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Chaves feministas para o poder e autonomia das mulheres – Marcela Lagarde

Fichamento
Autonomia é diferente de Independência (ou
Análise entre: dependência)
o individual e o coletivo As mulheres por gênero, tradicionalmente, não só nos
O privado e o público limitam a independência assim como nos anulam a
O pessoal e o político potencialidade de autonomia. Para construir a
Desnudar a nós mesmas nestas coisas que ainda que autonomia, devemos enfrentar problemas ligados a
carreguemos, como são o poder como domínio, a dependência e os problemas que por definição própria
dependência, a agressividade e inveja entre mulheres, tem a ver com a autonomia.
entre outras mil coisas que são produto do patriarcado,
mas que não por ele nos liberam da responsabilidade  Os processos vitais em que se constituem a
para comprometermos em superá-las. autonomia
Autonomia é um pacto social – tem que ser
Objetivo de analisar propostas analíticas que ajudem a reconhecida e apoiada socialmente, e encontrar
construir a autonomia dos sujeitos – sociais e mecanismos operacionais para funcionar.
particulares. Exposição da teoria feminista da - autonomia econômica é a mais fundamental.
autonomia. - autonomia sexual, porque a definição de gênero das
mulheres se baseia na mutilação da sua autonomia
Conceito de autonomia tem estado presente em sexual.
muitos encontros e desencontros entre mulheres, - Autonomia através de processos vitais psicológicos
ainda mesmo quando não tenham sido objeto de através do corpo vivido, subjetivado, simbólico, afetivo,
debate amplo e talvez nem sequer de muito estudo pensado.
pela maior parte das mulheres.
Autonomia se define em cada um dos círculos
A literatura existente coloca ênfase nos âmbitos onde particulares de vida (círculo familiar, profissional,
nós mulheres devemos desenvolver autonomia, mas afetivo). Assim ninguém é homogeneamente
muito pouco encontramos sobre a teia de elementos autônoma, mais desenvolve maior ou menor
que estão envolvidos na autonomia, nem o que autonomia nos diversos círculos aos quais pertence.
implica construí-la, como pessoas, como grupos, como
movimento e considerando todos os matizes que nos 2. Por que trabalhar para a autonomia das mulheres?
proporciona a experiência e a cultura feminista. Opressão de gênero
 A condição de gênero das mulheres – cada
PRIMEIRA PARTE: Chaves feministas para o poder e mulher contemporânea sintetiza estereótipos
autonomia das mulheres do ser mulher. O que sou tem a ver com quem
“sou para” [Franca Basaglia].
1. Autonomia a partir do feminismo Quem está no centro da vida da mulher? No
Baseado em conceitos básicos da teoria política do centro estão os outros: família, filhos, a mãe,
feminismo a vizinha, o chefe, o companheiro, a pátria. O
Autonomia: parte da estratégia de luta das mulheres no que fica deslocado do centro sou eu. O
mundo. Autonomia que tem como suporte a liberdade, vínculo de dependência acaba nos
sendo esta o princípio filosófico da autonomia. A constituindo e ocupando o centro de nossas
liberdade sendo definida a partir da experiência de cada vidas, de nossos pensamentos, atividades,
mulher. sentido do trabalho, do poder, enfim ocupam
Olimpia de Gouges – decapitada na revolução francesa uma posição de superioridade. A constituição
por reivindicar direitos (específicos) da cidadã da identidade das mulheres implica aos
Construir a autonomia e nos identificarmos como outros em uma relação de domínio, portanto
mulheres na autonomia para mudar nossa identidade não há autonomia nesta construção.
tradicional de gênero, que é fundida com a identidade Construção da mulher moderna – seres
de outras pessoas. individuais com limites do próprio eu, com a
A autonomia não nos é dada. É criada por nós e deve intencionalidade de ocupar o centro de
ser construída em todos os níveis. É uma luta nossas vidas, mas ainda é uma intenção
contemporânea pelos direitos das mulheres, mas discurso-normativa e pouco prática ainda.
também é uma luta para transformar a autonomia Refletir: para que vivo, trabalho, estudo, saio
existente dos homens, que é funcional às relações de à rua? Para minha vida. Com a capacidade de
dominação. ser legitimamente autônoma,.
Na perspectiva de gênero somos mulheres mas poder transformar a vida requer que do
sincréticas: tradicionais e modernas => imaginário translademos a experiência para a
conflitos e contradições ação possível.

