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Mestrado em ensino do 1º e 2º CEB (P/HGP)

Didática do Português I

A revisão cooperada de texto como instrumento para


aperfeiçoamento da escrita na abordagem do Movimento da Escola Moderna

Docente: Maria Helena Ramos Santos


Discente: Márcia de Fátima Fagundes Ávila

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Os estudos sobre a revisão de texto acompanham, desde cedo, a evolução das
conceções de escrita e dos modelos de composição culminando em dois modelos de
composição distintos: os lineares e os não lineares. Na tradição da retórica clássica, ou seja,
numa perspetiva linear da escrita, a revisão aparece como a última fase do processo e que
consistia nas correções das discrepâncias detetadas, a posteriori ,no confronto com o texto
escrito, face àquilo que se teria planeado. Para Niza (2008), nos modelos de composição não
linear, a revisão passa a ser entendida como um dos procedimentos que pode acontecer em
qualquer altura da produção e que vem a reafirmar o valor recursivo da escrita e enquadra
uma nova retórica em que a forma interage com a construção do significado, que não
preexiste no pensamento, mas redefine-se à medida que se ganha forma (Santana 2007).
A maior parte dos estudos empíricos, realizados no âmbito da revisão de texto efetuada por
crianças conclui que estas raramente voltam ao seu texto depois de o terem terminado, para o
ler, e, eventualmente, para o modificar (ibidem). No entanto, Fabre (1983) sustenta que a
partir de estudos descritivos da escrita das crianças, as rasuras, os borrões e as hesitações são
indicadores de atividades metalinguísticas e metadiscursivas que ocorrem durante o
processo de composição, o que justificou a insistência dos investigadores em prosseguirem
nesta área (Piolat, 1993). Do mesmo modo, Fayol (2016) reconhece a revisão de texto como
um instrumento fundamental na melhoria da produção verbal escrita. O autor, refere ainda
que o efeito do regresso ao texto deve ser feito de forma estratégica e com objetivos
delineados, dependendo assim, “da capacidade de detenção de falhas/erros (que se torna
particularmente difícil quando se trata da nossa própria produção)” e sobretudo “da
disponibilidade de soluções alternativas de melhor qualidade”(ibidem, p.104).
No Movimento da Escola Moderna Portuguesa, não podemos dissociar o trabalho de
revisão de texto da forma como se pensa a pedagogia neste modelo educacional. O ensino
pensa-se fundamenta-se de acordo com a teoria da organização social do trabalho, que nos
remete, obrigatoriamente, para uma lógica de cooperação em que todo o produto humano é
pertença do grupo, e, consequentemente, se cria a necessidade de continuar a produzir para o
grupo. A cooperação é uma relação social que supõe uma reciprocidade entre indivíduos que
sabem, ou nela aprendem, a diferenciar os seus pontos de vista. Piaget, como referenciado por
Niza (1983), considera a cooperação como a fonte de três tipos de transformações do
pensamento individual:
a) é fonte de reflexão e de consciência de si;
b) permite dissociar o sujeito do objecto (e neste sentido é fonte de objectividade e
converte a experiência imediata em conhecimento científico);
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c) é fonte de regulações por ajustamentos recíprocos (proporciona o controlo
retroactivo que garante o equilíbrio relativo de uma organização no decurso da sua
construção).
De acordo com Cosme e Trindade (2013), para o paradigma da aprendizagem, a organização
cooperativa dos ambientes explica-se, em larga escala, pelo modo como nele se valoriza o
desenvolvimento das competências cognitivas e relacionais dos alunos. Tal predicativo poderá
ser explicado quer pelo modo como estas competências permitem potenciar o desenvolvimento
cognitivo dos sujeitos quer porque se considera que estas competências constituem um fator
imprescindível para responder aos desafios e exigência da vida em sociedades tão complexas
como aquelas em que vivemos. Estes autores, defendem que nós aprendemos quando
partilhamos, utilizamos e recriamos o património cultural da sociedade onde estamos inseridos.
A Psicologia teceu um importante contributo para a legitimação do projeto de organização
cooperativa dos ambientes escolares ao valorizar a dimensão das interações entre as pessoas
como condição educativa a respeitar no âmbito do processo de formação que tem lugar nas
escolas. Deste modo, Bessa & Fontaine (2002), apresentam a aprendizagem cooperativa de
uma perspetiva valiosa quer pelo modo como contribui para valorizar o trabalho de grupo e a
cooperação entre os alunos como fator potenciador das suas aprendizagens, quando evidencia
que a colaboração entre os pares, permite que os alunos apresentem opiniões, idealizem
cenários, construam estratégias, ativando-se assim, os processos de reestruturação cognitiva e
os fenómenos de conflito cognitivo ou sociocognitivo, que estão na origem da realização das
aprendizagens.
Assim, no MEM, o momento de revisão de texto faz-se de forma cooperada e pode acontecer
em grupos ou a pares. Parte-se do princípio de que se ler é compreender, então aprender a ler é
aprender a compreender. Por outras palavras, podemos afirmar que, de acordo com Olson
(1994), a consciência metalinguística é a primeira consequência cognitiva de aprender a
escrever (Niza, 2012). Inácia Santana (2007) refere que o verdadeiro trabalho de leitura situa-
se na escrita, no vaivém que se estabelece entre o texto inicialmente produzido e o texto que
resulta da resolução de problemas levantados acerca do conteúdo, do destinatário, da adequação
da linguagem, da ortografia, da disposição gráfica.
O questionamento dos alunos ao autor do texto para clarificar ideias, tomar explícitas
circunstâncias temporais e espaciais, relações entre as personagens e as acções, adequação do
vocabulário faz interagir o leitor com o texto escrito e aprofunda a compreensão da leitura que
ganham forma no processo de reescrita do texto. Nesta perspectiva, e segundo Fijalkow (1993)
a escrita é um instrumento de análise da leitura, fonte de conhecimento que alimenta e permite a

