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Texto retirado do Livro:

ARAÚJO A, FERREIRA LF, CHIEFFI PP 2016. Os Parasitos: do passado ao futuro. Rio


de Janeiro, Walprint gráfica e Editora, p. 53-67.

Origem dos Parasitos Humanos

Os estudos sistemáticos sobre origem de helmintos parasitos tiveram notável impulso


com os trabalhos em parasitologia evolutiva do inglês, formado na Suíça, Jean Baer e
pelo escocês, radicado no Canadá, Thomas Cameron. Esses autores especularam sobre a
domesticação de animais e plantas e passagem de parasitos para a espécie humana. Estas
ideias confirmam-se a cada novo achado da paleoparasitologia, fazendo crescer as
evidências para a hipótese sobre origem de que diversos parasitos humanos, como os
agentes da tuberculose, sarampo, varíola, teníase, entre outros, estar associada ao
surgimento da agricultura e domesticação de animais e consequente aglomeração das
gentes.

Tal ideia, porém, não é verdadeira para todas as espécies de parasitos consideradas, pois
algumas se originaram em humanos por herança de seus ancestrais, mostrado por estudos
cladísticos, como os do parasitologista francês Jean-Pierre Hugot, estudioso da filogenia
dos oxiurídeos de primatas, e pelos dados da paleoparasitologia, que se acumulam ao
evidenciar infecções por espécies de parasitos no passado remoto.

A paleoparasitologia proporciona meios para traçar a origem e a dispersão de parasitos


utilizando diversos métodos. Podem-se obter evidências diretas de parasitos fósseis em
coprólitos (fezes conservadas nos sítios arqueológicos ou paleontológicos), múmias,
latrinas ou sedimentos de sítios arqueológicos e nos materiais mais diversos. Uma vez
datados por técnicas adequadas, os resultados mostram a distribuição paleogeográfica das
infecções parasitárias. Nos estudos de paleoparasitologia, a interação com diversos
campos da ciência tem sido fundamental. O trabalho conjunto com arqueólogos ou
paleontólogos, assim como outros especialistas, ajuda na obtenção de material e
interpretação dos resultados. Tanto a antropologia, a genética, como as técnicas da
biologia molecular se unem para tentar respostas mais consistentes sobre as evidências
da paleoparasitologia. Resultados construídos por recuperação de material genético de
parasitos em vestígios arqueológicos permitem respostas sobre paleofilogeografia, as
relações filogenéticas entre espécies ao longo do tempo distribuídas no espaço, como
mostram os resultados da pesquisadora Katharina Dittmar de La Cruz.

Outra abordagem consiste em estudar as relações de parasitos atuais por estudos


cladísticos, com fundamento em dados morfológicos ou biologia molecular e inferir suas
origens. Alguns estudos resultaram em filogenias de parasitos por esses mecanismos.
Pode-se determinar o aparecimento de algumas espécies de parasitos usando-se o relógio
molecular, uma técnica genética capaz de distinguir quando duas espécies divergiram.
Foi usada por cientistas para determinar o tempo de evolução das espécies e continua a
ser empregada no estudo de infecções parasitárias de importância em saúde pública.

Uma abordagem com forte potencial é o estudo de parasitos fósseis com as técnicas de
biologia molecular. Isso adiciona uma terceira dimensão, além dos achados da
paleoparasitologia e dos estudos cladísticos, ao se reconstruir mudanças e permanências
em sequências de genes ao longo do tempo, usando-se as técnicas da biologia molecular.
Porém, é difícil, e na grande maioria das vezes, impossível recuperar-se material genético
de fósseis parcial ou totalmente mineralizados. Mesmo em peças de museu, muitas vezes
há contaminações modernas, que impedem a precisão do diagnóstico.

Outro método para datar a emergência de parasitos, e relacioná-los à especiação de seus


hospedeiros, é sobrepor à filogenia dos parasitos a de seus hospedeiros. Se as filogenias
forem congruentes, pode-se inferir uma evolução mútua das espécies de parasitos e
hospedeiros. No caso, a localização de espécies de parasitos no tempo e no espaço baseia-
se na datação dos fósseis de hospedeiros, seja pelo encontro de formas parasitárias no
registro arqueológico ou paleontológico, seja pela recuperação de material genético capaz
de determinar a identificação específica de parasito e hospedeiro, em um processo
dinâmico da história do processo evolutivo de cada relação entre eles.

