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Texto de Apoio da Unidade 11

BASES CONCEITUAIS E METODOLÓGICAS DO


PLANEJAMENTO EM SAÚDE 1

1. Breve História do Planejamento Para tentar compreender o processo


em Saúde na América Latina que conduz desde o planejamentonorma-
O pensamento estratégico aplicado ao tivo até o pensamento estratégico,é reco-
planejamento em saúde surgiu no final da mendável voltar às origens. O método
década de 70, como torma de superar os CENDEsloPAS foi geSladoentre os anos de
problemas inerentes à fom1Ulaçãononna- 1962 e 1963 e surgiu como resposta às
tiva de planos, cujo paradigma encontra- demandas colocadasna Reunião de Punta
se representado no método do CENDESI deI Este (agosto de 1961) quanto à'tor-
OPAS.Essa nova proposição resultou, em mulação de planos integradosde deseiwol-
suas primeiras manifestações no âmbito vimento econômicoe social, como condi-
da saúde, das reflexões de Mário Testa, ção para a realização de investimentos
que foi também protagonistafundamental externos que, dentro da visão desenvol-
da elaboração do método CENDES/OPAS. vimentista, pennitiriam aos países sub-
desenvolvidos (atualmente denominados
Seria interessante se a presença de
Testa ao longo 'do processo evolutivo do em desenvolvimento)percorreras diversas
planejamento em saúde, que vai desde o etapas supostamentejÚ perconidas pelos
paises que alC<U1~U111l1
sua maturidade
normativo, passando
I pelo estratégico e
econÔmicae social,nesta ordem.
desemhocando no pensamento estratégi-
co aplicado au planejamento, pudesse Embora seja de l;apital imporlÜllcia
servir para chamar atenção sobre o ta~o aprofundar o estudo sobre o contexto
de que o planejador é um ser humano ii1- em que tem lugar a proposta desenvol-
serido em um contexto social que o deter- vimentista, isto supel:a, em muito, os
mina e condiciona e que ao mudar provo- aleances fixados para este artigo. 'As-
ca, ou .deveria provoca:r..àlteraçães no sim sendo, nos limitaremos a mencio-
pensamento (ideologia) do sujeito deter- nar alguns episódios e figuras que mar-
minado/condicionado. . caram o inicio dos anos 60. Assistia-se
no mundo a um instante de paz. Havia
I Versão adaptada do artigo 'EI cnt~)queL'Sll1ltégico temlinado a guerra da Coréia e o con-
para cI dcsarrollo de recursos humanos', de Adolfo flito no Vietname ainda não havia al-
H. Chomy (EdllclIción Médica y Salllcf, v. 24, n. I.
1990). A versào e adaptaçào foram fcitas por Maria cançado toda sua intensidade. As figu-
Christina Fcketc, visando adequar o texto à sua ras de João XXIII,Kennedy e Kruchey
utilização como material instrucio\lal do Curso de
Especialização do Projeto GERUS.
surgiam como astros de primeira gran-
deza no cenário mundial, levando a
pensar que a paz era possível. Era o
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começo do sonho. Na América Latina, nômeno estudado. No caso do método
os regimes populistas h~viam sido em questão, este pressuposto mostra:se
substituídos, em sua grande maioria, evidente quando se ob~erva que <>pla-
por regimes de cunho desenvolvimen- nejador não guarda relação eom o todo
tista. A Revolução Cubana. (1959) pôs social nem com o sistema de saúde em
fim a uma das Imais cruéis ditaduras particular. Este último é considerado
contemporâneas. Apareceram os hip- pelo planejador como um sistema-obje-
pies e começava o sucesso dos Beatles. to contTOlável,dentro de certas lim'ita-
Era a esperança de um mundo harmô- ções mencionadas mais adiante.
nico e, para muitos, racional. A partir
O sistema-objeto caracteriza-se por
de 1957, com o primeiro sputnik, pare-
seguir comportamentos mais ou menos
cia que nenhuma fronteira poderia deter
estÚveise previsíveis. Obedece a causa-
o avanço incessante da ciência para a
conquista do Universo. lidades que pode.m chegar a ser conhe-
cidas e cnunciadas em leis que. no pior
A esle predomínio da razão cienlílica, dos casos, são prohahiIislicas.
conseqüência de uma conjuntura hislÓri-
ca paa1icularcujos sinais I()rammencio- Se exish.:m leis quc relacionam cau-
nados no parÚgral()anlerior, supcrpõc-se sas c dcilos, é possível e lIeeessÚI~o
uma estrutura sócio-econômica inadequa- realizar um diagnóslico que, ao des- ,
da, que justifica o surgimento de pro- crever as variáveis e os parâmetros,
postas que têm como finalidade conduzir permita determinar em que medida os
às mudanças para um mundo melhor. valores das variáveis independentes
comprometem os valores ótimos do
Se a ciência é o melhor instrumento,
ponto de vista da maximização de re-
por que não adotar seu Paradigma? As-
sultados ou, em que medida os resulta-
sim se faz. O método CENDES/O? AS in- dos observados se distanciam dos óti-
corpora como idéia central a eficiênciano
mos possíveis. Em ambos os casos
uso dos recursos. Para conseguir esta efi-
existem problemas. Como o sistema-
ciência parte de certos conceitos báSiéos..
