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1 - PARABOLA Caminha entre os novelos 

Do som.
(Movimento dos Pássaros)Jell *
Povoar o silêncio. Entre as areias caldas 
* O tegumento, raiz 
Meu tormento Que já não medra. 
É este saber-se  
Pronto para o salto Verbo inerme na boca 
* Nos ouvidos 
É este saber-se exato A Palavra secou,
Para o grito, Silêncio antes do grito.
As palavras no ar *
Como pedradas
* (Movimento dos espinhos) Bárbara
Saber do gesto o risco, Vingar entre abrolhos, 
O vôo oblíquo Devorar-se 
De asas sobre o nada. Em solecismo e mordaça
Formosura veloz, *
Fúria leve de espadas, Virar pelo avesso 
Aves desceram do céu A morte porque a vida 
Com suas garras Resolve-se putrefata.
E devoraram a messe  
Que eu plantava Crescer entre arames, 
* Entre farpas, 
Entre agulhas travando-se 
(Movimento das pedras)Ju
A batalha 
Entre o cristal e a pedra, 
Da língua no palato.
Entre a surda   
Cintilação do quartzo  Entre a miragem do grão 
Entre o basalto  Que se dilata 
E a íris do que cego  Sufocado entre sarças.
Adivinha, do que surdo 
(Movimento das searas) Coro 2 – ESFINGE (BARBARA)
O verbo se fez arma Revesti-me de mistério
Se fez corte Por ser frágil,
Navalha. Pois bem sei que decifrar-
  me
O verbo se fez bala  É destruir-me.
Se fez
Veneno em minha boca No fundo, não me importa
O enigma que proponho.
Se fez
Parábola e semente.
Por ser mulher e pássaro
 
E leoa,
O grito fez-se alarme Tendo forjado em aço
Fez-se terra As minhas garras,
Semeada É que se espantam
* E se apavoram.
Medrou o silêncio
Em algazarra Não me exalto.
E a verdade cresceu Sei que virá o dia das
Como planta no estio,  respostas
Como messe sagrada. E profetizo-me clara e
* desarmada.
Semeadura de cantos
Meu poema E por saber que a morte
Ressurgirá das cinzas É a última chave,
Destas brasas. Adivinho-me nas vítimas
que estraçalho.
Quem tem ouvidos ouça
Que a palavra 3 – IMPOSSIBILIDADE
DE DIZER
Soará entre os frutos
Da seara
Aqui não falo
Que a língua é um travo
De maldizer. Sem sentir,
Sem ressentir o
E não desminto, Caldo,
Antes o avesso A sopa fria do sempre
Sinto Repetido.
Do não dito.
Coisa amarga na boca
Carrego o peso Refluindo,
Por isso, As palavras dissolvem-se
Por tudo o que calando Em seu ácido
Consinto. Silêncio e se devoram,
* Alimento e fome
E no entanto sei De si mesmas.
Do pouso aéreo *
Da verdade, Aqui não digo,
Antes dissesse
Como navalhas ásperas O que é preciso.
Sintaxe de claridade.
E nem maldigo,
E no entanto, do Que a paciência
Que sei não digo, É o que persigo.
Antes calo.
Será o medo
Ferrolhos na cara, Do que pressinto?
Maxilas-tenazes Ou antes náusea,
Sem alarme. Seu mofo alambre
* Me destruindo.
O que dizer
O que – sim – E se me calo,
Sem ruminar a baba Não te iludas:
Espessa SINTO!
Do já dito.
4 - O risco na pele
I é meu triunfo.
Guardo de mim
Ferozmente o silêncio Palavras, palavras...
E o apascentar de cóleras Alimento de meu ser,
Subterrâneas.
último nada,
É da fêmea
O abismo Última visão do tempo,
E as obscuras testemunha de mim,
Forças da terra, escritura encantada,

É da mulher Caminho sobre o fio


A longa de uma espada;
Gestação dos metais, São vestígios no tempo
estas palavras.
O parentesco da argila,
O lento cozinhar Meu discurso
De tijolos ao sol,
é ruína e devaneio.
Este fuso, esta linha
Enrolada no tempo, Por ser mulher,
É da mulher o cerne a parte que me cabe
Do que importa, é o avesso do nada,
A lâmina nos pulsos
E o sinal da derrota. O lado cego dos espelhos,
O aro de dentro dos escudos,
5 – RAINHA VASHTI A história apagada
(Juliana) e recontada a medo.

Palavras são demônios 6 - A ILHA


que liberto ao falar

E falando me dou Invento a ilha, 
E sou inteira, Mistério 
E o fracasso de dizer De ser real 
E sonhada,  Circunferência, circo. 
E crio além do  Toda ilha tem um ponto 
Que existe,  Que a fixa ao abismo. 
Território do mostrado.  À noite, se sente 
Toco o bojo das palavras,  O balançar de barco 
Miolo do sofrimento,  Na água primordial
E então instauro   De onde todos viemos.
Um momento 
Toda ilha é um pássaro 
Onde tudo se estilhaça 
De dor e de silêncio, 
E o centro do mundo 
É nada Toda ilha é um homem 
Devorado por dentro.

