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CANÇADO, M. Manual de Semântica: noções básicas e exercícios.

Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2005, p. 33-39/132-138.

Fichamento

por Naira de Almeida Velozo

Nesta seção, retomam-se duas noções de implicações ou inferências:


pressuposições e implicaturas conversacionais fundamentais para a análise do corpus.
A pragmática estuda os usos situados da língua e lida com certos tipos de efeitos
intencionais;
Ilari & Geraldi (1987, p.76, apud CANÇADO, 2005, p.33) afirmam que “em
algum sentido as pressuposições não fazem parte do conteúdo assertado; entretanto, é
preciso salientar que no processo pelo qual somos levados a compreender um conteúdo
pressuposto, a estrutura linguística nos oferece todos os elementos que nos permitem
derivá-lo”. Logo, a pressuposição é entendida como uma relação semântico-pragmática.
A pressuposição é um conhecimento compartilhado por falante e ouvinte, prévio
à sentença proferida, ainda que seja desencadeado a partir desta.
Frege (1892, apud CANÇADO, 2005, p.33) observa que existe um tipo de
conteúdo em certas sentenças que não é afetado quando essas são negadas ou são postas
em uma forma interrogativa ou mesmo como uma condicional antecedendo outra
sentença. Por exemplo:

a. José emprestou o carro dele para Pedro.


a’. Não é verdade que José emprestou o carro dele para Pedro.
a’’. José emprestou o carro dele para Pedro.
a’’’. Se José emprestou o carro dele para Pedro, Pedro deve estar contente.

Nessas sentenças, o fato de o carro pertencer a José permanece inalterado. Pode-


se afirmar, portanto, que as orações afirmativa, negativa, interrogativa e condicional,
ditas família de uma sentença, com o verbo emprestar compartilham um tipo específico
de conteúdo. A esse conteúdo compartilhado, Frege deu o nome de pressuposição.
Dessa forma, as sentenças acima pressupõem a sentença o carro pertence a José.
Cançado (2005, p.35) define pressuposição da seguinte forma: “a sentença (a)
pressupõe a sentença (b), se, e somente se, a sentença (a), assim como também os outros
membros da família da sentença (a) tomarem a sentença (b) como verdade”.
Observa-se abaixo uma aplicação dessa definição aos exemplos a seguir:
a. Maria sabe que Pedro tem o costume de dormir na aula.
b. Pedro tem o costume de dormir na aula.

A partir da explicitação da família da sentença (a), verifica-se que a família de


(a) toma a sentença (b) como verdade. Como se observa a seguir:

a. Maria sabe que Pedro tem o costume de dormir na aula.


a’. Maria não sabe que Pedro tem o costume de dormir na aula.
a’’. Maria sabe que Pedro tem o costume de dormir na aula?
a’’’. Se Maria sabe que Pedro tem o costume de dormir na aula,...
b. Pedro tem o costume de dormir na aula.

Nesse exemplo, (a) pressupõe (b), pois toda a família de (a) toma (b) como
verdade.
Certamente, o falante não é ingênuo ao escolher usar uma expressão
desencadeadora de pressuposição. Portanto, ele opta por tais expressões por dois
motivos: confia na verdade de uma sentença (b), conhece previamente (b); ou quer
direcionar a conversa, fazendo o ouvinte criar certa expectativa em relação a (b).
É importante ressaltar que, uma vez que a pressuposição é um mecanismo de
atuação no discurso, o que é tomado como verdade pode ser anulado, como se verifica a
seguir:

a. Não foi a Maria que tirou nota boa em semântica.


b. Alguém tirou nota boa em semântica.
c. Na verdade, ninguém tirou nota boa em semântica.

Observa-se que o acréscimo de informação em C anula a pressuposição B.


Outra forma de inferência atuante no discurso são as implicaturas
conversacionais.
O ouvinte participa ativamente na construção do significado do que ouve,
preenchendo lacunas que o falante deixa em seu discurso. Assim, este se sente livre para
simplesmente sugerir a ideia, em vez de dizê-la literalmente, ou seja, o falante confina
nas inferências do ouvinte, como se verifica nos exemplos a seguir (CANÇADO, 2005,
p. 133):

1) a. Você deu o dinheiro para a Maria?


b. Eu estou esperando ela chegar.
Informação não dada por (B) que deve ser inferida por (A): (B) não deu o
dinheiro.

2) a. Você leu o texto para o seminário?


b. Eu pretendo.
Informação não dada por (B) que deve ser inferida por (A): (B) não leu o
texto.

Grice (1975, 1978 apud CANÇADO, 2005, p.134) afirma que “as implicaturas
conversacionais podem ser previstas por um princípio de cooperação entre os falantes.
Esse princípio tem regras que explicita o acordo mútuo existente entre os participantes
de uma conversação.”. Para o autor, os participantes de uma conversação sempre são
cooperativos, uma vez que sua contribuição para a conversa é adequada aos objetivos
desta.
O princípio de cooperação pode ser entendido como um princípio de economia
ou de menor esforço do ato comunicativo. A realização linguística desse princípio se
efetiva por meio das normas ou máximas, como se verifica a seguir (Máximas de Grice,
adaptado de Saeed, 1997, p.193 apud CANÇADO, 2005, p.134):

1. Máxima da Qualidade: tente fazer da sua contribuição uma verdade, ou seja, não
diga o que você acredita que seja falso, ou não diga nada sobre o que você não
tenha evidências adequadas;

2. Máxima da Quantidade: faça a sua contribuição tão informativa quanto


necessário para o objetivo da comunicação, nem mais nem menos informativa;

3. Máxima da Relevância: faça com que suas contribuições sejam relevantes;

4. Máxima do Modo: seja claro e, especificamente, evite ambiguidades, evite


obscuridades, seja breve e seja ordenado.

