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Futebol, Cultura

e Sociedade
Material Teórico
Desenvolvimento dos Sistemas de Jogo do Futebol

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Fabio Tomio Fuzii

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin
Desenvolvimento dos Sistemas
de Jogo do Futebol

• Regra do impedimento;
• Primeiras variações táticas;
• Formação em WM: a tática revolucionária;
• Seleção húngara de 1954 e a influência no Futebol brasileiro;
• Principais Sistemas de Jogo da Seleção brasileira em Copas do Mundo.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Conhecer as principais formações dos Sistemas de Jogo da história do Futebol;
• Reconhecer um processo de construção de conhecimento derivado de intensa
negociação simbólica;
• Compreender a evolução tática no Futebol do século XX.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
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Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos
e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua
interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de
aprendizagem.
UNIDADE Desenvolvimento dos Sistemas de Jogo do Futebol

Introdução
Compreender o jogo de Futebol não é uma tarefa das mais simples. Frequente-
mente, somos guiados a interpretar o jogo como uma questão de raça, vontade e
equilíbrio emocional, entre outros.

Não que esses fatores não existam ou sejam menos importantes. Claro que não!
Porém, o que se propõe é interpretar o jogo de Futebol para além disso, como
um jogo em que existem planos, estratégias e táticas racionalizadas visando a uma
eficiência nas partidas.

Sendo assim, podemos analisar esses Planos de Jogo e a forma como as equipes
são montadas e distribuídas em campo para perceber como o Esporte evoluiu em
sua dimensão tática ao longo dos anos. Para isso, é importante entender o conceito
de Sistema de Jogo.

Sistema de Jogo é a organização estratégica da posição dos jogadores em cam-


po ou em quadra, com objetivos tanto ofensivos quanto defensivos. Na maioria das
vezes, os Sistemas são representados pelo número de jogadores que compõe os
setores do campo, da defesa até o ataque, excluindo o goleiro, na maioria das vezes
(CUNHA et al., 2009).

Portanto, um Sistema de Jogo conhecido como 4-4-2 representa o posiciona-


mento da equipe em campo com 4 jogadores na defesa, 4 jogadores no meio-
-campo e dois jogadores no ataque.

Figura 1 – Setores do Campo de Futebol –


Azul: defesa; Amarelo: meio-campo; Vermelho: ataque

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Importante! Importante!

Considera-se o time defensor à esquerda do campo em todas as ilustrações desta unidade.

E não existe nenhuma regra no Futebol que delimita quantos jogadores devem
conter cada setor.

A decisão da formação dos Sistemas de Jogo é pensada pelos participantes


levando em consideração diversos fatores, como mudança na regra, estratégias,
melhora na condição física e até mesmo questões mais simbólicas, como a valori-
zação de um determinado modo de jogar, de uma habilidade de manejo de bola ou
um jogo mais duro.

Assim, esta Unidade pretendemos refletir sobre a evolução dos Sistemas de


Jogo, procurando entender o modo como as coisas se deram, e não apenas a mu-
dança numeral de 4-2-4 para 4-3-3, por exemplo.

Dessa forma, para iniciar os estudos, começaremos entendendo a regra do Im-


pedimento, pois foi a mudança dessa regra que desencadeou as primeiras sistema-
tizações das formas de jogo.

A Regra do Impedimento
O Impedimento é a regra mais complicada de se entender e talvez por isso seja
a que causa mais discussão no Futebol.

Quem não ficou preso à reprise do lance para saber se o atacante que fez estava
ou não em impedimento?

Entretanto, uma regra tão importante e decisiva para a compreensão do Esporte


ainda não é bem entendida por todos. Por isso, vamos a uma breve explicação.

A Regra 11, a regra do Impedimento, entende que um jogador no campo de


ataque só poderá receber a bola se houver pelo menos dois jogadores entre a linha
da bola (uma linha imaginária de uma lateral a outra, que varia de acordo com a
posição da bola no campo) e a linha de fundo.

Como na maioria das vezes um dos jogadores necessários a dar condição ao ata-
cante é o goleiro, o segundo jogador será o último jogador de linha mais próximo
à linha de fundo.

