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FUTEBÓIS DO NORTE

Organizadores:

FELIPE CARLOS DAMASCENO E SILVA


ALINE MERIANE DO CARMO DE FREITAS LUCINEY ARAÚJO LEITÃO
Ano 1
FUTEBÓIS DO NORTE
Setor Norte - Futebol e Ciência – ano 1
Todo o conteúdo apresentado neste livro, inclusive correção ortográfica e
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publicação de livros científicos de fácil acesso, de baixo custo financeiro e de alta qualidade!

Nossa inspiração é acreditar que a ampla divulgação do conhecimento científico pode mudar para me-
lhor o mundo em que vivemos!

Equipe RFB Editora


Felipe Carlos Damasceno e Silva
Aline Meriane do Carmo de Freitas
Luciney Araújo Leitão
(Organizadores)

FUTEBÓIS DO NORTE
Setor Norte - Futebol e Ciência – ano 1

Edição 1

Belém-PA
RFB Editora
2022
© 2022 Edição brasileira
by RFB Editora
© 2022 Texto
by Autor
Todos os direitos reservados
RFB Editora
CNPJ: 39.242.488/0001-07
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91 98885-7730
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Editor-Chefe Bibliotecária
Prof. Dr. Ednilson Souza Janaina Karina Alves Trigo Ramos
Diagramação Produtor editorial
Worges Editoração Nazareno Da Luz
Capa
Adenirson Sandres Oliver Oliveira
Revisão de texto
Os autores

https://doi.org/10.46898/rfb.9786558893134

Catalogação na publicação
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166

F996

Futebóis do Norte: setor Norte - futebol e ciência – ano 1 / Felipe Carlos


Damasceno e Silva (Organizador), Aline Meriane do Carmo de Freitas
(Organizadora), Luciney Araújo Leitão (Organizadora). – Belém: RFB, 2022.

Livro em PDF

194 p.

ISBN: 978-65-5889-313-4
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134

1. Futebol - Região Norte - Brasil. I. Silva, Felipe Carlos Damasceno e (Organizador).


II. Freitas, Aline Meriane do Carmo de (Organizadora). III. Leitão, Luciney Araújo
(Organizadora). IV. Título.

CDD 796.33409811

Índice para catálogo sistemático

I. Futebol - Região Norte - Brasil


SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO...................................................................................................................9
Felipe Carlos Damasceno e Silva
Aline Meriane do Carmo de Freitas
Luciney Araújo Leitão
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.0
PARTE I
ARTIGOS CIENTÍFICOS....................................................................................................12
CAPÍTULO 1
PATRIMÔNIO CULTURAL DA AMAZÔNIA PARAENSE: REMO E PAYSAN-
DU..........................................................................................................................................13
Wanessa Pires Lott
Ana Larissa Brito de Andrade
Danielle da Silva Gomes
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.1
CAPÍTULO 2
O FOOTBALL NO PARÁ: TEAMS, SPORTMEN E FIELDS NO ALVORECER DO
FUTEBOL PARAENSE.........................................................................................................27
Rafael Matos de Carvalho
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.2
CAPÍTULO 3
NOVOS RUMOS NO PAYSANDU SPORT CLUB: ASCENSÃO E DECLÍNIO DE
UM MOVIMENTO (2013-2021)...........................................................................................45
Rodolfo Silva Marques
André Silva de Oliveira
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.3
CAPÍTULO 4
PIONEIRISMO, DECLÍNIO E RECONSTRUÇÃO: BAENÃO AO LONGO DAS
DÉCADAS (1917- 2019).........................................................................................................59
Luiz Gabriel Gomes Monteiro
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.3
CAPÍTULO 5
BALL CAT’S E SUA TRAJETÓRIA NO FUTEBOL DO NORTE DO BRASIL.........77
Wagner Xavier de Camargo
Flávio Cavalcanti Pinto do Amaral
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.5
CAPÍTULO 6
A PRESENÇA DA MULHER NOS ESTÁDIOS DE FUTEBOL EM BELÉM DO
PARÁ (2010 - 2017).................................................................................................................95
Beatriz Reis Mendes
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.6
CAPÍTULO 7
INVASÕES DE CAMPO POR TORCEDORES NA VOLTA AOS ESTÁDIOS: UMA
REFLEXÃO DO NORTE AO SUL DO BRASIL............................................................107
Gabriel Lima da Conceição Ribeiro
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.7
CAPÍTULO 8
TORCIDAS ORGANIZADAS DE FUTEBOL EM BELÉM/PA: FESTA, VIOLÊNCIA
E SOLIDARIEDADE...........................................................................................................125
Samuel Rodrigues da Costa Melo
Glaucy Learte da Silva
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.8
CAPÍTULO 9
O IMAGINÁRIO NA NARRAÇÃO ESPORTIVA: RÁDIO CLUBE DO PARÁ E A
COBERTURA DO ESPORTE ...........................................................................................137
Magno da Câmara Fernandes
Arcângela A. Guedes de Sena
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.9
PARTE II
RELATOS DE EXPERIÊNCIA...........................................................................................160
CAPÍTULO 10
“SE TIRAR A TORCIDA, O YPIRANGA SE ESVAZIA, PERDE O CORAÇÃO”
UMA ETNOGRAFIA DOS TURBINADOS DA TORRE............................................161
Marcus Vinicius Brito Guedes
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.10
CAPÍTULO 11
A PIADA: RELATO DE EXPERIÊNCIA DA CONQUISTA DE UM SONHO........173
Cássia Almeida Gouvêa
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.11
PARTE III
TEXTOS JORNALÍSTICOS...............................................................................................178
CAPÍTULO 12
ANDIRÁ COMPLETA 57 ANOS DE FUNDAÇÃO ....................................................179
Manoel Façanha
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.12
CAPÍTULO 13
MANÉ GARRINCHA EM PARINTINS/AM 1973........................................................187
José Brilhante
DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.13
ÍNDICE REMISSIVO..........................................................................................................192
Apresentação: Chegamos para nortear as
pesquisas sobre os Futebóis do Norte do
Brasil
Felipe Carlos Damasceno e Silva1
Aline Meriane do Carmo de Freitas2
Luciney Araújo Leitão3

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.0

Não será o futebol muito importante para ser deixado exclusivamente nas mãos de seus pro-
tagonistas tradicionais?

(FRANCO JÚNIOR, 2017, p. 430)

Este livro é uma iniciativa para comemorar um ano do grupo de pesquisa


Setor Norte – Futebol e Ciência, o qual foi iniciado em janeiro de 2021 e reúne men-
salmente, de maneira remota, 32 pesquisadoras e pesquisadores com diferentes perfis
acadêmicos. São profissionais que torcem e/ou jogam futebol e que se uniram para
refletir sobre os futebóis praticados na Região Norte do Brasil.
De graduandos/as a doutores/as, os profissionais atuam em diversos setores
do universo futebolístico, com integrantes trabalhando em comissões técnicas, na do-
cência, em escolas, nas universidades, no jornalismo e no marketing esportivo. Nosso
objetivo é compreender os significados do torcer, jogar futebol e fazer ciência a partir
da perspectiva da nossa região, propondo um esforço de desconstrução e de desloca-
mento do eixo de análise que, historicamente, é ancorado no Sul/Sudeste e produzido,
majoritariamente, por homens.
Acreditamos ser necessária outra forma de fazer ciência, que questione, so-
bretudo, os estudos hegemônicos. Nosso objetivo é também de incentivar a reflexão
e novos trabalhos a respeito da temática, visto que a quantidade de pesquisas ainda é
menor comparada ao eixo Sul e Sudeste.
Cabe pontuar que as pesquisas reunidas neste trabalho extrapolam os esforços
do grupo Setor Norte e contam com pesquisas e participantes de outras regiões do
Brasil que, neste livro, unem-se para refletir e estudar sobre futebóis a partir da Região
1  Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, Pará, Brasil.
2  Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, Pará, Brasil.
3  Universidade Federal do Acre (UFAC), Rio Branco, Acre, Brasil.
Norte, focados nas especificidades culturais e sociais dos ambientes futebolísticos da
região.
Para este primeiro dossiê, organizamos a obra em três partes, sendo a primeira
destinada aos artigos científicos, seguida de relatos de experiência e textos jornalísti-
cos. Abrimos o livro com o artigo “Patrimônio cultural da Amazônia paraense: Remo
e Paysandu”, em que Wanessa Pires Lott, Ana Larissa Brito de Andrade e Danielle da
Silva Gomes abordam o futebol como patrimônio cultural brasileiro, com foco no re-
gistro de Clube do Remo e Paysandu como patrimônio do estado do Pará.
No artigo “Football no Pará: Teams, sportsmen e fields no alvorecer do futebol
paraense”, Rafael Matos de Carvalho disserta sobre o futebol praticado no estado do
Pará nos primórdios do século XX, salientando a conexão desse fenômeno com o cená-
rio político e social da época. Tal abordagem dá atenção especial à adesão das classes
populares da época à prática futebolística.
Em “Pioneirismo e reconstrução: Baenão ao longo das décadas (1917-2019)”,
Luiz Gabriel Gomes Monteiro evidencia a relação entre a torcida do Clube do Remo
e o Estádio Evandro Almeida – Baenão, maior patrimônio material do clube, privile-
giando a memória de torcedores a respeito de intervenções estruturais que colocaram
em risco a existência do estádio.
Wagner Xavier de Camargo e Flávio Cavalcanti Pinto, no artigo “Ball Cat’s e
sua trajetória no futebol do Norte do Brasil”, dialogam com os estudos de gênero sobre
a experiência do Ball Cat’s – primeiro grupo LGBTQIAPN+ a formar um time de fute-
bol de várzea no estado do Amazonas, inserindo-se nas disputas futebolísticas locais,
bem como nas nacionais organizadas pela LiGay Nacional de Futebol. Neste texto,
os autores nos dão a possibilidade de compreender o caráter heterogêneo dos times
LGBTQIAPN+ do país.
Em seguida, Beatriz Reis Mendes discute a luta por afirmação social de mulhe-
res torcedoras no contexto da rivalidade entre Clube do Remo e Paysandu Sport Club
em Belém do Pará. O artigo, intitulado “A presença da mulher nos estádios de futebol
em Belém do Pará (2010-2017)”, apresenta dados historiográficos e relatos orais.
Em “Novos Rumos no Paysandu Sport Club: Ascensão e declínio de um mo-
vimento (2013 – 2021)”, Rodolfo Silva Marques e André Silva de Oliveira apresentam
uma abordagem da saga política e econômica do Paysandu Sport Club durante os anos
em que o grupo Novos Rumos esteve à frente deste que é o clube da Região Norte de
maior projeção em títulos e participações em competições de destaque.
No artigo “Invasões de campo por torcedores na volta aos estádios: uma re-
flexão do Norte ao Sul do Brasil”, Gabriel Lima da Conceição Ribeiro versa sobre o

10
fenômeno das invasões no contexto de retorno do público aos estádios após meses
de ausência em decorrência das medidas de combate ao avanço da COVID-19, dando
ênfase aos variados tipos de violência acionados por tais práticas.
Samuel Rodrigues da Costa Melo e Glaucy Learte da Silva, no texto “Torcidas
organizadas de futebol em Belém-PA: Festa, violência e solidariedade”, abordam as
formas de organização das duas principais torcidas organizadas de Belém-PA, Remo-
çada e Terror Bicolor – grupos antagônicos –, evidenciando a atmosfera de solidarie-
dade interna desses movimentos e a violência urbana resultante de embates entre eles.
Magno da Câmara Fernandes e Arcângela A. Guedes de Sena, no artigo “O
imaginário na narração esportiva: Rádio Clube do Pará e a cobertura do esporte”, dis-
cutem a relação entre narradores e ouvintes de uma rádio esportiva do estado do Pará.
Iniciando os relatos de experiência, temos Marcos Vinicius Brito Guedes com
o trabalho “Se tirar a torcida, o Ypiranga se esvazia, perde o coração: uma Etnografia
dos Turbinados da Torre”. Neste texto, o autor discorre, por meio de um relato etno-
gráfico, sobre a trajetória da maior torcida organizada do Amapá, com ênfase na his-
tória de torcedores fundadores, como Eron Dias – o Punk, e na forma como a torcida é
instrumento de luta pelo fortalecimento do futebol do estado.
No texto “A Piada: relato de experiência da conquista de um sonho”, Cássia
Almeida Gouveia constrói uma narrativa dos caminhos trilhados pelo time feminino
da ESMAC, narrando os bastidores vivenciados pelas atletas durante a disputa do
Campeonato Brasileiro da segunda divisão, em 2021, que levou o clube de desacredi-
tado ao único representante do Norte na elite do futebol feminino do Brasil.
Para abrir o espaço destinado aos textos jornalísticos, temos Manoel Façanha
com o trabalho “Andirá completa 57 anos de fundação”. Nele, Façanha discorre a res-
peito de um dos clubes mais charmosos do Acre. Através de sua atuação na fotojorna-
lismo, o autor constrói uma narrativa da fundação do clube passando por memórias
que marcaram a trajetória do morcego acreano. Já José Brilhante apresenta a narrativa
de uma das muitas passagens de Mané Garrincha pelo Brasil no trabalho “Mané Gar-
rincha em Parintins/AM – 1973”. Neste texto, o autor narra o clássico tupinambarana
entre Amazonas x Sulamérica, em que o craque brasileiro vestiu um manto parintinen-
se em cada tempo da partida.
Boa leitura!

11
PARTE I

ARTIGOS CIENTÍFICOS
CAPÍTULO 1

PATRIMÔNIO CULTURAL DA
AMAZÔNIA PARAENSE: REMO E
PAYSANDU
Wanessa Pires Lott1
Ana Larissa Brito de Andrade2
Danielle da Silva Gomes3

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.1

1  Universidade Federal do Pará – Belém, Pará, Brasil


2  Universidade Federal do Pará – Belém, Pará, Brasil
3  Universidade Federal do Pará – Belém, Pará, Brasil
PATRIMÔNIO CULTURAL DA AMAZÔNIA PARAENSE: REMO E PAYSANDU

RESUMO

O presente artigo é fruto das pesquisas realizadas sobre os times de futebol


de Belém do Pará, desenvolvidas na Universidade Federal do Pará. Não
obstante a relevância dos demais times da Amazônia Paraense, o texto tem como foco
o Clube do Remo e o Paysandu Sport Club. Como recorte, optamos pela relação do fu-
tebol com o Patrimônio Cultural, entendendo essa prática de esporte e de lazer como
uma manifestação de significativa relevância para a cultura do país. Em um primeiro
momento, discutiremos as ações de salvaguarda no Brasil, pontuando a trajetória pre-
servacionista que levou às possibilidades de reconhecimento do futebol como uma
manifestação cultural. Na sequência, apresentaremos os referidos times em conjunção
com a história do futebol na cidade. Por fim, o título de reconhecimento do Remo e do
Paysandu como patrimônio local será problematizado.

Palavras chaves: Futebol, Patrimônio Imaterial, Clube do Remo, Paysandu Sport Club

1 INTRODUÇÃO

Dentre os estudiosos sobre o tema, destacamos o antropólogo Roberto Da


Matta, que faz uma forte ligação do futebol com os desdobramentos do cotidiano,
sendo possível caracterizá-lo como um ‘fenômeno total’, no sentido de Marcel Mauss
(MAUSS, 1974), pois o futebol é uma das maneiras que a sociedade tem de se revelar.
Ou seja, a compreensão sociológica do futebol brasileiro aumenta consideravelmente
as “possibilidades de melhor interpretar a sociedade brasileira” (DAMATTA, 1982:
21). E esta interpretação vincula-se às características da cultura brasileira, como por
exemplo, a malandragem. Diferentemente de países como Estados Unidos e Inglater-
ra, no Brasil a palavra futebol está intimamente ligada a palavra ‘jogo’ e, assim como
nos jogos de azar que necessitam de sorte e destino para se obter uma vitória, no fute-
bol brasileiro o esforço físico é, muitas vezes, superado pela malandragem, pela malí-
cia, pela improvisação e pelo ‘jogo de cintura’ do jogador (DAMATTA, 1982).
Uma outra reflexão sobre o termo ‘malandragem’ e ‘jogo de cintura’ é a ana-
logia com a esfera política da sociedade: o político que consegue se dar bem por meio
do ‘jeitinho brasileiro’. Assim, podemos relacionar o esporte e a política? Esse ‘jogo de
cintura’ seria o tal ‘jeitinho brasileiro’? Até que ponto essa ‘malandragem’ pode ser
sagacidade? A palavra ‘malandragem’ pode ser usada para parabenizar uma ação,
tendo-se em mente que no Brasil a ideia do ‘jeitinho brasileiro’ anda ao lado da cor-
rupção? Essas são questões vinculadas ao cotidiano brasileiro que Roberto Da Matta
relaciona de maneira pertinente com o nosso futebol.

14
FUTEBÓIS DO NORTE

Dessa forma, o futebol seria um legítimo representante da cultura brasileira, com


a malandragem que fica transparecida em sua subjetividade, nas suas entrelinhas.
Esse esporte pode expor de maneira significativa a forma de relação que se estabele-
ce no seio da sociedade (RINALDI, 2000:168).

Diante desse breve exposto, que demonstra a grande relevância do futebol no


Brasil, há de se pensar sobre a valorização do futebol como elemento cultural, e não
apenas como um esporte/lazer. Dentre as possibilidades desse status cultural, tem-se
a salvaguarda de bens culturais, proferida pelas agências de patrimônio cultural no
país, que se dão em âmbito federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN), e em esferas estaduais e municipais, que majoritariamente seguem
as diretrizes do IPHAN. É importante ressaltar que, o IPHAN já apresentou os seguin-
tes nomes: SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de 1937 a
1946; DPHAN – Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de 1946 a
1970; IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de 1970 a 1979;
SPHAN – Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de 1979 a 1990; IBCP
– Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural de 1990 a 1994 e IPHAN – Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional desde 1994 (PESSÔA, 1999). Nesse texto,
utilizaremos apenas a última sigla, independente do ano referido, para que haja uma
maior fluência da leitura.
Nesse sentido, se faz relevante um estudo sobre os posicionamentos políticos
– retomando mais uma vez Da Matta e sua supracitada relação do futebol com a políti-
ca – de tais agências diante da salvaguarda dos bens culturais relacionados ao futebol.
Para tanto, a sequência do texto terá uma apresentação da constituição das ações e das
políticas patrimoniais no país e, posteriormente, a problematização do futebol como
bem patrimonial brasileiro. Por fim, Remo e Paysandu serão o foco do artigo, desta-
cando o título de reconhecimento desses como patrimônio cultural local.
Ressalta-se que o estudo em questão foi realizado durante a pandemia de CO-
VID-19, que assola o mundo desde o ano de 2020, assim, o estudo optou pela meto-
dologia de pesquisa bibliográfica, documental e em periódicos disponíveis online na
Biblioteca Nacional. Tal escolha se mostrou pertinente ao tema e não comprometeu os
resultados da pesquisa.

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 Um breve relato sobre as ações patrimoniais brasileiras

As políticas patrimoniais brasileiras têm o seu marco com a criação do IPHAN,


por meio da Lei nº 378 de 13 de janeiro de 1937, no então governo de Getúlio Vargas.

15
PATRIMÔNIO CULTURAL DA AMAZÔNIA PARAENSE: REMO E PAYSANDU

No entanto, experiências voltadas para a preocupação com o patrimônio cultural já


eram realizadas desde a década de 1920, por meio de ações locais das ‘Inspetorias
Estaduais de Monumentos Históricos’, presentes em Minas Gerais (1926), na Bahia
(1927) e em Pernambuco (1928), e, posteriormente, na esfera nacional, entre 1934 e
1937, com a criação da ‘Inspetoria dos Monumentos Nacionais’ (FONSECA, 2005). De
viés tradicional e patriótico, essa agência identificou prioritariamente os monumentos
como os mais relevantes para a construção e fortalecimento da identidade brasileira,
deixando de lado as manifestações culturais de natureza imaterial. Assim, percebemos
que, mesmo antes da criação do IPHAN, tem-se a construção de um patrimônio cultu-
ral nacional pautado principalmente em bens materiais. Com a institucionalização do
tombamento, essa diretriz de salvaguarda tornou-se mais latente, e a grande maioria
dos bens preservados oficialmente pelo Estado foram os relacionados vinculados à
cultura luso, branca e católica. Esse foi o primeiro momento do IPHAN, designado
como ‘fase heróica’, que perdurou entre os anos de 1937 e 1967, quando Rodrigo Melo
Franco de Andrade presidiu a instituição (LOTT, 2017).
Com a aposentadoria de Rodrigo de Andrade, Renato de Azevedo Duarte
Soeiro assumiu a direção do IPHAN, entre 1967 e 1979, aproximando com a Organi-
zação das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no que
tange a questão patrimonial e desenvolvendo iniciativas de incremento ao turismo,
destacando o Programa das Cidades Históricas (PCH). Ademais, Soeiro firmou rele-
vantes convênios com outras instituições visando a preservação do patrimônio cultu-
ral. Um dos mais importante foi feito com a Secretaria de Planejamento e Coordenação
Geral da Presidência da República (SEPLAN-PR), que tinha como intuito primeiro “o
‘Programa Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste com sua
Utilização para Fins Turísticos’, nome depois reduzido para ‘Programa das Cidades
Históricas’ (PCH)” (AZEVEDO, 2016: 245).
Apesar do fim do PCH, a salvaguarda dos bens culturais ganhou novo fôlego
com a criação do Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) em 1975, pelas mãos
do então presidente do IPHAN Aloísio Magalhães, que se manteve no cargo entre 1979
e 1984, marcando a ‘fase Moderna’ do órgão. O CNRC teve como objetivo a busca da
brasilidade, e, para isso, acreditou-se ser importante a criação de um banco de dados
dos elementos culturais brasileiros. Com financiamento de entidades diversas, as pes-
quisas do CNRC foram destacadas não só pelo mapeamento cultural, mas também por
seu viés de responsabilidade social, de comunidade participativa e de patrimônio cul-
tural não consagrado. Além disso, a incorporação dos estudos da antropologia possi-
bilitou a ampliação do conceito de cultura no IPHAN, compreendendo assertivamente
que esta não é estática.

16
FUTEBÓIS DO NORTE

Dessa maneira, as ações da ‘fase Moderna’ do IPHAN possibilitaram o de-


senvolvimento do conceito de patrimônio imaterial e do instrumento capaz de salva-
guardá-lo, instituído pelo Decreto nº 3.551 de 4 de agosto de 2000. Esse estabeleceu o
Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) que: “viabiliza projetos de identifi-
cação, reconhecimento, salvaguarda e promoção da dimensão imaterial do Patrimônio
Cultural Brasileiro” (IPHAN, 2021a: sem pag.). Assim, os bens de natureza imaterial
podem ser inseridos em quatro Livros de Registro: Livro dos Saberes, Livro das Cele-
brações, Livro das Formas de Expressão e Livro dos Lugares. Para estarem inscritos
em um desses Livros – assim como ocorre com os Livros do Tombo – se faz necessária
a abertura de um processo administrativo. Tal percurso foi detalhado pela Resolução
nº001/06, que determina “os procedimentos a serem observados na instauração e na
instrução do processo administrativo de Registro de Bens Culturais de Natureza Ima-
terial” (IPHAN, 2006: art.1º).
Para iniciar o processo administrativo é necessária a apresentação de um requeri-
mento, que pode ser feito pelo ministro da Cultura, pelas instituições vinculadas ao
Ministério da Cultura, pelas Secretarias Estaduais, Municipais e do Distrito Federal,
e por associações da sociedade civil. Além da justificativa, dentre outras exigências,
esse documento deverá conter a descrição sumária do bem proposto para o Registro,
as informações históricas, e uma declaração formal de representante da comunidade
produtora do bem ou de seus membros, expressando o interesse e a anuência com a
instauração do processo de Registro (IPHAN, 2021b:01).

Após a abertura do processo, dar-se-á elaboração de um dossiê que, “junta-


mente com o material produzido durante a instrução técnica do processo, será exami-
nado pelo IPHAN, o qual emitirá parecer técnico” (IPHAN, 2006: art.11º § 2º). Poste-
riormente, o “processo administrativo de Registro, devidamente instruído, será levado
pelo Presidente do IPHAN à apreciação e à decisão do Conselho Consultivo” (IPHAN,
2006: art.13º). Após todo esse trâmite, e com o aval positivo do conselho, há a inscrição
do bem em um dos Livros de Registro.
O Registro de Bens Culturais Imateriais possibilitou o reconhecimento da
contribuição cultural dos diversos grupos formadores de nossa sociedade, em seus
aspectos mais subjetivos e mais arraigados no cotidiano brasileiro. No entanto, os con-
flitos e disputas em torno das memórias e identidades a serem valorizadas no país não
findou. Os bens culturais continuam sendo eleitos em meio de grandes debates, que,
por sua vez, contemplam de maneira pouco significativa uma das maiores expressões
culturais do Brasil: o futebol.
Há que se reconhecer que o fenômeno esportivo tem recebido pouca atenção quan-
do se trata da patrimonialização de bens e da preservação da memória da cidade,
mesmo que tenha significativa presença social (MELO e PERES, 2021:5).

Como representatividade cultural relacionado ao futebol, tem-se em âmbito


nacional apenas o tombamento do Estádio Jornalista Mário Filho, o Maracanã, que foi

17
PATRIMÔNIO CULTURAL DA AMAZÔNIA PARAENSE: REMO E PAYSANDU

inscrito no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico no dia 26 de de-


zembro de 2000 (SANTOS, 2020). Pelo IPHAN, não há nenhum bem vinculado ao fute-
bol inscrito em um dos Livros de Registro. Apesar de pontuais iniciativas municipais e
estaduais – que majoritariamente trata-se de títulos de reconhecimento e não Registro,
como o caso do título Remo e do Paysandu em Belém –, acreditamos que, devido à
grande relevância do futebol para o país, se faz necessária uma significativa inscrição
dos bens culturais relacionados ao futebol nos Livros de Tombo e de Registro.

2.2 O reconhecimento do Remo e Paysandu como elemento cultural da


Amazônia Paraense

2.2.1 A história de Remo e Paysandu

A criação dos times Remo e Paysandu se confunde com a reestruturação ur-


bana de Belém, ocorrida no início do século XX. Nessa época, as reformas urbanas não
foram significativas em diversas capitais brasileiras. No Rio de Janeiro, as políticas
de embelezamento ocorreram entre 1903 e 1906, com as famosas reformas de Pereira
Passos, que tiveram as atribuições divididas entre os governos federal e municipal. Em
Belém, o surto econômico entre os anos de 1870 até 1910, em decorrência da produção
da borracha, ocasionou um crescimento urbano significativo, com a criação de novos
bairros, a construção de prédios imponentes como o Teatro da Paz, o Mercado Muni-
cipal do Ver-o-Peso, além de palacetes de parque, de praças e de linhas de bonde. Esse
período foi conhecido como Belle Époque, e a capital paraense foi sendo moldada aos
gostos da elite da época que idealizava uma cidade que lembrasse uma Paris na Amé-
rica (SARGES, 2002).
Lado a lado às reformas em Belém, houve um crescente dos jogos de futebol
nos festivais esportivos promovidos na cidade e “a capital paraense parecia que estava
‘borbulhando’ de festivais esportivos e futebolísticos” (GAUDÊNCIO, 2007: 58). Ape-
sar dos clubes de futebol estarem vinculados principalmente à elite (ALENCAR, 2014),
a relação das práticas esportivas com a saúde da população foi aos poucos ganhando
as agendas governamentais e sendo vinculada aos projetos de progresso do Brasil.
Assim, o contexto de modernização do Brasil destacou-se não só pelas novas reformas
urbanas, como também pelos novos traços de comportamento social, que provocou
“uma nova relação do homem com a cidade, com o espaço, com o tempo, com o outro
e consigo próprio” (ROCHA JUNIOR, 2013: 108).
Ao tomarmos a perspectiva novos valores que o Estado republicano objetivou,
a necessidade do disciplinamento dos corpos foi fundamental para que os brasileiros
fossem capazes de exercer trabalhos nos novos parâmetros de eficácia que a moderni-

18
FUTEBÓIS DO NORTE

dade exigia. No processo civilizador, característico das sociedades ocidentais moder-


nas, uma das formas de disciplinamento e/ou controle foi identificada pelo uso do
esporte, pois esse apresentou maneiras de estabelecer o comportamento esperado ao
sujeito moderno, principalmente no âmbito do trabalho (ELIAS e DUNNING, 1992).
Dessa forma, participar dos festivais esportivos ‘elevou’ os homens à catego-
ria de sportmen, popularizou o esporte e pavimentou a profissionalização do futebol.
A partir da década de 1930, ser jogador de futebol não era mais apenas uma forma de
lazer, mas uma possibilidade de trabalho para população menos abastada, além de
vincular ao contexto do homem saudável como fundamental para outras empreitadas
trabalhistas, vantagens estas propagadas por alguns jornais.
Este jogo [o futebol], apezar de novo e desconhecido entre nós, data da época dos an-
tigos romanos que muito cuidavam do desenvolvimento physico da mocidade pelos
processos athleticos sob formas várias, sendo hoje universalmente adoptado como
um bello divertimento e poderoso meio do desenvolvimento muscular (O PARA,
1897: 02).

Com a constatação dos vários benefícios do futebol, espaços no subúrbio pas-


saram a abrigar os jogos, os quais, anteriormente, já eram disputados na Praça Batista
Campos e no Largo de São Braz (GAUDÊNCIO, 2007). Os embates eram realizados
principalmente aos domingos, como nos mostra o jornal “Estado do Pará”, na sessão
‘Vida Sportiva’.
Está assentado que amanhã, no campo de sports de Baptista Campos, se realizará
um encontro entre os teams de football do Brasil Sport e do Paysandu. Como é sa-
bido geralmente o Paysandu, em seu field, nunca foi vencido (...) O Brasil Sport (...)
não comprehende esse exclusivismo de victorias [do Payssandu] e dahi movimentar
este novo encontro, agora que está com seu team em excellente performance, como
deixou provado brilhantemente domingo último. E vencerá desta vez? É o que ire-
mos vêr amanhã (ESTADO DO PARÁ, 1917:04) (grifos nossos).

Com o avanço dos machts – como eram também chamados os jogos –, criou-se
uma entidade local para organizar o futebol: a Parah foot-ball Association. Com preceitos
fortemente ingleses, a organização das partidas pretendia seguir o calendário esporti-
vo da Inglaterra, fato que não foi possível. Devido a esse e a outros problemas internos,
a entidade foi desfeita e fundou-se Liga Paraense de Foot-Ball, que propiciou o primei-
ro Campeonato Paraense em 1908, com cinco times: União Esportiva – o campeão –,
Aliança, Panther Club, Brazil Sport Club e Sport Club do Pará. Apesar do sucesso local
do primeiro campeonato paraense, de forma diferente dos estados do Rio de Janeiro e
de São Paulo, no Pará, o futebol não seguiu uma linha ascendente desde sua entrada,
não ocorrendo o campeonato estadual nos anos de 1909, 1911, 1912 (COSTA, 2007). A
ascensão do futebol paraense ganhou força com a reorganização do Clube Remo em
1911 e com a criação do Paysandu Sport Club em 1914. Nesse ano, a formação do clube
foi destaque na imprensa local.

19
PATRIMÔNIO CULTURAL DA AMAZÔNIA PARAENSE: REMO E PAYSANDU

Julgo e quero crer mesmo que a creação do Paysandu Fott-Ball Club produziu no
momento atual produziu um bellíssimo efeito, haja vista como foi optimamente aco-
lhida pela imprensa quase unânime dessa capital, e a extraordinária sympatia que
despertou dos nossos homens de sport (ESTADO DO PARÁ, 1914: 03).

Apesar da existência de outros times em Belém, o confronto mais tradicional


da cidade é entre Remo e Paysandu, que ocorreu pela primeira vez em 14/06/1914
pelo Campeonato Paraense de Futebol no estádio da empresa Ferreira & Comandita,
atual estádio Leônidas Sodré de Castro (Curuzú) que pertence ao Paysandu desde
1918. O time foi criado em 02/02/1914, na casa do esportista Hugo Manoel de Abreu
Leão, por integrantes do Norte Clube. Estes se sentiram prejudicados na partida com
Guarany em 1913, e com a sua derrota, o Clube do Remo foi o vencedor do campeona-
to, e assim nasceu a grande rivalidade entre os clubes. O primeiro campeonato venci-
do pelo Paysandu foi em 1920, tendo como destaque o jogador Antônio Barros Filho,
conhecido como ‘O Suíço’ (PAYSSANDU, 2021). Já o grande rival, o Clube Remo, teve
seu primeiro título em 1913.
O Grupo Remo foi criado em 05/02/1905, com forte influência do Rowing Club
inglês, e teve como prática esportiva principal a regata. O estatuto do clube foi divul-
gado no Diário Oficial do Estado – ano XV, nº 4.049, de sexta-feira, 9 de junho de 1905
– consolidando não só sua existência legal, mas também a definição da bandeira do
clube: um retângulo azul-marinho, com uma âncora branca no centro circulada por 13
estrelas. Sua sede náutica funcionou em uma edificação alugada da Intendência Muni-
cipal, no então centro da cidade, atualmente denominado como cidade velha. No ano
de 1908, uma crise financeira assolou o clube, levando ao fim do contrato de aluguel da
sede, bem como a extinção do Grupo Remo. Porém, alguns atletas tomaram os barcos
para si e continuaram seus treinos em uma localidade chamada Miramar. O retorno
para a sede inicial ocorreu três anos depois, e com o desejo de marcar a reconstrução
do clube, optou-se pela mudança do nome para Clube do Remo, a qual foi oficialmente
realizada em 1914 (REMO, 2021).
A rivalidade entre os dois times traz uma forte identidade à cidade de Belém,
além de inserir o Remo e o Paysandu de forma significativa no cenário futebolístico
brasileiro. Dessa maneira, é possível problematizar a relevância cultural do futebol
para a construção da memória e da identidade nacional, por meio do reconhecimento
desses dois times como patrimônios culturais.

2.2.2 Remo e Paysandu como elemento cultural local

Como dito, a preservação de bens culturais no Brasil teve início efetivo com
a criação do IPHAN na década de 1930, que, por sua vez, pautou-se em uma política
de salvaguarda voltada para os bens culturais móveis e imóveis. Na década de 1970,

20
FUTEBÓIS DO NORTE

houve uma crescente discussão para a ampliação do conceito de patrimônio cultural.


A partir desse debate, “os elementos culturais imateriais foram incluídos na política de
salvaguarda, possibilitando uma maior representatividade na construção da memória
e identidade do país por meio do patrimônio cultural”. Não obstante esse avanço,
percebemos que “os bens vinculados ao esporte ainda estão esquecidos e/ou silencia-
dos nas ações preservacionistas”, até mesmo o futebol, que faz parte do cotidiano dos
brasileiros (SANTOS e LOTT, 2020:132).
O futebol começou a fazer parte dos livros de salvaguarda do Brasil por meio
de tombamentos de estádios, seguindo o caminho de ‘pedra e cal’ do IPHAN (LOTT,
2021). O reconhecimento local como manifestação cultural se fez paulatinamente nas
esferas estaduais e municipais, majoritariamente feito apenas por títulos e não por pro-
cessos de inscrição nos Livros do Tombo e Livros de Registo. Como exemplo de reco-
nhecimento, temos a torcida do Flamengo (Rio de Janeiro) em 2007; o Grêmio Esporti-
vo Brasil de Pelotas (Rio Grande do Sul) em 2011; a disputa entre os times Fluminense
e Flamengo – o clássico Fla x Flu – (Rio de Janeiro) em 2012; as torcidas de futebol (Rio
de Janeiro) em 2012; os gols do atleta Zico ocorridos no estádio do Maracanã (Rio de
Janeiro) em 2013; o Paysandu Sport Club, o Clube do Remo, o Castanhal Esporte Clube,
o São Raimundo Esporte Clube, o Águia de Marabá Futebol Clube, o Tuna Luso Brasi-
leira e o Cametá Sport Club (Pará) em 2013; o Clube Náutico Capibaribe, o Sport Club do
Recife e o Santa Cruz Futebol Clube (Pernambuco) em 2014; a disputa entre Comercial
e Botafogo de Ribeirão Preto – o clássico Come-Fogo – (São Paulo) em 2014; a disputa
entre os times Paysandu Sport Club e Clube do Remo – o clássico Re x Pa – (Pará) em
2016; a torcida do Esporte Clube Vitória (Bahia) em 2016; o Botafogo Futebol Clube
(São Paulo) em 2017; o Esporte Clube São Bento de Sorocaba (São Paulo) em 2017; a
Agremiação Sportiva Arapiraquense (Alagoas) em 2017; o Futebol de Areia (Rio de
Janeiro) e d Futvolei (Rio de Janeiro) em 2017 (TOBAR e GUSSO, 2018).
Desse modo, destacamos o reconhecimento pela Secretaria de Cultura do Pará
do Paysandu Sport Club, do Clube do Remo no ano de 2013 (PARÁ, 2013a, 2013b) e do
clássico o clássico Re x Pa em 2016 (PARA, 2016), ambos em consonância com a cons-
tituição estadual.
constituem patrimônio cultural paraense os bens de natureza material ou imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade,
à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade paraense, nos
quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III
- as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - as
cidades, os edifícios, os conjuntos urbanos e sítios de valor arquitetônico, histórico,
paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico, científicos e inerentes
à relevantes narrativas da nossa história cultural; VI - a cultura indígena, tomada
isoladamente e em seu conjunto (PARÁ, 1989: art. 286).

21
PATRIMÔNIO CULTURAL DA AMAZÔNIA PARAENSE: REMO E PAYSANDU

O título de patrimônio cultural dado aos referidos times, bem como o clássico
esportivo, nos traz à luz a ampliação do conceito de patrimônio fortemente trabalhado
a partir da década de 1970. Cabe ressaltar que o Re x Pa faz parte da memória esporti-
va local, o próprio Paysandu foi criado para derrotar nas quatro linhas o rival Remo.
Ademais, no decorrer da história, as aglomerações provocadas por essa partida mes-
claram a sociedade, ocasionando na constituição do futebol como um espaço de dis-
putas políticas locais. Ou seja, o futebol é uma esfera que permeia os demais espaços
socioculturais, em uma amálgama que conduz à forte construção identitária brasileira.
No entanto, é válido ressaltar que o título de Patrimônio Cultural é um reco-
nhecimento da relevância dos clubes e do clássico, mas não se trata de um Registro à
luz das resoluções do IPHAN. Acreditamos que um prosseguimento profícuo para tais
elementos culturais seria a abertura de um processo de Registro, seguindo todos os
degraus para um estudo aprofundado dos times e do clássico esportivo, e consequente
anuência do Conselho de Patrimônio.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como foco primeiro a questão do futebol como mani-
festação cultural brasileira, entendendo essa prática para além das quatro linhas do
campo. Por estar intrinsecamente vinculado à sociedade brasileira, acreditamos que o
futebol é parte da construção da memória e da identidade do país. Assim, a identifi-
cação desse como Patrimônio Cultural nacional se faz como um caminho assertivo e,
para tal, é importante entendermos os processos cabíveis para o reconhecimento dos
bens culturais como bens patrimoniais. Dessa maneira, optamos por traçar nesse texto
uma breve trajetória das ações e políticas de salvaguarda no Brasil, com destaque para
os processos relacionados como o Patrimônio Cultural Imaterial, que ganhou proemi-
nência principalmente a partir dos anos 2000, com a promulgação do Decreto nº 3.551,
de 4 de agosto de 2000. Dentre as possibilidades de bens culturais abraçadas pelo Pa-
trimônio Imaterial, destacamos o futebol, utilizando como exemplo dois times da ci-
dade de Belém do Pará, o Remo e o Paysandu, bem como o clássico futebolístico que
encanta a Amazônia Paraense: Re X Pa. Esses elementos culturais receberam o reco-
nhecimento local de Patrimônio Cultural e, apesar de não estarem, até então, inscritos
nos Livros de Registro, acreditamos que os times e o clássico apresentam argumentos
relevantes para tal inserção.

22
FUTEBÓIS DO NORTE

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PATRIMÔNIO CULTURAL DA AMAZÔNIA PARAENSE: REMO E PAYSANDU

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25
CAPÍTULO 2

O FOOTBALL NO PARÁ: TEAMS,


SPORTMEN E FIELDS NO ALVORECER
DO FUTEBOL PARAENSE

Rafael Matos de Carvalho1

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.2

1  UFPA – PROFHISTÓRIA. Ananindeua, Pará, Brasil.


O FOOTBALL NO PARÁ: TEAMS, SPORTMEN E FIELDS NO ALVORECER DO FUTEBOL PA-
RAENSE

RESUMO

E ste artigo tem por objetivo apresentar como ocorria a prática do futebol no
início no estado do Pará, no início do século XX. A prática deste esporte
esteve presente no contexto de modernização da sociedade paraense, que tinha aspi-
rações econômicas e culturais europeias e que abraçou o nascimento da cultura física
como característica do processo civilizador implantado em Belém ainda como herança
do seu período áureo do ciclo da borracha conhecido como Belle Époque.
Se entre os anos de 1910 e 1929 o futebol era um esporte que se restringia as
camadas mais abastadas da sociedade, nos anos 1930 é que o futebol passou realmente
a ter grande adesão por parte das classes populares.
Como fontes desta pesquisa, estão os periódicos das primeiras décadas do sé-
culo XX, como o “O Estado do Pará”, “A Folha do Norte”, “A Província do Pará”. Com
a leitura de vários textos de cronistas esportivos do período, foi observado o quanto
foi relevante o papel exercido pela imprensa da época, que por meio da cobertura dos
eventos esportivos, críticas, sugestões e apelos em prol do desenvolvimento do fute-
bol, foram fundamentais na consolidação do futebol como principal esporte do país.
Analisaremos neste artigo quais os clubes pioneiros, as primeiras ligas de fute-
bol, os entusiastas do futebol, chamados de sportmen e os campos de futebol que mar-
caram o alvorecer do futebol no Pará e em como estes contribuíram para a construção
de uma identidade regional própria, marcada principalmente pelo tradicional clássico
do futebol paraense, o RexPA.

PALAVRAS-CHAVE: Football paraense, Sportmen, popularização.

INTRODUÇÃO

O despertar do século XX reforçou os ideais de desenvolvimento econômico


em Belém. Novas tecnologias e descobertas científicas foram adquiridas pela elite pa-
raense simbolizando novos estilos que transformariam o viver em cidade em função
da expansão do capitalismo. Dentre estas novidades o telégrafo, o cinema, e o automó-
vel, por exemplo, ditaram moda e traçaram um novo estilo de vida na urbs amazônica.
Nesse contexto a Amazônia torna-se verdadeiro palco de vários modismos
de aspirações econômicas e culturais europeias, no que se faz presente a práticas de
esportes. É o nascimento da cultura física como característica do processo civilizador
implantado em Belém em seu período áureo do ciclo da borracha conhecido como Belle
Époque.

28
FUTEBÓIS DO NORTE

Entre os anos de 1910 e 1929 o futebol era um esporte que se restringia as ca-
madas mais abastadas da sociedade. Nos anos 1930 é que o futebol passou realmente
a ter grande adesão por parte das classes populares. (GAUDÊNCIO, 2003). Destaca-se
a prática do futebol, que no início do século XX começa a se tornar o principal esporte
praticado na sociedade paraense em busca do ideal de civilização tão ambicionado pe-
las elites. Mas se inicialmente o futebol era um esporte monopolizado pelas elites, no
decorrer dos anos este esporte passa a ter grande adesão por parte das classes popula-
res e como veremos, esse crescimento de popularidade foi intensamente estimulado.
Ao se tornar o principal esporte praticado no cotidiano paraense, o futebol
passa a ser visto como um excelente meio para também gerar lucros, principalmente
através de patrocínios e anunciantes que apareciam nos jornais. O esporte se fez pro-
paganda, gerando mensagens publicitárias dos espetáculos ou dos produtos associa-
dos às práticas esportivas.
Parte desse crescimento de popularidade do futebol foi graças ao destaque
que os jornais ao esporte. Os jornalistas esportivos tinham a opinião de que o desen-
volvimento do esporte no estado ainda era amador e desorganizado e pelos periódicos
publicavam crônicas onde pediam mais organização e atitudes dos sportmen paraen-
ses em busca da evolução da prática esportiva no estado. A própria criação da Liga
Paraense de Futebol em 1913, incentivada pelos jornalistas, já foi um grande avanço
para a organização do futebol no Pará, mas para os jornais ainda faltava muito para
que a prática de esportes pudesse ter realmente características mais evoluídas e assim
desenvolver na sociedade paraense a civilização à moda europeia.
O desenvolvimento deste trabalho tem como foco realizar uma pesquisa sobre
a contribuição da imprensa esportiva paraense na popularização e no desenvolvimen-
to dos esportes no Pará no início do século XX. Principalmente a partir de 1913, ano
da criação da primeira Liga de Futebol Paraense. Para a produção deste texto foram
feitas leituras que indicavam uma variedade de abordagem que abrangia de produ-
ções realizadas por historiadores, a pesquisas também realizadas por profissionais de
jornalismo.
Durante a realização deste trabalho direcionei-me para a investigação de pe-
riódicos do período em questão. Estes estavam disponíveis para consulta na Biblioteca
Arthur Vianna, em Belém-PA, onde foram consultadas através da utilização da sala
de microfilme. As informações apresentadas nesse trabalho somente foram possíveis
quando a partir da leitura desses periódicos tornou-se possível constatá-las. As fontes
vistas na Biblioteca Arthur Vianna foram principalmente, os jornais, “O Estado do
Pará”, “A Folha do Norte”, “A Província do Pará”, além edições mais recentes do jor-
nal “Diário do Pará”.

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O FOOTBALL NO PARÁ: TEAMS, SPORTMEN E FIELDS NO ALVORECER DO FUTEBOL PA-
RAENSE

Com a leitura de vários textos de cronistas esportivos do período, foi obser-


vado o quanto foi relevante o papel exercido pela imprensa da época, que por meio
da cobertura dos eventos esportivos, críticas, sugestões e apelos em prol do desenvol-
vimento do futebol, foram fundamentais na consolidação do futebol como principal
esporte do país.
Também foi realizada a leitura de obras historiográficas sobre a história do
Pará e da Amazônia, em especial as que tivessem como foco o estudo do período da
Belle Epoque, período artístico e cultural que marcou a segunda metade do século XIX
e ainda influente no início do século XX, deixando heranças culturais na Amazônia,
sempre com destaque ao ideal de modernização. Desta forma, as leituras das obras
historiográficas e dos periódicos do período permitiram uma análise de como a prática
de esportes também foi resultado da mentalidade modernizadora da Belle Époque.

