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ESCOLA SECUNDÁRIA DE MARCO DE CANAVESES

Biologia

Profª Manuela Leite

Infertilidade e técnicas de reprodução


medicamente assistida

Ana Pinto

Ana Vigo
Infertilidade e técnicas de reprodução medicamente assistida
Ana Pinto | Ana Vigo

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Infertilidade e técnicas de reprodução medicamente assistida
Ana Pinto | Ana Vigo

Agradecimentos

No decorrer deste trabalho, no âmbito da disciplina foi fundamental


a ajuda de diversas pessoas para o seu sucesso e que, claramente,
merecem o nosso agradecimento.

Em primeiro lugar, queremos agradecer à nossa professora da


disciplina, Manuela Leite, que nos coordenou e orientou durante todo o
trabalho e pela disponibilidade que demonstrou durante o processo de
realização do trabalho.

Gostaríamos também de agradecer aos nossos colegas, pelo


esclarecimento de dúvidas e apoio durante a elaboração deste trabalho.

Por fim, mas não menos importante, agradecemos à nossa família,


pelo apoio e compreensão.

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Infertilidade e técnicas de reprodução medicamente assistida
Ana Pinto | Ana Vigo

Índice
Lista de abreviaturas.........................................................................................................7

Lista de Figuras..................................................................................................................8

Resumo..............................................................................................................................9

Abstract...........................................................................................................................10

1. Introdução................................................................................................................11

2. Infertilidade..............................................................................................................12

2.1. Fatores não patológicos....................................................................................13

2.2. Fatores patológicos...........................................................................................14

2.2.1. Fatores masculinos....................................................................................14

2.2.2. Fatores femininos......................................................................................16

2.3. Infertilidade idiopática......................................................................................18

2.4. Infertilidade por anomalias/malformações uterinas........................................19

3. Técnicas de reprodução medicamente assistida.....................................................21

3.1. Recolha, avaliação e processamento de gametas masculinos.........................21

3.1.1. Métodos de colheita de gametas masculinos...........................................21

3.1.2. Espermograma..........................................................................................22

3.2. Recolha, avaliação e processamento dos gametas femininos.........................28

3.2.1. Estimulação ovárica...................................................................................28

3.3. Avaliação da maturidade e qualidade ovocitária.............................................30

3.3.1. Maturidade ovocitária...............................................................................30

3.3.2. Qualidade ovocitária.................................................................................31

3.4. Técnicas de RHA................................................................................................31

3.4.1. Fertilização In Vitro (FIV)...........................................................................31

3.5. Criopreservação................................................................................................35

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3.5.1. Criopreservação de embriões...................................................................36

3.6. Doação..............................................................................................................40

3.6.1. Doação de gâmetas...................................................................................40

3.6.2. Doação de embriões..................................................................................41

4. Conclusão.................................................................................................................43

Bibliografia.......................................................................................................................44

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Lista de abreviaturas
ACP Agentes Crioprotetores

ADM Anomalias dos Ductos Müllerianos

ADN Ácido Desoxirribonucleico

CC
Citrato de Clomifeno

CCO
Complexo Cumulus-ovócito

DMSO
Dimetilsulfóxido

EG
Etilenoglicol

FIV
Fertilização In Vitro

FSH
Follicle-stimulating Hormone, hormona folículo-estimulante

GP
Glóbulo Polar

hCG
human Chorionic Gonadotropin, gonadotrofina coriónica humana

LH
Luteinizing Hormone, hormona lúteo-estimulante

HIV
Human Immunodeficiency Virus

MI
Metáfase I

MII
Metáfase II

MN
Maturação Nuclear

MC
Maturação Citoplasmática

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OMS
Organização Mundial de Saúde

PMA
Procriação Medicamente Assistida

RHA
Reprodução Humana Assistida

SNS
Serviço Nacional de Saúde

SOP
Síndrome de Ovário Policístico

TEC
Transferência de Embriões Criopreservados

VG
Vesícula Germinativa

Lista de Figuras
Figura 1. Tipos de malformações uterinas......................................................................20
Figura 2. Valores de referência para os parâmetros espermáticos................................22
Figura 3. Anomalias a nível da cabeça do espermatozoide............................................26
Figura 4. Anomalias a nível da peça intermédia do espermatozoide.............................27
Figura 5. Anomalias a nível da cauda do espermatozoide..............................................27
Figura 6. Fertilização In Vitro (FIV)..................................................................................34

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Resumo

A infertilidade e as técnicas de reprodução medicamente assistida


são dois conceitos que estão correlacionados. Para que ocorra uma
gravidez, são necessários vários processos, processos esses complexos que
obriga a existência de um bom funcionamento dos sistemas reprodutores
feminino e masculino. Assim, quando existem complicações nestes
sistemas, consequentemente é dificultada a capacidade de obter uma
gravidez. O termo infertilidade é definido pela ausência de gestação após
12 meses de tentativas, sendo que existe uma vida sexual ativa e não há
utilização de métodos contracetivos. O desenvolvimento de técnicas de
reprodução medicamente assistida, por sua vez, veio a ser crucial na vida
de casais inférteis a serem capazes de conceber um filho, de forma
biológica.

Com o intuito de descobrir os fatores de infertilidade dentro de um


casal, são realizadas avaliações a ambos os membros, podendo ser
identificados fatores de infertilidade patológicos ou não patológicos. A
avaliação do parceiro masculino é possível através da realização de um
espermograma, enquanto que na mulher não é possível realizar a
avaliação dos oócitos, existindo a estimulação ovárica. Quando num casal
a causa de infertilidade não é passível de identificação essa é denominada
de infertilidade idiopática.

O tratamento de RHA mais utilizado e com mais reconhecimento no


redor do mundo é a Fertilização In Vitro (FIV). Este tratamento inicia-se
com a estimulação ovárica e a futura fertilização.

As técnicas de criopreservação de embriões e de gametas, tanto


para fins pessoais como para fins de doação, foram desenvolvidas no
campo da RHA.

A reprodução medicamente assistida é, portanto, um conjunto de


técnicas e tratamentos que visam obter uma gravidez em casais inférteis
ou com fertilidade reduzida.

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Abstract

Infertility and medically assisted reproduction techniques are two


related concepts. For a pregnancy to occur, several processes are
necessary, complex processes that require the existence of a good
functioning of the male and female reproductive systems. Thus, when
there are complications in these systems, consequently the ability to
obtain a pregnancy is hindered. The term infertility is defined by the
absence of pregnancy after 12 months of attempts, with an active sex life
and no use of contraceptive methods. The development of medically
assisted reproduction techniques, in turn, has come to be crucial in the
lives of infertile couples to be able to conceive a child, biologically.

In order to discover infertility factors within a couple, assessments


are performed on both members, and pathological or non-pathological
infertility factors can be identified. The evaluation of the male partner is
possible by performing a spermogram, while in the woman it is not
possible to perform an oocyte evaluation, and ovarian stimulation exists.
When the cause of infertility in a couple cannot be identified, it is called
idiopathic infertility.

The most widely used and recognized AHR treatment around the
world is In Vitro Fertilization (IVF). This treatment begins with ovarian
stimulation and future fertilization.

The techniques of embryo and gamete cryopreservation, both for


personal and donation purposes, have been developed in the field of AHR.

Medically assisted reproduction is, therefore, a set of techniques


and treatments aimed at achieving pregnancy in infertile couples or
couples with reduced fertility.

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1. Introdução

Os seres vivos, na sua maioria são capacitados de produzir


descendentes férteis, permitindo assim, a perpetuação da espécie.

A reprodução é um processo em que um ou mais organismos


transmitem aos descendentes uma cópia, de todos ou alguns, dos seus
genes. Os seres vivos podem reproduzir-se sexuadamente,
assexuadamente ou de ambas as formas. Os seres humanos reproduzem-
se sexuadamente, ou seja, ocorre a fusão de gâmetas, que permitem,
desta forma, a variabilidade genética do indivíduo originado, sendo que
ocorre a combinação de informação, contida nos genes dos gâmetas dos
progenitores.