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UNIDADE Desenvolvimento dos Sistemas de Jogo do Futebol

Veja na imagem a seguir uma situação de Impedimento:

Figura 2 – O Atacante 2 está fora das condições de jogo. O impedimento está claro,
pois no momento do passe, o Atacante 2 receberá a bola somente com um jogador
à sua frente, que é o goleiro. No caso, para ter condições de jogo, o Atacante 1 necessita
estar na mesma linha que o penúltimo jogador de linha, o Defensor 2.
A linha vermelha é a linha de impedimento

Outro ponto importante a ser analisado para o Impedimento é a linha da bola,


isto é, a posição da bola no campo no momento do passe.

Caso o jogador que vai receber a bola esteja posicionado atrás da linha da bola,
não há impedimento.

Veja a imagem a seguir:

Figura 3 – O Atacante 2 está em condição legal, pois no momento do passe está atrás
da linha da bola (linha vermelha). Mesmo não havendo dois jogadores à sua frente,
não há impedimento, por se posicionar atrás da linha da bola. O Atacante 2 estaria em
impedimento caso se posicionasse à frente da linha vermelha no momento do passe

Lembrando, a regra só é válida no campo de ataque (não há impedimento quando


o atacante está atrás da linha de meio campo) e também não há impedimento se o
atacante receber a bola diretamente de um tiro de meta, arremesso lateral e escanteio.

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Figura 4 – Condição legal do Atacante 2, pois parte do campo de defesa (área em vermelho),
uma das condições a que a regra do Impedimento não se aplica

Veja na imagem acima que, apesar de não haver dois jogadores entra a linha da
bola e a linha de fundo, o Atacante parte do campo de defesa descaracterizando,
portanto, o impedimento.

Entenda mais como funciona a regra do Impedimento no vídeo disponível em:


Explor

https://youtu.be/JNA2f3l9oaE.

Não é recente a discussão sobre a mudança na regra do Impedimento para al-


gumas modificações pontuais ou mesmo para a exclusão. Independente das modi-
ficações, todos sabem que ao alterar o Impedimento a dinâmica do jogo de Futebol
também se alterará.

E essa dinâmica do Futebol que conhecemos hoje é oriunda a partir da regra do


impedimento. Afinal, foi a mudança da regra, em 1925, que fez surgir os principais
Sistemas de Jogo do Futebol.

Vamos entender melhor essa ideia.

As Primeiras Variações Táticas:


das Estratégias do Rugby à Valorização
da Troca de Passes
O Impedimento já estava previsto desde 1863, quando foram criadas as primei-
ras regras do Futebol. Porém, com modificações ao longo do período, entendia-se
basicamente que o impedimento era caracterizado se não houvesse pelo menos
quatro jogadores (três, em 1866) entre o Atacante e a linha de fundo.

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UNIDADE Desenvolvimento dos Sistemas de Jogo do Futebol

Antes disso, a maneira de jogar Futebol do período estava ainda muito associada
ao Rugby, esporte de longas corridas com a posse de bola, pois o impedimento era
caracterizado para quem ultrapasse a linha da bola no momento do passe.

Foi um período em que as correrias individuais para o campo de ataque foram


muito utilizados para atingir a meta adversária e fazer o gol.

Antes de 1863, o impedimento era flagrado quando qualquer jogador em po-


sição de ataque estivesse à frente da linha da bola. Sendo assim, a progressão ao
ataque era muito lenta, sendo que o contato físico entre defensores e atacantes era
constante e evidente, vez que não havia possibilidade de lançamentos ou passes em
profundidade (TOLEDO, 2000).

E apesar da regra do impedimento ter sido alterada em 1866, nos jogos ainda
predominavam as estratégias anteriores, as correrias individuais com a posse de bola.

Trata-se da forma de jogar como resultado da interpretação do jogo da época.


O Futebol ainda era jogado com heranças táticas de outros jogos com bola –
como o Rugby, anteriormente mencionado – não tendo no toque de bola uma
preocupação marcante. Os Sistemas de Jogo estavam montados como um 1-2-7
ou um 2-2-6 (CUNHA et al., 2009).

Sobre o assunto, Toledo (2000) indica uma movimentação da dupla de zagueiros


russos, até meados da década de 1940, que consistia em proteger o companheiro
detentor da posse de bola a qualquer custo quando estivesse dentro da área, ou
seja, enquanto um zagueiro estivesse com a posse de bola dentro da própria área,
o outro buscava, a todo custo, usando força física explícita, impedir as investidas
dos atacantes para recuperar a posse de bola, até que a bola fosse rifada pelo seu
companheiro da grande área.

