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CAMPINAS-SP
2020
GABRIELA MARTA MARQUES DE OLIVEIRA
CAMPINAS-SP
2020
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação Física
Dulce Inês Leocádio - CRB 8/4991
Título em outro idioma: The banck employees in the state os São Paulo's football: : the
experience of an occupational category in sport (1929-1945)
Palavras-chave em inglês:
Football - History
Banking - São Paulo (State) - 1923-1944
Unions - São Paulo (State) - History
Área de concentração: Educação Física e Sociedade
Titulação: Mestra em Educação Física
Banca examinadora:
Edivaldo Góis Junior [Orientador]
Michel Nicolau Netto
Victor Andrade de Melo
Data de defesa: 11-08-2020
Programa de Pós-Graduação: Educação Física
___________________________________________
PROF. DR. EDIVALDO GÓIS JUNIOR
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS – UNICAMP
__________________________________________
PROF. DR. MICHEL NICOLAU NETTO
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS- UNICAMP
_________________________________________
PROF. DR. VICTOR ANDRADE DE MELO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ
1
A ata da defesa, com as respectivas assinaturas dos membros, encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de
Dissertação/Tese e na secretaria do Programa de Pós-Graduação, na Faculdade de Educação Física da Unicamp .
O futebol é aquilo que homens concretos fazem dele em cada momento e local.2
2
JÚNIOR, Hilário Franco, Dando tratos à bola - Ensaios sobre futebol, Edição: 1. São Paulo, Brasil: Companhia
das Letras, 2017, p. 165.
Aos meus pais, Elza e Sergio, por todo o amor.
AGRADECIMENTOS
Essa talvez seja a parte mais difícil desse trabalho. Não porque ache que agradecer
os que estão e estiveram comigo seja difícil, mas por medo de, enganada pela memória, me
esquecer de alguém. De antemão, peço desculpas caso isso ocorra. Deixo claro também que,
apesar de essenciais, essas pessoas nada tem a ver com os problemas desse texto, de inteira
responsabilidade de sua autora.
Muitos foram os amigos que estiveram comigo, nem sempre fisicamente. Ana,
Paula e Alyssa foram, cada uma em um lugar desse país, pessoas que estiveram sempre
disponíveis para mensagens essenciais (e nem tão essenciais assim) quando fosse preciso.
Rafaella, Ruy, Camila, Franco, Caio, Gabi Pratavieira, Menini e Thayde estiveram por perto
em almoços, bares, jogatinas, viagens, na biblioteca e nos corredores do IFCH, prontos para
risadas e discussões sem fim, que passavam em minutos de assuntos sérios a amenidades, e
sempre a postos para o tradicional café das 16h no prédio rosa. Silvia, Rita e Letícia foram,
cada uma a seu tempo, companheiras que fizeram apartamentos vazios se transformarem em
lares, e serei eternamente grata a elas por isso. Talison se tornou amigo querido, com quem falar
de futebol era sempre mais divertido. Agradeço pelas idas aos estádios, por todas as cervejas
divididas, pelas conversas, pelos planos que nem sempre sobreviveram às mesas de bar, pelos
pitacos historiográficos e pela parceria nas frentes de história do Emancipa. Ivan foi
fundamental para essa jornada. Juntos desde o ensino médio, dividimos as salas do curso de
história e as ansiedades do processo de entrada e estada na pós-graduação. A ele agradeço pelas
palavras, sempre precisas, nos momentos em que eu mais precisava. À Henrique, agradeço
pelos treze anos de amizade. Pela disponibilidade, o carinho, a diversão, por ser sempre tão bem
recebida em sua casa, e, principalmente, pelos abraços.
Aos colegas do grupo Corpo e Educação, Samuel, Diego, Léo, Igor e Bruna
agradeço por terem me recebido tão bem e contribuído tanto para essa pesquisa. Um
agradecimento especial deve ser feito ao Igor, que esteve comigo em quase todos os dias de
trabalho no Laboratório Margem. Agradeço a eles pelas críticas, sugestões, pela leitura atenta
do texto e pela amizade.
Agradeço ao meu orientador, professor Edivaldo Góis Junior, por ter acolhido a
ideia de uma aluna de segundo ano e a orientado com tanta paciência. Desde 2015, quando
iniciamos nossa jornada em uma Iniciação Científica, se mostrou um orientador humano,
compreensivo, crítico e instigante, sempre respeitando minhas opiniões. Sem ele, a execução
do projeto teria sido infinitamente mais difícil.
Aos professores Victor Andrade de Melo e Michel Nicolau Netto agradeço pela
leitura cuidadosa do texto. Eles foram críticos certeiros e gentis, e seus comentários e o diálogo
com eles foi essencial para que o trabalho ganhasse corpo.
Agradeço à Veridiana pela acolhida em sua casa para que as pesquisas para esse
trabalho fossem feitas, compartilhando comigo as alegrias e frustrações da pesquisa de campo.
Pesquisas essas que não teriam sido possíveis sem a ajuda de Alexandre, do CEDOC-Bancários,
César, do Satélite Esporte Clube e Marlene, da A.A.B.B. Sua disposição e atenção foram
essenciais para que a coleta das fontes pudesse ser realizada com êxito.
Agradeço ao tio Vitor pelo universo cultural que me apresentou. Música, cantores,
livros, experiências de vida. Também sou grata por todos os preparativos e enfeites natalinos,
a alegria, as risadas, por fazer tudo virar festa. Tia Dete e tio “Calinho” me receberam em sua
casa enquanto meus pais estavam trabalhando e as escolas de tempo integral ainda não eram o
sucesso que são hoje. Muito obrigada pelo carinho e por terem me transformado na corintiana
que sou.
O presente trabalho tem como objetivo olhar para o esporte praticado pelos trabalhadores
bancários em São Paulo, entre os anos de 1929 e 1945, organizado pela Liga Bancária de
Esportes Atléticos, vinculada à Associação dos Funcionários de Bancos do Estado de São
Paulo, para compreender a formação de uma cultura em comum entre os bancários no período.
O olhar para esse objeto nos permitiu compreender como as representações sobre o esporte
veiculadas pela Folha Bancária, órgão oficial da Associação dos Bancários, eram recebidas e
vivenciadas na experiência desses agentes históricos praticantes de esportes, notadamente do
futebol. Olharemos também para dois clubes de funcionários do Banco do Brasil, e através de
suas atas e estatutos refletiremos sobre a heterogeneidade dos bancários e como ela se refletia
no universo esportivo. O diálogo com a história da Associação dos Funcionários de Bancos do
Estado de São Paulo será feito na medida em que, para compreender as diversas representações
sobre o esporte veiculadas no jornal da associação, fonte principal dessa pesquisa, é preciso
perceber as mudanças políticas na organização da associação, decorrentes das alterações
políticas que aconteceram no primeiro governo Vargas.
Palavras-chave: história do esporte; bancários; São Paulo.
ABSTRACT
The present Masters Dissertation aims to look at the sports, which were organized by Liga
Bancária de Esportes Atléticos (Banking League of Athletic Sports), linked to Associação dos
Funcionários de Bancos do Estado de São Paulo (Association of Bank Employees of the State
of São Paulo) and played by bank workers in São Paulo from 1929 to 1945, to understand the
formation of a shared culture among bank employees in that period. The examination of this
object enabled us to understand how the representations about sports that were published by
Folha Bancária, the official body of Associação dos Bancários (Association of Bank
Employees), were received and felt in the experience of these historical agents who played
sports, notably football. We will also look at two clubs of Banco do Brasil employees, and
through their minutes and statutes, we will reflect on the heterogeneity of bank employees and
how it was reflected in the sports universe. The dialogue with the history of Associação dos
Funcionários de Bancos do Estado de São Paulo will take place to the extent that, in order to
understand the various representations about sports which the associations newspaper, the main
source of this research, published, it is necessary to understand the political changes in the
organization of the association, which resulted from the political changes that occurred during
the first Vargas government.
Keywords: sports history; bank employees; São Paulo.
LISTA DE IMAGENS
Imagem 11. Equipes da A.A.B.B.-São Paulo e A.A.B.B.-Rio durante a excursão à São Paulo,
em 1935.................................................................................................................................... 81
Mapa 2 – “Triângulo”...............................................................................................................64
LISTA DE ABREVIATURAS
Introdução....................................................................................................................................17
Introdução
Nas últimas duas décadas o futebol como objeto das Ciências Humanas vem
ganhando espaço e consistência, porém, os objetos privilegiados são geralmente os ligados ao
futebol oficial, que constituíram o Brasil como o país do futebol. Outros lugares de prática,
como a várzea ou o futebol praticado pela classe trabalhadora suscitaram pouco interesse até o
momento3.
3
ARAÚJO, José Renato de Campos. Prefácio. In: SILVA, Diana Mendes Machado da, Futebol de várzea em
São Paulo: a Associação Atlética Anhanguera (1928-1940), 1. ed. São Paulo: Alameda, 2016.
4
Como exemplo dessas pesquisas podemos citar: DAMATTA, Roberto, Universo do futebol: esporte e
sociedade brasileira, Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982; ANTUNES, Fatima M. R. F., Futebol de Fábrica em
São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992; SOARES, Antônio Jorge, História e invenção de
tradições no campo do futebol., Estudos Históricos, v. 13, n. 23, p. 119–146, 1999; HELAL, Ronaldo; SOARES,
Antônio Jorge; LOVISOLO, Hugo, A invenção do país do futebol: mídia, raça e idolatria, Rio de Janeiro:
Mauad, 2001; LOPES, José Sergio Leite, Classe, etnicidade e cor na formação do futebol brasileiro., in:
BATALHA, Claudio H. M.; SILVA, Fernando Teixeira da (Orgs.), Culturas de Classe, Campinas: Editora da
Unicamp, 2004, p. 121–166; FILHO, Mario, O Negro no Futebol Brasileiro, 5a edição. Rio de Janeiro: Mauad,
2010.
5
FILHO, O Negro no Futebol Brasileiro.
6
Como exemplo dessas pesquisas podemos citar: PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda, Footballmania: uma
história social do futebol no Rio de Janeiro, 1902-1938, Rio de Janeiro, RJ, Brasil: Editora Nova Fronteira,
2000; FONTES, Paulo; HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de (Orgs.), The country of football: politics,
popular culture and the beautiful game in Brazil, London: Hurst, 2014; GAMBETA, Wilson, A bola rolou: o
Velódromo Paulista e os espetáculos de futebol (1895-1916), São Paulo: Editora Sesi-SP, 2015; SILVA,
Futebol de várzea em São Paulo.
7
PEREIRA, Footballmania, p. 15.
18
– a maioria dos autores trata o futebol de forma dicotômica, como sendo “espetáculo ou
estratégia de controle corporal. Um meio de ganhar dinheiro ou uma diversão fortuita para
privilegiados”8. Raramente o jogo é tratado como, por exemplo, um meio de ganhar dinheiro e
uma diversão fortuita não apenas para privilegiados. O que percebemos ao estudar o assunto é
que o alerta de Leonardo Pereira9 de que é necessário “deixar de lado a tentativa de construir
uma história do jogo somente pela lógica daqueles que tentavam utilizá-lo como meio de levar
aos trabalhadores os seus próprios projetos”, apesar de feita há algum tempo, só muito
recentemente vem sendo levada adiante.
8
MELO, Victor Andrade de, Introdução, in: GOMES, Eduardo de Souza; PINHEIRO, Caio Lucas Morais (Orgs.),
Olhares para a profissionalização do futebol: Análises Plurais, Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2015, p. 26.
9
PEREIRA, Footballmania, p. 280.
10
FONTES, Paulo, Futebol de Várzea and the Working Class: Amateur Football in São Paulo, 1940s – 1960s, in:
FONTES, Paulo; HOLLANDA, Bernardo Buarque de (Orgs.), The country of football: politics, popular culture
and the beautiful game in Brazil, London: Hurst & Company, 2014.
11
ANTUNES, Futebol de Fábrica em São Paulo, p. 37.
12
ROSENFELD, Anatol, Negro, Macumba e Futebol, Edição: 1a. Campinas, SP: Perspectiva, 1993 entende que
o futebol abriu possibilidade de ascensão econômica para a primeira geração de praticantes, gerando efeitos sociais
apenas em seus descendentes.
13
JACKSON, Gregory E., Malandros, "Honourable Workers‟ and the Professionalisation of Brazilian Football,
1930-1950, in: FONTES, Paulo; HOLLANDA, Bernardo Buarque de (Orgs.), The Country of Football: politics,
popular culture the beatiful game in Brazil., Londres: Hurst & Company, 2014, p. 41–66.
14
“Esse tipo de abordagem pode ser encontrada em Futebol: Ideologia do poder, de Roberto Ramos, onde o esporte
é analisado como um aparelho ideológico do Estado.” ANTUNES, Futebol de Fábrica em São Paulo, p. 8.
19
Dentre as interpretações já feitas sobre o futebol estão as de que ele teria sido
utilizado pela elite como forma de tentar manter o povo sob controle, ou ainda que teria trazido
para a classe trabalhadora uma nova forma de ascensão social, ainda que restrita, além de ser
uma maneira de a elite se manter como nos velhos tempos da pré-abolição, em que negros e
brancos pobres eram utilizados como “pé de obra” dos clubes de espetáculo, ficando reféns de
um sistema patronal que criou grandes relações de dependência17.
No entanto, à luz das interpretações já feitas sobre o jogo e sua utilização pela e
para a classe popular, achamos necessário compreendê-lo de maneira menos unilateral, olhando
para o modo como esses sujeitos vivenciavam e representavam o esporte, tentando acessar suas
formas de apropriação e ressignificação do jogo. Da mesma forma que se pode afirmar que
“nem todos os futebolistas ricos tinham como sonho jogar nos espetáculos”18, também deve
haver possibilidade de avaliar que alguns dos praticantes da classe trabalhadora também não o
tinham. O futebol poderia ser, para esses sujeitos, apenas uma forma de ocupação do tempo
livre, se mostrando uma boa maneira de socialização entre pares. Talvez nem fosse necessária
a prática do jogo. Apenas a frequência aos campos poderia ser suficiente para que o jogo tivesse
alguma importância na vida daquelas pessoas.
15
REVEL, Jacques, Jogos de escalas: a experiencia da microanalise, Rio de Janeiro (RJ): Editora Fundação
Getúlio Vargas, 1998, p. 29.
16
Ibid.
17
JACKSON, Malandros, "Honourable Workers‟ and the Professionalisation of Brazilian Football, 1930-1950.
18
GAMBETA, A bola rolou, p. 190.
20
Ao buscarmos por um futebol praticado longe das grandes praças esportivas nos
deparamos com a Liga Bancária de Esportes Atléticos (L.B.E.A). Os bancários formavam uma
categoria bastante numerosa nos anos 1930. Em 1931, um levantamento realizado pela
Associação dos Funcionários de Banco do Estado de São Paulo19 mostrou que havia na cidade
2629 bancários20, sendo que 1459 deles faziam parte da Associação21. Em 1943 ela já contava
com 3011 associados22. O modo como se viam, como mais ou menos próximos de outras
categorias de trabalhadores, variou durante os anos de 1929 e 1945 – período que o presente
trabalho aborda – mas durante todo esse tempo eles se viam como trabalhadores. Eram, em suas
palavras, “operários da casaca”, que tinham condições de trabalho ruins e recebiam pouco pelo
trabalho realizado e para a manutenção do padrão de vida que deveriam aparentar ter. Porém,
eram vistos pela sociedade como uma classe privilegiada, já que recebiam mais do que a média
salarial da cidade e pareciam sustentar um bom padrão de vida. Owensby, ao analisar a
formação da classe média no Brasil entre os anos de 1920 e 1950 afirma ter havido um esforço
das associações de classe dos “colarinhos brancos” em frisar uma fronteira entre eles e os
trabalhadores manuais. Teria sido nesse momento, portanto, que essas associações localizaram
esses funcionários em uma nova taxonomia de classe, a classe média23. No entanto, no que se
refere à associação dos bancários, é difícil fixar o momento em que essa fronteira começa a ser
delineada. Ao contrário, o que verificamos é a existência de uma linha bastante tênue entre a
vinculação com trabalhadores manuais e a vinculação com trabalhadores não manuais. Ela
dependia, em muitos casos, de qual era a reivindicação da categoria e de que maneira essa
reivindicação era feita. Um exemplo disso pode ser a realização da greve de 1934, em defesa
da criação do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Bancários – IAPB (forma de
reivindicação consagrada pelos trabalhadores manuais), e a negociação diretamente com os
bancos pelas duas horas de almoço em 1932. Ambas as reivindicações tiveram êxito, porém
19
A Associação teve diversos nomes durante o período estudado. Trataremos melhor da questão de nomenclatura
no capítulo 1. Nesse momento faz-se necessário apenas dizer que nos referiremos à Associação de maneira
diferente conforme sua nomenclatura se alterava nas fontes no decorrer do tempo.
20
Estatistica dos Bancarios de São Paulo, Vida Bancaria, 81. ed. p. 2, jul. de1931.
21
R.R., Quantos somos?, Vida Bancaria, 83. ed. p. 1, set. de 1931.
22
Quantos somos?, Folha Bancária, 16. ed. p. 2, mar. de 1943.
23
OWENSBY, Brian P., Intimate Ironies: Modernity and the Making of Middle-Class Lives in Brazil, Edição:
1. Stanford, Calif: Stanford University Press, 1999, p. 48.
21
contaram com formas reivindicatórias que colocavam os bancários ora mais próximos dos
trabalhadores manuais, ora mais próximos de trabalhadores não manuais.
24
WILLIAMS, Raymond, Palavras-chave um vocabulário de cultura e sociedade, São Paulo: Boitempo, 2007,
p. 91.
25
Ibid., p. 92.
26
Ibid.
27
MILLS, C. Wright, A nova classe média (White Collar), 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979.
22
trabalhador mais status, já que, novamente, não será confundido com o operário. No entanto, a
possibilidade de utilização de vestimenta de passeio só é possível pois se exerce uma profissão
que garante status social. É uma via de mão dupla. Esses trabalhadores de “colarinho branco”
passaram a ser vistos pela sociedade de maneira diversa de outros tipos de trabalhadores, mas
também se enxergavam como diferentes deles. Eles possuíam outros anseios, outras
perspectivas e outro status.
