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Ensinar

Filosofia
um livro para professores
Renata Lima Aspis
Silvio Gallo

Ensinar
Filosofia
um livro para professores
Ensinar Filosofia
um livro para professores
1ª edição
Copyright © 2009 Renata Lima Aspis e Silvio Gallo
Outubro 2009

Projeto Gráfico, Diagramação e Capa: Dagui Design


Revisão de Texto: Davina Marques

Obra da capa: Caetano de Almeida – “ Briga de Vizinhos”, 2005 – Acrílica sobre tela – 120 x 150cm
Foto da obra: Edouard Fraipont

Edição revisada conforme o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

É proibida a reprodução. Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada,
transcrita ou mesmo transmitida por meios eletrônicos ou gravações, sem a permissão,
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fone (11) 3675-6690 – www.attamidia.com.br

Impresso no Brasil / Printed in Brazil


Índice

INTRODUÇÃO 9

PARTE I: O QUE ENSINAR? 25


a. A filosofia é uma disciplina específica do pensamento? 27
b. Qual é a especificidade da filosofia? 33
c. Por que colocar a filosofia na escola? 43
d. O que priorizar: temas filosóficos ou a história da filosofia? 48
e. Da história da filosofia, o que escolher? 53
f. Ensinar filosofia ou filosofar? 58
g. Para que ensinar filosofia? 61
h. Há método(s) para ensinar filosofia? 66

PARTE II: COMO ENSINAR? 73


a. Como despertar o interesse dos alunos? 75
b. Quais direções tomar? 81
c. Como proceder ao estudo filosófico? 86
d. Os alunos têm condições de ler os textos filosóficos? 93
e. Como fazer uso da história da filosofia? 100
f. Como os alunos podem exercitar a escrita? 105
g. A avaliação também pode funcionar como tática de ensino? 112
h. Como avaliar? 117

PARTE III: APÊNDICES 129


a. Exemplos de táticas de ensino 131
b. Indicações bibliográficas 143
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um livro para professores

Dizer que não se pode aprender a filosofia é dizer, não que


não se tem que aprender conteúdos (aprendem-se, pelo contrário,
filosofias, pois é possível ter delas um conhecimento objetivo),
mas é dizer que nenhum desses conteúdos, nenhuma dessas
doutrinas filosóficas esgota e pode esgotar a forma da filosofia,
cujo acabamento só é a Idéia da razão. Se nenhuma filosofia
esgota a filosofia, é preciso, portanto, ainda e sempre, aprender a
filosofar, isto é, exercitar sua razão nas tentativas. Não há filosofia,
há somente tentativas para ser filósofo, tentativas do filosofar.
Ser filósofo é estar na tentativa e só estar na tentativa, não por
impotência, mas porque, pelo contrário, a potência da filosofia está
em tentar. Trata-se de tentar usos da razão segundo a idéia, nem
determinada, nem determinante, da filosofia.

TASSIN, La “Valeur formatrice” de la Philosophie in:


DERRIDA J. et alii. La grève des philosophes. Paris: Éditions Osiris, 1986.

...a filosofia pode ser, na instituição, este lugar onde se reverta


o fundamento da autoridade do saber, onde o sentimento justo da
ignorância apareça como a verdadeira superioridade do mestre:
o mestre não é aquele que sabe e transmite; ele é aquele que
aprende e faz aprender, aquele que, para falar a linguagem dos
tempos humanistas, faz seu estudo e determina cada um a fazer
por sua conta. A filosofia pode ocupar este ponto de reversão
porque ela é o lugar de uma verdadeira ignorância. Todos sabem
que, desde o começo da filosofia, os filósofos não sabem nada,
não por falta de estudos ou de experiências, mas por falta de
identificação. Também o ensino da filosofia pode ser este lugar
onde a transmissão dos conhecimentos se autoriza a passar a
algo mais sério: a transmissão do sentimento de ignorância.

RANCIÈRE, Nous qui sommes si critiques... in: DERRIDA J. et alii.


La grève des philosophes. Paris: Éditions Osiris, 1986.

Seria muito mais frutífero, do ponto de vista pedagógico,


ensinar a escrever do que ensinar a ler. Mas o que interessa
mesmo é ensinar a pensar filosoficamente, e isso só pode fazer
quem filosofa.

PALACIOS, G. A. De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio.
Goiânia: Ed. UFG, 1997.

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um livro para professores

INTRODUÇÃO
Pensar filosoficamente o ensino de filosofia
Certamente os professores de filosofia sentem-se obrigados a
uma enorme tarefa antes mesmo de começar a dar aulas, que é
a de pensar filosoficamente o ensino de filosofia. Esta tarefa nos
aparece na forma de uma obrigação desafiadora talvez pelo fato
de a filosofia não estar ainda completamente inserida nas provas
de vestibular do país. Conhecemos a imposição destas provas
sobre o ensino das disciplinas no Ensino Médio. Sabemos que,
inevitavelmente, o ensino de cada matéria fica condicionado às suas
exigências. Para o ensino de filosofia, no entanto, enquanto esta
não estiver explícita e formalmente inserida nas provas de acesso
às grandes universidades públicas do país, vige muita liberdade.
Mas, justamente esta liberdade é que abre todo o espaço para
questionamentos. Sorte nossa, pois pode ser exatamente por meio
das buscas a que esses questionamentos nos levam que poderemos
tornar o ensino de filosofia vivo, sempre renovado e buscador.
Neste livro nós nos preocupamos em percorrer as questões que
imaginamos e sabemos (quer seja por nossa própria experiência
em sala de aula, quer seja por nosso contato direto e indireto
com professores de filosofia) serem aquelas que surgem aos
professores ao se depararem com sua tarefa, concretamente,
antes de entrar em sala de aula. É por este motivo que pensamos
em estruturar o livro como um feixe de diversas partes que
tratam pontualmente dos diversos problemas que aparecem aos
professores. E estas partes estão explícitas no índice em forma
de perguntas. Este feixe, formado por estas distintas perguntas,

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no entanto, tem um ponto para onde todas elas convergem, que


é o que as amarra juntas, e este ponto é justamente o da nossa
proposta de um determinado ensino de filosofia para jovens: o
ensino de filosofia como experiência filosófica.
A ideia do ensino de filosofia como experiência filosófica está
desenvolvida teoricamente na primeira parte do livro na qual vamos
pensar sobre a especificidade da filosofia, aquilo que a caracteriza;
seu aspecto formativo, que nos leva a defender sua posição
dentro da escola; e por que defendemos um ensino que seja uma
experiência. Assim sendo, a primeira parte do livro está dedicada,
de forma geral, à pergunta o que ensinar? E depois se desenvolve
abordando as outras questões que estão envolvidas na primeira. É
mais importante priorizar os conteúdos filosóficos preparando um
curso baseado em temas relevantes ou devemos priorizar a história
da filosofia? Se temos mais de vinte e cinco séculos de história da
filosofia, o que escolher? É possível que o ensino de filosofia seja
exclusivamente ensino de filosofar, prescindindo dos conteúdos
específicos e focando-se nas habilidades do pensamento? Quais os
métodos possíveis para este ensino? É possível pensar em métodos?
Bem, afinal, para que ensinar filosofia?
Percebemos que todas as nossas questões referentes a o que
ensinar nos levam diretamente à necessidade de esclarecer quais
são os objetivos que queremos atingir com esse ensino. Ora, de
onde vem nossa convicção de que a filosofia, em alguma medida,
possa ser benéfica se ensinada aos jovens, na escola? Quais
objetivos poderiam ser estes?
De forma geral, educamos as crianças e os jovens para
estarem preparados para viver em nosso mundo. Introduzimo-

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los em nossos valores, nossas regras, ensinamos como as coisas


funcionam, o que é o certo e o errado, queremos que aprendam
sobre o conhecimento que nossa cultura acumulou, porque
sabemos que nós passaremos e eles ficarão. Os jovens de hoje
são os adultos de amanhã. Em casa, na escola e na rua, em todo
o convívio social, cada ser humano vai lentamente construindo
sua subjetividade. Assim, cada um de nós tem contato com as
tradições, com as opiniões correntes do senso comum, com os
conhecimentos das ciências que a escola tanto enfatiza. Além
disso, nós todos estamos hoje intensamente à mercê da roda-viva
da indústria cultural, hipnotizados, produzindo e consumindo,
produzindo e consumindo. Porém, poucas vezes algum de
nós é convidado a pensar sobre o significado das tradições, a
pensar sobre a pertinência dos julgamentos do senso comum,
sobre os critérios, procedimentos e razões das ciências, pensar
criticamente sobre o significado de nossas ações e pensamentos.
Quem pode promover esse tipo de pensar sobre o mundo é a
filosofia. O ensino de filosofia pode proporcionar aos jovens uma
outra disciplina em seu pensamento. Este ensino pode apontar
para uma outra chave de análise e síntese para a construção de
significado do mundo e de si próprio, além daqueles que já são
oferecidos normalmente em nossa educação. Talvez por isso
estejamos tão convencidos de que temos de ensinar filosofia na
escola. Pensamos que, por meio de um determinado ensino de
filosofia, que esclareceremos neste livro, podemos provocar que
os jovens criem suas próprias versões do mundo. Voltaremos
a isto adiante. Vejamos agora o que, especificamente estamos
chamando de filosofia.

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um livro para professores

Filosofia
A filosofia nasce, segundo o que tradicionalmente estudamos
da história da filosofia ocidental, quando os homens começam
a se perguntar sobre o significado de suas vidas na polis, sobre
seus valores e seus conceitos. A filosofia se coloca aí, desde cedo,
como a busca da verdade, a busca da essência, a busca do que
verdadeiramente são as coisas.
Contudo, anterior às invenções da polis, do alfabeto e da moeda
- que colocam os homens em um outro platô de elaboração mental,
o mito é a primeira formalização que conhecemos da busca por
respostas às perguntas que os homens se fazem. Estando um
tanto descolados da natureza, os homens mantêm-se um passo
afastados, a ponto de poderem se enxergar e enxergar todo o resto
como objetos, em primeiro lugar, de sua curiosidade; depois, de
sua investigação; e daí de suas suposições. Os homens são aqueles
animais que criam conhecimento. Suas consciências os obrigam a
procurar, porque estão incessantemente propulsionados por suas
questões, por um querer saber sem fim, um espaço vazio que deve
ser preenchido por significado. Os homens não são os seus corpos,
eles têm os seus corpos, eles têm suas mentes, seus espíritos.
Quem são eles? É o que se perguntam. Perguntam-se até mesmo
sobre seu próprio pensar. No início criaram as cosmogonias para
entenderem a origem do universo. A Teogonia de Hesíodo, dos
séculos VIII-VII a.C., passada oralmente pelo canto do poeta, em
um tempo em que o pensamento racional prefigurava-se, é uma
tentativa de exprimir o inefável, de expressar a experiência do
Sagrado. Pois os homens são aqueles que se sentem impelidos,
a partir da distância que experimentam do vivido, a criar as

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ideias. Os homens criam linguagens simbólicas para tecerem o


significado das coisas, criam seu mundo, seu mundo abstrato,
mundo de valores, uma representação do sensível. Esse é seu
mundo: um mundo construído, um emaranhado de ideias de
coisas do passado, do presente e do futuro. Pensam no que se
passou, criam ideias e tiram sua experiência daí, pensam no
presente, planejam o futuro e pensam em como estão pensando
nisso tudo. Os, já chamados, filósofos, posteriores ao mito,
dedicam suas curiosidades, investigações e suposições à busca
da arkhé, elemento constitutivo de todas as coisas. Dizemos que
constroem cosmologias. Podemos dizer que esses, de certa forma,
são precursores das ciências modernas, pois se ocupavam, na sua
busca, da composição do universo.
A “filos sophia”, no entanto, como busca da verdade, por
meio do questionamento, só surge com Sócrates, cerca de 400
a.C.. Para ele, as opiniões não são verdades, pois não resistem
ao diálogo crítico. Todos nós conhecemos a clássica figura que
tradicionalmente se formou de Sócrates como um homem feio
que, andando pelas ruas interpelando as pessoas, criava um mal-
estar em seus interlocutores por fazê-los encarar a ignorância
sobre sua ignorância por meio de seu questionamento. Sócrates
procurava a essência das coisas, Sócrates andava pelas ruas de
sua cidade incitando seus concidadãos a buscarem os conceitos,
a despeito das opiniões e das aparições particulares das coisas.
Podemos dizer, portanto, que a filosofia nasceu como uma
busca da verdade, busca da autenticidade no pensamento,
movimento de ir além das aparências das coisas e se perguntar o
que são as coisas, por que são como são, por que pensamos que

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são assim. A filosofia é viva. É uma disciplina no pensamento que


nos leva a criar conceitos, é pensamento que confere significado
à cultura na medida em que pratica sua síntese conceitual, sendo
assim, em cada época, a sua verdade. O pensamento filosófico,
se considerado assim, não é apenas exercício de pensamento
reflexivo e rigoroso, mas é, talvez principalmente, criação.
Se admitirmos que a filosofia seja um meio específico de dar
sentido à cultura de um determinado tempo, seu ensino pode ser
considerado fundamental para toda formação. E justamente por
isso pensamos que deva ser ensinada aos jovens. Filosofia é crítica
– produz análise e síntese de toda cultura – e criação. Por meio
do ensino de filosofia para os jovens, podemos incentivá-los a
pensar por si mesmos, ou seja, podemos introduzi-los na prática
de determinados instrumentos que os levem a poder pensar de
forma autônoma, autoconsciente, a pensar com abrangência,
profundidade e clareza. Podemos colaborar com a destreza de
seu pensamento em fazer análise, síntese e relações, pensamento
aberto e ciente da sua dimensão histórica. Pensamento este que
tece o significado do mundo a partir de questões simples sobre
os problemas, como: o que é isto?; por que isto é assim?; por que
pensamos que isto seja assim?

Sub-versões1
Imaginamos ser possível um ensino de filosofia para jovens
que seja uma arma de produção de suas próprias versões do
mundo, ou seja, de sub-versões. Um ensino que se dê de maneira
tal que leve ao desenvolvimento de uma disciplina filosófica no
1
Optamos por escrever a palavra desta maneira (em oposição a subversões), para enfatizar o
processo de criação de versões, que defendemos no ensino de filosofia.

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um livro para professores

pensamento. Além da forma de pensar da ciência, para a qual


treinamos tão bem os jovens, além da lógica do mercado, suas
seduções, o marketing, para além das tradições e senso comum,
apresentar aos jovens e dar oportunidades de ensaiarem uma
outra forma de pensar: a filosófica. A partir das suas questões, dos
problemas da vida hoje, apresentar filosofias criadas na história,
ensinar a lerem os textos dos filósofos, ensinar a reconhecerem
como se compõem os discursos, como a filosofia opera uma
síntese da cultura em cada época de forma conceitual criando
saídas para os problemas dos homens. Encorajá-los a ensaiar esses
discursos, que tentem, eles também, criar composições filosóficas,
usando conceitos filosóficos, em resposta a seus problemas, o
que vale dizer, ensaiar a criação filosófica. Criação de sub-versões.
Esse ensino, sendo gerador de ensaios de prática de disciplinas
filosóficas no pensamento, pode provocar ensaios de criação de
si e, portanto, de diferenças. Talvez possamos praticar um ensino
que, no mínimo, e talvez isso já seja o suficiente, se conseguirmos,
faça os jovens saberem que é possível criar ainda. Que os faça
sentir que cada um deles pode ser uma máquina de criação de
versões, as suas próprias versões, e saber que a submissão não
é a única saída. Isso significa que podemos tentar reativar nos
jovens a ideia – e a prática – de que há um poder, o poder da vida,
que é de cada um, com o qual se pode criar o mundo. É possível,
através de um determinado ensino de filosofia, contribuir para o
impulso dos jovens de criarem seu mundo da mesma forma que
nós, gerações anteriores, bem ou mal, criamos o nosso.
Tal ação educativa dentro da escola seria ela também uma
subversão da versão maior praticada nas escolas. Uma ação de

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um livro para professores

instigar nos jovens, de forma rigorosa, a partir do pensamento


filosófico, o desejo de criar. Semear desejos de sub-versões seria
uma fonte geradora de diferenças, cada um buscando ser ele
mesmo, contra as obediências em massa. Essa prática pode até
mesmo não se restringir ao espaço da sala de aula, ao horário da
aula. É possível sugerir uma disponibilidade que os faça praticar
mais possíveis interferências filosóficas em seu cotidiano. Repetir
o mesmo não é a única saída, para eles e para nós. Talvez isso
leve tempo, sim, seja uma construção processual, como uma
conquista amorosa, paulatinamente gerando mais confiança,
maior envolvimento, até que cada um se sinta à vontade para
ser ele mesmo. No entanto, não podemos nos furtar de, como
educadores e como professores de filosofia, pensar nas maneiras
através das quais podemos contribuir para o processo de
formação dos jovens como seres autônomos.
Desta maneira, vemos que nossos objetivos estão muito mais
ligados à formação filosófica dos alunos propriamente, do que
à informação quanto a alguns conteúdos filosóficos e é disto
que tratamos na primeira parte do livro. Como já dissemos
anteriormente, estamos entendendo que o ensino de filosofia deva
ser um meio para levar os jovens a passarem pela experiência
filosófica.

Experiência filosófica
A experiência é aquela coisa que, ao acontecer a alguém,
transforma essa pessoa, que já não é mais a mesma. É algo que
atravessa seu pensamento, suas ideias e faz com que já não
possa mais ser o mesmo. Algo se passa, toca e é apreendido de

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forma transformadora. A experiência filosófica é a experiência


de fazer filosofia. É isso que queremos proporcionar aos jovens:
a experiência de filosofar. Ora, mas almejamos ensinar a filosofia
ou o filosofar? São duas coisas distintas? Provavelmente
muitos de nós conhecemos essa clássica discussão em torno
da polaridade entre o ensino da filosofia enquanto produto e o
filosofar enquanto ato, que surge a partir de uma citação de Kant
que, segundo leituras correntes, afirmou que não se pode ensinar
a filosofia, mas sim a filosofar. Para Kant, a filosofia é um saber
que está sempre incompleto, pois está sempre em movimento,
sempre aberto, sempre sendo feito e se revendo e por isso não
pode ser capturado e ensinado. O ato de filosofar, por sua vez,
seria composto de passos conscientes na análise e crítica dos
sistemas filosóficos, exercitando o talento da razão, investigando
seus princípios: “...nunca se realizou uma obra filosófica que
fosse duradoura em todas as suas partes. Por isso não se pode
em absoluto aprender filosofia, porque ela ainda não existe (...) Só é
possível aprender a filosofar, ou seja, exercitar o talento da razão,
fazendo-a seguir seus princípios universais em certas tentativas
filosóficas já existentes, mas sempre reservando à razão o direito
de investigar aqueles princípios até mesmo em suas fontes,
confirmando-os ou rejeitando-os”.2 No entanto, pensamos que
não se possa dizer que para Kant é possível separar o filosofar da
filosofia já que o proposto exercício da razão deve ser feito sobre
os sistemas filosóficos, isto é, a investigação dos princípios deve
ser feita em tentativas filosóficas já existentes. Ou seja, o filosofar
não surge do nada, ele pode, sim, ser exercitado, necessariamente,

2
KANT, Crítica da Razão Pura, p.407.

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Ensinar Filosofia
um livro para professores

a partir de filosofias. Não podemos sequer cogitar que o


incentivo aos jovens de praticarem pensamento autônomo, que
defendemos anteriormente como um dos objetivos do ensino
de filosofia, seja o pensamento desvinculado da necessidade
de se esforçarem na compreensão crítica da filosofia, de seus
conceitos, de seus problemas, de seus métodos, de sua história.
Que fique claro, portanto, que defendemos a posição de que é
impossível desvincular filosofia de filosofar, as duas coisas são,
de fato, uma só.

Um sistema de referências
Como ensinar
A primeira parte do livro, “O que ensinar?”, culminará na
discussão sobre os métodos. Trata-se, então, de pensar que importa
menos definir um conteúdo mínimo específico da disciplina de
filosofia, que possa ser aplicado indiscriminadamente pelo país,
do que determinar algumas coordenadas metodológicas que
garantam um ensino que possa atingir os objetivos propostos.
Acreditamos que talvez não seja possível pensar em um
método para ensinar filosofia se a entendermos como algo que
não está acabado, que é uma coisa prática, que está viva. Além
disso, a defesa da elaboração de um método pressupõe a crença
na possibilidade de planejar o que vai acontecer no processo de
aprendizagem, crença que não compartilhamos. Para nós, um
ensino de filosofia para jovens tem como objetivo proporcionar aos
alunos ocasiões de experiência filosófica, e encontra possibilidade
de ser quando experimentamos o ensino da criação de conceitos
filosóficos por meio do ensino do filosofar, que é filosofia.

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Ensinar Filosofia
um livro para professores

Pretendemos, assim, ao longo dos capítulos da segunda


parte deste livro, em “Como ensinar?”, traçar um sistema de
referências para o ensino de filosofia para jovens, sendo que esse
possa servir de base para a criação de uma didática filosófica
por parte do docente, sua, própria e mutante, pois construída na
sua prática, nas suas diversas práticas. Serão, para esse fim, as
coordenadas desse sistema: a leitura filosófica, a história da filosofia,
a escrita filosófica.
A leitura filosófica não é uma leitura comum, pois ela é a
prática técnica de dissecar o texto, a imagem, o mundo, enfim.
Baseada no exercício de uma série de operações que podem
decifrar o discurso, essa leitura leva ao conhecimento das
partes constitutivas do discurso, das relações entre essas partes,
de forma a propiciar apropriação crítica e criativa dos textos
estudados. Isto nos leva a poder reinventar esses textos, poder
usar seus conceitos em outros contextos, poder reinventar seus
métodos. O ensino da leitura filosófica será realizado sobre textos
que não foram constituídos originalmente como filosóficos,
sobre filmes, imagens, bem como, principalmente, sobre textos
da tradição filosófica. Isto porque pensamento é logos, é discurso
organizado, e filosofia é um tipo determinado de pensamento
que se traduz em texto. Assim, aprender a ler e escrever filosofia é
um bom caminho para aprender a pensar filosoficamente. Como
já dissemos, pensamos que é o conhecimento dos elementos
constitutivos do texto filosófico, os reiterados exercícios das
operações do pensamento que constituem o discurso filosófico,
que podem dar os instrumentos para decifrar o pensamento
filosófico, o que pode possibilitar, por sua vez, uma posterior

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Ensinar Filosofia
um livro para professores

criação de filosofia. Os exercícios de operações do pensamento


têm o fim de instrumentalizar conceitual e discursivamente os
jovens estudantes. Como exemplo de tais operações poderíamos
oferecer: detectar pressupostos, enumerar argumentos, reconstituir
argumentos, parafrasear, reconhecer encadeamento de argumentos,
reconhecer conceitos, buscar correspondência de significado para
símbolos, confrontar teses, emitir juízos, entre outros.
A relação específica entre a história da filosofia e este ensino
de filosofia que propomos, o leitor encontrará explicitada na
primeira parte do livro. No entanto, aqui podemos adiantar
que pensamos que o uso da história da filosofia deva se dar, pois
nenhum texto de filosofia (assim como qualquer outro) está
desvinculado de sua razão de ser, o que nos leva a crer que não
se pode estudar o texto desvinculado de sua história. O estudo
da biografia do autor do texto localizada na história da filosofia e
localizada na história social é indispensável. Em outras palavras,
vamos introduzir os alunos no universo da filosofia ensinando a
ler e escrever filosofia para que possam pensar filosoficamente e
isto é sempre, necessariamente, contextualizado. Se acreditarmos
que as filosofias de uma determinada época são a síntese da
cultura dessa época, ao levarmos os alunos a estudarem as
diversas filosofias na história estaremos oportunizando que eles
possam, a partir daí, filosofar. Podendo, assim, criar outra forma
de pensamento para pensar a sua cultura.
As disciplinas filosóficas no pensamento conquistadas a partir
dos estudos que propomos aqui podem levar os jovens a tentar
seus próprios ensaios de escrita filosófica. A partir da recriação
crítica das filosofias estudadas, do reconhecimento de suas

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Ensinar Filosofia
um livro para professores

partes, os jovens podem ser incentivados a tentar ensaiar seus


próprios textos. Comparando argumentos e conceitos de diversas
filosofias estudadas, podem compor uma argumentação sua para
responder a determinada questão que se coloque. Os jovens, tendo
estudado textos filosóficos, como proposto aqui, podem retirar
conceitos de seu território original e reterritorializá-los em seus
textos, usurpando-os, fagocitando-os, podem reutilizá-los em
prol de sua argumentação em torno de um problema escolhido.
Eles podem mimetizar os métodos de argumentação dos grandes
filósofos, modos de compor raciocínios, de criar julgamentos,
como uma primeira tentativa de criar filosofia. Este pode ser o
primeiro passo para a criação das suas versões filosóficas para o
tratamento dos problemas que se nos apresentam. É necessário
esse ensaio de filosofias até que cada jovem possa escolher as
ferramentas filosóficas de que necessitar para a criação de sua
sub-versão, sua versão filosófica própria dos aspectos de sua
cultura que se lhe aparecem como problema.
A partir deste ponto, a segunda parte do livro será dedicada a
um tratamento detalhado sobre os procedimentos do professor na
montagem de seu curso. Para programarmos um curso pensado
como criação de experiência filosófica, diremos que este pode
ser dividido nas seguintes etapas: sensibilização, problematização,
investigação e conceituação, todas elas permeadas pela avaliação.
Assim, por meio das perguntas que primeiro nos surgem quando
pensamos em “como ensinar”, a segunda parte do livro se propõe
a detalhar alguns procedimentos que podem ser muito úteis nos
direcionamentos à prática desse ensino.
Uma sensibilização pode ser pensada como a primeira etapa do

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Ensinar Filosofia
um livro para professores

curso na qual o professor pode trazer o interesse dos estudantes


para o tema escolhido. Isso poderá ser feito a partir do uso de
diversos materiais como textos que não foram originalmente
elaborados como filosóficos: letras de música, poesias,
literaturas, textos jornalísticos, assim como filmes, etc. É aqui
que o professor aproveita para aproximar o universo do aluno às
questões filosóficas. A partir da provocação de inquietação ou do
aproveitamento das inquietações já existentes, o professor mostra
que a filosofia pensa a vida, o significado de tudo, os valores
humanos, o pensar humano, e faz com que os alunos fiquem
intrigados com o tema que será estudado posteriormente.
Em seguida, o professor dedica-se a ensinar os jovens a
formularem questões que possam gerar a investigação. Podemos
chamar esta etapa de problematização. Para começarmos uma
investigação que vai gerar conhecimento, é necessário ter
curiosidade de saber, é necessária a questão. Se não a tivermos,
não há motivos para nos pormos a buscar. O que move a
geração de conhecimento é essa vontade de buscar respostas, é o
problema. Por isso o papel da questão é tão importante: porque
circunscreve e direciona a busca.
A etapa de investigação é aquela dedicada ao estudo,
propriamente dito, de textos filosóficos escolhidos, propondo-se
exercícios operatórios para fazer deles leitura filosófica. Sugerimos
que o professor selecione alguns textos que tragam diferentes
abordagens ao mesmo tema, sempre contextualizadas na
história da filosofia e na história mundial, que os alunos tenham
a oportunidade de confrontar as diferentes teses para formarem
uma ideia complexa sobre o assunto.

