUSTO A. DO AMARAL²
FELIPE MAGNO ALVES PEREIRA¹
GABRIELA CECÍLIA ARAÚJO VALE¹
LARA SOUZA PÊGO DE JESUS¹
LETÍCIA ISABELA DE SOUZA MOREIRA¹
MARINA VIANA MELO¹
PAULO MAURÍCIO CAMPOS VIANA¹
RAFAELA ROSSI ROCHA¹
SAMUEL FILIPPE MOTTA MARTINS DIAS¹
VINÍCIUS MENDES CARVALHO ARANTES¹

1
Acadêmicos do Curso Superior de Medicina do Centro Universitário de Belo
Horizonte (UNIBH).
2
Farmacêutico Generalista graduado pela Universidade José do Rosário
Vellano (UNIFENAS) e Acadêmico do Curso de Medicina do Centro
Universitário de Belo Horizonte (UNIBH).

1
Capítulo 33
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO Sendo assim, o objetivo deste estudo foi


apresentar um relato de caso sobre a
Segundo Hebert et al., a osteomielite é osteomielite como consequência de erro
qualquer infecção óssea que compromete o cirúrgico, o qual agravou ainda mais o pós-
osso em suas porções cortical, esponjosa, e operatório de um paciente que, ao chegar
canal medular com rápida propagação. Essa para a cirurgia, não apresentava qualquer
condição pode comprometer a vida do condição de saúde que favorecesse tal
paciente, uma vez que a destruição óssea desfecho.
causada pela necrose tende à cronificação
quando não tratada. Nesse contexto, 2. MÉTODO
também são conhecidas entre os autores da
literatura científica as dificuldades O presente capítulo foi realizado a partir
relacionadas às cirurgias que envolvem de um relato de caso obtido por escuta
fixação de fraturas distais de tíbia e fíbula qualificada do paciente, seus familiares e
(LABRONICI, 2016), bem como a revisão do prontuário. Ademais, foram
ocorrência de fatores que podem complicar consultados livros, produções científicas
a recuperação final, por exemplo, a relevantes publicadas digitalmente
osteomielite que, no pior cenário, é referentes à temática e o Código de Ética
observável o erro médico sendo canal desse Médica para análise de diagnóstico e
dano ao paciente. conduta do caso.
Concomitantemente a este cenário, a Vale ressaltar que houve o
“osteomielite crônica pós-operatória consentimento do paciente e familiares em
representa um problema de saúde fornecer os dados necessários para a
importante, devido à sua morbidade produção deste conteúdo, que receberam a
significativa e baixa taxa de mortalidade” garantia de confidencialidade das suas
(HEITZMANN et al., 2017). A maior identidades. Dessa forma, foram realizados
porcentagem de casos precedentes de três encontros em um período de três
osteomielite envolve fratura exposta, sendo semanas para coleta das informações, e
o acometimento dessa ocorrente “em menos mais duas semanas de escrita e
de 1% das fraturas fechadas em sistematização dos dados colhidos que
osteossíntese” (HEITZMANN et al., 2017), relatam o caso do paciente que sofreu
como é o caso das cirurgias fibular-tibial fratura da tíbia e da fíbula e, na cirurgia de
distais. Ademais, o erro médico, é traduzido correção da fratura, foi vítima de erro
na lei brasileira como “conduta profissional médico que desencadeou danos irreparáveis
inadequada que supõe inobservância para a sua saúde.
técnica, capaz de produzir dano à vida ou à
saúde de outrem, caracterizada por
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
imperícia, imprudência ou negligência”
Paciente L.S.S. do sexo masculino, 39
(PASSOS et al., 2009).
anos, sofreu fraturas distais de tíbia e fíbula

2
Capítulo 33
TRAUMA E EMERGÊNCIA

durante uma partida de futebol amador e, ao durou, em média, um ano e acabou


ser encaminhado até o hospital, foi desencadeando um desgaste ósseo na região
constatado pelos médicos a necessidade de reparada.
uma intervenção cirúrgica. Atualmente, o paciente apresenta
A cirurgia para fixação das fraturas com dificuldade para deambular normalmente,
haste intramedular foi realizada em um relata ainda sentir dor ao apoiar-se na perna
Hospital de Belo Horizonte/MG no mês de afetada e se encontra afastado das
dezembro de 2016 e, durante o atividades laborais.
procedimento, o médico ortopedista forçou No caso relatado nota-se que, o erro do
inúmeras vezes a passagem da broca profissional da medicina seja por imperícia,
cirúrgica, o que provocou o superaque- imprudência ou negligência, resultou em
cimento do instrumento e, consequen- danos à saúde do paciente. Segundo o art.
temente, uma lesão térmica do osso, fato 1° do cap. III do Código de Ética Médica
que foi omitido e descoberto pelo paciente (CEM), “é vedado ao médico causar dano
após o recebimento da alta. Finalizada a ao paciente, por ação ou omissão,
cirurgia, o paciente havia sido informado caracterizável como imperícia, imprudência
que o procedimento tinha alcançado êxito e ou negligência”. Sendo assim, fica evidente
tudo ocorrera bem, no entanto, quando já o descumprimento dessa legislação por
estava em casa, no momento da troca do parte do profissional. Além disso, o
curativo, ele notou um eritema local e, ao incidente foi omitido ao paciente, o que
retornar ao hospital para indagar o médico contraria mais uma vez as diretrizes do
sobre a aparência da região, foi comunicado CEM, o qual afirma, no art. 3º do cap. III,
a respeito do incidente, mas não lhe foi que “é vedado ao médico deixar de assumir
oferecido nenhum suporte. a responsabilidade de qualquer ato
A queimadura desenvolveu uma profissional que tenha praticado ou
necrose óssea e, por conseguinte, uma indicado, ainda que solicitado ou
infecção bacteriana denominada osteo- consentido pelo paciente ou por seu
mielite. Com isso, o paciente teve que representante legal”. Logo, o médico do
retornar várias vezes ao ambulatório com caso, abdicou de sua responsabilidade com
recursos próprios para tratamento da relação ao erro cometido e não ofereceu
necrose e infecção. Posteriormente, devido nenhum tipo de suporte ou assistência para
ao agravamento da lesão, a sua ida ao o paciente, a fim de reparar ou amenizar os
hospital passou a ser diária, uma vez que foi danos causados, englobando aspectos
necessária a realização de inúmeras físicos, sociais e emocionais vivenciados
antibioticoterapias. Além disso, o paciente pelo paciente.
teve que ser afastado do trabalho, pois se Tratando-se dos danos gerados, a
encontrava debilitado, e teve que passar por necrose óssea térmica provocada pelo
mais 8 cirurgias para reparo e enxerto das aumento da temperatura da broca durante a
áreas afetadas pela necrose, processo que furação do tecido, configura um estado de

3
Capítulo 33
TRAUMA E EMERGÊNCIA

morte irreversível das células ósseas vida. Estudos psicossociais e experimentos


(SAMPAIO, 2014) e que demanda muito científicos relatam os prejuízos do
cuidado e tempo para reparação. Outrossim, afastamento laboral na qualidade de vida do
a osteomielite “é uma infecção grave e paciente. A ausência do trabalho leva a
persistente do tecido ósseo, sendo, muitas dependência de terceiros e ao sentimento de
vezes, uma condição recorrente e difícil o incapacidade e improdutividade, uma vez
seu tratamento definitivo” (SPRANGER; que o indivíduo que não está inserido no
FERNANDES, 2013). Diante disso, fica contexto do mercado de trabalho pode
evidenciado a seriedade do quadro do também ser excluído das demais relações
paciente e a necessidade dos inúmeros sociais e, por conseguinte sofrendo um
procedimentos aos quais ele foi submetido processo de vulnerabilização.
que culminou em seu afastamento do
trabalho e a mudança em toda a sua rotina 4. CONCLUSÃO
de vida. Ademais, para a realização do
tratamento, devido à falta de assistência da Percebe-se que foram muitas as
equipe médica e do hospital, o paciente teve sequelas resultantes do erro médico
que arcar com todos os custos de mencionado e que o paciente ainda sofre
deslocamento em seus inúmeros retornos à com as consequências mesmo após três
instituição de saúde, o que resultou em anos do ocorrido. Além dos danos físicos
muitos gastos financeiros. gerados, também são constatados danos
Mesmo com a resolução do tratamento psicológicos, já que a dificuldade para
da infecção e do reparo da lesão necrótica, andar normalmente provocou rebaixamento
L.S.S. ainda se encontra debilitado, uma vez da autoestima do paciente, o afastamento do
que não consegue deambular normalmente trabalho provocou a sensação de
e relata dores na perna, fatores que o incapacidade e invalidez, e a falta de
impossibilita de exercer suas atividades suporte sofrida por ele causou sentimento
laborais. Segundo estudos, os trabalhadores de revolta e indignação, os quais foram
afastados possuem qualidade de vida analisados durante a entrevista.
significativamente pior, pois, o indivíduo Vale ressaltar que, o erro médico, em
que está fora do mercado de trabalho é concomitância com a falta de amparo pela
excluído de outros círculos sociais e, equipe profissional responsável por tal ato,
consequentemente, inserido em um toma proporções gigantescas na vida do
percurso de vulnerabilização (DUTRA et paciente que vão além do que se pode
al., 2016). Desse modo, é possível observar mensurar. Apesar da tentativa de explanar
também prejuízos no aspecto social e todos os seus prejuízos por parte do
emocional do paciente. A lesão física paciente, fica evidente que, em alguns
causada pela negligência médica acarretou momentos, ele não consegue descrever o
em problemas sociais e emocionais ao sentimento que aquilo lhe causa e o quanto
paciente, desfavorecendo sua qualidade de a sua vida mudou após o ocorrido. Sendo

4
Capítulo 33
TRAUMA E EMERGÊNCIA

assim, os malefícios emocionais, no reduzir os danos que lhe foram causados,


momento, foram uma característica mar- bem como os devidos responsáveis
cante observada durante o contato com o respondam pelos seus atos e sejam
paciente vítima do relato. devidamente punidos. Portanto, fica a
Nesse caso em questão, é necessário que ressalva para que os profissionais da
o paciente busque pelos seus direitos medicina tenham responsabilidade sobre
judiciais, para que, assim, ele seja suas ações e sejam solidários aos seus
compensado apropriadamente, de maneira a pacientes
.

5
Capítulo 33
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Código de Ética Médica. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções nº
2.222/2018 e 2.226/2019. Brasília, 2019.
DUTRA, Fabiana Caetano Martins Silva e; COSTA, Letícia Cardoso; SAMPAIO, Rosana Ferreira. A influência do
afastamento do trabalho na percepção de saúde e qualidade de vida de indivíduos adultos. Revista Fisioterapia e
Pesquisa, v. 23, n. 1, p. 98-104, 2016.

HEBERT, Sizínio K. et al. Ortopedia e Traumatologia: Princípios e Práticas. Artmed Editora, 2016.

HEITZMANN, Lourenço Galizia et al. Osteomielite crônica pós-operatória nos ossos longos – O que sabemos e como
conduzir esse problema. [S. l.]: Revista Brasileira de Ortopedia, 13 dez. 2017.

LABRONICI, Pedro José et al. Tratamento das fraturas distais da tíbia. Acta Ortopédica Brasileira, 2016.

PASSOS, Alan de Freitas et al. Erro médico em psiquiatria – Caso clínico. [S. l.]: Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 18
mar. 2009.

Sampaio, C.S.T. Avaliação térmica provocada pela furação no tecido ósseo [tese]. Portugal: Escola Superior de
Tecnologia e Gestão Instituto Politécnico de Bragança; 2014.

SPRANGER, André & FERNANDES, Pedro. Osteomielite da tíbia com 30 anos de evolução Reflexões sobre opção
terapêutica. Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia, v. 21, n. 1, p. 57-62, mar. 2013.

6
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 34
Condutas Atuais em
Queimaduras

Palavras-chave: Queimaduras; Manejo; Conduta.

Lorrany Cristina Silva de Souza¹


Pedro Henrique Bastos Puppim²
Diuliana Marina Soares³
Iago Jose Cunha Silva4

¹Acadêmica de Medicina da Faculdade de Minas (FAMINAS BH)


²Acadêmico de Medicina da Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga
(FADIP)
³Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande
(FURG)
4
Acadêmico de Medicina da Universidade de Pernambuco - UPE

7
Capítulo 34
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO responsável pela sensação térmica, dolorosa


e o tato (JUNQUEIRA,2013).
As queimaduras são lesões dos tecidos
orgânicos em decorrência da exposição a 2.1. Estruturas
chamas, líquidos quentes, contato com A pele é dividida em três camadas:
objetos superaquecidos, exposição a epiderme, derme e hipoderme. A epiderme
produtos químicos cáusticos, radiação, é a camada mais superficial, em algumas
descarga de corrente elétrica, fricção e atrito partes do corpo, como na palma das mãos e
determinando destruição parcial ou total da na planta dos pés a epiderme é mais grossa
pele e seus anexos (GOMES, 2001). e dá origem a pele espessa e onde é mais
Os acidentes por queimadura são fina a pele é chamada de delgada. A derme
frequentes no Brasil e no mundo e está é o tecido conjuntivo sobre o qual se apoia
associada a uma grande morbidade e a epiderme, a sua função é garantir a
mortalidade. As queimaduras acarretam em elasticidade e resistência da pele e manter a
cuidados imediatos e a longo prazo, nutrição e oxigenação da epiderme. A
consultas ambulatoriais, cirurgias de hipoderme é formada por tecido conjuntivo
reconstrução, períodos de internação e frouxo, é rica em adipócitos e é responsável
elevado custo socioeconômico (FER- pelo deslizamento da pele sobre estruturas
NANDES, 2012; SMOLLE, 2017). Dados na qual se apoia (JUNQUEIRA,2013).
levantados pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) apontam que aproxima- 2.2. Funções
damente 130 mil pessoas morrem de  Proteção desidratação e atrito;
queimaduras pôr fogo anualmente. No caso  Regulação da temperatura (vasos,
do Brasil estima-se que ocorram em torno glândulas, tecido adiposo);
de 1.000.000 de acidentes por ano, sendo  Recepção de sensações;
que cerca de 2.5000 pacientes irão falecer  Excreção e Absorção;
direta ou indiretamente de suas lesões  Proteção contra os raios UV (melanina);
(MOCK, 2008; GOMES, 2001).
 Síntese de Vitamina D3.
O conceito de qualidade de vida utili-
zado pela OMS à caracteriza em cinco 3. DIAGNÓSTICO ETIOLÓGICO
dimensões que são saúde física, saúde psi- DA QUEIMADURA
cológica, nível de independência, relações Queimaduras térmicas - A profundidade
sociais e meio ambiente, dentro destes as- da lesão térmica está relacionada à
pectos os pacientes, vítimas de queimadura temperatura de contato, duração do contato
podem apresentar com implicação em um da fonte externa de calor e espessura da
dessas dimensões (WHO, 2014). pele. Como a condutividade térmica da pele
é baixa, a maioria das queimaduras térmicas
2. PELE
envolve a epiderme e parte da derme. As
A pele é uma barreira protetora contra queimaduras térmicas mais comuns estão
agentes físicos, químicos ou bacterianos e é

8
Capítulo 34
TRAUMA E EMERGÊNCIA

associadas a chamas, líquidos quentes, tecidos, bem como ao calor gerado pela
objetos sólidos quentes e vapor. fricção.
Queimaduras químicas - A lesão é Queimaduras por contato direto com
causada por uma ampla gama de reações chamas ou explosão - Embora os
cáusticas, incluindo alteração do pH, mecanismos de queima de "explosão"(por
ruptura das membranas celulares e efeitos gás natural tipo petróleo) e "chama" sejam
tóxicos diretos nos processos metabólicos. semelhantes, existem algumas diferenças.
Além da duração da exposição, a natureza Normalmente, uma queimadura de
do agente determinará a gravidade da lesão. chama implica que um indivíduo foi
O contato com o ácido causa necrose de exposto a chamas em um incêndio contínuo,
coagulação do tecido, enquanto queima- enquanto uma queimadura rápida implica
duras alcalinas geram necrose de lique- que o indivíduo foi exposto a uma explosão
fação. A absorção sistêmica de alguns (por exemplo, gasolina) ou um arco elétrico.
produtos químicos é fatal e os danos locais Lesões por queimadura por explosão e
podem incluir toda a espessura da pele e chamas são causas comuns de admissões
tecidos subjacentes. por queimaduras em adultos. A temperatura
Queimaduras elétricas - A energia do ar ambiente associada a exposições de
elétrica é transformada em calor à medida explosão são normalmente 10 vezes
que a corrente passa por tecidos corporais maiores do que as exposições à chama e tem
de má condução. A eletroporação (lesão das uma radiação significativa componente de
membranas celulares) interrompe o energia térmica. Queimaduras geralmente
potencial e a função da membrana. A resultam em queimaduras menos profundas
magnitude da lesão depende do caminho da do que as chamas porque o aquecimento
corrente, da resistência ao fluxo da corrente instantâneo é geralmente bastante breve. Ao
através dos tecidos e da força e duração do contrário das lesões por explosões, as
fluxo da corrente. queimaduras por chamas são frequente-
Queimaduras por radiação -A energia de mente associadas a lesão inalatória e outro
radiofrequência ou radiação ionizante pode trauma concomitante.
causar danos à pele e aos tecidos. O tipo Queimaduras por contato com líquidos
mais comum de queimadura de radiação é a superaquecidos - A profundidade da quei-
queimadura de sol. As queimaduras de madura de líquido aquecido é muitas vezes
radiação são mais comumente vistas hoje mais difícil de avaliar clinicamente do que
após a radioterapia terapêutica e também a profundidade da queima da chama porque
são vistas em pacientes que recebem é uma queima de baixa temperatura.
radiação excessiva de procedimentos Mudanças estruturais do tecido são menos
diagnósticos perceptíveis em comparação para queimar
Queimaduras por atrito - Lesões por chamas. A profundidade das lesões por
fricção podem ocorrer devido a uma líquidos aquecidos muitas vezes não é
combinação de ruptura mecânica dos aparente por 48–72 horas. A temperatura da

9
Capítulo 34
TRAUMA E EMERGÊNCIA

pele muda em queimaduras depende da também é importante. Contato com a


localização geográfica, sendo menos grave superfície da pele com água a 60°C cria uma
em regiões montanhosas altas do que ao queimadura dérmica profunda em 3
nível do mar. Porque a água tem uma segundos, mas irá causar a mesma lesão em
capacidade de calor muito alta e também 1 segundo a 69°C. Se a água contém óleos
resfria por evaporação, a duração do contato ou lipídios, como nas sopas, a evaporação é
do tecido com temperaturas prejudiciais retardada, resultando em maior duração da
depende de fatores como roupas ou outras queimadura e lesão mais profunda na pele.
barreiras de vapor. A temperatura da água

Quadro 34.4 Classificação quanto a profundidade da queimadura


Classificação Camada afetada Aparência Sintomas
Eritema;
1º GRAU Epiderme Seca;
Sem formação de bolhas;
Formação de bolhas;
Epiderme e parte da Dor;
2º GRAU Aspecto úmido; Rosado;
derme Superficial: Hipersensibilidade;
Edema;
Formação de bolhas;
Aspecto úmido;
Dor com variação
Vermelho ou
dependendo da
esbranquiçado;
superfície nervosa
Destruição parcial de
Profunda: lesada;
terminações nervosas,
Hipersensibilidade;
folículos pilosos e
glândulas sudoríparas;
Seca;
Branca nacarada ou
Epiderme, derme e carbonizada; Rígida; Indolor;
3º GRAU por vezes tecido Destruição total de Edema;
subcutâneo terminações nervosas, Choque;
folículos pilosos e
glândulas sudoríparas;
Necrose de espessura
total da pele, tecido
4º GRAU Carbonização Choque grave
muscular e ósseo, com
presença de gangrena
Fonte: GOMES, 2008; LIMA, 2006.

5. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À a Superfície Corporal Queimada (SCQ).


EXTENSÃO DA QUEIMADURA Existem 3 métodos para estimar a SQC
(GOMES, 2008; SMELTZER, 2008).
Para que ocorra a classificação quanto à
extensão da queimadura é necessário saber

10
Capítulo 34
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5.1. Regra dos múltiplos adultos (Regra dos Nove de Wallace) e de


Regra que estima a extensão da múltiplos de onze para crianças (Regra dos
queimadura de maneira rápida, este sistema Onze) às principais superfícies corporais
atribui percentuais de múltiplos de nove em (SMELTZER, 2008).

REGRA DOS NOVE DE REGRA DOS ONZE


WALLACE PARA CRIANÇAS
Cabeça e pescoço 9% Cabeça e face 11%
Extremidades superiores 9% Membros superiores 11%
Região anterior do Tronco 18% Membros inferiores 11%
Região posterior do tronco 18% Tronco de cada lado 11%
Extremidades inferiores 18%
Períneo 1%

Fonte: SMELTZER, 2008.

5.2. Método de Lund-Browder Queimaduras de segundo grau com área


Método mais exato para calcular a corporal atingida até 5% em crianças
extensão de uma queimadura corrobora na menores de 12 anos, ou;
análise global do paciente, este leva em Queimaduras de segundo grau com área
consideração a lesão de primeiro, segundo e corporal atingida até 10% em maiores de 12
terceiro grau e a porcentagem total de área anos.
de superfície corporal total (SMELTZER,
2008). 6.2. Médio queimado
Queimadura de 2º com 5-15% SCQ em
5.3. Método da palma menores de 12 anos e 10 - 20 SCQ em
Método utilizado para estimar a adultos.
extensão das queimaduras, este considera Queimadura de 2º em mão, pé, face,
que o tamanho da palma do paciente é de pescoço, axila ou grande articulação em
aproximadamente 1% da área de superfície qualquer idade.
corporal total, este método não deve ser Queimaduras que não envolvam face ou
aplicado em crianças (SMELTZER, 2008). mão ou períneo ou pé, de terceiro grau com
até 5% da área corporal atingida em
6. DIAGNÓSTICO QUANTO À crianças de até 12 anos.
COMPLEXIDADE DA QUEIMADURA Queimaduras que não envolvam face ou
6.1. Pequeno queimado mão ou períneo ou pé de terceiro grau entre
Queimaduras de primeiro grau em 3 a 10%.
qualquer extensão, em qualquer idade e/ou;

11
Capítulo 34
TRAUMA E EMERGÊNCIA

6.3. Grande queimado - Expansão torácica.


Queimaduras de segundo grau com área - Mobilidade da mandíbula.
corporal atingida maior do que 15% em - Comprovar que a via aérea superior está
menores de 12 anos. livre.
Queimaduras de segundo grau com área - Auscultar os campos pulmonares e verificar
corporal atingida maior do que 20% em os ruídos.
maiores de 12 anos. - Verificar a frequência respiratória.
Queimaduras de terceiro grau com área - Estabilizar a coluna cervical antes de
corporal atingida maior do que 5% em realizar qualquer movimento de flexão e/ou
menores de 12 anos. extensão. - As crianças podem apresentar
Queimaduras de terceiro grau com área sinais de lesão por inalação mais cedo do
corporal atingida maior do que 10% em que os adultos.
maiores de 12 anos. - Qualquer criança com suspeita de lesão por
Queimaduras de segundo ou terceiro inalação deve ser transferida o mais
grau atingindo o períneo, em qualquer rapidamente possível para uma unidade de
idade, ou; tratamento de queimados infantil.
Queimaduras de terceiro grau em mão - Intubação endotraqueal está indicada
ou pé ou face ou pescoço ou axila, em quando houver suspeita de comprome-
qualquer idade. timento supra glótico.
Queimaduras por corrente elétrica. - A via aérea do paciente grande queimado
Queimaduras das vias aéreas. pode sofrer edema importante, sendo assim,
Presença de comorbidades com: lesão é necessário fazer uma intubação
inalatória, politrauma, trauma orotraqueal (IOT) precoce, visto que caso o
cranioencefálico, choque, insuficiência médico aguarde os sinais clínicos de
renal, insuficiência cardíaca, insuficiência estridor e desconforto respiratório a
hepática, distúrbio de coagulação, embolia passagem do tubo orotraqueal pode estar
pulmonar, infecção, doenças consumptivas impossibilitada. Além disso, é fundamental
e síndrome compartimental. ter um kit de cricotireoidostomia caso
ocorra dificuldade no momento da
7. AVALIAÇÃO PRIMÁRIA intubação.
- Jaw-Thrust, manobra de projeção da
7.1. Exame básico mandíbula.
- Chin Lift, elevação do mento não deve ser
A B C D E realizada em caso de suspeita ou trauma
cervical.
- As indicações de IOT precoce são:
Airway (vias aéreas com controle de
1. Queimadura > 40 a 50% SCQAs
coluna cervical):
2. Queimadura facial extensa e/ou profunda
- Verificar e retirar qualquer tipo de
3. Queimadura da mucosa oral
obstrução.

