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4.1 – Introdução
A solidificação de metais e ligas é um processo largamente utilizada na sociedade, desde que descobrimos as
vantagens de se obter um metal ou liga no estado líquido e conformá-lo nos processos produtivos, obtendo
peças, instrumentos, e diversos materiais úteis na aplicação tecnológica na indústria de forma geral. É na
possibilidade de se obter peças com desempenho superior em suas aplicações que motivou os pesquisadores,
durante anos, dedicados em suas pesquisas laboratoriais, a otimizar tanto a micro quanto a macroestrutura de
solidificação das ligas metálicas. A partir do estudo de seus arranjos cristalinos, do efeito das adições de
diversos metais nas ligas, em diferentes proporções em peso e combinações de elementos químicos, que foi
desenvolvida a Metalurgia Física, apoiada nas ciências térmicas e de análise instrumental, para chegar ao
grande desenvolvimento que hoje vemos no mundo deste tipo de materiais, como os aços de alto desempenho
e ligas não-ferrosas especiais.
Neste capítulo abordaremos a importância do conhecimento do processo de solidificação dos metais e ligas
em suas propriedades e aplicações finais. Em Fundição, o conhecimento destas não é só importante para a
otimização das propriedades mecânicas dos produtos, mas também para a competitividade do negócio, visto
que grandes perdas econômicas são oriundas dos processos falhos, que geram peças defeituosas ou a
recuperar nos processos de recondicionamento e tratamentos térmicos, que oneram os custos produtivos e
reduzem fortemente a competitividade das empresas de Fundição no mercado nacional e mundial.
Aplicação
Composição Química Processamento Propriedades
(Desempenho)
A composição química de uma liga é a base para definir a forma como determinado produto irá se comportar
frente aos esforços mecânicos aplicados. Isso se deve ao fato de que cada metal tem a sua forma de se ligar
preferencialmente uns aos outros, formando diferentes estruturas cristalinas, típicas nos materiais que realizam
as ligações metálicas. Estas diferentes estruturas produzidas por suas ligações, são determinantes para se
definir como o plano de átomos metálicos ligados se desloca sobre os outros durante a aplicação de esforços,
que resultarão em deformações permanentes (ou deformações plásticas), quando cessarem os esforços
aplicados. Ou ainda, o quanto o material irá resistir durante aplicação de cargas sem se deformar
permanentemente, nas deformações elásticas). Há ainda outras variáveis, como, por exemplo, a microestrutura
do material, o que inserimos conceitualmente no item “processamento”, visto que é nesta etapa que se define
a forma como a microestrutura do material se apresentará ao final dele. Conhecemos estruturas cristalinas nos
metais que são mais resistentes à deformação, como a cementita (Fe 3C) nos materiais ferrosos, ou os carbetos
de tungstênio (WC), nos materiais abrasivos, de alta dureza, bem como outros de fácil deformação, como a
ferrita (ferro alfa - CCC).
O conhecimento do ambiente no qual será aplicado o material escolhido é essencial para garantir o
desempenho do produto desenvolvido, pois as propriedades requeridas desse material devem estar, desde o
projeto, vinculadas a este ambiente. Se o ambiente é corrosivo, devemos escolher materiais que apresentem
propriedades compatíveis à resistência à corrosão, garantidos pela correta composição química escolhida
(materiais pouco reativos ou passivados em presença de oxigênio, evitando a corrosão) e também processados
de forma a gerar a microestrutura mais adequada.
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Como podem notar, não há como se descartar o processo de solidificação da importância devida que possui
nesta tecnologia de produção dos materiais metálicos, visto que é a partir dela que nascem os primeiros passos
para a adequação de um produto metálico ao projeto.
Figura 4.2 – Variação da Energia Livre de Gibbs para o Sólido e para o Líquido em metais puros.