Para que a procriação seja eficaz é necessário uma série de fatores,


os espermatozoides produzidos deverão ser aptos para a futura
libertação, isto é, com capacidade de se mobilizarem eficientemente, e
existirem em grande quantidade. Da mesma forma, os oócitos produzidos
terão que ser viáveis e capazes de serem fecundados.

Por vezes, a reprodução torna-se um acontecimento biologicamente


impossível, por isso desde cedo que a ciência enfrenta vários desafios, tais
como, a identificação das diversas causas de infertilidade e respetivo
tratamento e ainda o desenvolvimento de métodos e técnicas que
permitem aos casais inférteis a produção de descendência.

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2. Infertilidade

Um filho, que constitui uma das maiores vontades entre um casal,


acarreta consequências negativas, para os mesmos, quando há
incapacidades biológicas para formar uma família. Consequências essas
como sofrimento psicológico, social e físico.

A infertilidade é considerada um problema de saúde pela Organização


Mundial de Saúde (OMS) e pode ser caracterizada como a ausência de
gestação logo após 12 meses de tentativas de procriação, tentativa essa
apenas considerada quando o casal apresenta uma vida sexual ativa, isto
significa tendo relações duas a quatro vezes por semana, sem a utilização
de métodos contracetivos. Este problema afeta entre cinquenta e oitenta
milhões de pessoas em idade reprodutiva, perturbando cerca de 10 a 15%
dos casais no mundo.

Portugal, em 2014, apresentou a menor taxa de infertilidade da


União Europeia e atualmente afeta apenas 8% de mulheres em idade
reprodutiva. Estudos recentes indicam que o número de casais com
problemas de infertilidade aumenta cerca de 5% de ano para ano, no
mundo.

Em comparação com outras espécies, o ser humano é quem


apresenta maior incapacidade reprodutiva sendo a eficácia de fecundação
considerada 20% e a probabilidade de gravidez, em casais férteis, 90% ao
fim de tentativas durante 12 meses e 94% passado dois anos.

A infertilidade é o resultado de uma falência orgânica devido a


anomalias nos órgãos reprodutores, dos gâmetas ou do concepto, que se
trata do embrião e de tudo o que o envolve. Sendo assim, a infertilidade
pode ocorrer em qualquer fase da gravidez desde a fertilização até ao
nascimento. Este conceito não deve ser confundido com a esterilidade. A
esterilidade é a incapacidade de um indivíduo ou de um casal conceber
descendência, enquanto a infertilidade impede que um casal, que
consegue uma gestação, leve a gravidez até ao fim com um recém-nascido
saudável.

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2.1. Fatores não patológicos

A idade, faz parte de um dos fatores não patológicos mais


determinantes dentro de um casal, a fertilidade das mulheres diminui

gradualmente com a idade, especialmente em meados dos 30 anos, e cai


rapidamente após os 37 anos.

A infertilidade em mulheres mais velhas é provavelmente devido ao


menor número e qualidade dos óvulos, e também pode ser devido a
problemas de saúde que afetam a fertilidade.

Homens com mais de 40 anos podem, da mesma forma, ser menos


férteis do que homens mais jovens.

O uso do tabaco, ou o uso de outras substâncias como as drogas,


por qualquer um dos membros do casal, pode reduzir a probabilidade de
ocorrer uma gravidez. Fumar, por sua vez, também reduz a possível
eficácia de tratamentos de fertilidade, os abortos espontâneos são mais
frequentes, e pode aumentar o risco de disfunção erétil e diminuir a
quantidade de espermatozoides nos homens. Para as mulheres, não existe
um nível seguro de uso de álcool durante a conceção ou gravidez,
podendo esse contribuir para a infertilidade. Para os homens, o uso
excessivo de álcool pode diminuir a quantidade de esperma e a
motilidade. Estar acima do peso, ou abaixo (problemas como a anorexia,
bulimia, etc.…), pode aumentar o risco de infertilidade, nas mulheres. Para
os homens, a quantidade de esperma também pode ser afetada. A falta
de exercícios contribui para a obesidade, o que aumenta o risco de
infertilidade. Com menos frequência, os problemas de ovulação podem
estar associados a exercícios intensos e extenuantes frequentes em
mulheres que não estão acima do peso.

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2.2. Fatores patológicos

Nos últimos anos, com a ajuda de diversos estudos, é possível


enunciar e esclarecer as diversas causas de infertilidade. Os fatores
patológicos estão relacionados com anomalias na função ou na anatomia
do ser humano, que acabam por afetar o bom funcionamento do sistema
reprodutor, a gestação durante uma gravidez, e a fecundação.
2.2.1. Fatores masculinos

O homem representa, aproximadamente, 30% dos casos de


infertilidade, sendo que outros 30% correspondem aos fatores femininos
e os restantes à infertilidade conjunta. Os problemas de infertilidade
masculina podem ser causados por uma série de problemas.

A varicocele, lesão testicular, é um inchaço das veias que drenam o


testículo e trata-se da causa reversível mais comum de infertilidade
masculina. Embora a razão exata pela qual as varicoceles causam
infertilidade seja desconhecida, ela pode estar relacionada ao fluxo
sanguíneo anormal. Estas são responsáveis pela redução da quantidade e
qualidade do esperma.

Algumas infeções podem interferir, da mesma forma, na produção


ou na saúde dos espermatozoides ou podem causar cicatrizes que
bloqueiam a passagem dos espermatozoides. Estes incluem inflamação do
epidídimo ou testículos e algumas infeções sexualmente transmissíveis,
incluindo gonorreia ou HIV (Human Immunodeficiency Virus). Embora
algumas infeções possam resultar em dano testicular permanente, na
maioria das vezes os espermatozoides ainda podem ser recuperados.

A ejaculação retrógrada ocorre quando o esperma entra na bexiga


durante o orgasmo, em vez de sair pelo pênis. Vários problemas de saúde
podem causar ejaculação retrógrada, incluindo diabetes, lesões na coluna,
medicamentos e cirurgia da bexiga, próstata ou uretra. Anticorpos anti-
espermatozoides são células do sistema imunológico que identificam
incorretamente os espermatozoides como invasores prejudiciais e tentam
eliminá-los.

O cancro e tumores não malignos podem afetar diretamente os


órgãos reprodutivos masculinos, por meio das glândulas que liberam
hormonas relacionadas à reprodução, como a hipófise, ou por causas
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desconhecidas. Em alguns casos, cirurgia, radiação ou quimioterapia para


tratar tumores podem afetar a fertilidade masculina.

Em alguns homens, durante o desenvolvimento fetal, um ou ambos


os testículos não descem do abdômen para o escroto que normalmente
contém os testículos. A diminuição da fertilidade é mais provável em
homens que já tiveram essa condição.

A infertilidade pode resultar de distúrbios dos próprios testículos ou


de uma anormalidade que afeta outros sistemas hormonais, incluindo o
hipotálamo, a hipófise, a tireoide e as glândulas suprarrenais. Baixa
testosterona e outros problemas hormonais têm várias causas subjacentes
possíveis.

Muitos tubos diferentes transportam esperma. Eles podem ser


bloqueados devido a várias causas, incluindo lesão inadvertida de cirurgia,
infeções anteriores, trauma ou desenvolvimento anormal, como fibrose
cística ou condições hereditárias semelhantes. O bloqueio pode ocorrer
em qualquer nível, incluindo dentro do testículo, nos tubos que drenam o
testículo, no epidídimo, nos canais deferentes, próximo aos dutos
ejaculatórios ou na uretra.

Doenças hereditárias, como a síndrome de Klinefelter - na qual um


homem nasce com dois cromossomas X e um cromossoma Y (em vez de
um X e um Y) causam o desenvolvimento anormal dos órgãos
reprodutores masculinos. Outras síndromes genéticas associadas à
infertilidade incluem fibrose cística e síndrome de Kallmann.

Problemas com relações sexuais, que pode englobar, problemas em


manter uma ereção suficiente para o sexo (disfunção erétil), ejaculação
precoce, relação sexual dolorosa, anormalidades anatômicas, como
abertura uretral abaixo do pênis ou problemas psicológicos ou de
relacionamento que interferem no sexo.

