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Ansiedade na adolescência

Chico Nascimento Magonleji

SINOPSE

O texto traz à tona a situação vivida por diversos adolescentes nas escolas da
Educação Básica brasileira, o diálogo se desenvolve entre dois estudantes
adolescentes e uma professora que, mesmo sem o devido preparo, tenta
intermediar a situação. A dor da ansiedade é vivida, muitas vezes, na
invisibilidade ou até na insensibilidade de quem não sabe como agir diante de
determinados sofrimentos.

PERSONAGENS

Talita – 16 anos
Marcos – 16 anos
Débora – 40 anos

Cenário

Sala de reuniões de uma escola pública, uma mesa pequena, três cadeiras e
alguns quadros produzido por estudantes da escola.

CENA I – PEDIDO DE SOCORRO

Talita – (Apressada) Bom dia, professora Débora! Desculpa eu entrar correndo


assim...

Débora – Bom dia, Talita! Respira um pouco e depois fale com calma...

Talita – Desculpa, professora! Eu não estou aguentando mais...

Débora – O que foi? O que está acontecendo? Você me parece muito nervosa.

Talita – É Marcos, pró...

Débora – Marcos, aquele aluno quietinho que senta lá no fundo da sala?

Talita – Isso, é sobre ele que eu quero conversar com a senhora.

Débora – Nas minhas aulas ele é bem tranquilo, fica calado, não atrapalha, só
acho muito sonolento, ele te importunou?

Talita – Não! Ele precisa de ajuda! Aquele menino quietinho tem muitos
problemas...

Débora – Nas minhas aulas de Língua Portuguesa, ele não atrapalha, aliás,
nem se pronuncia...

Talita – A senhora acha isso normal?


Débora – Sabe Talita, são tantos alunos por turma, eu não percebo nada de
diferente...

Talita – Mas tem muita coisa que vocês professores não observam...

Débora – O que, por exemplo?

Talita – Vocês, professores, pensam que o aluno calado, quieto demais, é o


estudante ideal, nem imaginam o sofrimento que eles carregam...

Débora – Como assim? Marcos me entrega as atividades, mesmo não


participando muito das minhas aulas, as vezes, eu penso que ele seja muito
sonolento, por acaso ele toma algum medicamento que dá sono?

Talita – Não é isso, professora! Eu vim aqui pedir socorro a senhora, Marcos
está prestes a cometer suicídio!

Débora – Meu Deus! Com apenas dezesseis anos? Por que, Talita?

CENA II – DESABAFO

Talita – Professora, ele adora a senhora, foi por isso que eu vim falar... se a
senhora olhar bem o caderno dele, na contracapa tem a sua foto...

Débora – Não me diga que ele é apaixonado por mim?

Talita – Não é isso pró. Acho que ele vê na senhora a mãe que ele gostaria de
ter...

Débora – Que susto! Ele fala isso?

Talita – A senhora é a única professora pra quem ele faz as atividades, Marcos
quase não consegue dormir, passa a noite no celular, a gente conversa até
tarde...

Débora – Segunda feira eu terei uma conversa com ele, vocês jovens precisam
ter mais responsabilidades, a vida não está fácil pra ninguém, a turma de vocês
tem umas pestes que...

Talita – Pestes, professora? É assim que a senhora vê a gente?

Débora – Desculpe-me, Talita! É que, tem horas que vocês tiram a gente do
sério, uma conversaria que não acaba mais, é o tempo todo eu parando a aula
pra reclamar, isso cansa, sabe?

Talita – Por causa do estresse de vocês professores e pela falta de atenção


dos nossos pais, nós, adolescentes, acabamos tendo que nos virar sozinhos...

Débora – Vocês ficam o tempo todo no celular...


Talita – Fuga!

Débora – Vocês falam umas gírias nada a ver...

Talita – Expressão da juventude!

Débora – É umas danças estranhas desse tal Tic Tok...

Talita – Alegria, diversão!

Débora – Eu considero que existe um grande conflito de gerações...

Talita – A senhora manda a gente ler romances do passado...

Débora – É muito importante pra aprendizagem de vocês!

Talita – Por acaso as suas aulas não deveriam contextualizar também a nossa
realidade?

Débora – Como assim?

Talita – Essas danças estranhas fazem parte do nosso mundo, as letras das
músicas que nós ouvimos também trazem boas mensagens, mas como a sua
geração não ouve, tudo o que fazemos não presta. Pronto, falei!

Débora – É me afrontando que você pede ajuda?

Talita – Se eu não puder ser sincera com a senhora, nem vou continuar...

Débora – Peraí, vamos conversar, o que está acontecendo com Marcos?

CENA III – Conflito familiar

Talita – Ansiedade, pró! Será que a senhora vai poder ajudar?

Débora - A ansiedade é caracterizada por um medo exacerbado em relação ao


futuro, com uma preocupação exagerada que distorce o cenário real,
alimentando diversos pensamentos negativos.

Talita – Ele já sabe disso, a Psicóloga já teve três sessões com ele...