Décio Saes faz observações importantes sobre pontos que podem ser levantados
para a definição de quais indivíduos integrariam a “classe média”. Seriam os que exercem
trabalhos improdutivos, ou seja, trabalhos que não contribuem diretamente com a produção de
mercadorias28. A definição passaria ainda pela execução de trabalhos não-manuais em
contraposição aos que exercem trabalhos manuais. Para o autor a distinção entre esses dois tipos
de trabalho teria criado na sociedade capitalistas grupos médios e uma consciência média,
diferente da consciência operária29.
Jürgen Kocka, por sua vez, afirma que a linha que difere operários de empregados,
o que ele chamou de “collar line” é mais historicamente condicionada e culturalmente variada
do que os estudos sociológicos podem demonstrar. Para ele, a origem da distinção entre
operários e empregados está na origem do sistema capitalista industrial. Por isso, seria preciso
um estudo comparativo entre sociedades em estágios similares de desenvolvimento industrial
para compreender a linha de separação entre eles30. Kocka defende ainda que a inclusão de
grupos tão diferentes no mesmo lugar de “classe média baixa” aconteceu por causa da
necessidade dos contemporâneos de preencher um vazio existente na polarização da sociedade
em dois campos hostis, burguesia e proletariado. Assim, os sujeitos que não pudessem ser
classificados em nenhum dos campos ganhariam o status de “classe média”. No entanto, essa
polarização não teria sido completa e a classificação de grupos tão diversos entre si como num
mesmo estrato social seria errônea31.
Para Owensby a classe média se caracterizaria por um estado mental orientado pela
dinâmica social e pela ordem econômica. Ela seria caracterizada por pessoas que “se
preocupavam com pequenas rendas [e] demandavam um status respeitável e que trabalhavam
duro por uma boa educação para que tivessem sucesso por seu próprio mérito e ainda assim
28
SAES, Décio, Classe méda e sistema político no Brasil, São Paulo: T. A. Queiroz, 1984, p. 8.
29
Ibid., p. 12.
30
POPINIGIS, Fabiane, Proletários de Casaca: Trabalhadores do Comércio Carioca, Edição: 1. Campinas,
SP, Brasil: Editora da Unicamp, 2007, p. 48–49.
31
Ibid., p. 49.
23
procuravam assiduamente por relações de patronagem”32, e formada por trabalhadores dos mais
variados tipos, de literatos chefes de família a guarda-livros e funcionários do comércio,
passando pelos profissionais liberais. Uma das maneiras que essas pessoas adotavam para se
distinguir socialmente dos trabalhadores manuais era a educação. Isso explicaria a profusão de
cursos noturnos e por correspondência em São Paulo e no Rio de Janeiro entre os anos de 1930
e 1940. A ida à escola e a posse do diploma podiam fazer com que os colarinhos brancos se
sentissem “‘civilizados’ de uma forma que os trabalhadores manuais não eram”33. O diploma
seria, assim uma forma de demonstração de qualificação social e status. Esse desejo pela cultura
explica ainda a criação de cursos de humanidades, de bibliotecas, salas de aula e teatros no
interior das associações de classe nesse período34. Em síntese, pode-se dizer que faziam parte
da classe média pessoas “que temiam as classes mais baixas, desconfiavam da elite e ainda
esperavam que a moralidade pudesse ancorar a ordem social.”35
32
OWENSBY, Intimate Ironies, p. 9 Tradução nossa.
33
Ibid., p. 52 Tradução nossa.
34
Ibid., p. 59 Tradução nossa.
35
Ibid., p. 9 Tradução nossa.
36
POPINIGIS, Proletários de Casaca, p. 23.
37
Ibid., p. 43.
24
*****
38
THOMPSON, E. P., A miséria da Teoria ou um planetário de erros - Uma crítica ao pensamento de
Althusser, 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981, p. 15.
39
O jornal muda de nome nesse período. Entre a fundação da Associação, em 1929 e setembro de 1939, se chamou
“Vida Bancária”. Depois disso, por causa da união com o Syn-Dikê (outro sindicato de bancários fundado em São
Paulo em 1935), os órgãos dos dois sindicatos são unificados, e o jornal passa a se chamar “Folha Bancária”. Mais
informações sobre esse acontecimento serão dadas no capítulo 1.
25
conseguimos analisar em que momentos o esporte aparecia com maior ou menor centralidade
dentro de suas políticas, como ela o utilizava, sua relação com a Liga Bancária de Esportes
Atléticos e até mesmo com algumas federações esportivas.
O acesso aos jornais se deu através de uma visita à sede do Sindicato dos Bancários
e Financiários de São Paulo Osasco e Região. O que buscávamos a princípio eram as atas das
reuniões da diretoria da Associação, que foram pesquisadas por Leticia Bicalho Canêdo40 e
Liraucio Girardi Junior41 em seus trabalhos sobre o sindicalismo bancário. Localizado no
Centro de Documentação e Memória dos Bancários (Cedoc-Bancários), o rico acervo do
Sindicato passou por digitalização e sua ordem inicial foi alterada. A empresa responsável pela
digitalização da documentação o deixou sem ordem, e, no momento da visita, devido à falta de
funcionários, ele ainda esperava por organização. A busca foi iniciada nos arquivos
digitalizados, porém, com o arquivo físico tão próximo e à disposição, pareceu mais fácil – e
mais prazeroso – lidar com ele. As visitas ao acervo foram intensas. Uma semana, das 9 horas
às 17 horas, com uma pequena pausa para o almoço. Conforme os dias foram passando, a
desorganização do arquivo e a falta de resultados começou a pesar. As atas buscadas não
poderiam estar ali. Continuando a busca, muitos documentos interessantes foram encontrados.
A história dos bancários se passava diante dos olhos, mas não havia sinal da história dos
esportes bancários. Já sabíamos que eles tinham alguma projeção nos meios esportivos da
cidade através do contato com os periódicos de grande circulação. E tínhamos conhecimento
da seção de esportes no jornal da Associação42. Se havia alguma forma de contar aquela história,
ela era através dos jornais. Eles são, de fato, fontes privilegiadas para dar conta do cotidiano
das pessoas, e são muito utilizados nas pesquisas sobre esporte43.
40
CANEDO, Leticia Bicalho, O Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-1944, Dissertação de Mestrado,
Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1977.
41
GIRARDI JR., Liraucio, Classe média, meritocracia e situação de trabalho: o sindicalismo bancário em
São Paulo (1923-1944), Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Campinas, SP, 1995.
42
Os jornais estão todos digitalizados e disponíveis no site do Cedoc-Bancários: https://spbancarios.com.br/cedoc
43
HOLLANDA, Bernardo Borges Buarque de; MELO, Victor Andrade de (Orgs.), O esporte na imprensa e a
imprensa esportiva no Brasil, [Rio de Janeiro, Brazil] : Rio de Janeiro, RJ: FAPERJ ; 7 Letras, 2012.
26
de sua ajuda, não conseguimos localizá-los. Aceitar a perda dessa documentação talvez tenha
sido uma das partes mais difíceis da pesquisa. Mas era preciso seguir adiante.
Entramos em contato com três clubes bancários ainda em atividade em São Paulo.
Na visita à Associação Atlética Banco do Brasil- São Paulo (A.A.B.B.- São Paulo) encontramos
a ata de fundação do clube, em 1935, e o livro de atas da diretoria a partir da década de 1940.
Os primeiros cinco anos de registros haviam sido perdidos pelo clube. Havia ainda dois grandes
livros com fotografias, que davam conta de boa parte da história da associação. Em algum
momento, na ânsia de organizar as fotografias, alguém as colou nos livros, e suas informações,
anotadas no verso, ficaram perdidas. Após contato com o presidente do Satélite Esporte Clube
para pedir autorização para realizar a pesquisa no clube, tivemos acesso a todo o material
disponível na sede de São Paulo, porém, foram encontrados apenas documentos referentes à
história recente do clube. Novamente o sentimento de frustração nos abatia. Em conversas com
o funcionário responsável, ele sempre dizia que havia uma “salinha” na qual poderia ter alguma
coisa, mas o acesso a ela nunca acontecia, até que um dia um funcionário da limpeza a abriu.
Era a sala onde guardava-se materiais de limpeza. Ali, na prateleira de baixo dos desinfetantes,
estavam as caixas com os livros ata do clube. Finalmente um momento de alegria, permeado
pelo pensamento sobre como nossa sociedade lida mal com a gestão da memória histórica. O
contato com o Esporte Clube Banespa, apesar dos esforços envidados, se mostrou
completamente infrutífero. Não teríamos acesso aos seus arquivos. Novamente era preciso
aceitar e seguir com o que tínhamos: os jornais da Associação, os periódicos da grande
imprensa, as poucas atas da A.A.B.B. e as atas do Satélite.
44
CANEDO, O Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-1944 afirma que havia outros bancos com mais de
um clube, mas não apresenta seus nomes. Em nossa pesquisa documental não foram encontrados outros casos além
do do Banco do Brasil. Pode ser que, se houvesse outros clubes de mesmo banco, eles não fossem filiados à Liga
Bancária.
27
*****
Há ainda uma terceira via interpretativa que deve ser destacada: ela afirma que
a aceitação dos trabalhadores ao novo regime se deu na forma de pacto. Segundo essa
interpretação o governo criou uma série de políticas públicas voltadas para o trabalhador,
iniciando uma nova forma de relação entre Estado e classe trabalhadora. Ela não nega os
cálculos utilitários feitos pela classe trabalhadora, mas inclui no escopo de dimensões a serem
analisadas a política e a cultural. Assim, a simples troca de obediência política por legislação
social não basta para compreender o período. Para Angela de Castro Gomes, o Estado resgatou
os valores e a imagem do trabalhador vigentes durante a Primeira República, deu-lhes novos
significados, e apresentou-os como seus.
45
FERREIRA, Jorge Luiz, Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular (1930-1945), Rio de Janeiro:
7Letras, 2011.
28
neste sentido, mera submissão e perda de identidade. Havia pacto, isto é, uma troca
orientada por uma lógica que combinava os ganhos materiais com os ganhos
simbólicos da reciprocidade, sendo que era esta segunda dimensão que funcionava
como instrumento integrador de todo o pacto46.
Ou seja, não havia conformismo com a situação política ou social vivida pela
classe trabalhadora. Jorge Ferreira mostra, através das cartas escritas por pessoas comuns para
Getúlio Vargas, que o aparente conformismo demonstrado nas solicitações feitas por aquelas
pessoas ao presidente era na verdade uma estratégia para alcançarem seus objetivos. Ao
manipularem o “arcabouço doutrinário e prático do Estado varguista, selecionavam aquilo que
poderia beneficiá-los – a legislação, os discursos sobre a família, o trabalho, o progresso, o
bem-estar etc. – e deixavam de lado todo o aparato autoritário, repressivo e excludente”47, mas
isso não significa que desconheciam esse aparato. Porém o limite da crítica era a contestação e
negação das regras autoritárias. Ou seja, aceita-se para poder avançar na conquista de
objetivos48.
É nesse cenário político que o presente trabalho está inserido. O recorte temporal
adotado é composto pelos anos entre 1929 e 1945, abrangendo, então, todo o primeiro governo
Vargas. Contudo não se trata aqui de uma periodização externa ao objeto, com uma delimitação
marcada exclusivamente por uma história política, mas sim a adoção da data inicial a partir do
momento de fundação da Liga Bancária de Esportes Atléticos. A adoção do ano de 1945 como
final se explica pelo fato de ser nesse momento que as tensões entre os clubes analisados
(A.A.B.B.-São Paulo e Satelite) se apaziguam, sendo possível observar como o fenômeno
esportivo ajudou na consolidação de uma cultura comum aos bancários.
46
GOMES, Angela de Castro, A Invenção do Trabalhismo, 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 195.
47
FERREIRA, Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular (1930-1945), p. 43.
48
FERREIRA, Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular (1930-1945).
29
Essa aproximação tem como justificativa adequar as práticas esportivas à ideologia do regime.
Devido à incapacidade do mundo esportivo de conter a indisciplina em campo, houve a
construção de um sistema jurídico esportivo que tinha como base o Direito Penal49. Foi também
nesse momento que o futebol foi utilizado para ajudar na construção da imagem do presidente
Getúlio Vargas, bem como na criação de uma identidade nacional. Vargas utilizava os estádios
de São Januário, no Rio de Janeiro, e do Pacaembu, em São Paulo, como palco de solenidades
oficiais – notadamente as do Dia do Trabalhador – que reuniam milhares de pessoas
promovendo um congraçamento cívico. As tentativas de criação de uma identidade nacional
tinham como grandes propagandistas cronistas esportivos como Mario Filho e Thomaz
Mazzoni50.
*****
O esporte como parte da cultura da classe trabalhadora já foi visitado por diversos
pesquisadores. É possível, a partir desses estudos, afirmar que ele faz parte da cultura dos mais
diversos trabalhadores ao redor do mundo. Uassyr Siqueira51, ao analisar clubes recreativos de
bairros paulistanos com grande presença operária entre os anos de 1890 e 1920 demonstrou que
muitos desses clubes tinham como objetivo, além da organização dos momentos de lazer dos
trabalhadores, fornecer auxílios diversos para seus sócios. Eles mantinham bibliotecas,
proporcionavam espetáculos, diversões lícitas e aulas que pudessem ser úteis a seus associados.
No entanto, a relação entre esses clubes e os Sindicatos e Ligas Operárias não era pacífica. Os
anarquistas acreditavam que as práticas de lazer difundidas nos bairros operários,
principalmente a dança e o futebol, eram prejudiciais aos trabalhadores e suas lutas. Assim, ao
invés de se juntarem ao redor desses passatempos, eles deveriam ingressar nos seus sindicatos.
A crítica aos clubes recreativos tinha ainda como objetivo evitar a separação entre os sócios,
que era promovida nos clubes por meio de sua hierarquização, divididos entre contribuintes,
honorários e beneméritos.
49
Para saber mais sobre a criação da Justiça Desportiva durante o Estado Novo ver: SOARES, Jorge Miguel
Acosta, Justiça desportiva: o Estado Novo entra em campo (1941-1945), Tese de Doutorado, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015.
50
DRUMOND, Maurício, Estado novo e esporte: a política e o esporte em Getúlio Vargas e Oliveira Salazar
(1930 - 1945), Rio de Janeiro, RJ: 7Letras, 2014; COUTO, Euclides de Freitas, Da ditadura à ditadura: uma
história política do futebol brasileiro (1930 - 1978), Niterói: Editora da UFF, 2014; SOARES, Justiça
desportiva: o Estado Novo entra em campo (1941-1945).
51
SIQUEIRA, Uassyr de, Entre Sindicatos, Clubes e Botequins: Identidades, associações e lazer dos
trabalhadores paulistanos (1890-1920)., Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, 2008.
30
Na Inglaterra, entre meados dos anos 1920 e 1930 houve a criação da British
Workers’ Sports Federation (BWSP), dedicada, como o próprio nome indica, a gerir o esporte
operário no país. Criada por apoiadores do Labour Party, em 1928 passa a ser controlada por
comunistas, que logo entendem a importância do esporte para os trabalhadores. Havia incentivo
ao esporte operário, mas o esporte tido como capitalista não era bem visto, ainda que não haja
formalmente nenhum impedimento em um amante de futebol ser engajado no sindicato do qual
faça parte. Havia campeonatos específicos para esses clubes, e o profissionalismo era
52
GÓIS JUNIOR, Edivaldo; SOARES, Carmen Lucia, Os comunistas e as práticas de educação física dos jovens
na década de 1930 no Rio de Janeiro, Educação e Pesquisa, v. 44, p. 1–20, 2018.
53
Ibid., p. 11.
54
KESKINEN, Lauri, Working-class Sports Clubs as Agents of Political Socialisation in Finland, 1903–1923,
The International Journal of the History of Sport, v. 28, n. 6, p. 853–875, 2011.
31
condenado por ser entendido como uma forma de deixar o trabalhador em situação pior do que
a que se encontrava55.
Olhar para esses trabalhos que tratam de contextos diversos em diferentes lugares
do Brasil e do mundo, em momentos históricos próximos nos ajuda a compreender que há
semelhanças e distinções na forma como o esporte voltado aos trabalhadores foi encarado e
organizado nos diferentes locais, não sendo plausível uma interpretação homogênea que
descreva de forma uniforme a experiência que envolveu as práticas esportivas por parte de
diferentes sujeitos, ainda que em um mesmo recorte temporal.
Por isto, em particular, no tratamento e análise das fontes estudadas a partir das
delimitações desta problematização, optamos em organizar este trabalho da seguinte forma: no
primeiro capítulo, trataremos da estrutura da Associação dos Funcionários de Bancos do Estado
de São Paulo, de quem eram os bancários, da periodização adotada e da Liga Bancária. Do
segundo ao quarto capítulo, trataremos da experiência dos bancários com relação aos esportes
em cada um dos períodos estabelecidos. Assim, no capítulo 2, olharemos para os anos entre
1929 e 1932, que tinha uma visão de esporte muito próxima dos ideais higienistas. Nesse
período o esporte vai ganhando espaço no jornal da Associação e passa a ser discutido como
uma forma de manutenção da saúde, desde que praticado com moderação. No capítulo 3, nos
deteremos aos anos de 1933-1935, momento em que os esportes praticamente desaparecem do
órgão oficial da Associação, e que converge com um momento de maior engajamento político
de suas lideranças. Nesses anos, esporte e política se misturaram de maneira indissociável, e os
resultados da greve de 1934 foram a criação de um outro sindicato e deu uma outra organização
esportiva entre os bancários. No capítulo 4, o foco serão os anos entre 1936 e 1945, em que o
esporte foi visto como forma de entretenimento e congraçamento em um sindicato
corporativista. Aqui, olharemos para os clubes para compreender de que maneira os bancários
se utilizavam de seu tempo livre, com práticas que iam além do esporte, em locais teoricamente
dedicados apenas a ele.
55
JONES, Stephen G., Sport, politics and the labour movement: the British workers’ sports federation, 1923–
1935, The International Journal of the History of Sport, v. 2, n. 2, p. 154–178, 1985.