O ESPORTE COMO ELEMENTO CIVILIZADOR

Primeiramente observaremos o nascimento da cultura física como caracterís-


tica do processo civilizador implantado em Belém em seu período áureo do ciclo da
borracha conhecido como Belle Époque. Inicialmente tido como elemento da cultura
direcionado a highsociety, clubes esportivos nasciam em Belém agregando os membros
da elite paraense e transformando esses núcleos esportivos em pontos de encontro e
convivência das elites.
A atividade física era inicialmente desprezada pelas elites que a viam dire-
tamente ligada ao trabalho. Argumentos médicos, embora intensos, não pareciam
convencer a sociedade sobre a importância do exercício físico para a saúde do corpo.
Mas as novas formas de pensamento vindas do continente europeu modificaram esse
pensamento, transformando o culto ao corpo na nova moda civilizadora. Os esportes
passaram a não apenas fornecer saúde ao corpo como também favoreciam o enrique-
cimento da nação em termos de modernidade.
A região norte, principalmente nos estados do Amazonas e do Pará, estava
em plena ascensão com a produção e comercialização do látex. A expansão econômica
estimulou várias mudanças sociais e culturais que possuem alcance além daquelas
ligadas diretamente a produção de borracha. A cidade de Belém sob a intendência de
Antônio Lemos tem como frutos do desenvolvimento econômico a urbanização, cons-
truções de infraestrutura, prédios públicos e privados e medidas sanitárias seguindo
sempre a ideia de urbanização à moda europeia.
O despertar do século XX reforçou os ideais de desenvolvimento econômico
em Belém. Novas tecnologias e descobertas científicas foram adquiridas pela elite pa-

30
FUTEBÓIS DO NORTE

raense simbolizando novos estilos que transformariam o viver em cidade em função


da expansão do capitalismo. Dentre estas novidades o telégrafo, o cinema, e o automó-
vel, por exemplo, ditaram moda e traçaram um novo estilo de vida na urbs amazônica.
A historiadora Nazaré Sarges (2002) que tem sua obra como referência para a
compreensão de Belém no período da Belle Époque sintetiza sobre o processo de mo-
dernização da capital paraense:
Esse processo se enquadrava dentro de uma política que ensejava sobre a população novos
valores culturais, já que a urbanização de Belém e de Manaus sofreu forte influência européia.
Nesse sentido era preciso adequar a população à nova realidade que as duas cidades amazô-
nicas vinham passando com o crescimento econômico (...). Para tanto, a nova elite teve para
se adequar ao novo contexto econômico (...), enviavam seus filhos à Europa para estudar,
porém quando retornavam traziam novos maneirismos o que de certa forma possibilitou uma
mudança nos paradigmas sócio-comportamentais com novas posturas, intensificação das re-
lações sociais, onde a vida privada e a pública passam a refletir estas novas posturas trazidas
da Europa. A transformação pela qual passou Belém, engendrada pela economia da gomífera
significou a materialização da modernidade expressa através da construção de obras, urbani-
zação, formação de elites, na construção de ‘um modelo ideal de sociedade moderna isento de
perturbação’. (SARGES, 2002, p. 53)

Nesse contexto a Amazônia torna-se verdadeiro palco de vários modismos de


aspirações econômicas e culturais europeias, inclusive práticas de esportes como remo,
boxe, natação, atletismo, que vão caracterizar a esse contexto. Mas é ao football que a
população se direciona. O futebol insere-se nesse raciocínio histórico que o coloca não
apenas como passatempo das elites, mas como elemento importante para entender-
mos o sentimento de identidade local as tradições amazônicas eram minadas por uma
ideia de seguir processo de modernidade baseado no discurso de progresso europeu.
Acerca do cenário político paraense Moura (2008) discute a formação do poder
da República Paraense nos seus primeiros anos (1890-1911). Moura observa atitudes
adotadas pelo governo, como a mudança dos nomes de algumas ruas, que foram to-
madas como ato em homenagem ao novo regime, assim como os festejos republicanos
de 15 e 16 de novembro, datas da Proclamação da República e sua Aclamação no Pará.
Destaco que essas medidas não deixarem de serem refletidas no cenário es-
portivo. Além dessas festas as quais eram comuns serem realizados matchs de football e
regatas ao longo se sua programação, destacam-se a exaltação republicana em clubes
fundados em homenagem ao novo regime e seus militares, o qual tem como princi-
pal exemplo o Paysandu Sport Club cujo nome exalta “o feito heróico da Marinha de
Guerra brasileira ao transpor o Passo do Paysandú, na guerra contra o Paraguai.” (DA
COSTA, 2000)

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O FOOTBALL NO PARÁ: TEAMS, SPORTMEN E FIELDS NO ALVORECER DO FUTEBOL PA-
RAENSE

Figura 1 – Cartaz da Grande Regata de 16 de novembro. Jornal “A Província do Pará” – 29/10/1892.

Ideais Nacionalistas e patrióticas estavam inseridos na defesa dos esportes,


refletindo também na inserção de educação física na educação escolar. A educação foi
designada a função de regenerar o povo com costumes novos e também propiciar ser
capaz de gerar “um espírito novo, o espírito nacional”, um sentimento nacional que faça
da pátria “não só objeto do nosso amor, mas fonte do nosso orgulho”1. Como parte desse
objetivo de regeneração da nação estavam os ideais higienistas e dentro do campo
higiênico a prática de esportes. Os defensores da adoção de esportes como higiene afir-
mavam que assim se construiria a base de uma educação saudável gerando indivíduos
de robusto equilíbrio do corpo e da mente.

AS ORIGENS DO FOOTBALL EM BELÉM

O futebol entra no cenário esportivo paraense ainda no século XIX quando


em 1986 alguns matchs já eram disputados na Praça Baptista Campos. (CRUZ, 1968) Em
1906 é organizado primeiro campeonato paraense de football, mas as divergências entre os
clubes interferem no prosseguimento do campeonato. Apenas dois anos depois foi proclamado
o primeiro campeão paraense de futebol, a União Sportiva, que também conquista o cam-
peonato de 1910.

1  VERÍSSIMO, José. A educação nacional. 3.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985,p. 51.

32
FUTEBÓIS DO NORTE

No início do século XX, o futebol ainda tinha a companhia da tauromacchia


(touradas) e do remo entre os esportes preferidos da população, mas com o fim das
touradas na década de 1910 o futebol se torna o mais popular superando também o
remo.
Em 1913 ocorre a criação da Liga Paraense de Football, o que é um grande
avanço para a organização do futebol no Pará. No mesmo ano a Liga decide pela rea-
lização do primeiro campeonato paraense de futebol sob sua tutela, que é conquistado
pelo Clube do Remo. (FOLHA DO NORTE, 5 de junho de 1913). Nos anos seguintes
esta agremiação esportiva domina o cenário futebolístico paraense conquistando sete
títulos consecutivos até que sua hegemonia é rompida por aquele que viria a se tornar
o seu maior rival, o Paysandu Sport Club, que conquista o campeonato de football em
1920. (PLACAR, 2007)
Além de União Sportiva, Remo e Paysandu, nas primeiras décadas do
futebol no Pará, destacam-se entre as equipes de football do Guarany Club, Brazil
Sport Clube, Panther Club e Alliança Football Club embora nunca tenham conquista-
do o título de campeão paraense. A Tuna Luso Caixeiral (atual Tuna Luso Brasileira)
outra agremiação tradicional somente conquista seu primeiro título em 1937.

A POPULARIZAÇÃO DO FUTEBOL NO PARÁ

Neste estudo não me limitarei aqui a metáfora de que o futebol é “ópio do


povo brasileiro”, como é visto pensam críticos sobre o esporte servir de instrumento
da classe dominante, na qual manipularia e alienaria as massas. Mas não se deve re-
jeitar a ideia de que o esporte hoje é popular em grande seguindo algumas ideologias
elitistas. Conforme escreve Eric Hobsbawm (1984, p. 296) “o futebol adquiriu todas
as características institucionais e rituais com os quais estamos familiarizados [...]” e
também “através das tradições inventadas, por um conjunto de prática, normalmente
regulada por regras implícitas ou abertamente aceitas tais práticas, de natureza ritual
ou simbólica[...].” (HOBSBAWN, 1984, p. 296).
O fato de este trabalho abranger relações sociais de classes, estamentos e ideo-
logias é explicado pela utilização de hipóteses acerca da distinção entre classes existen-
te no início do século XX nas práticas esportiva, além de posteriormente a popularida-
de de certos esportes serem induzidas conforme ideias elitistas.
Partindo da ideia de que os trabalhadores ao invés de manterem se em seu
tempo livre dedicados ao simples descanso tornando o tempo ocioso deveriam se de-
dicar a atividades que contribuíssem para a sua formação moral como trabalhador,
pensou-se que seria proveitoso estimular o esporte em Belém. O esporte era tido como

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O FOOTBALL NO PARÁ: TEAMS, SPORTMEN E FIELDS NO ALVORECER DO FUTEBOL PA-
RAENSE

elemento de uma sociedade civilizada e as elites paraenses se encarregaram de fazer a


divulgação das atividades esportivas ditando cartilhas às classes populares de como se
comportar em uma atividade esportiva. Esse fenômeno de popularização é paralelo ao
que acontece na Europa onde Hobsbawn (1984) chama a popularização dos esportes,
principalmente o futebol como forma de culto proletário.
Quando a prática esportiva alcança efetivamente as classes populares, não é
senão por interesse das próprias elites. O ideal de sociedade moderna, antes restri-
tos as classes elevadas que buscavam o modelo de vida europeu, passa a alcançar a
população quando o governo busca implantar a regeneração física e moral ao povo
brasileiro. As elites, que entendiam como necessária a implantação de uma cultura
física a grande população, divulga por meio da imprensa cartilhas de comportamento
em eventos esportivos. Também se vê as atividades esportivas como instrumento de
disciplina da população, quando através do esporte as pessoas se relacionam com as
“regras do jogo”. Orientando sempre como se comportar, comemorar e não fazer uso
de xingamentos e outros insultos, pois o importante era a celebração da festa esportiva
e do progresso da sociedade civilizada. Embora houvesse divergências contrárias a
massificação dos esportes, o fato é que a ambição de expansão esportiva prevaleceu no
cenário brasileiro e paraense.
Em Belém podemos evidenciar o desenvolvimento da popularização esporti-
va com a criação da Instituição de Assistência a Juventude Proletária. Sobre esta insti-
tuição o cronista Jeafnas afirma que “sanear os bairros operários, instruir os filhos dos
proletários, é empresa talvez difícil, demorada, sem dúvida, mas não impraticável” (A
Folha do Norte, 29 de abril de 1918). Além destas, também surgem clubes operários
em Belém como o Bôa Fama, criado por funcionários da fábrica de calçados; o Pilsen
Sport Club, formado por funcionários de uma cervejaria e o Pedreira Sport Club por
operários da Fábrica de óleo Santo Antônio em Mosqueiro.
A prática esportiva também recebeu outros interesses. Com o aumento da
popularidade dos esportes, principalmente o futebol, o mesmo tornou-se visto como
um excelente meio para também gerar lucros, principalmente através de patrocínios e
anunciantes que apareciam nos jornais. “O esporte se faz propaganda, gerando men-
sagens publicitárias dos espetáculos ou dos produtos associados às práticas esporti-
vas.” (MELO, 2003, p. 87). Os festivais esportivos foram utilizados como instrumento
de propaganda comerciais, o grande público presente nos eventos esportivos seria o
alvo dessas novas atitudes adotadas por empresário e comerciante que passaram a
patrocinar as festas esportivas e a organizar um maior número de eventos nos clubes
pela cidade.

34
FUTEBÓIS DO NORTE

Fator importante para o crescimento dos esportes vem do apoio da classe po-
lítica. Não só em Belém, como em outras praças nacionais, os políticos observaram
que sua presença nos crescentes eventos esportivos poderia ser adotada como uma
estratégia de aproximação entre eles e as camadas populares. Pereira afirma que o
próprio presidente da República instituiu uma taça a ser disputada por equipes do
Rio de Janeiro e de São Paulo “garantindo pelo apelo aqueles que lhe dedicavam um
público distinto e elegante, os clubes de futebol conseguiam um amplo apoio.” (2000,
p. 78). Percebe-se também que os clubes se beneficiavam com o apoio dos dirigentes
políticos, caracterizando uma via de mão-dupla.
No Pará, a político mais presente no cenário esportivo no início do século XX
era José Carneiro da Gama Malcher. Malcher foi Secretário da Fazenda de Lauro Sodré
e um dos fundadores do Partido Liberal no Pará. Foi membro da Liga Paraense de
Foot-Ball, inclusive responsável por presidir reuniões. (Folha do Norte, 26 de junho
de 1914) Sua presença nas partidas de futebol era constante, principalmente atuando
como árbitro ou referee da partida como a primeira partida do campeonato paraense de
1913, o primeiro realizado sob a organização da Liga.
Como palco de interesses comerciais os esportes também ganhavam apoio dos
empresários que observaram nos esportes e no crescente número de espectadores uma
excelente oportunidade de divulgar seus produtos, sejam os oferecendo como prêmios
aos atletas ou patrocinando festivais esportivos.

O REXPA E OUTROS REGIONALISMOS

Gaudêncio (2007) realiza uma análise da prática do futebol em Belém atentan-


do na transição pela qual o esporte passa saindo de uma prática, sobretudo em meios
aristocráticos para ganhar popularidade nas classes baixas principalmente através da
realização de festivais futebolísticos em Belém do Pará durante as primeiras décadas
do século XX.
No Pará, esta ideia não somente foi seguida como inserida em particularida-
des. Gaudêncio (2007) afirma que o paraense deu um significado próprio que explicava
ou demonstrava o cotidiano das pessoas que se envolviam com o futebol, construin-
do o seu próprio simbolismo sobre o jogo. Dentre as características que marcavam a
identidade esportiva regionalista estavam o calor da cidade, as constantes chuvas e
principalmente o clássico RexPA. Observe o texto abaixo publicado no jornal da época.
O “dia do círio”esportivo vem aí. - Os prodormos.

É fora de duvida que o encontro Remo-Paysandu traz á lembrança, no mundo espor-


tivo, o grande círio nazareno, no tocante a preocupação que este embate, por tudo
sensacional desperta em nosso meio. Toda a população esportiva da terra se abala

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O FOOTBALL NO PARÁ: TEAMS, SPORTMEN E FIELDS NO ALVORECER DO FUTEBOL PA-
RAENSE

para, nesses dias, ir assistir ao desenrolar das suas pugnas. E esta é conduzida sob
uma emoção indescritível a ás vezes, de um verdadeiro delírio.( A Folha do Norte,
9 de dezembro de 1921).

O clássico RExPA é adquirido como exemplo do regionalismo de futebol no


Pará. O clássico passa a fazer parte da construção cultural de Belém, tal como o Fla-Flu
no Rio de Janeiro, mas com identidade regional. Os dias de clássico são entusiasti-
camente noticiados nos jornais e a repercussão prevalece nos dias após as partidas.
Diante da decadência da economia da borracha a partir dos anos de 1920, a rivalidade
e o uso das paixões clubísticas serviam como forma de enaltecer o Pará.
A típica chuva no fim de tarde paraense era lembrada como peculiaridade do
futebol regional. Era comum a chuva se fazer presente nos jogos de futebol alagando o
campo de jogo encharcando os jogadores e torcedores.
Dest’art o match de domingo, sem embargo da chuva diluvial que inundou a cida-
de foi um verdadeiro acontecimento mundano. Tout-Pará, fremindo, vibrando, sem
embargo, palpitando, estava nas arquibancadas do Remo, fluindo-as de graça, de
alegria e de encanto. Enquanto a chuva inclemente, escachoava com fúria o campo. (A
Semana, 7 de setembro de 1920).

Mas a prática de esportes sob as chuvas gerava debates entre os sportmen em


alguns alertam para o perigo de jogar bola em horas de mau tempo em que o bom
senso mandava não praticar o esporte. Afirma-se que o futebol é um esporte de verão,
pois no inverno só se pode jogar de manhã, mas o público normalmente ainda está
dormindo às 9 horas da manhã. Por este motivo defende-se que sejam criados outros
esportes de inverno como a natação e o water-polo. (A FOLHA DO NORTE, 20 de ja-
neiro de 1916)
Mesmo com a ideia de que o futebol é um esporte para ser praticado apenas no
verão, insere-se outra característica regional: o calor. No tocante ao calor característico
de Belém, este tanto influenciou na vida esportiva que provocou sugestões de mudan-
ças nas regras de futebol. O cronista de pseudônimo Red chegou a publicar uma crítica
sobre o tema no jornal Folha do Norte, em 23 de junho de 1914. O sportmen sugeriu
que o tempo de duração de cada período da partida fosse reduzido, “pois 45 minutos
é muito para ser jogado no clima de Belém, pois o sol é muito intenso”, Red se dizia
apoiado por outros sportmen.
Após a repercussão, em Reunião da Liga, sob presidência de José da Gama
Malcher, alteraram os horários dos jogos e a sua duração, passando os segundos times
a jogar só 30 minutos em cada período e as equipes principais jogariam partidas com
períodos de 40 minutos, com intervalos de 10 minutos. (FOLHA DO NORTE, 26 de
junho de 1914). Em agosto do mesmo ano, novamente os jornais sugerem que os jogos

36
FUTEBÓIS DO NORTE

mudem de horário, passando a serem realizados pela tarde, pois pela manhã o sol é
intenso afastando alguns espectadores. (FOLHA DO NORTE, 02 de agosto de 1914).

OS SPORTMEN: OS HOMENS DOS ESPORTES

No início do século XX, ser um sportmen em Belém significava ser seguidor


do modelo de vida baseado nos padrões europeus de culto ao corpo demonstrando
ao praticar esportes defender o discurso de progresso e civilização. Mas não cabia ao
sportmen somente ser praticante de modalidades esportivas, ser um sportmen também
significava participar de grupos sociais com elevado poder econômico, ter comporta-
mento pautados em regras de educação e cavalheirismo. As agremiações esportivas
tornaram-se centros de ensino e difusão da prática esportiva, mas ao mesmo tempo
tornaram-se pontos de encontro e convivência das elites.
A esse ideal de educação contrapunha-se comportamentos condenáveis para
os ditos sportmen. Ligado a esse ideal de educação está pratica do “sport pelo sport” e
não apenas pela vitória a qualquer preço, que quando não respeitada pelos sportmen
resulta em amplas críticas, principalmente por meios da imprensa.
Alguns desses sportmen, graças ao destaque recebido nos jornais da época
tornavam-se personalidades sociais como atletas por disputarem várias modalidades
como em especial o atleta remista Carlos Ferreira Lopes, mais conhecido como Periçá
que se destacou como nadador, mas também praticava water-polo e futebol. Em 1921, o
atleta faleceu após fazer uma atividade física na baia do Guajará ficou preso no fundo
da baía do Guajará. Ainda hoje Periçá é lembrado quando o Clube do Remo é chamado
por seus torcedores de Clube de Periçá. (GAUDÊNCIO, 2007, p. 101)
Homenagem semelhante recebe o sportmen do Paysandu Antônio Manoel de
Barros Filho, o Suíço. Quando o Paysandu é chamado de clube de Suíço, não se trata
de ter sido formado por imigrantes suíços como pensam alguns, mas por homenagem
a este atleta falecido em 1923, mas que em sua trajetória esportiva se destacou como
capitão da equipe de futebol do Paysandu sendo inclusive convidado pela CBD a inte-
grar a seleção brasileira de futebol. (GAUDÊNCIO, 2007, p. 107)

OS PALCOS DO ESPETÁCULO

Os palcos dos eventos esportivos paraenses eram dos mais diversificados.


Abrangiam desde campos improvisados em praças públicas no despertar do século
XX aos novos fields criados propriamente para os esportes.
Os locais públicos prevaleciam como centros de práticas esportivas. Na Praça
da República foi construído de um rink de patinação seguindo os modernos sistemas

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O FOOTBALL NO PARÁ: TEAMS, SPORTMEN E FIELDS NO ALVORECER DO FUTEBOL PA-
RAENSE

europeus. No Bosque Rodrigues Alves eram realizados festivais atléticos e praticava-


-se pedestrianismo. Mas os principais eventos, incluindo os de futebol, ocorriam nos
campos da empresa Ferreira & Commandita, no largo de São Bráz e no Campo do
Clube do Remo.
É nos agradável o poder noticiar agora haverem alguns rapazes do nosso meio social
fundado uma empresa para a exploração de um campo esportivo semelhante aos
das grandes cidades. Em terreno próprio, à avenida Tito Franco, campo da travessa
Curuzú, foram começados os trabalhos para a edificação de um magnífico pavi-
lhão dotado de grandes arquibancadas para os espectadores e dependências para
os jogadores. A empresa, que firmou contrato com os Srs. J.S. de Freitas & C. conta
inaugurar o seu stadium em fins do próximo mês de maio. (FOLHA DO NORTE, 22
de Abril de 1914)

O field relatado no trecho acima hoje é popularmente conhecido como Curuzú


e pertence ao Paysandu Sport Club. Esse campo tornou-se o principal palco das parti-
das de futebol no ano 1910 e era administrado pela empresa Ferreira & Commandita.
Mas não era apenas esse campo que se consagrava como praça de esportes em Belém.
Antes mesmo da construção do campo na Curuzú, as partidas eram realizadas no field
do largo de São Bráz, na Praça Floriano Peixoto e no field da Praça Paes de Carvalho.
Segundo Gaudêncio (2007, p. 56), a construção do campo da empresa
Ferreira & Commandita abriu o caminho que levou a popularização do esporte no
início as partidas de futebol eram realizadas praças abertas onde os sportmen gostavam
de jogar e com o aumento do número de espectadores, tornou-se necessário que hou-
vesse locais com maior capacidade de reunir torcedores. A inauguração do estádio do
Clube do Remo em 1917 reforça a idéia. Localizado na Avenida Tito Franco o estádio
com capacidade inicial de 2500 torna-se mais um centro de futebol em Belém.
Com 110 metros de comprimento por 70 de largura, é ladeado em toda sua extensão
por uma elegante arquibancada com 5 metros e meio de largura e em cuja a área se
pode localizar 2.500 pessoas arquibancada é quebrada em suas linhas de extensão
por um pavilhão superior de 12 metros de comprimento por 6 de largura que se des-
tina as famílias dos sócios, ficando a parte interior correspondente da arquibancada
reservada aos sócios. (CRUZ, 1968, p. 116)

Além destes campos mais famosos, também existiam outros espaços destina-
dos ao futebol e outras modalidades terrestres. A maioria pertencia às equipes su-
burbanas de Belém como o campo da travessa Caldeira Castello Branco pertencente
ao São Paulo Sport Club,o campo do São Domingos inaugurado em 1918 localizado
na travessa do Jurunas com Timbiras, do Amazon River S. Club em Val de Cães, do
Utinga S.Club no bairro do Utinga, da praça de esportes do Telegrapho Nacional no
bairro do Telégrafo e outros cuja localização não foi encontrada: do Caxias Sport Club
inaugurado em 1921, do Ypiranga Sport Club inaugurado em 1925, do Villa Nova F.
Club e do Uberabinha, ambos inaugurados em 1928.

38
FUTEBÓIS DO NORTE

Os prados, fields e raids eram lugares para poucos no início do século XX, mas o
crescimento do número de espectadores proporcionou a construção de novos espaços
esportivos em Belém para suportar a crescente torcida, popularizando os esportes, os
espaços e também os preços das entradas que já não eram vendidas apenas para inte-
grantes da alta sociedade paraense e sim para o grande público ansioso de presenciar
os espetáculos da cultura física, agora praticada não apenas nos estádios dos grandes
clubes como também nos campos espalhados pelos bairros de Belém abrigando jogos
das equipes suburbanas.

AS PRIMEIRAS LIGAS NO FUTEBOL PARAENSE

A entidade de mais destaque na época pesquisada é a Liga Paraense de Foo-


tball, criada em 1913 por Theodoro Whitte e D’Artagnan Cruz, que passa a organizar
e regulamentar a prática de futebol em Belém. A organizadora do campeonato pa-
raense é quem define as regras e as exigências para que as agremiações participem do
campeonato. Os clubes que queiram ingressar na Liga devem indicar com assinaturas
de todos os diretores, lista de sócios e jogadores, suas profissões e endereços, sede do
clube, campo, cores do uniforme e pagamento de taxa para filiação. O mínimo é de 30
sócios por clube. (FOLHA DO NORTE, 13 de março de 1915).
A formação de Ligas e federações em torno dos esportes no Pará é uma ques-
tão que se mostra instável. A pesquisa mostra que ao longo dos anos pesquisados a
organização de ligas e associações foi marcada por polêmicas e divergências entre os
membros que as constituíam. As Ligas eram entidades organizadas para definir os
regulamentos dos campeonatos e as regras que deveriam ser seguidas, mas também
foi utilizada como um palco de disputas interesses protagonizados pelos dirigentes
associados aos clubes.
A Liga Paraense de Football, passa por várias crises no decorrer de sua exis-
tência. Em 1914 a política gira em torno dos árbitros Abel de Barros, Galdino Araújo
e Hugo Leão devido as tantas reclamações e pedidos de anulação dos jogos por terem
ocorridos erros dos juízes. O estopim da Crise aconteceu quando o árbitro Abel de
Barros expulsou um jogador da União Sportiva em partida contra o Paysandu, atitude
que para os cronistas foi injusta. (FOLHA DO NORTE, 18 de dezembro de 1914).
Em 16 de maio 1915 observamos o nascimento da rivalidade entre o Clube do
Remo e o Paysandu através de carta endereçada ao jornal “A Folha do Norte” afirman-
do a inexistência da solidariedade esportiva. O autor acusa o Grupo do Remo de no
campeonato passado ter torcido a favor da União Sportiva contra o Paysandu, não por
solidariedade ou harmonia e sim por rivalizar contra o Paysandu. O Paysandu acusa-

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O FOOTBALL NO PARÁ: TEAMS, SPORTMEN E FIELDS NO ALVORECER DO FUTEBOL PA-
RAENSE

va o Remo e a União Sportiva de se unirem contra ele, sendo que tudo o que a União
Sportiva desejava conseguia, pois, o presidente da Liga era sócio do Remo.
Em 1916 a crise ocorre por desavenças entre o Paysandu e a Liga. O Pay-
sandu solicita a transferência de um atleta, mas o Conselho da Liga veta essa ação
provocando indignação no clube que solicita afastamento da entidade. O Brazil S.C.
também é afastado da liga por disputar uma partida contra o Paysandu desobedecen-
do a ordem da Liga.
A rivalidade entre Remo e Paysandu é novamente catalisadora da crise
da Liga que em 1918 já se chama Liga Paraense de Sports Terrestres em 1918 por oca-
sião da escolha do referee da partida entre as equipes. Em 1928 o Paysandu novamen-
te se desliga da entidade junto com a União Sportiva. As cisões da Liga promovem
organizações de novas entidades paralelas como a Confederação Athletica Paraense
criada em 1928 por Paysandu, União Sportiva, Julio César, Recreativa, Independência e
Maguary.
Enquanto as equipes principais se envolviam em polêmicas, os clubes subur-
banos diante da falta de apoio das principais entidades organizavam suas próprias
ligas. Em 1920 fundam a Liga Suburbana de Football em Belém. (FOLHA DO NORTE,
14 de maio de 1920). Em 1932 sob a denominação de Liga Suburbana Athlética Paraen-
se esta filia-se à Federação Paraense de Desportes. Algumas organizações eram des-
tinadas aos clubes estudantis como a Liga Inter-Collegial de Football organizada em
1818. Em 1925 outra organização é fundada, a Liga Estudantina de Sports Terrestres,
também criada por equipes suburbanas.
Abaixo destaco a crônica escrita pelo cronista de pseudônimo Red louvando o
crescimento da adesão ao futebol em Belém.
É consolador o entusiasmo que se nota o nosso meio esportivo pela próxima época
de football. Cada um dos clubes filiados a Liga, procura esforçadamente apurar as
suas equipes, treinando rigorosamente a fim de, com o brilhantismo, afirmar-se nas
contendas futuras. É belo de ver-se a azafama com que os responsáveis pelos times
procurem remover defeitos de organização e táctica dos seus grupos, ao mesmo
tempo que, criticando os seus jogadores, fazem-nos melhorar as suas combinações,
perdendo alguns vícios insensivelmente adquiridos. O groud de São Bráz povoa-se
aos domingos de banda de rapazes que trazem estampada no rosto a satisfação de
que se acham possuídos demonstrando que a nossa raça se revigora. Já a pouco e
pouco vão desaparecendo aqueles rapazes raquíticos, sonhadores de melenas, dan-
do lugar a homens fortes, vigorosos, de músculos educados pela prática continua
dos esportes – Red. (FOLHA DO NORTE, 3 de maio de 1914).

40
FUTEBÓIS DO NORTE

O FOOTBALL NA NASCENTE IMPRENSA ESPORTIVA PARAENSE

O futebol é o esporte mais popular no mundo todo, e é natural que a imprensa


esportiva de mias destaque ao mesmo, pois em sua maioria, os periódicos objetivam
um maior número de vendas e assim expõem aquilo o que é de maior interesse à
população para atrair mais leitores. Seja por meio das notícias e crônicas publicadas
nos jornais, ou pelo rádio, as opiniões dos cronistas e o discurso empregado por eles
sempre criticando os males e indicando possíveis alternativas para o desenvolvimento
dos esportes
Desenvolve-se agora o destaque a uma outra característica da crônica esporti-
va paraense, adquirida gradualmente pelos cronistas, o caráter regionalista. Como já
analisada na primeira parte deste trabalho a questão regional implicou em forte crítica
aos sulistas e a CBD. Afirma-se que está presente no sul do país o pensamento de não
haver atletas dignos também nos estados do Norte. Ligada a esta questão está o pe-
dido para que os clubes locais passem a utilizar nomes regionais. Em 21 de agosto de
1915, no jornal “A Folha do Norte” é publicada uma crítica ao fato dos novos clubes
estarem adotando nomes como São Christovam e Flamengo, pois não existem motivos
para adotarem esses nomes no Pará. Deve-se criar Umarizal Football Club, Marco Foo-
tball Club, São Bráz Football Club e parar de copiar nomes dos times do Sul, pois isto
prova a faltar o dom da originalidade.
O cronista Red, em 15 de junho do mesmo ano escreve uma crônica no qual
afirma que em Belém vem surgindo uma cisão da Liga devido à ruptura entre o Pay-
sandu e o Remo. O escritor pede que os clubes retomem suas relações sociais tal com o
cronista D’artagnan que escreve ao jornal e pede a reconciliação de Remo e Paysandu
pela harmonia esportiva. Em fevereiro de 1916 o cronista Socker escreve sobre a riva-
lidade entre Remo e Paysandu: “A Liga Paraense de Football prestaria um bom servi-
ço a causa do Sport paraense intervindo no conflito que há muito dura entre os dois
principais clubes que lhe são filiados.” Socker sugere que a Liga organize um match
amistoso com um troféu ao vencedor para proporcionar que sejam reatados os laços
entre os dois clubes.
O político e personalidade pública paraense Dr. Gama Malcher, também afir-
ma durante entrevista concedida em março de 1923 onde destaca como principal fator
da decadência do esporte paraense o único interesse na vitória dos clubes, pela pouca
disciplina que se vê entre os jogadores e pelo esporte estar sempre sob o domínio de
Remo e Paysandu desinteressando os torcedores por novidades.

41
O FOOTBALL NO PARÁ: TEAMS, SPORTMEN E FIELDS NO ALVORECER DO FUTEBOL PA-
RAENSE

Em primeiro lugar o erro está em todos os clubes afiliados a Liga alimentarem a


preocupação da Victoria a qualquer custo; não olham meios para obtê-la mesmo
sacrificando o ideal esportivo que os devia guiar. Fomos pouco a pouco fazendo dos
nossos jogadores “ídolos” que a boa lógica devia ter deixado um pouco mais abaixo
do pedestal da glória. Não se cuidou, até hoje, de formar novos elementos; vemos,
com espanto, que os baluartes dos maiores são jogadores que pisam o gramado des-
de os tempos primeiros do futebol, reunidos em Liga. O povo foi-se desinteressando
naturalmente, pelo que já está farto de ver. (FOLHA DO NORTE, 24 de março de
1923).

CONCLUSÃO

O interesse pelos esportes crescia e multiplicavam-se o número de cronistas e


leitores. Se antes as seções esportivas não eram diárias ou mesmo quando publicadas,
possuíam espaço reduzido, o que resultava em lamentações dos cronistas por não pos-
suírem mais espaço nas páginas de revistas e jornais, com o tempo as seções esportivas
passam a ser presença permanente nos jornais e revistas. Interesse que assume nova
dimensão com o surgimento do rádio na região.
A contribuição que a imprensa deu para o desenvolvimento dos esportes em
Belém é observada na medida em que a popularidade dos esportes aumentava simul-
taneamente a uma maior divulgação, a um maior espaço destinado a cobertura dos
esportes em Belém. O crescimento do cenário esportivo no Belém proporcionou a as-
censão de novos sujeitos na cidade, os sportmen seguidores do modelo de vida baseado
nos padrões europeus de defesa do discurso de progresso e civilização e que no âmbito
esportivo eram os praticantes de modalidades esportivas, os defensores da evolução
dos esportes, e os jornalistas esportivos, os responsáveis por divulgar jornalisticamen-
te os acontecimentos da cidade esportiva.
A primeira transmissão esportiva no Pará não foi propriamente uma trans-
missão via rádio, ela foi realizada em 16 de outubro de 1927 no Teatro da Paz onde a
Agencia Americana transmitia por meio de telégrafo informações do jogo entre Pará
e Alagoas na disputa do campeonato brasileiro de futebol de 1927. Quando o rádio
realmente chegou, com a criação da PRAF em 1928, também foi utilizado como instru-
mento de difusão do futebol, então “não teve pra ninguém” e o futebol definitivamen-
te se tornou a estrela do cenário esportivo paraense deixando de ser um esporte para
as elites e se tornando o esporte do povo.

42
FUTEBÓIS DO NORTE

BIBLIOGRAFIA

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nos festivais futebolísticos em Belém do Pará (1905-1950). (Dissertação) Mestrado em
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HOBSBAWM, Eric. A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

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MOURA, Daniella de Almeida. A república paraense em festa (1890-1911). Belém:


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tebol no Rio de Janeiro – 1902-1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

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SARGES, Maria de Nazaré. Belém: Riquezas produzindo a Belle Époque – 1870-1912.


Belém: Paka-Tatu, 2000.

43
CAPÍTULO 3

NOVOS RUMOS NO PAYSANDU SPORT


CLUB: ASCENSÃO E DECLÍNIO DE UM
MOVIMENTO (2013-2021)

Rodolfo Silva Marques1


André Silva de Oliveira2

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.3

1  Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
2  Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
NOVOS RUMOS NO PAYSANDU SPORT CLUB: ASCENSÃO E DECLÍNIO DE UM MOVIMENTO
(2013-2021)

RESUMO

O presente trabalho busca trazer uma discussão a respeito de um clube de


futebol do Norte do Brasil, no contexto dos eixos teóricos da política e do
mercado. Futebol e política vêm emergindo como conceitos e práticas que, do ponto-
-de-vista procedimental, reforçam importantes reflexões para a discussão institucio-
nal. Ao mesmo tempo, é possível afirmar que política, mercado e futebol são conceitos
socioculturais historicamente entrelaçados e que geram processos, muitas vezes, inter-
dependentes. Em tal condição, tais categorias conceituais possuem vasta capacidade
de mobilização popular e de despertar ações individuais e coletivas. O futebol emerge,
também, nos âmbitos nacional e internacional, como um fator essencial no contexto do
soft power enquanto mobilização social. Simultaneamente, ao mexer com as emoções e
com outros aspectos subjetivos, o futebol acaba, também, por ter grande impacto no
mercado. Os métodos utilizados neste artigo são a linha do tempo, a revisão de litera-
tura e o estudo de caso, escolhendo o Paysandu Sport Club, instituição de Belém (PA)
e que é a mais vitoriosa na região, como objeto de análise. O recorte temporal é entre
2013 e 2021, considerando as gestões de um grupo político intitulado “Novos Rumos”.
As conclusões preliminares, considerando-se que a pesquisa está em andamento, são:
é necessário ter uma boa estrutura de um clube de futebol para atender o seu mercado
consumidor – o torcedor –, ao mesmo tempo em que as ferramentas de accountability
devem ser observadas de forma mais assertiva.

Palavras-chave: Futebol do Norte; Paysandu; “Novos Rumos”.

INTRODUÇÃO E DESENHO DE PESQUISA

Futebol e política vêm emergindo como conceitos e práticas que, do ponto-de-


-vista procedimental, reforçam importantes reflexões para a discussão institucional.
Política, mercado e futebol são conceitos socioculturais historicamente entrelaçados.
Em tal condição, possuem vasta capacidade de mobilização popular e de despertar
ações individuais e coletivas.
As complexas redes que envolvem futebol, política, as interações de clubes
com torcedores, empresas, imprensa e governos importam como objeto de estudo
para entender como o futebol, enquanto mercado, se organiza e impacta, sobretudo,
na esfera pública. O mercado futebolístico se tornou bilionário ao longo do tempo, e
com hiperbólico alcance mundial, sendo um grande exemplo das relações políticas,
econômicas e sociais. O futebol é, pois, produto que mobiliza pessoas, organizações
e instituições, produzindo efeitos tangíveis nos campos político e socioeconômico, os

46
FUTEBÓIS DO NORTE

quais necessitam ser cientificamente mensurados e alvo de aguda reflexão (GIGLIO e


RUBIO, 2013)
O futebol vem se transformando cada vez mais em um grande negócio, mo-
bilizando muitos recursos financeiros e chamado a atenção de marcas e produtos que
apresentam alcance global. O melhor funcionamento de clubes-empresa no Brasil, e
em outros países, também representa uma importante questão a ser investigada com
o tratamento empresarial do produto futebol e suas derivações mercadológicas (CAR-
RAVETTA, 2006; RIBEIRO JR., CIPOLONI, AZENHA e CHASTINET, 2014; CASTRO
e MANSSUR, 2016; CHADE, 2015).
O Paysandu Sport Club é a maior agremiação esportiva do Norte do Brasil.
Nascido em 02 de fevereiro de 1914, obteve as conquistas mais relevantes de um clube
da região no futebol, principal esporte do país.
São dois títulos do Campeonato Brasileiro da Série B (1991 e 2001), um título
da Copa dos Campeões (2002), dois títulos da Copa Verde (2016 e 2018), um título da
Copa Norte (2002) e 49 títulos estaduais.
Houve também uma participação histórica na Copa Libertadores da América
(2003) e 20 participações no Campeonato Brasileiro da Série A desde o início da com-
petição, no ano de 1971. Os números superlativos dentro de campo nem sempre foram
acompanhados de uma gestão organizada e com as categorias políticas previstas em
um desenho institucional compatível com a concepção do futebol como mercado.

Imagem 1 - escudo do Paysandu Sport Club

Fonte: Site Oficial do Paysandu Sport Club. Disponível em www.paysandu.com.br.


Acesso em: 10. nov.2021.

Historicamente, o clube privilegiou o futebol, embora tenha algumas conquis-


tas em outras modalidades esportivas, como no basquetebol e no futsal.
No presente artigo, importa estudar o cenário institucional do Paysandu no
recorte histórico de 2013 a 2021, nas gestões do grupo político chamado “Novos Ru-

47
NOVOS RUMOS NO PAYSANDU SPORT CLUB: ASCENSÃO E DECLÍNIO DE UM MOVIMENTO
(2013-2021)

mos”. A escolha se deu porque, nesse cenário, o Paysandu avançou em muitas áreas,
dentro e fora do campo, e viu, nos anos seguintes, recuos e perdas, o que desestimulou
o consumo dos produtos do clube por parte de seus milhões de torcedores.
Como recursos metodológicos, escolhem-se três caminhos: a linha do tempo, a
revisão de literatura e o estudo de caso.
Sobre a linha do tempo, escolhe-se esse recurso metodológico para evidenciar
uma sequência cronológica de fatos ocorridos, enfatizando movimentos e prioridades
(LEMAD, 2020). No estudo em tela, traz-se a possiblidade de analisar os oito anos –
com a ascensão e a queda – da gestão política do Paysandu fora de campo, com reflexo
direto nos resultados.
A revisão de literatura, no decorrer do texto, correlaciona as categorias de po-
lítica e futebol como mercado, a partir da premissa de que a Ciência Política tem como
objeto de estudo o poder que emana do Estado, e o futebol, pelo seu poder global,
acaba reverberando em todas as partes do planeta, com repercussões diversificadas
(ELLIOT, 2002). Há, portanto, a necessidade de novos desenhos institucionais, para
que o produto futebol possa ser melhor gerenciado.
O estudo de caso foi identificado como um caminho adequado, por permitir
o uso de dados qualitativos a partir de eventos reais ocorridos no referido clube pa-
raense, com a exploração dos fenômenos e a possível replicação em outros ambientes
(EISENHARDT, 1989). O caso escolhido do Paysandu emerge pelas variáveis impor-
tantes encontradas na pesquisa e pela relevância da agremiação esportiva no país, no-
tadamente na região Norte.
Assim, o presente trabalho, após essa apresentação introdutória, à contextuali-
zação e à discussão dos recursos metodológicos, tem as seguintes seções: a) Trajetória
cronológica da “Novos Rumos” com a apresentação dos resultados dentro e fora do
campo; b) discussão sobre as razões do declínio do grupo “Novos Rumos”; e c) as con-
clusões do trabalho.

TRAJETÓRIA CRONOLÓGICA DA “NOVOS RUMOS”

No final de 2012, o Paysandu havia acabado de obter o acesso à Série B do fu-


tebol brasileiro, após vencer o Macaé-RJ no confronto de “mata-mata” no Campeonato
Brasileiro da Terceira Divisão, após jogos em Paragominas-PA e no Norte do estado
do Rio de Janeiro. O Paysandu era, então, dirigido pelo Empresário e Prático do Rio
Amazonas, Luís Omar Pinheiro.
Nas eleições presidenciais, ocorridas em 30 de novembro de 2012, com a par-
ticipação do quadro societário como eleitores, Vandick Lima, então com 47 anos, e re-

48
FUTEBÓIS DO NORTE

presentando a Chapa “Novos Rumos”, venceu a eleição com 479 votos – contra 278 do
candidato Victor Cunha, representante da Chapa “Centenário”. Naquele momento, a
despeito do acesso do clube à Série B 2013, o Paysandu enfrentava uma crise financeira
que chega a R$ 7 milhões de reais.
Em 2013, o Paysandu conquista o campeonato paraense, avança duas fases
na Copa do Brasil, mas é rebaixado no Campeonato Brasileiro. Em 2014, o Paysandu
chega a 100 anos de fundação e realiza uma série de ações de marketing para celebrar a
data, ocorrida no dia 02 de fevereiro. Camisas temáticas, festas no estádio de futebol e
ações para a ida do torcedor ao estádio de futebol são incentivados, além do desenvol-
vimento do Programa de Sócio-Torcedor, conhecido como Sócio-Bicolor.
Em campo, o Paysandu não conquistou troféus, mas obteve o seu principal
objetivo, que era o acesso da Série C para a Série B do Campeonato Brasileiro. No dia
19 de novembro de 2014, foram realizadas as eleições para Presidente do Paysandu –
além da definição do Conselho Deliberativo. A Chapa “Novos Rumos, Sempre!” foi a
única a disputar a eleição, tendo o advogado e empresário Alberto Maia Filho como
candidato à Presidência. O pleito teve 10 urnas e Alberto Maia obteve 538 votos – hou-
ve 41 votos em branco e 5 votos nulos. `
Em 2015, o Paysandu não conquistou troféus, mas obteve boas campanhas
na Copa do Brasil e no Campeonato Brasileiro da Série B. A gestão do Clube buscou
investir na recuperação econômica do Paysandu. De acordo com Alberto Maia, na
ocasião, o Paysandu encerrou o ano com receita financeira de R$ 15.238.748,21, valores
referentes às premiações, à cota de transmissão dos jogos da Série B, à venda de ingres-
sos para os jogos, ao programa Sócio Bicolor e aos patrocínios. O Paysandu também
investiu R$ 700 mil na construção das novas arquibancadas da Curuzu.
Em 2016, Alberto Maia buscou focar na expansão dos lucros financeiros para o
Paysandu. Anunciou, no mês de janeiro, o lançamento de sua marca própria – a marca
“Lobo” – e apresentou sua camisa oficial. O clube chegou a faturar R$ 1,5 milhão entre
janeiro e julho de 2016.

49
NOVOS RUMOS NO PAYSANDU SPORT CLUB: ASCENSÃO E DECLÍNIO DE UM MOVIMENTO
(2013-2021)

Imagem 1 - camisa do Paysandu Sport Club em 2016, com a marca Lobo

Fonte: Site Oficial do Paysandu Sport Club. Disponível em www.paysandu.com.br.


Acesso em: 10. nov.2021.

O engenheiro elétrico Sérgio Tadeu Ferreira Serra foi eleito presidente do Pay-


sandu no último dia 6 de dezembro de 2016. Serra foi vice-presidente nas gestões de
Vandick Lima e Alberto Maia e recebeu 442 votos – apenas sua chapa concorreu ao
pleito. Serra teve dois vice-presidentes – o engenheiro Tony Couceiro e o empresário
Ricardo Gluck Paul. Em julho de 2017, Sérgio Serra renunciou à presidência do Pay-
sandu, após ele e seu filho terem sido ameaçados por estranhos numa praça de Belém.
Serra estava recebendo pressões pela campanha ruim do clube na Série B do Campeo-
nato Brasileiro.
Tony Couceiro, então vice-presidente de Operações, assumiu a gestão do clu-
be. Em 2018, Tony Couceiro encerrou o mandato – e o clube foi rebaixado para a Série
C.
O empresário Ricardo Gluck Paul, então com 41 anos, foi eleito presidente do
Paysandu, em novembro de 2018. Havia 1.040 sócios do clube aptos a votar; 332 com-
pareceram às urnas e 252 hipotecaram apoio a Gluck Paul. Ieda Almeida foi eleita vice-
-presidente de Operações Maurício Ettinger assumiu como vice-presidente de Gestão.
Em dezembro de 2020, o então vice-presidente Maurício Ettinger foi eleito
como mandatário do clube bicolor, ao receber 348 votos. Ele representava a chapa
“União Fiel”, ao lado do vice-presidente de Operações, Felipe Fernandes, e do vice-

50
FUTEBÓIS DO NORTE

-presidente de Planejamento, Abelardo Serra. A chapa “Paysandu Raiz”, liderada pelo


ex-presidente Luiz Omar Pinheiro, recebeu 296 votos.
A seguir, o quadro 1 com a análise comparada das questões extracampo e dos
resultados dentro dele.