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Ensinar Filosofia
um livro para professores

Passado esse trabalho, os jovens terão condições de fazer a


conceituação. É possível propormos aos jovens que, baseados
em sua experiência com a filosofia até o momento, de delimitar
um problema, de estudar textos filosóficos, esmiuçando-os, de
conhecer a história desses problemas, de pensar essa história em
relação à história da humanidade, de comparar diferentes pontos
de vista filosóficos sobre o problema estudado, de reconhecer
diferentes conceitos criados para darem conta do problema,
depois disso feito, animados, comecem a escrever seus primeiros
ensaios filosóficos, ensaios de escrita filosófica, tendo como
objetivo criar uma argumentação sua sobre o problema estudado
em relação à sua realidade.
Como já dissemos anteriormente, a experiência filosófica
que pretendemos oferecer aos estudantes tem como objetivo
criar uma disciplina, filosófica, no pensamento desses jovens
e isso é útil para que eles possam pensar a si mesmos e a sua
realidade por si mesmos, de forma autônoma. Pensamos em um
determinado ensino que dê instrumentos filosóficos para que o
pensamento possa se fundamentar em sua liberdade. O que nos
leva novamente à nossa ideia de criação de sub-versões.
Todas essas etapas sugeridas aqui estão devidamente
desenvolvidas na segunda parte deste livro, onde também se
encontra nossa ideia sobre a avaliação desse trabalho. Se não
estamos especificamente ensinando determinados conteúdos
filosóficos, se não estamos ensinando diretamente história da
filosofia, o que é possível avaliar? O que avaliar em cada etapa
do curso? Quais maneiras de avaliação seriam mais propícias a
esse trabalho?

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Ensinar Filosofia
um livro para professores

A partir de nosso conhecimento das grandes dificuldades que


sabemos que os professores passam para selecionar táticas de
ação em sala de aula, para pensar em formas práticas de atingir
seus objetivos de ensino em cada etapa, para articular a lógica
das diversas partes de um curso em direção de seus objetivos,
para decidir sobre como avaliar, é que elaboramos uma terceira
parte deste livro, em forma de apêndices, que se propõem a
dar exemplos práticos destas ações. Não como modelo, porque
isto não seria possível, mas como exemplos, propriamente, que
poderiam aguçar a criatividade de quem os lesse. Pensamos que
através desses exemplos poderíamos ilustrar a teoria e mesmo a
prática detalhada das duas primeiras partes do livro.
Assim, esperamos poder contribuir para o pensamento e as
práticas filosóficas do ensino de filosofia no Brasil, principalmente
neste momento tão profícuo que estamos vivendo, da volta da
obrigatoriedade do ensino de filosofia em todas as escolas de
Ensino Médio do país.
Desejamos uma boa leitura.

Os autores

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Ensinar
Filosofia
um livro para professores

Parte 1

O que
ensinar?
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Parte 1
a. A filosofia é uma disciplina
específica do pensamento?

Para tratar desta questão, precisamos antes elucidar os sentidos


do termo disciplina, que está longe de ser unívoco. Apenas a título
de exemplo, o Dicionário Aurélio Século XXI da Língua Portuguesa
lista oito significados para o termo:

Disciplina [Do lat. disciplina.] S. f.


1. Regime de ordem imposta ou livremente consentida.
2. Ordem que convém ao funcionamento regular duma
organização (militar, escolar, etc.).
3. Relações de subordinação do aluno ao mestre ou ao
instrutor.
4. Observância de preceitos ou normas.
5. Submissão a um regulamento.
Qualquer ramo do conhecimento (artístico, científico,
histórico, etc.).
6. Ensino, instrução, educação.
7. Conjunto de conhecimentos em cada cadeira dum
estabelecimento de ensino; matéria de ensino.
8. Na mesma direção, o Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa nos apresenta nove significados para o termo:

Disciplina [Datação sXIV cf. IVPM]


• substantivo feminino

27
Ensinar Filosofia
um livro para professores

1. Diacronismo: antigo.
ensino e educação que um discípulo recebia do mestre.
2. Obediência às regras e aos superiores.
3. Regulamento sobre a conduta dos diversos membros de
uma coletividade, imposto ou aceito democraticamente,
que tem por finalidade o bem-estar dos membros e o bom
andamento dos trabalhos.
4. Ordem, bom comportamento.
5. Derivação: por extensão de sentido.
obediência a regras de cunho interior; firmeza, constância.
6. Diacronismo: antigo.
castigo, penitência, mortificação.
7. Ramo do conhecimento; ciência, matéria.
8. Rubrica: angiospermas.
m.q. espelina (Cayaponia espelina)
disciplinas

• substantivo feminino plural


Rubrica: religião.
9. Cordas, correias ou correntes com que frades, devotos e
penitentes se flagelam.

Dos vários sentidos apontados em ambos os dicionários,


podemos dizer que predominam três acepções do termo
disciplina: por um lado, temos um sentido político do termo,
disciplina significando uma espécie de exercício de poder, de
obediência, de controle, consentido ou não. A imposição de
uma ordem. O segundo significado é de cunho epistemológico:

28
Ensinar Filosofia
um livro para professores

disciplina é cada campo, cada ramo do conhecimento. E um


terceiro sentido é propriamente pedagógico: disciplina significa
ensino, instrução, educação.
Frente a estes múltiplos sentidos do termo, voltemos a
nosso problema original: será a filosofia uma disciplina do
pensamento?
Comecemos pelo sentido epistemológico. Será a filosofia um
campo de conhecimentos, um ramo do saber? É inegável que
sim. A filosofia constituiu-se na antiguidade como um saber
autônomo, com regras próprias, propondo uma outra forma de
abordar a realidade, distinta daquela apresentada pelas religiões
e pela mitologia. Isto deu a ela, certamente, a possibilidade de
circunscrever suas fronteiras, permitindo-nos dizer o que é e o
que não é filosofia.
Por outro lado, a disciplina como campo de saberes é exatamente
aquilo que permite que se formulem proposições novas. Esta é a
ideia desenvolvida por Michel Foucault em sua aula inaugural
no Collège de France em 1970, publicada posteriormente com o
título A Ordem do Discurso. Naquela ocasião, o filósofo afirmou
que a disciplina é aquilo que permite a enunciação de um discurso,
de um saber, controlando o que pode e o que não pode ser dito,
e a maneira como deve ser dito. A disciplina é uma forma de
organização, um instrumento de delimitação dos horizontes de
um campo de saberes, que permite dizer o que faz e o que não
faz parte daquele campo.
O que fica evidente na abordagem foucaultiana da disciplina
como campo de saberes é uma dupla articulação: trata-se, por
um lado, de delimitar os limites de um determinado campo,

29
Ensinar Filosofia
um livro para professores

as suas formas de enunciação de discursos, como elemento de


caracterização deste campo, de discernir o que é pertencente
a ele ou não. Estamos acostumados a uma linguagem própria
da filosofia, a uma espécie de “filosofês”, da qual não podemos
abrir mão, justamente porque é esta linguagem própria que nos
permite afirmar o que é e o que não é filosofia, determinando
nossos limites de enunciação de saberes. Mas, por outro lado,
é esta delimitação dos limites de um campo que nos permite
produzir novas proposições, novos saberes. Trocando em miúdos,
o que nos afirma Foucault é que a disciplina é uma maneira de
controlar a produção dos discursos.
Passemos agora ao sentido político da disciplina. Ela
constitui-se numa forma de organizar, de um impor uma ordem.
Podemos falar, assim, de uma disciplina no pensamento, isto é, na
imposição de uma ordem ao pensamento. E também aqui cabe
esta caracterização à filosofia.
O que é o pensamento, senão a imposição de uma ordem, de
um modo de pensar? Já na antiguidade os gregos sabiam disto,
ao denominar de logos este exercício de um pensar em torno de
regras que permitem o pensamento correto. E não foi outro o
esforço da Lógica, senão o de definir as regras – isto é, a disciplina
– do pensamento.
Em um livro publicado originariamente em 1991, com o título
O que é a filosofia?, os filósofos franceses Gilles Deleuze e Félix
Guattari dedicaram-se a pensar a filosofia e, ao fazê-lo, afirmaram
justamente que ela é resultado da imposição de uma disciplina,
de uma ordem ao pensamento.
Afirmam estes autores que vivemos sempre à beira do caos,

30
Ensinar Filosofia
um livro para professores

que ameaça nos tragar. Cair no caos é ceder ao não pensamento.


Há uma promessa de segurança: a opinião nos oferece proteção
contra o caos. A opinião promete nos manter afastados do caos,
na segurança do pensamento correto, na segurança de sempre
saber que decisão tomar. Mas a promessa da opinião é um canto
de sereia, afirmam os filósofos franceses, pois é impossível
vencer o caos. Aquilo que a opinião oferece é uma falsa saída.
É também, ao seu modo, uma forma de não pensamento, pois
a falsa sensação de segurança nos impede de arriscar e, fora do
risco, não há criatividade ou pensamento possíveis.
Segundo estes autores, há três potências do pensamento, que
ousam mergulhar no caos, para nele encontrar a criatividade,
retornando como vencedores, sem perder-se no não pensamento.
Cada uma destas três potências age de modo próprio; cada
uma delas cria de forma diferente; e cada uma delas tem um
produto distinto. Assim, sendo completamente distintas, elas
são complementares: cada uma nos oferece sua contribuição
específica.
As três potências do pensamento são a Arte, a Ciência e a
Filosofia. Em seu mergulho no caos, a Arte traça um plano de
composição e cria perceptos e afectos. A Ciência, por sua vez,
traça um plano de referência e cria funções. Já a Filosofia traça
um plano de imanência e cria conceitos. Pensar por perceptos,
pensar por funções, pensar por conceitos: são as três modalidades
do pensamento criativo, produtivo, que não apenas repete o já
pensado, que não cede aos apelos da opinião.
Arte, Ciência e Filosofia nada nos prometem, mas nos
convidam a pensar, a experimentar, a buscar novos caminhos,

31
Ensinar Filosofia
um livro para professores

novos acontecimentos. Estão em constante luta contra a opinião,


que nos promete a segurança do mesmo, do já pensado, de uma
suposta fuga do caos.
Recortando apenas a filosofia, que é nosso objeto aqui: trata-
se, através de seu exercício, que é um exercício de pensamento,
de enfrentar o caos que, a um só tempo, é o não pensamento
e a fonte de qualquer pensamento criativo possível. Podemos
pensar apenas aquilo que já foi pensado, repetindo as afirmações
das opiniões correntes. Mas, para um pensamento novo, próprio,
vigoroso, autônomo, é necessária a imposição de uma disciplina
ao pensamento, que busquemos uma forma organizada, regrada,
de pensar. E a filosofia é um destes regramentos, uma destas
disciplinas.
Afirmar, pois, que a filosofia é uma disciplina do pensamento,
significa afirmar aqueles três sentidos da disciplina que destacamos
anteriormente: ela é uma forma de delimitar as fronteiras de um
campo de saber, permitindo sua enunciação em discursos. Ela é
a imposição de uma ordem ao pensamento, permitindo que não
apenas experimentemos uma recognição, um pensar de novo
o já pensado, mas que experimentemos também o pensamento
como novidade, como criação. Por fim, ela é ainda uma forma de
aprendizado, uma educação do pensamento, na medida em que
impõe protocolos que tornem o pensamento possível.
E, se a filosofia é uma disciplina do pensamento, ela não
pode ser confundida nem substituída por outra disciplina do
pensamento. A filosofia não é arte e não é ciência, assim como
não é religião, mitologia ou opinião. Ela pode complementar as
demais disciplinas, as potências criativas do pensamento que são

32
Ensinar Filosofia
um livro para professores

a arte e a ciência e pode ser complementada por elas. Elas podem


se interpenetrar, umas causando processos criativos nas outras.
Mas cada uma guarda algo que lhe é específico, que delimita
suas fronteiras, suas condições de existência, suas possibilidades
de ação e de realização do pensamento.

b. Qual é a especificidade da filosofia?

Se a filosofia é uma disciplina do pensamento e não pode


ser confundida com a arte e com a ciência, precisamos então
perguntar sobre o que é específico apenas dela. Como já
evidenciamos no capítulo anterior, Deleuze e Guattari afirmaram
que a especificidade da filosofia em relação às demais potências
do pensamento reside no fato de que o filósofo, em sua prática de
pensamento, cria conceitos.
Perguntando o que é a filosofia, buscando a especificidade
desta disciplina, a resposta dada pelos pensadores franceses é
a de que a filosofia é a atividade de criação de conceitos. Atividade,
no sentido wittgensteiniano do termo, remetendo a uma noção
de filosofia como um fazer, em seu aspecto material. Mas não
qualquer atividade, e sim uma atividade de criação, uma vez
que à filosofia cabe criar e não descobrir, encontrar. Por fim, uma
atividade de criação conceitual, pois o conceito é a matéria e o
produto da filosofia – isto é, ao mesmo tempo em que é feita de
conceitos, a filosofia consiste em fazer, em produzir conceitos.
Por esta razão, eles afirmaram que o filósofo é uma espécie de
amigo do conceito.

33
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Tomando a filosofia como criação de conceitos, Deleuze


e Guattari vão direcionar uma dura crítica a três perspectivas
muito comuns nos dias de hoje em relação à filosofia: segundo
eles, a filosofia não é nem contemplação, nem reflexão, nem
comunicação.
A filosofia não é contemplação, como durante muito
tempo – por inspiração sobretudo platônica – se julgou, pois a
contemplação, mesmo dinâmica, não é criativa; consiste na visada
da coisa mesma, tomada como preexistente e independente do
próprio ato de contemplar, e nada tem a ver com a criação de
conceitos. Ela tampouco é comunicação, e aí eles dirigem uma
crítica a duas figuras emblemáticas da filosofia contemporânea:
a Habermas, com sua proposta de uma “razão comunicativa” e a
Rorty e ao neopragmatismo, propositores de uma “conversação
democrática”. Porque a comunicação pode visar apenas ao
consenso, mas nunca ao conceito; e o conceito, muitas vezes,
é mais dissenso que consenso. E, finalmente, a filosofia não é
reflexão, simplesmente porque a reflexão não é específica da
atividade filosófica: é possível que qualquer um (e não apenas o
filósofo) reflita sobre qualquer coisa.
Sendo entre nós tão comum compreender a filosofia como
uma forma específica de reflexão sobre determinados problemas,
a crítica destes autores é radical, pois afirma que a filosofia pode
refletir, mas não é isso que faz dela filosofia e não outra coisa
qualquer.
Não podemos identificar a filosofia com nenhuma dessas
três atitudes, porque nenhuma delas é específica da filosofia,
elas são mecanismos à disposição de qualquer disciplina, não

34
Ensinar Filosofia
um livro para professores

sendo exclusiva de nenhuma delas. Por outro lado, é próprio da


filosofia criar conceitos que permitam a contemplação, a reflexão
e a comunicação, sem os quais elas não poderiam existir.
Uma outra crítica interessante é aquela que Deleuze e Guattari
dirigem à discussão. Estamos acostumados a ver a filosofia como
uma forma de debate, de discussão, fiéis ao agonismo grego
nas próprias origens da filosofia3. Mas eles vão mostrar que, na
perspectiva da filosofia como criação de conceitos, a discussão até
que pode fornecer elementos para a criação de novos conceitos,
mas não é nela, discussão, que consiste a atividade filosófica.
Destacaremos, em seguida, da obra de Deleuze e Guattari
alguns pontos que nos parecem básicos para elaborar algumas
considerações sobre o exercício do ensino de filosofia como uma
atividade com conceitos e, quem sabe, de criação de conceitos.
O primeiro destes aspectos diz respeito à critica sobre as
formas que normalmente as aulas de filosofia assumem em
nossas escolas. Não são poucas as metodologias de ensino de
filosofia que, remetendo-nos a Sócrates e à maiêutica, defendem
e definem as aulas de filosofia como aulas fundadas no diálogo.
Neste diálogo, cada um expõe sua opinião e procura-se construir
determinados consensos sobre os assuntos em discussão. Mas,
se tomarmos a figura clássica de Sócrates, como alguém que faz
nascer a verdade que de fato já residiria em cada um, serão as
aulas de filosofia experiências nas quais se burilam as diferentes
opiniões, conseguindo passar delas para os conceitos? Ou se

3
O agôn era para os gregos a disputa, a batalha. Presente na cultura grega desde suas origens,
como povos guerreiros, o agonismo vai se transfigurando, estando presente também no gosto
pelo debate democrático que embasou a política grega. Giorgio Colli escreveu páginas belíssimas
em O Nascimento da Filosofia sobre como o agonismo foi assimilado pela retórica e pela linguagem
dialética.

35
Ensinar Filosofia
um livro para professores

ficaria meramente no nível da conversação de opiniões? Nesse


caso, a aula nada teria de filosófica, pois mesmo Sócrates e Platão
buscavam transitar da doxa para a episteme. Por outro lado, vimos
no trecho citado anteriormente, que Deleuze e Guattari ousaram
colocar em questão essa figura “imaculada” de Sócrates: não seria
ele, ao contrário, um hábil e ardiloso retórico, que conseguia bater
qualquer rival no diálogo, transformando-o em um monólogo? Se
virmos Sócrates dessa maneira, que restará das aulas de filosofia
como diálogo?
Outro problema corriqueiro em relação a se perceber as aulas
de filosofia fundadas na metodologia do diálogo: sobre o que se
deve dialogar? Ou, dizendo de outra maneira: qual deve ser o
conteúdo do diálogo? Qualquer assunto serve, o que importa é a
forma, ou há assuntos que podem ser tratados filosoficamente e
outros que não podem? Ou, ainda, haveria aqui uma necessidade
intrínseca de articular forma e conteúdo? Conheço muitos
professores que se contentam, em suas aulas de filosofia – seja
em que nível for –, em promover debates e discussões. Partem
do princípio de que por si só a metodologia do debate, diálogo,
ou seja lá o nome que queiramos dar a isso, faz com que a aula
seja “filosófica”.
Mas será que em uma aula como essas os alunos “produzem”
alguma coisa? Será que mesmo o professor “produz”? Em uma
aula como essas estaria garantida a atividade com conceitos?
Seriam produzidos conceitos, ou pelo menos os alunos teriam
acesso a conceitos, no sentido deleuziano do termo? Parece-nos
que não.
Outra forma corriqueira que as aulas de filosofia assumem é

36
Ensinar Filosofia
um livro para professores

a da contemplação, e aí vemos o completo desastre da filosofia


como atividade criadora, pois a contemplação, pelo menos
nesse nível didático‑filosófico, leva quase que invariavelmente
a uma estagnação, a uma paralisia. Nesse modelo, os alunos são
levados a contemplar determinadas questões, tal como pensadas
pelos filósofos, e delas tirar algumas conclusões. Essas questões
para contemplação podem ser apresentadas de forma histórica
ou de forma temática, mas em ambos os casos não se espera uma
atividade mais produtiva.
Por fim, temos a aula de filosofia como aula de reflexão,
também com a possibilidade de uma apresentação mais temática
ou mais histórica – ou mesmo com um cruzamento de ambas as
perspectivas –, mas neste caso tem-se o objetivo de levar os alunos
a uma atividade de reflexão sobre esses temas ou problemas. Não
retomaremos as críticas já apresentadas à filosofia como reflexão;
apenas reiteramos que na perspectiva deleuziana nenhuma
reflexão é, por si só, filosófica e, portanto, não seria apenas
pelo fato de exercitar a reflexão em sala de aula que estaríamos
produzindo uma aula de filosofia.
Dessa forma, parece-nos que o fundamental, para as aulas de
filosofia, é se tomar a filosofia como uma atividade, o que nos
levaria para além do clássico debate entre Kant e Hegel: ensina-
se a filosofia (isto é, conteúdo) ou o filosofar (isto é, processo)4?
Trabalhar a filosofia como atividade nos remete para uma
dimensão em que o processo não se separa do produto; um só
pode ser tomado com o outro e pelo outro. Sendo assim, conceber
a aula de filosofia como um diálogo ou debate ou ainda como
4
Trabalharemos esta questão de forma mais detalhada adiante, no capítulo Ensinar filosofia ou
filosofar?.

37
Ensinar Filosofia
um livro para professores

reflexão (todos apenas processo) não garante sua especificidade,


sua identidade filosófica. Falta algo. Falta justamente aquilo
que Deleuze e Guattari vão identificar como o conceito, que é
processo e produto ao mesmo tempo.
Bem, se estamos trabalhando aqui com a proposta de Deleuze
e Guattari de conceber a filosofia como atividade de criação
conceitual e de que as aulas de filosofia no Ensino Médio estejam,
portanto, centradas no conceito, é preciso esclarecer o que é o
conceito.
Em primeiro lugar, vale repetir que para esses autores apenas
a filosofia produz conceitos. A ciência não opera com conceitos,
mas com o que eles chamam de “prospectos”, percepções do real
que ela exprime em proposições ou funções; a arte, por sua vez,
lida com “perceptos” e “afectos”, que são expressos nas obras
(sejam plásticas, literárias, musicais etc.). Dessa forma, não faria
sentido falar em “conceitos artísticos” ou “conceitos científicos”,
na mesma medida em que a expressão “conceito filosófico” seria
uma redundância. Como há uma relação intrínseca entre essas
três formas de experimentar o mundo e produzir saberes, cada
uma segundo suas próprias características, a filosofia bebe nas
artes e ciências para produzir conceitos e pode produzir conceitos
para elas. Mas a produção de conceitos é uma atividade filosófica
e os conceitos são sempre objetos da filosofia.
Tomando-se como premissa que o conceito é fruto da filosofia,
Deleuze e Guattari o apresentam como uma forma de exprimir o
mundo, o acontecimento. O próprio conceito se faz acontecimento,
ao dar destaque, relevância para um determinado aspecto do
real. O conceito aparece então como uma forma própria da

38
Ensinar Filosofia
um livro para professores

filosofia de construir compreensões para o real, diferentemente


da ciência, que busca encontrar nesse mesmo real as funções que
permitam compreendê-lo. Todo conceito é particular e assinado:
cada filósofo, como singularidade, cria seus próprios conceitos
em sua relação com o mundo e, com isso, cria seu próprio estilo:
uma forma particular de pensar e de escrever.
Os conceitos são criados a partir de problemas, colocados
sobre um plano de imanência. Esse plano é o próprio solo dos
conceitos e, portanto, da filosofia, e é traçado pelo filósofo tendo
como elementos: o tempo e o lugar em que vive, suas leituras,
suas afinidades e desavenças... É nesse plano que surgem os
problemas e são os problemas que movem a produção conceitual.
Cada filósofo ou traça seu próprio plano ou então escolhe transitar
por um plano já traçado: é por isso que é possível se falar, por
exemplo, em platonismo, uma vez que outros filósofos optaram
por habitar o plano de imanência traçado por Platão e a produzir
conceitos “platônicos”, na esteira da produção do mestre.
Muitas vezes assistimos a verdadeiras “apropriações” de
conceitos. Mas tomar o conceito de outro filósofo para si é
ressignificá-lo, fazer sua desterritorialização de um plano e sua
reterritorialização em outro plano. Portanto, o “roubo” de um
conceito está longe do plágio, pois acaba sendo um ato criativo:
roubar um conceito, trazendo-o para seu contexto, é torná-lo
outro, é recriá-lo. E apresentar o mundo através de conceitos
é, como disse anteriormente, uma maneira de assiná-lo. É por
isso que podemos falar num universo newtoniano, num mundo
cartesiano, platônico ou kantiano, apenas para citar uns poucos
exemplos.

39
Ensinar Filosofia
um livro para professores

A filosofia entendida como produção conceitual não tem, pois,


a menor pretensão à universalidade e à unidade: cada filósofo
assina seu mundo e seu instrumental conceitual são ferramentas
que usamos ou não, na medida em que são ou não interessantes
para nossos problemas. Ou, para usar outra metáfora, as diferentes
filosofias aparecem como diferentes óculos, cada um deles nos
mostrando diferentes facetas do mundo. E, claro, não se trata
aqui de colocar as diferentes filosofias em disputa, esperando
que uma triunfe sobre as demais, mas apreender a possibilidade
da convivência – tranquila ou não – entre elas.
Podemos agora passar a explorar, pelo menos em forma
inicial, o significado da aula de filosofia, tomada como criação de
conceitos, no Ensino Médio. Se a filosofia é uma atividade, não basta
que a conheçamos de maneira passiva. É preciso experimentá-la.
Se a filosofia é uma atividade, só aprendemos filosofia quando
experimentamos, quando praticamos a atividade filosófica.
Para cumprir este objetivo, a aula de filosofia pode ser
organizada como uma “oficina de conceitos”. Se a metodologia
de trabalho se dará utilizando as ferramentas do diálogo, do
debate, da reflexão etc. é uma discussão posterior; o fundamental
é que a aula garanta o contato dos jovens com o instrumental
conceitual. Chegamos aqui à questão crucial: esse contato com
o instrumental dos conceitos significa que cada aluno precisará,
de fato, construir, criar conceitos? Ou, em outras palavras: cada
aluno deverá ser um filósofo, na aula de filosofia? Em certa
medida, pensamos que sim.
Parece óbvio a nós, dadas todas as limitações encontradas
nesse nível de ensino e dado que a filosofia é mais uma área de

40
Ensinar Filosofia
um livro para professores

saber articulada com as demais em torno de uma formação geral,


que não pode ser afirmado como objetivo do ensino de filosofia
na educação média fazer com que os alunos sejam ou venham a
ser filósofos. Assim como não pode ser levado a sério o objetivo
de que venham a ser matemáticos, biólogos ou qualquer outra
coisa. Mas ali, naqueles momentos da aula de filosofia, cada um
precisa ser um pouco filósofo. Se a filosofia consiste em uma
atividade, e mais, uma atividade criadora, ela não pode contar
com a passividade dos estudantes e meramente descortinar frente
a eles um universo de saberes. Cada aluno e todos os alunos,
nas aulas de filosofia precisam fazer a experiência de lidar com a
filosofia. É por isso que essa aula deve ser como um laboratório,
ou como dissemos atrás, uma oficina.
Na aula de filosofia, é mais do que necessário romper com a visão
tradicional da aula, já tão criticada, mas dificilmente abandonada,
de um espaço de transmissão de conhecimentos. Ela deve ser um
espaço no qual os alunos não sejam meros espectadores, mas sim
ativos, produtores, criadores. Mas, não se produz conceito do
nada: muitas vezes, é a própria filosofia a matéria da produção de
novos conceitos. Assim, é necessário que os estudantes tenham
contato, de forma ativa e criativa, com a diversidade das filosofias
ao longo da história, pois ela será a matéria-prima para qualquer
produção possível. Como é necessário que haja um elemento
aglutinador dessa diversidade ou, para melhorar a metáfora, uma
bússola que permita que o grupo se embrenhe pela diversidade
da mata, de forma que o percurso in loco permita depois que seja
traçado um mapa da diversidade filosófica, defendemos que essa
bússola possa ser dada por problemas.