32
Os salários variavam muito de banco para banco e dentro do próprio banco, como
é possível constatar nas tabelas feitas pela Associação, em meados dos anos 193057 e nos
diversos artigos que tratam das condições de vida dos bancários, além dos referentes à
campanha pelo Salário Mínimo, que teve início em 1934. Várias vezes o salário médio dos
bancários, entre 1933 e 1936 foi apresentado pela Vida Bancária como sendo de 300$000
(trezentos mil réis). Em um número de 1942, tratando da composição salarial média dos
bancários em 1935 e 1941, temos as seguintes cifras58:
Fonte: MEMOLO NETO, P., Folha Bancária, O salário bancário e a carteira predial do instituto, 10. ed.
p. 12, jun. de 1942.
56
KAMARADA, Vida Bancaria, Julgamento indefinido, 141. ed. p. 2, 20 de abr. de 1935; CANEDO, O
Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-1944, p. 22.
57
As tabelas foram feitas de maneira manuscrita, e apresentam cargo inicial e atual, escolaridade, salário inicial,
atual e anual com gratificações, estado civil, idade, tempo de serviço, número de filhos, número de pessoas que
sustenta, instrução e necessidade de subsistência. CANEDO, O Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-
1944, p. 27 as apresenta como se fossem de 1935. GIRARDI JR., Liraucio, Classe média, meritocracia e situação
de trabalho: o sindicalismo bancário em São Paulo (1923-1944), Dissertação de Mestrado, Universidade
Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP, 1995, p. 83 as apresenta como
enquete realizada pelo sindicato na Campanha pelo Salário Mínimo, em 1934. As tabelas encontradas no Sindicato
tinham apenas uma anotação de que foram produzidas na década de 1930, sem maiores especificações.
58
Essa é uma média que leva em consideração o salário dos chefes e gerentes, e, por isso, segundo o jornal, é mais
alta do que a realidade da maioria dos funcionários de bancos.
33
Nesse mesmo artigo é apresentada uma estatística feita pelo Ministério da Fazenda
sobre o custo de vida no Rio de Janeiro entre 1912 e 1941. Expõem-se como necessário para a
subsistência de uma família de 7 pessoas o orçamento mensal de 1:828$000 (um conto,
oitocentos e vinte e oito mil réis) para o ano de 1935 e de 2:823$000 (dois contos, oitocentos e
vinte e três mil réis) para 1941. O jornal toma por média uma família de 4 pessoas, e apresenta
os índices médios de 1:040$000 (um conto e quarenta mil réis) para 1935 e 1:600$000 (um
conto e seiscentos mil réis) para 1941 tomando esses números como o mesmo que uma família
de 4 pessoas em São Paulo precisaria para sua subsistência. Em outro artigo, esse de 1938, o
jornal afirma que a média de salário dos funcionários do Banco Commercial do Estado de S.
Paulo era de 400$000 (quatrocentos mil réis), enquanto o presidente ganhava 5:000$000 (cinco
contos de réis) e o superintendente 12:000$000 (doze contos de réis)59. Em 1943 o Salário
Mínimo era de 360 cruzeiros60 e em 1944 o ordenado médio dos bancários de 700 cruzeiros61.
Todos esses números demonstram a dificuldade em definir a média salarial dos bancários e qual
o seu padrão de vida – algo bastante subjetivo, uma vez que é preciso levar em consideração
questões como alimentação, saúde, moradia, vida familiar, utilização do tempo livre, educação
etc., tornando a linha entre padrão de vida e modo de vida bastante tênue62 – porém, é possível
perceber a partir dos dados apresentados que se tratava de uma classe de trabalhadores que
ganhava mais do que o Salário Mínimo do Estado de São Paulo, que, aprovado em junho de
1939 era de 200$000 (duzentos mil réis) para a zona da capital e de 140$000 (cento e quarenta
mil réis) para o interior63.
Olhar para os salários dos bancários do Rio Grande do Sul pode dar margem para
uma comparação interessante quanto aos ganhos dessa classe em outro local que não São Paulo.
Escreve um bancário gaúcho para a Vida Bancária, em 1935:
59
A media dos vencimentos do pessoal do Banco Commercial do Estado de S. Paulo, Vida Bancaria, 172. ed.
p. 1, 25 de mai. de 1938.
60
Operários paulistas reclamam contra a alta do custo de vida, Folha Bancária, 23. ed. p. 3, fev. de 1945.
61
Ao lado da multiplicação dos bancos floresce a miséria dos bancários ..., Folha Bancaria, 21. ed. p. 6, jul. de
1944.
62
THOMPSON, E. P., A formação da classe operária inglesa - A maldição de Adão, 2. ed. São Paulo: Paz &
Terra, 2012, p. 43.
63
Fixado o Salario Minimo para o Estado de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, 21384. ed. p. 7, 17 de jun. de 1939.
34
Eu por exemplo percebo 400$, porque fui aumentado em 50$000 em Junho p. passado,
depois de suar quasi um ano com insistentes reclamações, pois minha despesa forçada
é de 100$000 de aluguel de casa; pago agua, 20$; luz 15$000; armazem de 80$ a
100$; lenha (uma carroça apenas dá para um mês) 24$000; leite, 24$000 (1 litro diario
a 800$); açougue, 25$ compreendendo carne e toucinho, que talvez nem mesmo
25$000 dêem para pagar; padaria, 21$000, farmaria (mês em que pago pouco)
10$000, por cima. [...]64
Percebemos que a média salarial dos bancários no Rio Grande do Sul não diferia
muito da média dos paulistanos e o autor insere um dado interessante em sua narrativa: o custo
de vida. Muito se falou sobre o assunto, principalmente durante a campanha pelo Salário
Mínimo. A tabela abaixo mostra o custo de vida na cidade de São Paulo, para uma família de 5
pessoas, nos anos de 1935, 1939 e 1943, em cruzeiros:
64
Também o salario fome no Rio Grande do Sul, Vida Bancaria, 155. ed. p. 2, 30 de nov. de 1935.
65
“O gráfico acima, organizado pelo ‘Boletim Semanal’ da Associação Comercial de São Paulo, mostra-nos o
que foi o aumento do custo de vida, na cidade de S. Paulo, para uma família de 5 pessôas de categoria média,
categoria em que se pode enquadrar a classe bancária. Verifica-se de 1935 a Setembro de 1943 um aumento no
custo de vida de quase 60%. De 1939 a Setembro de 1943 esse índice é de cerca de 40%. Note-se que certas
verbas fôram calculadas com grande otimismo, como as que dizem respeito a Alugueis, Indumentária e Escola.
Deve-se também assinalar que de Setembro de 1943 a esta data, maior alta se tem observado no custo de todas as
utilidades.”
35
[...] D’aí a vida necessitada que passa e que é obrigado a passar, por varias
circunstancias, vejamos: - Custo de vida exorbitante, alta dos generos, artigos de uzo,
casa, locomoção, diversões, etc. em face dos salarios baixissimos, humilhante e
microscopicos que nos são pagos em doses homepaticas…. que obrigam os bancarios
a se tornarem escravos das casas de penhores, dos agiotas, dos titulos, dos protestos,
das dividas insoluveis, das prestações, dos judeus [...]66
66
AMERICANO MERIDIONAL, Palavras e fatos aos bancários do Brasil, Vida Bancaria, 119. ed. p. 2, 28 de
jun. 1934.
67
FERREIRA, Trabalhadores do Brasil: o imaginário popular (1930-1945).
68
Agiotagem nos meios bancários, Vida Bancaria, 175. ed. p. 4. jan. de 1939; SOFOCLES, Maus companheiros?,
Vida Bancaria, 106. ed. p. 5, 10 de dez. de 1933; Agiotagem entre os bancarios, Vida Bancaria, 157. ed. p. 1, 27
de jan. de 1936.
69
A pedidos, Vida Bancaria, 157. ed. p. 2, 27 de jan. de 1936.
70
De tutela ex fide gerenda!, Vida Bancaria, 106. ed. p. 1, 10 de dez. de1933.
37
[...] Obrigados, pela natureza do trabalho e pela sua situação social, a aparentar,
apresentando-se decentemente esses novos martires da sociedade moderna, vivem
num circulo cruel de miserias, de necessidades e de humilhações.
Barba feita, roupa limpa e sem remendos, sorrisos para os clientes, bôas e custosas
amizades, tudo isso teem os companheiros Bancarios que apresentar numa hipocrisia
obrigatória, quando, por traz da mascara dessa felicidade mentirosa, vivem numa luta
torturante, atroz, acabrunhadora, com os agiotas, com o desconforto, com o sacrificio
inevitavel da familia, com credores impacientes e mesmo com a fome. Daí, certas
doenças, e a desmoralização pelas dívidas, culminando no desemprego, porque aos
Bancos não fica bem ter funcionarios doentes ou sem moral. [...]71
Essas exigências contribuíam para que fossem vistos como parte dos setores
privilegiados da sociedade. Tendo sempre que estar muito bem-vestidos, gastavam parte
considerável de seus salários com roupas. Essa era a maior das queixas: a necessidade de uma
aparência sempre impecável, que não condizia com a realidade econômica daqueles
trabalhadores. Empregados no comércio e profissionais liberais também tinham exigência
quanto a seu modo de vestir, o que colocava, como já dissemos, esses profissionais em posição
distinta de trabalhadores uniformizados, ajudando na manutenção de um status diferenciado
parar eles.
Até aqui já foi possível observar o modo como os bancários se enxergavam, ou,
pelo menos, como alguns deles se enxergavam. Como trabalhadores. “Operários da casaca” 73,
que ganhavam pouco para o sustento de suas famílias e que, por precisarem manter um padrão
de vida pré-determinado, acabavam por se endividar. No entanto, nem todos os bancários se
viam assim. Há relatos de bancários que se viam como “burgueses ou aristocratas” 74. Daí a
71
K. V. 8, Miseria dourada, Vida Bancaria, 142. ed. p. 1, 14 de mai. de 1935.
72
Salário profissional, velha aspiração dos bancários, Folha Bancária, 23. ed. p. 1 e 2, fev. de 1945.
73
O presidente da Associação dos Funcioarios de Bancos do Estado de São Paulo, Sr. A. Silveira Mello, cocede à
“Vida Bancaria” uma entrevista de grande interesse, Vida Bancaria, 77. ed. p. 1, mar. de 1931.
74
AMERICANO MERIDIONAL, Palavras e fatos aos bancários do Brasil.
38
dificuldade em olhar para essa classe sem debater-se sobre sua heterogeneidade interna. Ela se
dava não apenas nas diferenças salariais, que possibilitariam diferentes modos de vida, mas
também na forma como eles mesmos se enxergavam. É verdade que entre os anos de 1930 e
1945 a forma como eles se viam, mais ou menos próximos de outras classes de trabalhadores,
se alterou. No entanto, durante todo o período se colocavam, de maneira geral, como
trabalhadores, e reivindicavam melhores condições de trabalho. Assim, eles se viam lesados
pelo ambiente pouco higiênicos das agências (causador da tuberculose, mal comum entre os
bancários), pelos baixos salários que ganhavam, e pelas longas jornadas de trabalho.
O modo como eram vistos, se fica implícito nos trechos já apresentados, está
bastante claro no excerto seguinte, que, apesar de longo, é esclarecedor nesse sentido. Ele foi
retirado de uma série de publicações que os Diários Associados, de propriedade de Assis
Chateaubriand, fizeram sobre os bancários e seu modo de vida, afirmando que eles reclamavam
de seus salários, reivindicando remunerações maiores e a instituição do salário mínimo, mas na
verdade recebiam e viviam muito bem. O teor dos artigos publicados era, em linhas gerais, esse:
75
As 6 horas dos Bancarios, Vida Bancaria, 103. ed. p. 1 e 2, 25 de out. de 1933 Grifo original.
39
À modo de síntese da questão sobre como se viam e eram vistos, e, portanto, que
posição ocupavam dentro da sociedade paulistana, podemos usar a entrevista de outro bancário
ao Correio Paulistano:
[...]sentimos mais do que ninguém [...] o eterno problema da classe média. Somos
trabalhadores como quaisquer outros, mas nos vemos obrigados a manter um padrão
de vida que os salários atuais não comportam. Efetivamente estamos bem mal
colocados e essa nossa posição na estrutura das classes sociais não é a que deveriamos
ter em face dos modestos ordenados que percebemos76.
Ou seja: se viam como trabalhadores da classe média, que sustentavam um padrão de vida mais
alto do que poderiam se fosse levado em consideração apenas seus salários e não sua posição
social relativa.
76
Salário profissional, velha aspiração dos bancários.
77
GOMES, A Invenção do Trabalhismo, p. 28–30.
40
É nesse contexto que é fundada, em 16 de abril de 1923, por Francisco Silva Pinto,
funcionário do City Bank, a Associação dos Funcionários de Bancos do Estado de São Paulo.
Seu intuito era o de ser uma associação beneficente para tratar principalmente da saúde dos
bancários. Oferecia então médicos, enfermaria, dentista e serviço de farmácia. Nesse primeiro
momento os sócios foram divididos em três categorias: contadores e funcionários superiores;
funcionários de categorias médias; e contínuos e auxiliares inferiores. Só poderiam fazer parte
da direção, bem como tomar parte nas assembleias, os que se enquadrassem nas duas primeiras
categorias. Assim, contínuos e auxiliares só passaram a tomar parte na Associação a partir de
78
Ibid., p. 175.
79
Ibid.
80
Ibid., p. 176.
81
Ibid.
82
Ibid., p. 177.
83
Ibid., p. 181–182.
41
1930, dando mostras da hierarquização de categorias existente nos bancos84. Com o passar do
tempo vão surgindo na sede da Associação salas de ping-pong, de xadrez, biblioteca etc.
Ela teve seu nome alterado diversas vezes no decorrer do tempo. Nasce como
Associação dos Funcionários de Bancos do Estado de São Paulo. Em 1931, em respeito ao
decreto nº 19.770 de 09 de março 1931 – a Lei de Sindicalização (que criava normas para o
reconhecimento sindical) – foi assinada a carta sindical, alterando-se a nomenclatura para
Associação dos Bancários de São Paulo – órgão Sindical. Em 1937 há outra mudança de nome,
desta vez em conformidade com o Decreto nº 24.694 de 12 de julho de 1934, conhecido como
nova Lei de Sindicalização – que permitia o pluralismo sindical, garantia maior autonomia para
os sindicatos, porém com a manutenção da necessidade de reconhecimento pelo Ministério do
Trabalho – sendo reconhecida como Sindicato dos Bancários de São Paulo, ainda que já
utilizasse essa denominação desde junho de 1934. Com a assinatura da carta sindical em 15 de
maio de 1941, seguindo o decreto 1.402, que revogou os anteriores, passou a se chamar
Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de São Paulo.
Fonte: Associação dos Bancários, Vida Bancaria, 88. ed. p.7, fev. de 1932.
84
CANEDO, O Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-1944, p. 44.
42
Fonte: Associação dos Bancários, Vida Bancaria, 88. ed. p.11, fev. de 1932.
Fonte: Associação dos Bancários, Vida Bancaria, 88. ed. p.12, fev. de 1932.
43
Fonte: Associação dos Bancários, Vida Bancaria, 88. ed. p.12, fev. de 1932.
Fonte: Associação dos Bancários, Vida Bancaria, 88. ed. p.11, fev. de 1932.
44
Houve diversas mudanças de sede da Associação desde sua fundação. Em 1930 ela
ficava em um sobrado na rua Florêncio de Abreu, 35, em prédio alugado85. Em agosto de 1931
mudou-se para a rua Conselheiro Furtado, 39, a primeira sede própria86. Em 1935 houve nova
mudança, e a sede foi instalada na rua 15 de novembro, 19, 2º andar, em propriedade alugada87.
Em novembro de 1936 mudaram-se para o primeiro andar do número 36 da mesma rua88. Em
1944 a sede foi transferida novamente, desta vez para a rua São Bento, 405, 5º andar89.
Colocamos no Mapa 1 os locais aproximados das sedes durante os anos aqui trabalhados90.
Fonte: Associação dos Bancários, Vida Bancaria, 88. ed. p.3, fev. de 1932.
85
Marcação em verde no mapa.
86
Marcação em vermelho no mapa.
87
Marcação em cinza no mapa.
88
Marcação em amarelo no mapa.
89
Marcação em azul no mapa.
90
O mapa foi produzido através da plataforma Geosampa
(http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx), da prefeitura de São Paulo, que se utilizou dos
mapas produzidos entre 1928 e 1933 pela empresa italiana Societá Anônima de Rilevamenti Aerofotogrammtrici
– SARA. O levantamento foi feito através da técnica de Aerofotogrametria e produziu cartas em escala de 1:1000
e 1:5000. Usando esse mapa como base, localizamos em um mapa atual da cidade de São Paulo os números dos
endereços nas ruas buscadas, e fizemos a marcação no mapa da SARA.
45
Fonte: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx
46
Entre os serviços oferecidos pela Associação aos seus sócios estava o curso de
contabilidade bancária, que tinha por finalidade qualificar os bancários para seu serviço;
departamento de colocações, para arrumar novo emprego para um funcionário que por ventura
fosse demitido; serviço jurídico, com advogado que cuidava de problemas trabalhistas;
assistência médica, farmacêutica e odontológica. As pautas que reivindicou nesse período
foram a das duas horas de almoço – conquistada em 1932 através de negociação direta com os
bancos; a Lei das 6 horas – para regular o trabalho no banco em 6 horas diárias, conquistada
pelo Decreto n. 23.322, de 3 de novembro de 1933; a criação de uma caixa de aposentadoria
própria, alcançada através de greve91 nos dias 5 e 6 de julho de 1934 e que conquista o Instituto
de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB); e salário mínimo, com início das
reivindicações em 1934.
O órgão oficial da Associação era seu jornal. Desde a fundação ele carregava o
nome de Vida Bancária. Foi assim denominado por 10 anos, até 1939. A alteração de nome se
deu por conta da união do então Sindicato dos Bancários de São Paulo e do Syn-Dikê. Este
último foi outro sindicato que congregava funcionários bancários, criado em 1934 (momento
91
Essa greve foi o estopim para a criação do Syn-Dikê.
92
Relatório dos trabalhos da diretoria da Associação dos Bancarios de S. Paulo - órgão Sindical, correspondente
à sua gestão durante o anno de 1933, e apresentado á Assembleia Geral Ordinária em 14 de março de 1934, Vida
Bancaria, 113. ed. p. 1 a 5, 27 de mar. de 1934. Caixa alta original.