Quadro 1 - Análise comparada das questões extracampo e dos resultados dentro dele
Ano Presidente Fora de campo Dentro de campo
2012 Luiz Omar Pinheiro * Eleições presidenciais - Fora da final do
diretas com duas chapas Campeonato Paraense;
concorrendo; - Oitavas-de-final da Copa
* Dívidas de cerca de 7 do Brasil;
milhões de reais - Acesso à Serie B de 2013.
2013 Vandick Lima * Primeiro ano de - Campeão paraense pela
mandato de Vandick 45ª vez
Lima; - Terceira fase da Copa do
* Diminuição de dívidas Brasil
internas e externas; - Rebaixamento à Série C
* Negociação para a 2014, após ser o 18º no
compra do Centro de Campeonato Brasileiro
Treinamento do Paysandu
2014 Vandick Lima * Segundo ano de - Vice-campeão paraense,
mandato de Vandick perdendo o título para o
Lima; seu rival local, Clube do
* Diminuição de dívidas Remo
internas e externas; - Vice-campeão da Copa
* Negociação para a Verde (primeira edição),
compra do Centro de ao perder para o Brasília-
Treinamento do Paysandu DF
* Eleições presidenciais - Terceira fase da Copa do
no final do ano, com a Brasil
manutenção do grupo - Acesso à Série B 2015,
“Novos Rumos” após ser vice-campeão da
Série C 2014, perdendo o
título para o Macaé-RJ
2015 Alberto Maia Filho * Paysandu busca saúde - Fora da final do
financeira, com redução Campeonato Paraense;
de dívidas, ações de - Semifinalista da Copa
marketing e venda de Verde;
materiais de materiais - Oitavas-de-final da Copa
esportivos; do Brasil;
* Clube movimentou - O Paysandu terminou a
valor similar de receitas e Série B 2015 como 7°
despesas – cerca de R$ 15 colocado na tabela, com
milhões. 60 pontos
2016 Alberto Maia Filho * Paysandu lança marca - Paysandu é campeão
própria – denominada paraense invicto;
“Lobo”, em alusão ao - Campeão da Copa Verde,
mascote do clube vencendo o Gama-DF, na
*Inauguração do Portal do final;
Centro de Treinamento - Terceira fase da Copa do
Brasil;
- O Paysandu terminou a
Série B 2016 como 14°
colocado na tabela, com
49 pontos

51
NOVOS RUMOS NO PAYSANDU SPORT CLUB: ASCENSÃO E DECLÍNIO DE UM MOVIMENTO
(2013-2021)

2017 Sérgio Serra * Renúncia do presidente - Bicampeão paraense,


Sérgio Serra e posse do vencendo a final contra o
vice Antonio (Toni) Remo;
Couceiro - Vice-Campeão da Copa
Verde;
- Oitavas-de-final da Copa
do Brasil;
- O Paysandu terminou a
Série B 2017 como 11°
colocado na tabela, com
48 pontos.
2018 Antonio (Toni) *Conclusão do mandato - Vice-campeão paraense;
Couceiro de Toni Couceiro - Bicampeão da Copa
Verde, vencendo o
Atlético-ES, na final;
- Paysandu é eliminado na
primeira fase da Copa do
Brasil
- O Paysandu é rebaixado à
Série C 2019, ficando na
17ª colocação, com 43
pontos
2019 Ricardo Gluck Paul * Ricardo Gluck Paul - Fora da final do
lança o Plano Paysandu Campeonato Paraense;
“Clube do Povo”; - Vice-campeão da Copa
* Terceirização da Lobo, a Verde
marca própria - Oitavas-de-final da Copa
do Brasil;
- Eliminado no mata-mata
do acesso, contra o
Náutico-PE
2020 Ricardo Gluck Paul *Conclusão do mandato - Campeão paraense pela
de Ricardo Gluck Paul; 48ª vez;
* Atritos em torno da - Eliminado nas quartas-de-
prestação de contas por final da Copa Verde;
parte da diretoria do clube - Segunda fase da Copa do
Brasil;
- Eliminado no
quadrangular do acesso
da Série C
2021 Maurício Ettinger * Posse de Maurício - Campeão paraense pela
Ettinger, eleito pela chapa 49ª vez;
“União” - Segunda fase da Copa do
Brasil;
- Eliminado no
quadrangular do acesso
da Série C
Fonte: autoria própria, a partir de dados compilados

AS RAZÕES DO DECLÍNIO DO GRUPO “NOVOS RUMOS”

Não há, decerto, uma só razão para explicar a ascensão e declínio do movi-
mento Novos Rumos, mas tentaremos assinalar algumas que nos parecem relevantes.

52
FUTEBÓIS DO NORTE

A rigor, o movimento se encerrou com o fim do mandato do presidente Alberto Maia


(2015-2016). Dali em diante, as divisões internas foram se agravando, de modo a for-
mar dois grupos com visões distintas sobre como o clube deveria ser administrado. Po-
de-se arguir, sem receio de incorrer em erro, que um dos grupos é, ainda hoje, liderado
pelo ex-presidente Alberto Maia, e se ampara na concepção do futebol como mercado.
De outro lado, há o grupo que controla o Paysandu de 2017 até hoje e que se contrapõe
com vigor ao grupo de Maia.
Cabe fazer aqui um necessário ponto de inflexão para discorrer acerca do que
entendemos sobre a concepção do futebol como mercado. O futebol se tornou um ne-
gócio bilionário, planetário, fundamentalmente direcionado ao setor de entretenimen-
to, e que abarca diversos campos da economia como marketing, hotelaria, negócios
televisivos, de gestão de marcas esportivas, gestão de contratos de atletas e de suas
respectivas carreiras, produção de literatura sobre gestão esportiva, bem como aluguel
de arenas para eventos distintos dos jogos de futebol, assim por diante. O futebol se
tornou um esporte complexo, exigindo dos clubes uma profissionalização crescente,
senão mesmo acelerada.
Como se sabe, a concepção do futebol como mercado surgiu na Europa Oci-
dental com clubes que se tornaram gigantes dos negócios como Manchester City, Man-
chester United, Bayer de Munique, Real Madrid, Barcelona, Milan, Paris Saint-German,
dentre outros. Não é verdade que, para crescer e ser bem sucedido, os clubes tenham
que se converter necessariamente em clube-empresa. Real Madrid e Barcelona são, por
exemplo, clubes que mantiveram a forma associativa, à semelhança da maioria dos
clubes brasileiros, e, ainda assim, dispõem de receita e estrutura hiperbólicas. Pode-se
manter a forma associativa e, mesmo assim, crescer exponencialmente, de modo a for-
jar uma hegemonia sobre os demais concorrentes, como sinalizou, entre nós, o Clube
de Regatas Flamengo nos últimos 3 anos. Por outro lado, os clubes-empresa podem
falir ou, quando menos, chegar a situações legais e econômicas intrincadas como su-
cedeu, por exemplo, com o Belenenses, em Portugal, cuja experiência com a empresa
gestora do clube resultou em fracasso.
Para a concepção do futebol como mercado, independentemente da forma
adotada (associativa ou clube-empresa), o que realmente importa é que o clube tenha,
em primeiro lugar, uma excelente e efetiva gestão fiscal para que, elevando as receitas,
possa formar bons times, de modo a iniciar o que Ferran Soriano (2010: 23) classificou
como “ciclo virtuoso” de vitórias, conquistas de certames, mais receitas, assim por
diante, retroalimentando um ciclo incessante segundo o qual mais vitórias levam a
mais receita. Livro icônico sobre o tema aqui enfocado é “A bola não entra por acaso –
Estratégias inovadoras de gestão inspiradas no mundo do futebol”, de Ferran Soriano

53
NOVOS RUMOS NO PAYSANDU SPORT CLUB: ASCENSÃO E DECLÍNIO DE UM MOVIMENTO
(2013-2021)

– aliás, o título se tornou um mote recorrente para gestores do futebol que sabem que,
sem obediência à responsabilidade fiscal e à elevação de receita, não há possibilidade
de ser campeão e, assim, promover o crescimento sustentável dos clubes.
Soriano (2010) descreve assim a distribuição das fontes de receita nos grandes
clubes europeus:
Hoje, a estrutura de renda dos grandes clubes de futebol se distribui em três terços,
aproximadamente, entre a venda de ingressos e passes aos estádios, os direitos au-
diovisuais e o marketing. A tendência aponta para um peso cada vez maior das duas
últimas fontes. O crescimento da terceira fonte de renda culmina uma mudança de
modelo fundamental, que transforma o negócio dos clubes de futebol em um negó-
cio de entretenimento global. (2010: 22).

Segundo Soriano (2010: 23), os clubes que, ao contrário, não se integrarem ao


ciclo virtuoso “terão muito menos possibilidade de ganhar e deverão concorrer em
mercados menores”.
Por óbvio, o futebol como entretenimento tem um alvo específico – o torcedor
na qualidade de consumidor dos produtos ofertados pelo clube. Nesse sentido, gran-
des clubes têm mais chance de ser bem-sucedidos porque possuem, por assim dizer,
um público já fidelizado, forjado por décadas de competições e disposto a consumir os
produtos que lhe é ofertado.
No caso do Paysandu Sport Club, a massa de torcedores que segue no clube
é realmente hiperbólica, sobretudo se considerarmos que se trata de um clube de um
Estado da Amazônia, a região mais pobre do país. Ainda assim, na gestão do presi-
dente Alberto Maia (2015-2016), o Paysandu chegou a alcançar, em 2016, a receita de
35 milhões de reais, impulsionado, principalmente, pelos ganhos oriundos da Lobo, a
marca própria.
Imagem 3 - Marca Lobo (marca própria do Paysandu)

Fonte: Site Oficial do Paysandu Sport Club. Disponível em www.paysandu.com.br.


Acesso em: 10. nov.2021.

No final de 2021, a projeção de receita para 2022, segundo declarou o próprio


presidente Maurício Ettinger, está fixada em cerca de 20 milhões de reais, fato que
sinaliza o declínio do clube em termos fiscais com ampla repercussão no desempe-

54
FUTEBÓIS DO NORTE

nho esportivo (afinal, como se destacou, a bola não entra por acaso). A marca Lobo,
que serviu de modelo pioneiro para outros clubes, como o Fortaleza, foi terceirizada,
o número de sócios-torcedores desabou e o Centro de Treinamento Raul Aguilera –
adquirido na gestão do presidente Alberto Maia – segue sem receber investimentos
relevantes. Projetado para ter 5 campos de futebol, sendo um mais reduzido para trei-
no de goleiros, o CT continua sem ter um único campo para treino ou estrutura física
mínima. Sem CT em funcionamento, não há como descobrir novos talentos e negociar
jogadores para mercados mais avançados, de modo a favorecer a entrada no ciclo vir-
tuoso de que falou Ferran Soriano.
O que levou o Paysandu a mudar a trajetória ascendente para descendente
foi, sem dúvida, o abandono da concepção do futebol como mercado. Não se percebe
nas declarações dos atuais dirigentes nenhum plano, por mais rudimentar que seja,
que recoloque o clube na direção do ciclo virtuoso consistente na fórmula elevação de
receita-conquista de certames-elevação de receitas.
Nos últimos anos, o clube apresentou sérios problemas na área relativa à trans-
parência, aliás, um dever da diretoria previsto no Estatuto Social do próprio clube e
também na chamada Lei do PROFUT, Lei Federal nº 13.155/2015, cujas regras o Pay-
sandu aderiu. Na gestão do presidente Ricardo Gluck Paul (2019-2020) foram criados
obstáculos à prestação de contas ao acesso às informações. Tal situação levou um gru-
po de 10 sócios, conselheiros e beneméritos a requerer por escrito, em 22.01.2020, para
a Mesa do Conselho Deliberativo que interviesse para compelir a diretoria a prestar
contas e fornecer informações relativas à vida fiscal do clube.
Curiosamente, a Lei do PROFUT, em seu art. 1º, estabelece como princípios
para as entidades esportivas profissionais a responsabilidade fiscal e financeira, bem
como a gestão transparente e democrática.
Portanto, a prestação de contas se constitui em uma obrigação dos dirigentes
esportivos que queiram se conectar efetivamente com a concepção do futebol como
mercado, não de mera liberalidade, algo que podem realizar ou não conforme a sua
vontade pessoal. Transparência significa prestar contas e, ao mesmo tempo, ser even-
tualmente responsabilizado por descumprimento das regras legais.
Tal situação extrema levou, é claro, à piora do ambiente institucional no clube,
de tal modo que, na eleição de 2020, surgiu um movimento intitulado “Reconstruir
com Transparência”, cujo candidato à presidência do clube, o advogado Antônio Aido
Maciel, morreu em 3.11.2020, fato que impediu que a chapa disputasse a eleição. Outra
chapa intitulada Paysandu Raiz, de orientação oposicionista, disputou o pleito e per-
deu a eleição para a chapa da situação.

55
NOVOS RUMOS NO PAYSANDU SPORT CLUB: ASCENSÃO E DECLÍNIO DE UM MOVIMENTO
(2013-2021)

No futebol, o Paysandu não vai melhor, pois, tendo caído para a Série C em
2018, tem apresentado seguidos resultados medíocres, desvelando a falta de um tra-
tamento mais conectado com a visão moderna do presente. Numa situação em que a
receita desabou, seja por se encontrar na Série C, seja por má gestão fiscal, as contrata-
ções de treinadores e atletas devem ser precisas e de acordo com o limitado orçamen-
to do clube. Um caminho desejável seria adotar o método mundialmente conhecido
como Moneyball, ou seja, contratar jogadores que, não sendo estrelas (longe disso, o
clube opera hoje no vermelho), tenham demonstrado um desempenho regular segun-
do padrões estatísticos. Já há literatura sobre o tema que deveria ser levada em conta
por clubes em situação de fortes restrições orçamentárias, como o Paysandu (LEWIS:
2015; ANDERSON & SALLY: 2014).
Outra medida que nos parece óbvia, mas não seguida pela diretoria do clube
nos últimos anos, consiste em contratar um treinador com perfil ofensivo, ambicioso e
que aceite trabalhar dentro dos limites orçamentários do clube.
De qualquer modo, parece induvidoso que o Paysandu Sport Club teve sua
trajetória ascendente encerrada em 2016 desde que, como foi aduzido, as gestões que
se seguiram abandonaram a concepção do futebol como mercado, necessária para todo
clube que queira participar das competições mais relevantes do país e do continente
sul-americano.

CONCLUSÕES

O movimento Novos Rumos foi inicialmente muito bem-sucedido, iniciando


uma trajetória virtuosa no clube no período compreendido entre 2013-2016. Desde
então, o Paysandu passou a ter uma trajetória descendente, seja na gestão fiscal (com
menos transparência e geração de receita), seja na gestão do futebol (há 3 anos na Sé-
rie C, o clube patina nessa divisão e, portanto, não consegue o indispensável acesso à
Série B).
Isso ocorreu porque o modelo do futebol com o mercado foi abandonado e/
ou não é entendido devidamente pelos atuais dirigentes do clube. Com uma torcida
enorme e fiel, o clube já dispõe de um mercado pronto para consumir os produtos que
forem ofertados a ele, mas essa oportunidade não tem sido convertida em realidade,
o que leva o clube a disputar competições esportivas menos relevantes (como a Copa
Verde e a Série C), perdendo, assim, projeção nacional, mercado consumidor, exibição
na mídia com reforço para a imagem institucional do clube, etc.
Curiosamente, boa parte da torcida do Paysandu ainda observa os grupos po-
líticos distintos como se fossem ainda todos integrantes do movimento Novos Rumos,

56
FUTEBÓIS DO NORTE

uma confusão que não ajuda a compreender o que está realmente em jogo no clube e
que pode, no futuro imediato, não só conduzir o Paysandu Sport Club a um patamar
mais elevado ou, ao contrário, aprofundar a crise pelo qual passa hoje. Esse paper bus-
ca, portanto, jogar luz sobre a trajetória institucional recente de um dos clubes mais
relevantes da Amazônia brasileira.

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PAYSANDU CRIA MARCA LOBO E DIVULGA IMAGEM DA CAMISA OFICIAL


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PRESIDENTE DO PAYSANDU FAZ BALANÇO DO ANO, QUE CONFIRMA CLUBE


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SEM CONCORRENTES, RICARDO GLUCK PAULO É ELEITO PRESIDENTE DO


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do-gluck-paul-e-eleito-presidente-do-paysandu/. Acesso em: 10.nov.2021.

SÉRGIO SERRA RENUNCIA À PRESIDÊNCIA DO PAYSANDU. Disponível em: ht-


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SORIANO, Ferran. A bola não entra por acaso – Estratégias inovadoras de gestão
inspiradas no mundo do futebol. São Paulo: Larousse, 2010.

Site Oficial do Paysandu Sport Club. Disponível em: www.paysandu.com.br. Acesso


em: 10. nov.2021.

58
CAPÍTULO 4

PIONEIRISMO, DECLÍNIO E
RECONSTRUÇÃO: BAENÃO AO LONGO
DAS DÉCADAS (1917- 2019)
Luiz Gabriel Gomes Monteiro1

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.4

1  Universidade da Amazônia, Belém, Pará.


PIONEIRISMO, DECLÍNIO E RECONSTRUÇÃO: BAENÃO AO LONGO DAS DÉCADAS (1917-
2019)

RESUMO

E ste trabalho objetiva mostrar a ação de pessoas motivadas por um sen-


timento e pela memória a uma instituição detentora do estádio palco de
muitos acontecimentos importantes para cada indivíduo que frequentou o local an-
tes de sua interdição para o futebol paraense, que estava sem o seu, até então, maior
estádio particular, bem como para a capital, que estava com um dos seus lugares de
memória parado, sem exercer sua principal função. Logo, a ação dos indivíduos, vi-
sando mudar esse quadro, parecia irreversível, considerando conceitos como memória
e lugar de memória, fazendo um paralelo forte com o artigo.

Palavras-chave: Lugar de memória; Memória; Torcida; Futebol.

INTRODUÇÃO

O Estádio Evandro Almeida é uma localidade importante para a cidade de


Belém, sobretudo para o futebol local e para os torcedores do Clube do Remo, dono
desse lugar. Esse espaço centenário, desde sua inauguração, quando dividiu o posto
de principal praça esportiva junto à atual Curuzu, mostrou-se pioneiro em diversas
vertentes no meio estrutural. Ademais, ele passou por inúmeras reformas ao longo
dos anos, sendo considerado pela imprensa como um estádio que atendia requisitos
necessários à disputa da primeira divisão nacional na década de 70.
Em 2013, uma ambiciosa reforma de modernização do estádio, a moldes de
estádios recentemente reformados do eixo Sul e Sudeste, foi proposta. Devido a uma
série de questões políticas e financeiras, a obra não foi concluída, fazendo o espaço
ficar sem exercer sua principal função por cinco anos.
O referido espaço faz parte da memória de diversos grupos que têm o estádio
como referência: ao futebol paraense, pois o campo é um dos seus principais palcos;
à cidade, que conta um pouco da história de Belém; e, principalmente, aos torcedores
do Clube do Remo, que intitula o local como casa. Por conseguinte, a memória que o
estádio exala evidencia sua importância ao contexto, não podendo ficar interditado.
Durante esses cinco anos de interdição, o principal responsável pela reabertu-
ra do campo do Remo foi o torcedor, que, por meio de projetos, tentou trazer de volta
o estádio à normalidade. Com isso, a problemática deste artigo está baseada na ação
dos torcedores para a reabertura de um lugar de memória. Sobre esse conceito, o es-
paço faz parte de uma memória coletiva e individual dos torcedores azulinos, que têm
identificações com o nome do estádio e com o que ele representa.

60
FUTEBÓIS DO NORTE

Entrevistas com torcedores do Clube do Remo, funcionários e pessoas que fi-


zeram e fazem parte dos projetos que ajudaram o Baenão a ser reaberto, realizadas de
maneira on-line devido à pandemia da COVID-19, têm como objetivo buscar informa-
ções de quem viveu de perto esse acontecimento, entendendo as diferentes motivações
dentro de um macro que é a memória.
Essa coleta de informações das fontes orais se deu por meio de um questionário
aberto com uma estrutura que permitia ao entrevistado atender ao que foi perguntado,
porém, com liberdade para discorrer sobre outras questões referentes ao Estádio do
Remo. Perguntas sobre representatividade do espaço e do clube foram feitas para en-
tender as motivações desse grupo, analisando assim as respostas, pois são carregadas
de sentimentalismo pela instituição, validando a problemática e os objetivos de que
as ações dos torcedores, motivados pela lembrança afetiva do estádio, foram cruciais.
Além disso, foram utilizadas fontes escritas, como jornais que retratam o mo-
mento em que foi anunciada a reforma em 2013, bem como jornais que contam como e
quando o estádio foi inaugurado, suas reformas, modernizações etc. Veículos digitais
de informações, como o Diário Online e O Liberal, por exemplo, informaram as difi-
culdades para a reabertura do patrimônio, assim como a Folha do Norte e o Estado do
Pará, trazendo, em suas crônicas, as primeiras décadas do Baenão.
A pesquisa teve caráter qualitativo. O cuidado com essa extração foi importan-
te, além do cuidado com o entrevistado, fazendo-o se sentir confortável a compartilhar
suas experiências. É indubitável também a preocupação com o que foi extraído, guia-
do pelo questionário, coletando as informações pertinentes à pesquisa.

REVISÃO DE LITERATURA

A inauguração do campo do Remo foi um marco para o futebol paraense, pois


ele era praticado em áreas públicas, mais precisamente em praças da região. Praça Ba-
tista Campos e terrenos baldios em São Brás são exemplos dessas localidades em que
os festivais esportivos eram realizados (GAUDÊNCIO, 2007).
O primeiro estádio criado para dividir com as praças o palco para o futebol
foi o Estádio da Curuzu, em 1914, que ainda não era de patrimônio do Paysandu, mas
sim da empresa Ferreira & Comandita – o Clube Azul Celeste só o comprou em 1918
(GIOVANI, 2019). No ano de sua criação até meados de 1917, o Remo usava o estádio
da Curuzu para sediar alguns de seus jogos na ausência do seu próprio campo.
Analisando o contexto descrito, a construção do “Campo do Remo” foi um
marco para o futebol paraense, porque haveria mais um espaço para os clubes pra-
ticarem seus jogos e por ser um estádio de propriedade do Clube do Remo, pioneiro

61
PIONEIRISMO, DECLÍNIO E RECONSTRUÇÃO: BAENÃO AO LONGO DAS DÉCADAS (1917-
2019)

no futebol local, em que o esporte Bretão ainda engatinhava. Assim, em 15 de agosto


de 1917, o estádio azulino foi inaugurado. Segundo a Folha do Norte, o espaço tinha
cento e dez metros de comprimento por setenta de largura, com uma arquibancada ao
seu redor de capacidade para mil e quinhentas pessoas, além de um pavilhão de doze
metros de comprimento por seis metros de largura, onde comportaria associados e
seus familiares.
A participação do alto escalão político paraense foi expressiva na inauguração,
comparecendo: Lauro Sodré, então governador do Pará, o Intendente de Belém, An-
tonino Sousa Castro, além dos presidentes da Federação Paraense de Sports Náuticos
(FPSN), Jair Albuquerque e Benjamin Sodré, presidente da Liga Paraense de Sports
Terrestres (LPST)1. A participação de agentes políticos dá uma aura de importância a
um evento, sobretudo em se tratando de um ambiente futebolístico que estava come-
çando no estado, todavia, é preciso entender por que dessa participação:
Logicamente que a princípio não se pensava numa participação dos senhores eli-
tistas somente como ‘’caçadores de votos’’ dos sujeitos mais humildes, mas como
partícipes do processo de demonstração de poder ao discurso de progresso e mo-
dernidade do final do século XIX e início do século XX. (GAUDÊNCIO, 2007, p. 126).

Nota-se, nesse trecho do historiador Itamar Gaudêncio, a importância da de-


monstração de poder por parte das figuras políticas em questão. É necessário se mos-
trar para as camadas populares perceberem sua imponência nesse processo. Adriano
de Freixo (2014) discute essa mesma abordagem quando apresenta uma situação em
que, no Campeonato Sul-Americano disputado em 1919, no Estádio das Laranjeiras
(Fluminense), faziam-se presentes, no confronto entre Brasil e Chile, o então presiden-
te do Brasil Delfim Moreira e seus ministros, que prestigiaram o espetáculo. O autor
problematiza a presença do presidente no jogo, assim como no início do esporte, em
que figuras políticas se fizeram presentes, extraindo da prática esportiva propagandas
para seu governo, organizações políticas, além de ser uma demonstração de poder,
mas também dando ao evento um ar de solenidade.
Trazendo para o centro do debate, a participação dessa camada da sociedade
evidencia a importância dessa inauguração para a população, para o cenário futebo-
lístico e para o clube. Era necessário ter a representação do poder por parte de quem
o detinha, pois mostrava a quem observava a representatividade dos poderes no âm-
bito regional e municipal, além de uma nova instituição organizadora das práticas de
esportes terrestres e aquáticos que estavam crescendo na região, de modo que abra-
çavam tanto a classe abastada quanto a popular, esta que, timidamente, já se fazia
presente, mas tendo maior popularização em meados de 1920 (GAUDÊNCIO, 2007).

1  Inauguração do campo do Remo, Jornal Folha do Norte. Disponível em: Hemeroteca Centur.

62
FUTEBÓIS DO NORTE

Para o cenário futebolístico, como já dito, foi importante porque a capital ga-
nhava mais um espaço exclusivo para a prática do esporte Bretão; e para o clube, por-
que tinha agora seu próprio espaço para sediar seus treinamentos e jogos.
Ademais, é importante compreender a representatividade do nome do estádio
para o torcedor do Clube do Remo. O estádio da Avenida Antônio Baena – rua em ho-
menagem ao presidente do senado do Brasil, Antônio Ladislau Monteiro Baena –, no
período da República Velha, não tinha nome oficial até meados de 1960 (CRUZ, 1970).
Em forma de homenagem, o estádio foi batizado com o nome de um jogador que
marcou o clube na década de 20: Evandro Melo de Almeida. Para entender o porquê
da escolha desse nome, devemos entender quem foi Evandro Melo de Almeida e por
que ele foi tão importante ao ponto de ter seu nome eternizado no estádio do Clube
do Remo.
O herói parte do mundo cotidiano e se aventura numa região de prodígios sobre-
naturais; ali encontra fabulosas forças e obtém uma vitória decisiva; o herói retorna
de sua misteriosa aventura com o poder de trazer benefícios aos seus semelhantes.
(CAMPBELL, 1949, p. 36).

Partindo dessa afirmação de Joseph Campbell, relacionando-a com o contexto


acima, percebe-se que a figura do herói nos esportes alcança um patamar grande na
sociedade. Tratando-se do futebol como algo grandioso no mundo, principalmente
no Brasil, Evandro Almeida conquistou feitos em uma época em que o futebol ainda
vivia uma fase amadora, chegando a defender a seleção do Pará no torneio nacional
de seleções2, além de conquistar seis campeonatos paraenses (1924, 1925, 1926, 1930,
1933, 1936) em quinze temporadas (1924-1940) jogando pelo Clube do Remo. Evandro
Almeida estava no fim de sua carreira quando o Remo enfrentou o Paysandu no está-
dio da Antônio Baena. O clube azulino fez uma grande partida e venceu o jogo por um
elástico placar de 5x1. O Jornal O Estado do Pará, no dia seguinte, trouxe uma crônica
sobre o jogador:
Fazemos uma referência especial a Evandro Almeida. Afastado definitivamente das
lutas, ele que sempre foi uma expressão de heroísmo e de amor ao seu Clube, revi-
veu o seu fulgor antigo, surgindo novamente na arena. Não esperava que o convo-
casse. Sentiu que a sua flâmula estava a reclamar-lhe o seu concurso para defendê-la.
E como quem foi rei é sempre majestade, Evandro esteve como sempre. Esteve um
azulino. (O ESTADO DO PARÁ, 1938, n.p.).

Essa citação está em consonância com a afirmação de Campbell (1949) sobre


a formação do herói, pois foi formado, conquistou tudo aquilo já citado, chegando
ao terceiro ato de sua carreira, olhando para todas aquelas conquistas que moldaram
o imaginário em torno de Evandro Almeida. Assim, ele virou herói, como afirma o
jornal, tornando-se um dos maiores nomes do futebol paraense. Após sua morte, em
2 O campeonato brasileiro de seleções foi uma competição disputada entre 1922 e 1987, reunindo os melhores jogadores de cada
estado em um torneio de seleções estaduais.

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PIONEIRISMO, DECLÍNIO E RECONSTRUÇÃO: BAENÃO AO LONGO DAS DÉCADAS (1917-
2019)

1960, o campo do Remo, que ainda não tinha nome oficial, foi batizado como Estádio
Evandro Almeida, dando, nesta ocasião, uma identidade para o estádio da Antônio
Baena, em referência ao maior ídolo do clube até então.
A identidade é realmente algo, formado ao longo do tempo, através de processos
inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento.
Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. (HALL, 2006, p.
42).

A identidade sempre está cercada por algo fantasioso ou se encontra no cam-


po da imaginação. Em relação ao estádio do Clube do Remo, seu nome faz alusão a
alguém que honrou a camisa do clube, deixando esse lugar com mais peso e repre-
sentatividade para o torcedor, visto que a identidade do estádio faz referência a quem
dedicou sua vida pelo Pará e pelo Remo. A identificação por figuras assim no esporte
é bem comum, uma vez que cerca o imaginário.
Para compreender melhor essa identificação e o gosto de ter o patrimônio azu-
lino com o nome de alguém que fez muito pelo clube, foi realizada uma entrevista
com torcedores, e uma resposta, em especial, chamou atenção: “sabendo da história
do Evandro Almeida, o nome do estádio ganha um significado maior, pois como você
disse, ele fez muito pelo nosso Leão” (R.V, 2021).
Além de dar nome ao palco onde o Remo sedia seus jogos, a memória de
Evandro Almeida ainda hoje é lembrada por meio de veículos de imprensa e por parte
da torcida do clube em que ele jogou. Na reportagem de Ferreira da Costa em O Libe-
ral, mostra-se quem foi o jogador, seus méritos, suas conquistas e todo o motivo para
esse imaginário que o cerca. Em uma postagem no Facebook de uma torcida organi-
zada do Clube do Remo (TOR), popularmente conhecida como Remoçada, exalta-se
o jogador e sua representatividade para um grupo de pessoas que torce para o clube.
Após a inauguração, em 1917, o campo do Remo passou 18 anos sem reformas,
mas, em 1935, devido ao estádio não conseguir mais comportar a torcida do clube, que
aumentava ano após ano, a diretoria azulina resolveu estender suas arquibancadas,
dando mais conforto e modernidade ao estádio remista.
Quem quer que hoje penetre o estádio remista, se há de extasiar, por sem dúvida,
com a transformação por que passou tudo lá é grandeza e esplendor, para mais or-
gulho da gente azulina, o mais importante detalhe não foi esquecido para a maior
imponência do conjunto. (O ESTADO DO PARÁ, 1935, n.p.).

Esse trecho da crônica escrita pelo jornalista Mac Donne, no Jornal O Estado
do Pará, em 26 de maio de 1935, mesmo dia da reinauguração do estádio, evidencia a
grandeza da obra e sua importância para o estado e o futebol paraense. Em um mo-
mento em que não existiam campeonatos nacionais de clubes, os títulos regionais eram
muito valorizados. Nesse contexto, o Remo se destaca como maior campeão paraense

64
FUTEBÓIS DO NORTE

até então, com doze títulos, fora os torneios de início do Pará3, em que o clube tinha
sete, por isso, sua representatividade no estado e no Norte do Brasil era grande.
A partir dos anos de 1920, a rivalidade entre a dupla Remo e Paysandu au-
mentou, devido aos seus encontros em fases decisivas dos campeonatos e pelas crôni-
cas jornalistas que, por adotar uma linguagem próxima do torcedor, incentivaram, de
maneira intuitiva, a lotar os estádios da Antônio Baena (Remo) e da Curuzu (Paysan-
du) (GAUDÊNCIO, 2016). Por essa razão, era necessário estruturar o campo do Remo
para atender à torcida. Em uma entrevista ao O Liberal, o historiador Orlando Ruffeil
descreve: “O Remo, conseguiu um patamar de torcida inimaginável e foi obrigado a
mexer na estrutura e levantar arquibancadas nos fundos”. Isso demonstra como essa
reforma foi importante, pois clube, estádio e torcida estavam crescendo juntos.
No dia da reabertura, um grande festival esportivo ocorreu e, como apogeu
máximo, pela parte da tarde, o jogo entre Remo e Paysandu aconteceu. Foi um con-
fronto muito difícil, com nove gols em uma só partida. A equipe Azul Celeste dificul-
tou o jogo, mas não conseguiu estragar com a festa da torcida azulina na reabertura do
estádio, e o Clube do Remo saiu vitorioso por um placar de 5x4.
Em 1940, mais um grande passo foi dado pelo Clube do Remo: a diretoria,
entendendo a importância do clube em sediar jogos à noite, resolveu dar mais um
passo com a colocação de refletores no estádio, novamente se tornando pioneiro no
estado nesse tipo de modernização. Em 1962, o estádio da Antônio Baena passou por
sua maior reforma até então. Segundo cronistas da época, o estádio supria todas as
exigências que eram estipuladas no momento, fazendo assim um dos estádios mais
modernos da Região Norte (CRUZ, 1969). Essas inaugurações, incluindo a inaugura-
ção do estádio em 1917, foram feitas em uma data especial para o Remo: 15 de agosto.
Essa data celebra uma memória coletiva, o dia em que o Remo se reorganizou.
A ação dos indivíduos na história do Clube do Remo sempre foi presente des-
de sua fundação, mas nos remetendo a essa data específica, tal reorganização é algo
muito celebrado, pelo fato de o clube ter saído de uma extinção em 1908 e ter sido
trazido de volta às atividades no ano de 1911. Essa mudança foi encabeçada por onze
pessoas descontentes com a perda da sede náutica do clube (situada no Largo da Sé, na
Cidade Velha, em Belém) devido a uma forte crise financeira, que, em 1908, pegaram
seus equipamentos e esconderam em um balcão situado às margens do rio. Foi então
que, em 1911, após o contrato entre a prefeitura e um estabelecimento comercial situa-
do na antiga sede náutica ter acabado, com condições de readquirir o imóvel, os onze
atletas azulinos4 remaram pela Baía do Guajará até a antiga sede, instituindo o dia da
reorganização do Clube do Remo (CRUZ, 1969).
3  Competição que abria o calendário oficial do futebol paraense.
4  Oscar Saltão, Antonico Silva, Rubilar, Jaime Lima, Cândido Jucá, Harley e Nertan Collet, Severino Poggy, Mário Araújo,

65
PIONEIRISMO, DECLÍNIO E RECONSTRUÇÃO: BAENÃO AO LONGO DAS DÉCADAS (1917-
2019)

Atualmente, a memória sobre esse acontecimento ainda cerca o imaginário do


torcedor azulino, por isso, em uma conversa feita com alguns torcedores do Clube do
Remo, houve resposta específica que chamou atenção: “Eu não sabia muito bem dessa
história da reorganização, mas, ‘cara’, muito lindo, né? Foram os remistas que não de-
sistiram do Remo, até me arrepia” (C.F, 2021).
Voltando ao início do tópico, a escolha da data foi proposital para reforçar a
memória da reorganização. Eventos tão importantes e pioneiros ganham ainda mais
força e representatividade por acontecer nessa data significativa para esse grupo, va-
lidando esses acontecimentos marcantes no cenário do futebol paraense. Além disso,
o elemento aglutinador (Clube do Remo) foi a motivação para a ação de pessoas que
têm o clube como um ideal e parte importante para sua vida, desde a fundação até os
dias de hoje, situação que será analisada mais à frente.
Após esse período em que o já estádio Evandro Almeida foi protagonista no
estado do Pará, nos anos 2000, uma fase muito difícil, com instabilidade política, mau
desempenho do time de futebol e gestões complexas, cercou o lugar, que teve seu apo-
geu máximo em uma quase venda em 2010. Com a eliminação do clube na Série D do
Campeonato Brasileiro, o Remo caiu de vez em uma grande crise econômica.
Segundo o Jornal Diário do Pará, de 14 de setembro de 2010, o estádio Evandro
Almeida estava avaliado em 33 milhões de reais e já tinha até comprador, as empre-
sas Agre e Leal Moreira. Para facilitar a venda, o então presidente do Clube do Remo
removeu o escudo da fachada do estádio à beira da Avenida Almirante Barroso. Essa
atitude revoltou alguns dirigentes e a torcida. Isso não se limita apenas à questão polí-
tica, mas também fere um lugar de memória importante para a cidade e os torcedores.
É possível perceber que, ao tratar dos estádios de futebol não se pode deixar de lado
a sua ocupação por aqueles interessados no jogo de bola e como isso é alimento para
a memória coletiva. Por meio do imaginário, da vivência pautada no ritual e o en-
volvimento em uma atmosfera de interesse comum. (MELO; DUARTE, 2016, p. 4).

Partindo dessa afirmação, a venda desse espaço iria ferir a memória coletiva
do grupo de torcedores com uma relação de identificação com o espaço. Trata-se de
um lugar repleto de representações, vivências e histórias tanto individuais quanto co-
letivas. Ademais, a venda fere a memória do futebol paraense, pois perde um dos seus
principais lugares de referência da história do futebol no Pará, que ajuda a contar não
só a história do Clube do Remo, mas a história desse esporte tão importante e cultural
que cerca a cidade de imaginário e lembranças.
Ainda sobre essa quase venda, ela quase foi deferida devido ao clube está
devendo à Justiça do Trabalho. O contexto do clube era o pior possível e, segundo o

Palmério Pinto e Elzeman Magalhães, conhecidos como “Cordão dos Onze”.

66
FUTEBÓIS DO NORTE

ex-presidente do clube Amaro Klautau, a venda iria ser um passo crucial para o futuro
do clube:
Todas as dívidas do Remo serão pagas na esfera trabalhista e até na área cível. Va-
mos ver o Remo saneado, não na minha gestão, mas na frente, já que esse proces-
so demora uns dois anos. Existem funcionários com mais de 30 meses de salários
atrasados, mas, com a homologação da venda do Baenão, essas pessoas farão uma
negociação para o bem do Remo. Estarei trabalhando no final deste meu mandato e
espero que a transição para o novo presidente seja de paz. (DOL, 2010, on-line).

Na questão financeira, os números, mesmo que baixos, segundo a oposição


que não queria a venda do estádio, ajudariam o clube, mas perderia, principalmente,
na questão patrimonial e no quesito lugar de memória, como mencionado. Mesmo
com a criação de uma arena moderna no bairro do Aurá (hoje Anita Gerosa) em Ana-
nindeua (DOL, 2010), o clube iria perder seu maior patrimônio desde 1917, por um
preço muito abaixo do teto imobiliário de Belém (DOL, 2010).
O Clube do Remo passava por uma grande crise financeira, jogadores que ha-
viam vestido a camisa do clube em anos anteriores o colocaram na justiça, resultando
em uma dívida trabalhista que beirava os 10 milhões de reais. Além disso, com o não
pagamento dos acordos trabalhistas, o clube ainda teve um bloqueio de outros 10 mi-
lhões de reais vindos de patrocínios. Isso demonstra o clima desfavorável para uma
grandiosa obra. Mesmo com uma parceria com a empresa multinacional AMBEV, a
administração do clube estava instável pelas questões trabalhistas já citadas e não ha-
via calendário, ou seja, não havia competição no segundo semestre para disputar. Em
consequência disso, não tinha sua maior fonte renda: a torcida.
Diferente das outras reformas citadas neste artigo, o “Novo Baenão”, nome
dado à obra, veio em um momento em que a instituição não tinha condições para
prosseguir, tendo em vista toda a situação descrita acima. Entendendo o contexto no
qual a obra foi apresentada, é possível que uma atitude um tanto quanto emocional e
carregada de paixão tenha sido tomada por quem validou a obra.
Há um segundo problema: a mistura da paixão com a razão. Acredito que a paixão
no futebol é o coração do esporte, mas ela tem que permanecer dentro de campo. A
gestão precisa ser feita com razão. E é muito difícil fazer essa separação. Os clubes
precisam ser administrados como empresas, em que não se pode gastar mais do que
se recebe.5

A fala acima do economista Antônio Carlos Kfouri Aidar resume bem o que
aconteceu porventura para o clube entrar nessa ousada empreitada – de reformar o
estádio, transformando-o em uma arena moderna aos moldes dos estádios do eixo Sul
–, visto que a instituição passava por uma das suas maiores crises. Pode-se pressupor
que a paixão dos dirigentes falou mais alto, pois racionalmente não era o momento.

5  Entrevista concedida por Antônio Carlos Kfouri Aidar à Revista de Administração de Empresas (RAE).

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PIONEIRISMO, DECLÍNIO E RECONSTRUÇÃO: BAENÃO AO LONGO DAS DÉCADAS (1917-
2019)

Após analisar todo o contexto em que a obra iria acontecer, entende-se o por-
quê não foi concluída, mas vale ressaltar que duas propostas da obra foram finaliza-
das: colocação de um gramado novo e a instalação de Blindex no lugar dos antigos
alambrados de metal. O Remo estreou no estádio “semiacabado” de maneira oficial
em maio de 2014, com uma vitória em cima do Independente Tucuruí por 4x0 na semi-
final do segundo turno do Campeonato Paraense. No entanto, devido a não reeleição
do presidente que encabeçou a obra e à forte crise que o clube passava, a obra precisou
ser paralisada e, consequentemente, fez o estádio ficar abandonado, estando inapto a
receber jogos oficiais, perdendo assim sua principal função.
Segundo Pierre Nora (1993, p. 21), “mesmo um lugar de aparência puramente
material, como um depósito de arquivo, só é lugar de memória se a imaginação, o in-
veste de uma aura simbólica”. Entende-se o Baenão como um lugar simbólico para a
cidade de Belém, para o futebol paraense e para os torcedores do Clube do Remo. Essa
localidade não poderia ficar inativa, por isso, a ação dos indivíduos se deu e foi mui-
to importante para trazê-lo novamente à normalidade. Cumpre ressaltar a motivação
desses indivíduos, além do elemento aglutinador Clube do Remo, o que mais moveu
essas pessoas a ajudar a trazer o estádio Evandro Almeida de volta a receber jogos.
Em 2015, com as obras paradas, um grupo de torcedores que faziam parte de
um movimento denominado “Revolução azul”, insatisfeitos com o estado da praça
esportiva da Antônio Baena, mobilizaram-se para tentar revitalizar as arquibancadas
do estádio, fazendo uma espécie de “vaquinha” virtual (GLOBO ESPORTE, 2015). Em
uma entrevista realizada em 2021 com uma das organizadoras do movimento na épo-
ca, Aline Porto, hoje atual diretora de patrimônio do Clube do Remo, relata-se que,
mesmo com a ajuda da torcida, não foi o suficiente para ser reaberto, pois havia muitas
coisas para o estádio se enquadrar no estatuto do torcedor e ser liberado.
Percebe-se que, com apenas um ano de interdição, aconteceu uma ação para
a tentativa de reabertura do estádio. Isso evidencia o peso que um local representa
para um determinado grupo. É claro que o quesito financeiro interfere muito: o Remo
vivia forte crise financeira e pagava para sediar seus jogos no Mangueirão, sendo que,
ao longo das décadas, teve seu estádio apto e não pagava para jogar. Entretanto, a
questão do lugar de memória tem peso também como o quesito financeiro e, decerto,
carrega sentimento, lembranças, ações, rituais de um grupo.
Ainda na entrevista com a diretora de patrimônio, fala-se: “o Baenão é refe-
rência, é a nossa casa”. Para Pierre Nora (1993, p. 21 apud ANDRADE, 2008, p. 2), “são
lugares, com efeito, nos três sentidos da palavra, material, simbólico, funcional [...]”.
Assim, tal citação fundamenta o termo “casa”, que a entrevistada acima cita, visto que,

68
FUTEBÓIS DO NORTE

quando esse termo é empregado, o lugar transparece ser um ambiente íntimo, confor-
tável e, principalmente, simbólico para quem diz.
Na citação acima, o simbolismo do campo está em escala individual e coletiva,
porque, além de ser um ambiente funcional para o futebol paraense e para as pessoas
que lá frequentam, também é simbólico por carregar mais de cem anos de história do
esporte Bretão no Pará, cercando o imaginário do torcedor azulino e não azulino de
histórias, experiências e emoções, sentidas ao longo dos anos no Evandro Almeida.
Desse modo, o acúmulo de memórias de uma localidade, somadas, constrói um lugar
de memória (GASTAL, 2002).
Em 2015, o estádio já estava fadado a não receber jogos no ano seguinte. Se-
gundo o engenheiro responsável pela localidade, Paulo César Alves, havia muita coisa
a ser feita. Isso levaria tempo, logo, o Baenão só iria ser usado para treinos, e a previsão
era que o retorno ocorresse em 2017, ano do seu centenário (GLOBO ESPORTE, 2015).
Fazendo referência aos tempos passados, uma das principais funcionalidades
do lugar, desde sua fundação, era o treino. O Clube do Remo só teve seu primeiro cen-
tro de treinamento em 2021, até então, os treinos eram feitos no Baenão, entretanto, sua
principal função é sediar jogos, logo, conforme afirmação do engenheiro Evandro Al-
meida, além de ficar mais um ano de portas fechadas, começou de fato na sua pior fase,
convivendo com constantes intervenções e estruturalmente deteriorado. Portanto, ele
ficou inapto a receber jogos por cinco anos, com seu retorno determinado pela ação
dos torcedores, os maiores responsáveis pela volta do Baenão a competições oficiais.
Em 2017, o estádio se encontrava interditado e não recebia jogos oficiais desde
2014, e, nesse ano, faria 100 de inauguração. Em meados de maio, outro projeto im-
portantíssimo foi criado, organizado e posto em prática, o Projeto Retorno do Rei ao
Baenão, criado por torcedores que buscavam trazer de volta o estádio à ativa.
Em uma entrevista ao Programa GE na rede do grupo Liberal, um dos organi-
zadores do projeto e diretor de marketing, Luiz Rezende, relata que o projeto era idea-
lizado pela torcida e com recursos da torcida6. Essa fala resume a premissa da obra,
entendendo que o clube ainda vivia uma instabilidade financeira, não tendo recursos o
suficiente para prosseguir. Torcedores, motivados pela representação que o Clube do
Remo tem em suas vidas, encabeçaram a obra, tendo o aval da diretoria que adminis-
trava a instituição, prosseguindo para, futuramente, reabrir o lugar de memória.
Na entrevista, o diretor também fala sobre uma ação de marketing para anga-
riar fundos para as obras. Seria um grande evento no dia do aniversário de 100 anos do
Evandro Almeida, que contaria com um jogo comemorativo no estádio. Os torcedores
6  REMO DESDE 1905. GE na Rede (07/08) sobre o Projeto Retorno do Rei ao Baenão. Youtube, 2017. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=SGlgshiSz-M. Acesso em: 10 nov. 2021

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PIONEIRISMO, DECLÍNIO E RECONSTRUÇÃO: BAENÃO AO LONGO DAS DÉCADAS (1917-
2019)

que comprarem um kit por 200 reais, contendo camisa personalizada e shorts, iriam ter
a oportunidade de jogar no Baenão ao lado de jogadores como Agnaldo “Seu Boneco”,
líder do esquadrão cabano, que marcou o clube nos anos 80, Zé Raimundo, intitula-
do pelos torcedores como O Talismã, entre outros que marcaram a história do clube
(PÊNA; MULLER, 2017). Esse evento foi denominado “Jogo com seu ídolo”.
Exatamente por esta capacidade de conversão e atualização é que a memória é vista
como importante elemento para o entendimento do passado e como peça funda-
mental para o estabelecimento de interesses do presente e oportunidades futuras
nas organizações (BERTHON; PITT EWING, 2001; GONGWARE, 2010; ANTEBY;
MOLNAR, 2012). (GRANJA, 2015, p. 33).