41
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Os professores de filosofia da educação média no Uruguai,


perseguindo na didática da filosofia o objetivo de trabalhá-
la como atividade, já estruturaram o currículo de seu ensino
secundário em torno de problemas filosóficos, deixando para
trás a discussão em torno de articular o currículo de filosofia por
temas ou pela história. Pensamos que nessa experiência está a
chave para se trabalhar a filosofia como criação conceitual. O
professor deverá selecionar alguns problemas filosóficos, de
preferência que tenham uma significação existencial para os
alunos, pois filosofamos quando sentimos os problemas na pele.
Em torno desses problemas, será possível se trabalhar com temas
filosóficos, com a história da filosofia, com diferentes filósofos e
seus textos e conceitos, mas tudo isso deverá ser tomado como
instrumental que permita a compreensão daqueles problemas
e, mais que isso, matéria básica para a criação de conceitos
que possam equacioná-los. Na segunda parte deste livro,
desenvolveremos ideias de como fazer isto.
Na “oficina filosófica” em que se torna a aula nessa dimensão,
cada aluno procurará então, manejando essas diferentes
ferramentas, recriar conceitos ou mesmo criar novos conceitos que
possam iluminar o problema colocado. Produzir o acontecimento,
através dessa experiência, dessa aventura do pensamento, criando
conceitos que sejam importantes, interessantes e instigantes,
pelo menos para aqueles que ali estão: nisso consistirá a aula de
filosofia, se tomarmos a perspectiva da filosofia como atividade
de criação conceitual.

42
Ensinar Filosofia
um livro para professores

c. Por que colocar a filosofia na escola?

O que justifica a presença da filosofia como disciplina no


currículo do Ensino Médio é a oportunidade que ela oferece aos
jovens estudantes de desenvolverem um pensamento crítico
e autônomo. Em outras palavras, a filosofia permite que eles
experimentem um “pensar por si mesmos”.
Alguém poderia objetar: mas só pensamos através da filosofia?
Claro que não; pensamos – ou ao menos deveríamos pensar – em
todas as aulas, seja de que disciplina for. Mas cada disciplina
tem suas características próprias e contribui para desenvolver
habilidades específicas de pensamento. No caso da filosofia,
seu diferencial é que ela oportuniza um pensar sobre o próprio
pensamento. A filosofia “desnaturaliza” nosso pensamento
cotidiano, fazendo com que nós o coloquemos sob suspeita, sob
interrogação, nos fazendo “pensar o próprio pensamento”. E, com
isso, nos permite produzir um pensamento melhor elaborado,
com melhores fundamentos, mais crítico.
O filósofo francês Michel Foucault, por exemplo, caracterizou
a atividade filosófica como uma espécie de “exercício de si, no
pensamento”. Isto é, como um trabalho de pensar sobre si mesmo
que faz com que cresçamos e nos modifiquemos como pessoas.
Sendo o Ensino Médio uma fase de consolidação do jovem, de sua
personalidade, de seus anseios, a filosofia tem aí um importante
papel e uma colaboração fundamental.
Mas, evidentemente, não é qualquer filosofia a ser ensinada
que cumprirá este tipo de papel. É preciso que não fiquemos
presos à filosofia como mais um conjunto de conteúdos a serem

43
Ensinar Filosofia
um livro para professores

assimilados pelos estudantes. Se ela reduzir-se a uma visão


panorâmica da história da filosofia ou mesmo a um resumo das
principais características do pensamento de alguns filósofos, será
um ensino inócuo e mesmo, arriscamos dizer, prejudicial.
É este tipo de risco que corremos quando ficamos presos aos
conteúdos propostos pelos livros didáticos ou mesmo quando
algumas universidades incluem provas de filosofia em seus
exames vestibulares. Salvo casos em que estas provas estão
voltadas para a leitura e compreensão crítica de textos filosóficos,
em geral o que vemos é um programa que descortina aspectos da
história da filosofia e seus principais pensadores, induzindo a
um trabalho com a filosofia na educação média que tende para a
“decoreba” de ideias e autores.
A forma de escaparmos de tal risco é investindo em um
“ensino ativo de filosofia”, em que os estudantes sejam
encorajados a pensar, a desenvolver suas próprias experiências
de pensamento. Mas, como nenhum pensamento é “virgem”,
essas experiências de pensamento apenas são possíveis através
do estudo de textos filosóficos, da compreensão de que cada
filósofo cria seus conceitos para enfrentar os problemas com os
quais se depara. Realizar a própria experiência de pensamento
significa, assim, dominar as ferramentas lógicas e conceituais
da filosofia, saber identificar os problemas que enfrentamos
e aplicar essas ferramentas de pensamento a este problema,
comparando com o que já foi pensado pelos filósofos ao longo
da história.
Na direção em que viemos trabalhando nos capítulos
anteriores, repetimos: trata-se de tomar a filosofia como uma

44
Ensinar Filosofia
um livro para professores

atividade de criação conceitual, o que faz dela uma das potências


do pensamento, em companhia da arte e da ciência.
E podemos agora indagar: como relacionar a educação às
três potências do pensamento? Se ousarmos sair da opinião
do já pensado, de uma perspectiva fundacionista da educação,
podemos fazer a experiência de pensá-la como uma intersecção
destas três áreas.
A educação já foi pensada exclusivamente no âmbito da
filosofia. Na antiguidade, ela era tomada como um capítulo da
filosofia (aliás, como quase tudo o era). Em Platão e em Aristóteles,
por exemplo, as considerações sobre educação aparecem em
obras destinadas à política, e ela era considerada como tekné,
isto é, como uma forma de arte, de prática. Na modernidade,
com a emergência do método científico, também a educação foi
contaminada com a “vontade de verdade”, e desejou constituir-
se como ciência, através das ciências da educação.
Parece-me suficiente claro, portanto, que historicamente a
educação tem transitado por entre as três áreas que Deleuze e
Guattari identificam como as potências do pensamento, mas
ora identificando-se com uma, ora identificando-se com outra.
A educação já se compreendeu como uma espécie de arte; já
tomou a filosofia como fundamento; já tomou as ciências como
fundamentos. Mas em momento algum a educação considerou-
se mestiça, na confluência destas três áreas. E, ao assumir-se
ora uma coisa ora outra, a educação valia-se de uma potência
específica, mas perdia as demais. Ora servia à educação a
potência do conceito; ora a potência das funções; ora a potência
dos perceptos e afectos.

45
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Se, no entanto, pensarmos a educação na confluência das


três potências do pensamento, poderemos ter a educação como
conceito, como função e como afecto, ao mesmo tempo.
Não esteve sempre presente na educação a potência do
afecto? Enquanto relação humana, não se vale a educação das
relações afetivas? Em grande medida, não é a educação um
processo de sedução, pelo conhecimento, pelo mundo, pelas
pessoas?
Não esteve sempre presente, também, a potência da função?
Não procuramos sempre compreender os processos, para, numa
relação de causa-efeito, produzir nas relações pedagógicas os
efeitos desejados?
E não esteve sempre ali a potência do conceito? Não
vemos também na educação esse pensamento que ilumina os
problemas de uma forma completamente nova, instituindo
acontecimentos?
Educação mestiça, sem fundamentos, mas em diálogo criativo
com as artes, as ciências, as filosofias, produzindo, nas relações
pedagógicas, afectos e perceptos, ao modo da arte; funções, ao
modo da ciência; conceitos, ao modo da filosofia. Na intersecção
das três potências do pensamento, podemos ver a educação
como esta zona de indiscernibilidade, na qual as experiências são
constantes, as criações são constantes. E se a educação nutre-se
desta confluência de arte, ciência e filosofia, ela não pode abrir
mão de nenhuma delas, sob pena de perder um de seus aspectos
determinantes.
Pensando ainda numa outra dimensão: se o currículo do Ensino
Médio brasileiro, conforme aponta a legislação educacional

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Ensinar Filosofia
um livro para professores

em vigor, em especial os Parâmetros Curriculares Nacionais,


deve buscar um equilíbrio, superando o positivismo, devemos
também superar essa imagem do humano que embasou o próprio
positivismo, que foi o humanismo.
Para além do humanismo, podemos conceber o currículo
do Ensino Médio como essa mestiçagem das três potências do
pensamento, a arte, a ciência, a filosofia. Um currículo que articule
as potências do pensar por conceitos, do pensar por afectos, do
pensar por funções. Mais do que potencializar o equilíbrio do
currículo através das ciências, das humanidades e das técnicas,
conforme apontam os PCN já citados, permanecendo assim
no âmbito do mesmo positivismo que é criticado, conceber o
currículo na inter-relação das três potências do pensamento
significaria superar a construção dessa ficção moderna
(humanismo; iluminismo; positivismo), tão bem desmascarada
por filósofos contemporâneos, como Nietzsche, Heidegger e
Foucault.
Em tal perspectiva curricular, garante-se de antemão a
presença da filosofia, desenvolvendo a potência do conceito. Mas,
ainda mais importante do que garantir a presença da filosofia,
estaríamos investindo em um currículo que nos coloca para além
das armadilhas modernas do humanismo, da ilusão de uma
universalidade, para apostar na potência do pensamento contra
a opinião. Uma luta que só poderemos vencer com investimento
coletivo de desejo e forças, construindo novas possibilidades de
pensamento e de ação.

47
Ensinar Filosofia
um livro para professores

d. O que priorizar:
temas filosóficos ou a história da filosofia?

Um dos maiores desafios ao ensino da filosofia é a


organização curricular desta disciplina nas escolas. Como não
temos uma tradição escolar do ensino de filosofia, também não
temos um currículo definido, a exemplo de outras disciplinas
escolares.
Se visitarmos os documentos de política educacional da
última década, após a promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (Lei nº 9494/96), que determinou
a necessidade da presença de “conhecimentos de filosofia” no
Ensino Médio, teremos uma visão da confusão que reina neste
assunto. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
– Área de Ciências Humanas e suas Tecnologias, documento
de 1999 – dão à filosofia um tratamento transversal, centrando-
se mais na necessidade do aprendizado da leitura de textos
filosóficos e da leitura filosófica de textos não filosóficos, não
entrando na questão de como organizar os conteúdos de filosofia
a serem trabalhados. Um outro documento do Ministério da
Educação, o PCN+ - Orientações Educacionais Complementares
aos Parâmetros Curriculares Nacionais, este de 2002, priorizou
uma abordagem temática da filosofia, apresentando, para
cada uma das três séries do Ensino Médio, três grandes temas,
divididos em subtemas. Por fim, as Orientações Curriculares
para o Ensino Médio, também produzidas pelo MEC, em 2006,
optaram por sugerir uma organização histórica dos conteúdos
de filosofia, indicando aos professores uma extensa lista de

48
Ensinar Filosofia
um livro para professores

temáticas e autores, organizada historicamente, visando com isto


garantir a identidade e a disciplinaridade da filosofia.
Antes disto, ainda na década de 1980, um texto de Franklin
Leopoldo e Silva5, da Universidade de São Paulo, colocava a
questão de qual seria o papel da história da filosofia no ensino
desta disciplina. Afirmando que o ensino da filosofia não poderia
abrir mão da história da filosofia, apontava que haveria pelo menos
duas maneiras de considerá-la: a história da filosofia poderia ser
tomada como centro ou como referencial para o ensino. Em outras
palavras: os conteúdos da filosofia a serem ensinados poderiam
ser organizados historicamente (tomando a história como centro)
ou tematicamente (tomando a história como referencial).
No ensino de filosofia tal como o pensamos e procuramos
evidenciar neste livro, fica clara a opção por uma organização
temática da disciplina. Quando desejamos um “ensino filosófico”
da filosofia, isto é, um ensino de filosofia que convide os
estudantes para a atividade filosófica, para que desenvolvam eles
mesmos, cada um deles, a experiência do pensar filosoficamente,
o ensino da história da filosofia pode ser um grande risco. É nessa
perspectiva que queremos colocar a problemática da história da
filosofia no ensino de filosofia.
Ao examinar como se ensinava a filosofia para jovens nas
escolas alemãs em seu tempo, Nietzsche fez uma veemente crítica
desse ensino, ressaltando a perspectiva de apreensão acrítica da
história da filosofia. Em que pese ser um trecho um tanto longo,
ousamos reproduzi-lo, uma vez que não seríamos capazes de
dizer tão bem aquilo que o filósofo já disse.
5
Trata-se do texto “História da Filosofia: centro ou referencial?”, publicado em O ensino da filosofia
no 2º grau, com organização de Henrique Nielsen Neto. São Paulo: Ed. Sofia/SEAF, 1986.

49
Ensinar Filosofia
um livro para professores

E afinal de contas, o que importa a nossos jovens a história da


filosofia? Devem eles ser desencorajados a ter opiniões, diante
do montão confuso de todas as que existem? Devem eles também
ser ensinados a entoar cantos jubilosos pelo muito que já tão
magnificamente construímos? Devem eles por ventura aprender
a odiar e a desprezar a filosofia? E se ficaria quase tentado a pensar
nesta última alternativa, quando se sabe como, por ocasião dos
seus exames de filosofia, os estudantes têm de se martirizar, para
imprimir nos seus pobres cérebros as ideias mais loucas e mais
impertinentes do espírito humano junto com as mais grandiosas
e difíceis de captar. A única crítica de uma filosofia que é possível
e que além disso é também a única que demonstra algo, quer
dizer, aquela que consiste em experimentar a possibilidade de
viver de acordo com ela, esta filosofia jamais foi ensinada nas
universidades: sempre se ensinou apenas a crítica das palavras
pelas palavras. E agora, que se imagine uma mente juvenil, sem
muita experiência de vida, em que são encerrados confusamente
cinquenta sistemas reduzidos a fórmulas e cinquenta críticas
destes sistemas – que desordem, que barbárie, que escárnio
quando se trata da educação para a filosofia! De fato, todos
concordam em dizer que não se é preparado para a filosofia, mas
somente para uma prova de filosofia, cujo resultado, já se sabe, é
normalmente que aquele que sai desta prova – eis que é mesmo
uma provação – confessa para si com um profundo suspiro de
alívio: “Graças a Deus, não sou um filósofo, mas um cristão e um
cidadão do meu país!”.6

O polêmico filósofo alemão prossegue em sua crítica, afirmando


que talvez seja essa mesma a intenção com essa suposta educação
para a filosofia: afastar da filosofia! Se ela pode colaborar na
singularização, aquilo que Nietzsche chama de “educar-se a si
mesmo”, a filosofia acaba sendo algo essencialmente perigoso
para a manutenção do status quo, pois o Estado perde o controle
6
Nietzsche, Escritos sobre Educação, p. 212-213.

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Ensinar Filosofia
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sobre os indivíduos. No contexto de uma educação massificada


e voltada para a subjetivação, cujo resultado é a formação do
“cidadão passivo”, o ensino de filosofia só pode mesmo ser um
ensino de história da filosofia, que apresente de forma condensada
os principais sistemas filosóficos, sem se importar em examinar
em que medida eles podem ou não apresentar algum sentido
para a vida dos jovens. Mas, como mostra o filósofo, tal ensino
parece mais afastar da filosofia do que aproximar dela, se a
compreendemos como experiência e exercício do pensamento.
Pensamos, portanto, que tomar a história da filosofia como
o centro do ensino da filosofia na educação média, como sua
matriz para estruturação curricular, representa um grande
risco. Podemos dar a este risco o nome de “enciclopedismo”. As
chances de cairmos em uma situação em que apenas fazemos
desfilar frente aos estudantes os filósofos ou os sistemas de
pensamento, de forma cronológica ou não, são imensas. E se isto
vier a acontecer, as consequências certamente não serão distintas
daquelas já apontadas por Nietzsche: uma indiferença para com
as aulas de filosofia, um desinteresse que pode facilmente evoluir
para um desprezo e uma aversão.
Por isso, pensamos que uma abordagem de natureza temática é
mais adequada ao ensino da filosofia, se pretendemos um ensino
ativo, que oportunize experiências de pensamento. Através
de temas filosóficos, pensamos ser mais viável sensibilizar
os estudantes para o pensamento. Um exemplo. Talvez não
desperte tanto o interesse do estudante, em um primeiro contato,
saber o que pensou um filósofo como Platão, que viveu há dois
mil e quinhentos anos atrás. Mas o aluno poderá estar muito

51
Ensinar Filosofia
um livro para professores

mais aberto para pensar sobre o amor, algo que faz parte de
seu cotidiano, de sua vida. E, através da tematização do amor,
poderemos, por exemplo, ler o diálogo O Banquete e acompanhar
a teorização sobre o tema produzida pelo mesmo Platão. Os
conceitos e argumentos de Platão poderão servir de ferramentas
para que o aluno pense sua própria experiência com o amor,
produzindo seu próprio percurso de pensamento.
Um alerta, porém: em uma abordagem temática, os riscos do
enciclopedismo, embora menores, também estão presentes e
precisam ser enfrentados. Seria também fácil cair na armadilha
de desfilar uma série de temas filosóficos que nós, professores,
consideramos absolutamente pertinentes e relevantes, mas
que não despertam absolutamente nenhuma curiosidade nos
alunos que, se os estudarem, o farão de maneira burocrática e
por obrigação. Teríamos de novo aqui o mesmo efeito apontado
e criticado por Nietzsche em relação ao ensino da filosofia na
Alemanha de seu tempo, despertando mais o desprezo pela
filosofia do que o interesse por ela.
Segundo nossa maneira de ver, a garantia da possibilidade de
que o ensino seja a experimentação do pensar filosófico reside
em uma abordagem problemática dos temas. É necessário que o
professor evidencie os problemas que estão por trás dos temas
e da própria história da filosofia, como motores do pensamento,
como aquilo que fez com que os filósofos pensassem ao longo
da história. É a capacidade de visualizar, de fato, os problemas
que mobilizaram os filósofos e os movimentos e trajetórias de
pensamento que estes fizeram que pode produzir nos alunos a
possibilidade de que eles se afetem também pelos problemas e se

52
Ensinar Filosofia
um livro para professores

ponham no movimento do pensamento.


Sem problema, não há pensamento. E se defendemos
uma abordagem temática, é porque, a nosso ver, ela facilita
a visualização dos problemas filosóficos, mais do que uma
abordagem histórica.
No entanto, esta afirmação de que uma abordagem temática
centrada em problemas é mais apropriada não significa um
desprezo ou uma negação da história da filosofia. No capítulo
seguinte desenvolveremos um pouco mais o papel e o lugar da
história da filosofia neste ensino.

e. Da história da filosofia, o que escolher?

A história da filosofia e seu ensino não se resumem àquela


perspectiva acrítica que exploramos no capítulo anterior,
especialmente a partir das observações de Nietzsche.
Convidamos uma vez mais Deleuze para a conversa. O
filósofo francês apresentou uma concepção de história da filosofia
como “arte do retrato” que pode ser bastante interessante para o
exercício teórico-prático do ensino da filosofia. Escreveu ele que:

A história da filosofia não é uma disciplina particularmente


reflexiva. É antes como uma arte de retrato em pintura. São
retratos mentais, conceituais. Como em pintura, é preciso fazer
semelhante, mas por meios que não sejam semelhantes, por
meios diferentes: a semelhança deve ser produzida, e não ser
um meio para reproduzir (aí nos contentaríamos em redizer o
que o filósofo disse). Os filósofos trazem novos conceitos, eles
os expõem, mas não dizem, pelo menos não completamente, a
quais problemas esses conceitos respondem. Por exemplo, Hume

53
Ensinar Filosofia
um livro para professores

expõe um conceito original de crença, mas não diz por que nem
como o problema do conhecimento se coloca, de tal forma que o
conhecimento seja um modo determinável de crença. A história
da filosofia deve, não redizer o que disse um filósofo, mas dizer
o que ele necessariamente subentendia, o que ele não dizia e que,
no entanto, está presente naquilo que diz.7

Esta postura apresenta-se como especialmente produtora,


para além da mera reprodução, uma vez que procura instituir
um diálogo filosófico com potencial criador de conceitos. Em
outro lugar, Deleuze evidenciou que essa postura, ao mesmo
tempo em que contribui para desmistificar a filosofia como algo
acessível apenas a iniciados, também é algo que exige muito
trabalho com sua história, até que se chegue a uma perspectiva
de autonomia criativa:

Suponho que muita gente ache que a filosofia é uma coisa


abstrata e só para os “entendidos”. Tenho tão viva em mim a
idéia de que a filosofia não tem nada a ver com “entendidos”,
não é uma especialidade ou é, na mesma medida que a pintura
ou a música também são, procuro ver o problema de outra
forma. Quando acham que a filosofia é abstrata, a história da
filosofia passa a ser abstrata em dobro, já que ela nem consiste
mais em falar de idéias abstratas (...) Para mim, a história da
filosofia é, como na pintura, uma espécie de arte do retrato.
Faz-se o retrato de um filósofo, mas é o retrato filosófico de um
filósofo, uma espécie de retrato mediúnico, ou seja, um retrato
mental, espiritual; tanto que é uma atividade que faz totalmente
parte da própria filosofia, assim como o retrato faz parte da
pintura. A cor para um pintor é algo que pode levar à insensatez,
à loucura. Portanto, são necessários muitos anos antes de ousar
tocar em algo assim. Não é que eu seja particularmente modesto,
mas eu acho que seria muito chocante se existissem filósofos que
7
Deleuze, Conversações, p. 169-170.

54
Ensinar Filosofia
um livro para professores

dissessem assim: “Vou ingressar na filosofia, e vou fazer a minha


filosofia”; “Tenho a minha filosofia”. São falas de um retardado!
“Fazer a sua filosofia!” Porque a filosofia é como a cor. Antes de
entrar na filosofia, é preciso tanta, mas tanta precaução! Antes
de conquistar a “cor” filosófica, que é o conceito. Antes de saber
e de conseguir criar conceitos é preciso tanto traba1ho! Eu acho
que a história da filosofia é esta lenta modéstia, é preciso fazer
retratos por muito tempo.8

Dessa maneira, a problemática da história da filosofia no ensino


da filosofia começa a se apresentar de outra forma. Lembrando
Kant, o ensino de filosofia precisa ser ativo, precisa ser processo,
precisa estar para além da mera reprodução e assimilação do
que pensaram os filósofos ao longo da história; por outro lado,
lembrando Hegel, não é possível exercitar o ato de filosofar sem
o recurso àquilo que foi historicamente produzido. Deleuze nos
ajuda, por sua vez, a encontrar na história da filosofia, como arte
do retrato, uma perspectiva de retomar criativamente aquilo que
foi pensado e repensado pela humanidade, a partir disso criando
novos conceitos para ressignificar os problemas filosóficos que
vivemos hoje.
Por outro lado, Deleuze nos ajuda a conceber a história da
filosofia não como algo linear e “evolutivo”, mas como uma
coexistência de problemas e questões, de diversas perspectivas
e soluções, conforme alertou Nietzsche na Genealogia da Moral
(§ 12 da 3ª dissertação). Há na história da filosofia não uma
“evolução” do pensamento, como se estivéssemos sempre em
direção a um conhecimento melhor, mais complexo e completo,
mais verdadeiro, mas inúmeras idas e vindas, avanços e
8
O Abecedário de Gilles Deleuze, documentário gravado em 1988.

55
Ensinar Filosofia
um livro para professores

retrocessos, um tatear, de como quem caminha no escuro. Há


uma coexistência de problemas e de soluções propostas a estes
problemas, em diferentes momentos históricos. A história da
filosofia se apresenta, assim, como um arsenal, um depósito de
armas, ou como um conjunto de ferramentas, das quais podemos
dispor para enfrentar nossos próprios problemas.
Na proposta nietzschiana de uma “educação de si mesmo”,
que é essencialmente subversiva, na medida em que pretende
ser uma educação “contra seu tempo”, o ensino da filosofia
desempenha papel central. Mas não um ensino sistematizado
da filosofia, e sim um ensino da filosofia como exercício, como
experiência filosófica, com essa visão perspectiva da história
da filosofia. Nesse contexto, a prática da filosofia, que deve ser
feita a partir de um “modelo”9, é exatamente o aprendizado da
construção de um pensamento próprio, fator determinante para
a singularização e a formação de um “cidadão ativo”.
Como já trabalhamos em capítulos anteriores, é preciso um
começo para o filosofar. Mas, para começar, é preciso um ponto
de partida, o que Nietzsche apresenta como sendo o “modelo”.
Um modelo a ser superado. Um ponto de partida que permita
que haja uma caminhada. Em nossa proposta para um ensino
ativo de filosofia, o ponto de partida é um tema, que deve ser
devidamente problematizado. Mas encontramos na história
filósofos que se depararam com problemas similares e que criaram
conceitos para enfrentar tais problemas. Esses conceitos podem
servir como ferramentas para nosso próprio pensamento. E por
isso devem ser conhecidos. Não porque a história da filosofia se
9
Uma vez mais remetemos o leitor ao belo texto de Nietzsche já citado aqui, “Schopenhauer
Educador”, in Escritos sobre Educação.

56
Ensinar Filosofia
um livro para professores

justifique por si mesma, mas porque o já pensado pelos filósofos


serve de matéria de nosso próprio pensamento. Ponto de partida,
que pode disparar nosso começo e alimentar nossa trajetória de
pensamento.
Deste modo, o que escolher da história da filosofia dependerá
sempre do tema que estivermos trabalhando. Apenas um
exemplo, que talvez ajude a esclarecer o que estamos afirmando.
Podemos, por exemplo, estar tratando de problemas da ética.
O que são os valores? Como tomamos decisões e com base em
que agimos? Para sensibilizar os estudantes em torno destas
questões, poderíamos, por exemplo, partir da sequência inicial
do filme Minority Report – A Nova Lei10. Uma sequência de mais
ou menos vinte minutos mostra aquilo que será a tônica do filme:
em um futuro impreciso, a polícia de Washington dispõe de três
pré-cognitivos, capazes de prever os crimes que acontecerão; e,
com base nestas previsões, a polícia é capaz de agir e prender
o criminoso antes de cometer o crime. A questão que se impõe:
podemos ser culpados por um ato que não chegamos a cometer,
ao sermos impedidos antes?
Após desenvolver uma problematização do tema com os alunos,
motivados pelo filme (pode ser usado o filme todo ou apenas a
sequência inicial), podemos recorrer a produções da história da
filosofia que nos deem elementos para pensar a questão. Podemos
buscar trechos da Ética a Nicômacos, de Aristóteles, que marcam
uma determinada posição: as ações humanas visam à felicidade.
Podemos recorrer a Kant e explorar a ideia moderna de uma ética
do dever. E podemos, por fim, tomar trechos da conferência de
10
Minority Report – A nova lei (147 minutos). Filme de Steven Spielberg para a 20th Century Fox,
2002. O filme foi baseado em conto do mesmo nome, escrito por Philip K. Dick.

57
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Sartre, O existencialismo é um humanismo, ou mesmo de O Ser e o


Nada, para analisar as afirmações de que o valor de uma ação só
pode ser definido a posteriori.
Neste exemplo, recorremos a três filósofos: um antigo, um
moderno, um contemporâneo, buscando seus próprios textos
(ao menos trechos deles), mas o recurso a eles justifica-se pelo
tema e pelo problema que está sendo investigado. Cada um
deles, à sua maneira e no seu tempo, pensou este problema e
produziu conceitos para enfrentá-lo. E seus conceitos servem
de ferramentas para nosso próprio enfrentamento do tema e
do problema, instigando cada estudante a que ele mesmo faça
seu movimento de pensamento, sua experiência de enfrentar
filosoficamente um problema.
Pensamos ser isto o que nos possibilita uma abordagem
temática da filosofia centrada em problemas: a noção de que
a filosofia é necessariamente algo voltado para a vida, para o
cotidiano, para pensar aquilo que nos incomoda diretamente,
para fazer com que vivamos melhor. Numa palavra, uma filosofia
da imanência, como propugnou Deleuze.

f. Ensinar filosofia ou a filosofar?