93
Ibid.
94
Relatório da gestão de 1935, apresentado pela diretoria á Assembleia Geral de 14 de dezembro de 1935, Vida
Bancaria, 156. ed. p. 1 a 3, 18 de dez. de 1935.
47
em que havia a possibilidade do pluralismo sindical). Seu nome foi retirado do grego, e
significava “com o direito”95. Seus organizadores tinham como missão acabar com o sectarismo
criado entre trabalhadores de banco e o núcleo patronal. Tinham uma postura de aproximação
e conciliação com os patrões, diminuindo assim o distanciamento entre eles. Propunham como
forma de reivindicação a utilização da estrutura jurídica do país, “deprezando, por conseguinte,
o recurso a tudo quanto choque ou fira a indole conservadora do nosso povo.”96
A Liga Bancaria de Esportes Athleticos (L.B.E.A) foi fundada em março 1929, seis
anos depois da fundação da Associação, sob seu patrocínio. Em fevereiro daquele ano haveria
a primeira publicação sobre a possibilidade de criação de uma liga. Ela teria como finalidade
marcar competições e resolver possíveis divergências entre os filiados, se dedicando apenas ao
futebol, “o unico esporte que tem tido um certo incremento entre os bancarios”98.
95
O nosso Programma, Revista Syn-Dikê, p. 2, maio 1935.
96
Ibid., p. 3.
97
Quantos somos?, Vida Bancaria, 159. ed. p. 8, 20 de mar. 1936.
98
L. C., Futebol Bancario, Vida Bancaria, 52. ed. p. 4, fev. de 1929.
48
interesse de outros clubes pela fundação de uma liga que congregasse os bancários. No dia
marcado representantes dos clubes dos bancos Francez e Italiano, Banco de Minas, British
Bank, London Bank, Banco Commercial, Casa Bancária Conde & Almeida, Royal Bank e
Banco Commercio e Industria compareceram à sede da Associação. A criação da L.B.E.A. foi
aprovada por sete desses clubes, sendo contrário apenas o representante do Banco Commercio
e Industria. O princípio dos estatutos seria o seguinte: todo jogador inscrito na Liga deveria ser
sócio da Associação de Funcionários de Bancos de São Paulo.
Fica, então, marcada para o dia 14 de março uma nova reunião para se decidir sobre
a organização definitiva da L.B.E.A., discussão de estatutos e eleição da Diretoria. Nesse
momento é publicado um novo ofício do Induscomio F. B. C. afirmando que a Associação
obrigava todos os jogadores inscritos na Liga a serem seus sócios. O ofício repercutiu nos
bancos, e logo se pôde ver que os bancários desaprovavam o voto dado por seus representantes
na reunião de fundação da nova liga. A Associação, por sua vez, argumentava que essa cláusula
havia sido aprovada pelos presentes, não podendo-se atribuir a imposição de tal regra a ela.
Decide-se, então, por patrocinar a L.B.E.A. sem a necessidade de filiação dos jogadores à
Associação. Após os desentendimentos, a Liga Bancaria de Esportes Athleticos fica fundada,
sob patrocínio da Associação de Funcionários de Bancos de São Paulo, funcionando em uma
de suas salas, com o concurso dos seguintes clubes: London Bank Club, Sudameris F. B. C.,
Minas Bank F. B. C., Royal Bank F. B. C. e British Bank F. B. C.99
99
MEMOLO NETO, P., Aos clubes bancarios de esportes, Vida Bancaria, 53. ed. p. 4, mar. de 1929.
49
sindicatos, mas ela nunca se concretizou100. Fato é que nesse momento em que lideranças
comunistas começaram a olhar para o futebol como um “mal necessário” a ser cultivado dentro
dos sindicatos, a Associação dos Bancários de São Paulo criou sua própria liga, que congregava
clubes de diversos estabelecimentos bancários. Veremos durante decorrer desse trabalho que o
pensamento sobre a necessidade e importância ou não da prática esportiva, com centralidade
para o futebol, pelos bancários vai variar ao longo desses quinze anos, dando exemplo de como
os trabalhadores de colarinho branco encaravam a questão.
Participaram do Torneio Início daquele ano Minasbank, British Bank, Royal Bank,
Induscomio, London Bank, Sudameris e Clube Banco Noroeste, que se sagrou campeão do
torneio. Do primeiro campeonato, ainda em 1929, tomaram parte o Induscomio, o London Bank
Club, o Sudameris, o Noroeste, o Royal Bank, o Minasbank, o British Bank e o City Bank Club,
sendo campeão o Induscomio, seguido por Sudameris e London Bank.
Fonte: MEMOLO NETO, P., Liga Bancaria de Esportes Athleticos – torneio início, Vida
Bancaria, 55. ed. p. 5 e 6, mai. de 1929.
100
ANTUNES, Futebol de Fábrica em São Paulo; DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo, A vida fora das fábricas:
Cotidiano em Sao Paulo (1920/1934), Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1987.
50
Durante o período estudado nesse trabalho a Associação passou por três fases
distintas, que têm correspondência com as mudanças ocorridas na política nacional. A primeira
delas, entre a fundação, em 1923, e 1932, teve cunho assistencialista. Nessa fase o objetivo
primordial era criar um local que proporcionasse assistência médica, farmacêutica, ao
desemprego e à invalidez para os associados, além de tentar promover a união entre os
bancários. Tentava-se nesse momento encontrar uma identificação para os trabalhadores
bancários. A segunda fase, entre 1933 e 1935, foi um período de maior militância, em que houve
atuação política de forma organizada e autônoma. Houve uma nova compreensão de qual seria
o papel do Sindicato, e nesse momento aconteceu uma grande cisão no interior da classe
bancária, criando-se o Syn-Dikê. Por fim, o período entre 1936 e 1945, marcado pelo
corporativismo. Aqui, a grande preocupação consistia na legalização do sindicato, que foi para
a ilegalidade no período anterior. Houve concessões à intervenção estatal, mas havia combate
ao que consideravam “negligência do Estado em fazer cumprir as leis trabalhistas”101.
Percebemos que o esporte também está segmentado em três fases na instituição, acompanhando
a divisão anterior, como ficou explicitado no final da introdução deste trabalho. Vamos, agora,
ver como o esporte – notadamente o futebol – era organizado e representado em cada uma
dessas fases.
101
CANEDO, O Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-1944, p. 72.
51
102
GÓIS JUNIOR; SOARES, Os comunistas e as práticas de educação física dos jovens na década de 1930 no Rio
de Janeiro.
103
JONES, Sport, politics and the labour movement.
104
FERREIRA, Marieta de Moraes; PINTO, Surama Conde Sá, A crise dos anos 1920 e a Revolução de 1930, in:
FERREIRA, Jorge Luiz; DE ALMEIDA NEVES DELGADO, Lucilia (Orgs.), O tempo do liberalismo
excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930, 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2017, v. 1, p. 390.
105
FERREIRA; PINTO, A crise dos anos 1920 e a Revolução de 1930.
52
106
Ibid.
107
LOPES, Classe, etnicidade e cor na formação do futebol brasileiro., p. 142.
53
jogador e pelo seu salário. Outro motivo que fez com que a imprensa apoiasse a
profissionalização foi a prática do falso amadorismo, que consistia no pagamento de
recompensas – conhecido como bicho – aos jogadores pelo seu desempenho e pelo resultado
do time no jogo. A imprensa defendia que, com o profissionalismo institucionalizado, os clubes
teriam que pagar aos jogadores um preço mais justo, pois já era observado o aumento no público
dos estádios, e consequentemente, no lucro do clube108. Apesar disso, muitos dos clubes e
cronistas que se colocavam como contrários à institucionalização do profissionalismo no
futebol paulista o faziam reivindicando questões relacionadas ao espírito esportivo e ao
amadorismo puro, defendendo o esporte apenas como forma de deleite e de treinamento do
corpo, seguindo as visões higienistas que eram importantes no período109.
108
CALDAS, Waldenyr, O Pontapé Inicial: contribuição à memória do futebol brasileiro (1894-1933)., Tese
de Livre Docência apresentada ao Departamento de Comunicação e Artes da Escola de Comunicação e Artes,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 1988, p. 63.
109
O movimento higienista começou a ter relevância no Brasil entre o final do século XIX e o início do século
XX. Nesse momento, a grande preocupação dos médicos higienistas e dos engenheiros sanitários consistia na
alteração das habitações populares, de maneira que houvesse maiores condições de higiene para a população
trabalhadora que habitava cortiços, estalagens, hospedarias e casas de dormir nas maiores cidades do país. Em um
primeiro momento, o pensamento higienista enfocava questões relacionadas à higiene do ambiente em que as
pessoas moravam e frequentavam, de modo a evitar que doenças fossem contraídas. Esse movimento se constituiu
no Brasil com uma série de correntes de pensamento. Havia os eugenistas, que acreditavam na existência de raças
superiores e inferiores e, influenciados por teorias como o darwinismo social, pregavam que o problema da raça
do Brasil só seria resolvido através da regulamentação do casamento entre pessoas de raça superior. Isso,
juntamente com a alta mortalidade dos negros, faria com que o país conseguisse resolver esse problema de maneira
mais ou menos rápida. Havia ainda outros grupos de intelectuais, que Edivaldo Góis Junior divide entre
deterministas e intervencionistas. Ver: BRESCIANI, Maria Stella, Da cidade e do urbano: experiências,
sensibilidades, projetos, São Paulo: Alameda, 2018, p. 385–388; GÓIS JUNIOR, Edivaldo, Os higienistas e a
Educação Física: a história de seus ideais., Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Educação
Física da Universidade Gama Filho., Rio de Janeiro, 2000.
110
GÓIS JUNIOR, Os higienistas e a Educação Física: a história de seus ideais., p. 154.
111
GÓIS JUNIOR, Edivaldo, A institucionalização da Educação Física na imprensa: a construção da Escola
Superior de Educação Physica de S. Paulo., Movimento (ESEFID/UFRGS), v. 23, n. 2, p. 701–717, 2017, p. 709.
54
contrário, não alcançaria seus objetivos. O valor da boa orientação esportiva pode ser analisado
em uma passagem de Octávio Resende:
112
RESENDE, Octávio. Os sports colletivos como arma de combate aos instinctos egoisticos. In: Revista Educação
Physica. Rio de Janeiro, Cia Brasil Editora, n.5, 1932, p.15, apud GÓIS JUNIOR, Os higienistas e a Educação
Física: a história de seus ideais., p. 158.
113
DALBEN, André; GÓIS JUNIOR, Edivaldo, Embates esportivos: o debate entre médicos, educadores e
cronistas sobre o esportee e a educação da juventude (Rio de Janiero e São Paulo, 1915-1929), Movimento
(ESEFID/UFRGS), v. 24, n. 1, p. 161–172, 2018.
114
Ibid., p. 166.
115
DALBEN; GÓIS JUNIOR, EMBATES ESPORTIVOS.
116
LINHALES, Meily Assbú, A escola, o esporte e a “energização do caráter”: projetos culturais em
circulação na Associação Brasileira de Educação (1925-1935), Tese de Doutorado, Faculdade de Educaação da
Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
55
No início do ano de 1929 a Liga Bancaria de Esportes Athleticos era apenas uma
ideia. Defendendo a importância da existência de uma instância de organização esportiva para
a classe bancária, L. C. escreve:
A mais simpels analyse, resalta que, entre os bancarios, a propensão para os esportes
não é das mais acentuadas. Como que a querer destruir esta asserção, poderiam nos
apontar as muitas esquadras de futebolistas que existem pelos bancos, algumas já de
antiga fundação. [...]
Para os bancarios, a educação physica é uma questão de capital importancia e, como
tal, deve ser encarada. Passando longas horas arcados sobre uma escrivaninha, na
árdua tarefa de enfileirar algarismos, dispendendo com isso grandes reservas de
energia, todo o organismo reclama, depois, a pratica salutar dos esportes, para refazer-
se dessas perdas de vitalidade. [...]
Urge, em nosso meio, mover-se uma intensa propaganda esportiva, concitando os
nossos colegas a aderirem aos clubes internos que, com esse fim, já existem em muitos
de nossos bancos para que possamos, dentro em pouco, contar com um grande
contingente de esportistas. [...]
Julgamos imprescindivel a creação de uma Liga, essencialmente bancaria, á qual os
clubes internos ficassem subordinados. [...]118
Para ele os bancários deveriam se juntar nos clubes já existentes para praticarem
algum exercício físico. Provavelmente ele seria o futebol, o esporte mais popular entre os
bancários do período. E deveriam fazê-lo para recuperação das energias dispendidas no
trabalho. Foi esse o pensamento impulsionador da criação da L.B.E.A.
Criada a Liga, seus diretores foram logo tratando de organizar o Torneio Início.
Ele teve grande sucesso, e, contando com assistência numerosa – composta de funcionários
bancários e suas famílias –, apresentou boa técnica e cavalheirismo por parte dos participantes.
Contrariando as expectativas dos entendidos do esporte bancário, o quadro que levantou a taça
Bancários, oferecida pela Associação dos Funcionários de Bancos do Estado de São Paulo foi
o do Banco Noroeste do Estado de São Paulo. O vice-campeonato ficou com o time do Esporte
Clube Sudameris, que contava com um quadro com possibilidades de vencer o campeonato da
117
Ibid., p. 50.
118
L. C., Futebol Bancario.
56
Liga. Logo após o final do Torneio Início começou o campeonato. É bem verdade que ele não
foi dos mais disputados. O C.E. Induscomio disparou na frente dos adversários, e, fortes
concorrentes ao título, como London Bank Club, E. C. Sudameris e Clube Banco Noroeste –
campeão do Torneio Início – não tiveram grandes chances de sucesso. Este último, inclusive,
terminou o campeonato em último lugar, com apenas 8 pontos ganhos, contra os 25 do campeão
C. E. Induscomio.
[...] Em primeiro logar, os jogos da Liga não têm renda de bilheteria e, por
conseguinte, não possuem uma assistência numerosa e partidária, capaz de influir no
animo do jogador. Em segundo lugar, os elementos que actuam nos campos da Liga,
são elementos de uma mesma classe, absolutamente homogêneos, e que, nós o
supomos, não são desconhecedores da educação esportiva.120
119
PMN, No ardor da contenda, Vida Bancaria, 56. ed. p. 4, jun. de 1929.
120
Ibid.
121
YAPO, Athletismo, Vida Bancaria, 63. ed. p. 11, jan. de 1930.
57
deveria adotar para se tornar um bom atleta. Ele, em outra edição do jornal, afirmava ser
necessário que:
122
YAPO, Athletismo, Vida Bancaria, 64. ed. p. 5, fev. de 1930.
123
Match amistoso, Vida Bancaria, 61. ed. p. 4, nov. de 1929.
124
A entrega das taças aos campeões de 1931, Vida Bancaria, 87. ed. p. 3, jan. de 1932.
58
com dois anos apenas de vida, arregimenta ella, sob sua bandeira, nada menos que 13
agremiações, representando 15 Bancos. Si no futebol é ella forte, porque não poderá
ser no cestobol, no athletismo, na natação, no remo, etc.? [....] Uma vez que temos
muitos elementos para tal, atraz dos quaes naturalmente acorrerão muitos outros, não
se justifica o facto de permanecermos unicamente nos campeonatos de futebol [...].125
125
Não paremos no futebol, Vida Bancaria, 78. ed. p. 6, abr. de 1931.
59
a corrida a pé, que realiza uma gymnastica pulmonar, attrahente e afficaz, é um dos
exercicios melhores e mais completos, porque é essencialmente sthenico, isto é um
exercício, que provoca augmeno de vigor e actividade e deixa depois do repouso uma
respiração facil, profunda e mais lenta, alem de produzir uma sensação sedativa do
systema nervoso e determinar o desenvolvimento thoracico, muscular e osseo126.
Para os bancários, no entanto, os benefícios do atletismo não paravam por aí. O aprimoramento
físico aparecia como tão importante quanto o da raça. Yapo dizia que
126
A corrida, Vida Bancaria, 86. ed. p. 4, dez. de 1931.
127
YAPO, O próximo campeonato bancario, Vida Bancaria, 84. ed. p. 5, out. de 1931.
128
Esporte Clube Banespa: 80 anos de história, São Paulo: [s.n.], Esporte Clube Banespa.
129
A nova sede do clube Banco Commercial, Vida Bancaria, 76. ed. p. 2, fev. de 1931.
60
ser uma postura comum entre os dirigentes bancários. Não encontramos em nenhum momento
resistência de algum banco na formação de equipes esportivas dentro de seus quadros de
funcionários. Até mesmo em relação a existência do Satelite e da A.A.B.B.-São Paulo, o que se
percebe é uma resistência na existência de dois clubes na mesma agência, e não o envolvimento
dos funcionários em equipes esportivas.
Isso não era incomum em outros setores. Em artigo veiculado na Vida Bancaria de
outubro de 1931, retirado da Revista Light, intitulado “Aqui os empregados estão á vontade
com os Chefes” podemos perceber que o esporte também era incentivado nessa empresa.
Outro fator de approximação dos empregados é o sport e nós aqui nos esforçamos o
mais possível em desenvolvel-o. [...] [O torneio esportivo] permitirá aos nossos
empregados a satisfação de apparecer deante das suas familias praticando os seus
sports preferidos. E terão também o prazer de mostrar ás suas familias os seus postos
de trabalho, onde encontram a maior segurança130.
130
HERLYCK, J. C., Aqui os empregados estão á vontade com os chefes, Vida Bancaria, 84. ed. p. 3 e 4, out. de
1931.
131
ANTUNES, Futebol de Fábrica em São Paulo.
132
OLIVEIRA, Gabriela Marta Marques; GÓIS JUNIOR, Edivaldo. Os operários, os negros, os cronistas e o
futebol na imprensa de São Paulo (1930-1934). Movimento (ESEFID/UFRGS), Porto Alegre, v.26, e26050, p.
1-14, 2020.