O autor aborda a memória como elemento de interesse no presente. Isso faz


associação com a venda desse jogo comemorativo. Tal tática foi interessante por tra-
zer uma vontade que a maioria dos amantes de futebol tem: pisar no gramado do seu
clube de coração e jogar ao lado de ídolos7 que fazem parte de uma memória deles e
do estádio. Nesse contexto, a junção da necessidade por recursos com a exaltação dos
ídolos de um grupo aparado pela memória foi uma investida que deu certo, um dos
trunfos da ação dos torcedores, que, com transparência, comprometimento e apoio da
torcida do Remo, conseguiu colher o principal resultado: reabertura do estádio.
Contudo, para compreender melhor essa participação quase que completa do
torcedor a um propósito, temos que entender o porquê de esse lugar estar na memória
de um determinado grupo, pois, para a cidade e o esporte, já entendemos os moti-
vos nas páginas anteriores. Para tanto, entrevistas foram realizadas com torcedores do
Clube do Remo, a fim de compreender as motivações que os fizeram apoiar e ajudar o
projeto para o retorno do estádio Evandro Almeida.
Buscando saber sobre essas motivações, a memória familiar que o estádio car-
rega é fator muito presente. No vídeo do Youtuber citado acima, um entrevistado está
com seu filho no evento e diz: “é de pai pra filho isso aí, Remo e Remo, é sangue, é fa-
mília e vamo pra cima, rumo ao Baenão pronto pra gente voltar pra casa”. Retomando
a ideia de simbolismo e relacionando com a fala do entrevistado, que associa família
ao Remo e à volta do estádio, dando à localidade um simbolismo familiar, é uma ins-
tituição e um lugar, frases que dialogam com a bibliografia sobre memória e lugar de
memória.
Em outra entrevista, realizada em 2021, uma entrevistada fala a respeito dos
jogos que ia com seu pai: “meu pai amava ir no Baenão e, de repente, não tínhamos
mais nosso estádio”. Nessa frase, percebemos o apego e a relação familiar que o estádio
desperta na pessoa. No que tange à memória familiar, Cynthia Andrade (2008) afirma
que um espaço cercado de sentimento e pertinência se torna lugar. Nesse sentido, em
7  Jogadores históricos do Clube do Remo, que fizeram parte dos considerados anos de ouro do clube (década de 90) e do elenco
campeão paraense com 100% de aproveitamento em 2004.

70
FUTEBÓIS DO NORTE

relação ao relato acima, mostra-se o sentimentalismo por uma memória familiar, dan-
do assim um peso maior à reativação do Baenão. Com essa carga de sentimentalismo,
um ambiente não pode simplesmente perder sua funcionalidade, pois implica ferir um
lugar de memória dos indivíduos.
Nossos corpos e movimentos estão em constante interação com o ambiente; o mundo
e a individualidade humana se redefinem um ao outro constantemente. A percepção
do corpo e a imagem do mundo se tornam uma experiência existencial contínua;
não há corpo separado de seu domicílio no espaço, não há espaço desvinculado da
imagem inconsciente de nossa identidade pessoal perceptiva. (PALLASMAA, 2001
apud ALMEIDA, 2019, p. 24).

Experiências relacionadas aos sentidos humanos – tato, olfato, visão, paladar


e audição – se fizeram presentes nas entrevistas. Analisando a citação acima, nota-se
que, além de uma memória de lembrança, em âmbito corporal, a memória também se
faz presente na localidade, como iremos ver nos relatos abaixo.
Quatro frases de quatro fontes diferentes colhidas nas entrevistas, em 2021,
dialogam com essa ideia levantada acima. A fonte F.T fala que sentia falta de ver o Bae-
não lotado novamente; a fonte F.P diz que “era uma tristeza ver a situação, que estava
um abandono total”; a fonte L.G relata que sentiu falta de tomar uma cerveja assistindo
ao jogo do Remo no Baenão; e a fonte B.N de escutar a torcida cantar empurrando o
time. Por conseguinte, entende-se que o Estádio Baenão é um lugar de características
únicas e particulares (NORBERT-SCHULZ, 1979 apud ALMEIDA, 2019, p. 18) para
um grupo de pessoas. Com sua interdição, elas sentiram falta dessas memórias senso-
riais presentes na localidade ao longo dos anos, agregando na construção da identida-
de do estádio.
Após diversas ações do projeto para angariação de fundos, o Estádio Evandro
Almeida retornou em 2019. O contexto do Clube do Remo era outro em comparação
aos anos anteriores, vinha passando por uma fase de reestruturação e reorganização.
Com a eleição do presidente Fábio Bentes, uma das suas principais metas era ajudar
o Projeto Retorno do Rei com a reabertura do Baenão. Para Fábio, em uma entrevista
para o Youtuber Victor Winchester, se não fosse a ajuda do torcedor, o Baenão não
estaria nem próximo de reabrir8. O então candidato à presidência do Remo com essa
afirmação reforça a importância da torcida azulina nessa volta para casa.
No primeiro semestre de sua gestão, uma jogada ousada entrou em ação: foi
feita a venda de vouchers que continham copo, camisa e ingresso para a reabertura do
estádio. Contudo, não havia um jogo específico, se especulava que seria contra a equi-
pe do Juventude, mas acabou sendo contra a equipe da Luverdense9 devido à questão

8 MUDAREMOS. Fábio Bentes fala sobre o Baenão. Facebook, 07 nov. 2018. Disponível em: https://da-dk.facebook.com/
mudaremos1905/videos/f%C3%A1bio-bentes-fala-sobre-obaen%C3%A3o/189238668620051/. Acesso em: 20 nov. 2021
9  CLUBE DO REMO. Clube do Remo inicia venda de ingressos para reabertura do Baenão. 02 maio 2019. Disponível em: http://
www.clubedoremo.com.br/ler-noticia.php?id=914. Acesso em: 20 nov. 2021.

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PIONEIRISMO, DECLÍNIO E RECONSTRUÇÃO: BAENÃO AO LONGO DAS DÉCADAS (1917-
2019)

de laudos que o estádio precisava. Em 2 de maio de 2019, começaram as vendas, com


o valor do ingresso destinado ao Projeto Retorno do Rei para a finalização das obras.
No mesmo mês, os ingressos se encontravam esgotados. Essa ação reforça a problemá-
tica levantada neste artigo, notando-se o empenho da torcida em ajudar comprando
ingressos para um jogo incerto, mas com esperança que seria a reabertura do estádio.
Em 13 de julho de 2019, aconteceu o retorno que os torcedores azulinos mais
sonhavam até então: voltar a jogar no seu estádio. Foi um momento cheio de emoção,
homenagem e memória. Antes do jogo, jogadores que marcaram o clube e torcedores
símbolos dessa volta foram homenageados, tais como: goleiro Adriano “o Paredão”,
Mesquita, Agnaldo “Seu Boneco”, Marquinhos Belém, Landu, entre outros que se fi-
zeram presentes no jogo, recebendo o carinho da torcida. Esses atletas cercam o imagi-
nário do torcedor e do Baenão, pois, além de suas qualidades técnicas, têm a questão
da identificação com o clube.
Outra situação enfática nesse dia foi a homenagem feita ao torcedor João da
Luz, que entrou com os antigos jogadores. O senhor de 63 anos, no começo do Projeto
Retorno do Rei, levou de bicicleta, do bairro da Marambaia até o Baenão, uma saca de
cimento, visando ajudar o projeto. Em entrevista para o Jornal O Liberal, João da Luz
relata:
Eu tomei conhecimento através da televisão que estavam arrecadando doações para
ajudar na reconstrução do Baenão. Foi então que eu fiquei pensando em ajudar de
alguma forma, mas não tinha condições. Eu queria fazer parte dessa reforma. Foi en-
tão que juntei um dinheiro e decidi comprar um saco de cimento. Coloquei na minha
bicicleta e fui empurrando até o Baenão, já que era muito pesado e eu não conseguia
pedalar. Desde então incentivo outras pessoas a doar, nem que seja um pouco. (O
LIBERAL, 2019, n.p.).

Nessa entrevista, o torcedor fala sobre as lembranças que o estádio desperta


nele: “será um dia especial para todos nós que torcemos pelo Remo. O Baenão me traz
à memória lembranças de quando vi Alcino, Bira, Dadinho jogando”. Essas duas afir-
mações do torcedor dialogam com a problemática trabalhada neste trabalho. Levar o
cimento, apesar de não ter condições físicas e financeiras de doar, reforça a ação dos
indivíduos como principal força para a volta do estádio, visto que, mesmo com as
dificuldades, o senhor não mediu esforços para ajudar o lugar que traz memórias e
lembranças de grandes jogadores que pisaram no estádio do Baenão.
Após as homenagens, o jogo começou às 15:30min da tarde, horário não muito
comum para a prática esportiva atualmente. Esse horário foi escolhido porque o está-
dio ainda não possuía refletores, retirados para as obras de 2013. Isso antagoniza com
o pioneirismo já citado e evidencia a situação precária em que o estádio se encontrava
até a ação dos torcedores. A partida foi bem tensa, tendo a equipe do Luverdense sain-

72
FUTEBÓIS DO NORTE

do na frente por dois gols. Na segunda etapa, o Remo conseguiu buscar o empate, com
o jogo terminando em 2x2.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cumpre reiterar a representatividade do Baenão para a capital paraense, pois


ele foi pioneiro em diversas questões na história da cidade. A participação de agentes
políticos na inauguração do local valida e dá ênfase à sua relevância. Não é em qual-
quer inauguração que se fazem presentes o governador, o prefeito, entre outras figuras
públicas no evento. Assim entendendo, percebe-se a representatividade do espaço.
Ainda a respeito da representatividade, mais precisamente acerca dos agentes
esportivos, entende-se que a importância de uma pessoa que fez muito pelo clube ex-
terna empatia de quem acompanhou e cerca o imaginário, bem como nutre a memória
de pessoas que nem sequer viveram ou viram Evandro Almeida, mas o tem como
exemplo de amor ao clube.
Trata-se de um estádio que, ao longo dos anos, figurou como um dos mais mo-
dernos e notáveis do estado. Por gestões instáveis e crise financeira, tornou-se um local
inapto a receber jogos, logo, no futebol, é indispensável uma administração esportiva
que organize o clube, não deixando o seu patrimônio chegar ao ponto que chegou,
sempre elevando a razão ao invés da paixão. Em 2019, com uma gestão que tinha ou-
tra proposta de administração, conseguiu a volta do estádio, mas com o protagonismo
total do torcedor, que, com sua força e empenho, trouxe a localidade de volta.
Este artigo congrega contribuições para o campo acadêmico, pois é mais uma
fonte historiográfica sobre o futebol no Pará, um tema que ainda está engatinhando no
cenário paraense. A formulação de pesquisas com essa temática é relevante até mesmo
para a sociedade paraense. Como o futebol é forte e vivo na capital, faz-se necessário
proporcionar meios para se conhecer um espaço em que o futebol do estado se desen-
volveu ao longo das décadas.
O que se pode extrair desta pesquisa é que um espaço pode armazenar di-
versas memórias e particularidades, tanto individual quanto coletivamente. Ademais,
esse espaço pode ter caído no marasmo por situações políticas e financeiras, eviden-
ciando o valor da razão no futebol. Constata-se que a atuação dos torcedores que não
deixaram o espaço continuar no marasmo que se encontrava foi fundamental para a
volta do Clube do Remo ao seu estádio em 2019, motivada pelo amor ao clube, mas
também pela memória que o estádio desperta nos torcedores.
Esse debate acerca da importância de pessoas em prol de um ideal é muito
interessante, pois houve a manutenção de um lugar de memória significativo para si.

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PIONEIRISMO, DECLÍNIO E RECONSTRUÇÃO: BAENÃO AO LONGO DAS DÉCADAS (1917-
2019)

Coletiva e individualmente, a memória é percebida neste trabalho. Por meio de fontes


orais, nota-se o apego do torcedor por aquele local e toda a colocação de energia, tem-
po e dinheiro para trazer um espaço de volta à normalidade.
A falta de historiografias específicas sobre o Baenão dificultou a formulação
deste artigo. Uma pesquisa bem feita e direcionada com uma boa orientação conseguiu
suprir essa deficiência, porém, é notório que haja mais trabalhos que abordem o tema
futebol nas academias para dar mais suporte a futuras pesquisas. Conclui-se, assim,
que a história oral, junto de fontes escritas, comprova todo o desenrolar do Baenão, sua
imponência que ficou adormecida devido à sua deterioração, causando um sentimen-
to de vazio e alimentando a vontade de fazer algo para que essa situação revertesse.

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75
CAPÍTULO 5

BALL CAT’S E SUA TRAJETÓRIA NO


FUTEBOL DO NORTE DO BRASIL

Wagner Xavier de Camargo1


Flávio Cavalcanti Pinto do Amaral2

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.5

1  Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Programa de Pós-Graduação em Antropologia social, São Carlos, São Paulo,
Brasil.
2  Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
BALL CAT’S E SUA TRAJETÓRIA NO FUTEBOL DO NORTE DO BRASIL

RESUMO

A partir de narrativas e investigações científicas que situam manifestações


alternativas dentro das expressões futebolísticas nacionais, este texto
teve como propósito enfocar a trajetória do Ball Cat’s, uma equipe criada em 2014, e
seu engajamento de gênero para dentro do campo esportivo dos múltiplos futebóis no
Brasil. Os objetivos desse texto foram de lançar luz sobre fatos históricos relativos a tal
equipe, os quais fazem parte de uma narrativa maior da história futebolística regional,
e de destacar a potente proposta do time para um futebol generificado.

Palavras-chave: Ball Cat’s; futebol LGBT; Norte brasileiro

1 INTRODUÇÃO

1.1 Entendendo as questões de gênero nos múltiplos futebóis

Em anos recentes, uma pluralidade de grupos de homens gays (mas não ape-
nas) tem multiplicado as possibilidades de praticar o futebol em suas diversas for-
mas pelo território brasileiro. As equipes com nomes peculiares e regionalizados, que
têm surgido em grande número nos últimos tempos, ampliam a famosa sigla LGBT
e propõem formas de luta contra os preconceitos ao ressignificar as discussões sobre
gêneros e sexualidades no campo esportivo. Elas são representativas do chamado, e já
popular, “futebol LGBT”, visto que abarcam cada vez mais expressões de gênero re-
presentativas da sigla LGBTQIAPN+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais,
transgêneros, queer, intersexos, agêneros, pansexuais, neutros e demais) (CAMARGO,
2021a).
O futebol society (ou fut7) foi eleito modalidade representativa desse conjunto
de pessoas, as quais ostentam um indigesto histórico de exclusão no mundo futebo-
lístico, ou mesmo em outros esportes convencionais, desde suas tenras infâncias. O
sucesso da prática se dá pelo acesso aos lugares de locação, isto é, quadras distribuídas
pelas médias e grandes cidades brasileiras, onde basta uma vaquinha entre amigos
para dividir o aluguel de algumas horas durante a semana. Desse modo, esses grupos
esportivos têm se proliferado por todas as partes.
O que nos interessa aqui participa de um fenômeno maior dentro da noção
de “futebóis”, no plural, cunhada por Damo (2007). Segundo tal antropólogo, com a
demanda por espaço e a diversidade política em questão, “o uso da noção de futebóis
foi, portanto, uma estratégia para afirmar a diversidade, e ao mesmo tempo, demarcar
a diferença entre a discursividade midiática e a nossa [antropológica]” (DAMO, 2018,

78
FUTEBÓIS DO NORTE

p. 45). Podem ser chamados de “múltiplos futebóis”, ressemantização explicada por


Camargo (2021a, p. 3),
Como resultado da impostação contra manifestações LGBTfóbicas (homofobia, les-
bofobia, bifobia, transfobia) do meio esportivo, surgiram, nos últimos anos, grupos
que inauguraram ‘múltiplos futebóis’, expressões que interseccionalizam distintos
marcadores sociais como classe social, etnia, geração, performance de jogo e, sobre-
tudo, sexualidade/gênero.

Portanto, é no contexto desses “múltiplos futebóis”, praticados por atletas


amadores (geralmente homens cisgênero, mas também mulheres cisgênero e, aos pou-
cos, homens e mulheres transgênero), que trazemos aqui uma equipe da região Norte
do país, Ball Cat’s, e sua importante trajetória no contexto local.
Oriundo do seio do futebol indígena e de um formato regional próprio, o Ball
Cat’s inaugura um modo peculiar de se distanciar de uma prática hegemônica do jo-
gar futebol, aproximando-se de outras referências (como do Campeonato de Peladas
do Amazonas, o popular Peladão), mas também redimensionando o jogar e o torcer a
partir da estética homossexual, característica de seus membros.
A proposta é mapear seu contexto de surgimento, por meio da passagem por
alguns fatos sintomáticos e por pessoas que ajudaram a dar forma à equipe. Para tanto,
resgataremos produções bibliográficas e também jornalísticas acerca deste futebol par-
ticular jogado no Norte do Brasil. Além disso, traremos posicionamentos de três en-
trevistas com pessoas que participaram deste processo: o jornalista Leanderson Lima,
o diretor de autoescola, fundador, presidente e jogador do time, Pedro Leocádio Neto
Júnior, e a modelo Stephany Vilaça.
O artigo se subdivide, então, em três partes: a primeira propõe-se a mostrar o
cenário da competição futebolística do Peladão e a emergência da Copa Gay de Fute-
bol, contextos do surgimento do Ball Cat’s; a segunda abordará a criação dessa equipe
e seus propósitos; a terceira e última parte se encarregará de situar o Ball Cat’s dentro
de um contexto maior de proliferação dos “múltiplos futebóis”, numa perspectiva de
dimensões de gênero que vão se abrindo para inserção de diversos e politizados gru-
pos de prática futebolística.

DO PELADÃO À COPA GAY DE FUTEBOL

Muitos atribuem à pelada a informalidade do futebol por essência. Costumei-


ramente, é o momento em que se reúnem amigos/as, vizinhos/as ou colegas de tra-
balho, eventualmente num churrasco ou confraternização, ou ainda em mesas de bar,
com a tradicional resenha. Ela é parte da programação de pessoas jovens e adultas por

79
BALL CAT’S E SUA TRAJETÓRIA NO FUTEBOL DO NORTE DO BRASIL

todo o país e movimenta clubes e espaços de locação de campos e quadras durante


toda a semana, provocando verdadeira efervescência social aos sábados e domingos.
Em Manaus, essa informalidade ganha contornos profissionais no Campeona-
to de Peladas do Amazonas. O nome popular do evento – Peladão – conserva os traços
do coloquialismo, que, no entanto, param por aí. O torneio amador, que acontece há
mais de 40 anos, adquire uma oficialidade chancelada, sobretudo, por sua capilaridade
social e pela cobertura midiática que recebe, atraindo os olhares de milhares de pes-
soas durante meses (SOUZA, 2017; CHIQUETTO, 2014a).
Conforme o antropólogo Rodrigo Chiquetto resume a partir de sua etnografia
realizada no contexto futebolístico da capital manauara:
O Peladão é considerado o maior campeonato de futebol de várzea do Brasil. É es-
truturado em seis categorias (Masculino, Máster, Infantil, Feminino, Indígena Mas-
culino e Indígena Feminino), um concurso de beleza da rainha do Peladão (cada
equipe do masculino deve apresentar uma representante) e dois campeonatos para-
lelos (de equipes de cidades do interior do Amazonas e das equipes com as rainhas
melhor classificadas). Conta com cerca de 20.000 inscritos por edição, que jogam em
campos de futebol espalhados por toda a cidade no segundo semestre de cada ano
(CHIQUETTO, 2014b, p. 11).

Enquanto atletas que passaram pelo funil do futebol profissional disputam o


título do Campeonato Amazonense vestindo a camisa de clubes como Manaus, Pe-
narol e São Raimundo, multidões de anônimos surgidos de campos da periferia, das
fábricas e de comunidades ribeirinhas entram em campo trajando cores de times for-
mados em seu bairro, comunidade ou mesmo na aldeia em que vivem – no caso dos
inscritos na categoria indígena, criada em 2005 – e passam por momentos de projeção
pública, podendo se tornar um herói local. Ainda segundo Chiquetto (2014b, p. 5),
até 2008 o Peladão Indígena contava com um regimento próprio, com regras espe-
ciais e ficha de inscrição própria. A partir de 2009 o campeonato indígena foi inte-
gralmente assimilado pelo Peladão, o que significa que seu livro de regras e sua ficha
de inscrição passaram a ser os mesmos de todas as outras categorias.

Tudo isso sob olhares atentos de familiares, colegas, amigos/as e jornalistas,


como afirma Leanderson Lima, jornalista esportivo, comentarista da TV A Crítica e re-
pórter na agência Amazônia Real. Para ele, que foi editor do caderno do Peladão entre
2016 e 2018, mas acompanha o evento desde 2009,
No Peladão, o jogador tem contato com a carreira de futebol sem precisar passar
pelas obrigações e cuidados de um atleta profissional. Por exemplo, terminando um
jogo com vitória, tem a chamada ‘barca’, que são as baladas e festas para comemorar
o resultado. Ele vive dentro de um universo particular, com as negociações, o mer-
cado da bola dentro do Peladão. (LIMA, E1, 2021, s/p.).

Durante as coberturas para o impresso, o qual trazia um caderno especial so-


bre o evento, Leanderson visitava bairros para matérias que abordavam diferentes

80
FUTEBÓIS DO NORTE

equipes e seus atletas, apresentando histórias e informações que mobilizavam o inte-


resse de toda a redondeza. A comunidade parava para receber a equipe jornalística,
como nos conta:
Chegando ao bairro, o pessoal enlouquecia com a nossa presença, faziam de tudo
para nos agradar para podermos falar sobre a comunidade e o time local. Era ex-
traordinária a reação quando as pessoas se viam no jornal, com sua história contada.
Quando rolava transmissão na TV era o ápice do interesse. (LIMA, E1, 2021, s/p.).

O envolvimento da sociedade em torno do Peladão, constatado também por


Chiquetto (2014a), supera, inclusive, a atenção dada pela população ao futebol pro-
fissional da região. Leanderson compara seu alcance de público para explicitar essa
distinção: “comento futebol profissional desde 2014, e isso não me fez ser conhecido.
Quando passei a comentar o Peladão, passei a ser reconhecido nas ruas. Esse evento é
poderoso porque mexe com as comunidades, os bairros” (LIMA, E1, 2021, s/p.). Para
se ter uma ideia da vultuosidade do torneio, basta se ater aos números trazidos na pes-
quisa etnográfica citada. Segundo Chiquetto (2014a, p. 20), o Peladão de 2012:
(...) contou com 24.904 jogadores inscritos em 1.772 equipes do interior e da capital.
Para os que jogaram em Manaus, a coordenação disponibilizou 57 campos de fute-
bol. Foram realizados 2.590 jogos, marcados 9.028 gols, distribuídos 6.226 cartões
amarelos e 724 cartões vermelhos. A comissão disciplinar do torneio se reuniu 6
vezes durante seus cinco meses de duração, incluiu 65 participantes no Livro Negro
e baixou um total de 70 atos disciplinares.

Além de reunir pessoas que comparecem aos jogos para torcer por familiares
e colegas, o apelo popular é exemplificado também com a mobilização do comércio lo-
cal, que apoia e patrocina as equipes das redondezas. Um “mercado da bola” próprio,
por assim dizer, também agita o torneio: alguns times remuneram seus atletas com
salários, e jogadores são “contratados” por quantias em dinheiro para reforçar outras
equipes, de forma análoga ao que ocorre no futebol profissional. Havia casos de mobi-
lidade também no futebol indígena, em torno do jogador denominado boleiro, ou seja,
racializado “branco” ou “não indígena”, quando esse era chamado para compor times
indígenas. O artigo de Chiquetto (2014b) é interessante nesse sentido.
Ver sua história contada na imprensa era parte da rotina de um jogador pro-
fissional experimentada por muitos dos destaques do Peladão, que concretizavam essa
vivência sendo chamados para reforçar os clubes locais, sobretudo aqueles com menor
poderio financeiro, para os quais o torneio se tornou uma grande vitrine. Foi o caso de
Hamilton Sá, conhecido como o “Ibrahimovic da Amazônia”, levado ao Manaus Fute-
bol Clube pelo presidente Luis Mitoso. Depois de fazer três gols em sua estreia como
titular, se tornou referência na equipe, conquistou títulos e despertou interesse de uma
equipe do Kuwait, de onde seguiu para o futebol da Tailândia.

81
BALL CAT’S E SUA TRAJETÓRIA NO FUTEBOL DO NORTE DO BRASIL

O intercâmbio entre clubes profissionais e o Peladão, no entanto, não é unila-


teral. A aposentadoria dos gramados consagrados do esporte amazonense se converte
em oportunidade de retornar ao grande celeiro do futebol do estado: muitos dos atle-
tas retornam ao Peladão para disputar a categoria Máster, formada quase inteiramente
por ex-jogadores profissionais.
Todo esse impacto na vida de tantos atletas e no cotidiano da capital amazo-
nense foi uma construção iniciada em 1973 por Umberto Calderaro Filho, fundador
do jornal A Crítica, veículo que veio a integrar o Grupo Calderaro de Comunicação,
idealizador do evento e responsável por sua organização. A aposta no esporte mais
popular do país para estabelecer o que se tornaria um marco no calendário anual de
Manaus veio, de acordo com Leanderson, a partir da visão à frente do tempo do ges-
tor, e do seu gosto pelo que é de apelo popular, como Carnaval e futebol.
A concepção dos aspectos operacionais do evento coube ao primeiro coorde-
nador, Messias Sampaio, jornalista de A Crítica por mais de 40 anos, considerado bra-
ço direito do criador do jornal e também um dos fundadores do Peladão. Depois de
25 anos na coordenação, decidiu seguir carreira política – teve oito mandatos como
vereador e deputado estadual –, nesse contexto, foi sucedido em 1998 pelo radialista e
cronista esportivo Arnaldo dos Santos Andrade, responsável pela criação das catego-
rias Máster, Peladinho (para menores de 14 anos), Feminino e Indígena.
A veia do entretenimento no novo produto criado por Umberto Calderaro Fi-
lho não estava presente apenas no futebol, essência do Peladão, uma vez que o gestor
aproximou o público feminino da competição ao agregar um concurso de beleza ao
evento, para o qual cada time deveria inscrever uma rainha. Essa musa se configurava,
desde as edições iniciais, como um elemento obrigatório para que a equipe fosse admi-
tida oficialmente para participar. A cada ano, inúmeras equipes eram eliminadas antes
mesmo do início do torneio por descumprir esse requisito (SOUZA, 2017). Apenas em
2021 esse critério resultou em mais de 80 desclassificações.
Aquelas devidamente inscritas e regularizadas participam do concurso Rai-
nha do Peladão, de certa forma análoga a um concurso de miss. As musas se enfrentam
em etapas eliminatórias até uma final em que o voto popular elege a vencedora, a qual
conquista um prêmio em dinheiro. Segundo Souza (2017, p. 50), “tanto investimento
se justifica pelo poder que a candidata tem de trazer o time de volta à competição, caso
ela consiga boa pontuação na fase eliminatória – terceira fase do concurso”.
Portanto, a participação das rainhas interfere no que é definido dentro das
quatro linhas: caso uma equipe seja eliminada no torneio e sua representante siga para
fases avançadas do concurso, o time disputa um campeonato à parte, o “Paralelo das
Rainhas”, que ocorre simultaneamente ao da categoria principal e premia o vencedor

82
FUTEBÓIS DO NORTE

com o retorno à mesma, já na fase de oitavas de final. Dessa forma, a musa tem o poder
de salvar sua equipe da desqualificação (SOUZA, 2017; CHIQUETTO, 2014a).
Para a edição de 2012, o “Rainha do Peladão” deu um salto de magnitude.
Dissica Calderaro, neto do criador do evento e atual presidente do Sistema A Crítica
de Rádio e Televisão, idealizou um reality show produzido na capital amazonense para
as fases finais do concurso. As doze finalistas são confinadas em um iate de luxo às
margens do Rio Negro, um dos principais da região Norte, onde convivem durante
quatro semanas monitoradas 24 horas por dia por câmeras. O programa que registra a
disputa é exibido na TV A Crítica e oferece também sistema de pay-per-view.
Inicialmente chamada “Peladão a Bordo”, e hoje com o nome “A Bordo - O
Reality”, a fase final do concurso tem intensa cobertura pelas redes sociais. O público
é quem define, por meio de votações realizadas por telefone e pela internet, as concor-
rentes a serem eliminadas de forma periódica, até que sejam conhecidas as três finalis-
tas e a campeã, também eleita por júri popular. “O reality é incrível porque mobiliza
a sociedade em votações, tem até time que fecha lan house para votar. Virou uma febre
por aqui”, conta Leanderson Lima. (LIMA, E1, 2021, s/p.)
O fato de ter sido idealizado e seguir sob a gestão do Grupo Calderaro de
Comunicação faz com que haja pouco interesse de outros veículos do Amazonas na
cobertura do Peladão, porém isso não diminui o impacto midiático alcançado pelo
evento. Chiquetto (2014) registrou que o torneio recebe a atenção de diversos veículos
da imprensa alternativa e sites com menor audiência, os quais também agregam visi-
bilidade ao campeonato e apostam nele para alcançar um público cada vez maior.
Alguns dos mais de 2.600 jogos disputados em 56 campos diferentes na edi-
ção de 2013 contaram com a presença de Pedro Leocádio Neto Júnior. Com passagens
pelas categorias de base de clubes profissionais populares na região como Nacional e
Fast Clube, ele esperou algumas temporadas até ingressar no Peladão em 2010. Antes
disso, participou de diversos campeonatos de bairros na capital amazonense.
Alcunhado carinhosamente como Pedrita, ele seria, a princípio, mais um atleta
na multidão de participantes do torneio, contudo ganhou projeção pública em 2013
por ter sido eleito o destaque do campeonato por jornalistas de A Crítica. Como con-
sequência da repercussão dessa escolha, circulou na mídia a informação de que o ra-
paz, o qual havia assumido sua homossexualidade aos 17 anos, era o primeiro jogador
assumidamente gay da história do Peladão, o que fez com que não só ele, mas aquela
edição ficasse marcada pelo viés da inclusão e da diversidade LGBTQIAPN+.
A representatividade apresentou a Pedrita, formado em Pedagogia pela Uni-
versidade do Estado do Amazonas (UEA) e especialista em Educação de Jovens e

83
BALL CAT’S E SUA TRAJETÓRIA NO FUTEBOL DO NORTE DO BRASIL

Adultos (EJA), novos caminhos para educar – nesse caso, não a educação formal, mas
os valores que, muitas vezes, não são aprendidos na escola, como o respeito à diversi-
dade e à diferença e o desenvolver da consciência de que todos têm o direito de prati-
car esportes e são capazes de desempenhar atividades como essas. Diretor Geral e de
Ensino de uma autoescola, ele se tornou conhecido em distintos espaços esportivos da
cidade, onde passou a ser identificado, como disse:

Quando vou assistir partidas de outras competições, ouço comentarem entre si ‘esse
veado joga muita bola, ele arrebenta em campo’. Estou colhendo o respeito pelo que
plantei aqui na região. Brinco muito, sou descontraído, mas tudo é feito de forma
muito respeitosa, lutando pelo espaço da pessoa LGBT (NETO JÚNIOR, E2, 2021,
s/p.)

Essa luta, potencializada por ter sido destaque no Peladão, despertou a aten-
ção de outros colegas da região, que finalmente vislumbraram possibilidades em um
esporte tão cercado por condutas LGBTfóbicas, como os famigerados gritos de “bicha”
entoados por torcidas em arenas esportivas (FRANÇA, 2019). O Guarani Futebol Clu-
be, de Campinas, por exemplo, teve bombas atiradas ao seu estádio Brinco de Ouro da
Princesa, em 2017, devido à contratação de Richarlyson, atleta sobre o qual circulam
rumores sobre sua suposta homossexualidade, nunca confirmada publicamente pelo
próprio.
No dia 23 de agosto de 2014, inspirado pela Copa do Mundo que o Brasil ha-
via sediado nos dois meses anteriores em diversas capitais, incluindo Manaus, Pedrita
reuniu dezenas de homens gays da cidade interessados em ter contato com o esporte
mais popular do Brasil em um evento que denominou Copa Gay de Futebol de Ma-
naus. Ele também buscou referências no Peladão, que o projetou para a cena esportiva
manauara, a fim de apresentar um desfile de rainhas e musas dos times no evento, o
qual não passou despercebido pela mídia local.
Esse movimento foi o prenúncio para que, algumas semanas depois, fosse fun-
dado o Ball Cat’s, uma equipe ousada de futebol, cuja alcunha leva uma referência di-
reta ao famoso gesto sexual de felação (ou boquete), misturado com a língua inglesa –
o que confere à identidade uma carga subversiva logo de cara. O time nasceu no exato
dia do aniversário de Manaus, 24 de outubro, como o primeiro grupo LGBTQIAPN+
de futebol do estado, tendo Pedrita como presidente e atleta. Como destaca na entre-
vista:
O fato de eu ser conhecido e respeitado pela participação em campeonatos, inclusive
com essa eleição de destaque no Peladão, trouxe ao time visibilidade e respeito por
parte das equipes não LGBT. Jogamos contra todas em pé de igualdade e já vence-
mos várias vezes. Assim vamos aos poucos conquistando nosso espaço e enfrentan-
do o preconceito (NETO JÚNIOR, E2, 2021, s/p.).

84
FUTEBÓIS DO NORTE

No próximo subtópico, discutir-se-á a proposta inovadora para o futebol do


Norte do país a partir da equipe então formada.

O BALL CAT’S E SUA PROPOSTA PARA O FUTEBOL REGIONAL

Pedrita será o responsável por trazer a diversidade representativa de gênero e


sexualidade para dentro do Peladão. É a partir de sua visão sobre um “Peladão gay”,
que começa a ser gestada uma proposta de evento distinta, voltada para outras expres-
sões de gênero e orientações sexuais.
O “Craque”, caderno de esportes do mesmo jornal A Crítica, que havia eleito
Pedrita destaque do Peladão no ano anterior, trazia na capa de uma de suas edições
a chamada para a matéria “Chute no Preconceito”, na qual Leanderson Lima apre-
sentava o torneio inédito na região em linguagem muito diferente da que costumava
ser usada em pautas ligadas ao público LGBTQIAPN+, segundo o próprio jornalista:
“Quando as pessoas precisavam tratar desse tema, faziam de forma jocosa, mas eu não
queria que fosse abordado dessa forma. Vi nessa pauta uma oportunidade de contar
essa história de forma respeitosa e humana, como ela merecia ser contada.” (LIMA, E1,
2021, s/p.).
Vale lembrar que a referida abordagem jocosa sobre as questões de gênero
e sexualidade não se restringe a Manaus ou à região Norte do país. Jocosidades no
esporte são comuns, sobretudo as de fundo homofóbico, acerca de pessoas que fo-
gem dos padrões de normalidade impostos por uma sociedade cis-heteronormativa,
à semelhança do que pesa sobre voleibolistas e outros esportistas declaradamente ho-
mossexuais (CAMARGO, 2021b; FRANÇA, 2019; ANJOS, 2015). Essa perspectiva está
espraiada pelo território brasileiro, com algumas distinções no tom do conteúdo de
acordo com o veículo responsável pela cobertura.
Importante destacar que a Champions LiGay de Fut7 (competição organizada
pela LiGay Nacional de Futebol), uma espécie de “Brasileirão LGBT+” da modalidade,
evidenciou em sua primeira edição, em 2017 no Rio de Janeiro, em matéria veiculada
no portal então chamado Globoesporte.com – atual ge.globo –, a maneira caricata da
imprensa de tratar a presença LGBTQIAPN+ nos esportes, tanto por negligência à
pauta, quanto por falta de preparo por parte dos gestores de conteúdo, como no caso
da repórter Jamille Bullé, conduzida à cobertura sem briefing ou direcionamento por
parte de seus editores (AMARAL; BUENO, 2018).
Por possível falta de preparo dos veículos, sobretudo voltados ao jornalismo
esportivo convencional, e sem informações qualificadas para abordar a temática das
expressões de gênero e orientações sexuais, focou-se quase tão somente nos aspectos

85
BALL CAT’S E SUA TRAJETÓRIA NO FUTEBOL DO NORTE DO BRASIL

lúdicos e curiosos do evento, em vez de indagações sobre as competências e aptidões


dos participantes. No exemplo da jornalista supracitada,
(...) não ter recebido orientação editorial para a cobertura, tendo liberdade para
abordar a competição da forma que desejasse, permite inferir, ainda que de forma
preliminar, que os veículos ainda não definiram diretrizes para as matérias sobre fu-
tebol gay, possivelmente por pisarem em um terreno pouco explorado. (AMARAL;
BUENO, 2018, p. 14)

Falar em futebol gay é adentrar num tema tabu, particularmente num país que
mal consegue separar a vida pública da privada, visto que se assenta nas normativas
heterossexuais reinantes e para quem o futebol é reunião de machos em torno de uma
bola. Desde que essas disputas futebolísticas se proliferaram no Brasil, algo mudou:
Do primeiro campeonato ao último, em fins de 2019, muita coisa mudou, outras for-
mas corporais apareceram e outras enunciações de gênero surgiram. Arrisco dizer
que do futebol gay houve um shift (mudança), que ainda está em processo, para um
futebol LGBT, pluralizando as vozes e mesmo ampliando a representatividade das
expressões de gênero, pois afinal, as vivências com o futebol das pessoas envolvidas
nesses eventos são tão distintas e múltiplas, que não cabem apenas na explicitação
da homossexualidade ou da transexualidade em contraposição a uma heterossexua-
lidade compulsória (CAMARGO, 2021ª, p. 11).

Portanto, o novo olhar lançado a essa pauta levou Leanderson a inscrever a


matéria como sua segunda indicação para concorrer ao Prêmio Petrobras 2015, na cate-
goria Jornalismo Esportivo. A grande aposta de toda a editoria era o caderno especial
“Copa do Mundo, um ano depois: do sonho à realidade”. Produzido em conjunto por
toda editoria, esse encarte abordava as quantias vultosas investidas e as promessas
não cumpridas pelo Governo do Estado do Amazonas para a realização da Copa do
Mundo em Manaus. O jornalista foi, então, ao Rio de Janeiro, onde receberia o resul-
tado da premiação, vendo na matéria sobre a Copa Gay o azarão da disputa, uma vez
que o caderno havia sido fruto de investigação minuciosa, com informações detalha-
das sobre temática densa para um caderno de esportes.
O Peladão também ajudou Manaus a se tornar uma das cidades-sede da Copa
do Mundo de 2014 (CHIQUETTO, 2014). Em editorial publicado na edição de 05 de
fevereiro de 2009, o jornal A Crítica enumera argumentos que justificam a candidatura
da capital amazonense para receber partidas do evento e abordam seu torneio local do
ponto de vista da paixão de sua população pelo futebol (COPA, 2015).
Além da emoção de ter sido declarado vencedor, Leanderson se surpreendeu
ao ouvir a leitura do nome da matéria “Chute no Preconceito” como a campeã. Emo-
cionado, ele conta: “fiquei sem reação. Foi a realização de um sonho. Eu já tinha venci-
do outros prêmios, mas faltava à minha carreira um de visibilidade nacional.” (LIMA,
E1, 2021, s/p.). E esse feito, para a trajetória do então editor de esportes de A Crítica,
veio por meio de uma temática carente de abordagens respeitosas e humanas.

86
FUTEBÓIS DO NORTE

A reverberação da conquista dessa premiação, no entanto, causou uma trans-


formação no modo pelo qual a imprensa via a equipe do Ball Cat’s, recém-formada.
De acordo com o jornalista, que percebeu, a partir do resultado da premiação, um
despertar da atenção da mídia local para a existência da equipe e sua luta por inclusão
no esporte do estado. Esse crescimento da repercussão das atividades do Ball Cat’s
reforça o combate às abordagens jocosas e caricatas de iniciativas promovidas por/
para pessoas LGBTQIAPN+, marginalizadas e estigmatizadas na região, como reforça
Leanderson, e em todo o país, como se sabe.
Essa nova forma de a imprensa de Manaus encarar o time que lutava pela
representatividade LGBTQIAPN+ no futebol local foi colocada à prova com a estreia
do Ball Cat’s em 2019, pelo mesmo Peladão no qual seu fundador se destacou seis
anos antes. Uma reportagem da TV A Crítica, realizada na abertura do torneio, deu
destaque para a representatividade do time, exibindo, inclusive, a conquista do troféu
Ayrton Silva, disputado na partida que abriu a competição.
O auge da popularidade da equipe, no entanto, veio em partida exibida pela
emissora, disputada no Estádio Ismael Benigno (também conhecido como Estádio da
Colina), considerado o palco mais importante do futebol manauara até os anos 1970. O
posto foi mantido até essa época, quando então se inaugurou o Estádio Vivaldo Lima,
o popular Vivaldão, transformado na Arena da Amazônia para a Copa do Mundo
2014.
O ano de 2019 representou também outra conquista importante para o Ball
Cat’s: a estreia na Champions LiGay. Coube a Brasília a missão de sediar, no mês de
abril, a quarta edição do evento, o qual recebia pela primeira vez um time da região
Norte do país – até então apenas equipes das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste ha-
viam participado (JESUS, 2019; CAMARGO, 2018).
Sem nenhum incentivo financeiro do poder público local, os integrantes da
delegação que seguiram à capital federal ajudaram uns aos outros para o custeio da
viagem, a fim de representar a região na Série de Acesso do torneio. Já no segundo
semestre, foi a vez de desembarcar em Belo Horizonte para a quinta edição da LiGay,
na qual os pioneiros da inclusão LGBTQIAPN+ no Amazonas disputaram a categoria
principal. De acordo com Pedrita:
Foi maravilhoso conhecer equipes de outras regiões e poder mostrar a elas
que aqui no Norte também jogamos um bom futebol. É muito importante e necessário
esse contato entre times de todo o Brasil. Não vemos a hora de viajar novamente para
competições reunindo equipes de diferentes estados, e queremos também recebê-las
em um evento aqui no Norte. (NETO JÚNIOR, E2, 2021, s/p.).

87
BALL CAT’S E SUA TRAJETÓRIA NO FUTEBOL DO NORTE DO BRASIL

Como registrou o antropólogo Wagner Camargo sobre as equipes participan-


tes no evento da capital mineira,
Se algumas equipes não participaram porque não foram convidadas ou já não
existem (caso da Sereyos, de Florianópolis, que perdeu parte de seus jogadores para a
Tubarões), outras se consolidam como grandes expoentes, como as equipes Bulls F.C.
(SP) e Beescats (RJ). Times novatos, os Ball Cat’s, do Amazonas, são um exemplo, cha-
mam a atenção para lugares de pouca representatividade na LiGay, como as regiões
Norte e Nordeste do país (CAMARGO, 2019, s/p.)
Para a próxima edição da Champions LiGay, a ser realizada em São Paulo
no segundo semestre de 2022, haverá mudança nos critérios de classificação: para ter
direito a disputar a competição mais esperada pelas equipes LGBTQIAPN+ do país,
os times precisam lutar por vagas distribuídas proporcionalmente entre as regiões do
Brasil de forma equitativa à quantidade de equipes filiadas à federação. O Ball Cat’s
precisará, portanto, passar por equipes como Barcemonas, do Pará, e Monauaras, tam-
bém de Manaus, para confirmar sua terceira participação.
Enquanto não chega a hora de disputar uma vaga na próxima LiGay, Pedrita
e seus companheiros entram em campo novamente no Peladão em 2021, e a estreia foi
mais uma vez com vitória. No entanto, o mais curioso é que as conquistas não aconte-
cem apenas dentro de campo.
Dentre todas as rainhas inscritas na edição de 2019 do Peladão, a que vestia
a camisa do Ball Cat’s era a única mulher transexual, mais um elemento pelo qual a
equipe fez história no evento e no cenário esportivo amazonense. Pedrita conta que
Stephany Vilaça (nome social da modelo que representou o Ball Cat’s como rainha no
Peladão de 2019 e manteve o posto para a edição de 2021) causou um verdadeiro fris-
son na imprensa, pois assim que os jornalistas descobriram que uma transexual seria,
pela primeira vez, inscrita como rainha de um time no Peladão, compareceram em
grande número à sede da coordenação do evento.
Já inscrita, a musa passou pelas etapas eliminatórias e quebrou novos paradig-
mas ao alcançar a fase do reality logo em sua primeira participação. Ela foi ainda uma
das três finalistas do programa, e terminou na terceira colocação entre 461 participan-
tes inscritas inicialmente:
Quebramos um enorme tabu na competição e isso para mim já foi uma enorme vitó-
ria não apenas da equipe, mas da comunidade LGBT como um todo. O terceiro lugar
foi uma conquista; ela só não ganhou porque aqui o pessoal não tem uma mente to-
talmente aberta para esse movimento, mas estamos trabalhando muito nesse sentido
em diferentes modalidades (NETO JÚNIOR, E2, 2021, s/p.).