É bastante comum encontrarmos nos debates sobre o ensino


da filosofia longas discussões em torno de se saber se ensinamos
a filosofia, como produto do pensamento, conhecimento
sistematizado ao longo dos séculos, ou o filosofar, isto é, o
processo do pensamento filosófico. Esta distinção vem pelo

58
Ensinar Filosofia
um livro para professores

menos desde Kant, que na Crítica da Razão Pura propõe que uma
coisa é o processo da filosofia, o filosofar, e outra, bem diferente,
o seu produto. O verbo, sempre no infinitivo, assinala o processo;
o substantivo, define o produto.
Em sentido kantiano, a filosofia não pode ser ensinada,
porque ela, enquanto ideia de uma ciência possível, sempre é
inacabada e, portanto, não pode ser aprendida nem apreendida.
Podemos aprender a história daquilo que foi pensado, mas isto
não é aprender filosofia. Para o filósofo alemão que, diga-se de
passagem, foi professor universitário de filosofia por quase toda
a sua vida, só é possível aprender a filosofar, isto é, “exercitar o
talento da razão”, para usarmos suas próprias palavras. O estudo
da história da filosofia pode nos dar uma dimensão daquilo que
os filósofos produziram, mas não dá a dimensão do processo
da filosofia11. Por outro lado, podemos aprender o processo
do filosofar, podemos aprender a exercitar a razão e a pensar
autonomamente12.
Hegel, no entanto, discordou de Kant. Ao tratar do ensino
da filosofia no Gymnasium, mais ou menos o equivalente na
educação alemã de sua época ao nosso Ensino Médio, ele afirmou
que este deveria estar localizado em sua etapa final e que deveria
ser marcado pela Enciclopédia, transmitindo aquilo que ele
11
Este tema foi analisado com mais profundidade por Lídia Maria Rodrigo no texto “Aprender
Filosofia ou aprender a filosofar: a propósito da tese kantiana”, publicado em Gallo; Danelon;
Cornelli (orgs.). Ensino de Filosofia: Teoria e Prática (Ijuí: Ed. Unijuí, 2004), no qual procura desfazer
os mal-entendidos em torno das afirmações de Kant no debate brasileiro contemporâneo.

12
Kant trata destas questões marginalmente no final da Crítica da Razão Pura, quando está definindo
a arquitetônica da razão pura. O ensino da filosofia é tomado como um exemplo. Na edição desta
obra na coleção Os Pensadores (3ª edição, São Paulo: Abril Cultural, 1983), as afirmações sobre o
aprender a filosofar estão nas páginas 407 a 409 (B-865 a B-869 na notação das obras de Kant).
Essa questão também aparece em seu Manual dos cursos de Lógica Geral, quando faz a distinção da
filosofia considerada segundo seu conceito na escola e seu conceito no mundo.

59
Ensinar Filosofia
um livro para professores

considerava ser o “conteúdo universal da filosofia”, marcado


por três âmbitos fundamentais: a Lógica, a Filosofia da Natureza
e a Filosofia do Espírito13.
Com relação ao método deste ensino, o filósofo critica
abertamente a noção pedagógica corrente (desde Kant, claro) de
que o ensino do filosofar prescinde dos conteúdos filosóficos,
afirmando, em tom de pilhéria, que “isto significa mais ou
menos: deve-se viajar e sempre viajar, sem chegar a conhecer as
cidades, os rios, os países, os homens, etc.” 14. Acrescenta que,
da mesma maneira que só se viaja realmente quando se conhece
uma cidade, depois um rio, depois outra cidade e assim por
diante, “quando se conhece o conteúdo da filosofia, não apenas
se aprende o filosofar, mas já se filosofa realmente” 15.
Concordamos com Hegel na afirmação de que a lógica da
produção filosófica é mais complexa e “dialética” que a distinção
analítica entre processo e produto: a própria prática da filosofia
leva consigo o seu produto e não é possível fazer filosofia sem
filosofar, nem filosofar sem fazer filosofia. Neste sentido, não é
possível ensinar filosofia (os produtos na história) sem ao mesmo
tempo ensinar a filosofar (o processo do pensamento), da mesma
maneira que não é possível ensinar a filosofar sem ensinar
filosofia. Porque a filosofia não é sistema acabado nem o filosofar
apenas a investigação dos princípios universais propostos pelos
filósofos.

13
A este respeito, consultar nos Escritos Pedagógicos de Hegel (México: Fondo de Cultura
Económica, 1991) o texto “Acerca de La exposición de La filosofía en los Gimnasios”, de outubro
de 1812.

14
Hegel, Escritos Pedagógicos, p. 139.

15
Idem, ibidem.

60
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Esta distinção entre ensinar filosofia ou ensinar a filosofar


precisa, pois, ser superada e abandonada pelos professores. O
que ela fez entre nós foi embasar duas posições complicadas:
a de afirmar um ensino de filosofia baseado em habilidades e
competências de pensamento, esvaziado de conteúdo (quando
se põe ênfase no processo do filosofar); e a de afirmar um ensino
conteudista da filosofia, negando a possibilidade da experiência
do pensamento pelos estudantes, quando lança ênfase sobre o
produto da filosofia.
Como temos afirmado aqui, nossa proposta consiste em um
ensino de filosofia em que cada estudante tenha a possibilidade
de experimentação do pensamento filosófico. Mas isto não
prescinde, de forma alguma, do conhecimento dos conceitos, de
como eles foram produzidos historicamente por filósofos de carne
e osso, que viveram seu tempo e enfrentaram seus problemas.

g. Para que ensinar filosofia?

Depois do percurso desenvolvido até aqui, podemos reafirmar:


queremos ensinar filosofia investindo na possibilidade de que os
jovens brasileiros possam experimentar a filosofia. O ensino de
filosofia como possibilidade da experiência filosófica.
Qualquer outra justificação para o ensino da filosofia nos
parece inócua, inoportuna, inatual. Ensinar filosofia para que
cada um possa pensar filosoficamente. Pensar por si mesmo.
Frente a esta tomada de posição teórica, política e prática em
relação ao ensino da filosofia, queremos agora apresentar três

61
Ensinar Filosofia
um livro para professores

grandes desafios para os professores que conosco concordarem e


desejarem somar fileiras neste trabalho e nesta militância.
O primeiro deles é tomar a filosofia – assim como a ciência
e a arte – como uma luta contra a opinião. Deleuze e Guattari
colocam que temos vivido mergulhados na opinião, que se
apresenta como a única forma de vencer o caos, que nos apavora
e angustia ao vermos nosso pensamento escapar de si mesmo,
nossas ideias se perderem no vazio. A opinião, no entanto, não
vence o caos, mas foge dele, como se essa fuga fosse possível. E
assim se consolida, em um jogo de esquecimento do caos, como
se vivêssemos todos felizes, por não saber – ou não querer saber
– de sua existência, uma vez que construímos um mundinho
perfeito e onde tudo tem seu lugar. Daí a importância que
adquirem em nossa sociedade, nos mais distintos níveis, os
chamados “formadores de opinião”; são eles os artífices dessa
droga que se distribui tanto quanto o bom senso (com o perdão
do trocadilho com Descartes...) e nos aprisiona nesse jogo. Mas
isso é viver de aparências, como já denunciava Platão há quase
dois mil e quinhentos anos.
Deleuze e Guattari reagem a esse conformismo, tomando a
filosofia, a arte e a ciência como diferentes movimentos de rasgar
o caos, atravessá-lo e nos ensinar a conviver com ele, em um
movimento de recusa à opinião generalizante e paralisante da
criação. Escreveram eles que o filósofo, o cientista e o artista são
personagens que viajam ao país dos mortos – aquele lugar do
qual não se volta – e retornam como vencedores. Isto é, estes
personagens mergulham no caos em busca de criatividade e
retornam, não se perdendo nele.

62
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Ir ao mundo dos mortos e voltar, com novos elementos


criativos: eis o que pode nos proporcionar a filosofia, como a arte
e a ciência. Nossas aulas de filosofia, portanto, devem ser visitas
ao mundo dos mortos, devem ser exercícios de mergulho no
caos, para dele trazer novas potencialidades. Devem ser, enfim,
um exercício de recusa da opinião.
O segundo desafio é o do diálogo da filosofia com os outros
saberes, diálogo esse que também precisa ser produtivo. Pensamos
que este diálogo deva dar-se através da transversalidade. Parece-
nos que os currículos escolares e acadêmicos devem cada vez
mais abandonar a perspectiva disciplinar, que se encontra em
crise enquanto modelo de produção/socialização de saberes, em
direção a currículos não disciplinares.
O conceito de transversalidade, caro à filosofia francesa
contemporânea, sobretudo a Foucault e a Deleuze, pode nos
auxiliar a propor um currículo no qual o trânsito entre os
saberes em sua produção/socialização/assimilação dê-se de
forma transversal. É importante destacar que o conceito de
transversalidade implica numa postura radicalmente não-
hierárquica. No registro da produção de Deleuze e Guattari, a
transversalidade está articulada com o rizoma, uma forma de
conceber a multiplicidade em suas relações e conexões16.
É necessário salientar que essa noção de transversalidade em
nada se aproxima daquilo que os documentos mais recentes de
política educacional têm chamado de “temas transversais”, que
nada mais são do que formas de se tentar colocar em prática a

16
Sobre o rizoma, ver a obra de Deleuze e Guattari, Mil Platôs. Para uma aplicação deste conceito
ao contexto educacional, ver Deleuze e a Educação (2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica, 2008), de
Silvio Gallo.

63
Ensinar Filosofia
um livro para professores

interdisciplinaridade, que na verdade não rompe com o currículo


disciplinar. Assim, esses temas transversais mantêm e reforçam a
hierarquia dos currículos, enquanto uma visão transversal deles
romperia com essa hierarquização, possibilitando a emergência
de novos saberes e novas práticas.
Na perspectiva da transversalidade, a filosofia no Ensino
Médio deve atravessar as demais áreas de conhecimento e
também ser atravessada por elas, de forma a possibilitar uma
perspectiva da complexidade dos saberes e a alimentar de forma
crítica e criativa o processo de produção de conceitos.
O terceiro desafio é que a questão do ensino de filosofia precisa
ser tratada filosoficamente; Deleuze e Guattari falaram em uma
“pedagogia do conceito”: devemos aprender a trabalhar com o
conceito, devemos ser aprendizes e artesãos no ofício filosófico.
Em O que é a filosofia?, eles afirmaram que apenas uma pedagogia
do conceito pode salvá-lo de seus extremos: um enciclopedismo
que encerraria a filosofia em si mesma, sem abrir-se ao mundo;
e o trato comercial do conceito, sua transformação em mais
uma mercadoria que, ao contrário, seria sua perdição por uma
mundanização excessiva.
Ora, somos nós, professores de filosofia, que temos como
questão vital o ensino do saber filosófico, atores privilegiados
para garantir essa pedagogia do conceito. Pensamos que, assim,
reunimos elementos para banir o antigo preconceito que estabelece
a dicotomia entre o “professor de filosofia” e o “filósofo”, que
vê este último como o pensador – o produtor de conceitos, em
nossa perspectiva – enquanto que ao primeiro caberia apenas
ensinar, transmitir, reproduzir, em uma palavra. O filósofo seria

64
Ensinar Filosofia
um livro para professores

criativo, enquanto que ao professor de filosofia restaria ser como


um papagaio repetidor – de conceitos, de teorias, etc.
No âmbito desta dicotomia, resta ao “filósofo” a produção
enciclopédica, descolada e deslocada da vida, ou a submissão
absoluta à vida enquanto mercado, quando se transforma em
“filósofo profissional”. E hoje temos muitas possibilidades para
esse profissional: a “terapia” filosófica, conhecida nos Estados
Unidos e na Europa como aconselhamento filosófico e no Brasil
como “filosofia clínica” – haveria algo mais próximo ao mercado
em nosso mundo de hoje? –; a assessoria a empresas; o próprio
“ensino” da filosofia, quando se faz como reprodução de manuais
e metodologias pré-fabricadas, sobretudo em escolas privadas,
que se utilizam da filosofia como “arma de marketing”. Isso para
ficar apenas em alguns exemplos mais evidentes.
Mas, se optarmos pelo desafio da pedagogia do conceito, trata-
se de revitalizar a filosofia, de tomá-la como empreendimento
vivo e dinâmico, sempre criada e recriada. Essa postura nos
leva para longe da filosofia como enciclopédia, acessível apenas
aos iniciados, e também para longe da filosofia como ícone
de mercado, pretensamente acessível a todos, ao menos como
pastiche. E, como afirmamos acima, quem melhor que o professor
de filosofia para cuidar da pedagogia do conceito? Encontramos,
assim, que o “filósofo” – produtor – e o “professor de filosofia” –
transmissor – tornam-se uma mesma pessoa.
Pensamos ser pertinente lembrar aqui outro filósofo francês,
Michel Onfray – que não por acaso foi professor de filosofia no
Ensino Médio por muitos anos –, que aponta para o fato de que
uma filosofia que se feche em si mesma é inócua:

65
Ensinar Filosofia
um livro para professores

O pensamento pelo pensamento, a filosofia pelo único prazer


da filosofia valem tanto quanto a arte pela arte: jogos que não
inquietam os atores do capitalismo agressivo, grandes senhores
e tolerantes, enquanto se divertem os pensadores em colóquios,
universidades, revistas ou editoras. A filosofia em circuito
fechado, semelhante àquela que vive do sistema liberal, por e
para ele, não causa nenhuma desordem, nenhum perigo, nenhum
risco. Ela é tão tolerada quanto a segunda é encorajada. Uma
preocupação pragmática supõe a submissão de cada idéia àquilo
que ela pode produzir de efeitos dentro do real, às conseqüências
suscetíveis de surgir nos fatos ou na história.17

Por outro lado, uma filosofia criativa, voltada para os


problemas vividos, visando equacioná-los conceitualmente,
é potencialmente revolucionária. Concluindo esses desafios,
ressaltamos uma última vez que, para além de um enciclopedismo
pedante e paralisante, além de não criativo, e para além de tomar
a filosofia como mero instrumento de uma profissionalização
para o “mercado”, esse ícone de nosso tempo, retomemos a
pedagogia do conceito afirmando, uma vez mais: o ensino de
filosofia será filosófico, ou não o será de forma alguma.

h. Há método(s) para ensinar a filosofar?

A questão das metodologias de ensino e aprendizagem foi


e tem sido a tônica dominante nos debates educacionais na
modernidade. A didática moderna surgiu com Comenius, que
publicou, ainda na primeira metade do século XVII (1638), sua

17
Onfray, A Política do Rebelde – tratado de resistência e de insubmissão, p. 231.

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Ensinar Filosofia
um livro para professores

Didática Magna, que tinha por subtítulo Tratado da Arte Universal


de Ensinar Tudo a Todos; sugestivo, não?
Para o autor tcheco, era possível ensinar tudo a todos, isto é,
qualquer coisa a qualquer um, bastando que para isto se utilizasse
o método adequado. Veja, leitor, que ele estava absolutamente
articulado com seu tempo; Descartes havia publicado seu
Discurso do Método um ano antes, em 1637, chamando a atenção
para a necessidade de regras para a condução do espírito, para
o pensamento correto. A preocupação de Comenius é a mesma
de Descartes, mas voltada para um aspecto mais coletivo, para
atingir grandes números de pessoas, através de uma educação
institucionalizada.
Foi sobre estes pilares que se erigiu a instituição escolar
moderna, e também os processos modernos de educação.
A questão do método de ensino tem sido então um assunto
importante. E uma premissa consolidou-se: quando alguém
ensina, alguém aprende. Ou ainda: alguém só aprende quando
um outro ensina. A partir do século das luzes, o ensino foi sendo
articulado com a explicação: para o aprendizado, é necessário
que alguém que saiba, que domine o conhecimento, faça uma
mediação, explicando-o para um outro que não sabe e que só
pode aprender através desta mediação. A este fenômeno, Jacques
Rancière denominou “sociedade pedagogizada” 18.
18
Em O Mestre Ignorante – cinco lições sobre emancipação intelectual (Ed. Autêntica, 2002), Rancière
faz a crítica desta sociedade pedagogizada, afirmando que ela está fundada em uma dissimetria
entre aquele que ensina e aquele que aprende, fazendo com o segundo seja sempre dependente
do primeiro. O filósofo aponta que neste tipo de sociedade não é possível a emancipação, o ícone
do Iluminismo, uma vez que a emancipação pressupõe uma “igualdade de inteligências” e não a
dissimetria que funda a sociedade pedagogizada. O trabalho de Rancière está baseado no relato
das experiências de um professor francês do período pós-revolução, Joseph Jacotot, que criou
o “método de ensino universal”, baseado na ideia de que qualquer um pode ensinar, inclusive
aquilo que não sabe, desde que seja emancipado intelectualmente e compreenda o outro como
seu igual.

67
Ensinar Filosofia
um livro para professores

No século XX, a psicologia educacional uniu de maneira


indissolúvel o ensino e a aprendizagem, através da expressão
ensino-aprendizagem, como que a afirmar que um aspecto não
pode ser tomado sem o outro, sendo ambos aspectos de um
mesmo fenômeno. Isto foi o refinamento máximo da utopia
lançada por Comenius três séculos antes. É, sim, possível ensinar
tudo a todos; basta que saibamos como se processa nas mentes
das crianças e adultos o conhecimento, quais são os caminhos
do aprendizado, para que possamos delimitar os mais seguros
métodos de ensino.
Porém, um filósofo colocou isto em questão. Em seu livro
Diferença e Repetição, preocupado com o tema do pensamento e de
como a diferença é pensada, Gilles Deleuze tangenciou o tema do
aprendizado e afirmou, literalmente: “nunca se sabe de antemão
como alguém vai aprender...”19. Para Deleuze, o aprendizado é
resultante de um encontro de signos. Por exemplo, no caso de
alguém que aprende a nadar: de nada adiantam as explicações
de alguém que sabe nadar, se o próprio aprendiz não colocar
seu corpo em contato com a água e permitir que os signos do
corpo se encontrem com os signos da água, que eles se fundam
e constituam novos signos. Em sua visão, o aprendizado só se
faz com o enfrentamento de problemas, sejam eles práticos (o
aprendizado da natação) ou especulativos (o aprendizado dos
conceitos, da filosofia). E, de algum modo, o aprendizado dá-se
no inconsciente, na medida em que os problemas enfrentados são
19
Deleuze, Diferença e Repetição, p. 237. Como afirmamos, o tema do aprender não é o assunto
central da obra de Deleuze, mas aparece em vários momentos, como exemplos. Um comentário
recorrente é em relação ao aprendiz de natação, que precisa construir uma relação própria com a
água, um encontro de signos. Ao leitor interessado, porém, recomendamos pelo menos a leitura
do capítulo 3 desta obra, intitulado “A Imagem do Pensamento”, no qual o filósofo chega muito
perto de desenvolver uma “teoria do aprendizado”.

68
Ensinar Filosofia
um livro para professores

sempre problemas da ordem do sensível, ainda não racionalizados.


Em outras palavras: a racionalização dos problemas e do próprio
aprendizado é sempre um momento posterior.
Se nos pomos de acordo com esta visão deleuziana do
aprendizado, somos forçados a admitir que não há métodos para
aprender, assim como não há métodos para encontrar tesouros,
como ele mesmo afirma. O aprender é sempre um acontecimento,
algo inusitado, que foge ao nosso controle e à racionalização
absoluta. Então, cumpre-nos perguntar: se não há métodos para
aprender (e não há, portanto, métodos para aprender filosofia),
haverá métodos para ensinar? E, em nosso caso específico, haverá
métodos para ensinar filosofia?
É importante destacar que o que faz Deleuze é desgrudar
aquilo que a psicologia educacional havia grudado: o ensino com
a aprendizagem. Assim, afirmar que não sabemos como alguém
aprende, não significa dizer que não sabemos como alguém ensina.
Não há métodos para aprender, mas certamente há métodos para
ensinar. O problema é que os professores precisam, humildemente,
acostumar-se com a ideia de que não necessariamente aquilo que
é ensinado é aprendido pelos alunos.
Por outro lado, dizer que o aprendizado é uma espécie de
acontecimento, que foge ao nosso controle, não significa de modo
algum dizer que o ensino se faz ao acaso. O professor precisa
munir-se de um repertório, construir estratégias de aula, definir
seus objetivos e traçar suas linhas de ação. Precisa, porém, ter
a humildade de reconhecer que nem sempre aquilo que ele
trabalhar será assimilado diretamente pelos alunos, ou não
necessariamente naquela sequência, naquele tempo previsto e

69
Ensinar Filosofia
um livro para professores

não por todos da mesma maneira. Por outro lado, às vezes, alunos
aprenderão mais do que o professor julgou ensinar, ou mesmo
aprenderão coisas das quais o professor jamais suspeitaria. Aí
está o mistério e a abertura desta atividade de ensinar, que pode
ser tremendamente apaixonante.
O filosofar só se faz com método. A construção do pensamento
nunca é aleatória e ao acaso, mas implica sempre um regramento
do pensamento. No entanto, não há um único método do pensar:
cada filósofo na história inventou seu próprio método, seu
próprio processo de pensar. A utopia moderna de se conseguir
um método único do pensamento, felizmente, permaneceu
utopia. Em meio às tentativas de construção deste método único,
que seria comum a todos, o que vimos foi a proliferação de
métodos, múltiplos métodos.
Neste aspecto, Stéphane Doauiller faz uma observação
importante e interessante: o que anima a filosofia é o fato de ela
ser dotada de um “poder de começo”. Isto é, cada filósofo, a sua
maneira, institui na filosofia um novo começo, o seu começo, que
é o traçado de seu próprio movimento de pensamento. Douailler
recorre ao mais clássico dos exemplos: a relação entre Sócrates
e Platão. Este só introduziu-se na filosofia com a relação com o
primeiro; mas, por outro lado, para que nascesse o filósofo Platão
foi necessário que morresse o filósofo Sócrates. Platão só iniciou
sua filosofia, só começou efetivamente na filosofia depois da
morte de seu mestre20. Se Sócrates tinha seu método de filosofar,
Platão aprendeu com ele, certamente, mas só filosofou por si

20
Essas ponderações são desenvolvidas no texto “A filosofia que começa: desafios para o ensino
da filosofia no próximo milênio”, de Sthèphane Douailler, publicado em GALLO, S.; CORNELLI,
G.; DANELON, M. (orgs.). Filosofia do Ensino de Filosofia. Petrópolis: Vozes, 2003.

70
Ensinar Filosofia
um livro para professores

mesmo quando criou seu próprio método, quando fez seu próprio
percurso, de maneira autônoma. E assim sucessivamente, pela
história da filosofia afora, fomos vendo os filósofos instituírem seu
começo na filosofia, criando seu método de pensar e produzindo
seus conceitos.
A transposição que Douailler faz para o ensino da filosofia é
evidente. É absolutamente necessário que um professor de filosofia
faça a mediação com seus alunos, para que esses possam começar
na filosofia. Mas, por outro lado, estes alunos só começarão, de
fato, seu próprio processo de filosofar, seu movimento autônomo
de pensamento, com a saída de cena do professor. Sua base de
argumentação é aquela desenvolvida por Rancière em O Mestre
Ignorante, que já citamos aqui. A autonomia do pensamento só
pode ser fundada em um começo próprio, que parte do mestre
(do professor) para prescindir dele em um momento seguinte.
Desta maneira, é evidente que o professor precisa ter seu
método de pensamento e seus métodos de ensino. Mas não há
o método. Não há o método de filosofar e não há o método de
ensinar. Há métodos, que podem ser experimentados, testados,
reelaborados, aperfeiçoados, em um trabalho contínuo e
constante.
Em nossa maneira de pensar, assumir um método específico
para o ensino de filosofia seria amarrar o professor e os alunos
em uma camisa de força, que não necessariamente tornaria
possível o exercício do pensamento. Mas, por outro lado,
um “espontaneísmo” absoluto por parte do professor ou dos
alunos tampouco oportuniza a experimentação do pensamento.
Pensamos que o professor precisa estabelecer certas estratégias

71
Ensinar Filosofia
um livro para professores

de ação, certas coordenadas para as atividades a serem


desenvolvidas. Apenas após seu desenvolvimento ele poderá
traçar um mapa do que foi desenvolvido. Se não há métodos
e mapas para descobrir tesouros ou para aprender, certamente
também os tesouros não são encontrados e as aprendizagens
não acontecem se algumas coordenadas não forem definidas e se
alguns percursos não forem traçados e percorridos.
Na segunda parte deste livro exploraremos algumas
possibilidades concretas para esse tipo de ação no ensino da
filosofia.