12
Capítulo 34
TRAUMA E EMERGÊNCIA

4. Disfagia - Pulsos periféricos


5. Sonolência - Enchimento capilar
6. Glasgow menor ou igual a 8 - Hemorragias
Breathing (respiração): - Estabelecer dois acessos calibrosos
- Inspeção - Em caso de queimaduras circulares
- Palpação profundas, torna-se necessário escarotomia
- Ausculta precoce (antes de 3 horas)
- Percussão Disability (disfunção neurológica):
- Expansibilidade O paciente queimado tem como
- Escarotomia precoce (antes de 3 horas) característica ter uma apresentação inicial
deve ser realizada em pacientes com alerta e orientado, nos casos que isso não
queimaduras circunferenciais nos membros acontece é necessário pensar em lesão
e no tórax a fim de evitar déficit de perfusão associada, hipóxia, alterações neurológicas
nos membros e a disfunção respiratória. pré-existentes e dependência de drogas. O
Circulation (circulação): grau de consciência é determinado pelo
- Avaliar cor da pele Glasgow (CEPEDA, VECCHIA JR, 2018).
Parâmetros Reposta Pontos Parâmetros Reposta Pontos
Espontânea 4 Obedece ao comando 6

Abertura Localiza a dor 5


Ao estímulo sonoro 3
Ocular
Ao estímulo de
2 Flexão normal 4
pressão Resposta
Nenhum 1 Motora Flexão anormal 3
Orientada 5 Extensão anormal 2

Desorientada 4 Nenhum 1
Resposta Palavras
3
Verbal inapropriadas
Sons
2
incompreensíveis
Nenhum 1

Reatividade pupilar
Inexistente Unilateral Bilateral

-2 -1 0

Trauma leve Trauma moderado Trauma grave

13-15 9-12 3-8

Fonte: BRENNAN, 2018.

13
Capítulo 34
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Exposition (exposição): causada pelo edema, interferindo na


- Expor a área queimada. circulação).
- Retirar adornos como: anéis, piercings, F) Queimaduras elétricas (porque
cordões e próteses. usualmente causam profundas alterações do
- Controle de hipotermia equilíbrio ácido-básico e insuficiência
renal).
7.2. Cuidados imediatos G) Intoxicações por fumaça; lesões de vias
- Parar o processo de queimadura. aéreas.
- Lavar com água corrente até a dor cessar. H) Queimaduras menores concomitantes a
- Proteger com tecido seco, estéril ou limpo. outros importantes traumas.
- Remover roupas, jóias, anéis, piercings e
próteses. 10.AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA

8. QUEIMADURAS EM ZONAS 10.1. Circunstâncias do acidente


ESPECIAIS - Circunstâncias do acidente
- Causa das queimaduras.
As queimaduras de face, olhos, pescoço, - Se ocorreu em ambiente fechado.
axilas, cotovelo, mãos, períneo, joelhos e - Se houve a possibilidade de inalação de
pés possuem tratamento específico, assim é fumaça.
recomendado contato com o médico do - Presença de agentes químicos associados.
centro de referência (CEPEDA, VECCHIA, - Existência de trauma associado.
2018).
10.2. História clínica
9. CRITÉRIOS DE INTERNAÇÃO - Sinais e sintomas
- Alergias
A internação está indicada nos seguintes - Medicamentos em uso
tipos de queimaduras: - História Patológica Pregressa
A) Lesão de terceiro grau atingindo mais de - Líquidos e alimentos ingeridos
10% de superfície queimada no adulto e 5% recentemente
na criança. - Eventos Associados
B) Lesão de segundo grau atingindo área - Imunização antitetânica
superior a 20% no adulto e 10% na criança.
C) Queimaduras importantes e profundas 11.CONDUTAS PRÉ- HOSPITALARES
de face, mãos e pés.
D) Queimaduras graves de região perineal Este capítulo foi escrito com o intuito de
ou genitália. informar aos profissionais de saúde as
E) Queimadura circunferencial de condutas mais atuais nos cuidados com os
extremidades (por causa da constrição queimados em ambiente hospitalar e/ou em
centros de saúde. No entanto, faz-se

14
Capítulo 34
TRAUMA E EMERGÊNCIA

necessário citar também sobre o cuidado hidratação a fórmula mais utilizada


inicial, que deverá ser feito por leigos; são atualmente é a de Parkland em que são
esses: distanciamento da vítima da fonte de administrados 2 - 4 ml de ringer lactato por
calor, causa da queimadura e resfriamento Kg de peso por área percentual corporal
de sua pele com água potável, atentando-se queimada nas primeiras 24h; 50% deste
para o risco de hipotermia, não devendo o valor é administrado nas primeiras 8 horas
resfriamento passar dos 20 minutos e os 50% restante são infundidos
(SECUNDO, et al., 2019). igualmente nas 16 horas seguintes;

11.1. Condutas hospitalares e) Avaliação de possíveis traumas


As condutas recomendadas para a associados e de possíveis comorbidades
enfermagem e o corpo médico são: que o paciente possa ter que influencie no
tratamento;
a) Avaliação das vias aéreas superiores
para certificar-se de que não há f) Exposição da área atingida pelas
obstrução por lesões inalatórias e queimaduras e avaliar profundidade e grau
analisar se existem movimentos da lesão;
pulmonares;

g) Manter-se alerta para cianose periférica,


b) Oximetria de pulso para avaliação da
tosse e possível dispneia, além de manter a
saturação de oxigênio, além da
monitorização da glicemia capilar
cabeceira em 30º e hiperextensão da
temperatura corporal e pressão arterial;
coluna cervical com a finalidade de
aumentar a capacidade de expansão
h) É importante avaliar se o paciente
respiratória;
recebeu a vacina antitetânica nos últimos 5
anos, em caso de negativa ela deve ser
c) Devem ser feitos dois acessos venosos,
administrada em até 72h após o acidente.
se possível, em pele íntegra. Um destinado
à hidratação e outro para a aplicação de
i) A fim de desbridar tecidos necrosados e
drogas. É importante avaliar a necessidade
evitar infecções devem ser utilizados
de sedativos de acordo com a percepção
agentes tópicos, como a sulfadiazina de
dolorosa do paciente.
prata 1% (PINHO, et al., 2017).
d) A fim de reduzir a mortalidade e a
insuficiência renal é importante fazer a
fluidoterapia no paciente. Para o cálculo de

15
Capítulo 34
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Fluidoterapia de acordo com tipo de queimadura e idade/peso e diurese esperada

CATEGORIA DA IDADE E PESO TAXAS DE DIURESE


QUEIMADURA FLUIDOTERAPIA
Adultos e crianças (≥14 2 ml LR x kg x % TBSA 0.5 ml/kg/hr
anos) 30 -50 ml/hr
CHAMA OU
Crianças(<14 anos) 3 ml LR x kg x % TBSA 1 ml/kg/hr
ESCALDAMENTO
Bebês e jovens crianças 3 ml LR x kg x % TBSA 1 ml/kg/hr
(≤30kg) Mais uma solução contendo açúcar
em taxa de manutenção

QUEIMADURA Todas as idades 4 ml LR x kg x% TBSA até a urina 1-1,5 ml/kg / h até a


ELÉTRICA clarear urina
limpa
Fonte: Adaptado ATLS, 2018.

12. CONCLUSÃO diretamente com um primeiro atendimento


adequado a fim de minimizar danos. Apesar dos
A queimadura é considerada importante causa avanços no tratamento às vítimas de
de mortalidade e morbidade, além de causar queimaduras ainda são vistas como um grande
sequelas físicas e emocionais relevantes. Nesse desafio para a equipe médica.
tipo de trauma o prognóstico está relacionado

16
Capítulo 34
TRAUMA E EMERGÊNCIA

13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRENNAN. M, et al. Simplifying the use of prognostic information in traumatic brain injury: Part 1: The GCS-Pupils
score: an extended index of clinical severity, Journal of Neurosurgery, 2018. Acesso em: 07 Jun de 2021.

CEPEDA, L.S, VECCHIA JR, C.D. Manual de Atendimento Básico Inicial do paciente queimado e materiais
padronizados para o tratamento de feridas. HU/UFSC: SERVIÇO DE CIRURGIA PLÁSTICA E QUEIMADOS.
FLORIANÓPOLIS; 2018.

FERNANDES, F.M.F.A, et al. Queimaduras em crianças e adolescentes: caracterização clínica e epidemiológica.


Revista Gaúcha Enfermagem 2012; 33(4): 133-41.

FERREIRA, Enéas; LUCAS, Rosemeire; ROSSI, Lídia Aparecida; ANDRADE, Denise. Curativo do paciente
queimado: uma revisão de literatura. Revista da Escola de Enfermagem da USP, [S.L.], v. 37, n. 1, p. 44-51, mar.
2003. FapUNIFESP (SciELO).

GOMES, Roberto Dino; SERRA, Maria Cristina; MACIEIRA JR, Luiz. Condutas atuais em queimaduras. 2. ed.
Revinter. Rio de janeiro, 2001.

JUNQUEIRA LC & CARNEIRO J. Histologia básica, texto e atlas. Rio de Janeiro. 12ª edição, 2013.

LIMA, O.S. et al. Queimados: alterações metabólicas, fisiopatologia, classificação e interseções com o tempo de
jejum. Cap 91. In Cavalcanti IL, Cantinho FAF, Assad A. Medicina Perioperatória. Rio de Janeiro: Sociedade de
Anestesiologia do Estado do Rio de Janeiro; 2006. 1356p.

MINATI, F.P et al. Guideline das ações no cuidado de enfermagem ao paciente adulto queimado. Revista Brasileira
de Queimadura. 2016;15(1):13-23.

MOCK, C. et al. A WHO plan for burn prevention and care. Genebra: World Health Organization; 2008.Disponível
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NELIGAN, Peter C.; SONG, David. Plastic Surgery: Volume 4: Lower Extremity, Trunk and Burns. 4. ed. London,
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PINHO et al. Avaliação de pacientes com feridas agudas não cirúrgicas: QUEIMADURAS 2017. Disponível em:
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RICE, P. L. et al. Emergency care of moderate and severe thermal Burns in adults. Uptodate. Online 20.8; 2012. [13
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SEGUNDO, Cristiane Oliveira. Protocolo de cuidados de enfermagem ao paciente queimado na emergência: Revisão
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SMELTZER, S. C. et al. Brunner & Suddarth: Tratado de enfermagem médico-cirúrgica.11. ed. Rio de Janeiro:
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SMOLLE, C. et al. Recent Trends in Burn Epidemiology Worldwide: A Systematic Review. Burns. 2017; 43(2): 249-
57.

17
Capítulo 34
TRAUMA E EMERGÊNCIA

SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA PLÁSTICA. Queimaduras: diagnóstico e tratamento Inicial. In:


Picollo, N.S et al. (org.). Projeto de diretrizes: Associação médica brasileira e Conselho Federal de Medicina, 2008a.
Disponível em: Acesso em: 10/06/2021.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA PLÁSTICA. Queimaduras – parte II: tratamento da lesão. In: Piccolo,
N.S et al. (org.). Projeto diretrizes: Associação médica brasileira e Conselho Federal de Medicina, 2008b. Disponível
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WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Facts about injuries: burn. [acessado em 01 de jun. 2021]. Disponível
em: www.who.int/mipfiles/2014/burns1.pdf. 23/01/2014.

18
Capítulo 35
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 35
A ABORDAGEM DO PACIENTE
POLITRAUMATIZADO E
INFARTADO COM SUAS
APLICABILIDADES

Palavras-chave: Trauma; Infarto; Trimodal ; Golden-hour.

Luna Brenda Carvalho Abade Moura Batista¹

1
Discente – Medicina da Universidade Estácio de Alagoinhas na Bahia.

19
Capítulo 35
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO problema de saúde pública, afetando não


apenas o Brasil, mas também o mundo
Quando tratamos de trauma, automa- industrializado, pois os custos anuais para a
ticamente tem intercorrelação com a sociedade americana excedem 400 bilhões
situação de um paciente com múltiplas de dólares, sendo resultado de uma
lesões sistêmicas, onde elas estão combinação de fatores, como: hospital-
intercaladas com o processo do que zação; administração de seguros, encargos
chamamos de curva trimodal. A curva tem, trabalhistas e redução da produtividade. Em
como aspecto primeiramente um evento, ou nosso país, o número de mortes por
seja, um ocorrido momentâneo que resulta acidentes está em terceiro lugar, sendo
em três picos que, são: a morte após alguns menos frequente do que as mortes
segundos ou minutos pós trauma e que os atribuídas às doenças cardiovasculares e ao
exemplos que estão intercalados com esse câncer (TOWSEND JR CM et al.,2017).
tipo de situação, são: lesões cerebrais; Nas últimas décadas, o atendimento ao
lesões medulares altas; grandes vasos paciente de trauma evoluiu de forma
torácicos e entre outros. Já o segundo pico, significativa, de modo que a adoção dos
estamos tratando do chamado “Golden princípios de Suporte Avançado de Vida em
hour”, ou hora de ouro, pois necessita da Trauma (ATLS), para identificação e
estabilidade do paciente, porque ele está tratamento precoce de condições
dentro dos parâmetros de: morte que ocorre potencialmente fatais, contribuiu para
em minutos ou horas após trauma. As melhorar a sobrevida das vítimas, sobretudo
mortes que são ocorrentes neste tipo de após lesão grave e hemorragia massiva
processo, são por: hematomas subdurais e (BATES et al., 2016; EDWARDS &
epidurais; hemopneumotórax; lesões SMITH, 2016; HOWLEY et al., 2019;
esplênicas e hepáticas, como também, a ZONG et al., 2018).
fratura pélvica. Dentre os avanços no manejo do
Em relação ao terceiro pico, a morte politraumatizado, destaca-se o Controle de
ocorre após alguns dias ou semanas e as Danos (Damage Control) como forma
mortes mais prevalentes neste período tem temporária de contenção das lesões (KU-
a ver com a sepse e a disfunção múltipla dos SHIMOTO et al., 2009), pela interrupção de
órgãos. São preexistentes prioridades que procedimentos cirúrgicos por meio do
devem ser dadas ao paciente politrau- controle da hemorragia e da contaminação,
matizado, como: rebaixamento do nível de mesmo que as lesões identificadas não
consciência, alterações dos sinais vitais e recebam tratamento definitivo durante a
achados potencialmente emergenciais: abordagem inicial (EDWARDS & SMITH,
anisocoria; pulso filiforme; sangramentos 2016; PARREIRA et al., 2002; WAIBEL &
visíveis, dentre outros. ROTONDO, 2012).
O trauma apresenta desde a década de Essa alternativa é realizada em pacien-
oitenta do século passado, um verdadeiro tes que, por apresentarem reservas fisioló-

20
Capítulo 35
TRAUMA E EMERGÊNCIA

gicas inadequadas, possuem maiores chan- única. Assim, a avaliação da qualidade de


ces de evoluir para choque hemorrágico vida tem que considerar essas diferenças.
irreversível (KUSHIMOTO et al., 2009; Observa-se, na literatura, que os aspectos
PARREIRA et al., 2002). A operação é relacionados à qualidade de vida e estado de
abreviada para impedir que os doentes saúde têm sido principalmente mensurados
progridam para a denominada “tríade letal”, por instrumentos como o SF-36
na qual o indivíduo desenvolve acidose (OLIVEIRA NLB DE, SOUSA, 2003), com
metabólica, hipotermia e coagulopatia enfoque na adaptação após o trauma e aos
(KUSHIMOTO et al., 2009; WAIBEL & problemas psicológicos envolvidos no
ROTONDO, 2012). desenvolvimento do estresse pós-trauma.
O ATLS, possui três pilares que são de O alto grau de morbimortalidade e
grande importância para poder ser sequelas apresentadas pelos pacientes, bem
manejado de maneira correta e ter um como a complexidade e abrangência que
trabalho produtivo que está atrelado a um envolve o cuidado a este tipo de paciente,
trabalho em equipe, focar nas lesões que exigem da enfermagem ações articuladas,
ameaçam a vida do paciente, ou seja, “life integradas e contínuas às vítimas.
threatening injuries”, ou seja, são lesões que Desempenhando papel fundamental na
causam risco de morte evidente e assistência à vítima de trauma, como da
justamente estão intercalados ao segundo equipe médica, deve programar e priorizar
pico e suas lesões mais corriqueiras e a a assistência a ser prestada, considerando as
outra situação necessária é a questão de diferenças que se apresentam nessas vítimas
obter um guideline e seguir de forma e estabelecer medidas preventivas e
instantânea cada passo descrito. reparadoras, visando à assistência integral e
Os sobreviventes de traumas graves, humanizada que atenda às necessidades
admitidos nas unidades de terapia intensiva, humanas básicas (CAVALCANTI; ILHA;
têm deficiências significativas relacionadas BERTONCELO, 2013).
às complicações múltiplas, decorrentes de O objetivo desse estudo é avaliar a
perda significativa de massa muscular e abordagem do paciente politraumatizado,
déficits cognitivos. O aumento da idade, como também, ao infartado e suas
traumatismo craniano, o tempo de perma- aplicabilidades neste processo, onde
nência na UTI, doenças preexistentes, a percebemos o papel da assistência médica e
necessidade de procedimentos cirúrgicos e da enfermagem dentre esses dois polos
fraturas de membros inferiores têm sido importantes que permutam o nosso
associados aos piores resultados de cotidiano.
qualidade de vida (ULVIK A et al., 2007).
O trauma pode afetar todas as partes do 2. MÉTODO
corpo e suas sequelas podem diferir de
forma substancial, da mesma forma que a Trata-se de uma revisão integrativa de
experiência da pessoa vítima de trauma é literatura, método que auxilia a sintetizar os

21
Capítulo 35
TRAUMA E EMERGÊNCIA

resultados de pesquisas relevantes e de 40 artigos. Assim, 9 artigos compõem a


mundialmente reconhecidos, o que amostra final deste estudo, pois
proporciona uma troca e ampliação do relacionavam à questão de pesquisa.
conhecimento, formando ideias mais Após a aplicação dos critérios de
consolidadas e fundamentadas para o seleção, utilizou-se a classificação do nível
exercício profissional (CAVALCANTI; de evidência por meio da descrição de
ILHA; BERTONCELO, 2013). Para a Galvão (2006), conforme descrito: I –
elaboração da revisão, no primeiro Evidência oriunda de revisão sistemática
momento foi determinado o objetivo e/ou metanálise na qual há inclusão somente
específico e formulado os questionamentos de estudos clínicos controlados e
a serem respondidos e então realizada a randomizados com delineamento adequado;
busca para identificar e coletar o máximo de II – Evidência oriunda de, no mínimo, um
pesquisas primárias relevantes dentro dos estudo clínico controlado e randomizado
critérios de inclusão e exclusão previamente com delineamento adequado; III –
estabelecidos. Foi efetuada análise de Evidência oriunda de um único estudo
artigos científicos que possibilitaram a controlado e randomizado com delinea-
sintetização do conhecimento acerca do mento adequado; IV – Evidência oriunda de
tema abordado acima. um estudo de caso-controle ou coorte com
Para a busca na literatura, foi realizada delineamento adequado; V – Evidência
uma pesquisa nas seguintes bases de dados oriunda de revisão sistemática de estudos
disponíveis on-line: Medical Literature descritivos e qualitativos com delineamento
Analysis and Retrievel Sistem Online adequado; VI – Evidência oriunda de
(MEDLINE), onde foram encontrados apenas um estudo descritivo e qualitativo
artigos disponíveis também na Literatura com delineamento adequado e VII –
Latino- -Americana Caribe em Ciências da Evidência oriunda de reflexões de
Saúde (LILACS) e Base de dados de autoridades e/ou relatórios elaborados por
Enfermagem (BDENF), por meio dos grupos de especialistas.
Descritores em Ciências da Saúde (DeCS):
Assistência de Enfermagem e Médica; 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Trauma; politraumatismo; Urgência; Trau-
ma. A partir das estratégias de busca foram Os métodos de assistência aos pacien-
encontradas 2.529 publicações. Posterior- tes, vítimas de traumas sistematizados
mente, deu-se a leitura dos títulos e resumos através de protocolos ou manuais na
dos artigos, por meio da qual foram presente pesquisa apresentaram o método
excluídos 2.469 artigos por não atenderem mnemônico do ABCDE do trauma
aos critérios de inclusão e exclusão fundamentado na ATLS, como o método
previamente estabelecidos. Em seguida, os científico referenciado para tratamento de
pesquisadores realizaram a análise dos politraumatizados, de acordo com as
artigos na íntegra, sendo excluído um total Diretrizes estabelecidas pelo Colégio

22
Capítulo 35
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Americano de Cirurgiões e pelo Comitê de de qualidade de vida desses pacientes


Trauma. (PAIVA et al., 2012).
A Secretaria de Saúde do Estado de Diante dessa situação, tornou-se
Minas Gerais em 2011 elaborou o Protocolo consenso mundial devotar mais atenção ao
Clínico para Pacientes Politraumatizados e Atendimento Pré-Hospitalar (APH), na
utilizou como fundamentação o “Protocolo tentativa de minimizar a morbimortalidade
para Atendimento Intra-Hospitalar do no atendimento ao traumatizado (RE-
Trauma Grave” de Chiara (2009) onde o ZENDE NETA et al., 2012). Assim, o papel
método mnemônico do ABCDE do Trauma do médico na assistência ao paciente
desenvolvido pela ATLS foi seguido. O traumatizado é fundamental. A abordagem
Manual da Abordagem Primária ao Trauma e a atenção às vítimas de politraumatismo
(WILKINSON & SKINNER, 2000) que devem ser mais eficazes e isto perpassa a
também utilizaram os métodos da ATLS e integração dos sistemas de atendimento:
o EMST Australiano como base do roteiro prevenção, atendimentos pré-hospitalar e
para curso de Atenção Primária ao Trauma hospitalar, e reabilitação. Ademais, a vítima
e elaboração do manual. E ainda a de politraumatismo necessita de atenção
Universidade Federal de Santa Catarina especial e contínua, desde seu atendimento
(2013) utilizou como fundamentação para a inicial, sua admissão no serviço de
elaboração do Módulo VIII: Linha de emergência até a alta hospitalar (MATTOS;
Cuidados nas Urgências/Emergências SILVÉRIO, 2012).
Traumatológicas o método ABDCE primá- Segundo Soares e outros autores (2015),
rio da ATLS como sistematização o atendimento inicial com avaliação
metodológica da proposta do curso de primária, estabilização e transporte da
especialização em Urgência e Emergência. vítima de agravos de trânsito até um centro
As sequelas do trauma estão entre as de melhor referência para dar continuidade
patologias crônicas de longa duração que ao serviço de emergência minimiza a
geram deficiências e levam a limitações na ocorrência de lesões decorrentes de um
execução de atividades, como também à atendimento ineficiente no local, seguida
restrição de desempenho de papéis sociais pela identificação de outras lesões (exame
dos indivíduos. A literatura destaca a secundário) e das orientações para o
multiplicidade e a gravidade dos ferimen- tratamento definitivo (cuidados definiti-
tos, associados a frequentes prejuízos vos). Esta regra consiste em uma sequência
físicos e cognitivos dos indivíduos vítimas mnemônica, assim disposta: A (Air Way) –
de lesões múltiplas que normalmente permeabilidade das vias aéreas com
requerem muitas intervenções, antes e administração segura do colar cervical; B
durante o processo de reabilitação. Este (Breathing) – respiração; C (Circulation) –
processo é acompanhado por significativos busca de sangramentos e controle da
problemas emocionais que podem interferir circulação; D (Disability) – avaliação
nos esforços de reabilitação e na avaliação neurológica; e E (Exposure) – exposição

23
Capítulo 35
TRAUMA E EMERGÊNCIA

corporal do paciente à procura de lesões não responsáveis pela adequada assistência à


visualizadas e posterior aquecimento na vítima. Esses cuidados estão inseridos no
prevenção da hipotermia e do choque conjunto de procedimentos preconizados
(MATTOS; SILVÉRIO, 2012). Segundo para avaliação e assistência ao indivíduo
Oliveira, Pereira e Freitas (2016), para vítima de politraumatismo (MATTOS;
definir o nível de consciência do paciente, SILVÉRIO, 2012).
utiliza-se a escala de coma de Gasglow
baseada em um valor numérico, um sistema 4. CONCLUSÃO
de pontuação mais utilizado internaci-
onalmente para avaliação de pacientes Diante da revisão integrativa, esse
comatosos em cuidados intensivos, é um estudo possibilitou identificar a importância
dos aspectos importantes que deve ser do profissional médico e enfermeiro tem na
valorizado na avaliação da vítima. assistência a paciente politraumatizado,
Avalia-se a reatividade do paciente por como também, no paciente infartado e seu
meio da observação de três parâmetros: papel diante da assistência prestada. Isto
abertura ocular; reação motora e resposta concerne, ao médico habilidade de
verbal. Cada componente dos três apresentar à população medidas educadoras
parâmetros recebe um escore, variando de para a redução desses traumas, os quais já
três a 15, sendo o melhor escore 15 e o alcançaram um posto de doença crônica em
menor, três. Pacientes com escore 15 nossa sociedade, por meio de campanhas
apresentam nível de consciência normal. junto aos órgãos governamentais,
Pacientes com escores menores que oito são informações, conscientização populacional
considerados em coma, representando um e nas instituições de saúde, preparando e
estado de extrema urgência. Durante as capacitando as equipes multiprofissionais.
primeiras 48 horas, a equipe de enfermagem Em suma, a necessidade de ir atrás de
deve estar atenta ao controle dos sinais projetos que estejam alinhados em políticas
vitais (OLIVEIRA; PEREIRA; FREITAS, públicas é um dos pilares eficazes que
2016). resulta em dar atenção aos seus
Concluídas as etapas do ABCDE, comportamentos; concepções e vivências
segundo o Ministério da Saúde, devem ser fazendo com que, o paciente possa se
realizados os exames específicos; a ressocializar e viver sem nenhuma área
iniciativa por parte da equipe de setorial de vida em caráter afetado e
enfermagem em sugerir aos médicos promover o “equilíbrio homeostático” em
solicitação de algum exame adicional é todos os considerados, obstáculos que a
imprescindível, já que esses, também são sociedade permeia.