88
FUTEBÓIS DO NORTE

A conquista mais recente de Stephany, que traz na bagagem o fato de ter sido
a primeira transexual musa e rainha de bateria de escola de samba em Manaus, foi ter
se sagrado Miss Transexual da cidade de Lorena, no interior de São Paulo, tendo sido
a única representante de fora do município a disputar com as candidatas locais. O con-
vite para o concurso veio graças à repercussão de sua participação no Peladão 2019.
Segundo ela própria destaca:
Minha história com o time é muito marcante para mim. Não imaginávamos a dimen-
são que o trabalho tomaria: primeiro time composto por homens gays a concorrer no
Peladão, num esporte tão machista, com uma trans como rainha. É muito gratifican-
te ver o esporte e a televisão abrindo essa oportunidade para nós, mulheres trans,
exercermos essa representatividade. Pude ensinar como as pessoas poderiam nos
tratar de verdade, tive uma voz que nunca imaginei ter (VILAÇA, E3, 2021, s/p.).

Hoje, responsável por coordenar grupos de forró da cidade, ela voltou ao Rai-
nha do Peladão em 2021, dois anos após conquistar um histórico lugar no pódio do
concurso. Afirmou categoricamente que hoje conta com o apoio de rainhas de edições
anteriores do evento e que, de acordo com Pedrita, está entre as favoritas para conquis-
tar o título. Duas etapas já foram vencidas: ela está entre as 30 finalistas.
Todo reality show tem suas polêmicas e rusgas entre as participantes, mas Ste-
phany fez sucesso até mesmo entre as companheiras de iate, segundo Pedrita (ele disse
que já soube de convites recebidos pela musa por parte de outras equipes que que-
riam contar com ela como rainha no Peladão). O coração de Stephany, todavia, bate
de verdade pelo time que a projetou para o país. Sua gratidão é imensa e ela levanta
a bandeira junto dos Ball Cat’s. Afinal, como ela diz, “a gente quer esse respeito pela
qualidade do nosso trabalho e por nossa competência” (VILAÇA, E3, 2021, s/p.).

O BALL CAT’S E OS MÚLTIPLOS FUTEBÓIS LGBT

A fundação do Ball Cat’s segue uma linha diferente do que ocorreu com ou-
tras equipes esportivas LGBTQIAPN+. O primeiro grupo do qual se tem informação,
o Real Centro, surgiu em 1990, na capital paulista, num outro contexto sociocultural,
político e econômico, o que lhe deu uma característica peculiar no tocante à sexualida-
de. O time se manteve “no armário” enquanto disputava torneios contra adversários
convencionais do futsal/fut7, e se assumiu como “equipe LGBT” só a partir do sur-
gimento da LiGay Nacional de Futebol, quando se sentiram à vontade para dar esse
passo (AMARAL, 2021).
Em seguida, após um hiato de 15 anos, Porto Alegre via nascer o Magia, se-
gundo grupo voltado para pessoas LGBTQIAPN+ interessadas em praticar futebol,
idealizado por homens gays, em um bar da capital gaúcha. A equipe, a qual leva em seu
escudo o azul do Grêmio e o vermelho do Internacional, cores que amantes do futebol

89
BALL CAT’S E SUA TRAJETÓRIA NO FUTEBOL DO NORTE DO BRASIL

no Rio Grande do Sul jamais acreditariam ver unidas na mesma marca esportiva local,
tem em comum com o Real o fato de ter se declarado publicamente como equipe es-
portiva LGBTQIAPN+, também, a partir da fundação da liga supracitada (AMARAL,
2021).
Já em 2010, aparece o primeiro núcleo na região Norte do país, inicialmente
chamado de As Maluquinhas Gay, que veio a adotar, quatro anos mais tarde, o nome
atual, Barcemonas, escolhido devido à paixão de um membro da diretoria pelo gigante
europeu Barcelona. A equipe surgiu a partir de partidas de futebol feminino assisti-
das por amigos de Ananindeua, região metropolitana da capital paraense Belém, que
decidiram reunir homens das localidades próximas que mantinham relações afetivas
e sexuais com outros homens para fundar o primeiro time LGBTQIAPN+ da região
Norte (AMARAL, 2021).
Esses três grupos de atletas amadores, pioneiros na luta por diversidade e in-
clusão no futebol no Brasil, foram idealizados em conversas de amigos dispostos a reu-
nir homens gays para praticar a modalidade na qual se viam, muitas vezes, excluídos
ou estigmatizados por parte de homens cisgênero heterossexuais. Vislumbrando um
espaço harmonioso e livre de preconceitos para se divertir jogando bola, organizavam
encontros próprios em espaços alugados para fazer valer seu apreço pela modalidade
tida como paixão nacional, mas que deixa à margem tantas pessoas em decorrência de
suas identidades, orientações sexuais e expressões de gênero.
Essa exclusão acontece, por incrível que pareça, dentro do próprio segmento
esportivo LGBTQIAPN+, no qual se observa esmagadora maioria de homens gays cis-
gênero em detrimento de representantes de outras letras do acrônimo. Uma das duas
equipes de futebol formadas por homens transexuais do Brasil, o Meninos Bons de
Bola, de São Paulo, por exemplo, publicou postagem no Instagram na qual relata ter
sofrido transfobia durante campeonato LGBTQIAPN+ da modalidade, a Taça Hornet
da Diversidade 2018. Na publicação, datada de 02 de junho de 2018, a equipe relata o
comentário transfóbico que também menospreza a capacidade técnica do time: ‘Se não
ganharem dessas meninas, esse time já pode parar, né, gente!?’, ouvi dos rapazes CIS
musculosos que se referiam (rindo) aos Meninos Bons de Bola, que são homens trans”.
A Champions LiGay realizada em Belo Horizonte em novembro de 2019, po-
rém, deu sinais de que esse futebol marginalizado até então “foi subvertido e coloniza-
do pelo futebol queer, uma expressão mais democrática, inclusiva, politizada e subver-
tida do fenômeno midiático que conhecemos” (CAMARGO, 2018).
O Ball Cat’s, por seu turno, teve uma inspiração específica na liderança de Pe-
drita a partir de sua escolha como destaque no Peladão. Naquele momento, ele elevou
a representatividade a outro nível, sendo reconhecido não apenas como atleta que se

90
FUTEBÓIS DO NORTE

declarava homossexual na competição, mas também em posição proeminente diante


dos demais competidores. Demonstrando que homens gays também possuem aptidão
física e técnica para jogar futebol, Pedrita rebate a tese do senso comum de suposta
inferioridade da pessoa LGBTQIAPN+ em comparação ao homem cisgênero heteros-
sexual no que diz respeito ao conhecimento técnico-tático futebolístico (JESUS, 2019).
O ineditismo em ser a primeira equipe LGBTQIAPN+ a participar do Peladão,
e o novo tabu quebrado ao inscrever pela primeira vez uma mulher transexual como
rainha foram exemplos de desconstrução presenciados pela sociedade manauara e
amazonense no contexto de um torneio tão tradicional.
Essa trajetória está inserida em um cenário cada vez mais múltiplo em termos
de quantidade de grupos que surgem em diferentes estados brasileiros com proposta
semelhante. A LiGay Nacional de Futebol conta atualmente com 41 equipes filiadas,
número que se torna ainda mais expressivo se levarmos em consideração outros times
em atividade Brasil afora, porém não filiados à federação.
Tais grupos futebolísticos foram surgindo como formas de resistência a uma
tentativa homogeneizante de estar no esporte e de jogar futebol. A partir de histórias
individuais e coletivas, buscaram empoderamento e edificaram propostas com seus
times, que, se por um lado, estão à parte do circuito maior do futebol convencional
(e midiático), por outro, se fazem signatários dele e o habitam de dentro (TOLEDO;
CAMARGO, 2018).
Portanto, e por fim, os múltiplos futebóis jogados e representados por esses
grupos estão à margem, mas também no centro de um futebol espetacular e hege-
mônico e, ao mesmo tempo que se diferenciam pelo subtipo jogado, se aproximam dos
elementos da cultura, do próprio esporte e das práticas corporais que circunscrevem.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Leanderson Lima, Pedro Leocádio Neto Júnior e Stephany Vi-


laça pelas entrevistas concedidas, que trouxeram esclarecimentos a respeito da luta
por representatividade LGBTQIAPN+ no Amazonas.

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BALL CAT’S E SUA TRAJETÓRIA NO FUTEBOL DO NORTE DO BRASIL

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MENINOS BONS DE BOLA. A 2a Taça Hornet foi marcada por muito futebol (...).
São Paulo, 02 jun. 2018. Instagram: @meninosbonsdebolafc. Disponível em: https://
www.instagram.com/p/Bji4JrxgoZN/. Acessado em 08/11/2021.

93
CAPÍTULO 6

A PRESENÇA DA MULHER NOS


ESTÁDIOS DE FUTEBOL EM BELÉM DO
PARÁ (2010 - 2017)
Beatriz Reis Mendes1

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.6

1  Universidade da Amazônia, Belém-Pará. Lattes:


A PRESENÇA DA MULHER NOS ESTÁDIOS DE FUTEBOL EM BELÉM DO PARÁ (2010 - 2017)

RESUMO

O objetivo deste artigo é compreender a presença das mulheres nos está-


dios de futebol na cidade de Belém do Pará, comparecendo aos jogos,
adquirindo as camisas do time, participando de formas de apoio financeiro de clubes,
como o “sócio torcedor”, ou participando de ações sociais realizadas por Torcidas Or-
ganizadas. Nesse sentido, busca-se compreender a relação entre o passado e o presen-
te de organizações futebolísticas em Belém. Destaca-se que, nesta pesquisa, optamos
por trabalhar com torcedoras das duas maiores torcidas do Estado do Pará: Clube do
Remo e Paysandu Sport Club. Nesse escopo, privilegiamos, como objeto de percepção
das transformações sociais, a participação das mulheres na sociedade e nos estádios
de futebol.

Palavras-chave: Futebol; Mulheres torcedoras; Clubes de Belém do Pará.

INTRODUÇÃO

Os dados apresentados neste texto são provenientes do recorte de uma Mono-


grafia de Conclusão do Curso de Graduação em História, defendida no ano de 2018,
na Universidade da Amazônia (UNAMA), com o título “O papel da mulher como tor-
cedora dentro dos estádios na cidade de Belém do Pará no período entre 2010 e 2017”.
O referencial metodológico da pesquisa é a história oral utilizada para com-
preender as experiências das mulheres torcedoras. Para Thompson (1992), a história
oral se define como uma estratégia de abordagem possivelmente geradora de mudan-
ças que possam transformar tanto o conteúdo quanto sua finalidade de história. Ainda
segundo esse autor, a história oral altera o enfoque da própria história e revela novos
interesses de investigação ao privilegiar os relatos dos sujeitos (THOMPSON, 1992).
Após apresentar, de forma breve, a rivalidade entre Clube do Remo e Paysan-
du Sport Clube – contexto social da pesquisa –, mostramos alguns dados obtidos por
meio das entrevistas com as interlocutoras, em que algumas são nomeadas pelos seus
nomes próprios e outras, com nomes fictícios, visando preservar as suas identidades,
devido aos envolvimentos que estas têm com torcidas organizadas dos seus clubes. O
recorte apresentado neste trabalho intenta dar ao/à leitor/a uma noção das relações
de gênero situadas nessa grande rivalidade futebolística nacional.

A MAIOR RIVALIDADE FUTEBOLÍSTICA DO MUNDO

A cidade de Belém do Pará possui uma grande paixão por futebol, com os dois
maiores clubes do estado sendo da capital, Clube do Remo e Paysandu Sport Club. O

96
FUTEBÓIS DO NORTE

Clube do Remo, fundado em 05 de fevereiro de 1905, inicialmente chamado Grupo


do Remo, foi criado a partir de um desentendimento de alguns atletas vinculados à
equipe Sport Club Pará, que decidiram se desligar do grupo e criar um clube em que
pudessem desenvolver suas atividades, eram eles: Victor Engelhard, Raul Engelhard,
Eugênio Soares, Narciso Borges, José Henrique Danin, Vasco Abreu e Jean Marechal
(Eduardo Cruz). A eles, juntaram-se outros atletas que tinham o mesmo interesse e,
assim, fundaram o Grupo do Remo.
Durante o ano de 1908, o Grupo do Remo passou por uma grande crise, que
culminou com a perda do contrato de aluguel da sede náutica e a extinção do clube
após reunião da Assembleia Geral, realizada em 14 de fevereiro daquele mesmo ano.
Porém, alguns integrantes não concordaram com a decisão e optaram por tomar os
barcos que pertenciam ao clube. No mês de julho de 1910, os fundadores souberam que
o prédio da antiga sede náutica estava vago e poderiam alugá-la novamente. Durante
o mês de agosto de 1911, os amigos transportaram o material que estava em outro local
para sede e, com esse ato, estava decretada a reorganização do Grupo do Remo.
No mês de dezembro daquele ano, o Sr. Oscar Saltão propôs a mudança de
nome para Clube do Remo, entretanto, a proposta só foi aprovada pela Assembleia
Geral em 1914, anunciada pelo presidente da época, Nilo Penna, no dia 07 de agosto.
A mudança representou um marco para o clube, que já passava a participar de outras
modalidades esportivas, como o futebol, implantado em 1913.
Já o Paysandu Sport Club, dez anos mais novo que seu rival, foi fundado em
14 de fevereiro de 1914. Seu nome veio da cidade em que aconteceu um episódio his-
tórico denominado “A Tomada de Paysandu”. Tal acontecimento não tem relação com
a Guerra do Paraguai, mas sim com as lutas sangrentas que aconteceram no Uruguai
entre os partidos “Blanco” e “Colorado”. Em dezembro de 1913, O Estado do Pará,
jornal de grande circulação da época, noticiou que algumas pessoas da elite paraense,
do antigo Nort Club, e outros “retraídos do momento” estavam fundando o “Paysan-
du-Sport” para disputar no remo e no futebol.
Um de seus fundadores, Hugo Manoel de Abreu Leão, que era integrante do
Nort Club, foi eleito por unanimidade para conduzir essa fundação, levando consigo
Humberto Burlamaqui Simão para auxiliá-lo na realização da reunião que daria ori-
gem ao novo clube. Durante essa reunião, foi proposto que o clube fosse denominado
“Paysandu Foot-Ball Club”, com inspiração no episódio histórico “A tomada de Pay-
sandu”, no Uruguai, como já citado. Somente na terceira reunião do clube, em 19 de fe-
vereiro de 1914, que o Paysandu “Foot-Ball Club” passou a ser chamado “Sport Club”.
Assim, surgiu o Paysandu Sport Club, que foi “Foot-Ball Club” por apenas 17 dias.

97
A PRESENÇA DA MULHER NOS ESTÁDIOS DE FUTEBOL EM BELÉM DO PARÁ (2010 - 2017)

O clássico entre Remo e Paysandu – RExPA – é o mais disputado mundial-


mente. Segundo Costa (2009), é o “Clássico-Rei da Amazônia”, donos das maiores
torcidas da Região Norte: a “Fenômeno Azul”, pelo lado azulino; e a “Fiel Bicolor”,
pelo lado bicolor. O clássico possui mais de 700 jogos disputados, sendo o Clube do
Remo detentor do maior número de vitórias até o momento. No dia 04 de maio de
2016, o clássico foi declarado Patrimônio Cultural Imaterial do estado do Pará, sendo
qualificado como uma forma de expressão da cultura do povo paraense. Seu primeiro
jogo foi disputado no dia 14 de junho de 1914, pelo Campeonato Estadual de Futebol.
O Clube do Remo saiu como vencedor pelo placar de 2x1.
O início da rivalidade se deu no ano de 1915 devido a um ofício enviado pelo
então secretário azulino ao presidente do time bicolor, tratando de uma partida que
seria disputada para ajudar financeiramente os dois clubes. No entanto, os bicolores
mandaram um ofício-resposta repleto de insultos e injúrias à proposta remista. Em
outro ofício, o diretor bicolor aceitou a proposta remista e, no dia seguinte, o secretário
azulino mandou um ofício acabando com o clima amistoso entre os clubes, era o início
de uma das maiores rivalidades do futebol brasileiro.
Essa rivalidade vai além das quatro linhas do estádio de futebol, às vezes en-
tra também em algumas famílias. Em agosto de 2017, saiu uma reportagem, em um
site jornalístico local, que mostrou a rivalidade entre os dois clubes quando pai e filho
torcem para times diferentes. O filho de seu Edivaldo, Higor, desde criança, torce para
o Clube do Remo; seu pai sempre o incentivou e, mesmo não sendo o time que mais o
agradava, levava o filho aos jogos do rival. Já que o filho não foi para o mesmo lado,
sua neta foi convencida e, durante um passeio com o avô, foi levada a uma loja do clu-
be bicolor e ficou encantada com o seu manto – foi amor à primeira vista.

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA MULHER TORCEDORA


CONTEMPORÂNEA EM BELÉM DO PARÁ

A discussão sobre a presença da mulher em estádios de futebol tem suas raí-


zes em realidades bem longínquas. Existe uma discussão acerca de gênero hoje no
Brasil, em que a produção acadêmica pode contribuir para esclarecimentos e orientar
caminhos saudáveis para o convívio entre homens e mulheres. Acerca dessa questão,
a socióloga Heloísa Campos faz a seguinte consideração em sua tese:
Gênero aqui é compreendido, não como categoria biológica, mas como uma catego-
ria social que confere atributos específicos ao biológico. É produzida culturalmente,
no decorrer dos relacionamentos e processos sociais, face às estruturas de poder que
proíbem, omitem ou permitem determinadas formas de atuação e expressão, não
só entre pessoas de sexo diferente, como entre pessoas do mesmo sexo e de pessoas
consigo mesmas. Nesse sentido, lembrando o pensamento de Simone de Beauvoir,
em “O Segundo Sexo”, as pessoas não nascem homens ou mulheres, mas “se fazem

98
FUTEBÓIS DO NORTE

homens ou mulheres”. Sendo gênero uma categoria social, ao mesmo tempo que ela
é organizada socialmente, ela também permeia e influi sobre a organização simbóli-
ca e concreta de toda a sociedade, desde as estruturas de produção, da propriedade,
da distribuição da riqueza e formas de consumo, até a produção de valores e as for-
mas de organização política. (CAMPOS, 2000, p. 18).

Assim, Campos nos propõe uma provocação pertinente com relação ao gênero
feminino, fazendo referência à obra de Simone de Beauvoir. A autora acaba nos pro-
vocando a pensar a mulher não como categoria biológica, mas como construção social,
e se assim concordarmos, o fato de uma mulher frequentar um estádio de futebol e
torcer pelo seu time não deve representar, tampouco abrir precedente para que se diga
que ela está indo contra sua natureza.
Mulher, nesse sentido, é construção. Frequentar um estádio de futebol no nos-
so tempo faz parte da construção social que muitas mulheres querem para si, sendo
aceitas e respeitadas nos estádios. A despeito de um edifício histórico e por muito tem-
po cristalizado, como a ideia de patriarcalismo que marcou e ainda marca, em certo
ponto, a sociedade brasileira, essas mulheres hoje trabalham para a consolidação dos
seus papéis de sujeitas na sociedade.
Existe, em meio às torcedoras, tanto do Clube do Remo quanto do Paysandu
Sport Club, uma consciência de que o preconceito tem que ser combatido, de que se
vive atualmente uma realidade de violência simbólica. Por ser simbólica, é pouco per-
cebida, aparentemente falando, mas que é tão danosa quanto a violência física. Segun-
do uma torcedora do Paysandu:
Na minha família, eu sofri preconceito só com o papai, machista! Ele disse, ah isso
não é coisa pra mulher... mas no estádio também já sofri muito preconceito, teve
uma vez ano passado, estava com o ex-namorado, e eu comecei a gesticular, a querer
xingar o juiz, tinha um senhor atrás de mim, ele falou assim, lugar de mulher não
é no estádio, é atrás de uma pia ou de um fogão, que é lá o teu lugar! Já sofri muito
preconceito sim, mas o que mais me marcou foi ter ouvido isso. (TORCEDORA A,
2018).

Depoimentos como esse foram colhidos com torcedoras que fazem parte de
torcidas organizadas em Belém, e que se dispuseram a contribuir para a construção
deste trabalho. Bem mais do que isso, esses depoimentos fazem a denúncia da violên-
cia simbólica (BOURDIEU, 2012), uma forma de violência que pode ser considerada
menor, mas não menos importante do que a violência física.
A torcedora acima relata um caso de preconceito, de influência patriarcal den-
tro de casa. Já dentro do estádio, ela conta que vivenciou um episódio em que um tor-
cedor, olhando para ela, disse: “lugar de mulher não é no estádio, é atrás de uma pia”.
Isso, segundo a torcedora, foi uma das coisas mais duras que já ouviu nessas idas ao
estádio. Perguntada se ela achava que futebol era coisa de homem, ou se houve algum
momento na vida em que ela pensou dessa forma, a torcedora respondeu: “nunca!

99
A PRESENÇA DA MULHER NOS ESTÁDIOS DE FUTEBOL EM BELÉM DO PARÁ (2010 - 2017)

Porque sempre fui a única mulher, só tenho primos, então bola e futebol sempre esti-
veram presentes na minha vida” (TORCEDORA A, 2018).
Em outro caso, a torcedora do Clube do Remo faz um relato sobre como se
posiciona com relação ao olhar que a sociedade tem sobre essa prática de frequentar
estádios:
Existem inúmeras torcidas no estádio, vou falar exatamente do Clube do Remo. Tem
várias torcidas. Para que entre em um consenso de todas elas, são necessárias algu-
mas reuniões. E como tem que ter democracia, a maioria vence pra escolher certas
coisas. Inúmeras vezes já fui contra, outras a favor. Um exemplo foi quando o Clube
do Remo precisou jogar o Parazão, a torcida Remista – a Remoçada – iniciou manda-
to de zero público. Eu sou extremamente contra, pois nunca abandonaria meu time
por nada. No dia das mães foi início de campeonato, e deixei minha mãe para ir para
o estádio. (TORCEDORA B, 2018).

Nesse caso, pode-se perceber que a torcedora leva sua prática a sério, a ponto
de ultrapassar tradições como o Dia das Mães. Isso pode abrir uma interpretação e,
neste ponto, o papel do historiador sempre é reforçado: compreender ao invés de jul-
gar os relatos. Infere-se, a partir desse depoimento, que existe, em meio a algumas mu-
lheres, uma consciência de que elas vão galgar o direito de frequentar os espaços que
sempre foram entendidos, por um passado baseado em uma prática patrimonialista,
como de homens. Aquilo que foi construído ou apossado como patrimônio masculino,
hoje, tem ganhado a presença feminina. A despeito dos preconceitos, as mulheres es-
tão conquistando um novo significado na sociedade brasileira.

AS TORCEDORAS DO CLUBE DO REMO E DO PAYSANDU SPORT


CLUB E SUAS LUTAS POR AFIRMAÇÃO SOCIAL

A presença feminina massiva nos estádios paraenses vem aumentando expo-


nencialmente nos últimos anos, sobretudo a partir dos anos 2000. Reflexo disso é a
criação de torcidas organizadas formadas por mulheres e o incremento no incentivo
financeiro aos clubes ocasionado por essa nova expansão. Um bom exemplo dessa
nova realidade é o grupo de torcedoras do Paysandu denominado “Bicolindas”. Fun-
dado em 2013, teve sua organização inicial por meio de uma mídia social, objetivando
a aproximação de torcedoras do Paysandu apaixonadas pelo clube. Esse grupo é for-
mado por jovens de 15 a 20 anos e reflete os novos rumos tomados pela juventude no
futebol, quebrando antigos paradigmas e usando a tecnologia para a organização.
A respeito da organização da Bicolindas, sua idealizadora, Jade Oliveira, rela-
ta em entrevista:
A ideia das Bicolindas começou de forma inesperada, com um grupo de amigas que
torcem para o Paysandu. Nos juntamos em uma rede social e depois decidimos le-
var isso com mais seriedade. Começamos com uma fan page no facebook e lá outras
torcedoras. (informação verbal, 2018).

100
FUTEBÓIS DO NORTE

Além de promover o incentivo ao clube durante os treinos e jogos, as Bicolin-


das ajudam na integração de novas torcedoras, que, antes, não se sentiam à vontade
para demonstrar seu apreço pelo futebol, seja por falta de apoio, seja por receio de re-
presálias ao divulgar novidades sobre o clube. O grupo influi nos sentimentos de suas
participantes, formando laços afetivos, como expõe uma de suas integrantes, Thais
Silva:
O amor ao time faz criar uma paixão pelo futebol, e consequentemente, faz com que
a minha paixão pelo Paysandu aumentasse. A emoção de estar no estádio de futebol
é única, é uma coisa de família, onde sinto a minha família perto de mim. A paixão
que tenho pelo futebol é inexplicável. (informação verbal, 2018).

Observando a aproximação entre as torcedoras e o futebol paraense, os clubes


estaduais passaram a incentivar e valorizar a presença das mulheres em seus interio-
res, seja por meio de ações em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, como a
promovida pelo Paysandu, em 2018, com encontros com membros da diretoria do clu-
be e jogadores, seja por meio da realização de encontros para a discussão da presença
feminina na história do futebol e sua participação no quadro atual do esporte no Pará,
a exemplo do 1º Encontro de Mulheres Remistas, organizado pela diretoria do Clube
do Remo e realizado em 2015.
Tais encontros atingiram repercussão nacional e torcedoras de Remo e Pay-
sandu passaram a integrar eventos anuais, com torcedoras de diversos clubes brasilei-
ros, objetivando discutir o papel da mulher no incentivo aos clubes e as dificuldades
enfrentadas no desenvolvimento das atividades.
É importante também considerar a relevância das ações das torcidas femininas
fora das linhas do campo de futebol. Em entrevista, uma integrante da torcida Azulin-
das comentou sobre o foco da criação do seu grupo e como ele realiza atividades que
transcendem a prática esportiva e o apoio ao clube do coração, como a ajuda a comu-
nidades locais e nas políticas internas do clube:
Nossa torcida tem um amor pelo futebol que ultrapassa as 4 linhas. Nos reunimos
para fazer parte da festa na bancada. E ao longo do ano, existem vários trabalhos
prestados à sociedade. Fazemos doação de lençóis e lanches para moradores de rua,
ação do dia das crianças, ação de natal, voltado sempre para comunidade. Tivemos
a primeira e única diretoria feminina no clube, tendo à frente uma azulinda. Esta-
mos lutando junto ao ministério público por melhores condições dos banheiros no
mangueirão. Fizemos o projeto da catraca feminina no mangueirão. (TORCEDORA
C, 2018).

Apesar disso, as torcedoras paraenses enfrentam sérias dificuldades no mo-


mento de exercer o seu direito de torcer. O machismo se mostra presente durante os
jogos, ora em dizeres contrários à presença feminina no local, ora no uso de expressões
ofensivas e misóginas, com o emprego de palavras de baixo calão contra as torcedoras.
Sobre isso, a integrante da torcida remista Azulindas, Heliane Dias, afirma:

101
A PRESENÇA DA MULHER NOS ESTÁDIOS DE FUTEBOL EM BELÉM DO PARÁ (2010 - 2017)

Essas coisas, infelizmente, sempre vão acontecer com as mulheres. Muitos ainda
pensam que só os homens podem ir aos jogos, enquanto que as mulheres não. Existe
muita falta de respeito, palavras de mau gosto, gente falando de que era melhor a
gente ficar em casa. Lugar de mulher é onde ela quer. Vamos estar sempre lá, nas
arquibancadas, lindas. (informação verbal, 2018).

Ainda com relação aos assédios sofridos por torcedoras nos campos de fute-
bol, a Torcedora C relatou em entrevista uma série de comentários pejorativos desti-
nados a ela: “perguntam se sabemos o que é escanteio, ou se sabemos porque o árbitro
não toca na bola durante a partida, ou porque o goleiro pode pegar a bola com a mão.
Coisas do tipo” (TORCEDORA C, 2018).
Em resposta a essas atitudes retrógradas, as próprias torcidas organizadas
masculinas promovem ações de conscientização para o combate ao desrespeito com
as torcedoras. Em fevereiro de 2017, a torcida do Clube do Remo, Camisa 33, elaborou
uma campanha apelidada de “Cartilha Anti-Machismo”, em que constava um con-
junto de ações características de assédio que, caso praticadas, deveriam ser coibidas
por homens e mulheres. A campanha surgiu para inibir atitudes machistas durante os
festejos de carnaval no ano em questão, mas foi expandida para o âmbito dos estádios
devido ao crescimento no número de torcedoras nas partidas de futebol. Elogiada por
outros clubes no país, a campanha foi incorporada e reproduzida em outros estádios.
Além disso, as torcidas femininas também tomam a frente no combate aos
assédios nos estádios da capital paraense, como, por exemplo, na realização do 4º
Encontro de Mulheres Remistas, promovido pela diretoria do Remo e pela torcida
Azulindas. O encontro foi marcado por debates acerca dos diversos tipos de violência
contra a mulher nos estádios, a falta de estrutura física adequada às necessidades das
torcedoras, como banheiros, em somatório a outros desafios enfrentados por elas em
um espaço antes dominado pelo público masculino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presença feminina crescente nos eventos de futebol acaba nos provocando a


levantar questões em relação à mudança de perspectiva em torno desse sujeito social, a
mulher. Cabe dizer que nem de longe a Monografia de conclusão de Curso de História,
que gerou este texto, conseguiria esgotar essa discussão, pois as ramificações de ideias
a respeito desse fenômeno histórico são muitas. No entanto, pretendi, neste trabalho,
refletir sobre o preconceito contra as mulheres que frequentam estádios de futebol,
bem como sobre a violência simbólica que elas sofrem nesses espaços e suas agências
como sujeitas sociais. Portanto, busquei pensar sobre como a crescente presença femi-
nina em estádios pode ser interpretada enquanto gesto de luta das mulheres contra os
estereótipos, a violência e a discriminação.

102
FUTEBÓIS DO NORTE

Quanto mais as mulheres persistirem em frequentar esses espaços, mais essa


frequência vai ser percebida como uma prática de resistência por parte do público fe-
minino. Assim, procurou-se abordar como a presença feminina nos estádios paraenses
vem sendo incentivada pelos clubes e como eles estão desenvolvendo mecanismos
para combater as diversas formas de violência simbólica contra a mulher nos ambien-
tes futebolísticos. Ademais, as torcedoras estão se unindo para combater o preconceito
e os ultrapassados estereótipos que dizem que futebol não é para mulher.
Mesmo com evidências de preconceitos atuais, o panorama da presença fe-
minina na torcida paraense vem se alterando significativamente, além de servir de
exemplo para outras torcedoras no país. Minha pretensão é que este trabalho não seja
apenas mais um volume em uma estante de universidade, mas que possa ajudar a
fortalecer a consciência de que a mulher pode participar de outros espaços, de que ela
pode buscar diversão, ou seja, torcer e expressar sua paixão pelo time, sem precisar
se esconder atrás de uma figura masculina, e que esta seja uma companhia opcional,
não um escudo contra a incapacidade dos outros de perceber que mudanças sociais
acontecem.

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105
CAPÍTULO 7

INVASÕES DE CAMPO POR


TORCEDORES NA VOLTA AOS
ESTÁDIOS: UMA REFLEXÃO DO NORTE
AO SUL DO BRASIL
Gabriel Lima da Conceição Ribeiro1

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.7

1  Universidade do Estado do Pará (UEPA), Belém, Pará, Brasil.


NVASÕES DE CAMPO POR TORCEDORES NA VOLTA AOS ESTÁDIOS: UMA REFLEXÃO DO
NORTE AO SUL DO BRASIL

RESUMO

D iante do retorno dos torcedores aos estádios de futebol em meio à flexi-


bilização das medidas de prevenção contra a pandemia do SARS-CoV-2,
foram constatados casos de invasões de campo por torcedores de torcidas de Améri-
ca-RN, Grêmio-RS, Manaus-AM, Paysandu-PA e Santa Cruz-PE. Este artigo tem como
objetivo analisar as invasões de campo por torcedores nos primeiros meses após o
retorno do público aos estádios no Brasil, a fim de analisar o que pode ter promovido,
desportivamente e socialmente, tamanha revolta dos torcedores em invadir o campo.
Trata-se de uma pesquisa exploratória com abordagem qualitativa. Conclui se que,
desportivamente, há similaridades entre as crises dos clubes que acentuaram a revolta
dos torcedores e a necessidade de se repensar a segurança em jogos de riscos, e social-
mente, os torcedores podem ter tido suas emoções elevadas e psicologicamente afeta-
das pelo isolamento social, além da comum relação entre personalidade e fanatismo de
torcedores e de Bolsonaro e seus apoiadores.

Palavras-chave: Comportamento de Torcedores. Invasão de Campo. Pós-Pandemia.

INTRODUÇÃO

O torcer no país do futebol é um direito constituído na Lei 10.671/2003, conhe-


cida também como estatuto do torcedor, para todo e qualquer cidadão brasileiro que
aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva e acompanhe a
prática de determinada modalidade esportiva.
Tal prática provém das primeiras aquisições da cultura de torcer por um de-
terminado time na infância até a formação de “um vínculo identitário intenso, dura-
douro e exclusivo” (VASCONCELOS, 2021, p. 198). Outro ponto-chave na formação
do torcedor é a sua relação com o estádio, capaz de promover experiências intersomá-
ticas e intersubjetivas:
É no estádio, por meio da convivência, da pluralidade de acontecimentos que ocorre
com o sujeito e com os outros a sua volta, agregada ao futebol e ao pertencimento
clubístico que são formadas as tramas e os enredos para as narrativas do/no estádio
e que constituem a identidade do/a torcedor/a (SOUZA NETO; CAMPOS; SILVA,
2020, p. 551-552).

A relação do torcedor com o seu time de futebol é uma das interações emocio-
nantes mais intensas da sociedade atual, entretanto, com o advento da pandemia do
SARS-CoV-2, popularmente conhecido como novo coronavírus, a emoção de torcer no
estádio foi interrompida a partir do mês de Março de 2020, e também, por um período,

108
FUTEBÓIS DO NORTE

ocorreu à interrupção dos campeonatos e de jogos, retornando em Maio do mesmo


ano, sem a presença de público.
Nesse período de distanciamento e isolamento social, o torcedor não parou de
demonstrar o seu apoio, seja acompanhando os jogos e a situação do time por meio
do rádio, da TV aberta e/ou pelos serviços de streaming, se associando em programas
de sócio torcedor, comprando materiais do clube ou participando de promoções dos
clubes para continuar o apoio da torcida nos jogos, mesmo de forma remota, como foi
o exemplo das confecções de totens fixados na arquibancada ou da torcida virtual, por
meio de videoconferência, transmitida no telão dentro do estádio. Com tais fatos, a
pandemia do novo coronavírus traz transformações imensuráveis na forma do torcer
(SOUZA NETO; CAMPOS; SILVA, 2020; VASCONCELOS, 2021).
Com o avanço da vacinação em todo território brasileiro, antevendo o retorno
do público aos estádios, em anuência com as autoridades sanitárias locais, no mês de
outubro de 2021 a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) elaborou o Protocolo de
recomendações para retorno do público aos estádios (CBF, 2021), com uma série de
medidas de prevenção contra a Covid-19, entre elas: a) Aferição de temperatura cor-
poral como critério para adentrar ao estádio; b) Uso obrigatório de máscaras de pro-
teção facial autorizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) nos
ambientes internos do estádio durante todo o período de permanência; c) Obrigatória
a manutenção do distanciamento social nos assentos e setores do estádio durante todo
o período de permanência; e o d) Controle individual dos torcedores, realizado de
acordo com as determinações das autoridades locais, sendo o único sem a necessidade
de testagem, a vacinação plena contra a Covid-19.
De acordo com as determinações dos governos e prefeituras locais, os torce-
dores dos times brasileiros foram autorizados a voltar aos estádios a partir do mês de
outubro de 2021. Todavia, após mais de 18 meses longe das praças esportivas, algumas
atitudes problemáticas e/ou criminosas foram observadas nesse retorno, entre elas o
objeto deste estudo, as invasões de campo por torcedores, sendo o objetivo do estudo,
analisar as invasões de campo por torcedores no primeiro mês após o retorno do pú-
blico aos estádios no Brasil.
Causadas pelo ódio e revolta de torcedores de times em momentos e/ou situa-
ções de crise, essas violações foram constatadas em seis casos do norte ao sul do país,
protagonizados por torcedores de América-RN, Grêmio-RS, Manaus-AM, Paysandu-
-PA e Santa Cruz-PE. Reconhecendo a atual situação do Brasil em meio à pandemia e
da emoção do torcedor em seu retorno ao estádio, este estudo questiona: o que pode
ter promovido, desportivamente e socialmente, tamanha revolta dos torcedores em
invadir o campo?

109
NVASÕES DE CAMPO POR TORCEDORES NA VOLTA AOS ESTÁDIOS: UMA REFLEXÃO DO
NORTE AO SUL DO BRASIL

A fim de contribuir para a resolução da questão opta-se pela utilização da


abordagem qualitativa, a qual possui diversas possibilidades de estudar e compreen-
der os fenômenos que envolvem os seres humanos e suas relações sociais, estabele-
cidas em diversos ambientes, partindo de questões amplas que vão se aclarando no
decorrer da investigação (GODOY, 1995). Para desenvolvimento deste trabalho, foi
adotada a pesquisa exploratória que, segundo Gil (2008), proporciona uma visão geral
acerca de um determinado fato, especialmente quando o tema é pouco explorado e
com difícil elaboração de hipóteses precisas.

OS CASOS DE INVASÕES DE CAMPO POR TORCEDORES

Por lei, o artigo 41º-B do estatuto do torcedor considera a invasão de campo


um crime cometido por um individuo ou uma torcida organizada. Além disso, o clube
do torcedor que adentrou ao campo de futebol também pode sofrer punições, sendo
este julgado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD).
Os casos a serem investigados, do norte ao sul, ocorreram em competições ofi-
ciais da CBF no ano de 2021, do período de setembro a outubro do mesmo ano, sendo
três ocorrências na região norte, duas no nordeste e uma no sul do Brasil. As súmulas
dos jogos, disponibilizadas pela CBF, foram consultadas e analisadas, excerto do caso
insólito do América-RN.

CASO MANAUS-AM

A temporada de 2021 do time amazonense pode ser considerada satisfatória,


foi campeão amazonense, e teve uma boa campanha na série C, com chances de acesso
dentro do quadrangular final até o último jogo, sendo essa sua quarta participação
em campeonatos nacionais desde sua criação em 2013. Entretanto, a torcida do gavião
amazonense foi notícia em duas situações de invasão de campo em meio à pandemia
do novo coronavírus.
A primeira invasão ocorreu no jogo contra o Ferroviário-CE, válido pela fase
de grupos do Campeonato Brasileiro da Série C, no Estádio da Colina, em Manaus. Se-
gundo Simplício (2021, p. 1) “mesmo sem a liberação de torcida nos estádios por conta
da pandemia de Covid-19, alguns deles [torcedores] se posicionaram em uma mureta
nos fundos do Estádio da Colina a fim de apoiar o time.”
O jogo terminou empatado e com o resultado, o time amazonense havia se
complicado na classificação para o quadrangular final. Na saída do campo, alguns
torcedores insultaram o jogador Luís Fernando, zagueiro do Manaus, que respondeu
fazendo um gesto obsceno, o que provocou a fúria de dois torcedores que invadiram o

110
FUTEBÓIS DO NORTE

campo e tentaram agredir o jogador no vestiário, a invasão foi controlada rapidamente


por dois funcionários do clube. No entanto, a súmula da partida não contém nenhuma
observação e/ou relatório do árbitro citando o ocorrido (CBF, 2021; SIMPLÍCIO, 2021).
A segunda ocorrência aconteceu no jogo contra o Tombense-MG, válido pela
fase quadrangular final do mesmo campeonato, na Arena da Amazônia, em Manaus,
com liberação de até 50% da capacidade do estádio (GOVERNO ESTADUAL DO
AMAZONAS, 2021).
Com a derrota do time amazonense nos acréscimos do segundo tempo, parte
da torcida invadiu o campo, revoltada com o resultado que reduziram as chances de
acesso para a série B, mas logo foi impedida pelo policiamento presente dentro do
campo e até por jogadores do time esmeraldino. Em súmula (CBF, 2021), o árbitro da
partida de Manaus x Tombense informa sobre a invasão da torcida ao fim da partida,
entretanto, o clube da capital do Amazonas não se pronunciou sobre os dois casos de
invasão dos torcedores (SIMPLÍCIO, 2021).

CASO PAYSANDU-PA

Um dos maiores clubes do norte do Brasil têm vivido dias difíceis, o time pa-
raense em sua terceira participação seguida na série C acumulou erros e decepções
enquanto o torcedor não podia apoiar presencialmente no estádio, e mesmo com di-
ficuldades e resultados precisos, conquistou a classificação para o quadrangular final
de acesso para a série B. Com o avanço da vacinação no Estado, a torcida pôde estar
presente em 30%, e depois em 50% da capacidade do estádio (CONTENTE, 2021), en-
tretanto, mesmo com a presença da torcida bicolor, o time não conseguiu apresentar
um bom futebol em campo e as chances de acesso foram diminuindo.
Para manter chances remotas de acesso após dois empates e uma derrota no
quadrangular final, o time paraense necessitava da vitória, ou na pior das hipóteses,
um empate. No jogo do último suspiro bicolor em busca do acesso para a série B, o pa-
pão enfrentou o Ituano-SP, no estádio da Curuzu, em Belém, com a presença de 3.669
torcedores.
Com 10 minutos de jogo, o time paulista abriu o placar, e no segundo tempo,
precisou de 12 minutos para ampliar o resultado para 3x0. Nesse momento, segundo
a súmula da partida (CBF, 2021), integrantes da torcida uniformizada do Paysandu
invadiram o campo, correndo em direção aos jogadores do próprio time.

111
NVASÕES DE CAMPO POR TORCEDORES NA VOLTA AOS ESTÁDIOS: UMA REFLEXÃO DO
NORTE AO SUL DO BRASIL

Figura 1 - Torcedores do Paysandu invadindo o estádio da Curuzu

Fonte: Wagner Almeira/Diário do Pará (DOL, 2021)

A invasão foi controlada imediatamente pela polícia militar que estava ao re-
dor do campo, e em meio à tentativa de saída de do campo por uma pequena porta de
acesso, os torcedores danificaram placas de publicidade e materiais de campo. Duran-
te e após a invasão, os demais integrantes da torcida continuaram protestando, dessa
vez, jogando vários objetos para dentro de campo (GLOBO ESPORTE, 2021).
Em nota oficial (PAYSANDU, 2021, p. 1), o clube paraense informa que “(...)
lamenta e repudia veementemente os atos violentos praticados por um grupo de pes-
soas que não representam sua fiel e apayxonada torcida”. Em súmula (CBF, 2021) o
árbitro da partida informou que o boletim foi anexado à súmula, identificando, nomi-
nalmente, uma pessoa como um dos invasores. Segundo o site Globo Esporte (2021) o
procedimento pode evitar ou amenizar possíveis punições ao Paysandu, como a perda
de mando de campo, em denúncias no STJD.

CASO AMÉRICA-RN

Diferente dos demais, este caso de invasão da torcida não ocorreu dentro do
estádio. Na capital potiguar, o América de Natal empatou com a equipe do Campi-
nense-PB, por 0x0, no primeiro jogo das quartas de finais do Campeonato Brasileiro da
Série D, com mais de sete mil torcedores na Arena das Dunas.
Assim que o time do Campinense chegou ao hotel em que estava hospedado,
após a partida, um grupo de integrantes da torcida organizada do América surpreen-
deu a equipe paraibana e invadiu o hotel, promovendo cenas de terror, onde garrafas
de vidro, paus e pedras foram atiradas em cima dos jogadores, chegando a quebrar o
vidro do ônibus que transportava a equipe.

112
FUTEBÓIS DO NORTE

Figura 2 - Ônibus da equipe do Campinense apedrejado por torcedores do América.

Fonte: Divulgação/Polícia Militar do Rio Grande do Norte (NICÁCIO, 2021)

De acordo com o site Futebol Interior (2021), um dos dirigentes do clube parai-
bano comentou sobre o ocorrido:
“A gente estava chegando do estádio e foi pego desprevenido. Quando a gente des-
ceu do ônibus, de repente, apareceu um grupo de torcedores com paus e pedras nas
mãos e foram para cima da gente. Os jogadores tentaram correr para o hotel, mas al-
guns acabaram sendo agredidos covardemente” (FUTEBOL INTERIOR, 2021, p. 1).

Em nota, o Campinense relatou ter recebido auxílio da gerência do hotel na


busca pela intervenção policial, e após a chegada do policiamento, um dos integrantes
foi encaminhado para a delegacia, onde também foi registrada uma ocorrência em
flagrante do crime cometido contra a sua delegação. O clube de Campina Grande afir-
mou que ainda tomará medidas mais severas diante do fato (CAMPINENSE CLUBE,
2021).
O América divulgou uma nota de repúdio, em apoio ao adversário paraiba-
no, afirmando que “Práticas como essas, além de estarem em completo desalinho às
normas e valores desta instituição, construídos ao longo de uma trajetória de 106 anos,
não têm espaço no futebol e nem na sociedade civil” (AMÉRICA DE NATAL, 2021, p.
1).