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construção de conhecimentos específicos do escrito, sintácticos, lexicais e ortográficos.
Pese embora a escassez de literatura científica em idades do 1º Ciclo do ensino básico sobre a
revisão de texto, são notáveis os trabalhos de Santana (2007) e Rocha (2009) que concluem,
que mesmo para crianças muito pequenas, que a revisão de texto cooperada revela-se
“potenciadora da apropriação de aspetos parcelares e de superfície da escrita, mas também da
cosntrução gradual da metatextualidade”(Santana, 2007, p.84).
Também Rocha (1999), verificou que este instrumento permite às crianças, em fase inicial da
apropriação da escrita, operar no espaço-conteúdo das suas próprias produções escritas, através
do confronto com o texto. Esta interação, entre a criança e o seu texto, permite-lhe estabelecer
comparações e análises entre o oral e o escrito, entre o que escreveu e o que realmente queria
dizer podendo finalmente lê-lo como se fosse o seu destinatário o que, segundo o autor,
constitui a dimensão fundamental do desenvolvimento das habilidades textuais.
Também autores como Ferreiro e Moreira (1996) debruçaram-se, no âmbito da revisão de
texto, sobre a repetição nos textos infantis e na sua relação com o controlo da pontuação
podendo concluir que existe um vínculo evolutivo entre repetições e pontuação evidenciando
que a lexicalização será, lentamente, substituída pela pontuação.
Concomitantemente, uma vez que a pontuação corresponde a uma capacidade de distanciação
do autor, Ferreiro (1996) considera que esta atividade ocorre fundamentalmente durante o
momento de revisão o que os leva a inferir, uma vez mais, que este processo é de extrema
relevância para a construção da metatextualidade da criança.

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Referências bibliográficas

Bessa, A.; Fontaine, A. (2002). A Aprendizagem Cooperativa numa Pós-Modernidade Crítica.


Educação, Sociedade & Culturas (n.º18).
Cosme, A.; Trindade, T. (2013). Organização e Gestão do Trabalho Pedagógico: Perspetivas,
Questões; Desafios e Respostas. Mais Leituras.

Fayol, M. (2016). A Aquisição da escrita. (1ª ed). Gradiva

Niza, S. (1998.) A organização social do trabalho de aprendizagem no 1.º Ciclo do Ensino


Básico. Inovação, 11, pp. 77-98 .

Niza, S. (2012). Escritos sobre educação (1.ª ed.) Edições Tinta da china, Lda.

Piolat, A., Isnard, N., & Valle, V. D. (1993). Traitement de texte et stratégies rédactionnelles.
Le Travail Humain. 56 (1), 79-99.

Rocha, G. (1999). A apropriação das habilidades textuais pela criança. São Paulo: Papirus.

Santana, I. (2007). A aprendizagem da escrita: Estudo sobre a revisão cooperada de texto.


Porto Editora.

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