Débora – Olhe, Débora, além do Transtorno de Ansiedade


Generalizada (TAG), existem outros, como pânico, fobias e ansiedade social.
O Estresse Pós-Traumático e o Transtorno Obsessivo-Compulsivo
(TOC) também são classificados como transtornos de ansiedade. Qual desses
afeta a vida de Marcos?
Talita – Professora Débora, se a senhora puder conversar com ele, não vá pela
linha da Psicologia, ouça Marcos com a sua humanidade, tenho certeza que
ele vai ficar melhor!

Débora – Tudo bem, onde ele está?

Talita – Eu vou chama-lo, sei que já bateu o último horário, mas é por uma boa
causa...

Débora – Tudo bem, estarei no aguardo!

(Talita retorna com Marcos)

Marcos – Bom dia, professora Débora!

Débora - Bom dia, Marcos! Talita me disse que você gostaria de conversar
comigo...

Marcos – (Cabisbaixo) Se a senhora puder me ouvir...

Talita – Quer que eu saia, Marcos?

Marcos – Não Ta, pode ficar aqui...

Débora – Eu só vou pedir pra você levantar a cabeça e olhar nos meus olhos...
tudo bem?

Marcos – Tá certo, professora! É meio difícil pra mim, mas vou tentar...
(Segura na mão de Talita)

Débora – Você é um jovem bonito e vejo que sempre realiza as atividades de


Língua Portuguesa! Parabéns!

Marcos – Obrigado, professora! A senhora é a única pessoa que me elogia!

Débora – E em casa?

Marcos – Em casa eu sou invisível, a minha mãe só enxerga o meu padrasto e


o filho deles...

Débora – Como é o nome do seu irmão?

Marcos – (Irritado) Eu não tenho irmão!

Talita – Calma, Marcos! A professora quer saber o nome do outro filho da sua
mãe...

Marcos – É Diego, ele tem dez anos, é o rei da casa! Eu sou o imprestável!

Débora – Não diga isso!


Marcos – A senhora quer que eu diga o quê, professora? Em casa, Diego tem
notebook, televisão no quarto, iphone, até carro pra levar pra escola... ele não
pode sentir nada que a minha mãe e o marido dela ficam doidos, na semana
passada eu estava sentindo uma forte dor de cabeça, o meu padrasto mandou
eu tomar um banho frio e a minha mãe deixou um comprimido em cima da
minha cama... isso é o cuidado que eu mereço...

Talita – Tem mais, pró, Marcos não pode levar nenhum amigo em casa...

Débora – Meu Deus, que absurdo! E na escola, seus colegas te tratam bem?

Marcos – Eles me chamam de abestalhado, dizem que eu sou um zero a


esquerda, ninguém me quer nos grupos de trabalho...

Débora – Gente, eu nunca percebi isso!

Marcos – Vocês, professores e professoras nunca percebem a nossa


realidade... o mundo de vocês é dar conteúdos, nunca importa o que a gente
está sentindo!

Talita – Marcos, a professora Débora está lhe ouvindo, ela está lhe dando
atenção...

Marcos – A quanto tempo eu estudo nessa escola? É o meu terceiro ano do


Ensino Médio, essa é a primeira vez que estou conversando com uma
professora...

Débora – Desculpe, meu filho! Eu reconheço que o trabalho toma todo o tempo
da gente, mas eu estou aqui pra te ouvir...

Marcos – A senhora me chamou de filho?

Débora – Sim, eu o chamei de filho!

Marcos – (Corre para os braços da professora) Obrigado, professora


Débora!

Talita – Marcos, seja corajoso, fale com a professora aquilo que você
conversou comigo hoje quando chegou na escola...

Débora – Confie em mim, pode abrir o seu coração!

Marcos – É isso mesmo professora, eu não estou aguentando mais, quero dar
um fim nesse sofrimento...

Débora – Se eu falar com a sua mãe pra você passar uns dias comigo, você
aceita?

Marcos – Eu, na sua casa? É claro que topo! (Sorri e abraça Débora)
Talita – A senhora tem filhos, professora Débora?

Débora – Não, Talita, eu moro sozinha, vai ser bom ter a companhia de Marcos
por uns dias...

Marcos – Pró, eu sei que isso não vai resolver de vez a minha vida, mas eu
quero aproveitar essa chance pra tentar mudar as minhas ideias...

Talita – Marcos, suspenda os punhos do casaco, veja professora, ele vem se


mutilando desde o início do ano...

Débora – Eu quero ajudar você a superar esse sofrimento, mas quero que você
também se ajude, é muito importante continuar as sessões com a Psicóloga,
tudo bem?

Marcos – Tá certo professora, eu quero tentar, a senhora está me dando uma


nova chance de vida...

Talita – Vamos embora, Marcos, obrigado Professora Débora...

Débora – Hei, esperem aí, eu vou dar carona a vocês e aproveito para
conversar com a sua mãe hoje mesmo, tudo bem?

Marcos e Talita – (Gritam de alegria e abraçam Débora)

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