CASO SANTA CRUZ-PE

O ano de 2021 pode ser considerado o pior dos 107 anos de história do trico-
lor pernambucano, no campeonato estadual foi eliminado pelo rival alvirrubro nas
semifinais, na Copa do Nordeste foi o último colocado no grupo com apenas 12,5%
de aproveitamento, na Copa do Brasil foi eliminado na segunda fase, e na série C do
Campeonato Brasileiro, protagonizou um dos maiores vexames de sua história, sendo
rebaixado para a série D nacional, tudo isso longe do seu torcedor, devido os protoco-
los contra a covid-19.

113
NVASÕES DE CAMPO POR TORCEDORES NA VOLTA AOS ESTÁDIOS: UMA REFLEXÃO DO
NORTE AO SUL DO BRASIL

Apesar do ano amargurado, dias após o descenso, a torcida do Santa Cruz foi
agraciada com a liberação do público para até 15% da capacidade da praça esportiva.
A volta do torcedor, depois de 586 dias, ocorreu na segunda fase preliminar da Copa
do Nordeste de 2022, contra a equipe do Floresta-CE, que ocorreu no dia 18 de Outu-
bro de 2021, na Arena Pernambuco, em São Lorenço da Mata, região metropolitana de
Recife/PE (TAVARES, 2021; G1, 2021).
3.599 torcedores estiveram presentes no jogo e presenciaram mais uma elimi-
nação do time tricolor, após derrota nos pênaltis. A tristeza e revolta se intensificaram
quando parte da torcida do Santa Cruz invadiu o campo, sem contenção policial, indo
em direção aos jogadores do próprio time e tentando invadir o vestiário, danificando o
estádio e materiais do clube, onde alguns torcedores ficaram feridos.

Figura 3 - Torcedores do Santa Cruz invadindo a Arena Pernambuco após eliminação na Copa do
Nordeste.

Fonte: Marlon Costa/Pernambuco Press (GLOBO ESPORTE, 2021)

O policiamento chegou a conduzir alguns vândalos para a delegacia, mas foi


insuficiente para evitar as cenas de vandalismo ocasionadas no dia da volta do tor-
cedor tricolor ao estádio. Em súmula (CBF, 2021), o árbitro da partida cita a invasão
generalizada dos torcedores do Santa Cruz. O clube, administrado por uma diretoria
que a maioria da torcida coral reprova, não se pronunciou sobre o caso de invasão dos
torcedores (TAVARES, 2021; GLOBO ESPORTE, 2021).

CASO GRÊMIO-RS

Apesar do tetracampeonato gaúcho consecutivo com a melhor campanha en-


tre todos os times e de contratações de jogadores renomados, no ano de 2021 o clube
gaúcho também foi eliminado nas quartas de finais da Copa do Brasil com uma golea-
da infame aplicada pelo Flamengo-RJ e nas oitavas de finais da Copa Sul-Americana
pela equipe equatoriana da LDU, e no Campeonato Brasileiro Série A, desde o início

114
FUTEBÓIS DO NORTE

da competição, promoveu uma luta contra o rebaixamento dentro da zona de rebaixa-


mento.
Os torcedores do tricolor gaúcho retornaram ao estádio, seguindo os protoco-
los da prefeitura de Porto Alegre/RS, desde o início do mês de outubro, e vêm acom-
panhando a difícil situação do clube no campeonato brasileiro bem de perto. No jogo
contra o Palmeiras-SP, no último dia do décimo mês, a paciência do torcedor acabou e
deu liberdade para a revolta e cenas lamentáveis.
O time gaúcho perdeu, de virada, por 3x1, e ao fim da partida, alguns torce-
dores invadiram o campo, com facilidade e sem contenção policial, e depredaram a
cabine do Video Assistant Referee (VAR), alguns equipamentos de transmissão, placas
de publicidade e por pouco não entraram no túnel de acesso aos vestiários. Em súmu-
la, o árbitro da partida informou que os torcedores ainda confrontaram os policiais,
agrediram seguranças, arremessando cadeiras e outros objetos não identificados (CBF,
2021). Com certa lentidão, a equipe policial conseguiu conter os invasores, porém, as
cenas de ódio continuaram na arquibancada, com brigas entre torcedores do mesmo
time, depreciação das cadeiras do estádio e até mesmo uma briga entre torcidas do
Grêmio e do Palmeiras, separadas por um vidro de acrílico (GLOBO ESPORTE, 2021).

Figura 4 - Torcedores gremistas vandalizando a cabine do VAR

Fonte: Raul Pereira/AFP (R7.COM/2021)

O Grêmio foi denunciado ao STJD pela invasão e pode perder de 1 a 10 man-


dos de campo, além de ser multado. Autoridades locais e o próprio clube têm feito
investigações para identificar possíveis invasores, segundo o site Globo Esporte (2021),
no dia 2 de novembro de 2021, o clube identificou 22 torcedores que estavam envolvi-
dos na invasão e encaminhou ao STJD, a fim de minimizar a pena. Entretanto, no dia
seguinte, o STJD defere a liminar contra o clube gaúcho, em nota, o STJD informa que:
O presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol, Otávio Noro-
nha, deferiu na tarde desta quarta, dia 3 de novembro, a liminar da Procuradoria
da Justiça Desportiva para que o Grêmio mande seus jogos com portões fechados e

115
NVASÕES DE CAMPO POR TORCEDORES NA VOLTA AOS ESTÁDIOS: UMA REFLEXÃO DO
NORTE AO SUL DO BRASIL

não tenha acesso a carga de ingressos nos jogos como visitantes até o julgamento da
Medida Inominada no Pleno (STJD, 2021, p. 1).

Em comunicado oficial após a partida, o tricolor gaúcho afirma ser um clube


engajado em ações e campanhas de conscientização contra qualquer tipo de discrimi-
nação e violência, e não compactua com os atos cometidos no jogo contra o Palmeiras
(GRÊMIO FOOT-BALL PORTO ALEGRENSE, 2021).

DISCUSSÃO

Desportivamente falando, no período em que ocorreram os fatos, os clubes


citados estavam em situações complexas e de considerável crise, deixando o torcedor
preocupado no momento de perigo e/ou frustração em que seu time se encontrava no
campeonato em questão. Dos casos, além da frustração de passar por uma elimina-
ção, o futebol promove uma experiência de batalha até a última possibilidade na luta
contra o rebaixamento de uma divisão inferior e da luta pelo acesso para uma divisão
superior. No meio dessa vivência, há torcedores que se tornam especialistas em proba-
bilidade, outros procuram explorar a sua fé até o limite, tudo isso na busca e no desejo
por um destino melhor ao seu time.
Em meio ao retorno das torcidas aos estádios, vale ressaltar a importância
desse apoio ao time, no estudo de Faria (2021) foi demonstrado que a torcida possui
influência nos resultados dos times mandantes. Ao tratar da torcida no estádio de fu-
tebol, Vasconcelos (2021) traz à tona a troca de emoções e da cativante energia dessa
experiência.
Nessas circunstâncias, o sujeito se junta a uma coletividade que vibra, grita, ameaça
e sente a atmosfera do estádio e dos corpos que lá se reúnem. Nutre, também, um
espírito de co-atuação e de participação direta, acreditando que as próprias condu-
tas são capazes de modificar o resultado das partidas e o desempenho dos atores
implicados (VASCONCELOS, 2021, p. 198).

No entanto, Cratty (1984, apud CORIOLANO; CONDE, 2016) também pon-


tua sobre os modos pelos quais a torcida se comporta e se manifesta, considerando
não somente as verbalizações de apoio e incentivo, mas também da possibilidade de
manifestações de caráter agressivo e violento. Deve se atentar ainda que, uma vez
envolvido na experiência de torcer coletivamente, as atitudes pessoais podem ser de-
terminadas com as manifestações coletivas, sendo ela boa ou não.
Não importa se o sujeito não faz parte da torcida organizada de um dos times em
campo, não importa nem mesmo se não conhece bem os hinos ou códigos de com-
portamento próprios àquele ritual, sem sequer se dar conta, num instante, ele pode
ser comovido : “contaminado” pelo sentimento do outro, tomado pela mesma emo-
ção, levado pelo mesmo comportamento, envolvido na mesma celebração dotada de
um fim em si mesmo (FECHINE, 2002, p. 25 apud VASCONCELOS, 2021, p. 200).

116
FUTEBÓIS DO NORTE

No estudo de Coriolano e Conde (2016), é retratado que o comportamento


emocional dos torcedores, em dias de jogos de futebol, tem demandado investimen-
tos e cuidados em diversas áreas das políticas públicas, principalmente da segurança
social, devido aos altos índices de crimes e violências que ocorrem nesses eventos. E
apesar da evolução na segurança dentro e fora dos estádios, os autores apontam que
o comportamento dos torcedores tem sido uma situação mutável e complexa a cada
evento desportivo, trazendo problemas para os times, a federação de futebol local, a
CBF, a segurança pública e a sociedade em geral, como é o caso das invasões de campo.
O estatuto do torcedor (BRASIL, 2003) garante ao torcedor a segurança nos
locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização
das partidas, entretanto a CBF, federações e os clubes mandantes, devem repensar
as estratégias de segurança em partidas que envolvam e possam oferecer quaisquer
possibilidades de risco e perigo aos torcedores, como partidas que envolvam times
buscando o título ou buscando a permanência na competição, e/ou que tenham um
histórico, recente ou antigo, de violência pelos torcedores, assim como é feito em clás-
sicos, independentemente de ser torcida única ou não.
Netto e Oliveira Junior (2007) corroboram a necessidade de abordar este tema
socialmente tendo em vista que não se pode entender o que se passa na área despor-
tiva sem considerar o que acontece na sociedade, pois se a violência possui diferentes
causas, ela é sem dúvida construída socialmente, e entender a atual situação da socie-
dade pode ajudar na compreensão dos fatos.
Elias e Dunning (1992) são precursores em ver o esporte como um objeto de estudo
sociológico. Na obra citada, os autores procuram mostrar que o esporte pode ser
um dos meios de se observar a sociedade. Parte-se da observação de um fenômeno
social significativo, para analisar formas mais abrangentes de relacionamento e de
comportamento social (NETTO; OLIVEIRA JUNIOR, 2007, p. 1 e 2).

Ao olhar para a sociedade, este estudo observa dois fatores que podem ser de-
terminantes na análise do comportamento desses torcedores nas invasões de campo: 1)
os efeitos da pandemia do coronavírus e 2) o governo de Jair Bolsonaro.
A pandemia do SARS-CoV-2, que começou em 2020, proporcionou a popula-
ção mundial uma série de medidas para conter a disseminação do vírus e o colapso
dos serviços de saúde, além das citadas anteriormente em relação à presença de públi-
co nos estádios, também estão na lista a quarentena, chamada também de isolamento
social, higienização das mãos, usa de máscaras e distanciamento social. Vasconcelos
et al. (2020) procuraram observar os impactos psicológicos na sociedade causados por
essas medidas em estudos, e foi comprovado que os sintomas mais comuns foram an-
siedade, medo, raiva e estresse, diante dessa situação de crise sanitária, podendo ser
agravados ou desenvolvidos mediante a vivência do isolamento social.

117
NVASÕES DE CAMPO POR TORCEDORES NA VOLTA AOS ESTÁDIOS: UMA REFLEXÃO DO
NORTE AO SUL DO BRASIL

Diante do retorno aos estádios em meio à pandemia, foi pensado em diver-


sas questões, como é o exemplo dos estudos de Souza Neto, Campos e Silva (2020),
Koch (2021) e Vasconcelos (2021), entre as quais, indagam se as pressões econômicas
e políticas anteciparam este retorno, quais seriam as medidas obrigatórias individuais
e coletivas para frequentar o local, como seria a experiência de torcer e as emoções
coletivas sem poder aglomerar, entre outras, que só o tempo poderia responder. Este
estudo acrescenta mais uma pergunta a ser respondida, ademais, com o tempo, o tor-
cedor está pronto para o retorno aos estádios após os impactos individuais e coletivos
causados pela pandemia?
Na esfera política, e diante de uma pandemia e de uma polarização da políti-
ca nacional, as ações do presidente Jair Messias Bolsonaro, eleito em 2018, podem ter
influenciado nas atitudes dos torcedores, devido ao seu comportamento e influência
nacional. O estudo de Figueira e Louzada (2021) é firme em pontuar, em território na-
cional e internacional, que as ações dos líderes de países influenciam o comportamento
de seus eleitores e apoiadores.
As ações e falas de Bolsonaro foram cruciais no comportamento do cidadão
brasileiro diante da pandemia, desde a diminuição do isolamento social ao aumento
na incidência da covid-19 nas hospitalizações e mortes, sem contar com a negligência e
divulgação de fake News sobre as vacinas contra a covid-19, onde o presidente foi uma
fonte de desinformação e alienação para os cidadãos brasileiros e de vergonha para as
autoridades sanitárias mundiais (FIGUEIRA; LOUZADA, 2021; MASSARANI et al.,
2021).
Muito antes da pandemia, os posicionamentos autoritários de Bolsonaro sobre
o desejo intenso a favor do porte de armas, e suas falas e discursos de ódio sobre racis-
mo, homofobia, misoginia, vêm implicando nas ações dos seus eleitores. As pesquisas
de Cioccari e Persichetti (2018), Da Silva (2020) e de Figueira e Louzada (2021) expõem
o crescimento dos discursos de ódio e a da violência, dentro e fora das redes sociais.
Isso pode influenciar em episódios de violência em estádios, como os casos
citados, levando em consideração o desrespeito ao ser humano que muitos desses tor-
cedores ignoram em suas atitudes em nome do fanatismo e clubismo, como foi visto
em atitudes violentas contra policiais e jogadores, assim como vemos casos de ódio e
violência em nome do fanatismo político em meio à polarização política vivida no Bra-
sil (CIOCCARI; PERSICHETTI, 2018; DA SILVA, 2020; ZEFERINO, 2020).
Apesar de ser difícil afirmar a causalidade, é interessante notar que das cin-
co cidades onde ocorreram as cenas de invasão de campo, quatro delas tiveram Jair
Bolsonaro, na época filiado ao Partido Social Liberal (PSL), como maior percentual de

118
FUTEBÓIS DO NORTE

votos a favor nas eleições presidenciais de 2018, no segundo turno, contra Fernando
Haddad do Partido dos Trabalhadores (PT), conforme a figura 5.

Figura 5 - Porcentagem (%) dos municípios onde ocorreram os casos de invasões de campo por torce-
dores em relação ao voto presidencial nas eleições do 2º turno em 2018.
Jair Bolsonaro (PSL) Fernando Haddad (PT)
65,72

54,93 56,98
52,98 52,5
45,07 47,02 47,5
43,15
34,28

Belém/PA Manaus/AM Natal/RN Porto Alegre/RS Recife/PE

Fonte: Mapa de apuração de votos da eleição do 2º turno (G1, 2018)

Tais influências tendem a se difundir de forma intensa, pois quanto maior for
à identificação dos sujeitos com um determinado grupo, maior é a chance de aderirem
e se engajarem em ações semelhantes, tendo a liberdade de, se preciso, tomar posi-
cionamentos mais extremos a fim de comprovar que está alinhado e incluído, ideolo-
gicamente, com o grupo (FIGUEIRA; LOUZADA, 2021). Zaferino (2020), em sua dis-
sertação, analisou as associações entre agressividade e os traços de personalidade em
torcedores de futebol.
Os principais resultados apontaram que a personalidade foi preditora de agressivi-
dade em torcedores de futebol e, além disso, verificou-se que o fanatismo foi uma
variável mediadora da relação entre personalidade e agressividade. Esses resulta-
dos confirmaram que variáveis intrínsecas do indivíduo como a personalidade e o
fanatismo podem auxiliar no entendimento da agressividade dos torcedores. Além
disso, constatou-se que variáveis sociodemográficas e hábitos e condutas se correla-
cionaram com a agressividade e podem exercer influência no comportamento destes
torcedores (ZEFERINO, 2020, p. 74).

É importante pontuar que tais comportamentos, sejam eles abertos ou ocultos,


são provenientes de cada pessoa, independentemente de sua ligação política ou de seu
caráter, entretanto, é inegável a possibilidade de libertação deste sentimento, também,
pelas influências de Bolsonaro.
Os resultados da pesquisa de Zeferino (2020) evidenciam a forte ligação da
personalidade com o fanatismo e a agressividade em torcedores de futebol, esses fa-
tores também são alimentados por Bolsonaro aos seus seguidores, que, com discurso
de ódio e fake News, propagam os ideais e confrontam os que não compactuam com
a sua ideologia, praticas que se confundem com um torcedor de futebol fanático pelo

119
NVASÕES DE CAMPO POR TORCEDORES NA VOLTA AOS ESTÁDIOS: UMA REFLEXÃO DO
NORTE AO SUL DO BRASIL

seu clube, capaz de cometer atos violentos, para o seu clube e contra o seu adversá-
rio.

CONCLUSÃO

Dessa maneira, ao analisarmos desportivamente os casos de invasões de cam-


po causadas pelos torcedores no retorno das torcidas ao estádio no momento de fle-
xibilização das medidas de prevenção contra a pandemia de covid-19, verificamos
similaridades entre os acontecimentos, como as situações de crise dos clubes, as pos-
sibilidades de queda para divisão inferior e de não acesso a divisão superior, e de eli-
minação em competições, o que causaram revoltas em parte de seus torcedores e que
ocasionaram nas invasões de campo. Foi constatado também que, apesar do avanço de
políticas públicas para o torcedor no estádio, não se pode controlar o comportamento
do torcedor, que, em situações de euforia ou revolta, são mutáveis, entretanto, devem
ser repensadas as estratégias de segurança em jogos de times que estejam enfrentando
lutando contra uma crise ou para o título.
Buscando investigar, indagar e levantar hipóteses sobre as possíveis causas
das invasões de campo, o estudo abordou, socialmente, os fatos decorrentes da pande-
mia e dos efeitos sociais causadas pelas falas e posicionamentos do presidente do Bra-
sil eleito em 2018, apontando a possibilidade de que, com a pandemia, os torcedores
possam ter tido suas emoções elevadas e psicologicamente afetadas pelo isolamento
social, além da relação comum entre personalidade e fanatismo de torcedores e eleito-
res de Bolsonaro, salientando sobre o poder que as ações do presidente influenciam o
comportamento dos cidadãos. O estudo reforça a necessidade da continuação de pes-
quisas sobre os comportamentos dos torcedores diante das emoções oferecidas pelo
futebol e demais desportos.

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123
CAPÍTULO 8

TORCIDAS ORGANIZADAS DE FUTEBOL


EM BELÉM/PA: FESTA, VIOLÊNCIA E
SOLIDARIEDADE
Samuel Rodrigues da Costa Melo1
Glaucy Learte da Silva2

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.8

1  Universidade Federal do Pará- UFPA, Belém, Pará, Brasil.


2  Universidade Federal do Pará- UFPA, Belém, Pará, Brasil.
TORCIDAS ORGANIZADAS DE FUTEBOL EM BELÉM/PA: FESTA, VIOLÊNCIA E SOLIDARIEDA-
DE

RESUMO

E ste artigo faz parte de alguns estudos que estão sendo realizados referen-
tes à temática das torcidas organizadas de futebol, especificamente em Be-
lém do Pará. O objetivo é demonstrar que as torcidas organizadas são importantes não
só no cenário local, mas mundialmente, porém, o mundo futebolístico está permeado
de conflitos entre torcidas organizadas rivais e até mesmo entre torcidas pertencentes
ao mesmo time. Para isso, será feita uma reflexão sobre as torcidas organizadas em
três aspectos: festas, violência e solidariedade. Tomamos como objeto de análise as
torcidas Tradição Uniformizada Torcida Bicolor (TUTB) e Banda Alma Celeste (BAC),
que torcem para o Paysandu Sport Club, e Torcida Remista (TOR), a qual torce para o
Clube do Remo.

Palavras-chave: Torcidas organizadas; Festa; Violência; Solidariedade.

INTRODUÇÃO

As Torcidas Organizadas (TOs) de futebol no Brasil e em outras partes do


mundo, muitas vezes, são conhecidas por estigmas em relação à sua organização ao
modo de torcer. Existe um senso comum entre os membros das torcidas quanto à clas-
sificação atribuída aos membros das torcidas organizadas geralmente vinculada pela
imprensa. Em um estudo a partir da vivência com membros das TOs, percebe-se que
não há somente a violência, mas outras atitudes, como, por exemplo, as torcidas or-
ganizadas, em dias de jogos, são responsáveis pelos espetáculos nas arquibancadas,
promovem ações solidárias, dentro e fora de campo, tais como: doação de sangue,
distribuição de alimentos, brinquedos, organização de festas em alusão ao Dia das
Crianças, Natal etc.
Para estudar a temática em questão, faz-se necessário primar pelo cuidado
com a abordagem, haja vista que o tema é polêmico, pois, no entendimento de muitas
pessoas, as torcidas organizadas são compostas por indivíduos desocupados, mal-in-
tencionados e grupos criminosos, que objetivam apenas realizar atos violentos em dias
de jogos, ou seja, não estão preocupados com o clube, daí a extinção de algumas torci-
das organizadas no Brasil. O Estatuto do Torcedor não proíbe a formação ou criação de
torcida organizada, deixando claro que todos têm o direito de torcer nos estádios, seja
em grupos ou individualmente, porém, a pessoa que cometer esses atos será punida.
Devido ao envolvimento de alguns membros em brigas nos estádios, a Justiça
passou a proibir e, em alguns casos, até a extinguir determinadas torcidas organiza-
das, no entanto, algumas torcidas continuam atuando nas arquibancadas dos estádios.

126
FUTEBÓIS DO NORTE

A extinção de uma torcida ou a proibição são duas determinações diferentes. Deter-


minadas torcidas só ficam proibidas por um certo período de frequentar os estádios;
já na extinção, elas ficam definitivamente proibidas em frequentar os estádios – essa
proibição abrange o uso do nome da torcida.
No estado do Pará, podemos citar duas torcidas extintas, quais sejam: Torci-
das Uniformizadas Terror Bicolor (TUTB), ligada ao Paysandu Sport Club, e Torcida
Organizada Remoçada (TOR), ligada ao Clube do Remo.1 A punição foi para ambas
as agremiações, o que levou à proibição até mesmo de usar os nomes pelos quais são
conhecidas no universo das torcidas organizadas.
As extinções, em termos jurídicos, são aplicadas a partir de comportamentos
de membros das TOs, caracterizados como violentos, nos estádios ou fora deles, com
brigas entre membros de diferentes torcidas organizadas (em geral, por rivalidade
entre torcidas de times diferentes ou até mesmo por torcidas organizadas que torcem
pelo mesmo clube). Todavia, as torcidas “extintas” pela justiça continuam presentes
nas arquibancadas dos estádios. Isso acontece porque esses grupos apenas alteram
seus nomes sociais, mantendo os integrantes, as ideologias, os símbolos etc., haja vista
que não existe uma proibição à mudança de nomes das torcidas organizadas.
Como já foi mencionado, ao falarmos em torcidas organizadas, são geralmen-
te mostradas brigas entre as torcidas e cobranças enérgicas aos jogadores do clube ao
qual pertence a TO. No entanto, as torcidas organizadas não são só violência, são im-
portantes também dentro e fora dos estádios de futebol.

PERCURSOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

Devido ao cenário pandêmico ocasionado pela COVID-19, que culminou na


morte de milhares de pessoas no mundo inteiro, e ao longo2 período em que as tor-
cidas foram afastadas dos estádios, utilizamos referências bibliográficas para emba-
samento e compreensão da temática abordada, além de materiais que já haviam sido
utilizados para outras análises, como matérias de jornais on-line. As torcidas já estão
retornando aos estágios e abrilhantando as partidas de futebol, fato que oportuniza
tanto a continuidade das demonstrações de paixão pelos clubes quanto o desenvolvi-
mento de produções acadêmicas, voltadas ao cenário futebolístico.

1  Nota-se que, nas duas torcidas, as letras iniciais são mantidas tanto nos nomes anteriores quanto nos nomes atuais.
2  A COVID-19 é uma infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, potencialmente grave, de elevada
transmissibilidade e de distribuição global.

127
TORCIDAS ORGANIZADAS DE FUTEBOL EM BELÉM/PA: FESTA, VIOLÊNCIA E SOLIDARIEDA-
DE

Torcidas Organizadas como festa

As torcidas organizadas são grupos de torcedores diferenciados dos torcedo-


res comuns. Elas utilizam camisas exclusivas e padronizadas, com símbolos, bandeiras
e mascotes representando as torcidas. É como um time que torce para um time: “im-
põem limites, hierarquias, vestem-se de maneiras diferenciadas, criam padrões esté-
ticos de como se torcer, gostos e comportamentos, que se traduzem em intervenções
coletivas no meio urbano” (TOLEDO, 1996, p. 118).
No entanto, um ponto partilhado entre o torcedor organizado e o torcedor
comum é o elevado poder de vibração pelo seu time e, ao mesmo tempo, uma busca
exagerada pela defesa da bandeira do seu clube. É normal entre torcedor comum e
torcedor organizado haver o sentimento de superioridade de seu clube de coração
em relação ao adversário. Temos, em Belém do Pará vários clubes de futebol, porém,
dois clubes da capital, Clube do Remo e Paysandu Sport Clube, ganham destaque pela
quantidade de torcidas organizadas e torcedores comuns, que são rivais declarados.
Murad (2012) descreve que, no Brasil, antes do surgimento das torcidas orga-
nizadas, no final da década de 1960 e início da década de 1970, existiam as charangas,
que faziam a animação da torcida nas arquibancadas no dia de jogo. As charangas
tinham destaque nos clubes das cidades dos interiores do Brasil, ainda faziam festas
nos estádios de cidades pelo país.
Algo curioso sobre o início desse movimento de torcedores é que, entre esses
grupos de animadores, era comum o comportamento de cavalheirismo após uma par-
tida de futebol: “a torcida do time que ganhava a partida pagava, isso mesmo, paga-
vam, o jantar para a torcida do time derrotado” (MURAD, 2012, p. 89).
Então, pode-se dizer que as torcidas organizadas possuem raízes festivas nos
estádios e, além disso, acreditamos que dificilmente sem torcidas organizadas a beleza
dos estádios ou os jogos seriam os mesmos. É interessante perceber quando um clube
comemora algum título. Nas imagens em jornal impresso ou nas transmissões, quase
sempre aparecem os torcedores organizados puxando e cantando os cânticos.

128
FUTEBÓIS DO NORTE

Figura 1 - Torcida do Paysandu em dia de jogo

Fonte: Site Oficial do Paysandu Sport Club

Em dia de jogos, integrantes da TUTB chegam, em média, de duas a três horas


antes das partidas começarem. Eles enfeitam as arquibancadas com suas faixas, levam
os seus instrumentos musicais, como bateria; e se forem jogos em que a torcida resolva
fazer mosaico, os integrantes têm que deixar todas as peças em seus devidos lugares,
para que nada de errado aconteça (MELO, 2018).
Durante a partida, os cânticos, a agitação geral da torcida, são ditados pelo
ritmo dos torcedores organizados. Dificilmente observaremos um torcedor comum
(aquele torcedor sozinho no meio da multidão) conseguir puxar um hino e todos os
torcedores cantarem. Isso difere de quando um torcedor de uma torcida organizada
começa a puxar um cântico. Ele alcança, em geral, uma imensa dimensão em relação à
torcida. Para exemplificar, nas torcidas organizadas, há a figura do puxador. Essa pes-
soa é responsável por compor as letras ou iniciar os cânticos que serão entoados nos
estádios. Torcidas grandes, normalmente, possuem mais de três puxadores.
Nos estádios de futebol, em dias de jogos, as torcidas organizadas têm seus
locais já definidos nas arquibancadas. Quando as torcidas estão proibidas de assistir
aos jogos do seu time, elas não deixam de assistir, pois os torcedores organizados não
levam suas bandeiras ou não se vestem com os uniformes da torcida. Contudo, eles
são fáceis de serem identificados, visto que costumam ficar no local marcado e cantam
os hinos específicos das torcidas. Então, dificilmente, uma torcida organizada é extinta
por completo, sempre vão estar presentes nos estádios. Apesar de toda a organização
para celebrar o jogo, a vitória, há também os encontros cujo enfoque é a violência, o
confronto com os times rivais.

129
TORCIDAS ORGANIZADAS DE FUTEBOL EM BELÉM/PA: FESTA, VIOLÊNCIA E SOLIDARIEDA-
DE

AS TORCIDAS ORGANIZADAS E A VIOLÊNCIA

As torcidas organizadas, além de defenderem as cores e os símbolos de seus


clubes, estendem essa defesa para os próprios símbolos referentes às torcidas3. Tal
defesa está presente até mesmo entre os integrantes, pois o integrante de uma torcida
é visto como irmão, sendo assim, muitas vezes, impossibilita compreender a distinção
entre a paixão pelo time e a paixão pela TO: “determinadas condições de elevada ex-
citação [...] consideradas como anormais em qualquer pessoa e, no caso de multidões,
como um perigo prelúdio de violência” (ELIAS; DUNNING, 1992, p. 69).
Em dias de jogos, o principal objetivo das torcidas organizadas é reunir o maior
número de integrantes em um espaço das arquibancadas, buscando sempre o mesmo
lugar, com o intuito de torcerem por seu clube. Em geral, essas organizações acarretam
confusões nas arquibancadas ou nas proximidades do evento esportivo.
Em conversas informais, um diretor de uma torcida organizada de Belém
afirmou: “na nossa torcida, a maioria vai pra torcer e alguns vão para fazer confusão”
(informação verbal). Percebe-se, nessa afirmação, que alguns integrantes já caminham
para os estádios com a intenção de praticar atos violentos nos dias de jogos.
O ex-vice-presidente de uma das torcidas organizadas foi questionado sobre
o estigma da violência como principal identidade das TOs. Como resposta, o membro
citou que
primeiramente os governantes deveriam criar políticas públicas na periferia, pois a
maior parte de integrantes das torcidas organizadas é composta por “molecadas”
[indivíduos na adolescência] que pertencem à periferia, e é essa “garotada ‟que traz
todo o contexto violento de suas vivências do dia a dia para a torcida. (informação
verbal).

Em Belém, são recorrentes os episódios de violência entre os torcedores locais,


pois a rivalidade entre os clubes é centenária, e a tensão é maior nos dias do chamado
clássico RExPA, quando os dois times se confrontam. Ademais, cumpre frisar que os
estádios de ambos os times ficam localizados próximos um do outro, distantes cerca
de 1 km, conforme ilustra a figura 2 abaixo.

3  Os símbolos das torcidas são: bandeiras, camisas, bonés e tudo que faz referência à torcida.

130
FUTEBÓIS DO NORTE

Figura 2 - Distância entre dois estádios de futebol em Belém

Fonte: Google Maps

O que nos chama a atenção entre os integrantes das torcidas organizadas,


mesmo com os problemas que acontecem dentro delas, é que há um respeito e efeito
de comoção ao bem-estar de todos os membros. Isso ocorre devido “à importância da
torcida organizada na vida de seus integrantes, a fidelidade a eles e a subordinação e
a submissão os seus chefes e presidentes” (REIS, 2006, p. 67).
Sabemos que, no início, antes da denominação “Torcida Organizada”, na épo-
ca das charangas4, não havia esse lado da violência, haja vista que, nos anos 40, as
torcidas possuíam um lado de respeito com a torcida oponente. Contudo, a sociedade
passa por inúmeras transformações com o passar do tempo.
Os comportamentos observados em torcidas organizadas, à primeira vista, po-
dem parecer similares aos dos hooligans. Elias e Dunning (1992) analisam os hooligans
como um ponto de surgimento de torcedores organizados, porém, os objetivos dos
hooligans são a luta, a briga e o desejo de espancar seu rival. Entre eles, há ideologias
políticas, levando a ideias preconceituosas, como o machismo, no entanto, várias dife-
renças entre os grupos podem ser destacadas. Os hooligans não têm local definido para
encontro; seus locais de encontro variam entre bares e praças públicas não específicas;
não usam uniformes padronizados; não possuem mascotes; não definem denomina-
ção para os grupos.
As torcidas organizadas, por sua vez, têm locais definidos (sedes) para en-
contro. Elas usam uniformes padronizados, são conhecidas por nome e tendem a não
possuir ideologia política. Todavia, ambos os grupos se assemelham na característica
de excitação pela busca da violência e em defesa de espaço ou território.
4  Pode-se dizer que as charangas são alicerces para o surgimento das torcidas organizadas.

131
TORCIDAS ORGANIZADAS DE FUTEBOL EM BELÉM/PA: FESTA, VIOLÊNCIA E SOLIDARIEDA-
DE

Toledo (1996) comenta que, apesar das TOs apresentarem características dife-
rentes dos hooligans, esses grupos possuem semelhanças em relação à prática da vio-
lência. Ambos a utilizam como uma forma de domínio de seus rivais, porém, distin-
guem-se em seus estilos de torcer, pois as torcidas organizadas (brasileiras) possuem
particularidades carnavalescas nas arquibancadas.
Em Belém, tínhamos (temos) as duas maiores torcidas organizadas da Região
Norte: de um lado, a Torcida Uniformizada Terror Bicolor (TUTB), que torce para o
Paysandu Sport Club; e, do outro, a Torcida Organizada Remoçada (TOR), a qual torce
para o Clube do Remo. No entanto, por vários conflitos envolvendo brigas e até mor-
tes de integrantes de ambas as torcidas, a justiça aplicou como penalidade a extinção
delas, porém, elas continuam existindo, refundadas e ocultadas por meio de novas
siglas, como TUTB (Tradição Uniformizada Torcida Bicolor) e TOR (Torcida Remista).
Assim, elas estão extintas apenas no papel, pois continuam a existir; mudam os nomes,
mas seguem com as mesmas letras iniciais tanto nos antigos nomes como nos atuais.
Segundo o ex-diretor da TUTB, “se a justiça nos extinguir, a gente nunca vai acabar,
porque vamos dar um jeito em voltar”.
Tais mudanças de nomes nos levam a compreender que, mesmo que o Direito
(Ciência Jurídica) utilize normas ou regras para determinados indivíduos ou grupos,
essas pessoas não são obrigadas a seguir as normas ou regras do outro. A respeito dis-
so, Elias e Dunning (1992) afirmam que determinadas normas seguidas por um grupo
não são, necessariamente, aplicáveis a outros grupos, e ainda acrescentam que o que é
imposto a um grupo pode ser ignorado por seus integrantes que assim desejam agir.
Observa-se que os principais prejudicados pelos atos violentos relacionados
às torcidas organizadas são os torcedores comuns, que acabam se afastando de seus
momentos de lazer e entretenimento devido à violência e ao risco de exposição. Lopes
(2012) descreve que o torcedor comum está contido em duas categorias: o torcedor so-
litário, porém, não participante em atos de desordem; e o torcedor que comparece ao
estádio com sua família. O autor acrescenta que os torcedores responsáveis por atos de
violência estariam afastando esses torcedores comuns.
Entretanto, não é só entre as torcidas rivais que há confronto, existem rivali-
dades dentro das torcidas dos clubes, que entram em confronto, como ocorreu no ano
de 2017, em uma partida entre Paysandu e Luverdense5 pela Série C do Campeonato
Brasileiro. Neste jogo, as torcidas organizadas TUTB e BAC6 se envolveram em uma
briga nas arquibancadas do estádio da Curuzú. Segundo informações de integrantes
de uma das torcidas, a confusão aconteceu devido ao Paysandu não apresentar bons

5  Luverdense é um clube brasileiro que pertence à cidade de Lucas do Rio Verde, situada no estado do Mato Grosso.
6  Eles não se consideram como torcedores organizados, porém, nesse episódio, a polícia militar aplicou sanções como de torcida
organizada.

132
FUTEBÓIS DO NORTE

resultados, o que levou à cobrança tanto de torcedores comuns quanto de torcidas or-
ganizadas que cobravam um melhor desempenho do time em campo.
O episódio acima fez com que, no dia seguinte, a mídia publicasse diversas
matérias se referindo à TUTB como culpada pelo conflito, possivelmente, por um fato
ocorrido uma semana antes, quando a BAC teria levado uma bandeira LBGT para uma
partida de futebol, sendo homenageada por esse ato como a primeira torcida do Brasil
a levantar causas sociais nas arquibancadas. Após o episódio, o Paysandu Sport Clube,
na figura do Presidente, convocou os representantes das duas torcidas para entender o
que aconteceu, e pediu que elas não se tornassem inimigas ou prejudicassem o clube.
Até o momento, as torcidas não voltaram a praticar violência.
Conforme relato da Diretoria TUTB, esse episódio acarretou mais um pedido
de extinção da torcida. Após uma suspensão por quatros jogos, nos quais não pude-
ram levar seus instrumentos musicais, voltaram a frequentar os estádios.

AS TORCIDAS ORGANIZADAS E A SOLIDARIEDADE

Apesar de todo o processo que envolve as torcidas organizadas no que se re-


fere à violência, há um segmento que poucas pessoas conhecem, o da solidariedade.
Assim, torcidas rivais se unem com torcidas parceiras – até mesmo de outros clubes – e
realizam ações voluntárias, como as distribuições de brinquedos e cestas básicas em
dias comemorativos (Páscoa, Dia das Crianças e Natal).
Essa solidariedade das TOs se manifesta também no acolhimento de torcidas
de outros estados em suas sedes em dias de jogos, as quais são chamadas aliadas.
Trata-se de torcidas que mantêm fortes vínculos de amizade entre seus integrantes,
que atuam como membros da mesma família. Nessas torcidas, é permitido o uso de
itens simbólicos (boné, camisas etc.) em dias de jogos envolvendo os times das torcidas
aliadas. Como exemplo, em um jogo entre Paysandu e Ceará, é comum ver bandeiras
da torcida organizada CEARAMOR junto a bandeiras da TUTB, além de materiais
comercializados nas lojas das torcidas aliadas7.
Outra boa ação que as torcidas organizadas de Belém realizam é a organiza-
ção de mutirões de incentivo à doação de sangue, além da preparação dos chamados
“sopões” a serem distribuídos aos moradores de rua. Ações como estas transformam
os eventos em uma disputa sadia entre os torcedores, como quando um clube arrecada
mais alimentos, um time que leva mais torcedores para doar sangue (figura 3). Isso faz
com que o outro realize uma ação maior para dar mais visibilidade à torcida.

7  Essa união das torcidas organizadas é benéfica para ambas as partes, pois, quando os integrantes da TUTB ou da CEARAMOR,
por exemplo, viajam para assistir aos jogos fora de seus estados, não há gastos com hospedagens e outros fatores, visto que a
maior parte das caravanas é hospedada na sede de uma torcida aliada ou nas residências de seus integrantes. Outra vantagem é
que os integrantes tendem a participar de jogos com torcidas aliadas, aumentando o número de torcedores nas arquibancadas.

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TORCIDAS ORGANIZADAS DE FUTEBOL EM BELÉM/PA: FESTA, VIOLÊNCIA E SOLIDARIEDA-
DE

Figura 3 - Solidariedade entre os clubes

Fonte: Rede Pará. Disponível em: https://redepara.com.br/. Acesso em: 18 out. 2021

Quanto às ações de solidariedade, a parte das torcidas organizadas que chama


a atenção é o setor de ação social, tanto que existe, na composição da diretoria, o di-
retor de ação social, responsável pelas ações sociais que acontecem nas torcidas. Tais
ações não ganham muita divulgação pela mídia, causando a indignação dos líderes da
TUTB. Um dos primeiros integrantes da torcida relata que:
a TUTB faz ação social desde os primeiros anos de fundação, mas a mídia não di-
vulga e muito menos vem nos acompanhar, sempre convidamos a imprensa, porém
eles nunca vem, mas se ela (imprensa) soubesse que marcamos um encontro com
uma torcida rival para tocar o terror, tenho certeza que vinham e iriam divulgar em
primeira capa dos jornais.

É interessante que os objetivos dessas iniciativas têm como principal moti-


vação levar alegria e divertimento às crianças carentes e às pessoas que necessitam,
independentemente do time para o qual torcem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreende-se que as torcidas organizadas demonstram várias facetas para


serem analisadas. As torcidas são importantes para o ambiente do futebol, haja vista
que elas conseguem excitar a multidão que está presente nos estádios, são responsá-
veis pelo embelezamento das arquibancadas e se dedicam ao clube e à torcida. Geral-
mente, são os integrantes de torcidas organizadas que organizam e criam, nos míni-
mos detalhes, para que nada saia errado no espetáculo.
Além da beleza das festas, há problemas de violência física entre torcidas or-
ganizadas. Muitas vezes, isso leva à morte de integrantes desses grupos e, com os
sucessivos conflitos, às duas maiores torcidas organizadas de Belém. Outro ponto re-

134
FUTEBÓIS DO NORTE

levante é o espírito de solidariedade, observado no companheirismo das torcidas or-


ganizadas, em que se dá total assistência aos aliados quando chegam em seus estados,
que vai desde a hospedagem até a união das torcidas nos estádios de futebol, além das
práticas de ações sociais.
Portanto, pode-se entender que a torcida organizada, além de ter uma paixão
pelo clube, também mantém uma paixão pelo grupo de torcedores. Desse modo, as
emoções ultrapassam os estádios, levando os sentimentos para o dia a dia. Tal paixão
não se explica, mas contagia os amantes de futebol e aguça a curiosidade de compreen-
der esse fenômeno social.

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136
CAPÍTULO 9

O IMAGINÁRIO NA NARRAÇÃO
ESPORTIVA: RÁDIO CLUBE DO PARÁ E
A COBERTURA DO ESPORTE1
Magno da Câmara Fernandes2
Arcângela A. Guedes de Sena3

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.9

1  Artigo final apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo na Faculdade Estácio do Pará. Publicado
originalmente em: Puçá - Revista de Comunicação e Cultura da Faculdade Estácio do Pará - Belém, Ano 5, Vol. 5, no 2. Ago./Dez.
2019 ISSN - 2526-4729.
2  Faculdade Estácio do Pará - FAP, Belém, Pará, Brasil.
3  Faculdade Estácio do Pará - FAP, Belém, Pará, Brasil.
O IMAGINÁRIO NA NARRAÇÃO ESPORTIVA: RÁDIO CLUBE DO PARÁ E A COBERTURA DO
ESPORTE

RESUMO

E sta pesquisa acadêmica visa analisar a interação que há entre narradores e


ouvintes da Rádio Clube do Pará1 durante as transmissões de futebol, que
é a marca principal da emissora, e como se dá essa ligação através das mídias digitais
e que modificações ela promove nessa relação de imaginário popular que também é
repleta de grandes emoções. Para a realização deste trabalho recorremos a vários au-
tores que falam do rádio nos seus mais diversos aspectos, dos seus primórdios até os
dias atuais. O trabalho baseou-se em autores como GIL (2002), LAGE (2004), JENKINS
(2008), e RECUERO (2009). Como metodologia fora utilizada a netnografia, com en-
trevistas fechadas feitas com torcedores pela internet por intermédio do Google Forms.
Também foram incluídas entrevistas com os narradores esportivos e mapeamento de
relatos dos ouvintes por intermédio das redes sociais da emissora.

Palavras-chave: Jornalismo esportivo; Rádio Clube do Pará; Narração esportiva; Fu-


tebol.

INTRODUÇÃO

O futebol e o rádio se popularizaram no Brasil entre os anos de 1920 e 1930.


Conforme cita SOARES (1994, p.18) “anteriormente, à década de 30, quem quisesse
saber algo sobre o desenvolvimento de um jogo, no momento em que ele estava se
realizando, tinha que ir ao estádio”. Aos poucos, este elo foi se estreitando e hoje as
transmissões de futebol são uma realidade em, praticamente, todas as emissoras ins-
taladas no país.
O rádio esportivo foi essencial para a transformação do futebol em esporte de massa
e um importante complemento na definição do rádio como meio de comunicação
de massa. O ponto de partida deste processo é a primeira narração detalhada de um
jogo de futebol. (SOARES, 1994: p.17)

E é sobre esse vínculo da narração com o esporte, fenômeno que ganhou pe-
culiaridades no país, que vamos focar como percurso para a construção desta pesqui-
sa acadêmica, tendo no rádio, o veículo de comunicação de massa responsável pela
criação de uma nova maneira de acompanhar esportes. LIMA (2003, p.33), afirma que
“o rádio é o mais popular e democrático dos veículos de comunicação de massa, justa-
mente por sua penetração, atingindo a todo e qualquer cidadão”. Na Região Norte do
Brasil, a Rádio Clube do Pará procura sempre evidenciar as relações emocionais com

1  A Rádio Clube do Pará surgiu cinco anos depois da abertura da primeira rádio brasileira, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro,
fundada em 1923.