A doença celíaca é um distúrbio digestivo causado pela sensibilidade


a uma proteína encontrada no trigo chamada glúten. A condição pode
contribuir para a infertilidade masculina. A fertilidade pode melhorar após
a adoção de uma dieta sem glúten.

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2.2.2. Fatores femininos

A infertilidade feminina é causada por um ou mais fatores. Os


distúrbios na ovulação correspondem a um desses fatores, a ocorrência de
ovulação com pouca frequência ou nula, é responsável pela maioria dos
casos de infertilidade. Problemas com a regulação das hormonas
reprodutivas, pelo hipotálamo ou pela glândula pituitária, ou problemas
no ovário podem causar distúrbios da ovulação.

A Síndrome do Ovário Policístico (SOP) causa um desequilíbrio


hormonal, que afeta a ovulação, esta síndrome está associada à
resistência à insulina e obesidade, crescimento anormal de pelos no rosto
ou corpo e acne. É a causa mais comum de infertilidade feminina.

A Disfunção hipotalâmica é caracterizada por duas hormonas


produzidas pela hipófise que são responsáveis por estimular a ovulação a
cada mês, a hormona folículo-estimulante (FSH) e a hormona luteinizante
(LH). O excesso de stresse físico ou emocional, um peso corporal muito
alto ou muito baixo, ou um ganho ou perda substancial de peso recente
podem interromper a produção dessas hormonas e afetar a ovulação.

A Insuficiência ovariana primária, também conhecida como


insuficiência ovariana prematura, geralmente é causada por uma resposta
autoimune ou pela perda prematura de óvulos do ovário, possivelmente
como resultado de genética ou quimioterapia. O ovário não produz mais
óvulos e diminui a produção de estrogênio em mulheres com menos de 40
anos. A hipófise pode causar produção excessiva de prolactina
(hiperprolactinemia), o que reduz a produção de estrogênio e pode causar
infertilidade. Isso também pode ser causado por medicamentos
direcionados para outras doenças.

Podem ser destacados também os danos nas trompas de Falópio. As


trompas de Falópio danificadas ou bloqueadas impedem que os
espermatozoides cheguem ao óvulo ou bloqueiam a passagem do óvulo
fertilizado para o útero. As causas de dano ou bloqueio da trompa de
Falópio podem incluir a doença inflamatória pélvica, uma infeção do útero
e das trompas de Falópio devido a clamídia, gonorreia ou outras infeções
sexualmente transmissíveis e a cirurgia anterior no abdômen ou na zona
pélvica, incluindo cirurgia para gravidez ectópica, na qual um óvulo
fertilizado se implanta e se desenvolve noutro lugar que não o útero,
geralmente na trompa de Falópio.
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A endometriose ocorre quando o tecido que normalmente cresce


no útero se implanta e cresce noutros lugares. Esse crescimento extra de
tecido, e a remoção cirúrgica dele, pode causar cicatrizes, que podem
bloquear as trompas de Falópio e impedir a fecundação. A endometriose
também pode interromper a implantação do óvulo fertilizado. Constasse
que a mesma parece afetar a fertilidade de maneiras menos diretas, como
danos ao nível dos espermatozoides ou do óvulo.

Várias causas uterinas ou cervicais podem interferir com a


implantação do óvulo ou aumentar o risco de aborto espontâneo.

Pólipos ou tumores benignos são comuns no útero. Alguns podem


bloquear as trompas de Falópio ou interferir na implantação, afetando a
fertilidade. No entanto, muitas mulheres com miomas ou pólipos
engravidam.

Problemas com o útero presentes desde o nascimento, como um


útero de formato incomum, podem causar problemas para engravidar ou
permanecer grávida.

A estenose cervical, um estreitamento do colo do útero, pode ser


causada por uma malformação hereditária ou dano ao nível do colo do
útero. Às vezes, o colo do útero não consegue produzir o melhor tipo de
muco para permitir que o esperma o atravesse.

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2.3. Infertilidade idiopática

A infertilidade idiopática é a causa de um tipo de infertilidade que


afeta mais de um terço dos casais. Esta causa foi descoberta em 2012 e
contou com a colaboração de investigadores da universidade de Queen,
Belfast, na Irlanda, dando origem a um novo teste de fertilidade. Os
médicos antes desta investigação não sabiam qual seria a causa desta
infertilidade, dado que tudo estaria aparentemente bem tanto com o
homem como com a mulher do casal.

A investigação liderada pela investigadora Sheena Lewis constatou


que cerca de 80% dos homens dos casais diagnosticados com este tipo de
infertilidade sofrem de uma alta deficiência ao nível do ADN dos
espermatozoides. Com este estudo, conclui-se também que a
probabilidade desses casais conseguirem uma gravidez de sucesso após
uma fertilização In Vitro é afetada pela percentagem de esperma com o
ADN danificado. Caso o ADN danificado ronde os 15%, há alta
probabilidade de gravidez, se for acima dos 25% essa probabilidade é
muito menor mesmo que o casal esteja a executar tratamentos de
fertilidade. O novo teste de fertilidade concebido pela investigação, deteta
com mais precisão, não só as probabilidades de ocorrer uma gravidez, mas
também determinar mais eficazmente qual o tratamento mais indicado.

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2.4. Infertilidade por anomalias/malformações uterinas

O útero, ocupando o lugar de órgão mais importante do sistema


reprodutor feminino, apresenta funções que estão relacionadas com a
menstruação e a gravidez. Este órgão deverá estar livre de doenças e com
a estrutura corretamente desenvolvida, para que o embrião se consiga
implantar e, consecutivamente, que a sua gestação evolua. Anomalias e
malformações uterinas podem provocar infertilidade, abortos repetitivos
e outras complicações.

As malformações uterinas são anormalidades na anatomia do útero


que resultam em falhas no desenvolvimento dos genitais femininos, na
fase embrionária. Estas anomalias estão muitas vezes associadas a ovários
funcionantes e genitália externa de conformação normal, pelo que só após
o início da puberdade é que poderão manifestar-se os primeiros sintomas
sugestivos da presença de anomalias dos ductos müllerianos (ADM).
Algumas mulheres mantêm-se assintomáticas ao longo de toda a sua vida,
ou até surgirem problemas obstétricos e/ou relacionados com a
fertilidade.

Pelas razões acima referidas, podemos concluir que é importante


ter uma abordagem precisa sobre estas patologias, a qual começa com o
estudo da sua identificação e caracterização. Muitas vezes é difícil
conseguir diagnosticar, caracterizar e classificar estas patologias, o que
dificulta o trabalho dos investigadores que pretendem estudar as ADM.

O uso da histeroscopia tornou-se um dos métodos possíveis para


abordar este tipo de patologias, tanto no processo diagnóstico como no
processo terapêutico e, sendo menos invasiva, trouxe ganhos em saúde
para a doente, para o médico e para as instituições.

O procedimento tem-se vindo a desenvolver, inovando-se nas novas


técnicas e também dos próprios equipamentos em si. Hoje dispomos de
câmaras de maior nitidez, de instrumentação cirúrgica inovadora de
menor dimensão e calibre, sendo cada vez mais baratos, mais seguros e
menos invasivos.

A medicina tende a evoluir para que as patologias possam ser


diagnosticadas e tratadas de forma rápida, no tempo adequado e com
recurso ao mais elevado conhecimento técnico e tecnológico.

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As malformações uterinas incluem, o útero septado que é


caracterizado por uma parede, o septo, que pode-se formar no meio da
cavidade uterina, indo da parte superior até ao colo do útero, o útero
unicorno resulta da atrofia de um dos ductos de müller deixando a
cavidade uterina com menor volume, o útero bicorno que caracteriza-se
pela formação de uma fenda que separa o útero em duas cavidades
podendo ser uma divisão parcial ou total e o útero didelfo, um tipo raro
de malformação uterina apresenta dois úteros podendo ter cada um a sua
abertura ou terem ambos o mesmo colo uterino, cada útero também se
encontra ligado a um ovário.

Figura 1. Tipos de malformações uterinas. Fonte: Google Imagens.

Mulheres com infertilidade por fator uterino podem buscar ajuda na


reprodução assistida e tentar o tratamento com fertilização In Vitro (FIV).
Ainda assim, pode ser necessário realizar uma correção cirúrgica antes da
tentativa de gravidez.