72
Ensinar
Filosofia
um livro para professores

Parte 2

Como
ensinar?
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Parte 2
a. Como despertar o interesse dos alunos?
A sensibilização

Uma grande preocupação no campo da educação que já há


anos incomoda os profissionais desta área é a do aparentemente
cada vez menor interesse que os jovens têm pela escola. A
incompatibilidade entre a crescente atração que os acelerados
avanços tecnológicos do mundo contemporâneo exercem nos
jovens e a tradicional estrutura da escola aguça as discussões
sobre, entre outras, a questão das práticas de ensino. A pergunta
que está por trás dessa preocupação é a de como competir com
todas as seduções do “mundo lá fora” na hora de ensinar.
Consideramos bastante legítima esta preocupação no caso dos
professores de filosofia por diversos motivos adicionais que esta
disciplina encontra, como a atual falta de tradição desse ensino
nas escolas, levando a uma desconfiança da sua importância por
parte dos jovens, a sua peculiaridade de ser um estudo bastante
abstrato e dissertativo, a imagem/preconceito que se tem de que
a filosofia é inútil.
Atualmente os professores de filosofia vivem o problema não
só de ter de saber o que e como ensinar, mas o de apresentar a
filosofia aos jovens de forma instigante.
Defendemos, para este ensino de filosofia que propomos
aqui neste livro, que devemos necessariamente trabalhar com
os textos originais dos filósofos, não há dúvidas. Mais adiante
detalharemos esse trabalho. No entanto, como primeiro contato,

75
Ensinar Filosofia
um livro para professores

para começar o curso, é interessante que haja uma sensibilização


às questões que serão tratadas depois.
Poderíamos dizer, falando propriamente dos procedimentos,
que a primeira etapa desse ensino é a de problematização.
Primeiramente o professor ensina a elaborar perguntas até
chegar à formulação do problema filosófico que servirá de
estopim para o subsequente estudo. Porém, talvez pudéssemos
pensar em uma fase ainda anterior a essa. Antes de começar a
traçar o problema, sugerimos que os professores se dediquem
à elaboração de atividades que possam afetar os alunos para o
posterior problema, que os tornem sensíveis à necessidade de
busca de respostas.
É importante pensar que o que poderá, desde o início, trazer
o interesse dos alunos para as aulas é a aproximação que se
possa fazer das questões a serem tratadas e nossas vidas,
nossa realidade. Certamente se conseguirmos logo no começo
mostrar aos alunos que a filosofia trata das questões humanas
mais fundamentais e que estas são exatamente aquelas com as
quais nos debatemos quando não estamos por demais tomados
pelo corre-corre do cotidiano, isto aumentará seu interesse. Se
conseguirmos introduzir os temas filosóficos a serem estudados
posteriormente por meio de textos e imagens que não foram
produzidos como filosofia, como por exemplo, filmes, músicas,
reportagens, poesia, etc., mas que tenham conteúdos que possam
contribuir para a elaboração da questão a ser estudada, isto
certamente contribuirá para um maior interesse dos alunos. O
importante é utilizar recursos imagéticos e textuais que sejam
familiares ao universo dos alunos para aproximar a filosofia

76
Ensinar Filosofia
um livro para professores

de suas vidas, para que saibam que o estudo da filosofia está


diretamente ligado ao tratamento dos problemas humanos.
Também para que percebam que os grandes problemas da
história da filosofia continuam sendo nossos problemas e que estes
mesmos problemas também são tratados pela arte, à sua maneira,
e que continuam sendo vividos cotidianamente podendo ser
reconhecidos em reportagens, por exemplo.
Para esta primeira fase de sensibilização às questões filosóficas,
depois de escolhido o material que servirá de recurso é necessário
pensar uma forma também descontraída ou até lúdica de
trabalhar esse material. Seria interessante fazer uso de táticas
de aula que propiciassem que os alunos se sentissem à vontade
para expressarem livremente suas opiniões e sensações em
relação ao material mostrado. Ainda não é o momento de exigir
qualquer rigor, neste momento ainda não importa se tudo o que
os alunos conseguirem seja mero senso comum ou até mesmo
preconceitos, o objetivo é que se envolvam com a questão, que
queiram investigá-la depois.
Daremos um exemplo. Suponha que um período de um
determinado curso esteja reservado para a epistemologia, que
viria a ser explorada a partir do problema do conhecimento,
erguido a partir das questões “conhecemos as coisas a partir
dos sentidos?”, “de onde vêm as ideias?”, “é possível conhecer
tudo?”, “como sabemos que sabemos algo?”, entre outras.
Um dos caminhos possíveis para dar suporte ao estudo para
tratar estas questões poderia ser apresentando aos alunos o
racionalismo de Descartes juntamente com todo o seu entorno
histórico, seguido do empirismo de Locke e Hume e depois a

77
Ensinar Filosofia
um livro para professores

equação que Kant faz dessas questões em Crítica à Razão Pura,


no que foi chamado de idealismo. Mas não é esta a nossa opção.
Para chegar ao estudo propriamente dito sugerimos algumas
fases. Como dissemos, ainda detalharemos esse trabalho nos
capítulos seguintes. O que nos interessa agora: como introduzir as
questões que levam ao problema do conhecimento? Como fazer
com que os alunos se interessem em investigar filosoficamente
o tema do conhecimento, que se sintam tocados por ele? Não
conseguiremos tanto envolvimento dos jovens se simplesmente
chegarmos à aula para expor os problemas e soluções às quais se
dedicou Descartes e depois Hume e Kant. Enquanto assistissem
a aulas como essas os alunos poderiam estar secretamente
pensando “o que me importa o que esse francês do século XVII
pensou ou deixou de pensar? Para o que na vida me serve
isso?”. No entanto, se conseguirmos fazer uma aproximação
entre as mesmas questões que incomodaram esses pensadores e
os nossos alunos, tornado deles essas preocupações, aí teremos
maior chance de sucesso no curso já que haveria sentido para os
jovens sua dedicação a esse estudo. E isto pode ser feito por meio
de atividades que instiguem os alunos a eles mesmos fazerem as
questões que cerquem o problema, atividades estas elaboradas
de tal maneira que criem situações para os alunos reviverem as
inquietações e refazerem as questões dos filósofos.
Assim, para esse exemplo sugerimos a seguinte atividade.
O professor apresenta em linhas gerais qual o tema a ser
estudado, que neste caso é a questão do conhecimento que está
ligada à questão da realidade: “o que conhecemos da realidade
é a realidade?”, “pode ser que todo mundo do mundo esteja

78
Ensinar Filosofia
um livro para professores

enganado, como quando acreditávamos que o planeta Terra


era plano?”. Daí propõe a atividade que consiste em distribuir
um pequeno papel com algo escrito para cada aluno, se a classe
for pequena, ou para duplas de alunos e pedir que classifiquem
várias palavras, separando-as em real ou não-real. Enquanto
eles se decidem, o professor divide a lousa ao meio e escreve
real de um lado e não-real do outro. Dá um pedacinho de fita
adesiva para que eles preguem o papel no campo que acharem
mais adequado. Pode-se fazer dois papéis iguais, até mesmo
para causar a eventual situação de cada papel ser pregado em
um dos diferentes campos. Nos papéis podem estar escritos
nomes de coisas imaginárias, de coisas vivas, porém que já
morreram, de coisas passadas, de coisas futuras, coisas concretas,
abstratas, por exemplo: Dom Pedro I, a maçã que comi hoje de
manhã, meu tataravô, a mentira que contei, o sonho que tive essa
noite, o que um míope vê sem óculos, planos para o futuro, o
apartamento comprado e que ainda não foi construído, papai
Noel, o pato Donald, seres extraterrestres, uma mesa, o amor,
dragões, dinossauros, Deus, os números da equação, os sonhos
de juventude não realizados, o átomo, a gravidade, o filho que
só nascerá daqui a dez anos, gnomos, fadas, as lembranças das
férias passadas, os sons que os cachorros ouvem, a cor do som,
etc. Depois que todos os papéis estiverem colados na lousa o
professor pede que todos observem a classificação e, se tiver
alguma dúvida ou discordância da classificação de algum dos
papéis, que falem. Assim espera-se que se crie um diálogo, talvez
bastante acalorado, sobre o que é real ou não e principalmente o
porquê disso. O papel do professor aqui é ir fazendo perguntas

79
Ensinar Filosofia
um livro para professores

para facilitar a investigação sem interferir nos “achismos”. Sua


tarefa aqui é tirar o máximo do que os alunos pensam sobre o
assunto, mesmo que tudo se baseie em perguntas, dúvidas,
incertezas, tanto melhor que seja assim, filosofia não se faz
a partir de certezas, mas de problemas. Não é o momento de
sair com respostas e não vale a pena “brigar” para defender
pontos de vista. O professor tem o papel de esclarecer isto: não
há um certo e um errado aqui, este é um momento de abalar as
estruturas de nossas opiniões, de nos abrirmos para duvidar do
óbvio para podermos nos preparar para formular as questões que
vão balizar nossas investigações filosóficas. Com certeza alguns
alunos sairão dessa aula bastante afetados, achando estranho
que não estejam se sentindo tão certos das suas opiniões e nem
mesmo das coisas mais simples como “quem me garante que não
estou sonhando agora?”. Ou, mesmo durante a aula, é possível
que alguém conte a todos que quando era pequeno sempre saía
de casa sem ser percebido para voltar subitamente para ver se as
pessoas continuavam lá ou se elas só existiam quando ele também
estava; ou alguém que pergunte: “quem nos garante que não
fazemos parte do sonho de um outro ser?”, e assim por diante.
Se essas coisas acontecerem, o professor pode ficar satisfeito
com sua aula, pois era esse mesmo o efeito esperado: dúvidas.
A partir de todas as indefinições que essa atividade pode trazer
é que na aula seguinte o professor pode começar a sistematizar
com os alunos o problema.
Resumidamente, todo o processo seria assim: em primeiro
lugar, criamos uma situação de aproximação dos problemas
filosóficos a serem estudados com o universo dos alunos através

80
Ensinar Filosofia
um livro para professores

de recursos imagéticos, musicais e textuais diversos – chamamos


esta fase de sensibilização; depois partimos propriamente para a
elaboração desses problemas, a fase de problematização, que se
dá pela provocação das questões, componentes dos problemas,
que serão tratados filosoficamente no curso; depois o estudo
propriamente dito, que se faz por meio de leitura de textos
filosóficos e posterior ensaio de escrita filosófica. Tanto os textos
dos filósofos da tradição quanto textos sobre a história da filosofia
ou aulas expositivas sobre esta história serão instrumentos
do ensino. Essas outras fases estão detalhadas nos próximos
capítulos.

b. Quais direções tomar?


As coordenadas do mapa

Como já dissemos anteriormente, não acreditamos na


possibilidade de um modelo para o ensino de filosofia. Não há
como determinar um método para abarcar algo vivo, que está
sempre sendo composto em um processo de constante devir
como é a filosofia e como deveria ser, aliás, toda educação. O
que pensamos que podemos fazer neste livro é discutir sobre
as possíveis diretrizes gerais desse ensino. Cada professor, na
singularidade de seu curso, saberá escolher táticas adequadas,
textos mais próprios, formas de avaliar condizentes com seu
processo específico. No entanto, pode haver, aqui, um trabalho
de pensarmos filosoficamente sobre quais podem ser as
coordenadas, as balizas, do trabalho específico em cada curso.

81
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Isto quer dizer: vamos tentar traçar um sistema de referências.


Um mapa. Tomemos como nosso exemplo o dos primeiros
exploradores que foram viajando quase a esmo, em busca de
conhecer cada palmo que conseguiam avançar e iam anotando,
iam desenhando e confirmando ou até negando totalmente
aquilo que tinham como hipótese, aquilo que tinham imaginado
que seria. Antes de estarem naquele lugar pela primeira vez não
era possível saber nada, o mapa vai se desenhando conforme a
exploração avança. Antes só se sabe que se quer desenhar um
mapa e que, para tanto, é necessário explorar. O que há antes de se
começar a investigar é um norte e, a partir dele, os outros pontos
cardeais, há de se ter atenção à sua posição em relação ao norte,
a determinação de uma escala para o desenho, de coordenadas,
latitude, longitude, dos símbolos a serem usados. O mapa de
um determinado lugar é único, intransferível. Porém, todos os
mapas de um atlas seguem o mesmo sistema de referências. O
mapa de uma situação de sala de aula nunca será igual a outro.
As situações possíveis são inúmeras e por isso os mapas serão
múltiplos já que mesmo o mesmo professor na mesma escola
não terá alunos iguais em anos diferentes, mesmo que sejam
escolhidos os mesmos conteúdos. Nesse sentido, o mapa de uma
situação educacional é sempre um rascunho de mapa, porque a
situação não pode nunca ser repetida, já que é acontecimento.
Não é um mapa de um lugar, pois não há para onde voltar, não
se pode chegar a seguir o mapa. É, talvez, o mapa de um tempo.
Nós podemos chegar a um tempo passado se seguirmos o mapa
de uma determinada situação educacional e esse seria o mapa do
tempo em que se estava em determinado lugar, mas que é como

82
Ensinar Filosofia
um livro para professores

um lugar fantasma, pois toda vez que tentamos voltar a ele, ele
nos escapa, não foi cristalizado, era puro surgimento do novo,
não pode ser repetido, não pode ser aprisionado em um modelo,
pode ser narrado e recordado e assim pode ser um exemplo.
Nossa ideia é que o professor faça tantos mapas quantas turmas
tiver. Os mapas serão diferentes, muito diferentes. Mas poderiam
estar todos no mesmo atlas, poderiam todos seguir o mesmo
sistema de referências.
Estamos aqui, portanto, discutindo o que usar como
coordenada, qual o norte a seguir, o que está além e por trás
desse mapa. Definindo isso, depois podemos ir a campo, cada
um desenhar o mapa da situação que se lhe apresentar. Vamos
tentar aqui definir diretrizes para a experiência filosófica, apenas
as diretrizes, o desenho terá que ir sendo desenhado conforme
a expedição for avançando. Conhecemos belíssimas histórias de
explorações geográficas, no passado, pelo planeta. Podemos ler
seus relatos e tomá-los apenas como narração de experiência,
que é o que são. Não servem de modelo. Nada nos garante que
o ataque de um leão será igual ou sequer semelhante ao de um
outro, em outra viagem. Não se pode saber o que vai acontecer
numa exploração territorial antes que se lance a ela. Devemos
nos embrenhar nessa floresta com clareza do que buscamos e
de quais os instrumentos que dispomos, o restante terá que ser
criado a cada passo, permitindo assim que se respeite o devir.
Assim chegamos ao que pretendemos desenvolver na segunda
parte deste livro: traçar um sistema de referências para o ensino
de filosofia para jovens. A expedição a que nos lançamos é o
ensino de filosofia como experiência filosófica. O nosso norte é

83
Ensinar Filosofia
um livro para professores

a criação de conceitos. Este sistema quer ser útil para a criação de


uma didática filosófica dos professores, construída na sua prática,
nas suas diversas práticas, sendo assim autenticamente sua.
Propomos como coordenadas desse sistema: a leitura filosófica, a
história da filosofia e a escrita filosófica – estas são as referências deste
ensino. Poderíamos dizer que estas são as nossas estratégias. As
estratégias, então, seriam as coordenadas, os símbolos e norte,
determinados para o desenho do mapa da exploração. As táticas
são definidas no momento do acontecimento. Cada professor
terá o seu modo, suas táticas, para conseguir dar cabo do que já
tiver determinado anteriormente como estratégia.
Para nós, em relação a esse grande mapa do ensino de
filosofia para jovens, o norte, o objetivo a ser alcançado, é o
ensino da criação de conceitos filosóficos por meio do ensino do
filosofar que é filosofia. As coordenadas são o ensino de diálogo
filosófico com o texto filosófico, com a história da filosofia e com os
problemas filosóficos através dos ensaios de escrita filosófica. Isto
é, pensamos que podemos ensinar o aluno a ler filosoficamente,
a escrever filosoficamente, fundamentado na história da filosofia
(e na relação desta com a História mundial) o que é ensinar uma
disciplina filosófica para seu pensamento, como ferramenta para
lidar com problemas filosóficos.
Dessa forma, o mapa é geral, porque não entra nos detalhes da
coisa, reservando as táticas para cada professor construir dentro
de sua especificidade circunstancial. Por isso não nos importará
discutir qual conteúdo específico, dentro da história da filosofia,
deve ser selecionado, ou quais atividades usar para propulsionar
a reflexão, ou como ensinar a ler, etc. Iremos apenas fazer algumas

84
Ensinar Filosofia
um livro para professores

especificações táticas, encontradas nos anexos, que podem ser


ilustrativos, demonstrativos, instigantes, mas relembramos que
o bote do leão improvavelmente será o mesmo duas vezes. Até
mesmo nossas sugestões de começar com uma sensibilização,
depois uma problematização antes de partir propriamente para o
estudo, podem ser consideradas sugestões de táticas, as quais
os professores podem acatar ou não. No entanto, não abrimos
mão é da defesa do ensino da leitura dos textos filosóficos, da
fundamentação de todo o estudo na história da filosofia e do
ensino do ensaio da escrita filosófica, repetindo: estas são nossas
coordenadas, estas são as direções a serem tomadas e que estão
detalhadas nos capítulos a seguir.
Temos que deixar claro que, para nós, o ensino de filosofia
pode ser produção de filosofia, pode ser filosofar. Se, como
dissemos, a filosofia for matéria e ato interdependentes entre si,
que estão em movimento espiral de impulso mútuo e contínuo,
se filosofar for produção de filosofia e filosofia é filosofar, então
o ensino de filosofia será ele também produção de filosofia. E
estamos aqui nos arriscando a dizer que isto se faz exatamente
como os filósofos fizeram e fazem. E o que quer dizer isto,
exatamente? Quando afirmamos isto, não estamos querendo
acreditar que ao final de cada curso vamos ter filosofias como as
dos pensadores da tradição, seria até bastante ingênuo acreditar
nisto, pois há, sim, uma diferença de grau imensa aí, mas não
de gênero, talvez. Talvez todo ensaio de filosofia de aluno
possa ser um esboço de uma filosofia. O que estamos dizendo
é que a prática que propomos leva o aluno a realizar algo que
é próprio da filosofia. O aluno de matemática, na medida em

85
Ensinar Filosofia
um livro para professores

que faz cálculos, também está fazendo matemática, porque está


realizando algo próprio da matemática. Mas aqui temos uma
diferença fundamental: a criação. A realização de filosofias
implica, necessariamente, em criação. Assim sendo, o aluno
de filosofia não estará apenas reproduzindo filosofia quando
estiver realizando filosofia, mas, também, criando. Tudo, com
certeza, sempre guardando as devidas proporções em relação
às habilidades necessárias para um tal empreendimento. O que
rechaçamos, porém, é que se impute ao jovem uma menoridade
intelectual que o mantenha em uma posição de inferioridade
em relação ao saber, de forma que não se sinta suficientemente
inteligente para criar conhecimento, mantendo-se numa postura
heterônoma por muito mais tempo do que o necessário, em sua
carreira de estudante.
Assim, condensadamente: o norte é a criação de conceitos, o
objetivo é a experiência filosófica, as direções a serem tomadas
para isto são a leitura de textos filosóficos, a história da filosofia e a
escrita filosófica.

c. Como proceder ao estudo filosófico?


O problema

Seguindo o que foi dito anteriormente sobre os procedimentos


do curso, podemos dizer que antes de chegar ao estudo filosófico
propriamente dito, devemos passar pela problematização. Esta
tem como objetivo chegar à formulação do problema filosófico
que servirá de estopim da investigação posterior. Aqui, devemos

86
Ensinar Filosofia
um livro para professores

incitar o questionamento filosófico e ensinar a formulação das


questões filosóficas que compõem o problema.
O professor de filosofia faz o papel de um questionador,
ele pergunta e ensina a perguntar. Para que se comece uma
investigação que vai gerar conhecimento, que quer criar conceito,
é necessário instaurar um estado de querer saber: descobrir
e inventar. Se não há um problema, não há motivos para nos
pormos a buscar. Uma questão bem formulada circunscreve e
direciona a busca.
É por meio de perguntas que criamos o mundo e, na ausência
delas, verdades viram dogmas, homem vira robô, robô crente.
Tudo na vida do ser humano pode ser pergunta. Tudo pode ser
questionado, tudo é passível de ser devastado pela curiosidade
do ser perguntador. No entanto estamos acostumados a
identificar a maturidade a ter princípios, concepções, definições,
papéis muito determinados para guardarmos contra qualquer
questionamento. É comum sermos ensinados a usar como matriz
de nossos julgamentos e pensamentos essas verdades algo
fossilizadas. É assim que corremos o risco de deixar de praticar
nossa humanidade, renunciando ao nosso poder de afirmar
nosso ser no não–ser: deixamos de nos inventar, sempre novos
a cada instante. Deixamos de nos espantar conosco mesmos e
com tudo o mais que nunca sabemos o que é. Nos agarramos a
um conjunto de princípios que acabam por principiar sempre a
mesma história. Isto é, somos educados para ter certezas e não
para praticar a filosofia em nossas vidas.
Aquele que não pergunta é alguém que tem certeza. Pode ser
que o adolescente chegue às aulas cheio de certezas. Na educação

87
Ensinar Filosofia
um livro para professores

tradicional, em que a reprodução de conhecimento sobrepõe-


se à sua produção, não estamos acostumados à pesquisa, às
perguntas, buscas, dúvidas e incertezas na construção de algo.
Somos treinados para consumir os conteúdos da maneira mais
eficaz. Precisamos ter certezas para partirmos para a aplicação
desse conhecimento, assim adquirido, o mais rápido possível.
Numa sociedade competitiva e arrivista, com fortes traços
individualistas, parece útil que os jovens tenham cada vez mais
pressa em escolher suas profissões para entrarem no mercado
de trabalho, para entrarem no gira-gira frenético do produzir-
consumir-produzir. Para isso é mais eficaz que ele tenha certezas
do que fique questionando-se sobre a origem, o teor e importância
das coisas. Para fazer um teste para concorrer a uma vaga de
emprego ele tem de ter certezas; para passar no vestibular ele
tem de ter certezas; até para assumir uma prestação de televisão.
As propagandas comerciais mostram isso: homens viris, seguros
e bem-sucedidos são aqueles que sabem o que querem, eles têm
certezas. No ritmo desumano de rapidez em que as coisas são
produzidas e ficam obsoletas, em que novas necessidades são
criadas, entram e saem de moda, é necessário que o consumidor
tenha certezas, caso contrário vai ter prejuízos. O ritmo da
indústria e comércio 24 horas, do videogame, do videoclip, é um
ritmo que não admite questionamento, reflexão, parada para
reavaliação, muito menos para questionar o óbvio.
Essas nos parecem ser boas razões para que o professor ensine
o aluno a perguntar. Fazer o aluno recordar-se dos seus três anos
de idade, recordar-se de seu amor pelo “por quê?”. O professor,
partindo dessa realidade, do aluno cheio de suas certezas, não tem

88
Ensinar Filosofia
um livro para professores

o que esclarecer. O professor de filosofia terá, isto sim, que deixar


as coisas nubladas. Ele vai incomodar o aluno, se seu propósito
é questionar. O professor, na fase de problematizar, deixará o
aluno desconfortável, perplexo até, sensação já começada na
sensibilização. As certezas estremecidas sentirão que podem
desmoronar com as perguntas, as questões, os problemas.
Muitas vezes vamos encontrar alunos que não sabem
sequer fazer uma pergunta. Não conseguem direcionar suas
preocupações. Muitas vezes, antes ainda, não sabem detectar
quais são suas preocupações. Nessa primeira etapa da experiência
filosófica, de problematização, é isso que queremos ensiná-los: a
questionar. Pois não há filosofia sem questão. Toda investigação
é busca de resposta. Se não temos questões, um problema, não
temos busca de resposta. Não há filosofia se houver conformidade
com o dado, se houver obediência à aparência, se houver conforto
na opinião.
A questão filosófica quer saber sobre a essência, a estrutura e
o sentido de todas as coisas: o “que – como – por que” de toda a
realidade, do homem, da sociedade e de tudo que implica e está
implicado em sua existência, incluindo nesse questionamento
o próprio questionamento, pois o homem não só sabe ou quer
saber das coisas, mas sabe que as sabe ou que as quer saber e
pergunta-se sobre como faz isto.
As questões filosóficas que compõem o problema, que gerará a
investigação filosófica em sala de aula, não são meras perguntas.
Uma pergunta é uma parte da questão, um instrumento para sua
construção. Uma questão se constrói a partir de uma série de
perguntas que se encadeiam de maneira coerente. A questão é

89
Ensinar Filosofia
um livro para professores

contextualizada, ela esclarece exatamente sobre o que pergunta,


explica-se a si mesma. Mesmo que a preocupação do questionador
esteja muito determinada em um ponto, devemos levar em conta
que esse ponto é parte de um universo composto por outros
elementos e suas relações. A questão tem de salientar isso, há
pressupostos, e talvez hipóteses, que devem estar claras para o
questionador. Por isso a tarefa de elaborar a questão é uma tarefa
de artesão. As perguntas serão sempre instrumentos do filosofar
por excelência. Serão sempre úteis durante a investigação para
apontar possíveis relações, propor atalhos, abrir caminhos
de busca, levantar dúvidas. E serão úteis também no ver-se a
si do pensamento, no repensar. Poderíamos dizer que todo o
movimento da filosofia é um movimento de perguntar, não de
responder. O encadeamento de perguntas que vai criando um
problema, que vai sendo resolvido na medida em que vai, com
novas perguntas (tanto sobre a coisa perguntada quanto sobre a
forma de perguntar), encontrando saídas, discernindo, criando
crítica que analisa e sintetiza, no final chega apenas a estar aberto
a novas questões e questões novamente e questões ainda.
Seguindo o exemplo do capítulo anterior, quais poderiam
ser as questões? Cremos que as mesmas que atormentaram
Descartes, Hume e os outros filósofos. Como ter certeza que
o que conhecemos é o que as coisas são? Como chegar a um
conhecimento verdadeiro? É possível determinar um método
para isso? É possível que existam ideias inatas na razão? O
conhecimento verdadeiro viria da razão ou dos sentidos? Ou
poderia ser dos dois? Se for dos dois, qual a relação, qual a medida
de cada um na construção do conhecimento? Conhecimentos

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Ensinar Filosofia
um livro para professores

são construídos ou se revelam? As relações que fazemos entre os


fenômenos estão neles ou apenas na mente humana? Se vierem
exclusivamente da mente poderíamos pensar na possibilidade
de fazer outras relações, usando uma outra lógica? E se isso fosse
possível, como seria o mundo? Ou não, o mundo tem suas leis
e o que nos cabe é descobri-las? É possível que as coisas sejam
algo a mais do que aquilo que conseguimos conhecer? Podemos
pensar que a mente humana funciona como uma fôrma e o que
não se encaixa nela fica sem ser conhecido? Como poderíamos
determinar o que não pode ser conhecido se este não pode
ser conhecido e, portanto não pode ser dito? Vemos que há
muitas questões que podem ser elaboradas para circunscrever
o problema do conhecimento e da realidade humanos. A tarefa
do professor seria, por meio das dúvidas todas que surgirem na
primeira fase, a de sensibilização, retomar o tema com os alunos
e juntos elaborarem as questões. Traduzir uma primeira, por
exemplo, “quem me garante que não estou sonhando agora?” por
“Como ter certeza que o que conhecemos é o que as coisas são?
Como chegar a um conhecimento verdadeiro?” ou “se eu sair
da sala as coisas continuarão existindo?” por “O conhecimento
verdadeiro viria da razão ou dos sentidos? Ou poderia ser dos
dois? Se for dos dois, qual a relação, qual a medida de cada um na
construção do conhecimento?”. O professor tem que ser sensível
ao questionamento inicial dos alunos, que vem como fruto da sua
provocação em sensibilizá-los, e precisa estar atento ao mesmo
tempo para ir ajudando a fazer aquela tradução de forma a se
aproximar o mais que for possível dos problemas como colocados
pelos filósofos que forem ser estudados posteriormente.