138
FUTEBÓIS DO NORTE

os clubes – de modo especial, Remo2 e Paysandu3 - e levando os ouvintes a construírem


imagens no pensamento, a partir das narrações esportivas.
O locutor não vê o ouvinte e o ouvinte não vê o locutor. Essa comunicação cega re-
quer o conhecimento da identidade dos ouvintes. Identificado, é preciso colocar-se
permanentemente na sua pessoa, reagindo por ele, dirigindo-se a ele imaginando
seus anseios e sua maneira de pensar, para mesmo distante, estabelecer uma aproxi-
mação. (PORCHAT, 1989, p. 98)

Fundada em 1928, a partir da paixão dos idealizadores Roberto Camelier, Eri-


berto Pio e Edgar Proença, a Rádio Clube do Pará é a emissora mais antiga do Norte e a
quarta em todo o Brasil, por conseguinte foi a 1ª a transmitir jogos de futebol na região,
no ano de 1935, com narração do próprio Edgar Proença, assim como o 1º programa es-
portivo denominado de “Cartaz Esportivo”, indo ao ar em 1939 - e que até hoje segue
na programação da emissora.
Num transmissor construído aqui mesmo, de quase nenhuma potência, mas capaz
de registrar os sons paraenses nos céus de Belém, o Rádio Clube do Pará começou
numa sala da antiga Casa Relâmpago e depois no largo da Trindade…Então, sua
programação era diária, com programas que iam das 12 às 14 horas e das 20 às 22
horas, reunindo artistas e intelectuais da terra em audições muito bem recebidas.
Era, então, a PRAF – a Voz do Pará. (JORNAL RELÂMPAGO, 22/04/1978)

A Rádio Clube do Pará, ou PRC-5, era conhecida inicialmente e tendo como o


prefixo “a voz que fala e canta para a planície” e depois no seu auge sendo reconheci-
da como “A poderosa”, com sua equipe esportiva foi a 1ª do Norte transmitir a uma
partida de Copa do Mundo, conforme é destacado no site da emissora, dando mais
importância a sua representatividade no cenário esportivo regional, que foi a final de
1950, no estádio do Maracanã, Rio de Janeiro, onde o Brasil perdeu por 2 x 1 para o
Uruguai. A narração ficou a cargo de Edyr Proença, filho de Edgar Proença.
A locução no rádio é muito rápida, isso para não correr o risco da perda de
um lance importante e também para que não dê tempo de o ouvinte mudar de estação.
“O rádio provoca a imaginação do ouvinte, o que faz dele um veículo mobilizador e
lúdico. O ouvinte associa imagens ao som que lhe são oferecidos”. LIMA (2001, p.35).
Ainda partindo da questão do ritmo de jogo imposto pelos narradores esportivos,
BARBEIRO E RANGEL (2006, p.65) mostram como funcionam, as descrições das joga-
das durante a partida.
O tom de trabalho era a bola rolando: o locutor perseguia a ação de forma incansável
e muitas vezes se esquecia totalmente de fatos relevantes no estádio ou no campo. O
ouvinte percebia que alguma coisa estava ocorrendo, mas ele só ouvia a descrição da
bola. Quando ela saía de jogo, o narrador aproveitava para ouvir seus companhei-
ros. Voltava a bola e era difícil conseguir interromper a transmissão. (BARBEIRO E
RANGEL, 2006, p.65)

2 O Clube do Remo foi fundado em 5 de fevereiro de 1905 e reorganizado em 15 de agosto de 1911 para se tornar um monumento
esportivo do Pará e patrimônio do esporte nacional.
3 O Paysandu foi fundado em 2 de fevereiro de 1914. Liderados por Hugo Manoel de Leão, os integrantes do Nort Club entraram
em litígio com a Liga Paraense de Foot-Ball e criaram um novo clube no estado.

139
O IMAGINÁRIO NA NARRAÇÃO ESPORTIVA: RÁDIO CLUBE DO PARÁ E A COBERTURA DO
ESPORTE

A entonação do narrador esportivo no rádio permite perfeitamente que o ou-


vinte esteja com a noção de por onde anda a bola no gramado de jogo. É o ritmo dado,
a vibração e as preferências a setores de campo, que muitas das vezes são citadas por
uso de jargões como “está rolando o balão de couro na zona do agrião”, “escanteio de
mangas curtas”, “tem perigo no quintal do vizinho” que faz cada narrador ter o seu
diferencial para que haja maior aproximação com o público ouvinte e nisso se estabe-
lece uma relação mútua.
O objetivo desse artigo é analisar a participação e o envolvimento do torce-
dor/ouvinte paraense em uma relação direta para com a Rádio Clube do Pará, a partir
da narração feita ao longo das transmissões realizadas nos jogos entre os dois princi-
pais clubes da nossa região, que são Clube do Remo e Paysandu Sport Club. Visa-se
mapear as mensagens publicadas pelos ouvintes/torcedores no Twitter4, Facebook5,
e no site da Rádio Clube do Pará, sobre as narrações esportivas; analisar a reação dos
torcedores através das redes sociais para com os narradores da emissora; e compreen-
der como a emoção empregada nas narrações esportivas no rádio interfere na reação
do ouvinte, através das mídias digitais.
O motivo para escolha e realização dando ênfase ao tema deste trabalho sur-
giu da união de duas paixões: o futebol e o rádio. Participando das transmissões espor-
tivas da Rádio Clube, vivenciando a emoção do torcedor nos estádios e observando a
interatividade sempre presente na programação da emissora, pude perceber ao longo
do período em que faço parte da equipe de esportes da emissora que paixão e emoção
sempre foram o trabalho do rádio esportivo, pois ele aprendeu a lidar com esses sen-
timentos, cativando seus ouvintes, resistindo ao tempo e principalmente aos desafios
que lhe surgiram.
Este trabalho relata a relação do torcedor paraense com a Rádio Clube do Pará,
tendo em vista sua grande influência na sociedade por intermédio das coberturas es-
portivas; além disso, a pesquisa ressalta a importância do jornalismo esportivo nas
diferentes formas de conhecimento que pode gerar dentro da comunidade acadêmica
relevantes contribuições de pesquisa na formação profissional.
Ainda hoje, por vezes, o ator principal do espetáculo é o narrador, e em torno dele
gira a transmissão. Ele adquire mais importância do que o próprio jogo e permite
apenas poucas e pobres intervenções do comentarista. Há pouca avaliação técnica
do árbitro e muita avaliação constante e contribui para a espetacularização da notí-
cia. (BARBEIRO E RANGEL, 2006, p.67)

4  O Twitter foi fundado por Jack Dorsey, Biz Stone e Evan Williams ainda em 2006. Cada usuário pode escolher quem deseja
seguir e ser seguido por outros. Permite o envio de mensagens denominadas tweets de até 280 caracteres.
5  Criado em 2004, pelo americano Mark Zuckerberg enquanto este era aluno de Harvard, o Facebook é hoje um dos sistemas com
maior base de usuários no mundo. Os usuários criam perfis com fotos e informações pessoais, adicionam amigos em sua rede de
contatos e interagem uns com os outros.

140
FUTEBÓIS DO NORTE

O improviso é uma técnica fundamental para realizar uma boa narração es-
portiva. BARBEIRO E RANGEL (2006, p.66), nos relatam bem essa técnica, quando
eles propõem que o "improviso'' é sinônimo de preparo e conhecimento do assunto.
Não pode de forma alguma ser confundido com verborragia, ou falar apenas para ocu-
par espaço vazio”. O rádio, com isso, passou a fazer parte da “bagagem” do torcedor
aos estádios. Já não bastava apenas assistir, era preciso acompanhar a narrativa. Isso se
deve, em boa parte, pela emoção transferida pelo narrador de futebol ao seu ouvinte,
durante as transmissões esportivas.

METODOLOGIA

A elaboração deste artigo tem como base a pesquisa exploratória, com ênfase
a essa ligação que se tem entre os profissionais da Rádio Clube com o seu público alvo
que é o ouvinte, e como esse mesmo ouvinte influi de forma direta ou indireta com
suas participações e interações digitais para com a emissora.
As pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e
modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais preci-
sos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores (GIL, 2002, p.41)

O método netnográfico – termo criado pelo pesquisador canadense Robert V.


Kozinets, em 1995 - que é a análise do comportamento de como as pessoas convivem
no campo e se relacionam em seus grupos sociais na internet, para captar informações
úteis através de dados colhidos dessas interações ocorridas entre os indivíduos.
Kozinets afirma,
A netnografia requer que o pesquisador investigue a variação de atividade cultural
que ocorre nos espaços sociais online. Estes espaços sociais têm crescido prodigiosa-
mente, tanto em volume quanto em variedade. (KOZINETS, 2010, p.8).

Foram realizadas entrevistas abertas, qualitativas e semiestruturadas gravadas


e, posteriormente, transcritas, com os três principais narradores esportivos da emisso-
ra. (Guilherme Guerreiro “o locutor que vale o quanto pesa” e Cláudio Guimarães, “o
narrador bola pra frente”), às vésperas dos clássicos entre Clube do Remo x Paysandu,
disputados no dia 19 de junho, pela 9ª rodada, e dia 25 de agosto, pela 18ª rodada, da
Série C do Campeonato Brasileiro. GIL (2002, p. 114) relata:
Essas entrevistas são muito utilizadas em estudos exploratórios, com o propósito de
proporcionar melhor compreensão do problema, gerar hipóteses e fornecer elemen-
tos para a construção de instrumentos de coleta de dados. Mas também podem ser
utilizadas para investigar um tema em profundidade, como ocorre nas pesquisas
designadas como qualitativas. (GIL, 2002, p.114)

As entrevistas constituem-se elementos de grande relevância na série. Em bus-


ca de enriquecimento dos detalhes e de credibilidade e serão realizadas com a exis-

141
O IMAGINÁRIO NA NARRAÇÃO ESPORTIVA: RÁDIO CLUBE DO PARÁ E A COBERTURA DO
ESPORTE

tência de alguns tópicos definidos, mas visando a intenção de fazer o entrevistado


discorrer sobre o assunto, sempre mantendo o foco sobre o tema principal. Em relação
à condução de entrevistas, LAGE (2004, p.35) afirma que:
O repórter faz antes uma pesquisa e tem, portanto, ideia do que vai perguntar. No
entanto, é engano imaginar que a preparação prévia de um questionário viabiliza
uma boa entrevista: ela depende muito da maneira como é conduzida. Uma das cha-
ves é saber perguntar sobre a resposta. Em geral, as pessoas discorrem com fluência
sobre aquilo que conhecem. (LAGE, 2004, p.35)

A entrevista semiestruturada e/ou semiaberta é um modelo de entrevista que


tem origem numa matriz, num roteiro de questões-guia que pretende dar cobertura ao
interesse da pesquisa ao mesmo tempo em que empresta flexibilidade ao trabalho. É
o posicionamento de cada um em relação à sua prática profissional e às questões que
envolvem determinada cobertura. Segundo BARROS E DUARTE (2009, p.66), “a lista
de questões desse modelo tem origem no problema de pesquisa e busca tratar da am-
plitude do tema, apresentando cada pergunta da forma mais aberta possível”.
Os torcedores/ouvintes também foram ouvidos através de entrevistas fecha-
das, quantitativas e qualitativas, estruturada por intermédio de questionário publi-
cado na internet, visando uma maior coleta de dados. Ao longo do período em que o
questionário esteve disponibilizado - desde a sua publicação, datada em 24 de outubro
de 2019, até o fechamento, realizado no dia 09 de novembro de 2019 - 106 torcedores
participaram respondendo às perguntas que foram disponibilizadas na internet por
intermédio do Google Forms/Docs.
O questionário estruturado é prático para grande número de respondentes e pode
ser autoaplicável. Com ele, é possível fazer análises rapidamente, replicar com facili-
dade, limitar as possibilidades de interpretação e de erro do entrevistado e comparar
com outras entrevistas similares. Embora sugira simplicidade, sua elaboração exige
profundo conhecimento prévio do assunto. (BARROS E DUARTE, 2009, p.67)

Foi realizado o acompanhamento das mensagens dos ouvintes no perfil do


twitter e na página do facebook da Rádio Clube do Pará, pois são as redes sociais que
mais alcançam diferentes pessoas e que vem sendo atualmente um dos métodos de
maior interação entre o público ouvinte e a emissora, durante o período dos jogos que
acima foram citados, entre os dias 01 de junho a 30 de setembro de 2019, período de
expectativa e repercussão dos clássicos entre Remo x Paysandu, onde se pôde acompa-
nhar a dissonância dos ouvintes em relação às transmissões realizadas pela emissora.
Para RECUERO (2009, p.102) “Sites de redes sociais são os espaços utilizados
para a expressão das redes sociais na Internet”. Vivemos a era da convergência midiá-
tica em que JENKINS (2008, p.29) fala “as velhas e novas mídias colidem”, pois nisso
ele acredita que uma mídia não está acabando com a outra, mas sim, estão se mesclan-
do.

142
FUTEBÓIS DO NORTE

As novas tecnologias possibilitaram ampliar seu campo de atuação. Novas tecnolo-


gias midiáticas permitiram que o mesmo conteúdo fluísse por vários canais diferen-
tes e assumisse formas distintas no ponto de recepção. (JENKINS, 2009, p.38)

Com o advento das redes sociais, o ouvinte da Rádio Clube não se limita mais
em ficar apenas ouvindo a programação da emissora, e nem muitos menos se limita
em tão somente receber as informações deste veículo de comunicação. Ele já tende a
estabelecer relações com outros usuários das redes sociais e também com os locutores
da emissora. Através da internet, foi possível acontecer a expansão de comunicação
da Rádio Clube do Pará, com alcance cada vez maior, atraindo número expressivo de
ouvintes, fazendo que com isso a discussão sobre os assuntos divulgados na emisso-
ra, assim como as transmissões esportivas envolvendo, principalmente, as equipes de
Clube do Remo e Paysandu, tomassem proporções maiores do que se simplesmente
elas fossem divulgadas nas mídias tradicionais, no caso, apenas o rádio.
Ao longo da pesquisa, apresentam-se aspectos sobre essa ligação que envolve
a cobertura que é feita pela imprensa especializada em esportes e a paixão que move
o torcedor com seu clube de coração. No primeiro tópico, falaremos sobre o jornalis-
mo esportivo paraense e abordaremos a chegada do futebol, o surgimento dos clubes,
assim como os primeiros registros em relação à cobertura esportiva em nosso país;
no segundo tópico, o enfoque será dado para a tradição da Rádio Clube do Pará na
narração esportiva com sua grande equipe esportiva e o imaginário popular em cima
dos narradores da emissora. Por fim, no terceiro tópico, será colocado em evidência
como este tradicionalismo da emissora vem se intercalando com a convergência das
mídias digitais que expandem cada vez mais o alcance da emissora em qualquer parte
do mundo.

JORNALISMO ESPORTIVO PARAENSE

Neste tópico, será realizado um contexto histórico sobre o jornalismo esporti-


vo e futebol através do conceito, histórias e técnicas que são usadas no dia-a-dia desta
profissão. BARBEIRO E RANGEL (2006, p.13), afirmam que o jornalismo esportivo
tem suas características próprias, porém a essência e base do jornalismo propriamente
dito são mantidas.
Jornalismo é jornalismo, seja ele esportivo, político, econômico, social. Pode ser pro-
pagado em televisão, rádio, jornal, revista ou internet. Não importa. A essência não
muda porque sua natureza é única e está intimamente ligada às regras da ética e ao
interesse público. Porém, trabalhar com jornalismo esportivo tem suas especifici-
dades. Frequentemente, ele se confunde com entretenimento e tem uma linguagem
própria. Em nenhuma outra área do jornalismo, informação e entretenimento estão
tão próximos. (BARBEIRO E RANGEL, 2006, p. 13)

143
O IMAGINÁRIO NA NARRAÇÃO ESPORTIVA: RÁDIO CLUBE DO PARÁ E A COBERTURA DO
ESPORTE

O futebol deu seus primeiros passos no Brasil no final do século XIX, e teve
como grande responsável a pessoa de Charles Miller, brasileiro, nascido em São Paulo.
Ao desembarcar no Porto de Santos – SP, em 1894, após ter passado 10 anos estudando
na Inglaterra, Charles Miller trouxe em sua bagagem duas bolas, um par de chuteiras
e um livro de regras. Porém, conforme afirma RIBEIRO (2007, p.19), “De volta a São
Paulo, onde sua família morava, associou-se rapidamente ao clube dos ingleses cha-
mado SPAC. A intenção era uma só: jogar futebol. Mas Miller logo viu que esse esporte
era pouco praticado em São Paulo”. Ou seja, no Brasil o esporte precisava ainda ser
divulgado e sobretudo praticado. A mídia esportiva, segundo RIBEIRO (2007, p.26 –
27), já existia, mas o futebol não tinha o seu devido espaço.
O jornalismo esportivo brasileiro teria nascido em 1856, com O Atleta, passando re-
ceitas para o aprimoramento físico dos habitantes do Rio de Janeiro. Pouco depois,
em 1885, circularam O Sport e Os Sportsmam. Em 1891, surgiu em São Paulo A
Platea Sportiva, um suplemento de A Plateia, criado em 1888. Dez anos depois, em
1898, também em São Paulo, surgiram a revista O Sport e o jornal Gazeta Sportiva
(que não tem nada a ver com o jornal que seria criado futuramente), periódico de
distribuição gratuita que circulava somente aos domingos. Em nenhuma das publi-
cações o futebol era prioridade: apenas notícia de turfe, regatas e ciclismo. (RIBEI-
RO, 2007, p. 26- 27).

Iniciou-se também uma cobertura mais detalhada sobre o futebol com notas
sobre os jogos assim também como os resultados das partidas, capas de publicações e
livros dedicados ao esporte que rapidamente se expandiu por possuir regras de fácil
entendimento e também por permitir a participação de várias pessoas ao mesmo tem-
po, tendo assim uma enorme aceitação popular em várias cidades pelo Brasil.

O INÍCIO DO FUTEBOL PARAENSE

A chegada do futebol ao Pará ocorreu de forma semelhante a São Paulo e Rio


de Janeiro ainda na última década do século XIX, com jovens descendentes de ingle-
ses chegando em Belém por ocasião do período da Belle Époque e trazendo consigo a
modalidade esportiva. Neste contexto, segundo a dissertação de mestrado de GAU-
DÊNCIO (2007), com a vinda do futebol para Belém, surgiam os torneios e festivais
esportivos.
Dentre os modismos importados da Europa, o futebol chega em Belém antes mesmo
do século XX, com ele uma série de modificações nas relações e construções cultu-
rais da sociedade paraense, isto é, a entrada do futebol em Belém do Pará ocorre por
volta de 1896, onde algumas partidas desse esporte já estavam sendo praticadas na
área da Praça Batista Campos. (GAUDÊNCIO, 2007)

De acordo com ALMEIDA (2016), o primeiro clube de futebol do estado do


Pará, denominado Sport Club do Pará, surgiu no ano de 1902 (já extinto), e disputava
apenas jogos entre seus associados, pois não havia clubes rivais na época. Com o pas-

144
FUTEBÓIS DO NORTE

sar dos anos, o esporte foi ganhando vários adeptos na capital paraense e vários fes-
tivais esportivos foram realizados. GAUDÊNCIO (2007), cita uma das primeiras par-
tidas disputadas, ainda no campo de São Brás (onde hoje fica o terminal rodoviário):
Efetuou-se no domingo 11 de março de 1906, às 4:30 da tarde, um jogo de futebol
entre dois bons disputantes da época. A partida foi realizada na praça de S. Braz,
estando os dois conjuctos assim formados: Lloyd; Redigg e Clissold; Wright, Melio
e White; Dehr, Balley,Compton, Delfim Guimaraes, e A. Andrade.O outro conjucto
disputante foi este:Bill Balley; Timbridge e Breach; Wesley, Ruiz e Borges; J. Borges
Alves, C. Andrade, P. Palmério, Danin e Weitzman. (GAUDÊNCIO, 2007, p.22)

No ano de 1906, surge a “Parah Football Association League” ou “Pará Futebol


Liga” para a disputa do campeonato de futebol do Pará. Conforme cita GAUDÊNCIO
(2007), sete clubes participaram da reunião que foi realizada no dia 19 de novembro
de 1906: “Pará Futebol Clube, Pará Clube (existente até hoje), Esporte Futebol Time,
Clube Recreativo, Brasil Clube, Clube Esportivo e Internacional Futebol Clube”. A
competição iniciou no dia 16 de dezembro de 1906, com o Pará Futebol vencendo por
10 x 0 a equipe do Belém Futebol. Porém, ALMEIDA (2016), relata que “alguns jogos
ainda foram disputados em 1907, mas, com brigas e desentendimentos entre os clubes,
o torneio foi encerrado antes do previsto”.
Neste mesmo período, a imprensa esportiva paraense também já dava os seus
primeiros passos, através de notas esportivas publicadas nos jornais “A Província do
Pará”, “A Semana”, “O estado do Pará” e “A Folha do Norte”. Da mesma forma que
surgiam os principais clubes do nosso atual futebol: Clube do Remo, Paysandu e Tuna
Luso Caixeral (hoje Tuna Luso Brasileira). Tão logo acontece o surgimento das equi-
pes, assim como o crescimento da imprensa, surge uma das maiores rivalidades da
história do futebol brasileiro que é o clássico entre Remo x Paysandu. GAUDÊNCIO
(2007), diz:
A participação destes clubes nos festivais esportivos – a partir dos anos de 1913 e
1914, o trabalho da imprensa esportiva, e a circulação de diversos grupos sociais
proporcionou ao longo dos anos, a construção do processo de construção do futebol
na cidade e o fortalecimento em torno desses dois clubes esportivos. (GAUDÊNCIO,
2007)

O primeiro confronto entre Remo e Paysandu aconteceu no dia 14 de junho


de 1914, com vitória do Remo por 2 x 1, em jogo válido pelo Campeonato Paraense no
estádio da Firma Ferreira & Comandita (hoje, estádio da Curuzu). DA COSTA (2015,
p.11-12), relata o que foi publicado pela imprensa esportiva na época:
Com uma assistência acima de duas mil pessoas, todas desejosas de não só conhe-
cer o novo ponto de reunião esportiva, como verdadeiro triunfo para os esportes
entre nós, pois, jamais tivemos ocasião de presenciar uma festa de músculo com
o entusiasmo e a animação de que se viu cercada a que procuramos descrever. As
arquibancadas e as dependências do campo, completamente repletas de nossa fina
sociedade, rapazes que agitavam lenços e chapéus saudando o seu grupo predileto,

145
O IMAGINÁRIO NA NARRAÇÃO ESPORTIVA: RÁDIO CLUBE DO PARÁ E A COBERTURA DO
ESPORTE

senhoritas trazendo distintivos ou trajando com as cores do seu clube mais simpá-
tico, davam um aspecto verdadeiramente encantador ao importante certame espor-
tivo. Não havia ali, finalmente, quem não torcesse por este ou aquele contendor,
tendo sido saudada por vibrante salva de palmas e hurras e entrada dos elevens,
notando-se, porém, que era maior o número de adeptos do Grupo do Remo. (DA
COSTA, 2015, p.11 – 12)

Com o passar do tempo, a imprensa esportiva paraense ganha força, tanto


que em 1925, surge a ACEP (Associação dos Cronistas Esportivos do Pará). Segundo o
artigo de MATOS (2012), a associação foi “criada por cronistas da revista ‘A Semana’ e
dos periódicos ‘Estado do Pará’, ‘Província do Pará’ e ‘Folha do Norte’.”
Foi, ontem, fundada a Associação dos Cronistas Esportivos do Pará. Os cronistas
esportivos da imprensa paraense tomaram a louvável iniciativa de congregar-se em
uma associação que venha defender os interesses. Esta ideia, de há muito cogitada
entre esses batalhadores da imprensa, tornou-se ontem em realidade, do que é prova
a reunião efetuada (...) a qual estiveram presentes os srs. dr. Cícero Costa, do “Esta-
do do Pará; Theodoro Brazão e Silva, da “Província do Pará”; Sandoval Lage da Sil-
va, da “Semana” e Edgar Proença, da FOLHA DO NORTE. Declarou-se, após breve
troca de impressões sobre o assunto, fundada a Associação dos Cronistas Esportivos
do Pará, cujo escopo é o apontado nas linhas acima, além do patriótico interesse de
cooperar pelo desenvolvimento do esporte paraense. (A FOLHA DO NORTE, 28 de
novembro de 1923). (MATOS, 2012)

O interesse pelo futebol crescia cada vez mais junto a população paraense e
ao mesmo tempo também ao longo de todo o país, e com isso, cresciam as demandas
de conteúdo assim como o número de cronistas esportivos na imprensa escrita. Neste
período, surgia outro veículo de comunicação que viria a levar de uma vez por todas,
servindo como uma importante ferramenta para o crescimento e popularização do
futebol em todo o Brasil: O Rádio.

O RÁDIO – A MÍDIA DA EMOÇÃO.

Segundo CÉZAR (2005, p.9) “o rádio começa de um sonho, vira uma paixão e
termina numa eterna conquista”. O Rádio veio fazer o torcedor “ver” a partida quando
ele não está no estádio acompanhando o seu time. Tanto que a história do futebol no
Brasil, se confunde com a história da expansão do rádio pelo país.
No início, as transmissões sobre o esporte no rádio se resumiam a boletins
informativos e não se restringiam apenas ao futebol. A primeira transmissão esporti-
va de rádio no Brasil aconteceu em 19 de julho de 1931, entre Seleção de São Paulo e
Seleção do Paraná, pela Rádio Educadora Paulista, com a narração de Nicolau Tuma,
20 anos, estudante de direito. Segundo UNZELTE (2009, p.64), a transmissão foi con-
siderada um sucesso.
Rádio e esporte, mais especificamente rádio e futebol, andam juntos desde a pri-
meira transmissão de uma partida inteira de que se tem notícia (sabe-se que inicial-
mente, e tanto em São Paulo quanto no Rio, trechos eram narrados durante a pro-

146
FUTEBÓIS DO NORTE

gramação normal das emissoras). Ela foi realizada pelo locutor, à época chamado de
speaker, Nicolau Tuma, diretor do antigo campo da Floresta, em São Paulo, no dia
19 de julho de 1931. A Seleção Paulista venceu a Paranaense por 6 a 4, e naquele dia
Tuma narrou tudo pela Rádio Educadora Paulista. (UNZELTE, 2009, p. 64)

Na época, não havia ajuda de repórteres ou comentaristas e, para complicar


ainda mais, os jogadores não vestiam camisas numeradas. RIBEIRO (2007, p. 76), diz:
“O grito de gol era sem muita emoção, mas durante o tempo restante do jogo Tuma –
que narrava até 250 palavras por minuto - teve de se virar no improviso, falando do
clima, das arquibancadas, da lotação do campo, dos torcedores”. Em 1935, acontece a
primeira narração esportiva do Norte do Brasil, através de Edgar Proença, pela Rádio
Clube do Pará, que sempre teve o esporte como uma das suas forças ao longo de sua
programação.
Contudo, foi em 1938, que o rádio esportivo teve o seu ponto máximo até
então, que foi a cobertura da Copa do Mundo daquele ano, disputada na França. Pela
primeira vez, conforme cita VAMPRÉ (1979, p.72), o Brasil parou para acompanhar as
emoções de uma partida de futebol através das ondas do rádio.
A organização Byngton – Rádio Cruzeiro do Sul, do Rio e São Paulo; Rádio Cosmos,
de São Paulo, e Rádio Clube do Brasil, do Rio de Janeiro, conseguiu a exclusividade
das transmissões do Campeonato Mundial de Futebol na França. Com a delegação
brasileira seguiu o narrador paulista, Gagliano Neto. Foi a primeira vez que todo o
país parou nas residências, bares, cafés, onde quer que houvesse um receptor, para
sintonizar em excelentes condições técnicas, essa primeira proeza internacional do
rádio brasileiro. (VAMPRÉ 1979, p.72)

O torcedor encontra no rádio a possibilidade de acompanhar as partidas do


clube pelo qual torce, sendo que em muitos dos casos nutre um elo de verdadeiro
amor e paixão. “O rádio esportivo foi e continua sendo como um teatro. Os locutores
apresentam o espetáculo e o ouvinte aplaude os artistas. O que os radialistas fazem na
narração tem um pouco disso tudo” (SOARES, 1994, p. 34). A narração esportiva pelo
rádio é ver algo a mais que a bola, o lance em si. Mesmo com a participação direta das
emissoras de televisão, que levam até o ouvinte que não está no estádio a imagem do
jogo, o rádio mantém esse elo mais próximo com que está acompanhando uma partida
de futebol, faz com que o torcedor fique atento a cada jogada, a cada informação, se
emocionando a cada momento e gerando assim grande audiência que permite obter
apoio financeiro, por meio de patrocinadores, e por consequência garantindo a manu-
tenção das equipes esportivas, responsáveis pela transmissão dos jogos, além, obvia-
mente, do lucro.

147
O IMAGINÁRIO NA NARRAÇÃO ESPORTIVA: RÁDIO CLUBE DO PARÁ E A COBERTURA DO
ESPORTE

A RÁDIO CLUBE DO PARÁ E A TRADIÇÃO NA NARRAÇÃO


ESPORTIVA

Mais de nove décadas de história, a Rádio Clube do Pará caminha para o seu
centenário, que será em 2028, sempre se preocupando em ser uma emissora moderna
que está antenada com os principais fatos no Pará, no Brasil, e no mundo, deixando
sempre o ouvinte bem informado. Desde o seu início, o esporte sempre foi prioridade
na programação da emissora, fazendo com que a história do jornalismo esportivo pa-
raense seja entrelaçada com a própria história da Rádio Clube. O diretor de esportes da
emissora e narrador esportivo, Guilherme Guerreiro, ressalta a importância histórica
que a Clube tem para a radiofonia brasileira graças a sua tradição na narração espor-
tiva no tempo.
A Rádio Clube é patrimônio do povo paraense. Somos líderes de audiência há quase
25 anos e nos mantemos consolidados neste patamar graças a essa tradição man-
tendo como base da nossa programação o jornalismo, o entretenimento, a prestação
de serviços e o esporte. Temos mais de 20 profissionais na área de esporte cobrindo
tudo o que acontece no futebol paraense e não apenas o que envolve os grandes clu-
bes. Essa é uma marca registrada da Clube (INFORMAÇÃO VERBAL6)

A relação torcedor/ ouvinte e narrador faz com que, no rádio, essa aproxima-
ção se torne cada vez mais estreita, pois se cria uma determinada identificação tanto
para o quem está transmitindo o jogo, quanto para a emissora que está sendo ouvida,
que segundo HALL (2005, p.11) “a identidade é formada na ‘interação’ entre o eu e
a sociedade”. A Rádio Clube do Pará, mantém um papel importante no jornalismo
esportivo brasileiro em informar o torcedor tudo que acontece no cenário esportivo.

O IMAGINÁRIO NA NARRAÇÃO ESPORTIVA

O rádio trabalha com o imaginário e o locutor será melhor e mais prestigiado


à medida em que for capaz de transmitir cada vez mais vitórias de determinado time
do coração de quem o ouve e prestigia.
O imaginário contribui significativamente para a compreensão e superação da
realidade. Para LOUREIRO (2000, p.68), além de permitir atingir o real, ele possibilita
enxergar aquilo que ainda não se tornou um fato real.
Mito e a poesia assumem o papel histórico complementar de memória estética dos
homens. E neles– mítico e poético – contribuem para situar o presente em relação
ao passado, reorganizando o passado em função do presente. A presença desses
fatores, analisados em culturas como a da Amazônia, pode revelar o papel imaginá-
rio estetizado e poetizante, no conjunto de funções que a constituem e estruturam.
(LOUREIRO, 2000, p. 68).

6  Entrevista concedida para a pesquisa no dia 8 de novembro de 2019, por Guilherme Guerreiro.

148
FUTEBÓIS DO NORTE

Não dá para garantir durante uma partida, qual time vencerá, por maior que
seja a diferença entre os adversários. Para o torcedor, não basta apenas a técnica, a
tática, e o preparo físico e emocional dos atletas, existe também o fator sorte. A po-
pularidade do futebol também pode ser explicada através dessa associação entre a
imprevisibilidade no decorrer de uma partida, com o sobrenatural. Isso leva à emoção.
Daí vemos muito a relação do torcedor com o rádio por intermédio do locutor. Para o
narrador esportivo, Cláudio Guimarães, essa relação mística é bem intensa.
Esse imaginário existe muito! Eu tenho um vizinho de prédio e ele quando tem jogo,
sobretudo quando é Re x Pa, pergunta pra mim: ‘Quem vai transmitir?’ E se eu dis-
ser que é fulano, ele fala: ‘Ih, o Remo perdeu!’ E ele é remista. Tem muito disso mes-
mo! E isso acontece até comigo! Veja bem, eu tenho um cunhado que me pergunta:
'Égua, é tu hoje? Tranquilo pro Remo!’ Porque ele sabe que sou Paysandu, embora
profissionalmente isso não influencia em nada. Mas é impressionante essa marcação
que o torcedor tem com locutor, com repórter, com comentarista...e é engraçado. A
gente não chuta a bola, não faz gol, não tem nada a ver com isso; mas sempre a ma-
nia de marcação é com alguém que faz o trabalho de transmissão. (INFORMAÇÃO
VERBAL).

O futebol é um dos poucos esportes coletivos que lida com o inesperado du-
rante toda a sua realização. É neste clima de emoção, de tensão, que a narração espor-
tiva no rádio se apropria e retém a atenção do ouvinte.

O TRADICIONALISMO ESPORTIVO E A CONVERGÊNCIA DA


MÍDIA

Com o surgimento da rede mundial de computadores, a internet, os meios de


comunicação considerados tradicionais na cobertura esportiva (Jornal, Rádio e Televi-
são) sofrem perdas de audiência, porém as grandes empresas do setor, já sabendo que
não poderiam concorrer com essa nova tecnologia, acabam se adequando para a era
digital, e com isso, realizando a convergência da mídia. A convergência se define em
transformações tecnológicas, mercadológicas e culturais que tem ocorrido em toda a
esfera social.
O contexto da convergência na cobertura esportiva é marcado pelo potencial
de interação entre jornalistas, tecnologias e torcedores, que mesmo não deixando de
lado o formato tradicional das transmissões se cria uma necessidade de se pensar em
comunidades tecnologicamente nômades que possam acompanhar ao mesmo tempo
o jogo no rádio convencional, como também em outros dispositivos móveis. Conforme
o relato do narrador esportivo Cláudio Guimarães, o rádio se mantém vivo graças a
essas adequações.
Com o advento da televisão, com a tecnologia, muita gente disse que o rádio ia aca-
bar. Não acaba! O melhor aliado do rádio hoje se chama celular e depois internet.
Porquê? Você tem um fato esportivo ou não, na hora você põe no ar pela rádio; na

149
O IMAGINÁRIO NA NARRAÇÃO ESPORTIVA: RÁDIO CLUBE DO PARÁ E A COBERTURA DO
ESPORTE

internet você demora um pouco; no jornal só no dia seguinte. Então é um método


que mantém o rádio vivo, e ainda é o maior veículo de comunicação de massa. (IN-
FORMAÇÃO VERBAL)

Para GUERREIRO, em entrevista concedida para a pesquisa, ele diz que “as
narrações esportivas vão seguir, com ajustes, se adaptando, compreendendo as neces-
sidades do ouvinte. Com redes sociais, com aplicativos, e com todas as ferramentas”.
Dessa forma, o rádio pode retransmitir rapidamente o seu conteúdo de informação
pela rede e também ser instantâneo.
Segundo afirma JENKINS (2009, p.28) “a convergência ocorre dentro dos cé-
rebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com os outros”. Com
o acesso e possibilidade em gerenciar as informações, a forma que se tem em acom-
panhar as transmissões de futebol no Rádio está sendo rapidamente modificada em
função do torcedor ter agora o auxílio eletrônico. Seja nos estádios, em casa, e em qual-
quer lugar, o torcedor/ouvinte/internauta tem o poder da interação durante a partida
e se vê na necessidade de participar, fiscalizar, debater, criticar e contribuir através de
mensagens enviadas pelas diversas redes sociais, sem perder a atenção no jogo.

AS MÍDIAS DIGITAIS COMO O ELO DE RELACIONAMENTO COM


A EMISSORA

Além do tradicional aparelho de rádio, hoje a Clube do Pará pode ser acessada
através de computadores, notebooks, celulares e tablets, e nisso faz com que a busca
por informações na própria rede se torne muito mais ágil e cômoda que em outros
meios de comunicação. Para JENKINS (2009, p. 44), as emissoras devem explorar e
ampliar cada vez mais a interatividade com o público.
Empresas midiáticas estão aprendendo a acelerar o fluxo de conteúdo midiático pe-
los canais de distribuição para aumentar as oportunidades de lucros, ampliar mer-
cados e consolidar seus compromissos com o público. Consumidores estão apren-
dendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre
o fluxo da mídia e para interagir com outros consumidores. (JENKINS, 2009, p. 44).

A Rádio Clube do Pará expande essa interação com os seus ouvintes nos pro-
gramas esportivos e também nas transmissões de futebol. Com essa acessibilidade
acentuada nas redes sociais, o público que acompanha a programação da emissora se
tornou mais participativo e opinativo onde além de repercutir as informações divul-
gadas pela emissora, interage com os locutores, comentaristas e repórteres, seja pelo
facebook, twitter, whatsapp e até mesmo no canal do youtube da emissora. Podemos retra-
tar como exemplo de interatividade através das redes sociais, o tradicional programa
“Cartaz Esportivo” que além de ser exibido no bom e velho radinho e também nas pla-
taformas digitais, vem sendo também exibido ao vivo na página do facebook e durante

150
FUTEBÓIS DO NORTE

a realização do programa, os apresentadores comentam as mensagens enviadas pelos


ouvintes, assim como também nas redes sociais, os ouvintes/torcedores opinam até
mesmo na escala de transmissão dos narradores ao longo das partidas.

ANÁLISES

A apreciação dos dados que sustentam a presente análise da pesquisa, é o


resultado do acompanhamento de comentários emitidos pelos torcedores/ouvintes
através do facebook e do twitter da Rádio Clube do Pará entre os dias 01 de junho a 30
de setembro de 2019. De início, foi analisada a repercussão dos torcedores na internet
relacionando suas reações e ressaltando o imaginário popular para com os narradores
esportivos por ocasião dos jogos entre Clube do Remo x Paysandu. De acordo com
artigo escrito por OLIVEIRA (2013, p. 32), o advento das redes sociais, faz com que as
pessoas passem a propagar aquilo que pensam.
Por meio dessas ferramentas digitais, o indivíduo pode expor para quem quer que
seja quais são as suas ideias, gostos e opiniões. Como o alcance da internet é ilimi-
tado, essa propagação de interesses ganha uma repercussão difícil de ser calculada.
(OLIVEIRA, 2013, p. 32)

A seguir temos alguns exemplos de mensagens enviadas por torcedores que


teceram elogios e críticas em relação ao desempenho dos narradores esportivos duran-
te as partidas realizadas.

Imagem 1 - Torcedor do Paysandu elogiando Guilherme Guerreiro

Fonte: Captura de tela do Twitter da Rádio Clube. Feito em 01/06/2019.

151
O IMAGINÁRIO NA NARRAÇÃO ESPORTIVA: RÁDIO CLUBE DO PARÁ E A COBERTURA DO
ESPORTE

Imagem 2 - Ouvinte enaltecendo Cláudio Guimarães.

Fonte: Captura de tela do Facebook da Rádio Clube. Feito em 25/06/2019.

Imagem 3 - Torcedor criticando Ronaldo Porto

Fonte: Captura de tela do Twitter da Rádio Clube. Feito em 05/07/2019.

Os narradores esportivos geralmente comentam no ar que recebem as refe-


ridas mensagens, porém somente algumas delas são lidas ao longo da transmissão
esportiva, que as consideradas pertinentes ao momento da locução. Para RECUERO
(2009, p.111) essa interatividade é realizada em função da popularidade dos persona-
gens/narradores em questão.
A popularidade é um valor relacionado à audiência, que é também facilitada nas
redes sociais na Internet. Como a audiência é mais facilmente medida na rede, é pos-
sível visualizar as conexões e as referências a um indivíduo, a popularidade é mais
facilmente percebida. Trata-se de um valor relativo à posição de um ator dentro de
sua rede social (RECUERO, 2009, p. 111).

Dando sequência a análise que foi realizada para a pesquisa, durante os dias
24 de outubro de 2019 à 09 de novembro de 2019, foi disponibilizado um questionário
com perguntas fechadas aos torcedores na internet.
O questionário começa perguntando sobre qual estilo de narração eles prefe-
rem ouvir ao longo das transmissões esportivas da Rádio Clube. A intenção na per-
gunta era observar a quantidade de pessoas que conhecem o perfil das narrativas que
são apresentadas pela emissora: rápido, vibrante e emotivo ou moderado, detalhista e
descritivo.

152
FUTEBÓIS DO NORTE

Gráfico 1 - Gráfico sobre o estilo de narração dos locutores.

Fonte: Formulário do autor no google forms, 2019.

O resultado mostra 76,4% dos torcedores/ouvintes/entrevistados, preferem


ouvir a narração que tenha o estilo mais vibrante emotivo, enquanto que 23,6% gostam
de acompanhar uma narração mais detalhista e descritiva durante as transmissões
esportivas da Rádio Clube. Para SOARES (1994, p.61), “A narração do jogo é o cen-
tro do espetáculo proporcionado pelo rádio esportivo. Para enriquece-la, os locuto-
res investem na criação de códigos (bordões) de fácil compreensão por quem tenha
conhecimento prévio do futebol”. Já BARBEIRO; RANGEL (2006, p. 66) afirmam que
o “narrador de rádio deve criar imagens na mente do ouvinte e transportá-lo para o
estádio. A transmissão esportiva é tida como um espetáculo porque, em sua maioria,
se centra no narrador”.
Também foi perguntado no questionário sobre uso do famoso radinho pelos
torcedores, para acompanhar as transmissões esportivas da Rádio Clube do Pará nos
estádios de futebol. Tendo a intenção de saber se ainda existe o hábito nos entrevista-
dos, em ter o rádio ligado no ouvido enquanto a partida é realizada, os dados obtidos
na resposta foram estes:

153
O IMAGINÁRIO NA NARRAÇÃO ESPORTIVA: RÁDIO CLUBE DO PARÁ E A COBERTURA DO
ESPORTE

Gráfico 2 - Gráfico sobre o uso de rádios pelos torcedores nos estádios.

Fonte: Formulário do autor no google forms, 2019.

De acordo com os resultados obtidos na pergunta em questão, 55,7% dos tor-


cedores entrevistados preferem levar o rádio para os estádios de futebol e ficar ouvin-
do as narrações esportivas, mesmo com os olhares atentos na partida, contra 44,3% dos
participantes. Hoje em dia, o ouvinte da Rádio Clube do Pará não tem mais apenas e
tão somente o tradicional aparelho de rádio como veículo de comunicação para poder
acompanhar as coberturas esportivas da emissora.
Com o advento de novas mídias, várias opções foram surgindo com o tempo.
Em complemento a pergunta anterior, foi perguntado aos entrevistados da pesquisa
qual o meio de comunicação mais utilizado para ouvir a rádio. O resultado divulgado
após as respostas, foi este:

Gráfico 3 - Gráfico sobre o modo de acompanhamento das transmissões esportivas da rádio Clube.

Fonte: Formulário do autor no google forms, 2019.

154
FUTEBÓIS DO NORTE

Se dentro dos estádios, os torcedores mantêm o hábito de levar o radinho para


poder acompanhar os jogos, fora dele os números apontam que 52,4% dos ouvintes
costumam ouvir a Rádio Clube do Pará pela internet ou pelos aplicativos da emissora
nas diversas plataformas digitais. Porém, 40,8% dos entrevistados informaram que
preferem ou apenas ouvem pelo modo tradicional, no canal 690 AM. Outros 6,8% rela-
taram que escutam a “Poderosa” através dos canais de áudio nas TVs por assinatura.
A Rádio Clube entrou na era digital, resultando em uma expansão cada vez maior de
sua potência e audiência.
Encerrando as perguntas, foi ressaltada a interatividade que há entre torce-
dor e os locutores esportivos da Rádio Clube do Pará. Questionados, os entrevistados
responderam se participam ativamente ou de alguma forma durante as transmissões.

Gráfico 4 - Gráfico sobre a interatividade dos ouvintes na programação esportiva da Clube.

Fonte: Formulário do autor no google forms, 2019.

O resultado aponta que 51,9% dos entrevistados não realizaram nenhum tipo
de engajamento com a equipe esportiva da Rádio Clube, durante as partidas por inter-
médio das redes sociais da emissora. Já 36,8% dos torcedores responderam que par-
ticipam da programação esportiva através de mensagens nas redes sociais. Enquanto
que 11,3% confirmaram que sim, sempre enviam os seus recados e avaliações aos nar-
radores esportivos seja por twitter, facebook, whatsapp ou através do site da emissora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O futebol como todos bem sabem é uma paixão nacional. Este esporte nos faz
rir, nos faz chorar, nos faz sonhar. Aliás, como o futebol é movido pelo talento e pelos
sonhos, mas o futebol não está só, o torcedor não está só. É nesse momento que entra

155
O IMAGINÁRIO NA NARRAÇÃO ESPORTIVA: RÁDIO CLUBE DO PARÁ E A COBERTURA DO
ESPORTE

em campo um velho amigo que está sempre se renovando com o passar do tempo: O
Rádio.
Como vimos nesta análise, desde praticamente o seu início no Brasil, papel do
rádio sempre foi de expandir cada vez mais o futebol, tendo como personagem prin-
cipal deste processo a pessoa do narrador esportivo, um verdadeiro mensageiro de
emoções. Seja nos estádios, nos lares, ou nos lugares mais distantes onde somente as
ondas do querido radinho pode alcançar, haverá sempre um torcedor vibrando a cada
lance, a cada jogada, e envolto em um repleto imaginário de espetáculo – mesmo ele
estando com a imagem da partida sob seus olhos – que só uma transmissão esportiva
radiofônica pode oferecer.
A pesquisa mostrou que ao acompanhar os jogos, o ouvinte da Rádio Clube do
Pará espera que cada narrador exerça seu trabalho e que em suas palavras se retrate
emoção, isenção e total imparcialidade, assim também como os próprios narradores
que procuram sempre se atualizar para levar sempre o melhor para que os acompanha.
O objetivo geral foi alcançado uma vez que através do mapeamento feito por
intermédio de mensagens nas redes sociais conforme relatamos nos objetivos especí-
ficos, pudemos confirmar as hipóteses em relação ao imaginário popular que há em
relação aos narradores esportivos da Rádio Clube do Pará, assim também como en-
tendemos que o narrador se preocupa com a imagem que cria para o seu ouvinte a
partir do que é relatado por ele. Nisso o torcedor vai construindo todo um contexto de
sensações gerando os mais variados sentimentos.
O Rádio se modernizou, rompeu fronteiras, superou limites e graças a con-
vergência midiática pode se aproximar cada vez mais dos ouvintes, onde agora todos
podem estar ao mesmo juntos e conectados e geograficamente distantes. Pelas redes
sociais, o torcedor/ouvinte pode se aproximar cada vez mais da equipe esportiva da
Clube, inclusive podendo interagir diretamente com os seus integrantes ao longo de
sua programação. Há um desejo, pois, de que essa pesquisa tenha conseguido cumprir
os entendimentos de relatar o papel desempenhado pelos narradores esportivos da
Rádio Clube em transmitir emoções e ser um elo determinante neste processo de inte-
ração que abrange a sua locução.