Essas máximas funcionam como um guia de orientação para o ato comunicativo,


porém, às vezes, uma ou mais máximas não são respeitadas, e o falante pode ou não ter
consciência disso. Se não fosse respeitada a máxima da relevância, por exemplo, os
diálogos seriam uma sucessão de falas desconexas, com se observa a seguir
(CANÇADO, 2005, p.135):
A: Você já almoçou?
B: Realmente eu vendo carros.

As máximas auxiliam o ouvinte a chegar a algumas inferências. O exemplo a


seguir também envolve a máxima da relevância (CANÇADO, 2005, p.135):

A: Você vai à festa hoje à noite?


B: Puxa! Estou com uma gripe de matar.
Implicatura: (B) não vai à festa.

Para analisar o exemplo acima, (A) acredita que a informação de (B) é relevante
para a resposta de sua pergunta e, assim, pode inferir que a resposta é negativa. Se o
falante não acreditasse na relevância da fala de (B), não teria como associar as duas
sentenças em um diálogo coerente.
Além de possibilitar a criação da coerência, a máxima da relevância pode operar
quando o propósito é desviar-se de um tópico da conversa, como no exemplo abaixo
(CANÇADO, 2005, p.135):

A: Vocês fizeram os exercícios pedidos?


B: Puxa, está um sol terrível lá fora.
Implicatura: os falantes de (B) não fizeram os exercícios.

Quem escuta um diálogo como esse tem duas opções: imagina que o falante (B)
não está conectado ao seu interlocutor; ou imagina que a resposta de (B) é relevante de
alguma maneira para a pergunta de (A) e faz uma implicatura, como eles não fizeram os
exercícios e estão desviando a conversa.
O exemplo abaixo mostra como a máxima da quantidade opera na conversa
(CANÇADO, 2005, p.135):

A: Você fez todos os exercícios pedidos?


B: Eu fiz alguns.
Implicatura: (B) não fez todos os exercícios.
Segundo a ótica da semântica formal, no par pergunta/resposta, o falante poderia
ter feito todos os exercícios, pois quem fez todos, fez alguns. Contudo, observando-se a
máxima da quantidade, infere-se que (B) não diria eu fiz alguns se tivesse feito todos os
exercícios.
A interpretação de implicaturas, em geral, segue as máximas conversacionais,
mas estas podem e são frequentemente violadas. Muitas vezes, o falante identifica que
uma máxima foi desconsiderada de maneira intencional. Para lidar com esses desvios
dos princípios cooperativos, o ouvinte tem duas alternativas, conforma observa Cançado
(2005, p.136):

A primeira é alertar seu interlocutor de que ele está desobedecendo às


máximas, dizendo: “você é um mentiroso”, ou “isso é irrelevante”, ou
“você está dando mais informações que as necessárias”. Ou o ouvinte
pode escolher uma segunda alternativa, que quase sempre é a preferida:
supõe que o falante está observando o princípio cooperativo e, como o
está violando, ele quer transmitir alguma informação extra que está de
acordo com o princípio; além do mais, o ouvinte supõe que o falante sabe
que ele, ouvinte, pode entender essa informação extra.

Para esclarecer melhor o funcionamento dessa segunda alternativa na conversa,


Cançado (2005, p.136) retoma um exemplo de Grice em que um professor, a quem
pediram referências sobre um ex-aluno que se candidatara a um cargo de professor de
filosofia, responde da seguinte maneira: “Prezado Senhor, o domínio que Paulo tem da
língua portuguesa é excelente, e ele sempre compareceu regularmente às aulas”.
Nessa resposta, o professor viola as máximas de quantidade e de relevância, ou
seja, não fornece as informações necessárias e acrescenta outras que não eram
relevantes para a pergunta. O destinatário da carta certamente inferiu que o professor
violou as máximas do princípio cooperativo por querer transmitir alguma informação
não explícita: a informação de que Paulo não é adequado para o cargo. A partir do
momento em que essa implicação é formulada, a carta deixa de violar o Princípio da
Cooperação, pois a implicação é a verdadeira mensagem do professor.
Cançado (2005, p.137) resume algumas características típicas das implicaturas
conversacionais:

1) Dependem de assumirmos que existe um princípio cooperativo e suas máximas;


2) Não são partes do significado dos itens lexicais, já que muitas delas dependem
de um conhecimento do significado convencional da sentença;
3) Um proferimento pode ter mais de uma implicatura, como se verifica o exemplo
abaixo em que a fala de (A) pode ser entendida como um pedido ou uma
constatação:

A: Esqueci minha caneta lá em cima!


B: Eu pego pra você.
C: Puxa! Que pena!

4) A compreensão de uma implicatura dependerá das suposições sobre o mundo


que o falante e o ouvinte têm em comum.
5) As implicaturas sempre têm uma natureza cancelável, ou seja, se adicionarmos
outras informações, poderemos cancelar a implicatura, sem que sejamos
contraditórios. Por exemplo:

A: Você vai à festa hoje à noite?


B: Puxa! Estou com uma gripe de matar.
A: Então você não vai?
B: Não! Eu vou assim mesmo.

Conforme as imposições da análise serão tecidos maiores comentários sobre


expressões desencadeadoras de pressuposição e sobre implicaturas conversacionais, e
acrescidas à fundamentação considerações acerca das teorias de face e polidez.

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