61
Até aqui foi possível analisar como a Liga Bancaria de Esportes Athleticos
enxergava a prática esportiva nos meios bancários. Para ela, como explicitado, os esportes eram
uma forma de melhorar física e moralmente os trabalhadores bancários, que frequentavam
locais de trabalho pouco higiênicos, com pouca iluminação e ventilação, e tendo grande
contingente de trabalho. A título de síntese dessa visão de esporte, que corroborava o
pensamento higienista em voga no início dos anos 1930, podemos nos utilizar do artigo de
Cordeiro sobre a “finalidade dos esportes”:
[...]O esporte deve ser cultivado para a saude do corpo e do espírito; applicar na vida
pratica os beneficios que ele proporciona.
Não é só cultival-o fanaticamente, vivendo quase que exclusivamente para elle. Que
vivam para elle, e delle, os profissionais, está muito certo. Mas um amadorr? não.
O esporte, cultivado assim cegamente, traz como consequencia o empedernecimento
do cerebro. Conseguem enrijecer os músculos, mas tornam o cerebro embrutecido ou
rustico; conseguem efficiencia e admiração, mas ás vezes, consequencias
desagradáveis.
133
O 4o anniversário do Royal Bank Club, Vida Bancaria, 86. ed. p. 4, dez. de 1931.
134
É sabido que as mulheres faziam parte dos trabalhadores bancários, porém elas aparecem muito pouco nos
jornais da Associação. Dentre as vezes em que são mencionadas, trata-se de seu trabalho como inferior ao dos
homens, sendo suportado apenas por ser mais barato. O baixo preço faria, inclusive, com que competissem em
situação desleal com os homens. Elas têm alguma voz entre os anos de 1934 e 1935, quando há colunas assinadas
por mulheres. Essas colunas tratam, de maneira geral, de feminismo, de sua situação de vida e trabalho e chamam
outras mulheres para participarem da Associação. É nesse momento que há uma tentativa sistemática de filiação
dessas bancárias, porém, ao que parece, ela é logo deixada de lado e a voz feminina desaparece novamente das
páginas do jornal.
62
Se não é possível afirmar que essa visão higienista de esporte era consensual entre
os esportistas da L.B.E.A., podemos dizer que ela tinha respaldo pelo menos em parte dos seus
dirigentes, uma vez que eles eram os responsáveis pela seção esportiva do jornal Vida Bancaria.
No entanto, mesmo que esse respaldo existisse no discurso sobre como deveria ser incentivado
e praticado o esporte nos meios bancários, a prática esportiva fugia do modelo esperado, e tinha
conivência da diretoria da Liga para isso, como foi possível perceber com os casos de consumo
de bebida alcóolica pelos atletas. Ia se formando, assim, uma cultura esportiva que ia além da
prática esportiva pura e simples. Ela se ligava, também, aos momentos de sociabilidade dos
bancários, promovendo congraçamento e diversão.
135
CORDEIRO, A finalidade do esporte, Vida Bancaria, 85. ed. p. 3 e 4, nov. de 1931.
63
Nos primeiros anos do século XX São Paulo já se destacava na busca por se tornar
uma cidade moderna e proporcionar um estilo de vida europeu para alguns de seus habitantes.
Em meados dos anos 1930 ela já era a cidade mais populosa do país, com seus mais de um
milhão de habitantes. Em suas ruas encontravam-se pessoas das mais diversas esferas sociais,
desde o banqueiro até os “vadios” e mendigos – pessoas que, por falta de colocação no mercado
de trabalho, viviam nas ruas, da mendicância ou de pequenos delitos. Por possuir essas
características, São Paulo foi inclusive um “laboratório” de medidas que visavam conter a
mendicância e a vadiagem: o aparelhamento da polícia, a criação de leis de repressão a pobres
e desocupados e até a institucionalização da assistência social136.
Era no centro da cidade que se localizava a maior parte dos serviços dos quais as
pessoas precisavam. Ali os vadios e as pessoas da alta sociedade se encontravam. Ali, ainda,
podia-se encontrar lojas de roupas importadas, ateliês de costura, livrarias, agências de viagens,
barbearias, cabeleireiros, alfaiatarias, camisarias, leiloeiros, joalherias, cafés, hotéis, teatros,
bancos, enfim, tudo o que se precisava para o sustento de uma vida social ativa e respeitável.
Muitos desses estabelecimentos estavam situados no chamado “Triângulo”, área central da
cidade, formado pelas ruas Direita, XV de Novembro e São Bento. As imagens veiculadas nas
revistas do período davam a entender que a vida urbana paulistana se desenrolava no centro da
cidade, principalmente no “Triângulo” e seu entorno, e que tudo o que se procurasse poderia
ser encontrado ali137.
136
ZANIRATO, Silvia Helena, São Paulo1930/1940: novos atores urbanos e a normatização social, História
Social, v. 7, p. 241–264, 2000, p. 244.
137
BRAGLIA, Nádia Christina, Paulicéia de ontem: as revistas ilustradas e o viver urbano nas primeiras
décadas do século XX, Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011,
p. 41–43.
64
Mapa 2 – “Triângulo”
Fonte: http://geosampa.prefeitura.sp.gov.br/PaginasPublicas/_SBC.aspx#
Era por esse local que circulava a maioria dos bancários paulistanos nos anos 1930.
Como vimos no capítulo 1 deste trabalho, a localização de sua Associação, apesar de variar ao
longo do tempo, estava sempre próxima ao centro. Os últimos três endereços estavam,
inclusive, dentro do chamado “Triângulo”. Mas além da Associação, muitos bancos também se
localizavam naquele espaço central da cidade. O Banco de São Paulo e o Banque Française &
Italienne pour l’Amerique de Sud estavam situados à rua XV de Novembro; o Banco do Brasil
tinha sede na rua da Quitanda; o Banco Allemão Transatlântico, o Banco Ítalo-Belga e o
National City Bank of New York situavam-se na rua Álvares Penteado, “dentro” do “Triângulo”;
o Banco do Estado de São Paulo inicia a construção de sua sede na praça Antonio Prado em
1939, mas ela só é concluída em 1947.
Os bancários tinham, então, contato direto com a alta sociedade paulistana não
apenas durante o atendimento aos clientes do banco, mas quando saíam nas ruas próximas a
seus locais de trabalho e encontravam essas pessoas, que se encaminhavam para as boutiques,
hotéis e cafés da região. Se eles não moravam na região central da cidade, era ali que passavam
a maior parte de seu tempo, seja no interior dos bancos, no deslocamento entre a casa e o local
de trabalho, ou na sede da Associação. Eles não faziam parte da alta sociedade que consumia
os produtos e serviços disponíveis no centro da cidade, mas estavam misturados a ela durante
boa parte do dia.
65
Foi nesse local central da cidade que ocorreram muitas das manifestações da greve
dos bancários de 1934. A primeira greve nacional da categoria teve início no dia 5 de julho e
durou dois dias. A reivindicação era pela criação do Instituto de Aposentadoria e Previdência
dos Bancários, o I.A.P.B., negado por banqueiros e pelo governo. Participaram da greve oito
dos dez sindicatos bancários existentes no país – não aderiram ao movimento os sindicatos do
Rio Grande do Sul e da Bahia –, e apenas os funcionários de Banco do Brasil não aderiram ao
movimento, uma vez que pretendiam manter sua caixa de aposentadoria privada. Após os dois
dias de greve, com o compromisso do Estado de criar o Instituto e de que nenhum dos grevistas
seria punido, os bancários encerraram a greve vitoriosamente. O I.A.P.B. foi criado por decreto
no dia 9 de julho do mesmo ano, e foi motivo de orgulho para os bancários.
138
O prédio Gazeta se localizava na rua Libero Badaró, 4-4A, atual número 651. Foto do dia 05/07/1934.
66
que viam a greve, por exemplo, como último recurso a ser adotado como estratégia de luta 139.
Houve, dessa maneira, desunião dentro da categoria, uma vez que nem todos os bancários
participaram da greve, seja por não enxergarem nesse movimento a melhor forma de
reivindicação, seja porque sofriam maiores pressões de seus chefes para a não adesão ao
movimento.
4º) Dar nossa assinatura, ainda que coagidos, significa trairmos a nós mesmos porque
o Instituto que acaba de ser creado nos assegura a estabilidade no emprego a partir de
dois anos, e a não redução de salario, ao passo que, as Caixas mantidas por esses
Bancos apenas nos garantem abertas as portas da rua.
5º) Nas Caixas Particulares a contribuição dos Bancos é facultativa e irrisoria e a nossa
obrigatoria, não acontecendo o mesmo no nosso Instituto onde ela é determinada
taxativamente142.
A circular pedia aos bancários que se inteirassem dos demais benefícios que o decreto nº 24.615,
de 9 de julho de 1934 proporcionava à categoria, solicitando ainda que repelissem qualquer
139
BATALHA, Claudio H. M., Sindicalismo amarelo, in: Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – Pós-
1930., Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 2010.
140
A greve dos bancarios, Correio Paulistano, p. 12, 07 de jul. de 1934.
141
O Banco do Comercio e Industria de São Paulo e seus meios de coação, Vida Bancaria, n. 120, p. 6, 20 de jul.
de1934.
142
Circular enviada aos companheiros dos Bancos que mantem Caixas particulares, Vida Bancaria, n. 120, p. 11,
20 de jul. de 1934.
67
exigência, de quem quer que partisse, de alteração da lei, uma vez que ela atendia plenamente
aos anseios da categoria.
Foi nesse momento que teve início, por parte dos bancos, a iniciativa de criação de
um Sindicato Católico dos Bancarios. A ideia, que segundo a Vida Bancaria vinha de um grupo
de “malandros que se prestam ao jogo patronal”, teve como primeira iniciativa a criação de uma
Associação Beneficente. Não tendo aceitação, transformou-se em Sindicato Católico, que
também não vingou. Depois disso, “seguindo ordens dos superiores”, fundou-se o Sindicato
dos Funcionários Bancarios, o Syn-Dikê. Sob o pseudônimo de Cincinatus, um bancário
explicita para o restante dos colegas o que ele pensava ser, efetivamente, o novo sindicato:
[...]O Sindicato dos Funcionarios fica, pois, denunciado, por nós, como um REDUTO
PATRONAL, organisado por lacais sem escrupulos, que pretendem nos vender e que
já estão recebendo pagamento por conta do seu trabalho infame e criminoso, qual o
dos antigos traficantes de escravos...
143
FREITAG, O caso do Comercio e Industria, Vida Bancaria, n. 123, p. 6, 31 de ago. de 1934.
144
SOFOCLES, Vantagens e consciências que se vendem, n. 127, p. 1, 12 de nov. de 1934.
68
Os bancários que mais aderiram ao Syn-Dikê foram aqueles cujos cargos não
possuíam estabilidade, como conferentes, sub-chefes e chefes, além de outros funcionários que
poderiam ser ameaçados de demissão146. Nas páginas de Vida Bancaria houve intensa
manifestação contrária a existência desse novo sindicato, que tinha como finalidade o “trabalho
divisionista da classe”147. Muito se criticou a criação desse órgão dissidente, porém, nenhuma
palavra se escreveu sobre outra dissidência que se fez existir em virtude das desavenças criadas
pelo movimento grevista de 1934: a Federação Esportiva dos Bancarios (F.E.B.).
145
CINCINATUS, O Sindicato dos Funcionarios Bancarios de São Paulo, Vida Bancaria, n. 137, p. 4, 1º de mar.
de 1935.
146
HOLTZ, Syn-Dikê, Vida Bancaria, n. 139, p. 2, 28 de mar. de 1935.
147
CINCINATUS, O Sindicato dos Funcionarios Bancarios de São Paulo.
148
CANEDO, O Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-1944, p. 111.
149
Ibid., p. 112.
69
Banco Modelo dos Bancários e a da Biblioteca150. A Vida Bancaria, antes composta por contos,
poesias, coluna social etc., passou a ter como finalidade orientar a classe, deixando o formato
de revista que havia sido adotado para voltar ao formato de jornal, semanal e com maior
tiragem151. O resultado dessas medidas foi a manutenção da mobilização das massas
bancárias152.
150
Para saber mais sobre cada uma das comissões especiais ver: Ibid., p. 114–118.
151
Ibid., p. 113.
152
Ibid., p. 119.
153
A REDAÇÃO, Aviso, Vida Bancaria, n. 136, p. 1, 16 de fev. de 1935.
154
Suspensão dos jogos da Liga Bancaria, Correio Paulistano, p. 8, 07 de jul. de 1934.
155
A Liga Bancaria de Esportes Athleticos atingida pelo recente movimento grevista, Correio de S. Paulo, p. 5,
17 de jul. de 1934.
70
Induscomio da L.B.E.A. em solidariedade a alguns de seus diretores que, “durante a greve, não
adheriram ao movimento classista. A diretoria da L.B.E.A. demitiu esses diretores e com essa
resolução não concordam os moços do Induscomio.” Em circular enviada à imprensa, o C. E.
Indiscomio “acentua a differença que há entre o movimento classista e a finalidade da Liga,
destinada à pratica dos esportes”156.
156
Ibid.
157
Está em perspectiva uma scisão no esporte bancário, Correio de S. Paulo, p. 4, 24 de jul. de 1934.
71
realizar o campeonato dessa modalidade158. Além dos três clubes que participaram da reunião
de fundação, outro clube se filiou à F.E.B.: a Associação Athletica Banco do Brasil. Os
funcionários do Banco do Brasil, como vimos, não aderiram ao movimento grevista de 1934
por já possuíram uma caixa de aposentadoria própria e desejarem permanecer com ela. Isso foi
motivo de descontentamento por parte de outros bancários, e explicaria por que essa associação,
que acabara de ser fundada, decidiu filiar-se à entidade dissidente.
158
A novel Federação Esportiva dos Bancários filiou-se a FPBC, Correio de S. Paulo, p. 4, 10 de ago. de 1934.
159
Alexandre Kassab faz importantes declarações sobre as atividades da Federação Esportiva Bancária, Correio
de S. Paulo, p. 5, 10 de out. de 1934.
160
Campeonato da Liga Bancária, Correio Paulistano, p. 8, 09 de ago. de 1934.
161
Campeonato da Liga Bancária, Correio Paulistano, p. 7, 16 de ago. de 1934.
162
Há 104 anos, Seleção Brasileira vencia primeira partida profissional, 12 de jul. de 2018. Disponível em:
https://www.cbf.com.br/selecao-brasileira/torcedor/jogos-inesqueciveis/ha-104-anos-selecao-brasileira-vencia-
primeira-partida-profissional. Acessado em 26 de mar. de 2020.
163
SILVA, Jonathan, Há 102 anos, nascia uma seleção pentacampeã, Lance!, 21 de jul. de 2016. Disponível em
http://blogs.lance.com.br/gol-de-canela-fc/ha-102-anos-nascia-uma-selecao-pentacampea/. Acessado em 26 de
mar. de 2020.
72
164
De pé, da esquerda para a direita, o presidente do clube, srs. Mallet, Sacoman, Warner, Camargo, Lagreca,
Celio e Tavares; de joelhos, Noffs, Monteiro, Beck, Eduardo e Camarguinho.
165
Liga Bancaria e Comercial, O Independente, p. 2, 26 de abr. de 1921.
166
ANTUNES, Futebol de Fábrica em São Paulo.
167
História do Banco Nacional Ultramarino, disponível em: https://www.cgd.pt/Institucional/Patrimonio-
Historico-CGD/Historia/Pages/Historia-BNU.aspx. Acessado em 31 de mar. de 2020.
73
futebolístico tenha o levado ao Banco de Londres, que possuía um time de futebol participante
da L.B.E.A e que, por certo, gostaria de torna-lo mais competitivo. Não pudemos saber quais
foram os motivos que levaram Lagreca a trocar o Banco Ultramarino pelo Banco de Londres e
dirigir sua equipe. Fato é que enquanto ocorriam os campeonatos de futebol e o London Bank
Club se mantinha na liderança do campeonato da L.B.E.A, a tentativa de organização do
campeonato de atletismo se tornou o epicentro das discussões entre as duas entidades.
O campeonato bancario de athletismo, que vem sendo annunciado pela imprensa, não
é patrocinado por esta Liga, entidade oficial dos bancarios, filiada á APEA, e sim pela
Federação Esportiva dos Bancarios, recentemente fundada pelos clubes dissidentes
desta Liga, ou sejam: o Induscomio, Banco de São Paulo e City Bank.
168
A Liga Bancária de Esportes Athléticos promoverá, ainda no próximo mez, o seu campeonato de athletismo
desta temporada, Correio Paulistano, p. 8, 1934.
74
aquele que vinha sendo propagandeado pelos jornais da capital. Quando souberam que se
tratava do campeonato de uma entidade dissidente, os diretores da F.P.A. optaram por enviar
aos bancos um representante para informar sua decisão de fazer um outro campeonato de
atletismo. Assim, o senhor Orlando Della Nina estava percorrendo os bancos da capital para
“inteirar os respectivos directores esportivos da resolução tomada pela Federação, procurando,
ao mesmo tempo, a sua participação”. Ele dizia estar satisfeito com
A ideia da Federação Paulista de Athletismo era, então, tomar das mãos das
entidades de classe a realização do campeonato, fazendo com que clubes de ambas
participassem juntos do campeonato promovido por ela. Em nota publicada em meados de
novembro a F.P.A. afirmava que tinha como intenção “harmonizar as duas entidades
bancarias”170. Para isso, tomou como sua, pela primeira vez, a responsabilidade de realizar o
campeonato com o concurso de ambas as entidades, que ficou marcado para o dia 18 de
novembro no campo do Clube Athletico Paulistano. No entanto, o campeonato foi um fracasso,
ficando “muito aquém dos realizados pela Liga Bancaria”171.
A criação da entidade dissidente não foi, assim como tudo que envolvia os bancários
e sua organização no período, uma unanimidade entre os esportistas dos bancos que a fundaram.
O próprio C. E. Induscomio, clube que fez surgir a nova entidade, “não pôde disputar o torneio
[de futebol] em vista dos jogadores não estarem de acôrdo com a decisão tomada pela directoria
[de deixar a Liga Bancaria]”172. Com isso restaram apenas três clubes e o campeonato de futebol
169
A federação Paulista de Athletismo deliberou não patrocinar o campeonato bancario, por ser promovido por
uma entidade dissidente., Correio Paulistano, p. 7, 13 de out. de 1934.
170
Campeonato bancário de atletismo, Correio de S. Paulo, p. 4, 20 de nov. de 1934.