24
Capítulo 35
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHIARA, Osvaldo; Cimbanassi, Stefania. Protocolo para atendimento intra-hospitalar do trauma grave. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2009.

MATTOS, L.M.; SILVÉRIO, M.R. Avaliação do indivíduo vítima de politraumatismo pela equipe de enfermagem em
um serviço de emergência de Santa Catarina. Revista Brasileira Promoção Saúde, Fortaleza, v.25, n.2, p.182-191,
abr-jun. 2012. Disponível em: Acesso em: 17 maio 2017

MINISTÉRIO DA SAÚDE - PORTARIA Nº. 1.601, DE 7 DE JULHO DE 2011. Estabelece diretriz para a implantação
do componente das Unidades de Pronto Atendimento (UPA 24h) e o conjunto de serviços de urgência 24 horas da Rede
de Atenção às Urgências, em conformidade com a Política Nacional de Atenção às Urgências. Disponível em: Acesso
em: 11/03/2014.

OLIVEIRA, D.M.P.; PEREIRA, C.U.; FREITAS, Z.M.P. Conhecimento do enfermeiro sobre avaliação neurológica do
paciente com trauma cranioencefálico. Revista de enfermagem UFPE, Recife, v.10, n.5, p.4249-4254, nov. 2016.
Disponível em: Acesso em: 17 maio 2017.

PAIVA, L. et al. Qualidade de vida na perspectiva de vítimas de traumas múltiplos e seus familiares. Revista
Enfermagem UERJ, Rio de Janeiro, v.20, n.4, p.507-512, out/dez. 2012. Disponível em: Acesso em: 17 maio 2017.

REZENDE NETA, D.S. et al. Perfil das ocorrências de politrauma em condutores motociclísticos atendidos pelo SAMU
de Teresina-PI. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, v.65, n.6, p.936-941, dez. 2012. Disponível em. Acesso
em: 17 maio 2017.

Ulvik A, Kvåle R, Wentzel-Larsen T, Flaatten H. Multiple organ failure after trauma affects even long-term survival
and functional status. Critical Care. 2007;11(5):R95.

WILKINSON, Douglas A., SKINNER, Marcus W. Manual de Abordagem Primária ao Trauma. Edição Standard. Ano:
2000. Um Manual para a Gestão do Trauma a nível distrital e zonas remotas.

25
Capítulo 36
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 36
MANEJO DE PACIENTES VÍTIMAS
DE AMPUTAÇÕES TRAUMÁTICAS
CONSEQUENTES DE
POLITRAUMATISMOS

Palavras-chave: Amputação Traumática; Traumatismo Múltiplo;


Emergências.

GABRIELA ARBEX CAMPOLINA¹


DÉBORAH MARIA GONÇALES RIBEIRO1
FERNANDA PIMENTA FERNANDES1
GABRIELA COUTO ELIAS1
HANNA LUÍSA DE OLIVEIRA FREITAS1
LAURA NACIFE RABELLO2
MATHEUS ANDRADE ALMEIDA E SILVA2

1
Discentes – Medicina, Faculdade Ciências Médicas de Minas Gerais.
2
Discentes – Medicina, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

26
Capítulo 36
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO acidentes de trânsito (BRASIL, 2013).


Apesar do avanço na medicina, ainda existe
A amputação é uma das práticas uma grande incidência de amputações
terapêuticas mais antigas na medicina, traumáticas estimada em uma média de 13,9
sendo definida como a retirada total ou por 100.000 habitantes/ano (DATASUS,
parcial de um membro, seja de forma 2019). No ano de 2018, foram registradas
traumática ou decorrente de alguma no Brasil mais de 59 mil amputações,
patologia, com o objetivo de prover uma fazendo-se extremamente necessário o
melhora na qualidade de vida dos pacientes estudo aprofundado sobre o tema (REIS et
(CARVALHO; DE SENA; NETO, 2020). al., 2012; DATASUS, 2019).
A técnica está presente na humanidade No que diz respeito às amputações não
desde a antiguidade, sendo a primeira traumáticas, é válido mencionar que 40-
amputação traumática relatada ter sido na 60% dessas amputações realizadas no
Princesa Vishpla, que segundo a história Brasil se relacionam a complicações da
perdeu sua perna direita em uma batalha Diabete Mellitus (DM), principalmente
entre 5.000-3500 anos antes de Cristo (AC) devido ao agravamento da úlcera do pé
(PANCINI, 2017). Em 1700 AC, data-se a diabético. No quadro clínico da DM
primeira obra na qual é discutida a descompensada o paciente pode evoluir
amputação e, posteriormente, em 385 AC com diminuição da sensibilidade dos pés,
na obra conhecida como "de articularis" se apresentar doença vascular periférica,
comparava a técnica como uma forma de infecções e deformidades anatômicas que se
tratamento para a gangrena vascular configuram como fatores de risco para as
(PANCINI, 2017). Com o desenvolvimento lesões e seu agravo, caso não sejam
das armas de fogo em aproximadamente devidamente tratadas (DOS SANTOS,
1200 e com as guerras o número de vítimas 2019).
de amputações teve um grande aumento na Após a amputação de um membro, é
população mundial (PANCINI, 2017). Na comum que os pacientes tenham a sensação
atualidade, o trauma é considerado como a de que o membro removido ainda está
epidemia do século XXI devido ao aumento presente em seu corpo e consegue executar
significativo de vítimas principalmente por funções normais (DEMIDOFF; PACHE-
conta de acidentes automobilístico e de CO; FRANCO, 2007). Essa sensação é
violências (LÔBO et al., 2021). denominada Síndrome do Membro
A causa mais frequente de amputações Fantasma e vem acompanhada de dores,
é vascular (75% em membros inferiores), cócegas, câimbras, espasmos, tremores,
seguida por traumas (20%) e tumores (5%). dormência, entre outros (CUNHA; SILVA;
No trauma, a indicação da técnica de FREITAS, 2009).
amputação é dada em razão a lesões graves Apesar de diversas intervenções
de nervos, artérias, partes moles e ossos farmacológicas terem sido recomendadas
como consequência, principalmente, de para o tratamento do quadro álgico pós

27
Capítulo 36
TRAUMA E EMERGÊNCIA

amputação, há ineficácia no prognóstico Os critérios de inclusão foram:


clínico de pacientes submetidos a esse qualidade metodológica, relevância do
procedimento (FARIA; SILVA, 2014). tema, data de publicação mais recente e
Existem alguns métodos terapêuticos apli- artigos indexados nos idiomas em inglês e
cados, como o bloqueio do sistema nervoso português. Os critérios de exclusão foram:
simpático, utilização de analgésicos, anti- trabalhos sem indexação, relatos de casos,
inflamatórios e a terapia da caixa do espelho artigos duplicados, trabalhos que não
(SILVA., et al, 2019). Além disso, é de abordavam diretamente a proposta
extrema importância a realização de estudada, que não atendiam aos demais
procedimentos fisioterápicos, psicoterapia e critérios de inclusão e que apresentavam
massoterapia, visando uma melhor metodologia controversa.
reabilitação (SUASSUNA, 2019). Após os critérios de seleção foram
Nesse sentido, é evidente que este é um selecionadas 29 referências, incluindo
tema de extrema relevância para a área artigos, livros, dissertações e dados
médica, considerando a responsabilidade do estatísticos, que foram submetidos à leitura
profissional em decidir amputar o membro minuciosa para análise e coleta de dados. Os
e as repercussões físicas e psicológicas para resultados foram apresentados em forma
o paciente. Portanto, o objetivo deste estudo descritiva, divididos em categorias temá-
foi revisar as informações disponíveis ticas abordando os seguintes assuntos:
acerca do manejo de pacientes vítimas de causas, tipos, níveis, complicações, conduta
amputações traumáticas consequentes de realizada no atendimento de pacientes
politraumatismos, visando sintetizar a vítimas de amputação, efeitos biopsicosso-
temática para contribuir e estimular que ciais e a reabilitação de pacientes
mais estudos nessa área sejam realizados. amputados.

2. MÉTODO 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Trata-se de uma revisão bibliográfica de 3.1. Principais causas de amputação


caráter exploratório e descritivo, realizada Segundo dados do Sistema de
por meio da busca de artigos publicados nas Informações Hospitalares do Sistema Único
bases de dados PubMed, MEDLINE, de Saúde (SIHSUS) de 2011, os fatores
SciELO e Google Acadêmico. Os relacionados às amputações realizadas pelo
descritores utilizados foram “Amputação SUS no Brasil, apresentam as causas
Traumática”, “Traumatismo Múltiplo” e externas em primeiro lugar, seguido de
"Emergências'', segundo os Descritores em algumas doenças infecciosas e parasitárias
Ciências da Saúde (DeCS), sendo aplicados doenças do aparelho circulatório, diabetes,
nos idiomas inglês e português, de forma gangrena (não classificada em outra parte),
isolada e combinada entre si. doenças do sistema osteomuscular e do

28
Capítulo 36
TRAUMA E EMERGÊNCIA

tecido conjuntivo, neoplasias, doenças da congênitas, deformidades e anomalias


pele e do tecido subcutâneo, malformações cromossômicas, assim como é
apresentadona Tabela 36.1.

Tabela 36.1 Frequência de procedimentos de amputação no SUS e suas causas

Causas Frequência %
Causas externas 16.294 33,1%
Algumas doenças infecciosas e parasitárias 8.808 17,9%
Doenças do aparelho circulatório 7.905 16,1%
Diabetes 6.672 13,6%
Gangrena (não classificada em outra parte) 5.136 10,4%
Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo 2.961 6,0%
Neoplasias 957 1,9%
Doenças de pele e do tecido subcutâneo 230 0,5%
Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas 202 0,4%
Total 49.165 100%

Fonte: SIHSUS; adaptado de Brasil, 2013.

Estima-se que as amputações do e podem se dar de forma aguda ou crônica.


membro inferior correspondam a 85% de A gangrena gasosa é a principal em relação
todas as amputações de membros, sendo às agudas, já nas crônicas, a osteomielite se
que aproximadamente 80% das amputações mostra mais incidente dentro das
de membros inferiores são realizadas em amputações.
pacientes com doença vascular periférica • Dor intensa em pacientes com doença
e/ou diabetes. As amputações por causas vascular, que não possuem outra alternativa
traumáticas prevalecem em acidentes de de tratamento. A doença arterial periférica é
trânsito e ferimentos por arma de fogo, a causa mais frequente de amputações
sendo essa a segunda maior causa. Entre as dentro desse grupo.
amputações não eletivas, o trauma é • Destruição irrecuperável de ossos e partes
responsável por cerca de 20% das moles, que podem ser ocasionados tanto por
amputações de membros inferiores, sendo traumatismos como por doenças vasculares.
75% dessas no sexo masculino. Em relação às amputações traumáticas, elas
Ademais, para Goffi (2007), as causas podem ocorrer tanto por ferimentos de
de amputação são definidas em 6 diferentes guerra ou traumas da vida civil.
grupos, sendo estes compostos pelas • Tumores benignos ou malignos que
seguintes condições: provocam grande comprometimento
• Infecção incontrolável, que são geralmente funcional. Esse tipo de amputação tem
apresentadas como situação de emergência caráter curativo ou paliativo, com o objetivo

29
Capítulo 36
TRAUMA E EMERGÊNCIA

de alívio de dor e eliminação do maior foco para uma prótese funcional, já que muitos
de crescimento tumoral. pacientes partem para essa escolha,
• Deformidades que geram déficit funcional, principalmente quando é analisada a idade
sendo necessário o uso de próteses para que do indivíduo, etiologia e necessidade de
haja melhora do quadro. amputação (BRASIL, 2013).
• Deformidades estéticas, que também Dito isso, os níveis de amputação se
podem ser utilizadas próteses, com o classificam, de acordo com as Diretrizes de
objetivo de gerar alívio ao paciente. Atenção à Pessoa Amputada, do Ministério
da Saúde (2013), entre os níveis de
3.2. Tipos e níveis de amputação amputação de membros superiores e
A escolha do nível da amputação é de membros inferiores, como mostrado na
extrema relevância diante desse Figura 36.1. O primeiro é dividido em seis
procedimento em que, na maioria das vezes, níveis, sendo eles: desarticulação do ombro,
deve ser levada em consideração a transumeral, desarticulação do cotovelo,
preservação da maior parte do membro transradial, desarticulação do Punho e
possível. Ademais, a boa cicatrização, a transcarpal. Já os níveis de amputação dos
adequada cobertura da pele e a preservação membros inferiores, classificados em oito
da sensibilidade são fatores que precisam no total, são: hemipelvectomia, desarticula-
ser levados em conta diante da escolha ção do quadril, transfemural, desarticulação
desse nível. É preciso analisar também se o do joelho, transtibial, desarticulação do
nível escolhido oferece uma boa adaptação tornozelo, syme, parcial do pé.

Figura 36.1 Níveis de


Amputação

3.3. Complicações das amputações prevalência de complicações, podendo ser,


As amputações são procedimentos que portanto, complicações físicas ou
causam mudanças significativas na vida do psicossociais. As complicações mais
paciente amputado e possuem uma alta comuns são edema, ulceração do coto,

30
Capítulo 36
TRAUMA E EMERGÊNCIA

inflamações, infecções, retração cicatricial, terminações nervosas se desorganizam,


contraturas, neuromas, espículas ósseas, gerando impulsos que ativam o Sistema
necrose, deiscência de sutura, isquemia, Nervoso Central, deixando intacta a
Trombose Venosa Profunda (TVP), percepção da existência do membro. Além
deformidade, dor no coto. Algumas disso, alguns achados patológicos podem
complicações podem surgir precocemente, ser a causa da dor, como distúrbios da
por exemplo a infecção, ou aparecem circulação, infecções e exostoses
tardiamente como dor no coto, dor e (ALMEIDA, 2017). A Teoria Central
sensação fantasma, contraturas, debilitação sugere que existe a ocorrência de distúrbios
geral e uma condição psicológica do mecanismo supressor nociceptivo
deprimida (SANTOS; LEE, 2014). segmentar. O traumatismo da amputação
Podem ocorrer outras complicações que provoca disparos anormais dos circuitos
estão mais relacionadas com a falta do neurais auto-excitatórios, gerando poten-
membro, que é a dor e a sensação fantasma, ciais de ação que são conduzidos até o
causada pelos estímulos mecânicos ou encéfalo, levando assim, a estímulos
pressão e baixo fluxo sanguíneo no dolorosos (TEIXEIRA; IMAMURA;
neuroma que se forma após a secção do CALVIMONTES, 1999). Ademais, ocorre
nervo. A complicação fantasma, segundo uma reorganização cortical central após a
Santos e Lee (2014), é a mais comum entre retirada do membro, uma vez que o córtex
os pacientes, ocorrendo em aproxima- cerebral possui a representação de cada
damente 95% deles, apresentando ou área do organismo, e após a amputação do
sensação ou dor do membro fantasma e membro, sua região permanece
algumas vezes até dor no coto. A sensação representada no córtex, dificultando o fim
que ocorre no membro pode ser de pressão da sensação corporal (GABARRA;
ou pontada, formigamento, queimação e CREPALDI, 2009). Os fatores
até dormência. psicológicos também podem contribuir
O cirurgião francês Ambroise Paré, em para o fluxo e intensidade da dor. Isso se
1552, foi um dos autores pioneiros na refere ao desejo de preservação da
descrição de queixas de dores integridade anatômica do corpo, com
significativas em um membro, após a sua dificuldade de adaptar-se a uma nova
amputação. Posteriormente, sucessivas imagem corporal. Ansiedade, estresse e
teorias foram descritas para tentar explicar depressão podem ser preditivos para uma
a fisiopatologia dessa síndrome. As teorias dor fantasma posterior (SILVA, 2013).
podem ser classificadas em periféricas, Além de todas as outras complicações,
centrais e psicológicas (ALMEIDA, 2017). o simples fato de perder uma parte do
Segundo a Teoria Periférica, após a membro pode levar à alteração psicológica
amputação e a secção do nervo, podem ser com danos, restrição motora e física e
formados nódulos denominados neuromas, dificuldades de autoestima devido à
que são responsáveis pela geração de estética alterada.
impulsos anormais. Neste efeito, as

31
Capítulo 36
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.4. Conduta realizada no atendimen- Passando para a fase pós-cirúrgica, de


to de paciente vítimas de amputação imediato, o paciente deve ser orientado a
Em um sistema de urgências, a respeito das transferências de postura e
organização do atendimento deve levar em deslocamentos, sendo informado de como
consideração diversos fatores, como: realizar os movimentos e utilizar os
geografia, demografia, condição socioeco- devidos objetos, como por exemplo a
nômica da região, aspectos culturais e cadeira de rodas. Após isso, com um bom
profissionais, condições de investimento condicionamento físico e aspectos cogni-
em saúde de determinada região, dentre tivos é iniciado o treinamento de marcha.
outros (SCARPELINI, 2007). No que diz A evolução dessa fase se dá por uso de
respeito ao paciente vítima de amputação, barras paralelas, andador, muletas tipo
a conduta a ser realizada no seu auxiliar ou canadense (BRASIL, 2013).
atendimento deve ser realizada da forma Por fim, é válido ressaltar que, tanto no
mais atenciosa possível, principalmente atendimento quanto no processo de
porque esses pacientes têm alta reabilitação do paciente vítima de
probabilidade de desenvolverem alterações amputação, faz-se essencial uma aborda-
psicossociais após a perda do seu membro. gem global e multiprofissional do paciente,
Assim, o cuidado pré e pós-operatório é que garanta ao máximo suas potenciali-
fundamental para garantir uma boa dades físicas e psicológicas (BAZHUNI,
reabilitação do paciente (BAZHUNI, 2006).
2006).
Após a entrada no atendimento, como 3.5. Efeitos biopsicossociais
apresentado na Figura 36.2, deve-se Na amputação, o paciente vive a perda
definir a necessidade de amputação, definir de uma parte do corpo como um
o tipo e o nível da amputação a ser aniquilamento. Os efeitos biopsicossociais
realizada, avaliar os aspectos cognitivos e da amputação de pacientes vítimas de
preparar o paciente, fisicamente e trauma são inúmeros. Entre eles, o
psicologicamente para o procedimento. A indivíduo pode deixar de reconhecer o
notícia deve ser dada de forma cuidadosa, próprio corpo, rejeitar a nova condição e ter
utilizando palavras de conforto e mostran- dificuldade em se adaptar sem o membro
do apoio ao paciente. É essencial que a amputado. É considerada uma perda
conduta seja extremamente ética e concreta diante da qual o indivíduo não
respeitosa, a fim de minimizar os efeitos encontra possibilidade de reparação,
psicossociais da perda de um membro, e considerando este quadro como uma
que após a cirurgia, o tratamento seja depressão patológica (GALVÁN; AMI-
realizado com o acompanhamento de uma RALIAN, 2009).
equipe multiprofissional (BAZHUNI,
2006).

32
Capítulo 36
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Figura 36.2 Fluxograma do manejo de paciente vítima de amputação

33
Capítulo 36
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Segundo um estudo realizado com 102 dos familiares e dos amigos como uma rede
indivíduos vítimas de amputações na de apoio frente às novas perspectivas do
Associação dos Deficientes do Compar- indivíduo com a amputação.
timento da Borborema (ASDECB), foi
possível analisar tanto os sentimentos 3.6. Preparo pré-operatório do
vivenciados pelos entrevistados após o paciente
processo de amputação quanto às Os cuidados de reabilitação oferecidos
repercussões geradas no cotidiano dos ao paciente amputado devem ser iniciados
indivíduos amputados (SALES et al., antes mesmo da operação, abordando sua
2012). Entre os sentimentos relatados a avaliação física completa, o esclarecimento
tristeza, a insegurança e a indignação / de dúvidas e expectativas sobre seu o
revolta com a nova situação representam as prognóstico funcional e sobre as metas de
principais dores mencionadas (SALES et reabilitação (BRASIL, 2013). A fase pré-
al., 2012; GALVÁN; AMIRALIAN, 2009). cirúrgica deve visar o condicionamento
Além disso, a existência do preconceito cardiopulmonar e físico do paciente, além
com os deficientes físicos e a limitação na da avaliação da amplitude de movimento
realização de algumas tarefas e atividades das articulações e a força muscular, somada
que antes eram feitas sem dificuldades e a uma preparação psicológica prévia
após a amputação se tornaram mais difíceis (SILVA; NETTO, 2016). A atuação da
ou até mesmo impossibilitadas, foram um psicologia mostra-se essencial nesta área,
dos fatores gatilhos para o medo e a auxiliando o paciente no enfrentamento
insegurança desses indivíduos na inserção desse processo de hospitalização, aceitação
ao mercado de trabalho e à sociedade e adaptação (GABARRA, CREPALDI;
(SALES et al., 2012). 2009).
A percepção distorcida e negativa sobre Nessa fase, também se faz presente a
a aparência física, os distúrbios de avaliação de aspectos cognitivos e definir o
autoimagem corporal, estão relacionados na nível de amputação. Este tem sua
maioria das vezes com o desânimo e a importância uma vez que, a partir dele será
ansiedade com a nova condição. Após a definida a técnica utilizada na cirurgia
amputação, o paciente precisa se ajustar ao (GOFFI, 2007).
seu novo corpo e recuperar a autoestima
(SENRA et al., 2012). 3.7. Reabilitação
A adaptação à perda do membro vai Logo após a amputação, a recuperação e
depender de como o indivíduo vivencia a cicatrização da sutura cirúrgica é de
amputação, como é estabelecido o seu apoio extrema importância (TEIXEIRA, MEJIA,
social e como é compreendido sua PINTO; 2013). Cuidados necessários
reabilitação (SENRA et al., 2012). Com devem ser tomados para que não ocorra
isso, percebe-se a necessidade do nenhuma intercorrência durante esse
acompanhamento psicológico, do auxílio período (BRASIL, 2013). Imediatamente

34
Capítulo 36
TRAUMA E EMERGÊNCIA

após a operação, são necessárias algumas orientações gerais ao paciente como:


medidas como o controle da dor, o posicionamento no leito hospitalar,
posicionamento correto na cama, de forma prevenção de deformidade, controle de
que os músculos e as articulações mais edema e modelagem do coto. O
próximas ao membro residual não encurtem fortalecimento muscular, também, é de
ou endureçam, tratamento da sensação de extrema importância. Portanto, todos os
dor fantasma, atividade funcionais e suporte outros segmentos corporais devem ser
emocional. Tais medidas ajudam a garantir fortalecidos. Além disso, a
que uma prótese possa ser recebida mais dessensibilização do coto é um passo que
rapidamente e sem complicações, mantendo precisa ser orientado, abordando o paciente
assim o paciente móvel e ativo (SILVA, a respeito de técnicas de massagem,
NETTO; 2016). Evidências apontam que a estímulos sensoriais, co-contrações e outros
maioria das pessoas inicia esse processo de exercícios (BRASIL, 2013).
recuperação tardiamente, levando em média
4,73 e 6,53 anos. Isso leva a complicações 4. CONCLUSÃO
no prognóstico, prejudicando o processo de
readaptação, devido a sequelas que podem O manejo do quadro de pacientes
surgir com o tempo (SCHOELLER., et al, vítimas de amputações decorrentes de
2013). politraumatismos envolve diversos desafios
A reabilitação pós-operatória deve ser relacionados ao procedimento em si e às
realizada com a participação de uma equipe suas repercussões pós-operatórias.
multiprofissional, que pode ser composta Nesse sentido, o avanço das cirurgias
por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e ortopédicas e da medicina de emergência
psicólogos, objetivando sempre garantir permitiu a redução do número de
uma atenção integral ao paciente amputado amputações relacionadas a eventos
(BRASIL, 2013). Devem ser realizadas traumáticos, contudo sua prevalência ainda
abordagens visando proporcionar ao é considerada alta. A qualidade de vida do
paciente o retorno da confiança e condições paciente amputado está diretamente ligada
para realização de atividades diárias com o à forma com que ocorre a relação entre a
máximo de independência possível, equipe multidisciplinar e esses indivíduos,
preparar o coto de amputação para que a pois esta desempenha um papel
colocação da prótese seja realizada e a particularmente importante, aumentando o
realização de exercícios funcionais suporte e reduzindo os conflitos diante de
(BARRETO, MENEZES, DE SOUZA; uma situação que, de diversas maneiras,
2013). acabam afetando a vida desses pacientes.
Entre 24 e 48 horas após a cirurgia é Esse estudo, então, configura-se
muito importante que o coto não permaneça essencial para a disseminação de
imobilizado, então deve-se começar a sua informações acerca da conduta a ser tomada
mobilização. Com isso, é necessárias frente a uma vítima de amputação

35
Capítulo 36
TRAUMA E EMERGÊNCIA

traumática, tendo em vista a abordagem de diagnóstico e terapêutica precoce para a


diversos aspectos relacionados ao quadro. redução da morbimortalidade e
Sendo assim, ressalta-se a importância da complicações secundárias relacionadas a
adoção de uma abordagem de prevenção, ela.
.