Repare que há uma clara utilização da estratégia de jogo muito próxima da que
é utilizada no Rugby, no qual o contato físico constante e intenso é permitido.

Entretanto, houve um ponto de evolução com o surgimento do Sistema de Jogo


conhecido como 2-3-5!

Figura 5 – Sistema de Jogo 2-3-5, conhecido como Pirâmide por causa


do formato da distribuição de jogadores no Campo

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Com o 2-3-5, apesar de ficar mantido o desequilíbrio entre defesa e ataque e de
não se romper de vez as corridas advindas do Rugby, há uma clara preocupação
em proporcionar linhas de passe entre os setores do Campo.

Os responsáveis por essa mudança foram os ingleses, que abdicaram de um


centroavante e recuaram um jogador da linha de ofensiva para formar um meio
campo com 3 jogadores.

Esse jogador recuado ficou conhecido como Centromédio e sua função era de
organizador, para ajudar na saída de bola e distribuir melhor os passes para os
jogadores de frente.

Figura 6 – Sistema de Jogo 2-3-5, conhecido como Pirâmide, por causa do formato
da distribuição de jogadores no Campo

Inicia-se, então, um momento de pensar o jogo de Futebol como um coletivo, e


não apenas como uma distribuição de jogadores em campo para, individualmente,
decidirem as jogadas.

A posição de Centromédio e sua preocupação em organizar o jogo começa a


dar ao Futebol necessidade de pensar o jogo como estratégias e táticas coletivas,
buscando a cooperação dos 11 jogadores em Campo.

Foi utilizando o 2-3-5 que a seleção do Uruguai se sagrou a primeira campeã de


uma Copa do Mundo, em 1930.

A equipe uruguaia marcou o mundo com uma maneira de entender o jogo que
ficou caracterizada como estilo sul-americano de Futebol, o jogo em espaços curtos
e com toque de bola e dribles.

A final foi contra a Argentina, que também atuou na formação 2-3-5, mais leve
e ágil como a dos uruguaios.

Entretanto, alguns anos antes, pensando em alterar a dinâmica do jogo, houve


uma modificação na regra do Impedimento, em 1924. E isso provocou mudanças
na forma como se pensava o jogo de Futebol.

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UNIDADE Desenvolvimento dos Sistemas de Jogo do Futebol

A partir dessa data, previam-se apenas 2 jogadores entre o atacante e a linha de


fundo, para não caracterizar o Impedimento (CUNHA et al., 2009).

Importante! Importante!

Sobre o ano da mudança da regra do Impedimento, existem sites e autores que apontam
1925, e não 1924, como citamos no material. Optamos pela última data conforme Cunha
et al. (2009); porém, sabe-se que as alterações começaram a valer no ano de 1925.

Com a mudança na regra do impedimento, em 1925, o jogador 9 que estaria


fora de jogo na Figura 7, passa a ter condição legal na Figura 8.

Já a Figura 9 ilustra que o atacante tem condição de Jogo quando está posicio-
nado na mesma linha ou atrás do penúltimo jogador de defesa.

Figura 7 – Impedimento antes de 1924

Figura 8 – Impedimento após 1924

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Figura 9 – Impedimento após 1991

Apesar de em 1991 ocorrer outra alteração na regra do Impedimento, que mu-


daria a relação de forças entre ataque e defesa, ao permitir condição de jogo aos
jogadores que estão na mesma linha do penúltimo jogador de defesa, podemos
entender que a alteração de 1924 foi mais profunda. A partir de então, houve a
necessidade de se pensar em outros Sistemas de Jogo, afinal a dinâmica de jogo
do Futebol se alterou.

Surgiu, então, o revolucionário WM.

WM: O Revolucionário Sistema de Herbert Chapman


Motivado pela alteração na regra do Impedimento, o inglês Herbert Chapman,
treinador do Arsenal, inovou ao dispor seus jogadores em campo num 3-2-2-3 ou
WM por desenhar duas letras, “W” com os jogadores de ataque e “M” com os jo-
gadores de defesa.

A preocupação do treinador inglês era equilibrar a distribuição de jogadores,


vez que a alteração na regra do Impedimento deu mais profundidade ao campo de
jogo, aumentando a distância entre os jogadores de ataque e de defesa.