Em relação ao estudo da evolução dos parasitos, é importante pensar neles como parte de
uma relação de um sistema complexo, composto pelo parasito, o hospedeiro, e o ambiente
onde se situam. Quando possível, é precioso entender-se a relação de uma espécie de
parasito com seu hospedeiro, e como essa relação é afetada pelo ambiente. Daí então,
podem-se inferir aspectos da ecologia de doenças em povos antigos, ou patoecologia,
como assim chamou Karl Jan Reinhard, bioarqueólogo e paleoparasitologista norte-
americano.

Os humanos são parasitados por uma série de organismos, como vírus, bactérias,
protozoários, helmintos, artrópodes, entre outros, desde que surgiram como espécie, há
alguns milhões de anos. E há ainda que se considerar o parasitismo molecular, em que o
próprio genoma do hospedeiro constitui-se de uma “quimera”, construída por milhões de
anos de parasitismo. Como em todos os outros seres vivos, não há vida humana sem a
presença de parasitos.

Um exemplo interessante das relações hospedeiro-parasito é representado pela hipótese


aventada, em 1989, por um pesquisador inglês chamado D. P. Strachan que procurou
explicar o recente aumento de casos de atopia, com suas inúmeras manifestações clínicas,
na população mundial, principalmente na parcela que habita países desenvolvidos, por
meio do que denominou “hipótese higiênica”. De acordo com essa teoria, o declínio da
quantidade de pessoas nas famílias modernas, a melhoria da qualidade das habitações e
dos padrões de higiene vigentes diminuíram a chance de ocorrência de uma série de
infecções, resultando em menor estímulo externo ao funcionamento do sistema imune
que passaria, então, a reagir de forma anômala, originando alergias, além de doenças
inflamatórias intestinais e outras doenças auto-imunes. Recentemente Kramer e
colaboradores, reavaliaram essa teoria levantando a hipótese de que o aumento da
incidência de atopia e de outras “doenças da civilização” não seria exatamente
consequência do incremento de medidas de higiene per si e sim da redução de exposição
a determinadas infecções, incluindo as representadas por certas espécies de helmintos
enteroparasitos, especialmente nos primeiros anos da existência, como resultado da
melhoria dos padrões de vida. Assim, a relação inversa entre a ocorrência de alergias e a
exposição a infecções por Toxoplasma gondii, Schistosoma spp. ou parasitoses intestinais
daria suporte à hipótese da diminuição do desafio precoce do sistema imune, como fator
que desencadearia fenômenos de atopia. Tal fenômeno basear-se-ia no fato da infecção
por esses parasitos modular o sistema imunológico, diminuindo a probabilidade de
ocorrência de reações de auto-imunidade e permitindo, em muitos casos, coexistência
pacífica entre hospedeiros e parasitos.
Nathan Wolfe, Claire Dunavan e Jared Diamond publicaram artigo em que analisam as
maneiras pelas quais parasitos poderiam se transferir de animais (não considerando seres
humanos nessa categoria) para seres humanos e identificam vários estágios nesse
processo (Wolfe et al. 2007):
1. Os parasitos são detectados em animais, porém não em seres humanos, a não ser em
condições muito particulares. É o caso de algumas espécies do gênero Plasmodium
específicas para determinada espécie de animal e eventualmente encontrada em seres
humanos com déficit em sua resposta imunitária, como indivíduos submetidos a
esplenectomia.
2. O parasito é transmitido de animais para seres humanos sem, contudo, ocorrer
transmissão inter-humana. É o que sucede com alguns vírus como os causadores de raiva,
o West Nile, o Nipah, etc..
3. O parasito tem origem animal, entretanto, ao ser transmitido para seres humanos é
capaz de apresentar ciclos de transmissão inter-humana ocasionais. São exemplos dessa
categoria os vírus Ebola, Marburg e da varíola de primatas.
4. Trata-se de parasitos de animais com ciclo natural silvestre que, ao infectar seres
humanos, podem resultar em transmissão inter-humana sem nova participação dos
hospedeiros originais. Nessa categoria encontram-se parasitos que mantêm graus
diferenciados de dependência com seus hospedeiros originais, como o que sucede nos
caso das tripanosomíases americana e africana, da febre amarela, dengue, cólera e
influenza A.
5. É o caso de parasitos exclusivamente humanos, porém com origem remota em animais
como a agente da malária falciparum, os vírus do sarampo, rubéola, caxumba e, mais
recentemente, o HIV-1.