Pelas definições da termodinâmica, todo sistema caminha para minimizar a sua energia livre G, assim, ao cair
a temperatura, espera-se que a diferença H – TS seja a menor possível para aquele sistema considerado, o
que implica em:
• Menor energia (Entalpia H) no sistema, devido a retirada de calor do mesmo,
• Menor valor de entropia S no sistema, devido à maior organização estrutural obtida na formação do
sólido cristalino, apesar de sabermos que haverá diferenças entre os valores teóricos e reais, dada a
presença de defeitos pontuais ou em linha na estrutura cristalina. Como a entropia mede o grau de
desorganização de um sistema, os sólidos apresentam o menor valor, dada a maior organização
estrutural.
Quando um sistema atinge valores de temperatura menores do que aquela definida no ponto onde a
temperatura do sistema é igual à TF, se dará as condições nas quais o início da formação dos embriões pode
se processar com um certo grau de super resfriamento, e uma vez atingindo um tamanho crítico de partícula,
se dá a estabilização destes embriões gerando os núcleos estáveis para a solidificação, o que será apresentado
mais à frente neste capítulo.
No mundo real, geralmente trabalhamos com materiais impuros ou ligas metálicas projetadas com dois ou mais
elementos químicos. De uma forma geral, o raciocínio é similar ao anterior aplicado para sistemas de um
componente. O que muda é a forma de se determinar a energia livre de Gibbs que agora é para uma solução
metálica, e não para apenas um componente.
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Quando desejamos avaliar a variação entre dois estados termodinâmicos, utilizamos o conceito de variação
para a expressão de Gibbs, que se reescreve:
• H = (HL – HS) ou entalpia molar inicial (líquido) menos a final (sólido) do metal ou liga (cal/mol).
• T = temperatura que se encontra o metal ou liga (K), no caso, do sólido formado (estado final).
• S = (SL – SS) Entropia final – inicial do sistema (cal/mol .K).
Note que o sinal de (HL – HS) é positivo, pois o calor contido no metal ao término da solidificação será menor
do que o do líquido, e que o sinal de (SL – SS) será positivo. O que se verifica é que em módulo o valor de TS
é superior ao valor de H, o que significa que a variação da energia livre de Gibbs G no sistema para sair de
TL e chegar na temperatura do sólido T S, será negativo, o que ocorre nas transformações espontâneas na
natureza (redução da energia livre nos sistemas). Aqui, a transformação ocorreu espontaneamente bastando
atuar sobre o sistema retirando o calor do mesmo.
Para um metal puro fundido em sua temperatura de fusão conhecida, portanto sem superaquecimento, o calor
contido a retirar para a sua solidificação é o mesmo dado para fundi-lo, conhecido como calor latente de fusão
LF (ou de solidificação). Pode ser calculado como:
𝑄
L= , (Eq 04.04)
𝑚
onde:
• Q = calor fornecido ao metal para fundir a ser removido;
• m = massa de metal fundido;
• L = Calor Latente de Fusão do metal puro, sem superaquecimento.
Podemos escrever que o calor latente do metal puro fundido é Q = mL (calor latente de fusão). Em um metal
fundido com um certo grau de superaquecimento, devemos somar a parcela de calor sensível ao calor latente
de fusão. Chamamos de calor sensível pois este é a parcela fornecida que agora contribuirá para a elevação
de temperatura do metal até a temperatura Tv de vazamento. Assim, temos o calor Total do Metal (QT):
• Calor Sensível (Qs) = m.cL. (Tv - TF), sendo cL o calor específico do metal líquido.
Com base no exposto era de se esperar que ao se atingir uma temperatura igual ou ligeiramente inferior à T F
o metal passe a se solidificar. O que se observa experimentalmente, é que há a necessidade de se ter um certo
grau de super resfriamento TR abaixo de TF para que se inicie a solidificação dos metais puros, sendo:
A Energia retirada para iniciar a solidificação atingiu um valor mínimo ainda na fase líquida (TS) para depois
ocorrer uma recalescência rápida, elevando novamente a temperatura do líquido até a temperatura de fusão
(TF). A partir daí, a temperatura permaneceu constante em todo o processo de solidificação, coexistindo duas
fases (sólido + líquido) até que se completasse a solidificação em um intervalo de tempo ts.