Figura 10 – Sistema de Jogo 3-2-2-3, mais conhecido como WM

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UNIDADE Desenvolvimento dos Sistemas de Jogo do Futebol

Repare que na figura ilustrativa do WM há um equilíbrio claro entre jogadores de


ataque e de defesa. Há uma ocupação racional dos espaços do campo e por isso é
considerado o precursor de todos os Sistemas de Jogo.

O Arsenal de Chapman se tornou o Time mais vitorioso da Europa da década


de 1930, o que ajudou a consolidar o sucesso do Sistema. Assim, vários Times co-
meçaram a implementar o WM, reinando até aproximadamente a década de 1950.

Entretanto, contrariando as intenções iniciais da alteração da regra do Impedi-


mento (valorização e criação de linhas de passe), o Sistema de Chapman se baseava
em contra-ataques com foco no jogo dos pontas (wingers, jogadores mais velocistas
e individualistas), e não valorizava a troca de passes curtos.

Dessa forma, o WM também encontra variações do engessado Sistema de


Chapman e também convive com o 2-3-5, que ainda era utilizado por várias Equipes
no mundo, com diferentes peculiaridades.

Um dos exemplos de variação do WM é a Hungria da década de 1950, que


respeitou as características do Futebol húngaro e influenciou o mundo com a rein-
terpretação das ideias de Herbert Chapman.

Do WM Para O MM: A Hungria da Década de 1950


A Seleção húngara fez história no Futebol dos anos de 1950 por apresentar um
Futebol mais leve e técnico, conseguindo uma invencibilidade de 27 partidas (23
vitórias e 4 empates). Seu Futebol encantou a Europa e o mundo pela desenvoltura
do Time e as inovações táticas.

Os treinadores húngaros já eram reconhecidos pela capacidade de montar gran-


des equipes de alto nível, tanto que o Brasil importou alguns técnicos da Hungria
para treinar alguns dos principais times do país, desde os anos 1920.

Podemos citar Eugênio Medgyessy, treinador de Botafogo, Fluminense e São


Paulo, Izidor Kürschner, treinador do Flamengo, e talvez aquele que foi o mais rele-
vante deles Béla Guttmann, que treinou o São Paulo e teve grande influência na Se-
leção brasileira que conquistou a Copa do Mundo de 1958, como veremos adiante.

Os Mágicos Magiares, como ficou conhecida a Seleção húngara, eram treinados


por Gustav Sebes, que modificou o WM inglês para uma característica mais próxi-
ma ao Futebol húngaro, que não dispunha de centroavantes altos e de força física,
como preconizava Chapman.

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Sebes, influenciado por um estilo escocês de passes curtos, optou por um cen-
troavante com mais mobilidade e velocidade, que recuava até a zona de armação.

Quem fez essa função foi Hidegkuti, ao se juntar aos outros dois Armadores,
possibilitando abrir espaços para pontas e meias se infiltrarem na área.

Estava assim desenhado o MM, Sistema de grande mobilidade, que priorizava o


talento, o toque de bola e o jogo coletivo, em vez de velocidade e individualidade.

Figura 11 – Seleção da Hungria de 1954 reinterpretando o WM para um MM


(leitura do campo de ataque para o campo de defesa). Repare no recuo de Hidegkuti
para se juntar a Budai (Toth) e Czibor, formando uma linha de 3 armadores
Explor

Efeitos históricos da Seleção da Hungria. Disponível em: http://bit.ly/2IqjdcT.

Os dois centroavantes, Kocsis e Puskás, tinham grande mobilidade e não se


enquadravam em Atacantes grandes e fortes.

Puskás, o Major Galopante, é considerado um dos maiores jogadores de todos


os tempos, o principal nome do Time húngaro, e hoje dá nome ao prêmio da FIFA
do melhor gol do ano.
Explor

Vídeo sobre o grande jogador Ferenc Puskás. Disponível em: http://bit.ly/2VM6RyU

Apesar de não ter vencido nenhuma Copa do Mundo, os Mágicos Magiares fize-
ram história no Futebol como uma escola de grande riqueza tática e que influenciou
outras escolas de Futebol de outros países.

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UNIDADE Desenvolvimento dos Sistemas de Jogo do Futebol

Um desses países é o Brasil, e a seguir vamos entender um pouco como a Hun-


gria contribuiu para o Futebol brasileiro.

