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21(3) :141-145, maio-junho, 1979
RESUMO
INTRODUÇÃO
Em trabalho recente da Organização Pana- dos examinados, de acordo com BENDEZú 6 e
mericana da Saúde, ACHA & SZYFRES 1 dizem BENDEZú & LANDA 7.
que a infestação humana pela Fasciola hepati- Entretanto, no que se refere ao Brasil, a
ca já se registrou em muitos países do mundo, monografia de ACHA & SZYFRES 1 é omissa
mas é na América Latina que se observa maior no que respeita à ocorrência de casos humanos
número de casos. E, assim, aqueles autores, re- de fasciolose hepática. Cremos que tal fato se
ferindo-se à distribuição geográfica daquele deve a não terem ainda sido empreendidos es-
trematódeo oomo parasita do homem, em paí- tudos mais numerosos. para o conhecimento da
ses latino-americanos, informam que, só em epidemiologia dessa antropozoonose, ·entre nós.
Cuba, se tinham registrado mais de 100 casos Apesar disso, à proporção que passam os anos,
até 1944 (aos quais se devem acrescentar nume- verifica-se que o problema de fasciolose hepá-
rosos achados. posteriores) ; no Chile, ocorreram tica no homem, no Brasil, apresenta interesse
82 casos até 1959. Além disso, observaram-se in- clinico e sanitário em nosso país. Parafrasean-
festações humanas no Peru, Argentina, Uru- do ACHA & SZYFRES 1, parece-nos que, entre
guai, Costa Rica, Venezuela, Porto Rico e Mé- nós, a freqüência de infestação humana por
xico. Na área endêmica da Sie-rra Central do Fasciola hepatfoa tem sido sub-estimada na li-
Peru, foi efetuado estudo extenso sobre o pro- teratura parasitológica.
blema. Em 14 comunidades da Província de Cabe a REY & col. 12 a descrição do encon-
Janja, realizaram-se 1557 exames coprológicos, tro do primeiro <!aso humano autóctone de fas-
durante 1968-1969, em escolares de 7 a 14 anos, ciolose hepática, no Brasil,- em uma crianQa de
com encontro de ovos do trematódeo em 15,6% 3 anos de Campo Grande (Capital do atual Es-
Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Biológicas, Departamento de Patologia Básica
(1) Professor Visitante
(2) Professor Adjunto
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AMARAL, A. D. F. do & BUSETTI, E. T. - F,asciolose hepática humana no Brasil. Rev. Inst. Med. trop.
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tado de Mato Grosso do Sul), onde residia em tado do Paraná). AMATO NETO & SILVA3
propriedade agrícola rural. Concluiram que, descreveram também um caso, proveniente de
sendo a fasciolose hepática bastante dissemi- Caçapava (Vale do Paraíba, Estado de São
nada nos rebanhos de ovinos e de bovinos, no Paulo) e cujo diagnóstico foi feito durante in-
Sul e no Oeste do Brasil, sua ocorrência no ho- tervenção cirúrgica, confirmando exame de fe-
mem seria possível, com a penetração da agri- zes anterior.
cultura, principalmente da agricultura de sub- Em outubro de 1977, um de nós (A.D.F.A.),
sistência, naquelas áreas exclusivamente cria- exercendo atividade no setor de Ciências Bio-
doras. Tal previsão vem sendo confirmada. Tra- lógicas da Universidade lílederal do Paraná, em .