A recalescência é provocada pela liberação do calor latente de fusão, anteriormente adicionado ao sólido a
fundir durante o processo de aquecimento. Isso faz com que seja necessário um maior super resfriamento para
que esse calor não eleve a temperatura até valores superiores à TF, impedindo a solidificação. Há casos em
que essa elevação é pequena e não volta a atingir o patamar de T F, para os sólidos cristalinos. Para os metais
amorfos, isso não ocorre.
Surge então o conceito de intervalo de solidificação, que é o tempo decorrido entre iniciar-se a formação de
núcleos sólidos estáveis e terminá-la com 100% de sólido presente no sistema para ligas metálicas, que difere
daquele estabelecido para os metais puros. A primeira alteração, é que não identificamos para ligas metálicas
uma temperatura constante de transformação líquido-sólido, mas uma faixa de alterações de temperatura e de
frações volumétricas de fases com progressiva solidificação em curso. Portanto não podemos mais falar em
um ponto de fusão do metal, mas em uma temperatura de fusão da liga, que vai variar de acordo com a
proporção dos elementos químicos adicionados na mesma. Isso de deve ao fato de que há agora dois
elementos químicos formando uma solução metálica e que possuem diferentes pontos de fusão entre sí. A
elaboração de diagramas de equilíbrio para as ligas binárias (dois elementos químicos apenas) nos auxiliam a
entender esses princípios, o que é objeto dos estudos na disciplina de Físico-Química Metalúrgica no nosso
curso de Engenharia. Apenas no intuito de ilustrar o exposto, considere o diagrama Isomorfo a seguir na figura
4.4, de uma liga Ni-Cu, onde podemos formar ligas em 100% da faixa de composição entre estes elementos
químicos.
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(a) (b)
Figura 4.4 – Solidificação de uma liga Cu-Ni no resfriamento em equilíbrio termodinâmico.
Em (a) se visualiza o início da solidificação da liga, e o primeiro sólido a se formar tem a composição de 52%
de Cobre para um líquido com composição média de 70% em Cu (30% em Ni). À medida que a solidificação
caminha, o último sólido a se formar terá a composição média da liga, igual a 70% de Cu, o que mostra que a
composição dos sólidos formados não é a composição média da liga ao longo de todo o processo de
solidificação em condições de equilíbrio termodinâmico. Note que em (b) a solidificação ainda não terminou, e
o sólido formado à 1200ºC tem aproximadamente 60%Cu, e ainda há líquido presente no sistema. Imagine
agora este cenário em um processo de solidificação em moldes de fundição. Enquanto o molde está sendo
preenchido, há variações simultâneas de composição e de fração volumétrica de fases líquido + sólido no
material, que perde progressivamente fluidez com a queda da temperatura em curso. Quanto mais ampla for o
intervalo de tempo no qual ocorre a solidificação (intervalo de solidificaçao da liga), maiores tendem a ser os
problemas de fundição e de qualidade na peça fundida. Neste intervalo de tempo, há uma progressiva liberação
de calor latente da liga, e a entalpia de da liga é dada pela composição das entalpias parciais das fases sólida
e líquida (Hliga = fS HS + fL HL)., sendo f as frações de cada fase. O ideal seria uma transformação direta líquido
sólido, obtida nas ligas que se solidificam segundo a composição eutética, evitando formar essa zona pastosa
de sólido + líquido durante o preenchimento do molde ou de suas solidificação posterior.
Uma vez exposto o processo de solidificação segundo a ótica das variáveis de estado termodinâmico, vamos
abordar agora sob a ótica da chamada embriogênese, ou seja, como são formados os embriões que formarão
os núcleos estáveis que crescem durante a solidificação da liga metálica.