. objeto é regido por lcis, o diagnóstico
da ciência econômica (a identificação do
só pode ser único do ponto de vista .das
problema.central de maximizar resulta- variáveis a considerar e estas só se
dos com recursos fixos ~ou:1I1inimi"zarre-
alteram à luz de novos conhecimentof'
cursos com resultados predeterminados), Dois ou mais observadores (plane-
e desenvolve um método que tem alguns
jadores) não podem deixar de observar,
pressupostos básicos característicos das em um mesmo momento, os mesmos
ciências fisicas e naturais.
fatos e os mesmos problemas. Qualquer
o primeiro e mais relevante pressu- discrepância pode ser explicada pela
posto, do ponto de vista de suas conse- potência dos instrumentos utilizados ou
qüências sobre o enfoque, é que nas por erros próprios do observador
ciências fisicas e naturais existe um (planejador).
sujeito independente e externo ao fe-

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Sendo o conjunto de problemas úni- são possíveis outras leituras e inter-
co c obedecendo a leis causais, é pos- pretações.
sível tormular a hipótese da existência De todas as maneiras e talvez contra
de um conjunto de soluções ótimas, em a vontade de alguns de seus autores, o
relação ao qual qualquer um conjunto método CENDES/Ol>AS constitui-se em
de soluções é pior. referência obrigatória para o planeja-
Como conseqüência, já não do para- mento em saúde ao longo de quase urna
digma científico mas sim do paradigma década. Centenas de planejadores
econômico selecionado, o ótimo estará foram formados com o propósito de
dado pelo melhor uso dos recurs~s dis- aplicá-Io.
poníveis, ou seja, destinando-os às ati- Porém, o sonho começou a desvane-
vidades em que o produto (medido em cer-se. O assassinato de Kenncdy, a
dinheiro) seja maior do que em qual- destituição de Kruchev, a morte de
quer outra aplicação alternativa. João XXIII,o bloqueio a Cuba, a revo-
. Até aqui o método funciona como lução de 1964 no Brasil e a de 1966 na
um sistema conceitual fechado, embora Argentina eram manifestações que pre-
em alguns momentos dê lugar a certas nunciavam a crise que viria a instalar-
flexibilidades, provavelmente, mais co- se no mundo, a partir da primeira
mo conseqüência do 'estado da arte' do metade dos anos 70.
que por pressupor que o arsenal teórico Em outubro de 1972, por ocasião da
pudesse não ser totalmente adequado à HI Reunião de Ministros da SaÚde em
rcalidadc. Contudo, seria menosprczar Santiago do Chile, circulava a versão
a inteligência dos autores acreditar que dc um documento científico da OPI\S
não previam uma possihilidade de que l:lzia as seguintes considcra.;Úcs
ajuste da proposta 'cientítica' à rcali- sobre o método CENDES/OPAS: "[...] o
dade. Esta adequação estava prevista, . planejamento em saúde não produzia o
embora não integrada ao arsenal meto- desenvolvimento e os resultados
dológico, e corria por conta do polítíco esperados [...]", "[...] a relação com os
que, conhecendo as soluções propostas, níveis decisórios (não havia sido
poderia intervir modificando metas ou satisfatória, principalmente devido a
prioridades, segundo su~;racionalidade falta de comunicação intelectual entre o
'não científica'. Ao planejador ficava político e o planejador [...]".
reservado, como último argume~to para
. Até 'fins dos anos 60, o discursodo
defender sua posição, mostrar ao políti-
planejamento em saúde incorporava co-
co o número de mortes que seriam pro-
mo princípios a organização dos serviços
vocadas pelo tàto de não ter sido esco- de saúde e a ampliação da cobertura, obe-
lhida a sol~ção ótima.
decendo, segundo Uribe, à existência de
Deve ficar claro que o descrito é a- dupla determinação: por um lado a crise
penas uma leitura do método e não um fiscal que obrigava a racionalizar o setor,
resumo do mesmo, de tal maneira que por outro, a caraeteristicaprivativista das

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"políticasde estabilizaçãona áreasocial, Plano Oeccnal irá mais além, apon-
que introduziramo descontrolenonnati-.. tando diretrizes que abarcavam desde a
vo do setor, afetando a viabiliCladedo política (eqüidade, papel do Estado) até
planejamento global". a estera organizacional (regionalização,
O aparecimento desses princípios hierarquização, integração).
coincide com a ascensão de movimen- O Plano é mais um passo no ca-
tos progressistas em vários países da . minho que vai desde a consideraçãodo
América Latina (Velazco Alvarado, no setor como um sistema isolado do sis-
Peru, Allende, no Chile, Torres, na tema social, até o tratamento do mesmo
Bolívia, CámporalPerón, na Argenti- como um componente mais social e,
na), possibilitando uma maior expres- portanto, não isolado desta globalidade.
são dos movimentos sociais que reivin- Porém, pou'co dura a primavera
dicavam uma participação maior nos progressista. Em 1973, quase dez anos
processos decisórios. Esta situação in- depois do movimento de 64 no Brasil,
fluenciou as discussões da III Reunião inaugura-se, com a queda de Allende
de Ministros e cristalizou-se, de alguma no Chile, a implantação de uma série
maneira, no 'Plano Decenal das Amé- de regimes burocrático-autoritários (se-
ricas' aprovado pelos Ministros. gundo a terminologia de Guilhermo
O'Donnell) quc alteram a correlação.;.de
O Plano Dccenal, ao reconhecer o di. rorças na América Latina.
reito universal à saúde por parte dos po-
vos, institucionaliza a extensão de cober- Em 1974, ..Icrise intcrnacional pro-
vocada pelo aumcnlo dos preyOS do pc-
tura das ayõcs de saÚde :"IS:'arcasrurais e
trÓleo coloca cm dlCllllc toda uma COII-
às periferias urbanas marginalizadas.
