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2020 / 2023
Vice-Presidente
Eduardo Becker Júnior
Secretário
Heron Werner Júnior
Membros
Adriana Gualda Garrido
Anselmo Verlangieri Carmo
Fernando Maia Peixoto Filho
Guilherme de Castro Rezende
Joffre Amim Junior
Jorge Roberto Di Tommaso Leão
Luciano Marcondes Machado Nardozza
Luiz Eduardo Machado
Manoel Alfredo Curvelo Sarno
Patricia El Beitune
Pedro Pires Ferreira Neto
Sergio Kobayashi
Descritores
Ultrassonografia morfológica; medicina fetal; malformação congênita.
Como citar?
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Ultrassonografia
no primeiro trimestre de gestação. São Paulo: FEBRASGO; 2021 (Protocolo FEBRASGO-
Obstetrícia, n. 63/Comissão Nacional Especializada em Ultrassonografia em GO).
Introdução
O uso rotineiro da ultrassonografia (US) no primeiro trimestre é am-
plamente aceito em quase todos os países(1) e muito empregado no
Brasil, em todas as suas regiões. Os principais objetivos da US pré-
-natal no primeiro trimestre são avaliar a localização da gestação,
confirmar a viabilidade fetal, estabelecer a idade gestacional, iden-
tificar gestações múltiplas, determinar a corionicidade e a amnio-
nicidade, além de anomalias estruturais, e quantificar o risco para
aneuploidias fetais.(2) O desempenho do método depende da quali-
dade do equipamento empregado e do conhecimento e habilidade
do operador, sendo importantes a sistematização e a metodologia do
exame para otimizar resultados.(1-3)
O presente artigo, elaborado por membros da Comissão Nacional
Especializada em Ultrassonografia da FEBRASGO, tem como objetivo
Continuação.
Parede abdominal Inserção normal do cordão
Ausência de defeitos umbilicais
Extremidades Quatro membros com três segmentos cada um
Mãos e pés presentes e com orientação normal
Placenta Tamanho e localização
Cordão umbilical Três vasos
Fonte: Salomon LJ, Alfirevic Z, Bilardo CM, Chalouhi GE, Ghi T, Kagan KO, et al. ISUOG practice
guidelines: performance of first-trimester ultrasound scan. Ultrasound Obstet Gynecol.
2013;41(1):102-13.(2)
Continuação.
Estrutura/anormalidade Taxa de detecção entre 11 e 14 semanas (%)
Abdome
Megabexiga 88-100
Atresia duodenal 33
Agenesia renal bilateral 29
Hidronefrose 27 (bilateral)/6 (unilateral)
Displasia multicística 14-33
Parede abdominal
Body-stalk 100
Onfalocele 100
Gastrosquise 86-100
Extrofia cloacal 100
Membros
Mão torta radial ou ulnar 100
Displasia esquelética 50-86
Ausência mão/pé 33-78
Polidactilia 60
Encurtamento dos ossos longos 0-50
Pés varos 14-25 (bilateral)/4-7 (unilateral)
Acondroplasia 25
Genitais
Defeitos cloacais 100
Cordão umbilical
Artéria umbilical única 57
Fonte: Springhall EA, Rolnik DL, Reddy M, Ganesan S, Maxfield M, Ramkrishna J, Meagher S, Teoh M,
Costa FS. How to perform a sonographic morphological assessment of the fetus at 11-14 weeks of
gestation. AJUM. 2018;21(3):125-37.(1)
Emprego da ultrassonografia
no primeiro trimestre
Biossegurança
O uso dos módulos B e M parece seguro em todas as idades gesta-
cionais.(1) O uso de Doppler no primeiro trimestre tem crescido de
interesse, em particular na avaliação do fluxo do ducto venoso (DV) e
da valva tricúspide, bem como na avaliação da anatomia do coração,
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Ultrassonografia no primeiro trimestre de gestação
Viabilidade fetal
Identificação dos batimentos cardíacos e sua frequência devem ser regis-
tradas para confirmar viabilidade.(2) As diretrizes para determinar que a
gestação é inviável são as seguintes: diâmetro médio do saco gestacio-
nal maior que ou igual a 25 mm, com saco gestacional vazio e embrião
com CCN maior que ou igual a 7 mm, sem atividade cardíaca. O quadro 2
apresenta os critérios de viabilidade da gestação. Termos como gestação
anembrionada, ameaça de aborto, abortamento retido, abortamento in-
completo ou completo não são recomendados (Quadro 3).