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Helmintos parasitos de humanos

Entre os nematoides parasitos de humanos há o exemplo de Enterobius vermicularis,


transmitido de hospedeiro a outro sem, necessariamente, ter passagem pelo solo. A
oxiuríase, ou enterobíase, encontra-se tão bem adaptada aos humanos que se distribui por
todo o globo, nos mais diversificados biomas, independentemente de temperatura,
umidade, ou outros fatores de transmissão no ambiente externo. Tanto os habitantes
naturais do Ártico como das matas tropicais do Amazonas, da Austrália ou da Patagônia,
encontram-se infectados por E. vermicularis.

Estudos conduzidos por Daniel Brooks e Jean-Pierre Hugot mostraram que a filogenia de
oxiurídeos é paralela à filogenia de primatas, concluindo que os oxiurídeos evoluíram
mutuamente com humanos e, anteriormente, com os hospedeiros hominídeos.

O registro da paleoparasitologia mostra dados cuja antiguidade remonta há 10.000 anos,


em grupos indígenas norte-americanos em Great Basin, Estados Unidos. A presença de
E. vermicularis nesses períodos tão antigos confirma que os oxiurídeos foram
introduzidos nas Américas com os primeiros migrantes. Registraram-se também achados
em múmias egípcias, anteriores às grandes navegações de portugueses e espanhóis,
mostrando sua origem no continente africano.

Trichuris trichiura, um nematoide incluído entre os geo-helmintos que parasitam o


intestino grosso de humanos, também se originou em ancestrais pré-hominídeos. Havia
duas hipóteses alternativas para a origem da infecção humana por T. trichiura, revistas
por Ulisses Confalonieri em sua tese de doutorado, em 1983. Uma delas refere que T.
trichiura originou-se com a domesticação do porco (Sus scrofa), e que seria uma espécie
derivada de T. suis. Embora análises mostrem que são espécies distintas, elas mantêm
características morfológicas muito semelhantes, tendo divergido em período bem recente.

O parasito de suínos encontra-se em S. scrofa (porco doméstico e javali). T. trichiura


infecta hominoides na natureza, incluindo espécies do gênero Pongo, Pan e Hylobates, e
dois cercopitecídeos, Macaca e Papio. A espécie T. trichiura emergiu com a evolução
dos Hominoidea e, como E. vermicularis, já existia em hominídeos desde que eles
apareceram.

Os achados paleoparasitológicos de ovos de T. trichiura em corpos mumificados e


coprólitos humanos sustentam a hipótese de que a espécie antecede a data estimada para
domesticação de porcos. A conhecida múmia Ötzi, dos Alpes tiroleses, estava infectada
por T. trichiura há 5.300 anos, assim como corpos mumificados encontrados nas turfeiras
europeias, antes das datas admitidas para a domesticação dos porcos. No Novo Mundo,
encontraram-se ovos de T. trichiura em coprólitos humanos datados de cerca de 5.000
anos atrás (Confalonieri 1988).

Do mesmo modo, a semelhança morfológica dos nematoides intestinais Ascaris


lumbricoides e A. suum, os ascarídeos de humanos e suínos, respectivamente, levou à
proposta de que a evolução desses parasitos estava, de alguma maneira, relacionada.
Geneticamente, esses parasitos diferem muito pouco entre si e podem ser considerados
como espécies-irmãs (sibling species, em inglês). Com efeito, comprovou-se que A. suum
pode infectar humanos e, por sua vez, A. lumbricoides pode infectar suínos, como visto
por Daniela Leles em sua tese de doutorado. Propunha-se que a separação evolutiva
tivesse acontecido muito recentemente e existiam dúvidas se, de fato, seriam duas
espécies distintas. Recentemente, a paleoparasitologia molecular comprovou tratar-se de
uma só espécie, em estudos desenvolvidos no Brasil.

Desde os trabalhos pioneiros de Thomas Cameron, em 1927 e 1956, admitia-se que A.


lumbricoides fosse originado da espécie encontrada em suínos. Porém, a infecção por A.
lumbricoides foi confirmada em sítios arqueológicos da América do Norte e do Sul. A
datação mais antiga do encontro desse parasito é de 5.000 anos. Até onde se sabe, A.
suum não infecta porcos selvagens sul-americanos em condições naturais (Artiodactyla,
Tayassuidae). A domesticação de porcos deve ter ocorrido no Velho Mundo em torno de
7.000 anos atrás.

Portanto, a presença de A. lumbricoides no Novo Mundo é inconsistente com uma origem


evolutiva de A. lumbricoides a partir de A. suum após a domesticação dos porcos.