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3. Técnicas de reprodução medicamente assistida


3.1. Recolha, avaliação e processamento de gametas masculinos
3.1.1. Métodos de colheita de gametas masculinos

A colheita de gâmetas masculinos é feita através da masturbação do


homem na qual, a amostra de esperma recolhida é mantida num
recipiente, à temperatura ambiente, de modo a preservá-la. Antes da
realização da masturbação o indivíduo deverá abster-se da atividade
sexual durante no mínimo 2 dias e um máximo de 7 dias. Esta abstinência
é importante pois interfere na qualidade dos espermatozoides
constituinte do esperma recolhido, quando não há um período de
ausência de masturbação, o esperma é afetado, contendo menor
quantidade de espermatozoides e menor volume de líquido seminal. De
outro modo, quando esse período de abstinência é muito elevado, este irá
afetar a motalidade dos espermatozoides.

Para haver uma colheita eficaz do esperma deve ser tido em conta
as duas porções expelidas durante a ejaculação. A primeira porção é
aquela na qual a quantidade de espermatozoides é maior tanto como os
fluidos prostáticos, contrariamente, a segunda porção contém menor
quantidade de espermatozoides sendo constituída, maioritariamente,
pelos fluidos produzidos pelas vesículas seminais.

Desta forma, é importante que a colheita seja realizada na sua


totalidade, caso contrário deverá ser comunicado, principalmente quando
não é recolhida corretamente a primeira porção.

Contudo, existem casos no qual os homens são incapacitados de


obter a amostra por masturbação, surgindo a possibilidade de recolher
essa amostra através de preservativos não tóxicos, utilizados durante a
relação sexual. Estes preservativos são desenhados para esta recolha, uma
vez que, os preservativos comuns têm propriedades que prejudicam e
alteram a qualidade do esperma da amostra.

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3.1.2. Espermograma

Espermograma é um exame realizado no sexo masculino, com o


intuito de avaliar a qualidade do líquido seminal e determinar, se
porventura for o caso, um possível diagnóstico de infertilidade.

Com a realização deste exame, são avaliados vários parâmetros


relativamente à qualidade da amostra de esperma recolhido, sendo, desta
forma, analisados parâmetros macroscópicos e microscópicos. A análise
macroscópica engloba a avaliação do pH, do volume, da liquefação, da
viscosidade e da aparência e cheiro, enquanto na análise microscópica é
avaliado a motilidade, a morfologia, a vitalidade, a concentração de
espermatozoides e a presença de aglutinação ou então de células como
leucócitos e células germinativas imaturas (células não espermáticas).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) desenvolveu um conjunto de


normas para uniformização da análise da amostra seminal e estabeleceu
valores de referência para os parâmetros espermáticos avaliados.

Figura 2. Valores de referência para os parâmetros espermáticos.

É importante que na realização deste exame, sejam analisados mais


do que uma amostra de esperma, uma vez que, a qualidade do esperma
de um homem, no decorrer do tempo, está em constante alteração a nível
da concentração e número.

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3.1.2.1. Motilidade

A motilidade é considerada um dos parâmetros mais importantes na


avaliação da qualidade do esperma, visto que traduz a capacidade dos
espermatozoides percorrerem todo o percurso desde que são inseridos no
sistema reprodutor feminino, até atingirem o oócito e penetrarem nas
suas camadas envolventes (zona pelúcida).

Relativamente à sua motilidade os espermatozoides podem ser


classificados em 4 categorias: móveis progressivos rápidos, quando existe
um movimento a nível do flagelo do espermatozoide com uma progressão
superior a 25 µm/segundo a 37°C e uma trajetória linear; móveis
progressivos lentos, quando existe movimento a nível do flagelo do
espermatozoide com uma progressão não superior a 25 µm/segundo a
37°C; móveis in situ, quando existe movimento a nível do flagelo do
espermatozoide mas, no entanto, este não progride; imóveis quando os
espermatozoides não apresentam qualquer tipo de movimento, ou seja, o
flagelo encontra-se completamente imobilizado.

Atualmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) defende que a


classificação quanto à motilidade dos espermatozoides deveria ser
realizada apenas em 3 categorias (nula, in situ e progressiva), uma vez
que, estes afirmam que é de extrema dificuldade para os técnicos de
laboratório conseguirem distinguir os espermatozoides em progressivos
rápidos e lentos. Porém, com a classificação das 4 categorias é possível
prever com maior exatidão a qualidade da amostra e a sua capacidade de
fecundação, dado que os espermatozoides progressivos rápidos serão
aqueles com maior capacidade de fecundação, ou seja, apresentam maior
capacidade de penetrar na zona pelúcida do oócito, sendo por este motivo
a classificação das 4 categorias o mais aconselhável.

Para avaliar a motilidade de uma amostra, começa-se por recolher,


cerca de 10 μL, de alíquota de esperma que é posteriormente colocada
numa lâmina de vidro, que será sobreposta por uma lamela (22x22mm).
Numa ampliação de 400x, a amostra em estudo é observada ao
microscópio ótico, procede-se à contagem dos espermatozoides por
categorias, conseguindo ser contados no mínimo 200 espermatozoides
completos constituídos por cauda (flagelo), peça intermédia e cabeça. A
amostra deverá estar a uma distância de, pelo menos, 5mm das
extremidades da lamela, de maneira a evitar a proximidade de bolhas de

23
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ar e possível secagem. Para serem capazes de obter uma contagem a mais


representativa da amostra, os técnicos de laboratório deverão contar, no
mínimo, 5 campos de observação distintos, embora que a escolha dos
campos de observação seja feita de forma aleatória. O resultado final de
cada categoria é expresso em percentagem e deve refletir a média das
duas contagens concordantes. O limite de referência mínimo para o total
de motilidade progressiva, seja ela lenta ou rápida, é de 32%, enquanto o
total de motilidade in situ e progressiva é de 40%.
3.1.2.2. Vitalidade

Para avaliar a vitalidade, recorre-se à utilização do teste de


coloração com eosina Y, uma vez que esta é avaliada com base na
integridade de membranas. Deste modo, espermatozoides que
apresentem danos membranares irão observer eosina Y, que atingirá uma
cor rosa quando se fixará no citoplasma, enquanto, em oposição,
espermatozoides com membrana citoplasmática intacta não observará
eosina Y e por esse motivo, se irá manter incolor.

Para a realização desta avaliação, serão adicionados 10 μL de


corante a 10 μL de amostra de esperma, numa solução final de diluição
1:2, deixando-se a atuar por cerca de 5 minutos. Em seguida, é recolhida
uma alíquota da solução, com a qual se irá preparar um esfregaço (uma
leve camada de matéria orgânica sobre uma lâmina de vidro), sendo
observado ao microscópio ótico, a uma ampliação de 400x, em contraste
de fase negativo, que irá permitir com maior facilidade, observar os
espermatozoides corados de cor rosa.

Uma outra forma de avaliar a vitalidade de uma amostra é através


da utilização de um outro teste, o teste de hipoosmolaridade. Este teste
apoia-se na certeza de que os espermatozoides com membrana intacta,
em ambientes hipoosmóticos, irão reagir, resultando em alterações da
cauda. Posto isto, espermatozoides não reativos e mortos mantiveram a
sua cauda intacta, enquanto espermatozoides reativos e vivos irão
apresentar a cauda enrolada.

A vitalidade de uma amostra é calculada e apresentada em


percentagem sendo posteriormente considerada normal, quando
apresenta valores inferiores a 58%. O resultado da avaliação da vitalidade
pode também funcionar como comprovação da avaliação de motilidade,
visto que a quantidade de espermatozoides mortos não pode ultrapassar
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a de imóveis, apesar de normalmente apresentarem valores inferiores.