II (Ju) IV (Jell)
Insulares somos   A solidão se habita 
Habitantes do acaso,  Como um claustro. 
Nascimento ou naufrágio  Há um pavor de precipício 
Nossa dura emergência.  Surgindo a cada passo, 
Viver é repetir-se  Cada novo compasso 
Na areia o mesmo signo,  É símbolo de um engano. 
O mesmo passo incerto  O verde do mar 
De cauteloso bicho.  Se tornará cilício, 
No centro, o mesmo enigma,  Quando a ilha girar 
O mesmo fuso inquieto  Como um relógio insano.
À procura do abismo.  A moradia do sal
O mesmo cão selvagem  Lentamente se apaga, 
Lançando o mesmo grito. E um polvo milenar 
Esmaga-me nos sonhos.
III (barbara)
A ilha é um aconchego,  V (coro)
Um redondo limite.  Todas as ilhas 
Toda ilha é um círculo,  São Ilha, 
Cristal escuro no  Não quero tua candeia,
Tempo.  Só meus sonhos acesos
E eu te direi de nácar,
Arquetípica paisagem  Terciopelo,
Onde dormem celacantos,  Coisas antigas, pêlo de
O mesmo sono,  Leoa; voz de cego na feira.
O memo denso  Não quero teu braseiro,
Mudar-se em patas  Tua intensa
E mamas.  Cintilação que queima
Meus vestidos,
Todas as ilhas 
São praias  Só quero a tua volta,
Do inconsciente oceano. Tua presença
Iluminando a noite
Que me cerca
Como uma luz acesa
7 - Maria Bonita No postigo.
Esta noite em Angico Que sabes de minha vida
A brisa é calma. Além da morte
No silêncio farfalham Inquieta que me ronda?
Minhas anáguas Que sabes desta chita,
Como farfalham asas, Destes panos
E no escuro minha carne Que envolvem minha nudez
Cheira a mato. Como uma chama?
Vem, meu amor, e lavra São teus olhos
Este roçado Carvões que me devoram,
Como quem quebra São teus beijos
Um cântaro, Fosforescências de mel,
Como quem lava Travo forte das frutas.
A casa;
Águas frescas na tarde. Teus dedos como setas
Apontam meu destino:
Tuas limpas carícias, Meu caminho
Teus dedos como pássaros Na planta de teus pés;
E teu corpo que arde Meu horizonte
Como estrelas No risco de tuas mãos
No espaço. E meus cabelos
Esparsos sobre a relva E a lâmina é meu resgate.
Em que me habitas.
Sou tua fera. Sussuarana
Sou teu medo, teu sangue, No escuro — bote e salto.
Sou teu sono, Jaguatirica acesa nestes altos
Tua alpercata Mundéus de teu alarme.
De couro, Sou o parto
Teu olho cego, miragem Da morte que te espreita.
Dos vidros
Com que miras Sou teu guia,
A mira do mosquete. Tua estrela, teu rastro, tua
corja.
Sou teu sabre, Sou tua mãe que chora,
Facão com que degolas. Sou tua filha. Teu cachorro fiel,
Sou o gosto do sal, Tua égua parida.
Veneno que espalharam Sou a roseta na carne,
No prato. O lombo nas esporas.
Sou a colher de prata
Azinhavrada. Sou teu laço. Sou montaria e cavalo,
Fúria e faca.
Teu lenço Ferro em brasa na espádua
No pescoço. Sou teu gado,
Sou teu chapéu de couro Tua mulher, tua terra,
Constelado Tua alma,
Com estrelas de prata, Tua roça. Coivara
Que incendeias e apagas,
Sou a ponta Tua casa.
De teu punhal buscando
O peito dos macacos. Areia no sapato.
Sou teu braço, Sou a rede
A cartucheira cruzada Aberta como um fruto,
Sobre o peito,
Sou teu leito Sou soluço. Fome escura
De angico e alecrim. De poço.
Sou a caça
Sou a almofada Abatida. Lebre e gato,
Em que deitas a face, Coisas quentes ao tato.
O cheiro agreste
Dos homens que mataste. Vem, meu dono, meu sócio,
Sou a bainha, Meu comparsa.
Desarma o teu cansaço,
Desata a cartucheira,
A noite é farta,
Como besta no cio,
A noite é vasta.
Vem devagar
E habita meu silêncio
Como se habita
Um claustro.
Teus beijos como
Lâminas. Como espadas.
Pasto de aves meu corpo
Que trabalhas
Como quem corta e lavra.
Desata a cartucheira,
Teu campo de batalha
Sou eu.
Por um momento,
Esquece o que te mata
— Fúria e falta —,
E enquanto a noite é calma,
Vem e apaga,
Na pele de meu peito,
Esta fome sem data.

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