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calculada de seus elementos, de seus gestos , de seus comportamentos. O corpo humano entra
1. Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação
Foucault de "poder disciplinar'', característico de uma forma específica de formal que leva à homogeneidade entre os indivíduos, mas ao mesmo tempo
dominação. Ou sej a, com o desaparecimento dos suplícios entre 1 830 e 1 �8, introduz-se a gradação das diferenças individuais, permitindo a medição dos
esse poder atua não mais diretamente n o sofrimento fisico, mas no adestramento "desvios" em relação ao indivíduo-padrão proposto pela norma e tomando úteis
paixões dos indivíduos . Em lugar dos carrascos, surge uma tecnologia nova de O corretivo para a redução dos "desvios" dar-se-ia pela aplicação do castigo
controle, ativada por guardas, médicos, capelães, psiquiatras, psicólogos, disciplinar. As punições são muito mais da ordem do exercício, do aprendizado
educadores.
intensificado, multiplicado, repetido, do que a vingança da lei ultrajada.8 Na escola,
Demonstrei neste trabalho como a análise do autor com relação às assim como nas fábricas, no exército, na prisão, a repressão exerce-se por meio
instituições carcerárias as aproxima das escolares de hoje. Foucault dá-nos de micropenalidades, que dizem respeito aos desvios quanto a:
referências que permitem analisar a escola como o lugar onde o poder disciplinar
produz saber, mantém-se, é aceito e pratic ado por todos os membros da tempo: atrasos, ausências, interrupções das tarefas ;
instituição escolar, desde a figura do diretor até a dos alunos . Podemos afirmar
que na escola, assim como na prisão, a disciplina recompensa, pelo j ogo das
maneira de ser: grosseria, desobediência;
e degradando.4 Essa "penalidade hierarquizante" tem dois efeito s : "distribuir corpo : suj eira, gestos não conformes;
os alunos segundo suas aptidões e comportamentos , portanto segundo o uso sexualidade: imodéstia, indecência. 9
que se poderá fazer deles quando saírem da escola; exercer sobre os alunos
uma pressão constante para que se submetam todos ao mesmo modelo, para
à atenção nos
A coerção visa muito mais aos processos da atividade escolar do que o
que sejam obrigados todos j untos à subordinação, à docilidade,
seu resultado e exerce-se de acordo com uma codificação que esquadrinha o
estudos e nos exercícios e à exata prática dos deveres e de todas as partes da
tempo, o espaço, os movimentos dos estudantes .
disciplina. Para que todos se pareçam" . 5• 6
O sistema operante n o treinamento escolar é o da gratificação-sanção. 1 0
As disciplinas produziram um novo sistema punitivo e fez funcionar
O comportamento cai no campo das boas e más notas, dos bons e dos maus
novos mecanismos de sanção normalizadora. O normal estabelece-se como
p ontos . Os aparelhos disciplinares hierarquizam os "bons" e o s "maus"
princípio de coerção e com ele o poder de regulamentação. Daí Foucault referir
à produção da "penalidade da norma" pelos dispositivos disciplinares,
indivíduos. A disciplina, ao sancionar os atos, avalia o s indivíduos "com
se
v erdade " ; a penalidade que ela põe em execução integra-se no ciclo de
estabelecendo no ensino a organização de um corpo técnico capaz de fazer
conhecimento dos indivíduos . 1 1
A partir deste capítulo, alguns d o s desenhos feitos por alunos de t • a 4 ª série s erão aqui
5. Ibidem, p . 1 6 3 .
6.
inseridos com o obj etivo de ilustrar aspectos da teoria foucaultiana, do Idac e os depoimentos
7. Michel Foucault, Vigiar e punir, p . 1 64.
mais significativos dos alunos d e S egundo Grau e os de 5• a 8• série do Primeiro Grau. Por
8. Ibidem, pp. 1 60- 1 6 1 .
questão de sigilo, os nomes dos alunos e das escolas pesquisadas não serão mencionados.
1 O.
9. Ibidem, p . 1 5 9 .
Quanto às nomenclaturas referentes ao Ensino de Primeiro e Segundo Graus, ver nota 3 da
Ibidem, p . 1 6 1 .