Junto com a êntàse na recomendação cepção de mundo. Os cl'eitos desta
crise são sentidos até hoje, principal-
quanto à intcgração das múltiplas insti-
mente em dois aspectos: por um lado, a
tuições que atuam no setor, reforça-se o
revolução energética que ocorre devido
papel do Estado na fOlmulaçãode po~í-
ao avanço tecnológico que incrementa
ticas setoriais. Finalmente, deve-se men-
o rendimento historicamente observa-
cionar o surgimento de uma proposta de
do, marcando um caminho que não
planejamento participativo que, embora
passa pela troca de um combustível por
de cunho instrumentalizáàor,-propunha a
outro (carvão por energia elétrica), mas
incorporação da população na organi-
sim pelo incremento da produtividade a
zação e execução das. atividades de
saúde. partir da inovação; o segundo asp~to
relaciona-se às mudanças que ocorrem
A interpretação dos resultados da III no mercado financeiro internacional
Reunião de Ministros não se restringe. como resultado da grande afluência de
ao entendimento de suas proposições 'petrodólares'. Uma das conseqüências
como metas fonnas destinadas a obter
deste fato pode ser di!11ensionadapelo
a racionalização econômica dos desmedido aumento da dívida externa
recursos empregados no setor saúde. O de muitos países latino americanos.
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É nesta conjuntura que, em 1975, o ridade política (Governo)as atenderáde a-
Centro Pan-Americano de Planejamento cordo com um quadro de valores que leva
em Saúde (CPPS/OPAS),publica o em considera9âo seus interesses particu-
docwnento Formulación de políticas de lares.
salud, significando wn passo fundamen-
tal no sentido de deslocar a discussão do Contudo, a consideração de uma fase
estratégica, precedida de uma análise de
planejamento setorial do âmbito da
viabilidade política das proposições preli-
. microeconomia para o âmbito político.
minares, em que são identificados adver-
Com este propósito, os autores do
sários e aliados, introduz uma ruptura
documento buscam sustentação nas ciên-
epistemológica em relação à visão nor-
cias políticas e sociais, embora não
recorram para isso a wn único paradig- mativa e cientific~sta(tecnocêntrica), na
qual o planejador reinava absoluto em
ma, já que no docmnento existem posi- um mundo 'coisificado', onde não exis-
- ções que vão desde wn certo funcionalis- tiam outros atores e o conflito não era
I . .
mo até o uso de algumas categorias que
evocam uma base estrutural-histórica. sequer pensado. '
Ao conceituar a estratégia, seguindo
Sem dúvida, o documento situa o
as palavras de Beaufre, éomo uma "ma-
planejamento no terreno da política.
nobra destinada a ganhar liberdade de
Apesar de uma certa nonnatividade e
ação", os autores realçam o fato de que
linearidade, a proposta representa um
. o planejamento tem lugar em um meio
saldo qualitativoimportanteem relação
ao método CENDES/OPAS. onde antagonismos e conflitos desem-
penham um papel preponderante.
A seqüência apresentada para a A aceitação da existência de adversá-
elaboração do plano - "diagnóstico, rios (iIÚmigos)e aliados com poderes e
imagem-objetivo, fonnulação de propo- interesses que se alteram ao longo do
sições preliminares, cstmtégia, tonl1aliza- tempo, penl1itindoa configuração.de di-
ção do plano" - possibilita aos autor~ a ferentes alianças segundo a seqüência de
introdução sistemática de novos'- objetivos proposta conduz, quase natu-
conceitos que ajudam a contextualizar o ralmente, a não unicidade da solução. .:.
processo político. ('- .
. ~~ .. . Como apreciação global do docu-
Tanto o diagnóstico quánto a constru- mento, pode-se dizer que, apesar da ên-
ção da imagem-objetivo,reconhecida c0- fase dada à instrumentalização do poder
mo mna produção ideológica, vão nutrir- da autoridade política, cuja legitimidade
se do reconhecimento explícito da exis- não se discute, bem como a nonnati-
tência de conflitos no interior do sistema vidade do enfoque estratégico adotado,
social. Tais conflitos, que têm origem na constitui-se em um dos elementos que
existência de necessidades não satisfeitas prenunciam a aparição do atual enfoque
no IÚvel individual, serão processados, estratégico,do planejamentoem saúde.
seja por grupos de pressão ou pelo próprio Pode-se considerar que o documen-
Estado, como demandas políticas.A auto- to Formulación de Po/itica de Salud
163
....
I põe fim a um primeiro grande movi-. mento sobre o processo de planejamen-
mento de planejamento em saúde na to e seus detenninantes.
América Latina que caracteriza-se por:
. Atraso na incorporação de noções, 2. A Concepção Estratégica no
conceitos e enfoques originados em Planejamento em Saúde ."
outras áreas do conhecimento (eco- No final da década de 70 e início dos
nomia, sociologia, ciências políti- anos 80 assistiu-se,na área de saúde, ao
cas). Tal atraso conduziu à absorção surgimentode um modo diferentede enca-
de paradigmas já superados em seus rar o planejamento,como resultado,dentre
[lIllbi tos especí ficos. outras causas dcterminantes,das críticas e
íTacassosque se actimularamsobre a visão
. A progressiva e permanente incor- n01111ativa,propugnada até então. .
poração de novos espaços para o en-
tendimento da determinação dos O novo paradigma surge, no âmbito
problemas de saúde, levando a que do planejamento, numa conjuntura de
se ultrapasse a esfera restrita do se- substituição dos regimes burocrático-au-
tor, integrado seu entorno mais ime- toritários por novos governos que têm as-
diato (intersetorialidade) e, por fim, pirações e compromissos com a redemo-
a sociedade como um todo. cratização de seus países. Isso permite
. O predomínio da lógica fonnal e do que se abram espaços para a discussão e
método científico tradicional, provo- proposição de políticas sociais, tanto rias
cando um tratamento linear e pres- esferas de governo quanto na sociedade
civil, orientadas no sentido de buscar di-
critivo de problemas e situações.