36
Capítulo 36
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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37
Capítulo 36
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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38
Capítulo 37
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 37
AVALIAÇÃO DO PERFIL
EPIDEMIOLÓGICO E ETIOLÓGICO
DOS TRAUMAS DE FACE: UMA
REVISÃO DA LITERATURA

Palavras-chave: Traumatismos faciais. Lesões faciais. Epidemiologia.

BIA YAMASHITA FONSECA¹

¹Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Pouso Alegre.


Residente em Área cirúrgica básica no Hospital das Clínicas Samuel
Libânio.

1
Capítulo 37
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO nesse sentido, na tentativa de reduzir essas


taxas.
A etiologia do trauma facial é 2. MÉTODO
multifatorial. A predominância maior ou
menor de cada caso está relacionada a Trata-se de uma revisão integrativa,
vários fatores, como: violência, idade, sexo, realizada no período de abril a junho de
classe social, local de moradia (urbana ou 2021, a partir de artigos científicos
rural) da população estudada (DE MOURA disponíveis na plataforma BVS, utilizando
et al., 2016). Portanto, ao avaliar diferentes os descritores: “facial trauma” e “facial
estudos sobre traumas faciais, é importante injuries”. Os critérios de inclusão foram:
lembrar que a etiologia estará diretamente estudos publicados nos últimos 5 anos,
relacionada ao país estudado e, portanto, disponíveis integralmente online, nos
variará de acordo com as condições idiomas inglês ou português. Após a
socioeconômicas locais e até mesmo o ano utilização desses filtros foram encontrados
de investigação. Mesmo assim, a etiologia 124 estudos. Os critérios de exclusão foram:
tende a ser consistente em todos os estudos, artigos duplicados, disponibilizados na
com acidentes de trânsito, quedas, forma de resumo, que não abordavam
violência, lesões esportivas e acidentes de diretamente a proposta estudada e que não
trabalho sendo relatados na maioria dos atendiam aos demais critérios de inclusão.
estudos (MARANO et al., 2020). Após os critérios de seleção restaram 12
As partes da face mais comumente artigos que foram submetidos à leitura
sujeitas a fraturas são o osso mandibular, o minuciosa para a coleta de dados. Foram
complexo zigomático e os ossos nasais, então definidas 2 temáticas principais: O
embora as regiões anatômicas envolvidas perfil do paciente acidentado e a Etiologia
em uma determinada lesão variem de dos Traumas de Face. Os resultados foram
acordo com o mecanismo e a energia do apresentados de forma descritiva.
trauma (STREUBEL SO, MIRSKY DM.,
2016). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
O objetivo geral deste trabalho foi
descrever as características dos traumas Os estudos empíricos foram analisados
faciais evidenciando dados da literatura em função dos seguintes aspectos: sexo,
mundial publicados nos últimos 5 anos, faixa etária, local e causas do trauma facial.
uma vez que avaliações epidemiológicas
 A diferença dos gêneros no trauma
fornecem subsídios importantes na
facial
formulação de legislações na tentativa de
Existe uma tendência mundial de maior
reduzir sua incidência, já que fatores de
prevalência dos traumas faciais em homens
risco e padrões de apresentação podem ser
jovens. Estudos prévios revelam que as
identificados e medidas podem ser tomadas,
lesões faciais acometeram em sua grande
maioria pacientes homens, em uma

464
Capítulo 37
TRAUMA E EMERGÊNCIA

proporção de aproximadamente 4:1 (DE de fratura em relação àquelas com menos de


MOURA et al., 2016). 60 anos, uma comparação que foi
Assim como entre os adultos, na significativa entre brancos e asiáticos.
infância o trauma também está mais Mulheres negras tiveram um risco
associado ao sexo masculino (WANG et al., significativamente reduzido de fratura na
2018). Tal fato pode ser devido a diferenças população idosa (HAMBA et al., 2016).
de comportamentos ligadas a características De modo geral, a tendência à maior
peculiares a cada sexo. incidência de traumas faciais no sexo
Pacientes jovens, na faixa etária entre 18 masculino se confirma nesta revisão.
a 40 anos constituíram a faixa mais  As faixas etárias e suas etiologias de
prevalente em ambos os sexos, mas com trauma facial
predomínio estatisticamente significante O trauma é a principal causa de
dos homens em todos os mecanismos morbidade e mortalidade em crianças nos
causadores dos traumatismos faciais (PITA Estados Unidos. De acordo com o National
NETO et al., 2018). A explicação mais Trauma Databank, a cabeça é a parte do
óbvia para esse achado é que essa faixa corpo mais comumente envolvida em casos
etária é o maior grupo economicamente de trauma pediátrico, enquanto a face é a
ativo, o que torna as pessoas desse grupo quarta região mais comumente afetada.
participantes mais ativos em atividades (BRAUN et al., 2017). Em bebês e
sociais, esportes e transporte, e também as pacientes pediátricos mais jovens, em
torna mais suscetíveis a questões como a particular, o crânio relativamente maior tem
violência tanto no escopo nacional quanto maior probabilidade de ser o local de lesão
no global (UNITED NATIONS STA- por força contundente em comparação com
TISTICS DIVISION, 2019; INSTITUTO o rosto.
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E Quanto às etiologias, além das quedas,
ESTATÍSTICA, 2017). Outras razões para traumas domésticos por agressão às
a alta proporção de homens e mulheres em crianças não são raros. Normalmente, são
algumas regiões do mundo pode ser não pacientes mais jovens e com múltiplas
apenas a segregação das mulheres da vida fraturas em diferentes estágios de
social nos países orientais, mas também o consolidação, caracterizando a Síndrome da
grande número de motoristas de veículos do Criança Espancada, que é de notificação
sexo masculino, sua prática de, mas compulsória pelo profissional da saúde. De
esportes de contato físico e maior consumo um modo geral, a incidência de fratura
de álcool e outras drogas. facial é menor em crianças do que em
No entanto, na comparação por sexo em adultos. Outro importante meio de lesão são
populações idosas (≥ 60 anos), as mulheres as mordeduras caninas, os resultados
tiveram uma maior predileção por fraturas. mostraram uma tendência preocupante de
Além disso, as mulheres mais velhas lesões mais graves, especialmente em
tiveram um risco significativamente maior crianças mais novas, e uma reversão no

465
Capítulo 37
TRAUMA E EMERGÊNCIA

gênero, com meninas mais mordidas do que exceto em idosos (DIN-LOVINESCU et


meninos. (KHAN et al., 2019) al., 2020). Essa constatação pode ser
Na faixa etária adolescente, a incidência explicada pelo fato de as motocicletas
atingiu o pico em torno dos períodos de 12 serem mais acessíveis do que os
a 18 anos no sexo masculino e 16 a 18 anos automóveis, inclusive os Estados Unidos.
no feminino. As etiologias mais comuns Esse fator se soma ao fato de quase 90% dos
foram colisões de veículos motorizados, pacientes deste estudo virem de regiões com
seguido por quedas (WANG et al.., 2018). baixa renda per capita. Essa diferença
Outra importante etiologia nesta faixa etária socioeconômica também influen-cia na
é a frequente prática de atividades físicas de gravidade das lesões: houve forte
contato (BRAUN et al., 2017). associação entre o consumo de álcool, a
Os adultos jovens, (18 a 40 anos) foram falta de uso de capacete e a presença de
os mais prevalentes em ambos os sexos nos múltiplas fraturas faciais cirúrgicas (PITA
estudos. Esses pacientes costumam ter NETO et al., 2018)
maiores habilidades físicas e mobilidade e Apesar dos acidentes com veículos
estão mais presentes em situações de risco, automotores ainda serem a principal causa
além de ingerirem mais bebidas alcoólicas de trauma maxilofacial em alguns países
(STREUBEL SO, MIRSKY DM., 2016). desenvolvidos, dados de estudos recentes
Por estar contida nesta faixa etária a (VAN DE GRIEND et al., 2015), desses
principal força motriz da economia, grande mesmos países, indicam que a violência
parte das lesões estão também conectadas a interpessoal se tornou outra causa
acidentes de trabalho (TENT et al., 2018). prevalente dentre os adultos.
Embora, recentemente, muitas mudan- Nos idosos, a queda é o principal
ças tenham sido feitas nas leis de trânsito mecanismo de trauma e geralmente resulta
em muitos países, incluindo a introdução de de múltiplas causas patológicas. Mecanis-
equipamentos de segurança (capacetes e mos fisiológicos como propriocepção alte-
cintos de segurança), aumento do controle rada, fraqueza, tremor e reflexos diminuí-
de tráfego, punições mais rígidas para dos facilitam a queda. Esta é a faixa etária
violações das leis de trânsito e aumento de menos acometida pelo trauma geral e de
campanhas de conscientização por agências face, mas sua recuperação é mais demorada,
governamentais com o objetivo de reduzir o e eventuais complicações são frequentes
tráfego acidentes, o trânsito ainda continua (DE MOURA, et al., 2018). Nessa faixa
sendo uma das principais causas de fraturas etária, os traumas faciais decorrentes de
maxilofaciais (WANG et al., 2018). atividades de lazer são frequentemente
Na categoria de acidentes de trânsito, os causados por bicicleta, esportes coletivos,
acidentes automobilísticos e motociclísticos atividades ao ar livre e jardinagem
apresentaram taxas de fraturas substancial- (PLAWECKI et al., 2017).
mente maiores quando comparados aos  Topografias e gravidade das lesões
acidentes ciclísticos e atropelamentos,

466
Capítulo 37
TRAUMA E EMERGÊNCIA

No escopo geral, a mandíbula e o nariz parassínfise e côndilo (KANALA et al,


são os principais locais das fraturas, 2010).
seguidos pelo zigoma (HAMBA et al.,
2016). 4. CONCLUSÃO
As fraturas de mandíbula e nasal foram
as lesões mais prevalentes encontradas na O diagnóstico e tratamento das lesões
revisão. A fratura de mandíbula foi a que faciais envolvem um atendimento de
mais ocorreu em todas as categorias de abrangência multidisciplinar, envolvendo
trauma. As fraturas nasais, em segundo principalmente as especialidades de trauma,
lugar de prevalência, quando associadas às oftalmologia, cirurgia plástica, maxilofacial
fraturas mandibulares, foram frequentes nas e neurocirurgia. Seu estudo torna-se,
categorias de violência interpessoal, aciden- portanto, importante diante do importante
tes automobilísticos, quedas e acidentes impacto, principalmente na população
motociclísticos e bicicletas. economicamente ativa, que é a mais
Na região maxilofacial, a fratura de acometida.
mandíbula é a mais prevalente, seguida do A queda foi a causa mais comum de
osso zigomático (TENT et al., 2018). lesões oro-maxilo-faciais em homens e
Segundo a literatura, as agressões mulheres e em todas as três faixas etárias,
costumam ser responsáveis por fraturas do seguida por acidentes automotivos.
corpo e ângulo mandibular, acidentes O principal tipo de lesão foi lesão óssea,
automobilísticos são responsáveis por fra- principalmente com lesões da mandíbula.
turas de côndilo e corpo mandibular ou Os dados obtidos neste estudo fornecem
problemas no côndilo e sínfise e, os informações importantes para a prevenção
acidentes com motocicletas, na maioria das futura de lesões, uma vez que estas geram
vezes sem uso de capacete, são responsá- grandes custos para completa resolução.
veis por fraturas no corpo, sínfise,

467
Capítulo 37
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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468
Capítulo 38
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 38
DIFICULDADES ENFRENTADAS, NO
ATENDIMENTO DO SUS, PELAS VÍTIMAS
DE VIOLÊNCIA SEXUAL
DIAGNOSTICADAS COM TRANSTORNO
DE ESTRESSE PÓS TRAUMÁTICO

Palavras-chave: Transtorno do Estresse pós traumático; Violência sexual;


Sistema Único de Saúde.

ANA ELISA DE FREITAS SOUZA¹


ISABELA MARQUES SILVA¹
MARIA EDUARDA SANTOS RODRIGUES¹

1
Discente – Medicina do Centro Universitário Euroamericano.

469
Capítulo 38
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO estava relacionado com violência sexual,


bem como o atendimento dessas vítimas no
A violência sexual é considerada um SUS, disponíveis na íntegra e gratuitos nas
problema de saúde pública e está entre as bases de dados e na biblioteca eletrônica
principais causas do Transtorno de Estresse selecionados, publicados no idioma
Pós-traumático (TEPT). Esse transtorno português, escolhendo aqueles que
constitui uma resposta retardada ou abordaram o tema e que atenderam aos
protraída a uma situação ou evento objetivos do estudo. Foram utilizados os
estressante (de curta ou longa duração), de descritores: transtorno de estresse pós-
natureza excepcionalmente ameaçadora ou traumático, violência sexual e SUS.
catastrófica, e que provoca sintomas Como critérios de exclusão foram: os
evidentes de perturbação na maioria dos artigos duplicados, artigos que não se
indivíduos (Classificação Internacional de relacionavam diretamente com a proposta
Doenças – CID 10). A assistência às vítimas estudada, os que estavam disponíveis
de violência sexual é garantida por lei no apenas na forma de resumo, e os que não
Brasil, porém o Sistema Único de Saúde atendiam aos demais critérios de inclusão.
apresenta dificuldades para a efetivação
desse direito, comprometendo assim o 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
tratamento do transtorno pós-traumático
identificado nas vítimas (Lucielma Salmito O transtorno do estresse pós-traumático
Soares et al., 2017). está presente em uma grande parcela da
O objetivo deste estudo foi avaliar o população vítima de violência sexual, uma
impacto da ineficácia do atendimento do vez que é a psicopatologia mais citada como
SUS direcionado às vítimas de violência decorrente desse fato. A ineficácia no
sexual e relacionar com a ocorrência do atendimento do SUS às vítimas de violência
Transtorno de Estresse Pós-traumático sexual traz prejuízos inestimáveis aos
(TEPT). pacientes pois, uma vez que o TEPT não é
tratado da forma adequada, pode
2. MÉTODO desencadear um transtorno de ansiedade,
depressão e por fim, suicídio
Trata- se de uma revisão bibliográfica (SCHAEFER,2012). Uma das maiores
realizada no ano de 2020. A busca foi dificuldades enfrentadas pelas vítimas diz
efetuada na base de dados BIREME e respeito a hora de buscar ajuda, tendo em
SciELO, em revistas eletrônicas da área da vista que grande parte não sabe que existe
saúde sobre a temática e relatos obtidos de um atendimento universal no SUS para essa
portais de notícia, como Senado notícia. população. Observa-se desse modo, que
Como critérios de inclusão, foram esse fato ocorre devido à pouca divulgação
selecionados artigos originais em que o da existência desses serviços, além da
tema Transtorno de Estresse Pós-traumático violência estar muito associada a uma

470
Capítulo 38
TRAUMA E EMERGÊNCIA

questão de segurança pública. Desta fazer naquela situação. Isso demonstra que
maneira, muitas vítimas acreditam ser há uma falha no princípio de integralidade
necessário procurar primeiro uma delegacia do SUS, visto que esse deve garantir o
e se submeterem a um exame pericial no tratamento do paciente em todos os níveis
Instituto Médico Legal (IML), no entanto, a de saúde, em busca de maior resolubilidade
criação da Lei 12.845 assegura às vítimas o (Luciana de Amorim et al., 2015).
direito de procurar diretamente o hospital
(Eleonora Menicucci de et al., 2005). 4. CONCLUSÃO
Contudo, a principal crítica feita pelas
vítimas de violência sexual é no próprio Os estudos apontaram que a ineficácia
âmbito da saúde pública, uma vez que elas no atendimento do SUS às vítimas de
relatam o descaso, a falha no acolhimento e violência sexual trazem grandes prejuízos
a falta de preparo profissional, desse modo, na vida desses pacientes, pois desencadeiam
esses indivíduos consideram o atendimento em problemas ainda maiores,
hospitalar uma segunda violência. Muitas principalmente na vida psicológica desses
vezes os hospitais tomam medidas para indivíduos, uma vez que eles possuem
reduzir os possíveis danos imediatos, mas grandes chances em desenvolver o
falham na hora de acolher o paciente para Transtorno de Estresse Pós-Traumático.
evitar prováveis consequências Contudo, por se tratarem de estudos
psicológicas a longo prazo, como é o caso recentes, não há muitos materiais que
das vítimas que desenvolvem o TEPT abordam uma diversidade de informações
(Luciana de Amorim et al, 2015). Quanto à na perspectiva da violência sexual
falta de preparo profissional, vítimas de relacionada ao TEPT. Além disso, há
violência sexual relataram em entrevistas também desafios a serem superados na
que ao buscarem a Unidade Básica de abordagem da saúde mental no SUS, como
Saúde, encontraram profissionais a integração de políticas públicas destinadas
despreparados que não tinham a tratar esse problema de forma eficiente.
conhecimento da abordagem adequada a se

471
Capítulo 38
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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472
Capítulo 38
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 39
GRAVIDEZ ECTÓPICA E O
PAPEL DA ULTRASSONOGRAFIA
NO DIAGNÓSTICO DE
EMERGÊNCIA

Palavras-chave: Gravidez ectópica; Ultrassonografia; Diagnóstico.

CAMILA ROCHA CUNHA SILVA¹


CARLA CAROLINA ALVES LOPES¹
CLÁUDIA MARIA DE SOUZA GONÇALVES¹
JÚLIA DE SOUZA SALLES¹
PAULLINNE ARIEL NOGUEIRA BARBOSA¹
ROMMEL LACHER RACHID NOVAIS²

1
Discente - Medicina da Universidade Federal de São João del-Rei – Campus Centro-Oeste Dona
Lindu.
2
Docente – Departamento de Medicina da Universidade Federal de São João Del Rei – Campus
Centro-Oeste Dona Lindu.

473
Capítulo 39
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO 2. MÉTODO

A Gravidez Ectópica (GE) é uma das Trata-se de uma revisão de literatura


emergências ginecológicas mais comuns, integrativa realizada no período de maio e
sendo uma alteração na fisiologia junho de 2021, por meio de pesquisas nas
reprodutiva que permite a ocorrência da bases de dados: SciELO, MEDLINE via
implantação do blastocisto fora da cavidade PubMed (US National Library of Medicine)
endometrial. Dessa forma, a GE uma das e LILACS (Literatura Latino-Americana e
complicações mais habituais do primeiro do Caribe em Ciências da Saúde). Foram
trimestre e uma das principais causas de dor utilizados os grupos de descritores:
abdominal aguda em serviços de “Gravidez ectópica”, “ultrassonografia” e
emergência (HOFFMAN et al., 2014; “diagnóstico”. Dessa busca, foram
TAHMINA et al., 2016; CAI et al., 2017; encontrados 753 artigos que posteriormente
PEREZ-BRETONES et al., 2019; BERTIN foram submetidos aos critérios de seleção.
et al., 2019). Quando ocorre o crescimento A revisão foi realizada nas bases de dados
do embrião, há o risco de rompimento da supracitadas, utilizando os descritores
estrutura em que a GE está localizada, por acima e os booleanos “OR” entre os
exemplo, a tuba uterina, levando a descritores contidos em um mesmo grupo e
sangramentos e outras complicações “AND” para agrupar os grupos de
graves, como choque e até a morte da descritores.
paciente (CAI et al., 2017). Com o advento Foram incluídos na revisão artigos nos
do radioimunoensaio sensível e específico idiomas português, espanhol e inglês,
para a subunidade β da gonadotrofina publicados no período de 2015 a 2021 e que
coriônica humana (β-hCG, de human abordavam as temáticas propostas para esta
chorionic gonadotropin), combinado com a pesquisa, disponibilizados na íntegra.
ultrassonografia transvaginal (UTV) de alta Foram excluídos os artigos duplicados,
resolução, a apresentação inicial de uma disponibilizados apenas na forma de
mulher com gravidez ectópica raramente é resumo, que não abordavam diretamente a
tão ameaçadora à vida como no passado proposta estudada ou não atendiam aos
(HOFFMAN et al., 2014). Para tanto, o demais critérios de inclusão. Após
diagnóstico e manejo em tempo hábil são aplicação dos critérios de seleção restaram
essenciais para evitar tal desfecho. 20 artigos que foram submetidos à leitura
Sendo assim, o atual trabalho, objetiva minuciosa para a coleta de dados. Além
determinar epidemiologia, incidência, disso, para a compilação desse capítulo,
fatores de risco, apresentação clínica e, foram consultados livros referentes a área
principalmente, o papel da ultrassonografia de ginecologia e obstetrícia e um artigo de
(US) no diagnóstico de GE. 2009 com ênfase no diagnóstico de gravidez
ectópica por ultrassonografia.