Introdução.
11. Ibidem, p . 1 62 .
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Desenho 1 Escola nº 1 1, 4ª série
Esse trab alho s obre o corpo produz o que Foucault denomina uma
1 4.
13. Ibidem, p . 1 26 .
filas, pelas tarefas , provas, sucessão de assuntos. Os lugares individuais tomam
Michel Foucault, op. cít. , p.
Aqui o autor fala cm minúcia das regularidades, de uma anatomia política do detalhe (ver
Ibidem, p . 1 3 1 .
1 6.
1 7. Ibidem, p . 1 85 . 18.
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O espaço serial transfonnou o espaço escolar numa "máquina de ensinar,
mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar" . 1 9
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por atividades determinadas, segundo um ritmo que acelere o processo de
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outra. Temos aqui o corpo do exercício, do treinamento útil, manipulado pela
autoridade. E esse c orpo , tornando-se alvo de novos mecanismos de poder,
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controle, vigilância, oferece-se a novas formas de s ab er.
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rw• Michel Foucault, op. cit.
� 1 9.
20. Ibidem, p. 135.
p. 1 3 4 .
� Ibidem, p . 1 40 .
Desenho 4 Escola nº 2, 1 ª série
21.
- 22. Ibidem, p . 1 42 .
do tempo em seqüências, separadas e aj ustadas . Essas seqüências são organizadas possibilitam a gênese dos indivíduos e conseqüentemente sua caracterização,
numa sucessão de elementos dos mais simples aos mais complexos, sendo fixado s ej a em relação a um estado final, a outros indivíduos, ou a um tipo de percurso.27
um termo final marcado por uma prova que indica e diferencia a capacid cM' e de
D) Combinatória ou a Composição das forças
aprendizagem de cada indivíduo .23 _
A disciplina também é a arte de compor forças para obter um aparelho
O tempo disciplinar impõe-se à prática pedagógica organizando as séries
eficiente. Primeiramente o corpo é reduzido a sua funcionalidade. O que define
separadas umas das outras por provas graduadas, especificando programas e
o c orpo é o lugar que ele ocupa, a sua regularidade, a ordem com que opera.
exercícios de dificuldade crescente, "qualificando os indivíduos de acordo com
S egundo, o tempo de uns deve ajustar-se ao tempo de outros , extraindo-se a
a maneira como percorreram essas séries"24 (ver desenho n2 5).
máxima quantidade de forças de cada um e combinando-as num ótimo resultado
(ver desenho n2 6).
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Desenho 5 - Escola nº 7, 3ª série
Ibidem, p.
p alavras , nenhuma explicação, silêncio total só interrompido por s inais : sinos,
Ibidem, p. 1 44 .
23. 143.
palmas, gestos, olhares dos mestres . O aluno deverá aprender o código dos
Ibidem, p. 1 45 .
24.
Ibidem , p . 1 45 .
25.
27. Ibidem, p.
26.
145.
11
um tipo específico de saber sobre o homem. Na escola, o controle das mínimas
parcelas da vida e do corpo dos estudantes, por meio das práticas disciplinares,
oferece todo um conj unto de saber, de dados, de receitas que permitem o controle
e utilização dos indivíduos que configuram o ambiente escolar.29
1
vigilância e no de c onhecimento de c ada aluno, de seu comportamento,
disposições e progressivas melhoras. Isso implica: manter os alunos sob um
olhar permanente e registrar, contabilizar todas as observações e anotações sobre
eles, trabalho esse que permite anotar os desempenhos (boletins individuais,
modelos uniformes, em que se inscrevem observações sobre cada um), perceber
aptidões, estabelecer classificações rigorosas consideradas em relação a uma
evolução "normal", distinguindo o que é "preguiça e teimosia" do que é
"imbecilidade incurável".3º Vemos então como a vigilância está inserida na
essência da prática do ensino. Não é mais necessário recorrer à força para obrigar
o escolar à aplicação, o essencial é que o aluno, assim como o detento, se .saiba Desenho 7 - Escola nº 2, 4ª série
vigiado : "ele nunca deve saber se está sendo observado, mas deve ter certeza
de que sempre pode sê-lo".3 1 Esse processo acaba automatizando o poder, pouco
. importando quem o exerça (ver desenho n2 8).