balhos levados a cabo no Vale do Paraíba (Es- Curitiba, foi procurado para fazer o diagnósti-
tado de São Paulo) começam a demonstrar a co de ffVO encontrado em fezes da paciente
importância que a referida parasitose está as- S.P.R., do sexo feminino, de 29 anos, de cor
sumindo, entre nós, em patologia humiliila. branca; o material procedia do Laboratório de
Já há muito tempo, LUTZ 11 assinalara, na Parasitologia do Hospital de Clínicas da Univer-
zona que acompanha as margens do Paraíba, sidade Federal do Paraná. Foi feito o diagnós-
de Barra do Piraí para baixo, a presença da tico de ovo de Fasciola hepatica. A paciente foi
F. hepatica tanto em bois como em carneiros. internada na Enfermaria de Doenças Infeccio-
Também encontrou o caramujo transmissor, sas e Parasitárias (Serviço do Prof. M. C. Ba-
do gênero Lymnaea, no qual verificou infesta- ranski), no mencionado Hospital de Clínicas,
ção natural pelas formas larvárias daquele ver- onde confirmamos o diagnóstico de parasitis-
me: "Quanto à infecção natural, só a observei mo por aquele verme, mediante o encontro dos
em dois exemplares da Fazenda Floresta. Am- respectivos ovos em material obtido por meio
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bos os caramujos estavam mortos, como tam- de sondagem duodenal. Devidamente submeti-
bém as rédias e cercárias n'elles contidas, de da a exame clínico naquela enfermaria, foi a
modo que não foi possív el fazer uma infecção
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paciente medicada. Este achado constituíu ob-
artificial". jeto de comunicação por BARANSKI & col.5 ao
FRANÇA 9, em 1967, mostrou que 10% dos XIV Congresso da Sociedade Brasileira de Me-
bovinos examinados da região do Paraíba, pro- dicina Tropical e III Congresso da Sociedade
cedentes de Taubaté, São Luiz do Paraitinga, Brasileira de Parasitologia, realizados de 19 a
Natividade da Serra, Redenção da Serra, C'a- 23 de fevereiro de 1978, em João Pessoa, PB.
çapava, Jambeiro e Paraibm1a, se apresenta- Posteriormente, O.P.R., esposo da paciente
vam infestados pela F. hepatica. No mesmo ano, acima referida, também foi encontrado parasi-
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SANTOS & VIEIRA 13 descreveram sete casos tado pelo mesmo trematódeo, de acordo com
humanos de fasciolose hepática adquirida na- exame feito no Laboratório de Parasitologia
quele Vale, orientando esta investigação pelo do Hospital de Clínicas da Un~versidade Fede-
trabalho de FRANÇA 9 que, como vimos, encon- ral do Paraná (BARANSKI & col. 4 ) •
trou elevada incidência de parasitismo pela F. O encontro de dois casos de fasciolose he-
hepatica1 (10%) no gadoibovino da Região. SAN- pática humana em duas pessoas da mesma fa-
TOS & col. 14, em inquérito coprológico realiza- mília chamou a nossa atenção para iniciar um
do em Ilhéus e Uruçuca (Bahia), pela VIII estudo epidemiológico sobre a verminose em
Bamdeira Científica do Centro Acadêmico "Os- apreço no local de onde proveio o casal para-
waldo Cruz" da Faculdade de Medicina da Uni- sitado.
versidade de São Paulo, em janeiro de 1967, des- Contribuição pessoal
cobriram mais 2 casos de pacientes eliminando
ovos de F. h~patica pelas fezes. Reportando-se Localizado o casal parasitado no Bairro de
às investigações de REY & col. 12 e de SAN- Uberaba, Município de Curitiba, iniciamos o
TOS & VIEIRA 13, concluem: "Assim o achado nosso trabalho pelo exame coproparasitológico
da VIII Bandeira Científica é um dado a mais, dos moradores do referido bairro. Uberaba é
a demonstrar a necessidade de maior atenção um bairro de Curitiba no limite com o Municí-
para a distomatose hepática humana no Bra- pio de São José dos Pinhais, do qual se acha
sil". Passam-se quatro anos e CORMA & FLEU- separado pelo Rio Iguaçu. Acha-se arruado,
RY s descrevem mais um caso humano autócto- mas sem pavimentação. Tem vários loteamen-
ne, cuja infesta,ção pela F. hepatica foi adqui- tos. Aquele em que iniciamos nossas investiga-
rida provavelmente em CornéUo Procópio (Es- ções chama-se David Carneiro e seu arruamen-
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AMARAL, A. D. F. do .& BUSETTI, E. T. - Fasciolose hepática humana no Brasil. Rev. Inst. illed. tI·op.