Esta relação é considerada importante, uma vez que, não é por uma
amostra apresentar grande percentagem de imobilidade que
corresponderá a uma amostra de baixa vitalidade, possuindo esta
informação um elevado valor para a futura utilização dos espermatozoides
para técnicas de Reprodução Humana Assistida (RHA). A presença de uma
grande dimensão de células imóveis, mas que se encontrem vivas, pode
ser indicativa de defeitos estruturais a nível do flagelo, enquanto que uma
elevada percentagem de espermatozoides imóveis e que se encontrem
mortos (necrozoospermia) pode indicar uma patologia de epidídimo.
3.1.2.3. Morfologia

A qualidade de uma amostra de esperma e a fertilidade masculina é


consideravelmente afetada pela sua morfologia, uma vez que, existirá
uma maior probabilidade de ocorrer uma futura gravidez quando houver
maiores percentagens de espermatozoides normais.

A morfologia dos espermatozoides humanos é de difícil avaliação,


uma vez que é bastante modificável. Em situações normais, um
espermatozoide normal é formado por 3 partes principais, sem a presença
de qualquer anomalia, a cabeça, peça intermédia e cauda (flagelo).

A cabeça deverá exibir uma forma oval, com contornos regulares,


uma região acrossomal bem delineada que deverá ocupar entre 40 a 70%
da área da cabeça, sem presença de mais do que dois vacúolos, sendo os
mesmos de pequenas dimensões. A peça intermédia deverá apresentar,
aproximadamente, o mesmo comprimento que a cabeça, estando
alinhada com o seu eixo, sem presença de restos citoplasmáticos
superiores a ⅓ do tamanho da cabeça. A cauda (flagelo) deverá
apresentar, ao longo de todo o seu comportamento uma espessura
uniforme, de cerca de 45 μm, ou seja, 10 vezes superior ao tamanho da
cabeça, e terá de ser, no entanto, mais fina que a peça intermédia.

Para a realização da morfologia de uma amostra de esperma, é


retirada uma alíquota de amostra e é preparado um esfregaço. Em
amostras que a concentração de espermatozoides é reduzida, pode ser
necessário recorrer à centrifugação prévia da amostra, 10 minutos a 600g.
A centrifugação consiste na separação de duas fases por ação de uma
força centrífuga a que é sujeita uma mistura, o líquido mais denso é
depositado no fundo, enquanto o menos denso fica à superfície. Após
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secagem à temperatura ambiente, a lâmina é fixada numa solução de


metanol, seguindo posteriormente o processo de coloração com os
corantes Papanicolau e Shorr. O corante Papanicolau é utilizado, uma vez
que, promove uma coloração azulada aos ácidos nucleicos, enquanto o
corante Shorr dá uma cor rosada às restantes estruturas. Estas
preparações são, em seguida, avaliadas ao microscópio ótico, a uma
ampliação de 1000x com óleo de imersão, sendo colocado o referido óleo
entre a lamela e a objetiva.

Os espermatozoides quanto à sua morfologia são classificados,


distinguindo-se entre espermatozoides normais e anormais, sendo notada
o tipo de anomalia, nomeadamente, se apresenta restos citoplasmáticos,
anomalias de cabeça, anomalias da peça intermédia e anomalias da cauda
(flagelo). Por sua vez, sempre que se verificar a presença de células
espermáticas e leucócitos deve-se proceder à sua contagem.
Concentrações de leucócitos superiores a 1x10⁶ μL podem ser um
princípio de uma inflação a nível dos órgãos do sistema reprodutor
masculino, podendo afetar a motilidade e a totalidade do DNA
espermático. Em contrapartida, valores de células espermáticas imaturas
bastante elevadas, mais de 3 em cada 100 espermatozoides, pode ser um
indicativo de uma má funcionalidade testicular.

Figura 3. Anomalias a nível da cabeça do espermatozoide.


(Adaptado de World Health Organization, 2010)

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Figura 5. Anomalias a nível da cauda do espermatozoide. Figura 4. Anomalias a nível da peça


(Adaptado de World Health Organization, 2010) intermédia do espermatozoide. (Adaptado
de World Health Organization, 2010)

Os resultados referentes à avaliação da morfologia devem ser


apresentados em percentagem, tendo como limite de referência
relativamente a formas normais 4%. O índice de teratozoospermia,
situação na qual há uma grande percentagem de espermatozoides com
formato anormal, ou seja, com defeitos de morfologia, é calculado através
da divisão do número total de anomalias contabilizadas, pela
percentagem de espermatozoides anormais, que dará o resultado da
quantidade média de anomalias por espermatozoide anormal.

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3.2. Recolha, avaliação e processamento dos gametas femininos


3.2.1. Estimulação ovárica

A estimulação ovárica, um método mais simples de intervenção


terapêutica, acontece quando é concluído clinicamente que a infertilidade
do casal é causada por um problema ovulatório da mulher e quando não
seja verificada a existência simultânea de problemas do membro
masculino do casal.

Este método consiste principalmente num período de estimulação


ovárica, subsequente de relações sexuais, programadas pelo médico que
administra o tratamento, no qual a data e a hora para essas se realizarem
são estipuladas.

A estimulação ovárica tem como principal objetivo a indução do


desenvolvimento de vários folículos num ciclo reprodutivo, o que não
acontece num ciclo natural em que apenas um folículo dominante
completa o processo de maturação. Deste modo, o desenvolvimento
destes protocolos para a estimulação ovárica são um importante passo
nos tratamentos de RHA, permitindo obter um maior número de ovócitos
e por conseguintes embriões de qualidade.

Existem diversos tipos de protocolo de tratamento com estimulação


ovárica. Um desses protocolos é realizado com citrato de clomifeno (CC)
que é dos mais utilizados dos medicamentos que estão envolvidos no
tratamento da infertilidade. Este medicamento é utilizado para estimular
o amadurecimento dos folículos e mais tarde a formação de oócitos II, o
que provoca uma resposta pela parte do cérebro a baixas quantidades de
estrogênios. Contudo, este medicamento é utilizado principalmente em
mulheres com menos de 40 anos, cuja infertilidade é devida a problemas
na ovulação.

Naturalmente, há situações no qual o tratamento com citrato de


clomifeno não funciona, recorrendo-se à estimulação ovárica de forma
direta com medicamentos que contêm gonadoestimulinas, que são
hormonas que atuam estimulando diretamente os ovários, promovendo o
desenvolvimento folicular e a produção de oócitos II.

As hormonas gonadoestimulinas usadas no tratamento da


infertilidade podem ser urinárias, que são extraídas e purificadas a partir

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da urina das mulheres após a menopausa, ou recombinantes que se são


sintetizadas em laboratório. Dentro destas hormonas as principais e as
que se destacam são a hormona foliculoestimulina (FSH) e a hormona
luteoestimulina (LH).

Deste modo, a paciente é submetida a uma estimulação hormonal


suave dos ovários, normalmente com FSH, com injeções subcutâneas. Os
ovários respondem, evidentemente, a esta estimulação e essa deve ser
controlada, através de coreografias, com o intuito de ajustar a dosagem
do medicamento e, além disso, a definir o dia em que irá ocorrer a
ovulação. Assim, o casal fica esclarecido sobre os períodos mais indicados
para terem relações sexuais.

O principal risco da estimulação ovárica é o desenvolvimento da


síndrome de hiperestimulação ovárica (SHO), que se caracteriza por uma
resposta sistémica exagerada à administração de gonadotrofina coriónica
humana (hCG), que acarreta consequências, tais como distensão
abdominal, aumento do volume ovárico e complicações respiratórias,
hemodinâmicas e metabólicas.

Assim, devem ser tomadas várias precauções para evitar o


desenvolvimento desta síndrome e a evolução do estado da paciente deve
ser cuidadosamente controlado ao longo do tratamento.

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3.3. Avaliação da maturidade e qualidade ovocitária

Durante o desenvolvimento folicular, que ocorre ao mesmo tempo


que o processo da oogénese, os ovócitos vão sendo rodeados por um
conjunto de células foliculares, células essas denominadas cumulus
oophorus, que formam o complexo cumulus-ovócito (CCO). Aquando da
ovulação, este é libertado, num ciclo natural ou recolhido por punção
folicular, para futuros tratamentos de RHA. O líquido folicular, após a
identificação de um CCO, deve ser avaliado não só quanto à sua
maturidade, mas, sempre que possível, deverá ser avaliada a qualidade
ovocitária.
3.3.1. Maturidade ovocitária

A maturação ovocitária é a terceira fase da oogênese, em que várias


mudanças ocorrem dentro do oócito, preparando-o para a ovulação e a
sua iminente interação com o espermatozoide. Este processo é bastante
complexo e envolve eventos nucleares, meióticos e citoplasmáticos. Para
que o estágio final tenha um ótimo desenvolvimento oocitário, antes da
ovulação, é necessária uma sincronização entre a maturação nuclear (MN)
e a citoplasmática (MC).

