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Mestrado em ensino do 1º e 2º CEB (P/HGP)

Didática do Português I

O ensino da leitura e da escrita segundo o Modelo Pedagógico do Movimento


Escola Moderna

Docente: Maria Helena Ramos Santos


Discente: Márcia de Fátima Fagundes Ávila

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Embora a escola seja o local socialmente destinado às aprendizagens, todos
sabem hoje, que não se aprende apenas na escola e que a Língua Portuguesa não se
aprende só no tempo que lhe é destinado no horário escolar. No Movimento Escola
Moderna (MEM), entende-se a escrita e a leitura como um processo que começa antes
das aprendizagens formais e se constrói ao longo de toda a vida através de interacções
múltiplas do sujeito, que aprende com o meio social onde vive e onde intervém. No
trabalho de pesquisa iniciado em 1974 por Ferreiro e Teberosky, como referenciado por
Mendonça & Mendonça (s/d), “A psicogénese da língua escrita”, as autoras defendem
que a aquisição do conhecimento se baseia na atividade do sujeito em interacção com o
objeto de conhecimento podendo deduzir que, antes de chegar à escola, a criança já tem
ideias e faz hipóteses sobre o código escrito, descrevendo os estágios linguísticos que
percorre até a aquisição da leitura e da escrita. Como citado em Horta (2016), “o ensino
da escrita não se pode basear apenas na sua caligrafia, na sua relação grafofónica ou na
disposição de letras e de palavras no papel” (p. 27). A autora defende ainda como sendo
de extrema importância o processo completo de produção de texto. Por outras palavras,
é insuficiente conceber a produção escrita associando apenas grafemas a fonemas,
desvinculados dos propósitos comunicacionais e da dimensão sociocultural da criança.
Sérgio Niza (1998), apoiado no trabalho de Fijalkow e Charmeux, refere que entrar na
escrita pela leitura não permite que as crianças compreendam que a linguagem escrita
representa a linguagem oral. O mesmo autor refere ainda que:
“o prazer de escrever deve radicar no prazer de desenhar pois desenhar pois é uma
forma de simbolizar o que nos rodeia. A passagem desta forma de simbolizar a
vida para uma forma de simbolizar a fala sobre a vida é, afinal, a entrada na
escrita” (como citado em Horta, 2016, p.107).
Viana et al. (2014), indicam-nos que “são as explorações diretas, ativas e estimuladas
das crianças que as levam a isolar os critérios de diferenciação entre o desenho e a
escrita (…) sem, contudo, perder de vista a sua intenção de comunicar algo (como
citado em Horta, 2016, p. 28). Finalmente, o Modelo Pedagógico do MEM assenta na
conceção de Vygotsky (1896-1934) que entende a leitura e a escrita como
instrumento cultural entendendo, portanto, a aquisição da literacia como um longo
processo que se inicia muito cedo e se desenvolve pelo ato social da escrita (Niza,
2012). No MEM a iniciação na leitura faz-se a partir das produções das crianças: o
desenho livre, como já anteriormente foi referido, é primeira forma de simbolização e

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escrita. Parte-se da escrita das crianças para a leitura, ao contrário do que é comum na
maioria das escolas que seguem o processo inverso: da leitura segundo as páginas de
um manual para a escrita (Santana, 2007). Na presença dos alunos, e enquanto estes
não têm competência para o fazer, o professor regista por escrito as produções orais
das crianças. Lê esses textos, não só para lhes fazer compreender que a escrita tem
uma função comunicativa, mas também para que o autor e os ouvintes possam
verificar se o que foi dito corresponde ao que foi escrito e se necessário reformular o
que foi registado para que corresponda efetivamente àquilo que o seu autor queria
comunicar. Segundo Niza (2012), esta abordagem de aproximação/oposição aos
códigos da fala e da escrita pela prática direta dos alunos faz com que eles
compreendam que a escrita é outra forma de codificar a fala, que as palavras são
separadas por espaços, que não são o desenho das coisas, ou seja, que se apercebam
progressivamente da literalidade, da linearidade e da função referencial da escrita.
Esta abordagem possibilita ainda a compreensão de que não se escreve exatamente
como se fala, de que há marcas e sinais próprios da escrita que correspondem aos
ritmos e à expressão de quem comunica e àquilo que quer comunicar. Finalmente, não
se separa a fala da escrita nem esta da leitura. Charmeux (1991) considera, desde o
início, estas duas atividades como simultâneas, que em interação se reforçam e
através das quais as crianças criam e desenvolvem comportamentos ativos de
construção inteligente de significados (Niza, 2012). Como sugere o autor, é
necessário que a criança desenvolva três condições estratégicas indispensáveis para o
apoio ao desenvolvimento da escrita:
i) A primeira estratégia diz respeito à ajuda do professor ou de outros
adultos na tomada de consciência de que é a fala que se escreve e não
aquilo a que ela se refere. Com efeito, para o escritor em iniciação, é a
fala que se representa ou modeliza como registo convencionado ou
álgebra da fala, posto que a fala não se consegue efetivamente
transcrever.
ii) A segunda estratégia corresponde ao apoio que se deve dar à tomada
de consciência de que cada criança, enquanto escritora, dispõe de uma
linguagem interior que pode ser fonte de escrita.
iii) A terceira estratégia assenta na necessidade de as crianças disporem
de padrões de texto ao seu nível de desenvolvimento. Precisam de ler
e trabalhar, regularmente, textos dos seus companheiros para que se