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to data de 8 anos. As casas, de tábua, em ge- só para conservar ovos e larvas de helmintos e
ral, são providas de água encanada e tratada,
1 cistos de protozoários, oomo, também para pre-
fornecida pela SANEPAR. Antigamente, o abas- servar trofozoítos destes últimos. Podendo as
tecimento de água era feito através de poços. fezes conservadas no SAF ser examinadas por
Praticamente, todas as casas mantêm os anti- processos de sedimentação e flutuação, bem
gos poços, cuja água é usada juntamente como sob coloração pela hematoxilina, esco-
com a água tratada. Não há rede de lhemos, tendo em vista os fins visados nesta
esgotos. Os dejetos são lançados em fos- primeira fase da investigação, o processo de
sas sépticas, construídas ao lado das residên- centrífugo-sedimentação com éter.
cias. Antes do loteamento, a região apresentava
vários alagadiços e era constituída de chácaras RESULTADOS
onde seus moradores se ocupavam principal- Até o presente, examinamos, pela maneira
mente da criação de gado bo'Vino leiteiro. Com acima descrita, 166 espécimes fecais colhidos
o loteamento, houve drenagem dessas coleções dre amostra não selecionada de moradores do
liquidas, que hoje são pouco numerosas. Nes- bairro de Uberaba, constituída de adultos , e
ses alagadiços, mesmo nos poucos ainda exis- crianças, com a finalidade de obter os primei,
ten1Jes, cresce em abundâmcia o agrião, Nastur- ros dados que servirão de orientação para o
tium officinale, R. Bro (*). E moradores da lo- andamento da investigação que nos propuse-
calidade afirmam que consomem esse vegetal, mos levar a cabo, ,em relação à fasciolose hepá-
crescido em condições silvestres. Entre esses tica humana em Curitiba (AMARAL & BU-
moradores, já encontramos alguns, portadores SETTI 2).
de Fasciola hepatica, como detalharemos mais Os resultados do exame parasitológico de
adiante. E todos esses parasitados por aquele fezes desses 166 pacientes acham-s·e discrimi-
trematódeo referiram o consumo sistemático nados no Quadro I.
desse alimento, que, como se sabe, é o princi-
pal veículo da forma infestante da Fasciola he- QUADRO I
patica para o homem. Prevalência de Helmintos e Protozoários em 166 exa-
mes copro!ógicos de pacientes do Bairro de .Uberaba,
Em pequenas coleções líquidas, ,ainda hoje Curitiba
existentes no bairro, já encontramos moluscos
que pudemos classificar como pertencentes à Exames de fezes positivos
família Lymnaeidae, que contém as especies Espécies de parasitas
que funcionam como hospedeiros intermediá- NQ %
rios da Fasciola hepatica.
Ascaris lumbricoiàes 48 28,9
AtualmentJe, não encontramos na região Trichuris trichiura 72 43,3
em que estamos trabalhando criação sistemáti- Ancilostomídeo 65 39,1
ca de gado bovino leiteiro. Mas podemos. infor- Taenia sp. 7 4,2
mar que, examinando bovinos do bairro do Bo- Rymenolepis nana 9 5,4
queirão, que é próximo ao de Uberaba, verifi- Fasciola hepatica 8 4,8
Strong:yloides stercoraHs 9 5,4
camos parasitismo pela Fasciola hepatica.
Entamoeba IIistoI;ytica 14 8,4
Para iniciar nosso inquérito epidemiológi- Entamoeba 1Ia1·tmanni 18 10,8
co, visando descobrir os portadores humanos Entamoeba coli 30 18,0
de F. hrepatica, escolhemos o exame copropara- Iodamoeba bütschlii 6 3,6
sitológico de u'a amostra dos moradores do E11dolimax nana 27 16,2
Giardia lamblia 28 16,8
bairro. As fezes dos pacientes foram colhidas,
Sarco(\ystis hominis 1 0,6
imediatamente após a evacuação, em fixador
simples, estável e relativamente não tóxico - Total de positivos 138 83,1
SAF - composto de acetato de sódio, ácido ······
Total de negativos ..... 28 16,8
acético, formalina e água, de acordo com as
recomendações encontradas no trabalho de
YANG & SCHOLTEN 15. Originalmente utiliza- COMENTARIOS E CONCLUSÕES
do por JUNOT :10, o SAF, s,abe-se, serve, não
Deixando de comentar, pelo momento, a
(*) A classificação botânica foi feita pelo Prof. Dr.