91
Ensinar Filosofia
um livro para professores

A partir do problema delimitado passaremos ao seu estudo,


à exploração filosófica dele e isto se dará, como já foi dito, por
meio de textos dos filósofos da tradição e da história da filosofia.
A continuidade dos procedimentos desse estudo será explicitada
nos próximos capítulos.
Gostaríamos, no entanto, neste momento, de salientar a
importância de uma tática de sala de aula que é a insistência no
uso do caderno. É importante que os professores enfatizem a
obrigatoriedade de cada aluno ter um caderno dedicado a esta
disciplina, e usá-lo, obviamente. No início, talvez, seja uma ação
muito mais dos professores de estar a todo o momento lembrando
os alunos de usarem seus cadernos, até que criem o hábito, a
partir da constatação de sua importância. O curso como estamos
propondo aqui poucas vezes se configurará como apresentação
de conteúdos simplesmente. Sendo assim, poucas vezes os
professores trarão materiais a serem expostos na lousa. Mas isto
não implica na falta de coisas a escrever no caderno. O caderno em
filosofia deve funcionar exatamente como um diário de viagem.
A cada aula abrir uma nova página, colocar a data e relatar o
que aconteceu. Aqui os relatos serão menos dos fatos e mais das
ideias. O que acontece é que geralmente estamos acostumados,
como professores, a colocar na lousa nossos esquemas e/ou textos
inteiros para que os alunos copiem. E, como alunos, estamos
condicionados a só achar importante o que os professores põem
na lousa e restringimos nossas anotações a isso. O que estamos
propondo aqui é um exercício diferente. Um exercício duplo: de
síntese e de tradução. É síntese na medida em que quando os
professores não anotam na lousa e os alunos devem escrever em

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Ensinar Filosofia
um livro para professores

seus cadernos, eles são obrigados a fazer uma síntese do que está
sendo dito e discutido, com suas próprias palavras, a partir de
seu entendimento e isto já é, ao mesmo tempo, um exercício de
tradução. Os alunos traduzem para o seu modo de falar ou de
esquematizar, de entender e de explicar, aquilo que está sendo
falado e explicado na classe, pela classe. É importante insistirmos
nesse tipo de uso do caderno, pois isto contribui para o aumento
da importância que se dá aos pensamentos dos alunos, o que
é imprescindível para a experiência filosófica, já que é uma
experiência dos alunos.

d. Os alunos têm condições de


ler os textos filosóficos?
O uso dos textos filosóficos

Quantos de nós já não ficamos atônitos, paralisados diante de


um texto filosófico? Quantas vezes já não nos propusemos a ler
Platão, Hegel, Deleuze, ou tantos outros e não nos deparamos
com páginas intransponíveis, densas, impenetráveis? Quantas
vezes já não tivemos que ser muito insistentes e ler e reler e reler
até que algo começasse a se processar em nossas mentes? Uma
aula expositiva de um determinado professor pode ter sido muito
útil para algum entendimento desses textos em algum momento,
assim como este papel de auxiliar na compreensão pode ter sido
exercido por um texto de um historiador da filosofia ou de um
outro filósofo sobre ele. É sobre isto que queremos falar neste
capítulo, sobre as dificuldades características dos primeiros

93
Ensinar Filosofia
um livro para professores

contatos com os textos dos filósofos e das possíveis formas de


transpô-las. Pois acreditamos que sim, os alunos têm condições
de ler os textos filosóficos, e devem fazê-lo.
Como já foi dito anteriormente a leitura filosófica é uma das
coordenadas, uma das referências desse sistema que estamos
criando para nortear o ensino de filosofia como experiência
filosófica. Nossa ideia é que depois de iniciar com a sensibilização
ao problema, passado pela fase de problematização, quando as
questões já estiverem no poder dos alunos, o próximo passo é
o de começar o estudo filosófico para dar conta do problema
levantado. E este estudo se dá através dos textos filosóficos.
Partimos do princípio de deixar os alunos terem uma experiência
direta com os textos filosóficos. Acreditamos que em muito pouco
estaremos aproximando os alunos da filosofia se nos restringirmos
aos textos de livros-manual ou a nossas exposições sobre o
pensamento desse ou daquele filósofo. A nós não parece bom que
os professores dediquem-se a explicar os textos ou que ofereçam
textos-comentário sobre a obra de um pensador. Por quê? Porque
a explicação é reducionismo, é a imposição de uma determinada
leitura, imposição do olhar de quem explica. A explicação é um
outro texto, é um discurso inventado pelos professores sobre o texto
em questão, assim como os textos didáticos dos livros-manual de
filosofia, os textos-comentário. Nós pensamos que, inicialmente,
os alunos devem ser deixados livres para que tenham as suas
próprias experiências nos seus contatos diretos com os textos.
Os professores não vão selecionar ideias gerais, nem conceitos
em particular, de um determinado autor como forma de levar os
alunos ao conhecimento de sua filosofia.

94
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Se assim procedermos, a leitura do texto será dos alunos, sem


subordinação às ideias que os professores ou qualquer outro
tenha do texto, por isso, quanto mais original o texto for, melhor.
E quanto mais deixarmos que os alunos se embrenhem nessa
aventura por si, melhor. O texto assim explorado é mediador da
relação professor/aluno, não se servirá ao papel de instrumento
de poder. Então, aqui mais uma vez a filosofia é inauguração,
é retorno, é atitude de aprendiz que está sempre tendo de
recomeçar, para os alunos e para os professores. Os professores
vão ensinar técnicas dessa leitura-busca e vão encorajar os alunos
a lançarem-se nessa experiência. Os resultados das tentativas
podem ser compartilhados depois, os achados e perdidos podem
ser explicitados e podem servir de esclarecimento, mas depois, a
travessia, a primeira leitura, é pessoal.
Podemos sugerir que, ainda seguindo o exemplo dos capítulos
anteriores, sejam dados trechos de “Meditações” de Descartes,
talvez na íntegra a primeira meditação e pedir que cada um leia,
em casa, de uma semana para outra. A aula seguinte seria dedicada
a deixar que os alunos expusessem seus entendimentos da leitura
feita. Possivelmente muitos deles dirão que não entenderam
nada, mas os professores podem ir fazendo perguntas para irem
extraindo uma ou outra coisa, pedindo que os alunos apontem
no texto em que linha está escrito aquilo que os alunos vão
mencionando (quer seja uma interpretação de um trecho, quer
seja o que eles dizem não entender), os professores certamente
saberão inventar táticas de dissecação dos textos, pedirão que os
alunos façam suas anotações sobre o conhecimento que for sendo
construído. Poderão pedir que os alunos releiam o texto estudado

95
Ensinar Filosofia
um livro para professores

para extrair nova compreensão, na aula mesmo ou em casa. E


então depois disso, apenas depois de um trabalho artesanal de
primeiro contato dos alunos com os textos, aconselhamos aulas
expositivas e/ou outros textos explicativos. Isto quer dizer que
se em algum momento houver uma “explicação” sobre as ideias
dos filósofos, esta será só um complemento e não todo o contato
dos alunos com as ideias dos filósofos.
A leitura filosófica não é uma forma de adquirir conhecimento
como fazemos ao estudar outros assuntos. A leitura filosófica é
uma forma de produzir conhecimento, conhecimento filosófico,
já que reativa a filosofia, a torna matéria de criação.
Acreditamos ser um bom caminho o de pedir que os alunos
leiam filosofia como leem poesia, isto é, ler a coisa revivendo-a,
entrando nela, tornando-a experiência de quem leu, podendo
daí reinventá-la segundo a emoção que desperta. Para alcançar
o objetivo de ensinar os alunos a filosofarem, a poderem eles
mesmos criar filosofia, o papel do professor seria o de conduzir
os alunos para que possam entrar no texto filosófico, para poder
desmontá-lo e remontá-lo ou montar uma outra filosofia com as
mesmas peças ou com parte delas.
Sendo assim, o trabalho de ensinar a ler filosoficamente não
é o de deixar que o aluno explore o texto espontaneamente. A
leitura filosófica é estudo. O aluno inexperiente poderá pensar em
agarrar seu livro e deitar-se no sofá displicentemente enquanto
assiste alguma coisa na televisão. Mas o texto filosófico requer
que dialoguemos com ele, se não respondemos, sua filosofia não
se reativa. Podemos rabiscá-lo, anotar nossas falas desse diálogo.
Dizemos que essa leitura é estudo, por que essa necessidade de

96
Ensinar Filosofia
um livro para professores

dialogar com ele que nos é despertada, faz com que o entendimento
seja uma reescrita, é decifrar. Ao ler filosoficamente um texto
somos obrigados a traduzi-lo, passamos a ser autores, também,
da nossa compreensão da coisa. A leitura filosófica é também
esforço de síntese. Os professores terão de inventar suas táticas
para incentivarem os alunos a todo o momento desmontar o texto
para entendê-lo, acompanhar sua lógica, trilhar seu raciocínio,
separar as partes para conhecê-las e conhecer suas relações. Aí,
então, no diálogo, há que se fazer um trabalho de remontagem
do significado, é síntese. Esse trabalho requer dedicação: atenção
e paciência.
A primeira coisa que um texto filosófico nos ensina é que
ele não é um campo aberto onde podemos entrar correndo sem
dificuldades. Ele faz com que duvidemos de nossa capacidade de
entender a leitura: lemos, mas não deciframos, conhecemos o som
de cada palavra lida, mas elas nada nos trazem de significado.
Parecem cifradas, não temos a senha de entrada. A segunda
coisa, portanto, que ele nos ensina é persistir. Perseverar, não
esmorecer, insistir, insistir. Colocamo-nos diante dele como
intrusos. Mas nada podemos forçar. Temos de ter paciência. Aos
poucos a nossa cabeça vai se moldando ao texto, vai se abrindo
para poder encaixá-lo, a cabeça deve mudar para que o texto
caiba, é necessário criar a compreensão dele. Não pode ser o
contrário. Se nos pusermos a querer encaixar o texto naquilo que
já sabemos, ele não cabe. E, se decidirmos nos enganar e paramos
nessa altura da tentativa de leitura, nada dele saberemos, não o
teremos lido, apenas mutilado. É preciso esperar para que o texto
vá nos moldando, nos mudando. É preciso saber esperar. Ler de

97
Ensinar Filosofia
um livro para professores

novo. De novo. Deixá-lo um pouco de lado e depois retomar.


Aos poucos, o texto vai se revelando, se deixando penetrar. Um
leitor que sabe esperar, que sabe observar e insistir é aquele
que vai descobrir as portas secretas desse espaço, as conexões
insuspeitáveis, os túneis subterrâneos.
Pensemos em uma analogia entre ensinar a criar filosofia por
meio da leitura filosófica e ensinar a fazer um bolo. No bolo, há
que se pôr farinha de trigo, ovos, leite, fermento e o sabor. Mas
também pode ser feito com água, com outras farinhas, com óleo ou
manteiga. Pode ser feito sem ovo ou com sal. Ou seja, há inúmeras
variações na composição e também no sabor, na cobertura e no
recheio, no tamanho, no formato, na duração da preparação, na
sua função à mesa, etc., mas todos eles são bolos. Há algo que faz
com que todos possam ser chamados de bolo, por mais díspares
que sejam. E ensinar alguém a fazer bolo é isso. É ensinar a perceber
esse o que faz com que o bolo seja bolo. O aprendiz vai ter de fazer,
ele mesmo, muitos bolos para ver como é que se faz até que possa
saber o que é fazer um bolo e possa daí inventar novos bolos. Em
filosofia dá-se algo semelhante. Quando lemos filosoficamente
um texto filosófico em particular é como seguir uma determinada
receita de bolo. Ensinar a ler filosoficamente é ensinar a ver o
que faz com que aquele texto seja filosófico. Como no exemplo
das receitas de bolo, o aprendiz, por meio da experiência com
diferentes leituras filosóficas, poderá não só conhecer a filosofia
desse ou daquele autor, mas ele saberá reconhecer o específico do
texto filosófico e, posteriormente, poderá apropriar-se de forma
intencional de partes, quaisquer partes, quer seja dos conceitos
ou da forma de criá-los para usar na sua criação.

98
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Essa leitura é uma atitude, uma atitude de intrometer-se e


observar atento. Não se sai ileso de tal empreitada. Essa leitura
é experiência filosófica. É também diálogo. Essa leitura é esforço
de descobrimento, de reconstrução e de deixar-se ser tomado.
É por esse motivo que acreditamos que o trabalho de criação
de conceitos filosóficos, em sala de aula, com jovens, deve,
necessariamente, ser feito por meio do ensino da leitura filosófica
e estudo de textos filosóficos. Defendemos que a filosofia, para
ser reativada, precisa ser experimentada. A leitura filosófica
propriamente dita é um movimento de busca minuciosa. É um
movimento descarado de procurar o que não se mostrou, procura
do que há entre, atrás, embaixo e além.
Certamente cada professor terá de inventar suas táticas,
diversas, para explorar a leitura filosófica como movimento de
busca de afirmações subjacentes aos ditos, busca dos critérios dos
julgamentos, busca de reconhecimento do desenho do raciocínio
feito, dos pressupostos das afirmações, das relações entre as partes,
do valor dos exemplos e contraexemplos e das metáforas e analogias
na argumentação; busca de descobrir com quem o texto está falando
ou a quem está respondendo, busca das motivações que levaram
às ideias expostas. Essa análise é importante para que os alunos
aprendam a explorar os textos filosóficos nos seus conteúdos, mas
também nas suas formas. É interessante que os alunos possam, a
partir do andamento do curso, ir percebendo os diferentes estilos
entre os filósofos, que possam reconhecer diferentes formas de
argumentação além dos conceitos criados por eles. Isto será bastante
útil aos alunos se lembrarmos que estes alunos serão encorajados a
fazer os seus próprios ensaios filosóficos.

99
Ensinar Filosofia
um livro para professores

e. Como fazer uso da história da filosofia?


História descontinuada

Na primeira parte deste livro, nós já nos dedicamos à


argumentação sobre os motivos de nossa opção por um curso
desenvolvido por meio de temas da filosofia, devidamente
problematizados, em detrimento de um curso de história
da filosofia. No entanto, repetimos que, mesmo optando
pelo ensino de filosofia como experiência filosófica, isto não
significa que acreditamos que se possa dispensar essa história,
absolutamente.
Afirmamos antes que uma das coordenadas, uma das
referências, desse sistema que estamos criando para nortear o
ensino de filosofia como experiência filosófica é a leitura filosófica.
E agora podemos acrescentar que uma outra dessas coordenadas é
a história da filosofia. O estudo filosófico para dar conta do problema
levantado – depois da sensibilização ao problema, passando pela
problematização, se dá através dos textos filosóficos e da história da
filosofia. Seria impensável defender a aproximação dos alunos aos
textos sem também insistir na exploração da dimensão histórica
desses textos. Este ensino pressupõe o trabalho com o texto
filosófico de forma tal a conhecê-lo no particular de sua natureza.
Como dissemos, além de estudarmos seu conteúdo poder-se-á
também reconhecer nele o filosofar, o seu filosofar particular. No
entanto, esse trabalho técnico de dissecação na leitura filosófica
de um texto pode ser potencializado ao ensinarmos a história
desse texto. Todo texto filosófico está circunscrito no universo de
um determinado problema, e seu sentido, então, se encaixa aí. Se

100
Ensinar Filosofia
um livro para professores

prescindirmos da história podemos nos furtar a essa dimensão, a


do problema, que é a que nos interessa.
Mas, como poderia ser esse uso da história da filosofia sem ser
um curso de história da filosofia? Em um curso de história da
filosofia, por mais que se queira ser fiel a um conteúdo filosófico,
corre-se o risco de levar os alunos para longe da filosofia,
colocando-a como objeto a ser consumido ou contemplado. Como
se fosse um filme, pronto e acabado, esperando um espectador
que fosse vê-lo e, com sorte, simpatizasse com ele e revivesse-o,
mas, recomposto na saída do espetáculo, viesse a esquecê-lo. Em
um caso como este, estamos distantes da experiência filosófica.
O que propomos aqui é que o trabalho com a história da filosofia
esteja diretamente ligado à leitura filosófica.
No capítulo anterior, detalhamos o trabalho de leitura
dos textos filosóficos. Assim foi dito que, a cada problema
determinado para o estudo, os professores escolheriam textos da
tradição para serem estudados como exemplo de filosofias que
foram criadas a partir daquele problema. Acrescentamos aqui,
então, que, a cada ocasião de oferecimento de um destes textos,
os professores se dediquem à sua história.
Todos os filósofos fizeram suas filosofias em diálogo com os
outros (conhecemos alguns filósofos que pretenderam ser os
últimos filósofos, já que pensavam criar suas filosofias como a
solução derradeira dos problemas filosóficos, depois vimos que
não foram, mas jamais algum deles pretendeu ser o primeiro
dos filósofos). Em cada nova tentativa de se lidar com um
determinado problema sempre há o conhecimento das ideias
de outros filósofos, anteriores, ou até mesmo a existência de um

101
Ensinar Filosofia
um livro para professores

mestre direto ou de um modelo, um intercessor. Há grandes


filósofos que passaram boa parte de suas vidas estudando
outros filósofos antes de arriscar uma filosofia própria, por
exemplo. Ou seja, ao escolhermos um determinado texto de um
determinado filósofo para trabalhar com os alunos, é bom que
tenhamos clareza de que este texto é histórico, assim, seria bom
que explicitássemos que lugar ocupa na história. Este lugar tem
pelo menos três dimensões: seu lugar específico na história das
produções do autor, na história da filosofia e na história mundial.
Um determinado texto de um autor tem uma posição
determinada dentro da história particular das produções desse
pensador. É uma obra de juventude? É uma obra que foi uma
tese de doutorado? Ou participante de um concurso? É uma obra
que não é reconhecida pelo autor porque é uma transcrição de
uma palestra? É a última obra que ele escreveu quando já estava
velho e doente? É uma obra que escreveu assim que voltou
da guerra? Veja quantas particularidades (estas entre outras
tantas), pode haver no entorno da composição de uma obra.
Ora, mas essas características nos importam? Sim, na medida
em que um texto é sempre escrito para ser lido. Alguém escreve
sempre a partir de um determinado lugar. Um texto filosófico,
escrito a partir da provocação de um problema, é uma tentativa
de resposta e é a participação em um diálogo com outros que
escreveram provocados pelo mesmo problema. O texto é situado
e é marcado por essa situação porque ele é resposta, é reação a
um problema. Sendo assim é bom conhecermos a situação que
provoca o problema em cada caso para podermos aproveitar mais
do texto. Ao lermos determinado texto podemos nos perguntar:

102
Ensinar Filosofia
um livro para professores

com quem ele está dialogando? Está respondendo a alguém


especificamente? Podemos buscar as motivações das ideias ali
expostas. Isso nos ajuda a reativar o problema que levou à sua
escrita.
Reafirmamos que na história da filosofia há uma coexistência
de problemas e de soluções propostas a estes problemas,
em diferentes momentos. Ou seja, não é possível pensar que
filósofos mais recentes tenham “evoluído” em relação aos outros
do passado, não há refutação em filosofia como na ciência.
Conhecimentos muito antigos ainda têm seu valor intacto mesmo
que durante muitos séculos muitos outros filósofos tenham
tratado desses mesmos problemas. Sendo assim, não há o que nos
obrigue a fazer um estudo cronológico da história da filosofia.
Não estamos dando um curso de história, mas de filosofia, assim
o uso da história pode ser descontinuado. A localização do texto
na vida do autor nos leva diretamente às outras duas dimensões,
a saber, a de seu lugar na história da filosofia e na história mundial.
Pensamos que quanto mais pudermos explorar as diversas
facetas do texto, revelar as diversas camadas onde se situa, mais
poderemos reativar os problemas que serviram de estopim a ele.
A possibilidade de reconhecer os problemas que mobilizaram os
filósofos e os movimentos e trajetórias de pensamento que estes
fizeram pode produzir nos alunos que eles também se afetem
por essas questões e que sejam capturados pelo movimento do
pensamento, sentindo-se seduzidos a segui-lo. Esta é a principal
razão do uso da história da filosofia no ensino de filosofia como
experiência filosófica. E também o inverso, ou seja, quando os
alunos forem convidados a fazer ensaios de filosofia, saberão

103
Ensinar Filosofia
um livro para professores

como levar em consideração a dimensão histórica de suas


tentativas de escrita.
Um trabalho muito bonito que pode ser tentado pelos
professores, principalmente por aqueles que dão aulas em mais
de uma série e que podem acompanhar os mesmos alunos no
decorrer dos anos, é a proposta de uma linha do tempo. Pedir
que os alunos colem em alguma página de seus cadernos uma
folha solta e outra nesta e outra ainda, de maneira a formar
uma página bem comprida que deve ser dobrada em forma de
sanfona e guardada dentro do caderno. Nesta folha os alunos vão
organizando uma linha do tempo conforme forem estudando os
filósofos, orientados pelos professores. Assim, conforme o curso
for se desenrolando, a cada novo filósofo estudado, os alunos
são orientados a ir organizando linear e cronologicamente os
pensadores estudados, completando sua linha do tempo. Esta
pode comportar não só o nome a as datas de nascimento e morte
de cada pensador, mas também, características principais de seu
pensamento como palavras-chave para localização do problema,
além de algumas características de seu tempo histórico. Esta
atividade pode ser, além de outras coisas, útil para criar uma certa
noção da relação temporal entre os fenômenos filosóficos; por
exemplo, seria bom que nossos alunos saíssem do curso sabendo
que Aristóteles foi discípulo direto de Platão, tendo estudado em
sua Academia por vinte anos, mas que não continuou a filosofia
do mestre como um platônico; ou ainda outro exemplo, que
Michel Foucault e Nietzsche não se conheceram pois quando um
nasceu o outro já tinha morrido há mais de vinte anos, mas que
mesmo assim as influências são grandes e, de uma certa forma,

104
Ensinar Filosofia
um livro para professores

há uma continuidade no pensamento entre os dois.


Nesta fase do estudo os professores podem lançar mão de
textos dos manuais de ensino de filosofia, de livros de história
da filosofia, assim como os de história das obras filosóficas. Em
dicionários de filosofia, muitas vezes encontramos a biografia dos
principais filósofos, inclusive, o que pode dar um bom material
para esta contextualização.
Resumindo, então: ao escolher um determinado texto de um
determinado autor, o professor vai propor que se trabalhe com
ele de forma a conhecê-lo no particular de seu conteúdo e de
forma a poder reconhecer o filosofar nele, por meio da leitura
filosófica, que vem aliada ao estudo das diversas dimensões
históricas de sua produção. E podemos dizer que estarão, assim,
criadas as condições para que o estudante possa, a seu tempo,
reinventar o texto filosófico, ensaiar uma criação sua a partir dos
textos estudados para dar conta do problema escolhido. E esta é a
terceira coordenada do nosso sistema, que trataremos a seguir.

f. Como os alunos podem


exercitar a escrita?
Ensaios

Uma filosofia se cria a partir de filosofias já criadas. Fazemos


filosofia em relação com conceitos filosóficos antes criados, com
caminhos de filosofar já trilhados. Não começamos uma filosofia
do zero, não podemos escapar disso sem estar escapando da
filosofia. Mas tampouco podemos ficar só nisso – na apreensão

105
Ensinar Filosofia
um livro para professores

da filosofia já feita – pois, desta forma, estaremos escapando da


filosofia, que é criação. O ensino de filosofia que propomos aqui
pretende se configurar como experiência filosófica, o que implica
ensino de ler e escrever. O movimento de fazer filosofia é retomar
e transpor. Retomar os conceitos já criados na história da filosofia,
retomar os problemas tratados, assim como os movimentos de
pensamento já percorridos. O retomar é livre, pode ser apropriação
de qualquer parte que for útil para a criação desejada, operando
a imersão de conceitos de outrem em um novo plano, fazendo
uso explícito dele como peça constituinte de uma outra criação.
Pode ser apropriação de princípios norteadores, ou de modo de
articular, ou ainda outra coisa. A retomada do texto filosófico
é possível por meio da leitura filosófica, inclusive do estudo
histórico do texto, por meio do qual se pode reativar o problema
que o gerou, além de dissecar suas ideias e o movimento de seu
pensamento, a lógica interna da investigação e argumentação. A
transposição de tudo isso se dá na originalidade da composição
e na introdução de novos elementos, é recriação. Para o exercício
de ensaio de escrita filosófica que propomos aqui a repetição
dos conceitos anteriores não dá conta, mas o esquecimento dos
conceitos anteriores também não ajuda. Como nos ensinam
Deleuze e Guattari, é necessário saber reativar conceitos de
filósofos da tradição em nossos problemas e deixá-los nos inspirar
na criação de nossos próprios conceitos.
A filosofia é uma prática, é o filosofar. Para podermos aprender
essa disciplina em nosso pensamento, precisamos praticá-la. É
uma experiência no sentido de que é algo que atravessa quem
a vive: traspassado por ela já não se é o mesmo. A disciplina

106
Ensinar Filosofia
um livro para professores

filosófica cria novas formas de viver no mundo e de falar dele. A


aprendizagem de filosofia assemelha-se ao aprendizado do ciclista.
Aprende-se fazendo, na prática. Qual é a prática da filosofia? Ora,
é o próprio filosofar que produz filosofia. O futuro ciclista deve
necessariamente sentar-se em uma bicicleta e arriscar-se a toda sorte
de sustos e tombos até ir adquirindo algum saber fazer, depois de
sucessivas revisões de sua prática, depois de muito ensaio. Não há
estudo de manual do proprietário que substitua isso, nem mesmo
simulações por computador. Aquele que deseja pedalar precisa
de coragem para pedalar. Falar sobre ciclismo não substituirá
o treino em cima da bicicleta. Aquele que quiser filosofar deve
filosofar. Isto significa que acreditamos ser imprescindível que
incentivemos e disponibilizemos elementos para que os alunos
possam arriscar-se a ensaiar seus próprios textos.
Assim, depois de estudar exemplos escritos da tradição filosófica
sobre o problema escolhido, devidamente lidos (dissecando
para reconhecer seus conceitos, os movimentos do pensamento,
tendo consciência das suas dimensões históricas, reativando
seus problemas), os alunos terão condições de arriscarem-se em
uma criação própria para dar conta do problema que está sendo
estudado. Como já dissemos anteriormente, essa leitura filosófica
que propusemos aqui já é ela mesma criação, na medida em
que busca tocar os alunos pelo conceito criado, busca imaginar
relações possíveis entre aquele pensamento e outros contextos,
prever as implicações das ideias, busca, enfim, entrar nas ondas e
nas pedras das linhas que compõem aquele pensamento para vê-
lo de dentro, revivendo-o. Isto feito, os professores terão de criar
situações em que se possam contrastar os conceitos dos autores

107
Ensinar Filosofia
um livro para professores

estudados com nossas questões atuais, atualizando o problema.


Ora, mais uma vez, não estamos propondo um curso de história
da filosofia, mas de experiência em filosofia. Não propomos um
curso teórico apenas, mas prático. Essa atualização do problema
pode ser feita a partir da proposta preparada pelos professores
para provocar o processo de escrita.
Vamos sistematizar um pouco essas ideias para que fique mais
claro. Vejamos: o ensino de filosofia como experiência filosófica
se sustenta nas coordenadas da leitura filosófica, da história da
filosofia e da escrita filosófica. Para começar o curso propusemos,
antes de começar o estudo dos textos propriamente ditos, uma
fase de sensibilização e outra de problematização. Cada uma destas
partes já foi tratada em um capítulo específico. Estamos agora
tratando especificamente da escrita, defendendo a ideia de que
a experiência filosófica que propomos culmina nas tentativas de
os alunos criarem os seus próprios textos filosóficos para tratar
do problema escolhido no início do processo. Esta escrita estará,
necessariamente, baseada nos estudos anteriores. Os alunos serão
convidados a escrever a sua versão do tratamento do problema.
Cada aluno será incentivado a elaborar um pensamento sobre o
problema, mas fará isto, necessariamente, usando os conceitos
estudados anteriormente. Nessa escrita, portanto, apesar de
exigir a criatividade de cada um, há certo e errado sim, na
medida em que o uso dos conceitos estudados tem de ser feito de
acordo com princípios previamente determinados. Dizemos isto
porque não é incomum ouvirmos alguns professores afirmarem
que “não existe certo e errado em filosofia”. Certamente, ao dizer
isto, eles se referem ao movimento constante da filosofia que se

108
Ensinar Filosofia
um livro para professores

dá porque os conceitos criados por uma filosofia não são eternos,


eles não acabam com o problema, não eliminam a pergunta
(como nas ciências que, depois de uma determinada solução, uma
determinada descoberta, fazem com que não tenha mais sentido
colocar a mesma questão). Os conceitos filosóficos servem a um
problema em um determinado tempo, mas os problemas podem
sempre ser retomados sob outro ponto de vista e novos conceitos
precisam ser criados, ou novos problemas são criados ou velhos
são recriados, o que é fato é que sempre há a necessidade de se lidar
filosoficamente com eles, novos conceitos precisam ser criados.
Neste sentido não há certo e errado em filosofia, pois não se pode
dizer que os conceitos de um determinado filósofo que retomam
um problema tratado pela filosofia desde a antiguidade estão
mais certos do que os antigos. Por exemplo, a ética de Aristóteles
continua tão poderosa quanto sempre foi, apesar de todas as
produções filosóficas sobre os mesmos temas no decorrer da
história. Entretanto, o mesmo não ocorre com a teoria aristotélica
sobre a queda dos corpos. Mas, a respeito da escrita dos alunos,
que vai tentar retomar os conceitos dos filósofos estudados, sim,
há certo e errado, pois não podemos aceitar que uma compreensão
equivocada dos conceitos seja usada como correta. Sendo assim,
cada aluno terá liberdade de equacionar os conceitos estudados à
sua maneira e criar uma forma original de lidar com o problema
proposto, poderá exercitar sua criatividade, sua forma de ver e
de colocar o problema. No entanto, a cada vez que recorrer a
um conceito de um determinado filósofo para fundamentar sua
argumentação, terá sim, necessariamente que fazê-lo de maneira
correta, sendo fiel ao conceito.