Avaliação anatômica
Cabeça
Num corte axial ou coronal, os ossos do crânio podem ser vistos par-
cialmente calcificados a partir de 11 semanas. Os ventrículos laterais
são proeminentes e preenchidos pelos plexos coroides (Figura 2). Os
hemisférios cerebrais podem ser identificados e devem estar clara-
mente divididos pela fissura inter-hemisférica e pela foice. O exami-
nador deve observar se a calota craniana está completa e intacta para
excluir a possibilidade de acrania e encefalocele, bem como avaliar a
integridade da foice para excluir holoprosencefalia nas suas formas
mais graves. A avaliação da fossa posterior num plano sagital (Figura
3) permite identificar o tronco encefálico, o IV ventrículo e a cisterna
magna, contribuindo para o rastreio dos defeitos de fechamento do
tubo neural.(1,2)
Pescoço
Deve ser pesquisada a presença de massas ou áreas císticas, bem
como ser obtida a medida da translucência nucal(1,2) (ver adiante na
seção Rastreamento de aneuploidias).
Face
No plano axial ou coronal, deve-se observar a presença das duas ór-
bitas e dos cristalinos (Figura 4), assim como as orelhas. Também
poderá ser observada a integridade do palato ósseo. O corte coronal
da parte anterior da face, incluindo os ossos nasais, os processos ma-
lares e o palato, é conhecido como triângulo retronasal (Figura 4) e
auxilia na identificação das fendas palatinas. Nesse mesmo corte,
pode-se identificar um espaço entre os ramos da mandíbula conhe-
cido como gap mandibular (Figura 4), que auxilia na identificação da
micrognatia. Na linha média do plano sagital, observam-se o perfil
ON - osso nasal
Coluna vertebral
A avaliação da coluna e da pele que a recobre deve ser feita em toda
a sua extensão através de cortes sagitais, coronais e axiais, a fim de
identificar alinhamento das vértebras e sua integridade. Como men-
cionado previamente, a análise do tronco cerebral, do IV ventrículo
e da cisterna magna permite rastrear os defeitos de fechamento do
tubo neural.(1,2)
Tórax
Deve-se avaliar a ecogenicidade pulmonar e a integridade do diafrag-
ma, bem como o situs e o eixo cardíaco (Figura 6). Deve-se verificar
que o coração e o estômago estejam do mesmo lado, certificando-se
que ambos estejam no lado esquerdo do feto.(1,2)
P - pulmão; C - coração.
Coração
Deve-se avaliar se a posição do coração está no hemitórax esquer-
do, bem como o eixo cardíaco. Um corte das quatro câmaras deve
ser obtido para verificar a simetria das câmaras cardíacas (Figura 6).
Recomenda-se identificar as vias de saída (artéria aorta e tronco da
artéria pulmonar) (Figura 7A), bem como avaliar com Doppler em
cores para identificar a confluência do canal arterial com a artéria
aorta(1,2) (Figura 7B).
Ao - artéria aorta; AP - tronco da artéria pulmonar. A - sem Doppler em cores; B - com Doppler em
cores
Parede abdominal
A inserção do cordão umbilical no abdome do feto (Figura 8) deve
ser identificada na tentativa de excluir gastrosquise e onfalocele. A
herniação fisiológica de alças intestinais para o cordão umbilical não
deve ser mais vista quando CCN for superior a 54 mm.(1)
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Ultrassonografia no primeiro trimestre de gestação
IU - inserção umbilical
Abdome
A avaliação do abdome deve incluir a identificação e o posiciona-
mento do estômago no lado esquerdo, do fígado à direita e da bexiga
na linha média da porção inferior do feto (Figuras 9A e 9B). Nos casos
de bexiga mais proeminente, deve-se medir seu diâmetro longitudi-
nal e medidas superiores a 6 mm são consideradas megabexiga. Esse
achado está associado a aumento de risco para aneuploidias, como
trissomias 18 e 13, bem como com obstruções do trato urinário infe-
rior. Os rins podem ser identificados como estruturas hiperecogêni-
cas paraespinhais num plano coronal (Figura 10A). Adicionalmente,
o estudo Doppler em cores pode identificar as artérias renais (Figura
10B). O emprego da técnica transvaginal facilita a avaliação dos rins
e das artérias renais.(1)
Cordão umbilical
O número de vasos umbilicais, sua inserção no abdome do feto
e a presença de cistos umbilicais devem ser anotados.(2) O uso de
Doppler colorido no plano paravesical permite identificar artérias
umbilicais(1) (Figura 9). Também se pode avaliar a inserção do cordão
umbilical na placenta (Figuras 11A e 11B), procurando-se sinais de in-
serção marginal ou velamentosa.