Influência Húngara: O Sistema de Jogo Diagonal e o 4-2-4


Como mencionado, os Técnicos húngaros desembarcaram no Brasil por conta
do reconhecimento do conhecimento tático capaz de treinar grandes Equipes, faci-
litados pela imigração causada pela Segunda Guerra Mundial.

Esse intercâmbio de Escolas de Futebol possibilitou que inovações táticas surgis-


sem e que as discussões sobre os conceitos de jogo ficassem acaloradas.

Nesse processo de inovações, podemos citar a contribuição do húngaro Izidor


Kurshner ou, como ficou conhecido no Brasil, Dori Kurshner, que se tornou treina-
dor do Flamengo no final da década de 1930.

Dori desembarcou no Rio de Janeiro em 1937, já reconhecido como um dos


melhores técnicos do mundo.

Seu conhecimento tático do Futebol teve influência direta de Jimmy Hogan,


mentor no Futebol da Europa Central, que foi seu treinador no MTK Hungria.

Você Sabia? Importante!

Jimmy Hogan é considerado o pai do Futebol moderno e do Futebol total. Suas convicções
sobre o Futebol influenciaram várias Escolas de Futebol, como a brasileira e a holandesa.
Hogan era crítico a um Futebol com ligações diretas e de rigidez táticas excessivas, como
era o Futebol inglês. Gustav Sebes, técnico da histórica Seleção húngara, foi treinado por
Hogan, o que o fez levar suas ideias para a formação dos Mágicos Magiares.

Como técnico do Flamengo, Kurschner teve a possibilidade de treinar Leônidas


da Silva, Fausto e Domingos da Guia, além de ter como auxiliar Flávio Costa.

Ele colocou na rotina dos treinamentos táticos a implementação do WM, Siste-


ma usual na Europa, mas não no Brasil, que permanecia no 2-3-5.

O trabalho de Dori frente ao rubro-negro não durou muito por conta de proble-
mas de relacionamento, do não domínio da Língua Portuguesa e da falta de títulos
no seu segundo ano como treinador. Porém, foi tempo suficiente para que Flávio
Costa assimilasse os métodos e os conhecimentos dele e, ao sucedê-lo no comando
do Flamengo, conquistasse o Tricampeonato carioca entre 1942 e 1944.

Dessa maneira, Flávio Costa tornou-se um expoente técnico brasileiro, ao imple-


mentar o WM, porém com algumas modificações do tradicional Sistema.

Costa, ao prestar atenção às características do jogador brasileiro, mais indiscipli-


nado para seguir a rigidez tática, desfez o quadrado do meio campo do tradicional
WM e posicionou um dos médios (volantes) mais perto da defesa e um Meia-arma-
dor mais próximo ao ataque.

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Figura 12 – Sistema de Jogo Diagonal elaborado pelo técnico Flávio Costa. Repare na alteração
do quadrado do meio campo para a formação de duas linhas diagonais

O Meia-armador mais avançado será conhecido como Ponta de lança e essa


posição fará muito sucesso no Futebol brasileiro, pois, geralmente, é o camisa 10
dos times.

Seu posicionamento funciona similar ao de Nándor Hidegkuti na histórica Sele-


ção húngara, que saía da posição de centroavante para se tornar um Meia, abrindo
espaços para a infiltração dos Pontas, além de se tornar um elemento surpresa
quando entrava na área.

Novamente, outra leitura do WM!

E foi jogando nesse WM em diagonal que a Seleção brasileira disputou a Copa


do Mundo de 1950, tendo Flávio Costa como treinador. Como já sabemos, o Brasil
perdeu a Copa do Mundo, porém, o legado tático estava estabelecido. O Sistema
de Jogo diagonal foi um embrião do que estava por vir, o 4-2-4.

Percebe-se que, a partir da década de 1950, o Sistema de Jogo WM começa a


perder sua hegemonia. As variações do tradicional Sistema começaram a se mos-
trar mais eficientes, fato que se vê no sucesso do Ponta de lança.

Assim, no Brasil, inicia-se uma transição para o 4-2-4 e, para isso, outro húngaro
tem papel fundamental; trata-se de Béla Guttmann.

Guttman, por conta das instabilidades político-sociais da Hungria do pós-Guerra,


rodou por diversos países como treinador de Futebol. Chegou a ser técnico do
Milan, da Itália, e também do Benfica, de Portugal.

Em sua passagem no Brasil, veio como treinador da histórica Equipe húngara,


o Honved, a base dos Mágicos Magiares, numa excursão contra Botafogo e
Flamengo, no Rio de Janeiro, em 1957.