“ainda que as mulheres estejam posicionadas  A autossuficiência


em espaços modernos de pacto e de contrato, Autosuficiencia ligada as necessidades de
os demais – os outros – reclamam um cada qual, é o conceito de desenvolver a
conjunto de comportamentos tradicionais, capacidade crescente para satisfazer as
independentemente de sua posição. Aí são necessidades próprias. Isto é autonomia.
chamadas, “reconvenidas” que precisam
ocupar um espaço tradicional. E aí se geram  O individual x o individualismo
muitos espaços de conflito: nas normas, nas Individualismo: um dos resultados políticos
leis, e em todos os espaços mencionados hegemônicos da dominação. Legitimidade
anteriormente” (p.23) para dominar. Construção da individualidade
a partir de expropriar dos outros sua própria
Contradição: ser para os outros e ser para capacidade de ser indivíduos. É a priorização
mim [é um problema existencial para as das necessidades de um as custas das
mulheres] necessidades dos outros.

 Autonomia e individualidade Poder ser indivíduas: nova ética de vida em


Constituir-nos como indivíduas – é o grande que há possibilidade de construir relações
tema da autonomia. [individualidade é mais equitativas, entre indivíduos e indivíduas
diferente de pessoa, relaciono aqui ao com limites e direitos próprios. Cada pessoa
conceito junguiano de individuação, que só é pode assumir sua vida como o mais
possível através da tomada de consciência de importante para si.
quem eu sou e como me diferencio dos
outros.]  O egoísmo
O cuidado com o outro implica em um É uma proibição tácita de gênero para as
descuidado consigo mesma. A modernidade mulheres. Oposto de altruísmo, doação,
reclama e requer como fundamento o cuidado, que são características contidas no
autocuidado das mulheres ser para os outros.
Precisamos construir nossas biografias: saber
quem somos, quem tem sido as outras, Principal mecanismos coercitivo do egoísmo
quem são nossas contemporâneas. Ou seja, das mulheres: CULPA/ CULPABILIZAÇÃO
historizar nossas vidas, localizá-las no tempo
e espaço histórico que a compreende. Egoísmo masculino é uma identidade do ser.
PRECISAMOS DIZER A NÓS MESMAS QUEM O tipo de egoísmo patriarcal permitido aos
SOMOS homens é o egoísmo não apenas de se colocar
como centro de sua vida, como também de
Necessitamos de nossas autobiografias para ser o centro da vida dos demais, sobretudo na
saber como lidamos com os conflitos vida das mulheres (ademais, que se coloquem
em uma posição superior). Além disso, esse
 Autonomia e auto identidade egoísmo não apenas de ser o centro, de trazer
Autoidentidade como conceito externo: uma posição de superioridade
estereótipos de perfeição (sou uma mulher
trabalhadora, boa mãe, bem portada, 3. A luta pela autonomia das mulheres no mundo
magnífica, eficiente, politizada, etc.)
Autoidentidade real: inventário de quem  Origem da autonomia para as mulheres
somos, quais lugares ocupamos em cada  Princípios políticos em que se baseia a falta de
espaço, como o fazemos, qual é o sentido do autonomia
que fazemos e ir percorrendo nossas partes. o A sujeição
Reunir quem somos, e não nos o O enquadramento
fragmentarmos (aqui sou mae, aqui sou isso,
o Corpo para outros
aqui sou aquilo). Uma visão mais holística de
Desenvolvemos corpos maternos, corpos
quem nós somos.
estéticos e em todas, o corpo é o centro
para autodefinição. Umas com corpos
Outra coisa é quando quando convertemos
castos, puros, intocados, outras com corpos
essa capacidade de fantasiar em planos. O
tocados por todos. A primeira pergunta da
imaginário é parte da experiência humana,
autonomia é: “de quem é meu corpo?” “De
quem tem sido meu corpo?” Para as Ideia de usar as energias provenientes da raiva, da
mulheres, construir a autonomia na frustração, da violência vivida, do desalento, da
modernidade passa por enfrentar a relação desesperança e utilizá-las para transformarmos a nós
de propriedade que o mundo tem sobre mesmas em realidade. Muitas de nós, penas chegamos
nossos corpos, se trata de não mais fazer aos espaços da consciência emancipatória, queremos
mais este tipo de perguntas e sim de poder sair e mudar ao mundo todo. Não se trata de fazer
responder com uma afirmação de guerras de guerrilhas, nem de fazer motim aos
autonomia. poderosos do centro de nossas vidas, se trata de tirá-los
de ai, internamente e na vida cotidiana. Mas isso é
Um direito da autonomia das mulheres é o melhor fazê-lo sem anúncio. Antes nos diziam que
direito de envelhecer: com legitimidade, a tínhamos que gritar para que nos escutassem, hoje
tempo, sem precocidade e sem tardança. temos aprendido que temos que gritar em certos
Fazer isso seria uma revolução porque a espaços e que as vezes, o silêncio é muito maior
mulher se percebe a si mesma porque já proteção para as mulheres. O discurso deve ser tido
não tem mais as qualidades da juventude para pensar internamente, para compartilhar com as
tao valorizadas na sociedade juvenil, infantil outras, se trata melhor de transformar as relações
adulta, mas a qual a mulher nunca teve a concretas.
idade exata ou correta. Este é um exemplo
de expropriação do corpo das mulheres e de Não se trata de parecer diferentes entre nós mulheres e
como a autonomia passa pela apropriação sim aprender novas maneiras de ser (Amelia Valcarcel).
dos nossos corpos. Ser feminista com as outras, no reconhecimento das
outras, no respeito irrevogável as outras e o respeito ao
o O trabalho das mulheres e a autonomia discurso das outras mulheres. “vou escutar as outras,
abrir o ouvido sorórico e buscar reconhecer: o que
4. As mulheres e a modernidade comenta a outra, o que a interessa, o que pensa, o que
aprendeu, o que não entendeu”.
 semelhanças e diferenças
 dependência e autonomia Ouvir atentamente a qualquer outra mulher que fala,
independente de sua ideologia, de suas crenças, é uma
5. Comentários da primeira parte prática política diferente. “te ouço porque existe.
Reconheço que voce existe e te escuto. E no sentido
Para poder ser indivíduas é necessário ter: biografia, contrário: reconheces que eu existo e me escuta”
limites próprios, subjetivos e objetivos, recursos
materiais e simbólicos e a possibilidade de usá-los para A sororidade é um pacto político entre mulheres.
satisfazer necessidades próprias.
Princípios éticos fundamentais do eu
Construir autonomia no mundo contemporâneo é um  Não nos colocarmos em situação de risco
feito subversivo (mecanismos de opressão de gênero,  Não nos autodiminuirmos
de classe, idade, territorialidade instalados no mundo).  Não nos colocarmos em segundo plano
A autonomia é um atentado ao poder de demonização.  Não nos colocarmos na sombra
E toda luta pela autonomia é conflitiva. E como não  Não nos subordinarmos automaticamente
vamos conflitar, se modificar nossa condição de gênero  Não servir
é por si só um conflito? É um conflito de identidade e  Não nos desqualificarmos
um conflito da pessoa com o mundo.  Não nos auto desvalorizarmos
 Não nos depreciarmos
Não lutamos contra o patriarcado, e sim lutamos a  Não fazer o consenso da autodestruição do eu
favor de uma sociedade igualitária. Lutamos pela  Viver com a lógica e o benefício do lucro para mim,
desconstrução do patriarcado e pela construção de ou seja, ser egoísta
relações igualitárias.  Fazer uma nova estética afetiva
A plataforma feminista não é no sentido de ser violenta,  Para mudar, não há respostas dadas que se
e sim uma política alternativa, construtiva. Portanto possam generalizar como válidas para cada
esão fora da proposta feminista: as granadas, as situação ou para cada mulher, mas sim há
bombas e metralhadoras. Ao lutar por autonomia pode princípios de vida e isso é o que feministamente
haver conflitos e que pode haver violência sobre nós, podemos compartilhar.
mas não assumimos a violência como um recurso de  Enquanto se desmonta o pecado e a culpa,
luta. Estamos construindo alternativas pessoais e aprender o gozo da subversão.
coletivas a favor de, no contra de. Não queremos ser
valentes, e sim ousadas.
SEGUNDA PARTE: Autonomia e poder de gênero das
mulheres