171
Antes da pacificação, a morte da dissidencia, Correio Paulistano, p. 7, 19 de jan. de 1935..
172
Ibid.
75
da F.E.B. foi encerrado em duas semanas. Porém, a entidade não se deu por vencida e filiou-se
a algumas federações, como a de atletismo, a de bola ao cesto e a de natação. Nas palavras de
alguém que escrevia no Correio Paulistano sob o pseudônimo de Sprinter, “os seus dirigentes,
como grandes sonhadores adormecidos com narcoticos, desenharam castellos nas suas mais
extravagantes idéas, pensando transformar a novel entidade de uma grande associação
nacional”173. Porém logo no início as dificuldades começaram a aparecer. Houve o fracasso do
campeonato de futebol e a incapacidade de organizar um time de bola ao cesto que pudesse
disputar o campeonato secundário da cidade. A entidade tinha ainda dificuldades de ordem
técnica como, por exemplo, a falta de uma sede própria onde pudesse realizar suas reuniões. O
incidente do campeonato de atletismo se mostrou, então, a gota d’água que fez degringolar a
ideia de manutenção de uma outra entidade esportiva de bancários. “A toda porta que batiam
recebiam logo a dolorosa negativa [de participação na entidade], porém, o capricho obrigava-
os a prosseguir na campanha iniciada”174. Até que o C. E. Induscomio decidiu por retornar às
fileiras da L.B.E.A. e deu-se notícia de que havia sido marcada para o dia 22 de janeiro de 1935
uma assembleia para tratar da dissolução da F.E.B.
Quase três meses se passaram até que houvesse nova menção da F.E.B. nos jornais,
e foi para dizer que estava “pacificado o esporte bancario”175.
[...] A entidade da rua 15 de Novembro [LBEA], logo após a eleição da directoria que
irá oriental-a no decorrer deste anno, procurou aproximar-se o quanto possivel de
todas as agremiações bancarias, sem distincções nem privilegios, com o fito único de
conseguir a unificação dos esportistas que militam nos varios estabelecimentos de
credito da Paulicéa.
O nucleo oficial, que ora se encontra sob a presidencia do sr. José Vaz dos Santos
Junior, conhecido batalhador do esporte bancario, conta com uma directoria que está
disposta a se empregar a fundo para o reerguimento do esporte da classe. [...]
173
Ibid.
174
Ibid.
175
Está pacificado o esporte bancário, Correio Paulistano, p. 7, 03 de abr. de 1935.
176
Ibid.
76
A pacificação do esporte bancário parece ter se dado não pelo fim dos
desentendimentos acerca da política bancária e das escolhas dos bancários durante a greve, mas
pelo total fracasso da nova entidade em se estabelecer como uma concorrente à altura da
veterana L.B.E.A. Assim voltaram para seu seio os dissidentes, sob uma direção que dizia ter
interesse em pacificar e unir os esportistas bancários em uma só associação. Finda a dissidência,
os campeonatos de 1935 ocorreram de forma unificada e sem grandes ocorrências. Foram
promovidos seis campeonatos (dois de futebol, um de atletismo, um de bola ao cesto, um de
natação e um de xadrez), “todos num ambiente de franco enthusiasmo e camaradagem
esportiva”177. Ocorreram ainda alguns amistosos interestaduais, nos quais a L.B.E.A. foi sempre
campeã. Nesse ano houve um recorde de inscrição de esportistas na Liga, contando 481 pessoas.
A divisão das entidades esportivas durou apenas alguns meses, bem menos do que
a divisão sindical, mas certamente também teve impactos na experiência dos bancários. A
motivação da cisão foi o pensamento de que a entidade esportiva não deveria misturar seus
objetivos – organizar e fazer acontecer a prática esportiva entre os bancários – com objetivos
políticos gerais da categoria. De modo mais grosseiro, o que os esportistas bancários dissidentes
reivindicavam era que esporte e política não deveriam se misturar. Era o mesmo que defendiam
anarquistas e comunistas no final dos anos 1910 e anos 1920. Eles destacavam os perigos da
prática de futebol pelos trabalhadores, que estariam se desviando da luta operária para gastar
tempo com passatempos burgueses178. Pensavam nesse esporte como “ópio do povo”, que
desvirtuava a luta operária e minava a união da classe179. Ao que parece, os bancários
dissidentes pensavam na organização política como impedimento para o bom andamento dos
campeonatos esportivos, uma vez que um time havia sido impedido de participar do
campeonato de futebol por terem os líderes do estabelecimento em que trabalhavam se recusado
a participar do movimento grevista. Se o princípio do pensamento era diferente – uns defendiam
que a política atrapalhava a prática esportiva, outros, que a prática esportiva atrapalhava a
atuação política – o fim era o mesmo: a impossibilidade de se misturar esporte e política.
177
As atividades da Liga Bancaria, Vida Bancaria, n. 159, p. 8, 20 de mar. de 1936.
178
DECCA, A vida fora das fábricas: Cotidiano em Sao Paulo (1920/1934), p. 119–120.
179
ANTUNES, Fatima M. R. Ferreira, “Com brasileiro, não há quem possa!”: futebol e identidade nacional
em José Lins do Rego, Mário Filho e Nelson Rodrigues, 1a. ed. São Paulo, SP: Editora UNESP, 2004, p. 26.
77
seria prejudicial. Assim, passaram a incentivar a organização de clubes e ligas próprias 180. Foi
nesse momento que se organizou a L.B.E.A. No entanto, não acreditamos, pela forma de
organização da Associação dos Bancários de São Paulo naquele momento, com cunho
essencialmente assistencialista, que a Liga tenha sido fundada por esses motivos. Nos parece
que sua fundação partiu da reivindicação dos próprios bancários, já organizados em clubes, e
que teve acolhimento da Associação da categoria. Baseamo-nos aqui no fato de que não era
preciso ser filiado à Associação para fazer parte dos clubes e disputar o campeonato da L.B.E.A.
No entanto, entre os anos de 1933 e 1935 o Sindicato dos Bancários passava por
um momento de intensa radicalização da luta política, uma fase de descoberta de qual seria a
identidade daquela categoria de trabalhadores. Na presidência do Sindicato estavam militantes
com influências heterogêneas, que variavam do anarco-sindicalismo ao trotskismo181, que
buscavam organizar a luta política dos bancários e que fizeram diversas reivindicações que
versavam sobre a regulamentação do trabalho bancário, tais quais “a lei das seis horas de
trabalho, classificação por categoria, contrato coletivo de trabalho, salário mínimo, além do
movimento grevista de 1934 que visou à estabilidade e à aposentadoria”182. Nessa nova
compreensão do papel do sindicato, “os bancários deveriam unir-se não apenas entre si, mas
também a todos os trabalhadores proletários”183. No entanto, como vimos, houve nesse
momento uma cisão interna no movimento bancário, minando a tão sonhada união e
culminando na criação do Syn-Dikê e da Federação Esportiva dos Bancarios. Esse momento
apresentou mudanças no modo como o jornal era apresentado tanto em forma – deixa de ser
revista e volta a ser jornal – quanto no conteúdo. Tudo o que parecia “supérfluo”, fora dos ideais
de luta reivindicativa, desaparece de suas páginas184.
180
DECCA, A vida fora das fábricas: Cotidiano em Sao Paulo (1920/1934); GÓIS JUNIOR; SOARES, Os
comunistas e as práticas de educação física dos jovens na década de 1930 no Rio de Janeiro.
181
GIRARDI JR., Classe média, meritocracia e situação de trabalho: o sindicalismo bancário em São Paulo
(1923-1944), p. 62–63 afirma em nota ser bem pouco provável que existisse uma corrente anrco-sindicalista entre
as lideranças bancárias, uma vez que essa corrente já havia perdido força no movimento sindical naquele momento.
“O que se percebe é uma opção individual, baseada pela leitura de algumas obras importantes das várias
concepções anarco-sindicalistas e assimiladas de maneira eclética.” .
182
CANEDO, O Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-1944, p. 61.
183
Ibid., p. 62.
184
Ibid., p. 65.
78
a intenção de apagar das páginas de seu órgão oficial a prática esportiva. Isso porque, olhando
para os dezesseis anos analisados neste trabalho, foi apenas no momento de maior furor político
que houve o desaparecimento do esporte das páginas de Vida Bancaria. Assim, acreditamos
que um dos motivos que pode ter levado a direção do Sindicato a suprimir das páginas de seu
jornal a prática esportiva foi o entendimento de que o esporte consistia em assunto de menor
importância, já que aquele se apresentava como um momento de engajamento na luta por
melhorias na condição de vida e de trabalho dos bancários.
Fato é que, para alguns, a luta política estava dificultando a prática do futebol. A solução
que parecia mais fácil era a criação de uma outra liga, em que essas questões não se misturariam.
No entanto, a nova entidade apenas conseguiu mobilizar uma minoria dos clubes bancários, o
que nos leva a crer que o pensamento de que política e futebol não deveriam se misturar não
era comum entre os esportistas bancários. Ou seja, eles não viam, na sua experiência, uma
dissonância entre prática esportiva e atuação política. Não estamos dizendo, é claro, que esse
foi o único fator que fez com que a L.B.E.A. não perdesse força para a F.E.B. O fato de ela ser
a liga veterana, que já tinha reconhecimento no meio esportivo paulistano e que era filiada à
A.P.E.A. certamente também teve influência na manutenção da L.B.E.A. como a liga dos
bancários após a celeuma.
Havia então, no interior da categoria dos bancários, duas formas distintas de se pensar
o esporte. Uma delas era a de que, em um momento de maior furor político, não deveria haver
espaço para tratar da prática esportiva no órgão oficial da categoria. Não se negava a prática
esportiva aos bancários, já que os campeonatos da L.B.E.A. continuaram a ser organizados e
disputados normalmente entre os anos de 1933 e 1935. Provavelmente porque, como vimos, os
líderes sindicais já haviam se dado conta da centralidade dos esportes – em especial o futebol –
na vida dos bancários, e perceberam que a supressão dos esportes faria com que mais pessoas
se afastassem das fileiras do sindicato. No entanto, não havia espaço para discussão dos motivos
da prática, da atualização dos resultados dos jogos ou mesmo para avisos pontuais acerca das
decisões da Liga Bancaria. Nesse momento, esse papel era praticamente restrito à grande
imprensa. A outra forma de encarar o esporte era pensá-lo como um fim em si mesmo, e por
isso, não deveria ser misturado com questões políticas alheias a ele. Esse pensamento fez surgir
outra liga esportiva.
Essas duas formas de se pensar o esporte são faces da mesma moeda, já que buscam
separar questões essenciais para os bancários do período. Ambas acreditavam que esporte e
política não deveriam se misturar, porém privilegiavam cada qual um lado da disputa.
79
Nenhuma, no entanto, levava em consideração que a cultura bancária que se formava tinha
entre suas bases a busca por melhores condições de trabalho e de vida – reivindicadas entre os
anos de 1933 e 1935 por um sindicato bastante militante – e também pela prática esportiva, já
estabelecida entre os bancários e que fazia com que se encontrassem em locais fora do ambiente
de trabalho, para tratar de questões alheias ao trabalho, mas que, congregando membros de uma
mesma categoria de trabalhadores, provavelmente provocava conversas e discussões sobre o
trabalho em seus mais variados vieses. A cultura bancária que se formava era tanto fruto das
ações de reivindicação do sindicato quanto da vivência que aquelas pessoas tinham em seu
tempo livre, quando escolhiam as roupas que vestiriam, as músicas que ouviriam, os locais que
frequentariam, os esportes que praticariam e assistiriam. Demonstração disso é a manutenção
da L.B.E.A. e a criação da F.E.B. em um momento em que os dirigentes do Sindicato pareciam
contrários a dar espaço para a vida esportiva dos bancários.
Além da fundação da F.E.B., esse período viu nascer dois clubes de funcionários
do Banco do Brasil que se filiariam à L.B.E.A. A Associação Athletica Banco do Brasil – São
Paulo(A.A.B.B. - São Paulo)185 foi fundada em 28 de setembro de 1934 por um grupo de
funcionários contínuos– funcionários que exerciam funções subalternas – do Banco do Brasil
com o intuito de formar um time de futebol. Teve como primeiro presidente Luís Roberto
Arruda, chefe da portaria da agência Centro186, e seus primeiros estatutos foram aprovados em
07 de junho de 1935. De acordo com eles, tinha como fins:
A fim de chamar mais sócios para o novo clube, Arruda cede seu posto na
presidência a um funcionário do quadro administrativo da agência e nesse momento assume a
presidência Sylvio Barbosa da Silveira. A ideia era a de que, com mais sócios do quadro
administrativo o clube ganharia prestígio o suficiente para receber ajuda financeira do Banco
do Brasil, facilitando a sua organização e gestão. Como vimos, em 1934 a A.A.B.B. participou
do campeonato de futebol da F.E.B. Em abril de 1935 o clube tem seu pedido de filiação junto
185
Havia, como ainda há, diversas A.A.B.B.s espalhadas pelo Brasil.
186
PONTIN, José Afonso, Satélite: A obra dos homens 1935-1991, São Paulo: Satélite Esporte Clube, 1991,
p. 29.
187
Estatutos da Associação Athletica Banco do Brasil - São Paulo, 1936.
80
188
Liga Bancaria de Esporte Athleticos - Comunicado Oficial, Correio Paulistano, 24255. ed. p. 8, 19 de abr. de
1935.
189
Os bancarios paulistas victoriosos, Correio Paulistano, 24377. ed. p. 8, 1935.
190
PONTIN, Satélite: A obra dos homens 1935-1991, p. 39; Interior - São Paulo, Jornal do Commercio, 28. ed.
p. 3, 1935.
191
PONTIN, Satélite: A obra dos homens 1935-1991.
81
192
Em pé: Antonio Paes de Barros, Mello, Penha, Ozéas, Compadre, Milton da Silva Rosa e Luis Roberto Arruda.
Agachados: Fabiano Feitosa de Freitas, Queiróz, Victório Foresti, Jaguaré e João Othoni.
82
Fato é que o time de futebol da A.A.B.B.- São Paulo não foi ao Rio. Enquanto seus
representantes estavam fora da cidade, os futebolistas excluídos da viagem se reuniram e
decidiram fundar um novo clube, que teria como principais componentes “continuos, estafetas
e os demais funcionários da portaria do Banco do Brasil”193. Assim, no dia 21 de outubro de
1935 seria fundado o Satelite Futebol Clube. O nome do clube vem do endereço telegráfico do
Banco do Brasil194. A fim de evitar uma nova exclusão do time, logo na segunda reunião “fica
resolvido que na diretoria do Satelite F. C. só poderão fazer parte os funcionários da portaria
do Banco”195. Foi eleito como primeiro presidente Luís Roberto Arruda, que havia sido também
o primeiro presidente da A.A.B.B. - São Paulo. Decidiu-se ainda que o Satelite só praticaria o
futebol em um primeiro momento, sendo que outros esportes seriam iniciados oportunamente.
Muitos dos jogadores da A.A.B.B. migraram para o Satelite. Essa constatação é possível através
da escalação dos times. A A.A.B.B.196 contava com: Walter; Renato e Modesto; Castorino,
Mello e Costa; Feitosa, Militino, Isidoro, Gradin e Sá; já o Satelite197 tinha em seu elenco:
Tércio; Penha e Militino; Castorino; Mello e Compadre; Feitosa, Vital, Gradim, Ottoni e Sá.
Desse modo, a A.A.B.B. acaba por ficar sem um time de futebol, sendo o Satelite o único
representante do Banco do Brasil nos torneios da Liga Bancaria até os anos 1940.
Os anos entre 1933 e 1935 foram conturbados para o sindicalismo bancário. Como
já explicitamos, esse foi o momento em que houve maior engajamento político por parte dos
diretores do Sindicato. No final de 1934 seu presidente, Alvaro Cechino, foi preso junto com
três funcionários do Sindicato. Eles foram acusados pelos grandes jornais de serem
“comunistas”198. Mesmo após a instituição da Lei nº38, de 04 de abril de 1935 – a Lei de
Segurança Nacional – os líderes bancários continuaram conclamando seus colegas a frequentar
as Assembleias Gerais, e mais prisões foram feitas199. Isso, juntamente com a radicalização do
discurso comunista e o aumento da repressão estatal, fez com que o número de sindicalizados
caísse. A demora em aprovar novos estatutos, que estivessem em consonância com as novas
exigências do Estado, e as pressões exercidas pelo Departamento Estadual de Trabalho fizeram
193
Ata de fundação do Satelite Futebol Clube, 21 de out. de 1935.
194
Esse não foi o primeiro clube representante do Banco do Brasil assim batizado. Havia outros Satélites Brasil
afora. O de São Paulo, no entanto, foi o único que não se fundiu à A.A.B.B. em algum momento de sua história.
195
Ata de fundação do Satelite Futebol Clube.
196
Esse foi o time que disputou o torneio contra a A.A.B.B.-Rio. Competição entre bancarios do Rio e de São
Paulo, O Estado de S. Paulo, 20213. ed. p. 10, 7 de set. de 1935.
197
Time que participou do primeiro jogo do Satélite pela Liga Bancária, em maio de 1936, contra o C. A. Banco
de São Paulo. Campeonato Bancario de Futebol, Correio Paulistano, 24591. ed. p. 12, 19 de mai. de 1936.
198
CANEDO, O Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-1944, p. 67.
199
Ibid., p. 68.
83
com que a diretoria do Sindicato renunciasse no final de 1935200. O medo de que o Sindicato
fosse posto na ilegalidade fez com que os diretores deixassem seus cargos, assumindo o controle
uma Junta Governativa, situação da qual os bancários só sairiam quase dez anos depois.
200
GIRARDI JR., Classe média, meritocracia e situação de trabalho: o sindicalismo bancário em São Paulo
(1923-1944), p. 70.
84
201
Relatório da gestão de 1935, apresentado pela diretoria á Assembleia Geral de 14 de dezembro de 1935, Vida
Bancaria, n. 156, p. 2, 18 de dez. de 1935.
202
O que se passou na nossa assembleia de 14 ultimo, Vida Bancaria, n. 156, p. 3 e 4, 18 de dez. de 1935.
203
A JUNTA GOVERNATIVA, Aos bancarios, Vida Bancaria, n. 156, p. 4, 18 de dez. de 1935.
