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Nos escritos de Ovídio, poeta romano de 17 d.C., Eco era retratada como uma ninfa
que ajudava o deus Júpiter a se safar da infidelidade que cometia contra a esposa
Juno. Eco retinha longas conversas com a deusa para que Júpiter pudesse fugir.
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Beatriz Roza é graduanda em História da Arte pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e orientanda
voluntária no Programa de Bolsas de Iniciação Artística e Cultural. DRE: 118189314. E-mail:
beatrizellen17@icloud.com. / Higor Alcântara é graduando em Artes Visuais - Gravura pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro e bolsista no Programa de Bolsas de Iniciação Artística e Cultural. DRE: 119135300. E-mail:
ohigorm@gmail.com
Juno, revoltada com a ação de Eco, declarou: “a tua língua, que me iludiu tanto,
pouco poder terá, no uso parvo da voz” (OVÍDIO, 2010). E, então, Eco foi
amaldiçoada a apenas repetir, e não comunicar nada.
Eco estaria para a mitologia grega, como o negro está para a sociedade: sem
produzir a propria fala, apenas comuninando o que é dito a ele. A importância da
performance de Grada ao se apresentar contando histórias e com microfones para
emancipar a voz está exatamente na necessidade de ser ouvida. Assim como
Frantz Fanon diz no início de seu livro “Peles Negras, Máscaras Brancas”, falar é
existir para o outro, e, se pessoas negras não têm a ferramenta da fala em uma
sociedade colonizadora, essas pessoas não existem nesses espaços.
Ainda segundo a autora, Freud (1996) identifica o narcisismo como elemento que
produz a preservação do indivíduo, mas também sendo este o que cria aversões
sobre o Outro. Ela destaca outro fator fundamental, baseado nas relações raciais no
Brasil, que está na gênese desse processo: o medo. A idealização da branquitude
acontece por meio do medo do diferente e a manutenção de um sistema que
privilegia seus iguais. Ou seja, neste sentido, Narciso. Grada em sua performance
faz alusão a Narciso como a memória de um passado colonial que só se reproduz a
si mesmo.
De acordo com o próprio artista, pessoas negras lidam com a questão de “dar a
voz”. “Quem dá voz para o negro?”, ele questiona. “As pessoas sempre te
estereotipam, mas nunca colocam você como protagonista, para falar.”. Tanto na
performance de Grada e a aquarela de Sidney, a necessidade da fala se faz
presente.
Assim como Grada afirma no capítulo "Políticas espaciais” de seu livro, ser
observada e questionada quanto a sua existencia em um território é uma forma de
controle, porque esperam que o sujeito negro justifique sua presença em um
território branco. Apesar do Brasil ter a maior parte da população composta por
negros e pardos, a terra brasileira teve a narrativa invertida, logo, colonizadores
interpretam que a terra pertencem à eles, e, portanto, devem cuidar para que os
Outros não tomem o que eles dizem ser deles.
Ou seja, tanto Grada quanto Sidney, em suas obras, experienciam a prática da fala
em espaços que sempre os negaram tal direito.
Referências bibliográficas:
GRADA Kilomba: desobediências poéticas. Pinacoteca de São Paulo [s. n.], 2019.
Disponível em:
http://pinacoteca.org.br/wp-content/uploads/2019/07/AF06_gradakilomba_miolo_bai
xa.pdf. Acesso em: 23 maio 2021.
JÚNIOR, Nabor. MEU PASSADO (NÃO) ME CONDENA: MEMÓRIA, RAÇA E
IDENTIDADE NAS PINTURAS DE SIDNEY AMARAL. O menelick 2º ato, [S. l.], p.
1-2, 25 nov. 2021. Disponível em:
http://www.omenelick2ato.com/artes-plasticas/meu-passado-nao-me-condena#:~:tex
t=Produzida%20ao%20longo%20de%202014,pregos%20e%20que%20durantes%2
0s%C3%A9culos. Acesso em: 22 maio 2021.
PERFORMANCE "Illusions" de Grada Kilomba. [S. l.: s. n.], 2016. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=1bm8hI9xtf0&t=19s&ab_channel=ARTE%21Bras
ileiros. Acesso em: 22 maio 2021.