474
Capítulo 39
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Os resultados foram apresentados de materno extravasa para o espaço no interior


forma descritiva divididos em categorias do trofoblasto ou para o tecido adjacente
temáticas abordando: definição, epidemia- (HOFFMAN et al., 2014).
ologia, fatores de risco, localização, clínica,
diagnóstico e tratamento. Figura 39.1 As várias localizações e
frequências das gestações ectópicas
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. Definição
Gravidez Ectópica (GE) pode ser
definida como a implantação do blastocisto
fora da cavidade uterina (Figura 39.1), uma
condição que afeta cerca de 1 a 2 % das
gestações (VARGAS-HERNANDEZ et al.,
2017). É uma emergência com potencial
Fonte: Hoffman et al., 2014.
risco de vida, comumente encontrada por
médicos, a qual o diagnóstico pode, muitas A inflamação aguda participa da lesão
vezes, passar despercebido (TAHMINA et tubária predispondo as gestações ectópicas,
al., 2016). Por ser uma das causas mais sendo que a salpingite crônica e a salpingite
importantes de abdome agudo na ístmica nodosa também desempenham
ginecologia e a principal causa de morte papéis importantes no seu desenvolvimento
materna durante o primeiro trimestre da da GE. Assim, a ocorrência de infecções
gravidez, sua criteriosa investigação se faz sexualmente transmissíveis (IST’s), como a
essencial (CRISPIN et al., 2020). Toda clamídia, pode causar inflamação intralu-
mulher em idade reprodutiva que apresente minal e subsequente deposição de fibrina
dor no baixo ventre ou sangramento vaginal com aderência tubária. Outro exemplo é a
deve levantar a suspeita de gravidez Neisseria gonorrhoeae, que causa
ectópica, e para evitar morbidade e inflamação pélvica virulenta com instalação
mortalidade, o manejo precoce é necessário clínica. Há evidências convincentes de que
(TAHMINA et al., 2016). a inflamação dentro da tuba uterina pode
A ausência de camada submucosa na levar a atraso na descida do embrião ao
parede da tuba uterina proporciona acesso mesmo tempo em que fornece sinalização
fácil para que o óvulo fertilizado se refugie pró-implantação para os embriões ainda
no epitélio, permitindo sua implantação dentro da tuba (HOFFMAN et al., 2014).
dentro da parede muscular. Além disso, a
ausência de resistência permite a penetração 3.2. Epidemiologia
precoce do trofoblasto. À medida que o GE é uma complicação do 1º trimestre
trofoblasto prolifera rapidamente e desgasta da gravidez potencialmente fatal, sendo sua
a camada muscular subjacente, o sangue incidência cerca de 1-2% na maioria dos

475
Capítulo 39
TRAUMA E EMERGÊNCIA

estudos baseados em hospitais, além de ser uma taxa de 3,5 - 7,1% das mortes maternas
responsável por 4-10% das mortes devido à GE (TAHMINA et al., 2016). Em
relacionadas à gravidez em todo o mundo, um estudo prospectivo realizado em um
principalmente devido à ruptura que leva à hospital na Índia, a incidência de GE
hemorragia em consequência de diagnós- estabelecida foi de 1/108 gestações, sendo a
ticos tardios (TAHMINA et al., 2016; faixa etária mais acometida, mulheres entre
DHOMBRES et al., 2017). Os três fatores 21 e 30 anos (TAHMINA et al., 2016).
de risco que aumentam a probabilidade de
ruptura tubária são indução de ovulação, 3.3. Fatores de risco
nível de βeta-hCG sérica acima de 10.000 Acontecimentos que interferem no
UI/L, quando da suspeita inicial de gravidez trajeto do óvulo desde o infundíbulo até a
ectópica, e histórico de nunca ter feito uso porção uterina das tubas podem ser
de contracepção (HOFFMAN et al., 2014). considerados fatores de risco (Tabela 39.1).
Nesse sentido, conhecer esses fatores são Sendo assim, os principais são
importantes para que haja intervenção (CARMARGOS et al., 2016; HOFFMAN
rápida e adequada, evitando um desfecho et al., 2014; TAHMINA et al., 2016; LEE
ruim. Quando há implantações nas regiões et al., 2018; BERTIN et al., 2019):
não tubárias, a GE pode ser ainda mais  Doença inflamatória pélvica: é uma
difícil de ser diagnosticada (TAHMINA et condição que provoca alterações na luz da
al., 2016; DHOMBRES et al., 2017). A tuba uterina como a ocorrência de
época da ruptura tubária depende também, obstruções, a diminuição da quantidade de
em parte, da localização da gravidez. Como cílios e a alteração da motilidade tubária,
regra, a ruptura tubária ocorre no início da sendo considerada o principal fator de risco
gestação, quando a implantação ocorre na para GE;
porção ístmica ou ampolar da tuba uterina,  Gravidez ectópica prévia: é considerado
já a ruptura tardia é observada quando o um fator de alto risco para desenvolvimento
óvulo está implantado dentro da porção de GE;
intersticial (HOFFMAN et al., 2014). Em  Ocorrência de infecção genital prévia
geral, a ruptura é espontânea, mas também confirmada: é considerado um fator de alto
pode ser causada por trauma, como o risco para desenvolvimento de GE;
associado a exame pélvico bimanual ou a  Acotovelamento tubário: é causado por
relações sexuais (HOFFMAN et al., 2014). aderências formadas devido a infecções ou
Nos Estados Unidos, a GE é responsável cirurgias prévias nas tubas uterinas,
por até 13% de todas as mortes maternas, já endometriose ou tumores paratubários,
no Reino Unido, ela é responsável por 7,5% como miomas e cistos ovarianos;
(MARTINEZ et al., 2018). Para países em  Anormalidades no desenvolvimento das
desenvolvimento, as taxas de mortalidade tubas: elas podem se formar mais longas
materna não são conhecidas com precisão e que o habitual, ter seu calibre reduzido e/ou
os poucos estudos disponíveis mostram apresentar divertículos ou óstios acessórios;

476
Capítulo 39
TRAUMA E EMERGÊNCIA

 Tipo de contracepção escolhida: os procedimentos de reprodução assistida.


contraceptivos à base de progestagênios Ademais, a estimulação da ovulação e as
reduzem a motilidade tubária, bem como o técnicas de transferências de embriões
uso de pílulas de emergência, que também também se relacionam com uma maior
representa risco, uma vez que possuem proporção de GE extratubária (ovariana e
elevadas doses de progestagênios. Além cervical) e de gravidezes heterotópicas;
disso, o uso de dispositivo intrauterino  Hiper ou hipoatividade do ovo: o ovo
(DIU) pode representar um risco se falhar que se desenvolve mais rapidamente tem
em seu objetivo de impedir a fecundação, maior chance de implantação na tuba,
pois altera os movimentos peristálticos da enquanto que o de desenvolvimento mais
tuba, retardando a passagem do ovo; lento tem maior risco de gerar uma gravidez
 Tabagismo: está relacionado com cervical;
elevada incidência de GE;  Presença de endométrio ectópico: a
 Reprodução assistida: é um dos presença do endométrio na tuba, ovário ou
principais fatores de risco que se relaciona parede uterina pode facilitar a implantação
com o aumento na incidência da GE. O uso do ovo nesses locais;
da tecnologia para reprodução assistida em  Aborto prévio: está relacionado com um
casais sub ou inférteis tem incidência de risco moderado de GE;
0,8% de gravidez ectópica nos casos com  As mulheres com idade entre 35 e 44
transferência e de 2,2% para gravidez anos apresentam risco três vezes maior de
clínica, sendo que os procedimentos que gravidez ectópica, em comparação com as
produzem as taxas mais altas são aquelas entre 15 e 25 anos de idade. Esse
transferência intratubária de gametas fato tem sido atribuído a alterações
(3,7%), transferência de embrião hormonais relacionadas à idade e que
criopreservado (3,2%) e fertilização in vitro alteram a função tubária.
(FIV) (2,2%). Nas mulheres submetidas à Além disso, outros fatores associados
FIV, os principais fatores de risco para com aumento do risco são: promiscuidade,
gravidez ectópica são infertilidade por fator sepse puerperal, sepse pós-aborto e
tubário e hidrossalpinge. Além disso, a multiparidade. (TAHMINA et al., 2016;
implantação “atípica” – intersticial, BERTIN et al., 2019).
abdominal, cervical, ovariana ou
heterotópica – é mais comum após

Tabela 39.1 Fatores de risco para Gravidez Ectópica


Fator Razão de Probabilidade (IC 95%)
Gravidez ectópica anterior 12,5 (7,5 - 20,9)
Cirurgia tubária anterior 4 (2,6 - 6,1)
Tabagismo, 20 cigarros por dia 3,5 (1,4 - 8,6)

477
Capítulo 39
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Doença Sexualmente Transmissível anterior com 3,4 (2,4 - 5)


Doença Inflamatória Pélvica confirmada por
laparoscopia e/ou teste positivo para Chlamydia
trachomatis
Três ou mais abortamentos espontâneos anteriores 3 (1,3 - 6,9)
Idade > 40 anos 2,9 (1,4 - 6,1) 2,9 (1,4 - 6,1)
Abortamento clínico ou cirúrgico anterior 2,8 (1,1 - 7,2)
Infertilidade >1 ano 2,6 (1,6 - 4,2)
Parceiros sexuais ao longo da vida >5 1,6 (1,2 - 2,1)
Uso de Dispositivo Intrauterino 1,3 (1 - 1,8)
Fonte: Adaptado de Hoffmann, 2014

3.4. Localização ectópica, sendo que os fatores de risco para


Existem vários subtipos de gravidez essa localização incluem doença
ectópica (Tabela 39.2). Dentre elas, as inflamatória pélvica (DIP), salpingectomia
trompas de falópio ou tubas uterinas são os anterior e fertilização in vitro (CHANANA
locais mais acometidos, sendo (94 - 97%) et al., 2017). Posteriormente, os locais mais
em todas as GEs (TAHMINA et al., 2016; prevalentes são ovário e ligamento largo. Já
CAI et al., 2017; ZAPATA et al., 2015; entre as localizações menos frequentes,
LEE et al., 2018; DHOMBRES et al., temos a cicatriz cornual, cervical, ovariana,
2017). Nessa localização, os locais de cavidade abdominal, cesárea anterior,
implantação em ordem de frequência são: fígado, baço, dentre outros (NZAUMVILA
ampola (70-80%), o istmo (12%) e as et al., 2018; VARGAS-HERNANDEZ et
fímbrias (5%) (BERTIN et al., 2019; al., 2017; BERTIN et al., 2019, CAI et al.,
CHANANA et al., 2017). A implantação de 2017; MARTINEZ et al., 2018; DIAZ et
um blastocisto nas porções miometriais da al., 2019; HUGHES et al., 2017; MOOIJ et
trompa de Falópio é uma causa menos al., 2018).
comum (2% a 4% dos casos) de gravidez

Tabela 39.2 Vários subtipos de gravidez ectópica

Localização Incidência (%) Principais características


Subtipo mais comum: Cavidade uterina se encontra vazia;
Ampola 70-80
Sinal de anel tubário
Saco gestacional excêntrico na porção miometrial da
Intersticial 2-4
trompa de Falópio. Sinal positivo da linha intersticial.
Aspecto de ampulheta do colo do útero, atividade cardíaca
Cervical <1
fetal positiva
Técnicas de reprodução assistida raras, varreduras de
Ovariana 1-3
acompanhamento mostram margens crenuladas

478
Capítulo 39
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Alto risco de ruptura e hemorragia pode ser um desafio


Cicatriz cesariana <1
para diagnosticar em útero retrovertido
O ultrassom geralmente é menos produtivo, a ressonância
Abdominal 0,9 – 1,4
magnética é preferida
Diagnóstico desafiador, acompanhamento é necessário,
Heterotópica 1-3
muitas vezes precisa de cirurgia para provar
Fonte: Adaptado de Chanana et al., 2017

Com relação a GE em outras com risco de vida (CHANANA et al.,


localizações, a gravidez ectópica cervical é 2017).
um tipo muito raro (<1%), sendo importante Verifica-se também uma menor
reconhece-la por seu potencial de incidência na região abdominal, ocorrendo
hemorragia com risco de vida forem entre 0,9 - 1,4% entre todas as gestações
realizados procedimentos como dilatação e ectópicas, a qual pode ser detectada muito
curetagem (CHANANA et al., 2017). Já a tardiamente (CHANANA et al., 2017;
implantação em região cornual tem OLIVEIROS L et al., 2020). Contudo,
frequência de 2 - 4% e, por possuir grande devido a mínima viabilidade fetal e alta
massa muscular e ampla irrigação, permite mortalidade materna (até 20% dos casos),
o desenvolvimento gestacional de até 16 a se faz indispensável um pronto
18 semanas, em que a rotura e as reconhecimento e manejo de tais
complicações podem se suceder com ocorrências obstétricas (OLIVEIROS L et
consequências catastróficas (OLIVEIROS al., 2020).
L et al., 2020; BERTIN et al., 2019). A Em casos raros, a GE pode ainda ser
gravidez ovariana ocorre quando o óvulo é heterotópica, em que coexistem uma
fertilizado na tuba uterina distal e, gestação intrauterina e uma extrauterina
subsequentemente, implantado no ovário, (HERNANDEZ-CRUZ et al., 2017). Sua
sendo responsável por 1% – 3% das incidência é maior com técnicas de
gestações ectópicas. Ela está fortemente reprodução assistida (1% – 3%) (CHANA-
associada ao uso de dispositivos NA et al., 2017). Nesse contexto, esse tipo
intrauterinos e doença inflamatória pélvica de complicação costuma ser diagnosticado
(DIP) (CHANANA et al., 2017). tardiamente quando comparado com uma
A gravidez em cicatriz de cesariana é gravidez ectópica isolada, uma vez que ao
um tipo raro (<1% dos casos), em que o visualizar uma gravidez intrauterina na
saco gestacional é implantado no tecido ultrassonografia transvaginal, a visualiza-
cicatricial da cesariana, quando ele não ção da GE pode ser omitida, o que leva a
cicatriza bem, podendo resultar em uma maior probabilidade de hemoperitônio.
afinamento focal, sendo suscetível à Evidencia-se, portanto, a importância de
implantação do saco gestacional, sendo que uma visualização rotineira dos anexos
há alto risco de ruptura uterina e hemorragia (HERNANDEZ-CRUZ et al., 2017). Dessa

479
Capítulo 39
TRAUMA E EMERGÊNCIA

forma, apesar de rara, o diagnóstico de uma diagnosticada em estágio avançado


gravidez tópica não exclui uma gravidez (PÉREZ-BRETONES et al., 2019). Dessa
ectópica, sendo necessário criteriosa forma, as mulheres podem apresentar
avaliação e diagnóstico, utilizando princi- sintomas inespecíficos, sem saber da
palmente a ultrassonografia para avaliação existência de uma gravidez ou mesmo
das pacientes (MATOS et al., 2018). Ao apresentar choque hemodinâmico (PÉREZ-
contrário de outras gestações ectópicas, os BRETONES et al., 2019).
níveis de βeta-hCG e o tempo de duplicação
são normais na gravidez heterotópica, razão 3.6. Diagnóstico
pela qual essas gestações são difíceis de O diagnóstico (Figura 39.2) para GE
diagnosticar. A gravidez heterotópica pode inclui: exame clínico, determinação de
ser tratada com ablação a laser de gravidez gonadotrofina coriônica humana (hCG) e
ectópica ou remoção laparoscópica exame de imagem, sendo a US a
(CHANANA et al., 2017). modalidade de escolha, permitindo também
localizar a ectopia (CAI et al., 2017; DIAZ
3.5. Clínica et al., 2019; BACARREZA-VILLALBA et
As manifestações clínicas podem ser al., 2016; CRISPIN et al., 2020). Esse
atípicas e supor um quadro clínico diagnóstico, se feito de maneira correta, é
semelhante a muitas outras condições, das essencial para um tratamento não cirúrgico
quais deve ser feito um diagnóstico eficaz. Algoritmos de diagnóstico que
diferencial. Algumas das manifestações empregam medições seriadas de βeta-hCG
são: sangramento transvaginal, náuseas, e exames de ultrassom transvaginal
vômitos, dor abdominal, irritação peritoneal permitem o diagnóstico definitivo sem
e, em casos mais graves, choque laparoscopia (BACARREZA-VILLALBA
hipovolêmico (HERNANDEZ-CRUZ et et al., 2016).
al., 2017). Apesar dos sintomas atípicos, Em uma gravidez normal, a
geralmente ao dar entrada ao sistema de concentração de βeta-hCG duplica entre 1,4
emergência, a paciente pode apresentar uma e 2,1 dias, aumentando no mínimo 50% em
tríade de sintomas clássicos, sendo eles todos os dias. Além disso, quando atinge
amenorreia, sangramento vaginal e dor níveis de 1.500 a 2.000 mUI/ mL, torna-se
abdominal inferior, que estão presentes em possível a detecção de um saco gestacional
28 a 95% dos casos (PÉREZ-BRETONES em ultrassom pélvico transvaginal
et al., 2019; TAHMINA et al., 2016; (CRISPIN et al., 2020). Já entre as
HOFFMAN et al., 2013). gestações de mal prognóstico ou ectópicas,
O diagnóstico ainda requer um alto não se observa tal progressão, o que torna
índice de suspeita, pois a tríade clássica não essa dosagem um importante exame de
se faz presente em até quase 40% dos casos compatibilidade com a gravidez ectópica
e pode passar despercebida durante os (CRISPIN et al., 2020).
estágios iniciais, sendo muitas vezes

480
Capítulo 39
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Figura 39.2 Diagnóstico de Gravidez Ectópica

Fonte: Adaptado de Lee et al., 2018

Além disso, no que se refere ao risco de Nesse sentido, alguns trabalhos


ruptura tubária é possível que haja diferença evidenciaram que o uso concomitante da
entre gravidez ectópica “aguda” e dosagem sérica de βeta-hCG e
“crônica”, sendo as agudas aquelas com ultrassonografia tem maior validade e
nível alto de βeta-hCG sérica na seguridade, resultando em uma
apresentação, e as crônicas aquelas sensibilidade superior a 99% e sensibilidade
produzem níveis estáticos ou negativos de de 100% (Tabela 39.3). Dessa forma, a
βeta-hCG sérica (HOFFMAN et al., 2014). ultrassonografia como exame de imagem é
Teoricamente, na gravidez ectópica aguda, útil no diagnóstico da maioria dos casos,
os trofoblastos desenvolvem-se de forma sendo considerada padrão ouro para esta
saudável, não causam sangramento vaginal revisão científica (CRISPIN et al., 2020).
precoce, e as mulheres apresentam-se mais Para tanto, os médicos que atendem pronto-
tarde para tratamento, levando a uma maior socorro, assim como os que trabalham na
chance de ruptura, enquanto que na atenção primária e no controle pré-natal,
variedade crônica, pequenas rupturas devem ter em mente essa possibilidade
repetidas ou o abortamento tubário diagnóstica, principalmente nos casos de
desencadeiam uma reação inflamatória que sangramento genital maciço, a fim de um
leva à formação de uma massa pélvica, diagnóstico precoce e permitir um manejo
assim os trofoblastos anormais morrem conservador (BOLAÑOS-BRAVO et al.,
precocemente, dessa forma, são detectados 2019).
níveis séricos negativos ou baixos de βeta-
hCG (HOFFMAN et al., 2014).

481
Capítulo 39
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Tabela 39.3 Comparação de validade e segurança

Ultrassonografia Ultrassonografia + β-hCG

Sensibilidade 98,2% 99,1%


Especificidade 75% 100%
Valor preditivo positivo 99,1% 100%
Valor preditivo negativo 60% 80%
Fonte: Adaptado de Nina DC e Calle JJD, 2020.

Quando se trata de localização da GE, realização da ultrassonografia transvaginal,


na imagem ultrassonográfica, o embrião a massa anexial pode ser diferenciada do
vivo fora do endométrio é o sinal mais ovário pressionando-se a massa com uma
específico. Na gravidez tubária (Figura das mãos enquanto realiza a varredura
39.3), a massa anexial separada do ovário é transvaginal com a outra. O sinal do anel
um sinal muito específico e pode ser tubário na gravidez tubária é um anel
diferenciada do ovário durante a hiperecoico que envolve um saco
ultrassonografia transabdominal pressio- gestacional extrauterino (CHANANA et
nando o transdutor, o que desloca a massa al., 2017).
do ovário. Da mesma forma, durante a

Figura 39.3 Ultrassonografia de gravidez ectópica com localização em trompas de falópio

Legenda: Mulher de 32 anos com data da última menstruação há 9 semanas e dor no quadrante inferior direito.
(a) A ultrassonografia transvaginal mediana transvaginal não mostra saco gestacional intrauterino. Fluidos e
coágulos em fundo de saco (asterisco vermelho). (b) A ultrassonografia parassagital direita mostra estrutura
anexial direita heterogênea (círculo amarelo), significando gravidez ectópica tubária direita. (c) Imagens com
zoom e Doppler colorido mostram fluxo em cores no polo fetal com atividade cardíaca. (d) O Doppler Espectral
Transversal revela um saco gestacional (seta branca) com um embrião (seta azul curva) na porção ístmica da tuba
uterina direita com atividade cardíaca intacta. Fonte: Chanana et al., 2017.

482
Capítulo 39
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Já na gravidez ectópica de localização hipervascular ao redor do aborto em


cervical (Figura 39.4), o saco gestacional andamento, o que se deve à ausência de
no canal cervical dá configuração de tecido trofoblástico ao redor do saco
ampulheta ao útero, sendo que gestacional em abortamento, que forma a
características de diferenciação salientes base do sinal deslizante (CHANANA et al.,
incluem a ausência de anel trofoblástico 2017).

Figura 39.4 – Ultrassonografia de


Gravidez Ectópica de localização
cervical

Legenda: Mulher de 25 anos com dor


pélvica central inferior. O último período
menstrual relatado pela paciente foi há 12
semanas. A varredura transabdominal
longitudinal (a e b) mostra uma cavidade
endometrial vazia (seta verde) e um saco
gestacional baixo (oval amarelo). A
distensão do colo do útero leva à configuração de “ampulheta” (desenho laranja da ampulheta). As imagens
transvaginais (c e d) mostram um saco gestacional com um embrião (asterisco vermelho) e um saco vitelino (seta
branca) implantados no colo do útero (compassos em d). Fonte: Chanana et al., 2017.

Na ultrassonografia de GE em ovário, que é muito mais comum que o ectópico


um saco gestacional é visto no ovário ovariano, sendo que a parede do cisto do
(Figura 39.5), e muito raramente, um feto corpo lúteo é mais fina e mais hipoecoica do
vivo pode ser visto. Deve-se ter cuidado que o saco gestacional ectópico
para diferenciá-lo do cisto do corpo lúteo, (CHANANA et al., 2017).

Figura 39.5 Ultrassonografia de gravidez ectópica em ovário

Legenda: Mulher de 35 anos em tratamento por técnica de reprodução assistida, apresentou teste de urina de gravidez
positivo e dor abdominal inferior direita. A última menstruação da paciente foi há 10 semanas. A ultrassonografia
pélvica transversa transvaginal (a) e o Doppler colorido (b) mostram a lesão cística dentro do ovário direito, com um
componente ecogênico excêntrico. A paciente foi operada por alta suspeita de gravidez ectópica ovariana, comprovada
no intra-operatório. Fonte Chanana et al., 2017

483
Capítulo 39
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.7. Tratamento onde a GE provavelmente será


As opções de tratamento englobam o diagnosticada em um estágio inicial,
uso de fármacos e procedimentos quando o manejo médico ainda é plausível
cirúrgicos. O mextotrezato é o fármaco de (KIRK et al., 2009; ALENCOAO et al.,
escolha, geralmente em esquema de 2018).
monodose com 50mg/m², a partir do
monitoramento dos níveis de β-hCG 4. CONCLUSÃO
(CRISPIN et al., 2020). Contudo, em sua
grande maioria, a GE é tratada Considerando o potencial risco de vida
cirurgicamente, realizando-se a que uma Gravidez Ectópica pode gerar, é
salpingectomia ou ressecção da região essencial que se saiba identificar suas
afetada (CRISPIN et al., 2020). Um estudo características, sinais clínicos, fatores de
recente concluiu que o manejo cirúrgico risco, além das melhores formas de
laparoscópico não era melhor do que uma diagnóstico disponíveis, a fim de se obter
laparotomia em termos de permeabilidade um desfecho positivo. Nesse sentido, para
tubária e taxas de gravidez intrauterina e a o diagnóstico e manejo precoce, a
maioria dos estudos relatou uma taxa ultrassonografia serve como adjuvante
similarmente alta de tratamento cirúrgico valioso, sendo fundamental o entendimento
(TAHMINA et al., 2016; CAI et al., 2017; de sua importância e sua realização para
MARTINEZ et al., 2018; BAKER et al., reduzir as taxas de morbimortalidade,
2020; BERTIN et al., 2019). Em contraste, principalmente em mulheres que
pesquisas do Reino Unido relataram uma apresentam fatores de risco para GE.
tendência de queda no número de casos Maiores estudos sobre o tema se fazem
tratados cirurgicamente (98% a 62% e 50% indispensáveis, principalmente de caráter
a 27%, respectivamente), durante as últimas nacional, para a melhor compreensão da
duas décadas (KIRK et al., 2009; atual situação no contexto brasileiro e os
ALENCOAO et al., 2018). Isso foi possíveis entraves e avanços existentes no
atribuído ao estabelecimento de Unidades país.
de Avaliação da Gravidez Precoce (EPAU),

484
Capítulo 39
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Capítulo 39
TRAUMA E EMERGÊNCIA

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486
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 40
COMPLICAÇÕES EM
CIRURGIA BARIÁTRICA

Palavras-chave: Urgência; Bariátrica; Complicações bariátricas.

MARCUS VINICIUS BOARETTO CEZILLO¹


FREDERICO DE ALMEIDA HEITOR2
NIVALDO DE MORAES CARDOSO3
CARLOS REINALDO DE OLIVEIRA4

1
Cirurgião Geral com atuação em Cirurgia Bariátrica.
2
Cirurgião do Aparelho Digestivo e Bariátrica.
3
Cirurgião do Aparelho Digestivo e Bariátrica.
4
Instrumentador do Aparelho Digestivo e Bariátrica.