1. A construção dos sujeitos


 Nem perfeitas, nem impotentes
 A solidão e a desolação
 Separação e distância
 A herança cultural
 Resistência e autonomia
 Novos sujeitos em uma nova democracia

2. Desconstruir para construir

3. A construção de poderes positivos para as mulheres


 A autoridade e o poder
 Especificidade e tolerância
 A capacidade de representação das mulheres

4. Comentários da segunda parte


 Visibilizarmos como sujeito
 A esquerda e o feminismo
 Descontruir a maternidade
 Fazer nossas biografias
 A desconfiança na sororidade
 Identificar a dependência própria

TERCEIRA PARTE: Autonomia como alternativa


concreta ao poder de domínio e a dependência

1. O poder de domínio e a autonomia


2. Preconceitos que fundamentam a falta de
autonomia das mulheres
 O sexismo
 O machismo
 A misoginia
 Homofobia, lesbofobia, castofobia,
heterofobia
 O classicismo
 O nacionalismo
 Racismo
 O esteticismo
 Os preconceitos de idade
 Os preconceitos ideológicos
 Os preconceitos políticos
 Os preconceitos religiosos
 Os preconceitos anti-intelectuais

3. A Ética a partir do feminismo


 A ética para si mesma
 A ética em relação com os outros
4. Comentários da terceira parte
 Ações positivas para as mulheres
 Assumir a misoginia como um elemento a
desconstruir
 Uma psicologia a partir do feminismo

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