Durante o período de crescimento folicular, os oócitos apresentam


os cromossomas difusos, porém envolvidos por uma membrana nuclear
intacta, denominada vesícula germinativa (VG). A célula apresenta-se
bloqueada na fase G2 do ciclo da divisão celular, ou seja, retida na prófase
I da primeira divisão meiótica por um período longo, variando de dias a
décadas dependendo da espécie. A MN envolve o processo de transição
da fase G2 para a fase M (metáfase). Esta transição é caracterizada por
vários fenômenos: a condensação da cromatina, a quebra da membrana
nuclear resultando na mistura do nucleoplasma com o citoplasma, a
formação do FM e a segregação dos cromossomos.

Nesta fase, os cromossomas presentes no citoplasma migram para a


periferia ocorrendo a retomada da meiose via extrusão da metade dos
cromossomas para o primeiro CP. O ciclo meiótico é bloqueado, pela
segunda vez, de forma que o oócito, então, apresente-se na fase de
metáfase II (MII) caracterizada pela presença do primeiro CP. Apesar da
conclusão das mudanças nucleares para a produção de oócitos em MII,
esta não define a sua competência e não reflete a maturidade molecular e

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estrutural do oócito. Um oócito, que não completou a maturação


citoplasmática (MC), é de pobre qualidade e incapaz de atingir seu
desenvolvimento com pleno sucesso.
3.3.2. Qualidade ovocitária

Não existem testes de qualidade ovocitária, sendo que a única


maneira de saber se um óvulo é cromossomicamente normal é o tentar
fertilizar e assim, caso a fertilização for bem-sucedida, realizar um teste
genético no embrião. Mas, como os danos ao nível do ADN são inevitáveis
em óvulos mais velhos, a idade dos mesmos pode fornecer aos médicos
uma imagem bastante precisa de qual percentagem dos óvulos será
geneticamente normal.

Quando falamos sobre a qualidade do óvulo de uma mulher,


estamos a falar sobre a percentagem esperada de um número total de
óvulos normais, que essa contém. Tanto para o bem ou para o mal, isso é
principalmente uma questão relacionada com a idade. Ao contrário da
“ampla gama de normalidade” que vemos quando se trata da contagem
de ovos, o impacto que a idade tem na qualidade do óvulo é consistente e
universal. De outra forma, as mulheres que rondam os 20 anos terão,
maioritariamente, óvulos considerados normais, embora já apresente
alguns com certas anomalias. Por outro lado, as mulheres que estão perto
dos 40 anos terão, na sua maioria, óvulos anormais, não importa o quão
saudável seja o estilo de vida que vivem.

A morfologia dos ovócitos são grandes indicadores de capacidade


de fertilização, do desenvolvimento embrionário e gravidez. Um dos
indicadores de qualidade mais importantes é o tamanho do ovócito,
quando os embriões resultam de ovócitos gigantes, podem
consequentemente apresentar anomalias cromossómicas e mais tarde a
sua transferência poderá resultar na prevalência de abortos espontâneos.

3.4. Técnicas de RHA


3.4.1. Fertilização In Vitro (FIV)

A fertilização In Vitro (FIV) é, ao nível de técnicas de Reprodução


Humana Assistida (RHA) um dos avanços mais importantes. O primeiro

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resultado positivo, desde a introdução desta técnica, foi de Louise Brown,


em 1978, conhecido como o nascimento do primeiro bebé de proveta.
Posteriormente, todas as fases que estão integradas nesta técnica têm, ao
decorrer do tempo, vindo a ser aperfeiçoadas, levando a que esta seja
atualmente a técnica de RHA mais eficaz no tratamento da infertilidade.
Este tratamento é aconselhável em casos de obstrução tubária, disfunção
ovulatória ou fator masculino não grave.

A FIV tem como principal objetivo assemelhar-se, o máximo


possível, ao processo de fertilização natural, no qual os CCO (Complexo
Cumulus-ovócito) recolhidos são colocados em contacto com os
espermatozoides e, de uma forma natural, os espermatozoides procedem
até atingirem o ovócito, penetrando ativamente na zona pelúcida, ou seja,
a sua camada envolvente.

A grande probabilidade de sucesso desta técnica, deve-se ao facto


de que quanto maior for o número de ovócitos recolhidos, maior será o
número de embriões de qualidade que é possível obter, e por
conseguinte, maior a probabilidade de ocorrer gravidez, uma vez que, este
tratamento é realizado em conjunto com um protocolo de estimulação
ovárica, no qual se recolhem vários folículos maduros em um só ciclo.

A punção folicular, é um processo que é utilizado com o objeto de


extrair os óvulos do interior dos folículos, deve ser realizado entre cerca
de 32 a 36 horas após a injeção para indução da ovulação com
Gonadotrofina Coriônica Humana (hCG), após a qual é realizada a
pesquisa do fluído folicular, para futura recolha dos CCO. Os CCO
encontrados são incubados a 37ºC, 6% de CO2 e 5% de O2 em placas de
4 poços com 0,5 mL de meio de incubação pré-equilibrado coberto por
uma camada de óleo de parafina, que é utilizado com o intuito de analisar
com maior clareza variações bruscas de temperatura, pH e osmolaridade
(concentração osmótica), estas etapas são realizadas depois de ocorrer a
lavagem em meio previamente aquecido a 37ºC.

Relativamente à amostra de esperma, esta deve ser recolhida no dia


da punção folicular, sendo posteriormente tratada pelo método dos
gradientes de densidade. Após o processamento da amostra do esperma e
swim-up de cerca de 30 minutos, é iniciada uma contagem de
espermatozoides progressivos, para determinar o volume a inseminar,
para esse fim, é retirada uma alíquota da suspensão espermática que será
conduzida até à câmara de Neubauer, procedendo-se a uma contagem
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dos espermatozoides, realizada o mais rápido possível. De seguida, é


calculado o volume de suspensão espermática que deve ser adicionada a
cada poço, considerando que os oócitos devem ser inseminados com
cerca de 50 000 a 100 000 espermatozoides progressivos por mL.

A confirmação da fertilização ocorre quando há uma presença de


dois glóbulos polares (células que se formam durante a fase de maturação
da ovogénese) e dois pronúcleos, sendo posteriormente, os pré-zigotos
incubados a 37ºC, com 5% de O2 e 6% de CO2 para desenvolvimento
embrionário, até à data da sua transferência. O sucesso da fertilização
deve ser avaliado num período de 16 a 18 horas após a inseminação, a
probabilidade de ocorrer gravidez em mulheres até 35 anos é cerca de 20
a 35%, enquanto a partir dos 40 anos a probabilidade de ocorrer gravidez
é de 15%.

O principal motivo do insucesso do tratamento FIV é atribuído à


falta de capacidade de penetração dos espermatozoides na membrana e
nas camadas envolventes do oócito.

O desenvolvimento não só desta técnica como também de outras,


trouxeram benefícios para os casais, uma vez que, os ajudam a alcançar o
que estes mais desejam, um filho, proporcionando aos mesmos um
equilíbrio tanto a nível psicológico como emocional.

No entanto, recorrer a técnicas de Reprodução Humana Assistida


comporta alguns riscos como: erros humanos, ou seja, ocorre uma troca
acidental do esperma e dos embriões dos pacientes; malformações
congénitas, no qual, os bebês gerados por FIV têm maior probabilidade,
de no futuro desenvolver malformações congénitas, tais como, problemas
cardíacos ou renais, testículos atrofiados e fenda palatina; saúde da mãe,
uma vez que, os riscos da saúde da mãe aumentam devido a possíveis
complicações resultantes do tratamento hormonal; desapontamento do
casal, no caso de decorrer ineficácia dos tratamentos; entre outros riscos.