490
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO Pacientes com apnéia do sono e doença


do refluxo gastroesofágico foram 24% mais
A cada ano ocorre um aumento propensos a desenvolver uma complicação
significativo de pacientes que buscam pela em anastomose, como fístulas e estenose,
cirurgia bariátrica em todo o mundo. Apesar 24% mais propensos a desenvolver sepse e
de se tratar de uma cirurgia extremamente 28% mais propensos a desenvolver a
segura, realizada com o emprego de síndrome de dumping (COWLEY et al.,
técnicas já muito bem sistematizadas e 2007). Em revisão sistemática recente, o
equipamentos modernos como o uso da risco tromboembólico está associado a
tecnologia robótica, existem algumas abordagem aberta para cirurgia bariátrica
complicações pós-operatórias que podem (via convencional – em desuso na prática
ocorrer com alguns pacientes. atual) (OR = 2,5). Além disso, fatores
Na prática atual, há aprovação da associados também incluem o alcoolismo
Agência Nacional de Saúde (ANS) e aceitas (OR = 8,7), insuficiência renal (OR = 2,3),
pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) insuficiência cardíaca (OR = 2,0), sexo
técnicas cirúrgicas como a banda gástrica masculino (OR = 1,5) e insuficiência
ajustável (BGA), a Derivação respiratória (OR = 1,4) (HASKINS et al.,
gástrica/bypass em Y-de-Roux (BYR) e a 2015). O efeito negativo da insuficiência
Gastrectomia vertical (GV). cardíaca também foi confirmado em outro
Dentre as técnicas mencionadas estudo recente (WINEGAR et al., 2011). A
destaque-se o bypass, a técnica mais presença de filtro de veia cava também foi
realizada atualmente no país. Outras associada a risco aumentado (OR = 7,66)
cirurgias, como a Derivação biliopancre- (BLACKSTONE et al., 2013).
ática, pela técnica de Scopinaro (DBPS) e a No banco de dados do National
Derivação biliopancreática, pela técnica de Inpatient Sample (NIS), de 226.452
duodenal switch (DBPD) permanecem mais pacientes operados (81,2% por láparos-
em desuso devido aos benefícios compa- copia), os fatores de risco para fístula
rados às técnicas anteriores (CEZILLO, et gastrointestinal foram: bypass gástrico por
al., 2021). laparotomia (aberta) (OR = 4,85),
As complicações podem ser divididas insuficiência cardíaca (OR = 3,04),
em precoces, diagnosticadas em até 30 dias insuficiência renal (OR = 2,38), idade> 50
após a realização da cirurgia ou tardias, anos (OR = 1,82), sexo masculino (OR =
diagnosticadas após 30 dias da realização da 1,50) e insuficiência respiratória (OR =
cirurgia. 1,21). Os outros fatores (hipertensão,
As complicações após o tratamento diabetes, apnéia obstrutiva do sono, doença
cirúrgico da obesidade variam de acordo arterial dos membros inferiores ou abuso de
com o tipo de procedimento realizado e tabaco) não foram associados a um risco
podem chegar a acometer até 40% dos aumentado de fístula gastrointestinal
pacientes submetidos aos procedimentos (WEINGARTER et al., 2011).
cirúrgicos (ENCINOSA et al., 2009).
489
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Em estudo apresentado pela Society of 95% = 0,878-0,991, p = 0,0232) foram


American Gastrointestinal and Endoscopic todos associados à diminuição do risco de
Surgeons (SAGES), houve avaliação de sangramento pós-operatório. Tamanhos
326.841 pacientes submetidos a GV (70%) maiores de bougie de manga foram
ou BYR (30%). Destes, 1.592 (0,5%) associados a risco aumentado de
apresentaram sangramento pós-cirúrgico. sangramento pós-operatório (AOR 1,031,
BYR apresentou maior associação a IC 95% = 1,010-1,052, p = 0,0037).
sangramento do que GV (AOR 2,7, IC 95% Pacientes com sangramento pós-operatório
= 2,375-2,982, p <0,001). Outros fatores tiveram taxas significativamente maiores de
associados ao risco aumentado de admissão não planejada na UTI (25,25% vs
sangramento pós-operatório incluem 0,82%, p <0,0001), maior tempo de
anticoagulação terapêutica pré-operatória internação (4,15 dias vs 1,82 dias, p
(AOR 3,6, IC 95% = 3,017-4,338, p <0,0001) e mortalidade (1,82% vs 0,11%, p
<0,0001), história de tromboembolismo <0,0001) (KHAN et al., 2017).
pulmonar (AOR 1,4, IC 95% = 1,047-1,849,
p = 0,0227) ou trombose venosa profunda 2. COMPLICAÇÕES PRECOCES
(AOR 1,3, 95% CI = 1,002-1,670, p =
0,0479), insuficiência renal (AOR 2,8, 95% 2.1. Hemorragia
CI = 2,030-3,801, p <0,0001), hipertensão O sangramento é uma das complicações
(AOR 1,2, 95% CI = 1,028 -1,287, p = precoces mais temidas pelos cirurgiões.
0,0147), diabetes (AOR 1,2, 95% CI = Estudos relatam incidência entre 1,9% e
1,086-1,355, p = 0,0006), doença do refluxo 4,4% KRAVETZ et al., 2011 e MASON et
gastroesofágico (AOR 1,1, 95% CI = 1,028- al., 2005) e esse número pode ser maior em
1,265, p = 0,0130), apneia obstrutiva do pacientes com cirurgia abdominal anterior,
sono ( AOR 1,3, IC 95% = 1,028-1,272, p = devido a presença de aderências, exigindo a
0,0132) e sexo masculino (AOR 1,6, IC liberação das mesmas no intraoperatório.
95% = 1,429-1,789, p <0,0001). Existem dois tipos de hemorragia pós-
Classificação ASA (American Society of operatória: intra-abdominal e o
Anesthesiologists Classification), teste intraluminal.
provocativo de anastomose ou linha de A hemorragia intra-abdominal é
grampos e colocação de dreno cirúrgico não consequência provável das linhas da
foram associados a sangramento pós- gastrojejunoanastomose, da confecção da
operatório. Na análise de subgrupo de bolsa gástrica, da jejunoanastomose e do
pacientes de GV, uso de material de reforço estômago excluído (técnica do Bypass em Y
da linha de grampo (AOR 0,722, IC 95% = de Roux). Também pode ocorrer devido a
0,612-0,852, p = 0,0001), sobressutura lesão inadvertida de órgãos adjacentes.
excessiva da linha de grampo (AOR 0,791, Na técnica da Gastroplastia Vertical
IC 95% = 0,646-0,969, p = 0,0234), e o (Sleeve Gástrico) podem ocorrer episódios
aumento da distância da linha de hemorrágicos tanto na topografia dos vasos
grampeamento do piloro (AOR 0,933, IC gástricos curtos durante a dissecção da
490
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

curvatura maior (LALOR et al., 2008), sanguinolento no dreno abdominal, cada


podendo estar associado ao uso de grampos vez mais em desuso por ser demonstrado
grandes em um tecido espesso no estômago em diversos estudos sua ineficácia, e, em
distal. Grampos grandes não são adequados casos mais graves, hipotensão, síncope,
para selar vasos pequenos (CONSTEN et confusão, rebaixamento do nível de
al., 2004). Esse risco de hemorragia está consciência, diminuição do débito urinário
cada vez menos com o uso de pinças e irritação peritoneal (KRAVETZ et al.,
hemostáticas ultrassônicas. Ainda na 2011).
Gastroplastia Vertical, a extensa linha de Sem sinais clínicos de gravidade, na
grampo pode ser origem de hemorragia maioria dos casos, o sangramento pode ser
relativamente comum, levando muitos manejado de forma conservadora com
cirurgiões a reforçar a linha de grampos exames laboratoriais de controle seriados,
com sobre sutura, reforçando-a (GAGNER exame de imagem quando dúvidas no
et al., 2009). exame físico. Muitas vezes é necessário a
Na técnica do Bypass com Y de Roux suspensão da quimioprofilaxia para
(BYR), o sangramento pode ter origem em trombose venosa profunda. Dependendo do
uma das cinco potenciais linhas de sutura: quadro clínico geral e da queda da
bolsa gástrica, estômago excluído, alça de hemoglobina, se faz necessário a transfusão
Roux, gastrojejunostomia e jejunoanas- de hemoglobina e/ou hemoderivados.
tomose. Em ordem de frequência, os locais Hemorragia no pós-operatório precoce
de sangramento no grampeamento são: 40% com presença de sinais clínicos de choque,
na linha do estômago remanescente; 30% na de difícil controle, é clara a indicação de
linha gastrojejunal; e 30% na linha intervenção cirúrgica urgente.
jejunojejunal (ACQUAFRESCA et al., Nos casos de intervenção cirúrgica de
2015). emergência, deve-se remover todos os
A hemorragia intraluminal ocorre coágulos intra-abdominais, identificar e
dentro do lúmen do trato digestivo, nos sobre suturar as linhas de grampo com
locais acima mencionados, geralmente sinais de sangramento (MILLER et al.,
diagnosticados de uma maneira mais tardia, 2007) ou, se não houver um local de
em forma de hematêmese, melena e até sangramento evidente, sobre suturar todas
mesmo enterorragia (ACQUAFRESCA et as linhas se o paciente estiver instável
al., 2015). hemodinamicamente (Mason et al., 2005).
O reconhecimento precoce é essencial Não é incomum que durante a
para o tratamento adequado. A atenção aos exploração (reabordagem) nenhuma fonte
sinais clínicos precoces são bastante óbvia de hemorragia possa ser encontrada,
importantes para a suspeita diagnóstica, porém, o paciente ainda pode se beneficiar
como o aumento da frequência cardíaca, com a evacuação do hematoma e lavagem
palidez cutânea, adinamia, hematêmese, da cavidade, o que pode acelerar o processo
enterorragia, queda no nível de hemoglobi- de recuperação por meio do encurtamento
na, grande quantidade de líquido da duração do íleo pós-operatório.

491
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Em casos de suspeita da fonte do oxigênio (AOR 1,97), hipoalbuminemia


sangramento intraluminal ser proximal, a (AOR 1,66), apneia do sono (AOR 1,52),
melhor opção de tratamento é intervenção hipertensão (AOR 1,36) e diabetes (AOR
endoscópica, o que é de valor inestimável 1,18).
em controlar o sangramento da bolsa Existem diferenças significativas, no
gástrica ou na gastrojejunostomia através de entanto, entre a fístula da GV e a fístula do
energia térmica, injeção de vasocons- BYR com base na pressão endoluminal
tritores, e clipagem. típica. Após o BYR, o reservatório gástrico
(pouch) é um sistema de baixa pressão, e,
2.2. Fístulas portanto, a incidência de vazamentos varia
Fístulas de anastomose ou de linha de de cerca de 0,6% a 4,4% dos pacientes
grampos são complicações temidas após (NGUYEN et al., 2007). Devido a esta
procedimentos bariátricos. Em cirurgias baixa pressão, estratégias de manejo
como o BYR, as fístulas podem ocorrer na operatório ou não operatórias que
anastomose gastrojejunal ou jejunojejunal a controlam a fístula, exceto o reparo (sutura),
uma taxa de aproximadamente 1% (SMITH são eficazes em 72% dos pacientes
et al., 2015), aumentando a morbidade em (THODIYIL et al., 2008). Fístulas que
61% e a mortalidade em 15% (ABOU duram mais de 30 dias pode ser tratada com
RACHED et al., 2014). Em procedimentos procedimento endoscópicos para implante
como a GV, as fístulas podem surgir na de clipes, stents ou curativos a vácuo para
linha de grampo em uma taxa de cerca de ajudar no fechamento dessas fístulas que
1,5% (GAGNER et al., 2020). No podem adquirir caráter crônico (KEITH et
procedimento de DBPD, as fístulas podem al., 2011). A nutrição deve ser realizada
ocorrer a partir das anastomoses ou da longa pela via enteral distal a gastrojejuno
linha de grampo do estômago a uma taxa de anastomose, e essa é preferível à nutrição
5% (HEDBERG et al., 2014). parenteral total. Um tubo de alimentação
Dados mais atuais de 133.478 pacientes pode ser colocado na alça de Roux, na alça
submetidos à gastrectomia vertical biliopancreática ou no canal comum.
laparoscópica (n = 92.495 [69,3%]) e BYR Vazamentos de GV, por outro lado,
laparoscópico (n = 40.983 [30,7%]) foram ocorrem em um sistema de alta pressão, são
analisados do banco de dados extraídos do considerados mais comuns e variam na
Metabolic and Bariatric Surgery Accredita- incidência de 1% a 7% (GALLORO et al.,
tion and Quality Improvement Program 2014). Eles são mais difíceis de tratar. A
(MBASQIP) em 2018 [19]. A taxa geral de área de maior ocorrência dessas fístulas está
fístula foi de 0,7% (938 de 133.478). A GV localizada na parte superior do estômago
laparoscópica foi associada a um menor tubular, onde a vascularização é tênue. O
risco de fístulas (odds ratio ajustada [AOR] estômago em formato tubular ou “em
0,52; IC 95% 0,44-0,61) em comparação manga”, característica da GV (sleeeve) é
com BYR. Os fatores associados ao risco um sistema de alta pressão devido à
aumentado de fístula foram dependência de presença de esfíncteres em ambas as

492
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

extremidades. A pressão pode causar a condições que levariam à indicação de


persistência de uma fístula, dificultando o exploração cirúrgica com possível
reparo local. Além disso, as fístulas nesse endoscopia intraoperatória para descartar o
procedimento podem ser causadas por uma vazamento definitivamente.
estenose no estômago tubular remanes- Para pacientes que não estão
cente, uma dobra (acotovelamento) na hemodinamicamente normais, uma
estrutura ou uma torção (volvo) nessa nova exploração cirúrgica deve ser feita
anatomia do estômago, que perde as rapidamente. Os princípios da operação
fixações fisiológicas. Consequentemente, incluem reparo primário ou reforço com
as fístulas podem não fechar sem aliviar a omento, lavagem, drenagem extensa e
obstrução parcial, o que pode, em última colocação de sonda de alimentação. As
instância, exigir reoperações mais prioridades na sala de cirurgia são três:
frequentes do que outras técnicas bariátricas remoção de contaminação, colocando
(ABOU RACHED et al., 2014). sucção fechada drenos para controlar o
Geralmente, as fístulas ocorrem na vazamento e estabelecimento de acesso à
primeira semana após a cirurgia bariátrica, alimentação. Se possível, fechar o
com uma média de apresentação por volta vazamento pode ser tentado, mas não é
do terceiro dia após o procedimento necessário. Se um reparo for realizado,
(GONZALEZ et al., 2007). O aspecto mais sutura interrompida e um patch de Graham
importante do tratamento é o modificado podem proteger o reparo (LIM
reconhecimento precoce. Pacientes que et al., 2018).
apresentam frequência cardíaca persistente Para pacientes hemodinamicamente
acima de 120 batimentos por minuto e normais que apresentam um pequeno
dispneia são alertas preocupantes para vazamento contido, a colocação de cateteres
fístulas. Outros sintomas incluem febre, dor de drenagem guiada por radiologia ou a
abdominal, intolerância oral e uma colocação endoscópica de clipes, cola de
"sensação de desespero". A tomografia fibrina, stents ou sucção por pressão
computadorizada (TC) com contraste oral e negativa têm sido usados com sucesso
exames de fluoroscopia podem ajudar a (SOUTO-RODRÍGUEZ et al., 2017).
confirmar o diagnóstico, mas estudos
negativos (ausência de líquido livre) não 2.3. Desidratação
devem impedir a indicação de reabordagem A desidratação é uma complicação
em casos de sinais clínicos de alarme. comum após a cirurgia bariátrica e
Pacientes com taquicardia sustentada acima frequentemente citada como um importante
de 120 batimentos por minuto devem, no motivo que leva ao departamento de
mínimo, ser internados no hospital, emergência e reinternações. A desidratação
reanimados com fluidos e cuidadosamente ocorre quando o corpo perde muito líquido
observados quanto ao agravamento da e os mecanismos de equilíbrio não são
taquicardia, desenvolvimento de sepse ou suficientes para manter a homeostase. Os
instabilidade hemodinâmica, todas as sinais e sintomas incluem: sede, diminuição

493
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

do turgor da pele, pele seca ou fria, após o procedimento e o risco de TEV ou


membranas mucosas secas, constipação, EP se estende além do período pós-
débito urinário baixo ou mínimo, cãibras operatório de 30 dias. O risco geral de TEV
musculares, taquicardia, hipotensão, em 90 dias após a cirurgia foi de 0,42%;
tontura, cefaléia, febre, náusea, mal-estar, 27% ocorreram antes da alta do hospital e
sudorese, irritabilidade, confusão e, em 73% desses eventos ocorreram após a alta,
casos graves, delírio ou perda de a maioria dentro de 30 dias após a cirurgia
consciência (STOTT et al., 2016). Diante (WINEGAR et al., 2010). Em estudo de
disso, um diagnóstico rápido e preciso se GUPTA et al., 212, fatores como
faz necessário devido a diagnósticos intervenção coronária percutânea anterior,
diferenciais de tratamento cirúrgico que não dispneia em repouso, distúrbio hemorrá-
podem ter o manejo atrasado, como fístulas gico, idade, obstrução crônica doença
e sangramentos. pulmonar, tipo de cirurgia, tabagismo,
Em estudo recente mencionou-se o diabetes mellitus, tempo de anestesia
monitoramento pós-operatório de pacientes aumentado, estão associadas a complica-
bariátricos, revelando que um grande ções respiratórias.
número desses pacientes necessitou de um a Não há indicação sobre a duração ideal
três litros de bolus de fluidos intravenosos ou consenso quanto a prescrição de
para melhora ou remissão desses sintomas. profilaxia. Apesar disso, há consenso sobre
Além disso, as enfermeiras observaram que quem são os pacientes de maior risco para
os pacientes apresentavam dificuldade para TEV: pacientes submetidos cirurgia
urinar ou uma tinham débito urinário menor bariátrica revisional ou procedimentos
de 100ml com um odor fétido e abertos, aqueles com IMC> 50 kg / m2,
frequentemente de cor âmbar escuro aqueles cuja cirurgia teve duração maior do
(IVANICS et al., 2019). O tratamento que 4 horas, estados hipercoaguláveis, e
inicial com solução fisiológica e a aqueles com síndrome de hipoventilação da
observação do paciente mostra que a obesidade (FINKS et al, 2012). No pós-
evolução é boa na maioria dos casos e que operatório, pacientes bariátricos que
há necessidade de alta com orientações e apresentam angústia respiratória aguda, o
plano terapêutico para continuidade do EP deve sempre estar no diagnóstico
tratamento em domicílio (GAMBHIR et al., diferencial. A triagem pode ser feita com
2019). angiotomografia. O tratamento consiste em
anticoagulação sistêmica, e se um êmbolo
2.4. Trombose e embolia venosa maciço for encontrado, o tratamento
A taxa de um tromboembolismo venoso endovascular é provavelmente a melhor
(TEV) após cirurgia bariátrica é baixa, opção (KUO et al., 2009).
porém, o embolismo pulmonar (EP) ainda é Ainda que o sistema venoso profundo
a causa mais comum de mortalidade no pós- dos membros inferiores seja o principal
operatório desses procedimentos (JAMAL local de origem de um tromboembolismo,
et al., 2015) A maioria ocorre 3 semanas outros locais também podem ser origem de

494
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

formação de trombo, como a veia porta, carboidratos de alto índice glicêmico.


veia esplênica e veia mesentérica. A Também pode ocorrer com laticínios,
trombose da veia porta mesentérica é uma algumas gorduras e alimentos fritos. Esses
complicação rara da cirurgia bariátrica alimentos têm um trânsito rápido da bolsa
laparoscópica, mais comumente após GV. gástrica para o intestino delgado, o que
O risco é de aproximadamente 0,4% e pode desencadeia uma cascata de eventos
levar ao aumento da mortalidade. Os fisiológicos (ASBS et al., 2008).
pacientes geralmente apresentam dor TACK e DELOOSE, 2014 relataram
abdominal, náuseas, vômitos, febres, que a síndrome de dumping é caracterizada
taquicardia e leucocitose. O diagnóstico por um conjunto de sintomas vasomotores e
pode ser feito por angiotomografia gastrointestinais associados a esvaziamento
computadorizada do abdômen (SHAHEEN gástrico rápido ou exposição súbita de
et al., 2017). A terapia geralmente consiste nutrientes ao intestino delgado. LOSS et al.,
em terapia anticoagulante. 2009 apontaram frequência variando de 1-
75% e 25-30% na gastrectomia total e
2.5. Síndrome de Dumping parcial, respectivamente. Com relação ao
Toda cirurgia bariátrica influencia, de bypass gástrico em Y-de-Roux, a incidência
alguma forma, o nível de glicose sérica, de sintomas de dumping pode chegar a
melhorando a sensibilidade à insulina e 75,9%.
diminuindo HgbA1c. A alteração da A síndrome de dumping deve ser
anatomia (momentânea ou permanente) suspeitada com base na apresentação
pode causar alterações nas secreções simultânea de múltiplos sintomas sugesti-
hormonais e na absorção de glicose. vos em pacientes submetidos à cirurgia
Pacientes apresentando sinais de gástrica ou esofágica (TACK et al., 2009).
hipoglicemia são bastante comuns do Um histórico médico cuidadosamente
departamento de emergência e essa obtido e uma avaliação completa dos
condição deve ser diagnosticada e tratada sintomas são muito importantes para o
imediatamente (ROSLIN et al., 2012). diagnóstico preciso da síndrome de
A síndrome de dumping é um dos mais dumping. A fadiga profunda após as
comuns distúrbios da glicose e ocorre refeições, com a necessidade de deitar, é
principalmente em cirurgias com uma informação importante. Várias
transposição intestinal (bypass). Cerca de abordagens podem ser usadas para
85% dos pacientes com bypass gástrico confirmar a presença da síndrome de
apresentarão a síndrome de dumping em dumping, incluindo questionários baseados
algum momento após a cirurgia. Os em sintomas, monitoramento de glicemia,
sintomas podem variar de leves a graves e teste de desafio oral de glicose e estudos de
geralmente ocorre devido a alimentação esvaziamento gástrico. Uma avaliação
equivocada. Está relacionado à ingestão de diagnóstica adicional também pode ser
açúcares refinados (incluindo xarope de necessária para excluir condições que
milho com alto teor de frutose) ou podem apresentar sintomas semelhantes