. minuir a dívidasocialque estas socieda-
. O privilegiamento de uma visão des acumularam com os setores margi-
centrada no espaço do aparato go- nalizados ou postergados.
vernamental, pressupondo um alto Antes de detalhar os diversos enfo-
grau de hierarquização e concentra;.
ques da corrente estratégica de planeja-
ção do poder setorial. ..
mento em saúde, convém repassar os ele-
Esta primeira fase do pranejamento mentos comuns que permitem considerá-
em saúde entrará em_.cnse.na segunda los como parte do novo paradigma.
metade da década de.'70,'quando o pre- Em primeiro lugar, C{)nstata-seque só
domínio dos regimes burocrático-auto- tem sentido falar de estratégia quando há
ritários passa a limitar as ações das um conflito,virtual ou real. Uma proposi-
oficinas de planejamento. A persegui- ção estratéWcanecessita, pelo menos, pe
ção política que acompanhou a instau- um oponente cujo curso de ação, que tem
ração e consolidação destes regimes le- relação com os movimentosdo ator-prota-
vou, dentre outras conseqüências, a um gOIDSta,admite no mínimo duas opções,
intenso êxodo de planejadores que, em nenhuma das quais totalmente deter-
outros contextos e outras realidades, minada pela ação empreendida pelo ator-
passam a rever profundamente o pensa- protagonista. Clareando melhor o
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conceito, neste tipo de contlito não existe de que não existe um único diag-nóstico.
uma lei que detennine unívoca ou prb- A identificação do planejador como
babilisticamcntea reaçãoC(mcspondcntea um ator social do sistema planejado a que
cada ação. O reconhecimento'do comt1ito pertence e com o qual interage e, como
é o primeiro ponto comum que q1racteriza decorrência, a aceitação da existência de
o enfoqueestratégico. mais de uma explicação diagnóstica,
Outro elemento, que marca o corte' constituem um segundo elemento do
epistemológico existente entre a visão enfoque estratégico.
estratégica e a nonnativa, é o modo de O sistema sobre e com o qual trabalha
tratar-se o planejador. No planejamento o enfoque estratégico é um sistema'social
nonnativo, o planejador atua como agen- que, dentre outras características, possui
te externo sobre um sistema-objeto que os atributos de ser históric(\),complexo,
supostamente ob.edece a leis do tipo maldefinidoe incerto. ~
estímulo-resposta. Não existem outros Os sistemas sociais, enquanto objetos
atores, nem conflitos, no espaço comsi-
, de rcflexão e análise, são produtos de Um
derado. O enfoque estratégico pressupõe sistema de idéias ou, em sentido amplo,
que quem plancja é um ator social, ou se- de ideologias que dão Il)rma e estrutura ;"
ja, nas palavras de Carlos Matus, "é uma realidade, em função da visão prÓpriado
personalidade, uma organização ou um ator-protagonista. Este último busca dar
grupamento humano, que de ionna está- um sentido a realidade a fim de compre-
, ve1ou transitóriatem capacidadede acu-- endê-Ia e dimensionÚ-la de aL:ordoL:omas
mular Ii.)rça,desenvolver interesses e ne- L:oneepçõesde mundo que L:onli.>r1nam
cessidades produzindo tatos na situação". sua matriz de conhecimento. SehYllndo
Por outro lado, o ator social (ator- Morin, "os sistemas de idéias, ou ideo-
protagonista) que planeja é considerado logias, pennitem ver o mundo e também
como parte do sistema planejado, com o proporcionam visões de mundo".
qual se inter-relaciona mediante det~i- A possibilidade de gerar, ampliar ou
nantes e condicionantes. Não se trata 'de' modificar os conhecimentossobre o mUn-
um observador externo, mas sim de al- do real surge quando se aborda a realidade
guém que~ ocupa um lugar determinado /
por meio de um procedimentoapropriado
no processo e no sistelnaide' tal modo de conhecimento, uma teoria que permita
que suas percepções, teorias, saberes e, não apenas estruturar mas também dar
em última instância, ideologia são forte- coerência e consistência ao conjunto de
mente intluenciados por sua inserção c intormações coletadas.Dado que o mundo
por sua história. Aceita a singularidadeda real se transforma ao longo do tempo (é
posição do observador no sistema, deve- histórico), as categoriasmediante as quais
se admitir a existência de uma variedade se pensa o real, por serem abstraçõesdesta
de explicações e diagnósticos, pelo realidade, também se alteram e, portanto,
menos de ordem igual ao do número de também são históricas. .
atores que exercitam o planejamento. A
conseqüência trivial desta observação é a
165
A complexidade dos sistemas sociais a certeza de não equivocar-seou calcular
surge do número elevado de elementos as respostas que se seguirão a deter-
que podem ser definidos separadamente minadoscursosde ação.
no sistema e também pelo número, muito
maior,de maneiraspelasquaisessesele- .