A teoria da nucleação homogênea considera que a formação de um sólido no seio do líquido se dará quando
haja a formação de núcleos estáveis em qualquer parte do mesmo, criando uma interface sólido/líquido bem
definida, sem o auxílio de nenhuma outra interface sólida no sistema. Na figura 4.2 vemos que quando a
temperatura da liga (TS) estiver próxima à temperatura de fusão T F, haverá pouca diferença de G ou força-
motriz para a intensa nucleação ocorrer. Provavelmente haverá a formação de novos embriões que
desaparecerão em seguida, mantendo o líquido por um longo tempo ainda como fase predominante. Por outro
lado, quando baixarmos significativamente a temperatura do líquido (TL) teremos uma força motriz suficiente
para aumentar significativamente a taxa de nucleação (𝑵̇) a ponto de avançar a solidificação dado o G ainda
menor (G <<0). Podemos então dizer que quanto maior for o super resfriamento (TR) aplicado à liga, maior
será a taxa de nucleação e portanto, mais intensa e rápida tende a ser a solidificação total.
Quando se forma então a partícula sólida de raio r, surge uma nova interface S/L que possui energia de
superfície (com energia superficial SL). A questão que justifica a não imediata solidificação do líquido nestas
condições, é que esta energia é positiva, ou seja, eleva-se termodinamicamente a energia total do sistema, o
que vai de encontro com a lei termodinâmica de minimização da energia total na transformação de fase S/L.
Podemos definir da seguinte forma a variação total de energia livre do sistema em solidificação:
Onde:
GV = Variação de energia livre para o volume da partícula sólida esférica formada no líquido, estando
a uma temperatura da liga TL abaixo da temperatura de fusão TF. Pode ser calculada por:
4 𝐻𝑓 (𝑇𝐹−𝑇𝐿 )
GV = 𝑟 3 . . (Eq 04.08)
3 𝑇𝐹
Gs = Variação de energia livre para a superfície da partícula sólida esférica na interface com o líquido.
Gs = 4𝑟 2 . 𝑆𝐿 . (Eq 04.09)
Portanto, a partir da equação 04.07, a variação total de energia livre é dada pela expressão:
G = GV + Gs
4 𝐻𝑓 (𝑇𝐹−𝑇𝐿)
G = 𝑟 3 . + 4𝑟 2 . 𝑆𝐿 . (Eq 04.10)
3 𝑇𝐹
Figura 4.5 – Variação de energia livre G em função das parcelas volumétrica e superficial .
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Quando o primeiro termo dessa soma é inferior ao segundo termo, a predominância da energia superficial da
partícula se sobrepões em efeito na solidificação, tornando o G positivo, o que significa processo não
espontâneo para a solidificação, e ela não ocorre. Esta seria a fase onde os embriões formados não possuem
energia volumétrica suficiente para vencer a barreira imposta pela criação desta energia de superfície. Não há,
assim, a formação de núcleos estáveis para a solidificação.
Quando enfim a energia livre associada à formação de um volume de partícula é suficiente para tornar o G
negativo, temos as condições termodinâmicas ideais para a continuidade da solidificação, e os embriões agora
se tornam núcleos estáveis (figura 4.6), e o seu crescimento é contínuo, bem como se intensifica a taxa de
nucleação, que aumenta até um valor máximo e depois decresce progressivamente (fig 4.7).
Na figura 4.6 nota-se que há um ponto de máximo na curva do G à ela está associado um raio crítico r*, que
marca o ponto r onde acima dele a energia associada à formação volumétrica da partícula esférica GV é, em
módulo, superior à energia de formação de superfície desta partícula GS (valores cada vez mais negativos!).