495
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

(por exemplo, complicações pós-operató- 3. COMPLICAÇÕES TARDIAS


rias, estenoses, aderências e insulinoma). O
não reconhcimento da hipoglicemia pode se 3.1. Distensão do estômago excluso
desenvolver como resultado da hipogli- A distensão do estômago remanescente
cemia recorrente, tornando ainda mais (excluso) é uma complicação rara, mas
difícil diagnosticar a síndrome de dumping potencialmente letal após o BYR (JACOBS
tardia em pacientes submetidos à cirurgia et al., 20017 e LEE et al., 2007). A parte do
bariátrica (EMOUS et al., 2015). estômago remanescente é uma bolsa cega
Há dois tipos de síndrome de dumping, na região distal e pode se distender se o íleo
precoce e tardia: paralítico ou obstrução mecânica distal
 Dumping precoce - tem início rápido, ocorrer no pós-operatório. A lesão
geralmente em 15 minutos após a iatrogênica das fibras vagais ao longo da
alimentação. É o resultado do rápido curvatura menor também pode contribuir,
esvaziamento dos alimentos no intestino possivelmente levando ao retardo no
delgado. Devido à hiperosmolalidade dos esvaziamento gástrico e contribuindo para a
alimentos (alimentos com alto teor de estase de conteúdo e distensão. Se não
carboidratos complexos e/ou ricos em tratada, a distensão progressiva pode levar à
proteína), ocorrem alterações rápidas de deiscência da linha de sutura (grampos ou
fluidos do plasma para o intestino, manual) e ruptura com contaminação da
resultando em hipotensão e em uma cavidade pelo conteúdo gástrico, com
resposta do sistema nervoso simpático. Os subsequente peritonite grave (PAPA-
pacientes frequentemente apresentam SAVAS et al., 2003). A combinação do
cólicas abdominais, diarreia, náuseas e grande volume do conteúdo gástrico (litros)
taquicardia. e do potencial prejudicial (ácido, bile,
 Dumping tardio - atualmente conhecida enzimas pancreáticas e bactérias) torna essa
como hipoglicemia hiperinsulinêmica pós- complicação muito mais séria do que
prandial, é uma complicação rara da fístulas que ocorrem na gastrojejuno-
cirurgia bariátrica. Ocorre em 0,1 a 0,3% anastomose.
dos pacientes, mais comumente após o As características clínicas incluem dor,
BYR. Os sintomas incluem tontura, fadiga, soluços, timpanismo no quadrante superior
sudorese e fraqueza, geralmente ocorrem de esquerdo, dor no ombro, distensão
uma a três horas após a ingestão de uma abdominal, taquicardia e/ou dispnéia. A
refeição rica em carboidratos, normalmente avaliação radiográfica pode demonstrar
meses após a cirurgia, e estão associados à uma grande bolha de ar gástrica que,
hipoglicemia documentada. A fisiopatolo- associada ao período pós-operatório da
gia não é totalmente compreendida, mas técnica de BYR, é possível inferir a hipótese
provavelmente inclui alterações em vários diagnóstica precoce de complicações por
padrões hormonais e glicêmicos (por distensão do estômago remanescente.
exemplo, aumento nos níveis de incretina). Essa complicação pode surgir de
maneira aguda, no período precoce ou se
496
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

desenvolver com o tempo, no período gástrico pode ser retardado, a realização de


“tardio”. Todos os tipos de obstrução gastrostomia é recomendada e geralmente é
envolvendo a alça biliopancreática, o terapêutica (WOOD et al., 2000)
duodeno, e a saída gástrica podem Outras complicações menos comuns
promover dilatação à montante. Possíveis relacionadas ao remanescente gástrico
causas de obstruções tardias da alça incluem a invaginação do estômago excluso
biliopancreática incluem estenoses e para o duodeno com obstrução distal do
formação de aderências intra-abdominais, ducto colédoco. Essa complicação é muito
ulcerações gastroduodenais e tumores rara (HILLENBRAND et al., 2009) e a
gástricos ou pancreáticos (SWAIN et al., maioria dos casos relatados foram causados
2010 e PAINTER et al., 2015). O fato da por tumores gástricos. Episódios de
maior ocorrência ser tardia é um fator dilatação do remanescente gástrico também
positivo pois a complicação mais grave foram relatados em situações sem
(perfuração gástrica) é menor nesse associação com obstrução, devido a mau
período, pois as linhas de grampo já estão, esvaziamento gástrico, como em pacientes
provavelmente, menos propensas a com diabetes (HAN et al., 2006).
perturbações agudas devido a cicatrização Gastrosparesia tardia após BYR com
da região de sutura (MALA et al., 2016). empachamento e náusea também foram
O tratamento consiste em relatados, sem sinais de obstrução física
descompressão cirúrgica de emergência (SALAMEH et al., 2007 e TARAKJI et al.,
com tubo de gastrostomia ou gastrostomia 2014). Por outro lado, houve melhora da
percutânea (GAGNER et al., 2002). A gastroparesia após cirurgia de BYR em
exploração cirúrgica imediata e a pacientes com sintomas pré-operatórios.
descompressão são necessárias se a Que foram observados por um período.
drenagem percutânea não for viável ou se Outra “complicação” ou característica
houver suspeita de perfuração livre para a observada foi o crescimento bacteriano no
cavidade abdominal. Embora a gastrosto- remanescente gástrico. Em condições
mia não seja realizada rotineiramente, pela normais é praticamente estéril, porém,
maioria dos cirurgiões, na durante a cirurgia ainda que preocupe o cirurgião, as
de bypass gástrico, a drenagem do consequências clínicas de longo prazo ainda
estômago remanescente pode prevenir essa são incertas (ISHIDA et al., 2014).
complicação rara, mas fatal. No entanto, o
uso de tubo de gastrostomia de rotina no 3.2. Estenose das anastomoses
momento da cirurgia não é necessária em A estenose da anastomose gastrojejunal
todos os pacientes. Para pacientes com alto foi descrita em 6 a 20% dos pacientes
risco de obstrução gastroentérica ou fístula submetidos ao BYR (CHEN et al., 2015). A
de anastomose (pacientes idosos com etiologia ainda é incerta, embora se acredite
obesidade classe III, pacientes com que isquemia tecidual, úlcera marginal ou
gastropatia diabética e como parte de aumento da tensão na anastomose
cirurgias revisionais em que o esvaziamento gastrojejunal tenham um papel central na

497
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

fisiopatologia. A taxa de estenose gastro- Felizmente, menos de 0,05% dos pacientes


jejunal é maior no BYR (CARLIN et al., requerem essa cirurgia de revisão.
2013) e pode estar relacionada ao uso de
grampeadores circulares de pequeno 3.3. Úlcera marginal
diâmetro (21 mm). A estenose gastrojejunal Úlceras marginais foram descritas em
se manifesta clinicamente quando a 0,6 a 16% dos pacientes (SANYAL et al.,
anastomose se estreita para um diâmetro 1992 e HIGA et al., 2000). Essa
menor de 10 mm (GAGNER, et al., 2020), complicação ocorre, geralmente, próxima à
apresentando (várias semanas após a gastrojejunoanastomose e resultam de lesão
cirurgia) náuseas, vômitos, disfagia, refluxo ácida sobre o jejuno, podem estar
gastroesofágico e, eventualmente, incapaci- associadas a uma fístula gastrogástrica
dade de realizar ingestão oral, incluindo (GUMBS et al., 2006) ou, raramente, á
líquidos (HEDBERG et al., 2014). O fístula gastrocólica (SCHULMAN et al.,
diagnóstico geralmente é estabelecido por 2017).
endoscopia ou com exame de imagem As causas de úlceras marginais
contrastado. incluem (SAPALA et al., 1998) má
A dilatação endoscópica com balão perfusão do tecido devido à tensão ou
geralmente é bem-sucedida (ABOU isquemia na anastomose, presença de corpo
RACHED et al., 2014). O estoma deve ser estranho, como grampos ou sutura
dilatado até um diâmetro de aproximada- inabsorvível com reação exacerbada do
mente 15 mm; dilatação adicional para 20 tecido, excesso de exposição ao ácido no
mm pode reduzir o efeito restritivo do BYR. reservatório (pouch) gástrico devido a
A anastomose gastrojejunal não deve ser fístulas gastrogástrica, uso de
dilatada mais do que 3 a 4 mm de cada vez antiinflamatórios não esteróides, infecção
e, como tal, a maioria dos pacientes por Helicobacter pylori e tabagismo.
precisará de dois a três procedimentos Pacientes com úlceras marginais
endoscópicos para atingir uma anastomose podem apresentar náusea, dor abdominal,
de, no mínimo, 15 mm. A taxa de sangramento gastrointestinal, estenose da
complicações após a dilatação é de área acometida e até perfuração. O
aproximadamente 3%. A comunicação diagnóstico de úlcera marginal é confir-
cuidadosa entre o endoscopista e o cirurgião mado por endoscopia digestiva alta, exceto
sobre os detalhes da cirurgia inicial é em casos de perfuração, em que os sinais
importante para minimizar o risco de clínicos e uma radiografia simples ou
complicações endoscópicas, auxiliando no tomografia já pode indicar reabordagem
planejamento do procedimento. cirúrgica devido a presença de
Pacientes com estenose crônica pneumoperitôneo (PLITZKO et al., 2021).
refratária a múltiplas dilatações requerem A úlcera no estômago excluso após o
uma revisão cirúrgica da anastomose BYR é rara, mas pode evoluir para uma
gastrojejunal após alguns meses, para situação de risco de vida. Os segmentos
permitir a dilatação da bolsa gástrica. excluídos exibem um comportamento

498
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

diferente daquele da anatomia não alterada. administrada em dosagem aumentada


Os níveis de gastrina diminuem após o devido à absorção alterada após BYR
BYR, mas a mucosa gástrica mantém sua (PLITZKO et al., 2021).
capacidade de responder aos estímulos Estudos observacionais mostraram que
vagais e hormonais (RASMUSSEN et al., pacientes com colonização por
2007), preservando assim um ambiente Helicobacter pylori têm uma incidência
ácido (CSENDES et al., 2007). A maior de formação de úlcera marginal
quantidade de produção de ácido é (RASMUSSEN et al., 2007). Além disso,
influenciada pela proporção da massa de em um estudo, o teste pré-operatório e o
células parietais, que é dividida pela tratamento da Helicobacter pylori
cirurgia, entre o reservatório (pouch) e o reduziram significativamente a incidência
estômago excluso, um fator certamente de úlceras marginais pós-operatórias (2,4
influenciando no desenvolvimento de versus 6,8% em pacientes do grupo
úlcera (RAMASWAMY et al., 2004). Em controle) (SCHIRMER et al., 2002).
teoria, o grampeamento alto aumenta a Embora o tratamento clínico das úlceras
produção de ácido no estômago excluído e marginais seja bem-sucedido em 85 a 95%
contribui para a lesão da mucosa dos pacientes (SANYAL et al., 1992), a
relacionada à presença de ácido no antro e cirurgia pode ser indicada se as úlceras
duodeno (SCHIRMER et al., 2002). Além marginais perfurarem ou se ocorrer dor
disso, após o BYR, a hipertrofia celular da persistente ou sangramento recorrente
mucosa gástrica ocorre na presença de uma apesar da terapia clínica em dose máxima
redução nas células G, causando, também, otimizada. Em pacientes estáveis, a revisão
diminuição da produção de gastrina da gastrojejunoanastomose com vagotomia
(BRETHAUER et al., 2014). troncular deve ser realizada (SANYAL et
A apresentação da doença ulcerosa al., 1992). Em pacientes instáveis, um patch
péptica perfurada é diferente daquela em de Graham pode ser usado para fechar
pacientes não bariátricos, pois os sinais qualquer perfuração, a bordas da úlcera
usuais, como ar livre, podem não estar removidas e uma sonda de alimentação
presentes. O acesso aos segmentos alocada. Se ocorrer estenose, a anastomose
excluídos é prejudicado; em situações gastrojejunal pode ser revisada
críticas, a gastrostomia temporária durante posteriormente, quando o paciente estiver
a laparoscopia é uma opção viável. A mais estável.
gastrectomia remanescente é uma solução
definitiva que dispensa a necessidade de 3.4. Síndrome da alça aferente
acompanhamento endoscópico adicional. A síndrome da alça aferente em
Os escassos dados disponíveis não pacientes submetidos ao BYR refere-se a
permitem qualquer conclusão sobre o papel uma alça aferente de Roux cego
dos fatores de risco potenciais; no entanto, excessivamente longo na
o Helicobacter pylori deve ser erradicado. gastrojejunoanastomose, causando dor pós-
A profilaxia secundária com IBP deve ser prandial, geralmente aliviada por vômitos.

499
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Acredita-se que o membro aferente cego não ocorre em cirurgias puramente


("bengala") atua como uma alça obstruída restritivas. Durante o BYR a ressecção e
quando preenchido com comida (muitas transposição de alças intestinais criam
vezes), e a distensão da alça causa dor até defeitos mesentéricos na raiz da jejuno
que o alimento seja levado até o membro de anastomose, no espaço entre o mesocólon
Roux ou seja vomitado de volta (ARYAIE transverso e o mesentério do membro de
et al., 2017). Roux (ou seja, defeito de Petersen) quando
Há relatos de que os pacientes a as alças são transpostas com a técnica
apresentam sintomas desde três meses até transmesentérica.
11 anos após o BYR, tipicamente com dor Hérnias internas foram descritas em 0 a
epigástrica pós-prandial, náusea, vômito e 5% dos pacientes após o BYR (NGUYEN,
refluxo ou regurgitação alimentar et al., 2001). Para reduzir a incidência de
(DALLAL et al., 2017). O diagnóstico é hérnias internas, todos os defeitos
confirmado por estudos de imagens mesentéricos criados devem ser fechados
contrastadas. Nas imagens, o ramo aferente com suturas inabsorvíveis (HIGA et al.,
é preenchido antes que o contraste alcance 2000). Em um estudo multicêntrico, 2.507
do ramo de Roux. Na endoscopia alta, o pacientes foram aleatoriamente seleciona-
ramo aferente é geralmente a saída mais dos para passar por BYR laparoscópico com
direta da gastrojejunostomia (DALLAL et ou sem fechamento do defeito mesentérico
al., 2007). (STENBERG et al., 2016). Comparado com
O tratamento é a cirurgia bariátrica o não fechamento, o fechamento
revisional, mais comumente a ressecção mesentérico diminuiu significativamente a
laparoscópica do membro aferente incidência de reoperação devido à
(KAMOCKA et al., 2020), que variou em obstrução do intestino delgado (6 versus
comprimento de 3 a 22 cm em um estudo 10% em três anos), mas aumentou as
(média de 7,6 cm) (DALLAL et al., 2007). complicações pós-operatórias precoces
Os sintomas desaparecem após a cirurgia de devido à torção da jejuno anastomose (4,3
revisão na maioria dos pacientes. Os versus 2,8%). Em outro estudo, a taxa de
cirurgiões devem diminuir o comprimento obstrução do intestino delgado foi reduzida
da alça aferente cega deixada no momento de 6 para 3% quando todos esses defeitos
do BYR inicial para prevenir a síndrome da foram fechados rotineiramente (NGUYEN
alça aferente. et al., 2004).
A maioria das hérnias internas após
3.5. Hérnia interna BYR ocorre através do defeito do
A hérnia interna pode ocorrer sempre mesocólon transverso (44 de 66 em um
que se cria uma contra abertura através de estudo) (HIGA et al., 2003). O uso de uma
um mesentério ou mesmo quando não se alça antecólica de Roux pode, em teoria,
fecha ou não se fecha adequadamente as reduzir o risco de formação de hérnia
brechas consequentes das transposições interna ao eliminar o defeito mesocólico
intestinais em cirurgias disabsortivas, o que transverso. Uma meta-análise de 2016

500
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

descobriu que o uso de um membro sintomas por um período médio de 15 dias,


antecólico de Roux, em oposição a um variando de 3 a 50 dias (SANTOS et al.,
membro retrocólico de Roux, foi associado 2019). A hérnia interna, em geral, é
a taxas mais baixas de hérnia interna pós- caracterizada por episódios de dor
operatória (1,3 versus 2,3%) e obstrução do abdominal difusa recorrente associadas a
intestino delgado (1,4 versus 5,2%) (AL náuseas e vômitos na maioria dos casos,
HARAKEH et al., 2016). No entanto, as sintomas considerados queixas “normais”
duas técnicas não foram comparadas do pós-operatório por quem não conhece e
diretamente entre si em estudos não vive o universo da cirurgia bariátrica.
randomizados. Esses achados são corroborados por Iannelli
As hérnias internas podem ser difíceis et al., 2007.
de detectar radiograficamente porque são A dificuldade no diagnóstico de hérnia
intermitentes. Vários estudos mostraram interna pode estar relacionada à sua
que o sinal de "redemoinho mesentérico" na apresentação clínica inespecífica e ao fato
tomografia computadorizada é o melhor de os pacientes serem frequentemente
indicador de uma hérnia interna após o avaliados por profissionais do departa-
bypass gástrico. O sinal de redemoinho mento de emergência sem experiência em
mesentérico mostra uma aparência cirurgia bariátrica. Resultados de SANTOS
espiralada de vasos mesentéricos ou et al., afirmam essa relação ao descrever
gordura na raiz do mesentério. Esse sinal que todos os pacientes do grupo foram
tem alta sensibilidade (78 a 100%) e atendidos em serviços de emergência e
especificidade (80 a 90%) e pode ser submetidos a exames adicionais
facilmente reconhecido por radiologistas desnecessários pelo menos uma vez até
experientes com alta concordância serem finalmente diagnosticados e tratados,
interobservador (IANNUCCILLI et al., o que reforça a idéia de atraso no
2009). diagnóstico e possibilidade de
Segundo PAROZ et al., o diagnóstico comprometimento do tratamento.
de hérnia interna é um desafio, pois essa Os dados apresentados estão de acordo
patologia pode permanecer assintomática com os publicados por Bauman et al., em
por um longo período e manifestar-se que os pacientes avaliados por uma equipe
subitamente com estrangulamento da alça médica de um departamento de emergência
intestinal, levando à isquemia e necrose da só foram diagnosticados com hérnia interna
porção herniada (PAROZ et al., 2006). Em após várias consultas com outros médicos e
estudo recente os pacientes com diagnóstico cirurgiões gerais, apresentando-se ao
de hérnia interna foram avaliados e serviço com exames complementares
apresentaram sintomas como náusea, negativos. Alguns até haviam sido
vômitos; disfagia e, sobretudo, dor submetidos a colecistectomias desnecessá-
abdominal. Ainda que presente, diarreia e rias para o tratamento dos sintomas
refluxo gastresofágico foram pouco apresentados (BAUMAN et al., 2009).
frequentes. Os pacientes apresentaram Além de cirurgias desnecessárias e não

501
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

resolutivas, o diagnóstico tardio pode levar as extremidades. Uma obstrução de


a cirurgias de grande porte, exigindo delgado, por hérnia interna, com atraso no
extensas ressecções intestinais e conversão diagnóstico e não corrigida em tempo hábil,
para laparotomia devido à isquemia pode levar ao estrangulamento do intestino,
avançada e/ou dificuldade técnica em uma o que pode exigir uma ressecção extensa do
situação de urgência. intestino e pode resultar na síndrome do
intestino curto.
3.6. Obstrução intestinal Se a tomografia computadorizada for
A obstrução do intestino delgado pode normal, mas o paciente continuar a
ocorrer a qualquer momento após um BYR, apresentar sintomas sugestivos de
GV e em qualquer cirurgia bariátrica, com obstrução intestinal, há indicação de
uma incidência ao longo da vida de 3 a 5% exploração por laparoscopia para excluir
para o BYR (ELMS et al., 2014) e uma hérnia interna ou outra causa de
ocorrência rara após GV (SOBINSKY et obstrução como brida e intussuscepção.
al., 2014). A obstrução de delgado pós BYR Em cirurgias cujas técnicas estão em
é mais comumente causada por hérnia de desuso (menos realizadas no mundo), como
intestino delgado, através dos defeitos a banda gástrica ajustável (BGA), também
mesentéricos (isto é, hérnias internas), possuem complicações que, apesar de
discutidas acima (CHAMPION et al., menos frequente podem se manifestar em
2003). Alternativamente, a obstrução de pacientes que se apresentam no
delgado também pode ser causada por departamento de emergência (KONDER e
doença adesiva (bridas e aderências), hérnia HARTMAN, 2014)
incisional ou intussuscepção (tipicamente A obstrução do reservatório gástrico
na anastomose jejunojejunal). proximal é uma complicação que pode
Os pacientes podem apresentar-se de ocorrer em até 14% dos pacientes
forma aguda ou subaguda com dor submetidos a BGA (SKREKAS et al.,
abdominal vaga, intermitente, em cólica e 2011). A obstrução geralmente é causada
aguda, geralmente não relacionada à pela inclusão de excesso de gordura
alimentação. Pacientes sintomáticos devem perigástrica na região da banda, uso de
ser submetidos a tomografia computado- banda de diâmetro insuficiente para a
rizada, e aqueles que são diagnosticados espessura do tecido ou edema tecidual
com obstrução de delgado devido a hérnia significativo. Os pacientes geralmente
interna devem ser submetidos a exploração apresentam náuseas e vômitos persistentes
cirúrgica urgente para reduzir a hérnia e incapacidade de tolerar secreções ou
(discutido acima). A obstrução de delgado ingestão oral. O diagnóstico é confirmado
devido a uma hérnia interna é com um exame de imagem contrastado
provavelmente uma obstrução em alça (radiografia ou tomografia), demonstrando
fechada, que tem um risco maior de ausência de passagem de contraste além da
perfuração devido ao fundo cego em ambas banda (GRAVANTE et al., 2007).

502
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3.7. Intussuscepção Nas primeiras cirurgias do bypass


A intussuscepção da jejunojejuno gástrico, os cirurgiões grampeiam o
anastomose após BYR é uma complicação estômago sem separar completamente o
rara, mas potencialmente catastrófica. A remanescente gástrico da bolsa. A bolsa
maioria dos pacientes apresenta dor gástrica e o estômago remanescente
abdominal aguda variando de 25 a 52 meses grampeado em continuidade foram
após a cirurgia (VARBAN et al., 2013). A associados a uma taxa de 49% de fístula
maioria das intussuscepções após o BYR gastrogástrica (CAPELLA et al., 1999). A
ocorre no local da jejunojejuno anastomose introdução da transecção completa desses
e são retrógradas. O comprimento da dois segmentos diminuiu a taxa de fístula
anastomose entre os jejunos maior que 60 GG de 0 a 3% (MACLEAN et al., 1997).
mm pode estar associado à ocorrência de Quando úlceras marginais persistentes
intussuscepção (ORTHOPOULOS et al., ou recuperação significativa de peso são
2020). observadas em um paciente após BYR,
A maioria dos pacientes requer particularmente no contexto de sintomas de
intervenção cirúrgica. A ressecção e revisão refluxo gastroesofágico recorrentes ou de
da jejunojejuno anastomose são início recente, exames de imagem com
obrigatórias na presença de intestino contraste oral deve ser realizado para
delgado isquêmico ou não redutível excluir uma fístula GG como causa.
(VARBAN et al., 2013). Pacientes menos Pacientes com diagnóstico de fístula GG
críticos podem ser tratados com redução que também apresentam recuperação
laparoscópica e enteropexia após a redução significativa de peso ou sintomas
(ORTHOPOULOS et al., 2020). A persistentes de úlceras marginais (dor
imbricação (fixação local para evitar abdominal, estenose gástrica ou sangra-
migração) da anastomose jejunojejuno mento gastrointestinal) são candidatos à
anastomose foi proposta como um método revisão ou reparo (SUGERMAN et al.,
para reduzir as recorrências (STE- 1984).
PHENSON et al., 2014). Técnicas endoscópicas, incluindo
clipagem, sutura e implante de stent, têm
3.8. Fístula gastrogástrica sido usadas para tratar a fístula GG que
Uma fístula gastrogástrica (GG) é uma causa ganho de peso, mas os resultados são
comunicação que se desenvolve entre a variados e, na melhor das hipóteses, as taxas
bolsa gástrica (pouch) e a parte do estômago de recorrência são altas (EISENDRATH et
excluído, permitindo que o alimento al., 2007). A revisão cirúrgica é
ingerido entre no intestino anterior desviado provavelmente a melhor opção para
(estômago e duodeno). As fístulas GG pacientes com dor persistente, sangramento
ocorrem em aproximadamente 1 a 2% dos ou estenose de uma fístula GG. Embora a
pacientes após o BYR e mais comumente cirurgia bariátrica revisional seja
causam úlceras marginais e/ou ganho de geralmente mais arriscada do que os
peso (CARRODEGUAS et al., 2005). procedimentos endoscópicos, as taxas de

503
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

complicações são aceitáveis e baixas em A conduta em situações de manejo das


mãos experientes (GAGNER et al., 2002). complicações bariátricas exige individuali-
Na preparação para a divisão da fístula zação do paciente, seu histórico cirúrgico e
GG, a bolsa gástrica deve ser totalmente condição clínica apresentada. A abordagem
mobilizada e o trajeto do membro de Roux precoce inclui compensação clínica
deve ser delineado com uma sonda imediata, início de tratamento medicamen-
orogástrica ou endoscópio. A fístula GG toso empírico e preparo do paciente para
pode ser ressecada por grampeamento, caso uma provável abordagem cirúrgica,
em que deve-se grampear dentro da linha de evitando procedimentos invasivos sem
grampos anterior para evitar a criação de avaliação da equipe de cirurgia bariátrica.
uma bolsa cega. Dessa maneira, o Para que essas recomendações sejam
remanescente gástrico pode ser aberto para aplicadas, padronizações de conduta
permitir que a fístula seja acessada pelo segundo algoritmos sugeridos (HUSSAIN e
lado distal. Uma vez que a anatomia é EL-HASANI, 2013) propõem melhorar os
definida, uma revisão da anastomose resultados atuais do cuidado ao paciente
gastrojejunal é realizada. Após a cirurgia bariátrico grave, diminuindo o tempo entre
bariátrica revisional, drenos e um tubo de a manifestação da complicação e o seu
alimentação devem ser colocados. tratamento precoce direcionado (Tabelas
40.1 e 40.2).

Tabela 40.1 Descrição das técnicas cirúrgicas, possíveis apresentações clínicas (precoces),
investigação e manejo inicial

Técnica
Apresentação Clínica Investigação Manejo inicial
Cirúrgica
Hemograma, função
Bypass gástrico Obstrução renal, coagulograma e Jejum via oral
glicemia
Dosagem de vitamina (se Fluído endovenoso
Banda gástrica Sangramento
suspeita de deficiência) com parcimônia
Antibioticoterapia
Sleeve Fístula Radiografia de tórax
empírica direcionada
Balão IBP se suspeita de
Sepsis Radiorafia de tórax
intragástrico hemorragia digestiva
Sonfagen vesical de
Derivação
Complicações de ferida demora no paciente
(biliopancreática/ Gasometria arterial
operatória crítico (sepse/abdome
Duodenal switch)
agudo)
Não introduzir sonda
Acidose metabólica e Tomografia dependendo nasogástrica sem
Plicatura gástrica
dístúrbio de glicose do caso consulta equipe
bariátrica

504
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Não admnistrar glicose


endovenosa a não ser
Deficiências nutricionais
em caso confirmado de
hipoglicemia
Complicações
Monitorização contínua
respiratórias
Contato precoce com a
equipe de bariátrica
Fonte: Adptada de HUSSAIN e EL-HASANI, 2013.