109
Ensinar Filosofia
um livro para professores

A escrita filosófica, a terceira coordenada do sistema de referências


que estamos criando aqui para o ensino de filosofia para jovens, é,
poderíamos dizer, o elemento onde culmina esse processo. Neste
ponto, através da questão que os professores elaboram para
provocar a escrita é que se relembra aos corações o que passaram
na fase de sensibilização, aqui se volta às preocupações causadas
pelos problemas e, armados dos conceitos estudados, os alunos
terão a possibilidade de ensaiar uma criação de elaboração de
resposta. É o momento dos alunos poderem criar as suas sub-
versões. Ou seja, munidos do estudo filosófico desenvolvido até
o momento, os alunos podem elaborar uma versão própria do
problema, podem ensaiar uma equação filosófica para lidar com
ele, cada um treinando à sua maneira. Neste momento, eles têm
realmente condições de pensar um problema, de fazer algo que
não seja mera repetição do senso comum, que seja uma criação
sua, um pensamento autônomo embasado filosoficamente,
usando livremente as ferramentas filosóficas do curso.
Vamos dar um exemplo. Suponha que o objetivo de um
determinado curso seja o de dar elementos filosóficos para os
alunos fazerem uma crítica ao mundo contemporâneo justamente
no que diz respeito à possibilidade de pensamento autônomo.
Suponha que se tenha passado pela fase de sensibilização (que
neste caso pode ser o excelente filme “Mera Coincidência”,
originalmente chamado “Wag the Dog”, com Dustin Hoffman e
Robert De Niro), depois devidamente pela fase de problematização,
elaborando as questões para cercar o problema. Na etapa de estudo
filosófico, é possível apresentar a eles fragmentos de “Dialética
do Esclarecimento” de Adorno e Horkheimer, para trabalhar

110
Ensinar Filosofia
um livro para professores

o conceito de indústria cultural; depois oferecer fragmentos


escolhidos de “Considerações Extemporâneas II- Da utilidade e
desvantagem da história para a vida”, de Nietzsche, para destacar
a crítica que ele faz ao homem moderno no que tange ao que ele
denomina homem histórico, aquele que engole enciclopédia de
saber acumulado, porém nada faz com isto, nada cria de seu; e,
por fim, “Post-Scriptum para as Sociedades de Controle” que está
no livro Conversações, de Deleuze, para explorar o conceito de
sociedade de controle. Para incitar os alunos ao ensaio da sua
sub-versão, o professor poderia pedir que se criasse um texto,
dissertativo, que pudesse levar o título de “PENSAR POR SI
MESMO NO MUNDO CONTEMPORÂNEO”, oferecendo uma
coletânea de citações para inspiração, para provocar o desejo da
redação. Sugerimos três, como exemplo, a seguir:

“O que pode o pensamento contra todas as forças que, ao nos


atravessarem, nos querem fracos, tristes, servos e tolos? Deleuze
não cessou de dar a essa pergunta inquietante uma resposta
alegre: criar. Sua obra é uma prodigiosa criação e renovação de
conceitos e o conceito, apesar de sua irrelevância no comércio
do mundo, nada tem de inocente. Inspira novas maneiras de
ver, ouvir e sentir – portanto, de viver. Assim, a filosofia nunca
é abstrata: inventa e implica um estilo de vida, uma maneira de
viver, uma ética; ou, mais radicalmente, uma estética, estética
da existência ou arte de si mesmo. A vida como obra de arte, o
filósofo como grande estilista do agora.”
(Peter Pál Pelbart, na orelha do livro que ele traduziu,
Conversações, de Gilles Deleuze, pela Editora 34)

111
Ensinar Filosofia
um livro para professores

“(...) Você tem sede de quê?


Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida
A gente quer comida, diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída para qualquer parte (...)”
(Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Sérgio Brito,
em Jesus não tem dentes no país dos banguelas. Titãs. 1988)

“Uns curvados sobre suas terras, os outros agarrados às suas


lojas, movem-se como toupeiras em galerias subterrâneas e
nunca se levantam para observar, ao acaso, a natureza.”
(Paul Lafargue, em O Direito à Preguiça)

Destacamos aqui que, obviamente, existem inúmeras


possibilidades de escolha de textos para trabalhar cada problema
proposto, assim como de recursos de sensibilização e todas as
táticas de ensino, e que estas escolhas ficam a critério de cada
professor. Esse foi apenas um exemplo, na tentativa de elucidar
nossas propostas. Pensamos inclusive que o ideal é mesmo que
os professores sintam-se motivados a buscar esses materiais, que
sintam segurança para montar seus cursos livremente.

g. A avaliação também pode funcionar


como tática de ensino?
Avaliação emancipatória

Avaliar é humano. O homem pode, a partir da criação de uma


consciência de si e do mundo, posicionar-se com distanciamento
da natureza e, assim, julgar. Enxerga as coisas todas como

112
Ensinar Filosofia
um livro para professores

outras e procura conhecê-las: procura identidade, semelhanças


e diferenças. Nomeia, classifica, cria relações para elas. Está a
todo o momento decidindo, avalia. Pode escolher os critérios
para avaliar em busca do bem, em busca da verdade. Além disso,
pode se ver nessa busca e pode avaliar, inclusive, a si mesmo.
Ora, se privarmos o homem de sua capacidade avaliativa,
estaremos contribuindo para sua descaracterização, negando
que desenvolva a possibilidade de humanizar-se por meio de
suas opções conscientes, em um certo sentido, negando-lhe a
liberdade. Por outro lado, se desejarmos humanizar o homem,
podemos, também, ensiná-lo a avaliar.
Vimos defendendo até o momento o ensino da disciplina
filosófica no pensamento, para jovens, na escola, como experiência
filosófica por meio de ensaios filosóficos. Essa poderia levar
à criação de conceitos filosóficos que poderiam servir como
saídas para os problemas (e entradas, já que os problemas se
recolocam) desses jovens alunos na construção criativa de si
mesmos e do mundo, contribuindo para o desenvolvimento de
subjetividades autônomas. Nós nos perguntamos a partir deste
momento, como proceder para que o processo de avaliação seja
parte de um processo de educação comprometida com o respeito
à diversidade e com o incentivo à criatividade?
Há, e isso é difícil contestar, uma relação direta entre educação
e poder. Paralelamente às intenções de formação dos alunos
por meio das diversas propostas de ensino, além das intenções
de informar e oferecer-lhes os caminhos da cultura, podemos
perscrutar outras funções que a educação formal assume e que
são bem menos explícitas, pois são ideológicas e estão a serviço do

113
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Estado em uma sociedade de classes, estão a serviço do encaixe do


aluno na grande engrenagem: cada um deve ocupar o seu lugar,
cada um deve ser condicionado a ocupar o seu devido lugar.
Em uma sociedade como a nossa, na qual a competitividade é a
solução, onde a produtividade é cultivada como um valor maior,
vemos esta mesma lógica ser reproduzida dentro da escola.
Nesta perspectiva, a prática da avaliação, que poderia ser uma
prática geradora de construção de relações dialógicas, muitas
vezes, passa a ser colaboradora do estabelecimento de relações
hierarquizadas e pautadas em antagonismos, uma prática
de controle, submissa à ordem geral. Por meio de processos
avaliativos classificatórios e seletivos, inventam-se dois polos
contrários: o do saber e o do não-saber, e assim se determina
o lugar que cada um deve ocupar no processo de ensino. A
avaliação aplicada assim é prática de exclusão, é recusa à
diversidade do possível humano. Disciplinadora e autoritária,
essa avaliação parece nada ter a ver com nossa ideia de ensino
de filosofia.
Pensamos que os professores que decidam praticar suas aulas
como experiência filosófica possam pensar em não fazer uso de
uma avaliação classificatória que exclui já que seleciona. Há a
possibilidade de pensarmos a avaliação de forma a romper com
este discurso autoritário da seleção/punição e nos aproximarmos
de uma ressignificação da avaliação na escola? Como seria uma
avaliação que pudesse não ser instrumento de poder do professor
e da escola? Como poderia ser um processo de avaliação que
não tivesse a intenção explícita e tampouco velada de formatar?
Como poderia ser uma avaliação que levasse o aluno a apropriar-

114
Ensinar Filosofia
um livro para professores

se de seu processo de aprendizagem ao invés de ser excluído do


processo de ensino do professor?
Pensamos que a avaliação teria de ser ela também, além de
processo de ensino, processo de investigação, e não de constatação e
tabulação como normalmente tem sido. A avaliação classificatória
tem sido possível até aqui, porque os cursos estruturam-se na base
autoritária da transmissão muito mais do que na investigação.
Há, efetivamente, um certo e um errado, dos quais o aluno deve
aproximar-se e afastar-se respectivamente, e o processo cessa aí.
Se entendermos a construção de conhecimento como investigação,
podendo ter uma faceta coletiva, onde haja colaboração de cada
participante, e se adequarmos a avaliação neste universo, ela,
necessariamente, terá de deixar de ser classificatória e autoritária
para tornar-se investigadora e democrática.
O que se costumou chamar de avaliação formativa, em
contraposição àquela, é esta que, por meio de seus instrumentos
baseados na interlocução dialógica, se torna emancipatória e não mais
punitiva. A avaliação passa de julgamento sobre a aprendizagem
para revelação de possibilidades, necessidades e avanços de cada
aluno. Especificamente em relação ao ensino de filosofia que estamos
propondo aqui, como poderíamos pensar a avaliação?
Acreditamos que a avaliação poderá ocorrer em duas
dimensões: referente ao processo do filosofar e como instrumento
de tomada de consciência e de redirecionamento do aluno em
seu processo de aprendizagem.
Em relação ao processo do filosofar, queremos dizer que o
ensino de filosofia é produção de filosofia e o processo avaliativo
dessa filosofia é intrínseco a ela. O processo de criar filosofia é,

115
Ensinar Filosofia
um livro para professores

em si, autoavaliativo. Trata-se de, a todo momento, saber onde se


está. O filósofo, filosofando, a cada momento desloca seu olhar
de seu objeto para seu pensamento sobre o objeto. A busca da
verdade e a busca da beleza são rigorosas, trata-se de escolher
cada palavra como mais adequada, cada relação entre as ideias,
na construção da complexidade móvel do conceito que se está
querendo criar. Trata-se de rever e reorientar-se no pensamento
a cada parágrafo, a cada insight, a cada avalanche e cansaço,
relendo-se. O pensamento filosófico é repensamento, é ruminar.
Aprendemos a fazer isso fazendo, treinando esse olhar sobre a
coisa, paralelo à coisa, como uma sombra que acompanha e faz
parte em um dia de luz intensa. Criar conceitos filosóficos é um
metacriar. Por isso que é autoavaliativo, por isso que dissemos
que filosofia é filosofar, um processo de cognição metacognitivo
ou, poderíamos dizer, um processo de metacognição cognitivo.
Tanto faz, contanto que entendamos que a cisão é impossível
sem risco de mutilação. Então, avaliar é preciso. Avaliar para
poder avançar, pois, se não avaliamos, não podemos saber a
que estamos chegando e como o estamos fazendo, o processo de
criação de filosofia/filosofar é consciente: ele produz filosofia e
consciência de filosofar ao mesmo tempo, um processo que cria
conceitos filosóficos e ao mesmo tempo cria o saber que os criou
e como os criou.
A segunda dimensão da avaliação à qual nos referimos, a saber,
como instrumento de tomada de consciência e redirecionamento
do aluno em seu processo de aprendizagem, é um modo de
entender a avaliação como um todo, e seus instrumentos em
particular, como tática de ensino. Não será uma avaliação para

116
Ensinar Filosofia
um livro para professores

classificar e selecionar, para punir e disciplinar. Será, isto sim,


uma forma de dar instrumentos aos alunos para que possam
perceber seu processo de aprendizado, para que possam praticar
sua capacidade humana de julgar a si mesmos, desta vez dentro
do seu movimento de experiência filosófica. O ensino de filosofar
pressupõe o ensino de avaliar esse filosofar. Assim sendo, os alunos
que vão passar pela experiência filosófica de criação de conceitos
vão, neste processo, ser orientados a avaliá-la. Os professores
vão planejar suas avaliações de forma a ensinar aos alunos
como determinar o que é necessário para conseguirem praticar
a disciplina filosófica no pensamento. Os professores poderão
levar os alunos a discutir a pertinência de seus procedimentos,
poderão ajudá-los, por meio de intervenções pedagógicas e
filosóficas, a escolher critérios para julgar suas criações. Os
professores acompanharão os alunos em seus processos de
conquista da disciplina filosófica. Quando se faz da avaliação
uma das táticas do ensino, leva-se o aluno a apropriar-se de seu
processo de aprendizagem ao invés de excluí-lo do processo de
ensino do professor. Neste caso, ensina-se autonomia, por isso a
chamamos de emancipatória.

h. Como avaliar?
Táticas de (auto)avaliação

O que já dissemos sobre avaliação até aqui nos leva a


repensar a relação de poder que está envolvida nos processos
de avaliação que geralmente acontecem na escola. Pensamos que

117
Ensinar Filosofia
um livro para professores

podemos escolher caminhos que façam com que as avaliações


feitas durante os cursos possam ser parte da aprendizagem
enfatizando a autonomia dos alunos no movimento de poderem
se enxergar aprendendo. Podemos pensar em maneiras de
avaliar que levem os alunos a, eles mesmos, poder julgar o
quanto estão conseguindo atingir os objetivos propostos. Os
objetivos colocados para o ensino de filosofia como experiência
filosófica não visam a metas ligadas estritamente ao conteúdo
filosófico, mas também apresentam outras ligadas diretamente
à formação dos alunos e ao desenvolvimento de determinadas
habilidades e competências: de forma geral, falamos da criação
de uma determinada disciplina no pensamento. Sendo assim, é
necessário que as avaliações sejam sensíveis a isto, no sentido de
serem instrumentos para avaliar exatamente o que for planejado,
a cada passo. Para que o processo de avaliação possa assumir seu
papel formador, na medida em que é exercício de julgamento
criterioso, os alunos devem saber o que está sendo avaliado e
como, a cada proposta, ou seja, os alunos precisam conhecer
os critérios usados pelos professores na hora de corrigir, antes
de se dedicarem às tarefas, pois os critérios de avaliação são os
propriamente os objetivos da atividade proposta. Os exercícios
propostos pelos professores devem ser escolhidos de acordo
com os objetivos a serem alcançados, assim é importante que os
critérios de avaliação dos exercícios estejam claros e explícitos
para o professor e para os alunos, antes de se trabalhar sobre a
proposta. Por exemplo, se o objetivo é que os alunos estabeleçam
relações, devemos perguntar diretamente pelas relações entre os
objetos, sejam eles textuais ou imagéticos e depois na hora de

118
Ensinar Filosofia
um livro para professores

corrigir o critério vai ser o quanto os alunos conseguem ou não


fazer as relações pedidas, sendo que isto deve estar claro para
todos. Não podemos aceitar que alunos digam, como acontece,
“Não sei por que o professor X me deu esta nota”. Teríamos de
conseguir introduzir o processo de avaliação nos cursos de forma
a inserir nele os alunos, como coautores. Assim a avaliação poderá
ser útil, para que eles mesmos possam perceber seus avanços e
dificuldades. Em outras palavras, as avaliações podem colaborar
para o desenvolvimento de mecanismos metacognitivos, aqueles
que aliam o aprender à consciência de como se aprendeu, como
se pensou. Esta autopercepção do movimento do pensamento,
da capacidade de expressar este pensamento e trabalhar com ele,
possibilita a construção constante de esquemas mais elaborados
e complexos de pensamento a cada avaliação das conquistas
feitas no processo de aprendizagem.
A seguir, vamos tentar deixar mais claro, especificamente em
relação a algumas táticas de avaliação, como esse processo de
avaliação defendido aqui pode ser realizado.
As fases de sensibilização e problematização, por sua própria
natureza, não são propícias a serem avaliadas com instrumentos
específicos: não temos como julgar quem ficou mais ou menos
sensibilizado com o tema proposto e tampouco quem se envolveu
mais ou menos na elaboração dos problemas, nem haveria, talvez,
por que se interessar em avaliar isso. Porém, desde o começo já
podemos ir observando a postura dos alunos, sua participação.
É interessante que os professores se dediquem à observação da
participação ao longo do curso todo para conhecer os alunos
e para poder, através de anotações de dados objetivos (como

119
Ensinar Filosofia
um livro para professores

frequência, realização de lições, realização de leituras, atenção e


intervenção oral, atividade produtiva em exercícios nos pequenos
grupos), ajudar os alunos a organizarem elementos para avaliar
seus próprios processos.
Na fase do estudo filosófico, é importante que os professores, ao
indicarem textos para serem lidos sobre o filósofo e seu entorno
histórico, ou mesmo os textos filosóficos, peçam que os alunos
o façam de forma a se apropriar dos textos, fazendo anotações,
destacando dúvidas e questões, pois este é o material que vai
gerar o pensamento sobre esses textos. Aconselhamos que os
professores verifiquem se a tarefa foi feita e anote, que saliente
aos alunos a importância da leitura, pois sem ela não é possível
fazer filosofia, não é possível a experiência filosófica. É muito
distinto o contato do aluno direto com o texto, por mais difícil
que seja, por mais que ele traga inicialmente mais incômodo do
que soluções. É um exercício de liberdade do uso de sua própria
capacidade de ler, interpretar, levantar hipóteses, fazer relações,
descobrir pressupostos, destacar argumentos. Se os professores
não insistirem na leitura livre dos alunos, antes de começarem
a expor o texto, o curso se reduzirá à sua visão dos textos lidos,
a um conteúdo previamente determinado a ser assumido como
discurso oficial. Por isso é muito importante a insistência dos
professores na leitura obrigatória dos alunos, mesmo que seja
para reservar uma ou outra aula para este fim. Queremos dizer
que levar em consideração a observação da leitura na composição
da nota dos alunos pode ser um incentivo para que criem o hábito
de fazê-lo, assim proporcionando as condições necessárias para
a experiência filosófica.

120
Ensinar Filosofia
um livro para professores

A cada texto filosófico estudado pode-se pedir que os alunos


produzam um pequeno texto, com suas próprias palavras,
para dizer como o filósofo trata o problema estudado, exercício
de tradução. Esta é uma boa forma de garantir minimamente
que os alunos se apropriem dos conceitos estudados. Depois,
quando já tiverem estudado dois filósofos, podemos pedir que
façam um pequeno texto comparando as formas como cada
um dos filósofos estudados tratou os problemas, guardando
as diferenças históricas. Considerando as dificuldades para
o professor corrigir com qualidade uma quantidade muito
grande de trabalhos e a falta de familiaridade dos alunos com
o modo de fazer da filosofia, os exercícios propostos podem ser
breves, porém eficazes, deixando uma proposta de criação mais
complexa para ser realizada apenas após um período mais longo
de estudo. A cada proposta de confecção de textos assim, os
professores deixariam claros os critérios de correção e atribuiriam
uma nota. É importante que, na aula da devolução dos textos
corrigidos, haja um comentário sobre o aproveitamento da classe
no exercício, quais foram os enganos mais comuns, e que se peça
que cada aluno observe a correção do seu texto, as anotações
feitas pelo professor, e que procurem em seus textos as partes
onde poderiam estar equivocados. Ou seja, o trabalho do aluno
corrigido e comentado é instrumento de aprendizagem: funciona
para reconhecer os enganos, as genialidades, imaginar possíveis
mudanças.
Para a etapa mais adiante, depois dos estudos dos textos
filosóficos, em que se propõe que os alunos ensaiem escrever
filosofia, é muito produtivo trabalhar com reescrita. Esta etapa

121
Ensinar Filosofia
um livro para professores

é aquela na qual os alunos poderão ensaiar suas versões de


tratamento dos problemas estudados, suas sub-versões filosóficas.
As atividades que propõem uma questão para dissertar são
instrumentos para que os alunos possam demonstrar sua
habilidade em desenvolver um texto argumentativo próprio,
criativo, fundamentado nos conceitos filosóficos estudados no
curso. Por isso é tão eficaz no processo de avaliação emancipatória
que, após a correção minuciosa do texto dos alunos pelo professor,
se proponha que, levando-se em consideração as observações
feitas, os alunos reescrevam o mesmo texto. É interessante que
a correção da reescrita dos textos seja feita em comparação
com a primeira versão para que se possa verificar o quanto o
autor levou em consideração as observações feitas e o quanto
soube melhorar. Os professores, no caso, recolheriam a reescrita
necessariamente anexada à primeira versão do texto para que o
professor pudesse se referenciar na primeira tentativa corrigida
para ter elementos para avaliar o quanto o autor conseguiu rever
seus enganos, o quanto pode repensar e aprimorar seu texto e o
quanto se dedicou a esta tarefa. Sugerimos que uma nova nota
seja atribuída ao texto e que os professores considerem apenas
esta última.
Há uma relação direta entre o instrumento de avaliação (o que
se usa e como se usa) e os possíveis efeitos educacionais que isso
possa ter. Por exemplo, podemos, depois de um determinado
período de estudos, considerar importante fazer uma avaliação
da capacidade de elaboração dos alunos. Qual instrumento
escolher? Uma prova? Qual tipo de prova, uma que faz verificação
de quanto os alunos assimilaram de determinado conteúdo

122
Ensinar Filosofia
um livro para professores

ou uma prova que peça que os alunos façam relações e usem


criticamente/criativamente os conceitos estudados? Pode ser
também que decidamos por uma prova surpresa? Quais os efeitos
disso? O que pretendemos quando escolhemos surpreender os
alunos com uma prova? Poderia ser uma prova com consulta?
Ora, mas se os alunos podem consultar os livros e cadernos, no
que consistiria a prova? A escolha do instrumento de avaliação,
a forma de elaborá-lo, a maneira de usá-lo, depende de o que se
pretende com aquela avaliação. E disto os professores têm de se
apropriar, têm que ter clareza de seus objetivos.
Parece-nos importante salientar que a interpretação das
notas ou conceitos atribuídos aos alunos deve, ela também,
ser processual considerando a evolução ou involução do
aproveitamento, ao invés de se fazer uma média simples. Por
exemplo, se um aluno tem d/d/c/a ou que seja o mesmo em
notas, por exemplo, 3,0/4,0/ 6,5/ 9,5, e se invertermos a ordem
das notas a/c/d/d e 9,5/6,5/4,0/3,0, vemos que os dois conjuntos
de notas não correspondem ao mesmo aproveitamento deste
aluno no processo. Mas se efetuarmos uma média simples
essa diferença do processo desaparecerá. Da mesma forma há
que se considerar os diferentes pesos dos exercícios propostos.
Pensamos que aqueles que sejam feitos individualmente devam
valer mais, pois revelam com maior exatidão a produção de cada
aluno, assim como os feitos em classe, pois por meio destes se
pode medir a capacidade dos alunos de trabalhar em um tempo
determinado, sabendo administrá-lo, além de nos assegurarmos
da sua autoria.
Quanto mais conseguirmos elaborar as táticas de avaliação

123
Ensinar Filosofia
um livro para professores

de nossos cursos pensando-o como uma faceta do processo de


aprendizagem, mais podemos dizer que se trata de um processo
do conhecimento que os alunos têm de seu desenvolvimento na
aprendizagem. Sendo assim, mesmo que sejam os professores a
elaborar os instrumentos de avaliação, que sejam eles a decidir
sobre as formas de usá-los e seus pesos, ainda que sejam eles os
que atribuem as notas, podemos dizer que, de certa forma, se
trata de um processo de autoavaliação.

124
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Bibliografia – Partes 1 e 2

CERLETTI Alejandro; KOHAN Walter. A filosofia no ensino


médio: caminhos para pensar seu sentido. Brasília: UNB, 1999.
COLLI, Giorgio. O Nascimento da Filosofia. Campinas: Ed.
Unicamp, 1988.
COMENIUS. Didática Magna. São Paulo: Martins Fontes,
1997.
COMTE-SPONVILLE, André. Uma Educação Filosófica. São
Paulo: Ed. Martins Fontes, 2001.
COSSUTTA, Frédéric. Elementos para a leitura de textos filosóficos.
São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1994.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia? Rio
de Janeiro: Ed. 34, 1992.
DELEUZE, Gilles. Conversações. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
DELEUZE, Gilles. Diferença e Repetição. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Graal, 2006.
DELEUZE, Gilles. Mil Platôs; capitalismo e esquizofrenia. Rio de
Janeiro: Ed. 34, vol.5, 1997.
DERRIDA, Jacques et alli. La Grève des Philosophes – école et
philosophie. Paris: Osiris, 1986.
DIAS Rosa Maria. Nietzsche educador. São Paulo: Scipione, 2a
ed., 1993

125
Ensinar Filosofia
um livro para professores

ESTEBAN, Maria Teresa (org.) Avaliação: uma prática em busca


de novos sentidos. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
FAVARETTO, Celso. “Notas sobre o ensino da filosofia”. In
MUCHAIL, Salma (org.) A filosofia e seu ensino. 2ª ed. Petrópolis:
Vozes/ São Paulo: Educ.,1996.
FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia (4 tomos). São
Paulo: Ed. Loyola, 2001.
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. 2ª ed. São Paulo:
Loyola, 1996.
FOUCAULT, Michel. O que é um filósofo?, in Ditos e Escritos
II. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2000.
GALLO, Sílvio; KOHAN, Walter (orgs.). Filosofia no Ensino
Médio. Petrópolis: Vozes, 2000.
GALLO, Sílvio; CORNELLI, Gabriele; DANELON, Márcio
(orgs.). Filosofia do Ensino de Filosofia. Petrópolis: Vozes, 2003.
GALLO, Sílvio; DANELON, Márcio; CORNELLI, Gabriele
(orgs.). Ensino de Filosofia: teoria e prática. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004.
HEGEL, Georg W. F. Escritos Pedagógicos. México: Fondo de
Cultura Económica, 1991.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 3ª ed. São Paulo:
Abril, 1983 (Col. Os Pensadores).
KANT, Immanuel. Manual dos cursos de Lógica Geral. 2ª ed.
Campinas/Uberlândia: Ed. Unicamp/Edufu, 2003.
LARROSA, Jorge e SKLIAR, Carlos Habitantes de Babel; políticas
e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.