Para raios superiores ao r*, obtido com a contínua deposição de novos átomos e formação de novas célula
unitárias no reticulado cristalino do sólido formado, o G se torna cada vez mais negativo e a solidificação se
processa continuadamente. Através de modificações algébricas nas fórmulas anteriores, podemos chegar à
definição de uma expressão do raio crítico, bastando atribuir uma derivada na expressão do G de solidificação
e igualar a zero, obtendo o ponto de máximo da curva de G da figura 4.6. O raio crítico r*, bem como a variação
de energia de Gibbs G* associado a este raio, podem ser calculados por:
2𝛾
r* = - ∆𝐺𝑆𝐿 (Eq 04.11)
𝑣
16𝜋𝛾𝑆𝐿 3
G* = (Eq 04.12)
3(∆𝐺𝑣 )2
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Substituindo as expressões das energias de Gibbs volumétrica e superficial nas expressões acima, obtemos
as expressões de raio crítico r* e do G* correspondentes:
2𝛾𝑆𝐿 .𝑇𝐹 1
r* = - . (𝑇 ) (Eq 04.13)
2∆𝐻𝐹 𝐹 −𝑇𝐿
16𝜋𝛾𝑆𝐿 3 .𝑇𝐹 2 1
G* = . (𝑇 (Eq 04.14)
3(∆𝐻𝐹 )2 𝐹 −𝑇𝐿 )
2
Podemos então resumir a relação de embriões e núcleos estáveis como mostra a figura 4.8 a seguir:
Figura 4.8 – relação conceitual de embriões e núcleos estáveis em função do raio crítico r*.
Se compararmos dois sistemas de solidificação, onde um sistema tenha temperatura de solidificação igual a T 1
tal que seja maior que um segundo sistema com temperatura de solidificação T 2, podemos comparar seus
processos de solidificação como se segue na figura 4.9. No sistema 2 temos uma maior força-motriz de
solidificação, pois o super resfriamento imposto gerar um menor valor de raio crítico e, consequentemente, um
menor valor de G* associado a ele. O sistema 2 terá uma maior taxa de nucleação de núcleos estáveis, que
tendem a se solidificar mais rapidamente, gerando grãos cristalinos menores que aqueles formados no sistema
1, que por sua vez, será mais grosseiro em termos de distribuição média de tamanhos de grão.
Figura 4.9 – relação conceitual de embriões e núcleos estáveis em função do raio crítico r*.
Isso explica os motivos de que ao resfriar líquidos metálicos em coquilhas metálicas tende a gerar uma estrutura
de grãos mais refinadas que aqueles solidificados em moldes de areia verde, já que nas coquilhas pode ser
imposto uma maior taxa de resfriamento (devido ao maior super resfriamento imposto) do que na areia verde,
permitindo temperaturas de solidificação mais baixas.
A quantidade de núcleos estáveis presentes no líquido em solidificação pode ser expressa em termos de um
decaimento exponencial em função da temperatura, dada por:
∗ ⁄𝑘𝑇 )
N* = Kn * 𝑒 −(∆𝐺 (Eq 04.15)
Onde:
Kn = constante relacionada ao número total de núcleos na fase sólida
K constante de Boltzmann (1,38 x 10-3 J/K).
T = temperatura no instante t da solidificação.
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Ao se medir na prática os valores de super resfriamento dos metais puros necessários para iniciar a
solidificação, e assim confrontá-los com os valores teóricos determinados pelo modelo de solidificação
homogênea, identificamos grandes discrepâncias. A tabela 4.1 a seguir mostra os valores teóricos calculados
por este modelo:
Tabela 4.1 – Valores teóricos de super resfriamento (em Kelvin) segundo o modelo de solidificação
homogênea.
Metal Ponto de Fusão (Tf) T max. (K) T/Tf s SL (J/m2).10-3 L (kJ/Kg) V (%)
Como pode ser notado, os valores de super resfriamento teóricos são muito elevados e contradizem a prática
comum. Vejam o caso do ferro que sugere-se um super resfriamento de 295K para iniciar a sua solidificação,
ou seja, se vazarmos o mesmo em temperaturas de 1850K ele somente iniciaria a sua solidificação quanto a
temperatura atingisse (1809 – 295 = 1514K ou 1241ºC) ou seja, uma queda real de (1850 – 1514 = 336K !!).