Tabela 40.2 Descrição das técnicas cirúrgicas, possíveis apresentações clínicas (tardias), investigação
e manejo inicial

Técnica Cirúrgica Apresentação Clínica Investigação Manejo inicial


Dor recorrente ou Hemograma, função
Manejo depende do
Bypass gástrico crônica (mais de 3 renal, coagulograma e
diagnóstico inicial
meses) glicemia
Preparar para cirurgia ou
Banda gástrica Vômito ocasional Radiografia de tórax endoscopia até que se
prove o contrário
Tratamento conservador
se investigação e
Sleeve Disfagia Radiorafia de tórax avaliação inicial não
demonstrem “catástrofe”
abdominal
Outro sintoma não Contato precoce com a
Balão intragástrico Gasometria arterial
presente na Tabela 40.1 equipe de bariátrica
Derivação
Tomografia dependendo
(biliopancreática/Duodenal
do caso
switch)
Plicatura gástrica
Fonte: Adptada de HUSSAIN e EL-HASANI, 2013.

505
Capítulo 40
TRAUMA E EMERGÊNCIA

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Estresse pós traumático; Violência sexual; Sistema Único de Saúde.


Transtorno Estresse pós traumático; Violência sexual; Sistema Único de Saúde.

511
Capítulo 41
TRAUMA E EMERGÊNCIA

CAPÍTULO 41
OS CRITÉRIOS E CONSEQUÊNCIAS
DA RESTRIÇÃO DO MOVIMENTO
DA COLUNA: UMA REVISÃO
SISTEMÁTICA

Palavras-chave: Imobilização; Coluna vertebral; Trauma.

Roberto Galdino¹
Laura Acevedo Coutinho¹
Mariana de Souza Azevedo¹
Giovanna Favaro da Silva¹
Eduarda Gomes de Oliveira¹
David Henrique Ferreira da Silva¹
Thiago Lima Dipe¹
Julia Vilafranca Soares da Silva¹

¹Discente do Curso de Medicina do Centro Universitário Max Planck


(UNIMAX).

512
Capítulo 41
TRAUMA E EMERGÊNCIA

1. INTRODUÇÃO  Identificar as melhores indicações para


uso de colar cervical em traumas da coluna
A restrição do movimento da coluna em adultos.
vertebral é uma prática utilizada no  Avaliar as melhores indicações para uso
atendimento pré-hospitalar quando há de prancha rígida em traumas da coluna em
suspeitas de lesões na coluna para limitar o adultos.
movimento da mesma. Por se tratar de uma  Correlacionar a imobilização da coluna
importante decisão pré-hospitalar, vários vertebral e os protocolos do trauma
protocolos foram pensados nos últimos (ATLS).
anos com intuito de se basear nas melhores  Analisar os protocolos de trauma acerca
evidências, em prol de uma imobilização das melhores evidências para a
mais efetiva e com a menor taxa de imobilização da coluna vertebral.
malefícios aos pacientes. Por meio desta  Avaliar nas evidências científicas os
revisão sistemática identificamos as critérios considerados risco/benefício para
melhores evidências para o uso das técnicas imobilização da coluna vertebral.
de restrição do movimento da coluna
vertebral. Para atingir esse objetivo, 2. MÉTODO
utilizamos as melhores e mais recentes
indicações para o uso do colar cervical e da Este artigo é uma revisão sistemática, na
prancha rígida em situações de trauma. qual foi utilizada a Biblioteca Virtual em
Esta revisão sistemática tem o intuito de Saúde (BVS) como base de dados para a
elucidar as melhores evidências quanto à pesquisa bibliográfica, dentro dessa base
restrição do movimento da coluna visto que foram encontrados artigos publicados na
uma parte dos traumas acontecem por um LILACS (Literatura Latino-Americana e do
manejo inadequado do paciente Caribe em Ciências da Saúde) e MEDLINE
traumatizado. Ademais, por se tratar de uma (Sistema Online de Busca e Análise de
situação comum no mundo do trauma, é Literatura Médica), utilizando-se os
imprescindível que haja uma sequência descritores: Imobilização; Coluna verte-
correta e efetiva das manobras de restrição bral; Trauma. Os resultados obtidos por
espinhal por parte dos profissionais de meio desses descritores totalizaram 419
saúde responsáveis pela abordagem pré- artigos (Figura 41.1). Foram selecionados
hospitalar. Assim, é possível mitigar as somente os textos completos, publicados
estatísticas de malefícios causados por nos últimos 5 anos e nas línguas portuguesa
práticas incorretas de imobilização. e inglesa. Precedeu-se com a leitura dos
O objetivo geral desse artigo é analisar títulos, excluindo-se os que não possuíam
os critérios de excelência e as melhores relevância para o estudo, em seguida os
evidências acerca dos critérios atuais para a resumos desses artigos selecionados foram
imobilização de coluna vertebral em lidos e excluídos os que não contemplavam
adultos. a temática do estudo. Restaram então os
São objetivos específicos: artigos para leitura completa, assim, foram
513
Capítulo 41
TRAUMA E EMERGÊNCIA

lidos todos os artigos na íntegra, sendo 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO


excluídos os que tinham discordância com
o tema, chegando-se em uma amostra final Os artigos explorados até o momento
de 25 artigos (discriminados na Tabela 41.1 demonstram a contemporaneidade do tema,
e 41.2). Foram excluídos da seleção os sendo que os anos de 2017 e 2018 foram os
resumos em anais de congressos e artigos mais representativos pois concentram quase
indisponíveis na íntegra através do Sistema 70% de todas as publicações realizadas nos
BIREME; e estudos repetidos em mais de últimos 5 anos.
uma das bases de dados selecionadas.

Tabela 41.1. Artigos selecionados conforme ano de publicação.


Ano de Publicação Nº de Artigos (%)

2016 4 17%
2017 8 35%
2018 8 35%
2019 3 13%

2020 0 0%

2021 0 0%

Total 23 100%

514
Capítulo 41
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Tabela 41.2 Caracterização dos artigos selecionados

Tipo de
Base de
Nº Título Autores Ano Idioma docume Tipo de estudo
dados
nto
Hawkins, Seth C; Williams, Jason; Bennett,
Wilderness Medical Society Clinical Practice Diretriz/
1 Brad L; Islas, Arthur; Kayser, Dietrich 2019 Inglês Revisão BVS
Guidelines for Spinal Cord Protection. Artigo
Whitfield; Quinn, Robert.

A prospective evaluation of cervical spine Coggins, Andrew; Ebrahimi, Nargus; Kemp, Multidimensional :
2 immobilization in low-risk trauma patients at a Ursula; O'Shea, Kelly; Fusi, Michael; 2019 Inglês Artigo Prospectivo, Coorte e BVS
tertiary Emergency Department. Murphy, Margaret. Análise

Copley, Phillip Correia; Tilliridou, Vicky;


Management of cervical spine trauma in
3 Kirby, Andrew; Jones, Jeremy; Kandasamy, 2018 Inglês Artigo Revisão BVS
children.
Jothy.

Rahmatalla, Salam; DeShaw, Jonathan;


Comparing the Efficacy of Methods for
4 Stilley, Joshua; Denning, Gerene; Jennissen, 2019 Inglês Artigo Prospectivo BVS
Immobilizing the Cervical Spine
Charles

Removal of the Long Spine Board From


5 Feld, Francis X. 2018 Inglês Artigo Pesquisa BVS
Clinical Practice: A Historical Perspective
Ten Brinke, J G; Groen, S R; Dehnad, M;
Prehospital care of spinal injuries: a historical
6 Saltzherr, T P; Ho 2018 Inglês Artigo Revisão BVS
quest for reasoning and evidence.
gervorst, M; Goslings, J C.
Niemeier, Thomas E. MD; Manoharan,
Conservative Treatment of Hangman Variant
7 Sakthevil R. MD; Mukherjee, Amrita BDS, 2018 Inglês Artigo Coorte retrospectivo BVS
Fractures.
MPH; Theiss, Steven M. MD

515
Capítulo 41
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Underbrink, Linda; Dalton, Alice Twink;


Leonard, Jan; Bourg, Pamela W; Blackmore,
New Immobilization Guidelines Change EMS
Abigail; Valverde, Holly; Candlin, Thomas;
8 Critical Thinking in Older Adults With Spine 2017 Inglês Artigo Retrospectivo BVS
Caputo, Lisa M; Duran, Christopher;
Trauma.
Peckham, Sherrie; Beckman, Jeff; Daruna,
Brandon; Furie, Krista; Hopgood, Debra.
Swartz, Erik E; Tucker, W Steven; Nowak,
Prehospital Cervical Spine Motion:
Matthew; Roberto, Jason; Hollingworth,
9 Immobilization Versus Spine Motion 2018 Inglês Artigo Estudo retrospectivo BVS
Amy; Decoster, Laura C; Trimarco, Thomas
Restriction.
W; Mihalik, Jason P.
Value of prehospital assessment of spine Ten Brinke, J G; Gebbink, W K; Pallada, L;
10 2017 Inglês Artigo Coorte prospectivo BVS
fracture by paramedics. Saltzherr, T P; Hogervorst, M; Goslings, J C.

Association between spinal immobilization and Tsutsumi, Yusuke; Fukuma, Shingo;


survival at discharge for on-scene blunt Tsuchiya, Asuka; Ikenoue, Tatsuyoshi; Coorte retrospectivo
11 2018 Inglês Artigo BVS
traumatic cardiac arrest: A nationwide Yamamoto, Yosuke; Shimizu, Sayaka; nacional
retrospective cohort study. Kimachi, Miho; Fukuhara, Shunichi

The Use of Clinical Cervical Spine Clearance in Larson, Sandra; Delnat, Andrew U; Moore, Guia de prática clínica /
12 2018 Inglês Artigo MEDLINE
Trauma Patients: A Literature Review Jill. Pesquisa qualitativa

Prehospital spine immobilization/spinal motion Guia de prática clínica /


Velopulos, Catherine G; Shihab, Hasan M;
restriction in penetrating trauma: A practice Pesquisa qualitativa /
13 Lottenberg, Lawrence; Feinman, Marcie; 2018 Inglês Artigo BVS
management guideline from the Eastern Fatores de risco / Revisão
Raja, Ali; Salomone, Jeffrey; Haut, Elliott R.
Association for the Surgery of Trauma (EAST) sistemática
Holla, Micha; Driessen, Mitchel; Eggen,
A New Craniothoracic Mattress for
Thomas G E; Daanen, Robin A; Hosman,
14 Immobilization of the Cervical Spine in Critical 2017 Inglês Artigo Estudo diagnóstico BVS
Allard J F; Verdonschot, Nico; Hannink,
Care Patients.
Gerjon.

516
Capítulo 41
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Ensaio clínico controlado /


Estudo diagnóstico /
The definite risks and questionable benefits of Purvis, Thomas Adam; Carlin, Brian;
15 2017 Inglês Artigo Estudo de etiologia / Guia BVS
liberal pre-hospital spinal immobilisation. Driscoll, Peter
de prática clínica / Fatores
de risco
Pressure ulcer development in trauma patients
with suspected spinal injury; the influence of H.W. Ham, L. Schoonhove, M. J.
16 2016 Inglês Artigo Coorte Prospectivo BVS
risk factors present in the Emergency Schuurmans, L. P.H. Leenen
Department
Daniel K Kornhall, Jørgen Joakim Jørgense,,
The Norwegian guidelines for the prehospital
Tor Brommelan , Per Kristian Hyldm, Helge
17 management of adult trauma patients with 2017 Inglês Artigo Revisão BVS
Asbjørnsen, Thomas Dolven, Thomas
potential spinal injury.
Hansen and Elisabeth Jeppesen
The characteristics and pre-hospital
J. T. Oosterwold, D. C. Sagel, P. M. van
management of blunt trauma patients with Retrospectivo
18 Grunsven, M. Holla, J. de Man-van Ginkel, 2017 Inglês Artigo BVS
suspected spinal column injuries: a retrospective observacional
S. Berben
observational study

Gordillo Martin, Raquel; Alcaráz, Pedro E;


Effect of training in advanced trauma life Rodriguez, Laura Juguera; Fernandez-
Estudo quase experimental BVS/
19 support on the kinematics of the spine: A Pacheco, Antonio Nieto; Marín-Cascales, 2017 Inglês Artigo
(simulação clínica) MEDLINE
simulation study. Elena; Freitas, Tomás T; Rios, Manuel
Pardo.

On-scene treatment of spinal injuries in motor BVS/


20 Kreinest, M; Scholz, M; Trafford, P. 2017 Inglês Artigo Revisão
sports. MEDLINE
Comparison of tissue-interface pressure in Pernik, Mark N; Seidel, Hudson H; Blalock,
healthy subjects lying on two trauma-splinting Ryan E; Burgess, Andrew R; Horodyski, Estudo quase experimental BVS/
21 2016 Inglês Artigo
devices: The vacuum mattress splint and long MaryBeth; Rechtine, Glenn R; Prasarn, (simulação clínica) MEDLINE
spine board. Mark L.

517
Capítulo 41
TRAUMA E EMERGÊNCIA

Outcomes and characteristics of non-


immobilised, spine-injured trauma patients: a
McDonald, Neil E; Curran-Sills, Gwynn; BVS/
22 systematic review of prehospital selective 2016 Inglês Artigo Revisão sistemática
Thomas, Roger E. MEDLINE
immobilisation protocols.
(prognóstico de pacientes não imobilizados).
Horizontal Slide Creates Less Cervical Motion
When Centering an Injured Patient on a Spine DuBose, Dewayne N; Zdziarski, Laura Ann;
Board. Scott, Nicole; Conrad, Bryan; Long, Estudo experimental BVS/
23 2016 Inglês Artigo
(O posicionamento horizontal verticalizado Allyson; Rechtine, Glenn R; Prasarn, Mark (ensaio clínico) MEDLINE
minimiza problemas secundários à imobilização L; Horodyski, MaryBeth.
de coluna).

518
Capítulo 41
TRAUMA E EMERGÊNCIA

3. DISCUSSÃO  Suspeita de lesão;


 Suspeita de fratura nas extremidades;

A restrição de movimento de coluna é  Agitação (SETH, 2019);

uma prática muito comum em vítimas de Na análise dos artigos foram


trauma, sendo seu principal objetivo evitar encontradas as principais consequências da
o agravo de lesões medulares. imobilização inadequada e/ou prolongada
A partir da introdução do manejo da RMC. A maioria dos artigos aponta que
moderno da coluna por meio da existem evidências de que a imobilização
imobilização, entre 1970 e 1980 houve uma gera malefícios aos pacientes, dentre esses
diminuição significativa na incidência e pontos, vale destacar os achados elencados
mortalidade de lesão completa da medula na sequência.
(KORNHALL et al., 2017). O ato da Quando há trauma penetrante isolado,
imobilização é uma prática muito frequente não se deve realizar a restrição de
em serviços atuais que atendem pacientes movimento de coluna, uma vez que está
traumatizados, porém mais da metade dos associada a um maior índice de morbidade
pacientes que foram imobilizados não e mortalidade, pois pode mascarar
possuíam indicação para tal medida. hematomas, desvio de traqueia, diminuir o
O movimento excessivo da coluna pulso do paciente e até dificultar a
vertebral lesionada em um trauma pode intubação em alguns casos (SETH, 2019;
causar lesões neurológicas severas e muitas VELOPULOS, 2018).
vezes irreversíveis. Logo, a intenção de Caso exista um possível comprome-
restringir a vítima tem a finalidade de timento e obstrução de vias aéreas, ocorre o
reduzir os movimentos para que essas aumento da morbimortalidade quando esse
lesões sejam evitadas, porém, em muitas cenário é correlaci-onado com a RMC, vale
ocasiões que não seriam indicadas tal ressaltar que nesses casos as mortes podem
prática não trouxe benefício algum para o ser evitáveis (SETH, 2019).
paciente (VELOPULOS; SHIHAB, et al., Acredita-se que pacientes idosos
2018). sempre devem ser imobilizados, porém
Dessa forma, foram criados protocolos quando esses pacientes apresentam fratura
para que ocorra a imobilização de forma na coluna vertebral sem sinais de
adequada, sem causar mais danos às vítimas comprometimento neurológico, podem
que não necessitam de imobilização. apresentar risco de desenvolver úlceras de
Os critérios mais utilizados, pressão, bem como um maior comprome-
principalmente no NEXUS, foram: timento respiratório (SETH, 2019).
 Sinais neurológicos focais;
Além disso, a RMC aumenta o risco do
 Escala de Coma de Glasgow (<15);
resgate, por exemplo, na zona quente de um
 Intoxicação;
acidente, de modo a colocar a vida do
 Dor e /ou sensibilidade na coluna;
socorrista em perigo (segurança da cena).
 Barreira linguística;
Já em relação ao uso do colar cervical,
 Inconsciência;
alguns estudos têm demonstrado que pode

519
Capítulo 41
TRAUMA E EMERGÊNCIA

ocorrer complicações em relação ao próprio de lesões e/ou agravá-las. Embora alguns


colar cervical, inclusive comprometendo a relatos tenham demonstrado que houve
respiração do paciente, acarretando no certa preservação do estado neurológico em
aumento da pressão intracraniana e paciente com lesão medular, são poucos
limitando o acesso ao tórax e as vias aéreas estudos com evidências comprovadas.
do paciente (HOLLA, 2017). Além disso, os principais malefícios estão
Em relação ao atendimento de vítimas diretamente relacionados com agravo do
de trauma, a RMC não deve atrasar a quadro clínico do paciente, especialmente
abordagem de condições que comprometem aqueles que já apresentam uma lesão na
a vida do paciente em um curto espaço de coluna espinhal, bem como o tempo
tempo, como por exemplo o prolongado do paciente na prancha rígida e
comprometimento de vias aéreas, com colar cervical; o pode resultar em
hipoxemia, pneumotórax hipertensivo, úlceras de pressão.
entre outros (KORNHALL et al., 2017). A falta de treinamento da equipe em
Como pontos positivos, os artigos relação ao uso e realização da restrição
apontaram uma relação de melhoria do corretamente, se torna mais um fator de
estado neurológico dos pacientes com risco para os pacientes que necessitam da
lesões de coluna que foram imobilizados, RMC, contribuindo também para o agravo
porém esta informação ainda carece de das lesões. Associado a isso, o tempo para
comprovação científica. Em muitos iniciar o procedimento mais o tempo total
trabalhos foi citado o ponto de se necessitar para finalizá-lo, pode contribuir para a
de mais estudos para concluir os reais deterioração neurológica do paciente,
benefícios que a RMC proporciona (SETH, principalmente nos que necessitam de
2019). intubação precoce. Ademais, a insegurança
em realizar os protocolos e aplicar os
4. CONCLUSÃO
critérios da RMC propostos e atualizados,
faz com que a equipe de resgate imobilize
Os artigos analisados demonstraram
vítimas que não teriam indicação,
poucas evidências em relação aos
acreditando que a prevenção é um benefício
benefícios que a RMC proporciona às
inquestionável.
vítimas de trauma, mas sim como essa
prática pode, inclusive, aumentar o número

520
Capítulo 41
TRAUMA E EMERGÊNCIA

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COGGINS, Andrew; EBRAHIMI, Nargus; KEMP, Ursula; O'SHEA, Kelly; FUSI, Michael; MURPHY, Margaret. A
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Cervical_Spine_in_Critical_Care_Patients. Acesso em: 13/06/2021.

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MCDONALD, Neil E et al. Outcomes and characteristics of non-immobilised, spine-injured trauma patients: a
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521
Capítulo 41
TRAUMA E EMERGÊNCIA

NIEMEIER, Thomas E. MD; MANOHARAN, Sakthevil R. MD; MUKHERJEE, Amrita BDS, MPH; THEISS, Steven
M. MD Conservative. Treatment of Hangman Variant Fractures. 2018. Disponível em:
https://journals.lww.com/jspinaldisorders/Abstract/2018/06000/Conservative_Treatment_of_Hangman_Variant.12.as
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SWARTZ, Erik E; TUCKER, W Steven; et al. Prehospital Cervical Spine Motion: Immobilization Versus Spine
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TEN BRINKE, J G; GROEN, S R; DEHNAD, M; SALTZHERR et al. Prehospital care o spinal injuries: a historical
quest for reasoning and evidence, 2018. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/327674625_Prehospital_care_of_spinal_injuries_a_historical_quest_for_rea
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TSUTSUMI, Yusuke; FUKUMA, Shingo; et al. Association between spinal immobilization and survival at
discharge for on-scene blunt traumatic cardiac arrest: A nationwide retrospective cohort study. 2018. Disponível
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UNDERBRINK, Linda; DALTON, Alice Twink, et al. New Immobilization Guidelines Change EMS Critical
Thinking in Older Adults with Spine Trauma. 2017. Disponível em:
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/10903127.2017.1423138?journalCode=ipec20. Acesso em: 16/05/2021.

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immobilization/spinal motion restriction in penetrating trauma: A practice management guideline from the
Eastern Association for the Surgery of Trauma (EAST). MEDLINE, 2018 Disponível em:
https://www.east.org/education-career-development/practice-management-guidelines/details/prehospital-spine-
immobilizationspinal-motion-restriction-in-penetrating-trauma. Acesso em: 04/06/2021.

522
ÍNDICE REMISSIVO
Abdome agudo 342 Intubação 71
Abordagem 342 Intubação traqueal 130
Acidente Vascular Cerebral 205 Isquemia mesentérica 280
Amputação traumática 48, 450 Lesão da medula espinal 379
Analgesia 353 Lesões faciais 463
Amputação Traumática Mandíbula 232
Antibioticoterapia 223 Manejo 250, 431
Antibiótico 326 Manejo Clínico 107
Antídotos 34 Manejo da medula espinal 379
Atendimento inicial 1 Microtrauma físico 288
Ativador de Plasminogênio Tecidual 205 Morte materna 157
Bariátrica 488 Neuroplasticidade 379
Biomarcadores 280 Oclusão Vascular Mesentérica 98
Cardiovasculares 250 Osteomielite 175, 425
Cetoacidose diabética 417 Overdose 34, 107
Choque séptico 361 Pâncreas 311
Conduta 431 Pancreatite aguda 311
Coluna vertebral 512 Pancreatite Aguda Necrosante 98
Complicações bariátricas 488 Pandemia 87
Complicações na gravidez 342 Pediatria 361
Complicações Pós-Operatórias 425 Pré́ -eclâmpsia 401
COVID-19 130 Procedimento cirúrgico 170
Cuidados de suporte avançado de vida no trauma 17 Profilaxia 267, 326
Dente 193 Prótese 48
Diabetes mellitus 417 Queimaduras 431
Diagnóstico 473 Reabilitação 48
Diagnóstico precoce 280 SARA 142
Eclâmpsia 401 Sedação Profunda 353
Emergência 87, 130, 142, 239, 250, 296, 311,353, 417, 450 Sepse 267, 288, 361
Enfermagem em Emergência 239 Sequência rápida intubação 130
Epidemiologia 1, 463 Sistema Único de Saúde 469
Erro cirúrgico 425 Streptococcus 223
Erro médico 425 Trabalho de Parto Induzido 401
Face 193 Transtorno do Estresse pós traumático 469
Fasceiíte necrotizante 223 Trauma 64, 193, 326, 443, 512
Feridas e lesões 288 Trauma de face 1, 71
Ferimentos e lesões17, 193 Traumatismo cranioencefálico 64
Fixação de fratura 232, 425 Traumatismos faciais 463
Fixação interna 170 Traumatismo múltiplo17, 450
Fraturas mandibulares 232 Traumatologia 170
Golden-hour 443 Triagem 239
Gravidez ectópica 473 Trimodal 443
Hemorragia pós-parto 157 Trombectomia 205
Imobilização 512 Trombose Venosa 98
Inércia uterina 157 Urgência 64, 488
Infarto 443 Urgência Ortopédica 175
Infecção 175 Ultrassonografia 473
Infecção Hospitalar 267 Via aérea difícil 71
Infecção por coronavírus 87 Via aérea definitiva 130
Intoxicação 296 Violência sexual 469
Intoxicação exógena 34, 107, 296

523

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