Porém, depois da excursão, Guttman ficou no Brasil e foi contratado pelo São
Paulo para treinar a Equipe de grande investimento, com grandes jogadores como
Zizinho, Gino, Maurinho, Amauri e Canhoteiro.

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UNIDADE Desenvolvimento dos Sistemas de Jogo do Futebol

O treinador húngaro trouxe para o Brasil as convicções e os conhecimentos


táticos muito presentes na Seleção da Hungria de 1954, o que ajudou a criar pos-
sibilidades para o Futebol brasileiro, que vivia de WM e da Diagonal.

Guttman conhecia bem as vantagens de um armador próximo do Centroavante


e também convivia com o recuo dos Médios para proteger os Zagueiros do Sistema
de Flávio Costa.

Sendo assim, o tricolor paulista começou a atuar num 4-2-4 com a cara de Béla
Guttmanm, que foi bem aprendido por seu assistente, Vicente Feola, o treinador da
Seleção brasileira na Copa de 1958.

Então, foi assim que a Seleção brasileira esboçou o seu 4-2-4 na Copa do Mundo
da Suécia, pois seu treinador havia aprendido os princípios do Sistema tático que
Guttman tinha na cabeça ao estar diretamente ligado ao time que Puskás liderou e
fez história em 1954.

Entretanto, note que o WM Diagonal de Flávio Costa já era um Sistema embrio-


nário do 4-2-4, com o recuo do Médio-volante, para o que é hoje conhecido como
Quarto zagueiro e o Meia armador se tornando Ponta de lança.

Figura 13 – Seleção brasileira campeã da Copa do Mundo de 1958, jogando no 4-2-4

A Seleção brasileira de 1958, em seu 4-2-4, teve algumas peculiaridades, como


o recuo por conta própria de Zagallo, fechando mais o meio-campo e muitas vezes
desenhando um 4-3-3, Didi como Armador, Garrincha como Ponta-direita e Pelé
consagrando a camisa 10 como de Ponta de lança.

Desde então, o peso da camisa 10 ficou para o Ponta de lança, sendo em alguns
momentos mais Armador e em alguns momentos mais ofensivo, como foi o caso
de Pelé e de Zico, emblemáticos camisas 10 da Seleção brasileira.

O Time de 1958 tinha grandes talentos, mas a formação com Pelé e Garrincha
só veio no terceiro jogo, contra a União Soviética. Assim, Feola teve os méritos de
organizar os talentos para o Time funcionar.

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Seleção Brasileira e seus Sistemas de Jogo:
Apontamentos Finais
Como você percebeu, a forma de jogar de um time, de uma seleção, não se trata
de uma imposição de regras ou de seguir preceitos de uma cartilha.

Não existe um Sistema de Jogo melhor que o outro. A formação de um time é


fruto de intensas negociações, muitas vezes simbólicas, ao valorizar determinada
característica física ou habilidade e, ao contar cada história, percebe-se a riqueza de
detalhe na montagem de Equipes.

Muito pouco se pode afirmar sobre existir um consenso na forma de entender


a ideia de jogo de cada equipe. Isso pode variar de acordo com a interpretação de
cada leitor.

Por exemplo, Coelho (2014) entende que a Hungria de 1954 já jogava no 4-2-4
por conta do posicionamento de Zakarias mais próximo a defesa e do retorno de
Hidegkuti ao meio-campo como Armador.

Entretanto, o mesmo autor aponta o Brasil de 1958 no 4-2-4, mas existem


versões que defendem que a Seleção brasileira já jogava no 4-3-3, por conta do po-
sicionamento de Zagallo, que recuava da linha de ataque e fechava o meio-campo.

No caso, neste Material, vamos entender a evolução dos desenhos táticos como
um processo de construção de conhecimento e, como dito, uma negociação inten-
sa acerca das convicções e dos embates simbólicos.

Veja uma matéria do Jornal Folha de São Paulo sobre a forma como jogavam as Seleções
Explor

brasileiras campeãs do mundo. Repare que o Brasil de 1958 é colocado num 4-3-3. Disponível
em: http://bit.ly/2IndFQx

Sendo assim, o posicionamento de Zagallo foi decorrente da leitura de jogo do


jogador que, por conta própria, decidiu povoar o meio campo.