Em síntese: O ENFOQUEESTRATÉGICO
mentos se relacionam. Deve-se destacar PRESSUPÕE A EXISTÊNCIA DE SISTEMAS
que, dada a noção de sistema social que SOCIAIS HISTÓRICOS, COMPLEXOS, NÃO
está sendo utilizada, esse número de ele- BEMDEFINIDOSE INCERTOS.
mentos distintos bem como o número de
relações que devem ser consideradas,
dependerão da seleção que previamente O paradigma estratégico estrutura-se
se fez dos mesmos. principalmente em função das premissas
enumeradas. A partir do tratamento par-
À complexidade própria dos sistemas ticularizado dado a estas mesmas premis-
sociais, soma-se a característica de não
sas surgcm, na árca de saúde, três ver-
serem bem-definidos, ou seja, estes sis-
tentes básicas do enfOque estratégico: o
temas são compostos por um número ele-
pensamento estratégicode Mário Testa, o
vado dc elementos que não são lodos co-
plancjamcnlo situacional dc Carlos
nhecidos e, nos casos dos elementos cujas Matus e o ent()que estmtégico da Escola
rc1aÇ<1essão conhecidas, esta mr.1S vC"/.cs de Medellín.
são idcntificadas,c quando o são, isto não
ocorre com a precisão suficiente para
dcfinira ação. Como coroláriodesta situa- 2.1. O PCl)samcnto Estratégico
ção, conclui-se que os problemas que se Mário Testa chega à formulação do
manifestam nos sistemas sociais são
pensamento estratégico depois de per-
predominantementedo tipo . quase-estru- correr um longo caminho que tem in1cio
turado' . Esta variedade de problemas com os trabalhos que dão origem ao
caracteriza-se por não serem definidos método CENDES/OPAS (1962). Desde
nem explicados com precisão; portanto então, vem buscando incessantemente a
não é possívcl.resolvê-Iosc, quando, no criação de instrumcntos de reflexão-ação
melhor dos casos, se tem algwna idéia das que possibilitem a transformação, da so-
opções possíveis para~superá-Ios,não se ciedade e da saúde, que é scu interesse
conta com um critério que ajude a eleger declarado. Nesta busca passou por diver-
entre cursos de ação altemativos. sas instituições que incluem o CENDES,o
A incertezaque caracterizaos sistemas Centro Pan-Americano de Planejamento
sociais é, em parte, resultante das em Saúde e a Faculdade de Ciências da
categorias de indefinição e complexidade. Saúde de Buenos Aires, onde desempe-
Os elementos que compõem estes siste- nhou as funções de Diretor. Suas inquie-
mas não têm comportamentos puramente tudes têm também relação com sua pas-
reativos: são criativos. Assim, é impos- sagem, reiteradas vezes, pela maioria dos
sível predizer estados futuros,decidir com paises da América Latin~ colaborando
com os processos transformadores e rece-
1<>6
bendo elementos da complexa realidade global que, abarcando o conjunto do
latino-americana que realimentam suas social, condiciona e determina o setorial.
reflexões. Um se!:,Ttmdo elemento sobre o qual
Para Testa, o centro da problemática Testa se apóia para construir sua base
estratégica é o poder. Não qualquer po- conceitual, é seu "postulado de coefên-
der, mas sim o que é, ou pode ser, exer- cia", que estabelece a existência de uma
cido na "ação consciente do povo que relação necessária entre ,"propósitos, mé-
luta por sua liberdade". Neste sentido, todos para alcançá-Ios e organização das
Testa concorda com Habennas, já que o instituições que se encmTegamde tllzê-
plano deve ser "uma estrutura comunica- 10".Nos países subdesenvolvidos, capita-
tiva que devolva ao povo as ferramentas listas e dependentes,o modo como ocorre
científicasnecessárias à sua libertação". esta relação necessária é o seguinte: os
A partir desta concepção básica que propósitos do governo determinam os
norteia sua ação e sua reflexão, Testa método~ que são utilizadoS; estes condi-
constrói um modo de pensar que reco- cionam os pçopósitosque também deter-
nhece o Estado como a arena onde sc minam e são condiciC!nadospela organi-
estabelece e se dirime o cont1itoentrc tor- zação; os métodos também dctelll1inama
ças sociais e entre frações de classe que organização e são condicionados por ela.
lutam pela hegemonia. Assim, nas socie- Os componentes da primeira instância
dades modernas encontram-se "espaços do postulado, propósitos, método e o~ga-
sociais virtuais que podem converter-se nização, têm determinações que se cor-
em espaços reais de luta política". A respondem com os componentes da se-
concretização desta afinl1ação encontra- gunda instância que, segundo Testa, são:
se na "democracia formal que postulam o papel do Estado, que determina os pro-
os países capitalistas democráticos". pósitos do governo; a teoria, quc deter-
Testa detinc 'política' como uma pro- mina os métodos; e a histÓria,que deter-
posta de distribuição de poder e 'estra- mina a organização. Por sua vez, c em
tégia' como LIIi.mllade colocar em prÚti, seu plano respectivo, a histÚriadetermina
ea uma política, entcndendo que' não se a teoria e o papd do Estado c este de-
trata de uma distinção entre I1nse meios, termina a teoria, completando o círculo.
mas sim,.dc um mesmo processo
.-.r . no qual Desta peculiar conliguração, dcprc-
tim e meio inte!:,rram-se mimtododo qual' . cnde-sc que os cO,E1poncntesmais deter-
as definições dadas destacam apenas as- minados são, em primeiro lugar, a organi-
pectos operativos do que pode deno- zação e, em segundo lugar, o método. A
minar-se "o manejo da coisa pública". conseqüência, extraída por Testa, fias
Segundo Testa, no processo de plane- condições em que se expressa o postu-
jamento, não se deve construir uma ima- lado de coerência, é de que o "método
gem-objetivo. Deve-se procurar ini-ciar deve permitir sua revisão crítica de
um processo de conteúdo transformador maneira contínua [...] O que significa
no terreno da saúde (política setorial) e dizer que o método deve ser o menos
cujo universo só pode ser a estratégia normativo possível".