Concluímos com facilidade de que esta é uma situação irreal, já que se constata na prática um super
resfriamento necessário menor que este para o Ferro, dependendo do tipo de molde e condições impostas da
taxa de resfriamento (forçado ou natural).
Então, para o que serve esta teoria? Antes que respondam “para nada” lembre-se que modelos são feitos para
darem as bases de desenvolvimento de modelos melhorados e que sejam representativos dos sistemas em
estudo. Para isso, surgiu o modelo de solidificação segundo a teoria de nucleação heterogênea, que incorpora
ao modelo anterior variáveis antes não consideradas, como a presença de superfícies sólidas pré-existentes,
como inclusões endógenas ou exógenas, rugosidades nas paredes do molde, interfaces com películas de
óxidos na superfície do líquido ou com uso de inoculantes inseridos no líquido com objetivo de alterar
propriedades do material, e que são fatores importantes no balanço energético do sistema. Vamos analisar
agora a nucleação heterogênea e suas implicações.
A nucleação heterogênea se baseia no fato de que outras superfícies existentes no líquido, sejam elas geradas
no processamento do metal ou liga ou advindas das vizinhanças do sistema, podem auxiliar na redução da
energia total de formação dos núcleos. As superfícies pré-existentes no meio líquido contribuem para a cinética
de formação das partículas sólidas por contribuírem com parcelas de energia superficial no contato dos átomos
do líquido fundidos com esta, funcionando como uma espécie de substrato para o crescimento dos núcleos. O
mesmo raciocínio se aplica à parcela volumétrica do G do sistema como um todo.
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A figura 4.11 revela um esquema de tensões geradas a partir do contato de uma superfície esférica sobre um
substrato plano. As tensões em equilíbrio no ponto P são:
• Energia superficial Líquido/Substrato (𝐿 );
• Energia superficial Sólido/Substrato (𝑆 );
• Energia superficial Sólido / Líquido (𝑆𝐿 ).
Aplicando-se uma dedução matemática sobre este equilíbrio, e sabendo que podemos exprimir a equação em
termos do ângulo formado, pode-se demonstrar que:
2s𝑆𝐿 .𝑇𝐹
r* = (Eq 04.07)
𝐿.∆𝑇
3 2
16𝜋𝛾𝑆𝐿 𝑇𝐹 1
G* = . [4 (2 − 3𝐶𝑜𝑠 + 𝐶𝑜𝑠 3 ] (Eq 04.18)
3(𝐿𝑇)2
O leitor deve notar que esta equação da energia livre para o raio crítico na nucleação heterogênea difere de
sua correspondente da nucleação homogênea pelo fator:
1
f() = (2 − 3𝐶𝑜𝑠 + 𝐶𝑜𝑠 3 ], (Eq 04.19)
4
como mostrado na figura 4.12, uma vez que sabemos que para a fusão de substância pura:
O fator de forma f() (figura 4.12) mostra o grau do desvio ou distanciamento entre os modelos de nucleação
homogênea e heterogênea, sendo que à medida que a calota esférica tende a forma um ângulo de 180º, o
modelo heterogêneo se aproxima do modelo homogêneo, ou seja, a razão ente os valores do G das
nucleações homogênea e Heterogênea se igualam (valor igual a 1). Isso significa que os modelos coincidem e
as equações são as mesmas para prever tanto o raio crítico quanto o 𝐺 𝑐𝑟í𝑡𝑖𝑐𝑜.