E a Hungria de 1954 se aproximou de um 4-2-4, mas era um WM mais fluído,


que respeitava as características e a inteligência dos seus jogadores.

Entendemos que a Seleção brasileira jogou no 4-3-3, em 1970, quando Zagallo,


agora Técnico, alterou o Time para possibilitar que jogassem juntos tantos craques.

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UNIDADE Desenvolvimento dos Sistemas de Jogo do Futebol

Figura 14 – 4-3-3 – Sistema de Jogo da Seleção de 1970, tendo nos Meio campistas
liberdade para atacar, principalmente Rivellino, que saía do meio para ocupar a ponta-esquerda

O estilo de Futebol ofensivo e com forma de jogar valorizando a criatividade de


seus jogadores foi marca das grandes Seleções brasileiras. Um Futebol capaz de
envolver e encantar pela capacidade de ser competitivo e cheio de dribles, passes
geniais e um ótimo toque de bola.

Claro que o Brasil não foi hegemônico, conviveu com outras grandes Seleções
no mundo inteiro. Mas a personificação de um grande Time brasileiro foi a Seleção
de 1982. Reunia tudo que se espera de uma Seleção brasileira: talentos, dribles,
linhas de passe e um grande jogo coletivo.

Figura 15 – Jogando num 4-2-2-2, a Seleção de 1982 encantou o mundo,


apesar da derrota em Sarriá

Porém, o grande Futebol não foi suficiente para ganhar a Copa do Mundo da
Espanha, sendo eliminada pela Itália de Paolo Rossi, que marcou 3 gols no fatídico
5 de julho de 1982.

A partir de então, começou a busca pelo culpado da derrota de uma das melho-
res seleções de todos os tempos.

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O técnico Josep Guardiola, em entrevista, declarou que a Seleção brasileira de 1982 foi ‘‘A
Explor

seleção mais maravilhosa que existiu’’. Acesse a entrevista em: http://bit.ly/2IndFQx

A discussão sobre a forma de jogar do Time já acontecia antes da derrota. Por


exemplo, um famoso personagem de Jô Soares popularizou um bordão de crítica
ao jogo estabelecido pelo técnico Telê Santana. Zé Galera, personagem do humo-
rista, repetia “Bota Ponta, Telê!”.

De fato, o Time de 1982 não tinha Ponta. Os Meias Zico e Sócrates revezavam
pela ponta-direita, mas ambos não tinham as características necessárias da posição.

Na esquerda, era Éder quem ocupava o espaço; porém, sua especialidade


eram os chutes de perna esquerda, o que fazia o jogador buscar mais a faixa
central do Campo.

Quem fazia o jogo pelos lados eram os laterais do Flamengo, Júnior e Leandro.
Grandes laterais ofensivos, sempre apoiavam o jogo pelos flancos. Entretanto, a
consequência era desprotegerem a linha de defesa, com Oscar e Luizinho.

Com a derrota, o Brasil estava eliminado da Copa, mas o Time comandado por
Telê Santana entrou para história do Futebol, assim como a Hungria de 1954 e Ho-
landa de 1974, que encantaram o Planeta com um grande jogo, mas não ganharam
a Copa do Mundo.

Talvez uma das consequências da derrota de Sarriá tenha sido o questionamento


do bonito jogo no Brasil. Passamos a nos perguntar de que adiantava ter um jogo
bonito e ser derrotado.

O que é melhor, ter um Time com vocação ofensiva ou um time pragmático?

Não é possível afirmar que optamos por um ou por outro. De fato, historicamen-
te, o Futebol brasileiro valoriza um estilo de jogo que permite o drible, um jogo de
criatividade que permite o drible, um jogo de criatividade, mais do que um Futebol
de imposição física e disciplinado.

Toledo (2000) lembra que, na década de 1930, o Futebol brasileiro temia enfrentar
adversários que utilizam a charge, o famoso esbarrão ou jogo de corpo mais duro.

No Brasil, esse tipo de jogada era interpretada como faltosa, o que não acontecia
em embates internacionais. Porém, isso fez estimular no Brasil um tipo de técnica
corporal para desvencilhar do adversário, manejando a bola e evitando o contado
corporal direto. E isso ajudou a firmar um jeito brasileiro de jogar Futebol.

