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tb=arqueologia&id=31
ISSN 1807-1783
Sobre a autora[1]
Sobre o autor[2]
O que é uma Arqueologia Pública (AP)? Para o arqueólogo britânico Nick Merriman, a
dificuldade encontrada para definir esse campo de atuação da Arqueologia advém da própria
complexidade de se estabelecer o que é o público. Para ele, desde o século XIX estamos
acostumados a assistir aos financiamentos estatais de trabalhos arqueológicos (Merriman,
2004:3). Motivados pelo interesse de construir e fortalecer identidades nacionais, os Estados
vinculavam-se às pesquisas acadêmicas apoiando seus desenvolvimentos, através dos museus
ou, posteriormente, das universidades (Bastos e Funari, 2008: 1128). O custeio destas
pesquisas com fundos públicos, por si só, poderia transformá-las em algo público.
Acreditar, no entanto, que o sustento estatal seria suficiente para transformar uma pesquisa
arqueológica em trabalho de Arqueologia Pública (AP) é uma premissa bastante reducionista.
Desde a década de 1970, arqueólogos influenciados ou por teorias marxistas ou por teorias
pós-modernas, passaram a se indagar sobre as funções sociais da Arqueologia e,
principalmente, sobre como deveriam se estabelecer as relações entre os acadêmicos, suas
investigações e a sociedade como um todo. A obra Public Archaeology (1972), do arqueólogo
norte-americano Charles Robert McGimsey, professor de Antropologia da Universidade da
Lousiana, é considerada um marco na inauguração deste novo campo da Arqueologia
(Merriman, 2004:3).
A AP, portanto, é uma área da Arqueologia voltada para o interesse público em geral
(Merriman, 2004: 2). Existem diversas vertentes de teorias e práticas dentro deste campo. O
que tange todas essas discussões é a reflexão sobre como as pesquisas arqueológicas,
realizadas dentro das academias ou mesmo pelas empresas de Arqueologia, se relacionam
com a sociedade.
Distanciando-se dos propósitos deste modelo, a vertente da Relação Pública almeja melhorar a
imagem da Arqueologia na sociedade. Isso para garantir o aval social que permite a
continuidade dos próprios trabalhos arqueológicos. Holtorf afirma que esse viés da AP
compreende que muitas são as necessidades sociais não necessariamente ligadas à ciência:
questões como alimentação, saúde, habitação, segurança entre inúmeros outros problemas,
podem se configurar, na maioria das vezes, como mais urgentes em financiamentos do que um
projeto arqueológico. Assim, por uma questão de sobrevivência, torna-se imperativo
demonstrar para a sociedade o quanto os trabalhos arqueológicos, e as memórias deles
derivadas, são relevantes e, por isso, podem ser financiados com fundos públicos ou apoiados
das mais diversas maneiras (Holtorf, 2007:114-119).
A propaganda dos trabalhos arqueológicos, dentro do modelo Relação Pública, é feita através
das mídias: da televisão, passando por filmes e documentários, até os jogos de computador,
tudo é entendido como válido quando se trata de divulgação. Para Holtorf, o grande
inconveniente desta vertente é a tendência à simplificação da Arqueologia e, principalmente,
do passado (Holtorf, 2007:114-119). Para vender a Arqueologia como um produto, na maioria
das vezes, apaga-se uma série de relações que podem ter existido no passado e que poderiam
ser debatidas no presente. O passado tende a ser transformado em algo simples demais; tudo
para que ele seja consumido. Nesse contexto, poderiam ser citados documentários exibidos
pelos canais pagos de televisões, que, na maioria das vezes, são vinculados aos arqueólogos e,
mesmo assim, valorizam situações por demais peculiares.
Como existe uma igualdade no valor das pessoas e de seus conhecimentos, todos podem ser
estimulados a se relacionar com a Arqueologia. Não porque ela é detentora da verdade, ou
está relacionada às aventuras Hollywoodianas, mas porque esse campo de pesquisa pode ser
um fascinante instrumento para a leitura crítica do mundo que nos cerca; composto pela
cultura material.
O exemplo da análise material feita por Johnson poderia ser extrapolado e trazido para o
nosso tempo presente como, por exemplo, na investigação da materialidade das escolas. A
disposição das salas, carteiras dos alunos, mesa do professor, arquitetura do prédio da escola,
entre outros elementos, facilitam alunos e professores a adotarem comportamentos
socialmente aceitos (Funari & Zarankin, 2005).
Composta por nove artigos, a Carta traz referências específicas ao campo que hoje
denominamos como AP. Em primeiro lugar, o texto afirma que a proteção do patrimônio
arqueológico deve ser compreendida como obrigação moral e de responsabilidade coletiva
(ICAHM, 1990). É dado aos Estados à incumbência de providenciar fundos para embasar as
atividades de proteção do patrimônio. A proteção efetiva e cotidiana, no entanto, é
responsabilidade do Estado, mas, também, de toda a sociedade.
Nela ficava estabelecida a guarda e proteção do patrimônio arqueológico pelo Poder Público.
Por isso, a realização das escavações, tanto em terras públicas como nas particulares, só
poderia acontecer mediante a permissão do Governo da União. As licenças para os trabalhos
arqueológicos eram emitidas pela Diretoria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN). Proibia-se ainda a exploração comercial dos vestígios culturais, bem como
sua destruição ou mutilação (Ojeda: sd). As preocupações com a divulgação das escavações
arqueológicas, assim como os programas de educação patrimonial, não estão presentes na lei
n. 3924/61.