À medida em que haja estruturas favoráveis à nucleação heterogênea com maior “molhabilidade do líquido”
sobre a superfície do substrato (o que significa tender a ângulos do fator de forma f() tendendo a 0º, mais
favorável é a solidificação em baixos super resfriamentos se comparados aos de alto ângulo nas mesmas
condições. Isso significa que em presença de contornos de grão formados (área de alta energia superficial),
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em protuberâncias dos moldes em contato com o líquido fundido, ou pontos triplos de encontros de partículas
ou grãos, terão nestas regiões pontos mais favoráveis ao início da formação dos núcleos de solidificação, sendo
menos provável no seio do líquido, onde teríamos uma formação de uma calota esférica perfeita sem auxílio
de outras superfícies. Por isso geralmente a solidificação nos produtos fundidos iniciam sobre estas superfícies
e se torna necessário controlar estas variáveis para o controle do processo de fundição, exercendo influência,
como veremos, nas micro e macroestruturas dos lingotes e peças fundidas.
Figura 4.12 – função fator de forma em função do ângulo de contato do líquido no substrato.
Após o início da nucleação, surge a etapa de crescimento dos núcleos formados até que se complete a
solidificação. Aqui estarão sendo formados as células unitárias características dos reticulados cristalinos dos
diversos metais, com seus respectivos constituintes e orientações espaciais, redistribuindo o soluto ao longo
das direções e planos cristalográficos, ocupando interstícios (átomos de soluto de pequeno raio atômico como
H, N, C, etc...) e posições regulares pelos átomos do solvente ou solutos de maior raio atômico nos cristais
formados.
Entre os diversos cristais formados e sua disposição nas diversas direções, surgirão os contornos de grão,
conforme se ajustem as direções de crescimento. Como regra geral, a maior direção de crescimento será
aquela que estiver mais alinhada na direção de maior velocidade de extração de calor do molde, em sentido
oposto à esta extração de calor. A partir das paredes do molde e entre os cristais formados, surgirão diversos
novos cristais de formas típicas como as colunares, equiaxiais ou coquilhados, formando zonas caraterísticas
no fundido, as chamadas macroestruturas de solidificação.
Outros problemas são advindos nesta etapa de crescimento dos cristais, que são as segregações químicas,
que serão oportunamente detalhadas nos capítulos à frente. Por ora basta saber que há uma variação de
composição química que pode ser com gradientes crescentes ou decrescentes na direção de crescimento dos
cristais e grãos. Alguns níveis de gradientes químicos impostos são de curto alcance nos cristais
(microsegregação) e outros atravessam toda a estrutura das paredes até o centro, ou da base até o topo do
lingote ou peça solidificada, a chamada macrosegregação. Isso implica na variação de propriedades mecânicas
que podem comprometer a aplicação de alguns produtos, necessitando intervenção nos processos produtivos
para minimizá-las ou até mesmo descartar as regiões que não sejam recuperáveis ou inadequadas aos
produtos acabados.
A taxa na qual os núcleos iniciais crescem determinará o tamanho médio final de grão da estrutura, além de
influenciar também no nível de segregação química (micro e macro segregações). Conjuntamente à taxa de
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nucleação 𝑁̇, a taxa de crescimento de núcleos 𝐺̇ determinarão a condição de maior ou menor refinamento dos
grãos formados na solidificação. Podemos definir as seguintes possibilidades:
À medida que os átomos vão se depositando nas frentes de solidificação (perpendiculares à direção de intensa
extração de calor), podem surgir diferentes perfis destas interfaces, conforme se ajustem mais ou menos ao
reticulado cristalino da liga. São as frentes rugosas (também chamadas de difusas) ou as frentes planas
(também chamadas de facetadas). Existem três modelos principais de crescimento das frentes de solidificação,
o que é ilustrado pela figura 4.13. Os modelos basicamente são:
Figura 4.13 – Vistas do crescimento planar (frontal e lateral) em função da intensidade do super resfriamento constitucional.
