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Resumo
O presente trabalho, desenvolvido no II SINEL (Seminário Internacional de Estudos Literários) da URI
(Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões) em Frederico Westphalen, RS,
desenvolve questões acerca de memória, tempo e literatura. Busca ilustrar relações entre o fenômeno
do esquecimento e da lembrança através de incursões narrativas nas obras de Borges e García
Márquez, entre outros. Sugere ainda considerar a memória como território móvel, responsável, também,
por arraigamento e deslocamento do indivíduo.
Resumen
Este trabajo se desarrolló en el SINEL II (Seminario Internacional de Estudios Literarios) de la URI
(Universidad Regional Integrada del Alto Uruguay y Misiones) en Frederico Westphalen, Brasil,
desarrolla las preguntas acerca de la memoria, el tiempo y la literatura. Pretende ilustrar las relaciones
entre el fenómeno del olvido y el recuerdo a través de relatos de incursiones en la obra de Borges y
García Márquez, entre otros. Sugiere además considerar el territorio como memoria móvil y responsable
por arraigo y desplazamiento de la persona.
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BORGES, Jorge Luis. Obras Completas. São Paulo: Globo, 1999.
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________, Jorge Luis. Narraciones. 12ª edición. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998.
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demandariam. E o pior: Funes se vê capaz de evocar um dia inteiro com tamanha
perfeição que um outro dia inteiro parece necessário só para recordar o anterior.
Nos estudos de Ivan Izquierdo3, hoje um dos mais respeitados cientistas em
atividade no Brasil e cujas pesquisas sobre os mecanismos da memória são referência
obrigatória em todo o mundo para estudos de ponta sobre as funções cerebrais,
esquecer é uma capacidade humana tão primordialmente importante quanto lembrar.
Em lembrar, adquirimos, inchamos – mas perdemos a competência de cogitar.
Armazenar torna-se inútil quando nada do que guardamos pode ser movido. A
memória, sem o esquecimento, seria um armário emperrado, um Funes naufragado
em sua própria inesgotável lembrança. Nesse campo de sucatas, tropeçaríamos em
recordações inúteis, âncoras de um passado que nos arrastaria, como destroços de
um navio afundado:
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IZQUIERDO, Iván. Memória. 1ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2002.
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IZQUIERDO, Iván. Memória. 1ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2002.p. 30
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atingir o universal. Buscamos, de fato, a apara das franjas, dos babados, das linhas
de sobra e dos volumes em excesso. Diminuímos para ganhar – o que, junto ao leitor,
torna-se diálogo. Do contrário, produziríamos livros infinitos, naufragados em detalhes
inúteis que levariam ao colapso do leitor – assim: ele fecharia o livro. Em reduzindo,
alcançamos um efeito que, se eficaz, apaga os rascunhos que escapam de quaisquer
recordações. É assim que reduzimos um universo que caiba na lógica coletiva dos
homens. Produzimos evidentemente um exílio, pois que abandonamos nosso círculo e
o ampliamos para um espaço onde caiba o leitor. Daí que, na memória, suprimimos o
que esquecemos; na arte, tendemos a esquecer o que suprimimos.
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IZQUIERDO, Iván. Memória. 1ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2002.p. 66
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todas as nossas atitudes e interpretações. A exceção parece ser o sonho, quando tudo
se desgarra.
Em García Márquez há um episódio exemplar da falta de memória ligada ao
sono, mais especificamente à falta dele: ocorre quando os habitantes de Macondo,
inicialmente Aureliano (o primeiro deles), percebe que a insônia lhes trouxe o
esquecimento de toda a linguagem, e era preciso registrar por escrito os elementos da
realidade, embora logo se desse conta de que em nada adiantaria, pois estariam
condenados também a esquecer o sistema ao qual estariam ligados aqueles códigos:
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manifestarem universalmente. Por isso, nossas memórias e nossos sonhos são
territórios particulares que, para atingirem o universal, devem, sim, abrirem-se ao
território coletivo da leitura. Escrever sobre uma memória individual requer
distanciamento, visão panorâmica e uma dose razoável de esquecimento. Podar a
memória emotiva é saída para que possamos moldá-la em memória artística plausível.