Os dados sugerem que A. lumbricoides tem uma origem evolutiva mais antiga do que se
acreditava anteriormente. Encontraram-se as primeiras evidências em coprólitos humanos
escavados na França, datados de 28.000 anos pelo grupo da paleoparasitologista francesa
Françoise Bouchet. O material arqueológico foi datado do período Neolítico, muito antes
da domesticação de porcos.

Os resultados da paleoparasitologia indicam uma longa história de infecção por A.


lumbricoides na Europa, tornando-se muito mais comum nas condições insalubres e de
aglomeração da Europa medieval. Os europeus encarregaram-se de dispersar o parasito
quando colonizaram outras regiões do globo. O processo desordenado de urbanização,
propiciando condições de contaminação ambiente por matéria fecal, tornou a infecção por
A. lumbricoides parte inevitável da vida urbana.

Artigos recentes têm mostrado evidências que A. lumbricoides e A. suum são a mesma
espécie e que, as variações genéticas entre as duas supostas espécies são mínimas. E, mais
ainda, as divergências que pretensiosamente as diferenciavam encontravam-se em
parasitos provenientes de ambos os hospedeiros, em estudos feitos por Daniela Leles e
Alena Iñiquez, na Fundação Oswaldo Cruz.

A infecção humana por ancilostomídeos também é interessante. Considera-se o sudeste


do deserto do Saara, na África, como centro de dispersão da infecção humana por Necator
americanus. A dispersão de Ancylostoma duodenale partiu de algum ponto do norte da
África, sul da Europa ou sul da Ásia. Após o aumento da comunicação entre os povos,
especialmente durante o século XIX, os limites da distribuição das duas espécies
tornaram-se menos nítidos, como observou Harold Manter, em 1967. Thomas Cameron,
em 1927, foi quem primeiro discutiu a origem das espécies de ancilostomídeos que
parasitam humanos. Para ele, inicialmente os canídeos selvagens e depois os domésticos
teriam sido a fonte de uma espécie ancestral de A. duodenale. Assim, os humanos
adquiriram este parasito após a domesticação de cães. Quanto a N. americanus, a espécie
ter-se-ia originado de parasitos de ungulados africanos, e um ancestral pré-hominídeo
teria sido parasitado no ecótono savana-floresta, no mesmo hábitat de zebras e gnus.
Portanto, A. duodenale teria surgido em H. sapiens, ao passo que N. americanus já
infectava ancestrais humanos.

Essa visão não era unânime. Olympio da Fonseca, filho, propunha que ambas as espécies
de parasitos já se encontravam em H. sapiens quando este surgiu como espécie, uma vez
que existem em antropoides africanos (Pan troglodytes, Gorilla gorilla).
Hoagland & Schad (1978), em um artigo clássico, investigaram a origem de espécies de
ancilostomídeos, usando as características biológicas e relações parasito-hospedeiro
observadas em N. americanus. Seus resultados apontaram para uma longa associação com
humanos. Os parâmetros verificados na comparação incluíam estratégias de infecção e
reprodução, assim como a baixa patogenicidade e virulência.
A presença de A. duodenale em populações pré-históricas nas Américas, especialmente
no nordeste do Brasil, datadas de 7.230±80 anos, trouxe novas contribuições. Nesse caso,
A. duodenale teria sua origem bem antes de 7.000 anos, já que tanto o hospedeiro humano
como o parasito são originários do Velho Mundo (Ferreira et al. 2011).

A origem do parasitismo por A. duodenale em humanos deve se encontrar, tal como N.


americanus, em uma via filogenética, oriunda em pré-hominídeos. Estudos recentes de
filogenia, baseados em sequências de ADN, parecem confirmar essas hipóteses, ao
mostrarem relações filogenéticas que comprovam uma história mais antiga para A.
duodenale do que para N. americanus. Porém, ao contrário de A. lumbricoides, esta é uma
história que ainda precisa ser esclarecida, principalmente com uso das técnicas da biologia
molecular e suas interpretações aplicadas em paleoparasitologia.