Genitália
A genitália externa pode ser avaliada no plano sagital por meio da
angulação do tubérculo genital (Figura 12), mas não parece ser su-
ficientemente acurada para determinar o sexo fetal.(2) Além disso, o
diagnóstico de malformações da genitália não costuma ser efetuado
no primeiro trimestre.(1) Sugere-se reavaliação no segundo trimestre
para minimizar equívocos.
Membros
Deve-se assegurar que ambos os membros superiores e inferiores estão
presentes em toda a sua extensão, utilizando-se os segmentos ósseos
como referência inclusive para identificação dos dedos. Recomenda-se
cautela quando da suspeição de pés varos e polidactilia, pois essas con-
dições podem ser difíceis de identificar no primeiro trimestre.(1)
Placenta
A estrutura da placenta deve ser observada e achados claramente
anormais, como tumorações, cistos e grandes coleções fluidas sub-
coriônicas (maiores do que 5 cm), devem ser descritos e monitora-
dos. A posição da placenta em relação ao orifício cervical interno
tem menos importância, pois a maioria das placentas se distancia
da cérvice com a evolução da gestação. Placenta prévia não deve ser
reportada nessa etapa da gestação.(2)
Rastreamento de aneuploidias
Toda paciente carrega o risco de seu feto ser portador de algum de-
feito cromossômico, o chamado risco a priori, ou risco basal, o qual
está relacionado, principalmente, à idade materna e à idade gesta-
cional. O risco específico e individualizado para cada paciente pode
ser calculado pela multiplicação do risco basal por riscos relativos ou
razões de verossimilhança (likelihood ratio), por sua vez calculados
pela análise dos resultados de uma série de testes de rastreamento.
A razão de verossimilhança é calculada pela divisão do percentual
de fetos com alterações cromossômicas pelo percentual de fetos nor-
mais com a mesma medida ou variável.(4)
A B
C D
E F
G H
Outros marcadores
A combinação da idade materna com a medida da TN, frequência car-
díaca fetal e dosagem sérica da fração beta do hormônio gonadotrofina
coriônica (beta-hCG) na sua forma livre ou não combinada e da prote-
ína A plasmática associada à gestação (PAPP-A) é capaz de identificar
cerca de 90% dos fetos com trissomias 21 com taxa de falso-positivos
de aproximadamente 3%.(4) No entanto, a disponibilidade da dosagem
sérica de beta-hCG e PAPP-A não é homogênea nas diferentes regiões
do país, eleva custos e, na maioria das clínicas e hospitais, dificulta a
obtenção de um resultado imediato para a paciente. Uma alternativa
com resultados similares ao uso da sorologia pode ser a combinação
de outros marcadores ultrassonográficos, como identificação do osso
nasal, Doppler do DV e regurgitação tricúspide, com medida da TN e
idade materna, pois otimiza recursos e tempo.
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CNE em Ultrassonografia em GO
Cálculo de risco
O cálculo de risco é feito acessando o programa da FMF para rastreio
de aneuploidias, informando-se ao programa as seguintes variáveis:
cor de pele, operador licenciado, presença de atividade cardíaca, fre-
quência cardíaca em batimentos por minuto, CCN em milímetros,
medida da translucência nucal em milímetros, presença ou ausên-
cia do osso nasal, IP do DV e presença ou ausência de regurgitação
tricúspide. Após obter consentimento informado da paciente, o ris-
co individual é calculado e revelado sob forma de fração.(4) Embora
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Ultrassonografia no primeiro trimestre de gestação
Conclusão
A ultrassonografia realizada entre 11 e 13 + 6 semanas tomou, ao lon-
go das décadas, importância ímpar no atendimento pré-natal. Além
de identificar o número, a localização e a viabilidade fetal, permite
avaliação preliminar da anatomia fetal, calcular risco de aneuploi-
dias e, mais recentemente, auxiliar na predição e na prevenção de
PE. Pela dificuldade do tamanho fetal, são necessárias atenção má-
xima e sistematização do exame. O presente artigo não esgota todos
os conhecimentos, mas certamente contribui na apresentação dos
principais pontos a serem observados no exame e sua adequação téc-
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CNE em Ultrassonografia em GO
Referências
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S, Teoh M, Costa FS. How to perform a sonographic morphological assessment of
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