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possa produzir o que Clanché (1988) chamou de efeito iogurte, como
efeito multiplicador da produção de textos (Niza 2012).
Como referiu Vygotsky (1896-1934) ler e escrever devem ser coisas de que a criança
necessite, deve ser relevante para a vida (Niza, 2012). Como tal, no MEM escreve-se e
lê-se para comunicar quando os alunos lêem os seus textos à turma ou apresentam
livros, quando escrevem aos correspondentes, quando fazem o jornal escolar., quando
apresentam o produto e o processo de um estudo de um projecto ou de uma experiência.
Lê-se e escreve-se para recolher informação e quando as crianças consultam livros,
mapas, gráficos, dicionários, prontuários, gramáticas, ficheiros temáticos ou outros
documentos necessários para realização de um projecto em curso, para responder a
questões levantadas na turma ou pelos correspondentes ou por uma rubrica do
programa. Lê-se para fazer um bolo ou uma experiência segundo uma receita ou um
guião. Lê-se para se distrair, na biblioteca da turma ou da escola. Escreve-se e lê-se
quando se inventam e resolvem problemas de matemática. Escreve-se e lê-se para
organizar a vida da turma. Parte-se dos textos produzidos pelas crianças para a
compreensão do funcionamento da Língua e para o estudo de textos de autor ao invés
do que é habitualmente praticado, isto é, do texto de autor como modelo de escrita e de
compreensão do funcionamento da Língua. Integram-se as produções em circuitos de
comunicação: leituras pelos alunos dos seus textos à turma, correspondência
(interescolar, com os pais, com Associações Científicas ou outras, Autarquias, etc)
jornal escolar, Diário da Turma (Santana 2007).
Em modo de conclusão, ao considerarmos que as competências linguísticas estão
subjacentes ao desenvolvimento de competências literárias, surge a necessidade de
promoção de uma articulação, de uma relação interdisciplinar entre estes dois saberes-
em-ação. É na tentativa de assegurar a tomada de consciência dos aspetos internos da
linguagem escrita e da sua assimilação funcional que se pensa a alfebetização no MEM,
que mesmo em fases posteriores do desenvolvimento da escrita será, como no início,
indispensável a montagem de um circuito vivo de comunicação, alimentado por fluxos
permanentes de produções, e que disponha de um sistema motivante de regulação
dessas práticas (Niza 1998). O mesmo autor vem realçar, ainda, que tal atividade não
deve confundir-se como um policiamento da linguagem mas antes propor-se como
pesquisa das regras de um jogo que garanta a identidade da Língua.
Finalmente, é a consciência de que não há necessidade de primeiro aprender a técnica,
para só depois se dar início ao processo de escrita, sendo pertinente que para o processo

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de albebetização sejam utilizados textos veiculados socialmente, reais, e significativos
para a vida das crianças.

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Referências bibliográficas

Charmeux, E. (1994). Aprender a ler. Editor Cortez

Horta, M. (2016). Linguagem escrita na Educação de Infância: Da Intenção à


Prática. (1ª ed), Psicossoma .

Martins, M., Niza, I., Neves, M.,Rosa, C., Soares, J.,& Santana, I. (1998).
Criar o gosto pela escrita: Formação de Professores. Departamento
da Educação Básica.

Mendonça, O., & Mendonça S. O. (s/d) Psicogênese da Língua Escrita:


contribuições, equívocos e consequências para a alfabetização pag 37-55.

Niza, S. (1998.) A organização social do trabalho de aprendizagem no 1.º


Ciclo do Ensino Básico. Inovação, pp. 77-98.

Niza, S. (2012). Escritos sobre educação (1.ª ed.) Edições Tinta da china, Lda.

Rodrigues, E. (2019). Pensar a Imagem Olhar o Texto: Experimentos poéticos


na educação de infância.(nº ed 1942), Adições Afrontamento.

Vygotsky, L. (2007). Pensamento e linguagem. Lisboa: Relógio d’Água


Editores.

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