Entretanto, não podemos negar que, depois de 1982, imperou como Técnico da
Seleção brasileira um perfil mais pragmático e de “Escola gaúcha”, conhecido por

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UNIDADE Desenvolvimento dos Sistemas de Jogo do Futebol

ser linha dura, com grande preocupação defensiva e mais preocupado em vencer
do que em jogar bonito, um estilo de jogo mais próximo do europeu.

Apesar de não ser gaúcho, Carlos Alberto Parreira teve sucesso à frente da
Seleção brasileira como treinador ao vencer a Copa do Mundo de 1994, com um
Futebol antônimo ao de 1982.

Mas nem tanto!

A seleção de 1994 gostava da posse de bola, trocava muitos passes, mas dava a
impressão de um jogo chato, porque faltava mais infiltração, passes em profundi-
dade, isto é, mais agressividade quando tinha a posse de bola. Foi taxado como um
Futebol excessivamente defensivista e com cara europeia.

Figura 16 – Seleção brasileira campeã de 1994, atuando num 4-4-2

Liderado pelo capitão Dunga (gaúcho que viria a se tornar Técnico da Seleção
brasileira na Copa de 2010) e pelo craque Romário, o Brasil, com seu Futebol mais
pragmático, venceu a Itália na decisão por pênaltis, 3x2, depois de jogarem os 90
mais a prorrogação sem abrirem o placar.

Em 2002, o Técnico da vez foi Luiz Felipe Scolari. Assumiu o cargo de Técnico
da Seleção brasileira um ano antes da Copa do Mundo no Japão e na Coreia do
Sul, por seu histórico nos Clubes brasileiros Grêmio, Palmeiras e Cruzeiro, nos
quais ficou conhecido como “Rei das Copas” por vencer torneios como Copa do
Brasil e Libertadores.

Nos Clubes em que passou, Felipão, como é conhecido, treinou suas Equipes
para um Futebol pragmático e competitivo. E foi por esse Futebol que Scolari che-
gou à Seleção brasileira.

Não foi fácil. Felipão testou vários jogadores e várias formações até chegar apro-
ximadamente a um 3-4-2-1. Escalou três Zagueiros para dar liberdade ao trio ofen-
sivo formado pelos talentosíssimos Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo.

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E foi assim que a Seleção brasileira conseguiu vencer a Copa do Mundo de
2002, sem o encanto de 1982, sem sofrer com o excesso de cautela de 1994 e
conquistando sete vitórias em sete jogos, mais o artilheiro da Copa, Ronaldo, com
8 gols.

Figura 17 – Seleção Brasileira campeã de 1994, atuando num 4-4-2

Assim, contando um pouco sobre a história dos Sistemas de Jogo de algumas


Seleções, principalmente a Seleção brasileira, entende-se que as formas de jogar
não são aleatórias, são pensadas, discutidas, negociadas e passam por um processo
de validação com imprensa e torcida, entre outros fatores.

O Futebol tem apenas 2 posições impostas pela regra: o Goleiro e 10 jogadores


de linha; mas em que lugar esses 10 jogadores irão se posicionar, são histórias que
valem à pena conhecer.

Afinal, Futebol não são 22 jogadores correndo atrás de uma bola!

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UNIDADE Desenvolvimento dos Sistemas de Jogo do Futebol

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Vídeos
Entenda de Maneira Resumida a Evolução dos Esquemas Táticos
https://youtu.be/FZ4Sb82myi0

 Leitura
A Gênese do 4-2-4 e a Moldura de nossa Escola, Parte I
Matéria excelente para compreender a origem do 4-2-4.
http://bit.ly/2VbSkPI
Entendendo as Primeiras Táticas do Futebol
http://bit.ly/2UHP9jx
Abordagem Sistêmica do Jogo de Futebol: Moda ou Necessidade?
GARGANTA, Júlio; GRÉHAIGNE, Jean Francis. Abordagem sistêmica do jogo de
Futebol: moda ou necessidade? Movimento (ESEFID/UFRGS), Porto Alegre, v. 5, n.
10, p. 40-50, out. 2007.
http://bit.ly/2IrM68D

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Referências
COELHO, Paulo Vinícius. Tática mente: história das copas explicada pelas cabeças
e pranchetas dos treinadores. São Paulo: Panda Books, 2014.

CUNHA, S. A. et al. Futebol: aspectos multidisciplinares ensino e treinamento.


Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. (Educação física no ensino superior)
(E-Book).

TOLEDO, Luiz Henrique de. No país do Futebol. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

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