Na escola, ser observado, olhado, contado detalhadamente, passa a ser
um m e i o de c o n tr o l e , de domina ç ã o , um m é t o d o p ara d o c um e ntar
individualidades. A criação desse campo documentário permitiu a entrada do
indivíduo no campo do saber e conseqüentemente um novo tipo de poder recaiu
sobre os corpos dos suj eitos em situação escolar.
Ibidem, pp. 1 79 e 22 1 .
29.
3 4 Papirus Editora
Vigilância, punição e depredação escolar 35
l
Os domínios do saber formaram-se, portanto, a partir das práticas políticas informações referentes a suas aptidões, suas capacidades, sua evoh:ção, s eus
disciplinares e a vigilância é o suporte básico dessas práticas. desvios. Todo esse conhecimento sobre o aluno é que tomará a escola local
' -f de elaboração da pedagogia. O exame, portanto, supõe um mecanismo que liga
o
35. Ibidem, p . 1 66 .
36. Ibidem, p . 1 68 .
37. Segundo o professor Maurício Tragtenberg, os exames dissimulam a exclusão em massa, uma
32. Ibidem, p. 1 5 8 . vez que o povo já está excluído da escola. Eu diria que, mesmo assim, os exames oferecem as
33. Ibidem , p. 2 1 4. poss ibilidades apontadas por Foucault, pois, por meio desse s imulacro , a escola tem um
34. Ibidem, p . 1 6 5 . instrumento a mais para qualificar, hierarquizar, punir alunos.
(. . .) na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas
os treinamentos, a vigilância dominam os movimentos de massa, disciplinando
42. "
os e neutralizando os efeitos de contrapoder que nascem da disciplina.40 Além que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma
disso, Foucault leva-nos a entender que, como o detento, o estudante é induzido
correspondendo às janelas da torre, outra que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela
atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas j anelas, uma para o interior,
Ibidem, p . 265 .
3 8.
se une à operação política que dissocia as ilegalidades e delas isola a delinqüência. A prisão
horizonte de conhecimento possível. Ora, nesse processo de constituição a delinqüência-objeto
Ibidem, p. 1 9 3 .
39.
Ibidem, p. 1 77 .
40. ·
é o elo desses do is mecanismos; permite-lhes se reforçarem perpetuamente um ao outro,
41. objetivar a delinqüência por trás da infração, consolidar a delinqüência no movimento das
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discriminando o s bons dos maus, os comportados dos indóceis, os inteligentes
dos menos dotados . A escola atual cria, com suas práticas pedagógicas, a
possibilidade de esquadrinhar comportamentos , efetuando-se sobre eles uma
vigilância constante.
ilegalídades" (Michel Foucault, op. cit. , pp. 243 -244). "A delinqüência, esse outro mundo,
perigoso e muitas vezes hostil, bloqueia ou ao menos mantém a um nível bastante baixo as
245).
práticas ilegais correntes (pequenos roubos, pequenas violências, recusas ou desvios cotidianos
mas antes a distingui-las, a distribuí-las, a utilizá-las" (Michel Foucault, op. cit. , p . 240). "O
44. " ( . . . ) a prisão e , d e u m a maneira.geral, os castigos n ã o se destinam a suprimir as infrações;
atestado de que a prisão fracassa em reduzir os crimes deve ser substituído pela hipótese de
ou economicamente menos perigosa, talvez até util izável de il egalidade ( ... ) A penalidade de
que a prisão conseguiu muito bem produzir a delinqüência, tipo especificado, forma política
detenção fabricaria ( . . . ) uma ilegalidade fechada, separada e útil", sendo possível controlá
"É possível além disso orientar essa delinqüência f��hada em si mesma para as fonnas
Ja, "localizando os indivíduos, infiltrando-se no grupo, organizando a delação mútua" (ibidem,
j
p. 244).
de ilegalidade que são menos perigosas ( . . . ) os delinqüentes se atiram fatalmente a uma
40 Papirus Editora
Vigilância, p u nição e depredação escolar 41
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