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Tal ideia, porém, não é verdadeira para todas as espécies de parasitos consideradas, pois
algumas se originaram em humanos por herança de seus ancestrais, mostrado por estudos
cladísticos, como os do parasitologista francês Jean-Pierre Hugot, estudioso da filogenia
dos oxiurídeos de primatas, e pelos dados da paleoparasitologia, que se acumulam ao
evidenciar infecções por espécies de parasitos no passado remoto.
Uma abordagem com forte potencial é o estudo de parasitos fósseis com as técnicas de
biologia molecular. Isso adiciona uma terceira dimensão, além dos achados da
paleoparasitologia e dos estudos cladísticos, ao se reconstruir mudanças e permanências
em sequências de genes ao longo do tempo, usando-se as técnicas da biologia molecular.
Porém, é difícil, e na grande maioria das vezes, impossível recuperar-se material genético
de fósseis parcial ou totalmente mineralizados. Mesmo em peças de museu, muitas vezes
há contaminações modernas, que impedem a precisão do diagnóstico.
Em relação ao estudo da evolução dos parasitos, é importante pensar neles como parte de
uma relação de um sistema complexo, composto pelo parasito, o hospedeiro, e o ambiente
onde se situam. Quando possível, é precioso entender-se a relação de uma espécie de
parasito com seu hospedeiro, e como essa relação é afetada pelo ambiente. Daí então,
podem-se inferir aspectos da ecologia de doenças em povos antigos, ou patoecologia,
como assim chamou Karl Jan Reinhard, bioarqueólogo e paleoparasitologista norte-
americano.
Os humanos são parasitados por uma série de organismos, como vírus, bactérias,
protozoários, helmintos, artrópodes, entre outros, desde que surgiram como espécie, há
alguns milhões de anos. E há ainda que se considerar o parasitismo molecular, em que o
próprio genoma do hospedeiro constitui-se de uma “quimera”, construída por milhões de
anos de parasitismo. Como em todos os outros seres vivos, não há vida humana sem a
presença de parasitos.
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Estudos conduzidos por Daniel Brooks e Jean-Pierre Hugot mostraram que a filogenia de
oxiurídeos é paralela à filogenia de primatas, concluindo que os oxiurídeos evoluíram
mutuamente com humanos e, anteriormente, com os hospedeiros hominídeos.
Os dados sugerem que A. lumbricoides tem uma origem evolutiva mais antiga do que se
acreditava anteriormente. Encontraram-se as primeiras evidências em coprólitos humanos
escavados na França, datados de 28.000 anos pelo grupo da paleoparasitologista francesa
Françoise Bouchet. O material arqueológico foi datado do período Neolítico, muito antes
da domesticação de porcos.
Artigos recentes têm mostrado evidências que A. lumbricoides e A. suum são a mesma
espécie e que, as variações genéticas entre as duas supostas espécies são mínimas. E, mais
ainda, as divergências que pretensiosamente as diferenciavam encontravam-se em
parasitos provenientes de ambos os hospedeiros, em estudos feitos por Daniela Leles e
Alena Iñiquez, na Fundação Oswaldo Cruz.
Essa visão não era unânime. Olympio da Fonseca, filho, propunha que ambas as espécies
de parasitos já se encontravam em H. sapiens quando este surgiu como espécie, uma vez
que existem em antropoides africanos (Pan troglodytes, Gorilla gorilla).
Hoagland & Schad (1978), em um artigo clássico, investigaram a origem de espécies de
ancilostomídeos, usando as características biológicas e relações parasito-hospedeiro
observadas em N. americanus. Seus resultados apontaram para uma longa associação com
humanos. Os parâmetros verificados na comparação incluíam estratégias de infecção e
reprodução, assim como a baixa patogenicidade e virulência.
A presença de A. duodenale em populações pré-históricas nas Américas, especialmente
no nordeste do Brasil, datadas de 7.230±80 anos, trouxe novas contribuições. Nesse caso,
A. duodenale teria sua origem bem antes de 7.000 anos, já que tanto o hospedeiro humano
como o parasito são originários do Velho Mundo (Ferreira et al. 2011).