126
Ensinar Filosofia
um livro para professores

NARADOWSKI, Mariano. Comenius e a Educação. Belo


Horizonte: Autêntica, 2001.
NIETZSCHE, Friedrich. Escritos sobre Educação. Tradução,
apresentação e notas de Noéli C. de M. Sobrinho. Rio de Janeiro/
São Paulo: Ed. PUC-Rio/Loyola, 2003.
OBIOLS, Guillermo. Uma introdução ao ensino da filosofia. Ijuí:
Editora Unijuí, 2002.
ONFRAY, Michel. A Política do Rebelde – tratado de resistência e
de insubmissão. Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 2001.
ONFRAY, Michel. “É um paradoxo, mas nós, professores, fomos
feitos para não existir” Entrevista a Alcino Leite Neto. FOLHA de
SÃO PAULO, Caderno Sinapse, 17 de dezembro de 2002.
PALÁCIOS, Gonzalo Armijos. De como fazer filosofia sem ser
grego, estar morto ou ser gênio. Goiânia: Ed. UFG, 1997.
RANCIÈRE, Jacques. O Mestre Ignorante – cinco lições sobre a
emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
TISHMAN Shari ; PERKINS David ; JAY Eileen. A cultura do
pensamento na sala de aula. Porto Alegre : Artes Médicas, 2001.

127
Ensinar
Filosofia
um livro para professores

Parte 3

Apêndices
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Parte 3
a. Exemplos de táticas de ensino

Na “oficina filosófica” em que se torna a aula, de acordo


com esta proposta de ensino de filosofia, cada aluno tentará,
manejando as diferentes ferramentas filosóficas trabalhadas no
curso, recriar conceitos ou mesmo criar novos conceitos para
lidar com os problemas escolhidos. Trata-se de produzir o
acontecimento, através da experiência filosófica, através desta
aventura do pensamento, criando conceitos que sejam úteis
aos problemas ali colocados. As referências de leitura e escrita
filosóficas, que apresentamos aqui para esse ensino, procuram
instituir uma disciplina filosófica no pensamento com potencial
criador de conceitos. A ideia de que a filosofia é necessariamente
algo voltado para a vida, para pensar os problemas que nos
incomodam diretamente, para fazer com que vivamos melhor, é
o que está por trás de nossa proposta.
Não pensamos que isso seja fácil de ser feito, mas sabemos
que é possível. Certamente os professores terão que ser criativos,
eles também, para escolher e inventar táticas de ensino que sejam
compatíveis com os seus objetivos. A seguir apresentamos alguns
exemplos delas para inspirar os professores para suas próprias
criações.

Diversas possibilidades de pensar


Pensamos que, como tônica geral da postura dos professores,
devemos prestar atenção para sempre tentar, antes de qualquer

131
Ensinar Filosofia
um livro para professores

coisa, quando os alunos se colocarem, perguntar a eles o porquê


de pensarem como pensam. Uma vez que o objetivo geral é que os
alunos desenvolvam seu pensamento filosófico autônomo, crítico
e criativo (que revele autoria), é importante que os professores
evitem impor suas concepções e modos de pensar aos alunos.
Entenda-se que, com certeza, haverá incorreções conceituais
e essas necessariamente devem ser corrigidas, mas quanto ao
modo dos alunos de relacionar ideias, de levantar hipóteses, de
rascunhar conclusões, o professor deve ficar atento para antes
descobrir o caminho do raciocínio do que de considerar incorreto
por não ser o usual. É importante que os alunos se deparem
com diversas possibilidades de pensar, por isso vamos estudar
os textos filosóficos, para que se sintam encorajados a também
criarem, livremente.
Assim sendo, pensamos que, para a primeira e a segunda
fases da experiência que propomos, a saber, de sensibilização e
problematização, como estratégia de envolvimento, é interessante
deixar os alunos bem à vontade para expressarem suas opiniões,
mesmo que possam se revelar presos ao senso comum. Neste
momento, o importante é que eles se sintam envolvidos, que
fiquem instigados, que queiram continuar, mesmo que ainda só
consigam repetir opiniões comuns e preconceitos. Não é ainda
nesta fase que vamos corrigi-los e pedir rigor. Podemos questionar
o óbvio, fazer perguntas para desestabilizar as opiniões formadas,
deixá-los com dúvidas, muitas reticências, muitos caminhos
abertos, possíveis. É neste momento que é mais fácil criar vínculo
afetivo com os professores e com a filosofia. Começamos assim
de uma forma quase lúdica, para que percebam e possam sentir

132
Ensinar Filosofia
um livro para professores

que a filosofia tem a ver com os problemas da existência humana


que dizem respeito a todos, a eles. Para isso, ao usarmos textos de
poesias, músicas, filmes, etc., é importante que o movimento seja
de criar uma situação que leve os alunos a ficarem interessados.

Orientação do diálogo investigativo


Nesta fase, não exigir rigor conceitual não significa, no
entanto, que se possa aceitar uma conversa tão informal a ponto
de permitir que todos falem ao mesmo tempo, que não se ouçam,
desorganizadamente, pois isto, muitas vezes, é cansativo e não
permite qualquer construção.
Vamos, a seguir, nos dedicar a explicitar uma tática de
orientação do diálogo investigativo dos alunos entre si, com
a intervenção orientadora do professor. Para estas ocasiões
sugerimos, se possível, a organização da classe em círculo, de
forma a poderem se ver como em uma enorme mesa redonda.
O professor também pode procurar uma mesa de estudante e
encaixar-se no círculo como os outros. É interessante salientar
a importância da existência de regras para cada um falar na sua
vez, inscrever-se para falar, falar em relação ao que os outros
disseram (ouvir, levar em consideração e relacionar).
Para coordenar o diálogo em sala de aula é importante que o
professor faça o papel do perguntador. As balizas corretoras de
rumo da investigação serão as suas perguntas, mesmo quando
estamos ainda em fases iniciais para sensibilizar e construir
problemas. Os professores não devem se sentir constrangidos e
devem intervir quando acharem necessário: é sua função ensinar
essa disciplina no pensamento, portanto está em suas mãos levar

133
Ensinar Filosofia
um livro para professores

os alunos, a cada momento, a tomarem consciência de como


estão pensando, é sua função ser o maestro dessa orquestra. Para
a intervenção dos professores ser eficaz na promoção do diálogo
e para que este seja investigação filosófica, é necessário que ele
saiba fazer perguntas que cumpram essa função. Segue aqui uma
sugestão de perguntas que podem ser úteis para esse início:

1. Por que (você afirma isso)?


2. O que o levou/leva a pensar assim?
3. Como você sabe isso?
4. Você pode dar um exemplo do que disse?
5. O que você quer dizer com a palavra...?
6. O que o leva a acreditar nisso?
7. Levando em conta o que você afirma, você está concordando
com o que o colega Y falou?
8. Posso concluir do que você falou que...?
9. Alguém vê este assunto de outra maneira?
10. Você e o colega X não estão dizendo a mesma coisa de formas
diferentes? Ou são coisas diferentes?
11. Quais seriam as possíveis decorrências disso que você falou?
12. Se pensarmos essa mesma coisa que você falou no contexto
Y, como ficaria?

Com a intervenção atenta dos professores, os alunos percebem


que, apesar de estarem livres para emitir suas opiniões, devem
seguir uma lógica coletiva de busca conjunta.
Há também a possibilidade de o professor, ao lançar uma
questão para problematizar o tema – usando recursos musicais,

134
Ensinar Filosofia
um livro para professores

literários ou imagéticos, não o faça diretamente para toda a classe,


mas sim peça primeiro que os alunos discutam em grupos de
dois, três ou quatro alunos no máximo, para só posteriormente
divulgarem e discutirem no grupo-classe. Essa forma tenta
garantir a participação dos alunos que tenham alguma dificuldade
de se expressar no grande grupo.
Muitas vezes pode funcionar se o professor for sistematizando
e sintetizando as colocações dos alunos na lousa (quando
da organização das questões para elaborar o problema a ser
estudado, por exemplo). Mas atenção para não incentivar os
alunos a copiarem apenas o que está na lousa, pois isso poderá
tomar um caráter de “versão oficial” e inibir os alunos de traduzir
em seus cadernos a sua compreensão do que está sendo dito.

O caderno
Uma estratégia de extrema importância durante todo o curso
é que o professor insista que os alunos habituem-se a anotar as
aulas em seus cadernos e que façam isto de forma autônoma. No
esforço de anotar, os alunos estarão exercitando a sua capacidade
de sintetizar (compreender a ponto de saber retirar as ideias
principais) e de traduzir a sua compreensão com suas próprias
palavras. Portanto, é importante que os professores, ao menos
no começo, estejam sempre alertando os alunos para o uso do
caderno mesmo quando a atividade seja apenas uma discussão
sobre um filme, por exemplo. O caderno deve funcionar como um
diário de bordo, a cada aula se escrevem nele as ideias trabalhadas
nas aulas. Este mesmo caderno será precioso quando os alunos
forem chamados a fazerem seus ensaios de escrita filosófica.

135
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Coordenação do diálogo para


aprofundamento e estudo
Muitas vezes nos parece útil propor uma aula na qual se peça
que os alunos contribuam com seus “achados”. O tema a ser
trabalhado poderá ser um determinado texto já lido por todos, a
pedido dos professores, ou a relação entre textos ou qualquer outro
exercício. Sugerimos que os professores coordenem o raciocínio
coletivo apontando contradições, pedindo pressupostos,
sugerindo relações, perguntando por outros pontos de vista, etc.,
até que a turma vá alcançando alguns patamares de verdades
nas quais possam se apoiar para o próximo salto na busca da
construção de um conceito.

Sínteses
Os professores podem optar por, às vezes, pedir que os
alunos façam uma síntese da aula. Neste caso, o tempo deve
ser administrado para que, ao final da aula, cada aluno faça sua
síntese das discussões daquele dia. O exercício da síntese é muito
bom, porque é impossível sintetizar se não houver minimamente
compreensão. Assim, a síntese é uma forma de fazer com que os
alunos se concentrem em colecionar suas ideias sobre o que vai
sendo proposto nas aulas. Além disso, é uma forma de exercitar a
criatividade, uma forma de desenvolver uma maneira própria de
colocar as ideias. O tempo inicial da aula seguinte àquela na qual
foram feitas as sínteses pode ser dedicado à leitura de algumas
delas. O professor pode pedir que algum aluno leia o seu texto
ou que alguém se voluntarie e depois que outros complementem,
em um movimento informal, porém rigoroso. Esta é uma boa

136
Ensinar Filosofia
um livro para professores

forma de o professor conhecer a classe, quais são os alunos mais


participativos (pelo volume das intervenções que venha a fazer)
e os que têm compreensão mais aguçada (pela pertinência do
conteúdo das elaborações pessoais). É uma boa forma de os
alunos aprenderem com os colegas e também de saberem o
quanto puderam compreender e se apropriar das ideias do curso.
Não deixa de ser uma forma de avaliação, mesmo que nada seja
anotado a partir do que poderá ser observado.
A estratégia de sínteses pode também ser utilizada em duplas
e pode, além disto, ser mesclada com respostas de perguntas
objetivas sobre um determinado texto estudado. Por exemplo, o
professor pede uma síntese individual sobre determinado ponto
e depois pede que os alunos se sentem em duplas para elaborar
a resposta a uma determinada questão que faça. Assim, primeiro
cada um se prepara individualmente para a compreensão do que
está sendo tratado e depois, com o colega, terá que discutir a
pertinência de sua compreensão no momento de elaborar uma
resposta para a questão dada.
O trabalho em duplas incentiva o diálogo, a troca de
compreensões e interpretações, a lapidação das ideias. É possível
também ao professor pedir que pessoas ou duplas se dediquem
a questões ou façam sínteses em papel separado do caderno e
sem identificação, depois, trocando as respostas entre os alunos,
pedir que façam comentários da pertinência da resposta que
cada um ou cada dupla recebeu para ler. Assim cada um estaria
dando um parecer sobre o que leu sem saber quem é o autor, o
que ajuda em uma leitura e crítica mais objetivas.

137
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Táticas para a leitura


Quando for o caso de pedir que os alunos leiam os textos
dos filósofos da tradição ou mesmo algum outro da história da
filosofia para contextualização de algum pensador, há algumas
observações interessantes a fazer: pedir que os alunos leiam com
atenção, que grifem o que acharem mais importante, procurando
decifrar o texto em busca da ideia principal e dos argumentos
usados, que anotem também o que não entenderem, que anotem
ideias que tiverem. Outra forma de organizar esse estudo do texto
é pedir que os alunos leiam o texto e deem um título para cada
parágrafo, isso os obrigará a resgatar as ideias desenvolvidas em
cada parte de forma a sintetizar. Na aula seguinte, pode haver
um momento no qual o professor vá verificando como cada aluno
fez a sua tarefa de síntese, o quanto entenderam e assim cada
aluno pode ir também aprendendo com os outros, comparando,
complementando, perguntando, o professor pode aceitar várias
versões, dizendo o que é possível melhorar nesta ou naquela, ou o
que está realmente bom, fazendo comentários sobre os conteúdos
das exposições dos alunos, o que serve de esclarecimento para
todos, pois pode acontecer de um jovem ler um texto de um
filósofo, sozinho em casa e não entender nada, ou entender pouca
coisa. Na aula, sempre é possível se perguntar: o que entendeu?
Cada um pode expor suas compreensões e incompreensões, ir
anotando em seus cadernos, seguindo no texto, grifando-o. Os
professores podem ler partes, ajudar a interpretar, fazer relações
com o que foi dito anteriormente no estudo do contexto, ou no
estudo do texto de outro filósofo, criando, assim, um ambiente
de estudo compartilhado.

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Ensinar Filosofia
um livro para professores

Os professores podem ainda pedir que os alunos se sentem em


duplas e façam uma síntese de um texto após a leitura individual
(em casa ou em aula), e depois que as duplas troquem as sínteses
de duas em duas para que os alunos as leiam e façam comentários
uns sobre os textos dos outros. No momento seguinte, coletivo,
os professores podem pedir que as duplas digam se encontraram
semelhanças e diferenças entre as sínteses lidas e as que escreveram
e quais foram elas, assim juntando no quadro as colocações dos
alunos para fazer uma grande síntese coletiva do texto. Apenas
depois dessa discussão é que o professor fará comentários para
tirar as dúvidas. Dessa forma os professores evitam exposições
que são consideradas tão cansativas para ambos os lados.

Aulas expositivas
Na fase de estudo e aprofundamento, é natural que os
professores deem algumas aulas expositivas, principalmente
quando se tratar de contextualizar historicamente o problema e/
ou o autor estudado. É possível também que em algum momento
isto seja necessário em relação a algum texto dos filósofos, mesmo
se este tiver sido oferecido previamente para leitura individual
e contato direto do aluno. Quando uma aula assim acontecer,
é aconselhável que essa exposição seja previamente preparada,
que os professores planejem o que vão escrever na lousa e o
que vão falar, o que não vão colocar na lousa, mas vão pedir
que os alunos tentem ir anotando em seus cadernos. Mesmo
que o professor tenha que parar a exposição para lembrá-los do
caderno, que precise dar um tempinho para anotações ou ainda
repetir o que falou, é importante que isto seja feito.

139
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Quadro conceitual
Suponhamos que se esteja, no curso, na fase em que já foram
estudados três filósofos distintos criadores de conceitos sobre
o problema escolhido, que tenham sido devidamente lidos e
esmiuçados, sua história conhecida, que já tenham sido feitos
exercícios de comparação de suas teses, etc. Neste ponto é
interessante, às vezes, os professores utilizarem a estratégia do
quadro conceitual, para que os alunos se apropriem do problema
de forma abrangente. Este quadro é construído a partir dos
conceitos já estudados, os quais são apresentados aos alunos em
forma de lista, para que estes montem um quadro dos conceitos
e suas relações apenas usando os nomes dos conceitos e flechas
para indicar as relações. Divide-se a classe em grupos de quatro
a seis alunos e se oferece a lista de conceitos. Cada grupo terá
que montar um mapa, em um papel tipo cartaz com canetinha
colorida, colocando os conceitos e suas relações representadas
por flechas. Os grupos poderão, ainda, acrescentar algo que
considerem importante. As possibilidades serão muitas, cada
grupo, depois de discutir bastante vai realizar um quadro
provavelmente bem diferente dos outros. Depois que todos
tiverem acabado pode-se fazer uma exposição dos cartazes de
forma a todos poderem observar os resultados. Não se tratará aí
de corrigir o certo e o errado, mas, a partir da explicação que os
alunos derem do motivo pelo qual representaram daquela forma,
obter deles o testemunho de sua compreensão, além do exercício
de análise, síntese e tradução entre sistemas de representação
(do textual para o de esquema).

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Ensinar Filosofia
um livro para professores

Correção coletiva na lousa


Quando os professores derem um exercício escrito de tradução
de compreensão do pensamento de algum filósofo ou de alguma
questão pedindo uma relação, algo assim, é interessante dedicar
a aula na qual são devolvidos os escritos corrigidos para uma
correção coletiva. Muitas vezes os alunos estão mal habituados
e não dão atenção à correção só se importando com a nota. Se
tirarem uma nota baixa ficam tristes e nem querem mais olhar
para aquele papel. Ora, não é essa a função da avaliação que
estamos tentando aqui. Talvez uma experiência interessante seja
não escrever a nota no alto da página. Os professores podem fazer
essas anotações para si mesmos sem divulgá-las aos alunos. Eles
se espantarão ao receber o trabalho corrigido e imediatamente
perguntarão pela nota. “Ora, sim, valeu nota, só que não está
escrita aí que para que você mesmo, através da observação da
correção que foi feita e que será ainda repetida na lousa, saiba
o quanto se aproximou do que era desejável”, pode ser o que os
professores respondem. Primeiro pedimos que eles leiam seus
textos de novo e que vejam o que foi assinalado na correção.
Então, verbalmente e com possíveis anotações na lousa, os
professores podem ir tecendo um texto que seria o desejável para
aquela proposta. Devagar, pedindo contribuição para os alunos.
Pode ser que algum aluno conteste a correção de seu texto e isto
deve ser revisto imediatamente, ele pode ler o trecho em voz
alta e os professores comentam e opinam, e talvez algum outro
aluno queira opinar. O importante é que se esclareçam os erros
conceituais, os “mas eu quis dizer isto” e efetivamente disse outra
coisa, sem ressentimentos, tornando este momento um momento

141
Ensinar Filosofia
um livro para professores

de oficina de correção. Depois de tudo refeito coletivamente os


professores podem pedir que os alunos refaçam os seus textos
em casa (a tática de reescrita está explicada no capítulo “Como
avaliar?”).

Publicações
Uma coisa bastante simples de ser realizada e que pode trazer
efeitos muito positivos é fazer a seleção de bons textos dos alunos
e publicar essa coletânea. Esta pode ser muito simples, feita
na máquina de reproduzir cópias, na escola. Sugerimos que os
professores escrevam uma apresentação da publicação, onde
expliquem a proposta dos textos. É importante avisar aos alunos
previamente da intenção de divulgar seus textos para a escola
para que tenham chance de se dedicarem o quanto for necessário e
também para manifestarem sua concordância.
Este mesmo empreendimento em uma escala bem menor também
pode funcionar. Em uma determinada turma, depois de corrigidos
os ensaios de escrita filosófica, antes da proposta de reescrita, os
professores podem, com a permissão dos autores, fazer cópias dos
melhores textos para que todos os alunos leiam e tenham como
referência de possibilidade de criação.
Essas táticas aqui expostas são exemplos de procedimentos que
podem ser adotados pelos professores. No decorrer de suas práticas
é bom que os professores fiquem atentos às táticas que são mais
adequadas aos seus objetivos, que observem as que funcionam
melhor em cada classe. É aconselhável que os professores se
dediquem a sempre variar suas táticas, oferecendo cursos dinâmicos
e envolventes, o que os levará a melhores resultados.

142
Ensinar Filosofia
um livro para professores

É importante destacar que a avaliação está diretamente


associada às táticas usadas, pois cada produção do aluno, oral ou
escrita, individual ou em grupo, é um instrumento de avaliação
do que foi aprendido, indicando o que deve ainda ser retomado,
exercitado e compreendido.

b. Indicações bibliográficas

Indicações bibliográficas de
interesse para os professores

ALVES, Dalton J. A filosofia no ensino médio – ambigüidades e contradições na


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ARANTES, Paulo...et all; MUCHAIL, Salma T. (org.). Petrópolis: Vozes;
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BERTTOLINI, Marisa et all. Materiales para la construcción de cursos de
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BERTTOLINI, Marisa; LANGON, Mauricio. Diversidad Cultural e
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Humanas e suas Tecnologias. Brasília: MEC/SEMT, 1999.
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CARMINATI, Celso João. Professores de Filosofia – crise e perspectivas. Itajaí:
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Ensinar Filosofia
um livro para professores

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COMTE-SPONVILLE, André. Uma Educação Filosófica. SP: Martins Fontes,
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KOHAN, Walter; XAVIER, Ingrid M. (orgs.). ABeCedário de Criação
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Ed. CEJUP, 2001.
QUINTELA, Mabel. Problemas filosóficos em el imaginario social de nuestra
época. Montevideo: Ed. A-Z, 1997.

145
Ensinar Filosofia
um livro para professores

RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.


RIBAS, Maria Alice Coelho et al. Filosofia e Ensino – a filosofia na escola. Ijuí:
Ed. UNIJUÍ, 2005.
ROCHA, Ronai P. Ensino de Filosofia e Currículo. Petrópolis: Vozes, 2008.
ROLLA, Aline B. M.; SANTOS NETO, Antônio dos; QUEIROZ, Ivo P.
(orgs.). Filosofia e Ensino – possibilidades e desafios. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2003.
ROWLANDS, Mark. SciFi = SciFilo – a filosofia explicada pelos filmes de ficção
científica. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2005.
SABOIA, Beatriz. A ditadura brasileira e o ensino de filosofia. São Luis: Ed.
UFMA, 2001.
SARDI, Sérgio; SOUZA, Drailton G.; CARBONARA, Vanderlei (orgs.).
Filosofia e Sociedade: perspectivas para o ensino da filosofia. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2007.
SAVATER, Fernando. As perguntas da vida. SP: Martins Fontes, 2001.
SILVEIRA, Renê J. T.; GOTO, Roberto (orgs.). Filosofia no Ensino Médio –
temas, problemas e propostas. São Paulo: Loyola, 2007.
SILVEIRA, Renê J. T.; GOTO, Roberto (orgs.). Filosofia na escola: diferentes
abordagens. São Paulo: Loyola, 2008.
TOMAZETTI, Elisete M.; GALLINA, Simone F. S. (orgs.). Territórios da
Prática Filosófica. Santa Maria: ed. UFSM, 2009.
TOULMIN, Stephen. Os Usos do argumento. SP: Martins Fontes, 2001.
TUGENHADT, Ernst; VICUÑA, Ana M.; LÓPEZ, Celso. O livro de Manuel
e Camila – diálogos sobre moral. Goiânia: Ed. UFG, 2002.
VASQUEZ, Guillermo H. et all. La enseñanza de la Filosofía en el nivel
medio: tres marcos de referencia. Cuadernos de la OEI – Educación: currículos
y didácticas I. Madrid: OEI, 1998.
WILSON, John. Pensar com conceitos. SP: Martins Fontes, 2001.

146
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Manuais didáticos para o ensino de filosofia

Filosofando: introdução à filosofia, de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria


Helena Pires Martins, Editora Moderna.
Temas de Filosofia, também de Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria
Helena Pires Martins, Editora Moderna.
Convite à Filosofia, de Marilena Chauí, Editora Ática.
Filosofia: ensino médio, de Marilena Chauí, Editora Ática.
Filosofia – Iniciação à Investigação Filosófica, de José Auri Cunha, Editora
Atual.
Introdução Ao Pensar, de Arcângelo Buzzi, Editora Vozes.
Filosofia para Principiantes, de Arcângelo R. Buzzi, Editora Vozes.
Introdução à Filosofia problemas, sistemas, autores, obras, de Battista Mondin,
Paulus.
Explicando a Filosofia com Arte, de Charles Feitosa, Editora Ediouro.
Ética e cidadania: caminhos da filosofia, produzido pelo Grupo de Estudos
sobre Ensino de Filosofia – UNIMEP (tendo como autores Sílvio Gallo,
que coordenou a edição, mais Márcio Mariguela, Paulo Roberto Brancatti,
Márcio Danelon, Luís Carlos Gonçalves, Carlos Henrique Cypriano), Editora
Papirus.

147
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Dicionários de Filosofia

Breve Dicionário Filosófico, Miguel Angel Quintanilla, Ed. Santuário.


Dicionário Básico de Filosofia, Hilton Japiassu e Danilo Marcondes, Ed. Jorge
Zahar.
Dicionário de Ética e Filosofia Moral – 2 volumes, Monique Canto-Sperber
(org.), Ed. Unisinos.
Dicionário de Filosofia – 4 tomos, José Ferrater Mora, Ed. Loyola.
Dicionário de Filosofia – termos e filósofos, Thomas Ransom Giles, Ed.
E.P.U.
Dicionário de Filosofia, Jacqueline Russ, Ed. Scipione.
Dicionário de Filosofia, José Ferrater Mora, Ed. Martins Fontes.
Dicionário de Filosofia, Mario Bunge, Ed. Perspectiva.
Dicionário de Filosofia, Nicola Abbagnano, Ed. Martins Fontes.
Dicionário de Obras Filosóficas, Denis Huisman, Ed. Martins Fontes.
Dicionário de Teoria do Conhecimento e Metafísica, Friedo Ricken (org.), Ed.
Unisinos.
Dicionário dos Filósofos, Denis Huisman, Ed. Martins Fontes.
Dicionário Filosófico, André Comte-Sponville, Ed. Martins Fontes.
Dicionário Filosófico, Voltaire, Ed. Martin Claret.
Dicionário Oxford de Filosofia, Simon Blackburn, Ed. Jorge Zahar.
Meu Dicionário Filosófico, Fernando Savater, Publicações Dom Quixote.
Pequeno Dicionário de Filosofia Contemporânea, Oswaldo Giacoia Junior, Ed.
Publifolha.
Vocabulário Latino da Filosofia, Jean-Michel Fontanier, Ed. WMF-Martins
Fontes.
Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia, André Lalande, Ed. Martins
Fontes.

148
Ensinar Filosofia
um livro para professores

Dicionário Descartes, John Cottingham, Ed. Jorge Zahar.


Dicionário Hegel, Michael Inwood, Ed. Jorge Zahar.
Dicionário Heidegger, Howard Caygill, Ed. Jorge Zahar.
Dicionário Kant, Howard Caygill, Ed. Jorge Zahar.
Dicionário Locke, John W. Yolton, Ed. Jorge Zahar.
Dicionário Rousseau, N.J.H. Dent, Ed. Jorge Zahar.
Dicionário Wittgenstein, H.-J. Glock, Ed. Jorge Zahar.

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