Saul Milder, arqueólogo brasileiro e professor da Universidade Federal de Santa Maria, atestou
a mesma situação no sul do país. Em um trabalho de consultoria realizado pelo Laboratório de
Estudos e Pesquisas Arqueológicas (LEPA), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
para a Empresa de transmissão do Alto Uruguai (ETAU ,àMilde àafi aà ue:à Cha ouàaàate ç oà
do grupo, durante o processo <de salvamento arqueológico>, que muitos habitantes da região
com as quais se fazia contato, ficavam absolutamente admirados e, em muitas ocasiões,
simplesmente não compreendiam o que se estava realizando. Demonstravam um
des o he i e toàda uiloà ue,à es oàig o ado,àfaziaàpa teàdoàseuà otidia o à Milde ,à
2005:3).
O distanciamento entre a sociedade e seus diversos patrimônios pode ser superado através de
ações sólidas da Educação patrimonial. Não se almeja atribuir à sociedade um conhecimento
enciclopédico sobre quais são seus patrimônios, datas de fundação, autores, características
físicas, entre outros dados. Ao contrário, a Educação patrimonial deve agir no sentido de,
democraticamente, construir diálogos entre a sociedade e seus patrimônios.
Estesàdi logosàdeve àse à o stituídosàpa aà pe iti àaà ealizaç oàdeà o e esàe t eàaàvidaà
cotidiana das pessoas com o processo histórico relatado. Devem providenciar instrumentos
pa aàaà efle o à Vargas e Sanoja, 1990:53). Assim, cada grupo social torna-se capaz de atribuir
significados ao próprio patrimônio e ao bem público como um todo. Têm-se um cidadão crítico
pronto para a preservação e, principalmente, para transformação tanto de seu entorno como
da sociedade.
áàDive sidadeàCultu alà àte aàest at gi oàpa aàasàpolíti asà ultu aisà oàB asilàeà oà u do.à
Com a entrada em vigor da Convenção da Diversidade, reafirma-se direito soberano dos
Estados de implementarem políticas necessárias à proteção e promoção de suas expressões
culturais. A nova concepção de Política Cultural implantada pelo Ministério da Cultura já
incorpora grande parte dos objetivos da Convenção, porém surgem novos desafios. O MinC
utilizará este espaço para publicar e conversar, com vistas a aprofundar o debate sobre o
assu to à g ifoà oào igi al .à[ ]
NoàB asil,àaàe p ess oàá ueologiaàPú li a,àsu gidaàe à itoàa glo-saxão, ainda é nova e
podeàleva àaà o fus o.àDeàfato,àpú li o,àe àsuaào ige ài glesa,àsig ifi aà voltadaàpa aàoà
pú li o,àpa aàoàpovo àeà adaàte àaàve ,àst i toàsensu, com o sentido vernáculo de público
o oàsi i oàdeà estatal .àáoà o t io,àoàaspe toàpú li oàdaàá ueologiaà efe e-se à
atuação com as pessoas, sejam membros de comunidades indígenas, quilombolas ou locais,
sejam estudantes ou professores do ensino fundamental ou médio. A ação do Estado dá-se, de
maneira necessária, por meio da legislação de proteção ambiental e cultural que obriga os
empreendedores – empresas privadas ou públicas – a custearem estudos de impacto
a ie talàeà ultu al .
O NEE desenvolve ações com as comunidades, de modo que sua diversidade cultural possa se
constituir em meio de fortalecimento estratégico. Essas atividades referem-se a grupos
indígenas, mas também de grupos humanos variados, nos rincões mais recônditos, como em
ambientes urbanos. Exploram-se, também, a diversidade das identidades humanas, com
projetos e atuações em relação a grupos tão variados como os caiçaras, as mulheres e as
crianças. Projetos de âmbito internacional, com a cooperação entre países como Cuba, Grã-
Bretanha, Argentina, Estados Unidos, França, Colômbia, entre outros, inserem essas pesquisas
e ações em uma perspectiva muito mais ampla e variada. Projetos envolvem o arquivo de
Paulo Duarte, custodiado na UNICAMP (Funari e Silva 2007), ações patrimoniais estratégicas
em portos como Havana, Cuba e Santos, Brasil (Funari e Domínguez 2002), o estudo das
identidades e o imperialismo, a partir da cultura material (Garraffoni, Funari, Pinto, 2009;
Hingley 2009), entre outros diversos. As perspectivas para o avanço da Arqueologia Pública no
NEE são as mais amplas e variadas, de maneira a contribuir para o aprimoramento tanto de
disciplinas como os Estudos Estratégicos e a Arqueologia, como da ação comunitária.
Agradecimentos
Agradecemos a Rossano Lopes Bastos, Geraldo Cavagnari, Lourdes Domínguez, Renata Senna
Garraffoni, Richard Hingley, Cornelius Hortolf, Matthew Johnson, Nick Merriman, Saul Milder,
João Quartim de Moraes, Ana Piñon, Renato Pinto, Erika Robrahn-González, Mario Sanoja,
Michael Shanks, Glaydson José da Silva Helaine Silverman, Christopher Tilley, Iraida Vargas.
Mencionamos o apoio institucional do Núcleo de Estudos Estratégicos, FAPESP, CNPq, CAPES.
A responsabilidade pelas idéias restringe-se aos autores.
Bibliografia
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[3] http://www.cultura.gov.br/foruns_de_cultura/diversidade_cultural/index.html.