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158
PARTE II

RELATOS DE EXPERIÊNCIA
CAPÍTULO 10

“SE TIRAR A TORCIDA, O YPIRANGA


SE ESVAZIA, PERDE O CORAÇÃO” UMA
ETNOGRAFIA DOS TURBINADOS DA
TORRE
Marcus Vinicius Brito Guedes1

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.10

1  Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), curso de Licenciatura em História, Macapá, Amapá, Brasil.
“SE TIRAR A TORCIDA, O YPIRANGA SE ESVAZIA, PERDE O CORAÇÃO” UMA ETNOGRAFIA
DOS TURBINADOS DA TORRE

T odos os esforços combinados neste escrito são embrionários e os temas


abordados se dão de forma inicial, sendo necessário o aprofundamento
por pesquisadores futuros de todas as questões aqui levantadas.
Dimensionar o impacto social, cultural e identitário que o futebol e todos os
seus desdobramentos têm no Brasil é difícil. Este fator cultural está na base ou no
alicerce último de várias modalidades de relações sociais no país inteiro, chegando a
fazer parte do imaginário imediato dos brasileiros e brasileiras (LEAL, 2020).
Dentro da pequena (comparado a outros campos da historiografia) aba de
estudos sobre o futebol no Brasil, muito se escreveu sobre o movimento de torcida
organizada ou história do futebol do eixo sul/suldeste/nordeste. Nos últimos anos,
nota-se o crescimento do número de publicações e pesquisadores que pensam o fu-
tebol, e seus desdobramentos, na Amazônia (NASCIMENTO, 2020; BARROS, 2017;
ANTHUNES E SOUZA, 2012; FREITAS, 2017, entre outros).
Desde Toledo (1996) e Pimenta (1997), que afirmam que as primeiras torcidas
uniformizadas surgiram na década de 40 - que na época eram regidas por um chefe
e sem nenhuma organização burocrática, assim como a Torcida Uniformizada do São
Paulo F.C. em 1939, pelos chamados torcedores símbolo Manoel Raymundo Paes de
Almeida e Laudo Natel (LOUREIRO, 2011) – já se falava de paixões imensuráveis dos
torcedores para com o clube principalmente dos clubes do eixo (Rio de Janeiro, São
Paulo e Minas).
Por trás do ato de torcer por um time estão implícitos vários níveis de senti-
dos, como: paixões, pertencimentos, desejo de vida, desejo de vitória, ou de apenas
confraternizar com amigos. Esse movimento acontece de dentro do clube para fora:
clube promovendo times competitivos, criando espaços de celebração, etc. Porém, o
movimento que acontece de fora para dentro, ou seja, a partir dos movimentos e movi-
mentações de torcida, acontece com mais potência. É esse o esporte que mais mobiliza
torcedores e essas pessoas são capazes de interferir diretamente nas conquistas dos
títulos, nas viradas históricas dentro de campo, no dia-a-dia do clube e, até mesmo, no
ato de ressignificar uma derrota traumática, de criar espaços de vivência e de lazer que
até mesmo o estado não cumpre (NASCIMENTO, 2020; SANTOS, 2013).
Por essas potências apontadas é que esse trabalho – caracterizado aqui como
um relato de experiência - faz uma análise sobre as memórias dos membros da torcida
organizada Turbinados da Torre, de modo a organizar os relatos para divulgação e
melhor compreensão do que significa, concretamente, ser torcida organizada no Ama-
pá.

162
FUTEBÓIS DO NORTE

As motivações e justificava da escrita desta embrionária pesquisa se dão por


motivos: 1) há uma inegável escassez de produções historiográficas sobre futebol no
Amapá e qualquer desdobramento social e político desse esporte, nesse sentido, esse
escrito também tende a contribuir com essa aba de pesquisas no estado. 2) A torcida
organizada Turbinados da Torre é o maior movimento de arquibancada do Amapá - O
autor também é membro da torcida organizada em questão, então, o processo de con-
fecção desse trabalho é também parte de uma paixão e identificação desse para com o
clube e a torcida.
De acordo com depoimentos de membros entrevistados, outras organizações
de torcedores foram citadas, tais como “Torcida “Rebelde” e “Torcida Jovem Ypiran-
guista”. A torcida Turbinados da Torre foi fundada no ano de 1992 na primeira final
estadual de futebol profissional no ano de 1992. Um grupo de amigos que já acompa-
nhavam o Ypiranga no estádio decidiu criar a torcida: “A gente só vai turbinado para os
jogos mesmo (bêbados), vamos colocar o nome de Turbinados da Torre”, relatou Eron Dias.
De 1992 a 1994 possui-se um hiato de memória, somente em 1994, quando entra para a
torcida o Eron Dias (O Punk), é que os relatos aparecem. A partir de então, sem eleição
e sem hierarquia definida, ele começa a puxar o movimento dentro e fora do estádio,
sempre levando a clássica faixa nas cores negro anil com os dizeres “Turbinados da
Torre” e, mais tarde, outra faixa clássica com os dizeres “Ypiranga Clube de Amor e
Garra” também com fundo negro anil.
À esquerda registro fotográfico da torcida organizada Turbinados da Torre no estádio Zerão em 2019
e à direita a torcida no ano de 2020 acompanhando a final do estadual.

Acervo da T.O. 2021

A lógica de organização interna da Turbinados foge do padrão que existe pelo


país a fora, já que a torcida funciona em um grau mais democrático possível. Não há
e nunca houve, desde sua gênese, eleições de chapas para cargos/pastas dentro da
torcida, não existe uma diretoria formal. Todos comungam do mesmo espaço horizon-
talizado. Nas Torcidas Organizadas Brasileiras, em geral, existe um presidente, diretor
de baterias, diretor de patrimônio, etc. (SANTOS, 2013).
A identidade visual na arquibancada, desde 1994, é parecida: camisa do clu-
be em negro anil, bandeiras com as duas cores, o escudo do time e as clássicas faixas

163
“SE TIRAR A TORCIDA, O YPIRANGA SE ESVAZIA, PERDE O CORAÇÃO” UMA ETNOGRAFIA
DOS TURBINADOS DA TORRE

longas inconfundíveis. Quanto ao símbolo oficial da torcida, esse é caracterizado pelo


personagem Barney da animação infantil “The Simpsons” bêbado, segurando uma
caneca com cerveja, vestido com uma camisa retrô do Ypiranga Clube, segurando um
taco de madeira em uma das mãos com a faixa “Desde 1992” em baixo do personagem
e “Turbinados da Torre” em cima.
Registro em imagem do símbolo oficial da T.O.

Acervo Turbinados da Torre, 2021.

De onde vêm as pessoas que compõem, hoje, a torcida Turbinados? Torcem


pra mais de um time? A torcida do Ypiranga é bairrista? Para responder, de forma bre-
ve, a essas perguntas, cabe aqui uma caracterização do perfil de torcedor que está den-
tro da Turbinados, porque, inegavelmente, existe um perfil de torcedor de futebol que
tem como prática torcer para um time do seu estado e por outro, de outra região do
país (VASCONCELOS, 2011). Esses, pelo país a fora, são chamados pejorativamente
de “torcedor misto”. Esse tipo de torcedor é encontrado em partes nos entrevistados.
O que ocorre é que os membros da T.O. entrevistados relatam que sim, torcem para
um time do eixo e também para o Ypiranga, porém, o primeiro time é o Amapaense.
“Eu nunca tive e nem vou ter oportunidade de frequentar o estádio do meu time do
eixo, aqui eu tenho essa possiblidade, não só de estar no estádio e fazer a festa, mas
de participar do clube, estar na sede, se vier jogar o meu time do eixo e o Ypiranga
sou Ypiranga!” disse um deles. Essa “caixinha”, em que as vezes somos obrigados a
encaixar um torcedor, não é suficiente para caracterizar os torcedores entrevistados.
A torcida é residente, em sua maioria, no bairro do Trem, mas tem membros em toda
parte da cidade: zona norte, zona sul e zona oeste.
Apesar de não concordar que torcida organizada seja sinônimo de violência,
é inegável o “peso” e o grande número de produções acadêmicas acerca da temática,
esse aspecto também é passível de olhares para caracterizar uma torcida. Através dos
relatos de Felipe Castelo, Racso Dias, Hugo Rafael e Eron (Punk), foi possível traçar um
perfil da Turbinados em si. O que ocorre é que não existe uma rivalidade sistemática

164
FUTEBÓIS DO NORTE

entre a torcida em questão e outra torcida organizada. Já ocorreram fatos de violência


e/ou acirramento de disputa de espaço somente dentro de alguns jogos importantes
no campeonato estadual com outras torcidas gerais e não outras organizadas. Esse
fator contribui para uma relativa paz nos estádios amapaenses, e a não necessidade de
uma polícia específica que pense na logística e na abordagem de torcidas organizadas
de futebol, como ocorre no Rio com a Batalhão Especializado em Policiamento em
Estádios (BEPE), por exemplo. (BARROS, ET AL., 2009; PIMENTA, 2003; SANTOS,
2013).
Como que acontece a movimentação da torcida? A movimentação da Turbi-
nados se dá muito antes e muito depois dos noventas minutos. Nos dias de jogos, os
torcedores vão incentivar os jogadores na saída da sede no Bairro do Trem. Essa movi-
mentação começa alguns dias antes, com a coleta de dinheiro para a compra de fogos
de artifício e papel picado. Em paralelo, existem os membros que chegam uma hora
antes do jogo no estádio para estender as faixas na arquibancada.
Registros fotográficos do incentivo aos jogadores na sede e extensão de faixa no estádio Zerão.

Acervo Turbinados 2021.

165
“SE TIRAR A TORCIDA, O YPIRANGA SE ESVAZIA, PERDE O CORAÇÃO” UMA ETNOGRAFIA
DOS TURBINADOS DA TORRE

Porém, a movimentação da torcida se dá para além dos dias de jogos, segundo


os entrevistados Racso Dias e Hugo Rafael, quando a logística do clube é insuficiente,
os torcedores levam os jogadores para fisioterapia, contribuem financeiramente para a
compra de alimentação na sede, compram patrimônios para a estrutura física da sede
e chegam até a oferecer serviços profissionais de forma gratuita para o clube. Toda essa
função vem criando uma vitalidade da existência da torcida para com o clube. Nesse
sentido, ainda, a última modalidade de movimentação dos torcedores tem sido ocupar
espaços e cadeiras dentro da presidência do clube. Ou seja, iniciou-se um processo
natural da torcida “descer da arquibancada e começar a ocupar o clube”, segundo o
torcedor Racso.
A fim de captar, também, memórias emocionantes dos torcedores dentro do
seu “habitat natural”: a arquibancada do estádio de futebol, foi perguntado aos entre-
vistados qual o momento de maior emoção vivida por eles ante um jogo do Ypiranga.
Dentre as respostas, apareceram conquistas antigas como o Amapazão contra o São
José no Glicério Marques (estádio); Campeão em cima do extinto Aliança ou o primei-
ro título da era profissional contra o Trem em 1992 com gol do Miranda.
Mas o jogo que mais fora citado entre eles foi a final de 2018 contra o Santos-
-AP, “O Ypiranga vinha de um jejum de mais de 13 anos sem título, as condições de futebol
eram totalmente desfavoráveis ao Ypiranga, o time ‘dos cara era bom’, tinha Dedé no início,
Fabinho e Lessandro, tinham acabado de eliminar o Remo na copa Verde (...) enfim tudo desfa-
vorável” Relatou Racso Dias. Porém, como citado no início desse escrito, a torcida tem
o poder de reverter placares, de contrariar análises, de apoiar o time nas boas e ruins
circunstâncias e foi, justamente, o que aconteceu. Segue o relato de Racso: “Eles tinham
tudo isso a favor, mas a gente tem uma coisa que o Santos não tinha em 2018 e nem vai ter num
futuro próximo: Torcida! Gente!”.
Segundo Hugo Rafael: “Em 2018 depois de 14 anos sem ganhar um título estadual
(...) a gente organizou os dois jogos, preparou tudo, pensou em tudo foguetes, fumacê, bandei-
ras, papel picado, balão, papel higiênico. Esse dia foi a materialização do sentimento e da raça.
Foi uma emoção muito grande”. O torcedor Felipe Castelo, relatou que: “Em 2018 contra
eles foi uma emoção grande, poder gritar campeão e ver a torcida em peso no estádio”

166
FUTEBÓIS DO NORTE

Registros fotográficos da arquibancada nos dois jogos das finais do ano de 2018 onde o Ypiranga sa-
grou-se campeão.

Acervo Turbinados da Torre 2021.

Para finalizar esse ponta pé inicial das pesquisas sobre torcida organizada no
Amapá, é importante contextualizar, brevemente, o futebol no Amapá. Só assim pode-
mos mensurar a escala de paixão e entrega que esses torcedores que compõem a massa
Ypiranguista possuem. Por que é importante contextualizar? O Ypiranga Clube, assim
como os outros times de futebol no Amapá, nunca subiu da última divisão de nacio-
nal, nunca conquistou um troféu nacional ou regional, apesar de ser o maior campeão
estadual de futebol. Aliado a esse fator inegável, possuímos uma federação de futebol
profissional carregada de significados políticos e de poder, na qual os recursos são
escassos para os clubes, não é à toa, assim, que a federação reveza o último lugar no
ranking da CBF, que se atualizada a cada ano, com a federação de Roraima.
Depois de colocar essas questões, podemos entender o porquê dos times do
Amapá como: Santos AP, Santana, Independente, Trem, Oratorio, Macapá, São Paulo
e São José não possuírem uma torcida organizada grande e que apoia o clube dando
sustentação para o mesmo. Agora, o ponto de desequilíbrio no estado do Amapá é a
torcida organizada Turbinados da Torre. Podemos entender porque não existem mais
movimentos de torcida em outros clubes, agora, por que a torcida do Ypiranga não
“arreda o pé” do clube? Ao contrário, mantém o clube com esforços diários, dentro e
fora da arquibancada. Somente uma paixão inconfundível e sem paralelo é capaz de
manter de pé esse clube no Amapá, e só é possível através das pessoas que pensam e
agem no seio da Torcida Organizada.
Ao serem perguntados qual a frase que melhor defini um Ypiranguista, apa-
receram frases como: Paixão; Amizade e Amor e Garra. Talvez, a resposta para esses
questionamentos esteja no próprio hino do Clube “Jamais te esquecerei, levo tuas cores
dentro do meu coração” (...) “Ypiranga de amor e garra, clube da torre dono da minha paixão”.
E, nesse sentido, os torcedores materializam esse trecho e, observando de perto, esse
fato nunca mudará.

167
“SE TIRAR A TORCIDA, O YPIRANGA SE ESVAZIA, PERDE O CORAÇÃO” UMA ETNOGRAFIA
DOS TURBINADOS DA TORRE

Termino esse escrito da forma que iniciei, transcrevendo uma fala de um dos
torcedores: “Sem a torcida o Ypiranga não é nada. O maior patrimônio do Ypiranga
é sua torcida. Se tirar a torcida o ypiranga se esvazia, perde o coração”.

AGRADECIMENTOS:

Aos amigos da torcida organizada Turbinados da Torre: Racso Dias, Eron


Dias, Hugo Rafael e Felipe Castelo pela concessão das entrevistas que foram funda-
mentais para esse escrito.

MEMBROS DA TORCIDA ORGANIZADA TURBINADOS DA


TORRE ENTREVISTADOS

Felipe Castelo, 18 anos.

Registro fotográfico do Torcedor Felipe Castelo durante o serviço de esticar as faixas no estádio.
Acervo Turbinados da Torre, 2021.

168
FUTEBÓIS DO NORTE

Hugo Rafael, 37 anos.

Registro fotográfico do torcedor Hugo Rafael na sede do Ypiranga Clube. Acervo pessoal de Hugo
Rafael, 2021.

Racso Dias, 39 anos.

Registro fotográfico de Racso Dias com a taça do ênea campeonato amapaense de futebol. Acervo pes-
soal do torcedor, 2020.

169
“SE TIRAR A TORCIDA, O YPIRANGA SE ESVAZIA, PERDE O CORAÇÃO” UMA ETNOGRAFIA
DOS TURBINADOS DA TORRE

Eron Dias, 42 anos.

Registro fotográfico do torcedor Eron Dias (em destaque) durante a final do campeonato amapaense
de 2019. Acervo do Ypiranga Clube, 2019.

REGISTROS FOTOGRÁFICOS DA T.O. TURBINADOS DA TORRE


EM DIAS DE JOGOS

Registro fotográfico dos torcedores Ypiranguistas durante a final do campeonato amapaense de 2019.

Acervo do Ypiranga Clube, 2019.

170
FUTEBÓIS DO NORTE

Registro fotográfico dos torcedores Ypiranguistas durante a final do campeonato amapaense de 2019.

Acervo do Ypiranga Clube, 2019.

Registro fotográfico dos torcedores Ypiranguistas durante a final do campeonato amapaense de 2018.

Acervo do Ypiranga Clube, 2018.

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“SE TIRAR A TORCIDA, O YPIRANGA SE ESVAZIA, PERDE O CORAÇÃO” UMA ETNOGRAFIA
DOS TURBINADOS DA TORRE

Registro fotográfico dos torcedores Ypiranguistas durante a final do campeonato amapaense de 2018.

Acervo do Ypiranga Clube, 2018.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTHUNES, T.; SOUZA, M. M. Violência no futebol paraense: um diálogo biblio-


gráfico acerca da violência que envolve as torcidas de futebol de campo em Belém do
Pará. Belém: Universidade do Estado do Pará, 2012.

Freitas, Aline M. C. Não é só futebol: uma análise dos laços de afeto que envolvem
os torcedores do Clube do Remo, a partir de processos socioculturais comunicativos.
(Dissertação) Belém: Universidade Federal do Pará, 2017.

BARROS, C. P.; SILVA, L. F. S.; COSTA, T. S.; BURKOWSKI, A. A. M. Torcidas Orga-


nizadas, Sinônimos de Violência?. Revista da Faculdade Metodista Granbery. 2009.
VASCONCELOS, Artur Alves. Identidade Futebolística: Os Torcedores “Mistos”
do Nordeste. (Dissertação) Mestrado em Sociologia - Universidade Federal do Ceará.
2011.

LOUREIRO, L. L. Torcidas Organizadas: Movidas Por Uma Paixão. (Monografia)


Universidade Vale do Paraíba. São José dos Campos – SP. 2011.

PIMENTA, C. A. M. Violência entre torcidas organizadas de futebol: Violência e


Auto-afirmação. São Paulo: Editora Vogal, 1997.

NASCIMENTO, M. L. Torcida, substantivo feminino: Interações e relações de gêne-


ro nas torcidas do clássico Remo x Paysandu. (Dissertação de Mestrado) Universida-
de Federal do Pará. 2020.

SANTOS, A. F. Torcidas Organizadas e Sociabilidade Juvenil no Nordeste. Maceió


– 2013.

TOLEDO, L. H. Torcidas Organizadas de Futebol. São Paulo: Vozes, 1996.

172
CAPÍTULO 11

A PIADA: RELATO DE EXPERIÊNCIA DA


CONQUISTA DE UM SONHO
Cássia Almeida Gouvêa1

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.11

1  Associação Atlética ESMAC/Ananindeua (A.A.ESMAC), Centro Universitário do Pará (CESUPA), Belém, Pará, Brasil.
A PIADA: RELATO DE EXPERIÊNCIA DA CONQUISTA DE UM SONHO

Q uando 2021 iniciou, o sentimento era de quem ainda vivia a segunda par-
te de um 2020 desastroso. A Covid-19 não havia nos deixado. No Pará,
na segunda quinzena de janeiro, o número de mortes teve um aumento de 340% em
relação à semana que iniciou o ano. O caos parecia longe de acabar e afetava, significa-
tivamente, a todos. Das mais diversas formas. As coisas foram aos poucos sendo, no-
vamente, proibidas. E essas proibições foram chegando em todos os espaços. No fute-
bol não foi nada diferente, na cidade de Belém, até as equipes profissionais masculinas
chegaram a ser impedidas de treinar. Coisa não tão difícil de resolver para quem pode.
E naquele momento, a gente ainda não podia. Quando falo “a gente” me refiro ao time
feminino lá da cidade de Ananindeua-PA, que sonhava com um acesso para a elite
do futebol feminino brasileiro, mesmo num ano tão conturbado. Mas calma, vamos
começar do zero. Quando o ano iniciou, a estratégia era iniciar os trabalhos em março,
justamente o mês no qual e tudo viria a parar. Nos apresentamos no dia 2 de março.
Mas paramos também naquele dia. Tínhamos medo. Medo da doença, porém também
tínhamos medo de não sermos capazes de bem representar nosso estado. Alguns dias
depois da representação, só se falava na TV de uma coisa: o lockdown voltou! E em
toda região metropolitana. Não sabíamos quando voltaríamos.

Foto 1 - Arquivo pessoal

Mercy Nunes

Em abril, com esforço de muitos, treinamos pela primeira vez, mas a 80km
de onde estávamos acostumados, em Castanhal-PA. O decreto agora em vigor já não
proibia mais o futebol profissional de treinar, mas ainda proibia o futebol feminino,
entendido como futebol amador, de fazer o mesmo.
Foram 2 finais de semana de muito esforço e suor, a 80 km do nosso lugar. Não
tínhamos mais como continuar assim. Com um apelo na TV e matérias falando da luta
de um time que só queria treinar, acabamos sendo recompensados com o fim de um

174
FUTEBÓIS DO NORTE

decreto que nos impedia de lutar pelo nosso sonho. Voltamos. Apenas 18 dias antes da
estreia. Mas voltamos.
No dia da estreia, na preleção antes do jogo, realizado justamente na cidade
que nos permitiu treinar pela primeira vez, uma frase marcou o início da nossa guerra.
O treinador, Mercy Nunes, começou a preleção contando uma piada. Todos os presen-
tes riram. Contou novamente e riram de novo. Na terceira vez, ninguém mais entendia
o porquê daquilo. Ele, então, disse “não vamos deixar que nós sejamos a piada contada
3 vezes”. Era o nosso terceiro ano tentando o acesso, o fracasso nos 2 anos anteriores
ainda pairava sobre nós. Porém, naquele dia uma vitória acachapante viria. 9x0 na
estreia. Para espantar todo o ar que ainda pairava. Era um sinal.
Foto 2 - Jogo: Esmac 5x0 Oratório-AP

Foto: Jessica Pinheiro

Encerramos a primeira fase sem sofrer uma derrota. Mas nos últimos dois
anos havia sido assim. Não podíamos deixar subir à cabeça. Esperamos o sorteio e,
pela primeira vez, pegamos um dos melhores terceiros. Era um bom sinal. Só que nada
nunca foi fácil pra gente... e dessa vez não seria diferente. Não havia como ser. Ainda
pesava sobre nós muitas coisas. O fato de quase não termos tido uma pré-temporada
e o fato de sermos um dos clubes menos estruturados da competição. Em campo, isso
virou força. Foi assim que passamos das oitavas pela primeira vez. Foi uma sensação
indescritível. Mas acabamos o jogo sem muitas comemorações. Afinal, não havia aca-
bado. Nós não podíamos morrer na praia.
O primeiro jogo das quartas de final começou antes mesmo da chegada a ci-
dade do adversário. Enfrentaríamos uma maratona para chegar lá. De Belém para Ma-
naus, de Manaus para Porto Velho. Um descanso rápido no hotel e mais 3 horas de
ônibus para Ariquemes-RO. Mas estávamos certos que ninguém seria capaz de dimi-

175
A PIADA: RELATO DE EXPERIÊNCIA DA CONQUISTA DE UM SONHO

nuir a nossa força. Nem mesmo uma viagem cansativa. Nem mesmo a dor causada
pelas horas em que as atletas estiveram sentadas. Nem mesmo o ar seco da cidade,
sentidos por atletas acostumadas a quase “respirar água” em Belém. Estávamos pron-
tos para qualquer coisa.
Em cada chute tinha lembrança dos impedimentos que sofremos, dos nossos
esforços para estarmos ali. A história de luta de cada um dos nossos se transformou
em uma só. Era a luta da Esmac. Na preleção, um apanhado dos nossos fracassos an-
teriores foi mostrado. Era uma lembrança forte do que não queríamos fazer, do que
não queríamos ser. Voltamos de Ariquemes-RO, numa viagem ainda mais cansativa,
com um empate na bagagem e com a sensação de que poderíamos ter feito mais. Isso
pesava. O medo de achar que faria falta.
Sete dias separaram o primeiro jogo do segundo. Os dias que antecederam o
jogo mais importante da história do meu futebol feminino foram marcados pela an-
siedade, pela alegria de estar escrevendo essa história e pelo medo de fracassar nova-
mente. Sabíamos que merecíamos, mas também sabíamos que o futebol, volta e meia,
se mostra o mais injusto dos esportes.
Um dia antes da partida nos concentramos num hotel no centro da cidade de
Belém. Queríamos estar todos unidos antes da maior partida da vida da grande maio-
ria ali. No quarto da Capitã, a última preleção de hotel antes do grande dia. O treina-
dor contou uma outra história: a história do menino que perguntou ao pai o segredo
da vida e ouviu dele que “a vaca não dá leite”. Ué, como assim a vaca não dá leite?
Perguntou o menino. “A vaca não dá leite. Se você não acordar cedo, não for atrás e
não apertar as mamas dela, ela não vai dar leite. Na vida, ninguém vai te dar nada, és
tu quem tem que buscar”. Ninguém nos daria o acesso. O Real Ariquemes-RO não nos
daria nada de graça. Era o sonho deles também. A gente teria que buscar.
Chegamos ao Estádio Baenão às 08h30. A ansiedade tomava conta de cada um
de nós. Era um sonho de muitas vidas que podia ou não se tornar realidade. Medo, ale-
gria e força se misturavam. Pareciam um só sentimento. Ninguém de fora conseguiria
entender. A maior motivação de cada uma das atletas era as lembranças de tudo que
cada uma havia passado durante o ano para estar ali. As lembranças de quando não
podíamos treinar. De tudo que ouvimos. Tudo virou força.
Quando o relógio marcou às 10h00, o jogo das nossas vidas começou. O apito
do árbitro despertou novamente o nervosismo em cada uma das minhas atletas. Em
cada um dos que estavam ali. Foi quase fatal. Com dez minutos de partida, o adver-
sário abriu o placar. Assim, eles nos mostraram que não nos dariam nada. Foi a hora
que a chave virou. Tínhamos que buscar. Não podíamos fracassar de novo. Não. Dessa
vez não. Não nos abatemos. Levantamos. Buscamos. A cobrança de falta magistral da

176
FUTEBÓIS DO NORTE

lateral Anne deixou tudo igual. O êxtase tomou conta de cada um presente. Nos deu
força. Com a Cassia, atacante, viramos o jogo. Uma bola que foi chutada por ela e por
muitos. Da titular a reserva, do técnico ao massagista. Todo mundo deu um pouco da
sua força naquela hora.
Quando o árbitro apitou pela última vez, a sensação que tomou conta de to-
dos os responsáveis pelo meu tão sonhado acesso foi inenarrável. Poucas palavras no
mundo seriam capazes de explicar aquela felicidade, aquele alívio, aquela sensação de
dever cumprido. “Conseguimos!” Era a palavra mais dita em meio ao choro, em meio
ao riso. Tudo era felicidade. Porque tudo que passamos e sofremos nos levou àquele
momento.

Foto 5 - O tão sonhado acesso

Foto: Lucas Sampaio

E foi assim... assim que o Norte voltou a ter um representante na elite do fu-
tebol brasileiro. O único, entre homens e mulheres. Foi assim que os meus não me
deixaram ser a piada contada 3 vezes.

177
PARTE III

TEXTOS JORNALÍSTICOS
CAPÍTULO 12

ANDIRÁ COMPLETA 57 ANOS DE


FUNDAÇÃO1
Manoel Façanha2

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.12

1  texto publicado originalmente em https://namarcadacal.com.br


2  Rio Branco, Acre, Brasil.
ANDIRÁ COMPLETA 57 ANOS DE FUNDAÇÃO

Andirá (juvenil) - 1969. Em pé, da esquerda para a direita: Manoel, Brito, David Abugoche, Cabeça,
Noca, Assem, Hélio e Zé Américo. Agachados: Gadelha, Darlan, Cabo Dias, Taboquinha, Natal, Gil e
Carreon

Foto: Acervo David Abugoche.

Fundado no dia 1º de novembro de 1964 por uma das famílias mais tradicio-
nais do Estado do Acre, os Dantas, o Andirá EC completa nesta segunda-feira (1º) 57
anos de fundação. A origem do nome do clube vem da palavra indígena “andyrá”, que
em Tupi significa “morcego”. Suas cores inicialmente eram o preto e o branco. Recen-
temente, em 2006, o clube adotou o verde em seu uniforme que, segundo o então pre-
sidente da época Gilberto Braga, era uma homenagem à Amazônia e à borracha, produzida
com destaque no Estado.
Andirá – 1969. Em pé, da esquerda para a direita: José Augusto, Reinaldo Amarelinho, Humberto,
Madureira, Hélio Fiesca e Babá. Agachados: Albertino, João Cutia, Pituba, Luís Cunha e Paulo.

Foto: Acervo Francisco Dandão.

180
FUTEBÓIS DO NORTE

Andirá – 1981. Em pé, da esquerda para a direita: Mário Mota, Studio, Josué, Carlão, Uchoa e Zé Bella-
vista. Agachados: Dias, Zé Maria, Jorge, Carlinhos Chita e Sérgio.

Foto: Acervo Francisco Dandão

O clube mais simpático do Acre também traz o orgulho de ter sido o primeiro
time acreano a ser incluído num teste da Loteria Esportiva, isso em 1974. A equipe foi
goleada em casa pelo Paysandu de Belém, por 4 a 0.
Andirá – 1983. Em pé, da esquerda para a direita: Nelson (diretor), Dodi, Manoel, Geraldo, Erasmo,
Arthur e Zé Bellavista. Agachados: Paulo, Jorge Bocão, Paladino, Assis e Regis.

Foto: Acervo José Raimundo Freire.

181
ANDIRÁ COMPLETA 57 ANOS DE FUNDAÇÃO

Cláudia Malheiro comanda treino do Andirá na temporada 2000.

Foto: Manoel Façanha.

Outra proeza do Morcego diz respeito ao fato de nomear pela primeira vez
uma mulher para assumir o comando técnico de um time de futebol no Brasil. Trata-
va-se da professora Cláudia Malheiros, que comandou a equipe nas temporadas de
2000, 2006 e 2007. Na terceira passagem na direção andiraense a técnica ajudou o time
a conquistar o título de vice-campeão.
Andirá – 2003. Em pé, da esquerda para a direita: Waltemir, Cairara, Máximo, André Louzada,
Maxwell e Ezequiel. Agachados: Pelé, Biro-Biro, Tonho Cabañas, De Souza e Robernilson.

Foto: Manoel Façanha.

182
FUTEBÓIS DO NORTE

O então presidente andiraense Gilberto Braga fala dos patrocínios da temporada de 2007.

Foto: Acervo Manoel Façanha.

Andirá EC – 2011. Em pé, da esquerda para a direita: Marquinhos Costa, Daniel Zaire, Mário Augusto,
Fábio e Kinho. Agachados: Jefferson, Eduardo, Moisés, Sandro, João Paulo e Ceziane.

Foto: Manoel Façanha

Nessa história de mais de meio século de vida, o Morcego conquistou apenas


dois títulos na sua história, ambos de campeão da Segunda Divisão, em 2011/2015.
Outro feito andiraense ocorreu na temporada 2012, quando o atacante andiraense
Eduardo terminou o estadual na artilharia com 13 gols. Na temporada 2021, a equipe
sub-20 do Morcego escreveu mais uma página de sucesso na história do clube ao con-
quistar o título Sub-20.

183
ANDIRÁ COMPLETA 57 ANOS DE FUNDAÇÃO

Andirá – 2020. Em pé, da esquerda para a direita: Paulo Alessandro (técnico), Ericon, Lucas Nunes,
Higor da Silva, Kaisson, Felipe Paranhos e Anderson Hermínio. Agachados: Thiago Marques, Michael
Wallace, Neném, Willismar e Carlos Henrique.

Foto: Leandro Rodrigues.

Presidente andiraense Afonso Alves durante conversa com os jogadores do clube.

Foto: Manoel Façanha

184
FUTEBÓIS DO NORTE

Jogadores do Andirá comemoram o segundo gol contra o Galo Carijó na conquista do título do sub-20.

Foto: Manoel Façanha

185
CAPÍTULO 13

MANÉ GARRINCHA EM PARINTINS/AM


1973

José Brilhante1

DOI: 10.46898/rfb.9786558893134.13

1  Parintins, Amazonas, Brasil.


MANÉ GARRINCHA EM PARINTINS/AM 1973

M anuel dos Santos nasceu na cidade de Pau Grande, interior do Rio de


Janeiro, em 28 de outubro de 1933. Logo que nasceu perceberam as per-
nas tortas e a bacia deslocada, com um desnível perceptível. Descendente de indígenas
Fulniô1, ganhou o apelido de Garrincha por causa do passarinho que possui o mesmo
nome. Na infância era um menino solto, vivia jogando futebol na rua e caçando passa-
rinhos. Sua irmã Rosa, percebendo a preferência do irmão pelo pássaro Garrincha, aca-
bou por colocar o apelido no menino de pernas tortas. Tinha a meiguice e a esperteza
da ave, como seus descendentes que insistiam em aflorar na sua infância.
Conheceu o futebol para valer ainda na adolescência, na fábrica inglesa Amé-
rica Fabril, que se instalou na cidade. Foi admitido somente pelo talento no futebol.
Era jogador promessa do time de Pau Grande, bancado pela fábrica, mas como fun-
cionário teria que cumprir seu expediente, o que não acontecia. Após muitas faltas, foi
demitido.
O Botafogo (Estrela Solitária) apareceu na vida de Garrincha meio que por
acaso. Acabou fazendo um teste no Vasco da Gama, mas não conseguiu êxito. Em um
certo dia estava jogando, “destruindo” os adversários com seu repertório vasto de
dribles, e foi visto pelo jogador Araty, do Estrela Solitária, que estava passando pela
cidade e resolveu dar uma olhadinha na partida.
O “anjo das pernas tortas”, como viria a ser conhecido, assinou o primeiro
contrato com apenas 19 anos, em 1953. Claro que o acerto estava em branco, caso esse
que viria causar muitas dores de cabeça para o clube e para Garrincha no futuro. A
contratação veio depois de um treino, no qual só tinha dez minutos para demonstrar
o talento. Acabou causando boa impressão, tendo um embate igualado com Nilton
Santos, um dos melhores jogadores de defesa que o Brasil já produziu. Desde lá fez
sucesso nas incursões europeias2 e Campeonatos Cariocas.
Com o passar do tempo, o craque acabou tendo rusgas com o clube por causa
do problema no joelho, que resultou na saída do Botafogo em 1965. Teve uma breve
passagem pelo Corinthians, Flamengo e Olaria, nesse contexto o vício do álcool já lhe
consumia, um dos motivos de todo o patrimônio que conquistou durante a carreira de
jogador ir para o ralo. Além dos processos judicias em que ficou envolvido, nos quais
perdeu muito dinheiro por causa do desquite de sua primeira mulher. O ato ficou co-
nhecido no Brasil todo, uma vez que ele abandou a mulher supostamente na miséria
com sete filhas para ficar com a cantora Elza Soares.
Dez anos depois, sem clube e sem renda para sobreviver, Garrincha passou a
viajar pelo Brasil, participando de amistosos por times locais. Já não tinha mais a ve-

1  Etnia indígena originária do Nordeste brasileiro


2  Pré-temporadas que o time fazia para angariar recursos e se fazer conhecido pelo velho mundo.

188
FUTEBÓIS DO NORTE

locidade e astúcia no drible para chegar ao gol, no auge dos seus 39 anos, mas ainda
era Garrincha, o “anjo das pernas tortas” que encantou o planeta, nas copas da Suécia
(1958) e do Chile (1962).
E nas suas andanças com seu empresário, foi a Manaus e aceitou proposta
para se apresentar em Parintins. Quando chegou ao cais do porto, uma multidão o
esperava. Praticamente foi levado no colo para o hotel onde ficou hospedado.
A cidade ficou inquieta com a vinda do ainda mítico bicampeão mundial e
ídolo do Botafogo. Nessa época, já não jogava mais no clube há muito tempo, e estava
aposentado como profissional.
Não era a primeira vez que Garrincha arribava para as bandas do Norte. Em
1969, veio com o Clube de Regatas Flamengo, a Manaus, disputar dois amistosos. O
primeiro contra o Fast (Rolo Compressor) e o segundo contra o Nacional (Leão da
Vila). Nas duas partidas o Flamengo só obteve sucesso com o Fast, vencendo por 2 a 0.
Contra o Nacional só ficou no empate em 0 a 0, com o ídolo jogando pouco, por estar
fora de forma.
Antes do fato histórico para os parintinenses, o jogador já tinha se despedido
do futebol em um amistoso da Seleção Brasileira.
Era uma tarde de sábado, 02 de junho de 1973, quando o mito das pernas tor-
tas entrou no estádio Tupy Cantanhede completamente lotado para ver o craque que
antes só era prestigiado nos cinemas de Parintins. Fora do estádio ainda tinha muita
gente tentando entrar a qualquer custo. Dentro do Tupy, a tietagem dos tupinambara-
nas não parava. Todo mundo querendo tocá-lo para ver se era real, tirar uma foto ou
pegar um autógrafo.
A partida proposta era disputar um amistoso entre os maiores rivais do fu-
tebol parintinense: Amazonas e Sul América. Garrincha jogou o primeiro tempo pelo
Cobra Coral e o segundo pelo Sulamba. Nilo Gama, na época, titular do Sul América,
relembra um lance em que participou com Garrincha: “Jorge Canal deu a bola para
Garrincha que tocou de calcanhar pra mim. Depois disso, joguei por cima do zagueiro
para concluir lá na frente”. Após a jogada, Garrincha percebeu a semelhança dos to-
ques que fazia sempre nos gramados e se aproximou para perguntar:
- Baixinho, onde você aprendeu essa jogada?
- Meu treinador foi no Rio de Janeiro e viu a tua jogada com Djama Santos e
me ensinou - respondeu Nilo
- Olha, teve só um lateral que fazia essa jogada que é o Djalma - respondeu
Garrincha encerrando a conversa.

189
MANÉ GARRINCHA EM PARINTINS/AM 1973

Outro futebolista, Francisco Batista, mais conhecido como “Fabí”, na época


com apenas 16 anos, conta um fato pitoresco, a honra de ter pegado uma bronca do até
então mítico e bicampeão mundial, Mané Garrinha, dentro de campo. Para ele aquilo
foi irreal, parecia que tinham uma intimidade. Como Fabí era jogador do Amazonas, o
fato ocorreu no primeiro tempo, quando Mané estava atuando com a camisa do Cobra
Coral. O jovem foi advertido porque estava tocando a bola somente para ele, fazendo-
-o correr muito.
- Vem cá garoto! Está querendo me queimar, é? Porque está parecendo que
você só está vendo eu em campo, só toca a bola pra mim! – questionou Mané.
- Não quero te queimar. Estou fazendo isso porque essa multidão que está na
arquibancada veio ver o senhor fazer seus dribles – responde Fabí, meio nervoso por
estar tão perto de um ídolo mundial.
Após o “esporro”, o adolescente, que via seu ídolo somente em uma tela, ficou
muito feliz. Um caso atípico para quem acabava de ser repreendido.
Ao término da partida, o placar ficou em 1 a 0 para o Cobra Coral. O gol saiu
do cruzamento de Garrincha, com Bereco cabeceando para o fundo das redes.
Dias após o jogo, os clubes doaram as duas camisas que Garrincha usou du-
rante o jogo, para serem premiadas num bingo que atraiu centenas de concorrentes.
Dez anos depois da visita a Parintins, Garrincha faleceu de cirrose hepática e
outras complicações que desenvolveu por causa do alcoolismo severo. Antes da mor-
te, ainda passou por várias clínicas de reabilitação, mas sucumbiu ao vício, deixando o
país órfão de talento futebolístico.

Foto: acervo pessoal de Geral Alípio

190
FUTEBÓIS DO NORTE

Sul América, pelo qual mané garrincha jogou em 1973. em pé, da esquerda
para direita: Nilo Gama, Paulo Afonso, Geraldo Alípio, Nonato Carcará, Mário Polen-
gó, Vanderlei (Presidente), Rubens Dos Santos (Técnico). Agachados: Sergio Modesto,
Garrincha, Duca, Jorge Canal, Flávio, Zezinho E Catá.
Garrincha com a camisa do Amazonas

Garrincha com a camisa do Amazonas

191
ÍNDICE REMISSIVO
B 129, 130, 131, 132, 134, 135, 137, 138, 144,
145, 146, 147, 148, 149, 151, 153, 154, 156,
Belém 5, 6, 15, 16, 19, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 28, 32, 158, 159, 166, 172, 173
41, 42, 44, 47, 49, 50, 54, 56, 57, 71, 77, 78, 81,
89, 93, 103, 107, 108, 110, 111, 112, 113, 115, L
116, 117, 119, 121, 126, 127, 138, 139, 153,
155, 156, 157, 158, 165, 179 Lgbtqiapn 60, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73
Brasil 15, 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 29,
31, 44, 45, 46, 59, 60, 61, 62, 66, 68, 69, 70, 72, N
73, 80, 85, 86, 89, 90, 91, 92, 93, 95, 96, 100,
Norte 22, 28, 29, 30, 43, 44, 46, 47, 60, 61, 64, 66,
102, 104, 107, 108, 110, 114, 119, 120, 121,
67, 69, 71, 79, 95, 113, 117, 120, 121, 127, 128,
125, 126, 127, 128, 129, 137, 139, 143, 144,
159, 173
155, 163, 166, 171, 172

C P
Pará 15, 16, 21, 23, 24, 25, 26, 41, 43, 44, 45, 46, 48,
Campeonato 21, 22, 31, 45, 62, 64, 65, 68, 72, 82,
50, 55, 56, 70, 77, 78, 79, 80, 83, 85, 86, 89, 94,
93, 95, 96, 98, 126, 147, 151, 152, 153
107, 108, 109, 110, 115, 116, 117, 119, 120,
Campo 21, 24, 29, 30, 31, 37, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 121, 122, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 130,
49, 50, 55, 57, 60, 62, 66, 70, 83, 90, 91, 92, 93, 132, 135, 136, 137, 138, 139, 153, 154, 155,
94, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 105, 108, 156
114, 121, 123, 124, 126, 127, 128, 137, 144,
Paraense 20, 21, 23, 30, 31, 42, 43, 44, 45, 46, 48,
153, 157, 174
50, 52, 54, 55, 71, 79, 80, 83, 84, 85, 93, 94,
Clube 16, 21, 22, 23, 26, 31, 35, 42, 43, 44, 45, 46, 122, 125, 126, 127, 128, 129, 138, 153
47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 55, 63, 65, 66, 78, 79,
Paysandu 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 28, 29,
80, 81, 82, 83, 84, 85, 108, 109, 110, 113, 114,
30, 31, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 40, 43, 45, 46, 47,
120, 121, 122, 123, 124, 125, 126, 127, 128,
78, 79, 81, 82, 83, 85, 86, 90, 91, 93, 94, 103,
129, 130, 132, 133, 134, 135, 136, 137, 138,
108, 109, 110, 113, 114, 115, 116, 117, 120,
139, 145, 146, 149, 150, 151, 152, 153, 173
122, 123, 124, 125, 127, 130, 132, 133, 138,
Clubes 20, 22, 24, 28, 29, 35, 36, 38, 39, 43, 46, 49, 154, 165
57, 61, 62, 63, 65, 78, 80, 82, 83, 84, 90, 91, 93,
98, 99, 102, 109, 110, 111, 112, 114, 115, 120, R
122, 125, 126, 127, 129, 144, 149, 157, 174
Rádio 91, 120, 121, 122, 125, 128, 129, 130, 131,
D 132, 134, 135, 136, 137, 138, 139
Remo 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 42, 43, 44,
Direitos 6
45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 78,
79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 108, 109, 110,
E 113, 120, 122, 123, 124, 125, 127, 130, 132,
138, 148, 153, 154
Esporte 16, 17, 20, 22, 24, 25, 26, 29, 35, 39, 43, 44,
46, 48, 49, 50, 52, 56, 63, 64, 66, 67, 68, 70, 73,
83, 85, 86, 99, 103, 116, 120, 125, 126, 128, T
129, 137, 138, 144, 145
Times 16, 20, 21, 22, 23, 24, 35, 39, 40, 56, 57, 62,
Estádio 21, 23, 25, 31, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 63, 66, 69, 70, 73, 80, 91, 96, 98, 99, 102, 103,
50, 51, 52, 53, 54, 55, 57, 66, 80, 81, 82, 83, 85, 104, 109, 111, 112, 114, 116, 117, 144, 149,
86, 90, 91, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 102, 114, 117, 172
120, 121, 127, 128, 129, 135, 145, 146, 147,
Torcedor 28, 31, 36, 42, 44, 46, 47, 50, 52, 53, 54,
148, 150, 173
55, 73, 78, 81, 90, 91, 92, 93, 95, 96, 97, 98, 99,
Futebol 16, 17, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 28, 29, 101, 102, 104, 110, 111, 114, 122, 125, 128,
30, 31, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 42, 43, 45, 46, 48, 129, 130, 131, 136, 137, 138, 146, 148, 150,
49, 50, 52, 55, 56, 57, 60, 61, 62, 63, 64, 66, 67, 151
68, 69, 71, 72, 73, 74, 75, 78, 79, 80, 81, 82, 83,
Torcedores 28, 30, 36, 37, 42, 43, 46, 47, 48, 50, 51,
84, 85, 86, 90, 92, 93, 95, 98, 101, 102, 103,
52, 53, 54, 55, 56, 86, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96,
104, 105, 108, 109, 110, 111, 112, 114, 116,
97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 109,
117, 120, 121, 122, 123, 125, 126, 127, 128,
110, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 120, 122,

192
124, 128, 131, 132, 133, 134, 135, 136, 137,
144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 152, 153
Torcida 23, 38, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 82,
83, 84, 85, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 98, 99, 103,
108, 109, 110, 111, 112, 114, 115, 116, 117,
144, 145, 146, 147, 148, 149, 150

V
Violência 81, 84, 85, 97, 99, 100, 103, 108, 109, 111,
112, 113, 114, 116, 117, 146, 147, 153

193
FUTEBÓIS DO NORTE

Organizadores:

FELIPE CARLOS DAMASCENO E SILVA


ALINE MERIANE DO CARMO DE FREITAS LUCINEY ARAÚJO LEITÃO
Ano 1

RFB Editora
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