204
A JUNTA GOVERNATIVA, Explicação necessaria, Vida Bancaria, n. 158, p. 1, 10 de fev. de 1936.
85
Fica clara a proposta da nova Junta Governativa Provisória. Modificar a orientação política do
sindicato, sua forma de atuação e de reivindicação, pois avaliavam que fora a maneira como a
antiga diretoria conduzira o Sindicato que havia o levado àquela situação. Em entrevista ao
Diário Popular, reproduzida pela Vida Bancaria, o presidente da Junta Governativa Provisória,
Francisco Reimão Hellmeister, deixa claro o que se pretendia com a nova administração:
conciliação. Para Reimão conciliação seria “o acordo de interesses reciprocos, entre
empregadores e empregados, baseado nos termos insophismaveis das leis”206. Ou seja, apenas
a conciliação de interesses de empregados e empregadores seria capaz de alterar a forma como
o Sindicato vinha sendo conduzido desde 1933 e que o teria levado a situação em que se
encontrava.
A Junta Governativa que assumiu trabalhou para fazer com que os estatutos
convergissem com os interesses do D.E.T. Para isso, havia uma “colaboração com o Estado e a
negação de qualquer antagonismo entre capital e trabalho”207. Ela não media esforços para se
adequar à nova ordem. Para garantir a continuação das atividades do Sindicato, a junta entregou
uma lista de seus associados à Delegacia de Ordem Política e Social – D.O.P.S. – e se calou
diante da demissão sumária de 26 bancários208. Em maio de 1936 foi publicado um artigo,
assinado pela Junta Governativa Provisória, afirmando que o D.E.T. conhecia bem os atuais
dirigentes do Sindicato e que a D.O.P.S. sabia “perfeitamente o que é a classe bancaria e que
ella tendo á frente a actual Junta Governativa não vacillará em dar seu apoio integral para a
manutenção das Instituições vigentes, pregando pela paz e pela ordem, para a grandeza de nossa
Patria”209. No mesmo mês começaram a circular na imprensa notícias de que o Sindicato seria
fechado pois “todos os seus associados professam idéas não condizentes com o Regime”, e que
os elementos “não contaminados do mal se retiraram daquelle Syndicato, para ir fundar um
205
A JUNTA GOVERNATIVA, Nova orientação syndicalista, Vida Bancaria, n. 159, p. 1, 20 de mar. de 1936.
206
Entrevista do Presidente da Junta Governativa Provisoria com o “Diario Popular”, Vida Bancaria, n. 159, p. 4,
20 de mar. de 1936.
207
CANEDO, O Sindicalismo Bancário em São Paulo: 1923-1944, p. 120.
208
GIRARDI JR., Classe média, meritocracia e situação de trabalho: o sindicalismo bancário em São Paulo
(1923-1944), p. 54.
209
A JUNTA GOVERNATIVA, Revidando Ataques, Vida Bancaria, n. 160, p. 1, 15 de maio de 1936.
86
outro, conhecido pelo nome de ‘Syndiké’”. Essas informações são contestadas por outra
publicação, na mesma edição de Vida Bancaria. Nela, afirmava-se que a nova Junta
Governativa “está procedendo a uma verdadeira obra social de saneamento, expurgando de seu
seio os elementos considerados subversivos”210. Além disso, atrelava-se o não fechamento do
Sindicato ao fato de que a Delegacia de Ordem Política e Social conhecia os membros da
“classe bancaria”, e os atuais dirigentes da sua “Associação de Classe”211. Afirmava-se ainda
que os elementos que não estavam dispostos a “combater a orientação errada” do Sindicato
haviam se retirado e fundado outra associação.
210
Desfazendo boatos de que o Syndicato dos Bancarios de São Paulo será fechado, Vida Bancaria, n. 160, p. 3,
15 de maio de 1936.
211
Ibid.
212
HELLMEISTER, Francisco P. Reimão, À classe bancaria, Vida Bancaria, n. 159, p. 6, 20 de mar. de 1936.
213
Ainda a fusão dos sindicatos bancarios dessa capital, Vida Bancaria, n. 177, p. 6, 06 de jun. de 1939.
214
Adaptação do Sindicato a Lei 1402, Folha Bancaria, n. 6, p. 2, fev. de 1941.
87
O ano de 1942 viu nascer uma lei que visava a sistematização de diversas leis
referentes ao mundo do trabalho, como a do “salário mínimo, férias, limitação de horas de
trabalho, segurança, carteira de trabalho, justiça do trabalho, tutela dos sindicatos ao Ministério
do Trabalho”220: a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Ela representava, “de um lado,
o atendimento das reivindicações operárias que foram objeto de intensa luta da categoria por
diversas décadas, e, de outro, o controle, através do Estado, das atividades independentes da
classe trabalhadora, que acabou perdendo autonomia através do controle estatal”221.
215
DRUMOND, Estado novo e esporte, p. 104.
216
CAPELATO, Maria Helena, O Estado Novo: o que trouxe de novo?, in: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila
de Almeida Neves (Orgs.), O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado
Novo., 7. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015, p. 110.
217
Ibid., p. 113.
218
Ibid., p. 116.
219
Ibid., p. 117.
220
Ibid., p. 121.
221
Ibid.
88
Uma das estratégias utilizadas pelo Estado Novo na tentativa de aproximação com
o povo foi a utilização do esporte. Os estádios de São Januário, no Rio de Janeiro e do
Pacaembu, em São Paulo foram utilizados diversas vezes por Vargas em aparições públicas,
principalmente nas comemorações de 1º de Maio. Porém, essa não foi a única forma de
apropriação do esporte pelo Estado Novo. O esporte era visto como “escola de qualidades
essenciais”225 para a formação de bom cidadão, afastando seus praticantes de hábitos nocivos e
os conduzindo para o caminho do caráter e do corpo são. Esse não era um discurso novo. Vimos
no capítulo 2 que esse era o pensamento vigente no início dos anos 1930, e que sustentava, pelo
menos de maneira teórica – uma vez que vimos que as formas de prática esportiva não estavam
necessariamente pautadas pela teoria defendida pela L.B.E.A. –, a prática esportiva dos
bancários. A novidade aqui é a utilização dessa visão de esporte como parte do projeto político
do país. Houve ainda a tentativa de tutelar a prática esportiva dos trabalhadores, como mostrou
Ângela Bretas226 ao analisa o Serviço de Recreação Operária – S.R.O., criado em 1943, sob
responsabilidade do Estado, com o objetivo de coordenar a recreação e prestar assistência aos
sindicatos. Ou seja: pretendia-se aumentar o controle do Estado sobre os trabalhadores. O
222
Ibid., p. 135.
223
Ibid., p. 136–138.
224
Os bancarios nada devem..., Folha Bancaria, n. 24, p. 7, maio de 1945.
225
DRUMOND, Estado novo e esporte, p. 119.
226
BRÊTAS, Ângela, O Serviço de Recreação Operária - 1943-1945: uma experiência do governo Vargas no
campo do não-trabalho, Cadernos AEL, 2010.
89
esporte seria, assim, “o meio pelo qual se daria não apenas o aperfeiçoamento físico, mas
também o processo de socialização fundamental para o trabalho em equipe nas oficinas e
empresas”227. Mauricio Drumond228 nos mostra que as tentativas de tutela do esporte,
principalmente a partir da educação física da juventude e da organização do universo esportivo
dos trabalhadores pelo Estado Novo brasileiro foram menos bem sucedidas do que a do Estado
Novo português, onde a criação da Mocidade Portuguesa e da Fundação Nacional para a Alegria
no Trabalho tiveram maior centralidade no regime. No entanto, o autor demonstra pontos de
contato importantes entre as políticas esportivas de Vargas e Salazar. Porém, para além das
tentativas institucionais de efetivação das práticas esportivas, os trabalhadores possuíam um
universo esportivo próprio, que tinha, evidentemente, relação com o universo esportivo geral,
mas que, defendemos, guardava algumas especificidades. Aqui, viemos tentando analisá-las a
partir do caso dos bancários paulistanos. Vamos a eles, então.
Esses foram anos marcados por um aumento no incentivo dos chamados “jogos de
salão”: xadrez, snooker e ping-pong. Era preciso frequentar a sede, “tomar parte nas diversões
nela existentes, estreitando assim os laços de camaradagem que devem existir entre nossos
colegas”229. Passam a ser realizados campeonatos dessas modalidades, que parecem ter grande
aderência dos bancários, incentivando a compra de mesas pelo Sindicato. No entanto, o carro
chefe do esporte bancário continuava sendo o futebol.
227
DRUMOND, Estado novo e esporte, p. 144.
228
DRUMOND, Estado novo e esporte.
229
[sem título], Vida Bancaria, n. 163, p. 4, 30 de set. de 1936.
90
230
Flagrante da partida simultanea dirigida pelo bravo representante do Clube Xadrez São Paulo, Snr. Arrigo
Prodoscini, e entrega da taça ao E. C. Banespa, vencedor do torneio instituido pela Liga Bancaria.
91
231
Atletismo, Folha Bancaria, n. 4, p. 11, jun. de 1940.
232
O C. A. Banco de São Paulo venceu o 6o Campeonato Bancario de Atletismo, Folha Bancaria, n. 7, p. 12, jun.
de 1941.
233
É provável que esse campeonato tenha ocorrido na pista de atletismo do Clube Esperia, na Ponte Grande. O
que será o sexto Campeonato Bancario de Atletismo, Folha Bancaria, n. 6, p. 13, 1941.
92
Mas mais importante aqui do que a descrição de cada um desses campeonatos, são
os encontros entre paulistas e cariocas. A Liga Bancaria de Esportes – L.B.E., entidade
234
O 7o campeonato bancario de atletismo, Folha Bancaria, n. 9, p. 8, maio de 1942.
235
O 7o Campeonato Bancario de Atletismo, Folha Bancaria, n. 10, p. 6, jun. de 1942.
93
organizadora do esporte bancário no Rio de Janeiro, foi fundada em 05 de abril de 1936, oito
anos após a sua coirmã paulista, mas vinha tendo grande êxito até então236.
Fonte: Jogam hoje, no campo do Parque S. Jorge, os bancarios do Rio e de São Paulo, Correio Paulistano, p.12,
17 de dez. de 1938.
236
MELLO, Waldemar Ferreira, O 5o aniversário da “Liga Bancária de Esportes Metropolitana”, Folha Bancaria,
n. 7, p. 13, jun. de 1941.
237
EL MAESTRO, Esporte, Vida Bancaria, n. 175, p. 2, jan. de 1939.
238
Ibid.
94
239
Esporte, Folha Bancaria, n. 5, p. 13, ago. de 1940.
240
Ibid.
241
Essa associação foi fundada em Buenos Aires em 1913.
242
A regulamentação dos esportes trouxe um grande impulso á vida esportiva dos bancarios, Correio Paulistano,
p. 3, 18 de mai. de 1941.
95
Fonte: Velha aspiração dos bancarios realizada, Correio Paulistano, p.16, 20 de out. de 1940.
243
Aspecto apanhado na séde da Associação Athletica Banco do Brasil, no Rio, por accasião da fundação da
Federação Brasileira Bancaria de Esportes, vendo-se congregados representantes das entidades e clubes das duas
capitaes do paiz.
244
O intercambio dos bancários do Brasil, Folha Bancaria, n. 6, p. 14, fev. de 1941.
245
SOARES, Justiça desportiva: o Estado Novo entra em campo (1941-1945), p. 98.
246
Os bancarios e a oficialização dos esportes, Diário de Notícias, p. 10, 18 de maio de 1941.
96
247
A regulamentação dos esportes trouxe um grande impulso á vida esportiva dos bancarios.
248
Não pode ser filiada à C.B.D. a Federação Bancaria, Diário de Notícias, p. 12, 25 de abr. de 1942.
249
Os esportes bancarios continuarão sua rota progressista, Correio Paulistano, p. 14, 06 de fev. de 1944.
250 o
1 Campeonato Bancário Brasileiro de Esportes, Folha Bancaria, n. 8, p. 7, abr. de 1942.
251
[sem título], Correio Paulistano, p. 10, 18 de nov. de 1941.
252
LOMENZO, Renato, 2o Campeonato Bancario Brasileiro, Folha Bancaria, n. 14, p. 5, nov. de 1942.
253
“Vamos promover no proximo mês o segundo campeonato brasileiro bancario de esportes”, Correio
Paulistano, p. 8, 19 de nov. de 1942.
97
somassem mais de 100 pessoas254. Elpídio de Oliveira, do Satélite F. C., era o técnico da
delegação bandeirante.
O pedido dos bancários para a utilização do estádio do Pacaembu parece ter sido
negado, já que o desfile e os jogos de futebol ocorreram no estádio do C. A. Juventus, na rua
Javari. Os outros encontros ocorreram em diversos clubes espalhados pela cidade. O de tênis
de mesa255 ocorreu na sede do São Paulo Railway Athletic Club – S.P.R., na avenida Rangel
Pestana, 2060; o de bola ao cesto, no ginásio da Associação Cristã de Moços, na rua Santo
Antônio, 201; o xadrez foi disputado no Clube de Xadrez de São Paulo, no prédio Martinelli; o
atletismo, na pista do Clube de Regatas Tietê, na Ponte Grande; e o tênis, no E. C. Banespa, na
Parada Petrópolis. Para disputar o campeonato, os bancários paulistas e cariocas precisaram se
deslocar por boa parte da cidade. Isso pode nos dar indícios sobre o trânsito de pessoas pela
cidade para que pudessem acompanhar e praticar esportes256. Os paulistas foram os grandes
campeões do 2º Campeonato Brasileiro Bancario, obtendo vitórias em bola ao cesto, lance
livre, tênis de mesa, atletismo e snooker. O xadrez, novamente, terminou com um empate. Os
cariocas ficaram com os títulos de tênis e futebol.
254
Inicia-se hoje o 2o campeonato brasileiro bancario de desportos, Correio Paulistano, p. 6, 12 de dez. de 1942.
255
Eles passam a chamar ping-pong de tênis de mesa entre 1941 e 1942.
256
Tratar mais profundamente dessa questão nos levaria para longe dos objetivos desse trabalho, mas acreditamos
ser possível compreender melhor as dinâmicas de mobilidade na cidade de São Paulo a partir das andanças de
esportistas.
257
LOMENZO, Renato, O esporte Bancario em 1943, Folha Bancaria, n. 16, p. 6, mar. de 1943.
258
Terceiro campeonato brasileiro bancario de desportos, Correio Paulistano, p. 8, 17 de set. de 1943.
259
Os textos presentes na Folha Bancaria de novembro de 1943, páginas 10 e 11 e no Correio Paulistano de 26 e
29 de setembro de 1943, páginas 11 e 16, e 8, respectivamente, são praticamente idênticos.
98
Os campeonatos brasileiros de 1944 e 1945 devem ter tido proporções bem menores
do que as três edições anteriores, já que não foram mencionados na Folha Bancaria e
encontramos apenas pequenas notas sobre eles na grande imprensa de São Paulo e do Rio de
Janeiro. Na realidade, o de 1944 parece ter sido o que contou com menor atenção. Só foi
possível descobrir que estava marcado para os dias 7 a 10 de setembro261 e que aconteceu no
Rio de Janeiro262. O IV Campeonato deve ter ocorrido normalmente, pois no ano seguinte tem-
se notícia do V Campeonato Bancario Brasileiro de Esportes, que aconteceu em São Paulo.
Dessa vez, o desfile dos atletas e a maioria das modalidades esportivas foi disputada no Estádio
do Pacaembu263, concretizando o desejo antigo dos bancários paulistanos.
260
LOMENZO, Renato, Terceiro Campeonato Brasileiro Brancario de Desporto, Folha Bancaria, n. 18, p. 10,
nov. de 1943.
261
Correio esportivo, Correio da Manhã, p. 5, 10 de ago. de 1944.
262
Correio esportivo, Correio da Manhã, p. 6, 09 de set. de 1944.
263
Teremos hoje uma fase empolgante do V Campeonato Brasileiro Bancario de Desportos, Correio Paulistano,
p. 10, 07 de set. de 1945.
99
parte da L.B.E.A. e que emprestaram elementos para os campeonatos brasileiros e ver como se
davam essas discussões naqueles locais.
A relação entre os dois clubes, no início, se não era pacífica, era constante. Na
terceira reunião da diretoria do Satelite F. C. fica registrado em ata que a A.A.B.B. doou diversos
artigos esportivos ao novo clube, que faria os agradecimentos oportunamente264. Quase um ano
após a fundação do Satelite F.C., em agosto de 1936, a diretoria do clube tratava da
possibilidade de fusão dos dois clubes. Em uma reunião com 20 presentes, debateu-se o assunto.
Alfredo Bortolato expôs o conteúdo de uma conversa que teve com o presidente da A.A.B.B.-
São Paulo, na qual ele afirmava que essa associação não tinha nenhum problema com o Satelite,
e que acreditava que o sentimento era recíproco. Após o exposto, foi colocada em discussão a
possibilidade de fusão dos clubes, que reunia sócios favoráveis e contrários. Feitosa era um dos
contrários à fusão, mas seus motivos não estão explicitados nas atas. Já Mario Barbosa se
colocava favorável, desde que se exigisse “igualdade na diretoria, foot-ball como esporte basico
etc”265. Decide-se, então, pela realização de uma reunião no dia seguinte em que seria votada a
união. O resultado foi taxativo: dos 56 votos, 6 foram favoráveis, 43 contrários e 7 nulos. Após
uma discussão sobre como o Banco do Brasil seria comunicado da decisão, decidem escrever
dizendo não ser possível a realização da fusão “devido differença de classe, por estar o Satellite
inscrito na Liga Bancaria, etc”266.
264
Ata da reunião da diretoria de 05 de novembro de 1935.
265
Ata da reunião da diretoria de 18 de agosto de 1936.
266
Ata da reunião de 19 de agosto de 1936. Grifo nosso.