incidência de parasitoses intestinais no bairro
Olavo Araujo Guimarães, a quem agradecemos. de Uberaba (Curitiba), chamamos a atenção
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para o encontro de 8 casos novos de portado- me dos dados nele contidos, verifica-se que,
res humanos de Fasciola hepatica, que se acres.- até 1977, haviam sido descritos no Brasil 12
centam aos dois já referidos por BARANSKI casos de fasciolose hepática humana. Em fins
& col. 4. Frisamos que a possibilidade de falsa daquele ano e em 1978, foram dados a conhe-
fasciolose foi excluída mediante anamnese cer mais 10 casos do Bairro de Uberaba (Curi-
adequada e repetição dos exames coprológicos.
1 tiba). Devemos informar que, após remessa
A incidência da Fasciola hepatica na amos- desta nota para publicação, mais 2 casos no-
tra humana por nós estudada é, assim, de vos foram por nós descobertos, no mesmo bair-
4,8%. Naturalmente, não deve representar tal ro, elevando para 12 os casos de fasciolose he-
porcentagem a incidência real, que só poderá pática humana em Curitiba. Assim, enquanto
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sier obtida por exame de amostragem significa- em todo o Brasil, até 1977, tinham sido dados a
tiva do total da população do bairro de Ubera- conhecer, ao todo, 12 casos humanos daquela
ba, a qual, de acordo com dados oficiais a nós parasitose, apenas em um bairro de Curitiba
fornecidos pelo Instituto de Pesquisa e Plane- foram encontrados mais 12 portadores huma-
jamento Urbano de Curitiba, (IPPUC), foi cal- nos de F. hepatica, de fins de 1977 até fins de
culada para o •amo de 1978 em 25.579 habitantes. 1978. Depreende-se da leitura da presente no-
Os dados obtidos até agora, porém, mos- ta que o bairro Uberaba, por nós investigado,
tram que devemos continuar a nossa inviesti- apresenta todas as condições epidemiológicas
gação epidemiológica sobre a fasciolose hepá- para a existência da fasciolose hepática huma-
tica humana nesta cidade brasileira, para co- na. Prosseguiremos ein nossas pesquisas, não só
nhecer com exatidão a importância do proble- para conhe0er a incidência real da F. hepatica
ma. na população humana, em Curitiba, como pa-
A título de comparação, apres entamos, no
1 ra trazer subsídios para estudo do parasitismo
Quadro II, todos os casos de fasciolose hepáti- por aquele verme em outras áreas do Territó-
ca humana diagnosticados no Brasil. Pelo exa- rio Nacional.
QUADRO II
Casos de fasciolose hepática humana diagnosticados no Brasil
(1958 a 1978)
1958 REY & col. 12 Campo Grande (Est. Exame coproparasito- Hoffman, Pons & 1 0,1
de Mato Grosso do lógico de 1000 mora- Janer
Sul) dores do meio rural
1967 SANTOS & col. 14 Zona urbana e su- Exame coproparasi- Hoffman, Pons & 2 0,7
burbana de Uruçu- tológico de 268 pa- Janer
ca (Est. da, Bahia) cientes (crianças e
adultos)
1971 CORRÊA & Cornélia Procópio Estudo clínico e te- Hoffman, Pons & 1
FLEURY8 (Est. do Paraná) rapêutico Janer
1977 AMATO NETO & Vale do Paraíba, Est. Estudo clínico Exame de fezes e en- 1
SILVA• de s. Paulo (Caça- contro do verme em
pava) ato cirúrgico
1977 BARANSKI & col. 4 Bairro de Uberaba, Estudo clinico e te- Hoffman, Pons & 2
Curitiba, Est. do rapêutico Janer e tubagem
Paraná duodenal
1979 AMARAL & Bairro de Uberaba, Exame coproparasi- Centrífugo-sedimen- 8 4,8
BUSETTI' Curitiba, Est. do tológico de 166 pa- tação com éter
Paraná cientes
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