Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
(https://diplomatique.org.br/outros-modos-de-se-fazer-filosofia/)
(Roland Barthes)
A pergunta que guia este breve ensaio é a seguinte: qual autoridade legitima
certos modos de se fazer filosofia? Qual autoridade, mesmo que revestida de
institucionalidade, poderia se alvorar o poder de julgar o que pode ou não ser
considerado como conhecimento filosófico ou quem pode ser ou não reconhecido como
filósofo ou filósofa? Inspirada pelo ensaio Pode o Outro da filosofia falar? de Judith
Butler, proponho questionar os conteúdos da história da filosofia, os métodos
investigativos, as funções e os critérios avaliativos, bem como a autoridade em legitimar
certos modos de se fazer filosofia e excluir outros. Minha crítica sinaliza para uma
ousadia, a saber: talvez possamos pensar não apenas sobre, mas com e para além uma
pletora de obras se pudermos nos abrir para outros modos de se fazer filosofia.
1
Do problema da especialização como autorização para falar segue-se outro pior:
o de não se autorizar a pensar por si mesmo no sentido de ousar filosofar, encolhendo-
se na menoridade intelectual, tornando-se um espectro por detrás de um autor
canonizado e, ainda, gastar toda uma vida em disputar a propriedade nacional de
especialista desse autor para, no final, receber – permita-me aqui usar de inspiração
machadiana - o medalhão de grande especialista em... Com certa indignação e sede de
ousar, faço algum contraponto ao modo institucional dominante de se fazer filosofia
que seria, digamos, mais um saber sobre a filosofia de alguém canonizado do que a
liberdade de se pensar sobre, com e para além da filosofia de um ou mais autores. Essa
liberdade, todavia, pressupõe a abertura de se contestar os pressupostos institucionais
de legitimação da produção filosófica.
2
mencionado acima, Pode o Outro da filosofia falar?: “na medida em que a filosofia
perdeu sua pureza, também adquiriu sua vitalidade em meio às humanidades” (2022, p.
413). É preciso, portanto, fazermos uma história da filosofia que não apenas inclua os
excluídos, mas que se abra para novos objetos, questões e temas, bem como novas
formas de argumentar, imaginar e produzir conhecimento. Perspectivas culturais e
históricas ameaçam de forma saudável deslocar os próprios termos da filosofia e
ultrapassar as barreiras da departamentalização.
3
questionamento. Ora, a filosofia já foi modo de vida, mas parece ter se encerrado na
tarefa de produzir discursos sobre conceitos ou, mais restritivamente, na tarefa
acadêmica de analisar textos e argumentos.
Ora, se a filosofia for feita com menos tecnicismo, com uma linguagem menos
hermética e com uma clareza convincente e profunda, se não for feita somente por e
para especialistas, se a paciência do conceito vencer a pressa do produtivismo, se a
especulação criativa vencer a lógica do mercado e das honrarias, se ela romper os muros
dos narcisismos que a apequenam e a reduzem a medalhões, se ela abandonar o
purismo e se lançar a pensar objetos considerados não filosóficos pela academia, se não
se pretender inteiramente a-histórica e não ignorar a função social que lhe cabe
conforme cada momento histórico, se o texto for apenas pretexto para uma vivência
transformadora de si e do mundo, se ela não estiver tão apartada da vida, mas puder
ser também um modo de vida, capaz de criticar a si mesma e não se levar tão a sério, se
as fronteiras institucionais, departamentais e disciplinares forem alargadas e borradas,
então podemos imaginar que dela surgirão resultados inesperados e outros modos de
fazer filosofia poderão habitar os corredores da Universidade.