100
constatar que havia uma diferença salarial entre os trabalhadores do Banco do Brasil e os dos
demais bancos em São Paulo. A partir disso, podemos dizer que não se tratava nem mesmo de
uma questão de poder aquisitivo puramente, uma vez que os contínuos desse banco ganhavam
mais do que alguns funcionários do quadro administrativo de outros bancos. Trava-se de um
problema de hierarquia. Uma divisão entre quem era e quem não era considerado funcionário
bancário. Assim, a questão estava muito mais ligada ao status que esses setores poderiam ter
ou deixar de ter jogando futebol com subalternos. Aqui a heterogeneidade dos bancários
paulistanos dá mostras de sua existência. Havia ainda um problema de raça. O time dos
contínuos era composto de jogadores negros, o que poderia ser usado pelos funcionários
administrativos brancos como outra forma de estratificação com base em discriminação racial.
Apesar de a discriminação racial não estar apontada na letra da lei, o que dificultava
que ela fosse identificada e combatida, os problemas raciais eram latentes na São Paulo dos
anos 1930. A possibilidade de mobilidade social ascendente, saindo dos trabalhos braçais e
passando para os de colarinho branco, se era difícil para os brancos pobres, era quase impossível
para os negros267. Quando tal ascensão era alcançada esses trabalhadores geralmente ficavam
colocados em posições subalternas, como telefonistas, porteiros e vigias. O trabalho realizado
pelos contínuos dos bancos.
Uma das respostas dos negros para a discriminação foi a criação de seus próprios
clubes sociais e esportivos. Não sendo bem vistos nos clubes de dança dos brancos, mas não
querendo se juntar aos grupos de carnaval, organizados pela classe operária, lhes restava a
criação de seus próprios clubes. Não foi diferente com o caso dos clubes esportivos. Houve, no
início do século XX, a criação de diversos clubes esportivos destinados a negros na cidade de
São Paulo. Alguns conseguiram até mesmo alguma projeção nos meios esportivos da cidade.
Assim, essas pessoas criavam seus próprios clubes com o intuito de poderem se organizar e
praticar o esporte da moda – o futebol. No entanto, apesar de terem surgido como reação à
discriminação e à segregação, essas associações não tinham como propósito combater
ativamente a discriminação. Muitas delas deixaram em seus registros evidências sobre a
"infelicidade e inquietação entre seus membros com respeito à desigualdade social e às barreiras
de côr em São Paulo, [mas] nenhuma delas parece ter realizado qualquer esforço coletivo para
protestar, reduzir ou eliminar esses males"268.
267
ANDREWS, George Reid, Negros e brancos em São Paulo: 1888-1988, Bauru: EDUSC, 1998, p. 193.
268
Ibid., p. 222.
101
Esse parece ter sido o caso do Satelite F.C. Claramente havia uma inquietação com
o fato de os futebolistas da A.A.B.B. São Paulo não terem sido levados ao Rio de Janeiro naquela
excursão de 1935. E, apesar de nada ter sido explicitamente dito a eles, compreenderam que o
"problema" com o qual se deparavam era de cor. No entanto, nos registros do clube, nenhuma
menção a protestos ou tentativas de organização para reivindicar igualdade racial no clube, no
banco, ou na sociedade paulistana foi encontrada. Tanto é assim que nos primeiros estatutos
registrados em cartório, em 1942, não há menção de restrição de cargo para ocupar a presidência
do clube, como ficou decidido quando de sua fundação em 1935. Essa alteração deve ter sido
realizada na reforma pela qual passaram os estatutos em 25 de abril de 1939, mas não é possível
a constatação, já que, apesar dos primeiros estatutos terem sido confeccionados na data de
fundação do clube, eles passaram por 3 alterações até seu primeiro registro em cartório, em 25
de abril de 1942.
269
Ata da reunião da diretoria de 28 de janeiro de 1937.
270
Ibid.
271
Ata da reunião da diretoria de 31 de março de 1937.
102
São Paulo sobre a inscrição de empregados da limpeza e para elevadores no Instituto teve como
resposta que esses funcionários deveriam ser considerados bancários para todos os efeitos.
Ainda que não tivesse força de lei, a resolução do presidente do I.A.P.B. dava respaldo aos
contínuos e possibilitava sua consideração como bancários. Isso pode parecer pouco, mas em
uma categoria de trabalhadores tão heterogênea quando a dos bancários, mas que sustentava
padrões de status bastante rígidos, o fato de ser considerado parte dessa categoria certamente
tinha um significado positivo grande. Afinal, ser bancário significava, no mínimo, possuir
alguma distinção social em uma sociedade composta por grupos que tentavam se diferenciar
uns dos outros.
Mas nem só de discussões sobre sua posição em relação aos outros clubes vivia o
Satelite F. C. Festas eram organizadas pelo clube sob os mais diversos pretextos. A primeira a
ser registrada foi uma “singela homenagem” a um de seus sócios, José Felipe da Costa,
considerado “optimo defensor do club”. Nessa homenagem organizariam um jogo entre casados
e solteiros, que contaria com 50 litros de chopp e 150 sanduíches financiados pelos diretores do
clube e pelo próprio clube274. Em março de 1939, sem nenhum evento que motivasse
comemoração, é registrada em ata a intenção de se realizar uma choppada, sendo apresentado
272
Ata da reunião da diretoria de 21 de outubro de 1937.
273
Ata da reunião da diretoria de 05 de dezembro de 1939; Ata da reunião da diretoria de 14 de janeiro de 1940.
274
Ata da reunião da diretoria de 11 de novembro de 1937.
103
o orçamento do clube para que se discutisse essa possibilidade. Dois anos depois, novamente,
discutiu-se a organização de uma choppada a ser oferecida a jogadores e sócios para realizar a
entrega das medalhas aos campeões 1938275. Acreditamos que essa confraternização foi
realizada com atraso por causa da situação econômica do clube. Mais bem estabelecidos, eles
já poderiam se dar ao luxo de organizar uma cerimônia para festejar o feito.
Fonte: Satellite e Bancaleman medem-se, hoje, na segunda “melhor de tres”, Correio Paulistano,
p.8, 11 de mar. de 1939.
275
Ata da reunião da diretoria de 13 de março de 1941; Ata da reunião da diretoria de 01 de abril de 1941.
104
A sede no Edifício Martinelli contava com dois grandes salões, “sendo um para
jogos de ‘snoocker’, pingue-pongue, xadrez e damas e o outro destinado aos saraus
dansantes”276. Possuía ainda uma “ótima biblioteca, bem fornecida de livros, para deleite e
instrução de seus frequentadores”277. Essa foi uma imposição da diretoria do banco. Em janeiro
de 1942 houve a exigência de alteração dos estatutos do clube, fazendo com que 20% da
subvenção fosse destinado à organização de uma biblioteca “adequada aos funcionários do
Banco do Brasil”278 e que houvesse a criação do cargo de bibliotecário. Essa imposição dá
indícios de que nesse momento a diretoria do banco já ajudava financeiramente o Satelite,
porém em nenhum momento isso ficou lavrado em ata.
Foi na sala do Martinelli que o clube inaugurou um bar, que era frequentado não
apenas pelos associados. Ele era, na verdade, cedido a uma pessoa que o administrava. Primeiro
foi cedido a um associado que já havia feito parte da direção do clube anteriormente, e depois
foi gerido por uma junta de pessoas. O bar era responsável, naturalmente, por abastecer a sede
de bebidas. Elas eram fornecidas todos os dias a partir das 19 horas 30 minutos, e aos domingos
a partir das 13 horas, sempre com encerramento às 24 horas279. É interessante notar que há uma
alteração na ata que trata da questão das bebidas alcoólicas280 feita na ata da reunião seguinte281
em que se troca “bebida alcoólica” por “cachaça”. A alteração nos parece significativa, uma
vez que a cachaça é uma bebida tradicionalmente preterida pelas elites, sendo uma marca social
bastante intensa282. Para além disso, tratava-se da sede de um clube esportivo, cuja finalidade
era – ou alguns dirigentes esportivos pensavam ser – exclusivamente o incentivo à prática
esportiva. Desse modo, a possibilidade de consumo de bebidas alcoólicas em sua sede, com a
instalação de um bar, e o incentivo dado ao consumo por parte da diretoria, que organizava
choppadas nas comemorações, mostram que o clube tinha também outros objetivos. A
276
Será inaugurada hoje a nova sede do Satelite F. C., Correio Paulistano, p. 6, 28 de nov. de 1942.
277
Ibid.
278
Ata da reunião da diretoria de 28 de janeiro de 1942.
279
Ata da reunião da diretoria de 22 de setembro de 1942.
280
Ibid.
281
Ata da reunião da diretoria de 06 de outubro de 1942.
282
ALGRANTI, Leila Mezan, Aguardente de cana e outras aguardentes: por uma história da produção e do
consumo de licores na América portuguesa, in: VENÂNCIO, Renato Pinto; CARNEIRO, Henrique (Orgs.), Álcool
e Drogas na História do Brasil, São Paulo : Belo Horizonte, MG, Brasil: Alameda Editorial, 2005.
105
Fonte: Revista Satélite, outubro/novembro de 2010, nº355, ano XLIII, Edição especial de 75 anos,
p. s/n
Porém, nem todos eram bem vindos como sócios do clube. Em uma discussão na
reunião da diretoria em maio de 1943, propõe-se a criação de um quadro extra de associados,
do qual fariam parte as famílias dos associados. Conclui-se, após larga discussão, que “tal classe
de associados não se enquadra perfeitamente dentro das finalidades sociais do Satelite Futebol
Club”283, dando a entender que a finalidade social do clube era mesmo a socialização entre
pares.
283
Ata da reunião da diretoria de 20 de maio de 1943.
106
A A.A.B.B.- São Paulo teve sua primeira sede no Edifício Del Prette, na rua
Formosa. Após alguns anos284, em 1940, mudou-se para algumas salas no primeiro andar de
um edifício na rua da Quitanda, 150, e em 1944 mudou-se novamente, dessa vez para a o
Edifício Conde Luiz Eduardo Matarazzo, na rua XV de novembro. As duas últimas sedes
ficavam, então, no chamado “triângulo”, bem no centro da cidade, próximas ao Banco do
Brasil, facilitando a chegada de sócios. Havia na sede um bar, que deveria vender as bebidas
com o preço igual ao do comércio285, porém, em 1944 decide-se por fechá-lo já que ele não
estaria “atingindo as finalidades para que foi criado”. Em seu lugar, seria instalada uma “sala
de espera, guarda roupa, etc.”286 sendo mais útil para os associados. Durante o período analisado
foram realizados alguns poucos festejos. Apenas um churrasco287 e uma choppada288.
284
Não foi possível saber o que aconteceu com na A.A.B.B. entre os anos de 1935 e 1940, uma vez que as atas de
reunião da diretoria desse período se perderam, restando apenas a ata de fundação do clube.
285
Ata da reunião da diretoria de 29 de julho de 1941.
286
Ata da reunião da diretoria de 11 de abril de 1944.
287
Ata da reunião da diretoria de 11 de setembro de 1941.
288
Ata da reunião da diretoria de 29 de dezembro de 1941.
289
Ata da reunião da diretoria de 17 de novembro de 1941.
290
Ata da reunião da diretoria de 11 de abril de 1944.
291
Pode ser que um campeonato desse tipo tenha existido, mas entre 1929 e 1945 ele não foi organizado pela
L.B.E.A. e nas atas do clube não encontramos nenhuma menção a uma disputa de campeonato fora da Associação.
107
ou seja, é preciso ser aceito como parceiro de alguém, o que geralmente só acontece com
pessoas de um mesmo status social.
Considerações Finais
Na primeira delas, que consiste nos anos de 1929 a 1932, encontramos uma
Associação de cunho assistencial, que visava conquistar alguma união entre os bancários. Em
um segundo momento, compreendido entre 1933 e 1935, houve uma maior militância por parte
dos diretores do Sindicato, que buscavam conquistar suas reivindicações de melhores condições
de trabalho e não viam problemas em utilizar recursos consagrados pelos operários, como a
greve. Foi nesse momento que houve a organização de um outro sindicato para congregar
bancários em São Paulo, o Sin-Dikê, de cunho patronal. Por fim, o período entre 1936 e 1945
esteve permeado pela necessidade de enquadramento do Sindicato às normas do Estado Novo,
ficando marcado pelas tentativas de conciliação entre empregados e empregadores.
da L.B.E.A., e não seguiam as recomendações da Vida Bancaria de como ser um bom esportista.
Havia uma busca pela institucionalização das práticas esportivas dos bancários, que foi iniciada
com a filiação à A.P.E.A. e, por fim, conquistada com o reconhecimento da Liga pela C.B.D. e
a organização dos campeonatos brasileiros.
Por fim, temos um momento de tentativa de união dos bancários através dos
esportes. A criação do campeonato nacional e a possibilidade de realização de um campeonato
sul-americano dão mostras de qual era o projeto das lideranças bancárias para o esporte, que
deixa de ser preterido e passa a ter relevância nas páginas do órgão oficial da instituição. A
tentativa de criação de um ambiente de camaradagem deixa claro que o que se pretendia era a
socialização entre pares. Essa socialização era buscada no interior dos clubes filiados à Liga,
que, com suas especificidades decorrentes da heterogeneidade da categoria dos bancários,
organizavam formas de sociabilização entre os sócios. O Satelite, clube fundado e gerido no
seu início pelos contínuos do Banco do Brasil, tinha momentos de congraçamento e festejos
mais frequentes, com o consumo de bebidas alcoólicas, a realização de bailes e, é claro, a prática
do futebol, esporte mais popular do período. Já a A.A.B.B.-São Paulo, cujos sócios eram
funcionários de mais alto escalão do banco, organizavam esses momentos ao redor do piano ou
jogando bridge, jogo que era marca de distinção social.
ambiente em que fosse possível a socialização entre pares. Nesse sentido, os motivos do início
da prática parecem ter sido diferentes entre operários e esses trabalhadores de colarinho branco.
No entanto é possível inferir, a partir da trajetória de Silvio Lagreca, que os dotes futebolísticos
ajudavam na manutenção do emprego e até em uma possível promoção, como acontecia com
os operários. Mesmo tendo sido uma iniciativa dos trabalhadores, era preciso recursos dos
bancos para o sustento dos clubes, o que faziam com que, no final das contas, eles decidissem
se e quais clubes iriam funcionar, dificultando a existência de alguns clubes, que precisavam
lutar para continuar existindo.
111
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122
292
Cedoc-Bancários, pasta 3007.
124
Reforma do estatuto,
eliminação do voto por
procuração;
Fundação do Grêmio dos
Bancários.
Êxito na reivindicação;
Idealização e fundação da
coligação dos Sindicatos
Proletários de São Paulo.
Comissão para estudar a
fundação de uma
Federação Nacional dos
Sindicatos de Bancários
do Brasil.
Através do Estado
1933 Lei das 6 horas Reforma do estatuto.
Projeto de Lei
Organização do Comitê
para fundação da
Federação Estadual dos
Sindicatos de Bancários
de São Paulo.
Mudança do nome
“Grêmio dos Bancários”
para Departamento de
Cultura Inelectual.
Greve vitoriosa. Êxito
nas reivindicações.
Eleições para a primeira
diretoria da Cooperativa
Constituinte.
Caixa de Aposentadorias dos Bancários de São
Choque entre
e Pensões (IAPB) Greve Paulo.
antifascistas e 1934
Estabilidade Dias 5 e 6 de Julho Colaboração na Frente
integralistas na Sé,
Salário Mínimo Única Sindical.
em 7 de outubro
Ajuda Financeira aos
Movimentos Grevistas.
Criação do racha SYN-
DIKÊ
Jornal passa a se semanal.
Centro de Cultura dos
Criação da ANL Bancários.
Criação da Lei de Publicação da Revista
Projeto de Lei (sem
Segurança Nacional 1935 Salário Mínimo Cultura.
êxito)
Estado de sítio em Participação na fundação
todo o país da Confederação.
Colaboração na Frente
Libertadora Nacional
Reabertura do Clube
Bancário.
Negociação como Banco
Ultramarino sobre
Criação do Tribunal
contratos ilegais.
de Segurança
Salário Mínimo Ministério do Libertação de 2 bancários
Nacional. 1936
Salário Profissional Trabalho (sem êxito) presos.
Milhares de prisões
Negociação com o Royal
por todo o ano.
Bank Canadá;
Mudança na linha do
jornal Vida Bancária.
Negociação com o British
Implantação do Homenagem a Getúlio
1937
Estado Novo Vargas.
125
Incentivo ao Depto,
Jurídico
Campeonato de Bola ao
1º Congresso da Classificação por
Projeto de Lei (sem Cesto
UNE 1938 categoria em colaboração
êxito) Proposta de Reforma do
Golpe integralista com Sind. Do RJ.
Regulamento do IAPB
II Guerra Mundial Unificação do Sindicato
1939
Criação do DIP com o SYN-DIKÊ
Organização da discoteca
Criação do Imposto
1940 2º Congresso Brasileiro
sindical
de Bancários
Substituição do
mobiliário do mobiliário
do Salão Principal.
Nomeação de comissões
para estudar a
implantação de Farmácia,
Gabinete dentário e
Escola Técnica
Profissional.
Incentivo e cooperação
Criação da Justiça Min. Do Trabalho para a organização de
1941 Aumento de salários
do Trabalho (concedido) comissão de 2 pessoas de
cada banco do Eixo para
entrega de memorial ao
Min. do Trabalho
pedindo amparo para os
empregados dos bancos
eixistas.
Participação na
Campanha Nacional de
Aviação Civil. Compra
de 1 avião.
Inauguração da Farmácia
e Gabinete Dentário.
Fundação da Escola
Técnica Bancária.
Articulação com demais
Manifestação sindicatos do país para
antifascista no Rio. estudo em conjunto de
Declaração de 1942 “problemas de interesse
Guerra à Alemanha coletivo”.
e Itália Contato com Comissão
de Reemprego nomeada
pelo Min. do Trabalho
para resolução da
situação dos bancários de
bancos do Eixo.
Contra a abolição da Campanha junto a
estabilidade aos 2 anos. Presidência da
Pelo pagamento de República.
extraordinários. Apoio e cooperação à
Criação da CLT 1943 Min. Trabalho
Salário completo de 30 iniciática da Fundação de
dias para trabalhadores uma comissão de
afastados por doença. Assistência ao Bancário
Aumento salarial convocado.
FEB 1944
Eleições p/
Dissídio impetrado
presidente da 1945 Campanha Salarial Êxito na campanha.
pelos bancários
República.