167
A organização, seja enquanto insti- citação dos diversos e diferentes níveis e
tuição, seja enquanto ator social primário, planos de c1ivagemque conformam a es-
é o espaço soeial onde se materializa o trutura selorial c na identilicação de com-
poder social. Testa distingue dois eixos Ilitos c contradições inerentes ao prÓprio
sobre os quais o poder deve ser conside- objeto de 'trabalho e à especiticidade que
rado: o dos resultados específicos e o dos nele tommn as tensões entre grupos
tipos de poder. O primeiro eixo relaciona SOCIaIS.
desde o poder cotidiano até o poder
societário, os quais se articulaiTlao longo 2.2. O Planejamento Situcional
dos diversos espaços sociais. A dimensão O planejamento estratégico é abor-
"tipo de poder" é específica e está rela- dado criativa e originalmente por Carlos
cionada com o tipo de atividade: no caso Matus, economista chileno que iniciou
da saúde, tem-se o poder técnico (infor- seus trabalhos criticos na CEPAL (1968),
mação), o poder administrativo(recursos) mediante a realização da análise da pro-
e o poder político (grupos sociais). "Po- gramação econômica normativa, propon-
der técnico é a capacidade de gerar, aces- do sua substituiçãopela estratégica.
sar e manejar informações de distintas ca- Sua polêmica com oS.planejadorestra-
racteristicas. Poder administrativo é a ca- dicionais (normativos)da economia:,vem
pacidade de apropriar-se e designar desde então,passandopor sua participação
(aloear) recursos. Poder político é a capa- no governo de SaIvader Allende no Chile
cidade de mobilizar grupos sociais para ( 1970-1973), sua .prisão por Pinochet' e
reivindicar necessidades ou interesses". seus trabalhos reali-zados principalmente
Os diversos modos com que se com- no ('I~N()ES(Vel1ezuda). () enli.)qllc de
binam os tipos de poder c as Ibnnasque Matus é aItmnentepragmático,tem basl.-'S
assumem, apontam o caminho que 'no marxismo, mas aceitaap0l1esque vilo
deverá ser percorrido para construir um dl.-'Sde
Webcr e Von Clausewitz até 13eer,
/ poder de classe, quer dizer, um poder Ackoff e Gadamer. . ..
político, que, sendo de u!n nível diferente A preocupação central que orienta o
dos outros, tem maior hierarquia e os pensamento de Matus, surge de sua cons-
subordina. tatação da crise de governabilidade que
Atualmente Testa mo~!Taem seustra- assolava os governos latino-americanos.
balhos urna maior preocupação com os Portanto, sua reflexão e conseqüente pro-
aspectos relacionados à realização de posta para a ação centram-se na neces-
ações nos serviços ou nível de organi- sidade de aumentar a capacidade de go-
zação setorial, desde o ponto de vista de vernar. Neste sentido, o plancjamento é
sua viabilidade, até seu impacto na distri,- entendido como um instrumento a
buição de poder dentro e fora do setor. serviço da libertação dos seres humanos,
Desta maneira, articula-se a parte pro- já que favorece a intenção de submeter os
gramática (ações) e a estratégica (poder) acontecimentos e seu curso à vontade dos
da p~oposta.Nesse sentido, destaca-se o homens, não permitindo que os mesmos
esforço empreendido por Testa na expli- sejam conduzidos e procurando que se
168
lransfoll11'-'f11
em COf}(!uto~-
Governar exige que se articulem per-
. n plan..'1rcll.:n:-sc a pruhkma...; qU~L"':
estruturc.ldos.
manentementc três variáveis: o projeto de À luz dcstcs postulados, Matus I(}r-
governo, a capacidade de govemo (con- mula o "método de phmejamento situa-
dução) c a governabilidade do sistema cional", aplicÚvcl aos cas(}s de gove1-nos
(pelo ator-protagonista). A intenção de dcmocrátieos onde existem divcrsos ato-
Matus é de justificar e desenvolver um res soeiais em situações de poder com-
conjunto de técnicas, métodos, destrezas partilhado.
e habilidades que pennitam ao ator-prota-
Matus elabora o método tomando co-
gonista em situação, aumentar suas cal?a-
cidades de direção, gerência, administra- mo ponto de partida a situação ('"reali-
ção e controle do sistema social em dade explicada por um ator, que nela
questão. . vive, em função de sua ação"). Ação,
situação e ator fonnam um todo com-
Matus identifica os pobres resultados plexo que não pode ser desagregado em
do planejamento na América Latina com seus elementos componentes.
o fundamento básico do planejamento
normativo ("o ator que planeja está fora Para explicar uma situação é preciso
ou sobre a realidade planejada e não coe- recorrer a três planos articulados por de-
xiste nesta realidade com outros atores terminantes e condicion~tes. O plano
que também planejam") que conduz a em que se produzem os fatos (tluxõs de
uma prática economista e tecnocrática eventos, fluxos de produção), como re-
isolada do processo de governo e da ra- sultados da capacidade de produção so-
zão política. Ao substituir este pressu- cial, que é o plano da realidade em que os
posto por seu correspondente estratégico fatos, ou fluxos de produção, podem ser
verificados como resultados das acumu-
("o ator que planeja está dentro da
realidade e ali coexiste com outros atores lações sociais que se processam no se-
que também planejam"), Matus formula gundo plano, onde se situam os atores
seis postulados que scrvirão de base pára sociais que produzem fatos e os que, por
sua proposta estratégica: sua vez, são socialmente produzidos por
estes fhtos- A estes dois planos Oll esferas
. o sujeito (Planejadortnu<.?é distinto do tcnomênicas soma-se um terceiro plano
objeto (sistema planejado); que é o nível de última instância da expli-
. existe mais de uma explica<,:ão cação, em-que, também por acumulação
verdadeira; social, se cstabelecem regras hásieas,
segundo as quais são dctcnninadí;ls as
. os atores sociais criam possibilidades
caractcristicas de toda a situação.