Em síntese, a fertilização In Vitro consiste na extração cirúrgica de


oócitos II, que são colocados no meio adequado em placas de Petri, aos
quais se juntam espermatozoides.

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Figura 6. Fertilização In Vitro (FIV). Fonte: Google Imagens

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3.5. Criopreservação

A criopreservação é o estudo dos processos de congelação de


células e tecidos e permite a preservação de células por tempo
prolongado, mantendo as propriedades biológicas destas depois de
descongeladas.

A tecnologia desenvolveu protocolos de congelação/descongelação


eficientes que permitem preservar células e tecidos a temperaturas até -
196ºC, geralmente sem afetar a sua estrutura e funcionalidade.

A criopreservação é, então, uma técnica utilizada desde a década de


50 e representa uma valiosa opção terapêutica no tratamento da
infertilidade. Atualmente, é possível recorrer a criopreservação de
embriões. Esta é baseada na capacidade de certas moléculas pequenas
entrarem nas células e evitarem a desidratação e a formação de cristais de
gelo intracelulares, que podem causar morte celular e destruição de
organelos celulares durante o processo de congelamento.

Dois agentes crioprotetores comuns são o dimetilsulfóxido (DMSO)


e o glicerol. O glicerol é usado principalmente para a crioproteção dos
glóbulos vermelhos e o DMSO é usado para a proteção da maioria das
outras células e tecidos.

Um açúcar chamado trealose, que ocorre em organismos capazes


de sobreviver à desidratação extrema, é usado para métodos de
criopreservação por liofilização. A trealose estabiliza as membranas
celulares e é particularmente útil para a preservação de espermatozoides,
células-tronco e células sanguíneas.

As técnicas de preservação da fertilidade feminina e masculina


estão disponíveis no âmbito do Serviço Nacional de Saúde Português e em
diferentes instituições privadas de saúde. A lei portuguesa não impede
nenhuma pessoa de recorrer ao Serviço Nacional de Saúde para conseguir
preservar a fertilidade futura por motivos económicos, sociais ou culturais,
mas os centros públicos priorizam os utentes com algum tipo de patologia.
No âmbito do Serviço Nacional de Saúde, os procedimentos associados à
realização das técnicas e à congelação dos gâmetas recolhidos não
comportam quaisquer custos para os doentes oncológicos. Apenas as
mulheres submetidas as estimulações ováricas têm de suportar os custos
inerentes à medicação necessária.
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Infertilidade e técnicas de reprodução medicamente assistida
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3.5.1. Criopreservação de embriões

Com o avanço no campo da RHA, tornou-se mais frequente a


obtenção de um número elevado de embriões, de boa qualidade, com
disponibilidade para transferência. Dessa forma, surgiu a necessidade de
um programa de congelação de embriões adequado aos seus requisitos.

Este processo é utilizado como alternativa à estimulação hormonal, sendo


necessário apenas proceder à transferência dos embriões criopreservados
(TEC) num novo ciclo menstrual.

Dentro da criopreservação de embriões existem dois métodos


distintos utilizados nomeadamente, a congelação lenta e a vitrificação. A
congelação lenta baseia-se na diminuição gradual e programada da
temperatura e no uso de uma baixa concentração de crioprotetores, que
se trata de substâncias químicas, não tóxicas, capazes de penetrar nas
células e retirar a água e diminuir a temperatura de congelamento no seu
interior, o que impede que se formem cristais de gelo intracelulares que
causam danos irreversíveis às células durante o congelamento. Como se
trata de uma baixa concentração, embora leve a uma menor toxicidade
para células ou tecidos, não é capaz de eliminar a formação de gelo.

A vitrificação é uma abordagem alternativa ao método do


congelamento lento para a criopreservação de embriões. A vitrificação
difere do congelamento lento porque evita a formação de cristais de gelo
não só intracelularmente mas também extracelularmente.

Este método é mais fácil de conduzir, não requer equipamentos


dispendiosos e não é tão demorado quando comparado ao congelamento
lento convencional. A vitrificação é caracterizada por altas concentrações
de agentes crioprotetores (ACP), que proporciona viscosidade à solução
de vitrificação, a um valor suficientemente alto para a mesma se
comportar como um sólido, porém sem ocorrer cristalização.

A criopreservação envolve o controlo de muitas variáveis como o


tipo de ACP utilizado, o método aplicado para a adição e remoção, as
taxas de arrefecimento e aquecimento entre outros fatores. O
desenvolvimento de métodos bem-sucedidos para a criopreservação de
oócitos e espermatozoides requer a compreensão dos efeitos de cada
variável e a interação entre eles.

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A adição dos ACPs é feita na fase que antecede a vitrificação. As


células são expostas a um ambiente hipertónico e o aumento da
concentração do soluto extracelular gera um gradiente osmótico através
da membrana, que causa a saída da água da célula induzindo à sua
desidratação. Após a descongelação ou durante o aquecimento, é feita a
remoção dos ACPs das células que recuperam o volume devido ao influxo
de água extracelular até à estabilização atingindo o volume isotónico.
Todo este processo de desidratação e reidratação é determinado pela
permeabilidade da membrana plasmática e por fatores externos como a
composição e concentração de ACPs no exterior da célula, o tempo de
exposição e a temperatura.

Na maioria dos protocolos de vitrificação, a exposição aos ACPs é


realizada em dois passos devido à elevada concentração necessária, que
poderia reduzir a viabilidade dos gametas masculinos e femininos como
consequência dos danos osmóticos e da elevada toxicidade.

Inicialmente os oócitos são expostos a metade da concentração


final de vitrificação, onde são mantidos durante alguns minutos e
posteriormente são introduzidos no meio de vitrificação com uma elevada
concentração de ACPs durante apenas alguns segundos. Nos primeiros
protocolos de vitrificação, os oócitos e os espermatozoides eram
submetidos a elevadas concentrações de ACPs por longos períodos de
tempo (até 50 minutos), o que resultava numa elevada toxicidade e num
grande stress osmótico. Estudos posteriores melhoraram
substancialmente os protocolos iniciais aplicando uma mistura de ACPs
com diferentes características bioquímicas de forma a minimizar o stress
osmótico.

O processo de vitrificação é ainda o resultado de observações


empíricas. Estão ainda muitas perguntas por responder e por
compreender muitos dos mecanismos celulares que estão envolvidos na
criopreservação de oócitos, sendo necessários estudos mais aprofundados
que permitam desenvolver protocolos mais eficientes e aumentar as taxas
de sucesso desta técnica.
3.5.1.1. Criopreservação de gametas masculinos

A criopreservação de gametas masculinos é muito útil na


manutenção de bancos de doadores de gametas, para armazenamentos

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de amostras, em casos de ausência de parceiro masculino e em casos de


disfunções ejaculatórias.

A amostra seminal deve ser recolhida por masturbação para a


criopreservação dos gametas masculinos. Após a colheita da amostra, esta
é encaminhada para laboratório para que possa existir uma avaliação dos
parâmetros seminais, de acordo com critérios da OMS.

Um entendimento completo da fisiologia do esperma durante a


criopreservação é obrigatório para garantir o sucesso máximo. Um fator
chave na criopreservação de espermatozoides é serem células pequenas
com vasta área de superfície. Essas características acabam por afetar a
viscosidade e a temperatura de transição vítrea do citosol intracelular nos
espermatozoides, o que os torna menos suscetíveis a danos potenciais.

Na ausência de agentes crioprotetores, o choque que apresentam


quando submetidos ao frio e a indução da formação de cristais de gelo
podem levar à destruição dos organelos presentes nas células
espermáticas. Este evento pode-se manifestar na oxidação de compostos
celulares, bem como no rompimento e na ocorrência de danos nas
estruturas celulares, como no ADN, nos cromossomas e na membrana
plasmática, o que acaba por reduzir a fertilidade. Espécies reativas de
oxigênio, como peróxido de hidrogênio, aniões superóxido e radicais
hidroxila podem induzir apoptose, peroxidação dos lipídios de membrana,
rompimento das mitocôndrias e danos no ADN. Convencionalmente, a
concentração de agentes crioprotetores, bem como dos aditivos
estabilizadores de membrana, estão correlacionados com a taxa e a
sensibilidade dos espermatozoides a temperaturas abaixo de zero.