Para entender estas três configurações de crescimento da frente de solidificação, precisamos entender como
se comporta o soluto na liga durante a solidificação, bem como o que se passa nas regiões adjacente à frente
de solidificação no seio do líquido em termos cinéticos (termicamente ativados). Quando aplicamos baixo super
resfriamento na liga, há tempo suficiente de solidificação (avanço da frente de solidificação) para uma melhor
acomodação dos átomos em seus lugares no cristal, minimizando a energia de empilhamento (baixo nível de
defeitos cristalinos gerados). Isso favorece a formação de uma interface plana ou facetada, característica das
frentes de solidificação planar, típicas dos metais puros).
Quando aumentamos o super resfriamento na solidificação, para as ligas que possuem solutos em percentuais
significativos, surge mais fortemente o efeito da segregação química, onde o soluto pode ser rejeitado para a
frente de solidificação (onde há o líquido ainda não solidificado) ou ser retido na parte já solidificada (diminuindo
o teor desse soluto no líquido à frente da interface que avança). Estudaremos em mais detalhes este fenômeno
em capítulos à frente. O que importa por enquanto, é saber que esta deposição de soluto à frente da interface
de solidificação promove um abaixamento da temperatura localmente, o que chamamos de super
resfriamento constitucional. Para acomodar este soluto, a frente de solidificação que avança agora em maior
velocidade, “engloba” esse soluto, capaz de retê-lo e permitir o avanço do seu crescimento, o que origina uma
frente chamada de celular. Agravando-se o efeito do super resfriamento aplicado (o que eleva a segregação
na frente de solidificação) intensifica-se o fenômeno do super resfriamento constitucional e então surge a
estrutura chamada dendrítica. A dendrita formada possui um eixo principal de crescimento (eixo primário) e
outros secundário (perpendicular ao primário) e sobre estes braços secundários, surgem perpendiculares os
braços terciários. Isso dependerá da característica do material e do sistema de resfriamento aplicado. A figura
4.14 mostra a transição de formação de uma estrutura plana, para celular e enfim para uma estrutura dendrítica,
à medida que varia a velocidade de avanço da frente de solidificação da base (menor super resfriamento) para
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o topo (maior super resfriamento). Na base da figura nota-se que a frente planar se evidencia pela ausência de
resolução de interfaces celular ou dendrítica (mais evidentes do terço inferior da figura ao topo). O ataque
químico que é realizado na metalografia do material não revela contornos de grão, já que a característica da
frente planar é uma melhor acomodação dos átomos nas posições de menor energia no cristal, não produzindo
contornos visíveis ou resolvíveis com pequenos aumentos nos microscópios óticos. Quanto mais desajustes
nos empilhamentos e formação dos grãos, mais intensamente o ácido da preparação metalográfica ataca a
amostra metálica e revela mais vivamente os contornos de grão do material, através da remoção dos átomos
mais periféricos nestes contornos, dado o desajuste de empilhamento e maior exposição ao ácido para reações
de dissolução e remoção destes contornos (regiões de alta energia e preferenciais para o ataque químico).
Durante a solidificação, parte do soluto é rejeitado para o líquido à frente de solidificação, e que fica retido nos
espaçamentos interdendrítico, ou seja, entre os braços das dendritas formadas com o avanço da frente de
solidificação (líquido interdendrítico). Chamamos de zona pastosa a região próxima às extremidades dos
veios primários das dendritas em suas extremidades junto ao líquido a solidificar (líquido extradendrítico), pois
nesta região a temperatura está menor do que aquela no seio do líquido que ainda não perdeu calor suficiente
para as paredes do molde.
Figura 4.17 – alimentação dos espaçamentos interdendríticos pelo líquido remanescente durante a solidificação.
Nos capítulos a seguir trataremos de avaliar a forma de solidificação de diversas ligas, em função das suas
características termodinâmicas (sistemas isomorfos e eutéticos prioritariamente) para as ligas monofásicas e
polifásicas, respectivamente, onde conceituaremos melhor a questão do super resfriamento constitucional, a
segregação química e as características dos arranjos cristalinos dos grãos e das diferentes frentes de
solidificação.