cm um sistcma social criativo que sÓ
em pmie estÚsujeito a leis; Para dar conta dos dcsalios que acom-
panham a implcmcntw,:ão de mudw1<,:as
. o poder é escasso e limita a
situacionais em um espaço onde se
viabilidade do 'deve ser';
enfrentam forças sociais que se somam"
. a incerteza domina o sistema social; opõem ou antagonizam, Matus propõe
169
um método de planejamentoccnlrado em mico-social.
problemas e em operações, que deverão
O planejamento setorial acompanha
ser deseneadeadas para entrentá-Ios.ESte
as marchas do processo de planejamento
plano terá uma estrutura modular.,
global, embora não de fonna sincrônica'.
Distinguem-se três tipos de módulos:
Em 1972, a III Reunião Especial de
. explicativos, que permitem realizar, Ministros de Saúde das Américas
de forma descentralizada, tarefas para consagrou a extensão de cobertura dos
conhecer a realidade e identificar as serviços de saúde, destacando a
causas dos problemas nos diversos necessidade de incrementar.o papel do
espaços de ação; planejamento, o qual deveria vincular-se
. módulos de ação, que são operações ao desenvolvimento econômico e' social,
que transformam o plano em uma flexibilizando enfoques e métodos para
série de compromissos que devem ser adaptar-se às circunstâncias concretas e
cumpridos; incorporar a populaçãono processo.
. e os módulos O-P,que articulam como
Nesta época ocorre também a incor-
'subplanos' as operações e os proble-
poração dos conceitos de 'Desenvolvi-
mas, com definição de responsabilida-
mcnto Unificado' e dos conceitos produ-
des institucionais, permitindo uma or- zidos no dcbate sobre 'Nova Ordem Eco-
ganização descentralizadapara a ação.
nômica Internacional'. As proposições da
111 Reunião de Ministros se consolidaram
2.3. A Escola de Medellín
na IV Reunião (1977), onde 1~:>rameIaho-
Esta vertente do plan~jamenloestraté- radas as linhas mestras do pensamento
gico vem sendo desenvolvida, Ilmdamen- lllle guiaram as concepções e os conteÚ-
talmentc, pela Faculdade Nacional de dos da contribuição das Américas :'I
Saúde Pública de Antio<.Juia,Colômbia, Reunião de Alma-Ata. ~
com sede em Medellín. Por esta razão e
Como antecedentes mais imediatos da
por constituir-se em um enfoque consis:- Escola de Medellin,podem ser apontados
tente da problemática do planejaménto
as Estratégias e o Plano de Ação para al-
em saúde, a identificamos como Escola
de Medellín. cançar a saúde para todos no ano 2000
(SPT/2000)nas Américas e os trabalhos
Esta escola, que tem éiri J.J: Barrene-
da administração estratégica desenvol-
chea e E. Trujillo Uribe seus nomes mais
vidos a partir da crise econômica do ano
destacados, representa 'a continuidade de
de 74. A adoção da atenção primária
um pensamento no interior do campo da
como principal estratégia para alcançar
saúde, cujas origens remontam ao come-
sPT/2000, consolida uma reflexão prag-
ço dos anos 60, e que ao longo de quase
mática orientada para elaboração de ins-
vinte anos, condicionou o agir da área de
trumentos aptos para a ação dos agentes
planejamento da OPAS.Foi nesta época, inseridos no IÚvelcentral das instituições
início da década de 60, que o plane- estatais do sistema de saúde, que têm a
jamento setoria! incorporou-se' ao
planejamento do desenvolvimentoeconô-
170
responsabilidade de planejar e adminis- A partir destes argumentos são elabo-
trar os processos decisórios. radas uma série de proposições que pro-
Reconhecendo a especificidade que blematizam o campo da prática do pla-
deve nortear o tratamento das questões nejamento. Basicamente, consideram-se
sociais, a Escola de Medellín usa como os seguintes elementos:
argumento para realizar suas reflexões, a
proposta de SPT/2000 e as estratégias
. - o planejamento do sistema de saúde
deve ser coerente com o estilo de
regionais para sua implementação,desta-
desenvolvimento nacional, uma ~vez
cando que, se outro IDsseo argumento,
outras também seriam as conclusões com que se desenvolve no interior do' apa-
rato do Estado;
as quais se defrontariam. "-
Partindo deste argumento, colocam-se, . o reconhecimento de forças em luta e
como objeto do processo de planejamento do conflito como inerentes ao sistema
os 'espaços-população', entendidosnão só social;
como área geográfica,mas sim, como um . o plano como argumento de negocia- '
espaço complexo, histórico e multidimen- ção intra e inter-setorial;
sional (fisico, geográfico, demográfico,
epidemiológico, econômico, social, cultu- . a exploração de cenários futuros;
ral e político), no qual habitam grupos hu- . a construção de opções estratégicas e
manos suficientementehomogêneos entre. sua negociação como fonuas de via-
si quanto às condições de vida e, em de- bilizar o plano;
corrência, às suas necessidades básicas,
dentre as quais as de saúde. . a necessidade de articular o plano (ó
'deve ser') com a prática, leva a inipor
Estes 'espaços-população' estão inse-
a condição da transformação ad-mi-
ridos cm LUnsistcma social quc carac-
nislraliva. de maneira que tamb,ém
teriza-se por ser histórico, complexo,
seja estratégica;
fulgmentado, incerto e em conflito.