Infecções por helmintos produzem em seu hospedeiro definitivo imunomodulação, com


predominância de resposta Th2, com produção e liberação de citocinas IL-4, IL-5 e IL-
13 que induzem linfócitos B à produção de anticorpos da classe IgE (van Riet et al., 2007).
Como a maioria das espécies de helmintos parasitos não consegue replicar-se em seus
hospedeiros definitivos, não podem utilizar o processo de variação antigênica,
frequentemente empregado por protozoários para escapar da resposta imunitária de seus
hospedeiros, outros mecanismos, como degradação de imunoglobulinas, mimetismo
molecular ou neutralização de moléculas imuno-ativas do hospedeiro, são empregados
(Aurialut et al., 1981; Maizels et al., 1993; Smith et al., 2005)

Protozoários parasitos de humanos

É um exemplo recorrente nas aulas introdutórias do curso de parasitologia mencionar


algumas espécies de amebas de vida livre como se estivessem em estágios intermediários
para a vida parasitária. Encontradas em coleções de água, tanto naturais como decorrente
de uso humano, inclusive tratadas com cloro, algumas espécies são capazes de invadir
tecidos e provocar sintomatologia grave, algumas vezes a morte, em humanos. O fato
seria decorrente de uma “adaptação” ao parasitismo, daí explicando-se a alta mortalidade
entre infectados. Porém, isto pode não estar correto. Isto é, as amebas de vida livre exibem
certa capacidade invasora de tecidos, mas não, necessariamente, caminham para uma
adaptação à vida parasitária. Embora haja casos graves de amebíase do sistema nervoso
central, inclusive seguidos de morte, há também descrição de infecções que se curaram.
Nada permite supor que certas espécies de amebas de vida livre estariam em um processo
de mudança, ou adaptação, para a vida parasitária.

A infecção por Entamoeba coli em humanos passa despercebida, caso não se faça o
diagnóstico eventual por exame parasitológico de fezes. Esta espécie de amebídeo, ou
espécies muito próximas, encontram-se em primatas do Velho Mundo assim como em
antropoides, além dos humanos. Há evidências de uma origem por via filogenética, isto
é, a infecção por E. coli originou-se em ancestrais humanos e permanece na atualidade. É
um protozoário que tem por hábitat o intestino grosso, onde alimenta-se de bactérias aí
existentes ou que venham a ser ingeridas pelo hospedeiro. Guarda, portanto, semelhanças
com espécies de vida livre habitantes de ambientes aquáticos. Porém, o fato de existirem
espécies de amebídeos de vida exclusivamente livre, como Amoeba proteus, encontrada
em coleções de água na natureza, espécies que podem infectar e causar doenças em seus
hospedeiros, como Acanthamoeba sp., e E. coli, parasito exclusivo de algumas espécies
de primatas, com hábitos alimentares semelhantes, não significa que haja transição de
uma forma de vida para outra, isto é, da vida livre ao parasitismo.

Esta é tendência dominante nos estudos sobre evolução do parasitismo: explicar-se a vida
parasitária a partir da vida livre, buscando-se exemplos que possam traçar uma linha
contínua de um extremo a outro, da vida livre à completa dependência no hospedeiro.
Esta é a maneira pela qual se tenta explicar o parasitismo entre quinetoplastídeos, das
espécies de vida livre entre bonadídeos aos tripanosomatídeos dependentes de
hospedeiros invertebrados e vertebrados.

Alguns estudos clássicos, e de importância para a paleoparasitologia, buscaram estas


informações. Lambrecht (1985) estudou evidências paleontológicas sobre espécies do
gênero Glossina na África, vetores de Trypanosoma rhodesiense e T. brucei. Sua análise
mostrou que o gênero Glossina originou-se durante o Plioceno. Com base em
características da resistência humana a diferentes espécies de Trypanosoma, Franlk
Lambrecht sugere que, pelo menos, uma espécie de Trypanosoma parasita hominídeos
por milhões de anos.
Portanto, o gênero Trypanosoma é outro parasito ancestral do grupo dos hominídeos. A
reconstrução de Frank Lambrecht foi verificada pela análise molecular de algumas
espécies de Trypanosoma. Stevens, Noyes & Gibson (1998) analisaram sequências de
rRNA de quatro espécies de Trypanosoma de primatas humanos e não humanos e
mostraram que T. brucei originou-se entre cinco a 15 milhões de anos e coevoluiu com
hominídeos.