Para que nossa recordação, exatamente como nossos sonhos, estabeleça laços com o
leitor, deverá migrar da nossa memória e solidificar-se enquanto memória de outro.
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_________, Iván. Questões sobre memória. São Leopoldo: Unisinos, 2004.
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ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. A poética clássica. Tradução direta do grego e do latim por
Jaime Bruna. 7ª edição. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 21-22
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Considere-se também que, em Aristóteles, o conceito de imitação, tão mesclado
ao de memória, forma o de estética – e é, então, um conceito ligado ao prazer.
Contemplar arte e compará-la ao original torna-se catarse, à medida que da memória
emana o fio que nos devolve a nós mesmos e daí de volta ao mundo. E, ainda que
não estejamos certos do que recordamos, nossos conceitos estéticos mínimos – de
cor, de linha e de forma – são partes constituintes de nosso modo ora particular ora
coletivo de ver o mundo e de armazená-lo:
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ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. A poética clássica. Tradução direta do grego e do latim por
Jaime Bruna. 7ª edição. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 22
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estaria a condenar a história, açulando para o fim da linearidade e para uma era de
simultaneidades. Diante dessa ausência do referente, da falência da memória e da
filiação, não estaríamos esvaziando os conceitos de estética?
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universos paralelos. Não haveria histeria, portanto, quanto ao sentido de fidelidade de
memória, pois o que recordamos está – digamos fisicamente – divorciado do que foi
vivido. Assim, trago para as narrativas e percebo que a arte, muito antes da física,
tinha sua razão: afinal, não é o modo como contamos que estabelece nossa noção de
verdade e fidelidade? Cada leitura recomeça um livro novo pelo simples motivo de que
é impossível relê-lo. Toda leitura é hipertextual, e nosso modo narrativo, portanto, é
construção, mais que de memória, de verdade, senão neste universo, num paralelo –
a memória do leitor. Enquanto leitura, tanto memória e texto, texto e palimpsesto,
como universos paralelos, jamais se encontrarão. Daí que a memória literária não
pode ser entendida como linha, mas como rede, e uma rede irregular: parte de lados
indeterminados e nunca chega.
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Outro exemplo foi um conto que escrevi sobre contrabando de rádios numa
travessia pelo Rio Uruguai – o Uruguai que não conheci, mas recordo. Trata-se,
reconheço, de mais um exemplo de memória manipulada, certamente recordada de
uma cena que, embora nunca tenha existido, evoco de Sérgio Faraco. Sim, esta é uma
função nova da literatura que devemos estudar: a literatura empresta memória.
Quando não, cabe ao bom leitor saber roubar – e essa é uma segunda hipótese
igualmente interessante.
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7. A literatura têm sido a máquina do tempo: uma tentativa de tornar o
tempo portátil. Desse modo não seria exagero imaginá-la como nossa primeira
tecnologia, anterior ao uso da pedra e contemporânea à primeira ferramenta: a mão.
Com a mão, o homem tem registrado sua memória, numa tentativa vã de ordená-la.
Porém, como o tempo, a memória segue sua flecha – do ordenado para o
desordenado –, e qualquer tentativa de ordem produziria tão somente mais desordem.
Também a leitura enquanto literatura prefere o mecanismo que aspira à desordem, daí
porque cada releitura amplia o caos de que viemos.
Como desordem é arte, ficamos satisfeitos.
Referências
ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. A poética clássica. Tradução direta do grego e
do latim por Jaime Bruna. 7ª edição. São Paulo: Cultrix, 1997.
BORGES, Jorge Luis. Narraciones. 12ª edición. Madrid: Ediciones Cátedra, 1998.
________, Jorge Luis. Obras Completas. São Paulo: Globo, 1999.
GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel. Cien años de soledad. 8ª edición. Madrid: Ediciones
Cátedra, 1997.
IZQUIERDO, Iván. A arte de esquecer: Cérebro, Memória e Esquecimento. 4ª edição.
Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2007.
_________, Iván. Memória. 1ª edição. Porto Alegre: Artmed, 2002.
_________, Iván. Questões sobre memória. São Leopoldo: Unisinos, 2004.
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