São essas earacteríslicas dos sislemÚs . a participação de todos os atores so-
sociais, e em particular do sistema de ciais envolvidos em todos e em eada
saúde, que Justificam a adoção do en- um dos momentos do processo de pla-
foque estratégico do platlejamento e da nejamento-execução;
administração. . o condicionamento dos processos de
Em relação à proposta de SPT/2000,o planejamento e administração, en-
objetivo estratégico é a diminuição das quanto estratégicos, às avaliações, à
desigualdades de acesso ao sistema de monitoria estratégica, ao controle das
saúde, sendo adotada a estratégiada aten- rotinas e à investigação avaliativa;
ção pi;mária, que afeta e conipreende . o reconhecimento da necessidade de
todo o sistema de saúde e toda a popu- fonnular teorias e hipóteses que ~ir-
lação que este sistema supõe servir. vam como marco de referência neces-
sário, tanto para a interpretação do
171
processo saúde-doença e seus detenni- ao governo, não como área de construção
nantes, quanto para os aspectos rela- do poder societário e, sim, como insti-
cionados à eficácia social da inter- tuição. Sua preocupação principal é dotar
venção setorial, e de cientificidade o proc~so dccisó[io,
objetivo que conduz a supervalorização
. a identificação de dimensões dinami-
do papel da ciência no cspaço político, re-
zadoras da transfonuação, cuja problc-
sultando, ao menos aparentemente~ na
mática deverá ser elaborada por meio
subordinação do político ao metodológi-
de estratégias de ataque diferentes do
co. Isto possibilita, ao menos em teoria,
conjunto de ações.
uma certa manipulação da realidade, o
que debilita o nível iI}ovadore questio-
3. Breves Comentários sobre o \ nador da proposta.Tal fato manifesta-se

Enfoque Estratégico sobretudo no úl~imo trabalho de Matus


Em decorrência das questões antelior- em que, ao dcixar de lado a estruturação
mente apresentadas surgem, segundo ideológica, a proposta surge como uma
nosso cntendimento, três aproximações coleção de conceitos opcraciqnais, de
métodos e de técnicas.
estratégicas que se cstabelccem cm três
diferentes planos da realidade. Na quc A Escola de Medellín ocupa um ter-
dcnominamos pensamento estratégico, ceiro âmbito:o dos fenômenos.Ncste s~n-
Testa aborda o problema em seus aspec- tido, sua preocupaçãocentral está dirigida
tos cstrutumis, localizando nas qut.'Stõcs aos métodos e K'Cnicasc não às suas
relativas ao poder, o ponto de partida de determinações, colocando-se em uma
sua construç:.l0 cpistemolÓgica. Nl..'Sse perspecliva (situaç:io, diria Malus) ins-
sentido se conlc.mua enquanto pensa- titucional sctorial marcada pelo proCt.'Sso
mento diretor de um 'que tàzer' que históricojá descrito.Não obstante as limi-
reconhece na libertação de um povo, sua " taçÜes assumidas, apresenta potencial de
razão de ser. Enquanto pensamento estra- desenvolvimentopar.l fomecer elementos
tégico, baseia-se em um modo de ver o que, modificandoa prática, podem alterar
mundo que subordina métodos e orga- as determinações de ordem institucional.
nização. Assim, o método interessa mais Contudo,o enfoque ressente-seda falta de
como espaço de intervenção estruturador um marco teórico,o que leva a aconselhar
da organização do que como mera ins- que toda apropriaçãodo mesmo deve ser
tância metodológica. O método é proble- realizada à luz de uma teoria que lhe
matizado politicamente (ontologicamen- confiradirecionalidade. .:.
te) e não apenas desde O' saber' Estas brevíssimas considerações"pre-
epistêmico. tendem explicitar as virtudes e defeitos
Já o planejamento situacional busca de cada uma das vertentes e não se cons-,
espaço no mundo das determinações fe- tituem em críticas profundas, o que nos
nomênicas de segunda instância, en- livra de ter que propor uma alternativa.
quanto mediadoras das regras essenciais e Assim, sem que chegue a ser uma
do mundo dos epifenômenos. Refere-se
172
proposta acabada, apenas nos aventu- R~fcr~llci:1snihlio/:r:ífica....
ramos a sugerir que, da articulação dos
I. ORGANIZACIÓN PANAMERIC'ANA DE
três planos em que se dão as propostas,
LA SALUD. l'm}!.n/llwciÚu de Ia all/d:
podem surgir pistas que pem1itam ela- Problemas Conceptuales y Metodolágicos.
borar uma t~ria unificadoraque facilite a Washington, D.C., 1965. (Publicación
abordagem consistente dos espaços científica, 111)
identificados. 2. ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE
LA SALUD. Planificación de Salud en
América Latina. Washington, D.C., 1973.
(Publicación Científica, 272)
3. URlBE,F.J. O Planejame~1toem Saúd,ena
América Latina: Revisào Crítica. Riõ de
Janeiro, ENSP/FIOCRUZ, 1989. (Documento
mimcogralàdo) .
- 4. FORMULACIÓN de Políticas de Salud.
Santiago, Chile, cPPs/oPs, 1975.
5. MATUS, C. Política. PlaJ1!{icación y
Gobiemo. Caracas, 1987. (Segundo borra-
dor; documento inédito)
6. MORIN, E. Para Salir dei Siglo xx.
Barcelona, Kairos, 1982.
7. ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE
LA SALUD. Salta/ para Todos en el Alio
2000; estrategias. Washington, D.e., 1980.
(Documento oticial, 173)

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