A composição lipídica da membrana plasmática do esperma é um


fator importante que pode influenciar a tolerância e sensibilidade, a
temperaturas mais baixas, dos espermatozoides. Os parâmetros de
qualidade do esperma antes do congelamento, como a motilidade dos
espermatozoides e o período de abstinência de doadores de esperma,
também podem afetar a taxa de resistência dos espermatozoides pós-
descongelamento.

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3.5.1.2. Criopreservação de gametas femininos

A criopreservação de ovócitos tem vindo a evoluir nos últimos anos,


devido ao desenvolvimento das técnicas de criopreservação que tiveram
como objetivo acabar com problemas éticos, religiosos e legais.

Atualmente, a criopreservação de ovócitos tem sido bastante útil


principalmente para a preservação da fertilidade feminina, sendo que há
casos no qual existe o adiamento da maternidade e em que mulheres são
sujeitas a tratamentos tóxicos que afetam as gonadas femininas. O
processo de doação de ovócitos e a manutenção de bancos de dadoras de
ovócitos criopreservados, também é hoje possível devido a esta técnica.

Oócitos que são sujeitos ao processo de vitrificação foram primeiro


equilibrados e então colocados em soluções de equilíbrio sequencial com
concentrações crescentes dos crioprotetores etilenoglicol (EG) e
dimetilsulfóxido (DMSO) por 30 segundos a 1 minuto para um total de
cinco diluições. Os oócitos são então colocados numa solução de
vitrificação contendo EG, DMSO e sacarose por 110 segundos. Em seguida,
os oócitos são transportados em canudos que são imediatamente selados
e rapidamente mergulhados diretamente no nitrogênio líquido.

Os oócitos vitrificados são primeiramente aquecidos em banho-


maria a 37°C. O conteúdo da palha é então liberado em meio de
descongelamento seguido pela colocação em soluções de equilíbrio
sequencial por 30 segundos a 2 minutos cada, para um total de oito
diluições. Os oócitos foram lavados mais uma vez num meio sem sacarose
e por fim cultivados.

Durante o processo de congelamento, a zona pelúcida pode ser


modificada, evitando a fertilização. Assim, atualmente, quando os óvulos
são descongelados, um procedimento especial de fertilização é realizado,
no qual o esperma é injetado diretamente no óvulo com uma agulha, em
vez de permitir que o esperma penetre naturalmente, colocando-o ao
redor do óvulo num prato.

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3.6. Doação
3.6.1. Doação de gâmetas

A doação de gâmetas é considerada como sendo um processo


voluntário e solidário, não podendo haver em situação alguma qualquer
compensação económica ou vencimento, tanto para o dador quer para
qualquer outro indivíduo, uma vez que é inteiramente proibida a venda de
gâmetas.

Em Portugal, relativamente à doação de gâmetas, esta pode ser


executada em clínicas privadas ou então através do Banco Público de
Gâmetas. O Banco Público de Gâmetas é um serviço providenciado pelo
Serviço Nacional de Saúde (SNS), responsável pela seleção, recrutamento,
recolha, criopreservação e armazenamento de gâmetas de dadores que,
posteriormente, serão utilizadas em técnicas de procriação medicamente
assistida (PMA).
3.6.1.1. Doação de gâmetas masculinos

Os candidatos a dadores de espermatozoides são avaliados em


vários parâmetros, e somente se tiveram sucesso em todos, poderão ser
dadores. Estes doadores devem apresentar uma idade entre os 18 e 40
anos e terão de preencher os requisitos de qualidade seminal apropriados,
historial psíquico e médico normal, sem qualquer antecedente familiar ou
pessoal de doenças de transmissão genética e com uma avaliação de
resultado negativo quanto a doenças sexualmente transmissíveis.

Para dar início ao processo de aceitação do dador, este deve realizar


uma colheita de amostra espermática, com o objetivo de através desta
efetuar um espermograma. Após o resultado do exame e este ser
favorável a todos os parâmetros espermáticos quanto à motilidade,
concentração e morfologia, o candidato a dador passa para o passo
seguinte que é de ser entrevistado. Nessa entrevista, será avaliado a nível
psicológico e terá uma consulta médica no qual serão recolhidas
informações relativamente ao historial clínico pessoal e familiar, história
reprodutiva e sexual, hábitos de vida e registo das características
fenotípicas e demográficas. Seguidamente, é efetuada análises e caso
todos os resultados se apresentem normais, o dador é aceite no programa
de doação.

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A doação de gâmetas masculina é realizada através da menstruação


e futura colheita de cinco a seis amostras seminais, com períodos de
privação de três a quatro dias. Depois de ocorrer a colheita de cada
amostra necessária, estas serão criopreservadas e avaliadas relativamente
a parâmetros de concentração e motilidade, após serem processadas
segundo métodos como de gradientes e swim-up. Somente depois de
todos os marcadores víricos apresentarem resultados negativos o
indivíduo é oficialmente dador e as suas amostras passam a estar
disponíveis para utilização em técnicas de RHA.

Atualmente, foi aprovado na lei portuguesa, que mulheres sem


parceiro masculino poderão utilizar estas amostras e realizarem técnicas
de Reprodução Humana Assistida, para alcançarem a gravidez (Lei
nº17/2016).
3.6.1.2. Doação de gâmetas femininos

As mulheres, têm uma idade mais restringida comparativamente ao


sexo masculino, deveram por isso apresentar uma idade entre os 18 a 35
anos para serem possíveis dadoras. Tal como acontece com os homens,
também as mulheres têm de passar por uma entrevista, com o intuito de
serem avaliadas psicologicamente e terão uma consulta médica com a
realização de um exame ginecológico completo incluído, com o objetivo
de recolher todas as informações que sejam essenciais. A doação realizada
por qualquer dadora só poderá ser utilizada, caso seja encontrada uma
recetora compatível, considerando o grupo e fenótipo da dadora.

Para dar início à doação de gâmetas femininas, a dadora, com


intervalos mínimos de cerca de seis meses entre cada uma, dará origem à
recolha de 3 dádivas. A recetora, em contrapartida, deverá iniciar o
processo de estimulação ovárica controlada, que deverá ser sincronizada
com a preparação do endométrio da recetora. A punção folicular e os
oócitos recolhidos da dadora são, de seguida, utilizados para tratamentos
de RHA do casal recetor.
3.6.2. Doação de embriões

A doação de embriões que é um recurso da medicina reprodutiva


que possibilita casais inférteis terem filhos é, maioritariamente, utilizada
em casos em que os casais são sujeitos a tratamento de infertilidade e
possuem embriões criopreservados que num futuro não pretendem
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utilizar, e por esse motivo prestam um consentimento para doação dos


mesmos. Assim, os embriões criopreservados só poderão ser utilizados
após um prazo de três anos de armazenamento.

Algumas regras consideradas mais importantes relativamente à


doação de embriões são: os dadores não devem conhecer a identidade
dos recetores e vice-versa; a doação não poderá ter caráter lucrativo ou
mesmo comercial

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4. Conclusão

O desejo de ter um filho é, para muitos, o objetivo principal da vida


pessoal. No entanto, muitos são aqueles que encontram dificuldades em
ter uma criança de forma natural e necessitam, portanto, de recorrer a
especialistas em infertilidade.

A reprodução medicamente assistida é, desta forma, um campo


científico em constante evolução na busca das melhores condições e
maior diversidade de opções de tratamento para casais que podem de
qualquer forma ser afetados por fatores de infertilidade, e desejam ter
filhos.

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Bibliografia

Sousa, Daniela Costa e. 2016. "Técnicas de Reprodução Humana Assistida para o Tratamento da
Infertilidade". Dissertação de Mestrado, Faculdade de Ciências, Universidade do Porto.
https://sigarra.up.pt/ffup/en/pub_geral.show_file?pi_doc_id=79953.

Cebotari, Mariana. 2017. “Criopreservação ovocitária”. Dissertação de Mestrado Integrado, Instituto de


Ciências Biomédicas Abel Salazar. https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/110209/2/244042.pdf.

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