Um amplo estudo sobre as origens da infecção humana por T. cruzi teve início nas
Américas, desenvolvido independentemente por diferentes equipes de pesquisadores.
A teoria clássica sobre a origem da doença de Chagas admitia seu início em grupos
humanos, há 6.000 anos, a partir da adoção do sedentarismo e domesticação de animais,
particularmente de pequenos roedores (Cavia sp.), o que teria atraído para as residências
o vetor Triatoma infestans. Desde então, a infecção humana por T. cruzi disseminou-se
seguindo a expansão da cultura Tiwanaku e posteriormente Inca, chegando aos dias
atuais. Porém, a doença de Chagas não existia entre os grupos indígenas nas terras
brasileiras, por serem na maioria nômades e adotarem moradias em que as espécies de
triatomíneos não se adaptaram. Esta era a teoria clássica, aceita e usada para explicar a
introdução de T. infestans somente durante o período colonial, com a disseminação das
casas de pau-a-pique, às quais esta espécie de vetor adaptou-se muito bem. Esta teoria
sobre a origem da infecção humana por T. cruzi foi discutida por especialistas em doença
de Chagas, como João Carlos Pinto Dias, José Rodrigues Coura e Roberto Briceño León,
entre outros.

Os dados da paleoparasitologia mudaram este paradigma, com o registro da infecção e


doença em corpos mumificados fora da região andina. Os dados mudaram também o
conceito de que a transmissão passou a ser feita entre os grupos humanos pré-históricos
da região do Pacífico somente após a domesticação de animais.

As evidências de lesão chagásica e presença de material genético de T. cruzi em corpos


mumificados das Américas foram revistos por Ferreira et al. (2011b) que mostraram que
a doença de Chagas acometia grupos humanos que viviam ou usavam com frequência
grutas e abrigos-sob-rocha em zonas do semiárido do Brasil central e na fronteira dos
Estados Unidos com México. O encontro de material genético de T. cruzi em múmias
Chinchorro, com datas anteriores às admitidas para o início do sedentarismo e
domesticação de animais também muda o conceito até então vigente sobre a origem da
doença de Chagas, feito pelo paleopatologista americano Arthur Aufderheide e seus
colegas da Universidade de Tarapacá, Arica, Chile, e da Universidade de los Andes,
Colômbia.

E ainda, como uma nova linha de investigação, surgiram os estudos de parasitos em


vetores preservados em âmbar, liderados por Poinar . Seu grupo encontrou triatomíneos
conservados em âmbar, nos quais foi possível a identificação de uma nova espécie de
Trypanosoma, datada de milhões de anos.
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Outros exemplos: sífilis, tuberculose e hanseníase
Treponematoses
As discussões sobre a origem das espécies de treponemas capazes de infectar o hospedeiro
humano, e mesmo sobre a separação destas espécies, são bastante conhecidas. Há três
subespécies de Treponema pallidum: Treponema pallidum pallidum, Treponema
pallidum pertenue, Treponema pallidum endemicum, e a espécie Treponema carateum,
respectivamente agentes da sífilis, bouba, sífilis endêmica não venérea e pinta. Os estudos
apontam para uma origem bem antiga, provavelmente em ancestrais africanos. A infecção
permaneceu nos hospedeiros ao longo das migrações pela península árabe, disseminando-
se pela Europa e Ásia. Pelo caminho da ponte de terra e gelo da região de Bering, atingiu
o continente americano. Aparentemente as populações do sul e sudoeste da Ásia
infectaram-se mais tarde, assim como na Oceania.

A origem africana baseia-se na infecção por treponemas em chimpanzés e outras espécies


de primatas, consistente com antiguidade em ancestrais comuns entre humanos e outros
primatas. Porém, não há nenhuma evidência paleopatológica em material antigo africano,
mesmo nas múmias egípcias.

No continente americano a primeira variante a surgir foi a pinta, a forma mais benigna da
infecção, mas há também a hipótese de que a bouba tenha sido a primeira forma a
aparecer.
As evidências de lesões compatíveis causadas por treponemas no Velho Mundo situam-
se na Itália, em uma colônia grega datada de cerca de 580 a 250 anos a.C. (antes de Cristo).
Em datações próximas, encontraram-se também evidências no Irã e sul da Índia. Nas
Américas, lesões em esqueletos datam de mais de 5.000 anos AP (antes do presente),
porém as evidências mais consistentes datam de 300 a.C. Lesões em esqueletos
compatíveis com treponematoses encontram-se em várias regiões da Europa desde o
Império Romano. Na Austrália, há evidências em esqueletos que antecedem a chegada
dos europeus.

Porém, esta não é a visão unânime dos especialistas, pois um grupo defende a origem
americana para a sífilis venérea, levada pelos marinheiros de Colombo para a Europa.
Buscam-se evidências nas lesões ósseas encontradas em esqueletos pré-colombianos,
restando ainda uma confirmação mais consistente.

A paleoparasitologia e a biologia molecular ajudam, assim, a traçar as origens de


infecções ainda hoje persistentes, situando-as no tempo e no espaço com informações
precisas e bem fundamentadas.

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