A infecção por Entamoeba coli em humanos passa despercebida, caso não se faça o
diagnóstico eventual por exame parasitológico de fezes. Esta espécie de amebídeo, ou
espécies muito próximas, encontram-se em primatas do Velho Mundo assim como em
antropoides, além dos humanos. Há evidências de uma origem por via filogenética, isto
é, a infecção por E. coli originou-se em ancestrais humanos e permanece na atualidade. É
um protozoário que tem por hábitat o intestino grosso, onde alimenta-se de bactérias aí
existentes ou que venham a ser ingeridas pelo hospedeiro. Guarda, portanto, semelhanças
com espécies de vida livre habitantes de ambientes aquáticos. Porém, o fato de existirem
espécies de amebídeos de vida exclusivamente livre, como Amoeba proteus, encontrada
em coleções de água na natureza, espécies que podem infectar e causar doenças em seus
hospedeiros, como Acanthamoeba sp., e E. coli, parasito exclusivo de algumas espécies
de primatas, com hábitos alimentares semelhantes, não significa que haja transição de
uma forma de vida para outra, isto é, da vida livre ao parasitismo.
Esta é tendência dominante nos estudos sobre evolução do parasitismo: explicar-se a vida
parasitária a partir da vida livre, buscando-se exemplos que possam traçar uma linha
contínua de um extremo a outro, da vida livre à completa dependência no hospedeiro.
Esta é a maneira pela qual se tenta explicar o parasitismo entre quinetoplastídeos, das
espécies de vida livre entre bonadídeos aos tripanosomatídeos dependentes de
hospedeiros invertebrados e vertebrados.
Um amplo estudo sobre as origens da infecção humana por T. cruzi teve início nas
Américas, desenvolvido independentemente por diferentes equipes de pesquisadores.
A teoria clássica sobre a origem da doença de Chagas admitia seu início em grupos
humanos, há 6.000 anos, a partir da adoção do sedentarismo e domesticação de animais,
particularmente de pequenos roedores (Cavia sp.), o que teria atraído para as residências
o vetor Triatoma infestans. Desde então, a infecção humana por T. cruzi disseminou-se
seguindo a expansão da cultura Tiwanaku e posteriormente Inca, chegando aos dias
atuais. Porém, a doença de Chagas não existia entre os grupos indígenas nas terras
brasileiras, por serem na maioria nômades e adotarem moradias em que as espécies de
triatomíneos não se adaptaram. Esta era a teoria clássica, aceita e usada para explicar a
introdução de T. infestans somente durante o período colonial, com a disseminação das
casas de pau-a-pique, às quais esta espécie de vetor adaptou-se muito bem. Esta teoria
sobre a origem da infecção humana por T. cruzi foi discutida por especialistas em doença
de Chagas, como João Carlos Pinto Dias, José Rodrigues Coura e Roberto Briceño León,
entre outros.
No continente americano a primeira variante a surgir foi a pinta, a forma mais benigna da
infecção, mas há também a hipótese de que a bouba tenha sido a primeira forma a
aparecer.
As evidências de lesões compatíveis causadas por treponemas no Velho Mundo situam-
se na Itália, em uma colônia grega datada de cerca de 580 a 250 anos a.C. (antes de Cristo).
Em datações próximas, encontraram-se também evidências no Irã e sul da Índia. Nas
Américas, lesões em esqueletos datam de mais de 5.000 anos AP (antes do presente),
porém as evidências mais consistentes datam de 300 a.C. Lesões em esqueletos
compatíveis com treponematoses encontram-se em várias regiões da Europa desde o
Império Romano. Na Austrália, há evidências em esqueletos que antecedem a chegada
dos europeus.
Porém, esta não é a visão unânime dos especialistas, pois um grupo defende a origem
americana para a sífilis venérea, levada pelos marinheiros de Colombo para a Europa.
Buscam-se evidências nas lesões ósseas encontradas em esqueletos pré-colombianos,
restando ainda uma confirmação mais consistente.